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Revisão de literatura: princípios básicos de síntese de

parede e tipos de fios utilizados na prática da obstetrícia

Rafaela Alves Morais Resende ¹

1. CENTRO INT DE ASS À MULHER E À CRIANÇA DONA REGINA SIQUEIRA CAMPOS, Palmas-TO

A cesariana é a cirurgia mais realizada na mulher, com incidência de

29,1% e 46,94% nos Estados Unidos e no Brasil, respectivamente. É

fundamental reconhecer suas possíveis complicações, assim como prevení-las

quando possível, e tratá-las.

O puerpério pós-cesariana constitui-se em desafio diante de vários fatores

de tensão como: flutuações hormonais, chegada do recém-nascido e

recuperação de um processo cirúrgico. As complicações das cesarianas são

emocionalmente e economicamente problema de relevância em obstetrícia.

Os cuidados com o paciente cirúrgico iniciados no pré-operatório,

continuado durante o transoperatório e principalmente no pós-operatório visam

minimizar os fatores capazes de influenciar ou proporcionar o surgimento de

complicações. Nenhum cirurgião está isento do risco de reabertura de ferida

cirúrgica e pode ser prevenida apenas se forem reconhecidas as suas causas.

Objetivo:

Esta revisão com compilado de artigos publicados em revistas brasileiras,

tem como objetivo apresentar princípios básicos sobre síntese de parede


abdominal e propriedades dos principais fios utilizados na prática da cirurgia

ginecológica e no caso, principalmente obstétrica.

Revisão de literatura: princípios básicos na síntese de parede

A incidência de complicações em feridas operatórias podem variar 2,8%

a 26,6%, sendo a mais comum a infecção no pós-operatório. Os organismos

mais comumente encontrados são Staphylococcus aureus, Escherichia coli,

Proteus mirabilis, ou do trato genital, como o Ureaplasma sp e Micoplasma sp.

Inúmeros fatores já foram identificados, atuando através de diversos

mecanismos, e impedem que as fases do processo cicatricial se desenvolvam

normalmente ou se associam à forças mecânicas que se sobrepujam à

capacidade de manutenção da integridade da ferida operatória.

Dada a importância cirúrgica no âmbito da Ginecologia e Obstetrícia é

crucial conhecer o processo de cicatrização das feridas e os tipos de sutura

disponíveis para a sua correção.

A síntese (ou sutura) visa reconstruir e restituir a integridade das

estruturas, órgãos e tecidos que foram operados usando-se porta agulhas,

pinças anatômicas e dente de rato, agulhas e fios cirúrgicos.

Os fios cirúrgicos, durante a síntese, fixam ou contém as estruturas

orgânicas divulsionadas ou cortadas, na diérese. Para isso, utilizam-se agulhas,

adaptadas e desenhadas de acordo com as características, tanto dos tecidos a

serem suturados, como dos fios escolhidos.


Um fio ideal deve ter, baixo custo, grande resistência à tração e torção,

ausência de reação tecidual, calibre fino e regular, esterilização fácil e também

ser mole, flexível, pouco elástico e resistente á esterilização, o que deve ser de

amplo conhecimento do cirurgião para a adequada técnica.

A escolha do tipo de sutura depende do tecido e da sua localização

anatômica. A aproximação dos bordos de uma ferida pode ser realizada por meio

de uma sutura natural ou sintética, mono ou multifilamento. Os multifilamentares

por sua vez, dividem-se em torcidos, trançados e trançados com revestimento.

Importante saber que, como o fio pode se comportar como “corpo

estranho” e prejudicar a cicatrização, é aconselhável escolher o calibre do fio de

acordo com a resistência, o tipo de estrutura a ser suturada e a tensão entre as

bordas da ferida.

Três propriedades relacionadas aos fios de sutura interferem com o seu

manuseamento: memória, elasticidade e tensão dos nós. A força de tensão,

reação tissular e a capacidade para ser absorvido são outras características

importantes de um material de sutura e que devem também ser de amplo

conhecimento do cirurgião.

Os fios constituídos de materiais orgânicos são destruídos por proteólise,

ao contrário dos sintéticos que sofrem hidrólise e que por essa razão estão

associados a menores reações inflamatórias. Atualmente, a maioria dos

materiais naturais foi substituída por materiais sintéticos embora a seda, ainda

continua a ser amplamente usado.


Os fios monofilamentares estão associados a menor risco

infeccioso e menor traumatismo tecidual, e multifilamentares, com maior força

tênsil, mais flexíveis e mais fáceis de manusear.

O tecido suturado reage com um processo inflamatório durante dois a sete

dias, dependendo do material utilizado, podendo ser complicado por infecção,

alergia ou traumatismo. A sutura ideal é aquela que pode ser utilizada em

qualquer intervenção, é maleável e flexível para facilitar o seu manuseamento,

permite dar nós seguros, desperta pouca reação, tem caracteristicas uniformes

e comportamento previsível, e é fácil e totalmente absorvida uma vez

desnecessária.

Tipos de fios:

Na prática clínica de Ginecologia e Obstetrícia são utilizados fios de sutura

absorvíveis e não-absorvíveis. Os fios absorvíveis podem ser monofilamentos

sintéticos (Monocryl®, PDS®, Maxon®), multifilamentos naturais (Cut-gut) e

multifilamentos sintéticos (Vicryl®, Dexon®).

Monocryl®- constituído por um copolímero de poliglicaprona 25 (ácido

glicólico + ácido caprolactónico), é um fio com boa segurança (força tênsil

previsível 21 a 28 dias), alta resistência, pouca memória, causador de pouco

traumatismo tecidular e a sua absorção é feita por hidrólise por ser um fio

sintético. Tem uma duração média de 90 a 120 dias. Encontra-se disponível na

cor violeta e incolor. Este fio é indicado para utilização em tecidos de médio

tempo de suporte, como o tecido celular subcutâneo.


PDS II® - constituído por polidioxanona, mantém uma boa força de tensão

durante 60 a 90 dias. A absorção dá-se por hidrólise e pode durar até 180 dias.

Está disponível na cor violeta, azul e incolor. É passível de ser utilizado na

suspensão vaginal e no fechamento da aponeurose.

Maxon® - constituído por poligliconato, a sua força de tensão é

semelhante à do PDS, mas a absorção completa pode demorar 180 a 210 dias.

Cut-gut – fio que atualmente não é utilizado, em virtude de se tratar de um

derivado de origem bovina (intestino) e da problemática inerente à encefalopatia

espongiforme bovina. Por se tratar de um fio de origem natural tem o

inconveniente de provocar uma grande reação tecidual e de ter absorção em

tempo imprevisível, principalmente na sua variedade simples (não revestida por

crómio).

Vicryl® - foi o segundo fio sintético e absorvível produzido. É constituído

pela união de 2 polímeros, ácido láctico e ácido glicólico, revestidos por

poliglactina e estearato de cálcio. Trata-se de um fio com força tensil 28 a 35

dias e absorção previsível em 56 a 70 dias. De fácil manuseamento, permite dar

nós seguros e de fácil execução, com boa passagem pelos tecidos e pouco

traumatismo tecidual. Por ser um fio sintético, desperta pouca reação de corpo

estranho. Este fio encontra-se disponível na cor violeta e incolor. Trata-se

seguramente, do fio mais utilizado em Ginecologia e Obstetrícia (útero, vagina,

tubas uterinas, períneo, aponeurose)


Vicryl rapide® é uma boa opção para suturas perineais dado apresentar

uma força tênsil de 10 a 12 dias e absorção em 42 dias.

Vicryl plus® inclui um agente anti-séptico (Triclosan) com efeito

bactericida nos Staphylococcus aureus e epidermidis.

Dexon® - foi o primeiro fio sintético e absorvível fabricado e é constituído

por ácido poliglicólico. Este fio apresenta uma tensão do nó e força de tensão

semelhantes ao do Vicryl®, mas a absorção completa pode durar 90 a 120 dias.

Os fios não absorvíveis podem ser divididos em monofilamentos sintéticos

(Ethilon®, Dermalon®, Prolene®, Surgilene®, Mersilene®, Novafil®),

multifilamentos naturais (Seda, Mersilk®), multifilamentos sintéticos (Ethiflex®,

Ethibond®, Dacron®, Ethicon®, Polydek®, Nurolon®) e fios de natureza mista

(Supramid®)

Ethilon® e o Dermalon® são fios de nylon e por isso associam elevada

força tênsil, elasticidade e memória a reaaão tecidual mínima. A sua elevada

memória faz requerer 3 a 4 nós, enquanto a sua hidrólise lenta faz perder 15-

20% da força tênsil por ano.

Prolene®- é constituído por polipropileno. Tal como o Ethilon® possui

elevada força tênsil e elasticidade, e daí a facilidade em distribuir a tensão em

suturas contínuas, requer a realização de 4 nós, desperta pouca reação de corpo

estranho e é fácil de remover. Por se tratar de um monofilamento está associado

a pouca proliferação bacteriana, podendo ser usado na presença de infecção.


Causa pouco traumatismo por arrastamento e difere dos restantes

monofilamentos pela sua maior flexibilidade. Encontra-se dísponível na cor azul.

Pode ser usado na sutura intradérmica.

Mersilene® - foi o primeiro fio sintético não absorvível a ser produzido. É

composto por poliéster não revestido e apresenta força tênsil elevada e

constante. Permite bom manuseamento, realização segura de nó e desperta

pouca reação tecidual. Encontra-se disponível nas cores verde e branco.

Seda® - multifilamento entralaçado, muito fácil de manusear. Trata-se de

um fio de baixo custo que permite dar nós seguros mas associa-se a tempo de

suporte errático (força tênsil pequena e com perda total ao fim de 1 a 2 anos).

Sendo um fio orgânico acarreta maior reação tecidual e, por se tratar de um

multifilamento, maior risco de infecção. Apresenta-se disponível na cor preto.

Mersilk® - Seda entrançada constituída por fibras proteicas naturais

produzidas pelo bicho da seda e disponível no mercado nas cores preto e

marfim.

Ethibond®- poliester revestido a polibutilato, com elevada força tensional

e baixa reação tecidual, de fácil manuseamento e permitindo a realização de nós

seguros. É um fio não absorvível cujo revestimento, além de diminuir o atrito

durante sua passagem nos tecidos, também diminui o risco infeccioso. Encontra-

se disponível nas cores verde e branco. Utilizado na prática obstétrica para

realização de cerclagem de colo uterino.


Dacron®- é um fio de poliester com características semelhantes ao

Ethibond®. Nurolon®- é um fio de nylon (poliamida 66). A hidrólise faz com que

perca 15 a 20% da sua força tênsil por ano. Encontra-se disponível na cor preto.

O calibre do material de sutura refere-se ao diâmetro do material de sutura

e pode variar de 18-0 (mais fino) a 6 (mais espesso). O comprimento do material

de sutura encontra-se em centímetros. Cada fabricante, para cada fio identifica,

na embalagem, as especificações do fio que ela contém, tais como o material de

que é feito, comprimento, se está acoplado a uma agulha e que tipo de agulha

contém. Os fios são comercializados já esterilizados e com data de validade para

sua utilização.

A escolha adequada deverá contemplar preferencialmente pelo menor

calibre que mantenha a tensão no tecido, minimizando o traumatismo tecidual e

a reação de corpo estranho, e pela menor força tênsil possível para o tecido em

causa.

A experiência, o conhecimento das estruturas a serem operadas, da

técnica cirúrgica e da biologia da ferida e da cicatrização, aliados ao bom senso,

determinam qual o melhor fio a ser utilizado.


REFERÊNCIAS

BARROS Monica; GORGAL, Rosario; MACHADO, Ana Paula; CORREIA, Alda;


MONTENEGRO, Nuno. Princípios Básicos em Cirurgia: Fios de Sutura. Acta
Med Port, 2011; 24(S4): 1051-1056

FONSECA-NETO, Olival Cirilo Lucena da; VASCONCELOS, Rômulo; MIRIAN,


Antônio Lopes de. Fatores de risco associados à deiscência aponeurótica no
fechamento da parede abdominal. ABCD, arq. bras. cir. dig., São Paulo,
v.21, n. 1, p. 21-24, Mar. 2008 .

MORIYA, Takachi; YMVA, Vicente; Tazima MFGS. Instrumental cirúrgico.


Revista de Medicina. Ribeirão Preto, 2011;44(1): 18-32

SILVA FILHO, Agnaldo Lopes da; LINHARES, Lorena Quintão; MACHADO,


Lorena Rúbian Gonçalves; GUIMARÃES, Lucília Coelho; AZEVEDO, Luísa
Mendes Miranda de; COSTA, Marcela Alvarenga Brant; PEDROSO, Marianna
Amaral; TARTAGLIA, Renato; ROSSE, Stefânia. Infecção pós-cesariana: relato
de caso. Rev Med Minas Gerais 2010; 20(2 Supl 1): S117-S119

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