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Licenciatura em Letras
Sintaxe Gerativa
Lateralidade, Percepção e
Cognição
Celeste Carneiro
Um cérebro bicameral
Percepção e cognição nos dois cérebros
A questão dos canhotos
A individualidade e o hemisfério direito
Para saber mais
A autora
Tem sido uma moda na literatura para leigos, através das publicações de autores de
variadas áreas do conhecimento, principalmente nos livros e palestras de auto-ajuda, a
questão da necessidade de se desenvolver o lado direito do cérebro a fim de que a vida
se torne melhor e mais abrangente.
Até que ponto essas afirmações são verdadeiras? Existe mesmo lateralização das
emoções e do intelecto humano,ou seja, os dois hemisférios cerebrais têm funções
especializadas e diferentes?
Neste artigo revisamos algumas das evidências e damos indicações para seu
aproveitamento na educação e reabilitação cognitiva.
Um Cérebro Bicameral
Como todos sabem, o cérebro é composto por dois hemisférios, o direito e o esquerdo,
unidos por vários feixes de fibras de comunicação, sendo o maior de todos denominado
de corpo caloso. Em virtude de uma peculiariedade anatômica (as fibras de saída e de
entrada de um hemisfério cruzam a linha mediana na altura do tronco cerebral), o
hemisfério direito comanda o lado esquerdo do corpo e o hemisfério esquerdo comanda
a o lado direito do corpo.
Ao longo das últimas décadas, muitas pesquisas científicas comprovaram um fato que
já era conhecido há muito tempo, ou seja, que o predomínio de um lado do corpo sobre
o outro, como ocorre na dexteridade (mão e membros que usamos mais) não somente
tem uma base neurofisiológica e neuroanatômica, mas também se generaliza para
outras áreas das funções cerebrais.
Em 1836, um médico do interior da França, Marc Dax, foi quem primeiro sugeriu que os
hemisférios cerebrais teriam funções diferentes. Observando seus pacientes
acometidos por derrame cerebral, notou que quando a lesão era no hemisfério
esquerdo, o paciente ficava com o corpo paralisado do lado direito e sem a fala. Levou
essas observações para um congresso, mas não houve nenhum interesse sobre o
assunto. Posteriormente esses fatos foram confirmados pelo famoso cientista francês
Pierre Broca, que descobriu que o centro motor de comando da linguagem falada
encontra-se apenas no hemisfério esquerdo (a chamada área de Broca). Uma lesão
dessa área torna a pessoa total ou parcialmente afásica (perda da capacidade de
enunciar a voz), sem entretanto alterar outras funções relacionadas à linguagem.
Posteriormente descobriu-se também que outras áreas relacionadas à percepção da
fala, escrita, etc., também são lateralizadas. Por este motivo, muitos filósofos e
cientistas acham que o hemisfério esquerdo é mais relacionado ao raciocínio lógico e à
linguagem (logos = palavra), e que este seria o hemisfério dominante ou principal. Já o
hemisfério direito, na época com as suas funções desconhecidas, foi chamado de
hemisfério subordinado ou secundário.
Em meados do século 20, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, Roger W. Sperry e
seus alunos, pesquisando o cérebro, perceberam que o corpo caloso tem, como uma
das principais funções, permitir a comunicação entre os dois hemisférios, transmitindo a
memória e o aprendizado. Mais tarde, tratando de pacientes seriamente afetados por
ataques epilépticos, utilizaram como último recurso a cirurgia, realizada por Phillip Vogel
e Joseph Bogen, onde o corpo caloso foi cortado, de forma a isolar um hemisfério do
outro.
Outra diferença das funções dos hemisférios cerebrais ficou constatada ao serem
apresentadas, de forma separada para cada hemisfério, figuras na forma de um bolo,
uma tesoura aberta e um óculos. Na parte inferior da gravura, colocados à esquerda e
à direita das figuras superiores, um chapéu, um garfo e uma colher cruzados, dois
carretéis de linha com uma agulha sobre eles e novamente o chapéu. Sendo solicitado
a relacionar cada figura da parte inferior com a figura da parte superior, o paciente
ligava essas figuras de acordo com as funções, quando era o hemisfério esquerdo
quem via (o bolo com o garfo e a colher, a tesoura com a linha e a agulha, os óculos
com o chapéu). Quando era estimulado o hemisfério direito, relacionava de acordo com
a aparência ou forma da figura (o bolo com o chapéu, a tesoura com o garfo e a colher,
os óculos com a linha e a agulha).
Com o grande interesse provocado pelos estudos de Pierre Broca, outros médicos e
cientistas, desde o início do século XX, prosseguiram estudando o cérebro humano.
Notaram que pacientes com derrame no hemisfério esquerdo perdiam a fala mas
conseguiam cantar. Outros que tiveram derrame no hemisfério direito perdiam a
orientação espacial, não conseguindo acertar, por exemplo, onde ficava a porta de suas
próprias casas, ou compreender relações de distância e profundidade entre os objetos,
assim como dificuldade para reconhecer rostos familiares e identificar pessoas num
grupo.
Esses estudos culminaram com as pesquisas do Dr. Roger Sperry e sua equipe, que foi
brindado com o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1981. Até agora ficou
esclarecido que a linguagem, o raciocínio lógico, determinados tipos de memória, o
cálculo, a análise são próprios do hemisfério esquerdo. Enquanto que o direito não usa
palavras, é intuitivo, usa a imaginação, o sentimento e a síntese.
Observando os desenhos de mãos, feitos pelos homens das cavernas, notou-se que a
grande maioria das mãos desenhadas eram a esquerda, o que leva à conclusão que
foram desenhadas pela mão direita. Mesmo nessa época já havia uma tendência
maior para as pessoas serem destras em vez de canhotas. Nos animais, a porcentagem
de canhotos e destros é igual.
De acordo com os estudos citados por Springer e Deutsch, os pais, sendo ambos
destros, tendem a gerar 2% de filhos canhotos; entre os pais canhotos e destros 17%
dos filhos são canhotos e quando os pais são todos dois canhotos a chance dos filhos
serem igualmente canhotos é de 46%. Na população, de um modo geral, 10% são
canhotos. No caso dos gêmeos essa porcentagem dobra: 20% deles são canhotos e
têm maior incidência de problemas neurológicos, talvez devido à situação de
desconforto causada pelo pequeno espaço no útero.
Existem pessoas que, ao escreverem, colocam a mão numa posição invertida, com o
polegar voltado para baixo. Nesses indivíduos a função da fala está no hemisfério do
lado da mão que escreve. Se é canhoto a fala está no lado esquerdo; se é destro, a
fala está no lado direito do cérebro. Isto facilita, de certa forma, a identificação do
hemisfério que rege os mecanismos da linguagem, assim como qual deles está
dirigindo o aspecto criativo.
Canhoto com posição direta Canhoto com posição invertida
São poucos os canhotos que escrevem com postura normal. Springer e Deutsch,
analisando este assunto, dizem o seguinte:
É certo, porém, que um maior e mais eqüitativo aproveitamento das funções dos dois
hemisférios, sejam entre canhotos ou destros, leva o indivíduo a ser mais imaginativo,
mais capaz de resolver questões difíceis do seu dia-a-dia, a perceber e compreender o
que o cerca, além de desenvolver habilidades e potencialidades que estão latentes no
ser humano. Algumas pessoas que desejam aprender a desenhar, pensam que, pelo
fato de utilizarem a mão esquerda vão ser capazes de desenhar bem. Aprender a
desenhar é aprender a ver e a criar. Essas condições não se desenvolvem mudando
de mão e sim desenvolvendo características próprias. Existem excelentes pintores que
trabalham com os pés, com a boca e com as duas mãos. Aprendendo a ver, a perceber
traços e formas, consegue-se desenhar bem.
No ano de 1991 tomamos contato com esses estudos sobre o cérebro e o método
desenvolvido pela artista plástica da Califórnia, Betty Edwards, doutora em Artes e
professora de desenho na Univesrsidade Estadual da Califórnia. Através dos seus
estudos sobre as pesquisas de Roger Sperry e equipe, ela desenvolveu um método
onde procura distrair o hemisfério esquerdo com exercícios que ele não gosta nem se
sente habilitado para fazer, deixando livre o hemisfério direito para se manifestar e
demonstrar sua eficiência.
Muitos de nós desenhávamos algumas coisas até por volta dos dez anos, quando as
críticas dos outros inibiram nossa vontade de desenhar e criar. O método de Betty
desbloqueia a nossa "veia artística" e abre um campo de amplas possibilidades, por
trabalhar o hemisfério direito, relegado ao esquecimento na maioria das pessoas.
Aplicando o método desenvolvido por ela, utilizando músicas apropriadas para diminuir
o ritmo cerebral e auxiliar o acesso ao hemisfério direito, ficamos gratificada com os
resultados obtidos.
O mais bonito é ver nos olhos de cada aluno o brilho de alegria ao saber-se capaz de
realizar coisas que até então julgavam impossível, criando composições bonitas,
desenhando de observação flores, frutos, objetos, com relativa facilidade; descobrindo
que podem enxergar mais coisas do que antes; percebendo as reações do seu próprio
corpo, de sua mente; penetrando no seu mundo íntimo e, ao mesmo tempo, atento ao
mundo que o cerca. Sentindo a intuição presente com mais freqüência e a memória
trazendo à mente as informações necessárias na hora que se precisa. Vendo o mundo
de forma global e a si mesmos como um ser inteiro, com amplas possibilidades de
crescimento. É o nosso desejo que essa alegria se estenda por muitas pessoas e que
esses cursos se multipliquem, atendendo a necessidade de todos aqueles que buscam
um horizonte mais amplo.
A Autora