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Gabriel Henrique Borges – NUSP: 10764381 – Pensamento Social em Saúde Pública

Fichamento do capítulo 3 de “A Saúde Pública como Política” de Emerson Merhy

No primeiro capítulo proposto, Merhy traça uma breve história da consolidação do


campo da saúde pública em São Paulo com objetivo de buscar quais as linhas fortes do debate
sanitário que se constituem nesse período e que formaram a base da política pública em saúde
encontrada na conjuntura de 1930-1937 a qual lhe interessa de forma mais central.

De modo geral, o primeiro paradigma que se forma no período é o que a historiografia


acumulou em denominar de campanhismo/policial formulado principalmente por Emílio Ribas e
uma geração de sanitaristas vinculados à concepção bacteriologista do processo saúde-doença.
Tal paradigma tinha como características principais o caráter quase que militar de combate às
epidemias infectocontagiosas, com grandes campanhas de vacinação, higienização do meio e
aparato centralizado desde o estado.

Esse teria sido o primeiro modelo que se estabeleceu de maneira consolidada de tal forma
que mesmo reformas sanitárias posteriores como a de 1918 apenas modernizou a estrutura
clássica sem, no entanto, modificá-la em essência. Nesse momento, fruto do próprio desastre
provocado pela febre amarela, surgiu uma preocupação maior em criar estruturas permanentes de
combate às epidemias, endemias e pandemias, para além da necessidade de integrar os interiores
dos estados em um processo nacionalizante no qual os equipamentos de saúde desempenharam
um papel importante. Nesse sentido, há a emergência de um segundo modelo, denominado
“campanhismo/vertical permanente”.

Desse mesmo modelo se desenrolará um próximo denominado “campanhismo/vertical


permanente especializado” que se estabelece junto à administração pública paulista a partir da
necessidade de atacar os agentes externos causadores de doença em sua particularidade, com
uma gama de médicos especialistas unindo a clínica às campanhas de combate às epidemias. Já
em oposição ao modelo campanhista em todas as suas acepções, Geraldo de Paula Souza,
formado na John Hopkins School e entusiasta dos experimentos da Fundação Rockenfeller no
desenvolvimento de aparelhos de saúde pública no Brasil, começa a se inserir no debate sanitário
com o modelo das “redes locais permanentes”, essas de caráter integral e mais focada nos
grandes centros urbanos.
Essa será a tônica dos anos 1920 nos quais o autor caracteriza como uma década de
franco e aberto debate sanitário no qual a disputa pelo predomínio na política do estado pendia
ora ao campanhismo de tipo vertical especializado, ora para o modelo das redes locais
permanentes. No entanto, interessa ao autor ressaltar que nenhum modelo se consolidou como
hegemônico nesse momento, antes, coexistiram e foram alvos de crescimento relativo no que
tange ao orçamento do estado, sem inclusive suplantar a estrutura anterior do velho
campanhismo militar da época de Ribas.

Essas duas tradições conformarão, para o período seguinte, os dois principais projetos de
saúde pública que serviram de base para a constituição da política da década seguinte. Através
dos anais dos Congressos da Sociedade de Higiene Brasileira, Merhy demonstra como esses
setores dialogavam entre si e se pautavam mutualmente na disputa por horizontes, ainda que
partissem de plataformas comuns, como a dimensão extra-clínica da atividade sanitária, sua
concepção bacteriológica e seu polo de centralização na esfera estadual.

Gabriel Henrique Borges – NUSP: 10764381 – Pensamento Social em Saúde Pública

Fichamento do capítulo 4 de “A Saúde Pública como Política” de Emerson Merhy

Já no capítulo 4, Merhy chega no recorte temporal que mais lhe interessa e desenvolve
sua reflexão a partir da seguinte constatação: se nos anos 20 reinou a disputa de projetos de
saúde pública, processo que continua nos três primeiros anos de instabilidade do Governo
Provisório de 1930, após 1933 há a cristalização do modelo campanhista/vertical especializado.
Não se trata, para o autor, de investigar os prodígios mais ou menos bem-sucedidos dos seus
proponentes, mas encontrar por trás da linguagem técnica e científica que tipo de concepção de
relação Estado x sociedade estava contido na matriz discursiva dos principais modelos em
disputa e em que medida estes dialogavam com aquela conjuntura.

Em primeiro lugar, Merhy lança mão de uma argumentação gramsciana para caracterizar
a última década da República Velha e os primeiros anos de Vargas como um momento de crise de
hegemonia das classes dominantes no Brasil, muito em conta da decadência da economia
cafeeira e das pressões sociais emergentes como entre os tenentistas e a classe operária. Por
consequência, era determinante para aqueles anos que um novo bloco histórico constituísse um
também novo projeto de hegemonia que desse conta de corporificar uma forma de Estado que
repactuasse a sociedade civil.

O debate sanitário dos anos 20 não foi outra coisa se não um reflexo dessa disputa por
hegemonia, de tal forma que tanto o modelo das redes locais permanentes como o
campanhismo/vertical permanente especializado respondiam ou ensejavam projetos políticos que
estavam na arena de disputa pelo poder naquele momento.

Por um lado, no orbe das redes locais permanentes estava uma concepção que colocava
no centro de sua dimensão ideológica o indivíduo e sua consciência. Daí sua centralidade na
educação sanitária e na higiene pessoal como formas de proteger e controlar o corpo do
indivíduo para não cair em doença. Sua crítica ao modelo vigente de ordem campanhista também
vinha de encontro com o ideal racionalizante de Estado que se propusesse neutro e apolítico (do
ponto de vista tecnocrático, ou seja, isento de “politicagens”), orientado pelos princípios de
custo/benefício do investimento em saúde. Isto é, todo um vocabulário e práticas médicas
alimentados pela escola norte-americana e que continha em si o viés liberal-democrático na
política.

Por sua vez, no campanhismo/vertical permanente especializado confluíram os modelos


tradicionais anteriores, o que desde logo lhe atribuiu a vantagem de operar sempre por dentro das
instituições públicas e se alimentasse menos do debate acadêmico, mas das demandas imediatas
do poder estabelecido. Daí uma concepção social do processo de adoecimento, dando como
causa as “fraquezas raciais” do povo brasileiro (dentro de uma chave eugenista e com visas a
superar o “jeca tatu” do interior do estado) e a sua miséria. Sua disposição na integração
territorial através do aparato sanitário nos interiores sob um ponto de vista nacionalista, bem
como o corporativismo médico ao integrar debaixo da mesma estrutura administrativa paralelos e
autônomos aparatos tecno-assistenciais, ensejavam uma forma de Estado-Nação integrado, que
ao invés de neutro assumisse como problemas nacionais os atrasos das classes populares e as
demandas progressistas do capital. Isto é, todo um conteúdo de matiz populista-corporativista do
Estado.

Com esses encaixes, Merhy coroa sua argumentação ao encontrar como explicação para o
predomínio do modelo campanhista/vertical permanente especializado a sua pertinência à nova
hegemonia que o Governo Provisório consegue estabelecer sob a lógica populista-corporativista,
centralizada e de caráter autoritário, sobretudo após a derrota dos paulistas na Revolta de 1932 e
a estabilização da Interventoria Federal em São Paulo com Armando Salles de Oliveira. O
modelo “redes locais permanentes” caducou na mesma medida em que as ideias democrático-
liberais perderam força na disputa política daquele então, de tal forma que mesmo quando um de
seus representantes, Borges Vieira, ascendeu à diretoria da Secretaria de Educação e Saúde
Pública do estado, o modelo verticalista permaneceu intocado. Consolidou-se a tentativa iniciada
em 1918 de reformar o campanhismo policial e estabelecer um novo paradigma. Este só viria a
ser colocado em cheque novamente já após a Segunda Guerra Mundial, no período da
redemocratização pós-Estado Novo.

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