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Atividade Pesqueira
no Brasil
Silvia Alicia Martínez e Luceni Hellebrandt (orgs.)
5
FICHA CATALOGRÁFICA
Preparada pela Biblioteca do CCH / UENF
CDD : 306.364
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A resistência se dá na reprodução de atividades cotidianas que permeiam
o universo pesqueiro e são essenciais à identidade caiçara e ao fazer em
torno da pesca artesanal. Alguns exemplos de destaque, além da captura de
corvina, camarão e tainha, são a construção de canoas, a confecção de redes e
o beneficiamento de pescados para comercialização no Mercado Municipal
de Pescado, inclusive com a indicação de receitas para os clientes prepararem
os pescados adquiridos.
Neste texto, apresentamos alguns dados da participação de mulheres na
atividade pesqueira de Ubatuba e uma breve discussão sobre as formas de
associativismo delas, de forma a aportar elementos para pensar a questão da
identidade caiçara através do emprego de lentes de gênero. Partimos de uma
breve contextualização de como chegamos a esta pesquisa e, na sequência,
apresentamos algumas mulheres e a descrição de algumas atividades que elas
desenvolvem na pesca artesanal do município.
Imagem: Google
249
A deficiência de estatísticas pesqueiras desagregadas por sexo é relatada
na literatura (ver, por exemplo, BENNET, 2005 e HELLEBRANDT, 2017)
e em Ubatuba não é diferente. Em função da inexistência de uma lista oficial
de mulheres que atuam no setor pesqueiro nesse município, a estratégia
utilizada foi de iniciar as atividades nessas localidades com a aplicação de
questionário com as mulheres que lá trabalhavam e, ao mesmo tempo,
obtendo informações de outras localidades a serem visitadas, como na
técnica de bola de neve. O questionário visou traçar o perfil socioeconômico
dessas mulheres, identificar quais atividades elas desenvolvem e onde estão
localizadas dentro do município de Ubatuba e a existência de conflitos com
outras atividades e entre homens e mulheres. Também foram realizadas
visitas a associações de classe, como a Colônia de Pescadores Z-10, no intuito
obter informações complementares.
As 50 entrevistadas foram questionadas sobre a principal tarefa que
exercem na pesca, e os resultados indicaram quatro principais atividades:
manipuladoras e comerciantes de pescado; descascadoras de camarão;
redeiras; e pescadoras. A Figura 3 apresenta o percentual de entrevistadas de
acordo com principal atividade que exerce na pesca, e a Figura 4 apresenta
uma distribuição dessas entrevistadas/atividades ao longo do município.
Figura 3: principais
formas de ocupação
encontradas por
mulheres no setor
pesqueiro em
Ubatuba-SP
251
Quadro 1: Características das entrevistadas de acordo com a principal
atividade desenvolvida
253
Figura 5: Comerciantes/manipuladoras de pescado. Mercado municipal de
Ubatuba-SP
Descascadoras de camarão
255
Figura 7: Barracão onde se descasca camarão na localidade de Ilha dos
Pescadores
Foto: Venâncio Guedes de Azevedo
Redeiras
Com as redeiras (Figura 9, 10 e 11), realizaram-se 6 entrevistas. Estas
encontram-se nos bairros do Sumidouro, Rio Escuro e Maranduba e
trabalham em suas residências. Apresentaram a faixa de idade entre 20 e
73, com média em 40 anos; o número de filhos variou entre 1 a 12, com
média em 5; a escolaridade desde nenhuma até o ensino médio incompleto.
O tempo no trabalho com as redes variou entre 7 e 58 anos, com média em
26 anos. O ingresso nesse tipo de atividade se deu muito por necessidade de
trabalho e por incentivo familiar, visto que são realizadas por várias pessoas
da mesma família.
Uma entrevistada proveniente da região Nordeste do país relatou que
quando chegou em Ubatuba procurou alguns pescadores oferecendo seu
serviço de conserto de rede, mas teve seu serviço rejeitado pelos pescadores
que mantinham certo preconceito com relação ao trabalho de mulheres na
atividade pesqueira.
Os pescadores não acreditavam que as mulheres seriam capazes de
desenvolver esse tipo de trabalho. Por muita insistência, ela conseguiu que
um pescador lhe trouxesse algumas redes para trabalhar, de forma que ela
pudesse mostrar a execução de seu trabalho com redes de pesca. A maior
parte das entrevistadas ingressou nessa atividade pela necessidade de renda.
As principais atividades são entralhar, fazer e emendar redes, e os tipos de
redes trabalhados são redes de espera, rede de fundo, tresmalho, rede de
arrasto e tarrafas.
As empreitadas dependem da função da quantidade de redes e do tipo
de reparo requerido pelas mesmas. O trabalho também varia de acordo com
os meses de fraca ou maior atividade pesqueira. Por exemplo, em meses
como dezembro a fevereiro (meses de verão) a atividade pesqueira diminui,
diminuindo também a demanda de redes para trabalhar, já a maior atividade
se dá entre os meses de maio a agosto. Trabalham principalmente para
pescadores de Santos e para pescadores de Ubatuba.
A forma de cobrança pelo serviço se dá por pano de rede, cujo entralhe
varia de R$15,00 a R$20,00, de acordo com o tamanho da rede; e remendar
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varia entre R$25,00 a R$30,00. As entrevistadas relataram não participar
de nenhuma entidade de classe ou ter formas de associativismo. Vale
destacar que essas redeiras informaram que transmitem os conhecimentos
da atividade aos seus familiares, reforçando a reprodução de conhecimento
tradicional característico da identidade caiçara. Ainda, algumas entrevistadas
comentaram que as mulheres são mais caprichosas e atenciosas para trabalhar
nessa atividade do que os homens, pois elas prestam mais atenção aos nós,
aos corridos, etc.
Em relação à renda, destacaram que nessa atividade específica
possuem mais demanda que os homens, uma vez que o trabalho das
mulheres é reconhecido por ser bem feito, mas não informaram se há
diferença de valores pagos entre mulheres e homens. Destacaram ainda
que o trabalho machuca bastante a mão, que força a visão, e algumas
vieram a usar óculos, além de sofrerem consequências à postura, pois
permanecem longos períodos em pé.
Guedes de Azevedo
FotoS: Venâncio
Pescadoras
Foram realizadas duas entrevistas com as pescadoras (Figura 12) que
se encontram no bairro da Maranduba. As duas entrevistadas possuíam
idade de 58 e 67 anos, apresentando 3 filhos cada, e com ensino médio
Discussões
De acordo com os resultados obtidos no presente estudo, que
entrevistou apenas uma fração de toda a comunidade pesqueira,
verificou-se que as categorias de trabalho encontradas são representativas
da realidade desse município.
Considerações finais
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pesqueiro que não tinha como prioridade a questão de gênero.
Mesmo que o intuito original do Programa de Monitoramento da
Atividade Pesqueira pelo Instituto de Pesca não fosse o de perceber
a participação de mulheres e as relações de gênero no universo
pesqueiro de Ubatuba, o fato da atuação dessas mulheres ter
chamado atenção da equipe de pesquisa já é um indicador de que
elas estão presentes e atuantes na pesca artesanal.
Quando se percebe a atividade pesqueira como uma cadeia
produtiva, com elos que extrapolam a captura, há de se compreender
também a atividade pesqueira como algo que vai além da questão
econômica. Assim se adiciona para esta percepção os elementos
culturais, que alimentam a identidade caiçara, mesmo que tenham
todos também um caráter produtivo e econômico. As atividades
de manipular e comercializar pescados, descascar camarão,
confeccionar redes, pescar são atividades geradoras de renda,
mas também são atividades que constituem a identidade caiçara.
Perceber a participação das mulheres nestas atividades é perceber
a importância delas na resistência para a manutenção da identidade
caiçara em Ubatuba.
Referências
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