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A VISÃO DOS PROFESSORES SOBRE A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS

COM DEFICIÊNCIA1
Viviane Preichardt Duek

RESUMO
O presente texto aborda a visão de um grupo de professoras do Ensino Fundamental de
uma escola da rede pública de Santa Maria/RS, sobre a inclusão de alunos com
deficiência no ensino regular. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, cujas
informações foram coletadas por meio de entrevistas semi-estruturadas. Os dados
apontam que a inclusão de alunos com deficiência na escola regular constitui-se um
desafio por fatores tais como: insuficiência na formação inicial e continuada de
professores, carência de recursos humanos e materiais, turmas numerosas, além de
estrutura física inadequada. Conclui-se, assim, que a efetivação da proposta inclusiva
nas escolas demanda, dentre outros aspectos, a edificação de estratégias formativas que
favoreçam a troca de experiência entre os pares, compartilhando e construindo novos
saberes que conduzam a mudanças em suas práticas.
Palavras-chaves: Inclusão escolar, ensino regular, deficiência.

ABSTRACT
This paper presents the vision of a group of elementary public school teachers from
Santa Maria/RS, about the inclusion of students with disabilities in regular education. It
is a qualitative research, whose information was collected through semi-structured
interviews. The data indicate that the inclusion of students with disabilities in regular
school constitutes a challenge by factors such as: inappropriate initial and ongoing
formation, lack of human and material resources, crowded classes and inadequate
structure. Therefore, the effective scholar inclusion requires the buildup of formation
strategies in order to promote experience exchange among peers, sharing and building
new knowledge that will lead to practice changes.
Keywords: scholar inclusion, regular education, disability.

INTRODUÇÃO

O movimento inclusivo diz respeito a um quadro de mudanças sociais mais


amplas que vem repercutindo também na escola, a qual é convocada a rever atitudes,
concepções e práticas, a fim de oferecer um ensino de qualidade para todos os alunos,
independentemente das peculiaridades que estes venham a apresentar. O contexto
escolar tornou-se mais complexo, ao passo que o professor depara-se com várias
situações, cuja formação inicial, não lhe deu condições de antever.
Nessa direção, a inclusão desafia o professor, que precisa aprender a ensinar
alunos fundamentalmente diferentes num mesmo espaço: a sala de aula regular. Essa é
uma tarefa difícil, que exige do docente a capacidade de atuar em ambientes diversos e
com uma população cuja característica maior é a heterogeneidade. Considerando que
muitos professores que trabalham com alunos com deficiência na sala de aula regular,
não tiveram em sua formação inicial, discussões sistematizadas a respeito da inclusão,
foi realizado um estudo com o objetivo de compreender a experiência de ser professor
no contexto da escola inclusiva, isto é, conhecer o modo como vivenciam essa realidade
e os sentidos que atribuem à mesma.
No intuito de contribuir com a discussão sobre a atuação e a formação dos
profissionais da educação numa perspectiva inclusiva, o presente artigo aborda a visão
de um grupo de professoras do Ensino Fundamental de uma escola pública de Santa
Maria/RS, sobre a inclusão de alunos com deficiência no ensino regular, retratando,
entre outros aspectos, os sentimentos, as dificuldades e os desafios referentes à prática
educacional inclusiva.

BREVES APONTAMENTOS TEÓRICOS

A problemática da inclusão de alunos com deficiência no ensino regular aparece


amplamente retratada no corpo de leis e documentos que regem o sistema educacional
na atualidade, com vistas à democratização do espaço escolar, ao passo que a
segregação desses educandos é interrogada, sob a égide de uma “Educação para Todos”.
Com efeito, a difusão do conjunto legislativo contribui para a sensibilização da
sociedade no tocante à concepção de que a educação é um direito de todo cidadão, e que
o princípio inclusivo representa a garantia de acesso à escolarização, principalmente,
daqueles que, por longa data, foram tidos como não-escolarizáveis e, consequentemente,
excluídos do meio educacional.
No Brasil, a discussão em torno da política de inclusão começa a se delinear,
principalmente nos anos 90, sob a influência de organismos internacionais e a
publicação de diversos documentos e diretrizes. Como exemplo, cita-se a Conferência
Mundial de Educação para Todos, ocorrida em 1990, em Jomtien, na Tailândia, e que
aprovou a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das
necessidades básicas da aprendizagem,em que o Brasil assumiu o compromisso de
melhoria do sistema educacional e, nesse contexto, da educação de crianças e jovens
com deficiência.
Outro movimento expressivo foi o da Conferência Mundial sobre Necessidades
Educativas Especiais, ocorrida na Espanha em 1994, cuja ênfase recai sobre a necessária
definição de políticas educacionais inclusivas. Dessa conferência resultou a Declaração
de Salamanca de Princípios, Políticas e Práticas das Necessidades Educativas
Especiais, que passou a considerar a inclusão dos alunos com necessidades
educacionais especiais, em classes regulares, como a forma mais avançada de
democratização das oportunidades educacionais. Essa Declaração é reconhecida como
um documento de suma importância, pois baliza o direito de todos de serem educados
no sistema comum de ensino, propondo que as escolas se preocupem em promover a
aprendizagem de todas as crianças, inclusive aquelas que sofrem deficiências
acentuadas.
A existência de políticas públicas é fundamental para a concretização de uma
sociedade e de uma escola inclusivas, no sentido de reconhecimento e acolhimento das
diferenças, rechaçando toda e qualquer forma de discriminação. Assim, a criação de
documentos e textos legais denota um avanço no que se refere aos direitos das pessoas
com deficiência, de terem acesso aos mais diversos espaços sociais, dentre eles, a
escola.
Sobre isso, Dal-Forno (2005) evidencia que:

A inclusão é a imposição da lei, porém é uma conquista das pessoas


excluídas do convívio social por apresentarem características peculiares não
desejadas socialmente. Ela representa o direito, não só ao convívio, a
“igualdade”, mas é símbolo do direito ao saber historicamente acumulado e
“transmitido” na escola, instituição cuja função legítima é esta (DAL-
FORNO, 2005, p. 65).

Reconhecendo a escola como local que tem a sua legitimidade no processo de


construção do conhecimento, não se pode ignorar, todavia, o descompasso existente
entre os caminhos apontados pela legislação vigente, e o que se efetiva no interior dessa
instituição, quando o assunto é a inclusão. Em outras palavras, isso significa que
decretos, embora imprescindíveis, são insuficientes para a concretização do arquétipo
inclusivo, pois leis não dão conta de eliminar estereótipos e preconceitos arraigados,
podendo, em alguns casos, representar uma inclusão às avessas e dificultar ou, até
mesmo, impedir as escolas de avançarem nessa trajetória.
Consoante a esse pensamento, Carvalho (2004a) afirma que a noção de escola
inclusiva implica, indubitavelmente, na mudança de atitudes frente às diferenças:

Escolas inclusivas são escolas para todos, implicando num sistema


educacional que reconheça e atenda às diferenças individuais, respeitando as
necessidades de qualquer dos alunos. Sob essa ótica, não apenas portadores
de deficiência seriam ajudados e sim todos os alunos que, por inúmeras
causas, endógenas ou exógenas, temporárias ou permanentes, apresentem
dificuldades de aprendizagem ou no desenvolvimento (CARVALHO, 2004a,
p. 29).

De modo complementar, Mittler (2003) afirma que a inclusão exige uma


reforma radical da escola, no modo como esta concebe e organiza seu currículo, como
avalia, como ensina e como agrupa os alunos nas atividades de sala de aula. O propósito
de tal reforma é garantir que todas as crianças tenham acesso à escola, participando de
atividades que impeçam a segregação e o isolamento.
Para Stainback e Stainback (1999), o ensino inclusivo é a prática da inclusão de
todos, independe de suas características físicas, sociais ou intelectuais, de modo a
atender todas as necessidades dos alunos. De acordo com os autores, a convivência com
a diversidade traz benefícios para todos os membros da comunidade escolar. Sobre isso,
enfatizam:

Educando todos os alunos juntos, as pessoas com deficiência têm a


oportunidade de preparar-se para a vida em comunidade, os professores
melhoram suas habilidades profissionais e a sociedade toma a decisão
consciente de funcionar de acordo com o valor social da igualdade para todas
as pessoas, com os conseqüentes resultados de melhoria da paz social
(STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 21).

A provisão, assim, de um ensino inclusivo requer mais que a inserção da


pessoa com deficiência no interior de classes regulares, sendo que a sua implementação
passa pela reestruturação e renovação escolar. Isso torna cada vez mais evidente o fato
de que as escolas precisam romper com padrões de ensino vigentes até então, deixando
para trás o rastro de práticas pedagógicas autoritárias e unilaterais, herdadas de modelos
tradicionais de ensino, que já não cabem no momento atual, marcado pela diversidade.
Todavia, esta meta não é facilmente alcançada. Portanto, pensar a inclusão
implica em pensar a prática docente, situada em meio a representações de deficiência e
perpassada por sentimentos e atitudes que englobam desde a aceitação, a tolerância e a
indiferença, até a veemente rejeição do educando em classe. Assim, enquanto para
alguns educadores abrem-se estimulantes vias de descobertas e de desenvolvimento,
para muitos, a inclusão torna-se fonte de angústia e sofrimento, onde o aluno, não raro,
representa um obstáculo para o seu bem-estar pessoal e profissional.
Carvalho (2003, p. 28) comenta que “[...] ao lado de muitos educadores que se
mostram receptivos e interessados na presença de alunos com deficiências, em suas
salas, há os que a temem, outros que a toleram e muitos que a rejeitam”. Isso reafirma a
ideia de que o posicionamento dos professores, diante do aluno incluído, está atrelado à
maneira como concebem a deficiência no contexto da escola regular, bem como aos
significados que atribuem a essa experiência.
Pensar-se-ia, assim, que a educação inclusiva é uma modalidade de promoção
da qualidade de ensino, que busca orientar a atividade pedagógica para a satisfação e
expansão de necessidades individuais, que implica mobilizar, com flexibilidade, os
recursos existentes e romper barreiras. É, em síntese, desenvolver atitudes positivas,
responder à diversidade, aumentar a participação dos atores do processo ensino-
aprendizagem e compensar as desigualdades de várias ordens, respeitando, ainda,
contextos socioeconômicos, culturais e lingüísticos (FONSECA, 2003).
Nesse contexto, é importante que se afirme, uma vez mais, que incluir não
significa apenas dar o direito às pessoas com deficiência de estar em sala de aula e
poder interagir com os demais. Implica criar as condições capazes de alavancar o seu
desenvolvimento, considerando as especificidades do processo de ensinar e aprender,
presumindo mudanças significativas no âmbito organizacional, estrutural e pedagógico
das escolas, no intuito de atender às demandas do seu alunado e contexto educacional
atual.
Para tanto, é imprescindível que o professor consiga enxergar o outro para
além da sua deficiência, concedendo-lhe o lugar de um ser de capacidades e
potencialidades, ao invés de ater-se à sua limitação, à sua dificuldade. Isso se refere à
possibilidade de promover avanços na aprendizagem desse aluno, tido como alguém
digno de ter a sua singularidade reconhecida e respeitada, onde o foco recaia sobre a
diferença e não meramente sobre a deficiência.
Sob essa ótica, o professor deixa de ser um mero transmissor de conteúdos para
ser um facilitador da aprendizagem, buscando remover, em seu ensino, barreiras à
aprendizagem do aluno. Confirmando esses aspectos, Rodrigues (2003) propõe que o
sucesso da inclusão demanda a mobilização de toda comunidade escolar em relação à: -
elaboração de um currículo flexível; - provisão de recursos físicos, pedagógicos e
didáticos adaptados às necessidades dos alunos; - promoção de ajustes na proposta
curricular e metodológica, conforme as características do alunado; - instituição de um
trabalho de colaboração e apoio entre os profissionais da escola; organização de
estratégias de apoio ao desenvolvimento profissional de professores.
Perante essa discussão que situa a inclusão como necessária e urgente destaca-
se a necessidade de subsidiar os professores com conhecimentos teóricos e práticos
acerca dessa realidade, a fim de que eles sejam capazes de organizar o seu ensino de
modo a atender às especificidades de todos e de cada um de seus alunos. Isso implica
repensar a formação do educador, que como bem refere Tricoli (2002, p. 98): “[...] para
que um professor possa oferecer uma boa formação para seus alunos, ele precisa
também estar bem formado”.
No tocante à formação docente para o ensino inclusivo, González (2002)
defende que o futuro professor deve receber uma preparação básica que lhe proporcione
desenvolver um trabalho com alunos com necessidades específicas, de modo a oferecer-
lhes respostas adequadas em situações cotidianas. Além da formação inicial, o autor
enfatiza a importância da formação continuada enquanto fator relevante na
aprendizagem docente. Afirma, assim, que é preciso “[...] estabelecer algumas diretrizes
de planejamento da formação permanente, coerentes e de acordo com as proposições da
reforma, de modo que o grau de envolvimento docente seja o mais elevado e sistemático
possível” (p. 244).
Corroborando com essa visão, Charlier (2001, p. 101) descreve que “a
formação é um elemento de desenvolvimento pessoal e profissional, mas ela também
faz parte do investimento da instituição escolar em seu capital humano”. Urge, nesse
sentido, a criação de ações de formação continuada que tenham apoio institucional e/ou
governamental, priorizando-se espaços onde os professores possam se encontrar e
dialogar sobre os dilemas que surgem na prática com vistas à superação da relação
mecânica entre o conhecimento técnico-científico e a prática de sala de aula, o que tem
sido motivo de “engessamento” do desenvolvimento profissional.
Proporcionar aos educadores momentos de encontro parece de suma
importância, haja vista que a interação com os pares pode auxiliá-los na construção de
estratégias de enfrentamento para as situações com as quais se deparam no cotidiano
escolar. Sobre isso, Malagris (2002, p. 48) coloca que “[...] muito importante também é
ajudar esses professores a encontrar caminhos criativos para satisfazer a necessidade de
interagir com colegas que lidam com o mesmo tipo de problemática, pois tem sido
verificado que desejam tal interação e lucram com ela”.
De modo complementar, Carvalho (2003, p. 53) pontua que:

A qualificação em serviço costuma ser muito facilitada quando, no projeto


político pedagógico da escola, estão previstos tempos para a formação
continuada. Dentre as estratégias recomenda-se reuniões sistemáticas para
estudos teóricos, estudos de casos e trocas de experiências.

Carvalho (2004b) reconhece que os cursos de formação continuada são


necessários, pois proporcionam a ampliação e o contato com novas informações e
teorias, ao passo em que acredita que eles se tornam insuficientes se não houver nas
escolas uma rotina de encontros para estudos e discussão, acerca do fazer pedagógico.
A ação e a formação docente parecem envolver, também, a apropriação e a
ressignificação da própria experiência por parte do professor, que influenciarão sobre os
seus modos de atuar junto ao educando com necessidades educacionais especiais. Em
meio ao debate acirrado acerca da inclusão de alunos com deficiência, bem como da
necessidade de capacitação do professorado para atender à demanda dos mesmos, não
podem ser esquecidas as especificidades do docente, que também tem suas
necessidades, suas fragilidades, seus “dramas” pessoais, suas limitações e precisa ser
apoiado, amparado e escutado pela instituição em que atua.
Nessa vertente de pensamento, é preciso que se edifiquem mecanismos, por
meio dos quais o docente possa falar de suas experiências, compartilhar e criar novos
saberes, sem receio quanto as suas fraquezas e limitações, pois o processo de formação
implica um constante repensar e reavaliar não só em âmbito cognitivo, mas também em
âmbito de sentimentos.
Importante se faz a abertura de “canais” de comunicação, espaços de reflexão
partilhada, onde o questionamento das dificuldades e problemas da ação docente sejam
uma constante, e os professores possam resolver suas angústias, diminuir seus conflitos,
esclarecer seus pontos divergentes e trabalhar cooperativamente, possibilitando aos
mesmos, construir para si uma imagem mais objetiva de seu estilo de interação e de
ensino.
A visão de uma escola não segregadora vem impondo, pois, a articulação de
novas concepções e práticas de formação do professorado, historicamente calcada em
padrões de turmas homogêneas. O desafio de formar professores em face do novo
paradigma requer, dentre outros aspectos, uma estrutura curricular flexível e
diversificada, que articule conhecimentos gerais e específicos, teoria e prática, por meio
de um exercício de reflexão crítica sobre a atuação profissional. Requer, igualmente,
investimento na formação contínua e permanente dos professores, enquanto fator
imprescindível na constituição de um profissional comprometido com a profissão, capaz
de atuar em contextos e com grupos cada vez mais heterogêneos.

O PERCURSO METODOLÓGICO

O estudo do qual resulta este artigo se inseriu em uma abordagem qualitativa de


investigação. Para a coleta dos dados foram realizadas entrevistas semi-estruturadas
que, segundo Minayo (2002), representa um instrumento que tem o propósito de “dar
voz” ao entrevistado, no sentido de conhecer o que ele tem a dizer acerca da temática
evidenciada. As entrevistas ocorreram no segundo semestre de 2005, com datas e os
horários definidos, mediante a disponibilidade das professoras. As entrevistas foram
divididas em tópicos e a cada encontro foi entregue uma cópia do roteiro para que cada
professora pudesse visualizar previamente as questões dando maior fluidez à sua fala,
sem ficar “presa” à ordem em que as perguntas apareciam. Foram realizados três
encontros para entrevista com cada participante, em que diferentes temas puderam ser
abordados e/ou retomados em um encontro posterior.

A pesquisa foi desenvolvida em uma escola da rede pública estadual de Santa


Maria/RS e contou com a participação de seis professoras dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, as quais foram escolhidas com base nos seguintes critérios: (a) não
possuir formação em Educação Especial; (b) estar trabalhando com alunos com
deficiência no momento da realização da pesquisa; (c) desejo em colaborar,
caracterizando, assim, a livre adesão das mesmas ao estudo. Por questões éticas da
pesquisa as professoras foram identificas como: P1, P2, P3, P4, P5 e P6. As pessoas
citadas nas falas das docentes também foram resguardadas e identificadas pela inicial do
nome.

Quanto ao perfil profissional das entrevistadas, cinco possuem formação em


nível superior, das quais, duas completaram o curso de pós-graduação em nível de
especialização. Somente uma professora, no período em que fora realizado o estudo,
não havia concluído seus estudos de graduação. P1, de 42 anos, é Licenciada em
História. P2, também com 42 anos, é formada em Geografia e especialista na área de
alfabetização. P3, de 60 anos, é licenciada em Pedagogia, com especialização na área de
gestão escolar. P4 de 48 anos é licenciada em Pedagogia e realizou o curso de
aperfeiçoamento em Educação Infantil. P5, 41 anos, formou-se em Pedagogia e além do
curso de aperfeiçoamento em Educação Infantil, participou da Capacitação em
Educação Especial: Altas Habilidades e Alfabetização de Jovens e Adultos. P6, 50 anos,
no momento em que a pesquisa foi realizada encontrava-se cursando Pedagogia. Um
ponto comum entre essas professoras é o fato de todas terem realizado o curso de
Magistério em nível médio.

Quanto ao tempo de magistério, as P1 (42) e P2 (42), exercem a profissão há


aproximadamente vinte anos. P3 (60) e P6 (50) estão no magistério há mais de vinte e
cinco anos. Ambas já exerceram outras funções dentro da escola como vice-direção,
coordenação e supervisão pedagógica. P4 (48) e P5 (41) lecionam há menos de cinco
anos. Chama a atenção o fato de que a idade cronológica de algumas educadoras não
possui linearidade entre sua formação e tempo de experiência profissional. É o caso da
P6 (50) que em fase final da carreira ingressou em um curso de graduação com fins de
aprimorar sua formação. No caso de P4 (48) e P5 (41), embora tenham idades
aproximadas com as demais professoras, terminaram seus estudos recentemente
encontrando-se em início de carreira, com menos de cinco anos de exercício
profissional.

No tocante ao tempo de atuação junto à educandos com deficiência, P1 (42), P2


(42) e P3 (60) possuem uma experiência de, aproximadamente, dez anos enquanto que
P6 (50), P4 (48) e P5 (41) têm menos de cinco anos.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A partir da análise dos dados coletados nesta investigação, é possível inferir que
a inclusão surge como uma realidade difícil, repleta de obstáculos a serem vencidos no
cotidiano profissional. Incluir, na visão das mesmas, extrapola a mera inserção do aluno
com deficiência no interior das instituições do ensino comum. As análises feitas
indicam que incluir é uma tarefa árdua, em que é preciso considerar o que, à revelia da
lei, acontece.
É um desafio para o próprio professor, porque ele (o aluno com deficiência)
estimula o professor a procurar, a se capacitar para vencer essas etapas, o que
se torna muito difícil, muitas vezes, e nem sempre a gente consegue, mas
sempre, alguma coisa a gente consegue [...]. Isso é uma tarefa árdua pro
professor, não é tão fácil quanto parece, como parece para os gabinetes, é
muito desafiador (P3).

Por certo, a inclusão apresenta-se como uma realidade na qual o professor é


confrontando com o seu saber-fazer, ao passo em que se depara com situações
inusitadas que estão a demandar a revisão de suas práticas a fim de dar conta da
diversidade que se apresenta na sala de aula. Nesse sentido, Mantoan (2003, p. 76)
destaca que “a maioria dos professores tem uma visão funcional do ensino e tudo que
ameaça romper o esquema de trabalho prático que aprenderam a aplicar em suas salas
de aula é inicialmente rejeitado”.
Diante do imperativo de trabalhar com o aluno com deficiência, essas
professoras se questionam sobre o que fazer e como ensinar essas crianças no contexto
das classes regulares. Não obstante, as dificuldades vivenciadas no cotidiano escolar se
traduzem em dúvidas e inseguranças entre essas profissionais sob a alegação de que não
se sentem ou não estão preparadas para atender as demandas desses educandos.

[...] eu vejo assim, é muito difícil no sentido de que eu tenho pouco


conhecimento científico, como é que eu poderia te explicar assim [...] pouco
conhecimento de como fazer com os diferentes [...] como é que eu faço pra
melhor render com esse aluno (P3).
[...] quando eu fiquei sabendo que ela (aluna com visão sub-normal) ia pra
minha turma, meu Deus do céu, e agora? [...] como é que eu vou fazer, como
é que eu posso fazer... (P1).

A visão que estas docentes possuem quanto ao seu preparo/formação para trabalhar com
esses alunos reflete a postura que muitos profissionais assumem frente à inclusão. Sobre isso
Carvalho (2004), destaca:

Os professores alegam (com toda razão) que em seus cursos de formação não
tiveram a oportunidade de estudar a respeito, nem de estagiar com alunos de
educação especial. Muitos resistem, negando-se a trabalhar com esse alunado
enquanto outros os aceitam, para não criarem áreas de atrito com a direção
das escolas. Mas, felizmente, há muitos que decidem enfrentar o desafio e
descobrem a riqueza que representa o trabalho na diversidade (CARVALHO,
2004, p. 27).
Dessa forma, um aluno que, por qualquer motivo, real ou imaginário, não atenda
às expectativas docentes, ou não ande no ritmo esperado, coloca em evidência os
sentimentos dos professores. As limitações apresentadas pelo aluno com deficiência
sejam elas de ordem cognitiva, sensorial ou motora, podem gerar medo e afastamento,
dificultando as interações sociais em classe.
O conteúdo das entrevistas revela que a experiência dessas professoras é
permeada por sentimentos conflitantes, traduzidos em atitudes de resistência e não
aceitação do aluno com deficiência, sobre o qual costuma repousar o rótulo da “não
aprendizagem”.

[...] a minha frustração maior é que eu trabalho o ano inteiro e não vejo
grandes mudanças neles (aluno com deficiência), eu não vejo, eu não consigo
ver grandes mudanças, me parece que eles não têm... que o crescimento deles
não é tão grande (P6).

Essa fala é representativa do conflito vivido por essas profissionais. O mesmo,


porém, parece ser ressignificado na medida em que essas professoras visualizam os
resultados do trabalho realizado e os progressos na aprendizagem do aluno, servindo de
motivação para continuarem na trilha da educação inclusiva.

Assim olha, tem um caso específico que [...] a criança estava na minha sala
de aula com sérias dificuldades assim, mas eis que quando eu vou trabalhar a
multiplicação e a divisão, foi a aluna que primeiro entendeu o que era uma
multiplicação e o que era uma divisão. Então isso me deixou muito contente
[...]. Até o final da segunda série ela trabalhou a multiplicação e divisão com
material concreto, mas sempre de uma forma correta. [...] mas era tão assim,
era tão gratificante ver ela fazendo os montinhos, na multiplicação, ela
fazendo os montinhos, três vezes o cinco, e aí ela faz três montinhos de
cinco. E o fato dela ter entendido o processo me deixou assim muito
contente. Então foi um momento em que eu me realizei, então eu acho assim
que, querendo ou não, a gente espera isso, que a criança aprenda (P1).

Confrontadas com o seu saber-fazer, essas professoras percebem que incluir não
é só uma questão de “boa vontade”. Elas vivenciam conflitos que se traduzem em
sentimentos de frustração e insatisfação acerca da inclusão, denotando uma realidade
em que essas professoras ficam aprisionadas entre o sentimento de cumprir um papel
que crêem ser o ideal em termos pedagógicos e atender as prescrições curriculares
estipuladas pela escola. As falas a seguir são representativas deste aspecto:
[...] por mais que se esforce, por mais que a gente tenha boa vontade, a gente
se sente frustrado porque parece que a gente não consegue o objetivo que a
gente quer. Não é querer homogeneizar a coisa, mas tu queres que ele atinja
um determinado nível, um determinado patamar e, às vezes, fica impossível.
Tu te esforça, te esforça e não consegue um mínimo do objetivo que tu
delimitou pra aquele aluno, pra turma em geral (P5).
Temos um currículo pra vencer, um conteúdo pra dar, e acaba criando um
problema, pois as necessidades educacionais especiais presentes na sala de
aula são variadas e precisamos adaptar para a sala de aula os conteúdos para
que tu consigas o máximo possível de aproveitamento daquilo que se está
trabalhando pra não deixar eles também excluídos, fazer atividades que todos
também possam participar, que todos tenham as mesmas chances (P2).

Corroboramos com a visão de Bridi Filho (2002) ao considerar que conteúdo e


forma tornam-se limitadores das atitudes e das possibilidades de uma educação
inclusiva que dê conta da diversidade dos alunos em suas singularidades. A frustração
dos professores frente às metas, previamente estabelecidas, certamente refletirá no seu
trabalho e no seu empenho na busca de uma prática diferenciada que vise à
aprendizagem do aluno.
No contexto dessa pesquisa, percebe-se que no seu fazer diário, junto ao aluno
com deficiência, a satisfação ou insatisfação daí proveniente está intimamente
relacionada com os "resultados” de sua mediação no processo ensino-aprendizagem.
Isso assinala para o fato dos professores esperarem que seus alunos demonstrem
comportamentos que evidenciem a consecução dos objetivos propostos ou a assimilação
do conteúdo trabalhado.
Convém ressaltar, assim, que a dificuldade em atingir os objetivos da docência
pode repercutir na forma como o professor vincula-se à atividade docente. Lapo e
Bueno (2002) enfatizam que a profissão tem um papel importante na vida das pessoas.
Quando a organização do trabalho docente e a qualidade das relações estabelecidas
dentro do grupo, incluindo aí o resultado obtido com o trabalho em sala de aula, não
correspondem aos valores e às expectativas do professor, este se vê diante da
dificuldade de estabelecer ou manter a totalidade de vínculos necessários ao
desempenho de suas atividades no magistério, alienando-se, aos poucos, da sua
experiência vivida.
Além da aprendizagem, o comportamento apresentado pelo aluno com
necessidades educacionais especiais também é apontado como um fator de insatisfação
por parte das professoras entrevistadas. Nesse sentido, compreendemos que o aluno,
cujo comportamento não condiz com as expectativas do docente, pode vir a perturbá-lo,
numa sensação de que perdeu o controle da situação, pois destituído de seu lugar de
autoridade e “poder” em sala de aula.
Para Batista e Codo (2002), a atividade de educar exige do professor, o
estabelecimento de um vínculo afetivo e emocional com o aluno, objeto do seu trabalho.
O estabelecimento desse vínculo, contudo, é interditado no momento em que o
professor percebe que a sua “interferência” sobre o educando surge impossibilitada de
ser completa. Segundo os autores, instala-se aí, a possibilidade, inquietante, de “perda
de controle” sobre o outro e, por essa via, de dúvidas sobre a sua competência
profissional. Sobre isso, destaca-se o trecho a seguir:

A questão comportamental também é complicada, o ano passado eu tinha um


aluno que tinha problemas de comportamento, ele era agressivo, ele era
agressivo com os colegas, ele era agressivo comigo, não tinha limite nenhum,
então assim olha, eu me frustrei, eu posso dizer que naquele ano, naquele
caso específico eu fiquei frustrada porque o relacionamento com ele não era
bom, ele me dizia assim, “fica quieta”, “cala a boca”, não me parecia assim
que eu tinha que ouvir aquilo, então foi bastante complicado... (P1).

Elementos de ordem estrutural e organizacional das escolas também se mostram


como verdadeiros obstáculos aos professores, mesmo quando esses dizem SIM ao
desafio de educar a todos os alunos. Nesse sentido, um aspecto que surge como uma
barreira para a inclusão é quanto às condições que estas professoras dispõem para a
realização do seu trabalho. Citam a escassez de recursos materiais, turmas numerosas e
a multiplicidade de deficiências presentes em sala de aula, como alguns dos fatores que
impedem o avanço desse processo.
Além disso, as professoras participantes da pesquisa apontam para a necessidade
de dedicação por compreenderem que é difícil atender os “regulares” e “eles”.
Salientam que a atenção que precisam dispensar ao aluno com deficiência é maior e
com turmas numerosas, comuns ao contexto das nossas escolas públicas, o trabalho
torna-se mais desgastante, comprometendo a qualidade do atendimento prestado.

[...] porque no fim, uma turma com vinte e poucos alunos, com dois, com três
incluídos, se a gente vai pensar todos precisam, todos necessitam de uma
atenção especial, ai fica aquela coisa, ou tu dá pra aquele que tem a
necessidade especial aparente ou tu dá pro outro. Às vezes a gente não
consegue abraçar todos e acaba falhando em algum ponto, falha com o que ta
incluído ou falha com os outros (P4).
[...] porque a escola me proporciona algumas coisas, quadro e giz, o resto
tudo, se eu quero fazer uma coisa diferente eu preciso fazer, eu me propor
gastar pra fazer, então é complicado porque o Estado também não favorece
isso, e deveria no momento em que ele inclui, ele deveria favorecer a escola
mais para solucionar esses problemas, recursos humanos, recursos visuais,
fitas, capacitar o professor mesmo, e ter como abrir mais os horizontes pra
trabalhar... (P3).
[...] ter adaptações na escola pra atender o aluno incluído que nós não temos,
criaram-se rampas, mas nós não temos banheiros com barras, que abrem a
porta pra fora, que seja maior, nós não temos. [...] A sala de recursos é no
segundo andar, acho que agora vai descer. Eu acho que tem que começar na
estruturação da escola, a escola tem que se adaptar ao aluno, toda a escola se
envolver... (P2).
Também um pouco é do material, que a gente não tem assim, materiais pra
elas (alunas incluídas). [...] o grupo de alunos é muito grande também e como
é que tu vais ter duas pessoas bem diferentes e mais vinte e quatro alunos?
[...] eu acho que professor nenhum é super-herói e eu acho que as
professoras, principalmente as professoras da nossa escola, estão sendo
heroínas. A gente ali, na quarta série, com duas crianças bem diferentes, tu
tens duas crianças incluídas, mas tu tens outros problemas (P6).

Os excertos acima indicam que o trabalho docente surge atravessado por


contingências culturais, oriundas da própria instituição e da comunidade escolar em
geral, cujas marcas se traduzem pela desvalorização social da profissão, evidenciada na
escassez de recursos humanos e materiais, nos baixos salários, no pouco investimento
na formação dos professores, alem da carência de um trabalho integrado entre os
membros da equipe escolar. Percebe-se, nesse contexto, que as instituições escolares
mostram-se pouco preparadas para o atendimento do aluno com deficiência e pouco tem
oferecido com vistas à promoção do desenvolvimento profissional dos seus professores.
Sobre isso, Nunes Sobrinho (2002) pontua que, mesmo os profissionais que
encaram a renovação pedagógica no seu trabalho, ao perceberem a carência de recursos,
tidos como necessários para atingir os objetivos traçados, vêem-se divididos entre
aquilo que fazem e o que gostariam de fazer em sua prática. Esse distanciamento entre o
trabalho prescrito e o desejado se traduz na suspeição frente ao novo, ao desconhecido,
e em sentimentos de inadequação diante das incompatibilidades no sistema
organizacional da escola, provocando frustrações e desencantos que certamente recairão
sobre a qualidade do trabalho desenvolvido.
Outro ponto a ser destacado é sobre o quadro de “solidão pedagógica” descrito
por essas profissionais, evidenciando que as experiências vividas pelas professoras se
dão de maneira isolada, e raras são as oportunidades de serem compartilhadas entre seus
pares. As mesmas descrevem a necessidade que sentem de um maior suporte
pedagógico, sob a alegação de que, o número expressivo de alunos nas classes regulares
e o fato de terem deficiências diversas numa mesma sala de aula, compromete o
atendimento mais individualizado, o que seria facilitado se houvesse um maior contato
com as educadoras especiais que trabalham na escola.
Segundo Mantoan (2001), a dicotomia entre ensino regular e ensino especial
existe nas escolas e nos cursos de formação, a qual define mundos diferentes que
conduzem à idéia de que, o ensino do aluno com deficiência e com dificuldades de
aprendizagem, exige conhecimentos e experiência fora do alcance das professoras da
classe regular.
Percebe-se, nesse sentido, que as professoras alimentam a crença de que o
trabalho com a inclusão exige formação na área da educação especial, demonstrando
sentimentos de insegurança e incapacidade frente às demandas do aluno, que em razão
da sua deficiência, surge por demais “destoante” daquele educando tido como “regular”.
Logo, na presença de uma dada peculiaridade, o professor da sala de aula regular dirige-
se ao profissional “especialista”, na expectativa de obter as respostas pelas quais tanto
anseia, na crença de que, a partir delas, far-se-á possível a tão preconizada inclusão:
“Bom, a questão da inclusão a gente pede sempre pras educadoras especiais, até
porque são as professoras que trabalham com os alunos fora da classe” (P1).
Essa professora faz questão de frisar que a inclusão será possível mediante o
acompanhamento por parte das educadoras especiais. A dificuldade parece residir,
contudo, na falta de meios institucionalizados para que essa comunicação aconteça,
permitindo uma maior fluidez nas informações. Observa-se, nesse sentido, que não há,
nas escolas, mecanismos que formalizem a troca de experiências e quando esta ocorre é
graças a uma iniciativa individual.
Esse aspecto diz respeito, também, à formação dos professores, considerado um
dos maiores desafios impostos pela inclusão. Durante as entrevistas as professoras
buscavam em suas trajetórias profissionais, elementos que pudessem “justificar” o seu
desconhecimento de como trabalhar com esse aluno na classe regular, referindo-se à
formação inicial como sendo insuficiente e repleta de lacunas. A queixa maior destina-
se à ausência de um currículo que contemple discussões sobre a educação
especial/inclusiva, deixando transparecer a idéia de que estar preparado para trabalhar
com esses alunos é uma condição alcançada a partir de uma formação profissional que,
vinda de “fonte externa”, dar-lhe-ás condições e autonomia em sua atuação: “Acho que,
no caso, até deveria se unir e ser uma disciplina obrigatória, tanto em pedagogia como
nas outras licenciaturas a disciplina de introdução, ou de como trabalhar com pessoas
portadoras de necessidades especiais” (P4).
Compreende-se, entretanto, ser por demais simplista a visão de que apenas a
formação básica, obtida nos cursos de formação inicial, seja suficiente para direcionar o
modo pelo qual as práticas docentes se estruturam e se processam no cotidiano escolar.
Supõe-se, nessa ótica, que mesmo que a formação inicial destinada aos professores,
pudesse se fazer completa, ainda assim produziria respostas parciais para os problemas
pedagógicos, visto ser a docência uma atividade feita às expensas do inusitado e do
efêmero, não cabendo, portanto, a instauração de receitas ou modelos pedagógicos
prévios.
Isso não implica desconsiderar o valor formativo do período compreendido pela
formação inicial, pois esse momento pode contribuir para a construção de novas
imagens em detrimento daquelas instituídas em relação à pessoa com deficiência. Deve-
se investir, durante a formação básica, na edificação de atitudes positivas em relação à
diversidade presente em sala de aula, de modo que ela seja vista como um recurso à
aprendizagem e não um problema pedagógico.
Nesse sentido, uma das professoras esboça a concepção de que não basta ao
professor que trabalha com a inclusão, uma formação conteudista, um título apenas, e
enfatiza a necessidade de um compromisso ético desse profissional, o que extrapolaria a
formação “especializada”: [...] não adianta uma professora ter o título de
especialização naquela área se ela não se identifica. [...] porque não é o título que vai
te dar a competência para trabalhar (P5).
Essa fala sugere que a inclusão é um desafio que demanda do professor a revisão
da própria prática. Ou seja, é essencial, que o docente, ao longo da sua trajetória
profissional, seja capaz de confrontar suas experiências com as possíveis “lacunas”
advindas da formação inicial – a qual, na maioria dos casos, apóia-se numa
aprendizagem basicamente teórica, tomando o professor como um técnico, um mero
executor de procedimentos teórico-metodológicos, oriundos do conhecimento científico.
Tais práticas de formação pouco têm contribuído para a constituição de um profissional
autônomo, capaz de lidar com os problemas que surgem no cotidiano da sua prática.
Por outro lado, ao relatarem sobre a sua experiência, percebemos que as
professoras encerram a possibilidade de estar sempre aprendendo com a inclusão, na
medida em que precisam pensar e organizar estratégias de ensino que promovam a
aprendizagem de todos os alunos. Isto é, ao longo do seu percurso profissional,
articulam saberes advindos da formação inicial (teóricos) com aqueles oriundos da
docência (práticos), o que tem proporcionado às professoras maior autonomia e
confiança em seu trabalho. A prática, sob essa ótica, representa fator primordial da
aprendizagem docente: “Com o passar do tempo eu fui vendo que [...] fui me tirando
aquela angústia primeira. Eu trabalho com as crianças, não tenho mais esse medo, é
tranqüilo na sala, embora cada um seja de um jeito, não tem uma receita pronta pra
cada um” (P1).
A professora, ao afirmar que não existem “receitas”, demonstra que a inclusão
exige certa inquietação em relação à própria atuação, um compromisso com indagações,
onde o ideal de turmas homogêneas possa ser revisto, e as diferenças sejam
consideradas peculiaridades que a escola precisa se dispor a atender. Parte-se do
pressuposto de que a própria diversidade que compõem as classes regulares é promotora
de tais inquietações e questionamentos, suscitando adequações no saber-fazer docente.

[...] eu acho que eu me comprometo bastante com o processo, sempre


procurando melhorar e modificar e ir aprendendo né, no momento em que a
gente erra, a gente aprende com o erro e tento fazer diferente [...] se tu não
consegue de um jeito tem que buscar instrumentos pra tentar de conseguir de
outro, te instrumentalizar pra conseguir de outra maneira (P5).

Esse relato remete à ideia de que o cotidiano da sala de aula promove o contato
do professor com situações novas e imprevistas, que implicam na necessidade desses
profissionais se portarem também como aprendizes, lançando-se sobre aquilo que não
sabem (ou que assim o julgam) para re-criarem respostas, possibilitando devires na
aprendizagem do aluno e no seu saber-fazer como docente.
Nesse sentido, lidar com os desafios postos pelos alunos constitui-se num ponto-
chave para transformação da atuação docente. Ou seja, no trabalho com o aluno com
deficiência, o professor é solicitado, constantemente, a remanejar conhecimentos
teóricos da profissão, numa constante criação e re-invenção de suas ações e de si
mesmo. É no cotidiano escolar que o professor vai aprendendo a trabalhar com esse
educando e vai, também, se conhecendo e descobrindo o seu estilo pessoal de facilitador
da aprendizagem de todos os estudantes.
Desse contato parece resultar um movimento no qual as professoras investigadas
vão descobrindo maneiras de como lidar com a realidade inclusiva, articulando
estratégias de enfrentamento para os problemas que emergem do cotidiano junto ao
educando com deficiência. Na medida em que passam a conviver e atuar com públicos,
onde a diversidade é uma característica, elas têm a oportunidade de construir novos
sentidos para a presença desse aluno em sala de aula, vendo-o para além da deficiência e
tendo na diferença, “matéria-prima” de suas ações.
Com a inclusão, torna-se condição essencial que o professor assuma o lugar de
aprendiz, onde a convivência diária junto a esse alunado assuma, para além de um
caráter instrumental e técnico, um sentido de autoconhecimento, possibilitando ao
docente voltar o olhar para si mesmo, revendo posturas e atitudes acerca do processo
inclusivo.
Logo, o desafio da inclusão diz respeito, dentre outros fatores, a um
investimento pessoal do docente, cujas práticas não serão alteradas pelo simples fato
desta ter sido decretada. Sob esse viés, urge uma formação que incentive o gosto pelo
novo, pelo diferente, que sustente e, de certa forma, realimente a dúvida – ou o direito à
– contribuindo para a aprendizagem e o desenvolvimento profissional dos professores.
Por isso, o professor do ensino regular não pode estar sozinho no trabalho com a
inclusão. Urge, pois, a criação e a manutenção de um espaço onde possam entrar em
contato com os colegas da equipe de trabalho, dentre eles, as educadoras especiais. Um
espaço onde possam dar vazão aos seus sentimentos e falar das suas angústias e
inquietações em relação ao processo inclusivo, onde possam refletir e significar suas
experiências, a partir do compartilhamento, revisão e construção de novos saberes.

CONCLUSÃO

Foi possível perceber, ao longo desse estudo, que a presença de alunos com
deficiência, nas escolas regulares, traz novas responsabilidades aos professores que nela
atuam. Disso compreende-se que o professor é protagonista desse processo, sendo
considerado o principal agenciador das políticas educacionais em sala de aula, dentre as
quais, aquela referente à inclusão de pessoas, dantes impedidas do acesso à
escolarização.
Incluir, então, passa a ser um grande desafio para o professor que, diante de um
público “diverso”, sofre exigências quanto à sua atuação. Nesse sentido, o estudo
evidencia que a formação de professores, numa perspectiva inclusiva, mostra-se frágil e
aquém das expectativas e necessidades desses profissionais, o que tem influência sobre
suas práticas e, por conseguinte, sobre a escolarização de todos os alunos.
Compreendemos que “dar voz” aos professores que vivenciam a inclusão no seu
cotidiano profissional, permitindo-lhes ressignificar sua experiência, representa um
elemento importante de formação. Nesse ínterim, a escola surge enquanto um espaço
privilegiado de aprendizagem, não só do aluno, mas também do professor, o que irá
implicar na instituição de momentos de encontro entre os pares para que possam
compartilhar experiências em prol da elaboração de estratégias de enfrentamento para as
dificuldades que surgem no cotidiano da prática educativa.
Conclui-se, assim, que para que o ideário inclusivo tome lugar nas escolas,
convém pensá-lo de maneira ampla, abrangendo a possibilidade de inclusão do próprio
docente que trabalha com o educando com deficiência nesse contexto. Em outras
palavras, a construção de uma escola inclusiva requer mais que “boa vontade” dos
professores. Esse é um processo que exige o comprometimento de todos e a
preocupação dessa instituição em criar condições para que sejam supridos possíveis
impasses estruturais, funcionais e formativos do seu corpo docente.

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