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1. O QUE É GEOGRAFIA?
1
De acordo com Mendes (2008, p.10) os povos da Pré-História já utilizavam-se de
conhecimentos de cunho geográfico relativos à manutenção da sua sobrevivência quando
buscavam abrigo em cavernas e áreas propícias para o desenvolvimento de algumas
atividades, como as de caça e pesca. Entretanto, com suas técnicas rudimentares, não
realizavam alterações expressivas no meio em que viviam, mas adquiriram maior
conhecimento sobre a natureza, adaptando-a e/ou transformando-a de forma a atender as suas
necessidades e interesses, ampliando o campo de domínio.
particularidades dos continentes, fazendo com que cada vez mais e de forma
mais intensa, esse conhecimento adquirisse força e progredisse.
Já no final do século XIX, devido ao enraizamento do modo de
produção capitalista2 e da burguesia no poder, o conhecimento acerca dos
recursos naturais para o abastecimento da indústria configurou-se no impulso
que faltava para conferir à Geografia o seu status de ciência emergente,
abordando e enfatizando as particularidades do seu campo de saber e atuação,
tornando-a uma ciência autônoma.
O processo histórico de desenvolvimento do conhecimento
geográfico, desde as primeiras comunidades humanas, passando pela
Antiguidade Clássica3 até o final do século XIX quando o grau de ciência lhe foi
conferido, permite evidenciar os diferentes objetivos para os quais o referido
saber foi produzido, organizado, utilizado e, paulatinamente, sistematizado.
Sem sombra de dúvidas, a necessidade de conhecimento do homem
em relação à Terra, de forma geral, serviu como mola propulsora para o
desenvolvimento da Geografia, evidenciando assim, todo o seu potencial, até
tornar-se, de fato, uma ciência indispensável à humanidade.
Seu objeto de estudo, a partir desse processo, pôde ser estruturado
com vistas a garantir e afirmar efetivamente o campo do saber geográfico.
Contudo, a sua caracterização não foi tão facilmente definida, em função da
abrangência e amplitude adquiridas.
Desde a Antiguidade expressa-se a necessidade do conhecimento
relativo à natureza e aos povos. Tal necessidade ainda hoje se mantém, mas
considerando todo o processo de ocupação, organização e transformação dos
espaços e ainda o processo dialético4 por meio do qual ocorre. Essa
2
Trata-se de um conceito marxista. Segundo K. Marx, historicamente a humanidade organizou-
se de maneiras diversas, sendo que a estrutura econômica teve influência direta sobre os
outros aspectos da organização, tais como a política, a social e a cultural, determinando-as,
inclusive. O Modo de Produção Capitalista é, portanto, aquele em que as formas de exploração
atingiram picos mais dramáticos.
3
Refere-se ao período histórico marcado no Ocidente pelas Civilizações Grega e Romana.
4
O conceito de dialética é utilizado por diferentes doutrinas filosóficas, assumindo, portanto
significados distintos. O método dialético possui várias definições, tal como a hegeliana,
a marxista entre outras. Para alguns, consiste em um modo esquemático de explicação da
realidade baseado em oposições e em choques entre situações diversas ou opostas. Os
elementos do esquema básico do método dialético são a tese (afirmação),
a antítese (oposição) e a síntese (situação nova resultante do embate entre as duas
anteriores). Consiste em uma nova tese com elementos resultantes do referido embate.
2
necessidade leva em conta a interdependência por uma via e a relação entre
esses fatores por outra, sendo estreitamente ligados às formas pelas quais os
grupos humanos os produziram, isto é, de acordo com seus interesses.
ANDRADE (2008, p.14) define a Geografia como:
3
2. A GEOGRAFIA NO BRASIL
5
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) regulamenta o ensino público e
privado da Educação Básica ao Ensino Superior no país, sendo a LDB nº. 9394/96 a terceira
promulgada e que encontra-se em vigência.
4
e descaracterizadas. As humanidades foram secundarizadas e ambas
perderam espaço significativo na grade curricular.
Após o período da Ditadura Militar (1964-1985), houve algumas
mudanças. A principal refere-se à implantação da Lei nº. 9394/96 que
considera ambas as disciplinas (Geografia e História) como ciências que
devem ser analisadas e estudadas levando em conta suas respectivas
especificidades.
A Geografia, até então tradicional6, começa a ser vista e pensada por
um novo enfoque. Passa então a considerar o ser humano como sujeito
primordial na relação com a natureza, bem como para a sua transformação por
meio da interação com ela estabelecida e, fundamentalmente, pelo trabalho.
Os debates, discussões e alguns movimentos iniciados a partir da
década de 1970 no mundo e mais intensamente na década seguinte, acabaram
por resultar nessa Geografia Crítica ou Radical7 que vem ganhando força nos
últimos anos, não apenas no Brasil, mas também em outros países do mundo.
Assinala-se que esse movimento irrompeu com o fim da Segunda
Guerra Mundial e o novo cenário resultante: “Guerra Fria” 8. Os geógrafos
iniciaram um intenso processo de discussão em busca de uma Geografia
Crítica capaz de abordar questões inerentes ao meio social e natural, surgindo
deste modo um movimento de renovação da disciplina. A esse respeito
MENDES (2010, p. 37) nos diz que
6
A intitulada Geografia Tradicional, de acordo com VESENTINI (2004), tem como base o
esquema “Homem – Terra”, abordando um ensino descritivo e mnemônico da superfície
terrestre.
7
A Geografia Crítica desenvolveu-se a partir da década de 1970 e significou uma ruptura com
o pensamento anterior. O adjetivo “crítica” refere-se a uma postura frente à realidade. Seus
autores e adeptos entendiam que havia a necessidade de pensar o estudo e a pesquisa em
Geografia, posicionando-se em favor da transformação da realidade, considerando-a como um
dos instrumentos de libertação do ser humano por meio da análise das contradições presentes
na sociedade.
8
A Guerra Fria caracterizou-se pela disputa entre a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos da América (EUA). As duas superpotências foram as
maiores responsáveis pela vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, no entanto
possuíam regimes políticos antagônicos. A primeira socialista e a segunda, capitalista. As
décadas seguintes foram de grande instabilidade e disputa por meio das Corridas Espacial e
Armamentista, bem como pela tentativa de ampliação das áreas de influência de cada qual.
Alguns eventos pelo mundo afora servem de referência para o entendimento da referida
disputa: a Guerra do Vietnã; os Golpes Militares na América Latina e a Crise dos Mísseis em
Cuba são alguns exemplos.
5
Nesse contexto, surgiu um movimento de renovação da geografia baseado na
produção de conhecimentos geográficos comprometidos com a justiça social, as
desigualdades na distribuição de rendas e a correção das desigualdades econômicas
entre os países, dando origem a corrente teórica chamada Geografia Crítica ou
Radical.
9
Construtivismo e socioconstrutivismo referem-se às correntes teóricas de Piaget e Vigotski,
respectivamente. Ambos são construtivistas por considerarem que o conhecimento dá-se a
partir da ação do sujeito sobre o objeto, sobre a realidade. Contudo, para Vigotski, o indivíduo
não configura-se apenas em sujeito ativo, mas interativo, sendo o fator cultural e a mediação
fundamentais, enquanto para Piaget pouco enfatizados. Vigotski enfatiza ainda que o processo
de aquisição do conhecimento parte do campo social para o individual, assim como o
aprendizado gera desenvolvimento e não o contrário, como preconiza Piaget por meio dos
estágios do desenvolvimento humano.
6
3. O ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
O homem é ativo. A ação que realiza sobre o meio que o rodeia, para suprir as
condições necessárias à manutenção da espécie, chama-se ação humana.
Toda ação humana é trabalho e todo trabalho é trabalho geográfico.
Não há produção que não seja produção do espaço, não há produção do espaço que
se dê sem trabalho. Viver, para o homem, é produzir espaço. Como o homem não vive
sem trabalho, o processo de vida é um processo de criação do espaço. (SANTOS,
1997, p. 89)
10
Trabalho entendido como uma ação própria do homem, intencional e planejada sobre a
natureza. Tendo como referência esse conceito, pode-se perceber sua relação direta com o
objeto de estudo da Geografia, ou seja, o espaço geográfico, sendo este, por sua vez,
resultante da interação do homem com a natureza.
7
pois será justamente nos espaços esperienciados11 que as crianças
encontrarão maiores possibilidades para o desenvolvimento das suas primeiras
noções espaciais, criando - portanto - seus primeiros referenciais. Conforme
ALMEIDA (2006), o domínio do espaço é ampliado pela criança por meio das
progressivas aquisições no nível corporal.
O ensino de Geografia deverá possibilitar-lhes que, por meio do trabalho
com o corpo e da leitura das paisagens dos lugares esperienciados, deem
início ao processo de desenvolvimento da noção de constituição espacial12,
sendo este o objetivo principal da área nesse nível de ensino.
A partir do objetivo mais amplo explicitado, podem-se definir outros,
visando garantir a efetivação do aprendizado no que concerne ao campo do
saber geográfico. CALLAI (2005, p. 241) nos diz a esse respeito que “nesse
nível de ensino, possibilitar à criança a leitura do espaço caracteriza o principal
objetivo de ensino da Geografia”.
O trabalho ainda deverá proporcionar que as crianças:
11
A expressão é utilizada ao longo do texto fazendo referência a espaço vivido. Grafa-se com a
letra “s” por reportar-se a essa dimensão espacial específica, diferentemente de experienciado
grafado com a letra “x” que relaciona-se com as experiências vividas pelos indivíduos.
12
Constituição Espacial refere-se a organização do espaço; aos elementos que nele constam;
as ações realizadas e que formam um conjunto indissociável em sua totalidade.
8
Se reconheçam enquanto sujeitos pertencentes a uma determinada realidade
que possui uma organização espacial própria e que encontra-se num processo
constante de transformação;
Utilizem elementos e/ou objetos das paisagens para criar mecanismos que
facilitem o processo de localização espacial;
13
Conforme já mencionado, o domínio no nível corporal amplia o domínio espacial.
14
Ver texto de Fundamentos Teórico - Metodológicos da Abordagem Histórico - Cultural.
9
As vivências15 espaciais manifestadas são, desse modo, resultantes da
prática cotidiana, das experiências as quais foram submetidas. Salienta-se que
estas não são singulares, mas plurais, pois cada um, a partir de sua história de
vida, capta e percebe informações distintas do meio. Assim, um mesmo lugar
terá configurações, sentidos e sentimentos diferenciados para cada indivíduo.
O trabalho geográfico deverá ser capaz, além de propiciar o
desenvolvimento da noção de constituição espacial, de ampliar o campo das
experiências, dos olhares sobre as paisagens dos diversos espaços.
10
Cabe salientar que o olhar e o apontar pelo bebê ou pelas crianças pequenas
também expressam entendimento.
16
O trabalho com conceitos dar-se-á por toda a vida, não consolidando-se, portanto, na
Educação Infantil.
11
A Educação Infantil, de forma geral, deve equipar/instrumentalizar as
crianças com ferramentas para que interajam com o mundo e o compreendam.
Concebê-las como o centro do planejamento, identificando as maneiras por
meio das quais percebem o espaço coloca-se como ponto central, tendo como
referência o desenvolvimento da noção de constituição espacial.
Deste modo, evidencia-se a relevância de iniciar o trabalho pedagógico
com o corpo (movimento), seguido da leitura das paisagens dos lugares
esperienciados (vividos) e da sua organização para, então, identificar formas
de representá-lo. Na prática, esses elementos ocorrem de maneira
concomitante e não como uma sequência didática, no entanto, há que dar-se
ênfase a cada um num determinado momento, de acordo com o período de
desenvolvimento. “No processo de desenvolvimento humano, não há uma
separação do homem e da natureza. A natureza se socializa e o homem se
naturaliza”. (SANTOS, 1997. p, 89)
Há que se ter clareza de que todos esses conhecimentos não serão
consolidados nesse nível de ensino, conforme já mencionado, mas deverão ser
sistematizados, de modo que as crianças iniciem um processo de tomada de
consciência acerca do seu corpo e também do meio natural e social ao qual
pertencem.
No decorrer do desenvolvimento capacidades serão evidenciadas e
deverão ser exploradas pelo professor, objetivando a aquisição de novas
habilidades, sendo estas socialmente e culturalmente construídas. O
movimento, aqui considerado como capacidade expressiva, emocional e
intencional associado ao trabalho com as sensações, será um importante
instrumento, devendo ser valorizado, visto que a ampliação do domínio
espacial dependerá das aquisições efetivadas no nível corporal. A tríade
formada por tal associação (espaço, movimento e sensações) constitui a base
para todo o trabalho pedagógico que deverá ser desenvolvido.
As sensações, que caracterizam-se pelo recebimento de informações
por meio dos órgãos dos sentidos e as percepções, que configuram-se na
consciência das sensações, serão elementos-chave para o trabalho geográfico,
auxiliando no processo de identificação e leitura das paisagens.
Complementarmente, o estabelecimento de vínculos com o lugar, isto é, a
afetividade com ele criada também torna-se significativa.
12
Espaço
Afetividade
Geográfico
Sensações Movimentação
e
(Percepção) Locomoção
Nesse sentido, CALLAI (1998, p. 55) aponta três razões para estudar
Geografia
13
formas resultantes das relações entre sociedade e natureza. Para entendê-las, faz-se
necessário compreender como os homens se relacionam entre si.
Terceira: instrumentalizar o aluno e fornecer-lhe as condições para que seja realmente
construída a sua cidadania são objetivos da escola, mas cabe à Geografia um papel
significativo nesse processo pelos temas e pelos assuntos de que trata.
17
Predominância motora de um dos lados do corpo que será evidenciada ao longo do
desenvolvimento. Os bebês e crianças pequenas são ambidestros, ou seja, detêm a
capacidade de pegar (segurar, agarrar, manipular, mexer, etc.) nos objetos com ambas as
mãos. A criança, ao manifestar a preferência por um dos lados do corpo, não deverá ser
reprimida ou forçada para que utilize o outro lado, visto que poderá implicar em problemas de
orientação espacial, fazendo-as, por exemplo, tropeçar em móveis e objetos.+
14
nos planejamentos para que as crianças os desenvolvam, considerando que
este processo além de gradativo é também complexo, exigindo noções ainda
mais abstratas, pressupondo, por exemplo, localização e conversão.
Podem-se considerar referenciais absolutos acima e abaixo; junto e
separado, por exemplo, e relativos, esquerda e direita, na frente e atrás. Torna-
se importante salientar que na natureza, no meio em que as crianças vivem,
encontrarão elementos e objetos que não possuem lateralidade definida (jarras,
garrafas e outros semelhantes). Assim, as condições propícias para o
desenvolvimento da lateralidade e da representação do espaço dar-se-ão,
inicialmente, a partir do corpo, para posterior utilização de objetos fixos que
encontram-se no meio, tanto natural como social, sobretudo tratando-se da
representação do espaço.
O trabalho pedagógico deve oportunizar, de acordo com a faixa etária,
desafios por meio das brincadeiras, dos cuidados, da observação, da
exploração do meio, conferindo-lhes um crescente grau de autonomia na
mobilidade e reconhecimento espacial.
O professor, nesse contexto, além de desempenhar a função de
mediador entre o conhecimento que as crianças detêm e aqueles que serão
produzidos e socializados (conhecimento científico), também configura-se
como o agente responsável pela promoção da criação de situações de ensino e
aprendizado que venham, de fato, gerar a experimentação do meio, utilizando-
se do corpo/ movimento (sensações); das brincadeiras e jogos; da observação
e da exploração do espaço; entre outros, conforme já evidenciado. De acordo
com SAVIANI, 1995
15
móveis; retirando-os ou acrescentando-os; assim como atribuindo-lhes novas
significações, devem ser efetuados com frequência para que as crianças
percebam que os espaços, por menores que sejam, sofrem alterações ou
transformações que modificam a sua organização, a sua paisagem.
Todas essas alterações são importantes para a constituição das noções
espaciais e provocam mudanças, intencionais e/ou necessárias, na
organização espacial. Algumas, até mesmo irreversíveis gerando, portanto,
transformações. Estas precisam ser experimentadas diretamente ou
observadas, pois remetem ao objeto de estudo da Geografia e servem de
aporte para análise de transformações ocorridas em espaços/âmbitos maiores.
O conceito de transformação está presente em todo o estudo do espaço, uma vez que
a sociedade humana, ao satisfazer as necessidades que ela mesma cria, atua sobre a
natureza e modifica seu espaço. Essa intervenção se dá com a apropriação da
natureza, ou seja, o homem não se submete ao espaço natural, cada vez mais ele o
altera por meio do trabalho. (KOZEL, 1996, p. 28)
16
Tendo clareza de que as crianças apropriam-se e expressam o
conhecimento apreendido por meio da brincadeira, caracterizada como um
elemento da cultura18 há que se considerar que a mesma ainda configura-se
como a atividade por excelência da criança. É a partir dela que as crianças
poderão reestruturar/reelaborar as situações humanas já produzidas ao longo
dos tempos (re) criando, (re) estruturando e (re) vivendo o conhecimento, ao
passo que dele apropriam-se.
É fundamental ter como definição que não basta apenas expor as
crianças a estímulos diversos; não é suficiente disponibilizar-lhes os objetos da
cultura. É preciso organizar e sistematizar os diversos conteúdos (situações de
ensino e aprendizado, encaminhamentos e/ou propostas) de modo que reflitam
a intencionalidade inerente ao trabalho. Nesse contexto, o professor torna-se
aquele que tem como função mediar o conhecimento que as crianças detêm e
o conhecimento oriundo da especificidade da área, ou seja, o conhecimento
científico.
18
Cultura é algo essencialmente humano. Trata-se do conjunto de manifestações,
comportamentos, valores, costumes e pensamentos de um povo. Do ponto de vista filosófico é
possível afirmar que os seres humanos sentem, fazem e agem culturalmente e com base na
sua cultura, pensam e refletem sobre o porquê de tudo á sua volta. Do ponto de vista
etnológico, cultura define um modo de viver específico de determinado grupo humano ou etnia.
Antropologicamente, diz-se que são sistemas de padrões de comportamento, de modo de
organização social, econômica e política, em permanente adaptação, em função do
relacionamento dos grupos humanos com seus respectivos espaços e ecossistemas; também
pode ser entendida como sistema simbólico de determinado grupo e que apenas pode ser
apreendido por outro grupo por meio de interpretação. Jamais por mera descrição.
17
4. CONTEÚDOS
19
Noção entendida enquanto conteúdo de formação operacional (função psicológica
elementar), com vistas à apropriação, mesmo que em momento posterior, de conteúdos de
formação teórica, ou seja, de conhecimento de cunho científico/conceitos (função psicológica
superior). A noção de espaço é construída socialmente por meio de um diálogo constante
referente tanto aos aspectos naturais quanto aos sociais que configuram os lugares,
inicialmente os esperienciados. É preciso considerar, antes de tudo, que o ser humano desde
que nasce tem contato com o meio (natural e social) e é nele que desenvolve-se.
20
Agrupamentos que reúnem conteúdos de mesma ordem ou natureza, facilitando suas
respectivas identificações na organização espacial. Trata-se de uma forma didática de
organização, objetivando uma maior compreensão, visto que estes na natureza e/ou na
sociedade não ocorrem de maneira fragmentada e desarticulada.
21
Refere-se ao espaço geográfico em suas formas de ocupação, organização e transformação.
Configura-se no objeto de estudo ou de conhecimento da Geografia.
18
As relações sociais são responsáveis pela organização dos espaços
uma vez que expressam regras e normas dos grupos sociais por meio das
crenças, incluindo costumes e tradições advindos da rede tecida pelo processo
cultural. Tal consideração permite percebê-las como elemento que integra e
permeia as categorias espaciais e também sua associação com os demais
conteúdos. Isto porque encontra-se diretamente relacionada ao fato de o
sujeito ter consciência do seu próprio corpo no espaço, da constituição das
paisagens e das formas de organização do trabalho no mundo produtivo.
Vale reafirmar, nesse ponto, a relevância do trabalho com o espaço
vivido (espaço de referência das crianças), experimentado fisicamente e de
maneira direta, facilitando a ação pedagógica inicial com vistas à aquisição e
ampliação da percepção espacial.
Instigar as crianças para que relembrem mentalmente os espaços
percorridos, os trajetos que realizam torna-se uma excelente oportunidade de
incitar-lhes a curiosidade acerca da observação e exploração do espaço. Do
mesmo modo, por meio da fala (relatos orais), oportuniza-se que descrevam,
analisem e reflitam sobre as paisagens observadas e experienciadas em outros
momentos.
Na Educação Infantil, esse processo constituirá o trabalho pedagógico
em relação ao espaço percebido, pois nesse período as crianças ainda estarão
adquirindo a habilidade de abstrair (recordar os elementos que integram a
paisagem dos espaços pelos quais circulam, sobretudo os mais próximos as
suas casa e CMEI). Deste modo, o professor deverá estimulá-las para que
observem as paisagens que constituem os espaços pelos quais circulam,
principalmente aquelas que fazem-se presentes na sua prática diária.
O espaço percebido não necessita ser vivido de maneira direta, podendo
ser relembrado por meio de um processo de lembrança/recordação. O caminho
que as crianças realizam para deslocarem-se de suas casas até o CMEI, por
exemplo, poderá ser considerado um dos primeiros espaços percebidos.
Além dos objetivos definidos anteriormente para a Geografia na
Educação Infantil, há outros, específicos para o trabalho em cada uma das
categorias espaciais, conforme evidenciado na tabela a seguir:
19
CATEGORIAS ESPACIAIS OBJETIVOS
A criança deverá perceber que:
20
4.1- A CRIANÇA E O CORPO: Esquema Corporal (O primeiro espaço)
21
simplesmente aparente. Deste modo, suas impressões, cultura, hábitos e
sensações serão relevantes no processo de identificação e leitura das
paisagens. Para SANTOS (1997, p. 62) “a dimensão da paisagem é a
dimensão da percepção, o que chega aos sentidos. Por isso, o aparelho
cognitivo tem importância crucial nessa apreensão, pelo fato de que toda
educação, formal ou informal, é feita de forma seletiva, pessoas diferentes
apresentam diversas versões do mesmo fato”. Portanto, a paisagem contém
uma dimensão objetiva e outra subjetiva, além de juntar, num dado momento,
passado e presente.
Alguns autores, como BERQUE (1995), consideram que a paisagem não
detém apenas os elementos da realidade, mas também os da imaginação.
Exemplificando: uma pessoa nativa de certa região/lugar não terá o mesmo
olhar do que um turista que a visita, pois suas experiências são distintas. A
pessoa nativa, além dos vínculos afetivos estabelecidos com esse lugar desde
a infância, provavelmente também terá presenciado o processo de
transformação e/ou de mudanças que nele ocorreram. Portanto, as
experiências com o lugar, e pode-se considerar também com a paisagem, são
plurais (muitas), tendo em vista que cada um capta, sente, percebe e vê aquilo
que suas experiências lhe proporcionam ver, olhar, ouvir, sentir, captar,
perceber...
Nesta lógica, a categoria “Lugar” detém caráter subjetivo, pois está
diretamente relacionada ao vínculo e identidade criados com cada lugar
específico. Nela, as relações humanas sobressaem-se, inclusive com a
natureza.
Segundo CAVALCANTI (2002), a paisagem e o espaço estão
articulados formando um par dialético. A paisagem é a materialização de um
instante da sociedade e o espaço contém o seu movimento.
Na Educação Infantil, o trabalho com o Lugar será propiciado por meio
da leitura das paisagens dos lugares (espaços) esperienciados; pela
identificação e diferenciação dos elementos naturais e culturais/humanizados
que os integram e, especialmente, objetivando que as crianças percebam-se
enquanto sujeitos que modificam o espaço, portanto, também construtores e
transformadores, como parte da paisagem.
4.3 - A CRIANÇA E O ESPAÇO: Organização e Representação
22
A criança apresenta uma forma peculiar de relacionar-se com o espaço.
Considerando as crianças da Educação Infantil, essa relação acontecerá nos
seus espaços vividos. A partir deles, deverão perceber que a organização
ocorre em detrimento de necessidades e/ou interesses dos grupos sociais que
os produziram, assim como estão sujeitos a transformações em função de
novas necessidades e interesses.
Inicialmente pensando-se que as experiências das crianças remetem-se
ao espaço familiar (moradia) e ao espaço escolar (CMEI), fazê-las perceber
que as relações estabelecidas em ambos originaram a organização tal como
apresenta-se, poderá propiciar-lhes subsídio para que possam compreender a
organização proveniente de espaços mais amplos, mesmo que posteriormente.
Cada sociedade ou grupo humano, ao longo dos tempos, encontrou as
formas que mais lhe convinham22 para organizar o espaço de que dispunham.
Deste modo, evidencia-se a diferenciação entre os diversos espaços que, em
sua complexa totalidade, integram o espaço geográfico.
A necessidade de representação acerca da organização dos espaços
tornou-se imprescindível por inúmeros fatores, entre os quais destaca-se o
próprio registro enquanto memória, por meio do qual é possível identificá-los,
analisá-los, compará-los, relembrá-los, etc.
As crianças da Educação Infantil deverão perceber que os espaços
podem ser representados, assim como a importância de tal procedimento, mas
antes necessitarão experimentar corporalmente variadas situações e
sensações, para depois encontrar formas para representá-los, podendo fazê-lo
utilizando-se de diferenciadas formas e recursos, tais como: desenhos,
recorte/colagem, massa de modelagem, maquetes, mapas, músicas,
dramatizações, entre outros.
A fotografia também caracteriza-se como um elemento primordial de
representação/registro, visto que o espaço geográfico da criança,
especialmente, encontra-se num constante processo de transformação além de
22
Considerando, para tanto, aspectos inerentes à própria natureza, bem como os sociais,
políticos, econômicos e culturais, assim como os meios de que dispunham para tal organização
por meio do trabalho (ação transformadora).
23
servir como acervo para a instituição, podendo ser utilizada em outros
momentos.
Olhar o mundo à sua volta, que para a criança no CMEI tem início pelo
reconhecimento do próprio corpo, amplia-se por meio da percepção do espaço,
para além do seu e, mesmo dos corpos das pessoas com quem convive. Essa
conquista e/ou aquisição fará um complemento, ampliando a relação
estabelecida com os elementos constitutivos da organização espacial.
A percepção inicial dos elementos que compõem a teia de relações
sociais começa a ser construída a partir da observação das ações e do
trabalho desenvolvido no interior do próprio CMEI.
Diferentes pessoas e trabalhos diversos são desenvolvidos diariamente.
Uns mais, outros menos especializados, mas todos com sua especificidade e
interrelação, cuja articulação converge não apenas para a formação da criança,
como também produz e reelabora traços que revelam uma dada cultura, muito
própria do que denomina-se “Cultura da Escola” 23.
As relações sociais no trabalho, de difícil construção conceitual, são
percebidas por meio da observação do trabalho dos vários indivíduos que, com
seu fazer diário, concorrem para a organização espacial e efetivação do papel
social da instituição escolar.
23
Aquilo que é próprio da instituição e que nela desenvolve-se, tais como: suas práticas, ritos,
ritmos, entre outros.
24
As sugestões de situações de ensino e aprendizado foram elencadas
para explicitar algumas possibilidades de trabalho com os diversos conteúdos
contemplados nas categorias espaciais, havendo outras de acordo com os
objetivos de trabalho e necessidades das turmas, visando auxiliar e orientar a
ação docente durante a elaboração do planejamento.
Os conteúdos de ensino, sempre que possível, devem ser
sistematizados nos Planos de Trabalho de maneira articulada abrangendo,
portanto, conteúdos inerentes a mais de uma categoria. Cabe salientar que o
trabalho envolvendo a articulação proporciona uma amplitude acerca da
dimensão espacial.
O esquema apresentado a seguir evidencia a articulação entre as
categorias espaciais, assim como, para a Educação Infantil, identificar a
categoria “A Criança e o Corpo: Esquema Corporal” permeando as demais,
visto que a ampliação do domínio corporal possibilitará maior conhecimento em
relação ao espaço, conforme já mencionado, permitindo, por meio do trabalho
pedagógico, que as crianças realizem as leituras das paisagens dos lugares
esperienciados; percebam como esses estão organizados; identifiquem formas
para representá-los; percebam que no espaço do CMEI são realizadas diversas
ações por diferentes pessoas/profissionais; etc.
A Criança e o Corpo:
Esquema Corporal
OBJETIVO PRINCIPAL
25
► Perceber a si próprio como sujeito que ocupa um lugar no espaço. ◄
CONTEÚDOS:
Consciência corporal
(Firmar o corpo/partes, engatinhar, sentar, rolar, pegar, apoiar-se, escalar,
subir, andar).
CONTEÚDO:
26
* Andar pelo espaço da sala de aula com os bebês no colo apontando e
nomeando os objetos e móveis presentes na paisagem.
CONTEÚDO:
Relações espaciais
(Referenciais absolutos: dentro/fora; em cima/ embaixo).
CONTEÚDO:
(***) Conteúdos que permeiam o trabalho no campo do saber geográfico e deverão compor a
rotina das crianças no CMEI, não necessitando de Planos de Trabalho para sistematizá-los.
OBJETIVO PRINCIPAL
27
► Perceber que além de si o espaço comporta outras pessoas e elementos◄
CONTEÚDOS:
Consciência espacial
(Exploração do espaço: reconhecimento do seu corpo como um todo);
Consciência corporal
(Rastejar, sentar, rolar, escalar, subir, andar, equilibrar, saltar, girar, correr,
pular).
CONTEÚDO:
28
móveis de que é composta);
*Dialogar com as crianças acerca das funções dos objetos e móveis (para que
servem), propiciando momentos de exploração, manuseio e utilização (em
situações rotineiras, brincadeiras, jogos);
CONTEÚDOS:
Relações espaciais
(Referenciais absolutos: dentro/fora; em cima/embaixo; junto/separado);
(Referenciais relativos: perto/ longe);
29
você? E a mesa? Agora sente em cima da almofada; etc.).
CONTEÚDO:
(***) Conteúdos que permeiam o trabalho no campo do saber geográfico e deverão compor a
rotina das crianças no CMEI, não necessitando de Planos de Trabalho para sistematizá-los.
30
OBJETIVO PRINCIPAL
► Perceber que o espaço geográfico é constituído por vários lugares
(espaços) e que nesses estão contidos elementos variados e diferenciados. ◄
CONTEÚDOS:
Consciência espacial
(Exploração do espaço: reconhecimento do seu corpo como um todo);
Consciência corporal
(Rastejar, sentar, rolar, escalar, subir, andar, equilibrar, saltar, girar, correr,
pular, colocar, tirar, vestir-se).
31
Paisagem e Lugar
CONTEÚDO:
* Realizar jogo da memória; mural com fotos; bingo com figuras de objetos
questionando em quais locais estão inseridos no espaço da sala, bem como
para que servem; caça ao tesouro com objetos escondidos e orientações a
partir de pistas que retratem suas respectivas funções/ uso; organizar caixa
surpresa ou tátil com objetos para que as crianças os identifiquem.
CONTEÚDOS:
Relações espaciais
(Referenciais absolutos: dentro/fora; em cima/embaixo; junto/separado;
Referenciais Relativos: perto/longe; na frente/atrás);
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da serpente; coelho sai da toca; lenço atrás; histórias dramatizadas;
percursos/circuitos simples e com obstáculos; jogos da memória; brincadeiras
com bolas e arcos/bambolês), em que as crianças experimentem alguns
referenciais em relação ao seu corpo, bem como em relação aos objetos e
móveis (em cima do armário; embaixo da mesa; dentro da gaveta; fora da
sala; perto de você; longe da professora; na sua frente; atrás de você, todos
juntos), para que as crianças percebam que tanto o seu corpo quanto os
objetos que constam nos espaços do CMEI podem auxiliar no processo de
localização/ orientação espacial.
CONTEÚDO:
Relação espaço-trabalho.
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OBJETIVO PRINCIPAL
► Perceber que o espaço é constituído por elementos naturais e culturais ◄
CONTEÚDOS:
Consciência espacial-corporal
(Reconhecimento do seu corpo e do corpo dos colegas);
Consciência corporal
(Rastejar, sentar, rolar, escalar, subir, descer, equilibrar, saltar, pular, correr,
colocar, tirar, vestir-se, abotoar, amarrar, agachar).
CONTEÚDO:
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que os reconheçam e identifiquem suas respectivas funções e necessidades,
tanto no CMEI quanto na sociedade de modo geral.
CONTEÚDOS:
Relações espaciais
(Referenciais Absolutos: dentro/fora; em cima/embaixo; junto/separado;
Referenciais Relativos: perto/longe; na frente/atrás; esquerda/direita);
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SUGESTÕES DE SITUAÇÕES DE ENSINO E APRENDIZADO
* Organizar sequências com bambolês para passar por dentro; perto, longe,
esquerda, direita (considerando o próprio corpo como referencial ou objetos
delimitados anteriormente).
CONTEÚDOS:
Trabalho no CMEI
(Quem trabalha; o que faz; em que espaço; com qual finalidade).
36
SUGESTÕES DE SITUAÇÕES DE ENSINO E APRENDIZADO
37
OBJETIVO PRINCIPAL
► Desenvolver a noção de constituição espacial ◄
CONTEÚDOS:
Consciência espacial-corporal
(Identificação do seu corpo e do corpo dos colegas);
Consciência corporal
(Rastejar, sentar, rolar, escalar, subir, descer, equilibrar, saltar, pular, correr,
colocar, tirar, vestir-se, abotoar, amarrar, agachar).
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CONTEÚDOS:
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representá-los utilizando-se de diferenciadas maneiras.
CONTEÚDOS:
Relações espaciais
(Referenciais Absolutos: dentro/ fora; em cima/ embaixo; junto/separado;
Referenciais Relativos: perto/ longe; frente/ atrás; esquerda/ direita);
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função social (enquanto elemento auxiliar da memória, tendo em vista um
espaço que não está presente; para análises/comparações e estabelecimento
de relações em momentos posteriores; para observação; arquivo; etc.),
propondo a utilização de algumas dessas formas para representar seus
espaços vividos;
CONTEÚDOS:
Relações sociais
(Noções de normas/regras; costumes/ tradições);
Trabalho no CMEI
(Quem trabalha - o que faz; em que espaço; com qual finalidade).
Referências
ALMEIDA, Rosângela Doin de. Do desenho ao mapa. Iniciação cartográfica
na escola. São Paulo: Contexto, 2001.
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ANDRADE, M. C. Geografia, ciência da sociedade: uma introdução à análise
do pensamento geográfico. Recife: UFPE, 2008.
42
SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 5.
Ed. São Paulo: Autores Associados, 1995.
43