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CARTIGO

azella S &
ESPECIAL
Molina R

A intervenção psicopedagógica
institucional na formação reflexiva
de educadores sociais

Sarah Cazella; Rinaldo Molina

RESUMO – Objetivo: Nosso objetivo é apresentar os resultados de um


processo de intervenção que visou favorecer a construção de autonomia,
pela via da prática reflexiva, de um grupo de educadores sociais. Método:
Para o desenvolvimento teórico foi realizada a interlocução entre autores
da psicopedagogia, da prática reflexiva e da educação popular. Os
participantes deste estudo de caso foram onze educadores sociais de uma
Associação de Educação e Assistência Social localizada na periferia da
cidade de São Paulo. O processo teve duração de um ano, num total de
dezoito encontros que contemplaram as seguintes atividades: 1) observação
participante; 2) construção de um “painel de queixas” para o entendimento
dos problemas e satisfações vivenciadas; 3) diante das queixas foram
produzidos desenhos, a partir da técnica projetiva “par educativo”, que
evidenciaram concepções de ensinar e aprender; 4) apresentação de relatos
que visavam compreender os modelos de ação para o ensinar; 5) discussão
de textos com temáticas pertinentes aos assuntos detectados nos momentos
anteriores e; 6) dinâmica para a construção de um mapa conceitual, que
objetivou uma reflexão sobre o processo vivenciado e a prática diária.
Resultados: Os educadores indicaram um repensar de sua atuação e novas
propostas de trabalho, com base em processos interdisciplinares, que teriam
como diretrizes a realidade sociocultural e a produção de um trabalho
voltado ao resgate da história dos educandos, moradores da periferia, e
a construção, com eles, da visão de cidadania para uma sociedade mais
justa e humana.

UNITERMOS: Educação. Psicologia social. Aprendizagem.

Sarah Cazella – Psicopedagoga e Coordenadora Correspondência


pedagógica do Centro Pastoral Santa Fé. Sarah Cazella
Rinaldo Molina – Psicólogo; Doutor e Mestre em Centro Pastoral Santa Fé
Educação; professor do curso de Graduação em Rod. Anhanguera, s/n Km 25,5
Psicologia e de Pós-Graduação em Psicopedagogia São Paulo - SP
da Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.

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Psicopedagogia institucional e educação popular

INTRODUÇÃO dentro das possibilidades do cronograma institu-


A psicopedagogia ganha hoje cada vez mais cional da Associação em que o grupo de sujeitos
espaço e importância no tecido social. Muitos dos da pesquisa atuava.
envolvidos com os processos escolares apontam No processo de intervenção junto aos educa-
o psicopedagogo como aliado na proposição de dores foram utilizados: A) a análise dos documen-
novos caminhos para a melhoria da aprendi- tos da Associação para entender seu processo his-
zagem daqueles que fracassam nos processos tórico; B) a observação participante10; C) dinâmica
desenvolvidos na educação formal. Vários são os de grupo e construção de um painel de queixas;
estudos que caminham nessa direção, o que pode D) a técnica do “par educativo”11; E) reflexão au-
ser observado nas publicações da Associação tobiográfica12; F) estudos de textos acadêmicos13
Brasileira de Psicopedagogia. e; G) elaboração de mapa conceitual14.
Paralela à educação formal temos no Brasil Algumas informações complementares ne-
várias experiências em educação popular, porém cessárias são: 1) para formalizar a participação
há na literatura da psicopedagogia poucos estu- na pesquisa, com intuito de evitar faltas éticas na
dos que a exploraram1-9. aquisição e análise dos resultados da pesquisa,
Nesse sentido, para contribuir na produção de foram utilizadas a “Carta de informação sobre
conhecimentos sobre o trabalho do psicopeda- pesquisa à instituição”, a “Carta de informação
gogo na educação informal, esse artigo objetiva ao sujeito de pesquisa” e o “Termo de consenti-
apresentar e analisar uma intervenção em psi- mento livre e esclarecido” lidos e assinados pelos
copedagogia institucional com base na prática educadores e pela instituição; 2) no corpo do
reflexiva para a construção da autonomia e da
texto, cada educador ou educadora foi nomeado
melhoria das relações com a aprendizagem de um
com as iniciais do seu nome, a fim de garantir a
grupo de educadores populares. Assim, considera
preservação da privacidade; 3) e, por se tratar de
que uma intervenção psicopedagógica institu-
um trabalho voluntário, o número de participan-
cional pode contribuir na ação de educadores
tes das atividades, acima apresentadas, variou
sociais por meio de uma proposta que favoreça
de acordo com a disponibilidade dos envolvidos.
a sua prática reflexiva.
Para desenvolvimento do artigo, inicialmen-
Algumas de suas questões norteadoras foram:
te, apresenta-se uma discussão teórica funda-
Quais as concepções de aprendizagem de educa-
mentada nas referências da psicopedagogia
dores populares? Quais seus modelos para a ação
institucional, da prática reflexiva e da educação
do ensinar? Quais dificuldades enfrentam em sua
popular, posteriormente, explicita-se a evolução
prática? Quais mudanças apresentam a partir de
um processo de intervenção psicopedagógico do processo de intervenção.
institucional?
A experiência foi realizada em uma Associa- REFERÊNCIAS TEÓRICAS ADOTADAS NA
ção de Educação e Assistência Social, locada na INTERVENÇÃO
periferia da cidade de São Paulo, que atende no
período noturno, aproximadamente, 150 jovens A Psicopedagogia Institucional
entre 18 e 29 anos. Os sujeitos do processo de Apesar da prevalência da Psicopedagogia
intervenção psicopedagógica foram onze edu- em seu viés clínico, nas últimas décadas, de-
cadores que atuavam como orientadores de senvolveu-se a compreensão que no ambiente
grupos de educandos no “Curso C”, oferecido institucional a dificuldade de aprendizagem se-
pela Associação. ria gerada ou agravada segundo as concepções
No desenvolvimento do processo psicopeda- adotadas pela escola.
gógico, com duração de um ano, foram realizados [...] será o problema da não apren-
aproximadamente dezoito encontros organizados dizagem apenas do aluno? Não estará

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o professor [educador] estagnado em E teria como objetivo16:


relação à busca de novos conhecimen- [...] auxiliar o resgate da institui-
tos? Não estará a escola sendo apenas ção com o saber e, portanto, com a
repetitiva, impondo diariamente uma possibilidade de aprender. A reflexão
dose de “conhecimentos prontos”, sobre o individual e o coletivo traz a
que são “engolidos” pelo aluno e não possibilidade da tomada de consciên-
“digeridos”? Discordâncias entre pro- cia e da inovação por meio da criação
fessores [educadores] vistas apenas de novos espaços de relação com a
como questão de “temperamento” aprendizagem.
ou “política” poderiam ser encaradas Com isso, o profissional da psicopedagogia
através do “modelo de aprendiza- institucional assumiria como funções na institui-
gem” de cada um? A atualização da ção17: administrar as ansiedades geradas neste
escola apenas em metodologias de ambiente18; criar um clima harmonioso nos gru-
ensino não poderia estar deixando de pos de trabalho19; colaborar com a construção do
lado as questões de aprendizagem?15. conhecimento cognitivo20; identificar obstáculos
Foram esses questionamentos que levaram ao no processo de aprendizagem21,22; implantar
aparecimento da psicopedagogia institucional. Para recursos preventivos à fragmentação dos con-
ela, no desenvolvimento do trabalho psicopedagó- teúdos23; conceber o aluno como aprendente e
gico, a instituição, enquanto espaço físico e psíquico o educador como ensinante24; clarear funções e
da aprendizagem, seria o objeto de estudo da psico- tarefas no grupo25; possibilitar a rotatividade na
pedagogia, uma vez que se avaliariam os processos liderança26; possibilitar a elaboração do conhe-
didático-metodológicos e a dinâmica institucional cimento sobre si e do outro27; e contribuir para
que interfere no processo de aprendizagem. a reflexão sobre a prática28.
Então a psicopedagogia institucional16:
[...] está vinculada a uma concepção A Educação Popular
crítica da Psicopedagogia e, conse- A educação popular surgiu na década de 1970,
quentemente, da educação, que muito como um movimento inovador capaz de produzir
tem a contribuir com as situações de possibilidades educativas para a democratização
não aprendizagem na escola e com da Educação em espaços não formais29,30.
sua consequente superação. Desta Seriam seus objetivos31:
forma, a ação do psicopedagogo está “Desenvolver um trabalho no qual
centrada na prevenção do fracasso e as pessoas sejam capazes de compre-
das dificuldades escolares, não só do ender o seu contexto sócio-político-
aluno como também dos educadores e econômico-cultural, exercendo, neste
demais envolvidos neste processo. Para entorno, sua cidadania de forma ade-
tanto, é necessário que a intervenção quada. O que revela tratar-se, assim
psicopedagógica invista na melhoria como a educação formal, de uma ação
das relações de aprendizagem e na intencional e, portanto, destinada a
construção da autonomia não só dos alcançar determinados fins, porém
alunos, mas, principalmente, dos edu- não em nível escolar. No que tange
cadores. A construção da autonomia do à educação não formal, a concepção
professor [educador], a postura crítica de educação permanente apresenta
em relação a sua ação pedagógica e o grandes semelhanças com a de desen-
desenvolvimento da autoria de pensa- volvimento cultural da comunidade,
mento pode acontecer pela intervenção não podendo ser posta em ação sem
psicopedagógica na escola. mudanças sociais profundas.

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Esta educação se diferenciou de outras, pois do ensinar, para que o sujeito do aprender se
sua preocupação era “estimular a participação assumisse como ser social, por isso capaz de
política [para] transformação das condições transformar, criar e pensar.
opressivas de sua existência social [por base no] Deste modo, as ideias de Freire24,33,34 fazem
desenvolvimento de habilidades básicas, como eco ao olhar da psicopedagogia institucional,
a leitura e a escrita”32. uma vez que esta promoveria a aprendizagem
A interlocução entre psicopedagogia institu- de forma a criar vínculos saudáveis e críticos com
cional e educação popular se fundamentaria na o conhecimento.
dimensão social envolvida no processo de apren-
dizagem (além dessa temos também as dimen- A Prática Reflexiva
sões biológica e cognitiva), pois, com ela, haveria Dentro do pensamento educacional a corrente
a garantia da continuidade do processo histórico da prática reflexiva definiu que a reflexão sobre
e a preservação da sociedade como tal, por meio a prática profissional seria a estratégia para o
de transformações evolutivas e estruturais33. desenvolvimento profissional de professores, para
Esta dimensão cumpriria um papel relevante
nós de educadores, ao defender que os processos
na ruptura das classes sociais, pois supõe trans-
de construção do saber profissional partiriam da
formações, incitando assim a necessidade da
prática e da ação reflexiva e compartilhada.
educação de promover, conscientizar e motivar
Para Gómez36, a formação do professor (edu-
a militância para essa transformação.
cador) reflexivo abrangeu duas grandes áreas.
Esta abordagem sociopolítica estava presente
A primeira seria a do componente “científico-
nas raízes da educação popular e teve como base
cultural” no qual se pretendia assegurar o co-
teórica, a prática e o discurso de Paulo Freire34,35.
nhecimento do conteúdo a ser ensinado. Já a se-
A criticidade no processo de aprendizagem
gunda, foi a do componente “psicopedagógico”,
se construiria e se desenvolveria na “curiosidade
que permitia aprender como atuar com eficácia
epistemológica”, concebida como um aprender
em sala de aula.
crítico em que a experiência da produção de sa-
“No componente psicopedagógico é
beres, que não permite a mera transferência de
conteúdos, favoreceria um conhecimento mais preciso distinguir duas fases principais: na
abrangente do objeto24. primeira, adquire-se o conhecimento dos
Se de um lado do processo existe a aprendi- princípios, leis e teorias que explicam os
zagem, e com destaque a aprendizagem social, processos de ensino-aprendizagem e ofe-
do outro existe o ensino, a ensinagem. recem normas e regras para a sua aplicação
Freire24 indicou alguns saberes indispensá- racional; na segunda, tem lugar a aplicação
veis a uma prática educacional crítica e progres- na prática real ou simulada de tais normas
sista do educador comprometido com a educação e regras, de modo que o docente adquira
popular. Para ele, ensinar inexiste sem aprender competências e capacidades requeridas
e vice-versa e, este ensinar não seria meramente para uma intervenção eficaz”.
a transferência de conhecimento, mas a possi- Neste sentido, Zeichner37 defendeu que o
bilidade da sua produção, criação e construção. processo reflexivo não se limitaria a questões
Assim, a experiência de cada aprendente metodológicas do ensino ou a organização da sala
seria considerada importante no momento da de aula, o que poderia significar incorporar novas
ensinagem e, produzir-se-ia a oportunidade de, experiências em velhas estruturas. Esta incluiria
no ensinar, deixar transparecer, a quem apren- também a problematização de aspectos que en-
de, a peculiaridade do ser humano em “estar volveriam a organização escolar e sua cultura,
no mundo e com o mundo”, como ser histórico. por exemplo, práticas concorrentes, estruturas
Possibilitar-se-ia com isso condições, por meio hierárquicas, atuações excludentes, entre outras.

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Para Nóvoa38, na formação do professor (edu- coletivos de formação, presentes nas próprias
cador), a preocupação da técnica e do conhe- instituições em que os educadores trabalham,
cimento deveria ser superada, permitindo um que compreenderiam as possibilidades de re-
avanço para a socialização e a reflexão de sua flexão e tomada de consciência das limitações
configuração profissional. sociais, culturais, pedagógicas contextuais e da
“A formação deve estimular uma pers- própria profissão.
pectiva crítico-reflexiva, que forneça aos Diante do contexto teórico colocado, apre-
professores [educadores] os meios de um sentamos a seguir o relato e a análise de uma
pensamento autônomo e que facilite as di- intervenção psicopedagógica realizada com edu-
nâmicas de autoformação participada. Estar cadores sociais, na educação não formal. O olhar
em formação implica investimento pessoal, psicopedagógico, as intervenções e o processo
trabalho livre e criativo sobre os percursos e reflexivo contribuíram para que o grupo parti-
os projetos próprios, com vista à construção cipasse efetivamente na sugestão de propostas
de uma identidade profissional.” para o trabalho que desenvolviam, buscando
Ainda para este autor, deveriam ser criados es- autonomia na sua prática e melhorando as con-
paços permanentes dessa formação, em ambientes dições de aprendizagem dos seus educandos.
que favorecessem a troca de experiências e a parti-
lha dos saberes, em que cada um dos profissionais A PRÁTICA DA PSICOPEDAGOGIA INS-
seria chamado ao papel de “formador” e também TITUCIONAL NA EDUCAÇÃO POPULAR
ao papel de “formando”. Este seria o único caminho
para a conquista do exercício da autonomia. Momento um: apresentação das queixas
“O trabalho centrado na pessoa do pro- A proposta inicial foi de diagnóstico dos incô-
fessor [educador] e na sua experiência é modos e satisfações sentidas pelos educadores;
particularmente relevante nos períodos de para que esses não se sentissem constrangidos,
crise e mudança, pois uma das fontes mais foram expressas individualmente e anonimamen-
importantes de stress é o sentimento de que te por escrito. Esse processo foi disparado com a
não se dominam as situações e os contextos apresentação de dois grandes cartazes: um com
de intervenção profissional38.” a imagem de um saco e outro com a imagem de
Este tipo de formação valorizaria os paradig- um prato sob uma toalha. Foram dadas orien-
mas de formação que promovem a preparação tações para que escrevessem em papeletas, a
de educadores reflexivos para assumirem res- partir do trabalho diário no “Curso C” e dentro
ponsabilidades frente ao seu próprio desenvol- da Associação: a) os incômodos e colassem no
vimento profissional, diante dos desafios do ato cartaz do saco e; b) as vivências boas e colassem
de ensinar. “As situações que os professores no cartaz do prato.
[educadores] são obrigados a enfrentar (e a Posteriormente, as papeletas foram lidas e seu
resolver) apresentam características únicas, conteúdo organizado em categorias determina-
exigindo, portanto respostas únicas”38. das pelos próprios educadores.
Para a formação de educadores reflexivos, Como resultados, uma primeira categoria foi
o desafio estaria na concepção de um espaço nomeada como “Queixas externas ao trabalho”.
institucional educativo, que concebesse o traba- Foram elas: A) “O tempo parece pouco para po-
lho prático e a formação de seus profissionais, dermos ajudar os educandos, tanto na parte da
não como atividades distintas, mas como um formação humana, quanto no que se refere à parte
processo permanente, integrado ao cotidiano da educacional”; B) “O tempo que nos atropela”; C)
instituição. “Falhas educacionais aberrantes”; D) “Dificuldade
Ou seja, sua metodologia de trabalho se de entendimento dos educandos”; E) “Alternância
apoiaria na produção de espaços reflexivos de humor dos educadores e coordenação”.

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As “queixas A e B” trouxeram o conceito do processo de intervenção e das reflexões propos-


tempo que educandos e educadores teriam para tas, já que as mesmas sugeriram a revisão de
superar as “queixas C e D”. Segundo Bonals e algumas ideias, atitudes e propósitos diante de
González21, essas se apresentaram como queixas sua atuação.
ilimitadas, pois indicaram o caráter de dificuldade Na terceira categoria, segundo a reflexão e
diante de uma situação, em que não estava defi- classificação dos educadores, encontramos as
nida a forma de superação da mesma, causando, “Queixas de problemas a serem resolvidos”: A)
muitas vezes, o desânimo e a impotência. “Falta de uma definição mais clara de tarefas
A “queixa D” sugeriu uma separação nas e responsabilidades secundárias nos eventos
relações entre aprender e ensinar, fato enten- (semanas / atividades especiais)”; B) “Falta de
dido por Freire24 como impossível numa relação colaboração dos educadores (todos) na orga-
pedagógica. Assim, evidenciou-se uma queixa nização de eventos, semana da acolhida, por
de delegação21, pois houve a transferência da não exemplo. Sempre as mesmas pessoas cuidam
aprendizagem, centrando-a no outro, no caso o dos detalhes de providenciar materiais, etc.”;
educando. C) “Existe ainda uma deficiência de logística
A “queixa E” teve como característica a quanto a preparar as atividades extras com as
busca de uma reação psicológica a falta de en- ‘semanas’, as reuniões de orientação, as saídas
frentamento, a não superação dos problemas de planejadas”; D) “Organicidade dos educadores
aprendizagem dos educandos, caracterizando-se e coordenação”; E) “Eu creio que deveríamos
como uma queixa jogo21. ser mais assíduos nos horários, pois temos pouco
A segunda categoria foi nomeada como tempo para nos prepararmos melhor, devemos
“Queixas de problemas de ordem individual”: otimizar melhor o nosso tempo”; F) “Acho
A) “Falta de material de apoio para as aulas de que também, às vezes, acabamos por deixar
Biologia. Esclarecendo – o meu computador está passar algumas atitudes de alguns educandos.
na UTI. Problema pessoal!”; B) “Acho o tempo Creio que devemos ser severos com eles, não
insuficiente para se trabalhar as disciplinas / sei a se esquecendo de sua realidade, mas que essa
importância das optativas, mas acho que deverí- realidade não sirva de pretexto para deixarmos
amos ter mais aulas, pois acho a quantidade que passar essas atitudes (bagunça, falta de respei-
temos insuficiente”; C) “Conversas excessivas to, atrasos, conversas, desinteresse, etc)”; G)
na turma D, porém considero ser imaturidade “Decisões que deveriam e devem ser tomadas
específica desta turma por conta da faixa etária”; por toda a equipe reunida”; H) “Algumas coisas
D) “Uma coisa que me incomodou muito quando que foram ditas que seriam para serem feitas de
comecei a trabalhar com o ‘Curso C’ foi a minha um jeito e que depois foram feitas totalmente
inexperiência em dar aulas, porque apesar de diferente”; I) “Falta de pontualidade”; J) “Ques-
trabalhar com educação popular e formação em tões, decisões em aberto, às vezes não fica claro
Fé e Política há muito tempo me dei conta que o que foi decidido ou acabamos nem decidindo.
eram coisas diferentes”; E) “Educandos engra- Isso dificulta o andamento do trabalho”; K)
çadinhos”; F) “Quando trabalho com uma aula “Desorganização (horário)”; L) “Poucos jovens
na turma, sinto a falta do trabalho na turma”; a procura do apoio no plantão de dúvidas.
G) “Tempo para organizar a aula de laboratório Principalmente os que estão começando”; M)
/ tenho muitas atividades na memória do com- “Às vezes falta limite para as brincadeiras, isso
putador”. nos faz perder tempo e o foco do que estamos
A criação dessa categoria apontou, de ma- discutindo”.
neira geral, para a consciência dos educadores As “queixas A, B, C, D, G, H e J” evidenciaram
de que poderiam e deveriam fazer algo para a insatisfação com o trabalho coletivo, além das
mudar. Também confirmavam a importância do queixas de falta de organização da coordenação

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para que esse trabalho acontecesse. Interessante a experiência que tem o educando ao favorecer
notar que estas se apresentaram de maneira im- outros esquemas de aprendizagem. Sua frase
perativa, como queixas que demandavam uma para o desenho foi: “Aprendendo a dirigir de
expectativa de mudança de atitude de outras forma espantosa e assustada”.
pessoas para haver colaboração na realização FR ao referir-se ao seu desenho, um adulto e
das tarefas educativas. uma criança com sua bicicleta na rua, afirmou:
A presença das “queixas E, I, K” retomaram “Estar presente em todos eles” seria fundamen-
o tema da falta de organização, mas especifica- tal ao educador para acompanhar o processo de
mente ligadas à questão do tempo. A temática desenvolvimento da aprendizagem do educando.
do tempo esteve presente no grupo “Queixas Fazer-se presente seria o desafio do acompanha-
externas ao trabalho”, porém agora apareceram mento permanente, características da materna-
com uma conotação diferente já que se tornaram gem39. Sua frase para o desenho foi: “Sou eu
fatores a serem considerados no processo educa- ensinando meu filho a andar de bicicleta”.
tivo, ou seja, não mais tão externas as atividades A escrita da história do desenho realizado por
realizadas pelos educadores. LC, uma situação de conflito entre educandos
As “queixas F e M” referiam-se diretamente com a presença passiva do educador, pareceu in-
ao comportamento de determinados educandos comodá-lo no momento em que realizava o dese-
na realização das atividades. nho. Em sua história os educandos brigavam, mas
A “queixa L” revelou o descontentamento não sabiam o motivo. Quando da intervenção do
quanto a pouca frequência dos educandos no educador presente no desenho o destaque esteve
plantão de dúvidas, espaço que possibilitaria o na frase: “Paulo [educador nomeado no desenho]
atendimento individualizado e uma tentativa de não podia deixar aquilo acontecer”. Indicou-se
reverter o quadro de não aprendizagem. um conflito quanto à resolução de problemáticas
advindas das relações que os educandos criaram.
Momento dois: a concepção de ensinar e A história terminou de maneira bastante afetiva
aprender “um grande abraço”! Sua frase para o desenho
Diante das queixas apresentadas, foi iniciada foi: “A necessidade de compreensão, por parte
uma ação que objetivou conhecer e analisar o do mediador, dá importância, dá proximidade e
que cada um dos educadores manifestava como compreensão na construção de um ambiente de
responsabilidade no seu ato de ensinar e como aprendizagem”.
entendia as relações entre ensinante e apren- No desenho realizado por FB, crianças brinca-
dente e, assim tivesse a possibilidade de refletir vam o jogo de amarelinha. Não havia presença
sobre como se via neste processo. Foi utilizada de um adulto que fizesse o papel de quem ensi-
para este trabalho a técnica do “par educativo”. nava. Na escrita da história do desenho, houve
Nela cada educador desenhou uma pessoa que destaque para a ideia de que o lúdico envolveu
aprende e uma que ensina e formulou uma his- a criança e nela as situações de aprendizagem
tória envolvendo esses personagens. espontânea ficariam mais fortes que as situações
AD ao escrever sobre o desenho, uma situação formais de aprendizagem. A transmissão do
de trânsito feito na frente e no verso da folha com conhecimento aconteceu de maneira bastante
riqueza de detalhes, afirmou que: “essa pessoa espontânea entre as crianças que ensinavam, a
que está ensinando [...] não está deixando a outras crianças, as regras da brincadeira. Essa
pessoa que está aprendendo à vontade e com a característica pareceu muito peculiar, já que FB
calma necessária para aprender, não respeitando também lecionava aulas na Educação Infantil.
o seu tempo e seu raciocínio [...]”. Salientou, com Sua frase para o desenho foi: “Ensinar e aprender
isso, que o educador não deveria se eximir de em situações não escolares. É importante não
suas responsabilidades, porém deveria respeitar escolarizar todos os conhecimentos, eles são da

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vida. Aprende-se no brincar, e em cada fase com o professor de matemática, a sua frente, ensinava
coisas diferentes”. sem se dar conta de que seu aluno pouco entendia
Para EC o ambiente da aprendizagem tam- do que ele falava. Na narrativa sobre o desenho,
bém estava relacionado ao espaço não formal. PL destacou que o aprendido pelo aluno foram
Ele trouxe em sua narrativa a presença de um apenas as palavras: “Blá, Blá, Blá”, dando a
ambiente cercado por árvores, em que um edu- conotação de que o conteúdo apresentado pelo
cador, no desenho representado por um homem professor não possuía nenhum sentido. Sua frase
cercado por crianças, que aprendeu com “os para o desenho foi: “O professor de matemática
mais velhos” transmitia para crianças, de forma está ensinando e o aluno não está aprendendo.
oral, seus saberes e vivências. Sua frase para o Enquanto o professor fala, pensa no que ouve, isto
desenho foi: “Conhecer para preservar”. é, não entende o raciocínio do professor, mas não
Numa mesma tendência, ou seja, uma história tem coragem de falar que não está entendendo”.
de aprendizagem e ensino que acontecia em um Outra situação de trânsito foi criada para re-
ambiente extraclasse, BR representou em seu presentar a situação de ensino e aprendizagem.
desenho uma criança e um adulto contemplando Desta vez, SL apresentou em seu desenho, com
e conversando embaixo de uma árvore. Em sua riqueza de detalhes, personagens que foram
apresentação, foi pertinente a afirmativa sobre descritos em sua narrativa como cumpridores de
as dificuldades que os educadores encontravam regras específicas para o “trânsito”. Demonstrou
em ensinar em um ambiente que não fosse a sala preocupação com o papel que cada indivíduo
de aula. Sua frase para o desenho foi: “Aprender deveria ocupar para que o processo de ensino
com a realidade do cotidiano, de maneira infor- e aprendizagem pudesse acontecer. Sua frase
mal, apreciando o conhecimento”. para o desenho foi: “Aprender também é saber
Ao narrar a história de seu desenho, uma respeitar”.
área urbana com muitos carros e uma escola, EZ Dos dez desenhos e das discussões destaca-
tomou o lugar de seus educandos para relacionar mos que:
o aprender e o ensinar. Detalhadamente apontou • Quatro educadores indicaram para o uso da
a observação dos educandos sobre a realidade realidade como ponto de partida e suporte
como ponto de partida para que a aprendizagem para o trabalho de ensinar, como facilitador
acontecesse em sala de aula. Sua frase para o da aprendizagem (AD, LC, PL e EZ). Tem-se,
desenho foi: “Observando e decifrando a pai- assim, a possibilidade de no ensinar deixar
sagem”. transparecer, a quem aprende, a peculiarida-
O desenho de NZ foi um resgate em sua me- de do ser humano em estar no mundo e com o
mória do que viveu no período escolar com sua mundo, como ser histórico, intervindo no mun-
educadora de Língua Portuguesa. NZ definiu do. Assim, deve-se considerar a experiência
que ensinar seria viver aquilo que se sabe com do aprendente no momento da ensinagem;
“magia, amor, empatia [...]” e aprender seria • Sete educadores apontaram para a neces-
“descobrir que o conhecimento pode ser mágico sidade de construção da proximidade entre
- lugar da criatividade, da experiência do novo educador e educando (PL, LC, AD, FR, EZ, EC
– amor, empatia [...]”. NZ afirmou que repetiu a e NZ) e, com isso, nos remeteram aos “saberes
palavra empatia, para aprender e ensinar, por se necessários à prática educativa” (Freire24), em
tratar de um processo de uma “via de mão dupla”. que ensinar exige do educador o respeito ao
Sua frase para o desenho foi: “Para aprender e que o educando sabe e, além disso, autonomia
ensinar é preciso amor ao conhecimento, empa- do ser educando;
tia, acolhida, partilha [...]”. • Para FR, aprender e ensinar significou tam-
As memórias negativas do ambiente escolar bém o acompanhamento permanente do
formal foram lembradas por PL. Em seu desenho, educando pelo educador;

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• FB assinalou a importância da aprendizagem Outra questão presente nas discussões da psi-


não escolarizada, ou seja, essa também se dá copedagogia, e que se evidenciou nos desenhos
na vida e no prazer de viver; e na fala dos educadores foi que no processo
• Três desenhos relacionaram-se a paisagens: educativo, aspectos biológicos, afetivos e intelec-
dois deles à paisagem natural (BR e EC) e tuais sofreriam influências e seriam influenciados
outro à paisagem urbana (EZ). Mais uma vez, pelas condições socioculturais do indivíduo e do
a formação dos educadores se fez presente: seu meio27.
os dois educadores que representaram a
paisagem natural eram formados na área de Momento três: Os educadores modelos
Biologia e responsáveis por alguns projetos Em um processo reflexivo, fez-se importante
ambientais da Associação. O desenho da o resgate das matrizes pedagógicas, os modelos
paisagem urbana foi feito pelo educador da para a ação do ensinar. Freire40 defendeu esta tese
área de Geografia; destacando que o processo de resgate contribuiria
• Dois desenhos apresentaram a temática do para a percepção da distância entre aquele que
trânsito e suas regras. Os educadores que os constrói e aquele que reproduz o processo de
realizaram (AD e SL) ministravam disciplinas aprendizagem. Para ele, tal processo “possibilita
das Ciências da Natureza e Matemática, o que que [se] compreenda a diferença entre construir
evidenciou a preocupação que tinham com as conhecimento e reproduzir conhecimento, repetir
ordens e regras, exigências dessas disciplinas história e construir história”.
para se alcançar um resultado exato; Os dez sujeitos da pesquisa relataram quem/
• Três desenhos representaram a situação es- qual eram seus modelos a partir da frase: “Apren-
colar com a presença física do responsável demos sempre a partir de um modelo, nunca do
pelo ensinar – o professor (PL, LC e NZ). Inte- nada. Não existe ação educativa que prescinda
ressante notar que nos desenhos o professor de modelos”41.
presente faz toda diferença para o processo Como resposta um deles trouxe como modelo
de quem aprende. Em um dos desenhos, o para sua atuação a experiência direta com seus
professor estava distante e não percebeu as educandos. A proposta apresentada era clara para
dificuldades do aluno, já nos outros dois, a que buscassem em sua memória exemplos de edu-
interferência e a proximidade do professor cadores que ajudaram a construir os profissionais
facilitaram a aprendizagem do aluno; que eram hoje. Não houve tempo para discutir
• Dois desenhos tratavam do lúdico (FB e FR). a presença dos educandos neste resgate, porém
O lúdico se apresentou na convivência diária não houve falta de participação do mesmo, já que
ao favorecer a construção de uma relação de outros “modelos” foram trazidos em seu registro.
proximidade entre as pessoas, assim como De maneira geral, os educadores citaram que
facilitador na aproximação dos conteúdos à o grupo do qual fazem parte, ou seja, o grupo
vida dos educandos, o que tornaria o aprender aqui estudado, colaborou como modelo para a sua
prazeroso e favoreceria a melhoria da apren- atuação individual. Para alguns, essa presença
dizagem24,34,35. do modelo do comportamento do grupo foi tão
Esta atividade, além de ser um momento importante que o exemplo de ser educador nesse
de bastante descontração no grupo, deixou foi levado para outros ambientes de atuação na
claro que seus componentes valorizavam as educação formal.
atividades educativas não formais, já que em O nome de um educador, do próprio grupo,
várias situações quem ensina e quem aprende foi citado como modelo. Tal situação decorreu
não estavam identificados especificamente com da característica comum de que um grupo de
esta função e não estavam no ambiente formal educadores passou pela Associação como edu-
de educação. cando e hoje trabalha nela, tendo no grupo de

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Psicopedagogia institucional e educação popular

trabalho esse antigo educador. A maneira pecu- colocada anteriormente, ou relacioná-la com
liar de como tratava cada um deles favoreceu o outras. O grupo aceitou e reagiu com muita
resgate, pois tinha uma postura de cumplicidade expectativa.
ao mesmo tempo em que dominava o conteúdo. Ao final da construção, foi pedido que cada
Apresentaram-se modelos familiares que educador registrasse, por escrito, o que era pos-
ajudaram a construir a maneira de atuar. O ca- sível ler no que haviam acabado de construir.
ráter, os valores e atitudes de respeito diante do Quando encerraram esta etapa, houve a partilha
educando e das diferenças que cada um apre- e alguns deles relataram ver uma grande confu-
sentava eram, segundo os relatos, contribuições são e que não podiam explicar tudo o que estava
de aprendizagens que construíram dentro das colocado no mapa conceitual.
relações familiares. No encontro seguinte, cada educador recebeu
Outros modelos para a prática pedagógica uma cópia do mapa conceitual construído coleti-
foram lembrados pelo domínio de certo conteúdo vamente. A intenção foi promover uma discussão
e a aproximação do mesmo com a realidade, mo- entre duplas que objetivava o repensar do mapa
delos esses baseados em profissionais de diversas com a produção de uma nova organização para
áreas do mercado de trabalho. clarear a atuação do grupo.
Um último dado relevante foi que apenas Para finalizar esse trabalho, a partir da reor-
dois educadores não relataram como modelo ganização do mapa, foi criada uma proposta de
educadores/professores antigos, das disciplinas atividades que tinha como base as atividades já
que ministravam no curso. desenvolvidas no “Curso C”, ou seja, simulados,
encontros dos educadores, a metodologia utili-
Momento quatro: As propostas de mudanças zada em sala de aula, a organização das turmas,
Apoiados pelas provocações metodológicas o cronograma de horários e o material para os
e didáticas de alguns textos, principalmente educandos.
Fazenda42 e M. Freire43, os educadores foram A reflexão nas duplas foi um momento de
convidados a confrontar a prática efetivada junto muito trabalho criativo, em que os educadores
aos educandos na expectativa de evidenciarem trocaram e leram a forma como enxergavam cada
aspectos que necessitavam de revisão e refletir ponto colocado na primeira proposta do mapa
sobre as possibilidades do desenvolvimento de conceitual.
novas experiências pedagógicas. O momento seguinte serviu para a partilha
Depois de um longo caminho de reflexão das duplas.
possibilitado pela leitura e discussão dos textos, A primeira dupla, AD e SL, relatou que a partir
uma dinâmica foi proposta para a construção de do momento que se dedicaram ao mapa algumas
um mapa conceitual. Foi escolhido entre o grupo coisas pouco compreendidas inicialmente fizeram
um dos educadores para ser o escriba de tudo o sentido. Propuseram atividades para além do
que acontecesse na reunião e um segundo para curso do qual estavam envolvidos: organização
registrar o mapa conceitual, que foi construído de um cronograma específico por eixo temático
na lousa, no papel. de aulas “diferentes”; realização de simulados
A dinâmica tinha como objetivo, a partir mensais nos finais de semana e; a realização de
da ideia central “Curso C”, que os educado- atividades culturais e esportivas complementares.
res individual e coletivamente, e em silêncio, A segunda dupla, EC e FR, apresentou uma
construíssem relações, em um organograma, releitura que evidenciou a saída do caos em que se
entre questões da sua prática diária no curso. encontravam frente a tantas questões emergentes.
Ou seja, de forma organizada, cada educador Quanto às sugestões concluíram: algumas sema-
poderia levantar-se, ir à lousa, e contribuir no nas temáticas da instituição (atividades semestrais
mapa, também era permitido apagar uma ideia em que alguns temas relacionados a questões

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ambientais e de cidadania eram estudados du- As discussões trouxeram novos ares para as
rante uma semana por todos os educandos que relações entre os educadores e, para finalizar,
participavam da Associação) deviam ser agrega- todas as sugestões foram encaminhadas à co-
das e repensadas em seu tempo de duração; que ordenação geral do projeto como demonstração
era necessário intensificar os temas dos eixos com da necessidade de reformulação de aspectos
atividades conjuntas; que o momento coletivo e importantes na produção do trabalho pedagógico
mensal de assistir um filme, para reflexão de um com os educandos.
tema proposto pela Associação, contasse com
participação dos educandos em sua preparação; CONSIDERAÇÕES FINAIS
que acontecessem simulados nos finais de semana; “Talvez que um professor seja um fun-
que houvesse estímulo aos educandos e aos outros cionário das instituições que gerenciam la-
educadores da instituição na participação em lutas goas e charcos, especialista em reprodução,
sociais e políticas; além da garantia de um dia de peça num aparelho ideológico de Estado.
encontro por eixo no cronograma de atividades Um educador, ao contrário, é um fundador
semanais dos educandos. de mundos, mediador de esperanças, pastor
A terceira dupla, FB e BR, organizou o mapa de projetos. Não sei como preparar o educa-
conceitual por cores, em torno de quatro eixos de dor. Talvez que isto não seja nem necessário
atuação: o contexto individual, o contexto coletivo, e nem possível... É necessário acordá-lo. E
o que ofereciam no curso e as dúvidas que sur- aí aprenderemos que educadores não se
giram no processo. Sugeriram muitas propostas: extinguiram como tropeiros e caixeiros. Por-
encontros de formação do grupo de educadores que, talvez nem tropeiros e nem caixeiros
com mais afinidade temática; otimização do tempo tenham desaparecido, mas permaneçam
de planejamento coletivo; exploração dos diversos como memórias de um passado que está
espaços da instituição; preparação dos conteúdos mais próximo do nosso futuro que o ontem.
com oportunidades para que os educandos se ex- Basta que o chamemos do seu sono, por um
pressassem por meio de registros; aulas temáticas; ato de amor e coragem, E talvez, acordado,
o uso de material de apoio, pronto ou elaborado ele repetirá o milagre da instauração de
pelos educadores; estudo de meio com diversidade novos mundos44”.
de temas; simpósios preparados pelos educandos; Durante a intervenção, ficou clara a necessi-
organização da semana da primavera e da cidada- dade da construção de um olhar psicopedagógico
nia; participação dos educandos na preparação da específico voltado ao grupo de educadores sociais.
atividade intitulada cine fórum; e integração dos ei- Os mesmos possuíam inúmeras práticas, porém
xos, projeto de vida e atividades complementares. lhes faltavam os momentos de análises das mes-
A última dupla, EZ e LC, ao apresentar seu mas para perceber a qualidade de sua atuação e
mapa conceitual, provocou um grande debate, o envolvimento com a aprendizagem dos educan-
caracterizado pela confusão que, segundo os dos que chegavam à educação não formal, sem
outros participantes, ainda apresentavam em sua algumas aprendizagens entendidas como básicas
leitura. A dupla conseguiu explicar que o proces- no momento formal da educação escolar.
so que fizeram era de separar o antes e depois da A psicopedagogia institucional pôde colaborar
passagem dos educandos no curso. Sugeriram: com este grupo em sua perspectiva preventi-
adequação do espaço, com diferenciação da va16, pois favoreceu o resgate das concepções e
organização tradicional de escola; exposições estratégias metodológicas utilizadas com vistas
artísticas que atingissem e influenciassem o à diminuição da frequência dos problemas de
espaço da sala de aula; semanas temáticas por aprendizagem apresentadas pelos educandos.
eixos; mais estudos do meio e; reorganização do No processo, os educadores entenderam que o
cronograma de aulas. ambiente em que acontecia o processo de apren-

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der e ensinar poderia se organizar para favorecer estruturar hipóteses, registrar o processo para
que os diversos conhecimentos trabalhados fos- revê-lo, aprofundar e ampliar suas ideias e; c)
sem usados por seus educandos, diante das várias uma prática teórica: significação da realidade
temáticas abordadas, de forma interdisciplinar24. por meio de estudos para recriar a prática16,24,28.
Seus modelos de educadores contribuíram Neste processo de intervenção psicopedagó-
para justificar esta ideia, pois tais modelos iam gica, o desenvolvimento do trabalho foi mediado
desde pessoas que não atuavam em instituições pelas práticas estéticas, reflexivas e teóricas,
educacionais, passando por seus familiares, até os o que possibilitou a produção de propostas do
educadores identificados como seus companheiros grupo de educadores, para a Associação.
de trabalho ou os professores do passado que domi- Nesse contexto de educação popular, em
navam os conteúdos e os aproximava da realidade. que se considerou a realidade sociocultural do
Na observação desse grupo, foi possível en- educando, possibilitou-se o avanço da inter-
tender um conceito defendido por M. Freire43 de venção de maneira crítica sobre a atuação dos
que todo educador é um “alfabetizador”, não só educadores. Com isso finalizaram com propostas
entendido como aquele que nos primeiros anos de que, fundamentadas na melhoria do trabalho
vida escolar ensina a linguagem escrita à criança, educativo, pretenderam resgatar a história dos
mas como um profissional preocupado com outras educandos da periferia e construir, com eles,
linguagens e, em qualquer faixa etária da vida. discussões sobre a cidadania para uma socie-
Para tanto, sugere-se que a prática de inter- dade mais justa e humana, como pretende essa
venção crie espaços sistematizados de acompa- concepção de educação.
nhamento desses educadores, em uma constante Por fim, cabe ressaltar a importância do distan-
entre: a) uma prática estética: apropriação do seu ciamento do profissional psicopedagogo do proces-
pensamento por meio de referências culturais e so vivenciado. Desafio importante para que o en-
pessoais; b) uma prática reflexiva sobre a ação volvimento necessário possibilitasse intervenções
pedagógica: momento para pensar com o outro, profundas com o devido “cuidado do cuidador”33,45.

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SUMMARY
The institutional psychopedagogic intervention in the reflexive forma-
tion of social educators

Objective: Our goal is to present the results of an intervention process


that aimed to promote the construction of autonomy, by means of reflexive
practice, the social educator. Methods: For the theoretical development
was carried out dialogue between the authors of the pedagogy of reflexive
practice and popular education. The participants of this case study were
11 educators of the Association of Education and Social Welfare on the
outskirts of São Paulo. The process lasted one year, a total of 18 meetings
distributed among the following activities: 1) participant observation
in meetings with the coordination of the project and with the group of
educators, 2) the construction of a panel of complaints to understand what
problems they experienced educators, 3) before complaints were made
drawings from the projective technique “par educativo” in revealing
their conceptions of teaching and learning, to understand what each
one had to act responsibly in their teaching, 4) activities were aimed at
understanding the action models for teaching used by teachers; 5) from
theoretical readings were discussed issues relevant to the issues identified
in the moments before and, finally, 6) was a dynamic proposal to build a
conceptual map for reflection on the experienced and the daily practice of
educators. Results: The teachers have produced a new work proposal on
the basis of disciplinary proceedings, it had as the cultural reality and the
production of a work aimed at rescuing the history of students, residents of
the periphery, course participants, and build with them idea of citizenship
for a more just and humane.

KEY WORDS: Education. Psychology, social. Learning.

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Trabalho realizado no Centro Pastoral Santa Fé, Artigo recebido: 19/11/2009


São Paulo, SP. Aprovado: 22/2/2010

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