Você está na página 1de 16

*

Edu ca çã o in tegra l, tem po in tegra l e cu rrícu lo


Full time integral education and curriculum
Lígia Martha Coimbra da Costa Coelho**
Dayse Martins Hora***
* Este ensaio, revisto e ampliado tem, como base, trabalho
apresentado durante o VI Colóquio sobre Questões
Curriculares e II Colóquio Luso-Brasileiro sobre Questões
Curriculares (UERJ/20004).
** Doutora em Educação - UNIRIO. Rua Dezenove de Fevereiro,
123, apto. 503, Botafogo – Rio de Janeiro. CEP 22280-030.
e-mail: ligiamartha@alternex.com.br.
*** Doutora em Educação - Currículo - UNIRIO. Rua Paulino
Fernandes, 66/401. Botafogo – Rio de Janeiro.
CEP 22270-050.
e-mail: daysehora@yahoo.com.br.

Resu m o
Na história das instituições escolares brasileiras, os Grupos Escolares sobressaem-se como uma proposta
para efetivar o projeto político republicano de reforma social e difusão em massa da educação popular. No
estado do Rio de Janeiro, outro destaque mais recente que, de certa forma, se assemelha ao objetivo
daqueles Grupos pode ser encontrado nos Centros de Educação Integral (CIEPs). Tomando o currículo como
foco e pautando nossa investigação sobre a relação entre educação integral e diversificação curricular,
tencionamos resgatar uma parcela da história dessa instituição escolar. A partir da análise de entrevistas
gravadas com professores regentes de turma e corpo técnico-administrativo, em uma amostra de quatro
CIEPs do Rio de Janeiro, discutimos suas concepções sobre educação integral e diversificação curricular.
Constatamos que esses profissionais não possuem definição segura sobre o que sejam educação integral
e diversificação curricular, concepções relevantes que funcionam como matrizes de suas práticas.
Pa la vra s-ch a ve
Educação Integral. Currículo. Educação Fundamental.

Abstra ct
In the history of Brazilian teaching institutions, the School Groups have an outstanding role as a proposal for
giving effectiveness to the republican political project of social reformation and the diffusion of mass education.
In the State of Rio de Janeiro, another recent highlight, in a way, resembling the goal of those School Groups
can be found in the Centers of Integral Education (CIEPs). Having the curriculum as a focus and basing our
investigation on the relation between integral education and curricular diversification, we intend to rescue a
parcel of this educational institution. From the analysis of recorded interviews with teachers and technical
administrative staff, in a four-CIEP sample in the city of Rio de Janeiro, we discuss their conception of integral
education and curricular diversification. We stated that these professionals lack a safe definition of what
integral education and curricular diversification are important conceptions that work as a basis for their practice.
Key-w ords
Integral Education. Curriculum. Elementary Education.

Série-Estu dos - Periódico do M estra do em Edu ca çã o da U CDB.


Campo Grande-MS, n. 27, p. 177-192, jan./jun. 2009.
1 U m tem a n o ca m in h o demandas sociais crescentes e ávidas por
educação. Os processos econômicos estão
No processo de produção da escola em mudança; as populações se deslocam
primária, na forma como a conhecemos do campo para as cidades; a indústria, ain-
hoje, é possível identificar fatores que se da que timidamente, emerge e necessita de
construíram em meio ao conjunto de mu- gente que saiba ler, escrever e contar.
danças da sociedade capitalista. A escola Em contexto de exigências sociais
de massa é uma resposta ao aumento de crescentes e diferenciadas por educação de
demandas sociais, no início da República massa como esse, as questões que se apre-
no Brasil – final do século XIX e início do sentam se referem não somente à quanti-
XX. Como consequências dessas mudan- dade, mas também, à qualidade. Nesse
ças, podemos destacar as novas formas de sentido, as tentativas de resposta para a
organização de espaços e tempos para a educação de massas continuam, ao longo
educação, fato materializado, inicialmente, da história, como um grande desafio e exi-
nos primórdios da república, na criação dos gem novas políticas públicas de educação.
Grupos Escolares que, de acordo com Souza Na mesma linha de raciocínio de adequa-
(1998), foram uma estratégia de se efetivar ções ao atendimento de massa estão as
o projeto político republicano de reforma propostas de ciclos, por exemplo, mas que
social e difusão da educação popular. não serão nosso escopo de estudo, no
Os Grupos Escolares problematizam momento.
as formas de organização e seleção de con- Uma das instituições contemporâ-
teúdos, dos espaços e dos tempos na cons- neas criadas como proposta de ser uma
tituição de uma cultura de escola pública das possibilidades de resposta a estas de-
para a infância e inauguram o que identifi- mandas foram os Centros Integrados de
camos, nos dias atuais, como escola (pública Educação Pública (CIEPs). Neles se estabe-
ou particular). Nessas instituições se aperfei- leceu como questão central a discussão dos
çoaram as idéias de uma Escola Graduada, tempos e espaços de educação, o que faz
uma escola em séries. Tínhamos, até então, pensar como o projeto vem historicamente
um curso primário que se constituía de três administrando um processo de escolariza-
cursos, perfazendo um total de 6 anos. A ção de massas no sentido da sua emanci-
seriação, os turnos e a racionalização do pação, buscando garantir educação inte-
trabalho pedagógico nos Grupos Escolares gral em tempo integral.
é uma novidade do século XX. Existir um Aguça nossa tarefa de investigação
prédio próprio para a escola, com uma re- pensar sobre as práticas curriculares cons-
presentação arquitetônica para a cidade, truídas no cotidiano da instituição escolar
este também é um fato inovador. Discutir CIEP com objetivo de ser um projeto inova-
que conteúdos seriam mais adequados dor. Seriam o espaço e o tempo integral, da
para a educação primária popular estava forma em que foram tratados na referida
no contexto de garantir uma resposta a instituição escolar, uma solução para a edu-

178 Lígia Marta C. C. COELHO; Dayse M. HORA. Educação integral, tempo integral...
cação de massas que se quer de qualida- Nesse sentido, o presente ensaio dis-
de? O que o projeto tem hoje de diversificado cute a relação diversidade curricular e edu-
em sua proposta curricular, em relação a cação integral, a partir de material coletado
outras instituições escolares? Como os su- durante a quarta fase da pesquisa Análise
jeitos responsáveis pela realização do pro- Situacional das Escolas Públicas de Horário
jeto entendem tempo integral e educação Integral 1. A base desse material são entre-
integral? vistas gravadas com professores regentes
Os debates acerca da produção cur- de turma e corpo técnico-administrativo, em
ricular no cotidiano da escola tornam-se uma amostra de quatro CIEPs situados no
cada vez mais acirrados no campo acadê- Estado do Rio de Janeiro. Metodologica-
mico nacional. Entretanto, questionamo- mente, ao procedermos à análise do con-
nos, muitas vezes, sobre a eficácia dessas teúdo desses instrumentos (BARDIN, s/d),
discussões, principalmente quando, em tra- realizamos inferências e destacamos pon-
balho de campo, verificamos a distância tos que nos permitem perceber a que dis-
que se mantém entre o proclamado na aca- tância das teorias exaradas na academia
demia e o realizado na prática pedagógi- estão aqueles que, cotidianamente, fazem
ca. A proposta de uma Educação Integral a educação no estado do Rio de Janeiro.
que tem por referência histórica, no Brasil, Ao lado dessa análise de conteúdo,
desde as práticas anarquistas e integralistas objetivamos também desvelar o quanto o
das décadas de 1920 e 1930, passando estudo do currículo praticado tece sobre a
pelas formulações de Anísio Teixeira, até a história de uma instituição escolar – o CIEP
constituição do projeto dos Centros Integra- –, com os riscos que sabemos correr quando
dos de Educação Pública – CIEPs – , imple- da tentativa de realizar reflexões teórico-
mentado por Darcy Ribeiro no estado do metodológicas acerca de uma história em
Rio de Janeiro, é um exemplo desse distan- curso. No entanto, acreditamos que fazer
ciamento entre o que é debatido pelos in- história das instituições escolares é perpas-
telectuais da educação e a realidade do sar pelas inúmeras possibilidades de estudá-
cotidiano das escolas. las, tanto a partir das concepções que con-
Seja para um projeto de educação solida quanto das práticas que engendra.
integral, ou para qualquer outra proposta Esta última – a prática – será nosso campo
na área, sabemos seguramente que sua de investigação tendo, como base, a histó-
materialização se engendra na produção ria do currículo praticado nos CIEPs.
do artefato denominado currículo. Estabele-
cendo-o como foco, e pautando nossa in- 2 Sob re cu rrícu lo e dive rsifica çã o
vestigação sobre a relação existente entre cu rri cu la r
educação integral e diversificação curricular,
pretendemos visualizar parte significativa A temática da diversificação curricular
dos processos educativos que interagem no é recorrente nos estudos da prática peda-
cotidiano da instituição escolar “CIEP”. gógica. Entretanto, nos parece que, nos

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 27, p. 177-192, jan./jun. 2009. 179


últimos anos, é uma citação ou uma refe- A comunicação se processa quando a in-
rência difusa, carente de maior investigação, formação chega do outro lado, quando o
principalmente no que se refere à busca de outro compreende aquilo que queremos co-
entendimento das relações conteúdo-for- municar. No caso do professor, não basta
ma. Podemos destacar algumas formas de que a informação chegue ao outro, é preci-
compreendê-la. so que a compreensão se faça de maneira
Uma possibilidade é defini-la como correta, ou seja, que o conteúdo da informa-
um conjunto de práticas diferenciadas, rea- ção seja comunicado na íntegra, sem vie-
lizadas em sala de aula, com o objetivo de ses, sem distorções; que os conceitos relati-
constituir múltiplas possibilidades de apre- vos a este conteúdo sejam preservados em
ensão dos conhecimentos escolarizáveis. suas origens, em seu processo de constru-
Caberia também entendê-la como práticas ção e em suas possibilidades de aplicação.
sistemáticas e integradoras de atividades Na grande maioria das vezes, a nos-
diferenciadas, visando igualmente a apre- sa preocupação é muito grande com o con-
ensão de conhecimentos escolares. Neste teúdo da informação e nos esquecemos da
ensaio, tentaremos uma abrangência, ain- forma como o comunicamos. E para pensar
da limitada para o tema, abordando as difi- na forma, podemos nos valer das metáfo-
culdades que têm os professores em traba- ras, das analogias, da ilustração, de uma
lhar a diversificação curricular, na medida gama enorme de linguagens e/ou tecnolo-
em que a confundem, por vezes, com ativi- gias, ou seja, dos recursos próprios às dife-
dades diversificadas a serem ministradas rentes linguagens de cada área do conhe-
por outros profissionais em outros espaços, cimento, ou mesmo de linguagens perten-
escolares ou não. centes a outras áreas, mas que permitam
Nesse sentido, ao pensarmos em esse trançar metodológico. Por outro lado,
currículo e diversificação, precisamos refle- às vezes o professor se prende não à forma
tir também sobre a relação entre os proces- de comunicar, mas à fôrma, à receita de
sos de comunicação e os conteúdos a serem bolo, ao procedimento massivo, à homoge-
comunicados, o que parece óbvio, mas neização, à prescrição, perdendo o que ele
quase sempre é esquecido. De diversas for- tem de mais profícuo e prazeroso: a capa-
mas, o ser humano necessita da comuni- cidade de criação, a arte do fazer pedagógi-
cação. É por ela que se pergunta sobre o co e a busca de novos insights para sua
mundo que o cerca, interage com os outros prática profissional.
seres humanos, buscando respostas e é Zeickner (1992) nos aponta para o
igualmente através dela que busca produzir conceito de professor reflexivo – aquele que
conhecimentos sobre o mundo e no mundo. é capaz de refletir sobre sua própria prática,
Ainda que perante as várias possibi- reconstruindo-a em relação às teorias, num
lidades da comunicação como mediadora continuum em que a prática realimenta a
do trabalho, vamos nos deter no ato e na teoria e vice-versa, constituindo assim o
prática específica da atividade do professor. practicum. Parece simples, dito da forma

180 Lígia Marta C. C. COELHO; Dayse M. HORA. Educação integral, tempo integral...
como o dissemos mas é, na realidade, o no cotidiano; além disso, que se permitam
âmago do trabalho pedagógico e, talvez, trabalhar integradamente, por meio de pla-
seja o grande diferencial do professor: a sua nejamento coletivo capaz de constituir
capacidade de reflexão, não somente sobre espaços de apreensão de conhecimentos
o trabalho ou do trabalho que realiza, mas múltiplos.
também e, principalmente, no trabalho pe- É nesse contexto que podemos nos
dagógico durante a ação educativa, que debruçar sobre questões como diversificação
inclui não apenas os procedimentos do pla- curricular, educação integral e atividades
nejamento ou da avaliação, mas também diversificadas. A pesquisa que desenvolve-
o fazer no cotidiano da prática escolar, a mos sobre concepções e práticas de edu-
partir de uma teoria que lhe confere somen- cação integral e(m) tempo integral imple-
te as pistas como um instrumental que pre- mentadas nos CIEPs3 do Estado do Rio de
cisa ser revisitado e ressignificado, não a Janeiro nos possibilitou refletir, obviamen-
cada ano letivo, mas a cada momento, a te, sobre a própria concepção de educação
cada situação no cotidiano das práticas integral, principalmente se levarmos em
educativas. conta a existência de atividades diversifica-
Na situação que evidenciamos no das na proposta político-pedagógica que
parágrafo anterior, estamos nos referindo a constituiu.
à capacidade de cada professor de criação Segundo O Livro dos CIEPs, conside-
e recriação, no contato direto com a reali- rado como obra representativa dessa pro-
dade dos sujeitos envolvidos no trabalho posta, aquelas instituições públicas de
pedagógico, quer sejam crianças, jovens ou ensino,
adultos; quer estejam esses sujeitos nos [...] funcionando em regime de dia comple-
mais diversos espaços educativos: a escola, to [...] ministra aos alunos currículo do 1o
grau, com aulas e sessões de Estudo Diri-
os museus, o cinema, o teatro, o espaço de gido, além de oferecer atividades como es-
trabalho. Acreditamos que essa constitui- portes e participação em eventos culturais,
ção profissional2 não deve ser vista como numa ação integrada que objetiva elevar
um atributo natural, mas como uma cons- o rendimento global de cada aluno. [...] Em
trução social, ou seja, condição inerente à contraste com as escolas superlotadas, o
CIEP é uma verdadeira escola-casa, que
formação complexa do magistério, sem que proporciona a seus alunos múltiplas ativi-
seja uma visão romântica do trabalho do- dades4, complementando o trabalho na sala
cente. Preocupamo-nos, assim, com uma de aula com recreação, esportes e ativida-
formação de professores que seja capaz de des culturais. (RIBEIRO, 1986, p. 42)
identificar conflitos, contradições, dilemas Uma análise da afirmação acima
sociais; que seja capaz de encontrar pro- evidencia a existência de uma multiplici-
postas de trabalho para desvelarem ques- dade de atividades em distintas formas de
tões políticas, éticas, religiosas, econômicas, expressão humana – música, dança, ani-
culturais, e construírem práticas diferencia- mação cultural, esportes, biblioteca – que
das para cada situação a que são expostos deveriam interagir, em ações previamente

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 27, p. 177-192, jan./jun. 2009. 181


planejadas com objetivos definidos para o de estudos do currículo, os pesquisadores
trabalho interdisciplinar. Da forma como a arregaçaram as mangas na constituição de
entendemos, esta visão abre espaço para uma Sociologia do Currículo que permite
a diversificação curricular, na medida em trabalhar, como questões centrais, o que
que a ação educativa ocorre entre as várias cremos ser de imensa valia na compreen-
atividades diferenciadas, se planejada cole- são do conhecimento escolar e da diversifi-
tivamente, de modo integrado. Contudo, cação curricular como um conjunto de me-
nem sempre o texto escrito corresponde à diações entre conteúdo e forma.
realidade: o fato de os CIEPs possuírem ati- A N.S.E. pôs o dedo na ferida com
vidades diversificadas não garante a diver- suas perguntas contumazes para a produ-
sificação curricular – processo de dinâmica ção dos currículos: Por que uma disciplina,
interna das relações conteúdo-forma –, ine- um conteúdo, e não outro? Por que uma
rente às propostas de organização e sele- forma de seleção e de organização e não
ção de conteúdos e de objetivos em cada outra? Quais processos de valoração deter-
campo dos diferentes conhecimentos minam certas configurações curriculares e
escolarizáveis. não outras? E ainda, quais interesses sociais
Nesse sentido, mais de vinte anos justificam os mecanismos seletivos que pro-
após a apresentação da proposta dos duzem o que chamamos de currículo esco-
CIEPs, continuariam essas escolas traba- lar? Michel Young (1986) faz severa crítica
lhando sob essa perspectiva? Acreditamos à tendência de se tomar as categorias cur-
que o trabalho de campo realizado nesses riculares como naturais. Coube à sociolo-
Centros Integrados, como parte da pesquisa gia do currículo a tarefa de desnaturalizá-
já citada, nos possibilitou adentrar um pou- las, desvelando o seu caráter histórico, so-
co mais nesta reflexão, desta feita acrescen- cial, cultural, contingente e arbitrário.
tando-lhe as evidências da prática cotidia- As questões de compartimentaliza-
na. Caberia também perguntarmo-nos ção e fragmentação do conhecimento esco-
sobre o problema da diversificação curricu- lar são, sem dúvida alguma, das mais criti-
lar em outros modelos de escola, que não cadas nos estudos de currículo. As defesas
os CIEPs, o que serve de recomendação, por integração se fazem em propostas de
evidentemente, para trabalhos futuros. diversos trabalhos e de longa data, o que
Quanto ao problema eleito, é opor- se evidencia em autores como Decroly,
tuna a busca de referências teóricas sobre Kilpatrick, Dewey, Bernstein, dentre outros.
currículo. Somente quando estamos dispos- Em linhas gerais, as interpretações dos pro-
tos a refletir sobre as nossas práticas é que cessos de disciplinarização na escola ten-
podemos desvelar e questionar o que a dem a se derivar da análise dos processos
Nova Sociologia da Educação (N.S.E.) cha- de disciplinarização no campo científico.
mou de caixa preta da escola. E por que Se entrarmos então por discussões
chegar a essa caixa preta? Porque nesse sobre disciplinas escolares, seus conteúdos
momento histórico de produção do campo e os saberes escolares, vamos com certeza

182 Lígia Marta C. C. COELHO; Dayse M. HORA. Educação integral, tempo integral...
nos impor outra questão – as formas de do conflito entre as forma de organização
organização curricular –, o que significa dos currículos, entre o disciplinar e o inte-
enfrentar a organização do conhecimento grado. Em outras palavras, a realidade dos
escolar para basicamente analisar a disci- textos escritos sobre a concepção de edu-
plinaridade e a integração. cação integral em tempo integral vigente
De certa forma, há uma tendência a naquelas escolas apontava para esse cur-
interpretar o conhecimento escolar como rículo integrado,
uma adaptação do conhecimento científi- A obtenção do êxito na implantação do 2o
co para fins de ensino. Entretanto, os estu- Programa Especial de Educação exige pro-
dos de história das disciplinas escolares de fissionais qualificados e comprometidos
Goodson (1995), os princípios de recontex- com a sua proposta político-pedagógica.
Para isso, articulam-se e integram-se faze-
tualização de Bernstein (1996) e o entendi- res que possibilitam o surgimento da prá-
mento de que existe uma epistemologia tica educativa por ela anunciada [...] As
escolar nos fazem questionar a relação di- ações pedagógicas desenvolvidas no CIEP
reta entre conhecimento científico e conhe- emanam de uma visão interdisciplinar, de
cimento escolar. A lógica científica no con- modo que o trabalho de cada professor
integre, complemente e reforce o trabalho
texto escolar é sempre uma lógica recontex- dos demais (CIEPs e CIACs – a educação
tualizada, engendrada por interesses sociais como prioridade, s/d, p. 21-35).
mais amplos. O conhecimento escolar é um Reafirmando a importância de pro-
amálgama, é sui generis, próprio da cultu- fessores e educadores das várias ativida-
ra escolar (FOURQUIN, 1993). des diversificadas existentes no espaço es-
Develay (1995) defende que o conhe- colar trabalharem em conjunto, nos mo-
cimento escolar não tem apenas o conhe- mentos de planejamento coletivo existen-
cimento científico como saber de referência. tes no horário da escola, o projeto político-
Há vários saberes que se juntam às práti- pedagógico dos CIEPs impunha sua feição
cas sociais de referência, nas quais se in- à escola pública e à educação pretendida
cluem atividades sociais diversas de pesqui- – interdisciplinar, integrada e comprometi-
sa, produção, engenharia, bem como ativi- da com a formação integral da criança.
dades culturais. Vale lembrar aqui que, his- No entanto, a prática educativa nem
toricamente, as propostas de educação in-
sempre apontou para essa concepção
tegral primaram sempre por essa linha, na
curricular. Na investigação realizada, pode-
medida em que, ao proporem a formação mos verificar o quanto as categorias discu-
do homem completo, abrem caminhos para tidas neste ensaio inexistiam, de forma ar-
a existência, no espaço formal da escola, ticulada, nas concepções e práticas dos pro-
de múltiplos conhecimentos sociais e cul-
fessores que trabalhavam, cotidianamen-
turais que são escolarizados.
te, naqueles espaços educativos. É sobre
Assim sendo, para a realidade que
esse descompasso que pretendemos falar.
consolidou os CIEPs, acreditamos que o tra-
balho pedagógico se vê no enfrentamento

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 27, p. 177-192, jan./jun. 2009. 183


3 CIEPs, edu ca çã o in tegra l e gral era, igualmente, uma das prioridades
dive rsifica çã o cu rricu la r : u m a daquele grupo de Saúde, na discussão com
equ a çã o sem ca m in h o? os profissionais enviados a cada instituição
escolar.
A investigação a que já nos referimos Nessa parceria, optamos por pesqui-
neste ensaio teve seu início no ano 2000. sar os CIEPs já constituídos como polos da
No ano de 2003, em sua quarta fase, ape- atividade de Saúde, por entender que essa
sar de mantermos seus objetivos gerais, relação – educação e saúde – compreen-
delimitamos sensivelmente o campo de de um primeiro passo na direção de uma
pesquisa uma vez que, em trabalho exten- concepção avançada de educação integral
sionista realizado no ano de 2002, trava- e, em segundo lugar, pelos dados apresen-
mos contato mais estreito com as atividades tados por essa equipe, estabelecendo como
de professor da Escola de Medicina da CIEPs-polo aqueles que contavam, minima-
UNIRIO, um dos responsáveis pela aloca- mente, com os profissionais necessários à
ção do corpo médico nos CIEPs do estado implantação desse tipo de educação. Da
do Rio de Janeiro 5. A partir desse contato relação de onze CIEPs-polo, à época, esco-
inicial, percebemos que podíamos trabalhar lhemos quatro para realizar nossas ativida-
em parceria, uma vez que a educação inte- des de campo, a saber:

Código CIEP Município Localização


CIEP A CIEP 241 – Nação Mangueirense Rio de Janeiro Capital
CIEP B CIEP 137 – Cecília Meirelles Petrópolis Interior
CIEP C CIEP 369 – Jornalista Sandro Moreyra Duque de Caxias Metropolitana (Baixada)
CIEP D CIEP 412 – Dr. Zerbini São Gonçalo Metropolitana

Quadro 01: Relação de CIEPs-polo pesquisados


Fonte: Relatório Final de Pesquisa: Análise situacional das escolas públicas de horário integral – fase 04.
2004

A escolha dos quatro CIEPs desta- quisa de campo que pretendíamos desen-
cados não se deu aleatoriamente. Optamos volver, aqueles que estivessem mais próxi-
por trabalhar com aproximadamente 30% mos à capital.
do total de CIEPs-polo existentes na Secre- Efetuamos três visitas a cada uma
taria da Defesa Civil, em dezembro de 2002, dessas instituições escolares. Na primeira,
buscando aqueles que se situassem em nosso objetivo foi o de estabelecer um pri-
diferentes regiões do estado do Rio de meiro contato com cada CIEP, conhecendo
Janeiro – Capital, Interior e Baixada – e, sua realidade e seu entorno. A segunda
levando em consideração o tipo de pes- visita teve como meta a aplicação de

184 Lígia Marta C. C. COELHO; Dayse M. HORA. Educação integral, tempo integral...
questionário e conversa informal com os É importante destacar que, quando
respondentes ao referido instrumento. Na afirmamos que aquelas atividades integram
terceira e última ida a campo, objetivamos o currículo escolar, referimo-nos a um envol-
entrevistar profissionais das diferentes áreas vimento que não está presente no mero
de atuação6, no tocante ao seu entendi- anexar “aulas” de música, de capoeira, de
mento sobre atividades diversificadas e tra- informática ao contraturno curricular. Refe-
balho integrado na educação em tempo rimo-nos, sim, à possibilidade das diversas
integral. Nosso material de análise originou- atividades – diversificadas e de sala de
se exatamente desta terceira visita ao aula – serem tratadas como conhecimen-
campo. tos escolares mediadores entre sujeitos
As entrevistas foram bastante eluci- cognoscentes e objetos cognoscíveis
dativas no tocante ao tema de reflexão (FREIRE, 1998). O principal desses objetos
deste nosso ensaio. Pretendíamos verificar é a sociedade, com seu conjunto de rela-
se aqueles profissionais, trabalhando em ções e práticas, na qual estamos inseridos
escolas que funcionavam em tempo inte- e atuamos. Semelhante proposta implica
gral, com atividades diversificadas, conce- planejamentos integrados, de forma que o
biam este componente curricular como aluno perceba que qualquer uma daque-
construtor de educação integral e como o las atividades faz parte do seu “ser” huma-
implementavam, em seu cotidiano. No en- no, ou seja, constitui sua educação comple-
tanto, para que verifiquemos as inferências ta, integral. É neste contexto que a diversifi-
e reflexões realizadas, cabe-nos aprofundar cação curricular se faz presente.
essa última afirmação. Ponderadas essas concepções, per-
Entendemos Educação Integral den- guntávamos: Que compreensão teriam os
tro de uma concepção crítico-emancipadora profissionais da educação que trabalham
em educação. Na prática, ela eclode como em CIEPs-polo sobre educação integral?
um amplo conjunto de atividades diversifi- Como a trabalhariam, na prática? A diversi-
cadas que, integrando o e integradas ao dade curricular, conforme a apresentamos
currículo escolar, possibilitam uma formação neste ensaio, seria meta pensada e
mais completa ao ser humano. Nesse sen- implementada no cotidiano desses profis-
tido, essas atividades constituem-se por sionais?
práticas que incluem os conhecimentos Iniciando estas reflexões, é necessário
gerais; a cultura; as artes; a saúde; os espor- dizer que nossa primeira constatação foi
tes e o trabalho. Contudo, para que se com- desalentadora: já na primeira visita ao
plete essa formação de modo crítico-eman- campo, verificamos que 75% dos CIEPs
cipador, é necessário que essas práticas se- pesquisados, ao contrário do que nos havia
jam trabalhadas em uma perspectiva polí- sido informado pelo Grupo de Saúde, não
tico-filosófica igualmente crítica e eman- estavam trabalhando mais com uma edu-
cipadora. cação integral em tempo integral. Ou seja,
dos quatro Centros Integrados, apenas o

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 27, p. 177-192, jan./jun. 2009. 185


CIEP A apresentava infraestrutura de recur- pra estar planejando junto [...] dentro da
sos materiais e humanos compatível com medida do possível eu busco [...] Agora só
para ele ficar dentro de uma escola pra
aquele funcionamento. Nos demais, o es- cumprir horário, sem ter os instrumentos
quema era de um horário ampliado7. que possibilitem ele fazer um trabalho
Esta constatação inicial nos surpre- qualitativo... (CIEP C – Profissional A; grifos
endeu, levando-nos a outra série de nossos).
questionamentos: se as instituições escola- [...] Então a escola está assim, a gente de-
res pesquisadas não funcionavam dentro seja, mas por “n” motivos não está poden-
dos critérios da investigação, mesmo ten- do no momento oferecer esse tempo in-
tegral [...] falta o professor de educação
do sido contatadas por esse motivo, quais
física, uma bibliotecária formada. A parte
atividades estariam acontecendo naqueles médica não, porque o Corpo de Bombeiros
espaços? Como se processariam essas ati- nos dá bons profissionais [...] Mais profes-
vidades escolares dentro daqueles comple- sores, abrir um concurso pra 40 horas [...]
xos educacionais8? E falta pessoal para isso, falta merendeira,
falta pessoal de apoio, faltam professores,
A partir das questões apresentadas,
profissionais na área de educação física,
a surpresa inicial evoluiu para uma reflexão na parte de leitura, professores para darem
acerca da eficácia das políticas públicas estudo dirigido. Espaço a gente tem, os
educacionais no Estado do Rio de Janeiro, espaços dos CIEPs são muito bons, mas
bem como sobre seu planejamento e im- realmente faltam esses profissionais. (CIEP
B – Profissional B; grifos nossos).
plantação. Em outras palavras, problemas
diários com um corpo docente bastante re- Uma análise das duas falas, ao
duzido; carga horária incompatível com o (re)colocar alguns dos problemas detecta-
trabalho a ser realizado (de educação inte- dos, levanta situações diretamente relacio-
gral em tempo integral); ausência de pro- nadas às nossas reflexões neste ensaio.
fissionais variados para as atividades diver- Verificamos que a profissional do CIEP C
sificadas; ausência de verba para merenda tem uma concepção de educação integral
em número suficiente para, pelo menos, bastante definida – porque você não tem
duas a três refeições diárias; enfim, esses e um tempo específico pra estar planejando
outros impedimentos demonstravam, em junto9. E que a profissional do CIEP B, ao
essência, o descaso do poder público em fundir educação integral e tempo integral,
relação à manutenção da infraestrutura enumera atividades diversificadas que con-
mínima de apoio a instituições escolares sidera fundamentais nessa concepção de
daquele porte e importância educacionais. ensino mas que, administrativamente, não
Nesse sentido, são bastante represen- têm como manter, tendo em vista a preca-
tativas as falas de docente do CIEP C e da riedade das relações entre as escolas e as
diretora do CIEP B: secretarias.
Sempre buscamos esse trabalho integrado, Contudo, se atentarmos especifica-
mas sempre nas “brechas do sistema”. [...] mente para a tríade com que trabalhamos
Porque você não tem um tempo específico – educação integral, atividades

186 Lígia Marta C. C. COELHO; Dayse M. HORA. Educação integral, tempo integral...
diversificadas e diversificação curricular – de um laboratório de paleontologia, ai
como os profissionais dos CIEPs pesqui- nesse laboratório a gente trabalha mate-
mática, estatística [...] Então eu como te-
sados a estarão construindo? As falas abai- nho assim uma parte musical e de artes
xo são, novamente, bastante elucidativas: plásticas também ajudei a trabalhar a con-
Eu trabalho aqui desde 94 [...] e de lá pra fecção. (CIEP C – Profissional C; grifos nos-
cá a gente sempre trabalhou na perspec- sos).
tiva de projetos [...] nós trabalhamos com Conforme podemos constatar por
projeto integrado com a parte pedagógica,
meio das falas há, por parte de alguns dos
no momento em que a gente participa
também do conselho de classe e as pro- profissionais desses Centros Integrados,
postas, por exemplo, nesse ano, no início uma relação bem marcada entre educação
do ano, nós participamos e definiu-se tra- integral e atividades diversificadas. Para eles,
balhar quatro temas e nesses quatro temas o fato de trabalhar com idéias, projetos e/
a biblioteca entrou no relacionado à saúde,
ou oficinas em que se fundem atividades
com palestras, junto com o centro médico
e agora, neste bimestre, nós estamos tra- da biblioteca, da saúde e da animação cul-
balhando com a oficina literária. (CIEP D tural às “matérias do currículo”; de existirem
– Profissional B; grifos nossos). “todas as partes devidas” para fluir o horá-
[...] É uma educação que não só trabalha rio integral já correspondem àquele elo. No
o currículo obrigatório, mas trabalha a entanto, estariam realmente pensando e
realidade do aluno, a cultura, os valores praticando a diversificação curricular?
[...] nadando contra a maré, mas a gente O que sustentaria essa prática seria
vai... juntando educação e cultura [...] me
a não compartimentalização. Quando um
vejo o tempo todo fazendo este elo entre
cultura, educação e arte [...] Todas as ofici- professor associa educação integral apenas
nas são, de alguma forma, ligadas a algu- com a presença de atividades diversificadas,
ma matéria do currículo. (CIEP A – Profis- novamente ele retoma a fragmentação do
sional B; grifos nossos). conhecimento e das práticas escolares,
Educação integral é você ver o aluno num como consequência. Ou seja, ensino é uma
todo [...] eles tinham aula de artes, educa- parte do que se realiza na escola. Todas as
ção, aula de leitura, o vídeo. [...] Primeiro,
atividades, diversificadas ou não, represen-
nos tiraram as aulas extras, que nós cha-
mamos de vídeo, artes, sala de leitura, tam o complexo fazer escolar que se
educação física [...] Então o que falta nos compartimentaliza ou é compartimen-
CIEPs é deixar fluir novamente o horário talizados pelos atores da escola. Se prestar-
integral, funcionando com todas as suas mos mais atenção, os espaços destinados
partes devidas. (CIEP B – Profissional D; às diversas práticas também são dissocia-
grifos nossos).
dos: um território para as atividades de ani-
[...] É uma eterna troca. Então o professor mação cultural, de artes, de esportes e as
às vezes tem uma idéia, mas ele não sabe
outras atividades da escola: o ensino é rea-
como desenvolver aquela idéia, então a
gente se reúne com as várias disciplinas lizado na sala de aula, o desenvolvimento
e faz um trabalho integrado. O professor de atividades culturais, artísticas e esportivas
de história, por exemplo, ele teve uma idéia nos espaços das oficinas correspondentes.

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 27, p. 177-192, jan./jun. 2009. 187


É essa visão difusa de alguns profes- Integral – como proposta de trabalho peda-
sores, que não identificam a escola como gógico –, com uma atuação profissional em
espaço de produção e reprodução do co- tempo integral, na tentativa de dirimir as
nhecimento, que fica por trás das suas prá- condições precárias de salários e garantir
ticas e dos seus discursos. Desta forma, o um mínimo de sobrevivência. Ou seja, é o
turno destinado ao trabalho em sala de profissional desempenhando uma rotina
aula é relacionado aos conteúdos isolados, extenuante em várias escolas com sobre-
descontextualizados e sem significado, ao carga de horários que está em Educação
invés de produção do conhecimento. Em Integral:
contrapartida, o contraturno se destina a Então na verdade esse projeto integrado
tudo que não é considerado ensino, como [...] se resume a no início do ano a gente
se estes espaços e tempos não fossem locus traçar um tema, chamado tema gerador,
de conhecimento escolar sem distinção hie- onde cada professor, dentro de sua área
vai abordar. Ano passado eu cheguei a
rárquica em relação ao que recebe trata- fazer algum trabalho nessa área sobre
mento formal e disciplinar. educação alimentar, já que o tema visava
Continuando a reflexão que interrom- a saúde, eu na minha área de matemática
pemos, nos CIEPs pesquisados teriam to- e também integrado à área de química, a
dos os respondentes a mesma noção dos gente fez um trabalho [...] Existe uma dife-
rença entre educação integral e educação
que acima relacionaram educação integral integrada. Educação integral [...] é aumentar
e atividades diversificadas sem atentar para o tempo de permanência do aluno na es-
a diversificação curricular que a relação cola [...] onde ela tem num turno as aulas
pode encerrar? normais das disciplinas que ela tem que
cumprir e no outro período ela tem, obvia-
Sim, ai depende do direcionamento que
mente, alimentação, uma biblioteca à sua
é dado pela direção, pela coordenação,
pelos próprios professores, quando preci- disposição para fazer consulta, os trabalhos,
sam da ajuda da biblioteca [...] o trabalho ela tem um professor para orientá-la [...]
tem que ser direcionado por eles e aqui pra quem dá 46 horas semanais e é aula,
a gente trabalha como instrumento pra não é hora, isso pra mim é educação inte-
atingir o objetivo proposto por eles. (CIEP gral. (CIEP D – Profissional E; grifos nossos).
D – Profissional C; grifos nossos). Em síntese, podemos afirmar, a par-
Verificamos na fala destacada que, tir das falas apresentadas e de suas análises,
para o profissional C do CIEP D, a diversifi- que educação integral e atividades diversifi-
cação curricular inexiste, assim como inexis- cadas são propostas que se identificam. No
te a relação entre as atividades diversifica- entanto, em relação à diversificação
das mantidas pela escola e seu trabalho curricular, o que temos é uma inexistência
diário. Para esse profissional, seu papel é o dessa concepção, tanto em teoria quanto
de trabalhar como instrumento pra atingir na prática cotidiana dos entrevistados.
o objetivo proposto pelos professores... Nesse sentido, perguntamo-nos: a
Há também as falas que mesclam equação tem um caminho? Talvez, na
uma percepção do que seria Educação medida em que se encontrem conteúdo e

188 Lígia Marta C. C. COELHO; Dayse M. HORA. Educação integral, tempo integral...
forma, teoria e prática, enfim, um trabalho questionamento dos erros precisa ser alvo
pedagógico que vise ao ensino de de trabalho e pesquisa constante por parte
qualidade. do docente e daqueles que com eles traba-
lham. Não podemos nos esquecer de que o
4 Dive rsifica çã o cu rricu la r e dilema nos procedimentos para efetivar a
edu ca çã o in tegra l seleção e organização dos conteúdos e
métodos é vivido pelo professor na sala de
Concluindo, verificamos que a inves- aula e também nas atividades diversificadas.
tigação nos possibilitou destacar que o co- O que nos surpreende é a ausência
letivo dos profissionais, no cotidiano do seu quase total da capacidade de entender re-
trabalho pedagógico naquelas instituições lações conteúdo-forma presentes em todas
escolares de horário integral, não possui as atividades desenvolvidas na escola sem
definição clara e segura sobre educação territorializá-las, ou seja, sem esquadrinhar
integral e diversificação curricular, concep- terrenos delimitados que servem e outros
ções fundamentais que deveriam orientar que não servem para o trabalho pedagó-
o currículo dessas escolas, atuando como gico. É como se o pátio, as salas de vídeo,
matrizes diferenciadoras de suas práticas de estudo dirigido, da animação cultural,
em relação ao conjunto das escolas da rede da biblioteca, por exemplo, não fossem lu-
pública do estado do Rio de Janeiro. gares de ações educativas...
Diversificar o currículo está diretamen- As entrevistas deixam pistas para
te relacionado à pesquisa de novas formas futuras pesquisas que se detenham mais
de proporcionar a aprendizagem, o que nos na relação conteúdo-forma da prática do-
remete a indagações sobre a relação con- cente. Porém, a investigação realizada per-
teúdo-forma para as diversas áreas do co- mitiu verificar que os professores separam
nhecimento: a Matemática, a Língua Portu- atividades diversificadas do seu trabalho
guesa, as Ciências Naturais, os Estudos em sala de aula e que estas seriam as res-
Sociais, bem como a Educação Artística, ponsáveis isoladas pela construção da Edu-
Educação Sexual, a Saúde, o Meio Ambien- cação Integral; portanto, se não existem
te, os Esportes em geral. mais, não lhes diz respeito perseguir o ob-
Isso exige qualificação do professor. jetivo da Educação Integral.
O assunto não é novo, e sempre foi abor- Em nossa compreensão, a diversifica-
dado na relação direta com a formação ção curricular é a essência do trabalho do-
inicial e continuada desse profissional. Os cente e se caracteriza pela pesquisa da pró-
problemas que surgem da inadequação pria prática, evidenciando estratégias de
entre conteúdo e forma, em qualquer área ação educativa que propiciem relações con-
do conhecimento, precisam ser enfrentados teúdo-forma mais adequadas ao ensino, o
nos diversos espaços educativos, formais e que pressupõe o exercício contínuo do do-
não-formais. A busca de superação das difi- cente. A prática frequente e persistente de
culdades, de eliminação de barreiras, do abordagens diversificadas para as aulas po-

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 27, p. 177-192, jan./jun. 2009. 189


de ser transportada para qualquer ativida- cação Integral requer tempo, requer dedica-
de diversificada. A existência de um espaço ção e quem trabalha no magistério sabe
escolar com atividades diversificadas deve- que tempo e dedicação é uma coisa que
ria ser impulsionadora da criatividade para falta muito ao professor principalmente pela
construir a diversificação curricular. Vamos situação que [se] chegou de baixos salários
dar exemplos concretos. Uma aula de His- não podemos simplesmente desconsiderar
tória da África, na qual se tenha por objeti- o discurso, nem tampouco naturalizá-lo.
vo estudar a influência da cultura africana Declarações deste tipo não são raras
no Brasil, pode ter como estratégias de di- nas entrevistas com docentes, quer seja em
versificação curricular a aula de capoeira CIEPs, outras escolas da rede pública ou
ou as atividades de animação cultural... mesmo nas instituições particulares. Portan-
Na história dos CIEPs pesquisados, to, não é possível tapar os ouvidos a essas
vemos que se perdeu uma característica queixas, pois são reais e se arrastam ao
importante de interesse para os estudos do longo da trajetória histórica do magistério.
currículo. A existência de atividades diversi- Sem condições objetivas de trabalho, que
ficadas como ampliação das possibilidades abrangem inclusive um tempo qualitativo
de diversificação curricular poderia ter se nas escolas para a formação desse docente,
constituído em matriz curricular que diferen- não há por que se falar em currículo, ou
ciaria, em qualidade, essas instituições esco- em diversificação curricular: torna-se discur-
lares de outras escolas. so pretensioso, em terra improdutiva por
Finalizando, queremos afirmar nossa falta de adubo. Políticas públicas de educa-
posição contrária a qualquer raciocínio que ção devem estar relacionadas diretamente
tome como base a culpabilização da vítima, com outras políticas, de saúde, econômicas
nesse caso, o professor. Em quase todas as e sociais, sem perder de vista o quanto a
situações que envolvem a avaliação do tra- educação pode garantir de melhoria na
balho docente ou do cotidiano escolar é construção da cidadania de um povo.
lugar comum apontar “lacunas” e “mazelas” Como dissemos no início deste en-
no tocante à sua formação e/ou sua atua- saio, as pesquisas acadêmicas denunciam
ção profissional. Entretanto, cabe destacar problemas de formação inicial e continua-
que reconhecemos as dificuldades que os da de professores, precariedade de recursos
professores enfrentam, até porque também materiais e humanos nas escolas e isso já
somos professores e, apesar de exercermos é feito, com repercussão nacional, desde a
nossas funções em contextos diferentes, não década de 1930, com os Pioneiros da Edu-
são menores as dificuldades encontradas. cação. Com certeza, estaríamos em outras
Parece que se tornou fora de moda condições se atuássemos no sentido de
a denúncia das condições materiais concre- estreitar a distância entre o proclamado e
tas de trabalho nas escolas, principalmente o realizado, diria Anísio Teixeira, entre os
nas redes públicas. Mas, quando temos en- valores proclamados e os valores reais na
trevistados afirmando que desenvolver Edu- Educação Brasileira.

190 Lígia Marta C. C. COELHO; Dayse M. HORA. Educação integral, tempo integral...
5
N ota s Referimo-nos ao professor Edson Liberal, que tam-
1
bém trabalha na Secretaria de Defesa Civil, respon-
A pesquisa tem como objetivos refletir sobre as sável pela contratação, alocação e coordenação do
concepções de educação integral e de tempo integral corpo médico encaminhado aos CIEPs. Constam
existentes entre os corpos docente, gestor e de fun- desse corpo médico pediatras, dentistas e auxiliares
cionários dos CIEPs – Centros Integrados de Educa- de enfermagem.
ção Pública (Estado do Rio de Janeiro) e analisar as 6
Para fins de distribuição do questionário e entre-
práticas educativa e de gestão existente nas escolas vista, consideramos as seguintes áreas de atuação:
pesquisadas, tendo em vista a implementação de 1. Ensino (Professores em sala de aula); 2. Cultura
concepções de educação integral e de tempo inte- (Bibiotecário; auxiliar de biblioteca; auxiliar de mu-
gral que levem em consideração as relações existen- seu); 3. Artes (Professor de Artes em geral, ou Ani-
tes entre educação, saúde, cultura e trabalho (Rela- mador cultural); 4. Saúde (Médico; odontólogo; en-
tório Final de Pesquisa-julho de 2004). fermeira ou auxiliar; nutricionista; psicólogo); 5. Espor-
2
Pela expressão “constituição profissional” entende- tes (Recreador, ou professor de Educação Física).
mos um conjunto de processos e práticas que prin- 7
Entendemos como horário ampliado aquele que
cipiam na formação inicial e que vão se reconfigu- se estende por mais de quatro horas diárias de
rando ao longo da carreira docente, no entrelaça- atividades.
mento das diversas práticas sociais e profissionais. 8
Referimo-nos ao espaço privilegiado existente nos
3
Referimo-nos aos Centros Integrados de Educação CIEPs, com quadra de esportes, biblioteca e salas
Pública (CIEPs) criados nas décadas de 80-90 do ambiente de artes; animação cultural e laboratórios
século passado, no Estado do Rio de Janeiro, com o (estas últimas, dependendo dos projetos das escolas).
objetivo de implantar uma educação integral em 9
É digno de nota que, para essa docente, uma
tempo integral. educação integral depende de atividades diversifi-
4
Ao que o Programa Especial de Educação deno- cadas sendo planejadas junto, ou seja, há um elo
mina de “múltiplas atividades” designamos, neste entre todos os conhecimentos escolares presentes
ensaio, como “atividades diversificadas”. Essas ativi- na dinâmica curricular e que se consolida no encon-
dades seriam, entre outras, as relativas ao videoedu- tro político-pedagógico e epistemológico do planeja-
cação; artes; animação cultural; saúde e oficinas mento.
diversas.

Referên cia s

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, [s.d.].


BERNSTEIN, Basil. A estruturação do discurso pedagógico.: classe, códigos e controle. Petrópo-
lis: Vozes, 1996.
COELHO, Lígia Martha Coimbra da Costa. Análise situacional das escolas públicas de horário
integral do estado do Rio de Janeiro. Fase 04. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro/UNIRIO, 2004. Relatório final de pesquisa.
DEVELAY, Michel. De l’apprentissage à l’enseignment – pour une épistémologie scolaire. Paris:
ESF, 1995.
FOURQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura.: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento
escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 27, p. 177-192, jan./jun. 2009. 191


FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995.
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. CIEPs e CIACs. A educação como prioridade. Rio de
Janeiro, 2o Programa Especial de Educação, [s.d.].
RIBEIRO, Darcy. O livro dos CIEPs. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1986.
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização.: a implantação da Escola Primária Graduada no
Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.
YOUNG, Michael. A propósito de uma sociologia crítica de educação. Revista brasileira de
estudos pedagógica, Brasília , 67 (157), p. 532-537, 1986.
ZEICHNER, Ken. Novos caminhos para o practicum.: uma perspectiva para os anos 90. In:
NÓVOA, António (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: D. Quixote/Instituto de Inova-
ção Educacional, 1992.

Recebido em 3 0 de ja n eiro de 2 0 0 9 .
Aprova do pa ra pu blica çã o e m 2 0 de m a rço de 2 0 0 9 .

192 Lígia Marta C. C. COELHO; Dayse M. HORA. Educação integral, tempo integral...

Você também pode gostar