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3 a 6 de novembro de 2009 - Londrina – Pr - ISSN 2175-960X

O ENSINO COLABORATIVO NA CLASSE COMUM PARA A VIABILIZAÇÃO DA


INCLUSÃO ESCOLAR
Leonardo Santos Amâncio CABRAL1
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Introdução

O Programa de Pós-Graduação em Educação Especial – PPGEEs da Universidade Federal de


São Carlos – UFSCar proporciona, aos seus alunos, a oportunidade de vivenciar, in lócus, a
realidade da escolarização das pessoas com deficiência na rede regular de ensino e, também
de desenvolver e implementar, junto com o professor da classe comum, estratégias de ensino
sob a perspectiva do ensino colaborativo. Tais atividades fazem parte de um projeto iniciado
em 2003, denominado “SOS Inclusão” e que também conta com o apoio da Assessoria de
Educação Especial da Prefeitura Municipal de São Carlos. As reflexões sobre estas atividades
fazem parte da agenda de discussões do Grupo de Formação de Recursos Humanos e Ensino
em Educação Especial - FOREESP as quais são direcionadas sob a perspectiva da inclusão
escolar.
Considerando a escolarização das pessoas com deficiência, Mazzotta (1996) define a
Educação Especial como a modalidade de ensino que se caracteriza por um conjunto de
recursos e serviços educacionais especiais organizados para apoiar, suplementar e, em alguns
casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal de
alunos que apresentem necessidades educacionais muito diferentes dos demais. Segundo a
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL,
2008):

...o movimento mundial pela inclusão é uma ação política, cultural, social e
pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de
estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de
discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional
fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e
diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à idéia de
eqüidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção
da exclusão dentro e fora da escola. (BRASIL, 2008, p. 4)

Entretanto, esta prática definida, atualmente, como inclusão escolar, implica em desafios
consideráveis para o professor da classe comum que tem uma numerosa e heterogênea turma
de alunos. Segundo Bauwens (1995), um desses desafios reside no professor deixar de
exercer um papel tradicionalmente individual para atuar de forma que possibilite
compartilhar com outro profissional, metas, decisões, instruções, responsabilidades, avaliação
de aprendizagem, resoluções de problemas, e a administração da sala de aula para a instrução
de todos os alunos.

1
Graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestrando do Programa de Pós-
Graduação Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Rod. Washington Luís, Km
235-13565-905-São Carlos-SP. leonardo_educa@yahoo.com.br
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Mendes (2006) expõe que Bauwens, Hourcade e Friend (1989) foram os primeiros a
descrever uma associação pragmática entre educadores do ensino regular e especial,
definindo-a como ensino colaborativo, a fim de desenvolver um programa educacional
dirigido a todos os alunos. Após ampla revisão da literatura, a autora sintetiza e define que, o
ensino colaborativo ou co-ensino, é um modelo de prestação de serviço de educação especial
no qual:

um educador comum e um educador especial dividem a responsabilidade


de planejar, instruir e avaliar a instrução a um grupo heterogêneo de
estudantes, sendo que esse modelo emergiu como uma alternativa aos
modelos de sala de recursos, classes especiais ou escolas especiais, e
especificamente para responder às demandas das práticas de inclusão de
estudantes com necessidades educacionais especiais. (MENDES, 2006, p.
32)

Porém, estudos nacionais indicam que, para os poucos alunos com deficiência matriculados
na rede regular de ensino, faltam aspectos básicos para garantir, além do acesso, a sua
permanência e sucesso na sala comum tais como a oferta de serviços de apoio especializado e
formação de professores (NUNES, FERREIRA E MENDES, 1998; MENDES, NUNES E
FERREIRA, 2003). Tal realidade reforça a concepção social de deficiência na qual:

...a deficiência ou desvio é uma situação e não um estado definitivo,


determinado apenas pelas incapacidades do indivíduo, é uma situação
criada pela interação entre a limitação física, sensória, mental ou
comportamental e o obstáculo social que impede ou dificulta a
participação nas atividades da vida cotidiana. (PINHEIRO, 2003, p. 112)

Neste contexto, foi identificada a necessidade de buscar estratégias específicas de ensino,


elaborar novas metodologias e conhecer os meios para aquisição e/ou construção de materiais
didáticos adaptados para permitir que o processo de ensino-aprendizagem seja eficaz tanto
para o professor da classe comum da rede regular de ensino quanto para o aluno com
deficiência.
Frente a isso, o objetivo geral deste estudo foi observar as dificuldades dos professores da
rede regular de ensino em atender às demandas que um aluno com deficiência na classe
comum exige e, sob a perspectiva do ensino colaborativo, buscar estratégias específicas de
ensino, elaborar novas metodologias e conhecer os meios para aquisição e/ou construção de
materiais didáticos adaptados para a efetivação do processo de ensino-aprendizagem na
perspectiva inclusiva. Mais especificamente, este estudo buscou:
a) apresentar as dificuldades e superações para se propor à escola regular atividades sob a
perspectiva do ensino colaborativo;
b) descrever a relação/aceitação da direção da escola, dos professores da classe comum e do
aluno com deficiência com o professor da educação especial;
c) observar e descrever a socialização do aluno com deficiência na classe comum;
d) identificar as dificuldades dos professores em sala de aula e, em conjunto, elaborar
estratégias de ensino.

Método
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Tipo de Pesquisa e População

O presente estudo caracteriza-se como estudo de caso por ter sido desenvolvido em uma
escola da rede municipal de ensino da cidade de São Carlos-SP, na qual foram acompanhados
dois professores (Geografia e Matemática) do 7º ano do ciclo comum onde estuda um aluno
de 15 anos de idade com deficiência visual (cegueira total) em classe comum. Segundo Isaac
e Michael (1971) o estudo de caso examina, em um pequeno número de unidades, um
número grande de variáveis e condições.

Instrumentos e Procedimentos de coleta de dados

Primeiramente, foi necessário um termo de consentimento da Prefeitura Municipal de São


Carlos, bem como da escola em questão, a fim de que o estudo fosse realizado.
Para a coleta dos dados, foram utilizados registros em diários de campo os quais foram
preenchidos de acordo com as observações sobre o cotidiano dos professores e sobre as
situações do aluno dentro de sala de aula comum, a fim de podermos elaborar e implementar
atividades de intervenção. O período de observação e acompanhamento, em sala de aula, deu-
se entre os meses de Maio e Julho de 2008.

Resultados e Discussão

1- Estabelecendo contato com a escola da rede regular de ensino


A assessoria de Educação Especial da Prefeitura Municipal de São Carlos discriminou,
aleatoriamente, as escolas com demandas a serem atendidas no município e, de forma que
atendesse aos requisitos do projeto “SOS Inclusão” da UFSCar, definiu o acompanhamento
de professores que atendiam a um aluno com deficiência visual (cegueira total) em classe
comum.
Foi necessário que todos os cuidados possíveis fossem considerados para que a relação entre
os profissionais da Educação Especial e os da escola comum pudesse ser estabelecida com
compromisso e, mais que isso, de forma respeitosa e sem hierarquização para que o sentido
da colaboração fosse realmente valorizado.
Para tanto, assim que a assessoria de Educação Especial definiu a escola para o atendimento,
a mesma pediu autorização para a realização das atividades naquela escola e a diretoria a
concedeu.
Posteriormente, entramos em contato com a escola por telefone para agendar uma visita ao
local, a fim de conhecer a escola, sua direção, seus professores e o aluno com deficiência,
bem como explicar aos mesmos a proposta do ensino colaborativo na escola. A direção
permitiu o agendamento, sem resistências.
Esta situação burocrática está de acordo com a exposição de Gately (2001) que expõe sobre o
estágio inicial desta relação com a escola, na qual defende que os professores se comunicam
superficialmente, criam limites e tentativas de estabelecer um relacionamento profissional
entre si, a comunicação é “política” e infreqüente, e os professores precisam compreender o
desenvolvimento do processo.

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2- A relação/aceitação da direção da escola, dos professores da classe comum e do aluno


com deficiência com o professor da educação especial
No primeiro contato com a gestão da escola e com os professores da classe comum foi
possível perceber nitidamente a grande expectativa dos mesmos em cima do profissional em
Educação Especial em solucionar, sozinho, as dificuldades para a escolarização do aluno com
deficiência. Foram notadas, a partir dos seus discursos, insatisfações no que tange à falta de
materiais didáticos adaptados e de apoio de profissional especializado.
Após o “desabafo” de todo o corpo gestor e docente da escola, foi explicada a proposta de
ensino colaborativo e que o foco, neste período, seria o de identificar as dificuldades do
professor em ensinar o aluno no que tange ao espaço, a materiais e às metodologias de ensino
para que juntos, inclusive com o apoio da assessoria de Educação Especial, pudéssemos
encontrar soluções concretas a fim de haver, efetivamente, a melhoria no processo de
escolarização do aluno com deficiência visual matriculado naquela escola.
Os professores de Geografia e Matemática e a direção concordaram, sem resistências, com o
acompanhamento do profissional da Educação Especial em sala de aula para a tentativa de
identificar e solucionar alguns problemas.

3- A socialização do aluno com deficiência na classe comum


Foram observadas, no aluno com deficiência visual (cegueira total), qualidades
imprescindíveis para uma efetiva socialização em qualquer ambiente, tais como a simpatia,
boa comunicação e bom humor.
Porém, todas estas qualidades estavam sendo reprimidas dentro do ambiente escolar. Durante
todo o período de observação, o aluno manteve-se no mesmo lugar da sala de aula sem ter
uma ampla rede de socialização, restringindo-se apenas aos seus colegas vizinhos.
Uma característica nitidamente notável foi o caráter assistencialista com que, tanto o corpo
gestor, quanto os professores e alunos se relacionavam com o aluno com deficiência. Uma
situação que ilustra perfeitamente este quadro é o fato de ele sempre se locomover com
alguém, segurando pela mão e não utilizando a bengala pela escola. A imagem que se
apresenta é de que “está se ajudando uma pessoa com deficiência”, mas não há reflexão sobre
o estímulo de sua independência.
Outro fato notado é o de uma aluna específica sempre tentar ajudá-lo em sala de aula,
sentando do lado do aluno e, sem orientação de ninguém, dita alguns exercícios para o aluno.
Porém, tais exercícios não são respondidos por ele mesmo, e sim pela professora de educação
especial, com a qual ele tem acompanhamento semanal no horário noturno.

4- Dificuldades dos professores em sala de aula e reflexão sobre a adaptação nas estratégias
de ensino para o aluno com deficiência.
No cotidiano escolar, há diversos fatores que influenciam no desenvolvimento da prática
pedagógica dos professores do ensino comum tais como: o projeto político pedagógico da
escola; a forma com que se elaboram os planos pedagógicos; a estrutura escolar (espaço
físico, materiais didáticos, gestão, currículo, distribuição de alunos por sala, etc.).
Dentre tais fatores, foi notada a grande dificuldade em incluir o aluno com deficiência nas
atividades curriculares, de forma que se efetive realmente o processo de ensino-aprendizagem
a todos os alunos da classe comum. Tanto por meio de observações, como por discurso dos
próprios professores, foram notados alguns problemas. Dentre eles está o de que nenhum
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aluno pode levar o livro didático para estudar em suas residências, devido ao reduzido
número deste material, na escola. Isto dificulta o processo de ensino-aprendizagem de todos
os alunos, pois eles estudam e fazem exercícios somente dentro da sala de aula.
Outro fator é que não há material adaptado para alunos com deficiência visual. Acontece que,
sem material didático apropriado o aluno não tem acesso ao conteúdo, o que dificulta o
mesmo a acompanhar as explicações do professor. Assim, o aluno se mantém sempre
dependente de “ensino paralelo” em salas de recurso. Porém, nem sempre os conteúdos
correspondem-se entre si. Um exemplo disto é que este aluno, do oitavo ano do ensino
fundamental (sétima série), está aprendendo tabuada na sala de recursos e, na classe comum,
o conteúdo ensinado a “todos” é Polinômios. Portanto, podemos refletir “como ensinar
polinômios a um aluno que não sabe a tabuada?”. Esta é uma grande dificuldade dos
professores e permite dizer que o aluno está matriculado, mas não está incluído.
Diante desta realidade, nos propusemos a refletir sobre como adaptar as estratégias de ensino
para que o aluno com deficiência fosse ensinado juntamente com os outros alunos da classe,
mesmo que para isso fosse necessário modificar o processo de ensino-aprendizagem
usualmente implementado pelos professores.
No semestre seguinte, após as observações e discussões com os professores do ensino
regular, desenvolvemos a consultoria colaborativa, a qual é a parte de suporte ao professor,
deixando a responsabilidade plena com o professor da classe comum, auxiliando-o
essencialmente no planejamento de atividades de tutoria entre alunos; na elaboração de
materiais em Braille para o ensino de Geografia e Matemática, com o apoio dos alunos,
fazendo resumos em grupos, discutindo em sala de aula; elaboração de materiais para o
ensino de Matemática (figuras geométricas) e Geografia (mapas); apresentação do alfabeto
em Braille para todos os alunos da sala e professores, bem como algumas explicações
referentes à deficiência visual; atividades de leitura com a participação de todos e exposição
dos conteúdos programados para cada bimestre.

Conclusão

Atualmente, a falta de recursos humanos para a atuação no ensino de indivíduos com


deficiência na classe comum da rede regular está dentre as discussões atuais sobre a
viabilização da inclusão escolar. O aumento do número de matrículas desta população nas
escolas comuns sucumbiu em uma grande demanda sem acesso a materiais pedagógicos
adequados, profissionais especializados e espaços adaptados para a escolarização das pessoas
com deficiência.
O ensino colaborativo, que parte do princípio em que o professor da Educação Especial atua
juntamente com o professor da classe comum para elaborar estratégias de ensino e materiais
para o indivíduo com deficiência, apresenta-se como um caminho para a consolidação deste
processo.
Portanto, há a necessidade de mobilizar a gestão escolar, o corpo docente e os alunos para a
viabilização do ensino do indivíduo especial na classe comum para que a inclusão realmente
se efetive e que sua situação de deficiência seja reduzida por meio das adaptações do
ambiente e das estratégias de ensino. Nesse sentido, o ensino colaborativo, sem
hierarquização de papéis, torna-se uma alternativa para que o aluno com deficiência e os

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demais alunos da classe comum se beneficiem de um ensino que vai além do modelo
conteudista.

Referências

BAUWENS, J.; HOURCADE, FRIEND, M. Co-Teaching: a different approach to


inclusion. Principal, 2000.
BAUWENS, J.; HOURCADE, J. J. Cooperative teaching: rebuilding the schoolhouse
for all students. Austin: TX: Pro-Ed, 1995.
BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva. Brasília: Secretaria de Educação Especial-MEC. 2008.
GATELY, S.; GATELY, F.J. Understanding co-teaching components. Teaching
Excepcional Children. 2001.
MAZZOTTA, M. J. Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. São
Paulo: Cortez Editora, 1996.
MENDES, E.G.. Colaboração entre ensino regular e especial: o caminho do
desenvolvimento pessoal para a inclusão escolar. In: MANZINI, E.J. (Org.). Inclusão e
acessibilidade. Marília-SP: ABPEE, 2006.
MENDES, E.G.; NUNES, L.R.O.; FERREIRA, J.R. Integração/Inclusão: o que revelam
as teses e dissertações em educação e psicologia. In Francisco de Paula Nunes Sobrinho
(org). Inclusão Educacional: pesquisas e interfaces. Rio de Janeiro: Livre Expressão.
2003.
NUNES, L.R.D.P., et. al. Pesquisa em Educação Especial na Pós-Graduação. Rio de
Janeiro: [s.n.]. Volume III, Séries Questões Autais em Educação. 1998.
PINHEIRO, H.L. As políticas públicas e as pessoas com deficiência. In M. Vizim, e S.
Silva, (Orgs). Políticas Públicas: Educação, Tecnologias e Pessoas com Deficiência.
Campinas: Mercado das Letras/Associação de Leitura do Brasil, 2003.

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