Você está na página 1de 2

Prova História – Bianca Cortazzi UFCSPA Psicologia 2019

Diversos estudos sobre a antiguidade revelam que a medicina, ou pelo menos


cuidados médicos como feridas tratadas ou membros imobilizados existem desde os
primórdios da humanidade. Ao compararmos com as tecnologias medicinais e
inovações que existem atualmente, veremos que a medicina percorreu um longo
caminho, não apenas em seu âmbito técnico, mas também político, como a sua posterior
socialização.
Ao contrário do que muitos pensam, povos precedentes aos gregos, como os
babilônicos e os egípcios já possuíam conhecimento sobre a medicina em sua época.
Descrições apuradas de sintomas de doenças em peças de cerâmicas e a utilização de
uma variedade de plantas e drogas para a cura, demonstram um certo domínio que estes
povos já possuíam. Ademais, a atribuição dos sintomas, enfermidades e curas à mão de
deuses ou espíritos era fortemente incorporada, sendo essa uma das grandes
características da medicina antiga. É importante ressaltar também, que os povos
egípcios continham um reconhecimento na época por conta de seu grande domínio da
anatomia humana, devido principalmente às práticas de mumificação, o que ocasionava
também uma variedade de médicos e cirurgiões especializados.
Apesar disso, os holofotes da história da medicina antiga ainda pertencem aos
gregos, principalmente devido a dois grandes nomes da época, Hipócrates e Galeno.
Estes representavam bem uma particularidade da medicina grega, que são as
especulações e questionamento filosóficos acerca dos saberes médicos que eram feitos
na época. Esta diferenciação foi importante para a difusão dos conhecimentos
medicinais não apenas na Grécia como para outras partes do mundo, influenciando até
mesmo o universo árabe, que bebiam principalmente de diversos escritos e estudos de
Galeno.
No entanto, já no período de queda do império romano, ocorreu uma grande perda
no número e na qualidade dos estudos médicos, característica marcante dos tempos da
Idade Média. Demorou-se até voltarem com força os estudos sobre medicina e um certo
acolhimento destes pela Igreja, criando-se até mesmo as primeiras universidades.
Porém, é importante ressaltar que em nenhumas destas épocas ocorreu ou planejou-se
um modelo de saúde propriamente pública e coletiva; e o que podemos atualmente
chamar de medicina social foi apenar ter seu início nos meados do século XVII.
É muito comum o pensamento de que a socialização da medicina teve início com a
Revolução Industrial, quando o capitalismo estava começando a ebulir e a mesma teria
um papel de estabelecer um controle da força de trabalho na época. No entanto, de
acordo com o filósofo francês Michel Foucault e seu apunhado de estudos históricos,
esta parte da população foi justamente a última a receber atenção da chamada medicina
social, já que esta começara a ser constituída antes mesmo de haver algum interesse em
se monitorar o proletariado.
A primeira etapa do processo de socialização da medicina, chamada de Medicina de
Estado, teve seu início na Alemanha do século XVII, já que possuía um terreno fértil
para que o mesmo pudesse acontecer. A tardia unificação de seus pseudo-estados, o que
os obrigava a constituírem suas dimensões de Estado, além do apoio econômico
recebido pela burguesia devido à estagnação econômica provocada pelas guerras da
época, ajudaram a constituir a chamada medicina de Estado, que basicamente
concentrou-se em um sistema de controle verticalizado de registros médicos como
certificações de morbidade em hospitais, até um controle estatal da prática e do saber
médico, obtendo-se um controle dos programas de ensino pelo Estado além da
subordinação da prática médica a um poder administrativo superior. Estas medidas
marcaram esse estágio da medicina social por basicamente o Estado ter em mãos o
controle dos profissionais e das práticas da medicina, não visando como grande
objetivo, porém, uma salubridade para as populações em geral.
Por conseguinte, a segunda etapa do processo de socialização que ocorreu
fortemente na França, em fins do século XVII, pode ser chamada de medicina urbana.
Segundo Foucault, a “ urbanização “ da medicina não é propriamente uma medicina dos
corpos, e sim das condições e elementos da vida, como o ar, a água, decomposições e
etc. Devido à um certo pânico que estava ocorrendo principalmente em relação às
epidemias nas cidades, a medicina urbana constituiu-se semelhantemente à um
aperfeiçoamento das quarentenas que eram feitas na Idade Média, com seus métodos de
vigilância, hospitalização, além da emigração dos cemitérios para as periferias das
cidades e um novo objetivo de controle da circulação do ar e da água.
Por fim, a última mira da medicina social fora a população pobre e trabalhadora, já
que essas camadas começaram a serem vistas como perigosas devido ao seu poder de
revoltas e manifestações, além da atribuição de insalubridade a estes indivíduos, o que
começou a provocar a divisão do espaço urbano entre pobres e ricos. Naturalmente,
devido à Revolução Industrial e ao rápido desenvolvimento do proletariado, esta etapa
da medicina social prosperou na Inglaterra e foi a fórmula que mais teve futuro,
diferentemente das ocorridas na Alemanha e na França. A proposta de uma assistência e
intervenção médica que ao mesmo tempo que trata o pobre, como o sistema dos
chamados “health services”, que instituíram um controle obrigatório de vacinação e a
declaração indispensável de portadores de doenças que podem se tornar epidêmicas,
além da localização de locais patogênicos e a tentativa de destruição desses riscos,
sendo uma forma de prevenção, acaba garantindo também que os ricos não sejam
afetados por epidemias geradas pelos moradores das áreas mais insalubres.
Logo, é possível notar pelas características do processo de socialização, que apesar
de o modelo inglês ter sido o que mais obteve sucesso, os ocorridos na Alemanha e
França foram e são de extrema importância para o desenvolvimento posterior que a
medicina social teve, além de terem sido pioneiros em questões como a estatização dos
saberes médicos e as noções atuais que temos de saneamento básico nas cidades, por
exemplo. Assim, a importância desse processo para a constituição do que chamamos
atualmente de saúde pública, apesar de existir juntamente a questão controladora e de
certa forma autoritária do Estado por trás, é inegável.

Você também pode gostar