Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Daniel Revah
Universidade Federal de São Paulo, Brasil.
Resumo
Este artigo compara as edições inaugurais de dois periódicos educacionais do Grupo Abril:
ESCOLA e Nova Escola. O primeiro é editado durante a ditadura militar, entre outubro de 1971 e
abril de 1974, totalizando 27 números. O segundo é lançado logo após a retomada do regime
democrático, em março de 1986, sendo editado até hoje, numa média de dez números anuais.
Cerca de 15 anos separam o início das duas publicações, ambas dirigidas aos professores do 1º
Grau e muito semelhantes quanto à sua forma material. Outra característica comum e
indissociável dessa forma material é o uso dos recursos do jornalismo e a sua venda em bancas
de jornal. Apesar dessas semelhanças, a sua repercussão no campo educacional diferiu
sobremaneira, pois a revista ESCOLA foi um fracasso do ponto de vista comercial e não parece
ter alcançado relevância entre seus destinatários; ao contrário de Nova Escola, que teve forte
penetração entre os professores. Ao comparar as edições inaugurais, este trabalho pretende
analisar o modo como cada periódico busca situar-se diante de seus leitores, mas também em
face de conjunturas políticas bem diversas (ditadura versus democracia). Com essa finalidade,
serão focalizados e analisados os editoriais de apresentação e as capas da primeira edição, junto
com as reportagens correspondentes e outros elementos dessas edições considerados
importantes para desenvolver a questão proposta.
Palavras-chave: Grupo Abril, ESCOLA, Nova Escola, impresso educacional.
Abstract
This paper compares Inaugural editions for two Educational journals from April Group: ESCOLA
and Nova Escola. The first was issued during the military dictatorship, between October 1971 and
April 1974, with a total of 27 numbers in the circulation. Tthe second was released straight after the
resumption of the democratic regime in March 1986, it has being published until today, with an
average of ten issues a year. About 15 years separate the beginning of the two publications, both
directed to primary school teachers and very similar in its material form. Another common
characteristic and inseparable material is the use of the journalism resources and its sales at
newsstands. Despite these similarities, their impact on the educational area differ greatly, because
the ESCOLA magazine, in a commercial point of view was a failure and it does not seem to have
achieved importance among of recipients, unlike Nova Escola, which had strong entry among
teachers. By comparing the inaugural edition, this paper aims to examine how each journal seeks
to situate itself in front of its readers, but also in the face of very different political circumstances
(dictatorship x democracy). For this purpose, will be analyzed and focused the editorial
presentation and the first edition covers along with the corresponding reportage and other
elements of these issues considered important to develop the proposed question.
Key-words: Abril Group, ESCOLA, Nova Escola, printed educational.
Resumen
Este artículo compara las ediciones inaugurales de dos revistas educativas del Grupo Abril:
ESCOLA y Nova Escola. La primera fue editada durante la dictadura militar, entre octubre de 1971
y abril de 1974, llegando a un total de 27 números. La segunda fue lanzada poco después de la
retomada del régimen democrático, en marzo de 1986, con ediciones periódicas hasta hoy y una
media de diez números anuales. Cerca de 15 años separan el inicio de las dos publicaciones,
ambas dirigidas a los profesores de la escuela primaria y muy semejantes en cuanto a su forma
material. Otra característica común y indisociable de esa forma material es el uso de los recursos
del periodismo y su venta en kioscos. A pesar de esas semejanzas, su repercusión en el campo
educativo fue muy diferente, pues la revista ESCOLA fracasó del punto de vista comercial y
aparentemente no llegó a ser relevante entre sus destinatarios; al contrario de Nova Escola, que
tuvo fuerte aceptación entre los profesores. Por medio de la comparación de las ediciones
inaugurales, este trabajo pretende analizar la manera como cada revista busca situarse ante sus
lectores, pero también delante de coyunturas políticas bien diferentes (dictadura x democracia).
Con esa finalidad, serán focalizados y analizados los editoriales de presentación y las capas de la
primera edición, junto con los reportajes correspondientes y otros elementos de esas ediciones
considerados importantes para desarrollar la cuestión propuesta.
Palabras clave: Grupo Abril, ESCOLA, Nova Escola, impreso educacional.
Résumé
Cet article fait la comparaison entre les éditions inauguraux de deux périodiques éducationaux de
la maison d‟édition Grupo Abril: ESCOLA et Nova Escola. Le premier a été édité pendant la
dictature militaire, entre octobre 1971 et avril 1974, totalisant 27 numéros. Le second est publié
immédiatement après la reprise du régime démocratique, mars 1986, étant édité jusqu‟aujourd‟hui,
en moyenne 10 números par an. Environ 15 ans separent le début des publications, les deux sont
dirigées aux professeurs du 1er dégré et sont très pareille en ce qui concerne sa forme matérielle.
L'autre caractéristique normale et inséparable de cette forme matérielle est l'utilisation des recours
du journalisme et à sa vente en kiosque à journaux. Malgré ses similarités, sa répercussion dans
le domaine éducatif diffèrent considérablement, puisque la revue ESCOLA a été un échec du point
de vu commercial et ne semble pas avoir atteint importance parmis ses destinataires ; au contraire
de Nova Escola, qu‟a eu une forte pénétration parmis les professeurs. En comparant les éditions
inauguraux, ce travail prétend analyser la façon de comment chaque périodique cherche se situer
face à leurs lecteurs, mais aussi face à une conjecture politique bien différente (dictature x
démocracie). Avec ce but, les éditoriaux de présentation et les couvertures de la première édition
seront focalisés et analysés, et d'autres éléments de ces éditions considérées importantes pour
développer la question proposée.
Mots-clé: Grupo Abril, ESCOLA, Nova Escola, publication pédagogique.
A
Editora Abril, inaugurada oficialmente por Victor Civita em 1950, em algumas
décadas tornou-se a maior editora de revistas comerciais do Brasil.1 Com
revistas como Claudia, Quatro Rodas e Veja, já nos anos de 1960 destaca-se
pelo sucesso de suas publicações e pelo atendimento a públicos diversos, com interesses
específicos, seguindo a tendência cada vez mais acentuada de segmentação do mercado
de revistas.
No campo educacional, a Editora Abril faz a sua primeira incursão com um periódico
educacional no ano de 1971, em outubro, no mês em que se comemora o dia do
professor. Com o número zero, a edição inaugural da revista ESCOLA é apresentada pelo
próprio Victor Civita, no editorial de mais um empreendimento para um público específico,
desta vez os professores do 1º Grau, o nível de ensino criado pelo regime militar nesse
mesmo ano, por meio da lei n. 5.692/71.
O primeiro periódico educacional da Editora Abril tem uma vida curta, pois deixa de
ser publicado em abril de 1974, quando totaliza 27 números. Nova tentativa é feita em
meados da década seguinte, com um título que remete para a publicação anterior: Nova
Escola. Lançada logo após o fim da ditadura militar, em março de 1986, a revista é
apresentada como uma publicação da Fundação Victor Civita, que foi criada em 1985 e
pertencia ao grupo empresarial iniciado com a Editora Abril, à época com uma ampla e
diversificada atuação no mercado.2 A nova publicação do Grupo Abril é bem sucedida e
continua a ser editada até os dias de hoje, numa média de dez números anuais.
Cerca de 15 anos separam o início das duas publicações, ambas dirigidas aos
professores do 1º Grau e muito semelhantes quanto à sua forma material. Outra
característica comum e indissociável dessa forma material é o uso dos recursos do
jornalismo e a sua venda em bancas de jornal. Apesar dessas semelhanças, a sua
repercussão no campo educacional diferiu sobremaneira, pois a revista ESCOLA foi um
fracasso do ponto de vista comercial e não parece ter alcançado relevância entre seus
destinatários; ao contrário de Nova Escola, que teve forte penetração entre os
professores.
O objetivo deste trabalho é comparar as edições iniciais desses dois periódicos,
atentando para o modo como buscam situar-se nesse momento inaugural diante de seus
leitores, mas também em face de conjunturas políticas bem diversas. Com essa
finalidade, serão focalizados e analisados os editoriais de apresentação e as capas da
primeira edição, junto com as reportagens correspondentes e outros elementos dessas
edições considerados importantes para desenvolver a questão proposta.
As significações que definem o lugar em que esses periódicos procuram situar-se no
momento de seu lançamento, e que em última instância concernem ao lugar do próprio
Grupo Abril, são analisadas neste trabalho tendo em vista as características materiais do
suporte, de maneira a seguir nesse ponto o que a história cultural postula com Chartier
sobre a necessidade de considerar os sentidos das formas, pois, como ele diz, “não há
1
Ao findar o século 20, o Grupo Abril era responsável por “64% do mercado brasileiro de revistas” (Pereira,
2010, p. 305).
2
A ampliação e diversificação do Grupo Abril continuou nas décadas seguintes. Além da Editora Abril, em
2004 compreendia a TVA, a MTV e as editoras Ática e Scipione, constituindo um dos maiores grupos de
comunicação da América Latina (Pereira, 2010, p. 305; Charnizon, 2008, p. 18 e 37).
compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através
das quais ele chega ao seu leitor” (1990, p. 127).
Nessas significações, uma dimensão importante é a representação do leitor visado
por essas publicações e que elas próprias criam no momento em que procuram definir
seu lugar no mercado, em conformidade também com determinada conjuntura política e
cultural. Embora nos dois casos o leitor visado e a forma material sejam, à primeira vista,
bem semelhantes, dando lugar a pensar que a segunda publicação é tão-somente uma
retomada da primeira (Pedroso, 1999; Silveira, 2006), nas entrelinhas dessas
semelhanças e em elementos menos implícitos podemos encontrar as diferenças que as
conjunturas políticas evidenciam e que uma análise comparativa pode fazer emergir como
faces distintas e até opostas do que, à maneira de um leitmotiv, move um grupo
empresarial como o Grupo Abril. Essas faces distintas, que aqui serão expostas por meio
da análise das opções editoriais de cada periódico no momento inaugural, fazem parte
também de um velho sonho de seu fundador, um sonho que em última instância define o
próprio Grupo Abril.
3
A respeito do caráter experimental da própria revista, em razão do que ela representava como projeto
gráfico e editorial diferenciado em face do que predominava entre os periódicos educacionais da época,
veja-se Revah e Toledo (2010).
4
Num estudo de caso sobre a revista ESCOLA publicado em 1979 afirma-se que essa publicação não
recebia subsídios de órgãos estatais, mantendo-se com a venda de exemplares avulsos em bancas de
jornal, assinaturas e anúncios (Rosenberg et al., 1979, p. 59-60). Fala-se também que as vendas de
assinaturas esbarravam em obstáculos de dois tipos: a desorganização dos serviços do Correio brasileiro
e as deficiências do próprio departamento da editora responsável pelas assinaturas (ibid., p. 59-60).
Tentou-se, mas sem sucesso, a venda de assinaturas em bloco e com desconto a órgãos de governo, que
as revenderia aos professores (p. 61). Sobre as hipóteses a respeito das razões que levaram ao
encerramento dessa publicação, veja-se também Revah e Toledo (2010 e 2011) e Vieira (1995, p. 22),
que apresenta “um documento de circulação interna” da revista Nova Escola que se refere à publicação
anterior.
5
A respeito desse entrelaçamento, é sugestiva esta afirmação de Civita sobre o vendedor ideal de livros:
ele “tem consciência da importância do produto que oferece e vende, vende, vende! E que faz a venda,
convicto que está não só vendendo, mas divulgando conhecimentos, repartindo cultura” (Civita, 1974 apud
Pereira, 2010, p. 310). Já desde os anos de 1960 a principal estratégia da Editora Abril para a venda de
seus produtos foi a utilização de bancas de jornal (Pereira, 2010, p. 306).
6
A reforma do ensino criou o 1º e 2º graus e reorganizou os níveis do ensino, ao reunir no primeiro nível a
escola primária e o ginásio, que antes da reforma fazia parte do secundário.
nossos colaboradores [...] trata-se de algo mais que uma reforma: é uma nova concepção
da escola e do ensino” (idid., p. 3). O editorial termina afirmando que o n. 1 da revista
ESCOLA será lançado em março de 1972, “no momento em que começará uma das mais
audaciosas fases de toda a história do ensino no Brasil” (idid., p. 3). Vê-se então que o
editorial inaugural procura envolver o professor na mudança em curso de forma
laudatória, sem economizar elogios às políticas educacionais da ditadura.
Com o retorno da democracia, em meados da década de 1980, Civita apresenta a
revista Nova Escola destacando objetivos em parte semelhantes ou próximos aos da
publicação anterior, como estes: “fornecer à professora informações necessárias a um
melhor desempenho do seu trabalho” e “proporcionar uma troca de experiências e
conhecimentos entre todas as professoras brasileiras de 1º Grau” (Civita, 1986, p. 5). À
semelhança de ESCOLA, alude também a uma mudança em curso nesse momento e
desta vez explicita que a revista busca integrar a professora “ao processo de mudança
que ora se verifica no país”, deixando implícito o sentido ou natureza dessa mudança
(idid., p. 5). Na época, celebrava-se a volta da democracia, com a chamada Nova
República, após 20 anos de ditadura militar.
A nova revista do Grupo Abril nasce sintonizada com essa mudança, com a qual
implicitamente se vincula por meio do significante nova presente em seu nome,
estabelecendo também desse mesmo modo certa distância em relação ao próprio
passado, no qual confundia-se com o regime na sua enfática defesa das suas políticas
educacionais. A única indicação explícita a respeito do sentido dessa mudança surge na
referência que o editorial faz ao “clima de diálogo e colaboração que impera hoje no
Ministério de Educação”, que assinou contrato com a Fundação Victor Civita
possibilitando assim que cada uma das 220 mil escolas públicas de 1º Grau do país
receba um exemplar de Nova Escola (Civita, 1986, p. 5).7
Alude-se também a “algumas empresas privadas” e a seu “espírito público”, em
decorrência do apoio dado ao novo empreendimento do Grupo Abril (idid., p. 5). Como
diferença importante em face do editorial anterior, explicita-se este objetivo em relação à
professora: a intenção de “valorizá-la; resgatar seu prestígio e liderança junto à
comunidade” (idid., p. 5). Note-se que essa intenção parece deixar implícita a ideia de que
houve um processo de desprestígio da profissão docente, um desprestígio que sequer
está implícito no editorial da revista da década anterior. E o que se propõe como veículo
que pretende contribuir para essa valorização recusa explicitamente o viés pedagógico.
Da análise comparativa entre os dois editoriais inaugurais, nota-se ainda uma
diferença importante na forma como a revista é apresentada ao leitor. Na primeira
publicação, além de ser mencionada a Editora Abril e de incluir a revista ESCOLA no
registro dos empreendimentos dessa editora comercial, um forte tom de justificação das
opções feitas perpassa o editorial como um todo. As justificativas começam no primeiro
parágrafo, quando Civita procura explicar, como quem está brincando, o zero dado ao
7
O convênio entre a Fundação Victor Civita e o Ministério de Educação garantiu durante cinco anos a
distribuição gratuita de 300.000 exemplares para as escolas públicas de todo o país, cobrindo cerca de
70% do custo da revista. Boa parte da distribuição ocorria desse modo e o restante era vendido por
assinatura ou em bancas de revista. A partir de 1991, o subsídio estatal acabou, mas no ano seguinte foi
assinado um novo acordo, garantindo um exemplar de Nova Escola para cada escola urbana. (Vieira,
1995, p. 23; Costa e Silveira, 1998 apud Silveira, 2006, p. 9).
professor na edição experimental, cujo número é zero e que na capa da revista poder-se-
ia ler deste modo: ESCOLA zero para professores ou ESCOLA para professores zero.
Civita dirige-se deste modo ao professor: “Você deve ter estranhado ao receber um
zero, quando seu esforço [...] merece a nota máxima” (Civita, 1971, p. 3). Com essa
aparente brincadeira, lembrada já na primeira linha do texto, a intenção do editor parece
ser a de criar um clima de informalidade e intimidade com o professor-leitor.8 Logo depois,
Civita justifica a opção pela distribuição da revista em bancas de jornal, a escolha do 1º
Grau como foco da revista, a adesão entusiasta à reforma de ensino do regime militar e,
por último, a opção pela forma jornalística numa revista pedagógica.
No segundo editorial, de meados da década de 1980, esse tom desaparece. Talvez
porque não é mais necessário se justificar diante do professor-leitor pelas opções feitas. A
ditadura militar acabou, vive-se em um regime democrático e a indústria cultural, já bem
consolidada, continua a se fortalecer, expandindo-se nessa década em âmbitos antes
inacessíveis, como é o caso dos periódicos dirigidos ao professor. Nos anos de 1980, o
leitor-professor que a Editora Abril almejava, afeito aos modelos de leitura das revistas de
bancas de jornal, parece estar pronto, após algumas décadas de publicações desse tipo e
a conseqüente criação de novos hábitos de leitura.
Nesse período não se faz necessário justificar o tipo de periódico ofertado ao
professor, com um padrão gráfico e editorial que contrastava com boa parte da tradição
dos periódicos dirigidos ao professor9, sendo semelhante ao de outras revistas do Grupo
Abril, destinadas a leitores comuns. Destes estava próximo o leitor-professor da revista
Nova Escola: um professor que havia perdido parte considerável de seu estofo simbólico,
da sua autoridade como mestre e intelectual, ao menos no modo como era visto pela
revista nesse momento, como uma professora que perdeu seu antigo prestígio. Com esse
leitor virtual, próximo de um leitor comum, a nova revista do Grupo Abril, agora
apresentada como uma publicação de uma “entidade sem fins lucrativos” (Fundação
Victor Civita), terá uma ampla repercussão entre os professores (Civita, 1986, p. 5).
Finalmente, Civita e sua editora encontram o professor-leitor capaz de realizar o seu velho
sonho.
Para concretizá-lo também foi essencial a contribuição do Ministério da Educação e
Cultura (MEC), num duplo sentido. De um lado, graças ao contrato já mencionado com a
Fundação Victor Civita, garantindo a sua distribuição nas escolas públicas de 1º Grau de
todo o país. De outro, em razão do que deve ser avaliado reparando nas publicações do
próprio MEC nos momentos em que a Editora Abril lança as suas revistas dirigidas ao
professor.
Quando ESCOLA chega à sua terceira edição, com o n. 2, em abril de 1972, sem o
patrocínio do MEC, o Ministério iniciava a publicação da revista Educação, cuja forma
material também a tornava semelhante às revistas de banca de jornal, no tamanho, no
emprego de fotos e outras características. Esse novo periódico inaugura um novo padrão
8
Esse é apenas um dos vários recursos que a revista cria e emprega para se aproximar do leitor e buscar a
sua identificação com a revista Em relação a outros recursos utilizados para produzir o mesmo efeito, veja-
se Revah e Toledo (2011).
9
Uma das dimensões envolvidas nesse contraste é a aridez do tratamento de determinados temas presente
na tradição de periódicos destinados ao professor primário e secundário e praticamente inexistente
naquelas revistas educacionais do Grupo Abril (Revah e Toledo, 2010).
10
Segundo Silveira (2006, p. 11), em meados da década passada, a revista Nova Escola tinha “a segunda
maior tiragem de revistas do país, perdendo apenas para outra publicação do Grupo Abril, a revista Veja”,
totalizando cerca de meio milhão de exemplares.
11
Um exemplo são as chamadas escolas alternativas da cidade de São Paulo (Revah, 1994). Em relação à
educação popular, Saviani (1984, p. 71) refere-se a ela chamando-a de “escola nova popular” e diz que
teria se constituído e implantado entre 1959 e 1964, na vertente oriunda das concepções de Paulo Freire.
frequente também a recusa de certa formalidade característica das práticas escolares que
o significante pedagógico poderia também trazer à tona.
Além disso, o uso do significante “pedagógico” inscreve-se na intenção de Saviani
de recuperar “a especificidade do fenômeno educativo”, que teria sido dissolvido em razão
da identificação entre educação e política ou entre prática pedagógica e prática política,
como teria ocorrido no âmbito da Educação Popular, conforme sugeria em seus textos
(Saviani, 1984, p. 85-96). Surge assim, no encalço dos textos de Saviani, a perspectiva
que muitos reconheciam por meio do nome pedagogia dos conteúdos, muito embora na
academia fosse chamada de pedagogia crítico-social dos conteúdos, uma síntese
superadora, na avaliação de seus mentores, que nascia situada no ponto de equilíbrio da
polarização que há décadas vinha sendo (re)desenhada pelos discursos pedagógicos.12
No momento em que surge a revista Nova Escola, as questões próprias desse
debate ainda estavam sendo processadas. A revista do Grupo Abril situa-se num terreno
ideológico e discursivo que estava mais próximo do que era criticado por Saviani do que o
contrário. Não só pelo teor de parte significativa das matérias dos primeiros anos, mas
também tendo em vista dois aspectos.13 O primeiro é a recusa da dimensão pedagógica
no editorial inaugural, numa publicação que buscava valorizar o professor e ajudá-lo em
seu trabalho.
Essa recusa vincula-se, provavelmente, a uma avaliação negativa da linguagem
acadêmica presente em muitos periódicos educacionais, entendendo-se então que o
professor de 1º Grau preferia um periódico que não fosse árido no tratamento dos temas
que lhe interessavam, um periódico que fosse atraente e que também evitasse o
pedagogês, como parece pretender a revista Nova Escola quando enfatiza o seu caráter
jornalístico.14 O segundo aspecto corresponde ao que se encontra implicado no nome da
revista e que se revela por uma simples inversão de seus significantes, de modo que
Nova Escola transforma-se em Escola Nova. O passado ao qual fica implicitamente
amarrada essa publicação remete, antes de mais nada, para esse pólo dos embates do
início da década de 1980 e que vem à tona com o significante Escola Nova. 15
Esse vínculo e o lugar em que a revista se situa diante da polêmica surgida nesses
anos também transparece, no número inaugural, numa matéria escrita por Lia Rosenberg,
a mesma pesquisadora que em fins da década anterior conduziu a equipe que fez um
estudo de caso sobre a revista ESCOLA, na Fundação Carlos Chagas (Rosenberg et al,
12
Um primeiro marco dessa polarização pode ser situado no Brasil das décadas de 1920 e 1930, como
evidenciam as pesquisas de Carvalho (2003).
13
A respeito das matérias da Nova Escola dos primeiros anos e a presença do discurso da educação
popular, veja-se Revah (2004, cap. 3).
14
A esse propósito, Silveira lembra o que Frade sugere: “o fato de jornalistas estarem escrevendo para pro-
fessores pode ser uma das maneiras encontradas pela mídia impressa de tentar evitar o „pedagogês‟”
(Frade, 1999 apud Silveira, 2006, p. 14).
15
A respeito do nome da revista, Vieira sugere dois sentidos relacionados com o significante Nova. É Nova
Escola “porque veicula as mais recentes e atualizadas informações sobre a educação” e também “porque
a leitura das informações veiculadas pela revista possibilitariam ao leitor-professor a inovação da escola”
(Vieira, 1995, p. 13).
1979).16 A esse respeito, o título da matéria é bem sugestivo: “Voltar ao passado não
resolve o nosso futuro” (Rosenberg, 1986, p. 24).
O título é complementado por este subtítulo: “Melhor do que sonhar com um retorno
aos tempos antigos é abrir bem os olhos para a realidade presente, buscando os meios
de modificá-la” (p. 24). No corpo do texto, Rosenberg crítica educadores que não nomeia,
mas que um professor-leitor atento e permeável aos debates da época poderia remeter à
polêmica promovida pelos intelectuais que vinham defendendo a chamada pedagogia
tradicional e desenvolvendo a pedagogia dos conteúdos. Essa referência é sugerida por
estas linhas da matéria: “O interessante é que mesmo educadores comprometidos com a
idéia de uma escola democrática pregam a volta da escola antiga, sem pensar que essa
volta é um recurso extremamente elitista, na medida em que, antigamente, só a elite tinha
acesso aos estudos” (Rosenberg, 1986, p. 25).
Nessa matéria, mas também em outras e ainda em razão do que o nome da própria
revista sugere, nota-se que a linha editorial escolhida procura manter uma maior
proximidade com o pólo recusado pelos intelectuais que articulavam a pedagogia dos
conteúdos. Não por acaso, nessa revista emergirá com intensidade inusitada o que
muitos pesquisadores colocam em linha de continuidade com a Escola Nova: o
construtivismo, que chega às páginas da revista com a figura da psicóloga e pesquisadora
Emilia Ferreiro, quase que transformada em um messias.17 Messias com inúmeros
seguidores, na construção imaginária que a revista faz e que tem a sua contrapartida
efetiva na febre construtivista de fins da década de 1980, quando o sonho de Civita já é
uma realidade.18
16
Na avaliação feita à época pela equipe da Fundação Carlos Chagas, a revista ESCOLA foi considerada
“significativa dentro do panorama da literatura pedagógica no Brasil” e, dentre os periódicos educacionais
analisados, “a única publicação cujas características aproximavam-se do modelo visado” (Rosenberg et
al, 1979, p. 58-9). Esse modelo tomou como base critérios estabelecidos por Jorge Nagle.
17
Em relação à construção da imagem de Ferreiro como um messias, veja-se a análise de Vieira (1995, p.
57).
18
“Febre construtivista” é uma expressão usada por Vasconcelos (1996, p. 1). Em sua pesquisa sobre a
presença da obra de Piaget no Brasil, alude também à continuidade entre o movimento da Escola Nova e
o construtivismo.
militares.19 Entretanto, o caráter militar que, com frequência, a educação física adquiriu
em sua versão escolar, não é o que transparece na imagem de capa, nem o que a
manchete sugere. Muito pelo contrário, fala-se em recreio, uma palavra cujo significado
remete-nos ao que na alternância dos tempos escolares deve ser situado em oposição às
aulas e, portanto, ao que poderíamos pensar como sendo da ordem do esforço, da
disciplina, de tarefas definidas pelo professor e que devem ser cumpridas, por mais
enfadonhas que sejam. Ao menos isso é o que sugere a matéria que corresponde ao
destaque de capa, embora fazendo o alerta de que se trata mesmo de uma aula. A
matéria é aberta com este texto: “É divertido. As crianças adoram. Parece o recreio. Mas
não é. Estamos na aula de EDUCAÇÃO FÍSICA”.20
Na matéria, com várias cenas de alunos de 2ª série muito envolvidos nas atividades
que estão realizando, em algumas com a presença do professor, em fotos sempre
acompanhadas por um texto explicativo que na verdade é a própria matéria, fala-se das
“revolucionárias aulas” do “jovem professor” Salvador Felisetti, do Externato Jaraguá, em
São Paulo. Nessa escola, afirma-se na introdução da matéria, “pode estar morrendo” a
“clássica sessão de Educação Física, com ordenados exercícios de flexões dos membros
e dos músculos dorsais” (ESCOLA n. 0, out./1971, p. 44). O professor “encontrou
conceitos novos, uma espécie de poesia objetiva que destrói a clássica imagem do
bigodudo cavalheiro em calções, fazendo sua ginástica matinal” (idid., p. 44). Ele “detesta
as ordens de comando berradas às equipes em posição fundamental” (idid., p. 44).
Nos textos que acompanham as fotos descreve-se o que as crianças estão fazendo
e mencionam-se orientações ou princípios que devem ser seguidos, por vezes
reproduzindo falas do professor: “A criança deve ser estimulada a se autoconhecer, a pôr
para fora todo o seu potencial de criatividade”, “O que vale é a imaginação”, “O bom
humor estimula a criatividade da criança”, “ele [o professor] incentiva os alunos a criar
seus próprios movimentos”, “É preciso não ter medo de receber da criança, é preciso
estar no meio delas. Elas devem sentir o professor” (idid., p. 45-6). Nas atividades
descritas ressalta-se a dimensão lúdica, o fato das crianças brincarem, de estarem
alegres, de tomarem a iniciativa e, sem que o saibam, de estarem “desenvolvendo um
salutar espírito de equipe” (idid., p. 46). E dessa maneira a “aula chega ao fim, as crianças
parecem descontraídas e felizes” (idid., p. 46).
A aula com gosto de recreio também pode ser pensada no registro que o mesmo
significante recreio institui na propaganda que a Editora Abril faz, nesse mesmo número
da revista ESCOLA, da sua revista Recreio. Nela, logo abaixo do nome, foi escrito este
slogan: “diverte ensinando e ensina divertindo” (ESCOLA n. 0, out./1971, p. 24). Um
slogan que bem caberia para o sentido que se procura dar à aula de educação física
descrita na matéria antes analisada.
Outro aspecto que vale a pena destacar é o conteúdo da página que segue à página
em que termina essa matéria e que o professor-leitor pode olhar logo que termina, sem ter
19
Em relação ao caráter militar da educação física, Horta lembra-nos que a partir de 1937 ela “passará a ser
um setor privilegiado de atuação dos militares, que pretenderão utilizá-la para a concretização da sua
presença nas escolas” (1994, p. 2). Uma presença apontada também por Schneider, que em referência a
essa área na primeira metade do século 20 refere-se aos militares como “os principais atores da
Educação Física no Brasil” (2010, p. 213).
20
“Educação física” é escrito em caixa alta e com um tamanho maior que o texto que precede essa expres-
são, sugerindo assim que ela seria o título da matéria. Cf. ESCOLA, n. 0, out., 1971, p. 44.
que virar a página. Trata-se de uma propaganda, de página inteira, de um “Guia para
aulas de Educação Física” produzido pela empresa Alpargatas (idid., p. 47). Na parte
superior dessa página, em caixa alta e ocupando quase que um quarto do espaço, foi
colocada esta frase: “AO MESTRE, COM CARINHO”. No esclarecimento sobre as
características do guia, afirma-se que esse produto da “São Paulo Alpargatas” colabora
com a iniciativa do governo federal, que estendeu a obrigatoriedade da educação física a
todos os níveis escolares. Lembra-se também que a publicação foi tão bem recebida que
traz mensagem especial do ministro Jarbas Passarinho.
Como se vê, a revista ESCOLA opera um deslocamento em relação às
representações que podemos supor eram comuns no que se refere à educação física e
faz isso numa área e com um significante que lembram, sem muito rodeio, o vínculo com
os militares, numa conjuntura na qual essa ligação remete para o regime militar, na sua
fase mais repressiva, nos chamados anos de chumbo. A ligação assim produzida, junto
com os deslocamentos que a Editora Abril procura provocar, fazem pensar em exercícios
próprios de um contorcionista, com o resultado esperado: um corpo estranho.
Talvez tenha sido essa a impressão de parte dos professores-leitores em face da
nova revista da Editora Abril, que não parece ter conseguido o universo de leitores
pretendido. Ao estampar na capa da edição inaugural a manchete Educação Física com
gosto de recreio, nessa conjuntura política e expressando a sua entusiástica adesão às
políticas educacionais do regime militar, a Editora Abril abriu um leque de significações
possíveis de serem construídas por seus leitores que hoje nos escapam. Entretanto, não
parece arbitrário pensar que o que a editora faz e diz a seus leitores, sobretudo aos que
se posicionavam criticamente em face do regime militar, concernia a sentidos que muito
extrapolavam o que aquele título a princípio sugere. São sentidos que devem ser
procurados nas entrelinhas.
A posição inaugural da revista ESCOLA bem poderia ser resumida realizando a
substituição significante sugerida pelo vínculo entre a educação física e os militares, de
modo a transformar aquela manchete obedecendo às conexões e os deslocamentos
próprios da série significante implicada nesse caso e que assim poderia ser escrita:
educação física - militares - ditadura. Disso resultaria uma frase capaz de provocar certo
estranhamento: Ditadura com gosto de recreio, mas cujo sentido não parece disparatado
para situar o que a revista ESCOLA tende a instituir, pelo menos no início, como
representação do regime militar para seus leitores, em contraste com o que o regime
representava para muitos brasileiros, no período de maior repressão política e cultural. E
também em contraste com os valores que transparecem em matérias sobre atividades
escolares, como a da reportagem de capa da edição inaugural. O estranhamento diz
respeito à conjunção que a revista ESCOLA produz nesse período ao tentar deslocar o
sentido normalmente associado à área de Educação Física, com a sua forte conotação
militar, no momento em que a presença militar é mais asfixiante.
Muitas coisas estão em jogo no uso do significante Educação Física na edição
inaugural. E o que a revista ESCOLA faz por meio desse significante, com a rede
simbólica que nele conflui e que a revista (re)ordena, opera no sentido de alterar as
representações da área, mas também indiretamente do regime militar, como se tudo
tivesse gosto de recreio. Afinal, o que a revista parece dizer a seu professor-leitor é que,
até mesmo numa área tradicionalmente sensível aos donos do poder, a mudança é bem
A revista Nova Escola nasce em outra conjuntura política e o registro que ela institui
e no qual se inscreve também pode ser analisado observando com atenção a capa
inaugural, de março de 1986. A capa apresenta a foto do sorridente menino Adonilson,
com um estilingue pendurado na camiseta, e esta manchete sobreposta à imagem: “O
milagre da multiplicação de vagas”, complementada com este subtítulo em letras
menores: “Adonilson: de moleque de rua a aluno de Primeiro Grau” (Nova Escola n. 1,
mar., 1986, p. 46). O título da reportagem de capa repete parte da manchete (“O milagre
da multiplicação”), com o subtítulo “Escolas improvisadas criam novas vagas” (idid., p.
46). A reportagem é aberta com uma foto do tamanho de um terço de página mostrando
uma das doze barracas de lona que a Secretaria de Educação de Manaus instalou em
praças da cidade (idid., p. 46). A matéria informa que 600 crianças com idades de 7 a 14
anos nelas se abrigam, tendo abandonado a vida de pedinte.
Ainda na primeira página, repete-se a imagem de capa e há mais duas fotos, uma
delas com três meninas ali abrigadas. O texto introdutório diz que há cinco milhões de
crianças que “não obtêm vagas nas escolas espalhadas pelo Brasil” e pergunta: “como
ampliar o número de vagas, quando nem sempre há recursos para construir novas
escolas?” (idid., p. 47). A matéria apresenta a resposta dada “com arrojo e inventividade”
pelos “responsáveis pela Educação, em algumas regiões brasileiras” (idid., p. 47). No
corpo da reportagem, o texto é iniciado apresentando Adonilson com estas palavras:
“Adonilson Moraes da Rocha, 10 anos, pequena estatura, corpo franzino. Durante muito
tempo cheirava cola e fumava como adulto, enquanto vadiava pelas ruas. Seu pai vendia
sacos, sua mãe trabalhava como doméstica. Assim era a vida que Adonilson ia levando”
(idid., p. 47). Outros aspectos da vida que levava na rua são ainda mencionados, além da
mudança que teve quando começou a frequentar as barracas do “Projeto Meu Filho”, da
prefeitura de Manaus (idid., p. 47). São também reproduzidas algumas críticas feitas a
esse projeto e apresentadas outras iniciativas, desenvolvidas em Recife (escolas dentro
de ônibus) e em Brasília (escolas que funcionavam em barracas).
Da capa inaugural e da reportagem correspondente, vale a pena ressaltar alguns
elementos para situar o lugar em que a revista se instala quando surge. A foto inicial,
apresentando um menino por meio do significante moleque de rua e com um estilingue,
está como que a sugerir que a sua realidade, a realidade da rua, também entra na escola:
uma escola que recebe Adonilson, o transforma em aluno e que ela própria parece aberta
à transformação sugerida pelo seu sorriso e pelo insólito apetrecho.
O apelo ao leitor para que considere a realidade de seus alunos e a importância da
escola no sentido de se manter permeável a essa realidade é uma das dimensões
implicadas nessa foto e que a matéria evidencia. Note-se também que a realidade
escolhida é a de quem vive na marginalidade. Adonilson dormia na rua, na porta de uma
igreja, tinha sido preso várias vezes e “castigado com palmatória por policiais” (Nova
Escola n. 1, mar., 1986, p. 47). A resposta encontrada pela prefeitura de Manaus situa-se
também à margem das instituições socialmente legitimadas. No período em que sai essa
reportagem, todos esses aspectos encontravam-se fortemente associados às formas de
educação que podiam ser qualificadas de alternativas, de acordo com o que esse
significante demarcava em discursos que também diziam respeito à chamada educação
popular.
revista engaja-se nessa criação e opera com significantes que a ditadura mobiliza e nos
quais ela própria se enreda, a começar pela capa inaugural.
O seu fracasso comercial pode ser avaliado em vista disso, de um leitor visado que
ainda não existe e que ela busca criar recortando a realidade escolar com significantes da
reforma e do âmbito em que ela nasce. Em contrapartida, o que é possível constatar
nesse momento é a existência de muitos professores que se vêem afetados pela reforma,
que não participaram da sua elaboração e que são chamados a participar de forma
entusiasta da sua execução.
Dessa maneira são também incitados a pôr em prática o que os desloca da sua
posição, pois o que a reforma promove interfere nas representações historicamente cons-
truídas sobre o professor primário e o professor secundário, no caso do ginásio, relativas
a tradições distintas e até opostas. Desde então, porém, eles ficam unidos na mesma
categoria por meio das representações mobilizadas para definir esse novo lugar do
professor de 1º Grau.21 O significado disso para os professores, no qual é preciso incluir
medidas como o fim dos exames de admissão ao ginásio, é um elemento a considerar
quando se pensa na repercussão da revista ESCOLA entre eles.
A revista Nova Escola dirige-se a um leitor que, de certo modo, já existe, em vários
sentidos. Um deles concerne ao professor de 1º Grau, após mais de uma década da lei n.
5.692/71 que criou esse nível do ensino. O apelo ao professor-leitor agora é feito por meio
da imagem de uma criança que estava fora da escola, que representa o que ficou à
margem dela e que diz respeito ao universo das experiências alternativas que o próprio
Estado promove para conter a realidade que a escola não incorporou.
A revista situa-se assim, na capa inaugural, com a imagem do menino Adonilson,
que fez o trânsito de moleque de rua a aluno de Primeiro Grau, num circuito que abarca a
dupla face dentro/fora, interior/exterior da escola, envolvendo tanto o que pode ser situado
no âmbito das ações do Estado no que se refere à educação escolar, à educação formal,
quanto o que pode ser visto como relativo ao circuito das experiências menos
formalizadas e próximas da chamada educação popular. Esta, vale lembrar, dizia respeito
a um circuito de experiências educacionais vedado durante a ditadura, pelo menos até o
fim do período mais repressivo, em particular as experiências que explicitamente se
inspirassem na obra de Paulo Freire. Essas e outras conexões iniciais, que implicitamente
a revista Nova Escola estabelece com o passado e com o presente, situam-na de forma
diferente em face de seus possíveis leitores, se comparada à publicação anterior. Pelo
menos isso é o que emerge como intenção do editor: situar-se de outro modo tendo em
vista a mudança de conjuntura política e de professores-leitores que já não são os
mesmos de outrora.
Esses professores-leitores são os que agora fazem a sua própria reforma, mas desta
vez reforma silenciosa, conforme anuncia desse modo a manchete de capa do segundo
número da revista Nova Escola, de abril de 1986. O subtítulo da manchete desse número
é: Como os professores estão mudando o 1º Grau. Portanto, já não são as autoridades
que fazem essa mudança, nem é uma reforma feita sem a participação deles e vinda de
cima, da alta hierarquia governamental. É o que também sublinha o texto que abre a
matéria correspondente ao destaque de capa: “Discretos e eficazes, eles adaptam os
21
Sobre esse ponto, veja-se Revah e Toledo (2011).
currículos à realidade de seus alunos. Corajosos e criativos, desafiam as leis para suprir a
falta da pré-escola” (Nova Escola n. 2, abr./1986, p. 10).
A representação feita desses professores-leitores almejados agora pelo Grupo Abril,
que desafiam as leis e que a revista em seu primeiro número incita a conhecer seus
direitos, conforme consta numa das chamadas da capa inaugural, está bem distante da
que foi produzida pela outrora revista ESCOLA em relação a seus professores-leitores.
Estes últimos foram encorajados a participar de “uma das mais audaciosas fases de toda
a história do ensino no Brasil” (Civita, 1971, p. 3), com uma reforma já definida e que a
revista explica ao professor, conforme consta na chamada de capa já referida: A nova lei
do ensino explicada. Apesar desse contraste, é preciso ressalvar que a tal reforma
silenciosa, com o norte dado pelos professores, muda de caráter conforme o leitor adentra
na matéria correspondente.
Percebe-se, então, que quem está fazendo a reforma são as autoridades, pois o que
é referido são iniciativas de diretores de escolas públicas e secretarias de educação
estaduais e municipais. Quer dizer, o lugar do professor construído nessa segunda capa
da revista Nova Escola se esvanece conforme lemos a matéria de capa, configurando-se
assim um outro lugar para o professor.
Mas o que é importante salientar a esse respeito é como a nova publicação da Abril
busca se posicionar em face da nova conjuntura política e do tipo de professor-leitor que
antecipa, tudo isso revelando-se no que a revista destaca nas primeiras edições e na
construção que ela faz, por exemplo, nessa segunda capa da revista. Esse leitor virtual
não é mais o executor da reforma de ensino do regime militar, agora é o que toma em
suas mãos o destino da educação do país e que valoriza o que havia ficado à margem da
escola e das formas autorizadas pelo regime anterior.
Apesar das diferenças relativas a conjunturas políticas distintas (ditadura versus
democracia), nelas próprias é possível encontrar o que as une e que vincula as duas
publicações, definindo igualmente o norte dos empreendimentos empresariais do Grupo
Abril, assim como é próprio de outros em que a obtenção de lucros é a prioridade. Isso
precisamente é o que destaca um dos diretores de redação da revista ESCOLA, quando
indagado sobre os objetivos ao ser lançada:
A concretização do velho sonho de Victor Civita e que pode ser estendido ao Grupo
Abril, com as suas várias faces e traduções possíveis (vender, vender, vender, distribuir
cultura, ser uma editora de massas), implicou na realização de um percurso semelhante
ao de outros empreendimentos empresariais brasileiros que fizeram alianças que hoje
convêm não lembrar. Como aponta Renato Ortiz (1991), nas décadas de 1960 e 1970 o
Estado atuou simultaneamente como repressor e incentivador das atividades culturais,
disciplinando-as desse modo. A censura apresentava nesse período dupla face: reprimia
e disciplinava.
Os grupos privados que não se atrelavam às políticas e posições da ditadura
colocavam em risco o sucesso de seus empreendimentos, como aconteceu com o jornal
Última Hora e a TV Excelsior. Associados aos militares, empreendimentos empresariais
como os da TV Globo contaram com “a liberdade necessária para realizar seus projetos
culturais” (Ortiz, 1991, p. 155). A Editora Abril não parece ter se distinguido deles. Para
ser bem sucedida, para efetivar o que seu fundador almejava, buscou uma aproximação
com os militares, o que ainda cabe ser investigado com maior profundidade. De qualquer
modo, cabe lembrar o que Pereira (2005) aponta: “a expansão da Editora Abril ocorre
exatamente nos primeiros dez anos do regime militar. Ela foi uma das empresas de
comunicações mais beneficiadas pelas políticas econômicas dos militares” (p. 243).
Na revista ESCOLA, o Grupo Abril parece associar-se aos militares sem meias
palavras. Quando o regime militar acaba e a redemocratização do país se efetiva, entra
na nova trilha, mas não sem deixar de apagar determinadas marcas do próprio passado,
como se observa no editorial inaugural da revista Nova Escola, no qual não se menciona
a publicação anterior, e ainda no histórico que o Grupo Abril torna público sobre a sua
própria trajetória. Nesta, a revista ESCOLA sequer parece ter existido, à semelhança de
tudo o que poderia afetar a imagem do grupo e de seu fundador e que não é difícil de
encontrar quando se investiga em que consistiu a relativa independência do Grupo Abril. 22
Referências
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A escola e a República e outros ensaios. Bragança
Paulista: Edusf, 2003.
CHARNIZON, Ana. A modelagem de leitores e de leituras no discurso midiático da revista
Nova Escola. Belo Horizonte: UFMG, 2008. 180f. Dissertação (mestrado em Educação).
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa/Rio de
Janeiro: Difel/Bertrand, 1990.
CIVITA, Victor. Apresentação. In: ESCOLA. São Paulo: Abril, n. 0, out., 1971, p. 3.
CIVITA, Victor. Carta do editor. In: Nova Escola. São Paulo: Abril, n. 1, p. 5.
CIVITA, Victor et al. Caro Professor. In: ESCOLA. São Paulo: Abril, n. 26, 1974, p. 3.
ESCOLA. N. 0 a 27. São Paulo: Abril, 1971-1974.
HORTA, José S. B. O hino, o sermão e a ordem do dia: a educação no Brasil (1930-
1945). Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.
LIBÂNEO, José C. Tendências pedagógicas na prática escolar. Ande, São Paulo, n. 6,
1982, p. 11-19.
MELLO, Guiomar N. Ensino de 1º grau: direção ou espontaneísmo? Cadernos de
Pesquisa. São Paulo: FCC, n. 36, 1981, p. 87-91.
22
A respeito da elisão da revista ESCOLA da história que o Grupo Abril produz e divulga sobre a sua pró-
pria trajetória, veja-se Revah e Toledo (2011).