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Original e

emocionante, Barbie
nem parece filme de
marca
Aventura baseada na boneca tem roteiro certeiro de Greta
Gerwig e Noah Baumbach
4 min de leitura

BEATRIZ AMENDOLA 18.07.2023, ÀS 20H00 AT U A L I Z A D A E M 2 0 . 0 7 . 2 0 2 3 , À S 0 9 H 3 1

Como marca, Barbie é uma das mais poderosas do planeta. É difícil


achar quem nunca tenha ao menos ouvido falar na boneca que foi
lançada em 1959 e, desde então, ganhou centenas de versões,
profissões, roupas e acessórios – e, claro, foi vendida aos milhões.
Por isso mesmo, a empreitada de levar às telas uma história da Barbie
não era sem risco; mexer com uma marca que tem por trás uma
grande corporação como a Mattel poderia esbarrar em um sem-
número de restrições e vetos; felizmente, não é o caso do filme
dirigido por Greta Gerwig e produzido/estrelado por Margot Robbie.

No roteiro hábil de Gerwig e seu parceiro Noah Baumbach, Barbie é,


em seu cerne, uma aventura de amadurecimento que opõe a
ingenuidade e a perfeição da Barbielândia – o local onde moram todas
as Barbies (e os Kens) – aos conhecidíssimos problemas do sexismo
no mundo real, no qual a Barbie de Robbie e o Ken de Ryan
Gosling vão parar quando a boneca começa a “dar defeito”, como ter
pensamentos intrusivos sobre a morte.

Falar de mortalidade e existencialismo pode soar deslocado para um


filme-de-marca, mas não há nada nessa premissa que os dois
roteiristas não encaixem de forma orgânica na trama, que segue
caminhos tão inesperados quanto lógicos; os efeitos da interação
Barbielândia-mundo real, afinal, fazem muito sentido, mas talvez não
sejam o que o espectador espera – e que a Warner Bros. tenha
conseguido manter a trama cheia de ideias de metalinguagem em
relativo segredo em meio à massiva campanha de lançamento é um
grande ganho.

Para fins desta crítica, basta dizer que Barbie tem comentários
afiadíssimos e inteligentes sobre a dinâmica entre homens e mulheres
ao longo dos tempos e também sobre como esses papéis sociais são
vistos e problematizados hoje em dia. E o filme o faz com um grande
coração: a história é genuinamente divertida, com um humor que
passeia entre a acidez e a inocência, mas também emociona com a
jornada existencial de seus protagonistas, reservando momentos
tocantes e provocando reflexões, especialmente em sua reta final.

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O deboche é o grande aliado de Gerwig e Baumbach para tratar não


apenas do sexismo mas também da questão “corporativa”. Não será
estranho se você se pegar pensando “como a Mattel deixou esse filme
ver a luz o dia?”, embora seja necessário reconhecer que, no fim, isso
não deixa de ser um serviço à empresa, certamente beneficiada pela
imagem que tal decisão passa. Rir de si mesmo, no fim das contas,
parece ser um pré-requisito para estabelecer uma comunicação com
uma geração jovem de consumidores que associa seus hábitos de
consumo com um olhar crítico sobre o próprio consumismo.

Em muito ajuda, claro, que Margot Robbie e Ryan Gosling se


entreguem aos seus papéis com atuações carregadas de
autenticidade, para além da vocação do filme para a ironia e a
autorreferência. Robbie confere doçura e sinceridade a sua “Barbie
estereotipada”, retratando com sensibilidade seu despertar. Gosling,
por sua vez, rouba a cena; seu Ken é simultaneamente responsável
por alguns dos momentos mais dramáticos e mais hilários do filme – e,
nestes últimos em particular, o ator retoma um timing cômico de tirar o
chapéu, como havia mostrado em filmes como Dois Caras
Legais (2016).

Dentre o numeroso elenco coadjuvante do filme, Simu Liu diverte com


a rivalidade que seu Ken nutre pelo de Gosling; Kate McKinnon,
oriunda do Saturday Night Live, traz para sua “Barbie esquisita” um
humor mais seco que cai bem em contraste com a perfeição da
Barbielândia; e cabe à Glória de America Ferrera, uma das poucas
humanas da história, ser o centro emocional – ela, afinal, também tem
suas próprias questões sobre seu lugar no mundo e sua relação com a
filha adolescente.

Dar lastro a um filme que poderia se perder na paródia de si mesmo


não depende apenas de um elenco bem escolhido: o mundo cor de
rosa criado pela direção de arte se faz muito palpável, e tudo ali
parece distribuído e posicionado com propósito – um bem-vindo
contraste no meio da epidemia de efeitos visuais turvos e
indistinguíveis entre si que assola outros blockbusters. Tudo na
Barbielândia remete a brinquedos muito conhecidos da boneca: as
casas sem paredes, os carros pink, as escovas desproporcionais, as
caixas com roupas… É um conjunto que se presta ao fan service para
quem se importa com isso, e ao mesmo tempo situa muito bem o
universo artificial dessa fantasia que está, a cada instante e sem
descanso, esboçando um olhar analítico sobre si mesmo.

E é nessa mistura do encanto nostálgico com a inventividade e o


humor que o filme cativa. A Barbie, esse ícone tão cultuado quanto
criticado, não é posta em um pedestal, tampouco achincalhada; ela
ganha uma história deliciosa e esperta, que a atualiza e a humaniza e,
principalmente, que diverte. Parece um bom ponto de partida.

N O TA D O C R Í T I C O Excelente!

Barbie
Barbie
ANO: 2023 DIREÇÃO: GRETA GERWIG

PAÍS: EUA ROTEIRO: NOAH BAUMBACH, GRETA GERWIG

DURAÇÃO: 1H54 MIN ELENCO: AMERICA FERRERA, SIMU LIU, ISSA


RAE, RYAN GOSLING, EMMA MACKEY,
MARGOT ROBBIE, KATE MCKINNON, NICOLA
COUGHLAN, WILL FERRELL

ONDE ASSISTIR:

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