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Faculdade Unida de Campinas

Antropologia Jurídica A3/DM1


Professora: Niura Betim
Acadêmica: Vithoria Caroline Souza dos Santos

Relatório - Pluralismo Jurídico (Antônio Carlos Wolkmer)

A idéia de pluralismo jurídico, apesar de existir antes mesmo da formação do Estado


Moderno, somente foi tomada a partir de fins do século XIX e início do século XX, como
reação ao dogma do centralismo jurídico estatal
O problema do pluralismo jurídico teve amplo tratamento na filosofia e na teoria do direito.
Foi sendo depois progressivamente suprimido pela acção de um conjunto de factores em
que se deve distinguir: as transformações na articulação dos modos de produção no interior
das formações capitalistas centrais, de que resultou o domínio cada vez maior do modo de
produção capitalista sobre o modo de produção pré-capitalista; a consolidação da
dominação política do estado burguês nomeadamente através da politização progressiva da
sociedade civil; o avanço concomitante das concepções jusfilosóficas positivistas.
São duas origens possíveis para o surgimento do pluralismo: uma origem colonial e uma
não colonial. No primeiro caso, o pluralismo desenvolveu-se em países que foram
dominados econômica e politicamente e onde, por isso, vigorou o ordenamento jurídico do
estado colonizador paralelamente ao direito tradicional. No segundo caso, se identifica três
situações diferenciadas: o caso dos países com cultura e tradição jurídicas próprias, mas
que adotaram o direito europeu como forma de modernização e de consolidação do poder
do Estado (Turquia, Tailândia e Etiópia), e que não eliminaram, no plano sociológico, o
direito tradicional; o caso dos países que, após passarem por uma revolução social,
continuaram mantendo o direito tradicional, muito embora esse conflitasse com o direito
revolucionário (repúblicas da Ásia Central, de tradição islâmica, incorporadas pela antiga
URSS); e, por último, os casos da populações indígenas ou nativas que foram dominadas
por uma metrópole, mas tiverem permissão, implícita ou explícita para, em certos domínios,
manterem seus direito tradicional (populações indígenas da América do Norte, da Oceania
etc).
O pluralismo jurídico questiona, portanto, os alicerces da teoria política e da jurisprudência
liberais, principalmente no que diz respeito à congruência entre o território, o Estado e o
direito, ou seja, a centralidade do direito elaborado pelo Estado e a exigência de
exclusividade no ordenamento normativo da vida social.
Wolkmer entende pluralismo jurídico como a “multiplicidade de manifestações ou práticas
normativas num mesmo espaço sócio-político, interligadas por conflitos ou consensos,
podendo ser ou não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais
materiais”. Joaquim Falcão ao realizar um estudo empírico sobre os conflitos urbanos por
moradia na cidade de Recife concluiu que a causa direta do pluralismo jurídico é encontrada
na crise de legalidade por
que passa o poder político.
Apesar da sociologia evidenciar a existência de um pluralismo jurídico nas sociedades
atuais, para
a Ciência Jurídica propriamente dita, a existência desse pluralismo pressupõe o
entendimento do conceito de direito. Assim, o positivismo jurídico nega a existência do
pluralismo porque entende, entre outras coisas, que a diferença entre as normas jurídicas e
as sociais reside no fato de aquelas serem impostas pelo Estado, que detém, igualmente, o
monopólio da sanção em caso de descumprimento.
Para as teorias críticas do direito, o fenômeno jurídico não se esgota nas leis, e sim é
produto das relações humanas.
O conjunto de processos regularizados e de princípios normativos, considerados
justificáveis num dado
grupo, que contribuem para a criação e prevenção de litígios e para a resolução destes
através de um discurso argumentativo, de amplitude variável, apoiado ou não pela força
organizada. Assim, a partir dos conceitos de direito aqui apresentados, não restam dúvidas
acerca da existência de uma pluralidade de ordenamentos jurídicos, que se relacionam
entre si, dentro de um mesmo espaço geopolítico, independente do seu reconhecimento por
parte do direito Estatal. O reconhecimento desse direito insurgente é fundamental para as
sociedades, principalmente para os grupos sociais que vivem à margem do sistema Estatal,
já que o pluralismo jurídico pode ter o condão de reduzir essa exclusão social.
Como dito anteriormente, o pluralismo jurídico é fundamental para o resgate da tensão entre
regulação e emancipação. Entretanto, é necessário distinguir práticas de pluralismo que
realmente estão à serviço desse projeto, daquelas que, apesar de não Estatais, reforçam o
direito hegemônico, contribuindo para a sua reprodução. Entre referidas práticas
encontra-se a nova lex mercatoria, identificada com um espaço jurídico internacional
regulado por regras impostas pelas empresas multinacionais, pelos bancos mundiais ou por
associações internacionais dominadas por umas ou por outros e que reforça a globalização
neoliberal e aprofunda a exclusão social.
Nesse sentido, há de se distinguir entre o pluralismo jurídico que, de fato, contribui para a
redução das desigualdades nas relações de poder e que reduz a desigualdade social,
daquele que deixa ainda mais rígida a desigualdade, e contribui com o agravamento da
exclusão social.
Wolkmer diferencia o pluralismo como instrumental contra-hegemônico de emancipação das
estruturas sociais dependentes, de uma outra prática de pluralismo vinculada a projetos
neoliberais e neocoloniais, que está a apresentar-se como alternativa. O pluralismo de corte
conservador opõe-se radicalmente ao pluralismo progressista e democrático. A diferença
entre o primeiro e o segundo está, fundamentalmente, no fato de que o pluralismo
consevador inviabiliza a organização das massas e mascara a verdadeira participação,
enquanto que o pluralismo transformador como estratégia democrática de integração
procura promover e estimular a participação dos segmentos populares e dos novos sujeitos
coletivos de base.
Além disso, não se pode reduzir a uma categoria conceitual todas as formas de
manifestação do pluralismo jurídico, pois as sociedades, apesar de serem juridicamente
plurais, o são de forma diferentes. Essa diferenciação deriva da forma como os sistemas
jurídicos existem e coexistem com o direito estatal, da influência que recebem do
ordenamento oficial, do reconhecimento, por parte deste, da existência de normatividades
paralelas etc.

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