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A CRIAÇÃO DA MULHER
MILLENNIAL
27-37 minutos
Isso não deve ser visto como uma acusação contra essas
obras, ou uma sugestão de que há algo de errado com as
personagens. Não devemos exigir que a arte represente o
mundo como nós gostaríamos de vê-lo. Afinal, a atitude otimista
“lean-in” do feminismo liberal tem suas próprias falhas
fundamentais. O problema é que tantos de nós querem ver
narrativas de auto-emancipação radical onde não há nenhuma.
Apesar de toda a conversa sobre quão revolucionárias,
poderosas e importantes essas vidas fictícias são, a Mulher
Millennial por excelência é um ser humano profundamente
desempoderado. Fleabag não tem amigos, não consegue falar
sobre seu trauma e admite usar o sexo como uma forma de
sustentar sua autoestima deteriorada. Em Girls, o narcisismo de
Hannah esconde o fato de que ela é uma pessoa solitária que
se odeia: “Qualquer coisa cruel que qualquer um pode pensar
em me dizer eu já disse para mim mesma, sobre mim, na última
meia hora”. Marianne de Pessoas Normais de Sally Rooney tem
dificuldades em se apoderar do próprio corpo durante o sexo,
em aceitar o fato que ela possa ser apreciada, até mesmo
amada, e sugere-se que ela sofre de alguma disfunção
alimentar que é de certa forma normalizada. Essas mulheres
não são tanto símbolos de possibilidades emancipatórias
femininas quanto indicativos do enorme fracasso social em
proporcionar caminhos de prosperidade, cuidado e
generosidade em comunidade.
O fato de elas serem tomadas como símbolos de uma geração
é mais uma confirmação de como ser colocada num pedestal
pode ser tão desgastante quanto empoderador. Existe um
elemento disso no longo fascínio pela mulher rebelde, foda,
sórdida, um arquétipo desbocado diferente do que estamos
tratando aqui, mas adorado de forma semelhante. O programa
do British Film Institute sobre “Bitches” (N.T.: algo como
“megeras” em português) – cujo título, embora não o conteúdo,
foi alterado depois de críticas para “Playing the Bitch” (N.T.:
fazendo o papel da megera) – procura celebrar uma série de
“mulheres destemidas”, que permanecem majoritariamente
brancas, vistas pela lente de diretores exclusivamente homens.
Parece suspeito que nós estejamos tão investidos na narrativa
da mulher solitária que cria o caos em um mundo cruel e
desumano e está desinteressada no que significa chegar,
coletivamente, a um lugar onde tais vitórias dispendiosas e
dolorosas deixariam de ser necessárias.