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Foucault M. O nascimento da medicina social. In: Foucault M Microfísica dopoder. 20ª edição.

Rio de
Janeiro: Graal; 1979. p.79-98.

Em seu texto, “O nascimento da medicina social” Foucault procura mostrar que a medicina
moderna é uma medicina social, embora alguns achem que ela é individualista por uma visão
capitalista. Na tentativa de evidenciar o oposto, ele diz que a individualidade da medicina moderna está
em apenas um aspecto (relação médico-doente), no mais, ela se apresenta como uma prática social.
Como argumento, o autor diz que o capitalismo socializou o corpo enquanto força de
produção/trabalho. Mas só na segunda metade do século XIX, que pensou-se no problema do corpo,
tornando-o objeto de intervenção médica.
Ele divide então, a formação da medicina social em três etapas (medicina de Estado, medicina
urbana e medicina da força de trabalho).
A primeira etapa, a medicina do Estado, se desenvolveu na Alemanha, no começo do século
XVIII. Ele apresentava-se como “objeto de conhecimento e como instrumento e lugar de formação de
conhecimentos específicos” (pag 48). A estagnação do desenvolvimento econômico da Alemanha foi
um outro motivo para o desenvolvimento da ciência do Estado, pois uma vez que a economia estava
bloqueada e vários funcionários parados, os soberanos eram obrigados a fazer planejamentos e
organizações, produzindo, assim, uma cumplicidade e organização dos Estados. Isso explica o porquê
da medicina do Estado nascer primeiro na Alemanha, segundo o autor.
O estado de saúde de sua população tornou-se uma preocupação de todas as nações do mundo
europeu no final do século XVI e começo do século XVII. Mas o cenário foi esse: a Alemanha
preocupava-se o nível de saúde da população, desenvolvendo a partir disso uma prática médica. A
França, a Inglaterra e a Áustria, no entanto, preocupavam-se em aumentar a população, estabelecendo
de estatísticas de nascimento e mortalidade, mas sem intervir efetivamente no nível de saúde do seu
povo.
Assim, a política médica da Alemanha consiste em: a) Um sistema de observação da morbidade
considerando os diferentes fenômenos epidêmicos ou endêmicos observados. b) normalização da
prática e do saber médicos (programas de ensino e da atribuição dos diplomas). c) Uma organização
administrativa para controlar a atividade dos médicos. d) a integração de vários médicos em uma
organização médica estatal, tornando o médico como administrador de saúde, que tem responsabilidade
sobre uma região. Esses 4 itens caracterizam a medicina de Estado. Vê-se aqui, uma medicina
estatizada, socializada (neste momento a preocupação não é saúde do corpo por uma demanda
industrial. Não se trata da força do trabalho e sim da força do Estado).
A segunda etapa, a medicina urbana, ocorreu na França, no fim do século XVIII. Foi o
desenvolvimento das estruturas urbanas que permitiu o nascimento da medicina social.
A cidade francesa no final do século XVIII não era uma unidade territorial, pelo contrário, apresentava-
se como múltiplos territórios e poderes rivais. Mas, sentiu-se a necessidade da unificação do poder
urbano, com um único poder regulamentado, por razões econômicas (pois a cidade por ser lugar de
mercado torna as relações comerciais, ate em medidas internacionais unificadas) e políticas (as diversas
revoltas oriundas da desigualdade social mostraram a necessidade de um poder político).
Com o crescimento urbano, amontoamento populacional, aumento esgotos, epidemias urbanas,
entre outras coisas, surge o medo e inquietação político−sanitária. Para apaziguar essa situação, o
método adotado foi o modelo médico e político da quarentena com um regulamento de urgência, usado
com o aparecimento de pestes ou doenças epidêmicas. Esse regulamento previa o isolamento das
pessoas em suas casas, vigilância generalizada, registro centralizado, revista dos vivos e dos mortos (os
doentes eram levados para fora da cidade para uma enfermaria. mas para a lepra a organização médica
era diferente, com um mecanismo era de exílio para o leproso e purificação da cidade (medicina de
exclusão).
Assim, pode-se dizer que a medicina urbana provém do modelo de quarentena. Consistindo em 4
objetivos: a) “analisar os lugares de acúmulo e amontoamento de tudo que, no espaço urbano, pode
provocar doença”, por exemplo os cemitérios. Começa assim as emigrações de cemitérios para a
periferia da cidade e com caixão individual. b) o controle da circulação da água e do ar, com a
organização de corredores de ar e de água. c) a organização (das fontes e dos esgotos, etc).
A terceira etapa, por sua vez, é analisada através do exemplo inglês. Caracteriza-se por ser a
medicina dos pobres, da força de trabalho. Assim, é notório que “o operário não foi o primeiro alvo da
medicina social, mas o último” (primeiro foi o Estado, depois a cidade e por fim o operário), isso
porque até então o pobre não era visto como perigo, somente no segundo terço do século XIX foi visto
como tal. Por alguns motivos: politico, uma vez que a população crescia e eles podiam juntar suas
forças em uma revolta. Ou perigo sanitário da coabitação de pobres e ricos em um mesmo
espaço(propagação da cólera de 1832 foi um marco), começando assim, o direito da propriedade
privada.
Assim, o aparecimento da medicina social na Inglaterra, com o desenvolvimento industrial, e
por conseguinte o crescimento do proletariado garantiu a saúde das classes pobres e,
consequentemente, a proteção das classes ricas. Nasce assim, a lei dos pobres, que uma vez que se
beneficiam com a assistência medica também precisam se submeter a os controles médicos (controle
vacinal, organização epidemiológica obrigando as pessoas à declaração de doenças perigosas,
destruição desses focos de insalubridade). Entretanto havia uma resistência popular ao controle médico.
Surge então, no século XIX, grupos de dissidência religiosa, que lutam contra a medicalização
autoritária, uma vez que consideram que as pessoas deviam ter o direito do seu próprio corpo.
Pode-se dizer então, que a medicina social diferencia-se da medicina urbana e da de Estado pois
trata-se de um controle da saúde e do corpo das classes mais pobres para torná−las propícios ao
trabalho e menos perigosas às classes mais ricas.
E foi a medicina social inglesa que teve futuro, pois os sistemas médicos dos países
industrializados funcionam com os três setores, ainda que articulados de maneira diferente: “uma
medicina assistencial aos mais pobres, uma medicina administrativa encarregada de problemas gerais
como a vacinação, as epidemias, etc., e uma medicina privada que beneficiava quem tinha meios para
pagá−la”.
Ao fazer analise desses processos, é perceptivo que no Brasil há um misto dessas etapas: com
uma medicina inicialmente para quem podia pagar, depois para os trabalhadores, uma vez que haviam
epidemias e a força de trabalho estava ameaçada. Com muita luta do povo é que o sistema de saúde se
ampliou para toda a população.
Conhecer o nascimento da medicina social é imprescindível para que o profissional de saúde
tenha um olhar holístico dos processos que o envolvem, podendo repetir e contribuir com o que é
proveitoso nessa historia e não repetir e buscar quebrar paradigmas com aquilo que não é proveitoso,
pois a medicina não deve ser só para a classe dominante, a medicina também não deve ser controladora
pois as pessoas devem ter autonomia do seu corpo, a medicina deve ser comunicativa e não impositiva
(muitas revoltas poderiam ter sido evitadas com uma comunicação efetiva e não imposição), entre
outros aspectos.

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