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● Em meados do século XIX, a pressão era crescente para o fim do sistema escravista e
com a criação da Lei de Terras (1850), que define o acesso a terra através da compra e
venda em dinheiro, o país perde sua primeira oportunidade de realizar uma reforma
agrária – bloqueio ao acesso à terra livre e áreas devolutas, por homens livres, ex-
escravos e emigrantes, que não dispunham de recursos para a compra.
● A partir de 1945, ocorreram grandes transformações no País: a intensificação da
industrialização, com a redefinição do papel da agricultura na economia, a
constituição de um projeto desenvolvimentista e a dinamização dos movimentos
sociais que começaram a generalizar-se e perder o caráter local.
● Nesse contexto, ganha espaço o debate da reforma agrária, ligado à industrialização,
sendo justificada tanto pela questão agrária como pela questão agrícola, a ideia era
que a alteração da estrutura fundiária e das relações de trabalho viabiliza o aumento
da produção para abastecimento da população urbana e da própria indústria crescente,
e em paralelo possibilitaria que os trabalhadores rurais incrementem o consumo de
bens produzidos na indústria.
● Essa era a idéia predominante, discutida e divulgada entre teóricos e partidários do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB),
entretanto, a lei magna também previu a queda desse limite via intervenção do Senado
Federal que, desde então, autorizou o governo do Mato Grosso a vender 5 áreas de
200.000ha cada, no município de Aripuanã, totalizando 1 milhão de ha de terras em
mãos de apenas cinco proprietários (OLIVEIRA apud STEDILE, 2002).
● O fato é que, mesmo com bloqueio ao acesso a terra, com a concentração fundiária e
expropriação histórica do trabalhador rural, com a industrialização crescente e a
abertura de algumas possibilidades de trabalho assalariado no campo e na cidade,
grande parte desses trabalhadores recusa-se a proletarização e insiste na sua
reprodução através da posse da terra, contratos de arrendamento, meia e outras
relações de trabalhos que diversificam os percursos e diferenciam os processos.
● O Governo Federal, sob o comando do então presidente João Goulart, adotou algumas
medidas em resposta à intensificação das mobilizações, cuidando, contudo, de manter
certo controle: criação da Superintendência de Política e Reforma Agrária (SUPRA) e
regulamentação da sindicalização rural, em 1962, ficando os sindicatos sob a tutela do
Estado sem direito a greve, e o estatuto do trabalhador rural, em 1963, que estende aos
trabalhadores rurais a legislação social que beneficiava os trabalhadores urbanos.
● O latifundiário se organizou e se adaptou à nova conjuntura, motivando-se a
modernização, apoiada pelo Estado, através de subsídios e incentivos. A renda da terra
já se transformara em capital agrário e os meios de produção que compunham o
capital constante, construções, benfeitorias, equipamentos e insumos, passaram a
prevalecer sobre o meio de produção terra, ao tempo em que se reduz a necessidade
do capital variável, trabalho (eleva-se a composição orgânica do capital: capital
constante / capital variável), 2 O Estatuto da Terra compunha-se de duas partes
distintas, uma referente a reforma agrária e outra referente ao desenvolvimento da
agricultura.
● É, nesse período foi criada a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do
Parnaíba (CODEVASF) e o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
resultado da fusão do IBRA com o INDA, bem como o Programa de Integração
Nacional (PIN), em 1970, com o propósito de ocupar uma parte da Amazônia, ao
longo da rodovia Transamazôniaca.
● A ampliação da fronteira agrícola concentrou mais ainda a terra, por sua associação a
outras formas de riqueza, tais como a exploração de madeira de lei, minérios, acesso
ao crédito farto e barato e benefícios fiscais, atraindo "grileiros" e grandes
investidores.
● O Estado impulsiona mais uma vez o “desenvolvimento” agrário capitalista, através
de políticas agrícolas, consolidando a conjugação de interesses da indústria pesada de
equipamentos e de insumos com os interesses do grande proprietário capitalista, que
passa a fornecer matéria prima para a indústria bem como alimentos para a mesa do
consumidor.
● Ressurge fortemente o debate da questão agrária e a igreja, em 1980, produz e divulga
o documento “A igreja e os problemas da terra”, que analisa, com detalhes, a natureza
do capitalismo no campo, a exploração, a especulação, a concentração da terra e dos
meios de produção, defendendo a necessidade da reforma agrária, a partir do princípio
bíblico de que “a terra é para todos” (MEDEIROS, 1989, STEDILE, 2002).
● Foi também criado um Programa de crédito específico para assentados de reforma
agrária (PROCERA), tendo como gestores financeiros os Bancos do Brasil, do
Nordeste e da Amazônia que previa a aprovação dos projetos de financiamento por
comissões estaduais, formadas por representantes dos assentados, dos movimentos
sociais e do governo.
● Entretanto, as dificuldades para a efetivação do I PNRA eram de toda ordem,
começando pela reação de forças políticas anti reformistas, seguida da falta de
informações atualizadas sistemáticas em relação a evolução da estrutura fundiária, da
estrutura funcional no campo bem como as dificuldades de ordem jurídico-legal,
administrativas e institucional.
● A reforma agrária não encontrava então, uma boa perspectiva na estrutura do poder e
José Gomes, então presidente do INCRA, testemunhou a desfiguração do plano pela
destacava na mídia com grande repercussão as ações dos movimentos sociais como
criminosas.
● Daí a continuidade dos conflitos no campo brasileiro, que convidam os expropriados
do campo e excluídos da cidade a se organizarem, reagirem e resistirem nas
ocupações, principal estratégia nacional das organizações da luta pela terra,
repercutindo como fatos políticos. Como suporte à ação governamental, foram
instituídas, já no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, sendo essas
medidas repressivas.
● Ações estas que deveriam possibilitar a efetivação da desconcentração da terra,
geração de emprego, estímulo à produção para o mercado interno e promoção da
soberania alimentar, assegurando às famílias assentadas Unidades Territoriais com
condições para garantir de forma sustentável a Produção, a Circulação e o Consumo.
● Um “outro” II PNRA 2003/2006 é aprovado, trazendo como metas o assentamento de
400 mil famílias, a regularização de 500 mil posses, a recuperação da capacidade
produtiva dos assentamentos já criados, a criação de 2 mil postos de trabalho nas
áreas reformadas.
● Os movimentos socioterritoriais efetivaram nesses espaços a territorialização da luta
pela terra, e, enquanto a correlação de forças não permite a realização de uma reforma
agrária que lhes represente, conduzem a política de assentamentos, estrategicamente,
e conseguem transformar a geografia de alguns municípios.
● A territorialização da luta pela terra conquistou a política de assentamentos, através da
desapropriação, principal instrumento de democratização da terra e resgate de sua
função social, mas, a bandeira da política de reforma agrária continua levantada,
demandando ações articuladas, que quando programadas continuam encontrando
barreiras que dificultam ou impedem a sua realização;
● A estratégia de luta dos movimentos sociais, concentrando as ocupações em territórios
do latifúndio improdutivo, pressiona o Estado, que responde com uma política de
assentamentos, e possibilita a conquista de frações significativas desses territórios, e
maior visibilidade de suas ações.
● Essa estratégia de luta modifica a estrutura fundiária de alguns municípios,
impulsiona novos investimentos de infraestrutura como habitações, estradas, energia
elétrica, escolas e outros, reconfigurando a geografia e possibilitando a alteração da
correlação de forças com o poder local.
● A reforma agrária é agora uma bandeira de luta política capaz de unificar não só os
trabalhadores do campo, mas inclusive de se estender aos trabalhadores urbanos e há
muito deixou de ser uma demanda do desenvolvimento capitalista, passando a ser
hoje, um questionamento das categorias do campo, da forma que assumiu esse
desenvolvimento.