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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Departamento de História

Metodologia II – Segundo semestre de 2018 – Dr. Miguel S. Palmeira

Gabriel Henrique Borges – Nº USP: 10764381 – Turno Vespertino

2º AVALIAÇÃO

Questão A) Compare a maneira como dois desses autores articulam suas visões sobre
as relações entre sujeito/agente/indivíduo e sociedade.

Autores escolhidos: Claude Lévi-Strauss e Pierre Bourdieu.

Tanto Lévi-Strauss como Pierre Bourdieu são expoentes das ciências sociais do
século XX que compreendem que para analisar a dimensão do social entre grupos
humanos não basta pensá-los como agrupamentos de indivíduos independentes entre si,
mas antes, como um complexo de relações que envolvem tanto elementos humanos
como instituições, acontecimentos históricos e, fundamentalmente, símbolos e sistemas
de representação.

Apesar dos desdobramentos das noções de relações sociais desses autores


seguirem por caminhos distintos, ambos enxergam no aspecto simbólico da sociedade
uma variável de significativa importância para se compreender processos conscientes
realizados pelos indivíduos. Em contrapartida ao historicismo, Strauss evoca a noção
das estruturas inconscientes do pensamento humano que, tal como e até mais que a
diacronia, pode explicar as relações sociais por meio de regras e dispositivos de
ordenação social que não podem ser apreendidos diretamente pela empiria 1. Ainda que
tributário em parte de certas ideia presentes no estruturalismo straussiano, Bourdieu
utiliza do conceito de inconsciente cultural como uma série de fatores mais ou menos
abstratos que orientam a agência humana no mundo2.

1
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967. pp. 34-41.
2
BOURDIEU, Pierre. Campo Intelectual e projeto criador. In: POUILLON, Jean et al. Problemas do
Estruturalismo. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1968. pp. 136-139.
Embora haja esse chão comum entre os autores, é a partir do aprofundamento da
ideia do subconsciente social que ambos vão cada vez mais se distanciando, sobretudo
quando se lança o foco na relação do indivíduo com a sociedade. Lévi-Strauss, em
contraposição a certas tradições funcionalistas, vai colocar a importância de as ciências
sociais levarem em conta o fator humano, uma vez que “os fatos sociais não são
redutíveis a fragmentos esparsos, eles são vividos por homens e esta consciência
subjetiva, bem como seus caracteres objetivos, é uma forma de sua realidade”3. Não
obstante, é justamente contra uma suposta passividade do indivíduo diante de certas
condições determinantes em Strauss que Bourdieu constrói sua teoria do agente, em
franca oposição ao sujeito straussiano4.

Para se compreender o lugar do sujeito no pensamento de Lévi-Strauss, é


fundamental levar em conta o paralelo realizado entre sua antropologia estrutural e a
semiologia de Saussure5. Segundo Strauss, a mesma arquitetura lógica da linguística
estrutural pode ser aplicada ao funcionamento das sociedades: se na semiologia a língua
(lengue) é o fator inconsciente universal entre todos os homens e a palavra (parole) não
é senão a representação objetiva da língua, da mesma forma são as estruturas com o
sujeito. Segundo Strauss, o pensamento do sujeito atua como suporte por meio do qual a
estrutura se realiza inconscientemente6.

Ao contrário de quando os funcionalistas rejeitam a explicação histórica


mediante a ausência de ferramentas para o exame diacrônico e explicam a sociedade por
meio das relações que ela estabelece entre si sincronicamente, com instituições
explicando outras instituições em uma cadeia sistêmica de interdependência, Strauss vai
dizer que tal concepção superficial dos grupos humanos não chega ao que há de mais
fundamental nela, que são tanto as estruturas inconscientes, como os processos
conscientes realizados pelos homens: a História7.

Para Strauss, portanto, a ação dos sujeitos mediante a constituição de processos


históricos conscientes é válida para explicar a sociedade, mas essa ação é dotada de
profundas significações que estão contidas na consciência humana por meio das
estruturas. Mesmo o acontecimento histórico, fruto da ação do sujeito, é expresso
3
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural dois. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. 4ª ed. pp.
15.
4
BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Braziliense, 2004. pp. 20.
5
LÉVI-STRAUSS, Claude. Op. cit., 1993. pp. 17.
6
LÉVI-STRAUSS, Claude. Op. cit., 1993. pp. 21.
7
LÉVI-STRAUSS, Claude. Op. cit., 1967. pp. 25-32.
também como uma realização material dentro dos limites e das regras estruturais da
sociedade.

A ideia dos pressupostos que engendram um determinado limite para a agência


humana também está presente em Bourdieu, fundamentalmente em sua noção de áreas
e gerações intelectuais e culturais 8. Para este autor, uma forma de compreender as
relações sociais é enxergar a sociedade como um complexo de campos onde os
indivíduos operam interações entre si em função de regras e instituições específicas 9.
Longe de serem relações homogêneas, Bourdieu mostra que as relações que ocorrem no
campo possuem linhas de força desiguais e pesos funcionais com base nos parâmetros
de autoridade, constrangimentos e interesses específicos. Nesse sentido, as áreas e
gerações intelectuais e culturais podem ser entendidas como um conjunto de questões e
problemas que constituem um determinado Campo cultural, do qual as divergências de
pensamento não são senão um “consenso no dissenso”, enquanto o inconsciente cultural
do Campo é compartilhado por todos, de forma que tais diretrizes orientam e limitam a
atuação do agente10.

Sem embargo, o agente de Bourdieu não é um receptor passivo dessas estruturas


inconscientes, pois, ao contrário do sujeito de Strauss, existe aqui uma inventividade em
que as estruturas, ainda que penetrem a consciência do indivíduo, podem ser
ressignificadas, adaptadas, reconstituídas11. Para Bourdieu, o que Lévi-Strauss realiza é
uma teoria teórica que busca apenas compreender o modus operatum das sociedades
estudadas, não indo até o ponto que, segundo ele, deveria ser o objetivo principal da
ciência social: a teoria da prática, ou seja, “ao princípio de produção dessa ordem
observada”12. Com efeito, a chave para a compreensão da produção do modus operandi,
portanto, das sociedades está no conceito de habitus.

Utilizando do exemplo do Campo Intelectual, longe de uma relação mecânica ou


finalista entre as disposições gerais do campo e o projeto criador de determinado agente,
o habitus se refere a percepção das inúmeras possibilidades de atuação que as estruturas
engendram dentro do campo, de forma que o agente realiza uma atitude criativa de se

8
BOURDIEU, Pierre. Op. cit., 1968. pp. 143.
9
BOURDIEU, Pierre. Op. cit., 1968. pp. 105-113.
10
Como exemplo disso, Bourdieu evoca o caso da literatura: “É por isso que uma obra é sempre
orientada objetivamente em relação ao meio literário, as suas exigências estéticas, as suas categorias de
percepção e de pensamento” (BOURDIEU, 1968, pp. 143).
11
BOURDIEU, Pierre. Op. cit., 2004. pp. (24-25).
12
BOURDIEU, Pierre. Esquisse d’une théorie de la pratique. Genebra: Droz, 1972. pp. 174-175.
apropriar ou recusar tal ou qual possiblidade13. Logo, ao invés de uma estrutura sempre
estruturante, que rege a atuação do indivíduo, Bourdieu trabalha com a capacidade do
agente de transformar a estrutura estruturante em estrutura estruturada, de enxergar o
agente como um “operador prático de objetos”, como aquele que ao invés de seguir
invariavelmente regras estruturais, elabora estratégias para delas se apropriar14.

Sobretudo, as distinções da relação entre indivíduo e sociedade entre Strauss e


Bourdieu se opõem frontalmente quando se considera o fator atividade/passividade. No
entanto, ambos também se completam, uma vez que não há obra de Bourdieu que se
compreenda sem que haja o entendimento da teoria do simbólico de Strauss, bem como,
a história do estruturalismo straussiano também passa por sua crítica e até sua
superação, da qual Bourdieu é personagem imprescindível.

Bibliografia
BOURDIEU, Pierre. Campo Intelectual e projeto criador. In: POUILLON, Jean et al.
Problemas do Estruturalismo. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1968.
______, Coisas ditas. São Paulo: Braziliense, 2004. pp. 20.
______, Esquisse d’une théorie de la pratique. Genebra: Droz, 1972.
______, Por une sciense des oeuvres. In: Raisons Pratiques. Seuil, Paris, 1972.

13
BOURDIEU, Pierre. Por une sciense des oeuvres. In: Raisons Pratiques. Seuil, Paris, 1972. pp. 71.
14
BOURDIEU, Pierre. Op. cit., 2004. pp. 24-26.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1967.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural dois. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1993. 4ª ed.

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