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Ernesto Neves
15 mai 2016 16h15
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Apesar de popular em sua congregação, pastora vai enfrentar processo que pode resultar
no fim de sua carreira religiosa
Foto: Rafael Chache / Divulgação
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Todos os domingos, o prédio de interior austero é palco de 1h30 de culto, durante o qual
o público ouve sermões sobre os dilemas da vida moderna, canta e promove ações
comunitárias.
Todos os objetos religiosos foram removidos dali. A única cruz em seu interior foi
escondida por uma série de feixes de pano coloridos, que formam uma espécie de arco-
íris suspenso. Também não há mais orações ou citações bíblicas. Apenas uma conversa
em que Vosper faz perguntas e convoca seu público a dividir experiências.
"Não vejo qualquer evidência de que Deus exista, especialmente aquela figura
benevolente que tem tudo sob seu controle", diz ela à BBC Brasil.
Para ela, Deus é apenas uma metáfora sobre as relações que estabelecemos com o
mundo. "Com tantas coisas ruins à nossa volta, não posso aceitar o argumento de que
qualquer acontecimento é parte da vontade de Deus", afirma.
As afirmações de Gretta têm provocado polêmica no país. Isso porque, até o fim de
maio, ela deve enfrentar um processo que pode resultar no fim de sua carreira.
"Não esperava tamanho impacto, mas não me arrependo de nada do que disse. Tanto
Deus quanto a religião são hoje usados por grupos privilegiados, interessados apenas em
manter seu status opressor. Eu não quero fazer parte disso", diz.
Trata-se de uma doutrina reconhecida no país por suas posições progressistas. Admite,
por exemplo, pastores homens e mulheres. Na direção oposta às igrejas evangélicas
brasileiras, possui líderes declaradamente homossexuais e a união entre casais gays é
aceita desde os anos 80.
Instaurado em 2015, o processo de avaliação vai decidir até o próximo mês se ela pode
permanecer como membro da entidade. Será uma batalha desgastante, em que 40
membros da Igreja Unida vão interrogá-la e julgar seus conceitos sobre Deus.
"O objetivo é investigar a situação, já que os conceitos defendidos por Vosper são alvo
de preocupação por parte de nossos membros", diz o reverendo David Allen, secretário-
executivo responsável pela região de Toronto.
"Passei por diversas religiões e sempre me senti desconfortável com aqueles
personagens todos e a representação de Deus. Conheci as ideias de Gretta há sete anos e
nunca mais perdi um culto seu. Ela tem uma linguagem moderna e entende nossos
problemas", diz a aposentada Joan Grace
Foto: Rafael Chache / Divulgação
"Após ouvi-la, a comissão vai decidir se ela é adequada para continuar a exercer o
cargo. Caso não seja, será afastada definitivamente", diz.
Até o momento, Gretta já gastou 60 mil dólares canadenses (R$ 180 mil) na batalha
para provar que sua definição de Deus merece ser considerada pelo júri religioso.
Gretta diz acreditar que a crescente polêmica em torno de sua personalidade se deve a
uma onda conservadora. Os ataques mais duros começaram somente em 2015, uma
década depois de suas primeiras declarações nada ortodoxas.
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Num país em que entidades religiosas exercem pouca influência na sociedade, membros
mais progressistas deixaram de frequentar a igreja, restando um público mais resistente
a mudanças.
Durante o culto, todos usam um broche em que se lê "minha igreja inclui Gretta
Vosper". E já organizam protestos para serem realizados durante o julgamento.
"Já passei pelas por todas as religiões, mas não havia me identificado com nada até
conhecer a pastora Gretta", diz Joan Grace, uma aposentada que se tornou fervorosa
defensora do ateísmo há sete anos.
"Não poderia mesmo acreditar que o filho de Deus nasceu na Terra e sua mãe era
virgem. É um absurdo que isso não possa ser contestado, o que estão fazendo é uma
inquisição", dispara.
O milagre de Gretta
"O mais grave é que sequer nossa congregação foi ouvida. A hierarquia mais alta da
igreja quer impor seus conceitos sem nenhum diálogo. Vamos organizar protestos até
que nós sejamos ouvidos", diz o aposentado Steve Watson
Foto: Rafael Chache / Divulgação
No mais recente, usou o Facebook e o Google para discutir intolerância. Ela explica
para a plateia que, ao selecionarmos notícias e atualizações que somente seguem nosso
posicionamento, estaríamos mais estridentes e avessos ao debate.
"É muito grave que nossa religião continue a ser usada mais como motivo de divisão do
que de união. Hoje, temos disponíveis armas com tecnologia do século 21, mas uma
mentalidade ainda presa à Idade Média. É uma mistura explosiva."
"Não posso crer que uma entidade tão inclusiva, que sempre lutou pelas mulheres,
indígenas, homossexuais, pobres e oprimidos vá se tornar um espaço de intolerância",
afirma. "Minha vida se passou aqui dentro, não saberia exercer qualquer outra
profissão", completa.
Por enquanto, alterar a definição do que é Deus para a igreja se mostra tarefa tão
hercúlea quanto a abertura do Mar Vermelho.