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CRÍTICA | COM ROTEIRO INTELIGENTE E POLITICAMENTE INCORRETO, ‘FESTA DA SALSICHA’

NÃO É PARA CRIANÇAS

Bruno Giacobbo Bruno Giacobbo06/10/2016

Se o artista gráfico e cartunista Robert Crumb, criador de “Fritz The Cat”, um dos personagens
mais controversos da história dos quadrinhos norte-americanos, for cinéfilo, sou capaz de
apostar que ele será um dos primeiros a correr até a sala de cinema mais próxima para
conferir a animação Festa da Salsicha (Sausage Party), dirigida por Greg Tiernan e Conrad
Vernon. Além disto, tenho a nítida impressão de que ele gostará bastante do resultado final,
pois desde que o longa-metragem estrelado pelo seu próprio personagem foi lançado, em
1972, um desenho não era tão chulo, escatológico, pornográfico ou bizarro, no bom sentido,
quanto este. Nem mesmo “South Park”, obra amplamente consagrada na telinha e na telona
pelo seu conteúdo politicamente incorreto.

Na história criada por Seth Rogen, Jonah Hill e Evan Goldberg, alimentos de todos os tipos e
produtos em geral vivem em um supermercado sonhando com o dia que serão levados para o
paraíso pelos deuses. Estas divindades são os homens e as mulheres que vão até lá para fazer
compras. O que eles não desconfiam é que a realidade fora daquele estabelecimento
comercial é bem diferente do que eles acreditam. Em meio a este clima idílico, uma salsicha,
Frank, e uma bisnaguinha, Brenda, anseiam por uma tórrida noite de amor. No entanto, tudo
isto ficará em segundo plano quando um pote de mostarda com mel for devolvido por seu
comprador e tentar revelar a verdade sobre o que viu lá fora. Claro, como a religião é o ópio
do povo, a princípio, ninguém dará bola. Contudo, a semente da dúvida já vai estar plantada
no protagonista e nada mais será o mesmo até ele descobrir o que é verdade ou mentira.

Com a dublagem brasileira a cargo de Guilherme Briggs e da trupe do “Porta dos Fundos”, não
há praticamente um diálogo sem palavrões. São eles que asseguram o nível de obscenidade.
Ao analisar os nomes dos dubladores ianques (Seth Rogen, Jonah Hill, Michael Cera, James
Franco… o grupo do filme “É o Fim”), dá para imaginar que a qualidade das piadas originais é
igual. Entretanto, este não é o único ponto forte de Festa da Salsicha dentro do que ela se
propõe. Se me pedissem para classifica-la em um gênero específico, eu não teria dúvida: pornô
e terror. Sim. O pornô é corroborado pela forma como os alimentos foram desenhados.
Salsichas são fálicas, mas bisnaguinhas não inspiram pecado. Porém, aqui elas lembram o
órgão genital feminino. A classificação como terror é justificada quando a verdade sobre a vida
longe do mercado é descoberta. Numa cozinha, ocorre uma cena em que a música nos remete
a “Psicose” (1960).

Este longa de animação prima, também, por um roteiro inteligente que surpreenderá o público
em muitos momentos. Aconteceu comigo. Diversas vezes me peguei questionando o que
estava vendo na telona. Em meio a elementos de pornografia e de terror gore, há espaço, por
exemelo, para uma paródia de Adolf Hitler e uma critica sobre o interminável conflito
envolvendo palestinos e judeus na Faixa de Gaza. Entre os personagens principais estão um
pão árabe, Kareem Abdul Lavash, e um bagel, Sammy Bagel Jr. Eles são obrigados a dividir o
mesmo canto do supermercado e passam o tempo todo implicando um com o outro. As cenas
são bastante engraçadas e, com o avançar da história, os dois começarão a se dar bem demais.
Uma observação importante: de toda a trama, esta é a parte que existe mais chance de ferir
suscetibilidades com os rumos desta nova amizade.

Curiosamente, devido aos seus inúmeros acertos, Festa da Salsicha é uma animação para
poucos. Ela não foi feita para o público infantil e muitas são as pessoas que desgostam do seu
tipo de humor. Existe uma grande possibilidade de senhoras, mulheres ou indivíduos dotados
de um moral casta se incomodarem com tudo que é dito ou mostrado. Assim, me recordo de
Don Frye, um lutador dos primórdios do UFC, que, antes de entrar no octógono, pedia para
que os pais tirassem as crianças da frente da televisão. Neste caso específico, não deixem elas
chegarem perto da entrada do cinema.

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