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Resumo Abstract
O texto relaciona os debates sobre as modalidades The text relates the discussions on the modalities of
de ampliação da jornada escolar à perspectiva de expansion of the school day to the perspective of
enfrentamento das desigualdades educacionais, facing educational inequalities, using as a frame-
utilizando os resultados de pesquisa de âmbito work the results of a nationwide survey, funded by
nacional, financiada pelo Ministério da Educação, the Education Ministry, performed by four Brazilian
realizada por quatro universidades federais brasilei- Federal universities, which investigated the experi-
ras, que investigou as experiências de ampliação ences of expansion of the school day in Brazilian 251
da jornada escolar em municípios de todas as municipalities. For this purpose prominent inter-
regiões do país. Para isso, são destacados estudos national and national studies that relate student
internacionais e nacionais que relacionam jornada performance and school day expansion as well as
escolar e desempenho de alunos, bem como aspec- aspects of the history of the expansion of school
tos da história da ampliação do tempo escolar no time in Brazil were consulted. The results of the sur-
Brasil. São cotejados os resultados encontrados nas vey for the Northeast and Southeast regions were
regiões Nordeste e Sudeste, constatando-se que as compared and showed that local educational and
condições socioeconômicas e educativas locais social conditions often overlap the intentions of edu-
com frequência se sobrepõem às intenções das cational policies.
políticas educacionais.
Keywords: Expansion of the school day.
Palavras-chave: Ampliação da jornada esco- Educational inequalities. Regional differences.
lar. Desigualdades educacionais. Diferenças
regionais.
1. Introdução
O presente artigo é um dos resultados de uma pesquisa de âmbito
nacional (BRASIL, 2009; 2010), financiada pelo Ministério da Educação
(MEC) e realizada por quatro universidades federais, que investigou a ocorrên-
cia e as características de experiências de ampliação da jornada escolar em
municípios brasileiros durante os anos de 2008 e 20091. Tem como objetivo
articular os dados obtidos nessa investigação aos debates atuais sobre as
modalidades de ampliação da jornada escolar e à perspectiva de enfrenta-
mento das desigualdades educacionais. Para isso foram destacados estudos
internacionais e nacionais que debatem a tendência de ampliação da jor-
nada escolar e estabelecem relações entre jornada escolar e desempenho
dos alunos. Foram apresentados aspectos da história da ampliação do tempo
escolar no Brasil, a fim de que se contextualizem as diferentes soluções que os
municípios brasileiros vêm encontrando na criação das condições objetivas
para que seus alunos permaneçam por mais tempo sob a responsabilidade
da escola. São cotejados e analisados os resultados encontrados nas regiões
Nordeste e Sudeste, focalizando-se particularmente a natureza das atividades
252 desenvolvidas e os locais, dentro e/ou fora da escola, onde elas acontecem.
As diferenças entre as duas regiões são elucidativas dos tipos e variedades de
problemas enfrentados pelos programas de ampliação da jornada escolar.
A pesquisa denominou “jornada escolar ampliada” os casos em que
a carga horária escolar ultrapassava − mesmo que em apenas alguns dias da
semana − as quatro horas diárias, que vêm a ser a jornada mínima estabele-
cida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Já as designações
“tempo integral” ou “horário integral” foram utilizadas para as jornadas de, no
mínimo, sete horas, em todos os dias da semana.
O mapeamento das experiências de ampliação da jornada escolar
bem como das soluções organizacionais encontradas em diferentes realidades,
visou, entre outros objetivos, contribuir com a formulação de uma concepção
de educação integral adequada à realidade educacional contemporânea.
Para além da carga horária, o estabelecimento de uma concepção de edu-
cação integral envolve as formas de utilização do tempo escolar, os locais
utilizados para as atividades educativas e os atores nelas envolvidos. É sobre
esse conjunto de elementos que se poderá desenvolver uma efetiva concepção
Tabela 1
BRASIL: número de matrículas em horário integral no Ensino Fundamental
por segmento
Anos Segmento/
iniciais Matrícula
Fonte | tabela elaborada a partir dos dados do Censo Escolar 2009 e 2010 (MEC - Inep)
Gráfico 1
Número de alunos no Ensino Fundamental matriculados em experiências
de ampliação da jornada escolar, por ano de escolaridade, segundo a
região geográfica − 20086
262
Tabela 2
Atividades predominantes nas regiões NE, SE e Brasil – 2008
Nordeste Sudeste
Atividade/Região Brasil %*
No %* No %*
Música/dança/teatro 240 25,3 605 25,9 1260 26,1
Reforço/tarefa casa 183 19,3 404 17,3 816 16,9
Esporte/capoeira 184 19,4 334 14,3 740 15,3
Artes plásticas/
89 9,4 287 12,3 550 11,4
visuais
...** ... ... ...
Total 948 100 2.336 100 4.831 100
Fonte | Tabela elaborada a partir da Tabela 7 do Relatório de pesquisa: BRASIL, MEC-
Secad, 2009; 2010.
* As porcentagens foram calculadas com base no total de registros da região ou do país.
** Esta linha em branco indica a existência de itens que não foram apresentados.
Tabela 3
Locais dentro da escola das atividades da jornada ampliada, no NE, SE,
Brasil – 2008
Nordeste Sudeste
Local/Região
No. % No. % Brasil %
Sala de aula 146 30,5 280 20,5 621 22,7 265
Pátio 92 19,2 242 17,7 483 17,7
Quadra de
67 14,0 217 15,9 411 15,0
esportes
Biblioteca escolar 49 10,3 203 14,8 367 13,4
Laboratórios 31 6,5 110 8,0 250 9,1
Auditório 31 6,5 84 6,1 165 6,0
Outros locais ... ... ...
Total 478 100 1.366 100 2.733 100
Fonte | Tabela elaborada a partir da Tabela 9 do Relatório de pesquisa: BRASIL, MEC-
Secad, 2009; 2010.
266 Tabela 4
Locais fora da escola das atividades da jornada ampliada, no NE, SE,
Brasil – 2008
6. Considerações finais
As informações acima mostram que as políticas não podem ser ana-
lisadas apenas por seus objetivos, mas também pelas realidades efetivas que
engendram quando de sua implementação. Elementos como a destinação
específica das políticas educacionais para algumas escolas ou apenas para
alguns alunos podem ter consequências importantes relacionadas à estigmatiza-
ção de indivíduos ou grupos. A expectativa de cooperação com a sociedade
civil organizada pode gerar grandes decepções numa sociedade em que
boa parte da população está longe de usufruir os direitos básicos da cidada-
nia. Ademais, a utilização de espaços urbanos alternativos ao prédio escolar
demanda a existência de equipamentos urbanos estruturados e diversificados.
Assim como Dubet (2004) afirma que, na educação, as diferentes
269
concepções de justiça e igualdade de oportunidades são todas imperfeitas e o
que se pode almejar é uma combinação de escolhas e respostas, necessaria-
mente limitadas, que sejam as mais adequadas possíveis ao contexto em que
se pretende intervir; as modalidades encontradas para a ampliação do tempo
escolar pelos municípios brasileiros mostram suas limitações, mas também as
saídas possíveis, em face das condições reais de cada região, de cada rede
escolar, de cada organização urbana. A força paradigmática a ser destacada
é a própria escola. A maior parte das atividades de ampliação da jornada
acontece dentro dela. Entretanto, o confinamento por longas horas dentro de
uma escola pequena e mal equipada pode trazer prejuízos ao processo educa-
tivo. Por outro lado, a pulverização inconsequente das atividades em espaços
desconectados da escola pode servir à desvalorização da atividade educa-
tiva, transformada em ocupação paliativa do tempo, reconstituindo o “depósito
de crianças” criticado, severamente, pelos professores e pela sociedade.
João Monlevade (2009) elaborou duas tabelas sobre matrículas do
Ensino Fundamental em tempo integral, com base em dados do Censo Escolar
de 2008. A tabela que ordena os municípios pelo percentual de matrículas do
Ensino Fundamental em horário integral mostra que, dos dez municípios que
lideram, sete estão no estado de São Paulo. Olhando-se a ordem dos estados
pelo número absoluto de matrículas do Ensino Fundamental em horário integral,
constata-se, em primeiro lugar, que a variação de matrículas entre os estados é
enorme, de poucas dezenas a mais de 200 mil; e que a liderança das matrí-
culas em horário integral está em três estados do Sudeste, com São Paulo em
primeiro lugar. A força econômica é visível nessa distribuição das matrículas.
Entretanto é preciso destacar a significativa presença de alguns estados do
Nordeste, como Ceará e Pernambuco, com mais de 10 mil matrículas de
Ensino Fundamental em horário integral.
De fato, a ampliação do tempo de escola só se efetivará como ele-
mento positivo na melhoria da qualidade da educação brasileira se as soluções
almejadas, embora limitadas, respeitarem tanto as realidades locais como os
objetivos educacionais, e isso dependerá de políticas públicas consistentes,
persistentes e equilibradamente ousadas.
Notas
270 1 Este artigo originou-se de comunicação apresentada na 34a Reunião Anual da Anped, realizada
em Natal (RN), em 2011.
2 Censo Escolar 2004, 2007, 2009. MEC/ Inep/ Deep.
3 Tabela elaborada a partir dos dados do Censo Escolar 2009 e 2010 para a pesquisa em
andamento Ampliação da Jornada Escolar: crescimento de matrículas, concepção tempo-espaço
adotada e indicadores de qualidade coordenada por Lucia Velloso Maurício, 2012.
4 Termo que designa o outro turno que não o das aulas convencionais.
5 O Programa Mais Educação foi criado, em 2007, no segundo governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
6 O número de matrículas apresentado nesta tabela não corresponde ao número de alunos e sim às
matrículas em diferentes atividades no contraturno. Assim, um mesmo aluno pode estar registrado
mais de uma vez.
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