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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


CENTRO TECNOLÓGICO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E
URBANISMO

CONTRIBUIÇÕES DA ARQUITETURA SOBRE O


ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM
ABRIGOS INSTITUCIONAIS

DOUTORADO

Aline Eyng Savi

Florianópolis
2018
1

Aline Eyng Savi

CONTRIBUIÇÕES DA ARQUITETURA SOBRE O


ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM
ABRIGOS INSTITUCIONAIS

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo na área
Projeto e Tecnologia do Ambiente
Construído como requisito parcial à
obtenção do grau de Doutora em
Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora: Profª. Marta Dischinger, PhD.

Florianópolis
2018
2
3
5

Dedico essa tese a toda criança e


adolescente que não possui a sorte,
que eu tenho, de ter uma família e de
crescer em um lar.
7

AGRADECIMENTOS

Este é o momento de lembrar das pessoas que contribuíram para


os anos de trabalhos extenuantes. Dentre elas, há algumas que sequer
sabem a contribuição, mas cujas palavras e feitos estão na minha
memória como parte do meu conhecimento, ecoando na postura de
investigação, nas escolhas feitas e na força para vencer as dificuldades.
A essas pessoas “anônimas”, muito obrigada!
Há outras, que por razões diversas, merecem constar na lista
sincera de meus agradecimentos...
À Deus, que me iluminou sempre que encontrei dificuldade. Eu
sei que a luz do Espírito Santo esteve comigo em cada palavra redigida.
Aos meus pais que estiveram comigo sempre! Os meus irmãos,
minha sobrinha e minha família, em especial a minha prima Jéssica.
Às minhas amigas, as “Meninas do Michel”.
À minha amiga doutoranda, Elaine que vivenciou comigo todos
os desafios.
Aos meus colegas de trabalho na Universidade do Extremo Sul
Catarinense, especialmente no Curso de Arquitetura e Urbanismo, os
professores Elizabeth e Pedro.
Aos meus queridos alunos, especialmente a Lays.
À Universidade Federal de Santa Catarina, em especial ao
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PósARQ),
seu corpo docente e discente pela oportunidade de crescimento
profissional.
À minha orientadora Professora Marta Dischinger, pela
competência, apoio e compreensão durante o processo. Este trabalho é
também seu! Você o deixou colorido e sensível!
Meus sinceros agradecimentos aos membros da banca, todos
vocês professores são fundamentais para que possamos aprender sobre o
tema e sobre nós mesmos. Vocês nos ensinam a Arquitetura, mas
também a ouvir, aceitar, agir, etc... A vocês, professores, eu cito, em
agradecimento, Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e
aprende o que ensina”.
9

Temos de nos aventurar nas águas


mais profundas “nunca dantes
navegadas”, onde tem origem os
pilares da sociedade: política, cultura e
riqueza; fazer que elas percam sua
conotação de dominadoras e
opressoras dos cidadãos e adquiram o
sabor evangélico do serviço, da
partilha fraterna e da promoção
humana.
Que o desafio a nós lançado por Cristo
é difícil ninguém pode negar. Bem que
ele mesmo poderia abrir uma brecha
naquelas portas sempre fechadas, se
não fosse o fato de que não costuma
arrombar portas: prefere que lhe abram
do lado de dentro. Quer dizer que cabe
a nós criar coragem e desafiar as águas
profundas onde a riqueza mora. E
fazer que ela adquira um semblante
mais humano.

Padre Virgílio, O Desafio do Cristão.


In: GOULART, José Dias (org.). O
Domingo – semanário litúrgico-
catequético. Ed. PIA SOCIEDADE
DE SÃO PAULO (PAULUS). Ano
LXXXIV, Remessa II – 7 de fev. de
2016, n.7.
11

RESUMO

SAVI, Aline Eyng. Contribuições da arquitetura sobre o


acolhimento de crianças e adolescentes em abrigos institucionais.
301p. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo. Universidade Federal de Santa Catarina. 2018.

O Estatuto da Criança e do Adolescente promoveu mudanças na


assistência da infância e adolescência em situação de vulnerabilidade
social e estabeleceu novas formas de atendimento, entre elas: o abrigo
institucional, que salvaguarda a saúde, educação e moradia, e assiste
ambos os sexos, entre zero e dezoito anos, em processo ou não de
adoção, com ou sem família direta ou estendida. Entretanto, a
institucionalização, que deveria ser transitória, pode levar meses ou
anos. A legislação brasileira controla o atendimento, mas é generalista
quanto ao ambiente construído. As edificações são geralmente alugadas
e adaptadas, sem considerar fatores que compõem a ambiência do
habitar doméstico. Em razão desse cenário, o objetivo geral da pesquisa
é: formular diretrizes projetuais de ordem qualitativa que considerem as
dimensões física e comportamental para a elaboração de programas e
projetos de arquiteturas que permitam o acolhimento na modalidade de
abrigo institucional, dentro da realidade brasileira. Para isso, além de
revisão bibliográfica, os procedimentos metodológicos utilizados no
estudo de caso para pesquisar a percepção do ambiente construído
foram: a Observação Participante e o Roteiro de Caracterização com
foco na compreensão do pesquisador; o Jogo de Imagem e Palavras e a
Representação Gráfica para aceder à percepção das crianças e
adolescentes; e o Grupo Focal para os funcionários. Reconhece-se
assim, o papel relevante dos usuários para a produção de uma
Arquitetura capaz de elaborar uma estrutura espaço-temporal mais
adequada à ação humana. O estudo de caso e a discussão dos resultados
valorizam a humanização do ambiente construído e tiveram como ponto
de partida a seleção de “patterns” relacionados ao tema do habitar,
originalmente identificados por Christopher Alexander. As diretrizes
formuladas são estruturadas a partir de dois reguladores espaciais:
privacidade e territorialidade, compreendidos como fomentadores da
construção de ambiência humanizada. Os resultados reforçam ainda a
necessidade do abrigo institucional tornar-se um modelo possível de
habitar doméstico - lugar de apego e intimidade protegida, carregado de
significados e lembranças - capaz de tornar-se um instrumento positivo
12

ao desenvolvimento humano. A pesquisa contribui assim para a reflexão


sobre a necessidade de práticas projetuais que visem a melhoria da
qualidade dos ambientes vivenciados em abrigos institucionais e
atendam as necessidades ambientais e psicossociais de crianças e
adolescentes.

Palavras-chave: Abrigo institucional. Habitar doméstico. Ambiência.


Qualidade de vida. Diretrizes projetuais.
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ABSTRACT

SAVI, Aline Eyng. Architecture contributions to children and


adolescents care in institutional shelters. 301p. Doctorate Thesis.
Postgraduate Program in Architecture and Urbanism. Federal University
of Santa Catarina. 2018.

The Child and Adolescent Statute promoted changes in the care of


children and adolescents in situations of social vulnerability and
established new forms of care, among them the institutional shelter. It
safeguards health, education and housing, and assists both sexes,
between zero and eighteen years, in process or not of adoption, with or
without direct or extended family. Institutionalization, which should be
transient, can take months or years. The Brazilian legislation controls
the service, but is generalist concerning the built environment. The
buildings are generally rented and adapted, without considering factors
that compose the ambience of the domestic dwelling. Due to this
scenario, the research general objective is: to propose qualitative design
guidelines that consider the physical category and the behavioral
dimension for the elaboration of architectural programs and projects that
allow care in the modality of institutional shelter within the Brazilian
reality. Hence, in addition to a bibliographical review, the designed
study case methodological procedures to examine the perception of the
built environment were the following: Participant Observation and
Characterization Roadmap focusing on the researcher understanding;
Image and Words' Game and Graphic Representation to capture
children's perception; and Focus Group regarding employees' percept.
Thus, it is recognized the relevant role of users for the production of an
architecture capable of creating space-time structures adequate to human
action. The study case and the results discussion value the built
environment humanization and had as their starting point the selection
of patterns related to the theme of domestic living, originally identified
by Christopher Alexander. There are two spatial regulators that structure
the proposed guidelines, they are: privacy and territoriality, understood
as instigators for the construction of humanized ambience. The results
reinforced the perception of the institutional shelter as a possible model
of domestic living, a place of attachment and protected intimacy, full of
meanings and memories, capable of becoming a positive tool for human
development. Thus, the research contributes for the reflection over the
design practices aiming to improve the domestic dwelling quality of
14

institutional shelters, attending children's and adolescents' psychosocial


and environmental needs.

Keywords: Institutional shelter; Domestic housing; Ambience; Quality


of life; Design guidelines.
15

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Roda dos Inocentes do Hospital da Ordem do


Santo Espírito em Sassia, Itália. ............................................................ 57
Figura 2 - Esquema de organização do modelo panóptico .................... 60
Figura 3 - Esquema de organização entre alas e pátio interno .............. 60
Figura 4 - Esquema de organização entre alas e pátio interno .............. 66
Figura 5 - Representação gráfica do conceito de privacidade ............. 102
Figura 6 - Representação gráfica do conceito de territorialidade. ....... 103
Figura 7 - Representação gráfica do conceito de espaço pessoal ........ 106
Figura 8 - Página do diário escrito-gráfico, com observações
feitas num dos dias da atividade .......................................................... 137
Figura 9 - Representação gráfica da casa por um dos participantes .... 154
Figura 10 - Sala de jantar .................................................................... 162
Figura 11 - Sala de estar ...................................................................... 163
Figura 12 - Varanda............................................................................. 164
Figura 13 - Sala de leitura ................................................................... 165
Figura 14 - Sala de informática ........................................................... 166
Figura 15 - Quarto feminino infantil ................................................... 170
Figura 16 - Quarto masculino infantil ................................................. 170
Figura 17 - Berçário ............................................................................ 171
Figura 18 - Banheiro feminino ............................................................ 172
Figura 19 - Cozinha ............................................................................. 173
Figura 20 - Representação gráfica da casa por um dos participantes .. 183
Figura 21 - Conexão com o entorno imediato estabelecido por
equipamentos como escola, posto de saúde, etc. e considerando
raios de caminhabilidade, permite-se a conexão com a unidade de
vizinhança ........................................................................................... 199
Figura 22 - Estratégia de relação edificação e lote plano,
permitindo equilíbrio entre áreas da edificação e lote, com uso
de áreas externas ajardinadas .............................................................. 200
Figura 23 - Relação física e/ou visual com o entorno imediato,
que mantenha a segurança, mas também, comunique-se com o
entorno imediato.................................................................................. 201
Figura 24 - Exemplo de espaço de transição externo que convide e
proteja o usuário, física e psicologicamente ........................................ 202
Figura 25- Representação da relação visual entre interior e
exterior que considera a escala do usuário e proporciona sensação
de proteção. ......................................................................................... 203
16

Figura 26 - Esquemas das formas arquitetônicas: plana como


segurança, inclinada como proteção e curva para movimento. ........... 207
Figura 27 - Exemplo de ambiente integrado e de suas propriedades. . 211
Figura 28 - Exemplo de ambiência do setor de serviço. ..................... 212
Figura 29 - Configuração espacial do setor administrativo
separado da habitação, mas ainda no mesmo lote. .............................. 212
Figura 30 - Exemplo de ambiente seguro e suas propriedades. .......... 213
Figura 31 - Esquema de ampliação e redução dos ambientes que
compõem o abrigo institucional, considerando a demanda de
internos................................................................................................ 215
Figura 32 - Configuração da cozinha com mobiliário que permita
a participação nas rotinas domésticas. ................................................ 216
Figura 33 - Exemplo de configuração de refúgio junto à parede e
abertura. .............................................................................................. 217
Figura 34 - Exemplo de configuração espacial que possibilita a
personalização ..................................................................................... 218
Figura 35 - Configuração espacial do banheiro permitindo maior
privacidade .......................................................................................... 220
Figura 36 - Exemplo de configuração espacial com diferentes
gradientes de complexidade. ............................................................... 222
Figura 37 - Exemplo de ambiente com características restauradoras. 223
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LISTA DE INFOGRÁFICOS

Infográfico 1 - Esquema da Teoria Desenvolvimento Ecológico,


aplicada às crianças e adolescentes em modalidade de abrigo
institucional. .......................................................................................... 89
Infográfico 2 - Valores objetivos e subjetivos que compõem o
ambiente construído .............................................................................. 97
Infográfico 3 - Atributos que compõem o ambiente construído. ........... 98
Infográfico 4 - Sujeito psicológico ........................................................ 99
Infográfico 5 - Resumo da hierarquia do habitar................................. 113
Infográfico 6 - Procedimentos metodológicos para investigação do
ambiente construído ............................................................................ 131
Infográfico 7 - Esferas dos critérios projetuais.................................... 196
19

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Frequência (por dia) dos ambientes onde ocorreram


as observações ..................................................................................... 161
Gráfico 2 - Frequência de “patterns” encontrados nas
representações gráficas realizadas pelas crianças e os adolescentes ... 185
21

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Delimitação dos programas de proteção e


socioeducativos destinados à crianças e adolescentes ........................... 38
Quadro 2 - Síntese da classificação histórica de assistência. ................ 52
Quadro 3 - Relação entre situação da criança e do adolescente e
tipo de assistência durante a atuação do SAM. ..................................... 67
Quadro 4 - Síntese comparativa entre os marcos legais brasileiros
para as crianças e os adolescentes ......................................................... 71
Quadro 5 - Regimes de atendimento conforme artigo 90, do ECA....... 72
Quadro 6 - Síntese das visões dos marcos legais sobre a
institucionalização ................................................................................. 73
Quadro 7 - Síntese dos modelos de acolhimento institucional .............. 74
Quadro 8 - Equipe técnica do abrigo institucional ................................ 78
Quadro 9 - Definições da infraestrutura e dos espaços mínimos
sugeridos para os modelos de abrigo institucional ................................ 79
Quadro 10 - Idades e padrões compartilhados de desenvolvimento. .... 84
Quadro 11 - Resumo das necessidades e dos distúrbios no
desenvolvimento de crianças e adolescentes. ........................................ 94
Quadro 12 - Estrutura da pesquisa de campo. ..................................... 133
Quadro 13 - Roteiro de caracterização funcional do projeto de
habitação ............................................................................................. 140
Quadro 14 - Conclusões após imersão no cotidiano da Instituição
que influenciaram a Etapa 02 .............................................................. 143
Quadro 15 - Identificação dos participantes do teste piloto do
Jogo de Imagens e Palavras ................................................................. 147
Quadro 16 - Padrões antagônicos evocados nas imagens do Jogo
de Imagens e Palavras ......................................................................... 148
Quadro 17 - Leitura prévia das imagens utilizadas no Jogo de
Imagens e Palavras .............................................................................. 149
Quadro 18 - Identificação dos participantes do Jogo de Imagens e
Palavras ............................................................................................... 150
Quadro 19 - Tratamento dos dados no Jogo de Imagens e Palavras ... 152
Quadro 20 - Identificação dos participantes do Grupo Focal. ............. 155
Quadro 21 - Setores e identificação de ambientes............................... 160
Quadro 22 - Síntese dos levantamentos realizados através da
adaptação do “Roteiro da Caracterização Funcional do
Projeto de Habitação”.......................................................................... 167
Quadro 23 - Imagens preferidas pelos participantes da
Aplicação 01 do Jogo de Imagens e Palavras...................................... 179
22

Quadro 24 - Imagens de desagrado pelos participantes da


Aplicação 01 do Jogo de Imagens e Palavras ..................................... 179
Quadro 25 - Imagens preferidas pelos participantes da
Aplicação 02 do Jogo de Imagens e Palavras ..................................... 180
Quadro 26 - Imagens de desagrado pelos participantes da
Aplicação 02 do Jogo de Imagens e Palavras ..................................... 180
Quadro 27 - Principais apontamentos das etapas de estudo de
caso que fundamentaram a construção das diretrizes projetuais ......... 197
Quadro 28 - Programa de necessidades do abrigo institucional.......... 206
23

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas


AMB Associação de Magistrados do Brasil
BA Bahia
CBIA Fundação Centro Brasileiro para a Infância e
Adolescência
CEBRAP Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
CLAVES Centro Latino Americano de Estudos de Violência e
Saúde Jorge Careli
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ENSP Escola Nacional de Saúde Pública
ES Espírito Santo
FEBEM Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor
FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz
FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MA Maranhão
MDS Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MG Minas Gerais
MNMMR Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua
MS Mato Grosso do Sul
NBR Norma Brasileira
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
PE Pernambuco
PIA Plano Individual de Atendimento
PNAD Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio
PNAS Política Nacional de Assistência Social
PNCFC Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do
Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência
Familiar e Comunitária
PUC/SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RJ Rio de Janeiro
RS Rio Grande do Sul
24

SAM Serviço de Assistência aos Menores


SC Santa Catarina
SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SP São Paulo
SNAS Secretaria Nacional de Assistência Social
SUAS Sistema Único de Assistência Social
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura
25

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................... 27
1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA............................................... 33
1.2 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA DA PESQUISA............ 36
1.3 PERGUNTAS DE PESQUISA................................................ 44
1.4 PROBLEMATIZAÇÃO DA PESQUISA................................ 45
1.5 PRESSUPOSTOS DA PESQUISA.......................................... 46
1.6 OBJETIVOS............................................................................. 47
1.6.1 Objetivo geral......................................................................... 47
1.6.2 Objetivos específicos...............................................................47
1.7 ASPECTOS DE INOVAÇÃO E CONTRIBUIÇÃO
CIENTÍFICA DA PESQUISA................................................. 48
1.8 DELIMITAÇÃO E LIMITES DA PESQUISA....................... 50
1.9 ESTRUTURA DA TESE......................................................... 52
2 REFERENCIAL TEÓRICO................................................. 55
2.1 A ARQUITETURA INSTITUCIONAL.................................. 55
2.1.1 Contribuições Históricas Europeias......................................55
2.1.2 Contribuições Históricas Brasileiras.................................... 61
2.1.3 ECA e o Acolhimento Institucional.......................................69
2.1.4 Abrigo Institucional................................................................77
2.2 A INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA........................................ 83
2.2.1 Mudanças Partilhadas........................................................... 84
2.2.2 Mudanças Provocadas por Subgrupos: Teoria do
Desenvolvimento Ecológico 86
2.2.3 Mudanças Provocadas por Eventos Particulares:
Separação Familiar................................................................ 91
2.3 O AMBIENTE CONSTRUÍDO............................................... 95
2.3.1 Espaço e Lugar....................................................................... 95
2.3.2 Reguladores Espaciais e a Construção da Ambiência.......101
2.3.3 A Relação da Criança e do Adolescente com o
Ambiente Construído........................................................... 108
2.3.4 Habitar Doméstico................................................................ 112
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.......................127
3.1 ESTUDO DE CASO ÚNICO................................................. 127
3.2 PESQUISA MULTIMÉTODOS............................................ 130
3.2.1 Etapa introdutória................................................................ 132
3.2.2 Etapa 01................................................................................. 134
3.2.2.1 Observação participante......................................................... 134
3.2.2.2 Roteiro de caracterização........................................................138
26

3.2.2 Etapa 02................................................................................. 143


3.2.2.1 Jogo de imagens e palavras.................................................... 146
3.2.2.2 Representação gráfica............................................................. 152
3.2.2.3 Grupo focal............................................................................. 154
3.2.3 Etapa final............................................................................. 157
4 ESTUDO DE CASO............................................................. 159
4.1 RESULTADOS DA ETAPA 01.............................................159
4.1.1 Observação Participante...................................................... 159
4.1.2 Roteiro de Caracterização................................................... 166
4.2 DISCUSSÕES DOS RESULTADOS DA ETAPA 01...........173
4.3 RESULTADOS DA ETAPA 02.............................................178
4.3.1 Jogo de Imagens e Palavras................................................. 178
4.3.2 Representação Gráfica......................................................... 183
4.3.2 Grupo Focal...........................................................................184
4.4 DISCUSSÕES DOS RESULTADOS DA ETAPA 02...........190
5 CONTRIBUIÇÕES DA ARQUITETURA PARA A
AMBIÊNCIA DOS ABRIGOS INSTITUCIONAIS......... 195
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................... 225
6.1 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA.................................... 225
6.2 CONCLUSÕES GERAIS.......................................................236
6.3 RECOMENDAÇÕES PARA TRABALHOS FUTUROS.....238
REFERÊNCIAS....................................................................241
ANEXO 1 – Quadro de Padrões..........................................255
APÊNDICE 1 – Análise Arquitetônica............................... 257
APÊNDICE 2 – Análise Arquitetônica............................... 258
APÊNDICE 3 – Análise Arquitetônica............................... 259
APÊNDICE 4 – Análise Arquitetônica 260
APÊNDICE 5 – Fases do Crescimento e
Desenvolvimento................................................................... 261
APÊNDICE 6 – Termo de Consentimento......................... 265
APÊNDICE 7 – Características da Instituição.................. 267
APÊNDICE 8 – Diário de Observações.............................. 269
APÊNDICE 9 – Roteiro de Observações............................ 274
APÊNDICE 10 – Jogo de Imagem e Palavras................... 283
APENDICE 11 – Jogo de Imagem e Palavras................... 286
APÊNDICE 12 – Representações Gráficas........................ 292
APÊNDICE 13 – Grupo Focal............................................ 295
APÊNDICE 14 – Grupo Focal (Resultados)...................... 296
27

1 INTRODUÇÃO

Quando se evoca uma representação das instituições para crianças


e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, geralmente a
imagem clássica é de estabelecimentos que ultrapassam a mera
descrição de espaços arquitetônicos, reportando-se principalmente, às
relações interpessoais que neles acontecem. É possível lembrar os
ambientes descritos por Charles Dickens no romance Oliver Twist de
18391 com reforço de vivências coletivas e mínimas manifestações
individuais, valores e experiências de reclusão e isolamento. Ou o
oposto, idealizado num espaço fraterno e coletivo, como na telenovela
Chiquititas2.
No Brasil, o cenário histórico aproximava-se da narração de
Dickens e o processo para mudar essa situação nasceu no final do século
passado, culminando com a aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), lei n° 8.069, de 13 de julho de 19903 e
posteriormente, a lei n° 12.010, de 03 de agosto de 20094. Ambas
redefiniram a forma e o local de atendimento. As grandes instituições
foram descartadas e criaram-se várias modalidades de assistência, a
partir dos critérios que levam à institucionalização, conforme o artigo 90
do ECA (BRASIL, 1990). Entre os modelos para as crianças e os
adolescentes em situação de risco social ou físico e que devem ser
1
Charles Dickens (1812-1870) foi um dos principais escritores do realismo inglês. Em
suas obras, expôs os principais problemas sociais da Inglaterra como a violência, a
pobreza, o desemprego, as péssimas condições de trabalho nas fábricas e a prostituição. O
romance Oliver Twist trata das aventuras e desventuras de um rapaz órfão; e o autor
utiliza o personagem para apresentar o fenômeno da delinquência, provocada pelas
condições precárias da sociedade inglesa da época.
2
Chiquititas foi uma telenovela argentina criada por Cris Morena e exibida em 1995. No
Brasil, ganhou duas versões, nos anos de 2000 e na década seguinte. A história apresenta
diferentes situações infantis, pautadas pela aventura e diversão; e o cenário é um orfanato.
3
Antes da aprovação no Senado e na Câmara dos Deputados, o Fórum Nacional de
Defesa da Criança e do Adolescente mobilizou, durante cerca de um ano, diversos atores
sociais e realizou debates, seminários e estudos, negociações políticas, articulação com os
setores jurídicos e campanhas na mídia. Com esse amplo processo de conscientização
social e a realização de audiências públicas no Congresso Nacional, o projeto de lei foi
votado, aprovado nas duas Casas Legislativas e sancionado pelo Presidente da República,
constituindo o Estatuto da Criança e do Adolescente.
4
Dispõe sobre adoção e altera as Leis número 8.069 de 13 de julho de 1990 - Estatuto da
Criança e do Adolescente e número 8.560 de 29 de dezembro de 1992. Revoga os
dispositivos da Lei número 10.406 de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei número 5.452, de
1o de maio de 1943; e dá outras providências.
28

afastadas da família, está o acolhimento institucional que oferece


moradia provisória, através das modalidades: casa de passagem, abrigo
institucional, casa lar e república, de acordo com artigo 90 do ECA
(BRASIL, 1990). Reitera-se que há diferenças entre os modelos, que
serão apresentadas no capítulo de referencial teórico.
Dentro das modalidades de acolhimento institucional, o abrigo
institucional corresponde ao maior percentual de instituições no cenário
brasileiro. Em uma única estrutura, atende-se até vinte crianças e
adolescentes de ambos os sexos, entre zero e dezoito anos incompletos,
em processo ou não de adoção, com ou sem família próxima ou
estendida. Não há reclusão e salvaguarda-se o direito à saúde, educação,
moradia e alimentação.
O parágrafo segundo do artigo 19 reconhece a medida de
acolhimento institucional como provisória e excepcional, em quaisquer
de suas modalidades. Contudo, a realidade da institucionalização no
Brasil, não costuma ser temporária, mesmo com os esforços legais para
que isso não ocorra, variando de meses a anos, segundo as últimas
pesquisas oficiais realizadas em 2013 (DE ASSIS; FARIAS, 2013). Os
motivos para o acolhimento e a permanência prolongada são variados,
mas se relacionam ao quadro de vulnerabilidade social5.
Na sociedade brasileira contemporânea, há movimentos de
reflexão acerca das instituições para pessoas em situação de
vulnerabilidade social. São exemplos das discussões referentes a
situação de crianças e adolescentes, a alteração da Lei 12.010 -
conhecida como “Lei da Adoção” - e a Lei 12.5946, que institui o

5
No Brasil as principais vulnerabilidades que acometem as crianças e os adolescentes são
os riscos inerentes aos problemas relacionados ao alcoolismo e conflitos entre casais, que
tornam crianças testemunhas de agressões e de toda forma de violência. Os riscos
relacionados ao lugar de moradia incluem a precariedade da oferta de instituições e
serviços públicos, a falta de disponibilidade dos espaços destinados ao lazer, as relações
de vizinhança e a proximidade da localização dos pontos de venda controlados pelo
tráfico de drogas. Além de todos esses riscos, podem-se destacar os riscos do trabalho
infantil e o da exploração da prostituição de crianças. Ademais, a personalidade e o
comportamento de crianças e adolescentes podem torná-los mais vulneráveis aos riscos
do envolvimento com drogas, gravidez precoce e prática do roubo. Considera-se que o
indivíduo poderá também possuir um favorecimento genético para dependência química e
vulnerabilidade psico-fisiológica ao efeito de drogas (SIERRA; MESQUITA, 2006, p.
148-155).
6
Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e regulamenta a execução
das medidas socioeducativas destinadas aos adolescentes que pratiquem ato infracional.
Altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de
novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de
29

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)7


(BRASIL, 2006b). Ambas são os resultados de discussões entre a
sociedade civil e o poder público. A própria legislação brasileira já
percebeu a necessidade de mudança no quadro de instituições para
crianças e adolescentes. A denominação trocou de orfanato para abrigo
(BRASIL, 1990), e agora acolhimento institucional e dentro dela,
definiu-se a modalidade de abrigo institucional (BRASIL, 2009a).
Todavia, é preciso investigar quanto isso refletiu em alterações
concretas nas diferentes esferas que compõem o quadro, entre elas a
Arquitetura. Acredita-se que obter essas respostas, baseadas na
observação da realidade, poderá contribuir para proposições de ações
arquitetônicas nessas instituições, que são serviços (infelizmente) ainda
necessários no cenário social brasileiro. Almeja-se auxiliar os
profissionais de Arquitetura ou outros envolvidos com o tema abordado,
na elaboração de projetos institucionais mais participativos, em que se
“ouça a voz” desse público. Afinal, a realidade é modelada pelas
“leituras” que as pessoas fazem dos ambientes construídos onde
convivem.
Nesse cenário e com a crença na possibilidade de fundamentar
questões pertinentes para o tema específico do acolhimento institucional
de crianças e adolescentes, através de conhecimentos científicos gerais e
generalizados no âmbito da Arquitetura, é que se constrói esta pesquisa.
Acredita-se que o caminho para transformar a institucionalização de
crianças e adolescentes requer mudanças significativas nas diferentes
esferas que envolvem o problema, entre elas a esfera do ambiente
construído. Fica evidente a necessidade de ampliar as políticas públicas
de assistência e de resguardar os direitos já adquiridos. Afinal, trata-se
de importante parcela da população que, por meio da investigação
sociocultural, constata-se ter sido exposta a diferentes situações de
vulnerabilidade social (DEL PRIORE, 2000), com vitimização por ação
ou omissão da família e/ou do poder público. Esse quadro de violação
dos direitos é histórico na sociedade brasileira, e o seu reflexo é o

1993, os Decretos-Leis nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de


1946, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452,
de 1o de maio de 1943.
7
É destinado a regulamentar a forma como o Poder Público, por seus mais diversos
órgãos e agentes, deve prestar o atendimento especializado aos adolescentes autores de
ato infracional e suas respectivas famílias. De cunho eminentemente intersetorial, deve
oferecer alternativas de abordagem e atendimento junto aos mais diversos órgãos e
equipamentos públicos (com a possibilidade de atuação, em caráter suplementar, de
entidades não governamentais).
30

número considerável, ainda nos dias atuais, de instituições de acolhida,


corroborando com a cultura do assistencialismo.
Os estudos acerca das camadas mais pobres da população
brasileira são numerosos, especialmente nas áreas das Ciências
Políticas, Sociais e da Saúde. No Brasil, a década de 1980 foi profícua
em discussões sobre a infância e adolescência, antecedendo a aprovação
do ECA. No entanto, há uma lacuna no estudo da arquitetura
institucional dos antigos orfanatos, atualmente chamados de abrigos
institucionais, pertencentes a modalidade de acolhimento institucional.
Nas poucas discussões que alcançam a esfera arquitetônica, são
reforçados apenas aspectos quantitativos (e.g. a dimensão dos ambientes
versus número de habitantes)8. Todavia, acredita-se que o ambiente
construído é formado também, por aspectos qualitativos. Compreende-
se que é possível alcançar bem-estar atendendo as dimensões
psicológicas e sociais do ser humano e assim, desenvolvendo o
sentimento afetivo e a ligação prazerosa com o lugar.
Enquanto mudanças de cunho político e social não alcançam a
estrutura familiar, que no Brasil, é geralmente a raiz do problema, torna-
se fundamental investigar a dinâmica do acolhimento – abrigo
institucional - a luz dos diferentes olhares das Ciências, com o intuito de
minimizar as consequências negativas para o crescimento e
desenvolvimento psicossocial9 dos internos. Na Arquitetura, a busca
mais latente está em adequar a instituição às atividades legais e
cotidianas atribuídas a um ambiente cuja função é substituir,
provisoriamente ou não, um modelo de habitar doméstico. Ressalva-se
que investigar o ambiente institucional e nele valorizar o ambiente
construído, não exclui o entendimento que uma instituição, seja ela qual
for e quão bem equipada e preparada esteja, não deve ser moradia
permanente para crianças e adolescentes, mas excepcional e provisória.
Valorizar o ambiente construído traz a luz o entendimento que o
mesmo é estruturado por atributos quantitativos e qualitativos. Afinal é
espaço de vida, fruto do comportamento humano e resultado de uma
série de padrões e normas sociais que, por consequência, influenciarão
as atividades ali realizadas (OKAMOTO, 2002). Nos abrigos

8
Considera-se os seguintes materiais produzidos que abordam o ambiente construído:
“Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes” (2009b)
e “Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária” (2006a).
9
O termo “psicossocial” refere-se à natureza humana como somatório de influências
psicológicas e sociais. Afinal, o homem como ser pensante não pode viver isolado,
precisa da interação com seus semelhantes a fim de buscar autoconhecimento.
31

institucionais, alguns atributos quantitativos, como número de


acolhidos, são utilizados para regularização das atividades. Mas não há
nessa fiscalização, nenhuma qualidade espacial qualitativa, por exemplo
as questões de privacidade e territorialidade, reconhecidamente
importantes para o crescimento e desenvolvimento psicossocial e à
formação da identidade com o ambiente construído, especialmente no
habitar doméstico.
Dessa maneira, é notória a necessidade de desenvolver, a partir da
observação do ambiente construído e dos seus usuários, a investigação
dos atributos que interferem na apropriação espacial de crianças e
adolescentes em medida de acolhimento nos abrigos institucionais, para
que, posteriormente, esse conhecimento transforme-se numa reflexão
crítica dos instrumentos legais brasileiros, e até mesmo na elaboração de
normas (ou outros mecanismos) utilizadas para regular, fiscalizar e
projetar ambientes institucionais.
Para que isso aconteça, acredita-se ser necessário um passo atrás
nas reflexões sobre o tema. É preciso entender, antes de tudo, como o
espaço é vivenciado pelos principais usuários: crianças e adolescentes
institucionalizados e funcionários. Essa pesquisa busca, então, “entrar”
no universo do pesquisado e verificar a lógica de sua visão, numa
relação de troca em que se compara a teoria com o que é observado
(GEERTZ, 2004) (CLIFFORD, 1998), avaliando o ambiente construído.
Essa compreensão é fundamental para a definição de diretrizes
projetuais que visem a qualidade do ambiente construído institucional.
Além disso, focar-se no ambiente vivenciado permite observar a
organização das estruturas do arranjo arquitetônico e sua comunicação
de valores da cultura institucional.
As primeiras pesquisas acerca desse tema surgiram na década de
1950, nos Estados Unidos da América, com as publicações sobre a
Psicologia Ambiental. Entre as linhas de pesquisa, estava a análise de
como o indivíduo percebe o ambiente, adotando como princípio a ideia
da relação bidirecional entre ambos. Este entendimento marca a
diferença entre considerar o ambiente construído apenas como
representação material ou analisa-lo como elemento maior, inserido no
contexto, assumindo a influência das diferenças e experiências
individuais, bem como das construções sociais em seu significado. Essa
visão assume que o homem está em interação dinâmica com o ambiente
construído, num sistema integrado, cuja compreensão é necessária para
o entendimento de quaisquer aspectos dessa relação. Esse processo
implica, entre outros, na valorização do ponto de vista do usuário,
32

destinatário final do objeto arquitetônico, e, portanto, imprescindível à


compreensão da realidade.
O ambiente construído aparece como um modelo social de
organização da atividade humana, operando ao mesmo tempo como
instrumento funcional e contexto cultural. Essa função no habitar
doméstico, por exemplo, não equivale apenas ao abrigo, mas à
expressão das emoções e da vivência, pelo sentimento “de estar e sentir-
se em casa”. O ambiente construído em razão das suas características
permite ou não a sua apropriação; e opera como um conjunto de
influências que pode sugerir comportamentos, juízos e emoções
humanas, modelando parcialmente, a personalidade. Dentro desse
espectro de características materiais e imateriais do ambiente construído
estão os reguladores espaciais, entre eles: a privacidade e a
territorialidade.
Em ambientes institucionais, há a quase ausência de mecanismos
reguladores da privacidade e de territórios. Tanto essa privação, quanto
a dificuldade ao seu acesso, podem provocar reações agressivas ou de
apatia aos usuários do ambiente construído. Dessa forma, as arquiteturas
institucionais deveriam ter características que permitissem as
convenções territoriais de apropriação do lugar, ao contrário dos
elementos arquitetônicos que afastam e reforçam a percepção ambiental
de território isolado, como grades internas e externas ou ambientes de
acesso restrito aos funcionários, excesso de ambientes e atividades
coletivas, etc.
A dosagem desses reguladores espaciais será responsável pela
relação de apego ou de medo com o ambiente construído, ou seja, pela
apropriação ou não, e consequente, pela identidade. Num ambiente
institucional, equivale ao ato de abrigar contra as intempéries
(propriedades físicas), mas também, permitir que sejam feitas
associações com os outros e com o ambiente construído que viabilizem
identidade, ou no caso dos abrigos institucionais, o “sentimento de estar
em casa”, mesmo que ela seja temporária.
No caso das crianças e dos adolescentes em medida de abrigo
institucional, privacidade e territorialidade nos ambientes construídos,
são necessárias para a sensação de domínio, ao contrário da intimidação,
que naturalmente acomete os usuários em arquiteturas institucionais. No
processo de crescimento e desenvolvimento psicossocial, a liberdade
(mesmo com vigilância passiva) é fundamental para explorar e testar as
habilidades recém adquiridas. A apropriação ambiental para crianças e
adolescentes requer incentivos às experiências de aprendizagem, através
de um ambiente que disponha de complexidade num nível adequado ao
33

desenvolvimento e permita escolhas pessoais referentes aos gradientes


de privacidade e território. Nessa visão, compreender como o ambiente é
percebido e representado é tão, ou mais, crucial do que a compreensão
da maneira como ele está organizado pelo ser humano. Afinal, o homem
constrói imaginários sobre a realidade, refazendo constantemente o
caráter atribuído à relação entre o mundo material e simbólico, objetivo
e subjetivo (conforme será discutido a seguir e que considera a teoria de
Okamoto, 2002).
Diante do quadro brevemente apresentado, o processo de
observar esses sujeitos – crianças, adolescentes e funcionários - e
também, o ambiente construído do acolhimento – em particular o abrigo
institucional - busca obter informações que contribuam para a
retroalimentação de discussões acerca das políticas de assistência
aplicadas ao ambiente construído desses estabelecimentos.
Compreendem-se os sujeitos de pesquisa como protagonistas das suas
histórias e a voz de cada um deles como modalidade de ação educativa.
Com essa perspectiva, as crianças, os adolescentes e os funcionários das
instituições são vistos como personagens ativos do projeto de suas
próprias vidas, podendo participar das soluções. Afinal, os sujeitos são
intrinsecamente detentores de saberes, podendo contribuir para a
elaboração de propostas que venham ao encontro de suas necessidades e
interesses reais.

1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA

O tema dessa pesquisa é o ambiente construído no acolhimento


para crianças e adolescentes – modalidade de abrigo institucional. No
Brasil, o quadro social de assistência à criança e ao adolescente carrega
tal importância que excede o papel nas políticas públicas, constituindo-
se como objeto de estudo e intervenções para várias áreas do
conhecimento. Como fundamento de uma realidade social, é também
um foco de estudo para a Arquitetura, tratando de materializar os
ambientes para acomodar (provisoriamente ou não) crianças e
adolescentes em diferentes fases de crescimento e desenvolvimento
psicossocial.
Passadas décadas de pesquisa, estudos e publicações
arquitetônicas, é sabido que o ambiente construído deve favorecer o
comportamento harmonioso do homem, mais do que apenas atender às
necessidades básicas que são abrigar para repousar, trabalhar,
reproduzir-se, divertir-se, etc. Uma das formas de alcançar esse objetivo
é com o tratamento das relações entre o usuário e o ambiente construído,
34

compreendendo este como tudo o que rodeia uma pessoa. “A


arquitetura, nessa conjuntura, transforma-se no palco da imagem
expressiva dos valores objetivos de seus autores” (OKAMOTO, 2002,
p.12), tendendo a repetir representações positivas e negativas. Esta visão
holística do ambiente construído completa-se com a posição de
Norberg-Schulz (1985, p. 46),

[...] o espaço arquitetônico, por conseguinte, pode


definir-se como uma concretização do espaço
existencial do homem. [...] o espaço existencial é
um conceito psicológico que denota os esquemas
que o homem desenvolve, em interação com o
entorno para progredir satisfatoriamente [...] o
espaço existencial, sendo uma das estruturas
psíquicas que formam parte da existência do
homem no mundo.

Do ponto de vista do abrigo institucional, “a boa Arquitetura” é


expressa atualmente pelo respeito aos aspectos legais do ECA (Brasil,
1990) e da Lei 12.010 (BRASIL, 2009a). As ações de cuidado com o
patrimônio e o edifício representam manifestações de respeito ao tema
na visão da sociedade e do poder público; e a condição arquitetônica é
apontada somente nesse quesito. Todavia, para se garantir a real
apropriação do ambiente construído, gerando condições favoráveis ao
crescimento e desenvolvimento psicossocial saudável, com experiências
e relações interpessoais, é necessária a interlocução com aspectos que
vão além dos perceptíveis.
Conforme Rapoport (1982), a Arquitetura pode influenciar e não
determinar comportamentos. A exceção, segundo o autor, está nos
“espaços totais”, cuja aproximação com o conceito de Goffman (2007)
sobre “instituições totais” é evidente. Ambas as definições significam
ambientes construídos onde o individual é ignorado em prol do coletivo.
Nelas, o ambiente construído determina comportamentos e dessa
maneira, pode ser impeditivo. Nas instituições que recebem crianças e
adolescentes, essa situação pode ser determinante porque são acolhidas
pessoas em várias fases de crescimento e desenvolvimento e quando o
ambiente construído é restritivo, pode limitar as conexões importantes
para a formação da identidade e do sentimento de coletividade
(NEWCOMBE, 1999). Tratando-se de instituições que substituem de
alguma maneira, no ambiente construído do habitar doméstico há
também, a importância atribuída não apenas ao caráter físico, mas
35

também psicológico. No contexto psicossocial, o cenário construído tem


como pano de fundo qualidades concretas e subjetivas da Arquitetura.
“[...] seus aposentos são evidência de uma felicidade à qual a arquitetura
deu sua característica contribuição” (DE BOTTON, 2007, p. 11).
Conceitualmente, todos os ambientes construídos são feitos para
as pessoas, que os ocupam. Entre eles, o habitar doméstico é um dos
mais expressivos para determinar a qualidade de vida no cotidiano. Em
separações provisórias ou momentâneas da convivência familiar e sendo
os envolvidos crianças e adolescentes, essa situação é ainda mais
determinante porque o ambiente construído - abrigo institucional – pode
assumir o papel de casa. Nesse entendimento, o habitar doméstico é o
modelo de ambiente construído onde o usuário pode ser mais atuante,
porque se relaciona ao uso e convívio humano mais íntimo. Sabe-se que
a sua função primitiva é abrigar contra intempéries, mas gradativamente
o ambiente construído envolve laços afetivos de proteção pessoal, como
expressa Kenchian (2011, p. 12):

O simbolismo atribuído à habitação passa por


contornos mais abrangentes, além de ser o abrigo
mais imediato do homem, é o lugar onde se
relacionam as pessoas mais próximas, - condição
de existência de uma família, - e estas com meio
social onde vivem.

Veríssimo e Bittar (1999, p. 21) reiteram o papel do habitar


doméstico na noção de pertencimento familiar: “De tudo um pouco, a
casa é o reduto da família e, portanto, seu próprio espelho, refletindo
também, numa maneira mais abrangente, a sociedade da qual essa
família faz parte, ao mesmo tempo em que é sua geradora”.
Dessa maneira, observar o tema do acolhimento de crianças e
adolescentes na modalidade de abrigo institucional a luz da Arquitetura,
permite associar categorias e variáveis de qualidade do ambiente
construído que investigam o projeto arquitetônico e não apenas os atuais
instrumentos legais brasileiros. Almeja-se assim, alcançar níveis
coerentes de habitabilidade, estabelecendo diretrizes projetuais de ordem
qualitativa ao ambiente construído institucional, baseados na análise das
funções e atividades que ali ocorrem, como recurso para a definição de
um programa de necessidades, pré-dimensionamento, mobiliário e
equipamentos, etc. elaborados a partir da observação analítica e crítica e
do uso de procedimentos metodológicos que permitam “ouvir as vozes”
dos usuários.
36

Como decorrência natural das atividades de pesquisa de


mestrado10, apresentadas por Savi em 2008, e que abordou o tema da
problemática da medida de abrigo institucional, observando quais
aspectos do ambiente interferem na interação e apropriação espacial dos
abrigados e definiu como critérios para qualidade do ambiente
institucional: a categoria física e as dimensões comportamental e
ambiental, estabelece-se a necessidade de estudar o tema dos ambientes
construídos dos abrigos institucionais, aprofundando-se em seus
aspectos funcionais e na dimensão comportamental. Registra-se que na
pesquisa de mestrado, já existiu o intuito de “ouvir” os principais
usuários – crianças e adolescentes institucionalizados. Na pesquisa atual
novamente, utilizar-se-á métodos e técnicas que permitem estudar o
ambiente construído com aspectos quantitativos, para alcançar fatores
que envolvam a categoria física; e qualitativos, acerca da dimensão
comportamental. Dessa maneira, são analisadas: funções de uso,
atividades funcionais, os usuários, o uso de mobiliário e equipamentos, a
caracterização funcional dos ambientes da habitação, aspectos de
privacidade e territorialidade; com o intuito de propor diretrizes para o
programa e projeto de abrigos institucionais.

1.2 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA DA PESQUISA

A frase a seguir de Rizzini (2007, p. 17) define a realidade de


crianças e adolescentes em instituições e em situação de vulnerabilidade
social.

Vários milhares de crianças e adolescentes estão,


neste exato momento, circulando pelas ruas e por
diversas instituições de assistência e proteção,
apesar de terem pais e diversos parentes. Alguns
serão reconduzidos aos seus lares, outros, se
sobreviverem à vida nas ruas, serão encaminhados
a abrigos, instituições de privação de liberdade,
clínicas de desintoxicação, e outros tipos de
instituição, e poderão nunca retornar às suas
famílias.

10
SAVI, Aline Eyng. Abrigo ou lar? Um olhar arquitetônico sobre os abrigos de
permanência continuada para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade
social. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro
Tecnológico, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Florianópolis,
2008.
37

Ao abordar as modalidades de instituições para essas crianças e


adolescentes, é necessário contextualizar as repercussões das práticas
exercidas nesses modelos, a partir de fatores históricos e dialéticos. A
análise da documentação visa constatar se as crianças nascidas em
situação de pobreza e/ou em famílias com dificuldades de criarem seus
filhos tinham como destino a institucionalização, quando buscavam
apoio do poder público. Afinal, as modalidades de atendimento
desenvolveram-se historicamente, no sentido de contribuir para
disciplinar, conforme modelos de conduta contemporâneos aos seus
contextos. Foucault (2003) e Goffman (2007) discorrem sobre a história
das instituições e os objetivos de poder e controle. Este autor as chama
de “instituições totais”, cuja principal característica estava em distanciar
o mundo externo do internado (GOFFMAN, 2007).
Embora o modelo atual de acolhimento institucional não possa
ser enquadrado como “instituição total”, na história brasileira recente há
exemplos que permitem essa classificação, a lembrar das rebeliões nas
unidades da Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor (Febem),
durante a década de 1980; e que o atendimento concedido entre os
séculos XVIII e XX foram de forte repressão e isolamento social, onde o
recolhimento de crianças e adolescentes em instituições constituiu-se
como objetivo das políticas públicas brasileiras, perpetuando a cultura
asilar.
O estudo das “instituições totais” permitirá identificar se as
práticas assistencialistas, emergenciais e de isolamentos mantém-se no
cotidiano; mesmo que os motivos e as justificativas sejam diferentes
para tal postura. Afinal, repetir essas práticas pode perpetuar o sintoma
de embotamento psicológico. A criança e o adolescente em processo de
crescimento e desenvolvimento psicossocial necessitam da relação com
os pares, os adultos e também, com o ambiente construído. A ausência
de qualquer uma dessas relações e o “mal do institucionalizado”
(SOMMER, 1973) causam apatia ou revolta, dificultando o
estabelecimento de relações de apego e apropriação com o ambiente
construído.
Para alcançar um modelo de instituição que se distanciasse do
histórico, promulgou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segundo Passetti (2000), o ECA foi um dispositivo legal que buscou
inovar o entendimento acerca do modo de atender as crianças e os
adolescentes com princípios de “proteção integral”11 e mesmo após um

11
Proteção integral corresponde a todos os direitos atribuídos pela Constituição brasileira
e conforme artigo 03 do ECA, trata-se: “A criança e o adolescente gozam de todos os
38

quarto de século, continua a ser considerado pelos juristas como um


documento avançado, porque traz em seu âmago a tentativa de ruptura
com o assistencialismo. O Estatuto alterou os modelos das grandes
instituições, que recebiam crianças e adolescentes órfãos, carentes,
abandonados e infratores no mesmo ambiente, para instituições
menores, com características particularizadas em razão dos motivos da
institucionalização. O ECA caracterizou as formas de assistência, entre
elas o acolhimento institucional, no intuito de aperfeiçoar
principalmente, a sistemática da garantia do direito ao convívio familiar
e comunitário. Ressalva-se que existem outros tipos de modalidades de
proteção, cujas razões para que ocorram se diferenciam do objeto dessa
pesquisa e que apenas o acolhimento institucional e a internação
correspondem à modelos de instituições substitutas do habitar
doméstico, conforme Quadro 1.

Quadro 1 - Delimitação dos programas de proteção e socioeducativos


destinados à crianças e adolescentes
Crianças e adolescentes em
TIPO DE situação de risco social e/ou físico Adolescentes julgados em
USUÁRIO que devem ser afastados da atos infracionais
família
Orientação e apoio sócio familiar: Prestação de serviço à
realizado em instituição específica e comunidade: realizado em
a criança ou o adolescente instituições determinadas
permanecem sob a guarda familiar. em juízo.
Apoio sócio educativo em meio Liberdade assistida: o
aberto: realizado em instituição adolescente permanece sob
específica e a criança ou o a guarda familiar.
adolescente permanecem sob a
MODALIDADES
guarda familiar.
DE PROGRAMA
Colocação familiar: a criança ou o Semiliberdade: realizado
DE
adolescente permanecem por em instituição específica e
ATENDIMENTO
período determinado pela Justiça, o adolescente permanece
sob a guarda de família substituta. sob a guarda familiar.
Acolhimento institucional: realizado Internação: realizado em
em instituição específica, a criança instituição específica e o
ou o adolescente permanecem sob a adolescente permanece sob
guarda do Estado. Divide-se em: a guarda do Estado.
casa de passagem, abrigo
institucional, casa lar e república.
Fonte: Artigo 90 do ECA (BRASIL, 1990).

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de


que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (BRASIL, 1990).
39

O acolhimento institucional recebe crianças e adolescentes que


possuem os direitos ameaçados ou violados, por: “(I) ação ou omissão
da sociedade ou do Estado, por (II) falta, omissão ou abuso dos pais ou
responsável” ou ainda, em “(III) razão de sua conduta”, conforme artigo
98 do ECA (BRASIL, 1990). O objetivo é preservar o direito à vida, à
saúde, à liberdade, ao respeito, à educação, à cultura, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à proteção no trabalho, à dignidade, à
convivência familiar e comunitária, e a outros que se relacionem com a
existência saudável de crianças e adolescentes. O artigo 92 traz também,
a segurança da manutenção dos vínculos familiares, de modo que o
período de acolhimento institucional seja, ao máximo, abreviado e o
retorno às famílias de origem sempre possibilitado. A modalidade deve
acolher crianças e adolescentes sem qualquer forma de discriminação,
evitando exclusividade (e.g. apenas meninos ou meninas).
O ECA e as leis posteriores, que o complementam, apresentam o
princípio da mudança em seu âmago. Desde 2009, o nome “acolhimento
institucional” passou a ser utilizado, substituindo a denominação
“abrigo” utilizada para definir o programa de atendimento. A semântica
substitui o entendimento de um abrigo que atende às funções
emergenciais básicas, para o “acolhimento” que visa atenuar o momento
crítico de vida. Mesmo assim, ainda há um longo caminho, visto que os
instrumentos legais brasileiros são incipientes nas reflexões quanto ao
ambiente construído institucional. E a discussão desse papel contribuiria
para concretizar a mudança efetiva do conceito de abrigo (caráter
emergencial) para acolhimento, que acomoda e com o qual se costuma
estabelecer laços de identidade e apropriação. Sobre o ambiente
construído, há somente o artigo 92 do ECA, os Códigos de Obras
municipais referentes à higiene e salubridade e algumas cartilhas
desenvolvidas no âmbito federal12. Todos limitados no tocante às
questões de sua usabilidade e de diretrizes projetuais arquitetônicas
qualitativas, importantes para que efetivamente o abrigo torne-se um
ambiente construído de acolhimento (no sentido holístico dessa
denominação).

12
São cartilhas desenvolvidas e em uso: “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento
para Crianças e Adolescentes” (2009b); “Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa
do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária” (2006a).
Ressalva-se que também órgãos de classe, como a Associação de Magistrados do Brasil
(AMB), na campanha “Mude um Destino”, foram responsáveis por documentos que, de
alguma forma, pensavam o ambiente construído, mas nenhum deles são documentos
legais.
40

No cenário atual brasileiro, as instituições de acolhimento estão


majoritariamente em edificações alugadas, adaptadas ao uso, muitas
vezes sem referência do habitar doméstico, em razão da coletividade dos
ambientes e das funções administrativas ali realizadas. É comum
perceber um visível distanciamento entre o ambiente construído e o
projeto pedagógico (supracitado) proposto pelo ECA. Ressalva-se que
as instituições atuais possuem muita dificuldade em atender aos
propósitos primordiais, enfrentando problemas diversos, especialmente:
dificuldades administrativas, financeiras e de infraestrutura.
Os resultados são espaços para acolher pessoas em diferentes
fases de crescimento e desenvolvimento psicossocial, mas que
desconsideram completamente a perspectiva dos seus usuários. Sabe-se,
à luz das teorias arquitetônicas, que as pessoas estabelecem o tempo
todo as mais variadas relações de troca com o ambiente em que vivem,
recebendo influência de diversos fatores de forma que, segundo Fischer
(1994), o ambiente construído pode condicionar as relações
interpessoais e com o meio, o que torna importante o estudo sistemático
dessa rede de interações.
Acredita-se que a situação de excepcionalidade e provisoriedade
almejada pela legislação brasileira (ECA e Lei 12.010) na medida de
acolhimento institucional seja um dos motivos para que não haja
reflexões mais profundas sobre o ambiente construído. Por outro lado, é
a realidade brasileira de média e longa permanência (meses ou anos) que
justifica a necessidade de estudar a situação também sob esse olhar.
Registra-se que definir apenas a proporção de usuários por metros
quadrados, como consta nas cartilhas nacionais, não garante a qualidade
arquitetônica. Existe uma gama de fatores que influenciam a relação
“homem e ambiente construído” e ultrapassam as questões quantitativas.
Por fim, dificilmente encontram-se estudos na área de Arquitetura sobre
a relação do usuário e o ambiente construído de instituições de
acolhimento na modalidade de abrigos institucionais. Dessa maneira,
enquanto as variáveis sociais, econômicas, políticas, etc. que levam à
institucionalização não são solucionadas, o acolhimento na modalidade
de abrigo institucional pode estar repetindo (mesmo que sem a intenção)
práticas históricas excludentes em virtude da escassez de reflexões sobre
o tema.
Atualmente, o objetivo almejado no acolhimento é o atendimento
individual e em pequenos grupos. Todavia somente essa característica
isolada não garante condição fundamental para o crescimento e
desenvolvimento psicossocial saudável. Para alcançar tal concepção,
uma das visões possíveis é estudar o ambiente construído com
41

observações qualitativas. No abrigo institucional, um dos aspectos de


vivência do habitar doméstico seria a possibilidade das crianças e
adolescentes fazerem parte das atividades que acontecem no cotidiano; e
o período do acolhimento não seria vivenciado como um ato de
suspensão do curso da vida. Ainda, uma vez que este momento é
centrado em uma criança ou adolescente que passa por um momento de
vida significativo, onde a família de origem é afastada da sua rotina
diária, os anseios, medos, inseguranças e o percurso de vida não podem
ser desconsiderados na avaliação do ambiente construído em que eles
vivem.
O maior entendimento dessas componentes intrínsecas à relação
“homem e ambiente construído” permite complementar os instrumentos
legais brasileiros existentes e que são compreendidos pela pesquisa
como insuficientes para o controle da qualidade do ambiente construído,
afinal em momento algum estabelecem um direcionamento em termos
qualitativos como propõe a teoria arquitetônica acerca do tema.
A pesquisa é ainda mais necessária, se for considerado que as
condições do ambiente construído podem constituir fatores de risco ou
de saúde ao crescimento e desenvolvimento psicossocial. Afinal o
acolhimento na modalidade de abrigo institucional consiste na
substituição, provisória ou não, da estrutura física de habitar doméstico
e, em alguns casos, psicológica de família. Sabe-se ainda, que o
contexto ambiental onde a criança e o adolescente crescem e se
desenvolvem é crucial nas causas e manifestações dos problemas,
especialmente nas questões de comportamento. De acordo com
Okamoto (2002), o ambiente construído deve oferecer ao usuário
possibilidades para participar e interagir, desenvolvendo novas
competências cognitivas e sociais. O ambiente construído pode
constituir um elemento importante para estimular e favorecer o
estabelecimento dos primeiros conceitos de cidadania e respeito às
diferenças humanas, por exemplo, promovendo a inclusão social.
A avaliação da qualidade do ambiente construído é um tópico de
investigação relevante para as políticas públicas. Nas pesquisas
referentes ao acolhimento institucional, a maior parte ocupa-se das
instituições de reclusão para adolescentes julgados em atos infracionais,
ou ainda, da análise psicológica da institucionalização. A condição de
acolhimento institucional é estudada especialmente pelas Ciências
Humanas. De maneira geral, a Psicologia, a Filosofia e a Sociologia
tratam de entender o ser humano, suas reações e as razões que o
conduziram à situação de vulnerabilidade social e, posteriormente, à
institucionalização. O Direito, por outro lado, estuda formas de sanar
42

legalmente essa situação. As referências bibliográficas ao alcance dos


gestores das instituições e dos demais órgãos envolvidos nesse processo,
fazem menção às questões legais que devem ser atendidas, e às
diferentes formas de lidar com os comportamentos, os conflitos e os
traumas psicológicos mais comuns das crianças e dos adolescentes
institucionalizados. Há carência de material que apresente o papel do
ambiente construído, como citado.
Um fator que corrobora para esta lacuna, é o descaso no Brasil,
com a qualidade das arquiteturas públicas ou de finalidade pública,
“projetadas” ou não, para as atividades sociais, de educação, saúde,
assistência social, entre outras. Não se trata apenas de falta de elementos
de composição arquitetônica (e.g. linguagem e estética), mas das
limitações que impedem a usabilidade: educar, cuidar, assistir, etc. Ao
contrário do que se observa nos países desenvolvidos, no Brasil, esses
ambientes construídos muitas vezes, não consideram princípios básicos
para a condução dos projetos, que envolvam respostas simultâneas às
dimensões tecnológicas, organizacionais e espaciais. Dessa maneira,
quando a arquitetura pública é substituinte (provisória ou não) do
habitar doméstico, é importante compreender e considerar os múltiplos
aspectos no cotidiano de seus usuários, determinando a sua qualidade de
vida e as expectativas e possibilidades de desenvolvimento futuro. A
qualidade deste ambiente construído, como expressão direta na
satisfação dos usuários, deve constituir, portanto, um importante
objetivo de todas as partes integrantes nos processos de produção do
espaço.
Na Arquitetura, um dos grandes equívocos está na adaptação dos
usuários para o ambiente construído e não o contrário, que consideraria
as necessidades humanas para a elaboração dos projetos. A aplicação de
métodos e técnicas deveria partir da visão qualitativa dos usuários para
alcançar diretrizes projetuais. No habitar doméstico, esta preocupação é
ainda mais necessária, porque é com ele que se possui maior relação de
apropriação, dentre todos os ambientes construídos. A realidade
brasileira, contudo, ignora as considerações feitas pelas características
humanas ou as coloca em plano secundário. As razões para isso,
envolvem desde a priorização da forma em detrimento à funcionalidade,
até as razões econômicas, buscando maior ocupação em detrimento de
preocupações com a habitabilidade.
Quando se aborda o habitar doméstico em ambiente institucional
na modalidade abrigo institucional, considera-se apenas percentis acerca
do número total de acolhidos e a proporção desses em cada cômodo,
determinando uma metragem quadrada mínima. A falta de posições
43

arquitetônicas que surjam a partir da escuta dos seus principais usuários


– crianças, adolescentes e funcionários – reduz o ambiente construído a
um número que pouco expressa as dimensões materiais e imateriais que
envolvem o ato de habitar. Dessa maneira, ainda que se garanta o nível
mínimo de ordem técnica e sanitária, os abrigos institucionais tornam-se
objetos construídos inadequados e aquém de suas qualidades, porque
ignoram a autonomia, privacidade, territorialidade e a variabilidade
destas exigências de habitabilidade.
Registra-se que a preocupação com a qualidade do ambiente
construído do abrigo institucional, baseado em seus usuários, crianças,
adolescentes e funcionários, que é a abordagem dessa pesquisa,
corrobora com os interesses legais atribuídos pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente em seus artigos terceiro e quarto (BRASIL, 1990):

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos


os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que
trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades,
a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder público assegurar,
com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária.

A recomendação de diretrizes de ordem qualitativa que


consideram a categoria física e a dimensão comportamental13 (SAVI,
2008) para os abrigos institucionais, a partir de critérios e diretrizes
reconhecidos e estudados metodologicamente, resulta em recursos
qualitativos efetivos, na forma de um novo modelo dentro dos padrões
arquitetônicos da realidade brasileira, que ainda considera os
instrumentos legais, mas acrescenta contribuições arquitetônicas
concretas para um ambiente construído que substitui provisoriamente

13
Entende-se por categoria física: infraestrutura do ambiente construído (e.g. layout,
mobiliário e acabamentos) e dimensão comportamental aspectos relacionados à
habitabilidade no habitar doméstico (e.g. privacidade, autonomia e territorialidade).
44

(ou não) a casa de origem.


Outro aspecto de relevância está na construção das etapas
metodológicas de investigação do estudo de caso baseada nos
“patterns” (ou padrões). A obra de Alexander (2013) tem conhecimento
rico estruturado na observação do comportamento do homem no
ambiente construído e cujo potencial de contribuição para o processo de
projeto humanizado ainda é pouco apropriado no Brasil no âmbito das
arquiteturas institucionais, visto a repetição dos mesmos modelos de
projeto arquitetônicos padrão em diferentes cidades do território. Assim,
Alexander (2013) constituiu-se como peça teórica para a construção
metodológica da presente pesquisa, através da observação de variados
eventos reincidentes na geometria espacial do ambiente construído de
estudo de caso ou nas discussões com os usuários. Dessa maneira,
procura-se refletir o “modo intemporal do ambiente construído”
(ALEXANDER, 2013), capaz de liberar ordem fundamental inerente
aos seres humanos, qualidade central e critério para qualidade de vida
nas edificações, entre elas o habitar doméstico.
Com a construção de diretrizes projetuais baseadas nos
“patterns”, estas também são consideradas aspectos de inovação, a
medida que corroboram com o entendimento de contribuição para o
processo projetual. Acredita-se que tais diretrizes devem ser de domínio
de arquitetos e profissionais envolvidos com o assunto, propiciando
maiores possibilidades para a obtenção de uma melhor qualidade para o
abrigo institucional. Conforme estudos de Kenchian (2011), um dos
desafios dos profissionais da Arquitetura é de ser capaz de encontrar
soluções flexíveis para satisfazer necessidades futuras de usuários
desconhecidos. No caso dos abrigos institucionais, esta característica é
ainda mais latente, em razão das idas e vindas à instituição, por razões
que serão apresentadas no decorrer dessa pesquisa.

1.3 PERGUNTAS DE PESQUISA

A pergunta principal é: Sob o ponto de vista dos usuários,


crianças, adolescentes e funcionários, que características do ambiente
construído representam habitabilidade para crianças e adolescentes em
situação de acolhimento institucional na modalidade de abrigo
institucional?
Para alcançá-la, são perguntas complementares:
1. É possível identificar e relacionar as características do
ambiente construído no acolhimento na modalidade de abrigo
institucional como fatores que podem gerar acesso ou
45

restrição para atingir qualidade de vida, efetivando os direitos


fundamentais almejados no Estatuto da Criança e do
Adolescente?
2. Sob o ponto de vista dos usuários, o acolhimento na
modalidade de abrigo institucional está adequado às
necessidades do habitar doméstico, como sugere o Estatuto da
Criança e do Adolescente?

1.4 PROBLEMATIZAÇÃO DA PESQUISA

O acolhimento institucional preconiza atender as necessidades


básicas (moradia, alimentação, educação e saúde). A educação e o
atendimento de saúde acontecem fora da instituição. O acolhimento é
considerado emergencial, acontecendo sob a alegação de
excepcionalidade e provisoriedade das decisões judiciais. Segundo a Lei
número 12.010, as crianças e os adolescentes devem permanecer em
acolhimento institucional o tempo máximo de dois anos, podendo ser
prorrogado em casos em que não há resolução dos problemas
relacionados à institucionalização (BRASIL, 2009a).
As estatísticas apontam que as crianças e os adolescentes
brasileiros têm permanência média de 24,2 meses, sendo este tempo
maior entre crianças e adolescentes de cor preta (27 meses) e com
deficiência (40 meses). O sexo não se apresenta como diferencial quanto
ao tempo de acolhimento institucional, porém a idade influi com
aumento progressivo (DE ASSIS; FARIAS, 2013). Estes fatos reforçam
a discussão do papel do ambiente construído. Afinal, independente de
dias, meses ou anos, a institucionalização não pode significar, entre
outros problemas, uma lacuna na esfera das relações entre “homem e
ambiente construído” de crianças e dos adolescentes em crescimento e
desenvolvimento psicossocial.
Outro aspecto importante, que se soma à ambiguidade entre as
intenções legais e a realidade, é a “santificação institucional”
(SOMMER, 1973). Ela corresponde à passividade frente ao local em
que se vive; e ocorre em ambientes onde as normas e outros
condicionantes restringem as ações. Os internos, por conta de regras
e/ou rotinas, têm poucas condições para agirem individualmente; “[...]
os internados e os encarregados passam a aceitar a rotina como sagrada
e a estabilidade como um valor absoluto” (SOMMER, 1973, p. 100). O
resultado dessa apatia provoca o “mal do institucionalizado”
(SOMMER, 1973), cuja consequência é a passividade ou agressividade
nas interações com os outros e o ambiente construído, além da
46

dificuldade de verbalização acerca do ambiente construído em que se


vive. “[...] Não sabemos se a falta de queixas se deve a sentimentos de
resignação e impotência, à crença de que as queixas não têm outro efeito
senão marcar o internado” (SOMMER, 1973, p. 117).
A complexidade do público envolvido e a sua fragilidade
emocional - crianças e adolescentes sensibilizados e com dificuldades
em verbalizar acerca do ambiente em que vivem – fazem a metodologia
e as técnicas de pesquisa apoiarem-se na investigação teórica das áreas
das Ciências Sociais e Sociais Aplicadas, para compreender a realidade
do acolhimento na modalidade de abrigo institucional sob a ótica de
seus principais usuários: crianças, adolescentes e funcionários.

1.5 PRESSUPOSTOS DA PESQUISA

Para o desenvolvimento dessa pesquisa, consideraram-se como


ponto de partida alguns pressupostos principais. O primeiro deles é que:
o ambiente construído não é somente uma estrutura física para
suprir as necessidades básicas, e sim constitui um conjunto com as
relações imateriais (relacionadas à dimensão psicossocial). Okamoto
(2002, p. 240) completa:

[...] além de ver o sujeito por intermédio de suas


características físicas, é preciso vê-lo também
como pessoa psicológica, nas suas várias
dimensões, mediante as quais ele estabelece um
contato com a realidade ambiental ou social.

Nesse entendimento, o ambiente construído deve estimular não


apenas o atendimento das necessidades básicas do homem, mas também,
psicológicas e espirituais, que contribuem para o crescimento e
desenvolvimento psicossocial. A Arquitetura precisa criar ambientes
sensíveis e estimulantes à existência humana. Outro aspecto essencial é
então, a importância do sentido de pertencimento. A ligação a um lugar
é componente principal para sentir-se parte de um habitar doméstico.
Esse sentimento é criado por objetos que possuem significado pessoal
para o usuário e permitem a personalização do ambiente, encorajando o
indivíduo a reivindicar propriedade e a familiarizar-se com o lugar.
Assim, é pressuposto: existe a necessidade de possuir “o seu lugar”,
quer esteja ligada à noção de abrigo e proteção, ou relacionada à
sua posição dentro da sociedade. Heidegger (2002) reforça que possuir
a imagem do “seu espaço habitado” serve para afirmar a identidade.
47

Considerando os pressupostos acima, não é mais suficiente que


nas poucas vezes em que se aborda o ambiente construído nos
instrumentos legais brasileiros acerca do acolhimento institucional, ele
seja tratado apenas quantitativamente. A visão de conjunto pode gerar as
bases para elaboração de soluções/ou de criação de lugares onde o
acolhimento possa se efetuar. Afinal, os problemas não são isolados e
sim interligados e isso fundamenta o terceiro pressuposto: os ambientes
construídos agem como sistemas de comunicação de regras que
vinculam diversas manifestações do imaginário coletivo ou, como diz
Rapoport (1982) são diretrizes para o comportamento. A estrutura do
arranjo revela então, essas diretrizes porque cada pessoa organiza o seu
cotidiano na produção e no arranjo dos objetos. Analisando a disposição
espacial de duas residências em dois contextos diferentes por exemplo, é
possível reconhecer aspectos organizacionais de hierarquia e de poder.

1.6 OBJETIVOS

1.6.1 Objetivo geral

Formular diretrizes de ordem qualitativa que considerem a


categoria física e a dimensão comportamental para a elaboração de
programas e projetos de arquiteturas de acolhimento na modalidade de
abrigo institucional, dentro da realidade brasileira.

1.6.2 Objetivos específicos

a) Investigar e compreender como as estruturas administrativas


históricas e atuais do acolhimento, com foco no abrigo
institucional, através de seus conjuntos de valores e
procedimentos de atendimento, influenciam as decisões
projetuais;
b) Definir, com abordagem multidisciplinar (teórica e de
investigação), quais são as dificuldades de interação física
e/ou psíquica com o ambiente construído das crianças, dos
adolescentes e dos funcionários nos abrigos institucionais;
c) Identificar através de abordagem multidisciplinar (teórica e de
investigação), as características que podem permitir/estimular
ou reduzir/impedir positivamente no processo de apropriação,
contribuindo para a qualidade de vida no habitar doméstico no
ambiente construído, mesmo sendo uma instituição provisória.
48

1.7 ASPECTOS DE INOVAÇÃO E CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA


DA PESQUISA

As reformas introduzidas na arquitetura


especializada dos grandes estabelecimentos de
abrigo, em fins do século passado e no início
deste, resolveram parte dos problemas. A higiene
dos colégios muitas vezes, foi executada nos
novos estabelecimentos. A higiene do corpo foi
igualmente perseguida, com algum sucesso. A
alimentação e o vestuário dos educandos
mereceram maior atenção. Instituíram-se a
disciplina, os horários, os regulamentos dos
grandes internatos, os exercícios físicos, os jogos.
Buscava-se transmitir aos expostos não somente
um ensino elementar mais sistemático e
abrangente e um ensino profissional mais
diversificado, mas também valores caros à
filantropia científico-burguesa, ou seja, o gosto e
o hábito pelo trabalho, o amor à ordem e a crença
no progresso (MARCÍLIO, 2006, p. 287).

A citação apresenta a realidade histórica anterior ao ECA. O


modelo tinha fins assistencialistas e/ou filantrópicos, sobre os preceitos
de “ideal” educativo. O Estatuto trouxe uma nova visão centrada no
indivíduo e por isso, as instituições foram reformuladas. Nesse primeiro
quarto de século da promulgação do ECA, tratou-se inicialmente de
questões administrativas e nos últimos anos, tem-se elaborado manuais
(ainda escassos) de orientação do ambiente construído. O principal deles
foi: “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e
Adolescentes” (BRASIL, 2009b), cuja importância está em
regulamentar o número de abrigados e a metragem mínima dos
ambientes.
Para refletir essa realidade, é importante abandonar o processo de
avaliação arquitetônica a partir de ideias pré-concebidas, onde o
ambiente construído é apreciado apenas com atributos de salubridade e
metragem quadrada. O aspecto de inovação dessa pesquisa, é
compreender que, apesar dos esforços dos órgãos responsáveis para que
as crianças e os adolescentes não fiquem longos períodos
institucionalizados, a realidade é contrária a isso e dessa maneira, a
instituição é um tipo de habitar doméstico e, como tal, precisa permitir
apropriação e identidade.
49

A dualidade existente entre moradia para o acolhido e instituição


de curta permanência para a legislação brasileira (ECA e Lei 12.010),
traz a necessidade fundamental de refletir estes paradigmas. Registra-se
que a transição de um paradigma em crise para um novo, está longe de
ser um processo cumulativo. É uma reconstrução de áreas de estudos
com base em novos princípios que alteram algumas das generalizações
teóricas mais elementares. Acredita-se que nessa pesquisa, ao trocar a
quantificação do ambiente pela possibilidade de criar nossos padrões de
qualidade de vida a partir do olhar qualitativo para os ambientes
construídos institucionais, estar-se-á gradativamente argumentando na
discussão de um novo paradigma.
Antes do ECA e até mesmo após sua implantação, acreditou-se
que a proporção entre número de acolhidos e metros quadrados era
suficiente para alcançar qualidade de vida. Também, a visão “otimista” e
irreal do acolhimento como situação excepcional e provisória fez com
que se entendesse o ambiente construído sem maiores especificações,
principalmente em relação às questões qualitativas, que possibilitam a
vivência num habitar doméstico, mesmo que não seja em seu total
significado.
O aspecto inovador e a contribuição científica esperam por meio
de análise qualitativa, construir novos dados e reflexões de cenários
mais reais. Assim como a estruturação dos fatos poderá integrar
diferentes níveis de informação, subsidiando tomadas de decisão por
parte dos sujeitos envolvidos com o tema. Nas contribuições, os
seguintes pontos oferecidos em favor do projeto arquitetônico
institucional de qualidade são destacados, ainda que de forma sintética e
resumida:

a) Pelo arquiteto, a compreensão holística de campos diversos do


conhecimento, compromissados com a história e o
desenvolvimento; e seu papel único, na formulação com
qualidade dos ambientes institucionais, especialmente de
acolhimento na modalidade de abrigo institucional;
b) A discussão do papel do programa de necessidades do habitar
doméstico para o acolhimento institucional, tomado como
visão estruturadora para a efetivação dos direitos
fundamentais almejados no Estatuto da Criança e do
Adolescente;
c) O reconhecimento e a assimilação dos aspectos científicos,
técnicos, qualitativos e aplicados, como requisitos para o
alcance de qualidade de vida no projeto de arquiteturas de
50

acolhimento na modalidade de abrigo institucional;


d) A importância da incorporação de diretrizes e atributos
complexos na metodologia e principalmente, no processo
projetual, que excedem o programa de necessidades
institucional, colaborando para qualificar o ambiente
construído. Baseado em Alexander (2013), permite considerar
uma linguagem projetual fragmentada, em que as diretrizes
podem ser apropriadas pelos profissionais para a construção
dos seus projetos;
e) O processo metodológico pode ser utilizado em outras
pesquisas, cujo objetivos sejam investigar a importância do
ambiente construído para maior qualidade de vida,
considerando os “patterns” para fomentar a construção de
diretrizes projetuais com ênfase em conceitos de
habitabilidade relevantes para a análise de projetos
institucionais.

1.8 DELIMITAÇÃO E LIMITES DA PESQUISA

A revisão dos serviços de acolhimento institucional, com a


mudança da denominação e a elaboração dos primeiros manuais,
constitui passo importante para romper a secular cultura da
“institucionalização” de crianças e adolescentes. Sabe-se, contudo, que
instituir práticas orientadas pelo paradigma do direito à convivência com
a família, comunidade e com o ambiente construído são delicadas e
gradativas. Nesse contexto de mudança de paradigmas, o acolhimento
institucional se “comporta e reage” de formas diversas. O cenário
apresentado (social, político, etc.) ora evidencia um processo contínuo
de avanços, ora é permeado de resistências e estagnações.
No âmbito dessa pesquisa, a delimitação é de instituições que
oferecem acolhimento institucional continuado às crianças e
adolescentes desacompanhados de seus familiares, pressupondo
regularidade nos serviços oferecidos e determinando ao dirigente da
instituição a equiparação legal de guardião14 (Brasil, 2009a), através do
modelo de abrigo institucional. O recorte é a região sul do estado de
Santa Catarina, cuja representatividade no cenário nacional e também, a
homogeneidade dos modelos de instituição foram critérios para

14
Conforme parágrafo primeiro do artigo 92 do ECA, “O dirigente de entidade que
desenvolve programa de acolhimento institucional é equiparado ao guardião, para todos
os efeitos de direito” (BRASIL, 1990).
51

delimitação, considerando os dados da pesquisa de De Assis e Farias


(2013).
Essas características foram escolhidas para que as conclusões da
pesquisa pudessem se aproximar de maiores generalizações, alcançando
o âmbito nacional. Afinal, a mesma situação é encontrada na região
sudeste brasileira, permitindo que as futuras pesquisas possam replicar
os estudos e comparar os dados. Ressalva-se que as demais regiões
nacionais possuem realidades distintas, inclusive a modalidade não é
comum em todos os municípios. Os critérios para seleção do estudo de
caso nesse recorte, serão melhor explorados no capítulo com os
procedimentos metodológicos.
O acolhimento na modalidade de abrigo institucional é estudado
sob o olhar da Arquitetura. O aporte teórico delimita-se na relação do
“homem com o ambiente construído”, especialmente do acolhimento
institucional. O ambiente não é apresentado como estrutura física
passiva, mas como um agente envolvido e atuante no crescimento e
desenvolvimento psicossocial da pessoa, de modo que entre ambos
ocorre relação dinâmica.
A delimitação reflete a própria concepção da pesquisa, apoiada
no tripé teórico-conceitual: (01) relações entre ambiente construído e o
crescimento e desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes
(concepção humana-ambiental); (02) história dos serviços de
atendimento no Brasil (concepção sócio-política) e; (03) evolução do
papel institucional (concepção arquitetônica). A triangulação visa
compreender os ambientes construídos, servindo de embasamento para
avaliação do estudo de caso. Como também adotou Elali (2002) em sua
tese, os principais elementos presentes no capítulo de referencial teórico
ressurgem isolados ou em conjunto, no estudo de caso e nas discussões
dos resultados. Ressalva-se, que apesar da relação de urbanidade (abrigo
institucional e cidade) ser também relevante, essa pesquisa objetiva o
olhar do ambiente construído interno, onde o cotidiano do habitar
doméstico efetivamente ocorre.
Utilizam-se preferencialmente referenciais históricos e dialéticos,
os quais contribuem para a contínua apreensão dos dados que se
apresentam em toda a trajetória da pesquisa, como as bases da teoria em
pauta. A possibilidade de uma reflexão crítica com a práxis foi a razão
da escolha desse arcabouço teórico-metodológico. A
interdisciplinaridade permitiu “ouvir” historiadores, sociólogos,
arquitetos e outros especialistas sensíveis ao crescimento da consciência
constante que vem aflorando sobre a situação; especialistas atentos,
sobretudo, ao legado do passado na situação atual. A pesquisa possui
52

como linha limite de análise histórica as fases de assistências definidas


por Marcílio (2006) nos estudos para o livro “História Social da Criança
Abandonada”, conforme Quadro 2.

Quadro 2 - Síntese da classificação histórica de assistência.


CLASSIFICAÇÃO HISTÓRICA PERÍODO
Período colonial até meados do
Primeira Fase: Assistencialista
século XIX
Segunda Fase: Filantrópica e Higienista Do século XIX até a década de 1960
Terceira Fase: Bem-estar Social Da década de 1960 até 1990
Quarta fase: ECA Após a década de 1990
Fonte: Marcílio (2006) adaptado pela autora.

O papel do ambiente construído no acolhimento institucional,


será estudado a partir da visão teórico-técnica e também, do usuário. O
foco estará centrado na criança e no adolescente (entre zero e dezoito
anos incompletos). Todavia, são delimitados também, como usuários do
abrigo institucional, os agentes envolvidos nos cuidados das crianças em
razão do uso do espaço depender das interações desses atores, nas
dinâmicas de vida do acolhimento institucional (e.g. cuidadores,
assistentes sociais e psicólogos; chamados na pesquisa de funcionários).
Não são investigadas as famílias de origem dessas crianças e
adolescentes porque o acesso a essas informações é restrito aos órgãos
oficiais (juizados e instituições). Além disso, as famílias não possuem
acesso a todos os ambientes construídos do abrigo institucional e nem
contato com as rotinas domésticas diárias, que são o foco das
observações dessa pesquisa.

1.9 ESTRUTURA DA TESE

No Capítulo 1 – Introdução – a escolha do tema é apresentada e


justificada e a relevância é definida. Ainda, são expostas as perguntas, a
problemática, os pressupostos de pesquisa, os objetivos: geral e
específicos, os aspectos de inovação e contribuições científicas, a
delimitação e os limites da pesquisa. O Capítulo 2 - Referencial
Teórico – corresponde a apresentação de conceitos, discutindo: a
arquitetura institucional; a criança e o adolescente e o ambiente
construído. No ambiente institucional, aborda-se a relação histórica das
arquiteturas com os discursos oficiais e legais. Sobre as crianças e os
adolescentes, apresenta-se uma visão geral das principais teorias e
classificações sobre o crescimento e desenvolvimento, especialmente a
53

Teoria do Desenvolvimento Ecológico. Acerca do ambiente construído,


discorre-se sobre as relações entre usuários (especialmente, as crianças e
os adolescentes) e o ambiente construído sob o ponto de vista
especialmente, da Psicologia Ambiental. Por fim, são discutidas as
diferentes esferas de relação no conceito de habitar doméstico,
caracterizando a importância de aspectos objetivos e subjetivos para a
caracterização do modelo de habitar doméstico. O Capítulo 3 -
Procedimentos de Pesquisa - apresenta os procedimentos
metodológicos, com descrição de como foram aplicados os métodos e
técnicas. O Capítulo 4 – Estudo de Caso - apresenta os resultados e por
fim, discute-os com abordagem teórico e propositiva retomando o
referencial teórico. O Capítulo 5 – Contribuições da Arquitetura
para a Ambiência dos Abrigos Institucionais – trata dos diretrizes
projetuais, que completam o objetivo geral da pesquisa. O Capítulo 6 -
Considerações Finais - traz considerações sobre as conclusões gerais
do trabalho que retornam aos objetivos, perguntas de pesquisa e
procedimentos metodológicos adotados; por fim, faz-se recomendações
para trabalhos futuros. Em seguida, apresentam-se as Referências
Bibliográficas utilizadas e as Informações Complementares (anexo e
apêndices).
55

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A ARQUITETURA INSTITUCIONAL

Este subcapitulo versa sobre a evolução do loco assistencial


brasileiro com influência das políticas europeias, desde as instituições
religiosas até as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente,
demonstrando que inicialmente, os programas de atendimento eram
repressores e correcionais, e após se tornaram de proteção integral.
Apresenta-se também, o perfil atual das crianças e dos adolescentes em
medida de acolhimento institucional.

2.1.1 Contribuições Históricas Europeias

O abandono de crianças é uma prática muito antiga, cujos


motivos são variados e envolvem problemas sociais, culturais e
econômicos, permanecendo através dos séculos. Na antiguidade das
culturas ocidentais, o pátrio poder era absoluto, permitindo matar,
vender e expor (abandonar) os filhos recém-nascidos. A deformidade e a
pobreza bastavam para se decretar o aborto ou o infanticídio que eram
considerados legítimos. As evidências remontam ao código de
Hamurabi15, que já regulamentava a adoção. Na Grécia clássica, a
filosofia e a mitologia discutiam o caso de Édipo16. Na fundação da
cidade de Roma, há o mito dos irmãos Rômulo e Remo criados por uma
loba. Nesse Império inclusive, existiam lugares especiais para o
abandono como a coluna Lactária, no mercado de verduras do Fórum da
capital (MARCÍLIO, 200617).
No início da Igreja Católica, a prática do abandono permaneceu
sem condenação. Apenas no século IV, alguns pensadores da Igreja
primitiva refletiram sobre o assunto. Na Alta Idade Média, perante o
caos social provocado pela queda do Império Romano e pelas invasões
bárbaras, a Igreja assumiu a questão da criança, divulgando leis sobre o
abandono, a venda e a criação dos adotados18. Além de – pela primeira

15
O Código de Hamurabi é uma compilação de 282 leis da antiga Babilônia, redigido por
volta de 1772 a.C.. É considerado a legislação mais antiga de que se tem conhecimento.
16
Édipo é um personagem da mitologia grega, famoso por matar o pai - Laio - e casar-se
com a própria mãe - Jocasta.
17
Este subcapítulo considera Marcílio (2006) como a principal referência, porque o autor
tem pesquisas consistentes no tema de assistência à criança e ao adolescente.
18
Nesse período histórico, a Igreja Católica torna-se um dos redutos de poder organizado
56

vez na história - organizar espaços para o acolhimento, junto aos


edifícios das ordens religiosas, que apesar de não possuírem
infraestrutura adequada, assumiram o recebimento de crianças de todas
as idades. O atendimento acontecia em ambientes já existentes nos
edifícios. A arquitetura era improvisada e emergencial, repetindo o
modelo de solidão e silêncio do cotidiano religioso, assemelhando-se às
masmorras19. O intuito era salvar a alma, visto que a própria existência
era considerada fruto de pecado. A insalubridade produzia altas taxas de
mortalidade, ocasionadas por febres infecciosas e outras doenças
transmissíveis. Mesmo assim, aceitava-se o modelo como o único
refúgio seguro (MARCÍLIO, 2006).
Nos séculos que sucederam a transição entre a Alta e a Baixa
Idade Média, a Europa teve maior crescimento populacional e da
demanda de crianças para assistência. Construíram-se então, arquiteturas
específicas ao atendimento, surgindo os edifícios hospitalares, que
contavam com o auxílio de parcelas da sociedade para sua manutenção,
como as corporações de ofício e as confrarias. Neles, o atendimento
podia ser exclusivo às crianças ou junto aos adultos, mas nesse caso,
havia a separação física de ambos (MARCÍLIO, 2006).
Nesse período, outro fato determinante para criação dos hospitais
de assistência foi a atuação do Papa Inocêncio III (1198-1216), que
destinou o Hospital da Ordem do Santo Espírito em Sassia (Roma,
Itália) para receber crianças abandonadas; ao saber que pescadores
retiraram bebês mortos por afogamento no Rio Tibre. Nesse hospital,
junto ao muro lateral foi instalada uma “Roda20” (a primeira) para
receber crianças abandonadas em anonimato (MARCÍLIO, 2006)
(Figura 1). Esse modelo tornou-se paradigmático para a Europa e suas
colônias, perdurando por quase setecentos anos.

e mantenedor de certa manifestação da cultura através das bibliotecas. Como tal, regula e
cria normas de conduta, entre elas as apresentadas no parágrafo.
19
Masmorra é o nome dado às prisões localizadas no subterrâneo, principalmente de
antigos castelos; eram locais escuros, sombrios e lúgubres.
20
O nome “Roda” provém do dispositivo de madeira onde se depositava o bebê. De
forma cilíndrica e com uma divisória no meio, esse mecanismo era fixado no muro ou na
janela das instituições. No tabuleiro inferior, na parte externa, o expositor colocava a
criança que enjeitava, girava a Roda e puxava um cordão com uma sineta para avisar o
vigilante – ou “rodeira” – que um bebê acabara de ser abandonado, retirando-se
furtivamente do local, sem ser reconhecido. A origem desses cilindros rotatórios vinha
dos átrios ou vestíbulos de mosteiros e de conventos medievais, usados para outros fins,
como o de depositar mantimentos, evitando o contato de religiosos com o mundo exterior
(MARCÍLIO, 2006, p. 57).
57

A dimensão dessa roda era equacionada para que fossem


recebidos somente recém-nascidos ou com poucos meses. Após o
ingresso, a preocupação imediata era o batismo, realizado novamente, na
dúvida de já ter acontecido. Registra-se que a partir do século XVII na
Europa católica, generalizou-se essa prática, entendendo-a como forma
de defesa dos bons costumes e da família, garantindo a preservação
moral em razão do anonimato no abandono (MARCÍLIO, 2006).

Figura 1 - Roda dos Inocentes


do Hospital da Ordem do Santo
Espírito em Sassia, Itália.

Fonte: Warburg (201021).

Apesar da construção dos hospitais com alas específicas para a


assistência das crianças, não houve mudanças significativas nos
ambientes construídos. A intenção primordial era ainda, preservar a
sociedade da convivência incômoda com enjeitados22. O modelo
arquitetônico era em forma de claustro, como os edifícios religiosos
medievais. A partir do pátio interno, distribuíam-se galerias que
acessavam os pavilhões. A divisão dos blocos era em razão da faixa
etária e do sexo. O layout, com camas e berços lado a lado, distribuía-se
nas grandes salas de alojamentos. Eram escassos os cuidados de

21
Disponível em: <https://en.wikipedia.org/OspedaleSantoSpiritoSassia>. Acesso em 21
jan. 2016.
22
Denominação usada na época para caracterizar as crianças abandonadas ao nascer ou
em tenra idade.
58

iluminação e ventilação natural, permanecendo altas as taxas de


mortandade em razão do ambiente insalubre (MARCÍLIO, 2006).
Após o período medieval, as mudanças sociais e econômicas
acontecidas nas Idades Moderna e Contemporânea (especialmente
relacionadas à Revolução Industrial) determinaram o movimento
generalizado para repensar o modelo de assistência vigente. Os hospitais
transformaram-se então, em instituições cujo objetivo era isolar a
realidade social incômoda, com práticas de vigilância rigorosa, prisão,
constrangimento e até trabalhos forçados. Manteve-se a técnica de
agrupar casos semelhantes (e.g. doentes, crianças, idosos e grávidas) e
assim, as estruturas espaciais tornaram-se mais complexas e
compartimentadas, refletindo o mesmo ritmo de estratos hierárquicos
que a sociedade passou a assumir (MARCÍLIO, 2006).
A proteção das crianças organizou-se nos planos material,
sanitário e administrativo. A prática continha conceitos de utilitarismo23
e higienismo24, associadas às ideias Iluministas e contrárias ao
assistencialismo do período anterior. Acrescentou-se também, o
treinamento para o trabalho como princípio fundamental da educação.
Deixou-se, a caridade assistencialista e adotou-se a prática filantrópica
(Marcílio, 2006), onde “[...] o exposto deveria ser instrumento de
progresso, um agente a serviço do bem do Estado” (MARCÍLIO, 2006,
p. 73).
Nesse efeito disciplinar, a escala de controle não tratava apenas
de cuidar do corpo físico e psicológico, mas também do espaço que esse
corpo habitava, implicando na coerção ininterrupta, constante e vigilante
sobre os processos da atividade, separando o tempo, o espaço e os
movimentos. Para corroborar, surge no século XIX, através de Jeremias
Bentham (1748-1832) o modelo arquitetônico panóptico25 (pan
corresponde a tudo e ótico refere-se a ver) (Figura 2). Aplicado
originalmente às arquiteturas prisionais dos adultos, logo se empregam
os conceitos nas instituições de assistência infantil, através da vigilância
centralizada - não por torres -, mas pela manutenção dos pátios internos.
23
O Utilitarismo é uma escola filosófica que nasceu no século XVIII, na Inglaterra. Ela
estabelecia a prática de ações conforme sua utilidade, baseando-se em preceitos éticos. O
conceito foi usado originalmente por Stuart Mill.
24
O Higienismo surgiu entre os séculos XIX e XX, quando médicos e
sanitaristas refletiam sobre sucessivas ocorrências de surtos epidêmicos de doenças
como: febre amarela, tifo, varíola e tuberculose. A linha de pensamento defendia
determinar padrões sociais e de comportamento em nome da saúde.
25
O modelo prisional panóptico é caracterizado pela forma radial, uma torre no centro e
um vigilante nela. Nele, os detentos eram vistos e vigiados, sem perceber quem os
vigiava.
59

O resultado desse cenário para a arquitetura institucional, é de clara


delimitação do espaço, de modo que seja estabelecida a ordem, que não
necessariamente implica em clausura e isolamento - embora o ambiente
construído seja predominantemente limitado e fechado - mas na
definição e ocupação de um lugar, a partir da organização clara do
espaço. Existe a definição de células funcionais (o pátio interno, os
alojamentos e o refeitório) que determinam posições nas hierarquias
espacial, social, etc. Segundo Foucault (2003), a organização do espaço
dessa maneira, permitia a constituição de “quadros vivos” que
transformavam grupos “confusos, inúteis ou perigosos” em massas
organizadas. O entendimento reforçava a visão da criança como sujeito-
objeto, controlado a partir de ideologias.
A arquitetura institucional de acolhimento à criança difundia os
conceitos de utilidade, função e circulação, em traços retilíneos, rigidez
do zoneamento e princípios de legibilidade clara do espaço. O indivíduo
deveria estar ocupado e ser facilmente localizado durante todo o tempo.
Por isso, a disposição e a composição da arquitetura eram através das
atividades: dormir, estudar, alimentar, rezar e trabalhar (MARCÍLIO,
2006). Essa morfologia facilitava a ampliação das construções,
organizando-se através dos pátios conectores. A forma em alas
horizontais permitia também, a ventilação cruzada e a melhor
iluminação natural, que a partir do século XIX, é adotada para melhorar
a salubridade dos ambientes institucionais, influenciada pelos estudos de
Florence Nightingale26 (1820–1910) (Figura 3).

26
A enfermeira publicou o livro Notes on Matters Affecting the Health, Efficiency and
Hospital Administration of the British Army” em 1858, que tratava da administração dos
espaços hospitalares e estabeleceu um novo modelo de espaço para a internação de
enfermos, servindo para a implantação de hospitais até as primeiras décadas do século
XX.
60

Figura 2 - Esquema de organização do modelo panóptico

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Figura 3 - Esquema de organização entre alas e pátio interno

Fonte: Elaborada pela autora (2017).

Registra-se que apesar das mudanças entre as primeiras


instituições improvisadas e os hospitais especializados, a estrutura
morfológica ainda se mantinha a partir dos pátios internos (claustros
medievais), privilegiando o controle das atividades ali realizadas. As
edificações apresentavam características plásticas bastante austeras e
pesadas, em razão dos volumes imponentes e das fachadas de ritmo
repetitivo entre os cheios e vazios e os elementos decorativos. A
morfologia e a estética caracterizavam a forte distinção entre: exterior e
interior, sociedade e instituição, dignos e impuros (ver análise de projeto
no Apêndice 1).
Na Europa após a Segunda Guerra Mundial, compreende-se que
as estruturas de assistência não atendem mais aos anseios sociais e do
Estado. Nascem novos modelos baseados na Declaração Universal dos
Direitos Humanos27 de 1949, e em legislações específicas (MARCÍLIO,

27
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi aprovada em 1948 na
61

2006). A situação socioeconômica de cada país estabelece diferentes


propostas arquitetônicas; e é possível afirmar que a maioria dos países
elimina as grandes instituições de assistência e acolhimento, investindo
em políticas de apoio às famílias para eliminar o cerne do problema (ver
análise de projeto no Apêndice 2). Ressalva-se que em razão do
processo de colonização europeu, os modelos de assistência às crianças
foram levados às Américas. Dessa maneira, é possível observar no
Brasil, semelhanças com a história europeia, como será apresentado a
seguir.

2.1.2 Contribuições Históricas Brasileiras

A prática do abandono de crianças e a necessidade de instituições


para assistência dividem a história brasileira em três fases anteriores à
aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, são elas: a primeira
fase “caritativa”, iniciada com a colonização portuguesa e de alguma
maneira, presente até os anos de 1990; a segunda “filantrópica e
higienista”, vigente entre o século XIX e a década de 1960; a terceira -
do “bem-estar social” - que perdurou da década de 1960 até a aprovação
do ECA (MARCÍLIO, 2006). Registra-se que as datas não são estanques
e algumas vezes, houve sobreposição dos períodos.
A fase caritativa possuiu duas modalidades de assistência: uma
informal e outra oficial através das Câmaras Municipais. A
informalidade foi frequente na história social brasileira, tendo a religião
católica como forte influenciadora da prática (DEL PRIORE, 2000) e
possui motivos pouco nobres para o acolhimento, porque utilizava as
crianças como mão-de-obra doméstica gratuita, “[...] mais eficiente do
que a do escravo, porque livre e ligada a laços de fidelidade”
(MARCÍLIO, 2006, p. 137). Nesse cenário informal, há registro de
abusos físicos e psicológicos. Outro fator que tornou essa prática
comum foram as famílias acolhedoras conseguirem um pequeno apoio
financeiro da Coroa Portuguesa para o sustento das crianças.
Ainda no Brasil Colônia, as Câmaras Municipais eram as únicas
responsáveis pela modalidade formal de assistência às crianças. Por
meio de convênios autorizados pelo Rei de Portugal com as Santas
Casas de Misericórdia, as Câmaras delegavam os serviços de proteção a

Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento é a base da


luta universal contra a opressão e a discriminação, defende a igualdade e a dignidade das
pessoas e reconhece que os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser
aplicados a cada cidadão do planeta, sem que haja discriminação por raça, cor, gênero,
idioma, nacionalidade ou por qualquer outro motivo.
62

essas instituições. Todavia eram omissas nos repasses financeiros e por


isso, uma parcela ínfima da população era assistida. Nesse período, as
únicas Santas Casas de Misericórdia que recebiam as crianças
abandonadas eram nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e Recife. O
recebimento acontecia através do sistema de roda e a acolhida era
improvisada, acontecendo junto aos doentes. A insalubridade e o grande
número de assistidos tornavam altas as taxas de mortalidade. Após a
Independência do país de Portugal, outras cidades sofreram com o
crescente número de crianças abandonadas e mais instituições da Santa
Casa de Misericórdia instituíram o acolhimento infantil. Depois de
1828, havia quinze Rodas no Brasil. O sistema foi utilizado no Brasil até
o século XX e a última roda a ser extinta foi em São Paulo, no ano de
1951 (MARCÍLIO, 2006).
Destaca-se que apesar da improvisação, as iniciativas de
assistência da fase caritativa são extremamente válidas, porque
representaram o despertar da sociedade para o tema. No entanto, é
perceptível que o atendimento emergencial possuía intenções de
mascarar um problema e não se aprofundar no tratamento das causas
que o desencadearam. O ambiente construído era adaptado a partir da
demanda, “[...] na maioria dos casos funcionavam em prédios
improvisados, acanhados, insalubres, sem móveis, berços, água
encanada, esgoto, luz, ventilação” (MARCÍLIO, 2006, p. 161). Repetia-
se a arquitetura europeia de forte contraste entre exterior e interior do
edifício e organizada a partir de pátios internos (ver análise de projeto
no Apêndice 3).
Entre meados do século XIX até a década de 1960, ocorreu a
segunda fase de assistência chamada de “filantrópica e higienista”. A
história social brasileira nesse período, foi marcada por profundas
mudanças, sendo elas: a abolição da escravatura, a queda da Monarquia,
a chegada dos imigrantes europeus, a separação entre Igreja e Estado, a
quebra do monopólio religioso de assistência, o avanço da legislação
pró-infância, a instituição do Estatuto da Adoção, a construção dos
direitos infantis e as grandes reformas do ensino na década de 1930.
Essas transformações e a situação de pobreza da maioria dos brasileiros,
especialmente nos centros urbanos, fez com que uma legião de crianças
fosse abandonada, vagando pelas ruas e fazendo surgir a “questão do
menor”, que exigia ações do Estado (MARCÍLIO, 2006).
A primeira ação pública foi em 1855, através do “Programa
Nacional de Políticas Públicas” voltado à “criança desvalida”28 e

28
Denominação adotada na época para caracterizar a criança em situação de abandono,
63

responsável pela criação de “Asilos de Educandos” em quase todas as


capitais. Os objetivos dessas instituições, eram: a instrução elementar, a
formação cívica e a capacitação profissional das crianças. O modelo
previa o afastamento do “indivíduo indesejável” para transforma-lo em
“trabalhador da nação”. A prática tinha forte sentido político-ideológico
de disciplina dos espaços e corpos (RIZZINI, 2000).
No final do século XIX, foram inseridas nas práticas públicas
brasileiras, as ideias positivistas de Augusto Comte29 que propunham a
separação das crianças nas seguintes categorias: problemáticas,
desvalidas e delinquentes. Cada grupo deveria ser alocado em grandes
instituições de regeneração e correção desses “defeitos”. Acreditava-se
que era possível desenvolver a criança “ideal” com sua colocação em
instituições especializadas.
Provocado pelo uso do discurso médico no âmbito das políticas
públicas, um número maior de edificações foi criado durante essa fase.
Surgiram asilos para diferentes situações, como: hospício para doentes
mentais, o lazareto para os hansenianos e as casas de assistência para a
infância e adolescência. As primeiras casas de correção às crianças
surgem no Rio de Janeiro e em São Paulo, provavelmente, em razão da
maior concentração populacional nessas cidades. Registra-se que as
prisões destinadas a adultos também recebiam menores infratores,
atuando como local de castigo. Em São Paulo, foi criado o Instituto
Disciplinar em 1902, que era dividido em alas, sendo uma delas
exclusiva para receber jovens infratores (MARCÍLIO, 2006).
A arquitetura desse período assumiu critérios do Movimento
Higienista30, cujos modelos eram grandes instituições, divididas em alas
e com forte caráter de vigilância através do isolamento espacial. Alguns
manuais para a organização de espaços de educação com foco higienista
foram elaborados, mas com pouca variação no conteúdo de cada

órfão ou em risco social.


29
Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798 – 1857) foi importante filósofo e
sociólogo francês do século XIX. É considerado o criador do Positivismo. A filosofia
nega a explicação dos fenômenos naturais e sociais a partir de um só princípio. A visão
abandona a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e pesquisa
suas leis, vistas como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis.
30
O Movimento Higienista surgiu entre os séculos XIX e XX, quando médicos e
sanitaristas refletiam sobre sucessivas ocorrências de surtos epidêmicos de algumas
doenças (e.g. febre amarela e tuberculose), as quais aumentavam em estatísticas de
mortes entre populações urbanas. Os estudos apontavam para a necessidade de manter
determinadas condições de salubridade no ambiente da cidade, mediante a instalação de
tratamento da água, esgotos e iluminação nas ruas. Além de mudanças nas arquiteturas,
com a separação de setores e cuidados quanto a ventilação natural e insolação.
64

volume. Foram alguns deles: “O século da creança” de Oscar Clarck


(1937); “Hygiene escolar e pedagogia” de Vieira Mello (1917); “Noções
de Higiene” de Afranio Peixoto (1921) (MARCÍLIO, 2006).
Nessa fase, a morfologia espacial acontecia pela racionalidade e
ordem, contraponto ao que se considerava nocivo à sociedade: o caos
que gerava doenças. A composição volumétrica seguia princípios de
ordenamento e simetria, sob condição de salubridade e controle dos
comportamentos. Os terrenos eram distantes da área urbana e os recuos
isolavam o edifício no lote, para prevenir o contato da sociedade “sadia”
com os indivíduos “doentes”, antes da sua “cura”. Os materiais
empregados na construção, deveriam ter baixa manutenção e fácil
limpeza. Dava-se atenção ao espaço ao ar livre e o contato com a
natureza, para a melhoria da qualidade do ar e da iluminação dos
ambientes. A disposição do mobiliário visava hierarquizar funcionários
e assistidos (ver análise de projeto no Apêndice 4). As medidas das salas
de aula e demais ambientes possuíam dimensões mínimas por aluno,
conforme Mello (1917, p. 24):

As dimensões da sala devem ser calculadas de


modo que cada alumno disponha de 1 metro e 25
centímetros quadrados de superfície, no mínimo.
Essas dimensões, entretanto, não são arbitrárias,
obedecem a considerações de ordem pedagógica e
hygienica, pois além de certos limites não só se
torna difficil a vigilancia, como a illuminação se
torna defeituosa.

Ainda sobre os ambientes construídos desse período, Corrêa


(1997, p. 90-92) reproduz um texto acerca da “Cidade para Menores”,
que mesmo não executada, era considerada um projeto ideal, servindo
de referência para os similares:

Ao descrever um dos pavilhões do projeto, o


arquiteto parece entusiasmado ao afirmar que se
trata “de mais uma engrenagem complementar da
máquina de regeneração, planejada por este
sistema, cuja peça principal é o Lar”. [...] logo à
esquerda, ele deixa seus papéis, se é que os tem, e
matricula-se no estabelecimento. Dali passa para o
gabinete de identificação e fotografia, logo
adiante da sala do diretor. Vai depois para a sala
de antropometria e daí para o barbeiro, onde corta
65

o cabelo e, em seguida, entra no banho. Depois


veste roupa limpa. A sala de jantar, logo em
frente, permite que se lhe dê um copo de leite ou a
primeira refeição. [...] A cidade de menores era
tão utópica quanto outras construções planejadas
pelo governo na época [...], mas é o lar a “base do
sistema reformatório da Cidade de Menores”. “É o
instrumento com que se procura despertar a
consciência da criança a ideia de um mundo
melhor. Boa cama, roupa limpa, alimentação farta
mostram-lhe claramente o caminho da escola, da
oficina, do trabalho, da disciplina e da sua
transformação.” O lar é um edifício de dois
pavimentos que deve abrigar 36 crianças sob a
direção de um casal. No térreo, a sala de jantar,
com seis mesas, copa, cozinha e despensa; na sala
de leitura, uma biblioteca; no mesmo andar, “o
apartamento do vigilante” e um “quarto de
observação”. No segundo andar, três dormitórios,
com doze camas cada um, e um apartamento para
o casal encarregado (“composto de quarto de
dormir, saleta, banheiro completo e armários
embutidos”) além de banheiros e rouparia. “Cada
edifício tem a sua fachada e fica no seu lote
separado. A vida de cada um pode ser diferente da
dos outros.” A descrição do arquiteto, quando
comparada às preleções do especialista, parece
mais um sonho de higienização; parecia tratar-se
de criar uma comunidade onde tudo funcionasse
(ele não esqueceu as árvores, nem o lixo), como
não funcionava na “vida real cá fora”.

Guimaraes (1858 apud MARCÍLIO, 2006, p. 283)31 reforça o


discurso sobre o modelo:

Um internato modelo devia conter: uma cozinha


com todos os apetrechos; um refeitório espaçoso;
quartos de banho; latrinas asseadas; largos
dormitórios bastante arejados, com acomodações
para vestuário e para quartos dos professores da

31
GUIMARAES, Joao Ribeiro. Dissertação sobre a hygiene dos collegios. Rio de
Janeiro: Typ. Imparcial de J.M.N. Garcia, 1858. Tese da Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro, p.65. In: MARCÍLIO, Maria Luiza. História social da criança abandonada. 2.
ed. São Paulo: Hucitec, 2006. 331 p.
66

vigília – salas de estudo suficientes; salas de


classes, de desenho, de escultura e de música;
anfiteatro; gabinete de física, de história natural e
de química [...] um ginásio aberto; capela [...].
[sobre o horário]. Levantar às seis da manhã e
deitar às dez da noite, quatro horas de estudo ou
de repetições; três horas de curso; duas horas de
refeição; uma hora para banhos e cuidados de
asseio; uma hora de ginástica; quatro horas de
jogos, escultura e artes mecânicas.

O edifício apresenta uma tipologia semelhante às prisões da


época, com planta-baixa retangular e ambientes privados voltados para
um pátio central, onde eram realizadas todas as atividades de trabalho,
refeições, etc. Os corredores permitiam monitorar as ações. Esses
recursos assemelhavam-se às prisões, onde o controle como forma de
disciplina já estava presente na ação de projeto, tal como na ideia do
panóptico de Bentham (Figura 4).

Figura 4 - Esquema de organização entre alas e pátio interno

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

A filantropia se difundiu rapidamente no Brasil, porque a


instituição tornava-se um espaço higiênico e disciplinador que, para a
sociedade, era uma necessidade iminente; afinal, tudo e todos que
representassem perigo ou desordem precisariam ser corrigidos ou
eliminados. Sob esse conceito de limpeza do meio urbano, as
instituições se situavam em recortes geográficos bem distantes da área
urbana, enfatizando o estigma de exclusão social (MARCÍLIO, 2006).
67

Registra-se que mesmo com a inserção de rotinas mais rígidas,


cuidados maiores com a higiene das crianças e a salubridade do
ambiente construído, as melhorias foram parciais. Como na primeira
fase de assistência, permanecia a precariedade de recursos financeiros,
com a falta de água encanada, alimentação e vestuário. As crianças eram
vítimas de abusos físicos e psicológicos, sujeitas a castigos corporais e a
colocação em solitárias sem janelas, apenas com frestas para entrada de
ar e luz (MARCÍLIO, 2006). O modelo filantrópico produziu um
cotidiano de disciplina rígida, com elevado número de fugas individuais
e coletivas. “As péssimas – trágicas mesmo – condições da maioria
dessas instituições em nada facilitaram a higiene do corpo e o
desenvolvimento da inteligência” (MARCÍLIO, 2006, p. 287).
Apesar desse cenário de preconceito, é possível afirmar que a
infância e a adolescência começavam lentamente, a ganhar papel de
importância nas preocupações de algumas parcelas da sociedade. Afinal,
reforçava-se que o cuidado não poderia ser somente do espírito, mas
também do corpo, como se acreditava ter ocorrido na fase anterior.
Mantinha-se o abrigo e a alimentação, e incluía-se a escola e a educação
para o trabalho. Em 1941, no Rio de Janeiro (então capital federal) foi
criado então, o Serviço de Assistência aos Menores (SAM), ligado ao
Ministério da Justiça. A finalidade era “[...] sistematizar e orientar os
serviços de assistência a menores desvalidos e delinquentes, internados
em estabelecimentos oficiais e particulares” (PASSETTI, 2000, p. 362).
O sistema previa atendimento diferente para o adolescente autor de ato
infracional e para o menor carente e abandonado, conforme Quadro 3.

Quadro 3 - Relação entre situação da criança e do adolescente e tipo de


assistência durante a atuação do SAM.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Duas décadas depois, foi extinto o SAM e criada a Fundação


Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) através da lei número
4.513 de 01 de dezembro de 1964, dando início a terceira fase de
assistência chamada de “Bem-Estar Social”. Coube a Funabem formular
e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor em cada estado
brasileiro, criando as Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor
68

(Febem) que materializavam a instituições em cada estado da federação


(PASSETTI, 2000). Nessa fase, os espaços começaram a ser pensados a
partir da diferenciação dos usuários e do tratamento a eles conferidos. A
mudança não ocorre apenas no local de abrigo; pela primeira vez, os
espaços são diferenciados de acordo com as especificidades de cada
grupo, tais como: orfanatos, escolas para aprendizes e instituições
específicas para os jovens que cometem crimes.
As políticas públicas nesse momento, propunham mudar
comportamentos dos internos não pelo isolamento, mas pelo ensino que
era disponibilizado no espaço de internação. As crianças e os
adolescentes provenientes das periferias das grandes cidades, filhos de
famílias desestruturadas e de pais desempregados foram chamados de
“menores” (PASSETTI, 2000) e a metodologia de assistência foi
fundamentada no conhecimento biopsicossocial32. O conceito,

[...] era de romper com a prática repressiva anterior


criando um sistema que considerasse as condições
materiais de vida dos abandonados, carentes e
infratores, seus traços de personalidade, o desempenho
escolar, as deficiências potenciais e as de crescimento
(PASSETTI, 2000, p. 357).

Nessas condições, as instituições para os “menores” reuniam num


só espaço os infratores, os abandonados e as vítimas de maus-tratos,
tendo o pressuposto que todos estariam na mesma condição de “situação
irregular”. Apesar do grande número de pais que “entregaram” seus
filhos ao cuidado do Estado, vislumbrando um futuro promissor; as
instituições foram conhecidas como “escolas do crime”. Em nome de
uma suposta reintegração social, as ações se revezaram para consagrar
castigos e punições num sistema de crueldade (PASSETTI, 2000). “As
unidades da Febem em cada estado se mostraram lúgubres lugares de
tortura e espancamentos como foram os esconderijos militares para os
subversivos” (PASSETTI, 2000, p. 358).
Registra-se que a maior parte das arquiteturas foram
reaproveitadas do final do século XIX (segunda fase de assistência),
tendo sido apenas repassadas para os governos estaduais, sob a
supervisão das políticas gerais estabelecidas pela Funabem
(MARCÍLIO, 1997), “[...] tendo a FEBEM herdado as instalações do
32
O conceito proporciona uma visão integral do ser e do adoecer que compreende as
dimensões física, psicológica e social, colocando a necessidade do aprendizado e da
evolução das capacidades relacionais que permitem o estabelecimento de um vínculo
adequado e uma comunicação efetiva.
69

SAM, mantendo as características opressoras e de difícil visibilidade


dos acontecimentos em seu interior” (OLIVEIRA, 2008, p. 23). Quando
houve a construção de novas arquiteturas, elas repetiam o modelo
existente, permanecendo o objetivo de isolar as crianças da convivência
social. As denúncias de falta de estrutura física, torturas, maus tratos e
rebeliões continuavam, tanto que culminaram na Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) do Menor em 1976, que revelou a falência do sistema
repressivo de tratamento do menor.
Esse cenário desenvolveu-se na mudança para uma nova fase,
iniciada com a movimentação da Pastoral do Menor pela Igreja Católica,
e outros grupos em defesa das crianças na década de 1980. A
Constituição de 1988 expressou o fim do estigma formal de pobreza e
delinquência, e iniciou as discussões para uma nova legislação. Em
1990, terminou a terceira fase de assistência e aprovou-se o Estatuto da
Criança e do Adolescente. O objetivo não foi mais a assistência ao
“menor”, mas todas as crianças brasileiras. Com essa aprovação,
extinguiu-se a Funabem e criou-se a Fundação Centro Brasileiro para a
Infância e Adolescência (CBIA)33. As unidades da Febem foram
substituídas por programas descentralizados de assistência, entre eles o
acolhimento institucional (MARCÍLIO, 2006), apresentado a seguir.

2.1.3 ECA e o Acolhimento Institucional

Estudos acadêmicos e discussões acerca da população em


situação de risco tiveram início no Brasil, a partir da década de 1970. A
importância estava no ineditismo e pioneirismo, trazendo a problemática
para dentro das universidades ao discutir as políticas públicas e os
direitos humanos em plena Ditadura Militar34. Destacaram-se os
trabalhos: “A criança, o adolescente, a cidade” realizado pelo Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) em 1974; “Menino de
rua: expectativas e valores de menores marginalizados em São Paulo”
por Rosa Maria Fischer em 1979; “Condições de reintegração
psicossocial do delinquente juvenil: estudo de caso na Grande São
Paulo”, dissertação de mestrado de Virginia P. Hollaender pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) em 1979; “O

33
O CBIA tem por objetivo formular, normalizar e coordenar, em todo território
nacional, a Política de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente, prestando
assistência técnica a órgãos e entidades que executam esta política.
34
Período em que o Brasil foi governado pelos militares e que perdurou entre 1964 e
1985. Caracterizou-se pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais,
censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime.
70

Dilema do Decente Malandro”, dissertação de Maria Lucia Violante em


1981, posteriormente publicada pela editora Cortez (DA SILVA, 2001).
Esses estudos permitiram que na década de 1980, durante o processo
brasileiro de abertura democrática, o assunto estivesse na pauta da
Assembleia Constituinte35, que organizou um grupo de trabalho
comprometido com o tema e cujo resultado se concretizou no artigo 227
da Constituição (BRASIL, 1988) que cita,

É dever da família, da sociedade e do Estado


assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.

Nesse período, movimentos da sociedade civil tiveram


participação fundamental na construção do arcabouço legal que resultou
num estatuto específico à infância e juventude. Destacaram-se: o
Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que
surgiu em 1985 em São Bernardo do Campo e a Pastoral da Criança,
criada em 1983, com apoio da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB). Mediante essas fortes militâncias, houve a promulgação
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal número 8.069) em
13 de julho de 1990. O documento respeitava os direitos internacionais e
promoveu mudanças significativas se comparado aos Códigos de
Menores de 1927 e o de 1979, segundo De Moura (2014) (Quadro 4).

35
A Assembleia Nacional Constituinte foi instalada no Congresso Nacional, em Brasília,
a 1º de fevereiro de 1987, com a finalidade de elaborar uma constituição
democrática para o Brasil, após vinte e um anos sob regime militar.
71

Quadro 4 - Síntese comparativa entre os marcos legais brasileiros para


as crianças e os adolescentes
CÓDIGOS DE
PRINCIPAIS
MENORES (1927 e ECA (1990)
MUDANÇAS
1979)
Considerava menores Protege crianças entre 0 e 12
Idade aqueles abaixo de 14 anos e adolescentes entre 12 e
anos. 18 incompletos.
Os casos de infração que não
impliquem em ameaça grave
Todos os casos de
podem ser beneficiados pela
Infração infração penal passam
remissão (perdão) como forma
pelo juiz.
de exclusão ou suspensão do
processo.
Preconiza a prisão Restringe a apreensão apenas ao
Apreensão
cautelar. flagrante delito penal.
Aplicável aos menores,
Aplicável a adolescente autor de
Internamento sem tempo e condições
ato infracional grave.
determinados.
Crimes e
Pune o abuso do pátrio poder
infrações
das autoridades e dos
cometidas contra É omisso a esse respeito.
responsáveis pelas crianças e
crianças e
adolescentes.
adolescentes
É proibido o trabalho a
adolescente com idade inferior a
Os menores de 12 anos
14 anos de idade, salvo em
Trabalho eram impedidos de
condição de aprendiz e sendo
trabalhar.
assegurados os direitos
trabalhistas e previdenciários.
As medidas previstas Políticas sociais básicas,
restringem-se ao âmbito políticas assistencialistas,
Políticas da Política Nacional de serviços de proteção e defesa das
públicas Bem-estar Social crianças e adolescentes
(Funabem) e da Justiça de vitimados, e proteção jurídico-
Menores. social.
Institui instâncias colegiadas de
Mecanismos de Sem espaço à
participação nos níveis federal,
proteção participação.
estadual e municipal.
Fonte: De Moura (2014) adaptado pela autora.

No ECA, foram inseridos artigos para a preservação dos direitos:


à vida e saúde; à liberdade, ao respeito da dignidade; à convivência
familiar e comunitária; à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; à
profissionalização e à proteção no trabalho, foi incorporada como
obrigação da família, sociedade e Estado. As rotulações “menor”,
72

“infrator”, “carente”, “abandonado”, etc., foram descartadas e


classificaram-se como crianças aquelas com até 12 anos e adolescentes,
as idades entre 12 e 18 anos incompletos (ROSSATO et al., 2010).
Nas formas de atendimento à criança e ao adolescente em
situação de risco, houve inovação, visando a superar as ações
assistencialistas ou por vezes, repressoras. As políticas de atendimento
foram estabelecidas entre os artigos 86 e 97, sendo o artigo 90
responsável por caracterizar as modalidades (Quadro 5).

Quadro 5 - Regimes de atendimento conforme artigo 90, do ECA.

Fonte: Brasil (1990) adaptado pela autora.


73

O ECA valorizou o papel da família e as ações foram para tornar


a institucionalização emergencial e provisória; o último recurso cessados
os demais; independente de atender crianças e adolescentes em situação
de risco ou apenados por atos infracionais. Buscou-se eliminar as
grandes instituições, com o intuito de criar espaços de socialização e
desenvolvimento. Há apenas as modalidades de acolhimento
institucional e internação, que se materializam como estabelecimentos
de permanência continuada.
Para reiterar essas definições do ECA, foi criado em 2006, o
“Plano Nacional de Proteção, Promoção e Defesa do Direito da Criança
e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária” (PNCFC),
priorizando a família como lócus de desenvolvimento e reafirmando que
a proteção em instituições, não deve isolar do convívio comunitário. Em
2009, a “Lei da Adoção” consolidou tais princípios e promoveu avanços
no trabalho com as famílias, sob princípios de prevenção do abandono
com objetivo de minimizar a institucionalização (Quadro 6).

Quadro 6 - Síntese das visões dos marcos legais sobre a


institucionalização

Fonte: Gulassa (2010) adaptado pela autora.


74

A distribuição de diferentes serviços de acolhimento visa


responder às demandas das crianças e dos adolescentes a partir da
análise da situação familiar, idade, condições físicas e psíquicas,
histórico de vida e os motivos do abandono, tempo para reinserção
familiar ou colocação no processo de adoção. A escolha do modelo de
acolhimento familiar ou institucional baseia-se num diagnóstico
individualizado. Aquele ocorre através de famílias acolhedoras36 que são
voluntárias e passam por treinamento específico. Este acontece em
instituição, podendo ser: casa de passagem, abrigo institucional, casa lar
ou república (Quadro 7).

Quadro 7 - Síntese dos modelos de acolhimento institucional

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

36
Embora pouco difundida no Brasil, esse serviço encontra-se consolidado em outros
países, especialmente nos europeus e da América do Norte. Do ponto de vista legal, assim
como os serviços de acolhimento institucional, organiza-se segundo os princípios e
diretrizes do ECA, especialmente no que se refere à excepcionalidade e à provisoriedade
do acolhimento; ao investimento na reintegração à família de origem, nuclear ou extensa;
à preservação da convivência e do vínculo afetivo entre grupos de irmãos; à permanente
articulação com a Justiça da Infância e da Juventude e a rede de serviços. Trata-se de um
serviço de acolhimento provisório, até que seja viabilizada uma solução de caráter
permanente para a criança ou adolescente – reintegração familiar ou, excepcionalmente,
adoção (BRASIL, 2009b).
75

Independente da modalidade, houve grande reformulação do


acolhimento institucional a partir do ECA, através da eliminação de
grandes instituições como internatos e orfanatos. A modalidade foi
definida no Artigo 101 do ECA e o significado persiste como: “[...]
medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição
para a colocação em família substituta, não implicando privação de
liberdade” (BRASIL, 1990). As orientações metodológicas e os
parâmetros de atendimento foram reiterados pelo Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, coordenado pelo Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e pelo Conselho
Nacional de Assistência Social, através do documento: “Orientações
Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes”
(2009b).
O acolhimento institucional integra os serviços de alta
complexidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que
requerem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas
soluções protetivas, comportando encaminhamentos monitorados,
apoios e processos que assegurem qualidade na atenção protetiva e
efetividade na reinserção almejada. Até a internação em modalidade de
acolhimento institucional, há uma série de procedimentos elencados
pelo artigo 101 do ECA, com o intuito de assegurar as condições de
permanência junto à família de origem ou estendida; e tornando o
acolhimento institucional a última instância. Os encaminhamentos para
a institucionalização podem ser feitos pelo Juiz da Vara da Infância e
Juventude e, também pelo Sistema Único de Assistência Social, através
do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e
pelos Conselhos Tutelares, desde que sejam aprovados pelo Poder
Judiciário.
Independente da modalidade de acolhimento institucional, as
crianças e os adolescentes permanecem institucionalizados por tempo
estipulado no andamento do processo na Justiça, priorizando sempre a
menor estada. Cada modelo institui o perfil a ser acolhido que pode ser:
crianças e/ou adolescentes de ambos os sexos, entre zero e dezoito anos
incompletos, com ou sem família próxima ou estendida, em processo ou
não de adoção. A instituição deve prover moradia e alimentação e
salvaguardar o direito à saúde, educação, cultura e lazer; realizados em
infraestrutura pública. A equipe técnica é formada por: psicopedagogos,
psicólogos e assistentes sociais, além dos educadores sociais que
prestam o serviço cotidiano. As visitas dos pais e parentes são
permitidas sob autorização judicial, desde que as famílias cumpram
obrigações vinculadas no artigo 129 do ECA, como a participação nos
76

programas oficiais ou comunitários de proteção (e.g. Bolsa Família) e o


tratamento psicológico e/ou psiquiátrico. Caso se recusem, as medidas
são a negativa das visitas, a advertência, a perda da guarda e, em casos
extremos, a destituição do poder familiar.
Seja qual for o tipo de acolhimento institucional, as instituições
devem: localizarem-se em áreas residenciais; promoverem a preservação
dos vínculos familiares; manterem permanente contato com a Justiça da
Infância e Juventude; trabalharem pela organização de um ambiente
favorável ao desenvolvimento da criança ou adolescente; preservarem os
vínculos entre irmãos; propiciarem a convivência comunitária e a
utilização dos serviços disponíveis na rede pública para atendimento de
demandas de saúde, lazer, educação; fortalecerem o desenvolvimento da
autonomia e a inclusão do adolescente em programas de qualificação
profissional, bem como sua inserção no mercado de trabalho (BRASIL,
1990). Todas essas decisões acontecem mediante a elaboração do Plano
Individual de Atendimento (PIA)37, que consiste em ações
individualizadas em prol do desenvolvimento saudável das crianças e
dos adolescentes.
No Brasil, segundo o último levantamento realizado entre os anos
de 2009 e 201038 sobre o serviço de acolhimento institucional, a
capacidade de atendimento é para pouco mais de 52 mil crianças e
adolescentes e a distribuição das instituições é irregular. A região
Sudeste concentra a maior parte das unidades, seguida do Sul com
25,3%. Considerando o porte dos municípios, 33,1% situam-se nas
cidades de grande porte e 23,9%, nas metrópoles39. Em relação à
natureza institucional, verifica-se que 41,9% são governamentais e

37
O PIA estrutura as necessidades e atividades que auxiliam no desenvolvimento
psicossocial da criança/adolescente individualmente, sendo temas abordados: saúde
(física e mental), educação formal, cultural, lazer, espiritualidade (quando há esse
interesse pelo abrigado), relações familiares e aspectos jurídicos. Ele é um instrumento de
intervenção dinâmico, estando sempre em processo de avaliação e estruturado por
diversos técnicos como: psicólogos, médicos, pedagogos e assistentes sociais (BRASIL,
2009b).
38
O “Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento” é
resultado de uma pesquisa realizada pelo Centro Latino Americano de Estudos de
Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp/Fiocruz) em 1.229 municípios brasileiros,
com o objetivo de subsidiar o planejamento de ações do Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome referentes ao Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa
do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.
39
O Ministério de Desenvolvimento Social distingue o porte dos municípios da seguinte
forma: pequeno porte I = até 20.000 habitantes; pequeno porte II = de 20.000 a 50.000;
médio = de 50.000 a 100.000; grande = de 100.000 a 900.000; e metrópole = acima de
900.000 habitantes.
77

58,1% não governamentais. A orientação religiosa está presente nas


instituições, com 41,9% católicas e 28,1% evangélicas (DE ASSIS;
FARIAS, 2013). É possível afirmar que o número elevado de
organizações não governamentais reflete características históricas
brasileiras de assistencialismo e caridade.
A determinação dos marcos legais sobre a assistência de maneira
personalizada e em pequenos grupos é atendida por 78% das entidades
de acolhimento institucional. Destaca-se ainda, 77,8% possui
atendimento misto (meninos e meninas), 29,9% não atendem crianças e
adolescentes com transtornos mentais, 46,4% aceitam crianças e
adolescentes grávidas e 45,2% atendem usuários de entorpecentes (DE
ASSIS; FARIAS, 2013).
Quanto a localização, a maioria das unidades de acolhimento
institucional está em área urbana (90,7%). Verifica-se que 98,3%
possuem água encanada, 89% estão ligadas à rede de esgoto, 99,6% têm
acesso à energia elétrica e 97,1% possuem coleta regular de lixo. As
adaptações para pessoas com deficiência estão presentes em apenas
17,3% das unidades, demonstrando o despreparo dos serviços para
garantir o direito de acessibilidade espacial. Quanto ao espaço físico, há
em média 4,2 pessoas por dormitórios e 3,5, por banheiro; e 60%
possuem uma área de recreação interna e outra externa (DE ASSIS;
FARIAS, 2013).
Os cuidados e o ambiente construído oferecidos nas modalidades
de acolhimento devem contribuir para: o desenvolvimento integral da
criança e do adolescente; a reparação de vivências de separação e
violência; a apropriação e ressignificação de sua história de vida; o
fortalecimento da autoestima, autonomia e a construção de projetos de
vida futura, segundo os instrumentos legais brasileiros. Dentre as
modalidades de atendimento existentes, o abrigo institucional é maioria
(1.685) no universo investigado de 2.624 unidades (DE ASSIS;
FARIAS, 2013). Em razão de sua importância no cenário nacional, ele é
considerado a amostra de estudo e, possui algumas especificidades de
funcionamento que serão apresentadas a seguir.

2.1.4 Abrigo Institucional

O abrigo institucional é a modalidade de acolhimento mais


comum no Brasil, e um serviço que oferece atendimento provisório para
crianças e adolescentes, entre zero e dezoito anos incompletos, de ambos
os sexos, afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva
de abrigo, conforme artigo 101 do ECA (BRASIL, 1990), em função de
78

abandono ou quando suas famílias ou responsáveis encontram-se


temporariamente impossibilitados de cumprir a função de cuidado e
proteção, até que seja viabilizado o retorno ao convívio com a família de
origem ou, na sua impossibilidade, o encaminhamento para família
substituta com a possível adoção.
As especializações e os atendimentos exclusivos devem ser
evitados, por exemplo a assistência apenas de faixas etárias muito
estreitas ou de um determinado sexo. A atenção especializada (e.g.
criança com deficiência) deverá ser assegurada por meio da articulação
com a rede de serviços públicos, junto a capacitação específica dos
educadores sociais, e nunca em instituição exclusiva. A convivência de
crianças e adolescentes com vínculos de parentesco deve ser preservada
(e.g. irmãos e primos) (BRASIL, 2009b).
A equipe técnica deverá pertencer ao quadro de pessoal da
entidade ou, excepcionalmente, estar vinculada ao órgão gestor público
ou privado da assistência social, sendo exclusivamente destinada para
esse fim (Quadro 8). Para que haja a manutenção de vínculos de
moradia provisória, é necessário que os educadores sociais mantenham
uma rotina diária em que realizem tarefas de manutenção da casa (e.g.
preparar refeições, lavar roupas, organizar os ambientes) e de cuidado
com os acolhidos (e.g. dar banho, preparar para a escola, apoiar as
tarefas escolares e colocar para dormir).

Quadro 8 - Equipe técnica do abrigo institucional

Fonte: Brasil (2009b) adaptado pela autora.


79

O serviço deve ter aspecto semelhante ao de uma residência e


estar inserido na comunidade e em áreas residenciais não muito distantes
geograficamente da realidade socioeconômica dos acolhidos,
favorecendo o convívio familiar e comunitário, bem como a utilização
dos equipamentos e serviços públicos disponíveis. Deve-se ofertar
atendimento personalizado e em pequenos grupos com até vinte
acolhidos, com ambiente acolhedor e condições institucionais para o
atendimento digno, inclusive oferecendo acessibilidade espacial. A
fachada e demais aspectos da construção não devem caracterizar
explicitamente o seu uso, para evitar o estigma pejorativo a seus
usuários, mantendo aspecto semelhante das demais residências da
comunidade na qual estiver inserida (BRASIL, 2009b) (Quadro 9).

Quadro 9 - Definições da infraestrutura e dos espaços mínimos


sugeridos para os modelos de abrigo institucional
Cômodo Abrigo institucional
Cada quarto deve ter dimensão suficiente para acomodar as
camas e para guardar os pertences pessoais de forma
individualizada.
O número recomendado de acolhidos por quarto é de até
quatro, excepcionalmente, seis quando esta for a única
alternativa para manter o serviço.
Quartos
A metragem sugerida é 2,25 m² para cada ocupante. Caso o
ambiente de estudos seja organizado no próprio quarto, a
dimensão dos mesmos deverá ser aumentada para 3,25 m²
para cada ocupante.
80

Com espaço suficiente para acomodar o número de


Sala de Estar (ou acolhidos e os educadores sociais.
similar) A metragem sugerida é de 1,00 m² para cada ocupante.

Com espaço suficiente para acomodar o número de


acolhidos e os educadores sociais.
Sala de jantar/copa Pode ser um cômodo independente ou estar anexado a
outro cômodo, como a cozinha ou a sala.
A metragem sugerida é de 1,00 m² para cada ocupante.

Poderá haver espaço específico ou ser organizado em


Ambiente para
outros ambientes (e.g. quarto e copa), desde que por meio
Estudo
de espaço suficiente e mobiliário adequado.
81

Deve haver um (01)


lavatório, um (01) vaso
sanitário e um (01)
chuveiro para até 6
crianças e adolescentes.
Além de um (01)
lavatório, um (01) vaso
Banheiro sanitário e um (01)
chuveiro para os
funcionários. Pelo menos
um dos banheiros deverá
ser adaptado para pessoas
com deficiência,
executados conforme
NBR 9050/201540.
Com espaço suficiente
para acomodar utensílios
e mobiliário de preparo
de alimentos para
Cozinha acolhidos e funcionários.

Com espaço suficiente


para acomodar utensílios
e mobiliário para guardar
equipamentos, objetos e
produtos de limpeza e
propiciar o cuidado com
Área de Serviço
a higiene do abrigo, com
a roupa de cama, mesa,
banho e pessoal para o
número de usuários
atendido pelo
equipamento.

40
ABNT NBR-9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos
urbanos. Associação Brasileiras de Normas Técnicas, Rio de Janeiro; ABNT, 2015.
82

Espaços que possibilitem


o convívio e brincadeiras,
evitando a instalação de
equipamentos que
estejam fora do padrão
socioeconômico da
realidade de origem dos
usuários (e.g. piscinas),
de forma a não dificultar
Área externa
a reintegração familiar
(varanda, quintal,
dos mesmos. Deve-se
jardim, etc.)
priorizar a utilização dos
equipamentos públicos
ou comunitários de lazer,
esporte e cultura,
proporcionando um
maior convívio
comunitário e
incentivando a
socialização dos usuários.
Com espaço e mobiliário
suficiente para
desenvolvimento de
atividades de natureza
técnica. Recomenda-se
Sala para equipe
que funcione em
técnica
localização separada
fisicamente da área de
moradia das crianças e
adolescentes.

Com espaço e mobiliário


suficiente para
desenvolvimento de
atividades
Administrativas.
Sala de Recomenda-se que
coordenação/ativida funcione em localização
des administrativas separada fisicamente da
área de moradia das
crianças e adolescentes e
com acesso restrito, em
razão dos prontuários
individuais que guarda.
83

Com espaço e mobiliário


suficiente para a
realização de reuniões de
equipe e de atividades
Sala/espaço para grupais com as famílias
reuniões de origem.

Fonte: Brasil (2009b) adaptado pela autora.

Muito além das dimensões mínimas, cada ambiente construído


possui uma ambiência própria que o caracteriza e cuja construção é fruto
do cotidiano, pela articulação entre fatores “objetivos e subjetivos”
(OKAMOTO, 2002). Esses recursos definem sua identidade,
influenciando o comportamento e consequentemente, o
desenvolvimento humano (THIBAUD, 2004). Esse assunto será
abordado a seguir, apresentando como as estruturas físicas e
neurológicas, os processos de pensamento, as emoções, as interações
sociais e outras formas de comportamento são afetadas pelo contexto em
que se vive.

2.2 A INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

O crescimento e desenvolvimento humano é dividido nos


seguintes estágios: (01) pré-natal compreendendo da concepção ao
nascimento; (02) infância, separada em: primeira infância (zero aos
cinco anos) e meninice (seis aos doze anos); (03) adolescência (doze aos
dezesseis); (04) adulto e (05) velhice (BEE; BOYD, 2011)41. Nessa
pesquisa, a criança e o adolescente são os principais usuários do
ambiente construído. Para eles, a instituição torna-se moradia
permanente ou provisória. Dessa maneira, estudar as três categorias de
mudança, definidas pelas Ciências Humanas e de Saúde como: (01)
mudança partilhada, referente à idade e comum a todos os indivíduos de
uma espécie; (02) partilhadas de um subgrupo em particular,
especialmente ligadas à cultura; e (03) individuais que resultam de
eventos individuais; permite compreender que há processos e regras

41
A classificação adotada pela pesquisa é de infância e adolescência, compreendendo por
aquela de zero aos doze anos e por essa, de doze aos dezoito anos incompletos, como
descrito no ECA (BRASIL ,1990).
84

comuns que afetam o caminho do desenvolvimento, muito além do


estudo de individualidades.

2.2.1 Mudanças Partilhadas

As mudanças partilhadas denominadas de maturação são ligadas


à idade e inatas (Apêndice 5) e compreendem: “[...] Padrões de mudança
sequencial e geneticamente programados” (BEE, 1997, p. 31) que,
durante a infância e a adolescência, são significativas no crescimento e
desenvolvimento corporal e também, nas reações comportamentais,
apresentadas em síntese no Quadro 10.

Quadro 10 - Idades e padrões compartilhados de desenvolvimento.


INFÂNCIA
NASCIMENTO PRIMEIRA ADOLESCÊNCIA
MENINICE (6-
– 02 ANOS INFÂNCIA (2- (12-18 ANOS)
12 ANOS)
6 ANOS)
Dependência Dependência Independência Independência
completa vigiada vigiada supervisionada
Fonte: Elaborado pela autora (2017)

As mudanças partilhadas apoiam-se ou recuam em razão do


ambiente, por exemplo: “Aquele bebê cujo ambiente está bastante
empobrecido não irá desenvolver a mesma densidade de conexões
neurais no cérebro, tal como se dá com o bebê que cresce em um
ambiente complexo” (BEE, 1997, p. 31-32). Dessa maneira, uma criança
aprende a andar porque está fisicamente preparada (relógio biológico) e
também, o ambiente a motivou (relógio social) (BEE, 1997).
Acerca da sociabilidade, o contato com outras pessoas em
diferentes idades é fundamental para o desenvolvimento sadio na
infância e adolescência, porque é através dessa experiência que se
adquirem recursos para a autonomia. Inicialmente, a criança pauta-se
pelo sorriso. Ao crescer, há brincadeiras, até alcançar a complexidade da
formação de papéis. Aos sete anos de idade, a afetividade e
sociabilidade são inerentes e relacionam-se com fatores de apego e
agressividade. É a convivência com diferentes grupos e variedade de
idades, gêneros e características individuais que contribuem para o
desenvolvimento e o controle dessas emoções.
A convivência com pares e com a diversidade é fundamental para
a definição do self ou delimitação do eu, conforme a psicologia analítica
85

ou junguiana42. Esse processo envolve tanto características inerentes à


pessoa como aquilo que ela quer que os outros pensem dela, os
chamados papéis sociais. Os primeiros anos são decisivos para essa
constituição, envolvendo fatores sociais e individuais, “[...] inúmeros
aspectos afetivos, e a formação/consolidação da imagem corporal e da
noção de gênero, quanto o reconhecimento das expectativas sociais com
relação ao comportamento de homens e mulheres [...]” (ELALI, 2002,
p.20).
Para ajudar na construção do self, a principal atividade é brincar,
porque proporciona a capacitação de uma série de experiências.
Conforme Vigotsky (1999, p. 126), “[...] é no brinquedo que a criança
aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de uma esfera visual
externa, dependendo das motivações e tendências internas [...]”. No
brincar, a criança constrói e recria um mundo onde seu espaço esteja
garantido. Ainda,

Brincar de forma livre e prazerosa permite que a


criança seja conduzida a uma esfera imaginária,
um mundo de faz de conta consciente, porém
capaz de reproduzir as relações que observa em
seu cotidiano, vivenciando simbolicamente
diferentes papéis, exercitando sua capacidade de
generalizar e abstrair (MELO; VALLE, 2005,
p.45).

Num ambiente institucional, o ato de brincar é fundamental,


porque os internos passam por momentos de instabilidade emocional e
precisam exteriorizar medos, angústias e problemas. Por meio do
brinquedo, revive-se de maneira ativa tudo o que se sofre de maneira
passiva, podendo modificar o final penoso. A brincadeira proporciona o
contato com os sentimentos positivos e negativos, que ajudam na
construção do self, evocando a atenção e concentração, estimulando a
autoestima e ajudando a desenvolver relações de confiança consigo e
com os outros.
Nesse processo de construção da realidade, surge a imaginação,
que segundo Vigotsky (1999, p. 127) é quando “[...] a criança vê um
42
Carl Gustav Jung (1875-1961) foi psiquiatra e psicoterapeuta suíço que fundou a
psicologia analítica. Jung (2002) constatou que existem processos do inconsciente, ora
em atitude de compensação, ora em movimento de oposição a atividade consciente, como
pano de fundo na vida dos indivíduos uma força que os leva a realizar a totalidade do ser.
Para ele, os processos inconscientes se relacionam para complementar a atitude
consciente, formando a totalidade que chamou de si mesmo, ou self.
86

objeto, mas age de maneira diferente em relação àquilo que vê. Assim, é
alcançada uma condição em que a criança começa a agir
independentemente daquilo que vê”. No brincar, a ação surge das ideias,
não das coisas. A criança se relaciona com o significado em questão e
não com o objeto concreto que está ao seu alcance, por exemplo: uma
caixa de papelão pode se transformar num veículo ou num castelo. Essa
separação acontece de maneira espontânea e não consciente.
Compreendendo que os traços do desenvolvimento humano são
multifatoriais e dependentes dos fatores genéticos e ambientais, a
experiência espacial humana acontece tanto em razão das características
biológicas, quanto das capacidades subjetivas, possibilitando ao
indivíduo desenvolver diversas maneiras de conhecer os espaços onde
vive ou pelos quais se move. Nesse entendimento, a Teoria do
Desenvolvimento Ecológico avalia a importância do contexto ambiental
no desenvolvimento humano, conforme apresentado a seguir.

2.2.2 Mudanças Provocadas por Subgrupos: Teoria do


Desenvolvimento Ecológico

Muitas são as correntes que estudam o desenvolvimento humano,


propondo princípios gerais com abordagens amplas ou específicas,
concordando ou não entre si. Contudo, nenhuma delas consegue explicar
na totalidade as sutilizas do processo, porque ao privilegiarem alguns
conceitos, permitem o entendimento mais aprofundado de uma
determinada situação, em detrimento de outra. Rosemberg (1989) afirma
que é possível classificar essas teorias em três grandes grupos: inatista,
ambientalista e interacionista. A primeira defende que ao nascer, a
criança possui padrões de comportamento inatos, de maneira que o meio
e o processo pouco afetam o desenvolvimento. A segunda acredita que a
criança é totalmente influenciada pelo meio onde se insere, como uma
“página em branco”. A última não nega a carga inata, mas acredita que o
homem é um ser social, influenciado pelo ambiente.
Com base na classificação interacionista, Bronfenbrenner43
propõe a Teoria do Desenvolvimento Ecológico em 1979. O estudo
compreende o desenvolvimento humano inserido em diferentes
ambientes próximos e distais, onde além de conhecer o indivíduo e sua

43
Urie Bronfenbrenner (1917-2005) fez doutorado na Universidade de Michigan em
1942. Proeminente ecologista humano, buscou o equilíbrio entre homem e ambiente e
lutou para que os direitos humanos atentassem para a gravidade das condições ecológicas
de vida principalmente de crianças e adolescentes.
87

família, estudam-se as relações ecológicas estabelecidas com o local em


que se vive: casa, vizinhança, escola, meios de transporte, os adultos
cuidadores, etc. Bronfenbrenner (1996) considera questões inatas e o
contexto ambiental para compreender o desenvolvimento, afirmando:

A ecologia do desenvolvimento humano envolve


o estudo científico da acomodação progressiva
mútua, entre um ser humano ativo, em
desenvolvimento, e as propriedades mutantes dos
ambientes imediatos em que vive, conforme esse
processo é afetado pelas relações entre esses
ambientes e pelos contextos mais amplos em que
os ambientes estão inseridos
(BRONFENBRENNER, 1996, p. 19).

A teoria destaca o papel ativo da pessoa em seu desenvolvimento,


através da capacidade de interagir com o ambiente construído. Segundo
o desenvolvimento ecológico, a pessoa influencia o ambiente onde se
encontra, quando inicia uma atividade nova ou começa a estabelecer
algum tipo de vínculo com outras pessoas. “Diferentes tipos de
ambientes dão origem a padrões distintivos de papéis, atividades e
relações para as pessoas que se tornam participantes nestes ambientes”,
afirma Bronfenbrenner (1996, p. 87). Bee e Boyd (2011, p. 32)
completam:

[...] cada criança cresce em um ambiente social


complexo (ecologia social) com um elenco
distinto de personagens: irmãos, irmãs, um ou
ambos os pais, avós, babás, animais de estimação,
professores, amigos. E esse elenco está embutido
em um sistema social mais amplo [...]. O
argumento de Bronfenbrenner é que os
pesquisadores não apenas devem incluir
descrições desses aspectos do ambiente, mas
também devem considerar as formas como todos
os componentes desse sistema complexo
interagem uns com os outros para afetar o
desenvolvimento de uma criança individual.

A criança e o adolescente são consideradas seres sociais,


formadas por uma rede integrada de fatores que operam juntos para
intervir no desenvolvimento, sendo que “[...] a influência do sistema
como um todo, é maior do que a soma dos fatores individuais que
88

compõem a família” (BEE; BOYD, 2011, p. 361). O indivíduo é então,


uma entidade em constante crescimento psicológico, a partir das
relações de reciprocidade, sentimento positivo e equilíbrio de poder
criadas entre ele e os diferentes ambientes onde convive
(BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998). A teoria ressalta a
importância de se considerar as características contextuais do indivíduo
em desenvolvimento, como as suas convicções, temperamentos, metas e
motivações. Essas particularidades possuem considerável impacto na
maneira como se vive. As qualidades físicas e pessoais, como o gênero,
a cor da pele e as deficiências físicas ou cognitivas também, devem ser
consideradas, porque podem influenciar na maneira como os outros
lidam com a pessoa em desenvolvimento.
Segundo a Teoria do Desenvolvimento Ecológico, as interações
pessoais estão alicerçadas em três características: reciprocidade,
equilíbrio de poder e relação afetiva. A reciprocidade é a troca mútua
entre duas ou mais pessoas, motivando padrões de interação ainda mais
complexos. O equilíbrio de poder é importante para auxiliar a pessoa a
lidar com as diferenças. As relações afetivas, quando positivas e
recíprocas, possivelmente possibilitam crescimento no ritmo esperado
(BRONFENBRENNER, 1996).
Nessa teoria, o contexto ambiental é onde o indivíduo está
inserido, compreendendo a junção da dimensão física e cultural.
Consiste um elemento concreto que atua também, de forma não verbal.
Bronfenbrenner (1996, p. 191) completa: “[...] é o conjunto de processos
através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente interagem
para produzir constância e mudança nas características da pessoa no
curso de sua vida”. O ambiente é dividido numa série de estruturas
concêntricas interconectadas, que sofrem influências internas e externas
(Infográfico 1) e são constituintes desses sistemas ambientais: o
comportamento dos indivíduos (inclusive o espacial); as interações
sociais; a natureza dos vínculos; a influência direta ou indireta dos
contextos onde se habita e atua. A subdivisão abrange ambientes mais
imediatos nos quais vivem as pessoas (e.g. o quarto e a casa) e os mais
remotos que têm o poder de influenciar o curso do desenvolvimento
(e.g. a escola e as instituições públicas de atendimento).
89

Infográfico 1 - Esquema da Teoria Desenvolvimento


Ecológico, aplicada às crianças e adolescentes em
modalidade de abrigo institucional.

Fonte: Bronfenbrenner (1996) adaptado pela autora.

O Microssistema corresponde ao ambiente simples, conhecido e


diretamente experimentado. A análise parte da descrição e compreensão
do sistema familiar ou do seu equivalente, dos aspectos físicos do
ambiente e das interações entre os membros (BRONFENBRENNER,
1996). Compõe-se de: “[...] um padrão de atividades, papéis e relações
interpessoais experienciados pela pessoa em desenvolvimento num dado
ambiente com características físicas e matérias específicas”
(BRONFENBRENNER, 1996, p. 18). Na situação dos abrigos
institucionais, seria a casa de origem de cada interno, ou em casos de
institucionalização de longo prazo ou desde o nascimento, tornar-se-ia a
própria instituição.
O Mesossistema são os ambientes onde eventualmente se
convive, sendo ampliado ao longo do desenvolvimento em razão das
interações sociais. Na infância e adolescência, os ambientes onde se
brinca aparecem no mesossistema, ancorados numa diversidade de
interações entre as faixas etárias. Ressalva-se, que o mesossistema das
crianças e dos adolescentes em acolhimento institucional é tanto quanto
(ou mais) afetado que o microssistema, porque depende das relações
90

sociais estabelecidas principalmente fora das instituições, por exemplo


com os vizinhos e a escola (BRONFENBRENNER, 1996).
O Exossistema inclui elementos que não envolvem a pessoa em
desenvolvimento como um participante ativo, mas seus eventos afetam
aquilo que acontece no microssistema. Um exemplo desse efeito é:
quando uma mãe tem problemas com o cônjuge e, em função disto,
negligencia o filho. A convivência com o cônjuge é um exossistema
para o filho, pois ele não precisa conviver com essa pessoa, ao mesmo
tempo, tem influência indireta sobre ele. No caso das crianças e
adolescentes em abrigos institucionais, serão sempre exossistemas, os
órgãos oficiais como Conselhos Tutelares e Fóruns, porque ambos
definem as medidas institucionais que serão adotadas para cada uma das
crianças e dos adolescentes em situação de vulnerabilidade social e que
precisa ser acolhida nos abrigos institucionais (BRONFENBRENNER,
1996).
O Macrossistema é determinado pela cultura e/ou ideologia dos
grupos de convivência, observando a influência dos aspectos
socioeconômicos e culturais. A situação financeira precária em que
vivem as famílias, por exemplo, afeta diretamente o desenvolvimento
das crianças e dos adolescentes (BRONFENBRENNER, 1996). Siqueira
e Dell'aglio (2006, p. 72) defendem que:

[...] o estigma social, carregado de valor


pejorativo e depreciativo, associado aos valores
culturalmente esperados podem ser considerados
elementos integrantes do macrossistema que
envolve estas crianças e adolescentes em medida
de abrigamento.

Esses quatro sistemas ecológicos se modificam no decorrer da


vida. A variação é denominada transição ecológica; e consiste no
processo de mudança humana ou do contexto ambiental, para que haja
acomodação e convivência mais equilibrada e sadia. Essa migração
acontece pelo próprio ambiente que se altera ou pelo indivíduo, em
razão do papel desempenhado na sociedade. O desenvolvimento
corresponde então, à contínua ampliação dos sistemas e às
movimentações entre os mesmos (BRONFENBRENNER, 1996).
Autores como Prescott (1987) e Ittelson et al. (1974) corroboram com
Bronfenbrenner (1996), demostrando que a compreensão ecológica e a
otimização das relações com o ambiente construído são essenciais para
um desenvolvimento sadio.
91

Na Teoria do Desenvolvimento Ecológico, o ser humano é agente


atuante da sua própria história, porque seleciona e interage com o
mundo que o cerca; e é também, influenciado por este, que se apresenta
como facilitador ou não. Logo, o contexto ambiental onde a criança e o
adolescente crescem e se desenvolvem é crucial nas causas e
manifestações dos problemas, especialmente, nas questões do
desenvolvimento humano e do comportamento espacial. Sob essa
perspectiva, a separação familiar e a acolhida institucional constituem
uma transição ecológica, onde a criança ou o adolescente passa a
assumir um novo papel, modificando sua posição em relação às pessoas
com quem convive, os contextos nos quais interage e produzindo
reações físicas e mentais variadas, como apresentado a seguir.

2.2.3 Mudanças Provocadas por Eventos Particulares: Separação


Familiar

A socialização no crescimento e desenvolvimento humano, trata-


se do processo pelo qual se adquirem habilidades, valores e convicções
que são característicos, apropriados e desejáveis para a vida em
comunidade. As reações sociais a serem aprendidas modificam-se de
uma cultura para outra, mas os agentes promotores são sempre os
mesmos: os indivíduos e as instituições. Daqueles, o grupo mais
significativo é a família, considerado agente primário, com o papel de
moldar a personalidade, as características e as motivações, guiando o
comportamento social e transmitindo os valores e as noções de
cidadania. Ressalva-se que a instituição familiar ao longo da história
social assumiu diferentes composições, ficando mais ampla ou reduzida.
Contudo, manteve a característica baseada no cuidado e na emoção
básica, que Maturana (1995) chama de “amor” e cujo valor não é moral,
mas uma atitude de aceitação do outro.
Para a socialização, as inferências dos pais ou responsáveis nas
práticas e técnicas disciplinares utilizadas na educação são
determinantes, podendo ser divididas em: recompensa (através do
elogio ou ganho), punição (pela crítica ou xingamento), raciocínio (pela
promoção da reflexão) e a indução (através da influência direta). Cada
uma dessas formas de educar varia conforme o contexto
socioeconômico e cultural, e o histórico de vida do responsável,
resultando em quatro padrões de controle sobre as crianças e os
adolescentes, que são: autorizado, autoritário, permissivo e negligente
(BALLONE, 2003b; BOWLBY, 1984). Sabe-se, no entanto, que mesmo
num ambiente considerado propício ao desenvolvimento de vínculos
92

afetivos, a negligência pode ocorrer. As razões para isso são diversas,


desde falta de condições financeiras até envolvimento com
entorpecentes, por exemplo. Quando um desses motivos está presente
nas famílias brasileiras, o quadro é investigado judicialmente, podendo
levar à separação (provisória ou permanente) do convívio familiar e à
colocação em instituições diversas, no caso desse estudo: o acolhimento
pela modalidade de abrigo institucional.
Nesses estabelecimentos, no que concerne às necessidades
básicas (alimentação, moradia, higiene e cuidados com a saúde), as
crianças e os adolescentes são, na maioria das vezes, atendidos. Todavia,
o mesmo não ocorre quanto ao amparo afetivo e esse descompasso pode
gerar reações maléficas ao crescimento e desenvolvimento. Os efeitos da
institucionalização prolongada têm sido apontados na literatura, por
interferirem na sociabilidade, na manutenção de vínculos afetivos na
vida adulta e até mesmo, no comportamento espacial (CARREIRÃO,
2004; BALLONE, 2003a). Por conta disso, Guirado (1986, p. 40) afirma
que é fundamental:

Pensar a instituição como um conjunto de práticas


ou de relações sociais que se repetem e se
legitimam e não como um estabelecimento, é, sem
dúvida, o primeiro passo para se afirmar que a
entrada na instituição – a internação – não
significa apenas mudança de espaço e de ambiente
físico, mas, principalmente, uma alteração
possível nas pautas de relação.

Esse conjunto de reflexos negativos pode acontecer, entre outros


motivos, quando na instituição, o atendimento é padronizado, há alto
índice de internos para serem cuidados por funcionários, faltam
atividades planejadas e há fragilidade nos vínculos afetivos. Os estudos
nesse enfoque, sugerem que os distúrbios das crianças e adolescentes em
abrigos institucionais possam ser semelhantes àqueles dos adotados
(BALLONE, 2003b). Em outras investigações, comparam-se com as
alterações observadas em crianças e adolescentes que vivem com as
famílias, mas que são vítimas de negligência (BALLONE, 2003b;
BOWLBY, 1984).
Essa pesquisa considera esta última aproximação; e apresenta as
características das crianças e dos adolescentes em situação de
vulnerabilidade social, em especial, negligenciadas, independentemente
de estarem na condição de institucionalização ou no convívio familiar.
93

A postura ocorre porque no cenário brasileiro, muitas crianças e


adolescentes fazem o processo continuado de idas e vindas entre família
e abrigo institucional, em razão dos problemas que ocasionam a
internação não serem resolvidos na totalidade.
A situação de vulnerabilidade social é compreendida num
complexo sistema de interações. Todos os significados atribuídos aos
eventos vividos pela criança ou adolescente e refletidos na interação
com os outros e com o ambiente são considerados consequência da
vulnerabilidade social. A negligência, por sua vez, é entendida, moral e
juridicamente, como consequência da situação de vulnerabilidade social.
É um tipo de violência onde o agressor é passivo e a agressão ocorre
pela falta de ação. Judicialmente, o responsável negligente é culpado
pela omissão, pelo que deixar de fazer ao negligenciado (BALLONE,
2003a; NEWCOMBE, 1999).
Entre os casos que podem ser considerados negligência precoce,
o abandono é a forma mais grave. Nele, a criança é privada das
necessidades básicas para seu crescimento e desenvolvimento
psicossocial pleno. Em fases precoces da vida, o efeito nocivo é a
depressão anaclítica44 (SPITZ, 1998), descrita por um quadro de perda
gradual de interesse, ações passivas e apáticas, choro, isolamento,
retardo do desenvolvimento psicomotor, perda de apetite,
comportamentos estereotipados (e.g. balanceios) e eventualmente, a
morte (BALLONE, 2003b). René Spitz sofreu críticas quando sugeriu
que o quadro resultava em severo retardo no desenvolvimento, mas essa
conclusão não será observada na pesquisa porque não compete a análise
médica e psicológica do caso e sim, assumir a postulação mais
importante da pesquisa de Spitz (1998) que é: a perda do objeto amado -
interação com os pais ou responsáveis - resulta em sofrimento à criança
e ao adolescente.
Essa fragilidade e vulnerabilidade humana nos primeiros anos de
vida ocorrem porque ao nascer, há a formação da habilidade sensorial,
física, cognitiva e emocional (BOWLBY, 1984). Os bebês
precocemente negligenciados e institucionalizados podem desenvolver
respostas comportamentais para expressar o seu desagrado e a carência
afetiva que sofrem, tais como: recusa em receber alimentação, engasgo
com o próprio vômito, dificuldade para respirar e choro (NEWCOMBE,
1999). Observa-se a transgressão como outra resposta possível, para
crianças e adolescentes negligenciados manterem suas condições de

44
Em 1953, René Spitz (1887-1974) apresentou uma pesquisa onde descrevia a
“Depressão Anaclítica” como resultado da privação afetiva.
94

sujeitos (BALLONE, 2003a; GUIRADO, 1986). Por outro lado, por um


padrão de vínculo inseguro, algumas crianças ou adolescentes costumam
ser exageradamente amigáveis, como se tentassem atrair a companhia de
alguém que lhes desse segurança (BALLONE, 2003a).
Numa instituição de acolhimento, os internos possuem um
somatório de distúrbios provocados pela negligência precoce, pelas
reações de abandono, enfim, por problemas ligados ao vínculo familiar
(BALLONE, 2003b). Groza e Rosenberg (1998) afirmam que crianças e
adolescente com longos períodos de internação em instituições que
guardem características “totais” terão provavelmente, distúrbios
emocionais, de crescimento e desenvolvimento; até mesmo após o
retorno à família de origem ou a ida à substituta. A criança ou o
adolescente que vive institucionalizado e sem a presença de uma pessoa
significativa é prejudicada pela privação total ou parcial do vínculo
afetivo, que poderia oferecer apoio, proteção e cuidados. Todavia,
quando o afeto e a atenção são suficientes, crianças e adolescentes
institucionalizados tendem a não sofrer quaisquer prejuízos (Quadro 11).

Quadro 11 - Resumo das necessidades e dos distúrbios no


desenvolvimento de crianças e adolescentes.
NECESSIDADES E DISTÚRBIOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Necessidades de crianças e Distúrbios no desenvolvimento
adolescentes para o desenvolvimento provocados pela negligência
sadio
Necessidades físico-biológicas (e.g. Perdas físicas e materiais através da
alimentação, higiene, sono e saúde). interação com o ambiente e as outras
pessoas.
Necessidades cognitivas (e.g. Perdas psicossociais pela separação
estimulação sensorial, exploração e das pessoas significativas e a perda
compreensão da realidade). dos vínculos.
Necessidades emocionais e sociais Perdas socioculturais, através do
(e.g. segurança emocional, rede de receio de enfrentar novos hábitos,
relações sociais e autonomia no rotinas, valores e costumes.
contexto ambiental).
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Guirado (1986) lista também como recursos importantes para a


ausência de prejuízos no crescimento e desenvolvimento de crianças e
adolescentes institucionalizados, vivendo afastados de suas famílias: a
proporção de adultos e internos, a quantidade e a variedade de
brinquedos e de recursos de higiene, saúde e alimentação. Por
conseguinte, “[...] afirma-se a carência afetiva [de crianças e
adolescentes institucionalizados] ora como decorrente das carências
95

materiais da instituição, ora como decorrente da ausência de contato da


criança com a mãe [ou responsável]” (GUIRADO, 1986, p. 23).
Para Bronfenbrenner (1996), há duas hipóteses importantes
acerca do ambiente institucional: a primeira se refere ao aumento do
prejuízo quando o ambiente oferece poucas possibilidades de interação
entre funcionários e internos, existindo restrição à autonomia da criança
ou do adolescente; a segunda corresponde ao prejuízo no
desenvolvimento de crianças separadas do convívio familiar nos
primeiros anos de vida. Nessas duas hipóteses, há perda quando a
instituição não fornece um equivalente adequado aos seus internos. Os
efeitos da institucionalização podem causar, então, passividade ou
relação conflituosa com as pessoas e com o contexto ambiental em que
se vive; e algumas dessas reações podem ser resultado do ambiente
construído institucional, quando repete modelos e padrões históricos de
assistencialismo ou totalidade.
O desenvolvimento de cada indivíduo é moldado por essa série de
combinações de eventos e neles estão os ambientes construídos. Uma
criança ou adolescente que possui pais afetivos e vive em um lar bem-
estruturado, no qual encontra conforto e proteção, consegue desenvolver
sentimentos de segurança e confiança em si mesmo e em relação àqueles
com quem convive (MATURANA, 1995). Ao contrário, “Aquele bebê
cujo ambiente está bastante empobrecido não irá desenvolver a mesma
densidade de conexões neurais no cérebro, tal como se dá com o bebê
que cresce em um ambiente complexo” (BEE, 1997, p. 31-32). O
ambiente construído é, portanto, considerado motivo de avanço ou recuo
nas categorias de mudança do desenvolvimento humano, sendo
discutido a seguir.

2.3 O AMBIENTE CONSTRUÍDO

Para a compreensão do ambiente construído do abrigo


institucional, é necessária a verificação de alguns referenciais teóricos
que envolvam a questão do espaço na Arquitetura, especialmente
questões relacionadas à qualidade, objetivando ambientes construídos
que atendam às necessidades de seus usuários e consequentemente,
promovam o efetivo acolhimento.

2.3.1 Espaço e Lugar

As teorias do desenvolvimento humano, apresentadas


anteriormente, consideram o ambiente construído (espaço físico e
96

concreto) indiretamente. Mesmo assim, sua importância deve ser


considerada, porque é nele que a interação humana acontece, sendo “[...]
agente continuamente presente nas suas vivências, de maneira que
grande parte do comportamento envolve tipos sofisticados de interação
com o espaço” (ELALI, 2002, p. 27). Os estudos dessa relação
consolidaram-se na década de 1960 através da Psicologia Ambiental,
determinando como elementos básicos: (01) comportamento e
experiência humana; (02) ambiente (ou cenário) físico; e (03) a ligação
recíproca entre homem e ambiente. Além de considerar também: (01)
que o ambiente construído é vivenciado sem que se consiga delinear
todos os seus componentes; (02) que a pessoa tem propriedades
ambientais tanto quanto psicológicas, individuais; (03) que não há
ambiente construído humano que seja dissociado do contexto social;
(04) que a influência do ambiente construído no comportamento varia de
acordo com a conduta, (05) que a pessoa torna-se consciente de um
elemento sempre que o equilíbrio se altera; (06) que o ambiente
observado não é necessariamente o real; (07) que o ambiente é
organizado cognitivamente através de imagens mentais; e (08) que o
ambiente tem valor simbólico (ITTELSON et al., 2005; ELALI, 2002).
Com base nessa visão, o ambiente construído é espaço de vida,
sujeito à ocupação, leitura, reinterpretação e/ou modificação pelos
usuários, que interagem com o ambiente social, cultural e psicológico.
Fruto do comportamento humano e resultado de uma série de padrões e
normas sociais que influenciarão as atividades ali realizadas. “Esta
relação específica dos indivíduos com outrem, num meio determinado,
faz de todo o lugar organizado aquilo a que se chama de um espaço
“habitado” [ambiente construído] (FISCHER, 1994, p. 16)”. O ambiente
construído tem relação social intrínseca, tornando-se espelho do mundo
modelado pelo homem. É um ponto de referência, onde se podem situar
e desenvolver atividades. É um meio tomado de significados, existindo
somente por aquilo que o ocupa (FISCHER, 1994). “O espaço
[ambiente construído] aparece então como um modelo social de
organização da atividade humana, operando ao mesmo tempo como
instrumento funcional e como cultura (FISCHER, 1994, p. 18)”.
A compreensão da rede de significados do ambiente construído é
tão (ou mais) crucial que a compreensão da maneira como ele está
organizado pelo ser humano (RAPOPORT, 1977), porque o homem
constrói imaginários sobre a realidade, refazendo constantemente o
caráter atribuído à relação entre o mundo material e simbólico. Zevi
(2002) afirma que o caráter da Arquitetura está no vocabulário
tridimensional que inclui o homem. O interior do ambiente construído é
97

o protagonista do fato arquitetônico, somente compreendido pela pessoa


quando essa o vivencia por experiência direta. Quando se considera o
contato direto e cotidiano de um usuário com um objeto, esta ação
transforma-o em crítico severo e abalizado daquele produto. O ambiente
construído possui então, duas funções: uma de contexto ou campo de
aplicação de condutas e outra de condição e instrumento de
desenvolvimento. Nele, as características são modificadas ao longo do
crescimento humano e, a partir da ampliação da rede de significações
(interação com o contexto), outros aspectos ambientais são promovidos
no desenvolvimento (ROSSETTI-FERREIRA; AMORIM; SILVA,
2009).
O ambiente construído é formado por elementos objetivos e
subjetivos. Para Okamoto (2002), aqueles são os valores técnicos,
formados por: forma, função, cor, textura, aeração, temperatura
ambiental, iluminação, sonoridade e significado simbólico. Cada um
desses forma o espaço dimensionado, entrando no inconsciente e
formando a rede de significações. Os elementos subjetivos são
classificados em seis categorias, sendo elas: sentido perceptivo (os cinco
sentidos), espacial (movimento cinestésico-vestibular, correspondendo
ao equilíbrio e gravidade), proxêmico (pessoal, territorial, privado), do
pensamento (abdução que corresponde ao mito, metáfora, alegoria, arte,
estética, religião, etc.), da linguagem (não verbal ou corporal) e sentido
do prazer (Infográfico 2).

Infográfico 2 - Valores objetivos e subjetivos que compõem o ambiente


construído

Fonte: Elaborado pela autora (2017)


98

Bestetti (2014) corrobora com a visão e completa, dividindo o


ambiente construído em: elementos físicos – fechamentos horizontais e
verticais, aberturas e componentes: mobiliário e equipamentos com
atributos físicos (forma, dimensões, texturas, cores, etc.); e elementos
estéticos/emocionais/culturais ligados aos valores a eles atribuídos, por
exemplo, a cor branca significa luto na Ásia, enquanto no ocidente está
ligada à pureza. Cada um desses elementos compõe o ambiente
construído dimensionado e funcional (Infográfico 3).

Infográfico 3 - Atributos que compõem o ambiente construído.

Fonte: Elaborado pela autora (2017)

Dolle (1993), numa visão holística, discute a interação entre


homem e ambiente construído como uma dimensão do sujeito
psicológico inserido no meio fisiológico, afetivo, cognitivo e social
(Infográfico 4). A fisiologia seria o suporte orgânico. O afetivo, a
incorporação de todos os sentimentos e emoções com pessoas e locais
de permanência. O sujeito cognitivo constitui o centro do conhecimento,
da linguagem e da razão. O social possui valores da convivência em
sociedade. O autor afirma ainda que, observar essas quatro dimensões,
permite entender os comportamentos como respostas socialmente
reguladas (DOLLE, 1993).
99

Infográfico 4 - Sujeito psicológico

Fonte: Dolle (1993) adaptado pela autora.

Compreende-se o ambiente construído como um conjunto de


influências que se impõe sobre o comportamento, os juízos e as
emoções humanas, modelando parcialmente a personalidade (LEE,
1976). Num ambiente institucional, equivale atribuir ao ambiente
construído, as funções de abrigar contra as intempéries e também,
compreender a rede de significados que o espaço e seus usos
estabelecem para o “sentimento de estar em casa”. Nesse entendimento,
adota-se a definição de espaço e de lugar como conceitos
interdependentes e indissociáveis. O espaço é indiferenciado e
transforma-se em lugar quando é dotado de significados (TUAN, 1983).
Tuan (1983) quando aborda o conceito de espaço e lugar
envolvendo a criança, afirma que elas apresentam noções “grosseiras”
do ambiente e com o tempo adquirem sofisticação, em razão das etapas
de aprendizagem e posição corporal que as influenciam. Com isso,
conclui que: “[...] a criança [pequena] não tem mundo. Ela não é capaz
de distinguir entre o eu e o meio ambiente externo” (TUAN, 1983, p.
23). A criança percebe inicialmente os pais, posteriormente seu próprio
corpo (e.g. boca e membros) e “à medida que a criança cresce, vai se
apegando a objetos, em lugar de se apegar a pessoas importantes, e
finalmente a localidades. Para a criança, lugar é um tipo de objeto
grande e um tanto imóvel” (TUAN, 1983, p. 33).
100

A visão de Tuan (1983) aponta a necessidade de explorar os


ambientes construídos em que se vive. Dessa maneira, o ambiente
construído depende do olhar individual, por exemplo: o abrigo
institucional pode ser percebido como uma habitação digna às crianças e
adolescentes, porque nela há as condições mínimas para habitabilidade;
mas na visão dos internos, talvez faltem propriedades físicas, que os
reportem à casa de origem. Essa visão assume que a pessoa está em
interação dinâmica com o ambiente.

Tem-se, pois, o movimento da bidirecionalidade e


uma antropologia de tendência ativa, acima de
tudo, transacional: a pessoa não somente reage a
estímulos ambientais, mas intervém sobre o meio
deliberadamente para atender às suas necessidades
(FELIPPE, 2010, p.300).

Homem e ambiente construído fazem parte de um sistema


integrado, cuja compreensão é necessária para o entendimento de
quaisquer aspectos dessa relação. Assume-se a perspectiva social, que
entende a pessoa como parte de uma comunidade definida e modulada
por um contexto histórico e cultural específico. Nesse sentido, mesmo
quando o ambiente construído assume formas variadas, é possível
investiga-lo a partir de características conceituais constantes, que
respondem à própria condição humana, como afirma Felippe (2010, p.
300): “Descrentes, assim, da construção de uma imagem física
invariável, pretendemos justamente caminhar na direção dessas
características inerentes ao homem e projetadas no espaço”.
Também para Rapoport (1978), o ambiente construído é mais que
uma realidade concreta e tridimensional. Há significados que variam de
acordo com o tempo e o contexto (social, político, econômico, etc.) em
que estão inseridos. Conforme o autor, a análise da percepção do meio
ambiente é importante porque considera a variedade cultural e pessoal, e
assume noções distintas de um mesmo ambiente com características
imutáveis. Em sua pesquisa, Rapoport (1978) lembra que a percepção
ambiental inclui o conjunto de atitudes, motivações e valores.
A importância dessa visão de sentido amplificada do ambiente
construído permite vencer o descaso que muitas arquiteturas possuem,
não reconhecendo intenções específicas de projeto, ou pecando pela
falta ou ainda, incoerência. Afinal, muitas vezes, o ambiente construído
é desprovido de um propósito, dificultando a apropriação e a formação
do sentido de lugar. De acordo com essa visão holística entre homem e
101

ambiente construído, é fundamental o estudo da interação espacial e da


relação interpessoal no ambiente construído, que acontecem através de
reguladores espaciais, abordados a seguir.

2.3.2 Reguladores Espaciais e a Construção da Ambiência

A apropriação espacial faz parte do esquema de conduta


desenvolvido na relação entre indivíduo e ambiente construído. É um
processo psicológico de ação e intervenção sobre um espaço, a fim de
transformá-lo e personalizá-lo. Enquanto prática social, a apropriação é
um código de linguagem da realidade apreendida, revelando uma parte
do mundo interior (FISCHER, 1994). No projeto de ambientes para
crianças e adolescentes, é preciso avaliar cuidadosamente vários
aspectos espaciais. Os ambientes construídos bem projetados, segundo
Trancik e Evans (1995), podem aumentar a competência dos usuários na
apropriação ambiental, permitindo que façam uso das suas capacidades,
ao mesmo tempo em que são estimulados a desenvolver habilidades
mais complexas, além do nível de desenvolvimento em que estejam.
Para uniformizar os estudos das interações espaciais entre as pessoas,
quatro reguladores espaciais são destaques: a privacidade, a
territorialidade, a aglomeração e o espaço pessoal.
A privacidade é definida como o controle seletivo de acesso a si
mesmo ou a um grupo, através da regulação dos níveis de interação
social e informação oferecidas aos outros, representando o equilíbrio
entre ficar isolado e tornar-se acessível. Como confronto entre
aproximação e afastamento, o equilíbrio permite que a pessoa não se
sinta nem violada, nem ignorada (ALTMAN et al., 1980) (Figura 5).
Quando a privacidade é regulada através do ambiente construído, há
recursos mediadores em forma de barreira natural ou não (e.g. o braço
do passageiro na poltrona do ônibus marcando o limite do lugar, a toalha
na praia).
102

Figura 5 - Representação gráfica do conceito de privacidade

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Registra-se que o número excessivo de pessoas desperta a


necessidade de regulamentos sociais que tornem possível a intimidade.
Esta, segundo Westing (apud Vidal; Valera, 1991) deseja ser alcançada
nos seguintes níveis: solidão que corresponde a estar só, na situação em
que os outros não têm como saber o que se faz ou diz; isolamento que
sugere afastamento intencional do contato com outras pessoas;
anonimato quando permanece num contexto social, sem ser identificado;
reserva que prevê o controle das informações pessoais durante uma
interação; e intimidade onde se está só, mas com um grupo afetivo (e.g.
família, amigos e companheiro). Estas dimensões podem ser agrupadas
em níveis de controle em que: solidão, isolamento e intimidade são
utilizados para regular as interações sociais; e o anonimato e a reserva,
para controlar as informações transmitidas.
A privacidade, como mecanismo regulador de interação, está
relacionada aos seguintes elementos arquitetônicos: “paredes, aberturas,
disposição dos espaços e equipamentos, arranjo da mobília, acústica,
quantidade de espaço, dimensões das salas, etc.” (ALMEIDA, 1995). Na
habitação, por exemplo, corresponde a ser ou não visto pela janela de
acesso à rua ou ainda, a não ter espaço individual para se vestir. Nos
abrigos institucionais, a privacidade é potencialmente prejudicada
quando não é permitido o fechamento das portas e o isolamento, ou
quando há horários coletivos para higiene. O não acesso aos
mecanismos reguladores de interação geram mudanças de
comportamento, que vão da apatia à agressividade (NEWCOMBE,
1999).
Para alcançar privacidade, é necessário a clareza de territórios.
Esses, por sua vez, são limites e controles entre a pessoa e o ambiente
103

construído, com eles se determinam a identidade e até mesmo, no


âmbito psicológico, o papel individual no mundo (Figura 6). Gifford
(1997) define a territorialidade como um padrão de conduta associado à
ocupação de um lugar ou área geográfica por um indivíduo ou grupo,
que resulta na sua personalização e defesa contra invasores e completa:

[...] conjunto de comportamentos e atitudes por


parte de um indivíduo ou grupo, baseados em
controle percebido, tentado ou real sobre um
espaço físico definível, objeto ou ideia, que pode
implicar em ocupação habitual, defesa,
personalização e demarcação (GIFFORD, 1997,
p.120).

Figura 6 - Representação gráfica do conceito de territorialidade.

Fonte: Elaborado pela autora (2017)

Altman et al. (1980) classificou os territórios como: primários


que demarcam claramente uma área pertencente a uma pessoa ou grupo
primário, possuindo forte importância psicológica para seus ocupantes
porque são considerados uma extensão do “eu” (e.g. quarto e a cama da
pessoa); territórios secundários sendo a ocupação não exclusiva,
compartilhada com estranhos, e possuindo menor significado para os
ocupantes (e.g. mesa de estudos numa biblioteca); territórios públicos
como as áreas de acesso livre a todos, com restrição apenas de condutas
antissociais ou discriminatórias (e.g. bancos numa praça); territórios
interacionais sendo controlados temporariamente, por grupos de pessoas
104

que interagem entre si (e.g. sala de aula); e o território corporal


correspondente ao limite do corpo. Ressalva-se, que o território formado
por objetos e ideias não é identificado pelo autor, mas tem importância
uma vez que se baseia em processos cognitivos da relação com o
mundo.
O ser humano utiliza tais territórios para interação com o mundo.
A reação contra a intrusão de qualquer um deles é de defesa, e foi
classificada em três tipos por Gifford (1997): (01) invasão, quando um
desconhecido entra fisicamente no território com a intenção de tomar
posse ou controle do mesmo; (02) violação que se caracteriza por uma
invasão temporária por outra pessoa, normalmente com o objetivo de
irritar ou prejudicar; e (03) contaminação, quando o território é sujo ou
corrompido, deixando algo desagradável ou estragando
permanentemente o local. A forma e o grau dessa intrusão, dependem do
que e de quem invadiu o território. Para limitar tal ação, Gifford (1997)
afirma que o homem define duas estratégias: prevenção e reação.
Aquela atua através da demarcação com elementos que personalizem e
façam reconhecer a existência de um dono. A reação é, muitas vezes,
uma resposta violenta verbalizada ou física.
A territorialidade é um importante facilitador de ligação com o
lugar para estabelecer sentimentos de apego, segurança e pertencimento.
Em ambientes institucionais, há ausência de territórios especialmente
primários e secundários ou ainda, a dificuldade de delimitação,
provocando reações agressivas. Segundo Almeida (1995), são
diretamente envolvidos nas demarcações estereotipadas das arquiteturas
institucionais: os muros limítrofes, as grades, os portões e as cercas. No
interior desses ambientes, estão as fortes relações de domínio,
identificando hierarquia entre internos ou entre estes e a instituição.
Sobre o assunto, Sommer (1973, p. 17) destaca: “[...] tanto o
comportamento de domínio quanto o de territorialidade são formas de
manter uma ordem social”. Isso ocorre quando, por exemplo, internos
com maior tempo de permanência dificultam a apropriação dos recém-
chegados ou utilizam demarcações físicas e psicológicas para definir
recintos preferidos e onde apenas “selecionados” tem acesso.
Outro regulador espacial é a aglomeração, que se refere às
situações “[...] na qual a quantidade de espaço disponível aparenta ser
inferior à necessária pelo indivíduo, o que envolve a sensação de “sentir-
se observado” (quer isso seja real ou não) (ELALI, 2002, p. 33)”.
Stokols (1977, p. 50) completa afirmando que na aglomeração, os
aspectos restritivos do espaço são percebidos pelos indivíduos. Dessa
maneira, esse regulador espacial é subjetivo e individual, contrário à
105

densidade física. Uma pessoa pode conviver positivamente num quarto


com seis pessoas, enquanto outra pode se sentir incomodada. Sommer
(1973, p. 29) afirma que: “[...] uma pessoa só pode viver numa grande
multidão se mostrar uma relativa indiferença pela maioria”. Elali (2002,
p. 33) completa:

[...] se a situação for encarada de modo pessoal e


acontecer em um local considerado importante
para o(s) envolvido(s), a aglomeração será
percebida como mais intensa e incômoda, do que
se a situação semelhante ocorrer em local de
menor importância.

Um alto grau de intrusão ocasionado pela aglomeração pode fazer


com que o espaço pessoal desapareça. Essa atitude pode provocar o
distanciamento ou afastamento psicológico da situação, fazendo com
que as pessoas encarem umas às outras como “não pessoas”, sem
humanidade nem direitos de território (SOMMER, 1973). Em ambientes
institucionais, as lotações acima do limite revelam-se preocupantes,
porque podem resultar em despersonalização, aumentando a
agressividade e as reações provenientes da negligência precoce. Sommer
(1973, p. 44) afirma ainda:

Num grupo confinado verificou uma hierarquia de


domínio relativamente direta, baseada em
encontros de agressão-fuga entre indivíduos. Entre
os atos agressivos incluiu gestos ameaçadores [...]
resmungos e levantamento de mão. Entre os
comportamentos de fuga inclui afastamento,
desvios de olhar, olhos fechados, abaixar o queixo
para o peito, arqueamento e movimentos de
abaixar-se. [...] isso poderia ser percebido por
algum sinal manifesto de tensão.

O último regulador espacial considerado é o espaço pessoal,


definido como: “[...] uma área com limites invisíveis que cerca o corpo
da pessoa, e na qual, estranhos não podem entrar” (SOMMER, 1973, p.
33) e que não possui alcances claramente definidos, porque seu tamanho
varia de acordo com a cultura na qual a pessoa está inserida (Figura 7).
Não é estável e nem de fácil mensuração (SOMMER, 1973), mas é vital
para a percepção da individualidade, porque estabelece a área de limites
invisíveis que cerca o corpo de cada pessoa. Os ajustes ocorrem em
106

razão de características individuais (personalidade, estado de espírito,


idade), regras sociais e ambientes construídos que se ocupa (por
exemplo a permanência num elevador pressupõe que o espaço pessoal se
altere, comparado a permanência no sofá de casa). Caso haja avanços e
sobreposições desse regulador espacial, é comum a sensação de
ansiedade e esgotamento, quando tal situação não é prevista e nem
pretendida. Esse limite, em geral, só desaparece com a intimidade
desejada.

Figura 7 - Representação gráfica do conceito de espaço pessoal

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Hall (2005) classifica os espaços pessoais em: íntimo, social e


público; e os ambientes construídos pelas características sendo: fixos
(ambientes com funções definidas e mobília pouco alterável, por
exemplo banheiros e cozinhas), semifixos (com funções e mobília
mutáveis, como salas e quartos) e espaços informais, onde são
estabelecidas distâncias interpessoais para que haja adequação social e
de interação. Estas distâncias definem: os espaços íntimos próximos (de
0 a 15 centímetros) e os afastados (de 15 a 45 centímetros); os espaços
sociais próximos (de 1,20 a 2,20 metros) e distantes (acima de 2,00 até
3,50 metros); e o espaço público próximo (de 3,50 a 7,00 metros)
(HALL, 2005; OKAMOTO, 2002).
Os reguladores espaciais permitem adaptar-se ao ambiente
construído, com uso da resiliência que faz referência à capacidade do ser
humano de responder positivamente às situações adversas que enfrenta.
Walsh (1998) utiliza resiliência como uma contraposição à ideia de que
os sujeitos ao crescem em ambientes adversos estão fadados a se
tornarem adultos com problemas. Rutter (1987) completa que a
107

resiliência seria resultante da interação entre fatores genéticos e


ambientais, os quais oscilam em sua função, podendo atuar como
proteção em certos momentos e em outros, como fator de risco. Segundo
Mota e Matos (2008, p. 374), em ambientes institucionais:

A construção da resiliência e o desenvolvimento


de competências sociais proporcionavam [às
crianças e] aos adolescentes a possibilidade de
conduzir relações de longo termo, denotando e
experienciando respostas empáticas face às
situações traumáticas.

Para alcançar adaptações positivas às novas vivências espaciais, o


estudo da ambiência propõe revelar a interação recíproca entre pessoas e
ambiente construído, moldando-os segundo suas necessidades e desejos
em busca de receptividade. O termo ambiência tem origem do francês
“ambiance” e pode ser traduzido como “meio ambiente”. É composto
pelo conjunto de fatores do meio material e imaterial onde se vive. Essa
influência mútua é a razão pela qual se encontra ou não a identidade nos
diversos ambientes em que se convive (MALARD, 1992). A ambiência
é o que possibilita um processo comunicativo de identidade e pressupõe
o ambiente construído como cenário, onde se realizam relações sociais,
políticas e econômicas de determinados grupos.
O reconhecimento dos atributos “objetivos e subjetivos”
(OKAMOTO, 2002) da ambiência permite que o indivíduo se considere
pertencente e identificado com os pares e especialmente, com o
ambiente construído. Malard (1992) considera a identidade na
Arquitetura como o conjunto das qualidades, crenças e ideias que fazem
com que uma pessoa se sinta pertencente a um grupo social e se
reconheça como indivíduo no ambiente construído em que vive,
envolvendo um domínio mais pessoal, ligado à afirmação e
comunicação de símbolos ao meio externo. Almeida (1995) relaciona o
fenômeno de preservação da identidade com o que deve ser mostrado e
com a imagem que se quer para expressar os valores de um indivíduo ou
de um grupo. Sommer (1973) completa afirmando que as pessoas se
identificam com os ambientes construídos quando os consideram seus,
permitindo alterações. No abrigo institucional, o maior desafio está em
viabilizar à criança e ao adolescente o sentimento de “estar e sentir-se
em casa”, visto que para o crescimento e desenvolvimento psicossocial
sadio, a ambiência de onde se habita opera ao mesmo tempo como
108

instrumento funcional e contexto cultural. Esta relação entre criança e


adolescente com o ambiente construído será abordada a seguir.

2.3.3 A Relação da Criança e do Adolescente com o Ambiente


Construído

Os conceitos apresentados influenciam diretamente na


apropriação de ambientes construídos para as crianças e os adolescentes,
podendo aumentar ou diminuir a competência dos usuários na
apropriação ambiental. Quando os aspectos são positivos, os usuários
fazem uso das suas capacidades, ao mesmo tempo em que são
estimulados a desenvolver habilidades mais complexas, além do nível
de desenvolvimento em que estejam. No processo infantil, há
necessidade de domínio do ambiente, ao contrário da intimidação, com
liberdade para explorar e testar as habilidades.
Na apropriação de crianças, há três características espaciais
importantes, são elas: comportamentos espaciais restritos, manipulação
e gradientes de desafio. Aqueles dizem respeito aos fatores físicos que
limitam a maneira como um espaço é utilizado (e.g. localização de um
ponto fixo de luz para leitura). A manipulação é referente à escala
ambiental (antropometria), limitando o uso quando imprópria. Os
gradientes de desafio acomodam os níveis de independência, impedindo
que as pessoas se tornem oprimidas pela dificuldade na realização de
atividades (e.g. ambiente informatizado) (TRANCIK; EVANS, 1995).
Para incentivar as experiências de aprendizagem, a apropriação
ambiental de crianças e adolescentes requer que o ambiente disponha de
complexidade num nível adequado ao desenvolvimento e regulado pelos
tipos de objetos, espaço disponível, grau de manipulação e curiosidade.
A variedade de estímulos pode ser conseguida com diferentes artefatos,
materiais de acabamento, cores, etc., evitando assim, ambientes
monótonos (TRANCIK; EVANS, 1995). Newcombe (1999, p. 150-151)
completa,

As crianças podem ter conhecimentos que não utilizam,


mesmo quando a ocasião os exige. Algumas vezes o
desempenho das crianças não revela sua competência
real, porque elas entendem mal os problemas que
recebem para resolver [...]. Ao interagir com o
ambiente, elas adaptam aquelas estruturas em resposta
às novas experiências.
109

No desenvolvimento das capacidades da criança, as


características do ambiente construído e social (e.g. os níveis de ruído e
de desorganização e os pais afetuosos e verbalmente atenciosos,
respectivamente) contribuem para as diferenças individuais nos níveis
de inteligência e desempenho. Num ambiente estimulante, as variações
(inclusive as deficiências) fazem pouca diferença. Por outro lado, as
crianças com capacidades de desenvolvimento consideradas ideais são
menos afetadas por ambientes empobrecidos, como coloca Newcombe
(1999). O ambiente construído ideal deve mudar periodicamente para
estimular a curiosidade, provendo surpresa e satisfação. Um ambiente
institucional pode produzir aumento da agressividade e outros tipos de
estresse, quando não é adequadamente equipado. Segundo Prescott
(1987), para que os ambientes construídos exerçam influência positiva
no desenvolvimento, é preciso que promovam a criatividade, permitam
variação de participação e exploração, além de testar o indivíduo,
estimulando a fantasia e a iniciativa. Elali (2002, p. 37) reitera:

Promover as funções básicas do desenvolvimento


como formação da identidade da pessoa,
promoção de oportunidades de interação social e
privacidade, e encorajamento às competências e
aptidões individuais;
Reconhecer que o meio físico tem impacto tanto
direto quanto simbólico sobre a criança,
facilitando e/ou inibindo comportamentos e,
sobretudo, comunicando às mesmas as intenções e
os valores dos adultos (que, na maioria das
ocasiões, são as pessoas que o controlam);
Valorizar o contexto sociocultural na análise da
relação criança-ambiente, pois há variação
individual e cultural no uso e interpretação do
meio ambiente; [...].

Dessa maneira, a partir do primeiro ano de vida, a criança já trata


objetos e ambientes construídos como se fossem diferentes daquilo que
realmente são; e evidências desse simbolismo podem ser vistas
especialmente nas brincadeiras, que imitam modelos e padrões de
comportamento dos adultos. Newcombe (1999, p. 207) completa:

Por volta dos 18 meses elas se tornam inibidas


diante de outras crianças, mas até os 2 anos esta
reação começa a desaparecer; crianças de 3 anos
110

se engajam em brincadeiras recíprocas e usam


outras crianças como modelos [...]. Durante os
últimos 6 meses do segundo ano, as crianças
começam a criar padrões – representações
idealizadas de objetos, eventos e comportamentos
[...]. Por volta do segundo aniversário, as crianças
mostram aflição quando são incapazes de atingir
padrões impostos por outras pessoas [...]. Além
disso, crianças se divertem com violações das
regras adultas e com eventos que provocam nojo
ou desaprovação nos outros.

A partir do segundo ano de vida, a criança inicia a consciência do


eu, que se finda na adolescência, definindo comportamentos e traços
psicológicos. Nesse processo, o ambiente construído aparece como
recurso, afirma Newcombe (1999, p. 398):

A qualidade do cuidado que a criança recebe tem


efeitos importantes sobre o desenvolvimento.
Componentes de qualidade incluem a quantidade
de interação entre adultos e crianças e o tamanho
do grupo. O ambiente físico (materiais disponíveis
e espaço) também é importante.

No desenvolvimento infantil entre os seis e oito anos, as crianças


ingressam na fase das operações concretas. Elas se tornam capazes de se
ocupar com operações mentais que são flexíveis e reversíveis. Podem
focalizar diversos atributos de um objeto ou evento simultâneo. “[...]
elas passam de um ponto em que se baseiam em informações
perceptivas para o uso de princípios lógicos, tais como o princípio da
identidade e o princípio da equivalência” (NEWCOMBE, 1999, p. 266),
permitindo adaptar-se e planejar as ações.
Acerca das regras de uso, a aglomeração interage diretamente no
processo de interação de crianças. Evans (2006) afirma que níveis
elevados de isolamento social acontecem quando há excessos de pessoas
e/ou pequenas dimensões do ambiente construído. O processo de
isolamento pode ocorrer entre os dez e doze anos em crianças que vivem
com suas famílias, num processo de amadurecimento psicológico
(Evans, 2006). Loo (1972) descobriu que os meninos reagem mais a
superlotação do que as meninas. Os estudos sobre efeitos da
aglomeração de Loo (1972) também, apontaram que características
pessoais podem minimizar os impactos negativos da aglomeração
111

residencial, especialmente quando há apoio interpessoal de pares e


adultos.
Outro fator na aglomeração que contribui para os efeitos
negativos, é o número de recursos para brincar (objetos e/ou ambiente
construído). Evans (2006) apresentou que quando a densidade era alta e
os recursos adequados, havia pouco impacto negativo. No entanto,
quando era alta e os recursos baixos, a agressão e aflição psicológica
eram aumentadas. As crianças que vivem em casas mais lotadas,
independente da classe social, revelam maiores níveis de neuroticismo45,
psicológico aflito, além de dificuldade de relações interpessoais, menor
competência social e cognitiva (EVANS, 2006).
Um último aspecto a considerar em relação aos efeitos da
aglomeração e densidade diz respeito aos adolescentes. Nessa fase, há
quatro pontos centrais no desenvolvimento: (01) adquirir autonomia em
relação aos adultos; (02) estabelecer grupos com os pares; (03)
desenvolver identidade; e (04) estabelecer habilidades para raciocínios
morais. Nesse processo, a construção da identidade altera
significativamente, a relação existente com o ambiente construído,
aumentando a necessidade de privacidade e demarcação de territórios.
Evans (2006) observa em estudos realizados sobre os aspectos negativos
de ambientes excessivamente integrados (open plan46), que os mesmos
apresentam muitas áreas sem uso, sendo comum os usuários
permanecerem aglomerados nos cantos e nas bordas. Para minimizar
esta característica, Evans (2006) propõe delimitar claramente as áreas e
atividades.
Outro aspecto importante a considerar, são as relações de apego
que as crianças desenvolvem com o ambiente construído e com as
pessoas. Segundo a Teoria do Apego47 desenvolvida por Bowlby (1984),

45
Neuroticismo é um termo que indica indivíduos que, a longo prazo, possuem uma
maior tendência a um estado emocional negativo, como estados depressivos, sentimento
de culpa, inveja, raiva e ansiedade de forma mais acentuada – quando comparados a
outros traços de personalidade.
46
O conceito de open plan é americano, do final da década de 1950, e foi considerado um
grande avanço na concepção de espaços de trabalho de escritórios. O sistema facilitava e
permitia maior rapidez nas comunicações, apresentava ótima flexibilidade tanto
individual quanto em grupo, reduzindo as diferenças hierárquicas. Atualmente, é
incorporado nos projetos residenciais, especialmente nas áreas sociais.
47
A Teoria do Apego é um estudo interdisciplinar que abrange os campos das
teorias psicológica, evolutiva e etnológica. Foi formulada por Edward John Mostyn
Bowlby (1907-1990) e descreve aspectos a curto e longo-termo de relacionamentos entre
humanos e entre outros primatas. Seu princípio mais importante declarava que um recém-
nascido precisa desenvolver um relacionamento com, pelo menos, um cuidador primário
112

há aproximação daqueles a quem se dispensa carinho e atenção. Nesse


sentido, crianças criadas em instituições são mais dependentes, em razão
da ausência de relações de apego com o outro e com o ambiente
construído. Nesse entendimento, o abrigo institucional é um espaço para
promover desenvolvimento social, cognitivo e de linguagem, através da
exploração sensorial, da expressão criativa e da apreciação do ambiente
e do outro.
O conceito de “apego ao lugar” foi desenvolvido inicialmente, na
Psicologia Ambiental e é concebido como um vínculo afetivo ou ligação
entre pessoas e lugares específicos, por exemplo com o habitar
doméstico (HIDALGO; HERNANDEZ, 2001). O apego ao lugar é um
processo no qual se formam laços emocionais com ambientes, no
sentido de estar fisicamente e de se sentir “no lugar” ou no caso do
habitar doméstico, “em casa”. O conceito de habitar doméstico e o
apego atribuído a ele são abordados a seguir.

2.3.4 Habitar Doméstico

Habitar é compreendido por representações objetivas a partir do


objeto e da ação, conforme define Norberg-Schulz (1985, p. 12) é “[...]
ter um teto sobre nossas cabeças e um certo número de metros
quadrados à nossa disposição”; e também, através de representações
subjetivas como refletiu Martin Heidegger (2002): “seria o aspecto
fundamental da habitação, enquanto permanência humana entre o céu e
a terra, entre o nascimento e a morte, entre a alegria e a dor, entre a obra
e a palavra48 [grifo da autora]”. A palavra “entre” é considerada de
caráter multiforme, rica em transformações. A aproximação com as
palavras: cuidado e preservação é reiterada por Heidegger (2002). O
autor afirma que o verdadeiro cuidar consiste em não prejudicar o que é
cuidado, resguardando sua essência e buscando o “estado de paz”.
Considera também, que ao construir a habitação, há a ação de cuidar e
de “levantar edificações”, sendo ambas formadoras do que se entende
por habitar - “estar sobre a Terra”. O habitar é constituído ainda, de
“orientação” e “identificação” em relação ao meio. A ação acontece
quando se sabe onde está e como está, quando há a experimentação em
todos os significados (HEIDEGGER, 2002).

para que seu desenvolvimento social e emocional ocorra normalmente.


48
A referência desta frase está na conferência “Hebel – O Amigo da Casa”, pronunciada
por Heidegger em 1957. Disponível em:
<http://www.heideggeriana.com.ar/textos/hebel.htm>. Acesso em: 21 abr. 2016.
113

Sob uma perspectiva holística, o ambiente construído e a sua


apropriação acontecem através de atributos “objetivos e subjetivos”
(OKAMOTO, 2002); e o significado da palavra habitar dessa maneira,
transcende o pragmatismo formal e utilitário de “ocupar”. Sabe-se que o
habitar surge com a própria existência humana. Afinal anterior à
Arquitetura, habita-se o mundo e o próprio corpo. Por sua vez, o
ambiente construído é uma resposta humana a essa necessidade e para a
Arquitetura, é o próprio sentido de existência (FELIPPE, 2010). O
habitar doméstico responde então, às necessidades físicas e psicossociais
e pode ser dividido hierarquicamente como: abrigo, casa e lar
(Infográfico 5).

Infográfico 5 - Resumo da hierarquia do habitar

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

O primeiro ambiente construído é o abrigo. A cabana talvez seja a


primeira imagem da habitação atribuída aos povos primitivos. É
possível observar o princípio essencial de amparo, produzido pela
necessidade de domesticar o ambiente natural. Independente das
variações existentes, o abrigo ainda, responde ao contexto de proteção
(RAPOPORT, 1976). Ressalve-se que a sua construção nem sempre foi
114

feita com elementos construídos. Algumas vezes, existiram barreiras


invisíveis para as quais havia certas regras de passagem, por exemplo:
os aborígenes australianos que varrem um raio de dez metros do terreno
e assim o delimitam, considerando esse círculo o abrigo de proteção.
Com o estabelecimento da vida em sociedade, os homens
precisaram de espaços para se encontrarem, partilharem a comida e
possuírem como território privado. Surge, o conceito da casa, onde as
relações espaciais e sociais estão ordenadas. A casa registra-se, não é
apenas uma estrutura material, mas um fenômeno cultural, onde a forma
e a organização são influenciadas largamente, pelos contextos aos quais
pertence (RAPOPORT, 1976). Norberg-Schulz (1985) classifica o ato
de habitar uma casa como uma atividade que implica numa relação de
significados identificados e por isso, de pertencimento entre o ser
humano e um determinado meio. Para o autor, habitar tem como
propriedade “[...] a insolúvel unidade entre vida e lugar” (NORBERG-
SCHULZ, 1985, p. 13).
Compreende-se que habitar tem representações objetivas (físicas
e concretas) e subjetivas (de essência); e que a classificação do habitar
doméstico acontece pela experiência do cotidiano num lugar, onde se
possui o cuidado físico e a preservação da vivência em paz. Nessa
relação de permanência e identidade, é preciso que se especifique que há
ambientes em que a permanência é curta e temporária, e dificilmente,
classificado como habitar doméstico, por exemplo: a internação
hospitalar, onde o quarto pode ser reconhecido e identificado, todavia
dificilmente, alguém o identificará como o habitar doméstico.
Dentro da hierarquia do habitar, viver numa casa constitui o
arquétipo mais rico de significados ao ser humano. “Estar em casa”
significa dispor de um espaço que, por um lado, se pode assinalar com
uma marca e, por outro, delimita um território inviolável sobre o qual se
exerce um direito (FISCHER, 1994). Heidegger (2002) afirma que: na
privacidade desse ambiente físico recortado do exterior, cada pessoa se
recolhe para se preservar e desenvolver. Norberg-Schulz (1985, p. 89)
completa: “Uma vez cumprida nossa tarefa social, nós nos recolhemos
de volta em nossas casas para recuperarmos nossa identidade pessoal. A
identidade pessoal é, portanto, um componente do habitar doméstico”.
A expressão “minha casa” possui duas vertentes principais: a
proteção contra o mundo exterior e o apego a um lugar como fator de
identidade. Dessa maneira, toda casa é, antes de tudo, um abrigo no
interior do qual o indivíduo se sente protegido. A casa representa uma
espécie de barreira às intromissões externas, porque limita e controla o
115

número de interações e na sua construção, separa o mundo externo –


inseguro e ameaçador – do interno – protegido (FISCHER, 1994).
Ressalva-se que não existem apenas valores positivos ligados ao
habitar doméstico e acerca disso, Berman (2007, p. 33) afirma que há
sempre no ser humano a tentativa desesperada e heroica para que essa
vida privada – “[...] infinitamente bela e festiva, mas também
infinitamente frágil e precária – seja preservada; ainda que a tentativa
possa vir a falhar”. Dessa maneira, a importância da privacidade no
habitar doméstico, não exclui a conexão dos papéis assumidos fora do
habitar, e é perceptível nessa relação interior e exterior, o contraponto
com o que se quer cuidar e preservar. Não há um polo oposto e
dissociado, mas uma distinção entre o público e o privado, influenciada
pelo contexto sócio cultural em que se convive (HEIDEGGER, 2002;
NORBERG-SCHULZ, 1985).
A casa é construída pelo homem e aparece como representativa
dos elementos fundamentais do ser, “[...] de sua natureza mais profunda,
inteira, e como tal, de alguma forma, a pedra angular da personalidade
humana” (GRUBITS, 2003, p. 99). O habitar doméstico é um processo
que envolve escolhas de natureza particular, onde o indivíduo ou um
pequeno grupo constituem o lugar e as suas regras, que são
estabelecidas a partir de valores e comportamentos (usualmente nos
abrigos constituídas pelas instituições), permitindo considerar a criação
de uma microcultura49, da mesma forma como definiu Bronfenbrenner
(1996) na Teoria do Desenvolvimento Ecológico já apresentada. Dessa
maneira, Rapoport (1976) afirma que a avaliação do habitar doméstico
deve acontecer com a perspectiva das “necessidades básicas” e das
questões formais e culturais, envolvendo julgamentos e decisões
submetidas ao contexto. Camargo (2007, p. 30-31) completa:

Se, por um lado, cada contexto cultural específico


poderá destacar um determinado aspecto – como,
por exemplo, o conforto, ou utilidade, ou religião,
etc. – como principal componente de sua visão de

49
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), “[...] Cultura pode ser considerada como o variado conjunto de
características espirituais, materiais, intelectuais e emocionais de uma sociedade ou grupo
social”. Para o antropólogo Geertz (1989), consiste num sistema de concepções herdadas,
expressas de forma simbólica e pelas quais se comunica quem se é. O geógrafo Milton
Santos (2002) afirma que além da herança, é uma forma de comunicação do indivíduo e
do grupo com o universo. Dessa maneira, ainda que não haja uma única definição sobre o
termo, é possível compreende-lo como um conjunto partilhado de valores e padrões
necessários para a relação entre o grupo e com o meio.
116

mundo, e as decisões/escolhas, então realizadas,


estarão submetidas a essas visões, por outro lado,
cabe ressaltar que até mesmo a definição de
conceitos que consideramos corriqueiros e
familiares, como, por exemplo, o de utilidade ou
de conforto, será menos óbvia do que se supõe –
não apenas na ideia que se faz do que é
confortável (ou útil), mas mesmo na busca
expressa por essas sensações.

Compreende-se o conceito de habitar como amplo quanto à


própria existência humana, em razão dos contextos culturais que nele se
inserem e que por vezes, enriquecem-no e noutras, oprimem-no. Abrigar
é a necessidade básica alcançada através de uma gama de escolhas
limitadas por fatores físicos, psicológicos e culturais (RAPOPORT,
1976). A casa é um objeto geométrico, visível e tangível, mas com os
inúmeros refúgios que permitem lembranças e vivências humanas. É
formada de vários abrigos, encaixados uns nos outros e nessa interação
dinâmica com o homem, o espaço habitado transcende o geométrico, o
abrigo torna-se casa e dessa maneira, acontece o habitar doméstico.
Para que a experiência de habitar doméstico se conclua, é
necessário que o ambiente físico proporcione identidade com o
cotidiano pessoal. Nesse entendimento, Bollnow (2008) afirma que para
se viver “com sossego” nesse “lugar fixo no espaço”, é preciso
compreendê-lo não como um “simples ponto”, de onde partem os
caminhos para o mundo, mas um lugar por onde se possa mover
despreocupadamente. Heidegger (2002) completa afirmando que a paz
em que se vive está relacionada com o entorno de domínio habitado,
tornando imprescindíveis “o teto e os muros protetores”. Nessa direção,
Norberg-Schulz (1985) afirma que o sentido de habitar acontece quando
o espaço é organizado e há uma forma construída para qual
posteriormente, serão atribuídos valores e significados. Ainda sobre a
forma física, acredita-se que a ação de habitar representa códigos de
usos e funções, significados e valores partilhados por seus habitantes.
O habitar doméstico como matéria e localização física é refletido
nessa pesquisa, além das especificidades da natureza arquitetônica (e.g.
forma e linguagem) e da tipologia habitacional (e.g. casa e
apartamento). É também, pela propriedade de acolher física e
psicologicamente, sem ignorar a relação com o meio, conduzindo a
observação da casa como proteção frente ao mundo e meio de
identificação com o mesmo. A visão fenomenológica de Bachelard
117

(1998, p. 24) corrobora afirmando que por mais variados que sejam os
tipos de habitação humana, em termos geográficos e etnográficos, há a
ideia de “concha inicial em toda a moradia”; “o germe da felicidade
central, segura, imediata”, fazendo importante reconhecer a
universalidade da casa no sentido físico – material, como o princípio de
“cabana” e “ninho”, com os cantos onde se quer recolher.
A proteção no habitar doméstico surge com o entendimento de
estabelecer limites “visíveis” e “imediatos”, através de conceitos
nitidamente separados: espaço exterior – “grande, geral” – e interior –
“privado”. Dessa maneira, o exterior é compreendido como desafiador e
o interior como refúgio - seja dos rigores das intempéries, do assédio de
quem não se deseja, da agressão física ou de algo menos concreto,
porém não menos invasivo, a vida social (CAMARGO, 2007). A
privação do habitar doméstico e a existência apenas no espaço exterior,
implicariam numa vida de eterna fuga, na qual o homem seria um eterno
perseguido (BOLLNOW, 2008). A narrativa “A Construção” do escritor
Kafka (2009, p. 63-64) corrobora ao utilizar o conceito de casa como
abrigo físico e emocional.

Instalei a construção e ela parece bem-sucedida.


Por fora é visível apenas um buraco, mas na
realidade ele não leva a parte alguma, depois de
poucos passos já se bate em firme rocha natural.
[...] A uns mil passos de distância desta cavidade
localiza-se, coberta por uma camada removível de
musgo, a verdadeira entrada da construção, [...]
Vivo em paz no mais recôndito da minha casa.

Norberg-Schulz (1985) afirma que por meio da casa física é que


se faz parte do mundo. A casa, segundo Milton Santos (2002, p. 322),
traduz pragmaticamente as ações no mundo exterior, “[...] do qual lhe
vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas”. É então, o
meio para a atuação no mundo, passando a funcionar como um veículo
de comunicação. Rapoport (1969) atribui também a casa, a comunicação
não verbal do objeto construído e habitado. Afinal, a forma construída
do espaço habitado afeta o comportamento e os modos de vida de seus
usuários, com a incorporação física dos padrões de comportamento de
seus habitantes, incluindo seus desejos e motivações.
A casa é o local físico que se escolhe para praticar as ações mais
privativas. O ato de habitar doméstico é uma atividade que envolve
relações no espaço. Dessa maneira, há representações concretas –
118

objetivas relacionadas a ela, bem como subjetivas. Isso porque, “[...] por
essa estrutura física e cercados dos objetos que trazemos do mundo
exterior e nela inserimos, encontramos apoio no nosso dia-a-dia
doméstico; sentimo-nos, enfim, em casa” (CAMARGO, 2007, p. 64).
Além da proteção, a casa permite a análise também, do
intangível, compreendido no sentido da integração do homem com esse
ambiente construído, ou seja, a realidade vivida, onde atuam
concomitantemente a vida e a cultura, os interesses espirituais e as
responsabilidades sociais. Zevi (2002) ao tratar do assunto, afirma que
na Arquitetura, diferente das Artes Plásticas, a dimensão subjetiva das
emoções e impressões psicológicas não seria uma qualidade própria do
objeto, mas um “fenômeno totalmente distinto e concreto”, que requer
experimentação para que aconteça, afinal o espaço arquitetônico sem
uso não desperta sensações. Quando o homem estabelece aproximações
com a casa, mesmo quando apresenta aspectos materiais, há associações
emocionais e psicológicas que envolvem as experiências vividas nesse
espaço. Como reforça Camargo (2007, p. 67-68):

Muitas vezes, passa-se um longo período da vida


buscando-se reencontrar, em novas casas, as boas
impressões que um habitar doméstico da infância
deixou marcadas no íntimo de uma pessoa – ou,
tentando-se evitar reviver alguma experiência
doméstica especialmente dolorosa.

É possível afirmar que a casa e seus objetos, junto ao uso


humano, formam uma relação simbiótica que traz a verdadeira essência
do habitar doméstico. O exemplo que constata essa reflexão é trazido
por King (2004) ao tratar do esvaziamento de uma casa após o
falecimento de seu proprietário. Ao retirar objetos, há um processo de
“desanimação”, que torna difícil a localização das memórias que ali
estiveram. Aquele espaço, inicialmente “cheio das suas coisas, tal como
fora até a última vez em que a vira”, tornava-se, aos poucos, um lugar
“frio e antisséptico”, transformando a casa – objeto concreto – num
espaço que poderia ser de qualquer outra pessoa. Assim, cada casa
possui significados pessoais atribuídos a ela, em razão das experiências
ali vividas; e o papel da estrutura física vai além do abrigar,
acomodando objetos e situações.
Sobre os valores subjetivos, não é possível que se mensure quais
e como será essa valoração. Ainda que culturalmente, atribuam-se
importância aos objetos, é o homem quem dá “alma” e transforma sua
119

identidade. Acerca disso, é importante afirmar que ao longo do tempo, a


vivência com o objeto – a casa – também se transforma, atribuindo
maior ou menor grau de importância. Quando se habita novos
ambientes, incorpora-se à estrutura física novos valores sociais (King,
2004), o que não impede que sejam resgatadas memórias de casas já
passadas (a casa da infância ou dos avós, por exemplo). Esse novo
processo inicia como o objeto concreto – o volume arquitetônico -
deixando de ser visto apenas pelas características geométricas, como
uma “caixa inerte” e revelando-se como a “essência da noção de casa”
(BACHELARD, 1998).

Construímos “paredes” imaginárias, “com


sombras impalpáveis”, reconfortando-nos com
tais “ilusões de proteção”. Ou, inversamente,
também podemos sentir-nos amedrontados diante
dos mais grossos muros e “duvidar das mais
sólidas muralhas”. Com isto, nossa casa passa a
existir para nós, seres abrigados, não apenas no
sentido linear do dia-a-dia, no curso da história de
sua existência. Em uma relação de eterna
dialética, passamos, assim, a vivê-la
simultaneamente “em sua realidade” e – através
do pensamento e dos sonhos – “em sua
virtualidade” (BACHELARD, 1998, p. 24-25).

A vivência contínua permite que o ambiente construído apresente


sua complexidade, através de recantos e nichos identificáveis e
responsáveis por ampliar a compreensão da casa. Reconhecem-se
aspectos além do concreto, porque a casa passa a abrigar sonhos,
segredos e particularidades (BACHELARD, 1998). Ao longo do tempo,
até mesmo dos desgastes do uso se tornam aspectos de valoração
(BOLLNOW, 2008). A casa é “o arquivo” de testemunhas das histórias
de vida de seus proprietários. O espaço doméstico torna-se uma espécie
de cenário no qual a autoimagem é projetada através de objetos que se
controla. “[...] tal como a exploração do self, a organização interna da
casa está frequentemente em um processo de tornar-se” (MARCUS,
1995, p. 57).
A casa é percebida então como habitada. Torna-se um objeto
significado, com uma entidade particular e única, capaz de acolher e dar
apoio emocional (CAMARGO, 2007), “[...] encontramos conforto, no
sentido lato da palavra: animar, confortar, consolar” (CAMARGO,
120

2007, p. 88). O entendimento de conforto surge como uma função


compensatória da busca pelo restauro físico e psicológico.

Nossas casas falam por nós, sobre como somos, e


sobre nós para os outros; se formos honestos, elas
também nos dirão quem e o que nós queremos ser.
As casas, portanto, também podem ser vistas
como um espelho que erguemos para nós mesmos
(KING, 2004, p. 78).

Dentro dessas experiências subjetivas, o próprio cotidiano é


importante para o caráter de normalidade. Essa realidade permite
compreender a rotina e os territórios como garantidos. Lefèbvre (1991,
p. 26) afirma que o cotidiano parece um conjunto modesto de atividades,
se considerado a outras funções desempenhadas pelo homem. No
entanto, constitui uma primeira esfera de sentidos, “movimento
composto de variados momentos (necessidade, trabalho, gozo [...],
passividade e criatividade)”, através do qual, necessariamente, lançamo-
nos para realizar o possível ou “a totalidade dos possíveis”. Nessa
compreensão, o cotidiano é formado pela rotina diária de atividades, no
qual o território é invariável ou pouco alterado. Norberg-Schulz (1985)
afirma ainda, que o cotidiano vivido nas casas representa o que é
contínuo na vida. Nesse sentido de segurança há sentimentos de
ansiedades, quando as rotinas são rompidas ou eliminadas (GIDDENS,
2002). A proximidade entre rotina e segurança surge na infância como
relevante ao desenvolvimento humano. Dessa maneira, na própria casa,
é preciso encontrar: acolhimento e segurança para atingir os objetivos e
também, o necessário distanciamento do mundo externo.

[...] é justamente por isto que aquilo que é


previsível, conhecido e vivenciado tão
intimamente por cada um de nós, ao qual
aplicamos as nossas próprias fórmulas de
interação com o meio em que nos inserimos,
torna-se, em determinadas circunstâncias,
desejado ou até mesmo necessitado. Quer dizer, o
que vivemos cotidianamente, esperamos continuar
vivendo; queremos que as coisas aconteçam sem
novidades, para que, confiantes daquilo que as
conhecemos e controlamos, possamos atingir o
bem-estar da forma que nos é particularmente
mais familiar (CAMARGO, 2007, p. 150).
121

Acredita-se que a casa possui o caráter essencial de acolhimento,


mas também de refugiar significados atribuídos. A “simbiose” das
representações objetivas e subjetivas dá a esse ambiente construído o
papel de restaurador. À medida que se vivencia o cotidiano no habitar,
há a incorporação de valores e significados que fazem o espaço possuir
caráter particular, individualizado para seus habitantes. O ambiente
construído deixa de ser um espaço e transforma-se em lugar. Esse é
compreendido a partir da visão de Norberg-Schulz (1985): “mais do que
uma localização abstrata”; implica a perda das experiências concretas, é
o “retorno às coisas”. Através do habitar doméstico, praticado no
cotidiano, transforma-se o sentido de casa para um espaço habitado, rico
de significados, onde o sentido de liberdade e a posse são pontos
fundamentais e que se materializam através das regras de uso:
privacidade e territorialidade.
A privacidade doméstica é tão importante para o bem-estar
humano que foi reconhecida como direito em 1948, na Declaração
Universal dos Direitos Humanos. No Brasil, é amparada é pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Estas
legislações, ao tratarem da vida privada e intimidade, abarcam a
expressão genérica de “direito à privacidade”, considerando aspecto da
esfera íntima pessoal. Na visão da Psicologia Ambiental, a privacidade é
“[...] o controle seletivo do acesso à intimidade de uma pessoa, ou ao
grupo desta pessoa” (ALTMAN et al., 1980, p. 18), entendendo por
controle seletivo aquele que permite ou restringe. Ao observar esse
controle junto às condições culturais, é possível afirmar que há
diferentes formas de praticar a privacidade e que algumas culturas
necessitam mais do que outras. Gifford (1997) afirma que a privacidade
seria um estado de espírito, que envolve – e até mesmo requer –
cortesia, tato, reserva e respeito, diante de uma vida não vedada por
paredes. Essas particularidades influenciam o modo de habitar
doméstico. Nas instituições de acolhimento, por exemplo, a visão do
assistencialismo faz com que o entendimento do “sentir-se em casa” seja
a manutenção dos internos com segurança física, alimentação de
qualidade e um ambiente com higiene.
Independente das condições de propriedade que se tem no
ambiente habitado, é sempre ali que se pode praticar o mínimo de
intimidade, atribuindo a esse espaço o caráter privado e confidencial.
“Independentemente de toda a ameaça exterior, seria, de fato, a
necessidade de estar só, consigo mesmo, o que moveria o homem a se
retirar para sua casa e a se fechar nela” (BOLLNOW, 2008, p. 145). Na
intimidade, experimenta-se a possibilidade de praticar ações de cunho
122

íntimo, sem que haja necessidade de justificá-las. Bollnow (2008)


afirma que o homem adquire duas essências: uma privada e outra
pública. Desta maneira, o que se permite mostrar ao público é distinto
do que se faz na privacidade. King (2004, p. 40-41) completa:

Avançarmos, além disso, seria destruir o habitar


doméstico, cujo ritmo seria inevitavelmente
afetado pela nossa presença [...] O que fazemos
em nossas pequenas caixas de tijolos, procuramos
manter privado, e queremos partilhar apenas com
aqueles que conhecemos bem.

A distinção entre o que é público e o que é privado é


compreendida por Bollnow (2008) pela concepção da porta e da janela.
A porta permite o livre acesso daqueles que pertencem ao ambiente, ou
a intromissão daqueles que não são permitidos. A janela, ao contrário, é
aberta e assim apresenta ao exterior o que deve ser visto e quando se
entra na casa por ela, viola-se o espaço. A partilha desses canais de
intimidade, fará com que as pessoas desfrutem não apenas do cotidiano,
mas dos sentimentos ou questões ligadas ao próprio corpo. Essas
pessoas não são impedidas de presenciarem emoções profundas ou
intimidades como o banho, por exemplo. Todavia, assim que se deixa de
conviver, toda a privacidade e intimidade existentes diminuem ou
deixam de existir.
A privacidade não aparece somente na relação interior e exterior,
acontece também, em relação às pessoas com quem se compartilha o
habitar doméstico, havendo controle do espaço e da partilha de
informações. Segundo Gifford (1997), as principais reações
comportamentais a essas situações têm o caráter de: protesto; expressão
da opinião; determinação para permanecer no local apenas o mínimo
necessário para concluir as atividades que têm de ser realizadas ali; e
fuga psicológica ou adaptação, seja pela busca de melhor interação com
as outras pessoas, ou pela tentativa de fazer o espaço físico o mais
confortável possível.
Arendt (1999) confirma a importância da privacidade para a
existência humana, como “um lugar só nosso, no qual podemos nos
esconder”, o que considera o único modo eficaz de se garantir a
preservação do que está e deve permanecer oculto. É também, na
privacidade que se reflete sobre o rumo das vidas, extravasando as
emoções contidas pelas convenções sociais (GIFFORD, 1997). “[...]
mesmo considerando as mais agradáveis e prazerosas experiências que
123

possamos viver em nosso habitar lá fora, não raro, precisamos dar “um
passo atrás” e avaliar – em privacidade – o que elas realmente
significam para nós” (GIFFORD, 1997, p. 182).
Gifford (1997) observa que as crianças também, necessitam de
intimidade física. À medida que elas crescem, aumenta a necessidade de
reserva (de estar a sós). O conflito entre a necessidade de privacidade e a
falta de autonomia para alcançá-la é na pré-adolescência, entre os oito e
doze anos. Na adolescência, a compreensão vai além da solidão para a
possibilidade de intimidade com outras pessoas. Marcus (1995)
corrobora, apontando a função dos esconderijos que a criança inventa no
exercício de criar privacidade, escondendo-se embaixo de mesas, por
exemplo. “Tenham esses esconderijos sido “achados” ou construídos,
todos eles servem a propósitos sociais e psicológicos semelhantes: são
lugares nos quais a separação dos adultos foi buscada” (MARCUS,
1995, p. 24-25). Segundo Marcus (1995), é nesse momento que se dá
início ao entendimento do habitar doméstico com o reconhecimento da
necessidade humana de reivindicar um espaço, um lugar no mundo. A
privacidade e também, o território doméstico ainda são relacionados à
preservação de particularidades subjetivas – do desenvolvimento da
identidade, da liberação de emoções, do cultivo de relações afetivas.
É importante destacar que há um período de tempo para a pessoa
reconhecer-se no espaço – abrigo - e transforma-lo em lugar - casa.
Tuan (1983) completa que não é algo instantâneo, mas um processo
resultante do conjunto singular de experiências, as quais se repetem
cotidianamente. Afirma-se que a permanência no local, é um importante
elemento para a constituição da ideia de lugar, especialmente quando há
experiências com os objetos. “Com o tempo uma nova casa deixa de
chamar nossa atenção; torna-se confortável e discreta como um velho
par de chinelos” (TUAN, 1983, p. 203). O mesmo autor ressalva que a
ausência de determinadas pessoas no local em que se vive, pode fazê-lo
perder o significado de lugar, sendo a permanência motivo de tristeza e
irritação, ao contrário de conforto. Relph (2004 apud Camargo, 2007)
completa que: não considera suficiente a lista de características
materiais, normalmente associadas à ideia de lugar. Para o autor (2004
apud Camargo, 2007), implica também em ideias imateriais, de se “estar
aqui e não lá; seguro, ao invés de ameaçado; envolvido, ao invés de
exposto, à vontade, ao invés de estressado”. Ainda em relação à dialética
de Relph (2004 apud Camargo, 2007) definem-se duas categorias
relacionadas à questão do habitar doméstico: “insideness” e
“outsideness”.
124

O insideness existencial: Sentido mais intenso da


experiência de lugar, seria a condição de imersão
profunda em relação a esse lugar – condição que
pode ser relacionada corriqueiramente aos atos de
encontrar-se em casa, de estar em meio à própria
comunidade e/ou região; ou seja, de se ver
inserido em meios relacionados ao sentimento de
apego e pertencimento e identidade.
O outsideness existencial: Oposto ao sentido de
insideness, este conceito refere-se à percepção de
estranhamento e alienação, tal como o que
sentimos ao recém-chegarmos a um lugar, ou
quando alguém, após ter estado longe de seu lugar
de nascimento, retorna e se sente um estranho
pelo fato de o lugar não ser mais o mesmo que
conhecera (RELPH, 2004 apud CAMARGO,
2007, p. 176).

Dessa maneira, a privacidade e o território doméstico aparecem


como reguladores espaciais que estabelecem com o ambiente construído
um desdobramento da concepção de Heidegger (2002) em relação ao
habitar doméstico, colocando a casa ancorada em representações
concretas e subjetivas. Essa casa é conectada através do tempo e da
memória dos seus habitantes, como um local distinto e protegido do
ambiente externo. Onde as regras de privacidade estão livres de filtros
culturais, sociais; e o território é seu e facilmente identificado, onde há
relaxamento e não é necessário um controle contínuo dos limites.
A casa torna-se um lar quando há relações interpessoais, com
identidade e apego, intimidade protegida e uma série de significados e
lembranças, em que os usuários se preocupam uns com os outros.
Torna-se um espaço fechado e humanizado, dotado de valores e
sentimentos. A palavra lar corresponde a uma corruptela de lareira, que
para o homem primitivo era elemento inseparável da habitação e
permitia a reunião dos integrantes do clã familiar. O fogo – representado
por Héstia, a deusa grega do lar – associa-se à casa para representar a
criação de um lar, que através de sua chama transpassava a imagem da
fertilidade e a metáfora da vida. O fogo é a alma da casa, sendo um
símbolo da fertilidade feminina e da vida, chama sagrada e benéfica
(MIGUEL, 2002). O lar é, portanto, uma condição complexa que integra
memórias construídas, rituais e rotinas.
Dessa maneira, se a casa é uma pele que permite dissociar-se do
exterior; o lar é uma pele coletiva, cujo foco é a integração pessoal,
125

familiar e que nessa pesquisa, não será abordado por entender que laços
familiares, de origem ou construídos, não podem ser garantidos num
abrigo institucional, mesmo que haja relações interpessoais saudáveis; e
também, estão além dos alcances da Arquitetura.
A casa, enquanto lugar de apego, intimidade protegida, carregada
de significados e lembranças, é capaz de confortar o homem. É um lugar
onde a hierarquia dos espaços corresponde às necessidades; onde uns se
preocupam com os outros; um espaço fechado e humanizado, dotado de
valores e sentimentos. Assim, para descobrir como a Arquitetura pode
contribuir para que os abrigos institucionais se tornem casas que
efetivamente acolham, fazendo crianças e adolescentes sentirem-se
pertencentes a um lugar, mesmo que provisoriamente, o capítulo a
seguir descreve os procedimentos metodológicos utilizados
especialmente no estudo de caso.
127

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo é exposta a descrição pormenorizada (etapas,


aplicação, validade e tratamento dos dados) dos procedimentos
metodológicos adotados no desenvolvimento da pesquisa, que propõe
estudar as relações humanas (de crianças e adolescentes internos e
funcionários) com o ambiente construído em abrigos institucionais.
Estes, por acolherem pessoas carregadas com sentimentos instáveis e em
situação de vulnerabilidade, precisam de enfoque investigativo
qualitativo, de caráter exploratório e descritivo, permitindo assim, a
compreensão dos significados que cada um dos indivíduos dá às suas
próprias ações no ambiente construído vivenciado.
Para poder refletir sobre as situações apresentadas, os
procedimentos metodológicos estruturam-se na abordagem
multimétodos, observando e analisando significados e intenções
contidas nas ações, produções e transformações humanas no ambiente
construído do abrigo institucional. Considera-se o enfoque da
investigação qualitativo, pois o resultado esperado não consiste na
simplificação de valores ou estatísticas, mas na análise das relações,
processos e fenômenos com profundidade, sem operacionalizar
variáveis, mensurar dados ou generalizar as informações, corroborando
com a visão da pesquisa social de Minayo (2009).
A abordagem de análise do ambiente construído é informativa (de
um tema pouco estudado no cenário brasileiro), orgânica (na intenção de
servir à causa dos direitos da criança e do adolescente no Brasil) e
reflexiva (sobre o papel da Arquitetura como elemento relevante no
estabelecimento de relações humanas e nesse caso, desconsiderado tanto
pela legislação vigente e quanto pela prática). Na pesquisa, o uso de
multimétodos tem a intenção de diminuir o viés inerente à adoção de um
único procedimento de coleta e viabilizar uma visão holística do
problema, com complemento dos resultados entre si, eliminando
possíveis falhas.

3.1 ESTUDO DE CASO ÚNICO

A pesquisa de abordagem multimétodos e caráter exploratório


permite o aprimoramento de ideias e até mesmo, a descoberta de novos
fatos, com maior flexibilidade no uso dos procedimentos metodológicos.
128

Na avaliação da realidade, optou-se pelo “estudo de caso único”50,


conforme recomendações de Yin (2005). A instituição escolhida é
considerada representativa, para alcançar os objetivos da pesquisa, pelas
seguintes razões:
a. A instituição foi especialmente projetada para o uso como
abrigo institucional, ao contrário da maioria brasileira, que são
construções já existentes e adaptadas, permitindo, assim,
compreender efetivamente o papel da Arquitetura no contexto
desta realidade, tornando-se um caso exemplar;
b. A natureza do programa de acolhimento na modalidade abrigo
institucional é pública (municipal). Dessa maneira, a
instituição deve estar no mínimo, em consonância com as
obrigações legais descritas pelo ECA (BRASIL, 1990);
c. A instituição não possui vínculos religiosos, evitando que
dogmas influenciem nos resultados observados;
d. O programa de acolhimento na modalidade abrigo
institucional existe a mais de cinco anos, permitindo a
investigação de crianças e adolescentes com períodos longos
de internação. Reitera-se que a Legislação Brasileira (ECA e
Lei da Adoção) considera períodos de institucionalização
maiores que dois meses como como longos e superiores a dois
anos, como excepcionais;
e. O programa de acolhimento na modalidade abrigo
institucional existe a mais de cinco anos, permitindo a
investigação de crianças e adolescentes com períodos longos
de internação. Reitera-se que a Legislação Brasileira (ECA e
Lei da Adoção) considera períodos de institucionalização
maiores que dois meses como longos e superiores a dois anos,
como excepcionais;
f. O programa de acolhimento na modalidade abrigo
institucional está localizado em área urbana, inserindo-se no
modelo de instituição mais comum no cenário brasileiro,
conforme De Assis e Farias (2013);
g. O programa de acolhimento na modalidade abrigo

50
Segundo Yin (2005), o estudo de caso é uma estratégia de pesquisa que se apropria de
uma série de instrumentos e permite examinar acontecimentos contemporâneos sem
manipular comportamentos. A decisão de caso único é justificável quando é: (a) um teste
crucial da teoria existente; (b) uma circunstância rara ou exclusiva, ou (c) um caso típico
ou representativo, ou quando o caso serve a um propósito (d) revelador ou (e)
longitudinal. Considera-se essa pesquisa incluída no item “c”, como é apresentado no
corpo do texto.
129

institucional atende crianças e adolescentes de ambos os


sexos, entre zero e dezoito anos, permitindo a reflexão do
ambiente construído, a partir da variedade de gêneros e
idades;
h. O programa de acolhimento na modalidade abrigo
institucional está localizado em município que corresponde à
segunda posição (médio porte) no universo com maior número
de instituições, segundo pesquisa apresentada por De Assis e
Farias (2013).
Para a validade do estudo de caso com abordagem qualitativa, é
importante que haja consciência inicial acerca da não existência de
neutralidade na figura do pesquisador; ao contrário, há a presença do
mesmo. Como lembra Minayo (2009, p. 13-14), “[...] A visão de mundo
de ambos [pesquisador e seu campo através dos pesquisados] está
implicada em todo o processo de conhecimento, desde a concepção do
objeto aos resultados do trabalho [...]”. Consciente disso, o uso de
multimétodos permite a triangulação (CHO; TRENT, 2006) dos dados
coletados, validando o conhecimento a partir do conflito de
interpretações e ações. Assim, não apenas o que o pesquisador produz se
torna importante, mas também suas próprias ações, com destaque para
sua integridade ética na coleta, análise e apresentação de resultados
(OLIVEIRA; PICCININI, 2009).
Ainda sobre a validade da pesquisa, assumem-se as seguintes
posturas sugeridas por Kvale (1995): (01) na problematização do
assunto, por meio da coerência entre a base teórica utilizada e o enfoque
dado; (02) na estruturação da pesquisa, com a adequação do desenho dos
procedimentos metodológicos usados para cada objetivo; (03) na coleta
de dados e interpretação do que foi coletado, amparando-se criticamente
na teoria. Cho e Trent (2006) afirmam ainda, que a relevância de um
estudo de caso como o desta pesquisa, é determinada pelas ações de
transformação da realidade social. Nesse caso, o cenário brasileiro é de
ausência de reflexões críticas e aprofundadas sobre o ambiente
construído institucional.
Outro fator importante é a reflexividade na pesquisa qualitativa.
Para Guillemin e Gillan (2004), é o caminho para o pesquisador
analisar, questionar e algumas vezes, reposicionar-se nos temas e
situações. Nesse entendimento, a pesquisa busca o rompimento com as
generalizações sobre o abrigo institucional e seus usuários, sendo
consciente e comprometida com sua forma de construção de
conhecimento ao compreender o papel do ambiente construído. Dessa
maneira, segundo Bourdieu (2007), o pesquisador deixa de ser um
130

sujeito neutro e é chamado a refletir e agir sobre o tema e o


conhecimento, tornando-se menos técnico e mais ético. Considerando as
bases do conceito grego de “phronesis”51, que é o conhecimento prático
aplicado de forma ética e não apenas empírico. A reflexividade nessa
pesquisa, propõe um saber público e social, apresentando condições de
preservar, enquanto sabedoria prática, a universalidade dos valores
éticos, sociais e estéticos que atuam no processo formativo do ambiente
construído e das relações nele estabelecidas.

3.2 PESQUISA MULTIMÉTODOS

A interdisciplinaridade adotada na pesquisa, ocorre pela


compreensão da Arquitetura não somente como projeto em si, mas a
interação do usuário com o meio e toda a complexidade que é
estabelecida nesse processo. Na coleta de dados, utilizam-se
instrumentos provenientes das Ciências Tecnológicas, Exatas, Sociais e
Sociais Aplicadas. Ressalva-se que não há intenção de sobrepor
observações de outras áreas do conhecimento que não a Arquitetura, por
exemplo, interpretando as questões psicológicas.
Ao compreender que, para a qualidade do habitar doméstico, é
importante observar o ambiente construído e os usuários, “[…] quer
observados individualmente, quer dentro do contexto, identificando os
aspectos sociais, culturais e psicológicos existentes” (KENCHIAN,
2011, p. 50), realiza-se a busca para identificar procedimentos
metodológicos que agreguem resultados interessantes à pesquisa, a
partir de uma visão qualitativa. Define-se, então duas etapas: na
primeira, a pesquisadora utiliza métodos em que não há contato
intencional com os usuários e possui o objetivo de analisar o ambiente
construído tendo em vista fatores técnicos – construtivos, funcionais e
comportamentais e um segundo momento - etapa dois - onde o objetivo
é “dar voz” aos internos (crianças e adolescentes) e funcionários,
compreendendo sua relação com o ambiente construído e anseios para o
mesmo.

51
Segundo Aristóteles, a “phronesis” é a sabedoria prática. Um esforço de reflexão, uma
ciência que não se limita ao conhecimento, pois pretende melhorar a ação do homem,
tendo como objetivo descrever claramente os fenômenos das atividades humanas,
principalmente pelo exame dialético das opiniões dos homens sobre esses fenômenos e
não apenas, descobrir os princípios imutáveis dos atos humanos e as suas causas. Isto é,
considera que, a partir da opinião é possível atingir o conhecimento (ARISTÓTELES,
1973).
131

As duas etapas e seus métodos ocorreram em momentos distintos,


seguindo a ordem de apresentação. A separação deixa evidente as visões
do pesquisador e dos usuários (crianças, adolescentes e funcionários),
mas possui o intuito de se complementarem nas discussões que
constroem as diretrizes. Dessa maneira, pretende-se retomar as bases
gregas de “phronesis”, onde teoria (etapa 01, através das contribuições
do pesquisador) e prática (etapa 02 onde são “escutados” as crianças e
os adolescentes internos e também, os funcionários) são
complementares entre si. Registra-se que a pesquisa ainda contou com
uma etapa introdutória, de aproximação com o lugar e seus usuários, e
outra, final para complementação dos dados, conforme será apresentado
a seguir.
Para análise dos dados coletados, há duas abordagens
suplementares ao estudo – Kenchian (2011) e Barros (2008) –,
escolhidas pela aproximação com a visão holística do ambiente
construído, proposta por essa pesquisa. Ambas possuem a preocupação
na avaliação da qualidade ambiental baseada no usuário, como será
apresentado a seguir. Dessa maneira, acredita-se que a avaliação crítica
dos resultados das duas etapas permite alcançar o objetivo principal da
pesquisa, dando relevância aos aspectos subjetivos (humanizadores), e
possibilitando o melhoramento dos espaços quanto ao atendimento de
necessidades psicossociais e ambientais dos usuários (Infográfico 6), a
partir da construção de diretrizes projetuais.

Infográfico 6 - Procedimentos metodológicos para


investigação do ambiente construído

Fonte: Elaborado pela autora (2017).


132

3.2.1 Etapa introdutória

Antes do início das Etapas 01 e 02 de pesquisa, houve o contato


com o local a ser avaliado (INSTITUIÇÃO52) e seus usuários (crianças,
adolescentes e funcionários). Nessa primeira visita introdutória, foram
esclarecidos os aspectos éticos, ressaltando que a participação seria
voluntária e mediante autorização formal53 (Apêndice 6). Além de
estabelecer o contato inicial, houve a coleta de informações gerais sobre
a INSTITUIÇÃO, identificando: responsáveis legais, a missão, a data de
fundação, os tipos de profissionais envolvidos, as atividades prestadas e
a caracterização dos acolhidos (crianças e adolescentes) (Apêndice 7).
Nesse dia, foi apresentado pela pesquisadora também, um roteiro
dos procedimentos metodológicos. Após compreende-lo, o conselho
administrativo da INSTITUIÇÃO, em consulta com a Vara da Infância e
da Juventude da Comarca a que pertence, decidiu que as atividades de
campo ocorreriam por um período total de seis. A delimitação de tempo
teve, segundo a INSTITUIÇÃO, o intuito de viabilizar a realização das
duas etapas (que serão apresentadas a seguir) e preservar as atividades
internas do cotidiano e as crianças e os adolescentes.
É importante destacar que a INSTITUIÇÃO não definiu qual o
período de duração de cada uma das etapas da pesquisa de campo,
apenas determinou que nos dois primeiros meses, as visitas poderiam ser
diárias e sem a necessidade de aviso prévio. Enquanto nos demais
meses, necessitariam de agendamento. As duas condições prévias da
INSTITUIÇÃO foram que não fossem registradas fotografias das
atividades com os usuários e que os métodos de participação direta das
crianças, dos adolescentes e dos funcionários ocorressem nos primeiros
dois meses. As imagens poderiam ser apenas dos ambientes internos e
externos, mas sem a presença de usuários. Não deveriam ainda, aparecer
imagens das fachadas ou do entorno do edifício, que pudessem
estabelecer alguma identificação da localização, que era sigilosa.
Sob essas condições e com a anuência da pesquisadora, a
estrutura de periodicidade da pesquisa de campo se organizou. A
duração dos trabalhos ocorreu assim: o primeiro mês para a Etapa 01 e o
segundo, para a 02. Os outros quatro meses serviriam para completar os

52
Destaca-se que por solicitação dos participantes, há a denominação genérica. O estudo
de caso é denominado INSTITUIÇÃO e os participantes como: ADULTO 01, 02, ou
CRIANÇA 01, 02, etc.
53
A INSTITUIÇÃO responde legalmente pelas crianças e adolescentes
institucionalizados, dessa forma há um termo assinado pelo representante legal,
permitindo que se realizem as pesquisas com todos os usuários.
133

dados técnicos coletados (medições in loco e fotografias) e para que


fossem realizados outros dias de Observação Participante, mas agora de
maneira esporádica. Recorda-se que a aplicação de métodos com as
crianças, os adolescentes e os funcionários – correspondentes à Etapa 02
da pesquisa - não foi mais permitida nesses meses restantes (Quadro
12).

Quadro 12 - Estrutura da pesquisa de campo.


ETAPA ETAPA DE PESQUISA DE CAMPO (definida pela
INTRODUTÓRIA INSTITUIÇÃO)
Mês 01 Mês 01 Mês 02 Mês Mês Mês Mês
03 04 05 06
Preparação das Etapas Etapa Etapa Complemento de dados técnicos
01 e 02 01 02 e da Observação Participante
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Visto que a escolha prévia dos métodos considerou as visões do


pesquisador sobre o ambiente construído e dos usuários, a etapa que
antecedeu os dois primeiros meses do estudo de campo foi rigorosa,
durando um mês; e teve o intuito de desenhar essas duas etapas de
pesquisa, considerando os critérios apontados no subcapítulo anterior e
também, os meses definidos pela INSTITUIÇÃO. Buscou-se antever
alguns aspectos importantes que poderiam retardar o andamento da
pesquisa, foram eles: a reação dos usuários (crianças, adolescentes e
funcionários) à Observação Participante e aos métodos da Etapa 02, cujo
objetivo seria “ouvir suas vozes”; além de conhecer o ambiente
construído, otimizando o tempo de levantamento in loco e o
preenchimento do Roteiro de Caracterização (método que será
apresentado a seguir).
Para atenuar a reação de estranheza, que poderia existir pela
presença da pesquisadora na INSTITUIÇÃO, uma estratégia foi realizar
visitas subsequentes ao contato inicial, mas sem intenção de pesquisa. A
aproximação com o ambiente institucional foi, portanto, gradativa e teve
como meta adquirir empatia e confiança para a participação dos usuários
nos procedimentos metodológicos das Etapas 01 e 02. Tal atitude foi
utilizada para minimizar o constrangimento nas declarações,
ocasionadas muitas vezes no “mal do institucionalizado” (SOMMER,
1973), já apresentado nos capítulos introdutório e no referencial teórico.
Para o término dessas aproximações, a delimitação de tempo foi
empírica, ocorrendo quando a presença da pesquisadora não mais
alterava as atividades cotidianas, segundo sua própria percepção. Nessa
134

pesquisa, foram 05 dias consecutivos, cada dia por uma hora, que
alternaram entre manhãs e tardes.
Durante essas visitas de aproximação, a pesquisadora participou
das atividades de lazer que aconteciam, por exemplo: assistindo
televisão, brincando de bola; das atividades de estudo, ensinando algum
conteúdo escolar, fazendo trabalhos manuais; da preparação das mesas
para os lanches, auxiliando os funcionários. Ressalva-se que sua
participação aconteceu quando requerida. No primeiro dia, só ouve
solicitação no término do período de visita, sendo feita por um dos
funcionários, para que se juntasse ao grupo e brincasse. Nos demais, a
participação era solicitada no início da visita, tanto por internos, quanto
por funcionários. Nesse período, não foram feitas perguntas referentes
ao ambiente construído para nenhum dos usuários (crianças,
adolescentes ou funcionários); e a pesquisadora não levava consigo
nenhum objeto de registro, como máquinas fotográficas, pranchetas e
cadernos.
A postura participativa, mas sem ser invasiva, da pesquisadora
nas atividades do cotidiano, auxiliou também, no reconhecimento e
entendimento do ambiente construído, facilitando o trabalho (posterior)
de preenchimento dos quadros de levantamento do Roteiro de
Caracterização. Além disso, fez com que, ao término desses cinco dias,
alguns internos identificassem a pesquisadora como um funcionário e,
portanto, pediam sua participação para auxiliar ou servir de companhia.
Os funcionários, por sua vez, conversavam sobre amenidades e também,
apontavam questões do ambiente construído, visto que já estavam
cientes da formação da pesquisadora e de seu objeto de estudo.
Há de se ressaltar que não foi interesse da pesquisadora fazer-se
parte efetiva do grupo, afinal como reitera Whyte (1971), a
transformação do pesquisador em “nativo” não se verificará, ou seja, por
mais que se pense inserido, sobre ele paira sempre a “curiosidade”,
quando não a desconfiança. Por conseguinte, nessa pesquisa, é possível
destacar a curiosidade inicial que foi transformada em empatia,
permitindo a passagem para a próxima etapa de trabalho, a aplicação das
Etapas 01 e 02, apresentadas a seguir.

3.2.2 Etapa 01

3.2.2.1 Observação participante

Passada a etapa introdutória, a Etapa 01 iniciou com a


Observação Participante, que consiste no reconhecimento de maneira
135

mais casual, comumente empregado em estudos exploratórios, contudo,


não é totalmente espontânea e sempre há o mínimo de intencionalidade
(RUDIO, 2007). Na pesquisa, o objetivo foi compreender os ambientes
construídos do abrigo institucional durante o seu uso, a partir das
vivências. Justifica-se a escolha da Observação Participante mediante a
compreensão da importância de interpretar o usuário e seu discurso, de
modo a se situar diante dele; devido à possibilidade de se captar uma
variedade de situações às quais não se teria acesso somente por meio de
perguntas realizadas aos trabalhadores. Geertz (1989) afirma que a
investigação (inclusive a arquitetônica) deve prever aspectos objetivos e
subjetivos, descrevendo e compreendendo fenômenos humanos, seu
ambiente e o próprio ser. Reforçando essa reflexão, a Observação
Participante nessa pesquisa, surge para que se compreenda no cotidiano,
as relações entre os atores – crianças, adolescentes e adultos – com o
ambiente construído, seu uso e sua apropriação.
Em razão da especificidade do tema, a pesquisa não delimitou
onde, no ambiente construído, ocorreriam as observações e nem quem
seriam os usuários necessários para a validação das coletas. Afinal,
mesmo tendo feito a etapa introdutória, não era possível prever quais
ambientes teriam maior uso e apropriação. Essa postura, considera os
apontamentos de Whyte54 (1971), que coloca o pesquisador na
Observação Participante, como desconhecido de antemão de muitas das
informações a serem levantadas.
A escolha dos locais de aplicação do método foi definida então, a
partir de eventos - conflitos55 - ocorridos em cada um dos dias.
Comumente, iniciou no ambiente em que havia maior número de
crianças e/ou adolescentes reunidos, que consequentemente, também,
demandavam maior presença de funcionários para assistência e
monitoria, mesmo que passiva. Da mesma maneira, não foram definidos
quem seriam os usuários observados, porque o objetivo da aplicação
desse método, era investigar crianças, adolescentes e funcionários
realizando suas atividades do cotidiano, sem priorização de nenhum

54
A escolha do livro: “Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre
e degradada” (original de 1943), de William Foote Whyte como referência para a
Observação Participante ocorre porque o autor trabalha o método num contexto e com um
universo de vulnerabilidade social, permitindo aproximações com o objeto dessa
pesquisa.
55
Na pesquisa, “conflito” é compreendido como toda alteração na dinâmica do cotidiano
ou de uma atividade em realização, podendo haver ou não brigas em razão deste fato, por
exemplo: todos assistem a um programa de televisão sentados no sofá; e uma criança
brinca de maneira isolada.
136

deles.
O controle deste instrumento ocorreu a partir da periodicidade.
Definiu-se que as observações aconteceriam durante três eventos: (01)
cotidiano semanal sem visitas, (02) cotidiano semanal com visitas e (03)
cotidiano com datas especiais (e.g. aniversários e dia das crianças).
Delimitou-se, também, o horário e o tempo de observações: manhãs
(entre 07h00min e 09h00min) e tardes (12h00min e 14h00min). A
escolha desses períodos, permitiu observar as atividades de
permanência, as chegadas e as partidas, além das refeições,
contemplando o cotidiano doméstico e avaliando os diferentes
contextos: o “dia comum” e o “dia especial”. Registra-se que não houve
autorização para presença noturna e nem nos finais de semana56.
As observações duraram um mês, num total de vinte visitas
ininterruptas (cinco vezes por semana, nos dias úteis, e em períodos
alternados entre manhã e tarde). Para delimitar a suficiência dos dados e
encerrar a aplicação do método, foi utilizado o “critério de saturação”
(POLIT; HUNGLER, 1995), que considera cessado os trabalhos no
momento em que as informações se mostram reincidentes, dando sinais
de exaustão. Ao término da terceira semana, quando se procedeu o
início das leituras do material, a saturação foi afirmada, através da
repetição de conflitos (por exemplo: discussões acerca dos lugares na
mesa durante as refeições). Optou-se mesmo assim, por realizar a quarta
semana e observações, confirmando a saturação. Registra-se que se
considera as visitas anteriores realizadas na etapa introdutória - sem
comprometimento com a investigação – como fundamentais para
habituar os usuários da presença da pesquisadora e por isso, as
informações coletadas foram consideradas válidas e relevantes desde o
primeiro dia da aplicação do instrumento.
Destaca-se que o mês antecedente ao início da aplicação desse
método, e as visitas introdutórias permitiram determinar que: (01) o
início das observações ocorreria a partir dos conflitos; (02) que todos os
usuários deveriam ser considerados; e (03) que o controle seria pela
periodicidade. Outra decisão foi que durante a aplicação do método, a
pesquisadora permanecesse no ambiente, apenas observando ou
interagindo com algum usuário (criança, adolescente ou funcionário),
quando este solicitava a atenção. A intervenção em algum conflito,
ocorreria apenas em caso de risco à criança ou ao adolescente, ou por

56
A noite e nos finais de semana, o número de funcionários se altera em razão das
atividades realizadas. Por isso, a INSTITUIÇÃO preferiu que as observações ocorressem
nos períodos diurnos e nos dias úteis.
137

solicitação de algum funcionário. Tal decisão pautou-se também, nas


práticas de Observação Participante de Whyte (1971), onde ouvir,
escutar e ver são fundamentais para o bom andamento e a menor
intimidação dos pesquisados. É possível afirmar que nessa pesquisa,
“estar” foi mais importante do que “ser” e “agir”. Dos dias de
observação, apenas em dois foi necessária a intervenção da
pesquisadora, num por risco iminente de acidente doméstico e noutro,
por solicitação do funcionário para evitar uma discussão entre os
internos (duas adolescentes). Em ambas, ocorreu através de diálogo.
Os registros das observações foram feitos na forma de diário
escrito-gráfico, realizados fora do ambiente institucional, imediatamente
após o término de cada dia de observação (Figura 8). O registro
fotográfico foi realizado apenas na primeira semana, e posteriormente,
descartado, porque se percebeu a mudança na dinâmica do conflito,
sempre que o recurso era acionado. O diário tornou-se a opção mais
adequada, sem se tornar invasivo, evitando a sensação explícita de estar
sendo observado, que geraria ansiedade por parte dos gestores para que
não houvesse nenhum conflito considerado negativo (e.g. brigas ou
discussões) ou condicionamento em atividades e ações na expectativa de
registros pela pesquisadora (Apêndice 8). Tal postura acredita-se,
corrobora para validade da pesquisa, como discutido anteriormente.

Figura 8 - Página do diário escrito-gráfico, com


observações feitas num dos dias da atividade

Fonte: Elaborado pela autora (2017).


138

O diário foi composto por uma parte descritiva dos fatos e das
atividades, com algumas falas dos usuários e também, as sensações do
pesquisador perante os conflitos observados (e.g. incômodo, alegria). A
parte reflexiva possui comentários pessoais da pesquisadora, incluindo
pontos a serem esclarecidos nos meses seguintes, e algumas reflexões
sobre os usuários para serem consideradas nos procedimentos
metodológicos que ainda seriam aplicados. Essa postura permitiu
perceber que os métodos da Etapa 02 deveriam ser mais dinâmicos e
com maior ludicidade, visto que as crianças e os adolescentes
respondiam positivamente às atividades cotidianas com essas
características.
Os itens observados e registrados consideraram as ações (e.g.
higiene), onde aconteciam (e.g. banheiro), quais conflitos aconteciam
(e.g. necessidade de privacidade e de auxílio para tomar banho), porque
aconteciam (e.g. falta de mobiliário ergonômico) e quem as fazia (e.g.
criança). A leitura dos dados obtidos na Observação Participante, foi
feita considerando a frequência de cada um dos registros, por exemplo:
quantas vezes as ações ocorriam, sendo apresentado em forma de
gráfico de frequência e por representação escrita (MARCONI;
LAKATOS, 2010), criticamente embasada pela teoria, como será
apresentado no capítulo seguinte.

3.2.2.2 Roteiro de caracterização

Ainda na Etapa 01 de pesquisa, foi aplicado com adaptações, um


instrumento desenvolvido por Kenchian (2011) chamado de Roteiro da
Caracterização Funcional do Projeto de Habitação, ou resumidamente,
Roteiro de Caracterização. No estudo bibliográfico sobre o habitar
doméstico, obteve-se contato com as abordagens de análise de Kenchian
(2011) para a investigação da casa. O autor em sua tese de doutorado
propõe que se estude o ambiente construído doméstico a partir dos itens:
determinação das funções de uso e atividades funcionais; classificação e
análise do usuário e da família; discriminação de mobiliário e
equipamentos; classificação e análise dos ambientes e espaços
funcionais; e determinação de tipologias de habitação pelos tipos
familiares (KENCHIAN, 2011).
A determinação e caracterização de uso e atividades funcionais
considera o usuário em cada ambiente, levantando e analisando dados
referentes: ao grupo de atividades, às ações principais e secundárias, a
frequência e o tempo de duração da atividade, a relevância da atividade e
se o ambiente é adequado ou não ao uso que se propõe. A classificação e
139

análise do usuário é feita através da identificação dos biótipos


predominantes, relação familiar, idade, sexo e capacidade física (se
deficiente). A discriminação de mobiliário e equipamentos relaciona as
funções e atividades desenvolvidas na moradia. A determinação de
tipologias permite compreender, se é possível definir arranjos espaciais
que caracterizem a funcionalidade requerida pelo usuário (KENCHIAN,
2011). A escolha do Roteiro de Caracterização para essa pesquisa,
ocorreu porque a leitura espacial se baseia no levantamento desses cinco
critérios apresentados que são extremamente carentes e necessários na
realidade dos ambientes construídos dos abrigos institucionais
(conforme apresentado no capítulo anterior).
O roteiro de pesquisa foi utilizado para caracterizar os seguintes
ambientes da INSTITUIÇÃO: sala de jantar-estar, varanda, quarto das
adolescentes, quarto das meninas, quarto dos meninos, berçário,
banheiros femininos e masculinos, e cozinha. A definição destes
ambientes, ocorreu porque é neles, que ocorrem as principais atividades
do cotidiano, estruturando a tríade do habitar doméstico (setor social,
íntimo e de serviço). Além disso, o Roteiro de Caracterização foi
aplicado após três semanas do início do método de Observação
Participante e já era possível determinar, que tais cômodos da
INSTITUIÇÃO eram de maior importância para os usuários, do que os
demais, conforme os conflitos observados.
Complementando esse roteiro, foram aplicadas as técnicas de
medição in loco e registro fotográfico (Quadro 13). Em razão da
especificidade do objeto de estudo – abrigo institucional – houve a
adaptação do roteiro de Kenchian (2011), sendo ela: a classificação e
análise do usuário e da família, que não foi considerada porque não é
possível determinar tal condicionante num abrigo institucional, visto que
o interno é apenas uma parte da família.
140

Quadro 13 - Roteiro de caracterização funcional do projeto de habitação


IDENTIFICAÇÃO DO CÔMODO
1. Funções de uso e atividades funcionais
Função Social – Íntimo - Serviço
Grupo Funcional de atividades
principais
Zonas de Desenvolvimento
Condições de desenvolvimento
Frequência (em eventos)
Desenvolvimento das
Período
atividades
Usuários
Quantidade de usuários
Localização do ambiente na arquitetura
2. Usuários
Sexo
Idade
Limitação
3. Mobiliário e Equipamentos
Especificação do item
Necessidade de uso
Usuários envolvidos
Características de uso Quantidade requerida
Dimensionamento físico
Espaço para atividades
Acabamentos da arquitetura e do mobiliário
4. Dimensão Comportamental
Privacidade
Territorialidade
5. Dimensão Legal
Expectativa legal
Realidade encontrada
Observações:
Fonte: Kenchian (2011, p. 59) adaptado pela autora.

No item 01 - Funções de uso e atividades funcionais -, são


considerados:
a. Função de uso: devem ser estabelecidas as atividades
relacionadas em uma habitação (setores íntimo, social e de
serviço), definindo os ambientes onde se realizam. O objetivo
141

é determinar mobiliário e equipamentos específicos e


necessários no dimensionamento do ambiente;
b. Desenvolvimento das atividades: consideram-se o período e a
intensidade de uso dos ambientes, que devem ter condições
físicas de espacialidade, instalação de equipamentos,
iluminação e exaustão adequados a rotina. O reconhecimento
da frequência de uso pode estabelecer condições adequadas
para as atividades ocorridas e as relações de flexibilidade de
uso entre os ambientes da habitação.
No item 02 – Usuário -, apontam-se: aspectos fisiológicos e
psicológicos dos usuários: identificam-se as características gerais dos
usuários da habitação, como a necessidade de cuidados de bebê ou uma
criança quanto à alimentação e higiene; as necessidades de mobilidade
para um eventual usuário em condição permanente ou temporária de
deficiência física; ou ainda, o grau de incômodo que pode acarretar aos
usuários uma atividade específica, por exemplo, ouvir música em
volume alto. A compreensão desses aspectos pode determinar uma
organização espacial do projeto da habitação, que permita adequar as
características fisiológicas e psicológicas sem ocorrência de conflitos e
compatibilizando necessidades de atividades afins.
No item 03 - Mobiliário e Equipamentos -, consideram-se as
características de uso, sendo elas: o período e intensidade de uso de
mobiliário e equipamentos. Esse reconhecimento pode estabelecer
condições adequadas de arranjo e organização espacial para atender as
necessidades de funções e atividades destinadas a esse ambiente. A
melhor configuração pode definir as dimensões necessárias ao ambiente,
contando também, com os espaços de atividades. Objetiva-se estabelecer
melhor arranjo e grau de acomodação de mobiliário e equipamentos
conforme as atividades básicas, determinando assim, a sua dimensão
necessária.
No item 04, Dimensão Comportamental, observa-se:
a. Privacidade, para avaliar a atratividade do elemento de
integração (dimensão e conforto) e a existência de reguladores
espaciais, que possibilitem a escolha entre a interação social
ou não. É importante ressaltar que as crianças possuem pouca
necessidade de privacidade, especialmente para os
comportamentos de solidão, reserva e anonimato. As
necessidades infantis são ligadas às diferenças entre os sexos,
por exemplo, no banho ou na troca de roupa, as meninas
preferem relacionar-se apenas com o sexo feminino e os
meninos, o contrário. No entanto, a partir da adolescência, as
142

necessidades aumentam e os adolescentes demonstram meios


de regulá-la, seja através de mecanismos que envolvem o
próprio corpo (e.g. uso de determinadas roupas) e atitudes
comportamentais (e.g. timidez) ou através do espaço, com a
escolha de ambientes preferenciais (e.g. fechar-se no quarto);
b. Territorialidade, para avaliar a presença ou não de
mecanismos e atributos espaciais que permitam ou destaquem
a personalização e demarcação do território. Nas instituições,
a territorialidade contribui para a participação das crianças e
dos adolescentes nas diversas atividades e, por conseguinte,
resgata os sentimentos de lugar e lar, perdidos pela
institucionalização e pelo afastamento do convívio com a
família de origem.
No item 5, por fim, a Dimensão Legal, observa a adequação do
estudo de caso às “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para
Crianças e Adolescentes” (BRASIL, 2009b), apresentadas no capítulo
anterior.
A aplicação do Roteiro de Caracterização durou uma semana.
Munido de prancheta e das planilhas previamente impressas, a
pesquisadora fez o preenchimento de cada uma delas com o auxílio de
um funcionário para as medições no ambiente (Apêndice 9) e após o
término das atividades diárias de observação, ocorrendo entre o décimo
quinto e o vigésimo dia das Observações Participantes, e nunca nos
chamados “dias especiais”. Essa escolha permitiu menor interferência
dos usuários (especialmente das crianças e dos adolescentes), porque
sob essas condições, a INSTITUIÇÃO costumava estar menos ocupada,
com os internos realizando atividades externas, por exemplo indo à
escola ou a consultas médicas.
Os dados coletados no Roteiro de Caracterização, foram
apresentados de maneira sintetizada através de um quadro e em seguida,
pormenorizada através de representação escrita (MARCONI;
LAKATOS, 2010), com embasamento teórico, apresentado no capítulo
a seguir.
É importante destacar, que ao término do primeiro mês de
investigação (Etapa 01), a imersão no cotidiano institucional, permitiu
também: escolher quais seriam os participantes em cada um dos
métodos; e algumas perguntas para a discussão de forma exploratória
tanto no método de Grupo Focal, quanto nas observações realizadas nos
últimos quatro meses da pesquisa (Quadro 14).
143

Quadro 14 - Conclusões após imersão no cotidiano da Instituição que


influenciaram a Etapa 02
CONCLUSÕES DESCRIÇÃO
Internos: escolhidos por idade e no caso dos adolescentes,
pelo sexo; considerar também, aspectos de afinidade de
grupos.
Funcionários: escolher os educadores sociais, que lidam
Participantes
diretamente com os internos; além da psicóloga e da diretora,
que possuem contato direto com o ambiente construído da
INSTITUIÇÃO e também, com os internos. Os demais não
possuíam contato com o cotidiano doméstico.
“Por que a sala de estar/jantar é privilegiada para os usos?”
“Por que a neutralidade nos ambientes?”
“Por que a restrição de uso de ambientes mais íntimos (como
Perguntas
quartos)?”
exploratórias
“Qual a relação dos internos com o ambiente da cozinha?”
“Quais as referências do habitar doméstico são importantes
para os usuários?”
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Após o primeiro mês de pesquisa, iniciaram em paralelo, a


investigação dos dados coletados na encerrada (Etapa 01) e o início da
Etapa 02, cujo foco estava na escuta das vozes dos usuários sobre como
percebiam e o que desejavam do ambiente construído em que viviam.
Tal etapa é apresentada a seguir.

3.2.2 Etapa 02

A tese de doutorado defendida em 1962, por Christopher


Alexander é considerada como influência no pensamento subsequente
dos “patterns” [padrões], porque apresentou a necessidade do processo
de projeto em se abrir para inspeção e avaliação crítica, propondo um
método matemático de estruturação dos problemas não visualizáveis de
projeto e representados graficamente por meio de diagramas
construtivos.
Na obra “A Pattern Language”, os “patterns” são definidos como
entidades portadoras da essência de solucionar problemas recorrentes no
ambiente construído (ALEXANDER, 2013), através de um conjunto de
diretrizes estruturadas na observação do comportamento humano no
ambiente construído. Os padrões apresentam-se como o centro arquétipo
de todas as outras possíveis linguagens, que podem fazer as pessoas se
sentirem pertencentes ao lugar. A sequência desses padrões é
considerada um mapa básico, a partir do qual cada pessoa envolvida na
144

produção do ambiente construído pode configurar uma linguagem para o


seu próprio projeto, escolhendo os padrões projetuais que lhe são mais
úteis (ALEXANDER, 2013).
Tais padrões foram construídos fundamentados na vivência dos
ambientes construídos pelos usuários e por essa razão, respondem às
necessidades humanas reiterando a importância de reguladores espaciais
como privacidade e territorialidade, e ainda conceitos de identidade,
senso de proteção ou segurança psicológica e relação interior e exterior
(ALEXANDER, 2013). Gifford (1997) identifica a abordagem
fenomenológica nesse método de construção do “patterns”. Tal
aproximação é considerada ideal para pesquisas de percepção ambiental,
pois enfatiza o caráter único de cada ambiente, retratando
profundamente os lugares e as reações. Segundo Barros (2008), em
abordagens metodológicas com ênfase na fenomenologia, como a de
Alexander (2013), o pesquisador é usualmente o próprio observador,
procurando perceber a essência de um ambiente de maneira qualitativa.
Tais características aproximam-se dos procedimentos metodológicos e
dos tratamentos dos dados dessa pesquisa, como será observado a
seguir.
Assim posto, a fundamentação dos parâmetros projetuais em
Alexander (2013) mostra‐se predominantemente empírica, mas com
base teórica, como já havia concluído Barros (2008) em sua tese de
doutorado. Na obra “A Pattern Language”, há uma série de padrões
projetuais para cidades, edificações, espaços livres e detalhes
construtivos, fundamentados nas observações dos ambientes construídos
vivenciados pelos seus usuários e considerados de qualidade,
relacionados ao aporte teórico de Alexander (2013), que consiste nos
seguintes conceitos, segundo Nesbitt (2006): a Fenomenologia, a
Estética, a Teoria Lingüística (Semiótica, Estruturalismo,
Pós‐Estruturalismo e Desconstrucionismo), o Marxismo e o Feminismo.
Dentre os padrões projetuais de Alexander (2013), é possível
afirmar que muitos deles contribuem para o sentido de lugar e o
sentimento de “estar e sentir-se em casa”. Nesse sentido, há uma forte
conexão com a noção de habitar de Heidegger (2002), já discutida nessa
pesquisa no capítulo anterior de referencial teórico. Muitos dos
“patterns” de Alexander (2013) enfocam os elementos de diferenciação
física que, para além da adequação ao uso, podendo contribuir para a
definição de gradientes de privacidade (do individual ao coletivo), e
encontram respaldo teórico na Psicologia Ambiental, podendo ser
determinados pela presença ou não de reguladores espaciais,
especialmente: a privacidade e a territorialidade.
145

Dentre os padrões classificados e considerando que Gifford


(1997) destaca o gradiente de intimidade como princípio importante
para se atingir o equilíbrio entre privado e público mesmo no habitar
doméstico. Os “patterns” que reforçam a relação entre o interior e o
exterior e as janelas salientes para a rua mostram exemplos de controle
de interação e também, modelos de refúgios que permitem o controle de
intimidade. A cobertura acolhedora, a ambiência para refeições e os
nichos para dormir são reguladores espaciais que corroboram na
garantia do espaço pessoal, através de personalização e criação de
territórios. Os padrões de transição na entrada, a sequência de nichos e
as variações de pé‐direito contribuem para a legibilidade espacial,
abrangendo os aspectos de territorialidade, privacidade e espaço pessoal.
Okamoto (2002) define os lugares como espaços (ambientes
construídos) que reúnem o que é reconhecido por seus usuários, portanto
são espaços reconhecidos e com identidade. A percepção da habitação
como com territórios delimitados, apropriado e identificado, é
representada em diversos parâmetros projetuais em Alexander (2013)
tais como congruência dos espaços de convívio, áreas comuns como
estruturadoras espaciais, cozinhas como ambientes de convivência,
presença de nichos, são alguns dos parâmetros.
Dessa maneira, a Etapa 02 adota como ponto de partida a seleção
de “patterns57” relacionados ao tema habitacional, elaborados por
Christopher Alexander com sua equipe em 1977. Neles, é possível
selecionar aqueles que fomentam o senso de urbanidade e habitabilidade
nas escalas urbanas e dos ambientes construídos, como fora investigado
na tese de doutorado de Barros (2008). Os “patterns” que reforçam o
sentido de habitabilidade, foram considerados nessa pesquisa (Anexo 1)
para: (01) a escolha das imagens do Jogo de Imagens e Palavras,
fazendo alusão aos padrões; (02) a leitura dos desenhos das
Representações Gráficas, e por fim, (03) a discussão, através de
perguntas exploratórias, no Grupo Focal. A escolha dos “patterns” de
habitabilidade fundamenta-se no objetivo geral, onde se propõe criar
diretrizes projetuais para o ambiente construído do abrigo institucional,

57
Christopher Alexander, arquiteto nascido na Áustria em 1936, cresceu e desenvolveu
sua formação como matemático e arquiteto na Inglaterra. Em 1958, mudou-se para os
Estados Unidos e obteve o título de Doutor em Arquitetura junto à Harvard University.
No livro, “Uma linguagem de Padrões: A Pattern Language” de 1977, Alexander aborda
diferentes escalas nos padrões, sempre com vista no usuário; e indo além da edificação,
abordando o uso e a apropriação do espaço. Segundo Alexander (2013), cada “pattern”
descreve um problema que ocorre diversas vezes e por isso, apresenta-se uma solução de
maneira que se pode usa-la repetidamente e em diferentes contextos.
146

que visem consolidar o sentido de acolhimento, a partir de recursos


arquitetônicos de habitabilidade, permitindo o uso, a apropriação e o
sentido de pertencimento ao ambiente em que se vive.

3.2.2.1 Jogo de imagens e palavras

O primeiro método aplicado na Etapa 02, foi escolhido para


superar a dificuldade de verbalização das crianças e dos adolescentes
acolhidos, devido à idade ou especialmente, ao “mal do
institucionalizado” (SOMMER, 1973) e consiste no Jogo de Imagens e
Palavras, desenvolvido pelo arquiteto argelino Saddek Rehal (2002) em
sua tese de doutorado. O método almeja promover e identificar a
reflexão das ideias dos participantes sobre suas experiências de vida e o
que é possível mudar ou melhorar nos ambientes construídos por eles
vivenciados. Utilizam-se imagens (e.g. ilustrações e gravuras) para
auxiliar os participantes na expressão de sentimentos e na discussão do
assunto abordado. Dessa maneira, é possível avaliar conceitos e
identificar percepções e expectativas, para que se obtenham respostas e
opiniões mais detalhadas acerca dos temas de interesses das pesquisas
(REHAL, 2002).
Segundo Rehal (2002), a aplicação deve ter duração máxima de
duas horas e ser conduzido pelo pesquisador, que administra o grupo e
evita desvios do objetivo da pesquisa. O local de aplicação deve permitir
o contato visual entre os participantes e de todas as imagens
apresentadas. A aplicação possui três etapas, sendo elas: (01) a
colocação pelo pesquisador de perguntas instigantes ao grupo e
relevantes ao tema; (02) a escolha das imagens pelos participantes; (03)
as respostas pelos participantes às indagações enunciadas pelo
pesquisador, com base nas imagens selecionadas. Nesse momento,
grava-se o áudio para que seja tratado com análise de conteúdo.
Para evitar desvios na coleta de dados, foram realizados dois
testes pilotos antes da aplicação final. Os objetivos foram: balizar o
conjunto de imagens; definir o tempo de aplicação do instrumento e;
caracterizar a formação dos grupos de participantes. Ambos os testes
não ocorreram na instituição do estudo de caso. A escolha de outro local
para realização, considerou que a aplicação do método repetidas vezes
com as crianças e os adolescentes acolhidos prejudicaria o resultado,
havendo desinteresse na dinâmica. Dessa maneira, escolheu-se uma
instituição na mesma cidade do estudo de caso e que também, recebe
crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, mas não
as acolhe, apenas realiza atividades extracurriculares no contra turno,
147

ligadas à cultura (e.g. oficinas de dança e canto). Compreende-se, assim,


que os participantes dos testes pilotos se encontram em situação de vida
semelhante aos acolhidos, servindo para balizar (Quadro 15).

Quadro 15 - Identificação dos participantes do teste piloto do Jogo de


Imagens e Palavras
Aplicação 01
Participante Idade Sexo
CRIANÇA 01 07 anos Feminino
CRIANÇA 02 07 anos Feminino
CRIANÇA 03 08 anos Feminino
CRIANÇA 04 07 anos Masculino
Aplicação 02
Participante Idade Sexo
ADOELSCENTE 05 14 anos Masculino
ADOLESCENTE 06 14 anos Feminino
ADOLESCENTE 07 12 anos Masculino
ADOLESCENTE 08 13 anos Feminino
ADOLESCENTE 09 14 anos Feminino
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Os resultados dos testes pilotos repetiram algumas conclusões já


constatadas por Savi (2008), sendo elas:
a. A atividade não deve exceder meia hora, porque a partir desse
tempo há desinteresse dos participantes, que respondem às
indagações sem reflexão, dispersando-se facilmente;
b. Os grupos de participantes não devem incluir idades menores
de seis anos, porque há dificuldade de verbalização das
opiniões. Nem grandes distinções de idade (e.g. no mesmo
grupo haver participante com seis e doze anos), porque os
mais novos são influenciados pelas opiniões dos mais velhos;
c. O número de imagens não deve exceder dez, porque acima há
dispersão e nem todas são avaliadas com a mesma atenção;
d. As imagens precisam explicitar o objetivo da ação de maneira
clara (e.g. cozinhar ou brincar, em grupo ou individual).
Devem ser evitadas aquelas em que as pessoas aparecem de
costas ou com corpos não enquadrados na cena, porque há
dificuldade de compreender as ações. Outra conclusão foi: a
necessidade de haver imagens em pares antagônicos (e.g.
claro e escuro, cheio e vazio) para facilitar as argumentações
nas escolhas. As imagens conceituais (e.g. mãos dadas e
abraços) não são compreendidas pelos participantes como
148

relevantes para uma avaliação que propunha discutir o


ambiente construído. Destaca-se que imagens com pessoas de
diferentes sexos, idades e raça e também, com ambientes de
diferentes status econômico ou social não implicam em
rejeição pelos participantes.
Com base nos resultados dos testes pilotos, considera-se esses
critérios para seleção dos participantes e das imagens na aplicação do
Jogo de Imagens e Palavras no estudo de caso. Para a aplicação, a série
de imagens foi escolhida em meio eletrônico, impressa em versão
colorida, colada em papel tipo cartão com dimensões postais. Foram
selecionadas dez imagens, permitindo um tempo médio de três minutos
para as argumentações do grupo, respeitando as restrições de duração do
método, definidas na aplicação do teste piloto. As imagens evocam um
ou mais desses “patterns” importantes para o senso de habitabilidade ou
para a dimensão comportamental (privacidade e territorialidade).
Ressalva-se que no Quadro 16 a seguir, as características algumas vezes
se sobrepõem, podendo ser aplicada para as duas classificações. Não há
compreensão de demérito ou prejuízo nessa condição, afinal a pesquisa
teórica apontou essa relação intrínseca nas características do ambiente
construído.

Quadro 16 - Padrões antagônicos evocados nas imagens do Jogo de


Imagens e Palavras

Fonte: Elaborado pela autora (2017).


149

Reitera-se que todas as imagens escolhidas possuíam o habitar


doméstico como “cenário” e cada uma foi classificada em quadros de
uso particular da pesquisadora, incluindo uma “leitura prévia” da
“história contada” e, destacando as propriedades espaciais mais
evidentes (Quadro 17). Na aplicação, a pesquisadora não apresentou
nenhuma dessas anotações aos participantes. Elas serviram de material
de apoio para o gerenciamento dos debates (Apêndice 10). Essa leitura
prévia considerou o Quadro 17 apresentado anteriormente.

Quadro 17 - Leitura prévia das imagens utilizadas no Jogo de Imagens e


Palavras
Leitura:
Ambiente: social ou íntimo
Atividade: em conjunto, relativa calma
Predomínio de cores claras
Espaço de convívio – espaço físico
congruente espaço de convívio
Cobertura envolvente - Nicho infantil -
Variação de pé-direito
Ambiente junto a janela - Janela saliente
para a rua - Nicho de luz - Abertura natural
- Luz natural interna - Vistas – orientação
Fonte: Christopher Hopefitch, solar para o espaço externo
201758. Janela com pinázios
Gradiente de privacidade com layout de
conjunto
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

A divisão dos internos ocorreu pela idade. Esse critério permitiu


que as diferentes faixas etárias não fossem determinantes nas escolhas
das imagens. Afinal, idades mais próximas tendem a possuir maior
afinidade e diálogo melhor compreendido, especialmente durante a
infância e adolescência. Ambos critérios tinham sido assinalados ao
término da Etapa 01, pelas Observações Participantes, e também, pelo
teste piloto do Jogo de Imagens e Palavras. Quanto ao tempo de
internação59, optou-se por crianças e adolescentes com tempos
superiores a dois meses, permitindo que possuam vivência no e com o

58
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/548914219>. Acesso em: 2 jan.
2017.
59
As crianças e os adolescentes têm rotinas de idas e vindas entre a casa de origem e a
instituição. Há casos em que o interno permanece alguns dias na instituição, retorna para
casa de origem e pouco tempo depois (dias ou semanas), é novamente institucionalizado.
Os motivos são variados, mas essa é uma situação corriqueira.
150

ambiente construído considerada longa, permitindo apresentar


preferências e anseios com maior clareza (Quadro 18).

Quadro 18 - Identificação dos participantes do Jogo de Imagens e


Palavras
Aplicação 01
Participante Idade Sexo Tempo de internação
CRIANÇA 01 08 anos Feminino 5 meses
CRIANÇA 02 08 anos Masculino 7 meses
CRIANÇA 03 09 anos Feminino 08 meses
CRIANÇA 04 07 anos Feminino 10 meses
Aplicação 02
Participante Idade Sexo Tempo de internação
CRIANÇA 05 11 anos Feminino 02 meses
ADOLESCENTE 06 13 anos Feminino 12 meses
ADOLESCENTE 07 12 anos Feminino 10 meses
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

A aplicação foi realizada com dois grupos, em procedimentos


rigorosamente iguais. Registra-se que não houve possibilidade de
aplicação do Jogo de Imagens e Palavras com outros grupos além dos
apresentados, porque nos dois meses de pesquisa diária em que foi
autorizada a presença da pesquisadora no abrigo institucional, eram
estas as crianças e os adolescentes internos aptos à realização da
atividade; e nos meses seguintes (que fecharam os seis), houve apenas
idas e vindas desses mesmos internos na INSTITUIÇÃO. Os
ingressantes novos foram apenas bebês (entre zero e três anos).
Contudo, acredita-se que não haja prejuízo nas investigações, porque a
pesquisa fundamenta-se na abordagem multimétodos, onde há a
complementação do Jogo de Imagens e Palavras com outros métodos.
O local de aplicação foi a sala de jantar, porque possui mobiliário
que permite a permanência do grupo de maneira confortável. Durante o
método, foi solicitado que estivessem no cômodo apenas a pesquisadora
e os participantes, que escolhiam seus lugares de assento por
preferência. Na mesa e no restante do ambiente, que compõem também,
a sala de estar (por ser integrada), foram retirados quaisquer elementos
distrativos como cartazes e desligados os aparelhos eletrônicos (e.g.
televisão).
No início do trabalho, cada participante recebeu um crachá que o
identificava por nome e idade. Essa etapa inicial foi conduzida de
maneira lúdica e cada interno pode confeccionar seu crachá. Essa
atividade serviu de preparo, para gerar maior comprometimento com a
151

etapa seguinte. A identificação dos participantes na pesquisa foi


preservada, acrescentando a cada um deles uma numeração, o sexo e o
tempo de internação. O anonimato foi exigência da INSTITUIÇÃO.
Essas informações foram utilizadas para posterior, identificação na
transcrição dos dados coletados.
O início do Jogo de Imagens e Palavras foi com a pergunta feita
pela pesquisadora: “Qual dessas imagens lembra o que vocês fazem
aqui?”. Os participantes escolheram as imagens em grupo, separando-as
em duas pilhas, uma onde a imagem recordava a instituição e outra onde
não havia ligação. Posteriormente, houve perguntas e debates mediados
pela pesquisadora. As imagens que geraram maior discussão entre os
participantes e aquelas que foram prontamente descartadas, tornaram-se
objetos de maior indagação. O objetivo foi compreender o que atraiu e
repeliu os participantes. As perguntas utilizavam o roteiro de leitura
prévia elaborado pela pesquisadora, seguindo a discussão de forma
exploratória. Optou-se pela aplicação desta técnica, a fim de obter
informações sob diferentes pontos de vista para o mesmo tópico de
discussão. Entende-se que cada criança ou adolescente possui
experiências únicas e, dispostas na forma de grupo, podem contribuir
para indicar problemas e possíveis soluções de forma geral para o tema
proposto.
A Aplicação 01 do método durou 20 minutos e a 02, 31 minutos,
descontando o tempo de confecção dos crachás (cerca de quinze minutos
nas duas aplicações); e foram realizadas em dias distintos. O primeiro
grupo era mais jovens, creditando a isso o tempo mais curto de duração.
Na Aplicação 01, as crianças escolheram individualmente a quantidade
de imagens e quais seriam as preferências. Houve inclusive pequenas
discussões sobre a preferência, que foram intermediadas pela
pesquisadora ressaltando que aquela era uma atividade de grupo. Na
Aplicação 02, houve escolha coletiva das imagens, sem discussões.
Ressalva-se que a empatia gerada pela presença continuada da
pesquisadora, fez com que não houvesse estranheza e sim, boa
receptividade à dinâmica, compreendendo-a como lúdica. Registra-se
que alguns participantes (nos dois grupos) não se posicionaram frente às
imagens apresentadas. Em todas as vezes que isso aconteceu, a
pesquisadora indagou o porquê e as respostas estavam relacionadas à
concordância com as falas dos demais integrantes do grupo, fossem elas
positivos ou negativas em relação às imagens.
As respostas foram gravadas, transcritas e tratadas por análise do
conteúdo, com adaptação dos procedimentos de Bardin (2004) na etapa
denominada por ela, de pré-análise (Apêndice 11). A adequação ocorre
152

porque a autora (2004) trabalha os dados de maneira quantitativa e o


objetivo nessa pesquisa, é recolher impressões dos usuários sobre o
ambiente construído em que vivem e que idealizam para então, sobrepor
tais informações com os demais métodos utilizados, servindo de
justificativa de ordem qualitativa às leituras realizadas. Após a pré-
análise, houve sistematização das informações em quadros com a
identificação da aplicação (01 ou 02), da imagem, do número do jogador
e da sua fala (Quadro 19). Os tópicos de maior abordagem foram
apresentados como resultados, discutidos em representação escrita
(MARCONI; LAKATOS, 2010), como os demais métodos da pesquisa.
Ressalva-se que o tratamento das informações obtidas é de caráter
interpretativo, sem o objetivo de realizar generalizações. É necessário
destacar que não houve intimidação aparente em razão das gravações, e
tanto os participantes quanto a INSTITUIÇÃO sabiam do processo.

Quadro 19 - Tratamento dos dados no Jogo de Imagens e Palavras


Jogo de Imagens e Palavras – Aplicação com grupo 01
Imagem Participantes Falas
Isso a gente não tem
CRIANÇA 01
aqui, mas seria muito
(08 anos,
legal ter um espaço assim
feminino)
pequeno.
Eu faço isso aqui. Eu
CRIANÇA 02 pego uma caixa [de
(08 anos, papelão] e fico ali no
masculino) meu cantinho. É legal. Ali
é só nosso.
Isso é bem legal. Além de
CRIANÇA 03 tudo eu posso ver a rua.
(09 anos, [...] a gente vê a rua, mas
feminino) não assim no nosso
cantinho.
CRIANÇA 04 Não se posicionou.
(07 anos,
feminino)
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

3.2.2.2 Representação gráfica

Para completar as informações recolhidas no Jogo de Imagens e


Palavras, foi utilizado o método de Representação Gráfica, permitindo
misturar e cruzar os valores do objeto e da pessoa (GRUBITS;
DARRAULT-HARRIS, 2001). Nesse método, o desenho torna-se a
153

concretização de elementos do inconsciente, com valor narrativo e


significado simbólico, do que não consegue verbalizar.

O desenho conta também, a quem pode entender,


o que nós somos no momento presente, integrando
o passado e nossa história pessoal. O desenho
conta sobre o objeto; ele é a imagem do objeto e
se inscreve entre numerosas modalidades da
função semiótica: ilustrar, desenhar, fazer o
sentido com os traços, quer dizer com outros
sinais ou com as imagens de tais objetos, que são
muitas vezes difíceis de dizer ou descrever com as
palavras (GRUBITS, 2003, p. 98).

No mesmo dia, após o encerramento do Jogo de Imagens e


Palavras, foi proposto que cada participante utilizasse uma folha de
papel A4, branca, para desenhar com lápis de cor uma casa. A intenção
foi levantar a partir da representação gráfica da habitação, os traços de
comunicação de elementos difíceis de verbalizar, compreendendo então,
aspectos sociais e culturais, valores do objeto e das próprias pessoas.
Antes do início do método, foi explicada a atividade e
posteriormente, solicitado que cada um representasse uma casa em que
gostaria de morar (Figura 9), havendo liberdade criativa para a escolha
de cores, formas, etc. A atividade durou cerca de trinta minutos, em cada
uma das duas vezes em que foi realizada, mas não houve tempo
estipulado para início e término, respeitando a dinâmica de cada criança
e adolescente. Reitera-se que o grupo de internos foi o mesmo do Jogo
de Imagem e Palavras e apenas um deles (CRIANÇA 05) não quis
participar, sob justificativa de não gostar da atividade, mesmo com as
argumentações dos demais participantes e da própria pesquisadora sobre
os aspectos lúdicos. Passados alguns dias dessa dinâmica, a psicóloga da
INSTITUIÇÃO soube do ocorrido e comunicou à pesquisadora da
dificuldade desse participante com as atividades manuais.
154

Figura 9 - Representação gráfica da casa por um dos participantes

Fonte: Criança 01 (2017).

Após o término dos desenhos, cada um pode contar uma história,


explicando sua representação. Os desenhos foram avaliados a partir dos
“patterns”, considerando a presença e a frequência dos mesmos como
resultados; e também, as falas ao explicarem as próprias representações.
O diálogo foi tratado por análise do conteúdo, com adaptação dos
procedimentos de Bardin (2004) na etapa de pré-análise, como adotado
no Jogo de Imagens e Palavras (Apêndice 12).

3.2.2.3 Grupo focal

Outro instrumento empregado foi o Grupo Focal, que se refere a


um tipo de entrevista realizada em grupos com características
semelhantes (e.g. idade, sexo e profissão), aprofundando conhecimentos
acerca de um tópico específico (MARTINS; THEÓPHILO, 2009;
SOMMER, 1973). Para a aplicação, há um moderador (geralmente o
próprio pesquisador) que pode ser auxiliado por assistentes, se
necessário. Ele coloca algumas questões a serem discutidas pelo grupo
(GATTI, 2005). Destaca-se que: “Os participantes devem ter alguma
vivência com o tema a ser discutido, de tal modo que sua participação
possa trazer elementos ancorados em suas experiências cotidianas”
(GATTI, 2005, p. 07). A interação do grupo proporciona troca,
descobertas e participações comprometidas, com a formação inclusive
de ideias novas e originais, além de possibilitar o estreitamento em
relação ao tema no cotidiano (ZEISEL, 1984). No processo, há
155

integração espontânea dos participantes, havendo ou não divergência


nas opiniões (MARTINS; THEÓPHILO, 2009).
Nessa pesquisa, o Grupo Focal envolve a perspectiva do ambiente
construído a partir de diferentes pontos de vista dos funcionários para
apreender as singularidades do ambiente construído. Corrobora-se com
uma das maneiras de conduzir esse método definidas por Sommer
(1973). Segundo ele, os grupos podem se desenvolver em duas formas:
exploratória, quando gera ideias; ou confirmatória ao testar conceitos e
imagens. Nessa pesquisa, optou-se por recolher informações de forma
exploratória (SOMMER, 1973).
Conforme Gatti (2005), o número ideal de integrantes por Grupo
Focal deve ser entre seis e doze, sendo indicado para projetos de
pesquisa, não se trabalhar com mais de dez pessoas, o que poderia
acarretar intimidação. O grupo que participou da atividade foi formado
por quatro cuidadoras, uma psicóloga e uma assistente social, todas do
sexo feminino (Quadro 20), um total de seis participantes, que
corresponde o universo de adultos cujas atividades cotidianas na
INSTITUIÇÃO são de contato diário e direto com os internos,
corroborando com Zeisel (1984) ao afirmar a necessidade de grupos
homogêneos e com interesses ou atividades em comum, nesse caso:
cuidar dos acolhidos.

Quadro 20 - Identificação dos participantes do Grupo Focal.


Função Tempo de
Participante Faixa Etária Sexo serviço na
INSTITUIÇÃO
ADULTO 01 Cuidador 30 - 40 anos Feminino 13 meses
ADULTO 02 Cuidador 20 - 30 anos Feminino 27 meses
ADULTO 03 Cuidador 30 - 40 anos Feminino 18 meses
ADULTO 04 Cuidador 30 - 40 anos Feminino 48 meses
ADULTO 05 Psicóloga 20 - 30 anos Feminino 03 meses
ADULTO 06 Assistente Social 40 - 50 anos Feminino 10 meses
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

A realização de apenas um grupo focal aconteceu porque o


quadro de funcionários com acesso direto às crianças e aos adolescentes
era esse. Os demais eram prestadores de serviço contratados
esporadicamente, voluntários ou apenados prestando serviços
comunitários e nenhum deles tem acesso direto às crianças e
adolescentes se estiverem desacompanhados ou ainda, em atividades do
cotidiano. Além disso, o conselho administrativo não possui o convívio
cotidiano com os internos. Por essa razão e considerando o objetivo
156

geral da pesquisa com foco nos usuários principais (crianças,


adolescentes e funcionários), acredita-se que a seleção desses
participantes e a “ignorância” dos citados, não prejudica o levantamento
de dados, visto que é notória a necessidade de considerar “as vozes” das
crianças, adolescentes e funcionários; e os escassos instrumentos acerca
do ambiente construído, costumam considerar apenas o ponto de vista
institucional.
O moderador do Grupo Focal foi a pesquisadora que não era
conhecida (na esfera pessoal) de nenhum participante e por isso,
indicada para que não houvesse influência nas colocações, como indica
Gatti (2005). A atividade foi realizada na sala da psicóloga, dentro do
abrigo institucional. O início foi com a identificação das participantes
por meio de crachás, em que constava a denominação das funções que
exerciam e um número para registro (e.g. ADULTO 01). Após a
explicação da atividade pela pesquisadora, cada uma se apresentou
dizendo o que fazia na instituição e o tempo que ali trabalhava, para que
fosse registrado para a pesquisa.
Houve então, três etapas de perguntas feitas pela pesquisadora.
Na primeira, as indagações eram fechadas com o intuito de entender a
vivência das participantes com o ambiente construído e as necessidades.
Foram essas as questões: “Quais os ambientes mais frequentados por
vocês e porquê?”; “Quais seriam os ambientes mais adequados para os
internos e porquê?”; “Se fosse elaborado um novo projeto, que
ambientes e qualidades não poderiam faltar e porquê?” (Apêndice 13).
Na segunda etapa, a pesquisadora utilizou alguns dos “patterns”,
indagando sobre: relação interior e exterior através de ambientes e
aberturas (192 - “windows overlooking life”); estratégias de privacidade
e intimidade do exterior até o interior (127 - “intimacy gradiente”) ;
áreas comuns articuladas e com uso de convívio (129 - “common areas
at the heart”); circulação como elemento interativo (131 - “the flow
through rooms”); a criação de ambiência indutora (182 - “eating
atmosphere”; 188 - “bed alcove”) (ALEXANDER, 2013). Nesse
momento, as perguntas foram abertas e de modo exploratório, para
compreender: o entendimento sobre os conceitos; se haviam ou não no
ambiente da INSTITUIÇÃO; se deveriam ou não existir; e ainda, como
poderiam ser as respostas arquitetônicas a esses padrões. Registra-se que
foi necessário o uso de exemplos concretos para os padrões: (131 - “the
flow through rooms”); e (182 - “eating atmosphere”; 188 - “bed
alcove”), após o entendimento, as participantes expressaram suas
opiniões.
157

A escolha dos “patterns” considerou os padrões mais apontados


pelos internos nos métodos aplicados a eles, com a intenção de
compreender como a INSTITUIÇÃO compreendia tais necessidades
espaciais no ambiente construído do abrigo. Registra-se que não houve a
apresentação das imagens de Alexander (2013) para os padrões e sim a
contextualização por parte da pesquisadora sobre cada um deles. Essa
postura teve intenção de não sugestionar as respostas em razão do
pictórico apresentado.
Por fim, as perguntas exploratórias que surgiram como resultado
da Etapa 01 foram realizadas, sendo elas: “Por que a sala de estar/jantar
é privilegiada para os usos?”; “Por que a neutralidade nos ambientes?”;
“Por que a restrição de uso de ambientes mais íntimos (como quartos)?”;
“Qual a relação dos internos com o ambiente da cozinha?”; “Quais as
referências do habitar doméstico são importantes para os usuários?”.
Essas perguntas compuseram o encerramento do Grupo Focal, em razão
de terem maior relação com o cotidiano da INSTITUIÇÃO. Dessa
maneira, deixa-las na etapa final, permitiu que não houvesse mais
constrangimento em responde-las, visto que outras indagações sobre o
ambiente construído já haviam sido respondidas.
A atividade durou cerca de uma hora e meia, entre explicar o
instrumento e discutir os assuntos. O planejamento inicial foi que
durassem uma hora, contudo a empatia criada a partir do convívio
profissional, aparentemente tornou mais fácil a discussão dos temas. O
método foi aplicado na terceira semana do segundo mês de trabalho de
campo. As falas também foram organizadas mediante análise do
conteúdo, com adaptação dos procedimentos de Bardin (2004). No
Apêndice 14, há organização em ordem numérica dos funcionários,
contudo isso não reflete a ordem das colocações, servindo apenas para a
organização dos dados levantados. As discussões ocorreram de maneira
aberta, sem ordenação de falas. Assim, como no Jogo de Imagens e
Palavras e na Representação Gráfica, os tópicos de maior abordagem
foram apresentados como resultados, mediante representação escrita
(MARCONI; LAKATOS, 2010).

3.2.3 Etapa final

Nos quatro meses que se seguiram, a pesquisadora utilizou as


visitas (agora esporádicas) para acrescentar outros dias de Observação
Participante. Visto que esse tipo de exploração demanda tempo, e a
pesquisadora quis validar os dados levantados. A intenção foi
compreender se após o mês de visitas ininterruptas, os apontamentos
158

repetiam os dados. Além disso, buscou-se responder às perguntas


exploratórias definidas ao término da Etapa 01 e apresentadas no
Quadro 20. A partir dos principais dados obtidos nas duas etapas de
pesquisa, buscou-se novamente voltar o olhar para o uso e a apropriação
do ambiente construído e para as percepções e anseios dos usuários,
como forma de validar ou não o que fora encontrado e principalmente,
olhar com maior atenção esses apontamentos. As duas etapas, que
construíram efetivamente esse entendimento do estudo de caso e das
relações dos usuários no e com o ambiente construído, são apresentadas
no capítulo a seguir.
Para encerrar, destaca-se que a aplicação conjunta dos métodos
das etapas 01 e 02 visa construir conhecimento a partir da percepção dos
usuários (crianças, adolescentes e funcionários), retomando o conceito
de “phronesis” de Aristóteles, onde a virtude intelectual prática delibera
sobre o meio para se atingir um fim último; este fim é a “eudaimonia”
(felicidade, para o autor) (Aristóteles, 1973) e para essa pesquisa, seria o
acolhimento onde a criança e o adolescente possam se sentir
pertencentes, no sentido de “estar em casa”, que de alguma maneira,
também pode ser considerado como felicidade.
159

4 ESTUDO DE CASO

Neste capítulo são expostos os resultados da pesquisa de campo


obtidos a partir dos diferentes métodos empregados no estudo de caso
único. Primeiramente, são apresentados os dados da Etapa 01, através da
Observação Participante e do Roteiro de Caracterização, adaptado de
Kenchian (2011). A seguir, expõem-se os resultados da Etapa 02, a
partir Jogo de Imagens e Palavras e da Representação Gráfica realizados
com as crianças e os adolescentes da INSTITUIÇÃO e também, do
Grupo Focal, com os funcionários. Registra-se que os resultados dos
últimos quatro meses, no capítulo anterior chamado de Etapa Final,
serviram para confrontar, complementar e confirmar os dados obtidos
nas Etapas 01 e 02, como comentado anteriormente. Dessa maneira, os
apontamentos estão inseridos ao longo da representação escrita
(MARCONI; LAKATOS, 2010), que compõem os resultados das
Etapas 01 e 02, e das suas respectivas discussões à luz dos referenciais
teóricos.

4.1 RESULTADOS DA ETAPA 01

4.1.1 Observação Participante

Os resultados da Observação Participante definiram o ambiente


construído com clara divisão entre os setores social, íntimo e de serviço.
O setor social privilegia os espaços que promovem a interação entre os
usuários (internos e funcionários), com funções de estar e lazer; e pouca
ou nenhuma privacidade. O íntimo destina-se exclusivamente, aos
internos e funcionários, com representação associada ao repouso e
higiene. O setor de serviço agrupa os espaços destinados ao cotidiano
doméstico e também, ao atendimento psicológico individual ou com a
família. Ambos possuem maior ou menor restrição de acesso dos
internos (Quadro 21).
160

Quadro 21 - Setores e identificação de ambientes

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Essa setorização funcional é notória no ambiente construído,


através do piso (cerâmico nos setores social e de serviço e, em madeira
no íntimo) e das portas de controle para a transição. Os usuários
mencionam o setor social como “espaço para todos”; o íntimo, “local
para dormir”; e o setor de serviço como acesso restrito aos funcionários.
Todavia, a separação dos setores não impede que sejam feitas tentativas
de corromper a “lógica”. Nas observações, os conflitos eram
relacionados à intenção dos internos de entrar na cozinha para buscar
alimento ou participar em atividades entendidas como lúdicas (e.g. fazer
um bolo). Outro conflito estava no uso do setor íntimo, porque os
funcionários priorizam a permanência apenas nos horários de descanso.
Contudo, era comum a tentativa de atribuir rotina com outros usos,
161

como estudar, ficar só ou em grupos menores. Quando ocorriam essas


situações, os funcionários justificavam as posturas de restrição,
afirmando que o órgão fiscalizador60 impede a permanência dos internos
na cozinha, por motivos de higiene e segurança; e nos quartos, pela
ampla dimensão do setor social, os funcionários priorizavam o uso deste
ao contrário dos quartos, evitando, segundo eles, a desordem.
Em razão desse controle de acessos e de permanência nos
ambientes, o setor social possui a maior frequência de uso e maior
liberdade para apropriação por parte dos internos. Em todos os dias de
observações, este foi o protagonista, com a maior frequência (Gráfico 1)
e por isso, requereu relato mais aprofundado. Registra-se que atividades
nos outros setores também foram observadas, mas não houve conflitos
significativos. No setor social, as salas de jantar e estar são integradas e
coincidem como ponto de congruência da proposta. Ressalva-se que o
mobiliário distingue os diferentes usos e que anexo a sala de jantar-
estar, há a varanda incorporada aos usos coletivos.

Gráfico 1 - Frequência (por dia) dos


ambientes onde ocorreram as observações

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Na sala de jantar, há uma mesa com doze lugares e assentos fixos


e outra com dimensão infantil e quatro lugares (Figura 10). As refeições
eram realizadas na mesa maior, com os alimentos ali posicionados.
Participavam das atividades, os adultos e internos com autonomia para

60
A fiscalização é mensal e ocorre através de visita de membros da Vara da Infância e da
Juventude da Comarca a que pertence a INSTITUIÇÃO. Tal procedimento é comum a
qualquer abrigo institucional.
162

realiza-las sozinhos. Havia demarcação de lugares, com conflitos


(discussões verbais) provocados pela situação. Os funcionários se
organizavam para sentar entre os internos, com objetivo notório de
auxiliar. As crianças posicionavam-se sempre próximas de um cuidador,
escolhido aparentemente por afinidade. Os adolescentes reuniam-se em
grupo, nas cabeceiras da mesa. As invasões dos territórios resultavam
nos principais conflitos, especialmente das crianças para com os
adolescentes. Os adultos controlavam, reiterando verbalmente, os
motivos e a lógica espacial citada. Ressalva-se que os bebês fazem
refeições em horários distintos, sentados em cadeiras apropriadas, sem
participar da dinâmica observada.

Figura 10 - Sala de jantar

Fonte: Autora (2017).

A sala de jantar, fora dos horários das refeições, é utilizada para


atividades escolares, mesmo havendo as salas de leitura e de
informática. A atividade costumava gerar conflitos em razão da
integração do ambiente com a sala de estar e a varanda. Ambas são
usadas como espaço para brincar. Apesar disso, observou-se a repetição
da prática, justificada, pelos funcionários, na facilidade de controle dos
internos, quando todos estão no mesmo ambiente. Ainda nesse cômodo,
em todos os dias de Observação Participante, foi percebida a
permanência dos adultos sentados junto a mesa, enquanto observavam
as crianças e os adolescentes em suas atividades de lazer ou estudo e
num deles, uma funcionária comentou: “[...] a gente fica aqui porque
não tem um lugar para os funcionários descansarem”.
163

A sala de estar possui sofá para dez pessoas e duas poltronas,


além de prateleira com televisão. O local é usado para as seguintes
atividades: ver televisão, descanso, conversas em grupo e brincadeiras
estáticas (e.g. jogos de montar) (Figura 11). O uso da televisão era
controlado. As crianças frequentemente, afirmavam que ali não é lugar
de brincar, compreendendo a varanda como o local para atividades mais
dinâmicas. Tal regra era reiterada verbalmente, em várias oportunidades,
pelos funcionários. Percebe-se o local como de preferência dos
adolescentes, que exercem domínio sobre o território. As crianças
usualmente, sentavam-se no chão, respeitando o uso dos sofás pelos
internos mais velhos. Nesse espaço, os conflitos de uso eram
relacionados aos diferentes interesses provocados pela variedade de
faixa etária – os adolescentes queriam ver televisão ou apenas descansar
e as crianças, brincar. Foram frequentes as discussões em razão do
volume da televisão versus as brincadeiras.

Figura 11 - Sala de estar

Fonte: Autora (2017).

A varanda é considerada parte integrante da sala de jantar-estar


em razão da comunicação visual e física entre os espaços. O ambiente é
fechado com vidro, tem uma estante com televisão e brinquedos
espalhados pelo chão (Figura 12). Em todos os dias de Observação
Participante, o aparelho eletrônico estava ligado em programação
infantil, mas isso não retinha a atenção das crianças por muito tempo.
As mesmas, utilizavam o espaço para brincadeiras dinâmicas, que
replicavam os papéis do cotidiano da vida adulta (e.g. cuidar da casa e
dirigir). Registra-se que são proibidas brincadeiras como jogo de bola e
de correr. Estas são realizadas, esporadicamente, no pátio externo.
164

Houve tentativas de romper essa regra, mas sempre repreendidas pelos


funcionários, com a justificativa da segurança. A varanda é o único local
em que há personalização, através de ilustrações com motivos infantis.
Segundo uma das funcionárias, o órgão fiscalizador não permite essas
manifestações nos demais ambientes, com a justificativa da ambiência
aproximar-se de uma “casa comum”, não devendo estereotipar um
público específico (e.g. a casa das meninas e das crianças) e nem se
aproximar da ambiência escolar. Indagada pela pesquisadora se
considera essa aparente neutralidade ruim, ela assentiu concordando.

Figura 12 - Varanda

Fonte: Autora (2017).

Na varanda, há vários brinquedos que ali permanecem, mas foi


usual os internos irem buscar objetos na sala de leitura, que apesar da
denominação é pouco utilizada para tal fim, aproximando-se de um
depósito (Figura 13). Durante as observações, em apenas dois dias
houve uso efetivo desta sala. Em ambos os dias, foram recebidas visitas
de parentes dos internos e os funcionários encaminharam os demais para
essa sala, realizando atividades de leitura e pintura. As visitas duraram
certa de uma hora e nesse momento, houve na sala de leitura, conflitos
provocados pelos interesses distintos de uso do espaço. As crianças
menores queriam explorá-lo, em razão da quantidade de diferentes
objetos dispostos nas prateleiras (e.g. brinquedos e livros) e os maiores,
realizar leitura e brincar com os jogos de tabuleiro.
165

Figura 13 - Sala de leitura

Fonte: Autora (2017).

Ainda em dia de visitas ou atividades com participantes externos


(e.g. voluntários), as crianças foram levadas para os quartos, com
permissão para brincar, enquanto o ambiente social era ocupado ou
preparado. Segundo os funcionários, essa prática não é comum e quem
julga a necessidade é a DIRETORA, ocorrendo em razão do tipo de
visita recebida, por exemplo grupos de teatro que fazem pequenas
apresentações e precisam organizar o ambiente construído para realizar
a atividade. Todavia, os internos reagem positivamente, porque podem
brincar nos quartos.
Durante os dias de observação, houve também, aula de
informática na sala homônima (Figura 14). Este é um espaço controlado,
segundo os funcionários para evitar o uso excessivo e também, o acesso
a conteúdo digital inadequado à faixa etária do interno. Quando
permitido, foram observados conflitos em razão do número de
computadores versus a quantidade de usuários, requerendo o
estabelecimento de um sistema de ordenação e frequência de uso.
166

Figura 14 - Sala de informática

Fonte: Autora (2017).

Por fim nas observações, os ambientes: sala de atendimento e a


sala de visitas que fazem parte do setor social, foram separadas
fisicamente da sala de jantar-estar, através de porta, em razão da
especificidade de uso (de acesso de público externo). A primeira serve
para o uso da psicóloga e a segunda, para receber as famílias, e outros
visitantes. Esse recurso e as próprias atividades ali realizadas provocam
afastamento dos internos, reclamando sempre que são chamados a
frequentar os ambientes.

4.1.2 Roteiro de Caracterização

O uso associado do Roteiro da Caracterização contribuiu para


sistematizar o levantamento do espaço arquitetônico, completando as
Observações Participantes. Optou-se por dividir os resultados em
subitens que correspondem aos setores: social, íntimo e serviço. Cada
um dos três estruturam o programa de necessidades do habitar
doméstico, conforme síntese apresentada no Quadro 22.
167

Quadro 22 - Síntese dos levantamentos realizados através da adaptação


do “Roteiro da Caracterização Funcional do Projeto de Habitação”
Setor Ambiente Descrição dos Aspectos Positivos e Negativos
Sala de Jantar-  Espaço integrado, permitindo usos
Estar compartilhados especialmente em grupo.
Ambiente de congruência na configuração
espacial e funcional, com legibilidade como
espaço de convívio, em razão da amplitude.
Dimensionamento adequado às atividades de
grupo. Zoneamento distribui e organiza o
ambiente nas duas funções principais: jantar e
estar. Ambiência para as refeições e o estar,
através do mobiliário. Atende às dimensões
legais sugeridas.
Social

 O mobiliário padronizado dificulta variações no


layout, especialmente na área de jantar. As
mesas prejudicam ergonomicamente, a
execução das atividades. Há apenas uma mesa
com dimensão infantil. Não há distinção de
piso, dificultando a delimitação de zonas pelo
uso. No que tange os objetos, há pouca
identidade visual com o habitar doméstico e a
faixa etária atendida. Não há variações de
iluminação artificial para se adequar às
diferentes atividades, especialmente junto a
televisão e ao espaço para refeições.
Quartos (das  Responde adequadamente às atividades
adolescentes, previstas. Tem acesso controlado e privativo. É
das meninas, dividido por sexo e faixa etária. Adequado às
dos meninos) dimensões legais sugeridas.
 O layout prejudica a circulação entre as camas.
A identidade visual do espaço é excessivamente
coletiva. Não há iluminação artificial específica
para tarefas. Há dificuldade de controle entre a
área privada e de uso comum, apenas a porta
delimita essa função. O gradiente de intimidade
Íntimo

se faz entre: cama – individual e restante do


espaço - coletivo. Há escassos objetos
individuais, inibindo a formação de nichos
personalizados.
Berçário  Responde adequadamente às atividades
previstas. Tem acesso controlado e privativo,
encontra-se distante das áreas de maior
convívio.
 O layout prejudica a circulação. A identidade
visual do espaço é excessivamente coletiva, sem
ambiência infantil. Não há iluminação artificial
168

Setor Ambiente Descrição dos Aspectos Positivos e Negativos


específica para tarefas. Não há mobiliário
específico para os cuidadores (e.g. poltrona).

Banheiro  Responde adequadamente às atividades


previstas. Tem acesso privativo e controlado. É
dividido por sexo. Encontra-se em posição
adequada na configuração espacial e funcional.
 Não há adaptações para pessoas com deficiência
e nem área suficiente para tal. A identidade
visual do espaço é excessivamente coletiva, sem
cores e referências infantis. O mobiliário não se
adéqua às dimensões infantis, requerendo
adaptações como banquinhos e escadinhas de
madeira para acesso às pias.
Cozinha  Responde adequadamente às atividades
previstas.
Serviço

 O acesso dos internos é restrito e


supervisionado. Não há iluminação artificial
específica para tarefas.
Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Os setores sociais possuem importância vital em quase todas as


sociedades humanas, aumentando a sensação de união e pertencimento
de grupo, especialmente no habitar doméstico. Na INSTITUIÇÃO, esse
setor é formado pela sala de jantar-estar, integrada e distinta apenas pelo
arranjo no mobiliário. Na sala de jantar, a mesa é o elemento definidor
dos espaços, organizado de maneira hierárquica e estática, porque o
mobiliário possui assentos fixos. Quanto ao formato, a maior é
retangular e a menor, quadrada. Formatos que reforçam a maior
formalidade. O número de assentos considera adequadamente,
funcionários e internos. Não há outro móvel no ambiente. O espaço está
contíguo à cozinha, acessado por um passa-pratos que abre e fecha. A
mesa como móvel principal, abriga também outras atividades, como
estudar e conversar. Nesses casos, o tempo de desenvolvimento dessas
ações é condicionado pela rotina, dentro dos intervalos entre as
refeições.
A sala de estar possui condição de espaço destinado aos internos
e funcionários, esporadicamente outras pessoas tem a permanência
autorizada. Atividades de visitas dos familiares acontecem usualmente,
no hall de entrada mobiliado como uma sala de estar; e com voluntários,
no salão de festas externo à edificação, mas no mesmo lote. Dessa
maneira, essa sala assume a prerrogativa de ser um local aconchegante e
169

agradável para os usuários, com maior informalidade e intimidade.


Como é um ponto central na planta-baixa da edificação, recebe maior
fluxo de circulação de pessoas. Referente às atividades desenvolvidas,
relaciona-se ao estar e lazer, tanto em grupo, quanto individualmente. O
sofá tem formato em “L” (desmembrável) com superfície maior para o
descanso e brincadeiras. Há distância equivocada do assento para a
televisão e os usuários costumam sentar em cadeiras ou no chão, para se
aproximarem. A integração com a varanda (local de brincadeiras) faz
com que atividades de leitura ou de descanso sejam realizadas com
menor frequência. A diversidade de ações não prejudica os demais
setores da edificação, porque há certo grau de controle, isolamento e
confinamento, através de portas que separam a sala de jantar-estar dos
demais setores. Além do sofá e da televisão fixada na parede oposta, não
há objetos complementares da ambiência (e.g. almofadas e quadros),
que, de maneira sutil, funcionariam para conotar aconchego e conforto.
A organização espacial distingue claramente, a posição dos assentos e
da circulação, mas não interfere na visualização da televisão. Os
assentos não são flexíveis e a distribuição é rígida, restringindo outras
possibilidades de organização além da atual, onde a maior face do sofá é
voltada de lado para a televisão. Destaca-se ainda, que o mobiliário não
considera as dimensões infantis.
Anexo a sala de jantar-estar, a varanda configura-se como um
ambiente aberto para o exterior, onde as crianças brincam com
atividades mais dinâmicas. A relação com o exterior foi reduzida,
porque houve o fechamento com vidro e película para controlar o acesso
da luz solar. Como espaço contíguo a sala de jantar-estar, a varanda
também tem acesso permitido apenas a funcionários e internos. Além
dos brinquedos, há uma estante com televisão e alguma personalização
infantil. Como trata-se de um espaço para brincar, é aberto e sem fluxos
definidos, permitindo livre apropriação.
Na INSTITUIÇÃO, são quatro os dormitórios - meninas,
meninos, adolescentes do sexo feminino e quarto reserva para internos
do sexo feminino. Eles constituem os ambientes mais íntimos, sendo
permitido o acesso apenas de internos e funcionários (Figuras 15 e 16).
Cada um deles acomoda até cinco crianças ou adolescentes. Apesar do
grau de intimidade, o ocupante experimenta pouco a sua individualidade
e gostos pessoais, porque não cabe à criança ou ao adolescente a escolha
de qual quarto ocupar, da cama ou do local onde guardará seus escassos
objetos pessoais. Tais decisões são atribuídas aos funcionários a partir
da análise do sexo, da idade e dos graus de parentesco (privilegia-se,
quando possível, que irmãos fiquem no mesmo ambiente). Há maior
170

flexibilidade, apenas quando a INSTITUIÇÃO tem pouca demanda de


internos, ainda assim a escolha será apenas de qual cama ocupar.
Referente as atividades privadas que ocorrem no ambiente, vestir-se e
despir-se estão associadas. Os quartos possuem roupeiro de quatro
portas.

Figura 15 - Quarto feminino infantil

Fonte: Autora (2017).

Figura 16 - Quarto masculino infantil

Fonte: Autora (2017).

Todos os quatro quartos possuem dimensões adequadas às


exigências espaciais que essas atividades requerem, considerando os
instrumentos legais brasileiros. O espaço que rodeia as camas só serve
para acesso e estas são o centro de interesse da composição do ambiente,
tanto que as cores utilizadas para distinguir o perfil do usuário (feminino
171

ou masculino) estão posicionadas junto às cabeceiras. Acima de cada


cama, há uma prateleira que acomoda objetos (principalmente
brinquedos), mas sem aparente propriedade individual e com dificuldade
de acesso, que acontece sobre as camas. Registra-se a ignorância das
dimensões infantis no mobiliário (camas, roupeiros e prateleiras) e nos
elementos arquitetônicos (janelas e portas). Ainda, é usual que os
internos permaneçam longos períodos em abrigos institucionais ou que
façam várias idas e vindas. Dessa maneira, é comum que na dinâmica de
uso dos dormitórios ocorra o remanejamento de interno para outro
quarto, como resposta ao retorno ao abrigo institucional ou ainda, ao seu
desenvolvimento físico e psicológico. Todos os quartos possuem acesso
ao corredor principal sem obstrução, havendo porta de acesso e controle
de privacidade, mas sem chaves. As janelas permitem boa ventilação e
iluminação natural; e possuem venezianas e cortinas. Há bom
isolamento da insolação direta e dos ruídos internos (vindos
especialmente do setor social) e externos.
No berçário, o espaço físico e o mobiliário são adequados às
atividades desempenhadas. Todavia, o layout prejudica a circulação
entre os berços, existindo uma área de maior uso e outra não
aproveitada, onde os berços não utilizados ficam lado a lado. A
características que se sobressai é a ausência de referências infantis no
ambiente, a exceção de alguns brinquedos no chão (Figura 17).

Figura 17 - Berçário

Fonte: Autora (2017).

Ainda no setor íntimo, os banheiros são divididos em feminino e


masculino e há, em cada um deles: duas pias, dois vasos sanitários e
dois chuveiros (Figura 18). Estes equipamentos estão no mesmo
172

cômodo, mas arranjados em partes individuais, permitindo o uso


compartilhado. Sobre a bancada das pias há espelhos, para o cuidado
com a aparência. As funções de maior grau de intimidade (os vasos
sanitários e boxes com chuveiros) possuem portas nos compartimentos.
Não há mobiliário específico para armazenar produtos de higiene e
cuidados com o corpo e sua aparência. As roupas de cama não possuem
aparente padrão a propriedade é assimilada considerando cores, texturas,
etc. existentes nos objetos. Estes são mantidos no depósito, junto ao
setor de serviço, com a justificativa, segundo os funcionários, de
prevenir acidentes domésticos. O conflito é polarizado entre a
privacidade e o acesso. Tentando sana-lo, a INSTITUIÇÃO atribui
diferentes horários de banho para crianças e adolescentes, definido
segundo a rotina individual de atividades dos internos. O
dimensionamento e o arranjo espacial dos banheiros são adequados ao
uso. Registra-se a ausência de adaptações para pessoas com deficiência.
Quanto a iluminação, os dois banheiros são escuros e necessitam de luz
artificial durante todo o dia. A ventilação no banheiro masculino, é
inadequada e há odor desagradável, provavelmente por ser do tipo
indireta. No banheiro feminino, isso não se registra.

Figura 18 - Banheiro feminino

Fonte: Autora (2017).

No setor de serviço, a cozinha atende a necessidade de preparo


das refeições (Figura 19). Não são permitidos o acesso e a permanência
dos internos sem a supervisão dos adultos. Há uma pequena bancada
que serve de mesa, mas exclusivamente utilizada para refeição dos
funcionários e para a gestão doméstica (e.g. pequenos trabalhos). A
configuração espacial é funcional, com layout tipo “U” e
173

dimensionamento coerente para as atividades, exigindo pouca


mobilidade. No preparo de refeições, as atividades costumam ocorrer de
maneira simultânea, com o uso do fogão para cozer; da bancada de
trabalho com pia e água corrente para diferentes usos: selecionar, lavar,
cortar, temperar e misturar alimentos; além da geladeira para
armazenagem e organização. A cozinha produz saturação do ambiente,
por conta dos vapores exalados durante o preparo das refeições, contudo
possui boa ventilação cruzada e permite a exaustão natural.

Figura 19 - Cozinha

Fonte: Autora (2017).

Encerrada a Etapa 01, é possível identificar e analisar as


implicações de uso e apropriação das crianças, adolescentes e
funcionários no ambiente construído de um abrigo institucional, a partir
especialmente, da investigação de aspectos funcionais e
comportamentais. A discussão dos dados coletados é feita a seguir,
embasada com os referenciais teóricos estudados.

4.2 DISCUSSÕES DOS RESULTADOS DA ETAPA 01

Os dados coletados na Etapa 01, com o uso da Observação


Participante e do Roteiro de Caracterização apontaram características do
ambiente construído da INSTITUIÇÃO, são elas: a setorização
funcional, o controle de acessos e a permanência no espaço, a
demarcação espacial, a identidade e por fim, a neutralidade, que serão
discutidas a seguir à luz dos referenciais teóricos. Essas características,
associadas aos demais resultados das Etapas 02, do referencial teórico e
174

das análises críticas fundamentarão a construção das diretrizes


projetuais, apresentadas no capítulo seguinte.
A setorização funcional do ambiente construído da
INSTITUIÇÃO (social, íntimo e serviço), junto ao layout com pouca
possibilidade de alterações e a relação entre interior e exterior (dentro e
fora) – estes dois com menor frequência – podem ser considerados como
apontamentos arquitetônicos que contribuem para a construção do
entendimento de legibilidade espacial no estudo de caso. Esse termo foi
definido por Kevin Lynch em seu livro “A Imagem da Cidade” em
1960, e consiste na imagem mental construída a partir de marcos
concretos de referência e orientação na escala urbana. Ao transferir esse
entendimento para o interior das edificações, observa-se o mobiliário, os
elementos construtivos, a estruturação de setores e ambientes e até
mesmo, os registros particulares (e.g. uma parede suja ou uma janela
sem cortina) como marcos referenciais.
Acerca disso, houve apontamentos referentes aos detalhes do
ambiente construído que eram percebidos por poucos, como uma
pequena figura adesiva colada por aquele interno numa vidraça. Com
ações como essas, o habitar doméstico da INSTITUIÇÃO, por
diferentes motivos, é transformado pelos usuários (especialmente os
internos) com o objetivo de proporcionar abrigo e atender às
necessidades sociais e psicológicas. Registra-se que na INSTITUIÇÃO,
o marco principal é a setorização funcional, que viabiliza aos usuários:
localização espacial (importante para o interno recém-chegado ou com
alguma limitação cognitiva), entendimento dos usos do cotidiano (e.g.
local para dormir, para comer e trabalhar), controle de acessos (para
segurança dos internos) e gradientes de privacidade (do coletivo ao
íntimo).
Logo, a legibilidade constrói maior sentimento de apropriação,
com menor probabilidade de frustação e retraimento, que prejudicariam
o crescimento e desenvolvimento psicossocial. Na infância e
adolescência, atribuir recursos arquitetônicos que transformem o espaço
em lugar, contribui para a construção de valores psicológicos positivos,
como sentimentos de apego, familiaridade e afeto. De acordo com
Gesell (1950 apud TUAN, 1983), mesmo uma criança de dois ou dois
anos e meio de idade compreende o sentido da palavra “onde” e, apesar
de não possuir a imagem clara do espaço intermediário, adquire um
sentido de lugar e segurança quando o seu “onde” corresponde a
ambientes conhecidos, ou seja, legíveis. Para as crianças e adolescentes
institucionalizados, mesmo que os marcos significativos sejam apenas a
setorização funcional e os registros particulares, ambos proporcionam
175

sentimentos de orientação, familiaridade e segurança, importantes para


minimizar efeitos do processo de transferência para uma nova referência
de habitar doméstico.
Contudo, a legibilidade dos ambientes construídos não é
conferida apenas por meio do zoneamento das atividades, mas pela
minimização das barreiras visuais e físicas, percursos simplificados e
perceptíveis, continuidade espacial, predominância e repetição de
elementos arquitetônicos, clareza de ligação entre setores, alcance visual
do ambiente construído e do mobiliário (TUAN, 1983).
Entende-se que as relações entre os atributos do ambiente
construído e seu impacto sobre as pessoas não são deterministas, nem
tão pouco mensuráveis. No entanto, o ambiente construído é capaz de
conformar seus usuários e também, o inverso acontece. De acordo com
Rivlin (2003), a Arquitetura possui um “caráter de legibilidade”,
sugerindo determinados tipos de comportamento e percepções humanas
e relacionando-se com funções utilitárias e simbólicas da imagem. No
estudo de caso, o “caráter” pode ser atribuído por dois vieses: o
institucional (funcionários) e o dos internos (crianças e adolescentes).
Aquele prioriza a percepção do ordenamento, compreendendo essa
propriedade como fundamental para o crescimento e desenvolvimento
de um interno cujo histórico de vida é contrário a isso. Em conjunto, há
a compreensão por parte da INSTITUIÇÃO de sua fundação como um
habitar doméstico transitório, onde as sensações de pertencimento e
apego com o ambiente construído devem ser minimizadas e por isso, há
excesso de conotações coletivas acerca do espaço e seus componentes.
Por outro lado, para os internos, o “caráter” é de habitar doméstico, sem
apreciações temporais sobre permanência ou transitoriedade, havendo
repetidas tentativas de atribuir valor individual onde se convive, através
das falas e ações de posse sobre os ambientes construídos, os objetos e o
mobiliário.
Ainda referente aos setores na INSTITUIÇÃO, há restrição de
acesso especialmente no serviço, com o uso de barreiras físicas – portas
e grades de proteção em madeira, à meia altura. A autonomia das
crianças e dos adolescentes, no estudo de caso, é permitida apenas no
setor social, ainda assim há restrições de atividades em cada um dos
ambientes que o compõe (e.g. espaço para comer, descansar e para
brincar). Foram reiteradas as tentativas de participar de atividades do
cotidiano doméstico, em todas as vezes repreendidas. Compreende-se
que tais regras também podem acontecer em outros modelos de habitar
doméstico e há o intuito de evitar acidentes domésticos, mas a maior
colaboração viabiliza o desenvolvimento de autonomia e sentimento de
176

pertencimento, importantes para crianças e adolescentes em processo de


crescimento e desenvolvimento psicossocial e especialmente, com
histórico de situação de vulnerabilidade social, onde tais sentimentos
são pouco, ou nada, valorizados.
A autonomia constitui-se como: a capacidade do sujeito de tomar
decisões; apropriar-se de maneira segura do ambiente construído,
desempenhando atividades; de ser responsável pelos seus atos; e de
posicionar-se no mundo de maneira crítica, digna e consciente. Na
Arquitetura, esse recurso está condicionado, entre outros fatores, a
aspectos ergonômicos e de acessibilidade espacial. Para as crianças e os
adolescentes, ambientes construídos e atividades que permitam ação,
livre escolha e iniciativa, viabilizam a construção de laços sentimentais,
inclusive com o local em que se vive. Nesse sentido, certas qualidades
arquitetônicas como: escalas menores, cores, texturas aconchegantes,
centros de interesse visual e espaços subdivididos em funções; fazem os
usuários sentirem-se seguros e desenvolverem autonomia. Na
INSTITUIÇÃO, o que se percebe é o controle continuado das ações do
cotidiano, sob o jugo da segurança. Os internos, especialmente os
adolescentes, respondem contrariados e continuamente, requerem maior
autonomia em atividades privadas como o descanso e o estudo, ou
sociais por exemplo, cozinhar.
Ainda no sentido de apropriar-se do ambiente construído, está a
demarcação de ambientes através de preferências (e.g. mais perto da
televisão ou de algum amigo) e hierarquias sociais (e.g. mais tempo de
internação ou faixa etária mais elevada). A coletividade que predomina
nos setores social e íntimo da INSTITUIÇÃO, prejudica o sentimento de
pertencimento e identidade em que se insere a ação de demarcar
ambientes e posições dentro dele. Aos internos, é minimizada ou
restrita, qualquer iniciativa de formação de território. A coletividade,
aparentemente, em prol da ordem na rotina doméstica, prejudica os
diferentes gradientes de intimidade que possui o habitar doméstico,
desde o espaço para sentar junto a mesa, até poder se isolar no quarto.
Registra-se que para a maioria das crianças e dos adolescentes, o tempo
de internação é prolongado (meses ou anos). Dessa maneira, a
INSTITUIÇÃO torna-se a referência de habitar doméstico e como tal,
deveria viabilizar recursos para territorialidade, através de elementos
arquitetônicos, mobiliários e demais objetos.
A formação e afirmação da identidade tem a territorialidade como
condição. A identidade firmada no território, é classificada como
“identidade sócio espacial” (SOMMER, 1973). O ambiente construído
em que se vive é considerado o elo comum, que conduz a identificação
177

das pessoas daquele ambiente. Registra-se que a identidade, mesmo a


espacial, é construída durante todo o decorrer da vida, sendo passível de
mudanças. Porém, não significa que haja perda completa dos fatores
essenciais, adquiridos nos primeiros anos de vida. Dessa maneira, no
contexto da INSTITUIÇÃO, a construção de laços com os pares e o
ambiente construído permite viabilizar aos internos, estes sentimentos;
lembrando que para a maioria das crianças e dos adolescentes
institucionalizados, o entendimento é o oposto, visto que nasceram e
viveram parte de suas vidas em condições de vulnerabilidade, as quais
envolvem problemas sociais, culturais, econômicos e até mesmo
políticos, com outras pessoas e com o lugar, ou lugares em que se vive.
Isto posto, é importante que o ambiente construído possua
propriedades de domínio do território, conferindo-lhe a possibilidade de
gerar sentimentos de identidade e consequente, pertencimento. A
princípio, esse conceito pode nos remeter a, no mínimo, duas
possibilidades: uma vinculada ao contexto social e outra, compreendida
a partir do sentimento por parte do sujeito, de integração a um todo
maior, numa dimensão não apenas concreta, mas abstrata e subjetiva.
Neste sentido, o pertencimento é quando uma pessoa se sente ligada a
um local ou comunidade, fazendo parte daquilo (DE BOTTON, 2007) e
consequentemente, identificando-se com o ambiente construído que faz
parte da sua vida, como se fosse uma continuação dela própria.
A INSTITUIÇÃO propõe ainda, repetir o que intitula de “casa
normal”. Para tanto, utiliza a neutralidade, com pouca (ou nenhuma)
identidade visual com o universo do público atendido. A julgar pelo
entendimento da expressão “casa normal” como a aproximação com a
cultura local, composta por ambiências da região onde se situa a
INSTITUIÇÃO, faltam variedade de elementos construídos e maior
diversidade de cores, formas e texturas. A falta de identidade e
especialmente, de variedade de desafios - ocasionadas pela neutralidade
na personalização dos ambientes - são prejudiciais para as crianças e os
adolescentes, que precisam desses atributos no ambiente construído para
desenvolverem acuidades, inclusive relacionadas com os sentidos. A
homogeneidade faz o ambiente construído parecer apto a receber a
todos, mas sem se identificar a ninguém. No estudo de caso, essa
característica é ainda mais deficitária no berçário, onde os atributos
espaciais se constituem em estímulos cruciais para o crescimento e
desenvolvimento na faixa etária inicial da vida. A neutralidade prejudica
ainda, o chamado gradiente de desafio, onde se acomodam os níveis de
independência, impedindo que as pessoas se tornem oprimidas pela
178

dificuldade na realização de determinadas atividades num ambiente,


especialmente quando se trata do habitar doméstico.
Os ambientes construídos com poucos fatores que construam a
ambiência de casa, fazem com o que o usuário do espaço não se
identifique no e com o mesmo, ou ainda, construa suas próprias pontes
de conexão, não necessariamente, positivas e algumas vezes,
contribuindo para o aumento da agressividade e de outros tipos de
estresses que agravam ainda mais os problemas físicos e psicológicos
que acometem as crianças e os adolescentes internos. Para a promoção
de ganhos psicossociais e o resgate (ou construção) dos vínculos
afetivos, é preciso, entre outros fatores, que os ambientes se adéquem às
necessidades funcionais e psicológicas dos abrigados, por essa razão é
que a Etapa 02 procurou “ouvir” os usuários que convivem o cotidiano
doméstico e os resultados são apresentados a seguir.

4.3 RESULTADOS DA ETAPA 02

4.3.1 Jogo de Imagens e Palavras

A seguir são apresentados os resultados da Etapa 02, cujo foco


central é o indivíduo. O primeiro método que compôs essa etapa foi o
Jogo de Imagens e Palavras. A apresentação desses resultados consiste
na transcrição das falas mais significativas obtidas, contextualizadas a
partir das imagens escolhidas. A ordem de apresentação considera: as
funções de uso e atividades funcionais, os usuários, o mobiliário e
equipamentos, por fim, a dimensão comportamental (território e
privacidade). A dimensão legal não foi explorada na dinâmica, porque a
pesquisadora acredita que tal quesito fica sob responsabilidade
institucional. Além disso, as leis se alterarem ao longo do tempo e são
pouco informadas às crianças e adolescentes, não sendo de domínio dos
mesmos.
A atividade foi realizada com dois grupos, sendo no primeiro o
predomínio de crianças e no segundo, de adolescentes. Na Aplicação 01,
com crianças de ambos os sexos, as preferências faziam alusão ao
compartilhamento e predomínio de ambientes com variedade de cores
(Quadro 23). O desagrado para o primeiro grupo referia-se à densidade
(muito cheio ou vazio), à monocromia do ambiente e também, ao
isolamento (Quadro 24). Na Aplicação 02, com adolescentes, os
motivos para escolha estavam relacionados aos gradientes de intimidade
(do isolamento ao coletivo) e ao uso de cores (Quadro 25). Por outro
lado, as razões para rejeição indicaram imagens de atividades
179

domésticas ou ambientes excessivamente organizados e/ou


monocromáticos (Quadro 26).

Quadro 23 - Imagens preferidas pelos participantes da Aplicação 01 do


Jogo de Imagens e Palavras

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Quadro 24 - Imagens de desagrado pelos participantes da


Aplicação 01 do Jogo de Imagens e Palavras

Fonte: Elaborado pela autora (2017).


180

Quadro 25 - Imagens preferidas pelos participantes da Aplicação 02 do


Jogo de Imagens e Palavras

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Quadro 26 - Imagens de desagrado pelos participantes da


Aplicação 02 do Jogo de Imagens e Palavras

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Referente aos usos dos ambientes, nas duas aplicações do Jogo de


Imagens e Palavras foi possível constatar a distinção que os internos
fazem entre os setores, compreendidos como: o social “é de todos”; o
íntimo é “apenas para crianças e adolescentes”; e o de serviço, para
funcionários. Todavia, essa situação não exclui a intenção de participar
181

das atividades domésticas, porque as crianças na Aplicação 01,


escolheram imagens de alusão a tal fim. Sobre essas situações,
comentaram:

Eu acho muito importante ajudar na casa. Ela é da


gente. É legal poder ajudar. [...] às vezes eu peço
para ajudar e as tias também pedem para a gente
arrumar a bagunça dos brinquedos. Mas na
cozinha, a gente não pode. Acho que ali deve ser
bem legal” (CRIANÇA 02).
Eu gostaria muito de aprender a cozinhar. Ela está
aprendendo [referindo-se a imagem]. Que legal!
Mas aqui a gente não pode. A tia tem medo que a
gente se queime” (CRIANÇA 01).

Os adolescentes na Aplicação 02, ao contrário, apresentaram-se


descontentes com imagens alusivas às atividades domésticas, apenas a
ADOLESCENTE 07 fez comentário: “Eu não posso fazer isso aqui.
Mas eu gosto de cozinhar e queria aprender”. Apesar dos demais não
escolherem tais imagens, após esta opinião destacaram que eles
gostariam de maior autonomia em atividades domésticas, especialmente
no preparo de alimentos.
Acerca dos usuários, na Aplicação 01 e 02, os participantes
reconhecem as imagens com crianças ou adolescentes como aquelas em
que havia proximidade da situação por eles vivenciada. As imagens em
que não havia pessoas nos cômodos, representavam para os
participantes ambientes sem uso. A mesma opinião ocorreu quando
havia excesso de organização ou decoração monocromática. Seguem
algumas afirmações:

Nossa como ela é arrumada. Essa cozinha não é


legal. Ninguém está nela. Ela também tem pouca
coisa [objetos] (CRIANÇA 01).
Não gostei porque parece que ninguém usa. Muito
arrumada. A gente tem a sala de visita aqui que é
assim, ninguém usa. Bem arrumada! (CRIANÇA
02).
Cozinha bem arrumada. Ninguém deve morar ali.
Porque onde se usa, não é assim
(ADOLESCENTE 07).
182

Sobre o mobiliário e equipamentos, constata-se a escolha de


imagens que permitiram autonomia nas atividades, inclusive domésticas.
Além do predomínio da cor e das texturas como representação do
habitar doméstico e em alusão à diversidade e ao uso, como citado
anteriormente.

Gostei disso. Aqui até temos a nossa cama e uma


prateleira, mas seria legal que fosse bem certinho
separado. Cada um com a sua parte
(ADOLESCENTE 06).
Amarelo é bonito e chama atenção. Fica muito
bonito na sala. A gente podia ter mais cores aqui
também. Aqui é tudo igual (ADOLESCENTE 07).
Que legal. Eu queria fazer isso! A cozinha é bem
colorida também. Muito bonito! [...] só gosto de
bagunça para brincar. [...] isso é legal, porque a
gente pode participar, as coisas ficam nossas [...]
essa é uma casa colorida e cheia de coisa. Ela
precisa ser arrumada, porque tem coisa no chão.
Mas mesmo assim ela é mais legal do que aqui,
que a sala é bem arrumadinha, mas não é assim
colorida e alegre (CRIANÇA 03).

Acerca da dimensão comportamental, as contribuições obtidas


pela aplicação do Jogo de Imagens e Palavras foram divididas,
considerando a idade dos participantes. Os menores mencionaram a
necessidade de possuir pequenos nichos – refúgios – em que possam
brincar e relacionar-se com a escala do ambiente com maior propriedade
(autonomia). “Eu faço isso aqui. Eu pego uma caixa [de papelão] e fico
ali no meu cantinho. É legal. Ali é só nosso” (CRIANÇA 02). Todavia,
essa empatia com os ambientes de menor escala acontece apenas onde
há mais de uma criança na imagem. Naquelas em que o indivíduo estava
só, a representação não foi compreendida como positiva. “Que triste. Ele
deve estar cansado, ou de castigo” (CRIANÇA 04). A contrariedade é
constatada também, nos ambientes em que há excesso ou nenhuma
pessoa presente. O primeiro é entendido como desordem e o segundo,
como monótono. “Muito cheio, ninguém fica à vontade” (CRIANÇA
03). Com os adolescentes, as percepções de isolamento e aglomeração
foram diferentes e as necessidades de ambientes com diferentes graus de
interação ou de privacidade foram citadas como importantes.
183

4.3.2 Representação Gráfica

O segundo método utilizado com as crianças e os adolescentes foi


a Representação Gráfica. Nesse método, foram considerados resultados
(Figura 20), as falas dos participantes ao explicarem suas próprias
representações e a análise de componentes do desenho frente aos
“patterns” elencados, permitindo compreender especialmente, os
elementos arquitetônicos externos ao edifício e que não foram
abordados com profundidade nas imagens utilizadas no Jogo de Imagens
e Palavras.

Figura 20 - Representação gráfica da casa por um dos participantes

CRIANÇA 01
“Eu fiz uma casa assim com cores. Porque cores são legais numa casa. Ela também tem
porta e janela, grande e pequena, para todo mundo olhar. [...] Coloquei uma piscina do
lado. Eu queria ter uma piscina.”
Fonte: Criança 01 (2017).

Nas falas dos participantes, houve repetidas colocações acerca da


cor como indicativo de presença, uso e apropriação dos ambientes
construídos.

Eu fiz uma casa assim com cores. Porque cores


são legais numa casa (CRIANÇA 01).
Minha casa tem muita cor! É assim que eu gosto!
Ela tem de parecer uma casa feliz! Cheia de coisa
e de gente! (CRIANÇA 02).
A casa é colorida. Porque casa colorida é casa
feliz, que tem gente morando (ADOLESCENTE
06).
Essa casa é colorida. A casa precisa ser assim! Ter
coisas coloridas. Isso mostra que muitos fazem
parte. Colocam suas coisas. Tudo igual não é casa
(ADOLESCENTE 07).
184

Outro tema recorrente foi a relação visual estabelecida com a área


externa a partir das janelas, considerando-a necessária e positiva.

Ela também tem porta e janela, grande e pequena,


para todo mundo olhar (CRIANÇA 01).
Minha casa tem janelas grandes, para a gente ver a
rua! (CRIANÇA 03).

A relação de privacidade emergiu em uma das falas, “As janelas


são pequenas porque as vezes eu queria ter mais lugar de criança aqui.
Lugar onde cabe só uns poucos amigos” (CRIANÇA 04).
Ao analisar os desenhos com base nos “patterns”, os resultados
apresentaram estratégias projetuais que se repetiram com relativa
frequência, conforme apresentado no Gráfico 6, corroborando com as
estórias contadas pelas crianças acerca dos seus desenhos. Estão
presentes como padrões de habitabilidade, e consequente de sentido de
lar, as seguintes características: cores quentes, janelas com pinázios,
aberturas naturais – vistas, nicho infantil e cobertura envolvente. O
“pattern” de formato alongado foi compreendido pelas crianças como
espaço amplo, com capacidade para acomodar mais pessoas.

4.3.2 Grupo Focal

O método de Grupo Focal, realizado com os adultos, teve como


objetivo obter impressões acerca do ambiente construído. Houve uma
aplicação, em que participaram seis funcionárias. Vale ressaltar que foi
seguido um roteiro com perguntas fechadas, o uso de tópicos com base
nos “patterns” previamente selecionados para perguntas abertas e
exploratórias e por fim, a sequência de perguntas fechadas, elaboradas a
partir da vivência no ambiente construído da INSTITUIÇÃO (Gráfico
2). A apresentação dos resultados respeita esse documento.
185

Gráfico 2 - Frequência de “patterns” encontrados nas representações


gráficas realizadas pelas crianças e os adolescentes

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Realizou-se, inicialmente, um questionamento amplo para que os


participantes relatassem as primeiras ideias acerca do tema: “Quais os
ambientes mais frequentados por vocês e porquê?”. Todas responderam
ser a sala de jantar-estar. Mesmo os ADULTOS 05 e 06, que não
trabalham diretamente no cuidado dos internos, responderam que este é
o ponto de maior convergência. A justificativa pautou-se na coletividade
e na facilidade de controle dos internos, mesmo quando esses realizam
atividades diferentes.

Nós ficamos em vários lugares, mas o que


permanecemos mais tempo é a sala. Porque ali
ficam as crianças durante as refeições e nos outros
horários do dia quando não estão dormindo. A
gente senta ali na mesa, pode conversar e observar
as crianças ao mesmo tempo (ADULTO 02).
A gente se divide para cuidar das crianças. Então
estamos onde elas estão. Mas mesmo assim se
fosse pelo tempo do dia, é sim a sala o local que
mais ficamos. É grande e a gente prefere que as
crianças fiquem ali. Porque assim ficam todas
juntas. Às vezes elas não querem ficar só ali.
Querem ir para o quarto. Mas achamos que na sala
tem mais espaço e elas podem brincar mais à
vontade e com menos riscos de se machucarem
(ADULTO 03).

Na segunda pergunta, “Quais seriam os ambientes mais


adequados para os internos e porquê?”, a resposta foi a sala de jantar-
estar por permitir diferentes dinâmicas, que segundo as participantes são
186

necessárias para um ambiente construído com usuários em diferentes


estágios de desenvolvimento. Duas participantes concordaram com as
afirmações, mas acrescentaram os quartos, referindo-se às cores como
alusão ao universo infantil.

Acho que a gente não dá o devido valor a isso,


mas olhando agora, depois de nossa conversa,
vejo que podíamos estar um pouco mais perto
dessas coisas que fazem uma casa parecer uma
casa, por exemplo são coisas pequenas,
fotografias, almofadas, quadros infantis e também
podíamos ter mais cor (ADULTO 04).

A terceira pergunta foi: “Se fosse elaborado um novo projeto, que


ambientes e qualidades não poderiam faltar e porquê?”. A solicitação foi
uma sala de descanso, onde fosse possível permanecer sem a companhia
dos internos. Destaca-se que apenas nessa resposta, as participantes
incluíram necessidades espaciais que se referiam a elas mesmas.

Primeiro seria pensar em um lugar para o nosso


descanso [funcionárias]. Porque mesmos nos
turnos que fazemos, temos horas de descanso que
nós não conseguimos tirar. Não temos uma sala
para ficar ali, ver televisão, dormir um pouco.
Tudo acontece junto com as crianças, o que é
muito difícil (ADULTO 01).

Além disso, as participantes mencionaram que a cozinha poderia


permitir a participação dos internos na rotina, especialmente as
adolescentes, como forma de dar autonomia e até mesmo, prepara-las
para o momento da saída do abrigo institucional.

Poderíamos pensar em atividades paralelas,


enquanto as tias da cozinha fazem as atividades do
dia a dia, podíamos ensinar coisas mais simples.
Seria muito importante essa relativa liberdade […]
(ADULTO 04).

Houve ainda relatos únicos, mas cujas argumentações fizeram as


demais participantes assentir concordando, sendo eles: a necessidade de
ambiência lúdica, “[...] alguns ambientes mais lúdicos, através de cores
e de móveis, não sei bem como seria organizado isso, mas acho que a
187

criança precisa desse desafio” (ADULTO 04); a questão da dimensão


dos ambientes versus o fluxo de internos, “Não sei como isso poderia
ser resolvido, mas seria interessante pensar nesses fluxos que a casa
possui, as vezes mais e as vezes menos crianças” (ADULTO 04); e por
fim, a necessidade de áreas externas ajardinadas para permitir
apropriação, “O paisagismo é algo que sempre quisemos, mas não
conseguimos. Eu acho importante deixar as crianças livres, explorando
os espaços externos, mas aqui não tem muita graça, ou temos grama ou
temos brita” (ADULTO 06).
Nas perguntas abertas baseadas nos “patterns”, a “Relação
interior e exterior através de ambientes e aberturas” foi ponderada a
partir de duas reflexões: a necessidade do paisagismo para melhor
qualificar as relações entre os ambientes internos e externos; e a
necessidade de segurança nas relações entre o lote e a rua.

Acho que a relação interior e exterior acontece, o


que permite a todos ter noção do dia, da luz, dos
sons. Isso é importante para o desenvolvimento da
criança. A questão de não ver a rua em si. Eu
concordo, porque é a forma que temos de
preservar a criança. Já ouvimos muitos casos
sérios de outras instituições que tiveram pais ou
parentes invadindo, e isso não é saudável para as
crianças (ADULTO 06).

Sobre as “Estratégias de privacidade e intimidade do exterior até


o interior”, destacou-se como reguladores espaciais as portas e janelas.
No ambiente interno, expuseram que a distribuição distinta dos setores
(social, íntimo e serviço) auxilia na caracterização dos usuários em cada
um deles. Além disso, afirmaram a necessidade de separação por sexo
nas atividades de repouso e higiene. Houve posição favorável ao
isolamento, apesar de pouco incentivada na realidade, sob a justificativa
da segurança dos internos, conforme constatado na Observação
Participante. “Afinal a gente entende que o isolamento as vezes é
necessário, mas nesse cenário, fica difícil permitir” (ADULTO 06).
Ainda sobre o tema, reiterou-se a necessidade da sala para as
funcionárias.
Acerca das “Áreas comuns articuladas e com uso de convívio”, as
participantes reforçaram a importância da sala de jantar-estar como
espaço de uso comum, em que é possível conviver com as diferenças e
incentivar o sentimento de coletividade. Contudo, ponderaram a
188

necessidade de a ambiência aludir ao universo infanto-juvenil. “Só


penso que podia ser mais alegre e com mobiliários mais bonitos, que
lembrassem um pouco esse universo infantil” (ADULTO 04).
A indagação sobre a “Circulação como elemento interativo” teve
de ser contextualizada a partir de exemplos por parte da pesquisadora
mediadora. Após a compreensão, as respostas referiram-se aos
corredores longos e escuros e a pouca identidade com uma casa. “Nossa
como seria legal pensar nos corredores como espaço em que podíamos
acrescentar elementos mais infantis. Coisas de casa” (ADULTO 01).
A última pergunta aberta – “A criação de ambiência indutora” –
também necessitou de contextualização. Após, as respostas afirmaram
que o ambiente construído deixa claro seus usos e funções. Todavia,
poderia explorar o universo infanto-juvenil (sem darem sugestões de
como ocorreria) e permitir a maior apropriação individual, inclusive
com sugestão de respeito à escala infantil para o mobiliário e o ambiente
construído. As justificativas para tais colocações pautaram-se na
necessidade de identidade com o lugar, de reconhecimento e
pertencimento. “Acrescento o fato que a gente podia ter alguns
ambientes em que as crianças podiam deixar mais com a cara delas. Isso
eu penso que confortaria um pouco cada uma delas” (ADULTO 03).
Nas perguntas finais, construídas com base no que se vivenciou
nas Observações Participantes, a primeira questão foi: “Por que a sala de
estar/jantar é privilegiada para os usos?”, e as respostas apontaram a
diversidade de usos que se adequa à diferentes públicos. “Acredito que
seja pelo uso que é diversificado e todos podem ficar ali (ADULTO
01)”.
Acerca da neutralidade dos ambientes construídos – “Por que a
neutralidade nos ambientes?” - as considerações possuíam duas
abordagens. A primeira, institucional, acreditava no recurso para não
especificar os ambientes construídos a um público específico, como
sugere os órgãos fiscalizadores. “Acho que temos de considerar o fato
que não podemos parecer muito com uma escola, e talvez isso, junto
com nosso desconhecimento sobre o assunto, faz com que a gente deixe
o máximo sem interferências (ADULTO 06)”. A segunda abordagem é
mais humanizada e confronta a realizada encontrada com um
entendimento de ambiência do habitar doméstico contrário a esse.

Acho que a gente não dá o devido valor a


isso, mas olhando agora, depois de nossa
conversa, vejo que podíamos estarmos um
pouco mais perto dessas coisas que fazem
189

uma casa parecer uma casa, por exemplo


são coisas pequenas, mas fotografias,
almofadas, quadros infantis e também
podíamos ter mais cor (ADULTO 04).

A terceira pergunta: “Por que a restrição de uso de ambientes


mais íntimos (como quartos)?”, explora os gradientes de privacidade
encontrados na INSTITUIÇÃO e sugerem que as decisões para pouca
ou nenhuma privacidade dos internos ocorre por segurança, inclusive
apontam (sem demonstrar intenção explicita) que as dimensões e a
configuração espacial da INSTITUIÇÃO não são impedimentos para a
privacidade, pelo contrário, favorecem. Dessa maneira, é possível
afirmar que os gradientes de privacidade e o uso dos dormitórios com
maior autonomia para se estar só ou em grupo, são resultados de normas
de conduta.

Isso é muito mais porque a casa é grande e


precisamos ter supervisão, mesmo que a distância,
das crianças. Aí se a gente deixa eles ficarem
sozinhos em diferentes ambientes da casa, é um
pouco complicado manter tudo em ordem e
também a segurança das crianças (ADULTO 02).
O bom seria que a gente resolvesse essa
necessidade de deixar as crianças com certa
intimidade num ambiente da sala mesmo. Acho
que a gente podia fazer algumas mudanças para
criar esses pequenos lugares onde se podia ficar
só, sem restringir apenas ao quarto. Porque o
quarto é realmente um problema, é complicado
manter uma supervisão a distância e ainda assim
dar privacidade (ADULTO 05).

A indagação sobre a cozinha - “Qual a relação dos internos com o


ambiente da cozinha?” – demonstrou o que as crianças e os adolescentes
já tinham afirmado: a necessidade de aproximar esse ambiente da
INSTITUIÇÃO do cotidiano doméstico dos internos, permitindo
participação, “Nossa a cozinha era muito importante para as crianças, a
gente queria muito que eles tivessem acesso. Mas da maneira como está,
não dá. O acesso é difícil (ADULTO 01)” e “Seria maravilhoso ver eles
usarem o espaço em segurança. A tia da cozinha podia até ensinar e
talvez para alguns deles virassem uma profissão também (ADULTO
04)”.
190

A última pergunta: “Quais as referências do habitar doméstico


são importantes para os usuários?”, corroborou para o entendimento da
cozinha como um ambiente importante para o sentido de acolhimento de
um abrigo institucional.

Acho que uma casa precisa ter uma sala


acolhedora, um quarto onde seja possível dizer
que é seu, mesmo que ele não seja só seu. E uma
cozinha para ficar junto (ADULTO 01).
Uma cozinha, um quintal e uma bonita sala, onde
todos podem ficar juntos (ADULTO 02).

A etapa 02 permitiu ouvir os usuários do abrigo institucional do


estudo de caso. Durante a aplicação dos métodos, os depoimentos, em
conjunto ao referencial teórico de apoio, formaram a análise do habitar
doméstico de caráter institucional através de termos objetivos – das
associações físicas estabelecidas com o ambiente construído – e
subjetivos – das pessoas que intervém nessas relações. Registra-se que
apesar da subjetividade, que permeia as interações no e com o ambiente
construído; e dos resultados não pretenderem generalizar opiniões, os
apontamentos podem ser agrupados em conceitos, que de alguma forma,
estão relacionados ao tema do habitar doméstico, como serão discutidos
a seguir.

4.4 DISCUSSÕES DOS RESULTADOS DA ETAPA 02

Os resultados obtidos na Etapa 02 destacaram as seguintes


características espaciais como importantes para a identidade com o
lugar, estando presentes ou não na INSTITUIÇÃO: ambientes
compartilhados com variedade visual; gradientes de privacidade;
relações físicas e visuais entre o interior e o exterior da edificação; e
cobertura envolvente.
Os ambientes compartilhados são aqueles em que os usos
diferentes acontecem simultaneamente e dessa maneira, permitem aos
usuários a capacidade de provocar respostas específicas e adequadas às
situações vivenciadas. Tal experiência viabiliza a característica de
polivalência do ambiente construído. Os espaços polivalentes, a luz de
Hertzberger (1999), são os espaços que podem ter diversos usos sem
alterar o ambiente construído e conservando sua identidade. Nessa
situação, a Arquitetura é considerada menos fixa e dá incentivo ao
usuário para realçar e reafirmar suas personalizações. Além de ter a
191

capacidade de acomodar, absorver e induzir funções. Na


INSTITUIÇÃO, ao contrário, o que se identifica são os chamados
espaços flexíveis (HERTZBERGER, 1999). O termo é aplicado aos
edifícios neutros, que implicam em ausência de identidade,
especialmente realizada por parte dos usuários (HERTZBERGER,
1999). Essa característica repassa a mensagem de incerteza, de falta de
comprometimento e especialmente, num habitar doméstico, de
inexistência de aconchego no acolhimento. Registra-se que para as
crianças e os adolescentes, quanto maiores forem as associações
despertas pelo ambiente construído, maior será a capacidade
desenvolvida de apropriar-se. Na Etapa 02, o conceito de identidade foi
reiteradamente destacado como necessário e ao mesmo tempo,
inexistente, através de apontamentos sobre a monotonia visual ou a
ausência de referências imagéticas do habitar doméstico e do universo
infanto-juvenil.
Outra argumentação foi acerca dos gradientes de privacidade. Na
INSTITUIÇÃO, há favorecimento do coletivo em todas as atividades
cotidianas dos internos. A privacidade, que se configura como o
equilíbrio entre o isolamento e a socialização, é pouco (ou nada)
incentivada. É possível afirmar, que há registro de maior intimidade
apenas nas atividades com de orientação psicológica, de visita da família
de origem ou no banho. Todavia, a fim de promover crescimento e
desenvolvimento psicossocial saudável dos internos, e considerando a
privacidade uma das principais características do habitar doméstico,
seria necessário garantir controle de acesso, que na INSTITUIÇÃO
acontece somente com o recurso de fechar e abrir as portas, sejam elas
internas ou externas à edificação; ou através dos limites (bem
estabelecidos) dos setores funcionais (social, íntimo e serviço),
novamente, reforçando as ações coletivas, e não individuais.
Os gradientes de privacidade são classificados por Elali (2002)
como: pessoal (o eu), interpessoal (as relações entre pessoas) e o
ambiental (o ambiente construído modifica as percepções individuais e
delimita parte das opções comportamentais possíveis). Na
INSTITUIÇÃO, o pessoal é a classificação mais requerida por vários
internos e também, o gradiente menos viabilizado, sempre sob o jugo da
segurança, reiteradamente verbalizado pelos funcionários. O setor
social, excessivamente coletivo, e os quartos, com pouca identidade
pessoal, prejudicam esse gradiente mais íntimo e restrito. O interpessoal,
por sua vez, ocorre, mas com excesso de coletividade e em grupos
maiores, ignorando a necessidade das crianças e dos adolescentes de
associar-se por afinidade, formando grupos privados menores. No
192

gradiente ambiental, a INSTITUIÇÃO favorece o entendimento coletivo


e dificulta a apropriação a partir do individual, através da
personalização.
Ressalva-se, que é compreensível o entendimento do coletivo
como forma de controle e segurança na INSTITUIÇÃO. Contudo, o
ambiente construído pode dispor de qualidades que permitam a
formação de gradientes de privacidade com espaços menores e
identificáveis dentro do todo, sem que se perca o monitoramento dos
responsáveis, por exemplo uma pequena cabana de pano, um tapete
colorido com almofadas; todos são ambientes menores que simulam
para os internos, essa necessidade por espaços aconchegantes e
privativos. Em contraposição ao coletivo e à expansividade dos espaços
abertos, devem existir então, ambientes menores para utilização
individual ou de pequenos grupos, dependendo do grau de privacidade
requerido para cada faixa etária dos internos. Ressalva-se que a
probabilidade de internos relacionarem a posse de espaços à
determinadas crianças e adolescentes gerando conflitos, é menor do que
num outro modelo de habitar doméstico por exemplo, em virtude da
rotatividade nas internações.
Ainda nesse sentido, registram-se as variações no fluxo de
internos que geram períodos de maior ou menor lotação. Quando há
menor densidade populacional na INSTITUIÇÃO, a rigidez dos
ambientes construídos e a articulação através de corredores lineares e
sem variações visuais implicam em setores percebidos como
demasiadamente grandes. Essa percepção aliada ao ingresso no abrigo
institucional, que é um período de grande tensão e ansiedade, faz com
que a sensação de excesso ou escassez de pessoas possam acentuar as
reações de apatia ou agressividade, comuns nesses internos. Nesse
sentido, a adoção de estratégias para formar unidades menores, que
constituirão o todo, podem minimizar as sensações de distância e
separação, ampliando o acolhimento. Afinal, a realidade atual da
INSTITUIÇÃO é de espaços que oscilam entre a perda total de
privacidade e a excessiva coletividade quando há lotação; para espaços
vazios, onde ainda se conserva o predomínio do coletivo, pelas
dimensões espaciais e configuração do mobiliário.
Na Etapa 02, foi apontada ainda, as relações físicas e visuais
entre o interior e o exterior da edificação. Tal característica permite dar
legibilidade e estabelecer fronteiras, a partir da diferenciação entre
contrastes: dentro e fora, claro e escuro, iluminação e sombreamento,
oculto e visível, etc. Nesse sentido, o conceito de transparência se
relaciona à essa dimensão e é fundamental para se desenvolver
193

quaisquer ambientes construídos com altos níveis de conectividade. A


configuração espacial, com grandes portas e janelas de vidro, voltadas
para jardins, pátios internos e externos e ampla vegetação, criam a
sensação de abertura, aumentam a iluminação natural, fornecem o
conceito de segurança, facilitam a supervisão passiva de adultos e a
sensação de autonomia dos internos. Na INSTITUIÇÃO, apesar da
existência de uma varanda no setor social, a relação com ambientes
externos é quase exclusivamente visual. O acesso físico às áreas
externas, é controlado a partir de portas e pelos funcionários.
Por fim, a característica de uma cobertura envolvente é citada
acredita-se por ser um volume previamente imaginado como o modelo
que caracteriza o abrigo - a forma repetida do telhado inclinado, na
chamada “casa tradicional”. Essa característica em escala macro (da
edificação) ou micro (de ambientes internos) pode constituir-se, em
razão das personalidades e necessidades individuais, como: um
gradiente de privacidade; um lugar e não um espaço. Assumir o papel de
proteção (e.g. de caverna, cabana, proteção) é, portanto, permitir que se
estabeleçam identificações e apropriações individuais; como um
microcosmo onde a criança e o adolescente podem se afastar por algum
tempo, sempre que precisam se recompor.
Na INSTITUIÇÃO, o entendimento de casa com cobertura
envolvente, permite retomar a ideia de neutralidade e destaca a
importância de assumir o papel de moradia e como tal, aproximar-se de
conceitos de privacidade e marcação de território, fundamentais para
que os usuários construam identidade e consequentemente, sintam-se
acolhidos. O abrigo institucional como modelo de habitar doméstico
deve proporcionar não apenas o refúgio físico, mas o psicológico, ao
tornar-se guardião da identidade de seus moradores. Como
representação física, o abrigo institucional representa a segurança, a paz
e a proteção frente às adversidades vividas no “lado de fora”. Enfocando
a vida praticada na privacidade doméstica, a rotina previsível (e.g.
preparo de refeições e o sentar-se para assistir televisão) é considerada
aspecto fundamental e sentido de ordem e estabilidade emocional. Dessa
maneiro, o abrigo onde é praticado o habitar doméstico passa a possuir
não apenas o sentido institucional; porque ao incorporar significados
específicos, atribuídos por seus usuários através das relações cotidianas
nele estabelecidas ao longo do tempo, adquire o sentido específico de
lugar, torna-se efetivamente um ambiente acolhedor.
Para encerrar, destaca-se que a aplicação conjunta dos métodos
das Etapas 01 e 02 e a discussão dos resultados à luz dos referenciais
teóricos, permitem construir diretrizes projetuais que garantem a
194

autonomia necessária aos internos no intuito de proporcionar vivência


de qualidade nesse modelo de habitar doméstico, conforme é
apresentado no capítulo a seguir.
195

5 CONTRIBUIÇÕES DA ARQUITETURA PARA A


AMBIÊNCIA DOS ABRIGOS INSTITUCIONAIS

A maioria dos debates acerca dos abrigos institucionais converge


para o entendimento do ambiente construído como suporte físico
secundário no desenvolvimento de atividades voltadas ao acolhimento
provisório. Recorda-se que a ausência no Brasil, de legislação específica
sobre tal tema, é reveladora da pouca (ou nenhuma) importância
atribuída ao ambiente construído. Este capítulo conclusivo apresenta as
contribuições da Arquitetura, através da formulação de diretrizes de
projeto para os abrigos institucionais, que possam garantir a autonomia
necessária aos internos, no intuito de proporcionar ambiência de
qualidade nesse modelo de habitar doméstico, efetivando o sentido de
acolhimento esperado.
Registra-se que Savi (2008), em sua dissertação de mestrado,
elaborou três esferas de critérios projetuais61 para melhoria da qualidade
dos ambientes construídos, sendo eles: (01) o ECA; (02) a dimensão
comportamental e a categoria física; e (03) a dimensão ambiental
(Infográfico 7). O círculo central é considerado fundamental, devendo
ser obrigatoriamente cumprido pelos abrigos institucionais. A categoria
física considera: os critérios de dimensão do ambiente compatível com a
função desempenhada, mobiliário acessível e seguro, layout compatível
com as atividades do abrigo, segurança interna e externa ao abrigo e
acessibilidade espacial, permitindo que os internos com condições
físicas e psicológicas adequadas participem e tenham acesso livre a
todos os ambientes do abrigo, sem que haja restrição. A dimensão
comportamental envolve aspectos de territorialidade e privacidade,
considerados reguladores espaciais importantes para a formação de
identidade com o ambiente construído em que se vive. O círculo externo
corresponde à dimensão ambiental, considerando questões de conforto
térmico, acústico e lumínico (SAVI, 2008).

61
O círculo central corresponde ao ECA, considerado fundamental e obrigatoriamente
cumprido pelos abrigos institucionais. O intermediário considera a categoria física e a
dimensão comportamental (privacidade e territorialidade). O círculo externo corresponde
à dimensão ambiental, considerando questões de conforto térmico, acústico e lumínico. A
dissertação apresentou critérios e diretrizes projetuais para a dimensão legal (círculo
central), visto que nesse período não havia nenhum outro instrumento de controle do
ambiente construído. Dessa maneira, esse critério possuía maior urgência de reflexão
(SAVI, 2008).
196

Infográfico 7 - Esferas dos critérios projetuais

Fonte: Savi (2008).

Passada uma década da defesa do trabalho, essa pesquisa retoma


as conclusões e acrescenta contribuições ao propor diretrizes projetuais
que completem os critérios da esfera intermediária – dimensão
comportamental e categoria física. A escolha por essa esfera de critério
não é aleatória, e considera a análise crítica dos resultados coletados no
estudo de caso, apoiados (ou interligados) no referencial teórico (Quadro
27). Afinal, os apontamentos destacaram o abrigo institucional como um
modelo de habitar doméstico, necessitando de recursos que permitam a
apropriação e consequente, identidade com o lugar. A construção das
diretrizes surge então, como resposta para os apontamentos destacados.
Além disso, a esfera central é em tese, respeitada pelas instituições, não
carecendo aparentemente, de tamanha urgência em complementos,
enquanto os critérios da esfera intermediária, são determinantes ao
acolhimento e ignorados pelos instrumentos legais dessa área.
197

Quadro 27 - Principais apontamentos das etapas de estudo de caso que


fundamentaram a construção das diretrizes projetuais

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

As diretrizes dessa pesquisa apresentam posições necessárias para


atender ao propósito principal: para guiar o alinhamento62. Alinha-se
então, a Alexander (2013) através dos padrões, que não determinam uma
resposta à Arquitetura e sim um caminho, promovendo sensações
específicas a seus usuários, entre elas o acolhimento, como é objetivo
dessa pesquisa. Ressalva-se que apesar de generalistas, há na aplicação
de cada uma delas, pequenas variações existentes em razão do contexto
sociocultural a que virão se inserir, além de aspectos técnicos
necessários a qualquer projeto arquitetônico. Por fim, não se espera
esgotar o assunto, podendo (e devendo) surgir novas diretrizes ou
complementos a essas estabelecidas, como parâmetros. É importante
notar que algumas diretrizes formuladas partem de conceitos já
existentes na bibliografia relacionada à Arquitetura, mas pouco ou nada
explorados nesse modelo de edificação.
As diretrizes são apresentadas junto a reflexões que propõem
contextualizar o conceito, dar exemplo a partir de imagens e esquemas e
em alguns casos, propor recomendações mais concretas de projeto. O
conjunto de diretrizes é apresentado do exterior (relação com a cidade e
o lote) para o interior do ambiente construído. Ressalva-se que a
urbanidade é menos explorada que a habitabilidade, em razão do
objetivo geral dessa pesquisa ser a análise do ambiente construído
institucional. As diretrizes iniciais que abordam a relação com a cidade

62
A palavra diretriz provém do latim “directio”, “arranjo em linha reta, ato de endireitar”,
relacionado a “derigere”, “alinhar, tornar reto, guiar” [grifo nosso], formado por “de”,
“fora”, mais “regere”, “guiar, governar”.
198

complementam recomendações das “Orientações Técnicas: Serviços de


Acolhimento para Crianças e Adolescentes” (BRASIL, 2009B). A
numeração dada a cada uma das diretrizes é apenas, para organização
das informações, não pressupõe uma ordem de prioridades.
Algumas diretrizes, propositalmente, completam-se ou
sobrepõem-se porque essa pesquisa entende as contribuições
arquitetônicas de maneira integrada. Ainda, algumas são exemplificadas
com ilustrações, que não devem ser interpretadas como regras ou
normas de desenho. Acredita-se que ao profissional, cabe imprimir sua
marca pessoal no projeto arquitetônico, encontrando soluções criativas
para interpretar as diretrizes elencadas. Nenhuma das diretrizes deve ser
assumida como protótipo fixo, que explique como um elemento
arquitetônico deve ser projetado, mas sim tomada como ponto de
partida. Essa postura é assumida porque se acredita que para a
Arquitetura não há apenas uma solução e assim, as diretrizes são mais
necessárias do que os parâmetros, permitindo maior adaptabilidade num
cenário institucional tão amplo e variado como esse que fora
apresentado. É importante afirmar também, que muitas das diretrizes
apontadas não necessitariam de alterações expressivas no ambiente
construído, e sim alterações das regras de uso e apropriação do espaço,
estabelecidas (usualmente) pelas instituições e respeitadas pelos
usuários (crianças, adolescentes e adultos).

Diretriz 01 - Localização e conexão com o entorno imediato


(cidade e lote)

O abrigo institucional deve ser inserido em malha urbana dotada


de infraestrutura e dessa maneira, conectar-se com a comunidade a partir
de dois fatores: o primeiro ter sua localização em área residencial ou de
uso misto; e o segundo estar próximo de centralidade urbana ou de
bairro, com presença de equipamentos públicos e de serviço, que
servirão de apoio às necessidades dos internos de saúde, educação,
esporte, cultura e lazer (Figura 21).
199

Figura 21 - Conexão com o entorno imediato estabelecido por


equipamentos como escola, posto de saúde, etc. e considerando raios de
caminhabilidade, permite-se a conexão com a unidade de vizinhança

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Para atender a essa diretriz, a escolha da localização deve


considerar:
 Um terreno e entorno dotado de infraestrutura urbana básica:
água, luz, esgoto, telefone, iluminação pública, calçamento e
transporte;
 O terreno localizado em via local, com menor fluxo,
ajardinamento e passeio pavimentado;
 Locação em unidade de vizinhança cujo o raio de caminhada
seja de 400 metros para creches e escolas de ensino
fundamental; e de 800 metros para o ensino médio,
considerando recomendações de Guimarães (2004);
 A localização afastada de equipamentos nocivos, como áreas
indústrias, depósitos de lixo ou esgotos a céu aberto.

Diretriz 02 - Conexão entre espaços internos e externos (lote e


edificação)

Em razão da maioria das atividades dos internos num abrigo


200

institucional estarem concentradas no próprio estabelecimento, a relação


de conexão entre as áreas externas no lote e internas da edificação são
importantes para proporcionar relativa autonomia dentro desse
microssistema, que se constitui no ambiente construído de maior
convivência dessas crianças e adolescentes durantes os períodos (curtos
ou longos) de institucionalização. O projeto deve propiciar ampla
possibilidade para principalmente, as crianças e os adolescentes usarem
os ambientes externos tanto quanto os internos, para que isso seja
viabilizado deve-se considerar:
 A projeção da área construída sobre o lote deve permitir
espaços generosos também na área externa, contribuindo para
criação de estares e áreas de apropriação importantes para os
internos (Figura 22);
 A preferência por terrenos planos, facilitando a acessibilidade
espacial e a criação de áreas de convívio com maior autonomia
para qualquer interno;
 A preferência por terrenos de formatos regulares, pois facilitam
a ocupação e permitem o melhor aproveitamento dos espaços
externos para uso;
 A preferência por lotes com árvores e outras vegetações
relevantes, que possam ser incorporadas ao projeto e
consequentemente, ao uso, podendo servir inclusive, de marcos
referenciais na paisagem de entorno.

Figura 22 - Estratégia de relação edificação e lote plano,


permitindo equilíbrio entre áreas da edificação e lote, com uso de
áreas externas ajardinadas

Fonte: Elaborado pela autora (2017).


201

Diretriz 03 - Entrada externa convidativa

O ingresso no abrigo institucional pode ser um momento


traumático na história de vida da criança e do adolescente. Dessa
maneira, a arquitetura deve “convidar” ao acesso e dar boas-vindas.
Esses aspectos precisam estar integrados às necessidades de segurança,
proteção e controle, com a separação clara do público (cidade, família
de origem, etc.) e privado (abrigo institucional, demais internos, etc.).
Outro aspecto importante, é romper com o estereótipo histórico de
isolamento da sociedade dessa realidade incômoda. Assim:
 O projeto externo deve possuir identidade visual discreta, sem o
uso de grandes letreiros que caracterizem o edifício, reforçando
os estigmas históricos desse estabelecimento;
 Utilizar soluções intermediárias de fechamento da instituição
(como grades e painéis vazados) que permitam uma integração
com o tecido urbano circundante. As soluções adotadas para as
entradas e os limites devem, ao mesmo tempo, “convidar” e
garantir proteção em face da violência social (Figura 23);
 Dar preferência a espaços internos de transição entre interior e
exterior com ambiência convidativa, a partir do uso de
paisagismo, referências visuais infanto-juvenis e proteção
contra intempéries (por exemplo uma varanda), promovendo
uma dinâmica espacial na qual as pessoas se encontram, trocam
experiências ou simplesmente se sentam e descansam (Figura
24).

Figura 23 - Relação física e/ou visual com o entorno


imediato, que mantenha a segurança, mas também,
comunique-se com o entorno imediato

Fonte: Elaborado pela autora (2017).


202

Figura 24 - Exemplo de espaço de transição externo que


convide e proteja o usuário, física e psicologicamente

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Diretriz 04 - Relação visual e física entre o interior (edificação)


e exterior

Nas relações visuais e físicas estabelecidas entre interior


(edificação) e exterior (lote), há distrações positivas e importantes ao
crescimento e desenvolvimento psicossocial, servindo de recursos para a
imaginação, o aprendizado e até mesmo, o descanso, fundamentais
porque os internos usualmente, são acometidos por algum problema
psicológico. A utilização da amplitude visual entre interior e exterior
permite também, a supervisão passiva dos adultos, dando às crianças e
aos adolescentes maior sensação de autonomia no uso. Nessa
apropriação espacial, há ainda, a valorização da iluminação e ventilação
natural que, quando projetadas adequadamente, possuem importância
fundamental na qualidade de vida dos internos, porque regulam as
funções fisiológicas e psicológicas. Para o desenvolvimento dessa
diretriz, deve-se considerar:
 Portas e janelas que permitam visualização das áreas externas,
considerando a escala infantil e os diferentes enquadramentos
da paisagem externa;
 Nas aberturas com possibilidade de manipulação dos usuários,
prever dimensões e controle para as diferentes faixas etárias,
bem como travas de proteção e redes de segurança quando
necessário;
 Dimensionar as esquadrias de acordo com as funções e os usos
203

do ambiente. Para a sensação de segurança, as aberturas podem


ser menores e possuírem peitoris mais altos e a escolha das
aberturas com o uso de pinázios, causa a percepção de algo
entre o interior e o exterior com senso de proteção (Figura 25).
Para sensação contrária de abertura visual, propõe-se haver
maior amplitude.

Figura 25- Representação da relação visual entre interior e exterior que


considera a escala do usuário e proporciona sensação de proteção.

Fonte: Elaborado pela autora (2017)

Diretriz 05 - Relação física e visual com os espaços livres


externos

De maneira geral, as crianças e os adolescentes, mais do que os


adultos, possuem forte relação com os ambientes externos ligados à
natureza. O convívio ao ar livre entre outros benefícios, permite o
desenvolvimento de recursos motores. No habitar doméstico, o foco das
atividades desenvolvidas nas áreas externas, costumam ser as
brincadeiras dinâmicas e geralmente, em grupo. É importante considerar
a escala da criança, suas relações espaciais e sua capacidade de
apreensão espacial, promovendo a orientação espaço-temporal e a
segurança e encorajando as incursões pelas áreas livres. Para o
desenvolvimento dessa diretriz, é necessário:
 Áreas de paisagismo, em que seja possível a participação dos
internos inclusive na manutenção e conservação, através das
hortas e pomares. O cultivo de hortaliças e flores é um recurso
didático muito importante que pode ser utilizado para transmitir
noções de hábitos alimentares saudáveis e preservação do meio
204

ambiente;
 Utilizar vegetação ornamental e funcional de fácil manutenção,
segura (sem espinhos e toxidade) e também, que sirva de
aprendizagem, por proporcionar variações de texturas, de
iluminação, de temperatura e sons, etc. A vegetação escolhida
auxilia no processo de aprendizagem, como as espécies cuja
floração em estações distintas exalam cheiros diferentes e
agradáveis que despertam o imaginário;
 Viabilizar conexões visuais através de terraços e áreas
avarandadas, permitindo apropriação;
 Na organização e na setorização das áreas de vivência e
recreação, prever espaços cobertos (como varandas) que possam
oferecer a oportunidade de utilização em dias chuvosos ou a
flexibilidade de uso para atividades diferenciadas. Essas áreas
cobertas com forma e posição também, devem considerar a
canalização dos ventos e a insolação, porque ambos são
prejudiciais em excesso;
 Proporcionar diferentes espaços para apropriação espontânea e
diversificada, por exemplo, para brincar de teatro, de dança, ou
simplesmente conversar. É interessante que as áreas externas
sejam abastecidas com objetos ou equipamentos soltos,
permitindo aos internos desenvolverem sua tendência natural
infanto-juvenil de fantasiar, a partir da associação com objetos,
pessoas e o ambiente;
 Oferecer áreas mais reservadas que permitam, em certos
momentos, a preservação da individualidade ou o atendimento à
necessidade de concentração e isolamento;
 Propor áreas pavimentadas para brincadeiras em piso
regularizado, além de espaço amplo e sem obstáculos para usos
variados de brincadeiras, socialização ou permanência
individual;
 Quando for adotado o uso de equipamentos de parque infantil,
como balanços e gangorras, preferir pisos emborrachados ou
caixas de areia. Ainda, os aparelhos devem atender às normas
de segurança do fabricante e ser objeto de conservação e
manutenção periódicas;
 É ideal que os terrenos sejam planos, mas em caso de
topografias acidentadas, trabalhar com a associação de platôs e
rampas para criação de ambientes externos de apropriação
acessíveis;
205

 No zoneamento das áreas livres, os locais que estimulam maior


movimentação (como os escorregadores) devem ficar distantes
daqueles que incentivam a musculatura fina com as brincadeiras
mais calmas (por exemplo as caixas de areia), para evitar
acidentes e conflitos de uso;
 Em áreas muito amplas e dispersas, incluir elementos
estruturadores, como caminhos definidos, tratamento
paisagístico, áreas de vivência coletiva, mobiliário externo
compatível com a ergonomia infanto-juvenil. Isso facilitará a
compreensão espacial do conjunto, visualizando seus limites;
 Utilizar cores vibrantes e contrastantes com a vegetação,
remetendo a atividades mais dinâmicas, a processo de
aprendizagem, facilitando a legibilidade e minimizando o
caráter institucional.

Diretriz 06 - Programa de necessidades e setorização funcional

Na Arquitetura, os setores correspondem aos ambientes com


funções iguais ou similares, que compartilham os mesmos tipos de
fluxos, além de possuir grupos específicos de usuários. A organização,
classificação e distribuição dos ambientes em setores atribui
funcionalidade e legibilidade. Num abrigo institucional, essas
características facilitam a adaptação mais rápida do interno com o
ambiente construído e consequentemente, com a rotina institucional.
Num habitar doméstico, são três os setores: o social, o íntimo e o
de serviço. No abrigo institucional, é necessário prever que cada um
deles é subdividido em outros dois. Afinal, os usuários (crianças,
adolescentes e funcionários) possuem dois perfis de entendimento da
edificação, sendo eles: um modelo de habitar doméstico para os
internos; e um ambiente de trabalho para os adultos. Nesse sentido,
considera-se importante a divisão institucional e doméstica para a
formação dos setores e consequentemente, para funcionalidade e
legibilidade (Quadro 28).
206

Quadro 28 - Programa de necessidades do abrigo institucional.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

O setor social é destinado ao convívio coletivo e as trocas e para


que isso aconteça, é necessário:
 Prever um ambiente para as visitas de famílias de origem,
substitutas, etc.;
 A divisão física e visual dos setores para que não haja perda de
privacidade e alteração na rotina institucional;
 Permitir acomodação confortável na sala de visitas;
 No setor do habitar doméstico, as salas de estar e jantar devem
acomodar a lotação máxima da instituição;
 A brinquedoteca e a sala de estudos devem ser distintas
espacialmente, com relativa distância ou separação física para
evitar conflitos de uso. A previsão espacial desses dois
ambientes deve acomodar a demanda de crianças na
brinquedoteca e de adolescentes, na sala de estudo.
O setor íntimo deve propiciar privacidade e assim, evitar o
contato direto com as áreas sociais. Para o desenvolvimento dessas
características, deve-se observar:
 A separação espacial por sexo e idade nos quartos;
 O descanso dos funcionários separado, mas com relativa
proximidade do setor íntimo do habitar doméstico, para
vigilância passiva;
 A infraestrutura do berçário estar mais próxima do quarto dos
funcionários.
O setor de serviço é onde ocorre todos os suportes para a
manutenção das rotinas diárias e sua organização exige funcionalidade e
praticidade. São postos de trabalho e precisam ser organizados como
tais. Registra-se a necessidade de preparar os internos para as rotinas do
207

cotidiano e assim, considerar as suas participações em algumas das


atividades ali realizadas, especialmente aquelas mais lúdicas como
cozinhar. Para tanto, é preciso considerar a infraestrutura espacial de
uma cozinha tanto no setor institucional, quanto no doméstico.

Diretriz 07 - Linguagem arquitetônica (forma, materiais e


cores)

A linguagem arquitetônica se refere ao conjunto de elementos


que dão ao ambiente construído, enquanto expressão artística e
manifestação da vontade humana, um certo ordenamento sintático,
morfológico e semântico. Consiste na transmissão de ideias, a partir de
relações de elementos concretos, entre eles: a forma (a partir dos
planos), os materiais e as cores. Os ambientes construídos esteticamente
organizados melhoram a interação com seus usuários.
Os planos estão diretamente relacionados ao ambiente construído.
Os retilíneos são os mais comumente utilizados, criam sensação de
monotonia, mas também, de proteção no sentido de conformar uma
caixa. As formas e os ambientes angulares aparentam ser mais longos
que os retilíneos, e propiciam a ideia de movimento, mas quando usados
em demasia criam sensação de agitação. As superfícies curvas por fim,
trazem a ideia de continuidade, com constante movimento. A repetição
em excesso desse recurso, resulta no entendimento de movimento
monótono. (Figura 26).

Figura 26 - Esquemas das formas arquitetônicas: plana como segurança,


inclinada como proteção e curva para movimento.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Para tanto, os abrigos institucionais devem considerar:


 O predomínio de formas e superfícies planas em quartos, salas e
banheiros para valorizar a sensação de proteção, como numa
caixa;
 O uso de formas inclinadas em ambientes internos menores
(refúgios) ou externos (no jardim), com diferentes níveis e
208

escalas, para a sensação de proteção em alusão ao abrigo;


 A utilização de curvas nos espaços de circulação secundários,
para proporcionar ludicidade, como em caminhos externos no
jardim.
Para completar, é importante a escolha de materiais específicos a
cada uso. A escolha de determinado material depende do ambiente e da
superfície onde será utilizado, devendo considerar:
 Elementos estéticos que estimulem a aprendizagem a partir da
exploração dos sentidos (visual e tátil especialmente);
 Fácil manutenção e segurança.
As cores têm importância fundamental para os ambientes
destinados à socialização de crianças e adolescentes, pois reforçam o
caráter lúdico, despertando os sentidos e a criatividade. O uso da cor,
além do papel estimulante ao desenvolvimento infanto-juvenil, é
também, um instrumento eficaz de comunicação visual, identificando
ambientes e setores funcionais.
Lacy (1999) afirma que a sensibilidade das crianças e dos
adolescentes às cores, não deve ser subestimada, pois mesmo em
situação de adaptação, são conscientes de seus sentimentos e se sentem
inseguras em espaços que aparentam ser muito grandes ou onde haja
muitas cores frias. Nesse sentido, Gurgel (2013) coloca que as cores
luminosas (off White, neutras e o branco) criam sensação de espaço
aberto, limpo, amplo e arejado. As cores quentes aproximam o
ambiente, destacam-se e expressam movimento. A ambiência torna-se
dinâmica com o uso das cores primárias, sendo indicado para ambientes
infantis. Para tanto, deve-se considerar:
 O estudo das cores e tonalidades para cada ambiente. Afinal, a
partir de seus usos e num mesmo ambiente construído, é
possível a adoção de uma cartela de diferentes cores e
tonalidades, definindo diferentes espaços e propondo destaque
de alguns elementos;
 Nos ambientes construídos em que é necessária maior
concentração, como as salas de estudo ou de atendimento com a
psicóloga, evitar as cores quentes, mais fortes e excitantes,
destinando-as para elementos e detalhes da construção. Nesses
ambientes, deve-se empregar tons mais suaves, em nuanças
pastéis, como o verde, o bege, o marfim para as paredes e o
branco para o teto;
 Nos ambientes de recreação e vivência com as salas multiuso,
as cores primárias, em tons mais fortes, enfatizam o caráter
209

lúdico, marcando setores de atividades e destacando-se na


paisagem natural, quando usadas em ambientes externos;
 Nos dormitórios, utilizar maior variedade de cores, de acordo
com a idade dos usuários, criando sentido de apropriação e
identidade.

Diretriz 08 - Ambiência interna (mobiliário e artefatos)

Dentro do universo de usuários dos abrigos institucionais, o


ambiente construído deve responder às particularidades que envolvem as
variáveis de condições físicas e psíquicas. No abrigo institucional, o uso
de mobiliário e artefatos determina a ambiência mínima para o conceito
de abrigo (proteção, com atendimento das necessidades emergenciais),
como a ambiência para a casa.
A acessibilidade espacial está inserida na aplicação dos conceitos
do Desenho Universal, requisitos fundamentais para a vivência de um
indivíduo num ambiente público ou privado. O conceito deve ser parte
integrante da concepção de projeto e não encarado apenas, como mera
adaptação. Para tanto, no projeto da ambiência interna do abrigo
institucional tanto mobiliário quanto artefatos devem-se considerar a
diversidade antropométrica, considerando as normas vigentes,
especialmente a NBR 9050/2015.
É importante prever ambientes construídos com diferentes escalas
(do infantil ao adulto) e respostas para as inteligências múltiplas –
linguísticas, lógica, musical, corporal, espacial, naturalista, interpessoal
(social) ou intrapessoal (individual), e existencial – que só se
desenvolvem em espaços com características específicas. Nesse sentido,
o mobiliário favorece a interação dos usuários quando possui escalas e
proporções que acompanham o desenvolvimento psicológico e físico de
seu usuário, tornando-se assim, um bom instrumento para o
desenvolvimento inclusive de atividades lúdicas no caso das crianças e
dos adolescentes. Para tanto, deve-se considerar:
 Um mobiliário que atenda às intenções de ambientes integrados
com diferentes usos simultâneos e que seja adaptável às várias
transformações da criança e do adolescente;
 Considerando que alguns internos permanecem longos períodos
institucionalizados ou fazem o processo de idas e vindas, adotar
diferentes tamanhos de mobiliários - pequeno, médio e grande -,
a fim de que sejam atendidos os requisitos básicos de postura
para a realização das diversas atividades;
210

 No setor íntimo, os banheiros devem ser adaptados à estatura


das crianças e dos adolescentes de diversas faixas etárias e, no
caso das crianças da primeira infância, serem dimensionados de
modo a acomodar a presença de um adulto acompanhante.
Assim, embora para os internos maiores as áreas de banheiro
possam ser dimensionadas como usual: mínimo 1,00 m2/peça;
no caso de crianças pequenas, esse índice deverá ser
aproximadamente o dobro;
 As bancadas e os sanitários precisam possuir opções de alturas
e, no caso de cabines individuais, as portas devem abrir no
sentido externo, para facilitar a supervisão adulta, quando
necessária;
 O mobiliário deve ser estável, cômodo, seguro e de fácil
manutenção, respeitando as normativas de fiscalização e
facilitando uma correta postura física, além de linguagem
simples e intuitiva, sem arestas que possam resultar em
acidentes;
 Os assentos devem ser estofados e com várias possibilidades,
para permitir mudanças de postura durante as atividades do
cotidiano;
 A disposição do mobiliário deve favorecer o encontro, a
conversa e o compartilhamento das vivências entre os usuários;
 Deve-se prever estantes acessíveis, com diversidade de
materiais disponíveis, bem como cadeiras e mesas leves que
possibilitem o deslocamento pelo próprio interno, tornando o
ambiente mais interativo e coerente à ideia de construção da
vivência num habitar doméstico a partir da ação, da intervenção
e da apropriação no ambiente construído;
 Devem ser previstos quadros e painéis colocados à altura das
crianças e dos adolescentes, para que se tenha autonomia em
pregar trabalhos e expressar ideias, personalizando o ambiente e
aproximando-se deste;
 Não se deve adotar o uso de elementos decorativos muito
rebuscados (que se distancia da realidade socioeconômica dos
internos) ou ainda, estereotipados, como crianças sozinhas.

Diretriz 09 - Ambientes integrados (setor social)

Para o crescimento e desenvolvimento psicossocial saudável, as


crianças e os adolescentes precisam socializar. No contexto dos abrigos
211

institucionais, a troca de experiências e a ajuda mútua corroboram para o


sentimento de pertencimento ao lugar, minimizando respostas
psicossociais negativas. Nesse sentido, a integração dos ambientes no
setor social, é uma das características arquitetônicas que criam
condições para isso ocorrer. A utilização do ambiente construído deve
possibilitar o aumento das experiências vividas pelos usuários, sem
impor autoridade, ordem ou tensão, pois cria um sentimento de aversão
prévia ao lugar. Assim, os ambientes integrados (Figura 27) devem
possuir:
 Amplitude no setor social, com áreas aparentemente vazias,
possibilitando a livre apropriação;
 Generosidade no dimensionamento do espaço – um pouco
maior do que o necessário – para articulação e integração de
usos e funções;
 Demarcações sutis, como linhas no piso por exemplo, para
definir usos e separações de público, etc. Essas marcas
carregam apelo visual e definem o atuante e o expectador no
processo lúdico e consequente, na aprendizagem;
 A organização do layout para circulação adequada dos adultos e
a livre movimentação, em segurança, dos internos no ambiente;
 Circulação clara e direta, sem desvios.

Figura 27 - Exemplo de ambiente integrado e de suas propriedades.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Diretriz 10 - Setor de serviço (escritórios institucionais)

Os escritórios institucionais geralmente, são associadas a


experiências menos agradáveis, como relembrar histórias passadas de
violência doméstica. Por essa razão, precisam considerar:
 O layout flexível, que permita atividades estáticas ou dinâmicas,
com possibilidades de diferentes formas de interação
212

interpessoal;
 As áreas expositivas de trabalhos com maior personalização do
ambiente (Figura 28);
 O mobiliário que preveja a variação de público atendida.

Figura 28 - Exemplo de ambiência do setor de serviço.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Ainda no sentido de aproximar-se dos modelos de habitar


doméstico, as atividades necessárias à administração devem ter
separação física do abrigo institucional, ao passo que permitam: a
supervisão passiva (“olhos nos internos”) e de segurança (“olhos para a
rua”). Tal solução evita que haja influência recíproca nas atividades
administrativas e do cotidiano doméstico. A exceção está no quarto de
descanso dos funcionários, que em razão das atividades, deve estar mais
próximo do setor íntimo do abrigo institucional (Figura 29).

Figura 29 - Configuração espacial do setor administrativo separado da


habitação, mas ainda no mesmo lote.

Fonte: Elaborado pela autora 2017).


213

Diretriz 11 - Segurança física (ambiente interno, mobiliário e


artefatos)

Ambientes ameaçadores podem impedir o desenvolvimento de


alguma habilidade de crianças ou adolescentes, causando a evasão de
valiosas interações com os recursos do ambiente construído. Essa
ameaça pode ser entendida tanto pela existência de barreiras físicas,
quanto psicológicas. A Arquitetura pode excluir ou minimizar as
barreiras físicas provocadas por ambientes com níveis de complexidade
superiores às aptidões dos usuários, ergonomia inadequada, etc. No
abrigo institucional, é comum a hesitação em introduzir desafios,
excluindo ou minimizando barreiras como as restrições de uso dos
ambientes, em razão do entendimento dessas atitudes como formas de
segurança dos internos.
Contudo, a proteção excessiva pode impedir a criança ou o
adolescente de correrem riscos calculados, que em um ambiente seguro,
conduziram ao desenvolvimento de habilidades. Dessa maneira, é
importante que a independência seja encorajada, dentro de projetos
seguros (Figura 30). Nesse sentido, deve-se observar:

Figura 30 - Exemplo de ambiente seguro e suas propriedades.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

 A instalação de portas curtas onde a privacidade é desejada,


mas a vigilância é necessária, como áreas íntimas de banheiros;
 Os percursos principais no habitar doméstico não devem passar
por áreas perigosas como lavanderias;
 O mobiliário de uso pessoal e para apropriação dos internos
devem respeitar a ergonomia infanto-juvenil, caso contrário, os
internos podem ser desencorajados ao uso ou ainda, arriscarem-
se, machucando-se;
 Os materiais que só podem ser usados com a supervisão de um
adulto, devem ser mantidos em gabinetes fechados;
214

 Os materiais de acabamento do ambiente construído, do


mobiliário e dos artefatos devem respeitar as normativas de
segurança;
 Qualquer janela ou porta operável precisa prever mecanismos
para controle de operação;
 A edificação preferencialmente, deve ser plana e com o mínimo
de desníveis;
 O mobiliário não deve possuir quinas vivas e serem utilizados
protetores para tomadas elétricas baixas;
 Evitar a utilização de materiais que possam gerar poluição,
notadamente em ambientes internos com pouca ventilação, tais
como amianto, cortinas, tapetes e forrações, colas e vernizes
que liberem compostos orgânicos voláteis, para tanto observar o
respeito às legislações específicas;
 Os materiais e os acabamentos devem ser resistentes e de fácil
limpeza;
 Utilizar acabamento liso nas paredes nos setores social e íntimo,
evitando o acúmulo de poeira e mofo e prevenindo que os
internos se machuquem.
As características superficiais dos materiais devem ser
relacionadas às características sensoriais das crianças (sensibilidade aos
estímulos externos). O planejamento dos ambientes do abrigo
institucional deve prever que a exploração segura da criança e do
adolescente ocorrerá com todos os sentidos e também, com a mente.
Por essa razão, esses ambientes devem ser construídos com grande
variedade de materiais e acabamentos, valorizando efeitos das texturas
que possam introduzir ou reforçar conceitos como áspero/liso, duro/
macio, cheiros e sons diversos, numa tentativa de refinar as percepções
sensoriais da criança (visão, audição, olfato, paladar).
Registra-se também, a necessidade de divisão do ambiente
construído, mesmo quando esse é integrado, em áreas diferentes e
reconhecíveis pelos internos, tanto por características visuais, quanto de
motricidade. A existência de áreas “cheias” (estruturadas com materiais)
como também, “vazias” (mas que possam ser preenchidas), permite que
haja complexidade. Tal recurso viabiliza a transformação ativa do
ambiente, tornando-o apropriado, através de atividades não programadas
que envolvam a construção/destruição e a definição de espaços pessoais
e coletivos.
215

Diretriz 12 - Densidade espacial

Os abrigos institucionais atendem até vinte crianças e


adolescentes de ambos os sexos, com idade entre zero e dezoito anos
incompletos. Por diferentes razões, há períodos com maiores e menores
internações. Isso ocasiona aparente adensamento e posterior,
esvaziamento do ambiente construído. Ambas as sensações são
prejudiciais ao crescimento e desenvolvimento, porque demonstram
perda de identidade em prol do coletivo, quando há lotação máxima; ou
desumanização quando ocorre o vazio. Para evitar isso, o abrigo
institucional deve prever estratégias de ampliação e redução do
ambiente construído (Figura 31), como:
 O isolamento de alguns cômodos quando estes estão vazios;
 A modificação do mobiliário para melhor ocupação do espaço,
sem parecer excessivamente cheio de pessoas ou vazio;
 Prever projeto modulado que permita expansão ou redução, sem
prejuízo ao entendimento do conjunto.

Figura 31 - Esquema de ampliação e redução dos ambientes que


compõem o abrigo institucional, considerando a demanda de internos.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Diretriz 13 - Participação nas rotinas domésticas

O sentido de acolhimento é também, atribuído à autonomia dos


internos nas atividades do cotidiano. Dessa forma, desde que aptos para
tal função e desejosos de executa-la, é importante incluir as crianças e os
adolescentes nas ações de manutenção do abrigo institucional. Muitas
216

das aprendizagens nos ambientes vêm das interações das crianças e dos
adolescentes com artefatos e materiais disponibilizados pelos adultos e a
partir dos exemplos vistos. A participação estimula a posse, a
apropriação e consequente, o sentido de pertencimento ao lugar, que
auxiliam no sentimento de sua preservação (Figura 32). Para efetivar a
participação, deve-se observar:
 O mobiliário confortável, ergonômico e variações de mesas,
cadeiras e outros assentos e apoios. O envolvimento direto na
organização, pode ser facilitado pela utilização de móveis e
divisórias leves e fáceis de manusear;
 A participação dos internos na preparação e distribuição dos
alimentos, para promover sentimento de pertencimento nas
atividades cotidianas e até mesmo, no ensinamento de hábitos
saudáveis de alimentação;
 Há ainda, a necessidade de preparar os internos mais velhos
para o desligamento da instituição, quando completam a
maioridade. Para isso, o acesso deve ser irrestrito à cozinha,
com infraestrutura suficiente e adequada, além do
monitoramento passivo.

Figura 32 - Configuração da cozinha com mobiliário que permita a


participação nas rotinas domésticas.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Diretriz 14 - Refúgios

A criança e o adolescente necessitam, em maior ou menor grau,


de momentos de reclusão, com isolamento em ambientes escolhidos por
preferência. Ressalva-se que tal postura não se aproxima da criação de
“minimundos” (por exemplo um quarto temático), que podem significar
a falta de referencial na realidade, pois tratam de alterações do ambiente
construído e não da ambiência dos mesmos. Essa sensação pode ser
conseguida através da Arquitetura, considerando (Figura 33):
217

 O uso de variações de escalas nos ambientes (através do pé-


direito ou de uma abertura tipo bay window, por exemplo) ou no
mobiliário (com o uso de um nicho);
 Ao compreender que o processo individual é tão ou mais
complexo que o coletivo, é necessário que os refúgios conotem
proteção, daí a importância de utilizar diferentes alturas de pé-
direito, que promovam complexidade, variabilidade e
especialmente sensação de aconchego;
 Proporcionar local calmo e confortável para o descanso,
utilizando o obscurecimento através de cortinas adequadas e
isolamento acústico, na tentativa de diminuir os ruídos e
luminosidade inadequada;
 Projetar pequenos nichos em áreas onde os internos possam
brincar ou permanecer em silêncio. Pode-se aproveitar locais
subutilizados como debaixo de escadas, sob balcões de móveis,
etc. Nesse sentido, o teto deve ser baixo, sugere-se entre 0,8 a
1,2 metros, e a entrada pequena.

Figura 33 - Exemplo de configuração de refúgio junto à parede e


abertura.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Diretriz 15 - Personalização do ambiente (identidade)

Personalizar é um importante mecanismo mediador de controle e


redução do estresse, porque favorece a adaptação do espaço às
características do indivíduo, e a habilidade de modificar e personalizar é
de grande importância para o bem-estar das pessoas. Para atender a esse
propósito, os ambientes do abrigo institucional devem apresentar
(Figura 34):
 Espaços ergonômicos e de fácil acesso, manutenção;
 No setor social, é importante possuir pequenas referências
218

visuais, que identifiquem o ambiente construído também como


seu, mesmo que de predomínio coletivo, por exemplo:
fotografias;
 A exposição de objetos individuais ou trabalhos manuais
realizados permite que os internos se sintam valorizados. Tais
objetos devem ser usados também, como referências
decorativas e serem alterados periodicamente;
 No setor íntimo, especialmente nos quartos, possuir mobiliário
em que seja possível determinar posse e dessa maneira,
manipula-los e consequente, personaliza-los é importante;
 O uso de espelhos para visualização da própria imagem em
diferentes ambientes do abrigo.

Figura 34 - Exemplo de configuração espacial que possibilita a


personalização

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

 Utilizar artefatos com significado pessoal, combinando a


contribuição de cada usuário;
 O ambiente construído deve ser apropriado para as
especificidades das várias faixas etárias, funcionando como
ferramenta terapêutica;
 Utilizar elementos como cores, texturas e escalas variadas. Tais
recursos promoverão a identidade requerida sem enfatizar um
ou outro usuário, por exemplo a casa das meninas, das crianças,
etc.

Diretriz 16 - Gradientes de privacidade

Dentro da hierarquia espacial, um ambiente construído depende


da sua escala e da densidade de usuários para ser definido como
individual, intermediário ou coletivo. A privacidade é diminuída quando
219

a escala não pode satisfazer a esses graus de interação. O equilíbrio


saudável entre o coletivo e o individual, o público e o privado são
importantes no desenvolvimento da competência de interação social.
Para atender a esse propósito, os ambientes do abrigo institucional
devem apresentar:
 Ao interno a opção de permanecer e interagir junto aos demais,
em espaços que promovam este convívio e suporte social, e a
alternativa de poder recolher-se e descansar em locais que
possibilitam certa reserva;
 No ambiente construído, determinar as áreas de preferência para
se estar só ou em grupo, por exemplo atrás de um sofá, embaixo
da mesa, nas camas, etc. Esses “abrigos” oferecem
oportunidades para observar as atividades circunvizinhas sem
participar;
 No setor íntimo, variar as escalas dos dormitórios, para o
indivíduo, o pequeno-grupo e as atividades do grande-grupo,
fornecendo o que é necessário para regular as interações sociais
e incentivando as relações sociais, conforme características
particulares dos usuários;
 Equilíbrio no uso de soluções entre plantas abertas e
compartimentadas. O espaço flexível abaixa o nível da
privacidade, conduzindo aos níveis elevados de distração. Já as
plantas fechadas, restringem a criação de hierarquias espaciais
para acomodar as necessidades de mudança das crianças e dos
adolescentes;
 Reguladores físicos como portas e janelas que permitam
autonomia em abrir e fecha-las, mesmo com recursos para
vigilância passiva, como visores de vidro por exemplo;
 Janelas mais baixas são valiosas formas de intrusão da
privacidade, se aberta permite que se veja e ouça o lado de fora.
Quando fechada pela própria criança, dá autonomia de escolha;
 Setorização funcional com separação física entre eles, através
portas ou níveis por exemplo e separação espacial dos banheiros
femininos e masculinos, e o uso de cabines individuais (Figura
35).
220

Figura 35 - Configuração espacial do banheiro


permitindo maior privacidade

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Diretriz 17 - Controle

Inerente ao desenvolvimento da competência, está a habilidade da


criança e do adolescente de estar no controle do ambiente construído,
conduzindo aos sentimentos de realização e independência, e o
contrário, podendo resultar na sensação de incapacidade. Para tanto, o
ambiente precisa:
 Escala ambiental coerente com os usuários para diminuir as
dificuldades inerentes de uso e apropriação do ambiente,
mobiliário e artefatos;
 Recursos físicos disponíveis no ambiente em concordância com
a expectativa de uso, por exemplo: num quarto compartilhado,
permitir controle de uso da luz através de iluminação indireta
por abajur;
 Mobiliário de fácil manuseio que respeitem com diferentes
variações ergonômicas. Cadeiras ajustáveis não somente para
incentivar a independência, mas para acomodar também,
crianças em crescimento rápido. A mobília sob medida para
adultos pode ser apropriada uma vez que uma criança já
221

dominou as habilidades necessárias de usar;


 Aberturas de fácil manuseio que respeitem a ergonomia dos
usuários. Janelas devem estar ao nível de olho de uma criança e
os artefatos de uso próprio devem ser acessíveis (para brincar
por exemplo);
 Aberturas permitam o controle autônomo de interferências de
ruídos ou presença indesejada de outros usuários;
 As áreas para a lavagem e o uso do banheiro que respeitem a
escala infanto-juvenil dos usuários e o uso individual ou em
grupo;
 Acesso e uso da cozinha, participando da rotina doméstica;
 Uso dos ambientes internos e externos do abrigo institucional
com autonomia para ir, vir e permanecer. A liberdade para se
mover à vontade, sem esperar a hora de ir para a rua para
realizar movimentos mais vigorosos ou para o quarto descansar,
atribui controle (mesmo que relativo) das suas ações.

Diretriz 18 - Complexidade

Os ambientes com um nível apropriado de complexidade


incentivam o desenvolvimento da competência, colocando crianças e
adolescentes em experiências de aprendizagem. Um ambiente pode ser
reconhecido como complexo, se tiver um nível apropriado de variedade
de elementos que o constituem como mobiliário, artefatos e a própria
espaço arquitetural. Os ambientes com clareza exagerada, logo se
tornam desinteressantes e desfavoráveis pela falta de estímulos. Tanto a
percepção, quanto a cognição necessitam de variedade e novidade. Para
tanto, é preciso:
 Planejar espaços criativos, no setor social, que possibilitem
atividades educacionais e lúdicas para as crianças e os
adolescentes, por exemplo através de ambiente integrados em
que diferentes usos sejam associados;
 O relacionamento desses usuários com o ambiente construído é
de natureza ativa, devendo permitir atender as necessidades de
segurança e aventura, possibilitando que se transite entre um e
outro por meio de sequências complexas, por exemplo através
de plataformas, variações de piso, etc.;
 Variedade de espaços internos e externos com a mistura de
elementos visuais como elementos geométricos e texturas
variadas, por exemplo;
222

 As instituições que não dispõem de muitos recursos para


alterações significativas, devem introduzir complexidade
aumentando a variedade dos objetos disponíveis, alterando
decorações ou o rearranjando o mobiliário;
 Utilizar divisórias móveis para variar a complexidade espacial
sem remodelar o ambiente construído, como os biombos e as
cortinas;
 A interação (física e/ou visual) dos ambientes entre si e com a
área externa para viabilizar a mudança de pontos de vista nos
deslocamentos, nas atividades e nas relações de espaço e tempo.
Nesse sentido, as variações de superfície (piso, teto e parede),
as mudanças na escala e também, de materiais auxiliam na
demarcação de áreas funcionais, mobiliário e atividades (Figura
36).

Figura 36 - Exemplo de configuração espacial com diferentes gradientes


de complexidade.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Diretriz 19 - Restauração

Ao explorar as suas capacidades recentemente adquiridas, as


crianças e os adolescentes são suscetíveis ao cansaço mental - um estado
que pode impedir o desenvolvimento adicional das habilidades. Os
ambientes restauradores apresentam uma oportunidade para escapar do
cansaço físico ou cognitivo, retornando revigorado e pronto para um
novo desafio. A disponibilidade de espaços restauradores permite ainda,
aprender a controlar o cansaço. Os espaços restauradores, que provocam
a imaginação, permitem que as crianças se afastem da atmosfera
cotidiana, criando temas lúdicos em torno de lugares de observação
(Figura 37). Assim:
 O número de tais espaços temáticos num abrigo institucional,
deve ser suficientemente adequado para evitar a competição
223

para usar, o que poderia destruir as suas qualidades


restauradoras;
 Eles devem ser suficientemente flexíveis e com o fim aberto, de
forma que inúmeras histórias imaginárias possam ser
implementadas;
 Os objetos encontrados ali podem contribuir ao potencial
restaurador. Por exemplo, instrumentos musicais proporcionam
a chance para criar movimentos de corpo para se adequar à
melodia de uma canção;
 Considerando que a natureza cativa, ela também, é um exemplo
de ambiente restaurador, através de variações em vegetação,
vento, sol, odores e escala física - do pequeno inseto à grande
árvore;
 Nos setores íntimos e social, considerando os gradientes de
privacidade, a ambiência dos ambientes internos deve possuir a
maleabilidade de uso do mobiliário e artefatos, com o uso de
tapetes, almofadas e diferentes cores e texturas.

Figura 37 - Exemplo de ambiente com características restauradoras.

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Diretriz 20 - Legibilidade

Calcular as demandas de uma situação, enfrentar os desafios e


tomar decisões são mais fáceis em ambientes construídos cujas
qualidades espaciais sejam legíveis. Quando um ambiente é legível,
partes individuais são facilmente reconhecidas e organizadas em um
todo compreensível. Para que as crianças bem jovens formem um bom
mapa cognitivo de um lugar, elas devem se mover de forma
independente em um espaço e compreende-lo conforme suas diferenças,
a partir de suas qualidades. Assim:
 Caracterizar a legibilidade espacial a partir de variações de
cores e iluminação ambientes, mobiliário e outros artefatos, que
224

são recursos perceptíveis para a criança desde a primeira


infância;
 As mudanças na textura do chão também, são limites
simbólicos efetivos. Por exemplo, uma área de leitura pode ser
determinada por um tapete que contrasta com restante do piso;
 Definir com clareza os fluxos. Os caminhos nítidos são
consistentes e obviamente, determinados. A escala infanto-
juvenil é fundamental nos projetos de caminhos, porque o
acesso visual mantém a coerência, permitindo ver o que está
acontecendo ao seu redor;
 Com objetivo de orientar, o acesso visual do interior deve ser
complementado por vistas de ambientes ao ar livre. As visões
externas melhoram significativamente, a eficiência das
referências internas usadas para orientar a si mesmo.

Para concluir esse capítulo, estima-se que as contribuições dessas


diretrizes possam traduzir à arquitetura institucional conceitos de
acolhimento importantes para um modelo de habitar doméstico como os
abrigos, alimentando novos projetos e introduzindo melhorias em
edificações existentes. Os desafios que nortearam a pesquisa até a
tomada de posição com a construção das diretrizes são apresentados no
capítulo a seguir, em conjunto de conclusões gerais e encaminhamentos
para novas pesquisas.
225

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo são apresentadas as considerações finais do


trabalho, divididas em três subcapítulos: procedimentos de pesquisa,
conclusões gerais e recomendações para trabalhos futuros.

6.1 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

A pesquisa numa área tão sensível quanto a situação de crianças e


adolescentes em medida de acolhimento, faz com que sejam estudados,
usualmente, os problemas mais latentes, como a violência doméstica, o
risco à saúde física e mental, etc. A Arquitetura acaba sendo pano de
fundo, porque aparentemente, não “soluciona” os riscos mais iminentes.
Sabe-se, entretanto, que o ambiente construído possui o “poder” de
impedir ou favorecer a apropriação dos lugares, fazendo seus ocupantes
sentirem-se ou não, pertencentes e constituírem identidade. Nos abrigos
institucionais, isso se torna essencial para alcançar os propósitos legais
de acolhimento. Dessa maneira, a ausência de normativas que
posicionem a Arquitetura conforme supracitado torna essencial a criação
de reflexões e consequentemente, de contribuições arquitetônicas na
forma de diretrizes, parâmetros, etc., onde a “voz” dos usuários
(crianças, adolescentes e funcionários) seja considerada.
Significa dizer, que se deve consolidar o conhecimento da teoria
arquitetônica previamente existente, direcionando-a para cenários ainda
não alcançados. É assim que se compreende a contribuição dessa
pesquisa, uma vez encerrados: o trabalho teórico; a investigação no
estudo de caso; realizadas as discussões sobre o ambiente construído; e
elaboradas as diretrizes projetuais. A pesquisa de referencial teórico
arquitetônico demonstrou que há uma crescente preocupação com as
relações mais humanizadas nos ambientes institucionais, mas que ainda,
não alcança a medida de acolhimento para crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade e muito menos, os abrigos. A consequência
é que estes estabelecimentos não refletem a plena importância do
ambiente construído e suas ambiências não auxiliam no crescimento e
desenvolvimento psicossocial, na recuperação física e até mesmo,
psicológica.
Ao término das etapas teórica e de estudo de campo, a pergunta
principal de pesquisa - Sob o ponto de vista dos usuários (crianças,
adolescentes e funcionários) que características do ambiente
construído representam qualidade de vida para crianças e
226

adolescentes em situação de acolhimento institucional na


modalidade de abrigo institucional? – foi respondida através da
investigação espacial feita por meio da escuta e observação atenta e
analítica dos usuários. Os resultados enfatizaram a dimensão
comportamental (privacidade e territorialidade) e permitiram a
compreensão do ambiente construído através de dois âmbitos não
dissociados e complementares, são eles: o físico – concreto e o subjetivo
– das associações afetivas.
No que tange os gradientes de privacidade, o controle seletivo de
acesso dá ao usuário a sensação de autonomia, um requisito para se
sentir pertencente e consequentemente, acolhido. O ser humano passa
por diferentes estágios de necessidade da privacidade, iniciando a
percepção a partir da infância (especialmente, na meninice). No estudo
de caso, os apontamentos sobre o tema foram feitos pelo grupo de
usuários e pode ser compreendido como resultado do excesso de
atividades e ambientes coletivos, principalmente pelos horários de
refeição, de atividades lúdicas, pela sala de jantar-estar com múltiplas
funções e pelos dormitórios. As crianças e os adolescentes destacaram a
necessidade de refúgios para descansarem, brincarem e ficarem a sós ou
em pequenos grupos. Os funcionários colocaram a necessidade própria
de possuírem um espaço para descanso, durante as jornadas de trabalho.
A territorialidade apareceu como um fator determinante para o
sentimento de se fazer pertencer a um ambiente construído e assim,
sentir-se acolhido. Os territórios funcionam como pontos de interesse
das crianças no habitar doméstico, servindo de ambientes de
aprendizagem. No abrigo institucional estudado, a ausência do território
primário (extensão do ser) aparece como a mais latente pelos internos
que são detentores de posse apenas, da cama e de alguns poucos objetos.
Faltam nas palavras dos usuários (crianças, adolescentes e funcionários),
uma maior personalização dos ambientes, para que se definam territórios
e assim, a sensação de pertencimento aconteça. Referente ao ambiente
construído da INSTITUIÇÃO, é possível determinar os territórios
espaciais definidos: externamente, pela relação entre cidade, entorno
urbano e edifício; e internamente, pelos setores social, íntimo e serviço,
cujas atividades e controles de acesso determinam os territórios.
Registra-se que a privacidade e a territorialidade são reguladoras
espaciais usualmente, restringidas nos abrigos institucionais, com a
justificativa da segurança física e mental dos internos. A história de vida
de cada uma das crianças e dos adolescentes costuma ter passagens
ligadas à vulnerabilidade social, com episódios de descaso, omissão de
cuidado, abandono, etc. onde imperam situações em que a criança e o
227

adolescente viu-se só, em desamparo. É perceptível, portanto, que a


legislação e os agentes envolvidos com o tema tenham o conceito de
segurança como proteção, para que não aconteçam novos episódios
trágicos semelhantes. A compreensão institucional, em resumo, é que o
individual é pouco satisfatório para solucionar ou minimizar os
problemas das histórias individuais de vida, e que apenas, o coletivo
permite trocas e o compartilhamento de ajuda mútua. O conceito de
segurança nos ambientes construídos estudados dessa pesquisa,
aparecem resguardados pela preservação do coletivo, em prol de
qualquer manifestação mais contundente do individual, como o
isolamento e a demarcação de territórios.
Acredita-se que a ausência de contribuições da Arquitetura no
cenário de discussão dos temas relacionados aos abrigos institucionais,
seja um dos motivos para que o conceito de segurança como fora citado
seja aplicado indiscriminadamente, ignorando que no habitar doméstico,
os gradientes de privacidade (do coletivo ao individual) e os territórios
são importantes para a formação da identidade da criança e do
adolescente, implicando em respeito à sua individualidade e sua história
de vida. Dessa maneira, embora a legislação brasileira - ECA (BRASIL,
1990), a Lei nº 12.010 (BRASIL, 2009a) - e as normas complementares
redigidas pelos órgãos federais oficiais - “Orientações Técnicas:
Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes” (2009b) e o
“Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças
e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária” (2006a) - citem
que o planejamento do atendimento no abrigo institucional, deva
possibilitar individualidade, de nada adianta se na prática, o ambiente
construído priorizar a “segurança” e não favorecer a apropriação e a
diferenciação “do meu, do seu e do nosso”, a partir do respeito às
vontades individuais.
Outro ponto de vista dos usuários (crianças, adolescentes e
funcionários) é a percepção clara entre os opostos - claro e escuro,
dentro e fora - em alusões acerca das vivências no abrigo institucional e
nas residências de origem: o velho e o novo, a casa e o barraco, o limpo
e o sujo, etc. Tanto crianças quanto adolescentes possuem histórias de
vida extremamente negativas e dessa maneira, é perceptível a
compreensão do abrigo institucional como oposto à violência física e
psicológica, à desordem, etc. Tal percepção reforça o sentimento de
“santificação institucional” (SOMMER, 1973), afinal há tamanha
oposição de características que torna impossível não destacar os opostos
com maior eloquência. O negativo torna-se muito ruim e o positivo é
superestimado. Ainda, a valorização dos opostos repete também, as
228

práticas de controle e segurança históricas. Antes, essas ações eram


efetuadas em prol de isolar a existência incômoda dos “menores” na
sociedade: o dentro (instituição) e o fora (a rua). Agora, é exercida para
isolar as crianças e os adolescentes da sua própria realidade trágica de
vida, através da percepção de ordem, disciplina, limpeza, etc.
Reitera-se assim, o entendimento de que o ambiente construído
influencia diretamente na vivência dos abrigos institucionais por seus
usuários, visto que as condições físicas refletem na conduta social e no
estado psicológico dos mesmos. Além de posicionar o ambiente como
função e efeito nos usos do cotidiano e no processo emocional do
interno, corroborando com ideias apresentadas no referencial teórico e
defendidas por Rapoport (1977), onde o ambiente construído influencia
e reflete os valores culturais. Dessa maneira, compreende-se que os
valores de oposição percebidos pelos internos, são reforçados pela
INTITUIÇÃO com o intuito de salvaguardar de situações de
vulnerabilidade cada criança e adolescente. Por isso, são destacados:
“segurança”, limpeza e ordem; em prol do contrário, que reflete os
motivos que conduzem os internos ao abrigo.
A discussão supracitada auxilia também, na busca de resposta
para a primeira pergunta de pesquisa complementar: É possível
identificar e relacionar as características do ambiente construído no
acolhimento na modalidade de abrigo institucional como fatores que
podem gerar acesso ou restrição para atingir qualidade de vida,
efetivando os direitos fundamentais almejados no Estatuto da
Criança e do Adolescente?. Percebe-se que os sentimentos acometidos
pela separação da família de origem e/ou a vivência institucional, podem
ser amenizados pela boa condição da infraestrutura física,
proporcionando um ambiente mais confortável e que possua menos
restrições para atingir qualidade de vida. Nesse sentido, os usuários
(crianças, adolescentes e funcionários) consideraram um ambiente
confortável aquele, observado (nas imagens do método aplicado) ou
vivenciado (no abrigo do estudo de caso), em que se convive
aparentemente, sem preocupação ou incômodo; e quando o ambiente
construído é reconhecido e identificado como parte do seu cotidiano,
permitindo a ele apropriar-se sem restrições.
Referente, a segunda pergunta complementar da pesquisa: Sob o
ponto de vista dos usuários, o acolhimento na modalidade de abrigo
institucional está adequado às necessidades do habitar doméstico,
como sugere o Estatuto da Criança e do Adolescente?, é possível
afirmar novamente, que o contexto de vulnerabilidade social anterior à
institucionalização influencia nas afirmações dos internos. Mesmo com
229

falhas (ou faltas) no ambiente construído do abrigo, há um grande


contraste entre as realidades vividas antes e depois da internação,
inclusive referente a qualidade espacial. Essa situação corrobora com o
conceito de Sommer (1973) de “mal do institucionalizado”, onde a
apatia ou a revolta podem prejudicar o juízo de valor, através de
escassas verbalizações ou de ausência de opiniões sobre o que se
vivencia.
Mesmo sob influência dessa condição, acredita-se que a resposta
para a segunda pergunta foi respondida através da escolha de métodos
de investigação onde as crianças e os adolescentes puderam comparar
realidades (através de imagens) ou representa-las a partir de desejos. A
partir das Observações Participantes, constatou-se que a maior parte das
discussões sobre o uso e a apropriação do ambiente construído ocorriam
por comparação de opostos. A pesquisadora optou então, por essa
estratégia para vencer as dificuldades de verbalização, que são natas do
crescimento e desenvolvimento infantil e potencializadas pelo “mal do
institucionalizado” (SOMMER, 1973). Ressalva-se que a comparação
entre o ambiente vivenciado e os sugeridos apareceram somente como
pano de fundo, não constrangendo, aparentemente, os internos de
expressarem suas opiniões. Postura semelhante foi adotada na
investigação com os funcionários, no Grupo Focal.
É possível afirmar também, para a segunda pergunta secundária
de pesquisa, que o acolhimento na modalidade de abrigo institucional
responde parcialmente, às necessidades do habitar doméstico, se
consideradas as três esferas que o compõem: abrigo, casa e lar. A
instituição acolhe e protege, por essa razão, abriga. A casa por sua vez,
transmite significados e traduz aspirações. Nessa realidade, contudo, o
excesso (por diferentes razões) de coletividade, dificulta a criação de
territórios necessários para o sentido de pertencimento. Para a noção de
lar, o abrigo institucional provavelmente não possuirá esse “poder”, pois
esta sensação está mais essencialmente ligada à existência de relações
humanas de proteção e afeto, cujo objetivo dessa pesquisa, não coube
investigar.
Anterior ao alcance do objetivo geral, o primeiro objetivo
específico – Investigar e compreender como as estruturas
administrativas históricas e atuais do acolhimento, com foco no
abrigo institucional, através de seus conjuntos de valores e
procedimentos de atendimento, influenciam as decisões projetuais,
desenvolveu-se a partir de pesquisa bibliográfica com base em
diferentes autores e organizada na forma de textos e quadros de análise e
síntese.
230

A história das crianças e dos adolescentes brasileiros tomou


novos rumos após o ECA, quando nitidamente, contestou-se a cultura
institucional vigente e onde a falta de alternativas à internação com
afastamento familiar, limitava as perspectivas de crescimento e
desenvolvimento psicossocial. Houve então, mudanças e a criação de
diferentes modalidades de instituições e terminologias, com o intuito de
redefinir diretrizes e posturas no atendimento à criança e ao adolescente
e assim, provocar uma ruptura com as práticas de internação
anteriormente, instauradas e profundamente, arraigadas – voltadas ora
para o assistencialismo religioso, ora à repressão e ao controle.
É inegável os avanços do ECA se comparados aos períodos
anteriores, contudo os traços comuns que conduzem à
institucionalização das crianças e dos adolescentes ainda são os mesmos
do passado. As histórias são marcadas pela descontinuidade de vínculos
e trajetórias, e pelas mudanças e rompimentos de elos afetivos. Tais
características são agravadas quando se investiga a forma desarticulada
(mas não intencional) com que operam os agentes envolvidos no
processo de institucionalização. O tempo de internação, a dificuldade de
ações vinculadas com as famílias de origem, o número de crianças e
adolescentes assistidos nos estabelecimentos, etc. são alguns dos
motivos para que raramente, sejam atendidas as demandas, expectativas
e desejos pessoais de cada um dos internos. O sistema funciona de
maneira tal que, mesmo sem a intenção institucional, a última voz que
parece ser audível é, de fato, a das crianças e dos adolescentes. Em
primeiro, vem o processo legal, as ações emergenciais (saúde, educação,
moradia e alimentação), a dinâmica organizacional do cotidiano
doméstico do estabelecimento e quando a criança ou o adolescente é
efetivamente “visto”, é considerado no coletivo, e não no individual,
pelo menos no que tange o uso e a apropriação espacial. Afirma-se
então, que mesmo o ECA determinando o atendimento individual e
personalizado, é possível constatar nas práticas atuais relacionadas às
relações usuário e ambiente construído (objeto desse estudo), os
resquícios históricos de predominância do assistencialismo, onde o
atendimento das necessidades emergenciais era (e continua) a ser a
prioridade. Essa postura ou necessidade se reflete na própria ausência de
normas específicas para preservar a qualidade dos ambientes construídos
quanto à preservação do uso e apropriação com privilégio para o
indivíduo.
O segundo objetivo específico: Definir, com abordagem
multidisciplinar (teórica e de investigação), quais são as dificuldades
de interação física e/ou psíquica com o ambiente construído das
231

crianças, dos adolescentes e dos funcionários nos abrigos


institucionais, viabilizou-se através de pesquisa bibliográfica baseada
em diferentes autores e apresentada na forma de textos, infográficos e
quadros-síntese – e também, através de estudos de campo com a
utilização dos métodos: Jogo de Imagens e Palavras (REHAL, 2002),
Representação Gráfica e Grupo Focal.
Considerando o nível de subjetividade que norteia o tema da
apropriação no habitar doméstico, é quase dispensável dizer que os
resultados deste objetivo não representam uma verdade absoluta. No
entanto, as etapas de investigação mostraram uma coerência própria e
reveladora do sistema de crenças e valores sobre a forma como é
apropriado e vivenciado o ambiente construído do abrigo institucional,
expressando-se num modelo rotineiro, onde se percebe e reage aos fatos
e condições experimentados no habitar doméstico, validando tais
resultados.
Nesse sentido, o abrigo institucional, mesmo entendido como
moradia provisória, é visto por seus usuários (crianças, adolescentes e
funcionários) como uma esfera de vida privada, expressando incontáveis
significados. Como representação física e da vida praticada no habitar
doméstico, o abrigo institucional representa a segurança e a
previsibilidade contrárias ao ambiente externo, incorporando os
conceitos de abrigo e casa. Por essa razão, é importante compreender
que o abrigo passa a possuir não apenas o sentido institucional, mas
significados específicos, atribuídos por seus usuários através das
relações cotidianas no e com o ambiente construído e pode assim,
adquirir o sentido específico de lugar.
Ao se destacarem essas relações com o ambiente construído,
verifica-se o tradicional entendimento do lugar que, aplicado à questão
do habitar doméstico, se refere aos sentidos de enraizamento,
pertencimento e identificação em relação às experiências sensoriais, de
espacialidade, hábitos e costumes, vividas no lugar habitado – numa
oposição às influências da esfera pública. Dessa forma, as dificuldades
de interação física e/ou psíquica com o ambiente construído das
crianças, dos adolescentes e dos funcionários no abrigo institucional
estudado estavam relacionadas sempre, a não se fazerem atuantes no
ambiente em que viviam, sejam efetivamente, habitando (no caso das
crianças e dos adolescentes quando não lhes era permitido participar do
preparo dos alimentos, por exemplo) ou no trabalho, ao não serem
incluídos nas necessidades do ambiente construído (referente aos
funcionários, que não possuem áreas de descanso próprias).
232

O terceiro objetivo específico: Identificar através de


abordagem multidisciplinar (teórica e de investigação), as
características que podem permitir/estimular ou reduzir/impedir
positivamente no processo de apropriação, contribuindo para a
qualidade de vida no habitar doméstico no ambiente construído,
mesmo sendo ele uma instituição provisória – também foi alcançado
com pesquisa bibliográfica em diferentes autores e apresentados na
forma de textos, infográficos e quadros-síntese – e também, pelos
métodos: Jogo de Imagens e Palavras (REHAL, 2002), Representação
Gráfica e Grupo Focal.
Para proporcionar o sentido de acolhimento descrito na legislação
brasileira, as características que podem permitir ou restringir, reduzir ou
impedir estão relacionadas ao conceito de autonomia. Dessa forma,
desde que aptas para tal função e desejosos para executa-la é importante,
que as crianças e os adolescentes participem das atividades do cotidiano
doméstico, efetivando outros conceitos que permeiam essa ação, como:
a privacidade, a formação de territórios, etc. Recursos arquitetônicos que
estimulem a posse, a apropriação e consequente, o sentido de
pertencimento ao lugar, conduzirão inclusive, ao sentimento de sua
preservação. Para a promoção de ganhos psicossociais e o resgate (ou
construção) dos vínculos afetivos, é preciso, entre outros fatores, que os
ambientes se adéquem às necessidades funcionais e psicológicas dos
abrigados. Para isso, é preciso identificar que o papel principal dos
abrigos institucionais é: viabilizar às crianças e aos adolescentes a
interação com pessoas, objetos e símbolos, com um ambiente interno –
habitar doméstico – e externo – sociedade e cidade – receptivo e
acolhedor. Afinal, a impossibilidade de vivenciar o ambiente construído
da mesma forma que quaisquer outras pessoas, não é acolhimento,
representa uma barreira e aumenta o caráter de vulnerabilidade social.
Para alcançar os objetivos específicos e consequentemente, o
geral, houve a pesquisa de revisão bibliografia e também o estudo de
caso, cuja divisão das etapas de investigação fez com o que o período de
pesquisa se prolongasse. A atitude foi tomada para vencer a maior
dificuldade encontrada no estudo de campo, que foi a aceitação da
pesquisadora no mundo das crianças e dos adolescentes por causa da
diferença etária, cognitiva, de poder (tanto real como percebido) e até
mesmo, de tamanho físico. Nessa questão, a conclusão sustenta a tese
que certas diferenças entre os adultos e as crianças e os adolescentes não
podem ser plenamente superadas, mas minimizadas através da empatia
conquistada pela permanência continuada.
233

Optar por uma sequência linear tendo a primeira etapa com


atividades de Observação Participante e aplicação do Roteiro da
Caracterização (através de planilhas), fez com que a segunda etapa, que
poderia ser compreendida como mais invasiva - afinal tratava de
interlocuções diretas com os usuários - pudesse acontecer sem
empecilhos, com os participantes acostumados à figura da pesquisadora.
Dessa maneira, considera-se que crianças, adolescentes e, até mesmo, os
funcionários já haviam vencido, mesmo que parcialmente, o “mal do
institucionalizado” (percepção empírica) que provocaria apatia ou
agressividade em relação à presença da pesquisadora e à participação
nos métodos.
A primeira etapa de pesquisa de campo com o uso da Observação
Participante e do Roteiro de Caracterização permitiram descrever o
ambiente construído, considerando aspectos funcionais e de
comportamento e constatando: a setorização funcional; o controle de
acessos e a permanência no espaço; a demarcação espacial; a ambiência
funcional e por fim, a adaptabilidade funcional dos ambientes, como
critérios importantes para a ambiência do abrigo institucional como um
modelo de habitar doméstico. A utilização de um método de abordagem
qualitativa (Observação Participante) e outro, quali-quantitativa (Roteiro
de Caracterização) permitiu que nessa etapa, fosse possível a percepção
de aspectos arquitetônicos que impediam a relação entre usuários e
ambiente construído, influenciando decisivamente, no comportamento
dos primeiros. Os aspectos negativos identificados pela pesquisadora na
Observação Participante foram de alguma maneira, também
identificados nas observações de campo pelo Roteiro de Caracterização,
validando mutuamente os resultados. Foram eles: (01) o controle de
acessos especialmente, na cozinha onde o uso e a apropriação são
importantes para sentir-se participante da rotina doméstica; (02) o
impedimento das demarcações de posse para o favorecimento do
coletivo; e (03) a neutralidade dos ambientes, que visa dar a impressão
que o ambiente é preparado para atender a qualquer tipo de interno, mas
na realidade transmite o entendimento de que ninguém é possuidor do
lugar.
Na segunda etapa, a escolha de métodos para “dar voz aos
usuários”, permitiu coletar informações pouco, ou nada, externadas por
crianças, adolescentes e funcionários na etapa anterior. Além de
reconhecer o papel relevante dos usuários (sujeitos-pesquisados) para a
produção de uma Arquitetura capaz de elaborar uma estrutura espaço-
temporal cada vez mais adequada à ação humana. Registra-se que há
estudiosos discutindo as “mentiras” dentro de métodos com abordagem
234

aproximadas à etnografia, como os escolhidos para investigar as


crianças e os adolescentes do abrigo institucional (Jogo de Imagens e
Palavras e Representação Gráfica). No entanto, não há provas que
afirmem que esses investigados falem mais ou menos mentiras do que
os adultos. Ainda, a questão da sugestão, pensada como constructo
relacionado com as competências cognitivas e com o diferencial de
poder percebido da criança e do adolescente, é também, rebatida. Há
inclusive, pesquisas experimentais que demonstram as crianças e os
adolescentes como resistentes à sugestão, validando a escolha pelos
métodos e posteriormente, seus resultados.
O Jogo de Imagens e Palavras (REHAL, 2002) apresentou-se um
eficaz método para vencer as dificuldades que envolvem a pesquisa com
crianças e adolescentes. Quando apresentadas as imagens, os
participantes imediatamente iniciavam a seleção, mostrando grande
interesse em participar e expor suas opiniões. Registra-se que foram
necessárias adaptações ao longo da pesquisa, principalmente na escolha
das imagens, conforme relatado no capítulo com os procedimentos
metodológicos. Porém, foram realizados Jogos suficientes para
identificarem opiniões relevantes acerca dos aspectos positivos e
negativos do ambiente construído, especialmente com foco na dimensão
comportamental.
Por acreditar que no desenho de uma casa, é conferido sentido
aos traços, com sinais ou imagens que comunicam muitas vezes, o que
não é possível afirmar com palavras, optou-se pelo método de
Representação Gráfica para completar as informações do Jogo de
Imagens e Palavras (REHAL, 2002). O desenho da casa é um suporte
que se mistura e cruza com valores dos objetos e das pessoas tanto do
momento atual, quanto de futuro e passado. Para a validação das
análises, optou-se pela constatação de elementos gráficos que fizessem
alusão aos “patterns” estudados por Alexander (2013) e que segundo
este autor, são importantes para o sentido de habitabilidade, ou seja, para
se sentir efetivamente acolhido no habitar doméstico.
Esses dois métodos permitiram concluir que para as crianças e os
adolescentes, o abrigo institucional é um modelo de habitar doméstico,
incluindo as esferas conceituais do abrigo e da casa, e cuja
transitoriedade é pouco relevante. Registrou-se também, a necessidade
de se fazer pertencente ao lugar, a partir de características que
envolvam: (01) gradientes de privacidade; (02) marcações de território e
(03) autonomia nas atividades do cotidiano. Acerca de aspectos visuais,
as crianças apontam a necessidade de opostos (alto e baixo, cheio e
235

vazio, claro e escuro, dentro e fora) para sensação de segurança e


controle do ambiente construído.
Por fim, o método do Grupo Focal tornou clara a percepção dos
funcionários acerca do abrigo institucional como um local de trabalho,
onde é necessário cumprir regras hierárquicas e por isso, as necessidades
do grupo de funcionários envolvem um ambiente de descanso para eles
mesmos; e na visão deles para os internos, a manutenção da ordem e da
segurança, em prol da legitimidade dos serviços institucionais prestados.
Ao término da revisão bibliográfica e da investigação de campo,
é possível afirmar que o objetivo geral - Formular diretrizes de ordem
qualitativa que considerem a categoria física e a dimensão
comportamental para a elaboração de programas e projetos de
arquiteturas de acolhimento na modalidade de abrigo institucional,
dentro da realidade brasileira – foi alcançado.
A pesquisa valorizou a relação entre os conceitos de ambiência,
que promovem qualidade de vida a partir da humanização dos ambientes
construídos nos abrigos institucionais, com vistas à integração entre o
conhecimento qualitativo, constatado no referencial teórico e na
pesquisa de campo, e sua sistematização na solução de problemas do
projeto através de diretrizes, oferecendo uma contribuição para a
reflexão e a prática do processo projetual. Buscou‐se elaborar diretrizes
projetuais para o melhor atendimento de necessidades das crianças, dos
adolescentes e dos funcionários nesse modelo de habitar doméstico.
O alcance dos objetivos geral e específicos esperam oferecer
como contribuição o melhor atendimento de necessidades humanas no
modelo de habitar doméstico dos abrigos institucionais. Considera‐se, a
interpretação da realidade encontrada - tanto no ambiente construído
quanto na sua apropriação pelos usuários (crianças, adolescentes e
adultos) - e a coletânea de diretrizes projetuais elaboradas a partir da
investigação no estudo de caso como resultados importantes. A seleção
de diretrizes pode vir a beneficiar o processo e a qualidade de futuros
projetos de abrigos institucionais para qualquer região do Brasil.
Pode‐se dizer então, que essa pesquisa alinha‐se aos autores citados no
referencial teórico, que almejaram a redescoberta de valores para o
projeto arquitetônico, a fim de satisfazerem as necessidades humanas e
estabelecerem a apropriação com ambiência de qualidade dos usuários
com o ambiente construído.
236

6.2 CONCLUSÕES GERAIS

Após as etapas de investigação teórica e de campo, os resultados


permitiram compreender que há bases históricas arraigadas na trajetória
de assistência às crianças e aos adolescentes brasileiros. Nesses
estabelecimentos, a influência europeia organizacional reflete-se através
de estruturas administrativas e espaciais, desde o período colonial - nas
“rodas” das Santas Casas de Misericórdia comandadas pela Igreja
Católica -, até as unidades da Febem – dos governos estaduais, entre as
décadas de 1970 e 1980. Diante da trama das relações inter e
intrainstitucionais, Marcílio (2006), Del Priore (2000) e Passetti (2000)
permitiram compreender que os conceitos de assistencialismo e
higienismo sempre permearam as políticas públicas brasileiras
relacionadas a esse tema, desde o período colonial, com o intuito de
afastar a presença incomoda de crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade do convívio social. Mesmo a denominação de
higienismo, sendo mais tardia, criada no século XIX.
É possível constatar que na arquitetura histórica, há a repetição de
modelos de grandes dimensões, imprimindo peso e imponência ao
conjunto; e a organização espacial baseada no controle das atividades e
dos usuários, com recursos espaciais como corredores lineares,
modulações e pátios internos, em alusão ao modelo panóptico de
Bentham. O intuito era o atendimento emergencial, disponibilizando
abrigo e educando para o trabalho. As instituições funcionavam como
controladoras do ser, do viver, do querer, etc., com o mínimo de
interesses individuais e o máximo de atividades coletivas, como as
“instituições totais”, apresentadas por Foucault (2003). Os abrigos atuais
diminuíram em dimensão e não é mais possível determinar aspectos
comuns na sua linguagem arquitetônica. Contudo, percebe-se o
predomínio do coletivo, pela maneira como acontecem as interações dos
usuários no e com os ambientes construídos. Assim, a análise das
arquiteturas históricas e atuais permite algumas aproximações e poucos
distanciamentos. Historicamente, a preocupação das políticas públicas
de assistência às crianças e aos adolescentes era o atendimento
emergencial, através do batismo e da alimentação e hoje, está no
suprimento de saúde, educação, moradia e alimentação. O entendimento
de que o abrigo institucional funciona como um substituto provisório do
habitar doméstico ainda se encontra, por parte dos agentes envolvidos
com o tema. Foca-se então, no conceito de abrigo (proteção, segurança)
e afasta-se da casa (apropriação, pertencimento), discutida por
Bachelard (1998), Norberg-Schulz (1985) e Rapoport (1976).
237

Para efetivar o abrigo institucional como uma casa substituta (ou


provisória, seja qual for a denominação preferida) é preciso o
entendimento do ambiente construído a partir de elementos visíveis
(materiais) e invisíveis (imateriais) que definem sua identidade,
influenciando o comportamento das pessoas que vivem no local, como
apresentaram os estudos de Elali (2009), Heidegger (2002), Okamoto
(2002), Fischer (1994) e outros autores. No crescimento e
desenvolvimento infantil, segundo a teoria de Bronfenbrenner (1999), a
casa constitui o microssistema. Corresponde ao ambiente mais simples,
conhecido e experimentado, onde a criança e o adolescente definem um
padrão de atividades, papéis e relações interpessoais. Por essa razão, o
ambiente construído dos abrigos institucionais deve vencer a barreira do
abrigo (que possui no cenário atual) e agregar as dimensões espaciais de
uma casa, especialmente através da liberdade para definir os gradientes
de privacidade e os territórios preferidos.
Nos estudos relacionados à qualidade dos ambientes construídos
de Almeida (1995) e Malard (1992), notou-se a importância de oferecer
aos usuários maneiras de interação positiva. Nos ambientes infanto-
juvenis um recurso é a ludicidade. Vigotsky (1999) também, permitiu
compreender que essa qualidade é essencial para o desenvolvimento e a
aprendizagem infantil, pois estimula nas crianças, a linguagem, o
pensamento, a socialização, a exploração, a invenção, a motricidade, a
imaginação e a fantasia.
Por conseguinte, é importante lembrar que as diretrizes se
fundamentam nos conceitos de ambiência do habitar doméstico, que
retomam o sentido de abrigo e fundamentalmente, de casa, ao permitir o
uso e a apropriação, fazendo com que haja sentido de pertencimento e
identidade – e por fim, o sentimento de acolhimento. Os conceitos de
privacidade e territorialidade que permeiam as diretrizes visam
materializar o conceito legal de acolhimento. Acredita-se que as
diretrizes aqui propostas, podem se tornar fontes de estímulos, de
aprendizados e inter-relacionamentos, repetindo conclusões de estudos
de Bee e Boyd (2011), Newcombe (1999) e Trancik e Evans (1995) para
os ambientes com tais qualidades. Registra-se, contudo, que jamais vão
substituir uma família e um lar, mas serão sim uma casa (provisória ou
não), na acepção do entendimento de Bachelard (1999).
Dessa maneira, o planejamento dos ambientes construídos deve
mesclar-se com áreas externas e internas que permitam autonomia e
participação nas rotinas, condições importantes para o crescimento e
desenvolvimento psicossocial saudável, permitir personalização, possuir
gradientes de privacidade, viabilizar territórios, promover autonomia e
238

participação nas rotinas. Afinal, é num ambiente construído com tais


características, que as crianças e os adolescentes irão se identificar.
Esses espaços precisam ser complexos e perceptivos, ter cantos e
recantos, contrastes, áreas cheias de sol e também, sombreadas, com
elementos, materiais e brinquedos que despertem o interesse na ação e
interação, só assim cada usuário de um abrigo institucional será parte
integrante, e assim, ser acolhido.

6.3 RECOMENDAÇÕES PARA TRABALHOS FUTUROS

Durante o desenvolvimento da pesquisa, uma série de


inquietações envolveram o trabalho. Algumas puderam ser satisfeitas
(conforme fora relato especialmente, no capítulo dos procedimentos
metodológicos), enquanto outras ficaram pendentes. Além disso, na
pesquisa científica uma discussão jamais se esgota, em razão dos
diferentes enfoques que podem ser dados e consequentemente, abrem
possibilidades para trabalhos futuros.
Nessa pesquisa, desejou-se aprofundar as questões de qualidade
do ambiente construído na dimensão comportamental, com o foco na
percepção dos usuários do abrigo institucional (crianças, adolescentes e
funcionários adultos), mas se sabe que há ainda, diversos aspectos a
serem pesquisados e complementados. Por essa razão, cabe sugerir
algumas (mas não todas) investigações, sendo elas:
a. A realização de pesquisas similares, com utilização das duas
etapas metodológicas, em outros modelos de instituições de
acolhimento, especialmente nas casas-lares. Tal pesquisa
traria contribuições arquitetônicas a esses modelos que
também, carecem de instrumentos legais que alcancem
aspectos do ambiente construído;
b. Para completar o estudo de caso, bem como as futuras
investigações, sugere-se a construção de uma etapa de
pesquisa com instrumentos metodológicos de análise urbana,
permitindo reconhecer as interfaces do tema associado a
aspectos sociais, como legibilidade, reconhecimento,
apropriação, identidade, etc. do abrigo institucional no
contexto urbano a partir da utilização dos “patterns” de
urbanidade;
c. Avaliar as condições de conforto término, lumínico e acústico
dos abrigos institucionais com instrumentos metodológicos
quantitativos;
239

d. Comparar as pesquisas brasileiras referentes ao tema,


inclusive essa, com as realizadas em outros países,
confrontando assim as diferentes realidades;
e. Comparar situações de perda de referências do habitar
doméstico, adotando os procedimentos metodológicos dessa
pesquisa, em outros cenários sociais de situação de
vulnerabilidade que envolvam a criança e o adolescente, como
os refugiados, os migrantes.
Desenvolvimentos futuros poderão explorar em maior
profundidade as conexões teóricas bem como a aplicação da
metodologia de investigação a partir dos conceitos propostos que,
avessos à abstração dos índices e coeficientes típicos da legislação
urbanística e arquitetônica, representam qualidades morfológicas e
espaciais do ambiente construído que procuram resgatar o sentido de
acolhimento. Dessa maneira, após a complementação com outras
pesquisas, sugere-se o desenvolvimento de um instrumento
metodológico (por exemplo um checklist) para avaliação dos abrigos
institucionais para crianças e adolescentes brasileiros em situação de
vulnerabilidade.
Encerra-se essa pesquisa com a reflexão acerca da necessidade de
interlocução entre a Arquitetura e a legislação brasileira, aproximando
visões e atributos para não somente o abrigo, mas todas as modalidades
de acolhimento institucional que de alguma maneira, irão substituir o
habitar doméstico. Com isso, considerar processos e metodologias
participativas de projeto (participação dos usuários no processo) como
procedimentos fundamentais para um “salto” de qualidade do ambiente
construído de estabelecimentos brasileiros de uso público. Dessa
maneira, quaisquer iniciativas de pesquisa acerca com temas voltados a
arquitetura pública fazem-se de extrema importância e originalidade,
visto a realidade de extremo descaso.
241

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255

ANEXO 1 – QUADRO DE PADRÕES


256
257

APÊNDICE 1 – ANÁLISE ARQUITETÔNICA


258

APÊNDICE 2 – ANÁLISE ARQUITETÔNICA


259

APÊNDICE 3 – ANÁLISE ARQUITETÔNICA


260

APÊNDICE 4 – ANÁLISE ARQUITETÔNICA


261

APÊNDICE 5 – FASES DO CRESCIMENTO E


DESENVOLVIMENTO
262
263
264
265

APÊNDICE 6 – TERMO DE CONSENTIMENTO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


INSTITUIÇÃO
1) Tema da pesquisa:
Arquitetura dos abrigos institucionais para crianças e adolescentes.

2) Descrição:
Esta pesquisa é realizada pela pesquisadora responsável/orientadora
Marta Dischinger e pela pesquisadora principal/orientanda Aline Eyng
Savi junto ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo
(Pós-ARQ) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na linha
de pesquisa Projeto e Tecnologia do Ambiente Construído, como
requisito parcial à obtenção do grau de Doutora em Arquitetura e
Urbanismo.

2.1) Justificativa para a realização da pesquisa:


A institucionalização é um momento difícil na vida dos internos, que
deixam suas famílias e vivem sob a tutela do Estado até que os motivos
do acolhimento sejam sanados. A situação deve ser transitória, mas por
diferentes razões, a maior parte dos casos leva meses ou anos para se
resolver. A legislação brasileira controla a administração desses locais,
mas é generalista quanto ao ambiente construído.

2.2) Objetivo da pesquisa:


Compreender e caracterizar o ambiente construído do acolhimento
institucional para alcançar contribuições arquitetônicas que possam
nortear projetos no território brasileiro.

2.3) Procedimento metodológico:


As etapas acontecerão em data, hora e local conforme disponibilidade da
Instituição e terão as seguintes etapas:
- Visita para observações das atividades de rotina, com anotações
em diário e em planilha técnica.
- Visita com realização de dinâmica através de imagens
ilustrativas com as crianças e adolescentes, que consiste na
apresentação de fotografias selecionadas na internet e discussão
sobre essas imagens. Todas elas têm espaços de moradia como
cenários. Realização de dinâmica de representação gráfica da
casa. Ambas as atividades podem ser acompanhadas pela
266

psicóloga da Instituição. Realização de Grupo Focal com os


funcionários.

3) Benefícios esperados com a pesquisa:


Com base nos resultados será possível caracterizar o ambiente
institucional e numa escala mais ampla, viabilizar que as contribuições
arquitetônicas sejam difundidas, aproximando a arquitetura institucional
de um modelo de habitar doméstico.

4) Garantias aos participantes da pesquisa:


Desde já, a pesquisadora se coloca à disposição para quaisquer
esclarecimentos.
A pesquisadora declara que não há nenhum risco aos participantes, seja
moral ou físico.
A instituição tem o direito de retirar este consentimento a qualquer
momento do andamento da pesquisa em que julgar a quebra do acordo
firmado, sem pena e bastando informar através do seguinte e-mail:
xxxx@gmail.com e/ou telefone: (xx) xxxxxxxx.
Destaca-se que a pesquisa de campo tem prazo de término no ano de
2017.

É garantido o sigilo e a privacidade da identidade, com a substituição do


nome pelo genérico: INSTITUIÇÃO e dos internos por CRIANÇA e
ADOLESCENTE.

Eu, ______________________ representante legal da INSTITUIÇÃO,


inscrito sob o CPF número __________, RG número
_______________, declaro que compreendi os objetivos, procedimentos
e benefícios da pesquisa e concordo participar.
Data e local: ________________________________, _____ / _____ /
_______.
Assinatura do Participante: ________________________
Assinatura do Pesquisador: ________________________
267

APÊNDICE 7 – CARACTERÍSTICAS DA INSTITUIÇÃO

INSTITUIÇÃO

Data de fundação: maio de 1999.

Data de instalação da infraestrutura: setembro de 1999.

Característica: natureza filantrópica não-governamental, organizada


por um grupo comunitário, sem vínculos religiosos.

Vínculo financeiro: Prefeitura Municipal.

Regime de atendimento: acolhimento institucional, modalidade de


abrigo institucional.

Missão: Atender e abrigar crianças e adolescentes em situação de


vulnerabilidade social ou familiar em suas necessidades básicas - físicas,
psicológicas e emocionais - para que continuem vivendo dignamente,
através do resgate de suas histórias de vida e do oferecimento de um lar
temporário, até o encaminhamento judicial para a família de origem ou
substituta.

Internos: crianças e as adolescentes do sexo feminino possuam entre


zero e dezoito anos incompletos e do sexo masculino, entre zero e seis
anos. No entanto, essas regras, muitas vezes, são alteradas pela demanda
de abrigados e falta de locais de acolhida.

Funcionários: Os funcionários possuem contato contínuo e direto com


as crianças e os adolescentes. Eles recebem treinamentos mensais,
disponibilizados pela INSTITUIÇÃO, para o aperfeiçoamento dos
recursos humanos em relação à convivência mútua e com os abrigados.
Fazem parte desse grupo, dez monitoras e duas cozinheiras. Os
funcionários trabalham em regime de plantão de doze horas, folgando
por um dia, e são responsáveis pelos cuidados de alimentação e higiene
das crianças e dos adolescentes, além de quaisquer outros tipos de
assistência. A manutenção doméstica diária também fica a cargo dos
funcionários. No entanto, a prioridade é o atendimento às crianças e aos
adolescentes. O quadro de funcionários completa-se com os prestadores
de serviços gerais (jardineiro e auxiliar de limpeza) contratados
268

esporadicamente, conforme a necessidade.

Voluntários e apenados: Os cidadãos julgados e condenados às penas


alternativas também prestam serviços. Eles trabalham oito horas
semanais, realizando trabalhos determinados pela Justiça, a partir das
necessidades imediatas da INSTITUIÇÃO. Há também uma rede de
colaboradores que prestam, voluntariamente, serviços jurídicos e de
saúde e atendem em seus locais de trabalho. São eles: dentista,
advogado, contador, enfermeiro, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, médico
clínico e pediátrico, nutricionista e pedagogo. A Universidade da mesma
cidade da INSTITUIÇÃO disponibiliza, semestralmente, estagiários
pelo artigo 17063 dos cursos de Ciências Biológicas, Humanas e Sociais,
para auxiliarem nos serviços técnicos. Cada estagiário trabalha quatro
horas semanais. A INSTITUIÇÃO recebe, também, visitas eventuais de
escolas e entidades de classe. Esses grupos são mais frequentes em datas
comemorativas.

Atividades extras: Para que haja regresso definitivo à família de origem


[conclusão de caso ideal para a Justiça] são feitas visitas domiciliares
periódicas pela Psicóloga ou Assistente Social, para a avaliação das
condições físicas da residência e psicológicas dos pais ou responsáveis.
Conforme os casos, as famílias são encaminhadas aos programas de
apoio social (e.g. Bolsa Família), ajuda mútua (e.g. Alcoólicos
Anônimos) e profissional (e.g. Centro de Atenção Psicossocial).

Motivos para a internação: maior número de meninas (85%); maior


motivo está relacionado à vulnerabilidade ocasionada por pais
envolvidos com drogas (34%); maior parte tem idas e vindas à
instituição (70%); maior parte não é adotada e sim encaminhada à
família de origem ou estendida (65%).

63
O artigo 170 é oferecido na forma de bolsa de estudos aos alunos economicamente
carentes pelo Estado de Santa Catarina, Brasil, de acordo com as Leis complementares nº
281/2005 e nº 296/2005.
269

APÊNDICE 8 – DIÁRIO DE OBSERVAÇÕES

PÁGINA 01 – DIA 01
270

PÁGINA 02 – DIA 01
271
272
273
274

APÊNDICE 9 – ROTEIRO DE OBSERVAÇÕES


275
276
277
278
279
280
281
282
283

APÊNDICE 10 - JOGO DE IMAGEM E PALAVRAS

Leitura:
Ambiente: social ou íntimo
Atividade: individual, relativa calma
Predomínio de cores escuras
Contraste de claro e escuro – nicho de luz
Dimensionamento aconchegante – nicho infantil
Indivíduo realiza atividade sozinho – gradiente
de intimidade
Aparente conforto – lareira
Fonte: Ulrike Schmitt-Hartmann, 201764. Relação interior e exterior – vistas, aberturas
naturais e janela com pinázios
Leitura:
Ambiente: social ou íntimo
Atividade: em conjunto, relativa calma
Predomínio de cores claras
Espaço de convívio – espaço físico congruente
espaço de convívio
Cobertura envolvente - Nicho infantil - Variação
de pé-direito
Ambiente junto a janela - Janela saliente para a
Fonte: Christopher Hopefitch, 201765. rua - Nicho de luz - Abertura natural - Luz
natural interna - Vistas – orientação solar para o
espaço externo
Janela com pinázios
Gradiente de privacidade com layout de conjunto
Leitura:
Ambiente: serviço
Atividade: em conjunto (adulto ajuda criança),
relativa ação
Predomínio de cores claras
Ambiência para as refeições
Luz natural interna
Diversidade de usuários
Materiais apropriados
Fonte: Karina Mansfield, 201766.

64
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/532777277>. Acesso em: 02 jan.
2017.
65
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/548914219>. Acesso em: 02 jan.
2017.
66
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/122128218>. Acesso em: 02 jan.
2017.
284

Leitura:
Ambiente: social ou íntimo
Atividade: em conjunto (criança ajuda criança),
relativa ação
Predomínio de cores quentes
Nicho infantil – escala do mobiliário
Sequência de nichos
Parede agradável ao tato

Fonte: Neil Beckerman, 201767.


Leitura:
Ambiente: social ou íntimo
Atividade: em conjunto, relativa ação
Predomínio de cores claras
Zonas de piso
Nicho de luz - Abertura natural - Luz natural
interna - Vistas – orientação solar para o espaço
externo

Fonte: Maskot, 201768.


Leitura:
Ambiente: social ou íntimo
Atividade: em conjunto, relativa calma
Predomínio de cores claras
Espaço físico congruente espaço de convívio
Zonas de piso
Nicho de luz - Abertura natural - Luz natural
interna - Vistas – orientação solar para o espaço
externo
Fonte: Robert Daly, 201769.
Leitura:
Ambiente: serviço
Sem atividade, relativa calma
Predomínio de cores claras
Espaço físico congruente espaço de convívio
Formado alongado
Luz natural interna

Fonte: H. Armstrong
Roberts/ClassicStock, 201770.

67
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/143800545>. Acesso em: 02 jan.
2017.
68
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/598308279>. Acesso em: 02 jan.
2017.
69
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/479632417>. Acesso em: 02 jan.
2017.
70
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/563943071>. Acesso em: 02 jan.
2017.
285

Leitura:
Ambiente: social ou serviço
Atividade: em conjunto, relativa ação
Predomínio de cores claras
Espaço físico congruente espaço de convívio
Ambiência para as refeições
Gradiente de intimidade – aglomeração
Aberturas naturais – orientação solar para o
espaço externo – luz natural interna
Fonte: Tim Macpherson, 201771. Diversidade de usuários
Leitura:
Ambiente: social ou serviço
Atividade: em conjunto, relativa ação
Predomínio de cores claras
Espaço físico congruente espaço de convívio
Ambiência para as refeições
Gradiente de intimidade – aglomeração
Aberturas naturais – orientação solar para o
espaço externo – luz natural interna
Fonte: Persson, Magnus, Per, 201772. Diversidade de usuários
Leitura:
Ambiente: íntimo
Atividade: em conjunto (adulto ajuda criança),
relativa ação
Ambiente sem variação de cores
Nicho para dormir
Diversidade de usuários
Materiais apropriados

Fonte: Vintage Images, 201773.

71
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/91531630>. Acesso em: 02 jan.
2017.
72
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/97432761>. Acesso em: 02 jan.
2017.
73
Disponível em: <http://www.gettyimages.pt/license/92568270>. Acesso em 02 jan.
2017.
286

APENDICE 11 – JOGO DE IMAGEM E PALAVRAS

Jogo de Imagem e Palavras


Aplicação com grupo 01

Imagem Participantes Falas


CRIANÇA 01 Não se posicionou.
(08 anos,
feminino)
CRIANÇA 02 Eu não gostei. Muito escuro e
(08 anos, sozinho. Ele deve estar triste ou
masculino) de castigo.
CRIANÇA 03 Não gosto de ficar assim sozinho
(09 anos, no escuro.
(feminino)
CRIANÇA 04 Que triste. Ele deve estar
(07 anos, cansado, ou de castigo.
feminino)
CRIANÇA 01 Isso a gente não tem aqui, mas
(08 anos, seria muito legal ter um espaço
feminino) assim pequeno.
Eu faço isso aqui. Eu pego uma
CRIANÇA 02
caixa [de papelão] e fico ali no
(08 anos,
meu cantinho. É legal. Ali é só
masculino)
nosso.
Isso é bem legal. Além de tudo
CRIANÇA 03
eu posso ver a rua. [...] a gente
(09 anos,
vê a rua, mas não assim no
(feminino)
nosso cantinho.
CRIANÇA 04 Não se posicionou.
(07 anos,
feminino)
Eu gostaria muito de aprender a
CRIANÇA 01 cozinhar. Ela está aprendendo.
(08 anos, Que legal! Mas aqui a gente não
feminino) pode. A tia74 tem medo que a
gente se queime.
Eu acho muito importante
ajudar na casa. Ela é da gente.
É legal poder ajudar. [...] As
CRIANÇA 02 vezes eu peço para ajudar e as
(08 anos, tias também pedem para a gente
masculino) arrumar a bagunça dos
brinquedos. Mas na cozinha, a
gente não pode. Acho que ali
deve ser bem legal.
CRIANÇA 03 Que legal. Eu queria fazer isso!
(09 anos, A cozinha é bem colorida
(feminino) também. Muito bonito!

74
Os internos costumam chamar de “tia” os funcionários da INSTITUIÇÃO.
287

Essa imagem é bem legal, ela


CRIANÇA 04 mostra uma pessoa grande
(07 anos, ensinando o pequeno. Eu gosto
feminino) de aprender. Seria legal poder
fazer a comida.
Aqui a gente brinca e também
CRIANÇA 01
tem de guardar as coisas. Mas
(08 anos,
não é assim. É numa caixa.
feminino)
Seria legal ter armários assim.
CRIANÇA 02 Não se posicionou.
(08 anos,
masculino)
[...] só gosto de bagunça para
CRIANÇA 03
brincar. [...] isso é legal, porque
(09 anos,
a gente pode participar, as
(feminino)
coisas ficam nossas [...]
[...] eu também ajudo para
arrumar. [...] aqui nessa foto o
CRIANÇA 04
grande ajuda o pequeno [...] eu
(07 anos,
acho legal a gente poder ajudar
feminino)
e ter onde guardar o que é nosso
[...]
Os meninos estão brincando.
CRIANÇA 01 Isso a gente faz aqui. Mas essa
(08 anos, sala não tem graça. É de uma
feminino) cor. Não tem coisa [objetos] de
casa.
CRIANÇA 02 Não se posicionou.
(08 anos,
masculino)
CRIANÇA 03 Não gosto porque é muito
(09 anos, branco, não tem colorido. Só a
(feminino) camiseta do menino!
Eles estão brincando. Aqui na
sala a gente também brinca, mas
CRIANÇA 04
as tias não gostam. Eu também
(07 anos,
não gostei da imagem, tudo
feminino)
muito branco, parece que não
tem nada que é diferente.
A gente pode fazer isso aqui. É
CRIANÇA 01
igual. A única coisa é que temos
(08 anos,
horários. Será que eles também
feminino)
tem?
Acho que não devia ter horário.
CRIANÇA 02
Não gosto de ter horário para
(08 anos,
ver televisão. Mas acho que aqui
masculino)
temos o espaço bem parecido.
CRIANÇA 03 Isso tem igual aqui.
(09 anos,
(feminino)
CRIANÇA 04 Essa a gente vê sempre. Mas
(07 anos, gosto dela, porque gostamos de
feminino) ficar juntos para assistir
288

televisão. Alguns ficam no sofá e


outros no chão. É legal fica
junto. Eles devem estar felizes
como a gente fica! [...] a gente
só briga pelo lugar no sofá, mas
isso não é sempre! [risos]
Nossa como ela é arrumada.
CRIANÇA 01
Essa cozinha não é legal.
(08 anos,
Ninguém está nela. Ela também
feminino)
tem pouca coisa [objetos].
Não gostei porque parece que
CRIANÇA 02 ninguém usa. Muito arrumada.
(08 anos, A gente tem a sala de visita aqui
masculino) que é assim, ninguém usa. Bem
arrumada!
CRIANÇA 03 Não se posicionou.
(09 anos,
(feminino)
CRIANÇA 04 Não se posicionou.
(07 anos,
feminino)
Muito cheio. Não gosto. Aqui as
CRIANÇA 01
vezes é cheio. Mas não
(08 anos,
atrapalha. Ali parece
feminino)
atrapalhar.
CRIANÇA 02 Que coisa errada sentar lá no
(08 anos, armário [risos] muito cheio.
masculino)
CRIANÇA 03 Muito cheio, ninguém fica à
(09 anos, vontade.
(feminino)
CRIANÇA 04 Muito cheio.
(07 anos,
feminino)
CRIANÇA 01 A sala assim colorida é muito
(08 anos, legal. Aqui não é assim. É tudo
feminino) igual.
Eu adorei a cor amarela. É a
CRIANÇA 02 minha preferida. Acho que
(08 anos, quando é assim colorida a casa.
masculino) Cheia de coisa, fica mais bonito.
Parece mais com uma casa.
Essa é uma casa colorida e
cheia de coisa. Ela precisa ser
CRIANÇA 03 arrumada, porque tem coisa no
(09 anos, chão. Mas mesmo assim ela é
(feminino) mais legal do que aqui, que a
sala é bem arrumadinha, mas
não é assim colorida e alegre.
CRIANÇA 04 Eu gosto de coisa alegre e essa
(07 anos, foto é assim.
feminino)
289

Aqui a gente ajuda as vezes,


CRIANÇA 01
quando a gente fica junto no
(08 anos,
quarto a tia pergunta se a gente
feminino)
não quer ajudar.
Eu não gosto de ajudar sempre.
CRIANÇA 02 Mas as vezes eu ajudo
(08 anos, arrumando minha cama. É
masculino) importante porque numa casa a
gente faz isso.
CRIANÇA 03 Não se posicionou.
(09 anos,
(feminino)
Eu gosto de ajudar. Eu queria
ajudar mais. Mas as vezes as
CRIANÇA 04
tias estão com pressa ou as tias
(07 anos,
não deixam a gente ir na
feminino)
cozinha, dizem que a gente pode
se machucar.

Jogo de Imagem e Palavras


Aplicação com grupo 02

Imagem Participantes Falas


CRIANÇA 05 Que legal se a gente tivesse um
(11 anos, espaço assim para ficar sozinho.
feminino) As vezes eu gosto.
Aqui a gente quase não fica
ADOLESCENTE sozinho. Quando a gente quer
06 (13 anos, ficar, eles logo dizem para a
feminino) gente ir ficar com os outros
[internos].
Eu acho que seria legal a gente
ADOLESCENTE
ter um espaço assim, onde pode
07 (12 anos,
ficar sozinho fazendo alguma
feminino)
coisa que a gente gosta.
CRIANÇA 05 Que legal isso. Era legal ter esse
(11 anos, espaço para a gente ficar com
feminino) menos pessoas.
ADOLESCENTE Esse espaço é bem legal porque
06 (13 anos, os dois podem ficar ali sozinhos.
feminino)
Que legal esse também, parece o
outro do menino deitado no
escuro. Eu queria que a gente
ADOLESCENTE
tivesse uns lugares assim por
07 (12 anos,
aqui.
feminino)
290

CRIANÇA 05 Eu não gosto de trabalhar


(11 anos, [risos].
feminino)
ADOLESCENTE Eu também não! [risos].
06 (13 anos,
feminino)
ADOLESCENTE Eu não posso fazer isso aqui.
07 (12 anos, Mas eu gosto de cozinhar e
feminino) queria aprender.
CRIANÇA 05 É de criança, mas mesmo assim
(11 anos, gostei porque cada um tem o seu
feminino) espaço.
Gostei disso. Aqui até temos a
ADOLESCENTE nossa cama e uma prateleira,
06 (13 anos, mas seria legal que fosse bem
feminino) certinho separado. Cada um
com a sua parte.
Gostei! Eu acho que isso deixa a
ADOLESCENTE
gente até mais responsável,
07 (12 anos,
porque a gente tem de cuidar do
feminino)
nosso cantinho!
CRIANÇA 05 Não gostei. Muito branco. Não
(11 anos, tem graça. É uma casa sem
feminino) coisa [objeto] de casa.
ADOLESCENTE Casa toda branca e sem coisa
06 (13 anos, [objeto]. Parece até hospital!
feminino) [risos]
ADOLESCENTE Não se posicionou.
07 (12 anos,
feminino)
CRIANÇA 05 Eu adoro ficar assim assistindo
(11 anos, televisão. Aqui podemos fazer
feminino) isso!
ADOLESCENTE Aqui a gente pode fazer igual. Só
06 (13 anos, que tem os horários certos.
feminino)
Essa imagem é igual o que
acontece aqui. Aqui cada um
ADOLESCENTE
tem um lugar certo para ficar.
07 (12 anos,
As tias não gostam, mas a gente
feminino)
tenta. Para a gente ver melhor a
televisão.
CRIANÇA 05 Cozinha toda certinha. Sem
(11 anos, graça!
feminino)
ADOLESCENTE Não se posicionou.
06 (13 anos,
feminino)
ADOLESCENTE Cozinha bem arrumada.
07 (12 anos, Ninguém deve morar ali. Porque
feminino) onde se usa, não é assim.
291

Quanta gente! Que divertido. Eu


CRIANÇA 05
queria que tivesse atividade
(11 anos,
assim. Cheia de gente! Bem
feminino)
legal!
Parece apertado, mas mesmo
assim as pessoas estão felizes.
ADOLESCENTE
Acho legal! Eu gosto disso, não
06 (13 anos,
sempre, mas na sala é legal ter
feminino)
gente. Onde tem gente, tem
diversão.
ADOLESCENTE Não se posicionou.
07 (12 anos,
feminino)
Que lindo! Amarelo! Essa sala é
CRIANÇA 05
uma sala onde mora gente! É
(11 anos,
colorida e cheia de coisas
feminino)
[objetos].
ADOLESCENTE Muito bonito assim colorido.
06 (13 anos, Aqui na nossa sala tudo é mais
feminino) certinho e não é assim tão feliz!
Amarelo é bonito e chama
ADOLESCENTE atenção. Fica muito bonito na
07 (12 anos, sala. A gente podia ter mais
feminino) cores aqui também. Aqui é tudo
igual.
CRIANÇA 05 A gente não gosta de trabalhar!
(11 anos,
feminino)
ADOLESCENTE Não gosto.
06 (13 anos,
feminino)
ADOLESCENTE Não gosto.
07 (12 anos,
feminino)
292

APÊNDICE 12 – REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS

CRIANÇA 01
“Eu fiz uma casa assim com cores. Porque cores são legais numa casa. Ela também tem porta e
janela, grande e pequena, para todo mundo olhar. [...] Coloquei uma piscina do lado. Eu queria
ter uma piscina.”

CRIANÇA 02
“Minha casa tem muita cor! É assim que eu gosto! Ela tem de parecer uma casa feliz! Cheia de
coisa e de gente!”
293

CRIANÇA 03
“Minha casa tem janelas grandes, para a gente ver a rua!”

Observação durante a elaboração do desenho:


“Tia, eu quero uma casa em que se possa correr, brincar, que eu possa ajudar, mas não muito
porque as vezes eu tenho preguiça. Preguiça é gostoso! Quero uma casa onde eu possa ter
preguiça também. Uma casa limpa e com as coisas no lugar. Onde eu tenha os meus lugares; a
mesa, a cama e a cadeira. Onde eu possa colar desenho na geladeira e ter fotos minhas com
meus pais. Quero cortina, daquelas que “voa”! Quero casa com cheiro de comida! Cheiro de
feijão. Quero ter um cachorrinho para eu correr atrás e um gato para eu fazer carinho! Eu quero
casa com telhado e janela de abrir! Eu quero casa com chaminé. Quero um quarto, uma sala e
alguém para me esperar!”

CRIANÇA 04
“Minha casa é grande para caber todo mundo. As janelas são pequenas porque as vezes eu
queria ter mais lugar de criança aqui. Lugar onde cabe só uns poucos amigos. Tem piscina
também. Deve ser legal ter piscina”.
294

ADOLESCENTE 06
“Minha casa é grande. Igual essa daqui. Ela tem flor e jardim. Aqui não tem flor. Eu gosto de
flor porque deixa a casa bonita. A casa é colorida. Porque casa colorida é casa feliz, que tem
gente morando. Eu não desenhei porta. Para a gente ficar aqui dentro, protegido”.

ADOLESCENTE 07
“Essa casa é colorida. A casa precisa ser assim! Ter coisas coloridas. Isso mostra que muitos
fazem parte. Colocam suas coisas. Tudo igual não é casa. As flores deixam tudo mais bonito!
Fiz um sótão! Ali podia ser o meu lugar.”
295

APÊNDICE 13 – GRUPO FOCAL


296

APÊNDICE 14– GRUPO FOCAL (RESULTADOS)

Participante Função Faixa Etária Sexo Tempo de serviço


ADULTO 01 Cuidador 30 - 40 anos Feminino 13 meses
ADULTO 02 Cuidador 20 - 30 anos Feminino 27 meses
ADULTO 03 Cuidador 30 - 40 anos Feminino 18 meses
ADULTO 04 Cuidador 30 - 40 anos Feminino 48 meses
ADULTO 05 Psicóloga 20 - 30 anos Feminino 03 meses
ADULTO 06 Assistente Social 40 - 50 anos Feminino 10 meses

PARTE 01 – Perguntas objetivas.

1. Quais os ambientes mais frequentados por vocês e porquê?


Nós ficamos em vários lugares, mas o que permanecemos mais tempo é a sala. Porque
ali a ficam as crianças durante as refeições e nos outros horários do dia quando não
estão dormindo. A gente senta ali na mesa, pode conversar e observar as crianças ao
mesmo tempo (ADULTO 02).
A gente se divide para cuidar das crianças. Então estamos onde elas estão. Mas mesmo
assim se fosse pelo tempo do dia, é sim a sala o local que mais ficamos. É grande e a
gente prefere que as crianças fiquem ali. Porque assim ficam todas juntas. Às vezes elas
não querem ficar só ali. Querem ir para o quarto. Mas achamos que na sala tem mais
espaço e elas podem brincar mais à vontade e com menos riscos de se machucarem
(ADULTO 03).
A sala, mas isso engloba também a varanda. Depois que fechamos ela ficou parte da sala
também. É por isso que temos os brinquedos ali! (ADULTO 04).
Eu fico mais na minha sala [sala da psicóloga]. Priorizo os atendimentos ali, porque
acho mais reservado. Mas sei que nem todos ficam à vontade nesse ambiente mais com
cara de escritório. Por isso trago brinquedos para a sala e na minha sala, faço pequenos
cartazes para torna-lo mais agradável às crianças. Ainda assim, tem crianças que
resistem, os motivos são variados. Quando isso acontece, o que faço é ir ao encontro das
crianças, no local em que elas estão e tento conversar. E então se eu for desconsiderar a
minha sala, o local da casa que mais visito e frequento, também seria a sala (ADULTO
05).
A parte administrativa é separada da casa. Dessa maneira, também passo mais tempo lá
na minha sala, porque minhas atribuições me exigem. Quando eu venho para a casa, fico
muito na sala, onde converso com as cuidadoras e interajo com as crianças. Na casa, o
coração de tudo está na sala. Aqui tudo, ou quase tudo, acontece. É um local amplo e
permite que isso aconteça (ADULTO 06).
2. Quais seriam os ambientes mais adequados para as crianças e porquê?
Acho que a sala é adequada pelo tamanho. Permite diferentes brincadeiras, sozinhas ou
individuais. Mesmo que ela não possua um mobiliário e um ambiente tão infantil. Acho
até que poderia ter! (ADULTO 01).
Eu concordo que a sala seja um local importante da casa, mas os quartos também são, à
medida que são os que mais se parecem com locais para crianças, em razão das pinturas
nas paredes, em tom de rosa e azul, que lembram as coisas de meninas e de meninos
(ADULTO 02).
Acho que os quartos são coloridos. Não muito, mas são. E por isso podemos considerar
297

adequados às crianças. No mais, todos os ambientes recebem as crianças e colocamos os


brinquedos para tornar mais agradável. Acho que os ambientes são ideais para as
crianças, mas o local poderia ter mais coisas infantis. [...] o ambiente interno poderia
fazer mais referência às crianças (ADULTO 03).
Acho que todas concordamos que os quartos são lugares agradáveis porque tem ali
alguma relação com o universo infantil, mas penso que as crianças gostam de onde tem
os brinquedos, onde haja a presença do coletivo, por isso eu acabo falando que a sala é
adequada, mesmo sem as referências infantis. (ADULTO 05)
Sobre as referências infantis, é importante deixar claro que é possível faze-las em
determinados lugares da casa, não em toda ela. Aqueles que visitam e fiscalizam
entendem que o universo de crianças que adentemos é muito distinto, e por isso, não
podemos ambientar o lugar parecido com um berçário, uma creche ou uma escola
(ADULTO 06).

3. Se fosse elaborado um novo projeto, que ambientes e qualidades não poderiam


faltar e porquê?
Primeiro seria pensar em um lugar para o nosso descanso [funcionárias]. Porque
mesmos nos turnos que fazemos, temos horas de descanso que nós não conseguimos
tirar. Não temos uma sala para ficar ali, ver televisão, dormir um pouco. Tudo acontece
junto com as crianças, o que é muito difícil (ADULTO 01).
Acho que uma sala só nossa seria muito importante, pelos motivos já citados. Mas penso
que seria importante também permitir que as crianças tenham maior autonomia,
especialmente na cozinha. Falo isso porque converso muito com as adolescentes, e elas
sentem essa vontade de participar ou ainda, de possuir certa liberdade (ADULTO 02).
Uma sala nossa e também uma cozinha mais acessível seria muito interessante. Porque
seria uma forma até de prepara-las para as atividades que terão de fazer quando saírem
daqui (ADULTO 03).
Uma sala e uma cozinha, que legal! Seria isso sim! Nossa poderíamos pensar em
atividades paralelas, enquanto as tias da cozinha fazem as atividades do dia a dia,
podíamos ensinar coisas mais simples. Seria muito importante essa relativa liberdade.
Elas sempre nos pedem isso. Outra coisa que acho que poderia ser pensado é em termos
alguns ambientes mais lúdicos, através de cores e de móveis, não sei bem como seria
organizado isso, mas acho que a criança precisa desse desafio e como aqui não é uma
casa para ela ficar muito tempo, seria uma distração e também um aprendizado. Talvez
coisas grandes e pequenas (ADULTO 04).
Lugares para prepararmos as crianças para uma vida fora daqui seria importante e essa
ideia de uma parte da cozinha permitir isso, seria bem legal. Acho que podíamos pensar
também em alguma coisa para resolver o problema que temos quando a casa fica mais
vazia, nesse momento ela parece muito fria, com pouca vida. Não sei como isso poderia
ser resolvido, mas seria interessante pensar nesses fluxos que a casa possui, as vezes
mais e as vezes menos crianças. Além disso, acho que uma área um pouco maior coberta,
seria muito legal! E também, um pouco de paisagismo, com quintal e jardim. Isso tem
muito por aqui na nossa região, mas não conseguimos fazer aqui ainda (ADULTO 05).
Bom acho que tudo foi dito, cozinha seria muito interessante e a salinhas das
funcionárias também. Elas precisam realmente descansar, mas com as crianças
próximas, é realmente impossível. O paisagismo é algo que sempre quisemos, mas não
conseguimos. Eu acho importante deixar as crianças livres, explorando os espaços
externos, mas aqui não tem muita graça, ou temos grama ou temos brita. Só isso! Faltam
árvores, canteiro de hortaliças e verduras, e flores. Acho que isso enriqueceria a
convivência das crianças e seus desenvolvimentos. Outra coisa seria termos uma área
298

externa coberta, permitindo atividades mesmo em dias de chuva. A ideia de ter diferentes
escalas para a criança se apropriar do ambiente é maravilhoso e pensar num ambiente
flexível seria fundamental, visto que muitas crianças ficam até com medo dos corredores
do quarto quando eles ficam sem muito uso. Afinal são menos iluminados e para as
crianças parece grande, longo (ADULTO 06).

PARTE 02 – Perguntas abertas, formuladas a partir dos seguintes tópicos.

1. Relação interior e exterior através de ambientes e aberturas (192 - “windows


overlooking life”)
Acho que aqui, temos isso de ver o lado de fora, mesmo esse lado de fora não sendo
muito bonito, como a gente já falou, porque falta paisagismo. A única questão é que a
rua mesmo a gente não vê. Por questões de segurança, a gente tem os muros (ADULTO
03).
Acho que podemos afirmar que há relação de interior e exterior. O exterior que eu
entendo como o pátio, ele é visto. Apesar de também concordar que ele precisa
melhorar. Acho que não ver a rua não é muito problema. Porque nesse caso entendo
como segurança. Além do mais, a casa é vista da rua. Porque tem grades. É só a gente
que não vê a rua (ADULTO 04).
Acho que a relação interior e exterior acontece, o que permite a todos ter noção do dia,
da luz, dos sons. Isso é importante para o desenvolvimento da criança. A questão de não
ver a rua em si. Eu concordo, porque é a forma que temos de preservar a criança. Já
ouvimos muito casos sérios de outras instituições que tiveram pais ou parentes
invadindo, e isso não é saudável para as crianças (ADULTO 06).

2. Estratégias de privacidade e intimidade do exterior até o interior (127 - “intimacy


gradiente”)
Nossas estratégias são as portas e as janelas. Mas acho que a gente não tem
privacidade, por conta de não termos a nossa sala de descanso (ADULTO 01).
São as portas e as janelas e também quando separamos as crianças mais novas das mais
velhas, as meninas dos meninos. Isso acontece nos quartos e nos banheiros. É algo
necessário para organizar nosso dia a dia e também porque são internos diferentes e
com problemas variados (ADULTO 05).
Acho que essa casa foi muito bem pensada nos setores [social, íntimo e de serviço] e isso
já permite certos graus de intimidade que são controlados por portas. Nos quartos,
dividimos por sexo e idade, como comentado. Isso organiza as atividades, mas também
responde às características de desenvolvimento em cada faixa etária. Acho que o que nos
falta nesse sentido é compreender melhor as necessidades de isolamento que algumas
crianças possuem e que tentamos evitar, mais porque a casa é muito grande e por isso
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temos dificuldade de monitorar a distância tudo o que acontece. Afinal a gente entende
que o isolamento as vezes é necessário, mas nesse cenário, fica difícil permitir. Outra
coisa é pensar nas funcionárias. A única que efetivamente tem possibilidade de
privacidade é quem cuida da cozinha. Porque ali as crianças acessam apenas pelo
passa-prato ou quanto é autorizado o acesso, percorrendo a área de serviço. As demais
funcionárias, vivem o coletivo da casa. Sem privacidade nenhuma (ADULTO 06).

3. Áreas comuns articuladas e com uso de convívio (129 - “common areas at the
heart”)
Aqui temos a sala que é articulada, com diferentes usos. Isso é muito importante. Nos
permite valorizar o convívio coletivo, as relações pessoais. Essa é uma questão muito
importante num lugar como este (ADULTO 02).
Acho que a sala é perfeita em seu tamanho e também concordo que ela deveria ter mais
coisas que lembrassem o mundo infantil ou juvenil, seja como a gente trate. Afinal aqui,
eles [órgãos fiscalizadores] dizem que não deve ser uma casa de permanência, dessa
maneira entendo que poderíamos deixar pelo menos a sala, mais próximo desse modo
infantil de ver o mundo (ADULTO 03).
Sim a sala seria o nosso espaço de uso comum articulado. É aqui que as principais
atividades da casa acontecem. Ela é tem um tamanho bom. Só penso que podia ser mais
alegre e com mobiliários mais bonitos, que lembrassem um pouco esse universo infantil
(ADULTO 04).
Acho que essa articulação de espaços da sala é extremamente importante para a
socialização dos internos. Acho que a única coisa que completaria seria uma área
coberta, como uma varanda, porque essa que tínhamos, nós fechamos. Acho que se ela
voltasse a ser aberta, seria interessante. Teríamos assim, um local integrado para
interno e outro com ligação para a rua, para a área externa da casa, como um jardim. E
a convivência integrada, mas com diferentes possibilidades de estares é muito importante
num local que recebe crianças e adolescentes com tão distintas idades e perfis (ADULTO
06).

4. Circulação como elemento interativo (131 - “the flow through rooms”)


Nossa como seria legal pensar nos corredores como espaço em que podíamos
acrescentar elementos mais infantis. Coisas de casa (ADULTO 01).
Acho que a gente até podia fazer algo assim aqui, nós temos corredores longos e até
meio escuros. Seria interessante pensar em algo até para deixá-los menos assustadores,
como já ouvimos de algumas crianças (ADULTO 05).

5. A criação de ambiência indutora (182 - “eating atmosphere”; 188 - “bed alcove”).


Acho que aqui os nossos ambientes têm móveis que deixam bem claro para que servem.
Especialmente na cozinha, sala e quartos. Talvez o que falte é pensar na brinquedoteca e
na varanda, que como são espaços para as crianças brincarem, acho que carece de
elementos com mais referência de criança (ADULTO 01).
A nossa instituição cuida muito para que tenhamos uma cara de casa. Acho que se fosse
mudar algo, é que tudo é muito grande e quando temos poucos internos, isso é muito
evidente e deixa um aspecto de casa vazia, não é mais tão acolhedor. Outra coisa, que
penso é que como um local de criança, alguns ambientes podiam ser mais coloridos
(ADULTO 02).
Eu concordo com tudo o que foi falado. Acrescento o fato que a gente podia ter alguns
ambientes em que as crianças podiam deixar mais com a cara delas. Isso eu penso que
confortaria um pouco cada uma delas, enquanto esperam o momento de irem embora
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(ADULTO 03).
Criar esses ambientes é muito importante para o acolhimento. Tentamos fazer isso
especialmente nos quartos, com as camas. Acho também que os ambientes aqui na casa
são muito claros para que servem, sala, cozinha, banheiro e quartos (ADULTO 04).
Essa ideia de criar ambientes é muito importante. Penso que na escala da casa talvez já
conseguimos, apesar de também concordar com a importância de alguns ambientes
serem um pouco mais coloridos. Penso que onde podemos evoluir é criar ambientes para
a escala infantil. Eles gostam desses cantinhos e isso também, é importante para a
formação psicológica deles (ADULTO 05).
Concordo muito com essa ideia da escala da criança. Não é possível em todos os
ambientes, mas se faz necessária para que eles possam se sentir pertencentes a essa
casa, mesmo que eles saibam que por curtos períodos de tempo (ADULTO 06).

PARTE 03 – Perguntas construídas após o encerramento da Etapa 01.

1. Por que a sala de estar/jantar é privilegiada para os usos?


Acredito que seja pelo uso que é diversificado e todos podem ficar ali (ADULTO 01).
Acho que é mesmo porque é grande e ali acontecem as atividades que todos realizam. As
atividades que nos aproximam um pouco mais de uma casa, que é ficar ali vendo
televisão, comendo (ADULTO 02).
Acho também que seja porque a pessoa que pensou esse projeto fez ele bem no centro da
casa! É como se fosse o nosso coração (ADULTO 03).
Porque é aqui que reunimos todos! Aqui o ambiente é de todos! Não há separação por
exemplo como acontece no serviço onde só a gente pode entrar, ou nos quartos, onde
dividimos as crianças por sexo ou por serem irmãos (ADULTO 05).

2. Por que a neutralidade nos ambientes?


Não dá para dizer que a gente goste disso. É comum a gente fazer algum cartaz ou coisa
parecida para alegrar o ambiente. Acho que é assim porque seja mais fácil de cuidar,
com menos objetos. Mas eu não me importo (ADULTO 03).
Acho que a gente não dá o devido valor a isso, mas olhando agora, depois de nossa
conversa, vejo que podíamos estarmos um pouco mais perto dessas coisas que fazem uma
casa parecer uma casa, por exemplo são coisas pequenas, mas fotografias, almofadas,
quadros infantis e também podíamos ter mais cor (ADULTO 04).
Acho que temos de considerar o fato que não podemos parecer muito com uma escola, e
talvez isso, junto com nosso desconhecimento sobre o assunto, faz com que a gente deixe
o máximo sem interferências (ADULTO 06).

3. Por que a restrição de uso de ambientes mais íntimos (como quartos)?


Isso é muito mais porque a casa é grande e precisamos ter supervisão, mesmo que a
distância, das crianças. Aí se a gente deixa eles ficarem sozinhos em diferentes
ambientes da casa, é um pouco complicado manter tudo em ordem e também a
segurança das crianças (ADULTO 02).
O bom seria que a gente resolvesse essa necessidade de deixar as crianças com certa
intimidade num ambiente da sala mesmo. Acho que a gente podia fazer algumas
mudanças para criar esses pequenos lugares onde se podia ficar só, sem restringir
apenas ao quarto. Porque o quarto é realmente um problema, é complicado manter uma
supervisão a distância e ainda assim dar privacidade (ADULTO 05).
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4. Qual a relação dos internos com o ambiente da cozinha?


Nossa a cozinha era muito importante para as crianças, a gente queria muito que eles
tivessem acesso. Mas da maneira como está, não dá. O acesso é difícil (ADULTO 01).
A cozinha é algo legal, tem voluntário que vem e ensina a fazer bolacha e pizza. Eles
adoram! Mas nossa cozinha é de difícil acesso porque precisa entrar pelos outros
ambientes de serviço. Se não fosse por isso, era importante que os mais velhos [internos]
tivessem acesso (ADULTO 02).
Nossa que legal seria fazer eles ajudarem e principalmente aprenderem. Muitos aqui
ficam adultos muito jovens, perdem o entendimento das coisas de brincar, e a cozinha
acaba sendo vista apenas como um lugar de trabalho. Eles não entendem como esse
espaço é um espaço de família, onde se compartilha (ADULTO 03).
Seria maravilhoso ver eles usarem o espaço em segurança. A tia da cozinha podia até
ensinar e talvez para alguns deles virassem uma profissão também (ADULTO 04).
O ato de compartilhar na cozinha talvez seja a coisa que mais precisamos melhorar para
nos aproximarmos do que se faz numa casa. É claro que a gente sabe que nem todas as
famílias ficam juntas a mesa ou na cozinha, mas em nossa região isso ainda é muito forte
e pelo menos em alguns dias especiais isso sempre acontece. E isso é uma memória bem
positiva que não conseguimos passar por completo (ADULTO 05).
Nossa seria muito importante compartilhar a cozinha com nossas crianças, tanto que já
pensamos até numa maneira de ter isso, mas ainda não conseguimos uma boa estrutura,
porque não podemos esquecer que há questões de higiene e segurança que devem ser
consideradas (ADULTO 06).

5. Quais as referências do habitar doméstico são importantes para os usuários?


Acho que uma casa precisa ter uma sala acolhedora, um quarto onde seja possível dizer
que é seu, mesmo que ele não seja só seu. E uma cozinha para ficar junto (ADULTO 01).
Uma cozinha, um quintal e uma bonita sala, onde todos podem ficar juntos (ADULTO
02).
É o lugar de todos, onde a gente não tem vergonha para ficar sozinha ou para ficar com
todos. Onde a gente escolhe o que quer fazer. Tem de ter cozinha, quintal, sala e quarto
confortável (ADULTO 03).
É lugar que tem cheiro, que tem carinho (ADULTO 04).
É lugar bonito, arrumado, com pequenos detalhes como um porta-retratos, uma cortina
de crochê, um presente da vó e com espaço para todos ficarem juntos e também, ficarem
a sós (ADULTO 05).
É um lugar que nos deixe em paz, seja da maneira que a gente quer ficar (ADULTO 06).

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