Você está na página 1de 11

Natal

O natal é um momento de comemorar em família as bênçãos que recebemos durante o ano todo. Essa
celebração existe para que possamos agradecer e renovar nossas esperanças e votos de felicidade.

A chegada do Natal é esperada com ansiedade, especialmente pelas crianças. A magia que envolve
essa data faz com que toda a família se prepare para a noite da grande ceia e da troca de presentes.

O natal traz mais vida e mais alegria ao mundo. O clima natalino é repleto de um sentimento de
fraternidade, carinho e amor.

Nessa época do ano, as pessoas enfeitam suas casas e espalham a alegria entre amigos e familiares.
Apesar da gostosa expectativa pelos presentes, é preciso que todas as pessoas se lembrem que o natal
é muito mais do que uma data comercial. O natal é uma oportunidade para pedir perdão, para
agradecer, para demonstrar o afeto e principalmente para lembrar o nascimento do menino Jesus.

O que realmente importa no natal é o espírito solidário que toma conta das pessoas. O clima de festa
nos traz a alegria que devemos conservar durante o ano todo.

O natal é um tempo de paz e amor incondicional. Nessa data, devemos declarar nosso amor por nossos
familiares e amigos, e também devemos glorificar a Deus por mais um ano de vida.

Nesse dia, a esperança dos homens de bom coração é de que todas as pessoas do mundo possam
celebrar com saúde, alegria e amor!

A Lenda de São Nicolau


Nicolau, filho de cristãos abastados, nasceu na segunda metade do século III, em Patara, uma
cidade portuária muito movimentada.
Conta-se que foi desde muito cedo que Nicolau se mostrou generoso. Uma das histórias mais
conhecidas relata a de um comerciante falido que tinha três filhas e que, perante a sua precária
situação, não tendo dote para casar bem as suas filhas, estava tentado a prostituí-las. Quando
Nicolau soube disso, passou junto da casa do comerciante e atirou um saco de ouro e prata pela
janela aberta, que caiu junto da lareira, perto de umas meias que estavam a secar. Assim, o
comerciante pôde preparar o enxoval da filha mais velha e casá-la. Nicolau fez o mesmo para as
outras duas filhas do comerciante, assim que estas atingiram a maturidade.
Quando os pais de Nicolau morreram, o tio aconselhou-o a viajar até à Terra Santa. Durante a
viagem, deu-se uma violenta tempestade que acalmou rapidamente assim que Nicolau começou
a rezar (foi por isso que tornou também o padroeiro dos marinheiros e dos mercadores). Ao
voltar de viagem, decidiu ir morar para Myra (sudoeste da Ásia menor), doando todos os seus
bens e vivendo na pobreza.

Quando o bispo de Myra da altura morreu, os anciões da cidade não sabiam quem nomear para
bispo, colocando a decisão na vontade de Deus. Na noite seguinte, o ancião mais velho sonhou
com Deus que lhe disse que o primeiro homem a entrar na igreja no dia seguinte, seria o novo
bispo de Myra. Nicolau costumava levantar-se cedo para lá rezar e foi assim que, sendo o
primeiro homem a entrar na igreja naquele dia, se tornou bispo de Myra.
S. Nicolau faleceu a 6 de Dezembro de 342 (meados do século IV) e os seus restos mortais
foram levados, em 1807, para a cidade de Bari, em Itália. É actualmente um dos santos mais
populares entre os cristãos.
S. Nicolau tornou-se numa tradição em toda a Europa. É conhecido como figura lendária que
distribui prendas na época do Natal. Originalmente, a festa de S. Nicolau era celebrada a 6 de
Dezembro, com a entrega de presentes. Quando a tradição de S. Nicolau prevaleceu, apesar de
ser retirada pela igreja católica do calendário oficial em 1969, ficou associado pelos cristãos ao
dia de Natal (25 de Dezembro)
A imagem que temos, hoje em dia, do Pai Natal é a de um homem velhinho e simpático, de
aspecto gorducho, barba branca e vestido de vermelho, que conduz um trenó puxado por renas,
que esta carregado de prendas e voa, através dos céus, na véspera de Natal, para distribuir as
prendas de natal. O Pai Natal passa por cada uma das casas de todas as crianças bem
comportadas, entrando pela chaminé, e depositando os presentes nas árvores de Natal ou meias
penduradas na lareira. Esta imagem, tal como hoje a vemos, teve origem num poema de
Clement Clark More, um ministro episcopal, intitulado de “Um relato da visita de S. Nicolau”,
que este escreveu para as suas filhas. Este poema foi publicado por uma senhora chamada
Harriet Butler, que tomou conhecimento do poema através dos filhos de More e o levou ao
editor do Jornal Troy Sentinel, em Nova Iorque, publicando-o no Natal de 1823, sem fazer
referência ao seu autor. Só em 1844 é que Clement C. More reclamou a autoria desse poema

O Pinheirinho de Natal
Conta a história que na noite de Natal, junto ao presépio, se encontravam três árvores: Uma
tamareira, uma oliveira e um pinheiro. As três árvores ao verem Jesus nascer, quiseram
oferecer-lhe um presente. A oliveira foi a primeira a oferecer, dando ao menino Jesus as suas
azeitonas. A tamareira, logo a seguir, ofereceu-lhe as suas doces tâmaras. Mas o pinheiro como
não tinha nada para oferecer, ficou muito infeliz.
As estrelas do céu, vendo a tristeza do pinheiro, que nada tinha para dar ao menino Jesus,
decidiram descer e pousar sobre os seus galhos, iluminando e adornando o pinheiro que assim
se ofereceu ao menino Jesus.
A Lenda dos Reis Magos
Num país distante viviam três homens sábios que estudavam as estrelas e o céu. Um dia viram
uma nova estrela muito brilhante, mais que as restantes, e souberam que algo especial tinha
acontecido. Perceberam que nascera um novo rei e foram até ele.
Gaspar, Melchior e Baltazar, os três reis magos, levavam presentes e seguiram a estrela que os
guiava até que chegaram à cidade de Jerusalém. Aí, perguntaram por Jesus, o novo Rei dos
Judeus que tinha nascido, pois tinham visto a estrela no céu.
Quando o rei Herodes soube que estrangeiros procuravam um bebé, ficou zangado e com medo.
Os Romanos tinham-no feito rei a ele, e agora diziam-lhe que nascera outro rei, mais poderoso.
Então, Herodes reuniu-se com os três reis magos e pediu-lhe para lhe dizerem quando
encontrassem essa criança, para ele também poder adorá-la. Os reis magos concordaram e
partiram, seguindo de novo a estrela, até que ela parou e eles souberam que o novo Rei estava
ali.
Ao verem Jesus, ajoelharam e ofereceram-lhe os presentes que tinham trazido: ouro, incenso e
mirra. De seguida partiram. À noite, quando pararam para dormir, os três reis magos tiveram um
sonho. Apareceu-lhe um anjo que os avisou que o rei Herodes planeava matar Jesus.
De manhã, carregaram os camelos e já não foram até Jerusalém: regressaram à sua terra por
outro caminho. José, pai de Jesus, também teve um sonho. Um anjo disse-lhe que Jesus corria
perigo e que ele deveria levar a criança e sua mãe, Maria, para o Egipto, onde estariam em
segurança. José acordou Maria, prepararam tudo e partiram ainda de noite.
Quando Herodes soube que fora enganado pelos reis magos, ficou furioso. Tinha medo que este
novo rei lhe tomasse o trono.  Então, ordenou aos soldados para irem a Belém e matarem todos
os meninos com menos de dois anos. Eles assim fizeram. As pessoas não gostavam de Herodes,
e depois disto ficaram a odiá-lo ainda mais.
Maria e José chegaram bem ao Egipto, onde viveram sem problemas. Então, tempos depois,
José teve outro sonho: um anjo disse-lhe que Herodes morrera e que agora era altura de
regressarem a Nazaré. Depois da longa viagem de regresso, José, Maria e Jesus, chegaram
finalmente em segurança ao seu lar.

O atraso do Pai Natal


Todos os anos, como já é costume, o Pai Natal vai a uma pequena aldeia levar os presentes às
crianças. Mas este ano aconteceu uma desgraça: O Pai Natal atrasou-se, e as crianças da aldeia
ficaram preocupadas, pois ainda não receberam os presentes.
– Onde está o Pai Natal? – Perguntou uma das crianças da aldeia aos seus amigos.
– Não sabemos – disseram todos em coro – O Pai Natal ainda não foi à nossa casa!
– O Pai Natal atrasou-se?! – Perguntou uma das crianças.
– Que estranho, o Pai Natal nunca se atrasa! – Disse a outra.
– Vamos ter com ele ao Pólo Norte! – falou entusiasmada uma criança.
– Boa ideia! – Disseram todos – Vamos à casa dele!
Assim o disseram, assim o fizeram! Foram todos à casa do Pai Natal, e quando lá chegaram
bateram à porta e disseram:
– Pai Natal! Somos nós, as crianças da aldeia.
O Pai Natal foi abrir a porta e disse:
– Entrem crianças, entrem. Desculpem-me eu tenho uma rena doente e tive de arranjar outra, ia
agora mesmo para a aldeia…
– Pai Natal, nós não sabíamos o que tinha acontecido e ficámos preocupados, mas agora já
estamos mais descansadas. – Interromperam as crianças.
– Agora podemos ir todos no meu trenó para a aldeia! – Sugeriu o Pai Natal.
– Sim! Nós íamos adorar.
– Então vamos!
Foram todos para a aldeia, mas quando lá chegaram encontraram as mães muito preocupadas
com o desaparecimento dos seus filhos, e com o atraso do Pai Natal.

– Ai, ai, esquecemo-nos de avisar as nossas mães, e elas agora estão preocupadas.
– Olhem – disse uma das mães – não são os nossos filhos e o Pai Natal?
– São! Mas como é que os nossos filhos estão com o Pai Natal?
– Pois não sabemos!
Já era muito tarde, e já passava muito da hora de abrir os presentes.
– Fomos ver o Pai Natal, porque ele estava atrasado e esquecemo-nos de vos avisar, desculpem!
– Disseram todas as crianças, envergonhadas.
Uma das mães respondeu:
– Não faz mal, o que importa é que todos estão bem. Vamos abrir as prendas?
O Pai Natal deu então os presentes às crianças e prometeu nuca mais se atrasar. 

A Noite de Natal (de Sophia de Mello Breyner)


O amigo
Era uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim à volta.
No jardim havia tílias, bétulas, um cedro muito antigo, uma cerejeira e dois plátanos. Era
debaixo do cedro que Joana brincava. Com musgo e ervas e paus fazia muitas casas pequenas
encostadas ao grande tronco escuro. Depois imaginava os anõezinhos que, se existissem,
poderiam morar naquelas casas. E fazia uma casa maior e mais complicada para o rei dos anões.
Joana não tinha irmãos e brincava sozinha. Mas de vez em quando vinham brincar os dois
primos ou outros meninos. E, às vezes, ela ia a uma festa. Mas esses meninos a casa de quem
ela ia e que vinham a sua casa não eram realmente amigos: eram visitas. Faziam troça das suas
casas de musgo e maçavam-se imenso no seu jardim.
E Joana tinha muita pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia estar sozinha.
Mas um dia encontrou um amigo. Foi numa manhã de Outubro.
Joana estava encarrapitada no muro. E passou pela rua um garoto. Estava todo vestido de
remendos e os seus olhos brilhavam como duas estrelas. Caminhava devagar pela beira do
passeio sorrindo às folhas do Outono. O coração de Joana deu um pulo na garganta.
— Ah! — disse ela. E pensou:
«Parece um amigo. É exactamente igual a um amigo.» E do alto do muro chamou-o:
— Bom dia!
O garoto voltou a cabeça, sorriu e respondeu:
— Bom dia!
Ficaram os dois um momento calados.
Depois Joana perguntou:
— Como é que te chamas?
— Manuel — respondeu o garoto.
— Eu chamo-me Joana.
E de novo entre os dois, leve e aéreo, passou um silêncio. Ouviu-se tocar ao longe o sino de
uma quinta. Até que o garoto disse:
— O teu jardim é muito bonito.
— É, vem ver.
Joana desceu do muro e foi abrir o portão.
E foram os dois pelo jardim fora. O rapazinho olhava uma por uma cada coisa. Joana mostrou-
lhe o tanque e os peixes vermelhos. Mostrou-lhe o pomar, as laranjeiras e a horta. E chamou os
cães para ele os conhecer. E mostrou-lhe a casa da lenha onde dormia um gato. E mostrou-lhe
todas as árvores e as relvas e as flores.
— É lindo, é lindo — dizia o rapazinho gravemente. — Aqui — disse Joana — é o cedro. É
aqui que eu brinco. E sentaram-se sob a sombra redonda do cedro.
A luz da manhã rodeava o jardim: tudo estava cheio de paz e de frescura. Às vezes do alto de
uma tília caía uma folha amarela que dava voltas no ar.
Joana foi buscar pedras, paus e musgo e começaram os dois a construir a casa do rei dos anões.
Brincaram assim durante muito tempo.
Até que ao longe apitou uma fábrica.
— Meio-dia — disse o garoto — tenho de me ir embora.
— Onde é que tu moras?
— Além nos pinhais.
— É lá a tua casa?
— É, mas não é bem uma casa.
— Então?
— O meu pai está no céu. Por isso somos muito pobres. A minha mãe trabalha todo o dia mas
não temos dinheiro para ter uma casa.
— Mas à noite onde é que dormes?
— O dono dos pinhais tem uma cabana onde de noite dormem uma vaca e um burro. E por
esmola dá-me licença de dormir ali também.
— E onde é que brincas?
— Brinco em toda a parte. Dantes morávamos no centro da cidade e eu brincava no passeio e
nas valetas. Brincava com latas vazias, com jornais velhos, com trapos e com pedras. Agora
brinco no pinhal e na estrada. Brinco com as ervas, com os animais e com as flores. Pode-se
brincar em toda a parte.
— Mas eu não posso sair deste jardim. Volta amanhã para brincar comigo.
E daí em diante todas as manhãs o rapazinho passava pela rua. Joana esperava-o empoleirada
em cima do muro.
Abria-lhe a porta e iam os dois sentar-se sob a sombra redonda do cedro.
E foi assim que Joana encontrou um amigo.
Era um amigo maravilhoso. As flores voltavam as suas corolas quando ele passava, a luz era
mais brilhante em seu redor e os pássaros vinham comer na palma das suas mãos as migalhas de
pão que Joana ia buscar à cozinha.
A festa
Passaram muitos dias, passaram muitas semanas até que chegou o Natal.
E no dia de Natal Joana pôs o seu vestido de veludo azul, os seus sapatos de verniz preto e
muito bem penteada às sete e meia saiu do quarto e desceu a escada.
Quando chegou ao andar de baixo ouviu vozes na sala grande; eram as pessoas crescidas que
estavam lá dentro. Mas Joana sabia que tinham fechado a porta para ela não entrar. Por isso foi
à casa de jantar ver se já lá estavam os copos.
Os copos passavam a sua vida fechados dentro de um grande armário de madeira escura que
estava no meio do corredor. Esse armário tinha duas portas que nunca se abriam completamente
e uma grande chave. Lá dentro havia sombras e brilhos. Era como o interior de uma caverna
cheia de maravilhas, e segredos. Estavam lá fechadas muitas coisas, coisas que não eram
precisas para a vida de todos os dias, coisas brilhantes e um pouco encantadas: loiças, frascos,
caixas, cristais e pássaros de vidro. Até havia um prato com três maçãs de cera e uma menina de
prata que era uma campainha. E também um grande ovo de Páscoa feito de loiça encarnada com
flores doiradas.
Joana nunca tinha visto bem até ao fundo do armário. Não tinha licença de o abrir. Só conseguia
que a criada às vezes a deixasse espreitar entre as duas portas.
Nos dias de festa, do fundo das sombras do interior do armário saíam os copos. Saíam claros,
transparentes e brilhantes tilintando no tabuleiro. E para Joana aquele barulho de cristal a tilintar
era a música das festas.
Joana deu uma volta à roda da mesa. Os copos já lá estavam, tão frios e luminosos que mais
pareciam vindos do interior de uma fonte de montanha do que do fundo de um armário. As
velas estavam acesas e a sua luz atravessava o cristal. Em cima da mesa havia coisas
maravilhosas e extraordinárias: bolas de vidro, pinhas douradas e aquela planta que tem folhas
com picos e bolas encarnadas. Era uma festa. Era o Natal.
Então Joana foi ao jardim. Porque ela sabia que nas Noites de Natal as estrelas são diferentes.
Abriu a porta e desceu a escada da varanda. Estava muito frio, mas o próprio frio brilhava. As
folhas das tílias, das bétulas e das cerejeiras tinham caído. Os ramos nus desenhavam-se no ar
como rendas pretas. Só o cedro tinha os seus ramos cobertos.
E muito alto, por cima das árvores, era a escuridão enorme e redonda do céu. E nessa escuridão
as estrelas cintilavam, mais claras do que tudo. Cá em baixo era uma festa e por isso havia
muitas coisas brilhantes: velas acesas, bolas de vidro, copos de cristal. Mas no céu havia uma
festa maior, com milhões e milhões de estrelas.
Joana ficou algum tempo com a cabeça levantada. Não pensava em nada. Olhava a imensa
felicidade da noite no alto céu escuro e luminoso, sem nenhuma sombra.
Depois voltou para casa e fechou a porta. — Ainda falta muito tempo para o jantar? —
perguntou ela a uma criada que ia a atravessar o corredor.
— Ainda falta um bocadinho, menina — disse a criada. Então Joana foi à cozinha ver a
cozinheira Gertrudes, que era uma pessoa extraordinária porque mexia nas coisas quentes sem
se queimar e nas facas mais aguçadas sem se cortar, e mandava em tudo, e sabia tudo. Joana
achava-a a pessoa mais importante que ela conhecia.
A Gertrudes tinha aberto o forno e estava debruçada sobre os dois perus do Natal. Virava-os e
regava-os com molho. A pele dos perus, muito esticada sobre o peito recheado, já estava toda
doirada.
— Gertrudes, ouve uma coisa — disse Joana.
A Gertrudes levantou a cabeça e parecia tão assada como os perus.
— O que é? — perguntou ela.
— Que presentes é que achas que eu vou ter?
— Não sei — disse Gertrudes —, não posso adivinhar.
Mas Joana tinha a maior confiança na sabedoria de Gertrudes e por isso continuou a fazer
perguntas.
— E achas que o meu amigo vai ter muitos presentes?
— Qual amigo? — disse a cozinheira.
— O Manuel.
— O Manuel não. Não vai ter presentes nenhuns.
— Não vai ter presentes nenhuns!?
— Não — disse a Gertrudes abanando a cabeça.
— Mas porquê, Gertrudes?
— Porque é pobre. Os pobres não têm presentes.
— Isso não pode ser, Gertrudes.
— Mas é assim mesmo — disse a Gertrudes fechando a tampa do forno.
Joana ficou parada no meio da cozinha. Tinha compreendido que era «assim mesmo».
Porque ela sabia que a Gertrudes conhecia o mundo. Todas as manhãs a ouvia discutir com o
homem do talho, com a peixeira e com a mulher da fruta. E ninguém a podia enganar. Porque
ela era cozinheira há trinta anos. E há trinta anos que ela se levantava às sete da manhã e
trabalhava até às onze da noite. E sabia tudo o que se passava na vizinhança e tudo o que se
passava dentro das casas de toda a gente. E sabia todas as notícias, e todas as histórias das
pessoas. E conhecia todas as receitas de cozinha, sabia fazer todos os bolos e conhecia todas as
espécies de carnes, de peixes, de frutas e de legumes. Ela nunca se enganava. Conhecia bem o
mundo, as coisas e os homens.
Mas o que a Gertrudes tinha dito era esquisito como uma mentira. Joana ficou calada a cismar
no meio da cozinha.
De repente abriu-se a porta e apareceu uma criada que disse:
— Já chegaram os primos.
Então Joana foi ter com os primos.
Daí a uns minutos apareceram as pessoas grandes e foram todos para a mesa.
Tinha começado a festa do Natal.
Havia no ar um cheiro de canela e de pinheiro. Em cima da mesa tudo brilhava: as velas, as
facas, os copos, as bolas de vidro, as pinhas doiradas. E as pessoas riam e diziam umas às
outras: «Bom Natal». Os copos tilintavam com um barulho de alegria e de festa. E vendo tudo
isto Joana pensava:
— Com certeza que a Gertrudes se enganou. O Natal é uma festa para toda a gente. Amanhã o
Manuel vai-me contar tudo. Com certeza que ele também tem presentes.
E consolada com esta esperança Joana voltou a ficar quase tão alegre como antes.
O jantar do Natal era igual ao de todos os anos.
Primeiro veio a canja, depois o bacalhau assado, depois os perus, depois os pudins de ovos,
depois as rabanadas, depois os ananases.
No fim do jantar levantaram-se todos, abriu-se de par em par a porta e entraram na sala.
As luzes eléctricas estavam apagadas. Só ardiam as velas do pinheiro.
Joana tinha nove anos e já tinha visto nove vezes a árvore do Natal. Mas era sempre como se
fosse a primeira vez. Da árvore nascia um brilhar maravilhoso que pousava sobre todas as
coisas. Era como se o brilho de uma estrela se tivesse aproximado da Terra. Era o Natal. E por
isso uma árvore se cobria de luzes e os seus ramos se carregavam de extraordinários frutos em
memória da alegria que, numa noite muito antiga, se tinha espalhado sobre a Terra.
E no presépio as figuras de barro, o Menino, a Virgem, São José, a vaca e o burro, pareciam
continuar uma doce conversa que jamais tinha sido interrompida. Era uma conversa que se via e
não se ouvia.
Joana olhava, olhava, olhava.
Às vezes lembrava-se do seu amigo Manuel.
Um dos primos puxou-a por um braço.
— Joana, ali estão os teus presentes.
Joana abriu um por um os embrulhos e as caixas: a boneca, a bola, os livros cheios de desenhos
a cores, a caixa de tintas.
À sua volta todos riam e conversavam.
Todos mostravam uns aos outros os presentes que tinham tido, falando ao mesmo tempo
E Joana pensava:
— Talvez o Manuel tenha tido um automóvel.
E a festa do Natal continuava.
As pessoas grandes sentaram-se nas cadeiras e nos sofás a conversar e as crianças sentaram-se
no chão a brincar.
Até que alguém disse:
— São onze horas e meia. São quase horas da missa. E são horas de as crianças se irem deitar.
Então as pessoas começaram a sair.
O pai e a mãe de Joana também saíram.
— Boa noite, minha querida. Bom Natal — disseram eles.
E a porta fechou-se.
Daí a um instante saíram as criadas.
A casa ficou muito silenciosa. Tinham ido todos para a Missa do Galo, menos a velha
Gertrudes, que estava na cozinha a arrumar as panelas.
E Joana foi à cozinha. Era a altura boa para falar com a Gertrudes.
— Bom Natal, Gertrudes — disse Joana.
— Bom Natal — respondeu a Gertrudes. Joana calou-se um momento. Depois perguntou:
— Gertrudes, aquilo que disseste antes do jantar é verdade?
— O que é que eu disse?
— Disseste que o Manuel não ia ter presentes de Natal porque os pobres não têm presentes.
— Está claro que é verdade. Eu não digo fantasias: não teve presentes, nem árvore do Natal,
nem peru recheado, nem rabanadas. Os pobres são os pobres. Têm a pobreza.
— Mas então o Natal dele como foi?
— Foi como nos outros dias.
— E como é nos outros dias?
— Uma sopa e um bocado de pão.
— Gertrudes, isso é verdade?
— Está claro que é verdade. Mas agora era melhor que a menina se fosse deitar porque estamos
quase na meia-noite.
— Boa noite — disse Joana. E saiu da cozinha.
Subiu a escada e foi para o seu quarto. Os seus presentes de Natal estavam em cima da cama.
Joana olhou-os um por um. E pensava:
— Uma boneca, uma bola, uma caixa de tintas e livros. São tal e qual os presentes que eu
queria. Deram-me tudo o que queria. Mas ao Manuel ninguém deu nada.
E sentada na beira da cama, ao lado dos presentes, Joana pôs-se a imaginar o frio, a escuridão e
a pobreza. Pôs-se a imaginar a Noite de Natal naquela casa que não era bem uma casa, mas um
curral de animais.
«Que frio lá deve estar!», pensava ela.
«Que escuro lá deve estar!», pensava ela.
«Que triste lá deve estar!», pensava.
E começou a imaginar o curral gelado e sem nenhuma luz onde Manuel dormia em cima das
palhas, aquecido só pelo bafo de uma vaca e de um burro.
— Amanhã vou-lhe dar os meus presentes — disse ela. Depois suspirou e pensou:
«Amanhã não é a mesma coisa. Hoje é que é a Noite de Natal.»
Foi à janela, abriu as portadas e através dos vidros espreitou a rua. Ninguém passava. O Manuel
estava a dormir. Só viria na manhã seguinte. Ao longe via-se uma grande sombra escura: era o
pinhal.
Então ouviu, vindas da Torre da Igreja, fortes e claras, as doze pancadas da meia-noite.
«Hoje», pensou Joana, «tenho de ir hoje. Tenho de ir lá agora, esta noite. Para que ele tenha
presentes na Noite de Natal.»
Foi ao armário tirou um casaco e vestiu-o. Depois pegou na bola, na caixa de tintas e nos livros.
Apetecia-lhe levar também a boneca, mas ele era um rapaz e com certeza não gostava de
bonecas.
Pé ante pé Joana desceu a escada. Os degraus estalaram um por um. Mas na cozinha a Gertrudes
fazia muito barulho a arrumar as panelas e não a ouviu.
Na sala de jantar havia uma porta que dava para o jardim. Joana abriu-a e saiu, deixando-a ficar
só fechada no trinco.
Depois atravessou o jardim. O Alex e a Ghiribita ladraram.
— Sou eu, sou eu — disse Joana.
E os cães, ouvindo a sua voz, calaram-se.
Então Joana abriu a porta do jardim e saiu.
A estrela
Quando se viu sozinha no meio da rua teve vontade de voltar para trás. As árvores pareciam
enormes e os seus ramos sem folhas enchiam o céu de desenhos iguais a pássaros fantásticos. E
a rua parecia viva. Estava tudo deserto. Àquela hora não passava ninguém. Estava toda a gente
na Missa do Galo. As casas, dentro dos seus jardins, tinham as portas e as janelas fechadas. Não
se viam pessoas, só se viam coisas. Mas Joana tinha a impressão de que as coisas a olhavam e a
ouviam como pessoas.
«Tenho medo», pensou ela.
Mas resolveu caminhar para a frente sem olhar para nada.
Quando chegou ao fim da rua virou à direita e meteu a um atalho entre dois muros. E no fim do
atalho encontrou os campos, planos e desertos. Ali, sem muros nem árvores nem casas, a noite
via-se melhor. Uma noite altíssima e redonda e toda brilhante.
O silêncio era tão forte que parecia cantar. Muito ao longe via- se a massa escura dos pinhais.
«Será possível que eu chegue até lá?», pensou Joana.
Mas continuou a caminhar.
Os seus pés enterravam-se nas ervas geladas. Ali no descampado soprava um curto vento de
neve que lhe cortava a cara como uma faca.
«Tenho frio», pensou Joana.
Mas continuou a caminhar.
À medida que se ia aproximando dele, o pinhal ia-se tornando maior. Até que ficou enorme.
Joana parou um instante no meio dos campos.
«Para que lado ficará a cabana?», pensou ela.
E olhava em todas as direcções à procura de um rasto.
Mas à sua direita não havia rasto, à sua esquerda não havia rasto e à sua frente não havia rasto.
«Como é que hei-de encontrar o caminho?», perguntava ela.
E levantou a cabeça.
Então viu que no céu, lentamente, uma estrela caminhava.
«Esta estrela parece um amigo», pensou ela.
E começou a seguir a estrela.
Até que penetrou no pinhal. Então num instante as sombras fizeram uma roda à sua volta. Eram
enormes, verdes, roxas, pretas e azuis, e dançavam com grandes gestos. E a brisa passava entre
as agulhas dos pinheiros, que pareciam murmurar frases incompreensíveis. E vendo-se assim
rodeada de vozes e de sombras Joana teve medo e quis fugir. Mas viu que no céu, muito alto,
para além de todas as sombras, a estrela continuava a caminhar. E seguiu a estrela.
Já no meio do pinhal pareceu-lhe ouvir passos.
«Será um lobo?», pensou.
Parou a escutar. O barulho dos passos aproximava-se. Até que viu surgir entre os pinheiros um
vulto muito alto que vinha caminhando ao seu encontro.
«Será um ladrão?», pensou.
Mas o vulto parou na sua frente e ela viu que era um rei. Tinha na cabeça uma coroa de oiro e
dos seus ombros caía um longo manto azul todo bordado de diamantes.
— Boa noite — disse Joana.
— Boa noite — disse o rei. — Como te chamas?
— Eu, Joana — disse ela.
— Eu chamo-me Melchior — disse o rei. E perguntou:
— Onde vais sozinha a esta hora da noite?
— Vou com a estrela — disse ela.
— Também eu — disse o rei —, também eu vou com a estrela.
E juntos seguiram através do pinhal.
E de novo Joana ouviu passos. E um vulto surgiu entre as sombras da noite.
Tinha na cabeça uma coroa de brilhantes e dos seus ombros caía um grande manto vermelho
coberto de muitas esmeraldas e safiras.
— Boa noite — disse ela. — Chamo-me Joana e vou com a estrela.
— Também eu — disse o rei —, também eu vou com a estrela e o meu nome é Gaspar.
E seguiram juntos através dos pinhais. E mais uma vez Joana ouviu um barulho de passos e um
terceiro vulto surgiu entre as sombras azuis e os pinheiros escuros.
Tinha na cabeça um turbante branco e dos seus ombros caía um longo manto verde bordado de
pérolas. A sua cara era preta.
— Boa noite — disse ela. — O meu nome é Joana. E vamos com a estrela.
— Também eu — disse o rei — caminho com a estrela e o meu nome é Baltasar.
E juntos seguiram os quatro através da noite.
No chão, os galhos secos estalavam sob os passos, a brisa murmurava entre as árvores e os
grandes mantos bordados dos três reis do Oriente brilhavam entre as sombras verdes, roxas e
azuis.
Já quase no fundo dos pinhais viram ao longe uma claridade. E sobre essa claridade a estrela
parou.
E continuaram a caminhar.
Até que chegaram ao lugar onde a estrela tinha parado e Joana viu um casebre sem porta. Mas
não viu escuridão, nem sombra, nem tristeza. Pois o casebre estava cheio de claridade, porque o
brilho dos anjos o iluminava.
E Joana viu o seu amigo Manuel. Estava deitado nas palhas entre a vaca e o burro e dormia
sorrindo.
Em sua roda, ajoelhados no ar, estavam os anjos. O seu corpo não tinha nenhum peso e era feito
de luz sem nenhuma sombra.
E com as mãos postas os anjos rezavam ajoelhados no ar.
Era assim, à luz dos anjos, o Natal de Manuel.
— Ah — disse Joana — aqui é como no presépio!
— Sim — disse o rei Baltasar — aqui é como no presépio.
Então Joana ajoelhou-se e poisou no chão os seus presentes.

Você também pode gostar