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SCANNAPRINT

O Livro de Ferro

1-Não palavra

Uma estranha letargia


Enrijece o nada
O espectro anímico
da não palavra.

A anti-matéria da lavra
Esculpindo sentidos
Caça incessante no nada.
Escavacao na lava seca.

Efígies ainda em processo


Como ali contivesse versos.
Palavras fossilizadas no tempo:-
Desafio ossificá-las.

Remover a poeira e o carvão


no diamante da escrita,
Na criação da palavra brita
Da não palavra que grita.

Inscrita já em minhas mãos


Derramo todo o sangue de letras
E a não palavra brota
no assoalho do chão.

2-A palavra não

De todas as belas palavras


Adoro a palavra não
Só não quero a não-palavra
escavando-se nos vãos

A palavra “não”, tem fim.


A palavra sim, “tem não”!
Só não quero a não- palavra
Escavando-se nos vãos

Se você me quer é sim


E se não me quer é não
Só não quero a não-palavra
escavando-se nos vãos.

3-Scannaprint

Agraciada arte que aceita com mãos renovadas,


imagens, acenos, estrondos e palavras de minha
percepção quase sempre indignada.
De quantos afazeres há no mundo,
o mais belo e o mais ilustre é estar perto de ti.

Devastadoras lutas, ao deitar-me contigo, travo.


Nessa perspectiva bruta,
falo de minha arte bélica, poética, retórica, ordenada.
Meu estranho foco sobre a ordem.
Regras. Meu aroma de significados.

Com meu lito oco de pouco eco na página,


Antes quero, mais que ler, encaixar palavras no vazio.
canthus- cavos na’lma, me que me elucidam a lito gênese
da morte e sua importância em meus atos.
Meus quadros, feito sonhos derramados pelas luas,
quero beijá-los, mais que entregá-los aos cotidianos mortos,
porque o tempo é o instante.

Lanço-me em tiras de aventuras,


Com roupas inventadas em livros de banheiros,
leio palavras em balões.
Então eu sou o Batman, um Homem triste;
no desejo claro da noite, assistindo
a anti-aula de escuridão chechena,
na escola de Beslan
no cinema em Denver.
Carandiru, Cinelândia.

Vou para a sala


Ouvindo Leila e
olhando sem parar para
“O beijo” de Wesley Duke Lee.
Acomete sobre meus olhos
o metediço assimétrico da arte
que nunca deixa minhas mãos paradas
onde meto-me escavo-me
o calhariz se afunda e rompe

II

Arte
Minhas identidades secretas, rupestres, quiméricas;
indiretas, auxiliares do espanto, na proporção necessária,
que atingem meu córtex cerebral e nesga meus frios suores.
De quem é este calor em minhas mãos, que não teu, minha mãe (Ars)?

Então vão os meus pensamentos em direção à rua.


Os novos povos nem se olham de uma longa.
Barcos na praia. Óleos boiando na superfície
Barcos na praia.
Movimento silencioso de ondas
A golpear-nos com seu mantra.
Numa longa procura;
o que não muda
és só tu minha mãe (Ars)

Minha mãe eterna,


Eu me desconheço.
Preciso de ti para que minha face se desnude.

Há homens empedernidos que se locupletam


e acabam tendo melhor reputação que eu.
Penso em ter esta dureza de diamante que corta o vidro
, mas só o seu brilho me atinge em flagras.
Minha esperança não vem se não de tua mão amiga
Ars, poeisis.

III

Apenas muito raramente a fantasia invade minha consciência, mas invade.


Por alguma causa: inconsequência, incongruência, náusea...
No mais, pisa sempre em mim a dor; elíptica, fálica,
como os gigantes monumentos pré-romanos.

Estou sempre com um pincel na mão querendo alcançar o cume das igrejas
Querendo medir o chão de rocas para saber o tamanho do céu
Querendo preencher os sulcos algarvios e barrocos
Eu sou uma espécie de “normal” do sexo comunista.
Estas posições extremas, emblemáticas, autênticas,
incômodas, bem substanciadas na oposição à que...(...)
Consideravelmente sempre contrárias ao pensamento raso se deve ao fato de...(...)
Que tudo que se move em mim, especialmente nos dias de cansaço;
é porque tenho em ti mãe, meu verdadeiro abrigo.

Aqui reúno então poemas num painel Scannaprint último tipo,


um fluxo constante, um devir.
O meu começo e o meu fim
Eu apresento-lhe um lado laço-dialético
e uma quantidade pequena de idéias para que comecemos juntas a
Trabalhar no meu novo espelho
O meu semblante aurático.
Com provas, com demonstrações.
Vamos roer juntas a gravura dos nossos antepassados.

A partir de agora eu me separo pra sempre da natureza


Eu quero um sentido novo para minha vida
Uma técnica que represente tudo que eu tenho guardado
Meus pensamentos, minha liberdade e tu minha mãe (Ars)
Estarão aos teus serviços.

Volto a mim pelo teu umbigo


E agora eu sou parte de ti
Porque liberto
o meu sentimento sublime de existir.
Amo-te, minha mãe.
Amo-te, sobretudo.

Mariuá e Anavilhanas

Mariuá e Anavilhanas
Tuas filhas capistranas
São tórias de tua nudez
de água e de maravilhas!
O maior arquipélago entre o sol e
O horizonte, fonte do que hoje
somos, barro do feito ontem.
Enquanto eu estiver cantando
Eu hei de saudar tuas ilhas:
De caboclos e ribeirinhos
E pedir a São Gabriel que ele
Guarde teus caminhos.
Clarindo de Tariana
e Zé Augusto Arapasso!
A história nunca se perde
Porque segue seu compasso.

Pois ao saudar-te Mariuá


Faço-me ainda um bem maior
Que as já ditas em si mesmas
Águas dos teus tromombós,
Onde brilham à tardinha sobre
a canoa os oitibós .

Eu que pensava
Que meu coração
era o maior do mundo
É em teus campos benditos
que encontro maior afeição.
Do teu flagelo à tua glória
Por Nossa Senhora da Conceição
Guardo em ti a esperança de ainda
Sermos uma nação.
Pois ao mosaico do sonho
Para Barcelos, de Santa Isabel
Vim rimando por teus rios
Que iluminam mais o meu céu.

De Cuieras
Rios, Preto, Padauiri, Jurubaxi,
Araçá, Demeni e Cuiuni,
que vim eu a atravessar,
Sangradouros do Rio Negro,
Cá estou a ressalvar
A história da Amazônia
Proteção e Baloart
Fortaleza inabalável de Chico Mendes
O audaz,
que como todo seu povo
Foi valente pra lutar .

Com o mesmo amor que me tens


Em tua grandeza moral
Tuas setecentas ilhas e bens
Que erguem teu canto abissal
De todos os mestres cabanos
Alimentando famílias
Entre rios e igarapés
Eu também sou tua filha!

De tua guerra constante


À tua grande conquista
És filha da hecatombe
do tronco de Aruak.
É cronista que reporta
Porque as águas não podem falar:
Do cio da terra virgem
Da voz alta da natureza!
O Gênio das tuas correntes
Leva e traz tua grandeza!

Agradeço Canafé que recebeu


De braços abertos, Ricardo Neves
Roncy Pereira que viajou setenta dias
Para aportar em tua clareira.
O Filho de Elias e Odete,
irmão de Marcelo e Rodrigo
O destemido antropólogo
A quem nesses versos sigo
Para contar essa história
Ele foi ao tempo perdido.
E desvendou para nós
O que lá estava escondido.

Obrigada Andréa Prado


Por receber em Manaus
O moço que veio de longe tirar
A história do Caos.
Nas cercanias e matilhas
Dos teus grandes seringais
Onde lavrou tua língua
“Nhengatu” “Tupi” dos cascais,
Língua de uva minhota
Da fumaça dos cabarés,
Que ascendeu da borracha
Tão incautas chaminés,
Onde gerastes nações
E proclamaste teu cio
És hoje a paz que eu tenho
encontrar-te, meu Brasil.
Assim como fruta negra
Despencando-te da noite
Para dar de amor ao boto
Que lendário viveu de açoite.

Anavilhanas, Baguaris
Plumagem de penas cinzentas
Quantas árvores caíram
em tuas margens barrentas
Quantas cinzas de teu povo
Hoje é vivo nas placentas
Quanto sangue virou ouro
Quantos rios à magenta
Na cor das nossas bandeiras
Na dor que de amor aumenta
A inflamar em meus pulmões
O incêndio sobre tuas terras
O olhar injusto e canhestro
Que teu próprio filho encerra
Minha alma se desnuda
Minha natureza fenece
Bem juntinho ao pé de planta
Que a ciência tanto enobrece
Morri junto com teu povo
de tantos de Manaus e Barés
que marcou a violência
dos portugueses nas galés.
Mas tu sempre altiva em brado
Defendeu teu Ayrão do abandono
Sem cacique, sem Pagé
Que a ti outorgasse um trono
Veio morta, mas andando
Pelas águas e iguapés.
Posso tudo, mas não somo
A maravilha que és!

Mestiçagem hegemônica
Ideológica nação
Canto puro entre os dentes
Caboclinho, meu varão!
Amo-te tanto minha Pátria
Que um dia, eu não sei não
Se vou logo pras cochadas
Da boca de um ribeirão
E de lá pinto meu rosto de urucum
e açafrão e pra cantar o meu mundo
Entôo em tupi meu refrão!

Cosmográfica leitura
de constelações nativas.
Em tu desmancho meu rosto
Porque és única diva
Contigo minha alma cresce
e meu amor não se esquiva
Da minha boca sai terra
quando o punhal a pala e criva
e quando o sangue me enterra
é porque ainda estou viva.

Tamanha patranha
Esconde-se na polaina sem escudo
Porque o povo é sua língua
E povo sem língua é mudo!
Da jusante de São Gabriel
Canto a tribo de Samoa
De onde ela embarcaria
Numa terra muito boa!

Mas ao invés de amigos


Das tribos da Oceania
O mar trouxe caravelas
Que aos teus trucidaria
Sem saber que um gigante
Tenebroso ali dormia
E onde hoje é meu peito
Nascem versos todo dia
Na nascente do teu leito
De onde minha alma cria.

Mariuá e Anavilhanas
Um dia eu vou pra aí
E o canto da pavana
Eu vou ensinar a ti
Sem retirar-te pedaços
Ao seu lado eu vou dormir.
Porque não há mais
Fronteira entre o que sou
E o que és.
Deste-me a vida inteira
Meu quadrão de oito pés,
Sertanejo da ribeira
Caipira, Tapuio, Aimoré.
Adeus só se dá a terra
Quando esta não que te quer;
Como sei que tu me encerras
Vou a ti, de onde vier.

4-Saliência

Acordo com as costas molhadas


A alma debaixo da chuva
Apanho frio nos vértices da noite
Acolho a palavra do rastro
Ortografia nas hortênsias
Recolho as palavras úmidas e amanheço

Com o músculo que salta das omoplatas.


A asa se move.
A Saliência.
Recolho as raspas de ar
E me encaixo num verso.

5-Coisa

Cada palavra é um mar de coisas


E eu não sou poeta de palavras
Eu sou poeta de coisas
Poeta do ente
Do onto
Coprófago de coisa

Coisa “n’ondim” (na ondinha)


Coisa nenhuma escondida
“Ventim” pequeno “mei” do mato
Sou comedor de vento
Dançador de olho

Às vezes, é claro, uso a palavra.


Mas, com muito cuidado.
Palavra pra mim é coisa santa.

Gosto de coisa “pequeninha”.


Trem
Lual
Rir
Pio
Rio
Mar
Ser
Tio
Cais
Lar

E

Tudo, assim, “pequeninho”, eu gosto.
Tantas palavras trago nos bolsos
Às vezes as mãos acariciam coisas
Palavras nos bolsos das calças
E o rosto fica tomando
Sereno e vento.
Ah pensamento!

Também sou procurador


Enfiar-me num buraco
atrás da coisa nenhuma
É comigo mesmo!
Sou louca por coisas
E às vezes simplesmente
não tem.

Muitas das vezes,


só cabendo a cabeça,
num “buraquinho” assim
“pequeninho”, eu entro.
Coisa de eu mesma não entender.

De enfiar os olhos e não ver nada,


coisa nenhuma mesmo.
Nem “Sombração” perdida
Nem alma
Só a palavra nos bolsos
O assovio do vento
E as coisas que era bom, nada!
Só o sereno no rosto
E o vento

Não saber de nada


É coisa minha mesmo
Às vezes eu chego à casa
Com uma “coisama”!
Só o pó pra coar
A água pra ferver
Mais nadica de nada.

O mundo não tem mistério,


a coisa “tá” lá na sua frente
é só dá um passo e
os outros passos vem todinhos.
Coisa que não dá em nada não adianta.
É onde a gente fica procurando coisa
que já esta perdida pra frente.
Não tem muita coisa, e
Tudo que tem taí.

II

Como poderei tocar


As coisas sem romper
o véu das palavras?

Como entrar nos abandonos


Sem queimar o coração?

Palavras voltam sozinhas


de lugares esquecidos
Como o tempo, a esconder
os sentimentos...
nos revela devagarinho
só secretamente palavras.

Com o tempo os sentimentos


nos revela só eternamente palavras

III

Ir a nada
é tudo rompendo
Ir a tudo é azul
de outra cor
é palavra de água
Vai a tanto que borbulha!
Chega a esquecer-se em (ar)
Ir só sem olhar
pra trás é mudo
O tudo fala
o de sempre e muda.
O nada mais já havia
Mas foi retirado.

IV

No primeiro sol que ardia


Onde o sangue da lava
se moldava
Com mãos de ferro
o Homem
Todavia, a palavra.
Os mandamentos
As legislações
As psicografias
As visões.
A vida que foi
Pairando, nascendo
com ferro e com pedra
foi a escritura originária.
O que hoje em minha testa bule
É o magma que fica a ver...
São essas letrinhas esculpidas
Para os que hão de lembrar
Para os que hão de esquecer.

Porque eu gosto de aço

Eu gosto de aço...materiais de aço,


Esse produto feito sem lágrima
com gosto de
barulho
O cheiro do eixo na roda
O som do aço

A parte que toca o


Meu violão.
homem constrói
de aço tanta ternura.
Gosto de aço
Porque minha alma é cinza
da primeira estrela que nasceu
no tapete negro da noite
Havia homens na construção
e o som de balburdia
me encantava
Eram os homens na construção
Que batiam firme o martelo
Tinia tudo em profusão.
Eu gosto de aço
Porque eu te amo
Com palavras duras
e não estou morto
das coisas que sonham.
Porque eu não me arrependo
das minhas escolhas
e porque eu respondo
sempre eternidades em mim
Eu gosto de aço,
não de desculpas.
Ao que me perguntam
respondo sempre.

A eternidade é em mim

Eu sou suja de aço


Consertei meu ventilador
noutro dia
e fiquei bem feliz
Minhas unhas
tem purpurina verde
cor de ferro que brilha

O avião de aço
leva meu corpo,
agora sem natureza.
O céu descansa as vistas
do homem que cochila
ao meu lado
ele nem sabe o quanto
eu estou querendo
a fechadura de aço
em sua mala.

Receita de mar

Um pouco de eternidade no horizonte


Cor de céu meio molhado
A textura de um beijo
Sal a gosto.
Quando nada se tem
Algo se pode criar.

o canto dos afogados

Andei pro lado do mar


Fiz meus Rastros na areia
Os afogados ficam cantando lá.
Ninguém ouve.
É daí que eu acho
que eles vão embora.

Esboço

Arcabouço (meus pobres ossos)


Sou moça ainda
Apenas lineamentos
de minha alma.
Não a múmia pronta,
Sou moça ainda.
Arcabouço. (meus pobres ossos)
Aguenta o vento
Eu que estou em pé,
Seu ventre e sua alma
Sua estrutura invendável
Compondo um firmamento
No esqueleto
Aguenta a sorte.

Soneto da Palmeira

Cativante sombra tortura


Debaixo dessa palmeira
O olhar do monge procura
De onde nasce tanta beira

Embustes pretos não vesti


Dando meus sinais de afeto
O monge me vê dali
E ama a folha em meu teto

Amigo dessa palmeira


Vim refrescar os meus ares
Pois ao céu não nega beira

Pidão, seu olhar ao longe!


Sonha palmeiras em pares!
Mas esta é minha, seu monge!
Soneto para Aninha

Saudade da lua que te reflete na folhagem


Ao eu chamo de alheamento habitado
Onde a luz emprega dor à tua paisagem
E ternuras escorrendo por teus telhados

Pra ti que inspira os versos que cometo.


Que guarda o coração para os grandes fins
Entrego-me inteira nesse soneto
Com o perfume que reboa dos jardins
E mergulho em meu oco descoberto.
Por saber que tenho a tua companhia
Nalgum dia o mar de amar será incerto

O meu barco há de crispar na ventania


E ainda que tão dura em mar aberto
Sem minha saudade eu resistiria ?

Manonlim , manolim, manolim


Como poderia viver assim?

Rua lua

Com a imagem ingênua


Vestida de pedra, dorme a rua.
Mas nada dorme tão dentro dela
do que ela nua
Sem um passante
Sem ninguém
Passa o último Pierrô embriagado
E sua pedra ainda canta, obrigada.
A Lua amada que não ignora cada canção
de sua solidão é solidária ária de Gounod.

Derrama sobre ela sua luz superior


E os seus mendigos, em amizade.
Encantados servem-se da rua,
Na noite enluarada.

Tão acanhada a rua,


Tão indigna, tão em festa,
Tão lavada de chuva e xixi
Tão a mercê dos carinhos vagabundos
Esta rua que memoro,
é senão meu peito, meu mundo.

Umedece ao calor
das mulheres nos becos
Transcende aos nomes,
E guarda todos os segredos
de minerva do Império.

Todo o sangue da república,

Quando o sol deita seus dentes


de raios afiados e morde seu dorso
A rua mergulha em nossa alma
Como se dali tivesse se levantado
o grande deus adormecido
é a história que se levanta

Minha rua
sei teu nome.
É a Rua São Luiz!
Onde me tornei eterna
Onde fiz muito que quis.
Realçado teu silêncio
Dorme em paz, oh minha rua.
Ao som dos trilhos do trem
E ao som de quem te quer bem.

14-Estrela de rua

Eu queria ser uma estrela de cinema


Mas na verdade eu tinha medo
Medo de o sol ser diferente
Medo de que a vida não mentisse mais pra mim
Então vim andando dentro de mim
Pelo caminho das corujas
Há que se ter caminhos para andar dentro de si
E eu escolhi a noite
E toda vez eu gostava
De ali estar nas mesmas ruas, escuras, silenciosas...
De casas que dormiam cedo
De meninos assustados,
De pião esquecido na calçada
Que o pequeno poste iluminava
Ruas feitas de caminho, de mistérios e histórias;
Segredos não revelados, livros velhos de memórias...

Num dia
Entrei numa rua estranha
De pedra, só,
Pedregulhos pra ser exata
Pedregulho, terra e pó.
Ali a lua brilhava deixando tudo verdinho,
O céu era uma cascata de brilhos no meu caminho
Agradeci nesta noite
À Deus
Criador do Universo
Pelo presente da rua
Com quem eu tanto converso
E a mais naquele dia
Eu me senti contemplada, como se eu fosse da rua.
Uma garota levada.

Arruaesceu e doeu.
A minha estrela perdida
O meu sonho machucado
A dor de um bocado de vida
Doeu-me pelas janelas
De jardineiras rosadas e pelas ruas acesas
O filmar da pomarada

Flamingos acordando cedo


Do outro lado do mapa
Nem conhecem as corujas
Espécies de guardas da rua
Oh, vida ingrata!

Tão grande é minha caminhada de luas amenas


E você, Vida, como és parca e serena!
Destinei-me a essas ruas porque era o meu caminho
Há que se ter caminhos para andar dentro de si
Passei por tantas belezas
Quando dia se fazia
Acalmei minhas tristezas,
Andei cedo, dei bom dia...
E aquele sonho suntuoso
Onde eu era tão luminosa
Terminou por essas ruas, nestas lembranças gostosas...
Trilhando os mesmos caminhos
Um pouquinho aqui e ali
Eu fui estrela de rua
Das ruas que eu escolhi

Pedra

Quando eu falo com as pedras


“Me amordaço” em seu silêncio
Ouço os seus diamantes
Silencio até o vento
Pedra d’água, pedra brita
Pedregulho meu orgulho
Pedra do fundo do mar
Pedra de ancorar

Quando eu falo sozinha


“Me aconchego” nas lembranças
lembro da minha cidade
meu jogo de pedras de criança
hoje eu estou feliz
escrevo com pedras preciosas e sem giz
o quadro negro deu flor
de esperança de amor

Pedra Chora
Amor vai embora
__Amor volta Pedra, chora não!
Pedra mansa
Leito imune de mágoas
Casa de sereias
Porto antigo das águas

Onde não houver pedra


Foi que o tempo nunca passou
Encontrei pedra de Ouro
Quando encontrei teu amor.

O Rabugento

Impertinentemente
Rabuja o rabujão
Em seu ranço aparente
Alguém num tropeção

Tropeça gentilmente
nos olhos do brigão
E ai que a moça bonita
Preenche lhe de emoção

__mas que emoção maldita


Tropeça-me no vão!
E Impertinentemente
Repete essa canção:

__Eu sou rabuja velho


Mas canto uma canção
Enquanto o cemitério
Espera o meu caixão!
O Ferro velho

No Ferro velho diário


Uma ossada de oceano
No chão, o santo sudário,
Criou ferrugem no pano.

E o mapa do tesouro,
por lá esquecido há anos,
Fica atrás de uma roseira
Toda vestida do pano

O dono é bom guardador


Um pirata “cinquentano”
Que sai ao mar com o cachorro
Pra verificar os danos

Cada vez que um marinheiro


Mergulha no carroçado
O Velho ferra o estrangeiro
Trazendo o animal alado

Ai de quem puser a mão


Num enguiçado de ferro
Ouve-se até o apito
do navio no seu berro.

Granito

Quanto mais eu busco com requinte a reta


Mais eu perco a meta, mais de sonho eu vivo.
Quanto mais eu sonho, mais eu beijo a lua,
No meu sonho infante de levante ensejo
Mais do que esse beijo minha alma adua
O vazio solfejo da existência nua

Ouço, ora a língua, ora, a pedra brita.


No chão que eu adoro de pinha e pirita
Ouço atenta o vácuo, emendo a viola.
Fico transparente, marsupial, rara.
E nada é mais virgem do que dentro e fora
Em mim o meu rapto de cândidas horas.

Não o osso das penas sai pelas palavras


Em mim, candelabros abrem infinitos.
Não que eu voe tanto porque a vida cava
Mas porque me impele a voz, esse granito.
Lugar do meu infinito

Lugar do meu infinito


Pedras sem gravidade
Por onde piso
Rua sem nome
Que me embala a passada
Diz-me pra que lado
fica o meu destino
Estou com tanta saudade!

Trovas

Rezei com força e vontade


Tive que bater o pé
Em onça não nasce pinta
Se outra onça não quer

O padre não nasce santo


Mas santos pode invocar
Purificou sua alma
Pra poder ir pro altar

Mulher que toca viola


Coragem não lhe faltou
Botou o peito pra fora
E alma então lhe saltou

Faço tudo que eu posso


Para a viola tocar
Em casa de marimbondo
A idade não vai chamar

Pra gozo da mocidade


Tem sempre uma invenção
Mais fácil que comprar voto
Em véspera de eleição

O velho não tem vontade


O novo erra demais
O grande engole o mais fraco
Quem morre fica pra trás

Eu peco só um pouquinho
Aprendi tudo na escola
Quem paga o amor que eu tenho
São as cordas dessa viola
Mulher casada às antigas
Num sabe o que é desvario
Mais difícil é ela mudar
Do que o curso do rio

Relógio de ponto é osso


Não sobra tempo pra nada
Por isso estou com a viola
Enfrentando a madrugada

Nasceu cabelo de anjo


Mas também nasceu maldade
E o filho traiu a mãe
No meio da mocidade

Passarinho não vende a asa


Porque ela faz-lhe voar
Homem que vende sua honra
Não chega a nenhum lugar

A viola não tem dentes


E entra em qualquer lugar
Mas o violeiro pobre
Os dentes não quer mostrar

O beijo quando é de amor


Solta faísca no ar
Céu está todo estrelado
De tanto o mar lhe beijar

Passarinho não come onça


Pra não alargar o bico
Por isso moça da roça
Não arranja marido rico

Quando o sol nos ilumina


e a noite parte em retiro
não foi o sol que nasceu
a Terra é que fez seu giro

Relógios mais que marcar


Deviam era fazer conta
Nascer como sol é fácil
A Terra é que fica tonta

As vezes escrevo tanto


Me borro toda de tinta
O silencio sabe tudo
Mas a palavra é quem pinta

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