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1 Doutor em Sociologia pela UNICAMP. Atua como professor de Economia Política da Educação e de Política
Educacional do Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ; é Coordenador do
Programa de Pós-graduação em Educação Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ) e
líder do Grupo de Pesquisas Sobre Trabalho, Política e Sociedade (GTPS). E-mail: jsantos@ufrrj.br
school work, which deserves further analysis. From this perspective, the articles that
make up the thematic dossier are presented.
Keywords: Bourgeois Recomposition; State Reform; Management; School
management.
2 Se bem que, a cada dia mais, novas formas de contratação tem surgido no ambiente escolar que diferem da forma
tradicional de contrato de trabalho por tempo indeterminado, estabelecido pelo ingresso por meio de concurso público
de provas e títulos, configurado como quadro efetivo do serviço público. Trata-se de contratos temporários de trabalho,
estágio, bolsa etc. A legislação tem sido bastante flexibilizada para viabilizar essas formas inusitadas de contrato de
trabalho, de modo a aferir caráter legal a elas, mesmo que os contatados não pertençam ao quadro efetivo de servidores
públicos. Apesar disso, acredita-se, o trabalho escolar ainda é desempenhado majoritariamente por profissionais da
educação pertencentes ao quadro efetivo de servidores públicos, embora esta realidade esteja em constante mudança.
obviamente, muito mais penalizados por esses efeitos da recomposição do capital. A esse
respeito, Antunes (2011, p. 128) afirma:
[...] se o estranhamento permanece e mesmo se complexifica nas atividades de ponta do ciclo
produtivo, naquela parcela aparentemente mais “estável” e inserida da força de trabalho que
exerce o trabalho intelectual abstrato, o cenário é ainda mais intenso nos estratos precarizados
da força humana de trabalho, que vivenciam as condições mais desprovidas de direitos e em
condições de instabilidade cotidiana, dada pelo trabalho part-time, temporário, precarizado, para
não falar nos crescentes contingentes que vivenciam o desemprego estrutural. Sob a incerteza
e a superfluidade dadas pela condição da precarização ou de risco do desemprego, o
estranhamento pode assumir formas ainda mais intensificadas e mesmo brutalizadas, pautadas
pela perda (quase) completa da dimensão de humanidade [...].
3Talvez seja pertinente demarcar que, o que entendemos por “formação para o trabalho” seja a formação geral básica,
que no Brasil compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio somada a formação
profissional dos mais variados níveis e modalidades. Trata-se, portanto, de uma concepção ampliada da formação para
o trabalho que ultrapassa a visão simplista de que a formação para o trabalho se restringe à Educação Profissional. A
propósito, nem mesmo o empresariado, tampouco o Estado partilha dessa visão restrita de formação para o trabalho.
Só mesmo os mais desavisados insistem em apreender a formação para o trabalho apenas como Educação Profissional.
princípios éticos e morais que norteiam o trabalho escolar, dando novos significados às
relações pedagógicas e políticas ocorridas no cotidiano das escolas, de modo a instituir
certa mudança na cultura da escola com o intuito de conservar, em condições renovadas,
o potencial da escola como instituição privilegiada de mediação do conflito de classes e de
propagação do consenso em torno da concepção de mundo burguesa. Assim, em um
contexto de reestruturação produtiva e de reforma do Estado, a gestão do trabalho escolar
é reconfigurada de modo a garantir, nas condições objetivas e subjetivas da conjuntura
atual, a manutenção de seu papel como aparelho privado de hegemonia burguesa.
Nesse contexto, muitos profissionais da educação apresentam relativa conformação às
novas condições de trabalho emanadas dessas transformações, o que configura a
ocorrência no cotidiano das escolas daquilo que Alves chama de “captura da subjetividade
operária” (ALVES, 2000), ao se referir a essas mudanças no ambiente fabril. Não se
percebem ações organizadas de resistência às mudanças ocorridas na gestão do trabalho
escolar. As poucas manifestações de resistência perceptíveis partem dos sindicatos. Por
outro lado, é possível que existam outras manifestações de resistência não tão
perceptíveis, mas, justamente pela dinâmica instituída pelas reformas gerenciais do
Estado e da gestão do trabalho escolar, essas manifestações normalmente se deem de
forma fragmentada, atomizada, sem articulação coletiva, distanciadas do movimento
sindical. Entretanto, sejam essas resistências perceptíveis ou não, frequentemente, elas se
expressam de modo desconexo, sem qualquer vinculação ao estágio atual do
desenvolvimento do capital. O efeito mais perverso deste fenômeno é a intensificação da
precariedade social do trabalho desenvolvido pelos profissionais que atuam nessas
escolas.
À propósito, a precarização do trabalho muitas vezes é explicada a partir de sua
materialidade em forma de terceirização, de trabalho informal, de trabalho temporário
(HIRATA, 2011); ou em forma de atividades produtivas desenvolvidas em condições
insalubres e/ou degradantes (FERNANDES, 2011; LEMOS, 2011); ou mesmo em forma de
desregulamentação de direitos trabalhistas e de flexibilização das relações de produção
(KESSELMAN, 2010; CARELLI, 2011; THEBAUD-MONY, 2011). Outras vezes, a
precarização do trabalho é explicada a partir de fenômenos de ordem social, tais como:
redução de empregos (POSCHMAN, 2001; 2008), instabilidade laboral (MATTOS;
BIANCHETTI, 2011), vulnerabilidade social de massa (GUIMARÃES, 2011). Em busca de
uma tipologia da precarização do trabalho, Druck (2011) indica seis categorias possíveis
para classificar estas formas de materialização da precariedade do trabalho: 1)
vulnerabilidade das formas de inserção e desigualdades sociais; 2) intensificação do
trabalho e terceirização; 3) insegurança e saúde no trabalho; 4) perda das identidades
individual e coletiva; 5) fragilização da organização dos trabalhadores; 6) a condenação e
o descarte do Direito do Trabalho (DRUCK, 2011). Algumas vezes, estas características
ocorrem combinadas, de modo que uma mesma realidade pode se enquadrar em mais de
uma dessas categorias indicadas por Druck; outas vezes elas ocorrem isoladamente. Isto
tem levado alguns autores a considerarem a ideia de que a precarização do trabalho não
está circunscrita ao universo do trabalho e da produção, mas atinge outras dimensões da
vida social, o que os leva à indicação da ideia de precarização social do trabalho:
Se comumente a noção de trabalho precário se reporta ao trabalho desqualificado e inseguro,
a noção de precarização aqui adotada remete a um processo social de institucionalização da
instabilidade. O conceito coloca em perspectiva um duplo processo: um de precarização
econômica que resulta da flexibilização salarial e das reestruturações produtivas, outro da
institucionalização da precariedade, procedente das transformações legislativas referentes ao
trabalho e à proteção social. Nosso argumento é que o conceito de precarização social permite
ainda definir a institucionalização da instabilidade e configurar a sua justificação como se fosse
um valor moral aceitável, a ser dirigido individualmente por cada ator na autogestão das
carreiras e de sua inserção social. O processo de precarização social alça o trabalho a uma
dimensão de valor moral, o que nos permite inserir as questões relativas ao trabalho em uma
teoria social de maior alcance (ROSENFIELD, 2010, p. 14-15).
4 Obviamente, críticas a essa visão fenomênica existem, a exemplo disso poderíamos citar Franco (2011); Antunes
(2011); Harvey (1992).
das forças produtivas e do nível de organização coletiva e luta dos trabalhadores. O esforço
permanente do empresariado para ampliar suas taxas de lucratividade sempre implicou a
inserção cada vez mais intensa de ciência e tecnologia nos processos de trabalho e de
produção. O desenvolvimento científico e tecnológico da sociedade burguesa sempre
esteve diretamente ligado ao aumento da produtividade e da lucratividade das empresas,
ao mesmo tempo em que também esteve diretamente ligado à intensificação da
exploração da classe trabalhadora, de modo a promover sistematicamente a precarização
do trabalho.
Na realidade, a ordem capitalista de produção e reprodução social da vida material
sempre teve por característica a potencialidade para tornar precária a vida dos
trabalhadores. Justamente por isto, nem sempre a precarização do trabalho se dá pela
ausência de contrato de trabalho ou pela desregulamentação deste contrato. Existem
situações em que a precarização do trabalho se dá inclusive em condições formais de
trabalho.
Nesse aspecto, a contribuição de Sennett (2004) é fundamental para a compreensão
dos efeitos desorientadores do estágio atual do capitalismo. O autor faz uma análise
sociológica das transformações mais recentes do mundo do trabalho, a partir de
entrevistas com executivos demitidos da IBM em Nova York, funcionários de uma padaria
ultramoderna em Boston e outros trabalhadores. Sennett argumenta que o capitalismo
vive um novo momento caracterizado por uma natureza flexível, que ataca as formas
rígidas da burocracia, as consequências da rotina exacerbada e os sentidos e significados
do trabalho, o que provoca uma situação de ansiedade nas pessoas, que não sabem os
riscos que estão correndo e a que lugar irão chegar, colocando em xeque o próprio senso
de caráter pessoal.
A partir dessas considerações, Sennett (2004) aborda aspectos da subjetividade do
trabalhador no contexto da rigidez do fordismo, em contraposição à formação de uma
nova subjetividade no contexto atual. Assim, Senett nos leva à percepção de quão precário
é o mundo do trabalho em que prevalece a ideologia do “admirável mundo novo da
reengenharia das corporações”, com riscos constantes, onde predomina o trabalho
flexível, polivalente, desenvolvido em rede, a partir de equipes que trabalham juntas e se
autocontrolam durante um curto espaço de tempo, onde impera o individualismo, a gana
empreendedora, onde o que importa é cada um ser capaz de reinventar-se a toda hora.
Esta seria uma forma contemporânea da precarização do trabalho que tem sido muitas
vezes desconsiderada. Na maioria das vezes, a precarização do trabalho é explicada apenas
pela “desordem do trabalho” conforme foi caracterizada por Mattoso (1995).
Quando se trata do trabalho docente, muitas vezes se pensa precário apenas aquele
realizado em condições adversas, o que ocorre inclusive em diversas unidades escolares
deste argumento, o autor busca refletir formas como essas reformas se materializam em
seu próprio cotidiano de trabalho. Nessa perspectiva, Regis C. A. Costa analisa a
implantação do Programa Mais Educação pela Secretaria Municipal de Educação do
Município de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. O autor aponta, dentre
as características do Programa, a ausência de ações capazes de articular iniciativas da
gestão escolar local com as ações de gestão educacional estadual e federal. Para ele, as
soluções administrativas propostas pelo discurso que fundamenta a política pública
educacional não se materializaram em Duque de Caxias. Em vez disso, o autor observa a
manutenção de práticas improvisadas, que ampliam a precarização do trabalho docente.
No quarto artigo, Daniela Patti do Amaral apresenta um panorama sobre os caminhos
de consolidação da gestão democrática em escolas públicas no Brasil e em Portugal. Sua
análise se baseia em fontes documentais e toma como ponto de partida os argumentos de
que há forte associação teórica entre gestão democrática e eleição, colegialidade e
participação na tomada de decisão na gestão do trabalho escolar. Nesta análise
comparativa, a autora identifica que o exercício de poder na gestão do trabalho escolar
expressa diferentes compreensões acerca do trabalho do diretor escolar, das relações
políticas no cotidiano das escolas e do tipo de sociedade em que a escola se insere. Embora
Amaral reconheça que, do ponto de vista democrático, a eleição de diretores é a opção
mais coerente para as escolas públicas, ela pondera que só a eleição de diretores escolares
não garante a construção e consolidação de uma gestão democrática.
No quinto e último artigo do dossiê, Celia R. Otranto e Liz D. C. Paiva apresentam parte
de suas pesquisas sobre expansão da Educação Superior no período de 2009 a 2014. Neste
artigo, as autoras tomam como foco o financiamento e diversificação das instituições de
ensino superior no país. Nesta perspectiva, destacam os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia como recorte do processo de expansão da Educação Superior do país
no contexto da mercantilização da educação, em decorrência da hegemonia do receituário
neoliberal e de sua reforma do Estado. A partir desse recorte, as autoras analisam o
trabalho educativo desses Institutos Federais na formação docente. A análise de Celia R.
Otranto e Liz D. C. Paiva revela que a mercantilização da educação pode modificar
substantivamente o papel dos docentes e interferir nas ações governamentais frente às
demandas dessa categoria profissional.
Com metodologias diversas e com referenciais distintos, todos os artigos do dossiê
abordam aspectos que, de algum modo, são condicionados pela conjuntura explicitada
nessa apresentação. Todos eles reconhecem a evidência de que vivenciamos ampla
reforma do Estado, a qual combina reconfiguração de mecanismos de mediação do conflito
de classes com implantação de renovado modelo gerencial de administração pública,
pautado na competitividade e na racionalização de recursos materiais e humanos como
critério de qualidade para o serviço público. Também há, em todos os artigos, direta ou
REFERÊNCIAS
ALVES, Giovanni. O Novo (e precário) Mundo do Trabalho: reestruturação produtiva e
crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2000. 365 p.
ANTUNES, Ricardo. Os exercícios da subjetividade: as reificações inocentes e as reificações
estranhadas. Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. espec. 01, p. 121-131, 2011.
_______. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 3ª
Edição. São Paulo: Boitempo, 2000. 258 p.
CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. São Paulo: Xamã, 1997. 335 p
DRUCK, Graça. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno
CRH, Salvador, v. 24, nº espec. 01, p. 37-57, 2011.
_______; FRANCO, Tânia. Trabalho e precarização social – Introdução. Caderno CRH,
Salvador, v. 24, n. espec. 01, p. 9-13, 2011
FERNANDES, Rita de Cássia P. Precarização do trabalho e os distúrbios
musculoesqueléticos. Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. espec. 01, p. 155-170, 2011.
FRANCO, Tânia. Alienação do trabalho: despertencimento social e desrenraizamento em
relação à natureza. Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. espec. 01, p. 171-191, 2011.
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. Tradução de Luciana Carli. 2ª Ed. São Paulo:
Nova Cultural, 1985. 187 p.
GUIMARÃES, Iracema Brandão. Periferias e territórios sob efeitos conjugados da
precarização: algumas tendências. Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. spe 01, p. 89-104,
2011.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 14ª edição. São Paulo: Loyola, 1992. 349 p.
HIRATA, Helena. Tendências recentes da precarização social e do trabalho: Brasil, França,
Japão. Caderno CRH, Salvador, v. 24, nº. espec. 01, p. 15-22, 2011.