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Caro aluno

Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclusiva metodologia em pe-
ríodo integral, com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material didático é composto por 6 cadernos
de aula e 107 livros, totalizando uma coleção com 113 exemplares. O conteúdo dos livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto
contém uma rica teoria que contempla, de forma objetiva e transversal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de
material alternativo complementar. Para melhorar a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades. A
seguir, apresentamos cada seção:

incidência do tema nas principais provas vivenciando

De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desenvol- Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu
vida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e nos distanciamento da realidade cotidiana, o que dificulta a compreensão
principais vestibulares voltados para o curso de Medicina em todo de determinados conceitos e impede o aprofundamento nos temas
o território nacional. para além da superficial memorização de fórmulas ou regras. Para
evitar bloqueios na aprendizagem dos conteúdos, foi desenvolvida
a seção “Vivenciando“. Como o próprio nome já aponta, há uma
preocupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações entre
aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm contato em
teoria seu dia a dia.

Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada coleção


tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolução das ques-
tões propostas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, com-
pletos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas aplicação do conteúdo
que complementam as explicações dadas em sala de aula. Qua-
dros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fazem
e compõem um conjunto abrangente de informações para o aluno parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos compilados,
que vai se dedicar à rotina intensa de estudos. deparamos-nos com modelos de exercícios resolvidos e comenta-
dos, fazendo com que aquilo que pareça abstrato e de difícil com-
preensão torne-se mais acessível e de bom entendimento aos olhos
do aluno. Por meio dessas resoluções, é possível rever, a qualquer
momento, as explicações dadas em sala de aula.
multimídia
No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cuidadosa
seleção de conteúdos multimídia para complementar o repertório
do aluno, apresentada em boxes para facilitar a compreensão, com áreas de conhecimento do Enem
indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, livros, etc. Tudo isso é en-
contrado em subcategorias que facilitam o aprofundamento nos Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desempenho ao
temas estudados – há obras de arte, poemas, imagens, artigos e até fim da escolaridade básica, organizamos essa seção para que o
sugestões de aplicativos que facilitam os estudos, com conteúdos aluno conheça as diversas habilidades e competências abordadas
essenciais para ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica, na prova. Os livros da “Coleção Vestibulares de Medicina” contêm,
em uma seleção realizada com finos critérios para apurar ainda mais a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Áreas de
o conhecimento do nosso aluno. Conhecimento do Enem” há modelos de exercícios que não são
apenas resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva
e descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no dia.
Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a
apurar as questões na prática, a identificá-las na prova e a resolvê-
conexão entre disciplinas -las com tranquilidade.

Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é ela-


borada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que trata
de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares atuais não
exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos diagrama de ideias
conteúdos de cada área, de cada disciplina.
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso, cria-
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abrangem
mos para os nossos alunos o máximo de recursos para orientá-los
conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, como Bio-
em suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de Ideias”, para aque-
logia e Química, História e Geografia, Biologia e Matemática, entre
les que aprendem visualmente os conteúdos e processos por meio
outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato com essa realidade
de esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas.
por meio de explicações que relacionam a aula do dia com aulas
de outras disciplinas e conteúdos de outros livros, sempre utilizan- Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo
do temas da atualidade. Assim, o aluno consegue entender que da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos
cada disciplina não existe de forma isolada, mas faz parte de uma principais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a organiza-
grande engrenagem no mundo em que ele vive. ção dos estudos e até a resolução dos exercícios.

Herlan Fellini

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Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2020
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Autores
Eduardo Antôno Dimas
Tiago Rozante

Diretor-geral
Herlan Fellini

Diretor editorial
Pedro Tadeu Vader Batista

Coordenador-geral
Raphael de Souza Motta

Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica


Hexag Sistema de Ensino

Editoração eletrônica
Arthur Tahan Miguel Torres
Matheus Franco da Silveira
Raphael de Souza Motta
Raphael Campos Silva

Projeto gráfico e capa


Raphael Campos Silva

Imagens
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Shutterstock (https://www.shutterstock.com)

ISBN: 978-85-9542-129-5

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o ensino. Caso exista algum texto a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à dis-
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SUMÁRIO
HISTÓRIA
HISTÓRIA GERAL
Aulas 9 e 10: Império Bizantino e civilização muçulmana 6
Aulas 11 e 12: Reino Franco e a Igreja católica 15
Aulas 13 e 14: Sistema feudal 24
Aulas 15 e 16: Baixa Idade Média 34

HISTÓRIA DO BRASIL
Aulas 9 e 10: Bandeirismo, mineração e tratados de limites 50
Aulas 11 e 12: Crise do sistema colonial, revoltas nativistas e movimentos emancipacionistas 67
Aulas 13 e 14: Períodos Pombalino e Joanino 78
Aulas 15 e 16: Processos de independência do Brasil e da América espanhola 89

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Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
H8 Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferentes
grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, fa-
vorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.

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HISTÓRIA GERAL:
Incidência do tema nas principais provas

A proposta do Enem é interpretativa. Na Aborda aspectos sociais, econômicos, religiosos e culturais


maioria das questões, o candidato deve ler os da Baixa Idade Média. Sendo essa uma temática recorrente,
torna-se necessário atribuir correlações entre os elementos
textos propostos atentamente, pois as solu-
apontados acima. Utiliza inúmeras fontes para elaborar suas
ções quase sempre estarão contidas neles. questões, entre as quais textos introdutórios, mapas, charges
e pinturas.

As temáticas são recorrentes e abordadas por No vestibular da instituição não são abordadas diretamente As temáticas elencadas são desenvolvidas por meio de asso-
meio da relação das realidades sociais, econô- questões de História, mas há um grau de interdisciplinari- ciações entre os aspectos religiosos, econômicos, políticos e
micas e religiosas. O caráter das questões é de dade que permite o uso dos conhecimentos históricos para sociais. O candidato deve ser hábil ao interpretar o material
âmbito reflexivo, trazendo temas históricos para auxílio da resolução dos exercícios e escrita da redação. dado na questão, além de dominar os temas estudados.
o debate de temas contemporâneos.

As temáticas são abordadas por meio das Nesse vestibular, percebe-se uma tendência As temáticas do vestibular PUC de Campinas são Aborda aspectos sociais, econômicos, religiosos e
correlações entre as realidades sociais, econômicas em abranger temas relacionados à História do abordadas por meio da relação entre os aspectos culturais da Baixa Idade Média. Sendo essa uma
e religiosas. Utiliza textos introdutórios e fontes Brasil. Mas, nos últimos anos, observa-se uma sociais, econômicos, políticos e religiosos. São uti- temática recorrente nos últimos três anos. Utiliza
documentais para elaborar suas questões. abordagem sobre as temáticas que consideram lizados textos introdutórios para elaborar questões breves textos introdutórios e imagens para elaborar
os aspectos sociais, econômicos, políticos e que cobram do candidato conhecimentos suas questões.
religiosos, assim como as suas corre- detalhados sobre os conteúdos.
lações durante o período
estudado.
UFMG

O vestibular da UEL aborda as temáticas por meio O candidato deve realizar análises sobre O vestibular da Faculdade de Ciências Médicas
das correlações entre os aspectos sociais, políticos, diferentes processos históricos. Utiliza textos, de Minas Gerais (CM MG) não contemplada
econômicos e religiosos. Utiliza textos introdutórios, registros documentais e imagens para elaborar diretamente temas de História, mas há um grau
charges e imagens para elaborar suas questões. suas questões. As temáticas são abordadas por de interdisciplinaridade que permite que os
Além disso, há um tema que percorre toda a prova. meio da correlação entre as realidades sociais, conhecimentos históricos sejam abordados em
No último ano, por exemplo, o tema foi econômicas e religiosas. outras disciplinas.
“museus”.

O vestibular não contempla com frequência as No vestibular da Universidade do Grande Rio O vestibular da Fundação Técnico-Educacional
temáticas. No entanto, pelo caráter da prova, (UNIGRANRIO) percebe-se uma tendência em Souza Marques elabora questões de múltipla
cabe ao candidato preparar-se para questões abranger temas relacionados à História do escolha direcionadas aos candidatos que pre-
que envolvam o conhecimento das condições Brasil, mas há um grau de interdisciplinaridade tendem uma vaga nos cursos de Enfermagem,
políticas, sociais, religiosas e econômicas dos que permite o uso dos conhecimentos históri- Biomedicina e Medicina. Há uma tendência
períodos analisados. cos para auxílio da resolução dos em abordar temas contemporâ-
exercícios e escrita da neos.
redação.

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AULAS Império Bizantino e
9 e 10 civilização muçulmana
1, 4, 5, 7, 8, 9, 14, 16,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades:
18, 22, 23, 24 e 27

1. Império Bizantino
1.1. Origens
O Império Romano no ano 395 d.C.

DUBY,
Fonte
Fonte: : DUBY,Georges. Atlas
Georges. Atlas historique.
historique Paris:
. Paris: Larousse, 1987, p. 34.
Larousse, 1987. p. 34.
A morte do imperador Teodósio, em 395 d.C. determinou produção agrícola, o declínio do comércio e a intensa pressão
o fim da unidade do Império Romano que foi dividido en- inflacionária foram características da economia proveniente
tre os seus filhos em duas partes: o Império Romano do da parte ocidental do império. O poder imperial, enfraquecido
Ocidente, com a primeira capital em Milão e depois em pela sistemática intervenção do exército, tendeu à fragmen-
Ravena, e o Império Romano do Oriente, com sede em tação e à descentralização. Por outro lado, a região oriental,
Constantinopla, antiga Bizâncio, uma colônia grega que dotada de estruturas econômica, política e administrativas
de grande desenvolvimento econômico e comercial em vir- mais sólidas, teve mais capacidade de absorver a crise. Sua
tude de sua privilegiada e estratégica localização entre os agricultura sofreu um pequeno declínio, mas a manufatura e
mares Egeu e Negro. o comércio mantiveram-se articulados. A parte oriental passou
Após a separação do Império Romano, os orientais conti- pelo processo do êxodo urbano, portanto não sofreu ruraliza-
nuaram chamando a cidade de Bizâncio – o antigo nome ção que marcou o Ocidente. As levas bárbaras do Oriente, es-
grego –, dessa forma, o Império Romano do Oriente se pecialmente os hunos e eslavos, chegaram a ocupar algumas
consolidou como Império Bizantino. províncias do Império Bizantino, apesar disso, Constantinopla
conseguiu manter sua autoridade sobre um conjunto unifica-
do de territórios e povos capazes de sustentar sua riqueza.
1.2. Economia e sociedade O imperialismo e sua localização privilegiada como ponto de
A crise que abalou o Império Romano a partir do século III atin- cruzamento entre dois continentes possibilitaram à Constantino-
giu o Ocidente e o Oriente. de maneiras distintas.A queda da pla usufruir das vantagens da sua posição de vital importância

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comercial, cultural e diplomática, permitindo-lhe o controle das opulenta elite bizantina. Nas camadas intermediárias es-
rotas que ligavam a Ásia à Europa assim como a passagem do tavam os trabalhadores urbanos do comércio e das ma-
mar Mediterrâneo para o mar Negro. nufaturas. No campo, predominavam os servos, proibidos
de saírem das terras onde nasceram. Os escravos realiza-
O comércio proporcionou tanto o crescimento como o en-
vam trabalhos domésticos.
riquecimento de Bizâncio, que se tornou a maior metrópole
do Oriente. Centro de importantes rotas comerciais, a ci- A sociedade bizantina preservou parte das instituições oci-
dade passou a controlar o intercâmbio de produtos entre o dentais, como o uso eventual do latim, estruturas adminis-
mar Mediterrâneo e o mar Negro, além da rota entre o mar trativas e alguns costumes sociais. Todavia, houve ali pre-
Negro e o estreito de Bósforo. dominância de aspectos culturais gregos e orientais, como
a oficialização da língua grega no século VII.
No setor agrícola, predominavam os latifúndios, raros eram
os pequenos lavradores independentes, rendeiros e servos
formavam o grosso da população agrícola. A Igreja con- 1.3. Política
centrava em suas mãos uma ampla porcentagem da rique- O Estado beneficiou-se do enriquecimento proporcionado
za agrária, tornando os mosteiros as entidades mais ricas pelo comércio, possibilitando seu fortalecimento como uma
no império. monarquia centralizada, despótica, teocrática e hereditária.
O imperador tinha grandes poderes políticos, além de ser
A sociedade era urbanizada. Constantinopla, por exem-
o chefe do Exército e da Igreja, com direito de intervir nos
plo, abrigava um milhão de habitantes. Banqueiros, mer-
assuntos eclesiásticos (cesaropapismo).
cadores, manufatureiros e grandes proprietários de terras
constituíam uma elite extremamente enriquecida. Vesti- A organização estatal era burocrática, os imperadores bi-
mentas de lã e seda, entrelaçadas com fios de ouro e zantinos contavam com um grande número de ministros,
prata, dão a medida do grau de ostentação exibido pela funcionários e auxiliares.

1.4. O auge do império: Justiniano (527-565 d.C.)


Império Bizantino, em 565 d.C.

Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Império_Bizantino#/media/File:The_Byzantine_State_under_Justinian_l-pt.svg>.

O principal imperador bizantino foi Justiniano (527-565). o Verde e o Azul, costumavam frequentar o hipódromo da
Durante seu governo, o poder imperial atingiu seu auge, cidade. Aristocratas legitimistas, que negavam o direito de
sendo conferidos poderes ilimitados ao imperador, que, por Justiniano ao trono, instigaram os partidos à rebelião fa-
sua vez, ampliou os privilégios do clero e da nobreza e am- zendo numerosas exigências. A princípio, o imperador os
pliou as conquistas territoriais, estendendo as fronteiras às atendeu. Mas, esgotados os meios pacíficos para o aten-
penínsulas Itálica e Ibérica, além da conquista e dominação dimento das partes, o conflito se tornou violento. Orien-
de territórios no norte da África. tado por sua esposa Teodora e respaldado pelos exércitos
comandados pelo general Belisário, Justiniano cercou o
Os gastos militares forçaram a elevação dos impostos a
hipódromo, centro de reunião dos rebelados, massacrando
níveis insuportáveis. A cobrança dos impostos dependia
30 mil pessoas e pondo fim ao movimento contestador.
da eficiência dos funcionários, odiados pela população de
Constantinopla. As pressões da arrecadação desencadear- No governo de Justiniano foi construída a Igreja de Santa
am, em 532, um violento levante conhecido por Revolta Sofia, considerada a mais importante obra da arquitetura
de Nika. Os membros dos dois principais partidos políticos, bizantina, cuja suntuosidade exprimia a força do poder do

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Estado personificado pelo imperador. Com o objetivo de ex-
pressar as tendências introspectivas e espirituais da religião
1.5. A Igreja bizantina
cristã e o poder de Deus como iluminador das almas e dos Em 380 d.C., antes mesmo da divisão do Império em Oci-
espíritos, seus arquitetos projetaram um aspecto sóbrio na dente e Oriente, o imperador Teodósio havia decretado o
face externa e, de forma contrastante, decoraram o interi- Edito de Tessalônica, que estabelecia a oficialização do
or com mosaicos ricamente coloridos, detalhes folheados a cristianismo como religião de Estado do Império Romano.
ouro, colunas de mármore de cores variadas e pedaços de No Oriente, o cristianismo foi integrado à cultura local, in-
vidro colorido que refletiam os raios solares cintilando como corporando aspectos da realidade bizantina, inteiramente di-
pedras preciosas. A igreja passou a ser o palco da maioria versos da realidade ocidental. Assim, o cristianismo oriental
das cerimônias de coroação dos imperadores bizantinos. passou a ter características próprias, diferenciando-se cada
A publicação do Corpus Juris Civilis ou Código de vez mais do ocidental, com grande ênfase na valorização da
Justiniano, que serviu de referência para códigos civis de espiritualidade. O efeito dessas diferenças foi o surgimen-
diversas nações, foi a grande realização de Justiniano no to, no Oriente, das divergências doutrinárias: as heresias, o
campo jurídico. O código resultou de uma compilação do monofisismo e a iconoclastia. Os monofisistas defendiam a
Direito Romano e tinha a seguinte subdivisão: natureza unicamente divina de Cristo, negando sua natureza
humana, enquanto os iconoclastas pregavam a destruição
§ Código – conjunto de leis romanas (síntese de quase das imagens e a proibição do seu uso nos templos.
dois mil anos de jurisprudência romana);
Os cristãos orientais denominavam de ícones quaisquer im-
§ Digesto – comentários dos grandes juristas sobre essas leis; agens tridimensionais de Cristo ou santos incorporadas às
§ Institutas – princípios fundamentais do Direito Romano cerimônias religiosas. Dentre os principais produtores de
(manual para uso dos estudantes); ícones encontravam-se os monges, que auferiam grandes lu-
cros nesse ramo comercial. Isentos de tributação, proprietári-
§ Novelas – novas leis do período de Justiniano.
os de grandes propriedades, exercendo grande influência na
sociedade, representavam uma ameaça ao poder central.
A corriqueira utilização de ícones nos templos e mesmo nas
casas era vista por muitos como uma prática idólatra, ou
seja, de adoração de ídolos.
Visando enfraquecer o poder dos monges, o imperador
Leão III, em 725, proibiu o uso de imagens tridimensionais
Vista parcial do interior da basílica de Santa Sofia nos templos, determinando sua destruição ou iconoclas-
tia. O papa manifestou-se declarando herética a proibição
de imagens, aprofundando os desentendimentos com o
imperador e igreja bizantinos.

1.6. O Cisma do Oriente (1054)

Mosaico com imagem de Justiniano, na


basílica de São Vital, em Ravena

A entrada de Maomé II em Constantinopla,


Basílica de Santa Sofia, em Istambul de Jean-Joseph-Benjamin Constant

8
O patriarca de Constantinopla era a figura eclesiástica de
maior poder no Oriente. Com a conversão dos eslavos 2. Civilização muçulmana
ao cristianismo e a prosperidade do império, fortalecia-se
sua autoridade. Ele recusava a supremacia do papa sobre 2.1. Arábia pré-islâmica
sua Igreja, considerando-se o supremo mandatário do
povo cristão.
Antióquia
Foram várias as características diferenciadoras desenvolvidas
pelo patriarca no Oriente. O ritual era celebrado em grego, e Mar Mediterrâneo Damasco Pérsia
Bagdá
não em latim. O Estado bizantino controlava a Igreja (cesa- Alexandria Jerusalém
Gaza Basra
ropapismo) e algumas crenças e costumes eram rejeitados Fustal
(Cairo)
pela Igreja oriental, como, por exemplo, a existência do pur-

Go
lfo
gatório ou a decoração dos templos com imagens tridimen-


rs
Medina

oic
sionais de Cristo e de santos. Egito

Mar
Meca PENÍNSULA
As inúmeras divergências levaram à separação entre as

Ver
ARÁBICA

mel
igrejas orientais e ocidentais, em 1054. O chamado Cis-

ho
ma do Oriente levou à formação de duas igrejas distintas:
Oceâno Índico
a Igreja Católica Apostólica Romana, dirigida pelo
Papa, e a Igreja Cristã Ortodoxa, liderada pelo Patriar-
ca de Constantinopla.
Fonte: <www.img.mat.br/www.img.mat.br/homepage/joao_afonso/J.A/Aula18.html
homepage/joao_afonso/J.A/Aula18.html>.

1.7. Decadência do Império Bizantino A Arábia é uma península árida localizada no Oriente Mé-
dio. Ao sul, é banhada pelo oceano Índico, a oeste, pelo
Além do fortalecimento do poder dos grandes proprietários mar Vermelho e a leste, pelas águas do golfo Pérsico. Ao
rurais, do enfraquecimento do poder do imperador e das norte, a Arábia pré-islâmica limitava-se com a Palestina.
disputas religiosas, contribuíram para o declínio do Império
Até o século VII, os árabes estavam divididos: de um lado,
Bizantino os constantes ataques que Bizâncio passou a
as tribos beduínas, habitando a “Arábia Desértica”, nô-
sofrer, especialmente das cidades italianas, a partir do sé-
mades que se dedicavam ao pastoreio e frequentavam os
culo XIII, e das investidas de bárbaros e árabes. Sua posição
oásis – poços de água em meio aos desertos; de outro, os
e riqueza despertavam a cobiça de impérios que surgiram
habitantes da “Arábia Feliz”, ou Hedjaz, – faixa costeira e
e se fortaleciam.
fértil ao longo do mar Vermelho. Viviam da agricultura e do
Pouco depois da morte de Justiniano (565), os lombar- comércio. Existia ali uma localidade importante, Áden, que
dos, povo germânico que até então havia sido mantido funcionava como entreposto de produtos orientais: espe-
no solo onde hoje é a Hungria, tomaram dos bizantinos o ciarias, sedas e joias.
ducado de Ravena e marcharam sobre Roma.
Os diversos povos da Arábia estavam divididos em várias
Ainda nos séculos VII e VIII, os árabes muçulmanos tomaram tribos; portanto, não formavam um Estado com unidade
do Império Bizantino as regiões do norte da África e sul da política. Mas tinham elementos culturais comuns, como o
península Ibérica. Anexaram, também, o Egito, a Palestina, idioma árabe e certas crenças religiosas.
a Síria e a Mesopotâmia, reduzindo a civilização bizantina
A principal cidade árabe era Meca, onde havia um san-
a um território sensivelmente menor ao período anterior
tuário religioso, Caaba (casa de Deus), que reunia as
a Justiniano.
principais divindades de toda a Arábia (mais de 300 ído-
Depois de um longo cerco, em 1453, os turcos otomanos, los pertencentes às tribos do deserto). Ali estava a Pedra
comandados pelo sultão Maomé II, conquistaram a cidade Negra, provavelmente um pedaço de meteorito protegido
de Constantinopla, ou Bizâncio, destruindo o Império Bi- por uma tenda de seda preta, na forma de um cubo, que
zantino. Constantinopla tornou-se a capital de outro Esta- era bastante venerada, pois se acreditava ter sido trazida
do poderoso, o Império Otomano, passando a se chamar do céu pelo anjo Gabriel.
Istambul e permanecendo, até os dias atuais, como a maior
O santuário ajudou a transformar Meca no centro re-
e mais importante cidade da República da Turquia.
ligioso e comercial dos árabes, já que a cidade era o
A tomada de Constantinopla marcou a transição ponto de encontro de pessoas e de mercadorias de di-
da Idade Média para a Idade Moderna. versas regiões.

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2.2. Origens do islamismo Alá. Assim, os beduínos começaram a seguir Maomé, en-
quanto os coraixitas o proibiram de pregar a fé em Alá e o
O responsável pela unidade política e religiosa da penín- monoteísmo na cidade de Meca.
sula Arábica foi Maomé, criador e divulgador da re-
No ano de 622, Maomé teria realizado um milagre para pro-
ligião muçulmana.
var que era profeta de Alá: “quebrou” a Lua. Provavelmente
Maomé (Muhammad) nasceu em 570, na cidade de Meca. tratava-se de um eclipse e talvez Maomé tivesse informações
Seus pais pertenciam a um dos mais pobres clãs da tribo sobre o acontecimento, porque tinha muito contato com o
dos coraixitas, os haxemitas. O pai morreu cedo e o menino Oriente, onde a astronomia era altamente desenvolvida.
ficou aos cuidados do avô, que o levou para viver no meio
Perseguido pelos coraixitas, que mandaram assassiná-lo,
de uma tribo no deserto. Lá, Maomé assimilou as necessi-
Maomé fugiu para Iatreb (Yathrib), cidade rival de Meca,
dades materiais e espirituais da população do deserto. Re-
onde já possuía seguidores. Esse evento ficou conhecido
gressou a Meca aos 15 anos de idade e logo entrou para
como Hégira, e é utilizado como marco inicial do calendário
o comércio de caravanas, orientado pelo tio Abu Taleb. As
muçulmano. Em latreb, Maomé conquistou rapidamente
expedições com caravanas eram muito perigosas, pois po-
prestígio e poder, controlando a cidade que passou a ser
diam ser atacadas a qualquer momento. Por isso, exigiam
chamada de Medina al Nabi – a Cidade do Profeta.
de seus condutores habilidade militar. Maomé destacou-se
como grande caravaneiro. Aos 20 anos empregou-se como A jihad ocupa um lugar importante no islamismo, ela era
caravaneiro de Khadidja, rica viúva, pelo menos 10 anos pregada por Maomé como o “esforço” ou a “luta” que
mais velha que ele e com quem se casou. cada pessoa tem de empreender internamente na busca
da fé perfeita. O Ocidente traduziu erradamente a palavra
Nas suas viagens, Maomé entrou em contato com povos
jihad como “guerra santa”, ou seja, como caminho para
e religiões diferentes. Esteve várias vezes no Egito, Pales-
a conversão, estabelecendo que o paraíso seria o prêmio
tina, Pérsia, regiões onde fervilhava o espírito religioso.
para aqueles que morressem em nome de Alá, enquanto
Conheceu principalmente o cristianismo e o judaísmo,
os sobreviventes poderiam se deleitar das riquezas mate-
sofrendo profunda influência dessas crenças religiosas.
riais obtidas através dos saques e pilhagens; no entanto,
tal interpretação não está no Alcorão.
Após a conquista de Iatreb, o alvo principal passou a ser a
cidade de Meca. O crescente número de seguidores pos-
sibilitou a formação de um exército numeroso, que cer-
cou a cidade, preservando apenas a Caaba. Em seguida,
Maomé fez um acordo com os coraixitas, estabelecendo a
peregrinação a Meca como uma das obrigações da religião
muçulmana. A dominação de Meca representou a implan-
tação da unidade política e religiosa da região sustentada
pelo islamismo. Meca transformou-se no centro religioso
da crença monoteísta islâmica.
Em 632, Maomé morreu, deixando difundida sua doutrina
religiosa. Ao mesmo tempo, a península Arábica, que era
Caaba, Grande Mesquista em Meca um aglomerado de tribos e clãs dispersos, teve sua unifi-
Por volta de 610, já com quase 40 anos, Maomé teve sua cação política realizada através da unificação religiosa.
primeira visão do anjo Gabriel, que lhe teria ordenado “reci-
tar o nome do Senhor” e que “havia um só deus, Alá, e um 2.3. Expansão islâmica
REINO DOS FRANCOS
só profeta, Maomé”. Transformado por essa visão, Maomé Politiers

convenceu-se de que fora escolhido para servir como pro- ITÁLIA Mar Negro
Ma
rC

Roma
ás

ARMÊNIA
feta. Depois de converter os parentes, Maomé começou a
ESPANHA ÍNDIA
pio

IMPÉRIO BIZANTINO

Oceano
falar aos coraixitas. No início, todos ficaram impressionados Atlântico Mar Mediterrâneo
SÍRIA
PÉRCIA
PALESTINA
com sua pregação. Mas depois passaram a desprezá-lo e, MAGREB TRIPOLITÂNIA LÍBIA
Go

Expansão até à morte de Maomé, 622-632 EGITO


lfo

finalmente, a perseguir Maomé e seus seguidores.



rsi
Ma

Medina
o c

Expansão até à morte de Maomé, 622-632


rV

ARÁBIA
erm

Expansão durante o Califado Rashidun, 632-661

No entanto, as pregações de Maomé foram bem recebidas


Meca
elh

Expansão durante o Califado Omíada, 661-750


o

Limite máximo de penetração árabe na França, 732

pelos beduínos, pois prometia-lhes o paraíso com muita Oceano Índico

água, alimentos em abundância, mulheres e a presença de Fonte: <https://almanaque.abril.com.br/mapas/história%20Geral>.

10
A partir do século VII, em virtude da religião muçulmana de Córdova, no ano 756. Surgia, assim, o primeiro Estado
e da jihad, enquanto busca da difusão da fé islâmica, os independente dentro do Império Muçulmano.
árabes muçulmanos expandiram-se, dominando vasta ex- No Marrocos, os idríssidas tomaram o poder e separaram-se
tensão territorial que se estendia da Ásia à Europa, pas- do Islã, em 788. Os fatímidas1 fizeram o mesmo no Egito, em
sando pelo Norte da África. Essa expansão teve origem 909. Em 1055, Togul Beg, chefe dos turcos seldjúcidas, foi
na unidade política e religiosa implantada por Maomé, no coroado califa em Bagdá. Finalmente, em 1258, os mon-
início do século VII, quando foi criado um estado teocrático góis, vindos de regiões distantes da Ásia, destruíram a
islâmico. Os fatores que explicam a expansão islâmica são: cidade de Bagdá.

§ o crescimento demográfico, graças à poligamia, e a es- A divisão do Império Islâmico foi uma consequência de sua
cassez de terras férteis na Arábia; enorme expansão, obtida em um período muito curto de
tempo. As seitas religiosas sunita e xiita contribuíram para
§ a atração que os saques e pilhagens exerciam sobre esse fenômeno.
os árabes;
§ a decadência dos Impérios Bizantino e Império Persa; 2.4. A religião muçulmana
§ o fracionamento da Europa em Reinos Bárbaros frágeis A doutrina islâmica, muçulmana ou maometana é mar-
que sucederam o Império Romano. cada pelo sincretismo religioso. Possui elementos do
cristianismo e do judaísmo, de onde provêm suas bases
2.3.1. Fases da expansão fundamentais. O principal fundamento da religião é o
A morte de Maomé deixou um grande vazio de liderança monoteísmo, a crença no Deus único Alá e em seu pro-
que, por um curto período, chegou a ameaçar a sobre- feta Maomé.
vivência do Islão. Os fundamentos da religião estão no livro sagrado – Al-
Para fazer frente a essa situação, os membros mais influ- corão ou Corão –, que determina a total submissão
entes dos conselhos municipais das cidades de Meca e do homem à vontade de Alá (Islão) e estabelece cinco
Medina decidiram apontar um califa, isto é, um sucessor obrigações para os fiéis:
de Maomé, que deveria concentrar em suas mãos o poder § crer em Alá, único Deus, e no profeta Maomé;
político, militar e religioso. O primeiro califa foi Abu Bekr,
§ ajudar os pobres e necessitados (zakat);
sogro de Maomé, e os outros três que o sucederam foram
também apontados entre seus familiares. § praticar o jejum durante o Ramadã;
As conquistas tiveram início com esses califas de Meca. § realizar cinco orações por dia, com a face voltada para
Sucessivamente, a partir de 634, a Síria, a Palestina, a Ásia Meca (salat);
Menor, a Mesopotâmia, a Pérsia, o Egito e a Tunísia caíram § peregrinar a Meca no mínimo uma vez na vida – dis-
sob o domínio muçulmano. pensados os pobres, doentes e viúvas.
Alguns anos após estas conquistas, o novo império foi aba- Um aspecto importante da religião islâmica são as inter-
lado por lutas internas, e o controle do califado passou para pretações e os significados que foram sendo agregados à
as mãos de outra família, os Omíadas, que transferiram a jihad, que passou cada vez mais a ser interpretada como
capital para Damasco, na Síria. Sob a liderança dos Omíadas Guerra Santa e vinculada ao expansionismo. Foi graças à
(660-750), os árabes retomaram o processo de expansão concepção do jihadismo como “esforço” de difusão da fé
conquistando territórios na Ásia central (Índia), Norte da Áfri- no islamismo que a expansão territorial foi estimulada e as
ca e península Ibérica. Os muçulmanos só foram contidos conquistas de vários territórios pelos árabes muçulmanos
na Europa pelos francos, liderados por Carlos Martel, da di- foram consumadas.
nastia carolíngia, em 732, na Batalha de Poitiers. O domínio
árabe sobre a costa do Mediterrâneo contribuiu para a crise Outra característica importante do islamismo é o sec-
do comércio e a feudalização europeia. tarismo, com a formação de seitas rivais desde a morte
de Maomé, quando ocorreram sérias divergências em
Em 750, a dinastia Omíada chegou ao fim, sendo derrota- relação à liderança religiosa e política dos muçulmanos.
da por uma conspiração interna que inaugurou a dinastia As principais seitas são xiitas e sunitas. Os primeiros
Abássida (750-1258). A capital passou de Damasco para aceitam somente o Corão como fonte de verdade, bem
Bagdá, mudança essa que provocou a primeira divisão do
mundo islâmico. Abder Rhaman, pertencente à dinastia 1. Fatímidas ou fatimitas são uma das designações dadas aos xiitas ismaelitas.
Esse nome advém do fato de atribuírem a sucessão legítima de Maomé a Ali,
Omíada, refugiou-se na Espanha, onde fundou o Emirado primo de Maomé, casado com Fátima, sua filha; portanto, genro dele também.

11
como um chefe político religioso descendente de Maomé. Na Medicina, fizeram importantes descobertas, como o con-
Os sunitas admitem, além do Alcorão, os ensinamentos tágio proveniente da água e do solo e o diagnóstico de
contidos no Suna, livro de relatos de seguidores próxi- doenças como a varíola e o sarampo. O mais famoso médi-
mos de Maomé, bem como admitem que o chefe possa co muçulmano foi Avicena, cuja obra Canon foi o manual
ser escolhido entre os fiéis que reúnam as virtudes neces- médico na Europa até o século XVII. Na Literatura, desta-
sárias, segundo a antiga tradição beduína de escolha dos cam-se os poemas épicos e de amor e contos de aventura,
chefes tribais. tais como a coletânea As mil e uma noites e Rubaiat,
de Omar Khayan. Nome célebre é o de Averróis, filósofo
Os povos que aceitavam a dominação dos muçulmanos
de Córdova, que traduziu as obras de Aristóteles para a lín-
e realizavam comércio com eles poderiam preservar suas
gua árabe e introduziu-as no Ocidente.
crenças religiosas e culturais desde que pagassem impos-
tos, menores, aliás, do que os cobrados por outros povos, A arte muçulmana não tinha muita originalidade. Merece
como os persas. destaque, entretanto, a arquitetura de palácios e mesquitas.
Graças à dominação da península Ibérica, o árabe influen-
ciou a formação da língua portuguesa: armazém, sorvete,
alcaçuz, azeite etc.

A mesquita dos omíadas, mesquita de Umayyadou, Grande Mesquita de


Damasco, capital da Síria,
é considerada o quarto lugar mais sagrado para os
muçulmanos, faz parte do Patrimônio Mundial da Unesco.

2.5. A cultura árabe


Os árabes foram os responsáveis pela difusão, no Ocidente,
dos conhecimentos adquiridos pelos impérios bizantino e
persa, pelo grande florescimento intelectual e artístico e
pelo contato com os chineses, que facilitaram a difusão
cultural ensinando técnicas da utilização do papel.
Na Astronomia, os muçulmanos traduziram a obra de Ptol-
omeu, que passou a ser conhecida pelo nome de Almages-
to. Na Matemática, desenvolveram a álgebra e a trigono-
metria, além dos conhecimentos deixados pelos gregos.
Propagaram o sistema numérico arábico, cuja invenção
provém dos hindus. Na Química, descobriram substâncias
como o álcool, o ácido sulfúrico e o salitre. Foram os pri-
meiros a descrever os processos químicos de destilação,
filtração e sublimação.

12
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidades
1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.

A produção de fontes documentais – documentos escritos, calendários, obras de arte, arquitetura, etc. – é o pa-
pel de quem se debruça sobre as ciências humanas. No caso da História, as fontes documentais nos apresentam
as linhas gerais da cultura de uma população, sejam elas de âmbito político, social ou econômico. A habilidade
1 requer a capacidade do estudante de interpretar essas fontes documentais sob a luz das práticas culturais de
determinado povo ou grupo. Ela exige a conexão lógica e conceitual entre documentos e imagens apresentadas e
os seus respectivos significados culturais. Muitas dessas questões podem apresentar caráter interdisciplinar entre
História, Geografia, Sociologia e Filosofia.

Modelo
(Enem) O ano muçulmano é composto de 12 meses, dentre eles o Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos que, em 2001, teve início
no mês de novembro do Calendário Cristão, conforme a figura que segue.

Considerando as características do Calendário Muçulmano, é possível afirmar que, em 2001, o mês Ramadã teve início, para o
Ocidente, em
a) 01 de novembro.
b) 08 de novembro.
c) 16 de novembro.
d) 20 de novembro.
e) 28 de novembro.

Análise expositiva - Habilidade 1: O calendário muçulmano tem seu início no primeiro dia após a lua
C crescente. Das datas indicadas a única que coincide com esse início é o dia 16 de Novembro. O enunciado não
apresenta informações que permitam tirar alguma conclusão a respeito. Os valores fornecidos no enunciado
não permitem calcular tal data. Para a resposta é necessário o conhecimento da informação sobre o primeiro
dia do mês Ramadã ou então a respeito de informações que foram fornecidas por rádio, TV e jornal. Alunos
ligados ao povo muçulmano levam vantagem sobre os demais.
Alternativa C

13
DIAGRAMA DE IDEIAS

IMPÉRIO BIZANTINO

ORIGENS GEOGRAFIA ECONOMIA

IMPÉRIO ROMANO PONTO DE CRUZAMENTO E LI- • AGRICULTURA


DO ORIENTE GAÇÃO DA ÁSIA PARA EUROPA • MANUFATURA
• COMÉRCIO

RELIGIÃO
POLÍTICA PROPRIEDADE DE
LATIFÚNDIO
CRISTIANISMO ORIENTAL
MONARQUIA CENTRALIZADA BANQUEIROS, MERCADORES
CISMA DO ORIENTE (1054) • IMPERADOR
TRABALHADORES URBA-
• EXÉRCITO
IGREJA CRISTÃ ORTODOXA NOS, SERVOS E ESCRAVOS
• ESTADO
• IGREJA
IMPERADOR MAIS NOTÁVEL: SOCIEDADE
DECADÊNCIA
JUSTINIANO (527 - 562)

ATAQUES URBANIZAÇÃO
• CIDADES ITALIANAS
• BÁRBAROS • TOMADA DE CONSTANTINOPLA
• ÁRABES • REINO IMPÉRIO TURCO-OTOMANO
• TURCOS • DESTRUIÇÃO DO IMPÉRIO BIZANTINO (1453)

CIVILIZAÇÃO MUÇULMANA

SINCRETISMO JUDAÍSMO
ORIGENS ISLAMISMO

CORÃO MONOTEÍSMO CRISTIANISMO

ALÁ
PENÍNSULA
ARÁBICA FRAGMENTAÇÃO
CRIAÇÃO DE ESTA- DIVIDE A RÁPIDA
DO TEOCRÁTICO EXPANSÃO E SEITAS
MAOMÉ
JIHAD
(570 D.C.)
EXPANSÃO
ISLÂMICA SUNITAS XIITAS

14
AULAS Reino Franco e a Igreja Católica
11 e 12
1, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 14,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades:
15, 16, 17, 18, 22 e 29

1. Reino Franco O encontro entre romanos e bárbaros reuniu característi-


cas culturais de ambos os povos,e deu início à estrutura do
sistema feudal.
1.1. Povos bárbaros
À medida que os bárbaros entravam no Império Romano
No século I da Era Cristã, os bárbaros ultrapassaram os
do Ocidente, formavam reinos que, de maneira geral, não
limites de Roma, as primeiras invasões se deram por meio
tinham longa duração. Por esse motivo, o conjunto de povos
de migrações pacíficas dos povos germânicos. A partir do
germânicos, constituído por saxões, visigodos, ostrogodos,
século IV, o conflito com o Oriente foi intensificado e teve
alamanos, burgúndios, entre outros, não resistiram às pres-
início o período das invasões militares. A unidade política
sões externas e foram dominados ou destruídos. Entretanto,
do Império Romano do Ocidente estava em ruínas, portan-
os francos conseguiram organizar uma estrutura política na
to, as ocupações bárbaras colaboraram significativamente
Gália, a centralização do poder foi fundamental para man-
para a sua desintegração.
ter a conquista do território, atulmente, a França. A formação
Rômulo Augusto, o último imperador romano, foi deposto, deste reino teve início no período da Alta Idade Média euro-
em 476, por Odoacro, líder hérulo que decretou o fim do peia, a expansão territorial ocorreu entre as dinastias Mero-
Império Romano do Ocidente, marco utilizado pelos histo- víngia, (século V a VIII), e Carolíngia, (século VIII a X).
riadores para determinar o fim da Idade Antiga e o início
da Idade Média.
1.2. Dinastia Merovíngia (481-751)
Invasões bárbaras no século V Originárias do vale do rio Reno, as tribos francas se
os
nt

glo
s
Ju

Go
go
s estabeleceram na Gália. Ao longo dos séculos IV e V
An ões nd
BRITÂNIA Sax
Fra
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s alos
Hun
os Ost
rog
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eles ocuparam o Império Romano do Ocidente.
dos
os
od

451
og
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Os

GÁLIA 378
Vis
igo MACEDÔNIA
dos
Roma Constantinopla
Córsega

Sardenha
HISPÂNIA
Sicília
Anglos, Saxões
Cartago Francos
Vândalos Godos
Visigodos
Ostrogodos
Hunos
Vândalos

Fonte: https://wikipedia.org/wiki/Invasões_bárbaras_da_península_Ibérica
Fonte: <https://wikipedia.org/wiki/Invasões_
bárbaras_da_península_Ibérica>.

Os reinos bárbaros
Carlos Martel na Batalha de Poitiers. Charles Steubem (1788-1856)

Chefiados por Meroveu, venceram os hunos no final do sé-


culo V, na Batalha dos Campos Catalúnicos. Mas a dinastia
Merovíngia foi consolidada, efetivamente, por seu neto, Cló-
vis, partir da unificação das tribos francas. Clovis reinou du-
rante os anos de 482 a 511. Nesse período, aliou-se à Igreja
Católica, oferecendo-lhe proteção militar; em troca, obteve o
apoio do papado, o que contribuiu para o fortalecimento da
sua autoridade real, tornando efetiva a unificação da Gália
Fonte: <28navegadores.blogspot.com. e a expansão territorial do reino. Com a morte de Clóvis, em
28navegadores.blogspot.com.br/2013_04_01_archive.html
br/2013_04_01_archive.html>. 511, o Reino Franco foi dividido em quatro partes, entre seus

15
filhos, de acordo com o costume germânico de divisão do
poder. Mais tarde, uma nova divisão ocorreu entre os netos
de Clóvis.
Nesse período, um novo sistema econômico se estru-
turou – o feudalismo –, com a ruralização da econo-
mia e o fortalecimento das relações pessoais entre o
rei a seus vassalos. A fidelidade ao rei, suserano de
um feudo, era estabelecida mediante o juramento da
vassalagem,composta pelos senhores feudais e pelos multimídia: livros
cavaleiros, que assumiam o compromisso de servir ao
soberano, fornecendo apoio militar e econômico. Em O cavaleiro inexistente – Italo Calvino (1959)
troca, o rei oferecia proteção, terras e outros bens,
mantendo o sistema de servidão e enfraquecendo o Paródia dos romances de cavalaria entre os
poder dos monarcas merovíngios. séculos VIII e IX, conta, a partir do olhar de
uma freira, a história de Bertrandino, um cava-
O poder nobiliárquico também se baseava no contato leiro da corte de Carlos Magno. Cercado por
direto dos majordomus (mordomos ou prefeitos do um exército quixotesco, ele luta pela causa da
palácio) com os reis. Oriundos de famílias nobres, os cristandade, defende avidamente sua reputa-
majordomus passaram a exercer o poder no reino, a ção e faz questão de manter a armadura sem-
partir do comando do exército, da administração e di- pre limpa. Mesmo sabendo que dentro dela
visão das terras e, por fim, da coleta de impostos. Aos não há ninguém.
reis eram atribuídas funções cerimoniais.
Pepino de Heristal, majordomus do Reino da Austrásia,
conseguiu submeter os outros majordomus, promovendo 1.3.1. O reinado de Carlos Magno e
a centralização do Reino Franco. Mas foi somente com seu o Império Carolíngio (768-814)
sucessor, Carlos Martel, que os majordomus passaram a ser Pepino foi sucedido por seu filho Carlos Magno, em 768,
considerados reis. que governou até 814, tornando-se o mais importante rei
Carlos Martel conquistou prestígio e poder ao liderar os franco, concedendo seu nome à dinastia Carolíngia. Carlos
francos na vitória contra os muçulmanos na Batalha de Magno ampliou as fronteiras do reino franco, anexando a
Poitiers, na França, no ano de 732, contendo o avanço Itália lombarda, a Saxônia, a Frísia e a Catalunha, tornan-
islâmico sobre a Europa ocidental. do-se o único rei da Europa cristã.

Ao ser considerado pela Santa Sé como o “salvador do cris-


tianismo ocidental”, Carlos Martel fortaleceu sua autoridade
pessoal, fato aproveitado por seu filho Pepino, o Breve, que,
com o apoio do papa Zacarias, destronou o último rei merovín-
gio Childerico III, no ano de 751, e proclamou-se rei dos fran-
cos, iniciando a Dinastia Carolíngia, que perdurou até 987.

1.3. Dinastia Carolíngia (751-987)


Pepino, o Breve, destronou o rei merovíngio, sendo
reconhecido como o novo rei dos Francos e sagrado pelo
papa Estevão II, em 754. O reconhecimento e a aprovação
da Igreja possibilitaram a Pepino inaugurar uma nova di-
nastia, conhecida como Dinastia Carolíngia ( 751 a 768). Carlos Magno

Pepino iniciou a administração de seu reinado lutando con- A expansão foi favorecida pelo apoio da Igreja e da no-
tra os lombardos na Itália. Os territórios conquistados, no breza guerreira, que ganhava terras como prêmio por sua
centro da península Itálica, foram cedidos à Igreja, que pela participação nas guerras de conquista. O reino de Carlos
primeira foi dona de suas terras, concedendo maior poder Magno tornou-se o maior Império Ocidental, durante o
ao Papa e fortalecendo ainda mais a aliança entre a Igreja período medieval, com a conquista de antigos domínios
e o reino fanco. Os territórios da Igreja ficaram conhecidos romanos. No Natal do ano 800, Carlos Magno foi coroado
como Patrimônio de São Pedro. pelo Papa Leão III, imperador romano do Ocidente.

16
Ascensão do Império Franco O imperio de Carlos Magno também foi marcado pelo estímu-
Território franco em 481
Conquistas de Clóvis (481-511)
lo imperial ao desenvolvimento cultural. Ocorreu um grande
Conquistas entre 531-614
Consquistas entre 714-768
810

Abroditas
incentivo à cultura e às artes, quando houve um florescimento
cultural e intelectual, o Renascimento Carolíngio.
Víst
ula
Conquistas de Carlos Magno (768-814)
734
Territórios dependentes FRÍSIA SAXÔNIA
777-797

r
Wese
Oder
Croatas Povos tributários à Carlos Magno Veletos
Süntel
Reino de Siágrio em 486 Reno 782

Em 806, Carlos Magno fez seu testamento dividindo o

Elb
a
Reino Visigodo de Tolosa em 507 531
Sorábios

TU
Fronteiras do império em 814 Tournai Colônia
sa

império entre seus filhos, conforme o costume sucessório

R
Mo Aquisgrano Fulda
805

ÍN
Tertry
Tchecos

G
AUSTRÁSIA

IA
Soisson
774 Morávios

germânico, mas acabou sendo sucedido por seu filho mais


486 Metz Ratisbona
Paris Reims SUÁBIA
Estrasburgo
Bretões NÊUSTRIA 502 bio
nú BAVÁRIA
Sena Da

novo, Luís I, o Piedoso, que governou de 814 a 841,

Danúbio
486
Líger
Reno 788 Salzburgo
Nantes Tours 788
Inn
Ávaros
Autun 536 CARÍNTIA 796

mantendo o império e a estrutura político-administrativa


Vouillé 532

Poitiers
507 BORGONHA
Genebra
Lyon
AQUITÂNIA Milão

Bórdeus
507
Ródano 533
Pavia

REINO

Veneza

Ravena
Croatas herdados de seu pai.
Sérvios
Ga
rona
531 531

A decadência do Império Carolíngio teve início após a mor-


LOMBARDO
IA

GASCONHA PROVENÇA
AN

Roncesvales Toulouse 774


IM

778 536
PT
SE

MAR Spoleto

te de Luís I, em 841, quando se iniciou um conflito entre


CA E 759
SPA
NHO
Eb
ro LA 778 Córsegos Roma
812 Barcelona

Fonte: <htpps://wikipediaFonte: seus filhos pelo trono. Lotário, Carlos e Luís travaram várias
.orghttps://wikipedia.org/wiki/Francos
/wiki/Francos>.
batalhas, arruinando as finanças e enfraquecendo militar-
Carlos Magno não instituiu uma capital fixa para o império,
mente o império.
as decisões eram tomadas onde os membros da corte estives-
sem o imperador. Com o intuito de estabelecer normas que Em 843, a disputa foi solucionada com a assinatura do Tra-
promovessem a homogeneidade político-administrativa e, ao tado de Verdun, que estabeleceu a divisão do império en-
mesmo tempo, fossem cumpridas por todos os habitantes dos tre os netos de Carlos Magno: Lotário recebeu a Lotaríngia,
seus domínios, Carlos Magno emitiu uma série de decretos, que correspondia aos Países Baixos, Suíça e Norte da Itália;
que, posteriormente, foram reunidos nas leis capitulares. a Luis, o Germânico, coube a parte oriental do Império (Ger-
Em virtude da extensão de seus domínios, Carlos Magno mânia); e a Carlos, O Calvo, coube o território da França. O
os dividiu em áreas administrativas chamadas condados Tratado de Verdun marcou, segundo as divisões dos
e marcas. As primeiras correspondiam aos territórios do períodos da História, o final da Alta Idade Média.
interior sob comando de condes, cujas funções primordiais A quebra da unidade política e o enfraquecimento militar
eram produtivas. Os territórios de fronteira eram chamados favoreceram as invasões externas – magiares, árabes e
de marcas e ficavam a cargo dos marqueses, cuja função vikings –, levando o império franco ao declínio.
primordial era a defesa do império. Em ambas as áreas, os
administradores eram responsáveis pela aplicação das leis
capitulares e pela arrecadação de impostos.
Tanto os condados como as marcas eram fiscalizados pelos
missi dominici (mensageiros reais), nobres da confiança do
imperador que zelavam pela aplicação das decisões emana-
das do poder real, conforme estabelecidas nas leis capitulares.

Divisão do Império Carolíngio pelo Tratado de


Verdum (843)
MAR
DO NORTE
Hamburgo
HIBÉRNIA
BRITÂNIA
multimídia: vídeo
Fulda
Aix-la-Chapelle FRANÇA
ORIENTAL
Verdun Ratisbona
Paris Fonte: Youtube
Salzburgo
OCEÂNO FRANÇA
Estrasburgo
O Nome da Rosa (1986)
ATLÂNTICO Lyon
OCIDENTAL ESTADOS
Milão
DA IGREJA O Nome da Rosa é um filme de 1986 dirigido
Bordéus
Spoleto por Jean-Jacques Annaud, baseado no romance
Toulouse
ESPANHA Córsega Roma homônimo do crítico literário italiano Umberto
Barcelona
Sardenha Eco. O frade franciscano Guilherme de Baskerville
Parte de Carlos, o Calvo
Parte de Lotário MAR
Sícilia
(Sean Conery) e seu aprendiz Adson von Melk
MEDITERRÂNEO
Parte de Lúis, o Germânico (Christian Slater) são chamados para resolver um
Fonte: <prof-tathy.blogspot.com. mistério mortal em uma abadia medieval.
Fonte: prof-tathy.blogspot.com.br/2009/10/os-francos.html
br/2009/10/os-francos.html>.

17
2. Igreja católica medieval Sua atuação dava-se, também, mediante uma série de
ações filantrópicas, como a construção e a manutenção de
asilos, hospitais, orfanatos e leprosários.
2.1. O poder da Igreja A Igreja era responsável pela educação, mantendo uma
A Igreja católica foi a grande catalisadora dos aconteci- série de escolas nos mosteiros, conventos e, mais tarde,
mentos e da vida medieval; nesse período, sua trajetória foi nas paróquias. No século XIII, começou a organizar as
marcada pelo crescimento e desenvolvimento em virtude universidades. Com isso, o poder da Igreja sobre os fiéis
do grande poder conquistado. No medievo,a Igreja passou era incontestável. Os pecadores deviam cumprir penitên-
a exercer papéis importantes em diversos setores da vida cias, que variavam de orações e jejuns a peregrinações e
cotidiana, servindo como instrumento de unidade frente às participação nas Cruzadas. A excomunhão – expulsão da
invasões germânicas e à destruição do Império Romano, comunidade cristã – era a pena mais temida. Aplicava-se
também foi fundamental no processo de fragmentação o interdito – proibição de se realizarem serviços religiosos
político-administrativa da sociedade feudal. – aos domínios dos governantes que estivessem em litígio
com a Igreja.
O crescente poder da Igreja católica na Europa ocidental
durante a Idade Média pode ser explicado pelo acúmulo Um importante instrumento de manutenção do domínio
dos poderes espiritual e temporal.O poder espiritual cor- da Igreja Católica Medieval foi a criação do Tribunal da
responde ao controle sobre a religião e o monopólio da Santa Inquisição, em 1231, pelo papa Gregório IX. A
interpretação das Escrituras Sagradas, permitindo o con- principal função do Tribunal era julgar e punir as heresias
trole ideológico e a interpretação da realidade vigente. O – contestações aos dogmas católicos. As penas variavam
poder temporal era exercido politicamente como resulta- de simples penitências ao confisco de bens, além da ex-
do do controle da Igreja sobre um número crescente de comunhão, torturas e morte na fogueira.
populações que a alimentavam mediante pagamento dos A dor e o sofrimento eram apontados como formas de
dízimos, doações, além de outras ações realizadas por fiéis aproximação com o sacrifício de Jesus, bem como o estímulo
crentes da salvação em troca de seus recursos materiais. ao arrependimento e ao clamor pela misericórdia divina.
É importante lembrar de que a Inquisição continuou viva
na Idade Moderna como um importante instrumento de
dominação política e manutenção do poder instituído.

2.2. Organização do clero


A Igreja contava com uma rígida organização hierárquica.
Havia o alto clero e o baixo clero; este era composto de
elementos vindos das camadas mais pobres da sociedade;
aquele, ligado à aristocracia, detinha os cargos de direção,
dele faziam parte o Papa, os bispos, os abades etc.

Clero regular

Templários condenados à fogueira pela Santa Inquisição

A Igreja concentrava uma grande quantidade de terras em


suas mãos, resultado da acumulação de um montante sig-
nificativo de riquezas materiais. Detinha, também, o con-
trole da vida dos homens, regulando casamentos, norma-
tizando as obrigações matrimoniais; os divórcios, os casos
de bigamia, adultério, incesto, entre outros; arbitrava os
casos de divisão de heranças; monopolizava os registros Da direita para a esquerda:
monge cisterciense, franciscano, cartuxo e dominicano
paroquiais de batismo, casamentos, falecimentos, enfim, a Fonte: <www.resumosetrabalhos.com.br/o-nome-da-
vida social era normatizada e regrada pela Igreja. rosa-umberto-eco_12.html>. (Adaptado).

18
Com a invasão dos bárbaros, a Igreja tinha por incumbên-
cia converter esse novo contingente à religião cristã. Para
o ministério da conversão, eram designados elementos do
clero secular (do latim saeculum, mundo), nome dado
ao clero que estava em constante contato com as coisas
do mundo e viviam fora dos mosteiros. Havia também ele-
mentos do clero regular (do latim regula, regra), isto é,
submetidos a regras, ficavam nos mosteiros sem contato
com o que acontecia fora de seus muros. Esses mosteiros
eram os responsáveis pela preservação da cultura, além de
serem importantes centros econômicos. O clero regular era
constituído por todos os clérigos consagrados da Igreja ca- multimídia: música
tólica, que seguiam as regras de uma determinada ordem Fonte: Youtube
religiosa, dona de sua própria hierarquia e de títulos es- - Nossa Senhora - Roberto Carlos
pecíficos. As principais ordens religiosas foram beneditinos,
franciscanos, cartuxos, cluniacenses e dominicanos. Essas práticas provocavam incômodo nos meios
eclesiásticos, principalmente, porque tiravam das
mãos da Igreja um importante instrumento de bar-
ganha política, ao mesmo tempo em que enfraqueci-
am seu poder, uma vez que este era submetido a uma
interferência externa na nomeação dos seus membros.
Havia alguns membros da Igreja mais comprometidos
com as práticas religiosas evangelizadoras que es-
tavam insatisfeitos com essa situação. Discussões in-
ternas a respeito das práticas de corrupção e comércio
multimídia: livros de cargos, a simonia, especialmente no Sacro Império
Romano Germânico não faltavam. Gente que não
A canção de Rolando – Anônimo (séc. XI) tinha o menor compromisso com a religião ocupava
importantes cargos eclesiásticos.
A Canção de Rolando (em língua francesa, La
chanson de Roland) é um poema épico com- Procurando atender aos anseios daqueles que estavam
posto no século XI em francês antigo, sendo insatisfeitos com essa situação, bem como ganhar
a mais antiga das canções de gesta escritas um poder capaz de determinar a nomeação interna
em uma língua românica. dos seus representantes para os cargos eclesiásti-
cos, o papa Nicolau II criou, em 1058, o Colégio dos
Cardeais. Os clérigos foram investidos do direito de
2.2.1. Querela das Investiduras (1073-1122) escolher seus líderes religiosos. Em 1073, Gregório VII,
da abadia de Cluny, foi eleito pelos seus pares como
O poder econômico, político e religioso da Igreja desper-
papa. Sua primeira atitude foi reafirmar o voto de cas-
tava não só a cobiça de setores da nobreza da sociedade
tidade e determinar a total independência da Igreja
sobre os seus bens como o desejo daqueles que viam na
em relação ao poder político secular, condenar a no-
Igreja um modo de obter alguma ascensão social. Se, de
meação de bispos por reis ou imperadores, bem como
um lado, estabelecia-se uma ferrenha luta política, de ou-
destituir todos os clérigos que assumissem cargos no-
tro, os interesses econômicos possibilitavam a corrupção.
Além disso, os cargos eclesiásticos eram cobiçados por seu meados por poderes seculares.
poder e prestígio, tornando-se alvos de intensas disputas A atitude do Papa desagradou o imperador do Sacro
entre clérigos, nobres e soberanos. Império Romano Germânico, Henrique IV, que se recusou
A prática de nomeação de bispos segundo interesses políti- a cumprir as determinações papais e tentou destituí-lo. O
cos era muito comum no Sacro Império Romano Germâni- Papa excomungou o imperador, dando origem à Questão
co, graças à forte submissão dos clérigos aos interesses do ou Querela das Investiduras.
Estado, justamente pelo enraizamento da corrupção e dos Pressionado pelos nobres alemães, interessados na
interesses políticos e econômicos em jogo, quando da no- redução do poder do imperador, Henrique IV reviu
meação ou investidura de clérigos e bispos, por meio da sua estratégia e saiu em peregrinação a Canossa,
simonia, que era a compra de cargos religiosos. na Itália, em 1077, em busca de reconciliação com

19
o papa Gregório VII. Essa aproximação não resultou
na solução do conflito, que só veio a acontecer em
1122, com a assinatura da Concordata de Worms, já
no reinado de Henrique V. Pela Concordata, a investi-
dura espiritual caberia ao Papa; ao imperador, caberia
a investidura temporal. No entanto, a Concordata de
Worms, de fato uma solução paliativa, não foi capaz
de solucionar definitivamente a questão. Os atritos
acerca da nomeação de bispos no Sacro Império e em
outras regiões da Europa continuaram.
O recuo do imperador, no entanto, marcou o início da su- multimídia: música
premacia papal sobre o poder temporal – supremacia que
se manteve por quase dois séculos. As Cruzadas, cuja or- Fonte: Youtube

ganização começou nesse período, dariam à autoridade do - Oração de São Francisco - Maria Bethânia
Papa o poder temporal que a Igreja ambicionava.

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Arquitetura gótica (História da Arte e Arquitetura)


A supremacia da Igreja católica era representada pelo estilo gótico na arte e na arquitetura, reflexo do pensamento
francês predominante a partir do século XII, apoiava-se nos princípios de um forte simbolismo teológico, fruto da
filosofia escolástica: as paredes eram a base espiritual da Igreja, os pilares representavam os santos, e os arcos indi-
cavam o caminho para Deus. Além disso, os vitrais, por meio da geometria desenhada pela luminosidade e definida
pelas cores, contavam as histórias e os relatos das Sagradas Escrituras.
Duas características marcantes são as torres com formato agulhado em direção ao céu e a presença de uma rosácea
na entrada das igrejas. Alguns historiadores afirmam que a dimensão exagerada das catedrais era intencional, pois
tinha como objetivo representar a grandiosidade de Deus e da Igreja sobre os fiéis.
A primeira catedral gótica foi Saint Denis, embora a mais famosa , pela importância que ganhou na literatura, seja a
catedral de Notre Dame, em Paris.

20
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.

A habilidade 11 é muito cobrada nas provas de História do Enem, uma vez que é bastante abrangente. O vestibular
recorre a textos e imagens de gêneros variados – poesias, artigos científicos, obras de arte e relatos jornalísticos – para
fundamentar suas questões. O aluno deve ater-se principalmente ao enunciado, aguçando suas capacidades de leitura,
observação e interpretação.
Os registros de práticas sociais são fontes de estudo para os historiadores. A prova requer, portanto, mais do que a
simples capacidade de decorar eventos históricos; ela exige uma interpretação cuidadosa do enunciado.

Modelo
(Enem) Sou uma pobre e velha mulher,
Muito ignorante, que nem sabe ler.
Mostraram-me na igreja da minha terra
Um Paraíso com harpas pintado
E o Inferno onde fervem almas danadas,
Um enche-me de júbilo, o outro me aterra.
VILLON, F. In: GOMBRICH, E. História da arte. Lisboa: LTC, 1999.

Os versos do poeta francês François Villon fazem referência às imagens presentes nos templos católicos medievais. Nesse contexto, as
imagens eram usadas com o objetivo de:

a) refinar o gosto dos cristãos;


b) incorporar ideais heréticos;
c) educar os fiéis através do olhar;
d) divulgar a genialidade dos artistas católicos;
e) valorizar esteticamente os templos religiosos.

Análise expositiva - Habilidade 11: As imagens da Igreja católica medieval serviam para ensinar os fiéis
C os perigos advindos da prática imperfeita da religião e os benefícios adquiridos a partir da boa prática. O
trecho “Um Paraíso com harpas pintado,/ E o Inferno onde fervem almas danadas,/ Um enche-me de júbilo, o
outro me aterra” é demonstrativo disso. Cabe ressaltar que apenas uma minoria da população medieval era
alfabetizada, o que reforçava a necessidade do uso de imagens nas missas.
Alternativa C

21
DIAGRAMA DE IDEIAS

O REINO DOS FRANCOS

DINASTIA MEROVÍNGIA
476 A.C. ADMINISTRAÇÃO
(481-751)

QUEDA DO IMPÉRIO COMITATUS


CLÓVIS (482-511)
ROMANO DO OCIDENTE (DIVISÃO DE TERRAS
(INÍCIO DA IDADE MÉDIA) DIVISÃO DAS TERRAS ENTRE OS VASSALOS)
ENTRE SEUS FILHOS MAJORDOMUS
POVOS BÁRBAROS (FUNCIONÁRIOS REAIS)
LUTAM POR NOVAS DIVISÕES
• COMANDAM
TERRITÓRIOS
O EXÉRCITO
ALIANÇA DO • COBRAM IMPOSTOS
FRANCO CLÓVIS COM • ADMINISTRAM
A IGREJA CATÓLICA TERRAS

PEPINO, O BREVE PEPINO DE HERISTAL PEPINO DE HERISTAL


DESTRONA REI MEROVÍNGIO SUBMETE OUTROS SUBMETE OUTROS
EM ALIANÇA COM O PAPA MAJORDOMOS MAJORDOMOS

DINASTIA CARO-
LÍNGIA (751-987) ADMINISTRAÇÃO

PEPINO, O BREVE DOA TERRAS AO PAPA


(751-768) (PATRIMÔNIO DE SÃO PEDRO) TERRITÓRIO
• CONDADO
CARLOS MAGNO (FUNÇÃO PRODUTIVA)
“RENASCIMENTO CAROLÍNGIO”
(768-814) • MARCA
(FUNÇÃO MILITAR
LUÍS I, O PIEDOSO NA FRONTEIRA)

CARLOS, O CALVO LEIS CAPITULARES

LUÍS, O GERMÂNICO
TRATADO DE VERDUM (843)
DIVISÃO DO TERRITÓRIO
LOTÁRIO I

22
IGREJA CATÓLICA MEDIEVAL

PODER TEMPORAL PODER ESPIRITUAL

• INFLUÊNCIA NA POLÍTICA • MORAL CRISTÃ


• LEGITIMA PODER REAL • CONTROLE CULTURAL
• ESCOLHA DE CARGOS ECLESIÁSTICOS • EDUCAÇÃO (CRIAÇÃO DAS UNIVERSIDADES)
TENSÃO • TRIBUNAL DA SANTA INQUISIÇÃO

GUERRA DAS INVESTIDURAS


(1073-1122)

HIERARQUIA FUNÇÕES

• ALTO CLERO: NOBREZA • CLERO REGULAR:


• BAIXO CLERO: CAMADAS POPULARES ORDENS RELIGIOSAS
VIDA ISOLADA NOS MOSTEIROS
PRESERVAÇÃO DA CULTURA
• CLERO SECULAR:
BATIZADO DE PAGÃOS

23
AULAS Sistema feudal
13 e 14
1, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 14,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades:
15, 16, 17, 18, 22 e 29

O feudalismo foi um sistema econômico, político e social neira, o ano de 1453, quando os turcos otomanos
que se desenvolveu na Europa durante a Idade Média. conquistaram Constantinopla, pondo fim ao Impé-
Esse sistema começou a se estruturar no final do Império rio Bizantino, marca o término da Idade Média. Essas
Romano do Ocidente, no século V, e atingiu o seu apogeu datas funcionam para uma periodização didática da História.
no século X, desaparecendo quase completamente no final Na Europa, a Idade Média caracterizou-se pelo surgimento
do século XV. de um sistema econômico, político e social denominado
feudalismo. Esse sistema foi fruto de uma lenta integração
1. Origens do feudalismo entre algumas características de duas estruturas sociais: a
romana e a germânica. Esse processo de integração, que
O Império Romano já demonstrava sinais de decadência resultou na formação do feudalismo, ocorreu no período
e desagregação desde o final do século IV. As invasões e histórico compreendido entre os séculos V e IX.
os seguidos ataques dos povos germânicos, a partir do
Próximo ao fim do Império Romano do Ocidente, os gran-
século V, desorganizaram a vida do Império, acelerando
des senhores romanos começaram a abandonar as cida-
a crise econômica.
des, fugindo da crise econômica e das invasões germâni-
Costuma-se considerar o ano de 476, data em que os héru- cas. Os senhores rumaram para latifúndios no campo, onde
los invadiram Roma, como o fim do Império Romano do Oci- passaram a desenvolver uma economia agrária voltada
dente e o início da chamada Idade Média. Da mesma ma- para a subsistência.
A nova onda de invasões dos séculos VIII ao X

Fonte: <28navegadores.blogspot.com.br/2013_04_01_achive.html>.
Fonte: 28navegadores.blogspot.com.br/2013_04_01_achive.html

24
Um grande contingente de romanos de menos posses pas- indivíduo, um direito inerente a ele em qualquer local em
sou a buscar proteção e trabalho nas terras desses grandes que estivesse. Essa forma do Direito, produto dos costumes
senhores. Para utilizar as terras, eram obrigados a ceder e da sua prática reiterada e constante e não da autoridade,
ao proprietário parte do que produziam. Essa relação entre sem ser resultado de um processo formal de criação das
o senhor das terras e os que produziam ficou conhecida leis escritas, é denominada direito consuetudinário.
como colonato. O grande número de escravos da épo-
Seguindo o processo de declínio do comércio, ruralização
ca também foi utilizado nas vilas romanas. Com o tempo,
da sociedade, agrarização da economia e descentrali-
tornou-se mais rentável libertar os escravos e aproveitá-los
zação do poder político no final do Império Romano do
sob regime de colonato. Dessa forma, nesses centros rurais
Ocidente, as invasões dos séculos VIII e IX aceleraram a
conhecidos por vilas romanas, começavam a ser criados
lenta integração entre aspectos da sociedade romana e
os feudos medievais. Com algumas alterações futuras, esse
da sociedade germânica.
sistema de trabalho resultou nas relações servis de pro-
dução, um dos traços fundamentais do feudalismo. Em 711, os muçulmanos, vindos do Norte da África, con-
quistaram a península Ibérica, a Sicília, a Córsega e a Sar-
Com a contínua ruralização do Império Romano, o poder
denha, fechando o mar Mediterrâneo à navegação e ao
central foi perdendo controle sobre os grandes senhores
comércio dos europeus. Ao norte, no século IX, os norman-
agrários.Gradativamente, as vilas romanas tornaram-se
dos também se lançaram à conquista da Europa. Conquis-
cada vez mais autônomas, à medida que o poder político
taram a Bretanha e o noroeste da França. Penetraram no
descentralizava-se, permitindo ao proprietário de terras ad-
continente europeu pelos rios, saqueando suas cidades. A
ministrar de forma independente sua vila.
leste, os magiares (húngaros), cavaleiros nômades originá-
Outra contribuição fundamental da civilização romana para rios das estepes euroasiáticas, invadiram a Europa oriental.
a formação do feudalismo foi o cristianismo. Originário do
Isolada dos outros continentes, com as vias de comuni-
Oriente, o cristianismo enraizou-se na cultura romana, pas-
cação bloqueadas e cercada no seu próprio território, a
sando a ser, no século IV, a religião oficial do império. No iní-
Europa se fragmentou. Os constantes ataques e saques
cio da Idade Média, a religião cristã já havia triunfado sobre
criaram uma insegurança geral. As últimas invasões ama-
todas as seitas rivais na Europa. Em pouco tempo, a Igreja
dureceram as condições para o pleno estabelecimento do
tornou-se a instituição mais poderosa do continente euro-
sistema feudal.
peu, determinando a cultura do período medieval.
O comércio, com o desaparecimento quase total da moe-
O contato dos romanos com os povos de origem germâni-
da, regrediu ao patamar da troca direta. Com a agrarização
ca promoveu a troca de hábitos e costumes entre eles, prin-
da economia, as cidades foram despovoadas, completando
cipalmente num momento de ruralização e de organização
de uma economia baseada nas atividades agropastoris.
As várias tribos germânicas viviam de maneira autônoma,
estabelecendo relações apenas quando se defrontavam
com um inimigo comum, unindo-se, nessas ocasiões, sob
o comando de um só chefe.
As relações entre o suserano e o vassalo, fundamentadas
na honra, lealdade e liberdade, tiveram suas origens no
comitatus germânico. O comitato era um grupo forma-
do pelos guerreiros e seu chefe com obrigações mútuas multimídia: livros
de serviço e lealdade. Os guerreiros juravam defender seu
chefe, que se comprometia a equipá-los com cavalos e Amadis de Gaula – Anônimo (1508)
armas. Mais tarde, essas relações de honra e lealdade
deram origem às relações de suserania e vassala- A obra Amadis de Gaula, através de
gem. A cerimônia na qual os vassalos juravam fidelidade uma introdução em que se afirma que
ao suserano derivou da prática da homenagem típica no foi encontrada num baú enterrado do
Império Carolíngio, que, possivelmente, teve sua origem “manuscrito encontrado”, inicia-se com
também no comitato germânico. o relato dos amores furtivos entre o rei
D. Perion de Gaula (Gales) e a infanta D.
A formação do Direito no feudalismo também teve influên- Elisena da Bretanha, que deram lugar a
cia germânica. Baseando-se nos costumes orais, e não nas uma criança abandonada numa barca.
leis escritas, o direito era considerado uma propriedade do

25
o processo de ruralização da sociedade. O poder político
descentralizou-se em uma multiplicidade de poderes loca-
lizados e particularistas. O feudalismo se estabeleceu em
sua plenitude.

2. Características gerais
2.1. Sociedade feudal
A sociedade feudal era estamental, ou seja, os indivídu-
os nasciam num determinado estamento (grupo social) e
dificilmente poderiam ascender a outro; tendiam a perma-
necer sob a própria condição de nascimento, pois a mobi-
lidade social vertical era quase impossível; mais fácil seria
a mobilidade no interior do próprio grupo social. Segundo

© Wikimedia Commons
a divisão clássica, a sociedade medieval era formada pelos
seguintes estamentos: clero, nobreza e servos. Entre-
tanto, cada uma dessas categorias comportava uma série
de diferenciações e gradações. De modo geral, o acesso ou Representação de um clérigo, de um cavaleiro e
não à propriedade ou posse da terra dividia a sociedade de um servo da Idade Média

feudal em dois estamentos: os senhores e os dependentes.


Os servos não podiam ser vendidos fora de suas terras,
Os senhores feudais eram os proprietários ou os pos- como ocorria com os escravos, mas não tinham liberdade
suidores do feudo. Originários da nobreza e do clero, for- para abandonar as terras onde nasceram, exceto com a
mavam uma aristocracia dominante. A nobreza se subdivi- autorização do seu senhor.
dia em duques, condes, barões e marqueses.
Em número reduzido, havia outro tipo de trabalhador me-
O poder dos nobres vinha do fato de serem proprietários dieval: o vilão. Os vilões não estavam presos à terra e des-
ou posseiros da terra e da condição de terem um exérci- cendiam de antigos pequenos proprietários romanos. Não
to. As camadas mais altas da nobreza guerreira descen- podendo defender suas propriedades, entregavam suas
diam das antigas famílias germânicas e carolíngias. Havia terras em troca de proteção de um grande senhor feudal.
uma segunda camada mais pobre da qual faziam parte Suas formas de prestação de serviço e de pagamentos ao
os cavaleiros; com o passar do tempo, as duas camadas senhor eram muito peculiares, pois desfrutavam de privi-
fundiram-se por meio de casamentos. Os nobres orgulha- légios pessoais e econômicos. Recebiam tratamento mais
vam-se da vida que levavam, dedicada às batalhas, aos brando que os servos e assumiam deveres bastante bem
torneios e às caçadas. definidos com os senhores, de tal maneira que sabiam exa-
Os senhores feudais eclesiásticos, vinculados à Igreja tamente o que fazer ou não.
Romana, também pertenciam à alta hierarquia do clero.
Em geral, eram bispos, arcebispos e abades. Com efeito,
o clero constituía a elite intelectual da classe senhorial,
responsável pela guarda da cultura romana, construtora
e difusora da cultura e elaboradora de todo o arcabouço
teórico que justificava a sociedade feudal e a identificava
com a ordem universal, de origem divina.
O estamento dos dependentes, que compreendia a maioria
da população medieval, compunha-se de servos e vilões.
Os servos não tinham a propriedade da terra, embora,
na maioria dos casos, tivessem posse parcial dela, o que
justificava o fato de estarem adstritos a ela. É importante
multimídia: música
observar que, embora fossem trabalhadores semilivres – Fonte: Youtube
donos de seus instrumentos de trabalhos, sementes, etc. –, Cantiga de Amigo
apenas uma pequena parcela do que produziam era desti- Elomar
nada ao próprio sustento.

26
2.2. Economia feudal como pelos camponeses. Das terras comunais eram retiradas
madeiras e frutas. Ao senhor era reservado o direito exclusivo
De alguma maneira, as sociedades organizam sua produção de da caça. O feudo, cujas terras eram descontínuas, consti-
bens mateiras, a partir daquilo que é chamado de relações de tuía-se como a unidade geral de produção.
produção. A produção da vida social, política e cultural, são de-
A terra arável era dividida em três partes: o terreno de
terminadas pelo modo de produção. Assim como, independen-
plantio da primavera, o de plantio do outono e outro que
temente de sua localização geográfica ou do período de sua
ficava em pousio (descanso). A utilização dos terrenos era
existência, toda sociedade organiza e é organizada em torno
invertida a cada ano, de modo que sempre um deles esti-
do modo de produção daquela época. Deste modo, no feuda-
vesse em período de recuperação. Esse sistema surgiu na
lismo, as relações de produção foram determinadas pela servi-
Europa, no século VIII, e ficou conhecido como sistema
dão feudal que acabara por determinar o modo de produção.
dos três campos. Nessa sociedade rural, de economia
As terras eram divididas em domínio senhorial, cuja pro- essencialmente agrária, a propriedade e a posse da
dução destinava-se ao senhor feudal, manso servil, cujo terra determinavam a posição do indivíduo na hierarquia
produto do trabalho pertencia aos servos, e terras comu- social. A terra era a expressão da riqueza, da influência, da
nais, isto e, pastos e florestas utilizadas tanto pelos senhores autoridade e do poder.
O senhorio medieval
Manso comum
Os produtos retirados dessas terras eram de uso tanto dos servos quanto dos
senhores. As terras comunais eram constituídas de pastos para criar animais
e de florestas e baldios, onde os camponeses colhiam frutos e raízes, extraíam
a madeira e o mel. A caça nas florestas era exclusiva dos senhores.

No senhorio, em geral, também havia coleiros para armazenar a colheita;


um moinho para triturar os grãos; e fornos para assar os pães.

Domínio Senhorial
Os produtos dessas
terras perteciam
exclusivamente
ao senhor. Nelas
trabalhavam servos
e outros camponeses.
Ali se produzia tudo o
que o senhor necessitava
para manter sua família
e outros dependentes.

Manso servil
Terras destinadas aos servos. Nelas os servos
produziam o que era necessário para a sua
sobrevivência, devendo em troca cumprir
Ilustração atual de
uma série de obrigações para com o senhor.
como poderia ter sido
um senhorio medieval.
Fonte: historiademestre.blogspot.com.br/2014/10/a-idade-media-e-o-feudalismo.html
Fonte: <historiademestre.blogspot.com.br/2014/10/a-idade-media-e-o-feudalismo.html>.

A relação de servidão era o elemento definidor do modo § talha: obrigação de entregar parte da produção no
de produção feudal. Os servos trabalhavam três dias da manso servil ao seu senhor;
semana no domínio senhorial, onde produziam para o se-
§ banalidades: pagamento de impostos com produtos
nhor feudal. Durante outros três dias, os servos trabalha-
ou trabalho pelo uso de instrumentos do senhor: ferra-
vam no manso servil para seu próprio sustento e o de sua
mentas, moinhos, armazéns;
família. Com o tempo, a tendência dos senhores feudais
era exigir do servo mais dias de prestação de serviço nas § capitação: pagamento de imposto per capita dos fa-
suas terras, levando a expropriação do trabalho e dos seus miliares dos servos; e
frutos a extremos insuportáveis. § mão-morta: pagamento de imposto pelos filhos do
Além da obediência e fidelidade por juramento que os ser- servo morto para que continuassem ocupando as terras
vos deviam ao seu senhor, as obrigações nas formas de fornecidas a seu pai pelo senhor.
trabalho e produtos eram as seguintes: A produção feudal, a terra era a fonte de riqueza fundamen-
§ corveia: obrigação de trabalhar nas terras do senhor tal. O sistema de propriedade da maior parte dos fatores de
feudal sem direito ao que era produzido; produção – ferramentas, sementes, etc. – recaía sobre os

27
servos, além da pesada carga de tributos que pagavam. O
próprio sustento e o da sua família dificultava as inovações
técnicas, pois não era possível investir na melhoria dos ins-
trumentos de trabalho. Devido ao uso comunitário da terra,
qualquer nova forma de trabalhá-la devia ser submetida à
aprovação de toda a comunidade da aldeia. Se a produção
aumentasse, o senhor das terras cobrava um novo tributo,
o que desestimulava a produção de excedentes.
O feudo produzia tudo o que necessitava e consumia
tudo que produzia. Era uma economia autossuficiente,
organizada para suprir as necessidades do próprio feudo. multimídia: vídeo
O comércio não desapareceu da Europa, mas era retraí-
do e sem relevância econômica. A troca de mercadorias Fonte: Youtube

realizava-se semanalmente dentro do próprio feudo, em O vale das abelhas (1967)


um mercado junto de uma Igreja, de um castelo ou na Depois de seu pai se casar com uma adoles-
própria aldeia. As trocas ocorriam de bens por bens. O cente, Ondroej é mandado para um internato
uso de moedas não era frequente. religioso. Após alguns anos lá, ele começa a re-
fletir sobre questões existenciais e suas crenças
A Igreja foi a maior proprietária de terras no período feudal.
e resolve fugir e voltar para casa. Explorando
Recebia uma série de doações dos que, depois de sua mor-
a natureza da fé e da dúvida, o diretor tcheco
te, desejavam ser agraciados por Deus, bem como dos fiéis
Frantisek Vlacil constrói uma obra poética
que admiravam o trabalho da Igreja e desejavam ajudá-la
ambientada na Idade Média.
a continuar o assistencialismo junto aos pobres e doentes.
Havia, ainda, o hábito de alguns reis e nobres, vencedores
de batalhas e guerras, doarem à Igreja parte das terras con-
fiscadas dos inimigos. Assim, a Igreja se tornou proprietária
2.3. Política feudal
de quase um terço de todas as terras da Europa ocidental. Durante o período feudal, não havia um poder central que
determinasse as regras sociais, administrativas, políticas
ou econômicas. Existiram o que se poderia denominar um
período e um modo de produção, bem como uma série de
diferenças entre as diversas regiões da Europa. Em cada
feudo, o senhor feudal era o responsável pela organização
e administração independente da propriedade.
Notadamente durante os séculos de IX ao XII, havia um rei,
cujo poder era meramente formal.
No feudo, cada senhor feudal era o soberano supremo e
detinha o monopólio da força como chefe do exército. Esse
multimídia: vídeo monopólio, porém, não ultrapassava seu pequeno exérci-
to mantido dentro de seus domínios feudais. Quando em
Fonte: Youtube estado de guerra, havia uma centralização político-militar
desses exércitos sob as ordens e comando do rei.
Macbeth (2015)O general escocês Macbe-
th (Michael Fassbender) ouve de três bruxas Os laços de suserania e vassalagem estabeleciam os
uma profecia de que um dia ele será coroado vínculos e a hierarquia entre a nobreza feudal. Um senhor
o rei da Escócia. Ambicioso e encorajado por feudal, proprietário de grandes porções de terra, doava
sua esposa, Lady Macbeth (Marion Cotillard), uma parcela dela a outro nobre. O doador passava a ser
ele assassina o rei Duncan (David Thewlis) e o suserano, e o recebedor, o vassalo. Essas relações eram
toma o trono para si, mas sofre com a culpa estabelecidas por contrato de direitos e deveres. Entre ou-
e paranoia. Macbeth se torna um líder tirano, tras obrigações, o vassalo obrigava-se a pôr seu exército
cometendo cada vez mais assassinatos para se à disposição do suserano, a dar-lhe hospedagem quando
necessário, a contribuir para o dote e o armamento de seus
proteger.
filhos. Ao suserano, por seu vez, cabia proteger militarmen-
te o vassalo, garantir a posse do feudo doado, tutelar os

28
herdeiros e a viúva do vassalo depois de sua morte. Para
oficializar a vassalagem, havia uma série de cerimônias
conhecida como homenagem. O vassalo ajoelhava-se
diante do senhor, com a cabeça descoberta e sem espada,
punha as mãos entre as mãos do suserano e pronuncia-
va as palavras sacramentais do juramento. Em seguida,
o senhor permitia que ele se levantasse, beijava-o e rea-
lizava a investidura com a entrega de um objeto simbóli-
co – um punhado de terra, um ramo, uma lança ou uma
chave – que representava a terra enfeudada. Os laços de
suserania e vassalagem vinculavam toda a nobreza feudal.
Nos últimos anos do século XI, no início das Cruzadas, o
feudalismo entrou em gradativa decadência. O Renasci-
mento comercial fez com que as estruturas feudais fossem
progressivamente modificadas: as cidades ressurgiram, a
figura do rei voltou a ganhar progressiva centralização e a
cultura teocêntrica foi gradualmente substituída pela an-
tropocêntrica – o homem como centro do Universo.

2.4. Cultura feudal


A cultura feudal era fundamentalmente teocêntrica, ou
seja, caracterizou-se pela visão do homem voltado para
Deus e para a vida após a morte.
A moral religiosa condenava o comércio, o lucro e a usura
(empréstimo a juros). As artes, as letras, as ciências e a
filosofia eram determinadas pela visão religiosa imposta
pela Igreja, sempre com predominância de temas e inspi-
ração religiosos.
O mundo feudal se estabeleceu de forma rigorosamente
hierárquica, na qual a posição superior sempre coube à
Igreja, que deteve ascendência econômica e moral du-
rante todo o feudalismo. Seus domínios territoriais e sua
cultura suplantavam os da nobreza.

29
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Inovações agrícolas medievais (Economia e Geografia)


É comum apontarem a Idade Média como uma época de trevas e ignorância. Entretanto, diversas inovações no cam-
po agrícola ocorreram nesse período, garantindo melhor proveito do solo e dos animais e propiciando o aumento na
produção de alimentos.
As charruas de ferro, espécie de arado com ponta metálica, substitu-
íram o tradicional arado de madeira, o que permitiu maior oxigenação
do solo e um trabalho mais rápido e produtivo. Os sulcos mais profundos
oriundos das pontas metálicas faziam com que as sementes se fertilizas-
sem mais facilmente.
A rotação de culturas evitava o esgotamento do solo e permitia um Charrua
uso mais racional desse recurso. Ao dividir o solo em três partes, duas eram utilizadas, enquanto uma ficava em des-
canso ou com plantação de tubérculos. Depois da colheita, fazia-se a rotação.

1.º ano 2.° ano 3.º ano

campo 1 cevada pousio trigo

campo 2 trigo cevada pousio

campo 3 pousio trigo cevada

Os moinhos, embora conhecidos desde a Antiguidade, foram


sofisticados e reintroduzidos em maior escala. Essas estruturas
redirecionam forças (do vento, da água ou tração animal) para
a realização de um procedimento mecânico como moer, rolar
ou bater. Os moinhos eram utilizados por camponeses e arte-
sãos para acelerar o processo de beneficiamento agrícola (moer,
descascar, triturar os grãos) e foram responsáveis por grande
aumento da produtividade.

30
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.

Para o historiador, as fontes documentais são a essência de suas pesquisas. Elas podem assumir diversas formas – obras
de arte, relatos escritos de populares, registros militares e estatais, fotografias etc. – e dão sinais de como uma sociedade
vivia e pensava sobre si e a realidade. A habilidade 1, por mais que tenha um caráter genérico, requer a interpretação das
fontes documentais, relacionando-as com seus respectivos contextos econômicos, culturais, políticos e sociais.
O Enem é uma prova diferente das tradicionais, pois é menos conteudista e mais voltada à interpretação. Não que o
aluno deva prescindir de um embasamento histórico sólido. O fundamental é encontrar relações entre os fatos históri-
cos e representações documentais, sejam quais forem.

Modelo
(Enem)

Os calendários são fontes históricas importantes, na medida em que expressam a concepção de tempo das socieda-
des. Essas imagens compõem um calendário medieval (1460-1475) e cada uma delas representa um mês, de janeiro a
dezembro. Com base na análise do calendário, apreende-se uma concepção de tempo:
a) cíclica, marcada pelo mito arcaico do eterno retorno;
b) humanista, identificada pelo controle das horas de atividade por parte do trabalhador;
c) escatológica, associada a uma visão religiosa sobre o trabalho;
d) natural, expressa pelo trabalho realizado de acordo com as estações do ano;
e) romântica, definida por uma visão bucólica da sociedade.
Análise expositiva - Habilidade 1: Nota-se, pelas imagens, que os homens medievais contavam seu tempo
D por meio dos ciclos agrícolas, denotando, assim, uma concepção de tempo natural. Quase toda a vida medi-
eval era guiada pelas estações, visto que a produção agrícola era a atividade econômica de maior relevância
do período.
Alternativa D

31
DIAGRAMA DE IDEIAS

FEUDALISMO

SISTEMA ECONÔMICO, POLÍTICO E SOCIAL TÍPICO DA IDADE MÉDIA

476 d.C. Séc X d.C. 1453 d.C.

QUEDA DO IMPÉRIO APOGEU QUEDA DE CONSTANTINOPLA


ROMANO DO OCIDENTE

ALTA IDADE MÉDIA (SÉC. V A X)


BAIXO IDADE MÉDIA (SÉC. XI A XV)

ORIGENS

• INVASÕES BÁRBARAS
• RURALIZAÇÃO
• COSTUMES ROMANOS
COLONATO
CRISTIANISMO
+
• COSTUMES GERMÂNICOS
COMITATUS
DIREITO CONSUETUDINÁRIO

SOCIEDADE FEUDAL

(PROPRIEDADE DA TERRA INDICA A HIERARQUIA SOCIAL)

CULTURA CLERO POLÍTICA

• TEOCENTRISMO • PODER DESCEN-


• IGREJA CATÓLI- NOBREZA TRALIZADO
CA CONTROLA • PACTO DE SUSERA-
EDUCAÇÃO, MORAL NIA E VASSALAGEM
E CULTURA SERVOS SUSERANO: DOA
• VISÃO VOLTA- TERRAS EM TROCA
DA A DEUS DE FIDELIDADE
• CONDENAÇÃO VASSALO:
DO COMÉRCIO RECEBE TERRAS E
DEFENDE SU-
SERANO

32
DIAGRAMA DE IDEIAS

RELAÇÕES SERVIS ECONOMIA

• OBRIGAÇÕES DO SENHOR • BAIXA PRODUTIVIDADE


PROTEGER OS SERVOS • TÉCNICA ARCAICA
• ECONOMIA DE SUBSISTÊNCIA
• OBRIGAÇÕES DOS SERVOS
• BAIXO COMÉRCIO
TRABALHAR E PAGAR IMPOSTOS • ECONOMIA NÃO MONETARIZADA

TALHA: ENTREGA DE PARTE DA PRODUÇÃO


CORVEIA: TRABALHO NAS TERRAS DO SENHOR
BANALIDADE: IMPOSTO POR
USO DE INSTRUMENTOS
CAPTAÇÃO: PAGAMENTO POR
CADA MEMBRO DA FAMÍLIA
MÃO MORTA: PAGAMENTO POR FI-
LHO DE SERVO MORTO PARA CON-
TINUAR NA TERRA DO SENHOR

33
AULAS Baixa Idade Média
15 e 16
1, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 14,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades:
15, 16, 17, 18, 22 e 29

1. Processo de decadência Com o fim das invasões bárbaras no século X, a Eu-


ropa passou por um período de relativa tranquilidade.
do feudalismo Com a diminuição das guerras e o quase desapareci-
mento das epidemias, criou-se um ambiente favorável
As características do sistema feudal não permaneceram as à estabilidade social, que favoreceu o crescimento po-
mesmas durante toda a Idade Média. Aos poucos, os ele- pulacional. Foi determinante para esse crescimento a
mentos próprios do feudalismo foram sofrendo modificações abundância de recursos naturais e inovações técnicas
e criando um novo sistema e novos modos de vida. Estava
na agricultura. Conjugados, esses fatores favoreceram
sendo gerada uma nova sociedade. Os conflitos entre a Igreja
uma dieta mais saudável, o que contribuiu para a que-
e o poder temporal cresceram. Ocorreram as Cruzadas. As
da da mortalidade infantil.
cidades e o comércio renasceram. O poder político foi sendo
centralizado gradativamente na figura do rei, constituindo-se
© Wikimedia Commons

as monarquias nacionais. No século XIV, fome, pestes, guerras


e rebeliões camponesas abalaram ainda mais as já combali-
das instituições feudais. Ao mesmo tempo em que abalaram
as estruturas do feudalismo, todos esses acontecimentos ace-
leraram as mudanças que estavam sendo gestadas no seu in-
terior. Profundas transformações, como as revoluções
na economia, na política e nos costumes, inaugura-
ram um período que viria a ser chamado de Idade
Moderna (séculos XV, XVI, XVII e XVIII), inaugurada
pelo que se denominou revolução comercial.

2. As Cruzadas (1095-1270)
2.1. Definição e fatores
As Cruzadas foram expedições de cunho religioso-militar que
ocorreram a partir dos últimos anos do século XI com o intui-
to de combater os inimigos da cristandade. A Igreja legitimou
essas expedições conferindo-lhes um caráter de respeitabili-
dade. Oferecia privilégios espirituais e materiais aos cruzados.
As Cruzadas também atuaram como uma forma de aliviar as As novas técnicas agrícolas permitiram o aumento da pro-
pressões provocadas pelo aumento populacional ocorrido a dução, e os excedentes passaram a ser comercializados.
partir do século X. Uma de suas principais consequências foi Por outro lado, bens produzidos fora da Europa passaram a
a reabertura do Mediterrâneo ao comércio europeu. ser adquiridos. Os mercados bizantino e muçulmano tam-
Ao lado do fervor religioso1 – o cruzado seria recompen- bém passaram a demandar matérias-primas e gêneros ali-
sado com o perdão dos pecados por intermédio das Indul- mentícios ocidentais. O incremento desse comércio de am-
gências –, fatores de ordem econômica, social e política bos os lados do Mediterrâneo favoreceu muito as cidades
atuaram como elementos determinantes das Cruzadas. italianas de Veneza e Gênova, que viram suas condições
1. “A todos que partirem e morrerem no caminho, em terra ou mar, ou que econômicas aumentarem, bem como suas possibilidades
perderem a vida combatendo os pagãos, será concedida a remissão dos peca- de desempenharem um papel importante, quando não
dos” (Discurso do papa Urbano II, em Clermont, França, no ano de 1095). fundamental, nas Cruzadas.

34
dos turcos sobre seus territórios. As cidades comerciais
italianas de Veneza, Pisa e Gênova, que consideravam
as Cruzadas um instrumento de reabertura do Mediter-
râneo, ambicionavam conquistar entrepostos comerciais
na Ásia ocidental. Finalmente, os setores marginais da
população europeia buscavam nas Cruzadas um meio de
obterem ganhos que lhes possibilitassem sobreviver ou
mesmo enriquecer.
O movimento das Cruzadas teve como causa imediata o blo-
queio à peregrinação dos cristãos ao Santo Sepulcro (túmulo
multimídia: música de Cristo em Jerusalém), dominado pelos muçulmanos.

Fonte: Youtube
2.2. Cruzadas do Ocidente:
As cruzadas
Paulo Ó
a Guerra de Reconquista
Paralelamente às Cruzadas que investiram contra o Orien-
te, foram realizadas expedições denominadas Cruzadas do
Em virtude da expansão demográfica, a sociedade feudal Ocidente, com o objetivo de expulsar os muçulmanos do ter-
europeia passou a ter mais mobilidade social. Uma parcela ritório europeu. Em 711, os árabes muçulmanos haviam con-
dos camponeses foi expulsa do campo e obriganda a bus- quistado e submetido ao seu poder a península Ibérica, com
car outras formas de ganhar a vida. Paralelamente, a pro- exceção das Astúrias, onde se formaram os pequenos reinos
dução do excedente agrícola permitia que os camponeses cristãos de Leão, Castela, Aragão e Navarra. Reunidos, esses
vissem no comércio uma alternativa mais vantajosa. A vida reinos iniciaram no século XI a Guerra de Reconquista.
urbana passou a ser expressão da liberdade em contrapo-
sição à vida rural ligada à servidão. Essa situação fez au- Mapa da evolução da Reconquista cristã na
mentar a população que buscava viver do comércio e das península Ibérica
atividades artesanais, isto é, sobreviver economicamente (Francos)
fora dos feudos. Em consequência, incontáveis marginais, Leão Navarra
divididos entre contestadores e pobres, dispuseram-se a se Portugal Aragão
antes 914
Castela
engajar nas Cruzadas como modo de vida. 914 - 1080
1080 - 1130
1130 - 1210
O contexto político do período criou um ambiente favo- 1210 - 1250
1250 -1480
rável para que os nobres despossuídos ou empobrecidos 1480 - 1492
Córdoba
engrossassem o contingente de voluntários a atender os Granada
desejos da Igreja de lutar contra os heréticos e pagãos
como modo de manter seu poder, conquistar novas terras Fonte: <httpsFonte:
://pthttps://pt.wikipedia.org/wiki/Reconquista
.wikipedia.org/wiki/Reconquista>.
e riquezas e controlar uma população cada vez mais difí- As terras reconquistadas dos muçulmanos foram doadas
cil de ser dominada. ao clero ou incorporadas pela nobreza. Esses territórios fo-
A todos esses fatores somavam-se os motivos religiosos que ram explorados segundo as regras do sistema feudal de
impregnavam a vida medieval. Havia um sentimento sincero produção. Da Guerra de Reconquista, resultou a formação
de resgate da Terra Santa. De fato, uma parcela significati- das monarquias nacionais de Portugal e Espanha.
va de cruzados que participava das lutas sem nada ganhar. Na Itália, os muçulmanos haviam conquistado a Sicília, a Cór-
As Cruzadas envolveram a sociedade europeia de tal modo, sega e a Sardenha, além de terem bloqueado a navegação
que, em geral, todos seriam beneficiados direta ou indireta- de embarcações europeias no mar Mediterrâneo. A Guerra
mente por essa empresa militar-religiosa que buscava rom- de Reconquista na Itália teve início no século X. Entretanto, o
per o cerco muçulmano em expansão pelo Oriente. contato entre cristãos e muçulmanos, inicialmente bélico, as-
Para a Igreja romana, a conquista dos locais santos da Ásia sumiu gradualmente um caráter mercantil e resultou na rea-
bertura do Mediterrâneo para os europeus. Os comerciantes,
ocidental pelas Cruzadas configurava-se instrumento de
fossem eles cristãos ou muçulmanos, sempre encontravam
expansão do cristianismo, da supremacia do papado sobre
uma forma de acordo. Em vez de desperdiçar o capital na
o Império e da expansão de sua influência religiosa.
guerra, preferiam ampliá-lo pelo comércio. As trocas foram
Por sua vez, o Império Bizantino, pressionado por inimigos ampliadas e diversificadas, facilitando o ressurgimento das
externos, via nas Cruzadas uma forma de conter o avanço relações entre Ocidente e Oriente.

35
2.3. Cruzadas do Oriente

Dominíos muçulmanos, 1095


Metz Primeira Cruzada, 1096-1099
Ratisbona
Segunda Cruzada, 1147-1149
Vézelay
Terceira Cruzada, 1189-1192
Quarta Cruzada, 1202-1204
Clermont Veneza

Marselha

Roma
Constantinopla

Edessa

Antioquia

Tripoli
Acre

Jerusalém

Fonte: pt.slideshare.net/LUCA01NAVARRO/as-cruzadas-set-final
Fonte: <pt.slideshare.net/LUCAO1NAVARRO/as-cruzadas-set-final>.

§ Primeira Cruzada (1095-1099): As peregrinações um número muito maior de defensores. No entanto, depois
de cristãos ao Santo Sepulcro não eram raras. Os ca- de sangrentas batalhas, os cristãos tomaram a cidade.
lifas árabes não se opunham às visitas, que acabavam
As terras conquistadas dos muçulmanos foram organizadas
sendo lucrativas paras os muçulmanos. Contudo, na
em Estados cristãos: o reino de Jerusalém, o principado de
segunda metade do século XI, os turcos dominaram
Antioquia e os condados de Edessa e Trípoli. Nesses Estados,
grande parte da Ásia ocidental, expulsaram os cristãos
doados a nobres europeus, foi implantada uma estrutura es-
e proibiram suas peregrinações no local.
sencialmente feudal, comparável à da Europa medieval.
O papa Urbano II incentivou a Primeira Cruzada Sob o pre-
Foram fundadas novas ordens religiosas, integradas por
texto de libertar a Terra Santa e impedir o avanço muçul-
soldados religiosos, entre os quais os mais importantes
mano na Europa oriental. Ele fez um apelo no Concílio de
eram os hospitalários, os cavaleiros da Ordem Teutônica e
Clermont (1095). Organizada pelo monge Pedro, o Eremi-
os templários, que se alojaram no local do antigo templo
ta, e dirigida por um nobre sem terras, Gautier Sans-Avoir
de Jerusalém. Em 1140, os muçulmanos passaram à con-
(Sem Vintém), a Primeira Cruzada desdobrou-se na Cruza-
traofensiva e reconquistaram o condado de Edessa. Pres-
da dos Mendigos e na Cruzada dos Senhores.
sionados, os Estados cristãos recorreram aos europeus.
Na Cruzada dos Mendigos, depois de vários saques, pi-
§ Segunda Cruzada (1147-1149): Em 1147, Luis VII,
lhagens, fome e pestes, os cruzados conseguiram chegar
rei da França, Conrado III, imperador do Sacro Império,
a Constantinopla, para horror do imperador bizantino.
e um grupo formado por europeus do norte – ingleses,
Diante daquela multidão de pobres e famintos e temendo
flamengos e frísios – organizaram a Segunda Cruzada.
pela segurança da capital, o imperador os enviou para a
Esse terceiro grupo atravessou a península Ibérica aju-
Ásia, onde foram massacrados pelos muçulmanos.
dando os cristãos a expulsarem os muçulmanos de Lis-
Enquanto isso, os cavaleiros preparavam-se lentamente boa. Entretanto, os integrantes dessa segunda cruzada
sob a supervisão do papado. Com efeito, tratava-se de vá- foram derrotados pelos turcos na Ásia Menor em 1148.
rios exércitos feudais autônomos. Em 1096, a Cruzada dos Algumas décadas mais tarde, em 1187, Saladino, um
Senhores partiu para Constantinopla, onde receberam o sultão muçulmano, reconquistou Jerusalém, causando
apoio do imperador em troca da promessa de receber dos grande comoção na Europa.
cruzados os territórios que tomassem dos turcos na Ásia
§ Terceira Cruzada (1189-1192): Com a notícia da
Menor e no norte da Síria.
perda da Terra Santa, o papa passou a preparar a Ter-
Em 1099, avistaram Jerusalém. A cidade estava tomada por ceira Cruzada. A Igreja espalhou a informação de que

36
as indulgências seriam estendidas àqueles que, impos-
sibilitados de participarem pessoalmente, contribuíssem
com bens materiais para financiar a participação de ter-
ceiros. Os três mais importantes soberanos da Europa
atenderam ao chamado do papa. Em 1190, Frederico
Barba Ruiva, do Sacro Império, Felipe Augusto, da Fran-
ça, e Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, lideraram a
Cruzada dos Reis. Barba Ruiva avançou por terra, venceu
os turcos na Ásia Menor, mas morreu acidentalmente ao
banhar-se em um rio. Ricardo e Felipe Augusto seguiram
por mar. Obtiveram algumas vitorias na Síria, mas Felipe As Cruzadas eram representadas em diversas obras de arte.
decidiu retornar à França. Ricardo Coração de Leão, ape-
Depois da destruição de Zara, os cruzados marcharam so-
sar de sua coragem e bravura demonstrada nos comba-
bre Constantinopla, cidade cristã ortodoxa – não obedien-
tes, não conseguiu retomar Jerusalém. No entanto, obte-
te ao papa –, capital do Império Bizantino ponte e para as
ve do sultão Saladino a autorização para que os cristãos
rotas comerciais do Oriente. A Quarta Cruzada assinalou o
pudessem peregrinar até Jerusalém.
declínio mercantil de Constantinopla, região que passou a
§ Quarta Cruzada (1202-1204): Com o ardor religioso ser conhecida por Império Latino, e a ascensão das cidades
já bastante arrefecido, os comerciantes de Genova e Pisa, italianas, que passaram a monopolizar o comércio de espe-
enriquecidos pelo comércio com o Oriente, pretendiam ciarias no Mediterrâneo.
conquistar os portos de suas cidades rivais. Em 1200, § Quinta Cruzada (1217-1221): Tornou-se conhecida
durante o pontificado de Inocêncio III, foi organizada a como a Cruzada das Crianças. Para justificar as derrotas
Quarta Cruzada, financiada por esses mercadores e vi- anteriores, foi difundida a lenda de que o Santo Sepulcro
ciada em suas origens pelos interesses mercantis. Des- só poderia ser conquistado por crianças, uma vez que
virtuada de seus objetivos, tornou-se a primeira cruzada suas almas eram puras e livres de pecados. Em 1212,
contra cristãos. Como condição para seu financiamento, foram reunidas 20 mil crianças alemãs e 30 mil france-
Veneza exigiu a destruição de Zara, cidade cristã e sua sas em uma cruzada que seria enviada para Jerusalém.
rival mercantil no comércio no Mar Adriático. As que não foram exterminadas foram aprisionadas ou
vendidas como escravas nos mercados do Oriente.
§ Sexta Cruzada (1228-1229): Organizada por André
II, rei da Hungria, e comandada por Frederico II, do Sa-
cro Império, a Sexta Cruzada resultou em um acordo
com o sultão, que determinava a posse de Jerusalém
pelos cristãos durante dez anos. Mais tarde, os muçul-
manos dominaram a região e o acordo foi rompido. Je-
rusalém voltou a ser controlada pelos turcos até 1917.
§ Sétima (1248-1250) e Oitava Cruzadas (1270):
A Sétima e a Oitava Cruzadas foram organizadas entre
multimídia: vídeo 1248 e 1270, sob o comando de Luís IX, rei da França.
Fonte: Youtube Ambas foram um fracasso. Luis IX morreu vítima da pes-
Monty Python em busca do cálice sagra- te, em Tunis, e foi canonizado pela Igreja.
do (1975)
O rei Artur (Graham Chapman) está à procura 2.4. Consequências das Cruzadas
de cavaleiros que possam acompanhá-lo em
O caráter superficial da conquista, a falta de enraizamento
uma importante jornada: a busca do Santo dos conquistadores no seio da população local, as disputas
Graal. Sir Lancelot, o Bravo (John Cleese); Sir entre cruzados, asrivalidades nacionais e a incapacidade
Robin, o Não-tão-bravo-quanto-Sir Lancelot da Igreja em superá-las foram fatores que ocasionaram o
(Eric Idle); Sir Galahad, o Puro (Terry Jones); e fracasso das Cruzadas.
outros cavaleiros se dispõem a participar da
busca real. O longa satiriza diversos eventos A Europa ocidental continuou superpovoada e sem con-
histórios ocorridos na Idade Média. dições de absorver essa mão de obra; os salários que não
baixaram ficaram estagnados, enquanto subiram os preços

37
dos cereais. Do ponto de vista econômico, a maior conquis- ocidental restabeleceu as relações entre Ocidente e Oriente
ta das Cruzadas foi a reabertura do Mediterrâneo à e dinamizou as atividades comerciais.
navegação e ao comércio da Europa, fator que permitiu
Outros fatores, como a expansão da produção agrícola com
o reatamento das relações entre Ocidente e Oriente, in-
o desenvolvimento de novas técnicas – como a charrua, que
terrompidas pela expansão muçulmana, e contribuiu para
é uma espécie de arado puxado manualmente ou por animal
acelerar o renascimento comercial no ocidente da Europa.
– e a ampliação da área destinada à plantação – derruba-
O malogro das Cruzadas acelerou indiretamente a deca- da de florestas e drenagem de pântanos, além do fim dos
dência do sistema feudal. A conjugação de fatores polí- ataques dos invasores bárbaros (vikings), permitiram que a
ticos, econômicos e sociais agravou significativamente essa Europa vivesse um período de relativa paz, experimentando
situação. De um lado, houve enfraquecimento da aristocracia mais segurança e assistindo ao crescimento da população.
feudal e da servidão como forma de trabalho; de outro lado,
O comércio se desenvolveu principalmente por rotas flu-
ocorreu o fortalecimento da burguesia comercial, bem como
viais e marítimas, devido às péssimas condições das estra-
o reaparecimento do comércio, que se intensificou com a re-
das. Os mares Mediterrâneo, ao sul, e do Norte e Báltico,
abertura do Mediterrâneo, propiciando o renascimento das
ao norte, foram os eixos econômicos da Europa entre os
cidades e o crescimento da burguesia mercantil. Em síntese,
séculos XI e XIV.
o renascimento comercial e urbano da Europa ocidental, a
decadência do feudalismo, o declínio do poder da nobreza e O Mediterrâneo voltou a ser a via principal das atividades
o fortalecimento da burguesia foram, direta ou indiretamen- mercantis. As cidades italianas de Veneza, Gênova e Pisa
te, consequências das Cruzadas. redistribuíam pela Europa os produtos vindos do Oriente.
A grande rival de Veneza foi Genova, revendendo produ-
A partir do século XI, duas rotas comerciais se estabelecem tos orientais, particularmente tecidos. Após o século XII,
como as principais da Europa: ao norte, pelos mares Báltico exportava para o Oriente tecidos de lã confeccionados
e do Norte; e ao sul, pelo mar Mediterrâneo. As feiras de em Flandres e Florença.
Champagne eram o grande ponto de encontro dos comer-
ciantes, assim como as feiras periódicas na Inglaterra, Fran- Ao norte da Europa florescia outro eixo comercial impor-
ça, Bélgica, Alemanha e Itália foram um grande passo no tante. Os produtos vindos do mar Báltico e do Norte –
desenvolvimento de um comércio estável e permanente. Os madeira, peliças, couros, peixe – encontravam na região
mercados semanais dos primeiros tempos de feudalismo de Flandres (parte das atuais Holanda e Bélgica) um dinâ-
eram pequenos e negociavam produtos locais. As grandes mico polo comercial nas suas principais cidades, Bruges e
Antuérpia. Mais tarde, essas cidades se tornariam gran-
feiras do século XII ao XV comercializavam mercadorias por
des produtoras de tecidos, especialmente de lã.
atacado, originárias de variadas e longínquas regiões, ocu-
pando papel central na revitalização dos mercados. A intensificação do comércio na Europa setentrional e na
Europa meridional resultou no estabelecimento de ligações
A Igreja talvez tenha sido a maior perdedora com as Cru-
entre as duas regiões. A região de Champagne, no les-
zadas. Seus objetivos não foram alcançados, pelo contrário:
te da França, passou a ser um ponto de confluência entre
a tolerância entre cristãos e muçulmanos se intensificou. A
Flandres, ao norte, e a Itália, ao sul. Mercadores de todo o
partir do século XIII, as ordens mendicantes – franciscanos
continente se dirigiam para Champagne, o que dinamizava
e dominicanos – substituíram os ideais cruzadistas pelos
um comércio intenso e diversificado. As feiras da Europa
dos missionários.
realizadas em Champagne ganharam fama. Como a maior
parte das cidades não possuía condições de ter um comércio
3. Renascimento comercial permanente, as feiras periódicas desempenhavam um papel
fundamental graças ao volume de negócios que realizavam,
O ressugimento da atividade mercantil na Europa ocidental ao mesmo tempo em que preparavam as condições para a
a partir do século XI ficou conhecido como renascimento consolidação de mercados estáveis e permanentes.
comercial. Esse processo não foi linear, sofreu avanços e
recuos, mas sua tendência foi a expansão mercantil até a Os últimos dias das feiras eram dedicados às transações
financeiras. Desde o início da Idade Média até o século
crise geral da sociedade feudal nos séculos XIV e XV.
XII, a moeda foi se tornando cada vez mais rara. Com o
Ao possibilitarem as condições para o desenvolvimento in- Renascimento Comercial, ela passou a reaparecer com
cipiente da atividade mercantil, as Cruzadas, conjugadas às o esterlino, peça de prata inglesa. Em ouro eram cunha-
condições intrínsecas ao modo de produção feudal, impul- dos o escudo, da França, o ducado, de Veneza, e o florim,
sionaram o que se transformou no renascimento comercial. de Florença. No centro da feira, os banqueiros, na época
A abertura do mar Mediterrâneo aos mercados da Europa chamados de cambistas, pesavam, avaliavam e trocavam

38
os mais variados tipos de moedas. Faziam-se empréstimos, Ocidental. Essa verdadeira revolução econômica enfraque-
liquidavam-se velhas dívidas, movimentavam-se letras de cia a nobreza, ligada à terra, e fortalecia a burguesia, ligada
câmbio. A terra deixava de ser a única riqueza na Europa ao comércio e às finanças.
Principais rotas comerciais da Europa, durante o renascimento comercial

Fonte: slideshare.com.br/slide/1865844
Fonte: <slideshare.com.br/slide/1865844>.

3.1. As associações de todas foi a Hansa Teutônica ou Liga Hanseática, que reuniu
cerca de noventa cidades do norte da Europa. Elas exer-
artesãos e comerciantes ciam monopólio sobre o comércio por atacado nas cidades
O progresso das cidades, a ampliação do mercado consumi- incorporadas por elas.
dor e o reaparecimento do dinheiro propiciavam um novo
mercado para os artesãos mais hábeis, possibilitando-lhes
abandonar a agricultura e viver da atividade artesanal. Os
artesãos organizaram-se em associações para defender seus
interesses. Todos que trabalhavam em uma mesma ativida-
de, numa determinada cidade, juntavam-se e formavam uma
associação denominada corporação de ofício.
A indústria artesanal era composta por três níveis hierár-
quicos: o aprendiz, o jornaleiro e o mestre. O aprendiz era
iniciado pelo mestre nos segredos do ofício. Depois de um
longo período de aprendizagem, viria a ser um mestre. O
jornaleiro recebia por jornadas trabalhadas, mas raramente
multimídia: vídeo
passava a mestre. Por fim, o mestre de artes e ofícios era o Fonte: Youtube
proprietário da oficina artesanal. O exército de Brancaleone (1966)
No ano 1000 d.C., um bravo cavaleiro parte
As corporações tinham o objetivo de regulamentar a
da França para tomar posse de suas terras. No
profissão evitando excesso de pessoas no mesmo ofício,
caminho, ele é assaltado e assassinado por um
controlar a qualidade e o preço do produto dificultando a
bando de foras da lei que, de posse da escritu-
concorrência, dirigir o aprendizado da profissão e amparar
ra, decidem pegar para si o terreno. Para isso,
os artesãos necessitados.
eles precisam de alguém que finja ser o cavalei-
Os mercadores também associaram-se para defender seus ro e acabam encontrando a pessoa perfeita no
interesses. No século XII, as hansas ou guildas aglutina- atrapalhado Brancaleone.
vam mercadores de diversas cidades. A mais poderosa de

39
4. Renascimento urbano e de moedas, leis, pesos e medidas, que variavam de feudo
para feudo. Sem esquecer as próprias relações servis de
formação da burguesia produção, que constituíam um obstáculo ao desenvolvi-
mento pleno da economia de mercado.
O processo de reurbanização da Europa, caracterizado
Para criar condições básicas para a expansão da nova eco-
pelo ressurgimento das cidades, está estreitamente liga-
nomia mercantil e monetária, era preciso abolir as relações
do ao renascimento comercial, que, embora não tenha
de vassalagem e o direito consuetudinário, bem como
sido o único fator do renascimento urbano, foi, sem dú-
unificar o mercado, diminuir os impostos, padronizar a le-
vida, o fator principal. Prova disso é o fato de as cidades gislação, a moeda, os pesos e as medidas. Para isso, seria
ressurgirem com mais intensidade onde primeiro renas- necessário subordinar a nobreza e fortalecer o poder cen-
ceu o comércio: Itália e Flandres. tralizador do rei, que poderia impor essas reformas.

© Wikimedia Commons
A formação do Estado moderno, como expressão do mo-
nopólio do poder e da força, seria, no plano político, a res-
posta para os novos problemas que impediam a expansão
do comércio e das cidades.

5. Formação das
monarquias nacionais
Durante o feudalismo, predominava na Europa a autorida-
de da Igreja e da nobreza, que impunha uma autoridade
de cunho particularista, controlando apenas seus feudos.
A Igreja irradiava sua autoridade de forma universal, espa-
Veüe de la Ville de Feurs. Gravura de Louis Boudan. Loire, 1460. Fora
das muralhas da cidade, estendiam-se o campo e os pomares. No entanto,
lhando-a por toda a Europa. O renascimento comercial
o crescimento constante das cidades levou à ampliação do raio urbano, e urbano originou a necessidade de centralizar o poder
de modo que se construíram novas muralhas para acolher a população.
para unificar os tributos, as moedas, os pesos, as medidas,
À medida que o comércio se ampliava, surgiam cidades na as leis e a própria língua. Esses obstáculos ao desenvol-
confluência de estradas, na desembocadura de rios ou em vimento do comércio só poderiam ser removidos por um
regiões de declive elevado. Esses eram os pontos geográficos poder que submetesse a nobreza e exercesse autoridade
preferidos pelos mercadores. Ali havia sempre uma igreja ou em regiões bem maiores que a de um simples feudo. A so-
uma fortificação, denominada burgo, que, ao mesmo tempo lução viria com a criação do Estado Moderno sob a forma
que protegia, facilitava a defesa dos comerciantes. Nas ci- de monarquias nacionais. A formação dessas monarquias
dades medievais, conhecidas genericamente como burgos, ocorreu por meio de uma luta de interesses que aliou o rei
foi-se formando uma nova classe social ligada ao comércio, e a burguesia contra a nobreza e a Igreja.
que passou a ser conhecida como burguesia.
As cidades situadas dentro dos feudos estavam subme-
5.1. A aliança entre a burguesia e os reis
tidas à tutela e à autoridade dos senhores feudais. Não A burguesia, classe recém-formada, ainda não possuía es-
tinham autonomia e deviam à nobreza impostos e obedi- trutura política para assumir a tarefa de centralizar o poder.
ência. Com o crescimento do comércio, o enriquecimento Tinha apenas consciência de que os particularismos feudais
dos comerciantes e as cidades fortalecidas, a burguesia eram contrários aos seus interesses econômicos.
procurou obter sua autonomia administrativa e judiciária, Os reis, por sua vez, também estavam interessados em for-
liberdade essa que era fundamental para a continuidade e talecer o próprio poder, o que era impossível no interior do
expansão de seus negócios. complexo sistema de vassalagem do feudalismo. Os reis
Inseridos em uma sociedade ainda feudal, o comércio e as dependiam do exército de seus vassalos, mas não podiam
feiras ocorriam no interior dos feudos, o que beneficiava a contar com essa ajuda contra os privilégios da nobreza feu-
dal. As suas únicas rendas, provenientes dos domínios reais,
arrecadação de tributos para a aristocracia feudal. De um
eram insuficientes para formar exércitos mercenários perma-
lado, essa aristocracia favorecia o comércio, franqueando
nentes, capazes de lutar contra os exércitos de seus vassalos.
os feudos para a realização das transações; de outro, trava-
va sua expansão com excessivos pedágios e tributos. Outro Na luta pela independência das cidades, houve uma apro-
obstáculo ao desenvolvimento mercantil era a diversidade ximação entre os reis e a burguesia, na qual os burgueses

40
forneciam aos reis os capitais necessários para a formação dona de vastos territórios ao norte da França, contando
de exércitos mercenários permanentes para lutar contra os com o apoio das cidades e da burguesia. Os principais reis
senhores feudais e centralizar o poder. capetíngios foram Filipe Augusto, Luis IX e Filipe IV, o Belo.
Filipe Augusto organizou o sistema de impostos e um exér-
5. 2. A monarquia nacional francesa cito permanente que conquistou territórios dos reis ingle-
ses na França. No governo de Luís IX, o poder real se forta-

Disponível em: <http://www.guerreirosdejorge.com>


leceu ainda mais. Para facilitar o comércio, foi criada uma
moeda padronizada, organizaram-se tribunais reais para
uniformizar a justiça e ampliaram-se os domínios da coroa.
Com Filipe IV, o Belo, o Estado francês entrou em conflito
com o papado, uma vez que o rei pretendia cobrar tribu-
tos do clero francês. Com a morte do papa Bonifácio VIII,
Filipe IV influenciou a eleição do novo papa, o francês
Clemente V. Em 1309, sob a tutela do poder real, o papa-
do instalou-se na cidade francesa de Avignon até 1377,
período conhecido como o Cativeiro de Avignon. Os
filhos de Filipe IV não tiveram herdeiros masculinos, o que
pôs fim à dinastia Capetíngia, sucedida pela dinastia Va-
lois, com Filipe VI.

5.3. A monarquia nacional inglesa


A formação da Inglaterra moderna teve início em 1066,
com a conquista da Ilha pelos normandos, liderados por
Guilherme, o Conquistador, na batalha de Hastings. A or-
Ricardo Coração de Leão ganização eficiente do reino permitiu a Guilherme exercer
Foi na França Ocidental, uma das três divisões do Império um poder razoavelmente centralizado.
Carolíngio, segundo o Tratado de Verdun, que surgiu a mo- Em 1154, Henrique II deu continuidade a essa política, fun-
narquia nacional. A dinastia Carolíngia terminou no século dando a dinastia Plantageneta. A Grande Assembleia reu-
X, dando início a dinastia Capetíngia, sob a qual se fortale- nia-se três vezes por ano; foram instituídos juízes itinerantes;
ceria o poder do rei.
Na luta pela centralização política e expansão territorial,
os reis capetíngios enfrentaram a nobreza e a Inglaterra,

multimídia: livros
A Demanda do Santo Graal – Anônimo
(séc. XIII)
A Demanda do Santo Graal (em francês La
multimídia: música Queste del Saint Graal) é o nome de algu-
Fonte: Youtube mas obras literárias medievais sobre as len-
The Myths and Legends of King Arthur and the das do rei Artur e os cavaleiros da Távola
Knights of the Round Table Redonda, escritos originalmente em francês
Rick Wakeman antigo no século XIII.

41
criou-se a prática do júri; inaugurou-se o alistamento militar Oriente por um navio veneziano e dali tenha se propaga-
obrigatório para todos os homens livres; e procurou-se man- do por toda a Europa.
ter a Igreja sob sua autoridade.
A subnutrição causada pelas crises de fome e as precárias
Com seus filhos Ricardo Coração de Leão e João Sem-Terra, condições de higiene das cidades medievais contribuíram
a autoridade real se enfraqueceu. Em 1215, derrotado nos decisivamente para a disseminação da doença. O auge da
conflitos com a França e com o papado, João Sem-Terra foi epidemia ocorreu entre os anos de 1347 e 1350. Estima-se
obrigado pela nobreza inglesa a assinar um documento, a que mais de 30% da população europeia foram vítimas da
Magna Carta. Nela, a autoridade real fora limitada pelo peste. Para se ter uma ideia do que isso significou, a Europa
Grande Conselho, órgão composto por bispos, condes e precisou esperar quase 300 anos para voltar a ter a mesma
barões. O rei não poderia, por exemplo, aumentar os im- população de antes da crise.
postos sem a prévia autorização dos nobres.
No século XIII, em oposição ao rei, os barões ingleses ofi-
cializaram o Parlamento, oficialmente dividido, no século
XIV, em Câmara dos Lordes (nobres e clero) e Câmara dos
Comuns (cavaleiros e burgueses). Ao longo dos séculos, o
Parlamento usaria seu poder de controlar a receita para
aumentar sua influência. Desenvolveu-se, então, a tradição
de que o poder de governar não estava apenas com o rei,
mas com o rei e o Parlamento juntos.

6. Crise do século XIV e


Fonte: www.publico.pt/ciencia/noticia/identificada-bacteria-
Ilustração da peste bubônica, em edição da
que-causou-a-peste-negra-na-idade-media-1460136
Bíblia de Toggenburg, de 1411

decadência do feudalismo Fonte: <www.publico.pt/ciencia/noticia/identificada-bacteria-


que-causou-a-peste-negra-na-idade-media-1460136>.

A partir do início do século XIV, uma profunda crise se dis-


seminou pela Europa. Fome, pestes, guerras e rebeliões 6.3. Guerra dos Cem Anos (1337-1453)
camponesas atingiram a essência do sistema feudal já
bastante desgastado. Ao fim do século XV, as monarquias Por mais que não tenham sido cem anos de guerra con-
nacionais estavam consolidadas, a nobreza enfraquecida tínua, a guerra entre a Inglaterra e a França foi uma das
e as obrigações feudais contestadas pelas frequentes re- transformações políticas mais significativas que ocorreram
voltas camponesas. no interior dos dois reinos. Foi uma guerra que ocorreu de
maneira intermitente, durante um século, em que as duas
monarquias mantiveram-se em estado beligerante.
6.1. Grande Fome (1315-1317)
A região de Flandres, no norte da França, rica em manufa-
Antes do ano 1000, a subalimentação na Europa era turas e pródiga em impostos, era desejada pela França que
crônica. Do século XI ao XIII, a farta produção agrícola pretendia anexá-la aos seus domínios. Os grandes merca-
reduziu consideravelmente a fome. Nesse período, a po- dores e artesãos de Flandres não queriam submeter-se ao
pulação aumentou. A exploração predatória das novas domínio francês e mantinham fortes ligações com a Ingla-
terras contribuiu para o desgaste da fertilidade do solo, terra, um dos principais fornecedores de lã para os teares
e o desmatamento intenso provocou alterações ecológi- desses mercadores e artesãos.
cas e climáticas. Períodos excessivamente chuvosos alter-
Outro fator importante dessa guerra foi a disputa por ter-
navam-se com outros extremamente secos, o que, já no
ritórios na França. Os reis da Inglaterra eram senhores de
início do século XIV, fez diminuir a produção agrícola e
grandes feudos na França, o que os tornava vassalos do
encarecer os produtos. Três anos de péssimas colheitas
rei francês. No século XIV, o rei francês não deveria ter
(1315-1317) produziram uma terrível fome coletiva que em seu território um vassalo tão poderoso, bem como o
provocou a morte de milhões de pessoas. monarca inglês não podia suportar a humilhação de ser
vassalo de outro rei.
6.2. Peste Negra (1347-1350) Ao mesmo tempo, havia uma acirrada luta pela sucessão
A Peste Negra, como ficou conhecida na época, foi uma do trono francês. Em 1328, morrera o último descendente
manifestação epidêmica de peste bubônica transmitida de Felipe IV, o Belo, sem deixar sucessor. Os grandes nobres
pela pulga do rato. Acredita-se que tenha sido trazida do franceses tinham dois candidatos para o cargo: um nobre

42
da família Valois, de nome Filipe, e Eduardo III, rei da Ingla-
terra, neto de Filipe IV, por parte de mãe. Os nobres france-
ses escolheram o membro da família Valois, que recebeu o
nome de Filipe VI, escapando, portanto, do domínio inglês.2
O rei inglês não acatou a decisão e partiu para a guerra
com a França, em 1337. O palco do conflito foi o territó-
rio francês. Numa primeira fase, as vitórias foram inglesas.
Arqueiros e soldados da infantaria impuseram uma dura
derrota à pesada e lenta cavalaria francesa na Batalha de
Crécy, em 1346.
multimídia: livros
A segunda fase foi marcada pela reação francesa graças ao As brumas de Avalon – Marion Zimmer
nacionalismo despertado por uma camponesa que conse- Bradley (1979)
guiu organizar um exército e derrotar em várias ocasiões os
Uma obra de 1979, da escritora estadun-
ingleses: Joana D’Arc. Ao cair prisioneira dos ingleses e bor-
idense Marion Zimmer Bradley, feita em
guinhões, foi acusada de feitiçaria e executada na fogueira.
quatro volumes. É ambientada durante a
Morta, Joana D’Arc transformou-se em heroína, símbolo do
vida do lendário rei Artur e seus cavaleiros e
patriotismo popular francês. Imbuídos de novo espírito, os
tem por escopo narrar a já conhecida lenda
franceses continuaram a conquistar vitórias. Em 1453, os in-
arturiana a partir de uma outra perspectiva.
gleses foram definitivamente expulsos da França.

2. Uma assembleia de nobres franceses escolheu Filipe de Valois para o trono


com base na Lei Sálica, segundo a qual, desde o início da Idade Média, mul-
heres não podiam ocupar ou transmitir o trono francês.

43
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

A Peste Negra (Biologia)


Entre os anos de 1346 e 1352, nos porões dos navios de comércio que vinham do Oriente, chegavam milhares de ra-
tos. Esses roedores encontraram nas precárias condições de higiene das cidades europeias um ambiente favorável. O
esgoto corria a céu aberto e o lixo acumulava-se nas ruas. Assim, a população de ratos aumentou significativamente.
Esses ratos estavam contaminados com a bactéria Pasteurella pestis. As pulgas desses roedores transmitiam a bac-
téria aos homens através da picada. Os ratos também morriam da doença e, quando isso acontecia, as pulgas pas-
savam rapidamente para os humanos para obterem seu alimento, o sangue.
Depois de adquirir a doença, a pessoa apresentava vários sintomas. Primeiro, apareciam nas axilas, nas virilhas e no
pescoço diversas bolhas de pus e sangue. Em seguida, vinham os vômitos e a febre alta. Era questão de dias para
os doentes morrerem, pois não havia cura para a doença e a medicina era pouco desenvolvida. Vale lembrar que,
para piorar a situação, a Igreja católica opunha-se ao desenvolvimento científico e farmacológico. Os poucos que
tentavam desenvolver remédios eram perseguidos e condenados à morte, acusados de bruxaria. A doença só foi
identificada e estudada séculos depois da grande epidemia.

Quadro de Pierre Bruegel (1562) intitulado “O triunfo da morte”, inspirado na Peste Negra do século XIV. Museu do Prado

Acreditava-se que apenas os pecadores ou devedores da Igreja seriam infectados pela doença. A peste dizimou
um terço da população europeia. Com o surgimento dos problemas econômicos em decorrência das epidemias,
foram discutidas diversas questões sobre a higiene e o ambiente trabalho, tornando as condições de trabalho mais
favoráveis. As epidemias se perpetuaram até1889, e o único tratamento disponível era a utilização do vinagre como
repelente de insetos, devido ao seu odor forte. Somente com a descoberta dos antibióticos que a peste negra se
tornou um problema menor de saúde.

44
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações socioespaciais.

Nas ciências humanas, existe o reconhecimento de que a economia, ou seja, a relação entre os homens e a natureza
mediada por tecnologia, é fundamental para se explicar as transformações socioespaciais. Isso quer dizer que a maneira
como o homem se organiza economicamente determina, em última instância, todos os outros aspectos da sociedade.
A habilidade 18 exige a compreensão de como novos ou antigos processos de produção e circulação de bens econômicos
determinam sociologicamente e geograficamente as civilizações humanas. Quando uma nova forma de produzir algo é
descoberta, há habitualmente um impulso produtivo que redimensiona as relações sociais. Vale ressaltar, por exemplo,
o caso da máquina à vapor durante a Revolução Industrial – sua implementação transformou profundamente a vida
urbana, as relações de trabalho e as trocas comerciais entre as nações. Trata-se, assim, de um caso que a habilidade 18
pode abordar.

Modelo
(Enem) Mas era sobretudo a lã que os compradores, vindos da Flandres ou da Itália, procuravam por toda a parte.
Para satisfazê-los, as raças foram melhoradas através do aumento progressivo das suas dimensões. Esse crescimento
prosseguiu durante todo o século XIII, as abadias da Ordem de Cister, onde eram utilizados os métodos mais racionais
de criação de gado, desempenharam certamente um papel determinante nesse aperfeiçoamento.
DUBY. G. Economia rural e vida no campo no Ocidente medieval. Lisboa: Estampa, 1987 (adaptado).

O texto aponta para a relação entre aperfeiçoamento da atividade pastoril e avanço técnico na Europa ocidental
feudal, que resultou do(a)
a) crescimento do trabalho escravo;
b) desenvolvimento da vida urbana;
c) padronização dos impostos locais;
d) uniformização do processo produtivo;
e) desconcentração da estrutura fundiária.

Análise expositiva - Habilidade 18: A alternativa B é a correta, pois o crescimento das cidades na Europa
B feudal, em paralelo ao crescimento demográfico, aumentou o consumo dos produtos, impelindo o aperfeiçoa-
mento das raças bovinas com métodos mais racionais de criação. Isso está inserido no contexto do final da
chamada Baixa Idade Média, momento de surgimento da cultura renascentista, quando algumas modificações
importantes marcaram a vida europeia. Dentre tais modificações, o ressurgimento das cidades e do comércio
merece destaque. Esses ressurgimentos contribuíram para um novo desenvolvimento da vida urbana.
Alternativa B

45
DIAGRAMA DE IDEIAS

BAIXA IDADE MÉDIA

CRISE E DECADÊNCIA DO FEUDALISMO CAUSADAS POR:

CRUZADAS (1095-1270)

CONTEXTO CARACTERÍSTICAS ESTOPIM

• FIM DAS INVASÕES • FERVOR RELIGIOSO • TURCOS PROÍBEM


BÁRBARAS CRISTÃO CRISTÃOS DE PEREGRI-
• CRESCIMENTO PO- • MOVIMENTO MILITAR NAR A JERUSALÉM
PULACIONAL • CONTENÇÃO DE CON-
FLITOS DEMOGRÁFICOS
• CONQUISTA DE ANTIGOS
TERRITÓRIOS ROMANOS
• GUERRA CONTRA
ISLÂMICOS

CONSEQUÊNCIAS
• REABERTURA DO COMÉR- GUERRA DE RECON-
CIO DO MEDITERRÂNEO QUISTA (722-1492)
• ENFRAQUECIMENTO EXPULSÃO DOS MUÇULMA-
DA IGREJA CATÓLICA NOS DA PENÍNSULA IBÉRICA

RENASCIMENTO COMERCIAL RENASCIMENTO URBANO

• ABERTURA DO COMÉRCIO NO • NOVAS CIDADES SURGEM NAS ROTAS DE


MAR MEDITERRÂNEO • COMÉRCIO (BURGOS)
• MELHORA TÉCNICA E AU- • ENFRAQUECIMENTO DA NOBREZA
MENTO PRODUTIVO • FORTALECIMENTO DOS ARTESÃOS
• RETOMADA DO COMÉRCIO EUROPEU • (CRIAÇÃO DAS CORPORAÇÕES DE OFÍCIO)
• MONETARIZAÇÃO DA ECONOMIA
• FORTALECIMENTO DA BURGUESIA

46
DIAGRAMA DE IDEIAS

CENTRALIZAÇÃO DO
CRISE GERAL DO SÉC. XIV
PODER REAL

ALIANÇA ENTRE REI E BURGUESIA • FOME


• PESTE
• GUERRA DOS CEM ANOS (1337-1453)
QUER CENTRA- QUER DIMINUIÇÃO DOS • REVOLTA DOS CAMPONESES
LIZAR O PODER IMPOSTOS PAGOS À
NOBREZA NO COMÉRCIO

EXEMPLOS

FRANÇA INGLATERRA
FIM DA DINASTIA CAPETÍNGIA DISPUTA ENTRE REI E NOBREZA
NOVAS RELAÇÕES COM A IGREJA MAGNA CARTA
(CATIVEIRO DE AVIGNON) PARLAMENTO

47
HISTÓRIA DO BRASIL: Incidência do tema nas principais provas

A proposta do Enem é interpretativa. Na As questões de primeira e segunda fase abordam essas


maioria das questões, o candidato deve ler os temáticas por meio da correlação das realidades sociais,
econômicas e políticas de cada período. Utiliza inúmera
textos propostos atentamente, pois as solu-
documentação para elaborar suas questões, entre as quais
ções quase sempre estarão contidas neles. textos introdutórios, mapas, imagens, tabelas e gráficos.

As questões de primeira e segunda fase No vestibular da instituição não são abordadas diretamente Aborda aspectos sociais e econômicos, como o desen-
abordam aspectos sociais, econômicos e políticos questões de História, mas há um grau de interdisciplinari- volvimento da sociedade mineradora e a sua integração/
como nos processos de independência do Brasil dade que permite o uso dos conhecimentos históricos para interação com o restante da colônia. Normalmente, elabora
e da América espanhola. Cabe ao candidato ficar auxílio da resolução dos exercícios e escrita da redação. questões com uso de textos médio/grandes como auxílio
atento aos textos introdutórios e suas relações para a pergunta, propondo como respostas alternativas
concisas.
com temas da atualidade para
obter sucesso.

Nos últimos anos, as questões de múltipla escolha No vestibular, ocorre uma tendência em abranger O vestibular da Universidade Pontifícia Católica de Aborda aspectos sociais, econômicos e políticos
versaram sobre a crise do sistema colonial e os temas relacionados à História do Brasil. Entretanto, Campinas (PUC-Campinas) aborda as temáticas ao realizar uma correlação entre os processos de
processos de independência do Brasil e da América nos últimos anos não ocorreram questões sobre as por meio de uma correlação entre os aspectos independência do Brasil. Além de efetuar uma
espanhola que privilegiam análise de fontes. temáticas. Ocorreu uma predominância de testes de sociais, econômicos e políticos que ocasionaram comparação entre as estruturas coloniais presentes
múltipla escolha que versavam sobre o início do a crise do sistema colonial, revoltas nativistas e na América portuguesa e espanhola.
período colonial. movimentos emancipacionistas.

UFMG

Há um tema determinado pela própria organização O vestibular privilegia que o candidato realize análises e inter- No vestibular da Faculdade de Ciências Médicas
do vestibular da UEL que percorre toda a prova e, nele, pretações sobre diferentes processos históricos e perceba suas de Minas Gerais (CM MG) não são contemplados
pode-se englobar as temáticas “Bandeirismo, mineração e continuidades e rupturas. Utiliza textos introdutórios e trechos diretamente temas de História, entretanto há um
tratados de limites” e “Crise do sistema colonial, revoltas de registros documentais para elaborar suas questões. Aborda grau de interdisciplinaridade que permite o uso
nativistas e movimentos emancipacionistas” abordadas aspectos sociais, políticos, econômicos e religiosos ao realizar uma dos conhecimentos históricos para auxílio da
através da associação entre os aspectos sociais, correlação entre os processos de independência do
resolução dos exercícios e escrita da
econômicos e políticos. Brasil e da América espanhola.
redação.

Realiza análises de estruturas históricas brasileiras em Na prova da Universidade do Grande Rio (UNI- No vestibular da Fundação Técnico-Educacional
suas questões, que propõem aos candidatos uma refle- GRANRIO) não há uma divisão clara entre História Souza Marques, as questões direcionadas aos
xão sobre temas com pertinência contemporânea, como e Geografia que são abordadas como “Estudos candidatos necessitam da compreensão e
preconceito e desigualdade social. Utiliza textos introdu- Sociais”, portanto não existem definições específicas análise dos processos históricos brasileiros para
tórios, trechos de registros documentais, mapas, tabelas de tema, mas sim um grau elevado de interdisci- observar suas continuidades e rupturas. Há
e imagens de forma mesclada na elaboração
plinaridade. Há uma tendência em uma tendência em abordar temas
de suas questões e coloca alterna-
abordar temas contem- contemporâneos.
tivas relativamente
longas. porâneos.

49
AULAS Bandeirismo, mineração
9 e 10 e tratados de limites
1, 3, 5, 6, 8, 9, 10, 11,
Competências: 1, 2, 3, 4 e 6 Habilidades:
13, 14, 18, 26 e 27

1. Bandeirismo e Durante o primeiro século sob domínio europeu, o mapa


da colônia portuguesa manteve-se, em linhas gerais, sem
expansão territorial grandes alterações. No entanto, do início do século XVII
até meados do século XVIII, a expansão da pecuária pelo
sertão nordestino provocou o povoamento de terras até
Na virada do século XX, o imaginário acerca do des- então desconhecidas. Aos poucos, as fronteiras foram am-
bravamento do interior do Brasil tornou-se uma política pliadas em direção ao interior, ultrapassando o Meridiano
pública. A partir de 1903, o governo paulista passou a de Tordesilhas. O bandeirismo completou esse processo, o
destinar uma parte da verba pública para obras de arte resultado da interiorização foi a descoberta do espaço con-
que apoiassem a concepção mítica dos bandeirantes – tinental que caracteriza o Brasil de hoje.
naquele ano, Domingos Jorge Velho foi retratado por
Em 1532, com a chegada da expedição de Martim Afonso
Benedito Calixto em um quadro que representava o he-
de Sousa, teve início a colonização de São Vicente. Instala-
roísmo bandeirante. Como boa parte dos historiadores
adotou a perspectiva heroica dos desbravadores, eles
ram-se, então, alguns engenhos na região litorânea, mas a
permaneceram por muitos anos com a imagem de ho- produção açucareira local não progrediu por dois motivos:
mens valentes e destemidos. a reduzida quantidade de terras para o plantio da cana e
as enormes distâncias entre a capitania e os mercados eu-
Entretanto, nas últimas duas décadas, análises- ropeus. Logo, alguns dos primeiros colonizadores optaram
mais cuidadosas dos registros de época ajudaram por abandonar o clima quente e úmido da Baixada Santis-
a formar outra narrativa sobre essas personagens ta para fixarem residência no planalto de Piratininga, onde
históricas. Atualmente, há um consenso entre os his- as condições climáticas eram mais favoráveis aos europeus.
toriadores em relação aos principais objetivos do
bandeirismo dos séculos XVII e XVIII. A busca por
metais preciosos e a missão da capturas de indíge-
nas dão lugar à narrativa nacionalista que exaltava
a ampliação do território.
Depois de captura-
dos, os nativos eram
vendidos para os ca-
naviais do Nordeste
ou serviam como mão
de obra particular dos
paulistas. No seu en-
calço, os sertanistas multimídia: vídeo
percorriam enormes
Fonte: Youtube
distâncias mata aden-
tro. Raposo Tavares, O Brasil dos bandeirantes
por exemplo, percor-
Domingos “Jorge Velho” pintado
reu 12 mil quilôme- por Benedito Calixto em 1903.
Em janeiro de 1554, os jesuítas fundaram o colégio que
tros durante três anos. deu origem à vila de São Paulo de Piratininga. Se, por
Disponível em: <revistaescola.abril.com.br>. um lado, a localização geográfica de São Paulo dificultava
Acesso em: 28 fev. 2015. o contato com a região litorânea, por outro facilitava o
acesso ao interior, denominado de sertão, por caminhos
terrestres e pelos rios, sendo o Tietê o mais importante

50
deles, e o acesso ao rio Paraná, à bacia do Prata e à re- Foi justamente em São Paulo o local onde eram organi-
gião de Mato Grosso. zadas a maior parte das bandeiras em direção ao interior.
A prática comum na região acabou por dar a São Paulo a
A economia da vila baseava-se em algumas plantações,
futura alcunha de “Terra dos Bandeirantes”.
na criação de gado e na extração de um pouco de ouro
de lavagem na região de Paranaguá, todas atividades de De acordo com seus objetivos, as bandeiras poderiam ser
pequenas proporções. A pobreza da vila de Piratininga classificadas em três formas ou ciclos: ciclo de caça ou
revelava-se nas habitações, quase sempre de taipa e al- ouro ou sertanismo de prospecção; sertanismo de
apresamento e sertanismo de contrato.
gumas com tetos de palha. A alimentação baseava-se no
milho, na mandioca e no que a floresta oferecia: caça,
peixe, raízes, mel-de-pau e frutas. 1.1. Diferenças entre
Os europeus que habitavam a região eram em pequeno
bandeiras e entradas
número e, em geral, miscigenaram-se com a população Muito embora os estudos mais recentes não estabeleçam
indígena, passando a contar com um grande número de diferenças entre bandeiras e entradas sertanistas, nem en-
mamelucos. A língua falada era principalmente o tupi- tre bandeirantes e sertanistas, há distinções entre ambas.
-guarani, pois o português era pouco útil na região. As bandeiras eram expedições particulares, que po-
A capitania apresentava, assim, uma economia sem diam, eventualmente, receber financiamento das autorida-
importância para os propósitos da colonização e das des; partiam, geralmente, de São Vicente ou São Paulo em
necessidades do capital comercial. A pequena impor- direção ao interior, a busca era por metais preciosos, índios e
tância econômica somada ao isolamento geográfico quilombos, e ultrapassava o Meridiano de Tordesilhas.
resultou num reduzido controle administrativo por As entradas eram expedições organizadas
parte do governo português, o que levou os paulistas pelo governo, que penetravam o interior partindo de
a assumirem um forte senso de autonomia. Não à toa vários pontos do território colonial, como Olinda ou Salva-
o brasão da cidade de São Paulo carrega os dizeres dor (geralmente partiam do Nordeste), em busca de metais
latinos: “Non ducor duco”,em português: “Não sou preciosos, sem ultrapassar a linha de Tordesilhas.
conduzido, conduzo”.
Na Colônia, as expedições que utilizavam as vias fluviais
foram chamadas de monções, por se submeterem ao re-
gime dos rios, partindo sempre na época das cheias (março
e abril), quando os rios eram facilmente navegáveis, tor-
nando a viagem menos difícil e arriscada.

Entradas Bandeiras
Organizadas geralmente
Organizadas pelo governo.
por particulares.
Respeitavam o Não respeitavam o Tratado
Tratado de Tordesilhas. de Tordesilhas.
Partiam de vários pontos Partiam geralmente de São
do litoral brasileiro. Vicente ou São Paulo.

Essa situação criava condições favoráveis para que os indi-


víduos perseguidos pelas autoridades portuguesas buscas-
sem refúgio em São Paulo.
No entanto, Portugal tinha apreço por essa região,desde o
início a Coroa portuguesa deu atenção ao território privile-
giado que se tornaria a“Boca do Sertão”, nome atribuído
à capitania de São Paulo.
Atualmente, está claro para os estudiosos a participação da
capitania no sistema colonial de exploração, a interação com
outras regiões do Brasil e com a metrópole portuguesa. Estudo da Partida da Monção. Pintura de Almeida Júnior (1897)

51
1.2. Os ciclos do bandeirismo
“Porto dos escravos” foi como São Vicente ficou conhecida
em virtude do grande aprisionamento e escravização de ín-
digenas pelos habitantes da região, que tiravam proveito das
animosidades entre os nativos. Eles eram dominados com
mais facilidade e vendidos como escravos para o Nordeste.
Esse comércio incentivava os colonos a se embrenharem
cada vez mais pelo sertão em busca de mão de obra escrava.
Duas grandes tribos ofereceram bastante resistência à pene-
tração do homem branco: os Tamoios e os Carijós.
multimídia: vídeo
A historiografia oficial do Brasil fez a representação in-
Fonte: Youtube
dígena com traços ferozes, sempre prontos para atacar
os homens brancos, enquanto o imaginário da branqui- Bandeirantes, Assassinos ou Heróis?
tude foi construído a partir de uma visão paternalista de
proteção, reafirmando a civilidade como uma característi- Essa empreitada de captura dos índios pode ser dividida
ca do homem branco. As mudanças de perspectiva histo- em duas fases. A primeira vai de meados do século XVI ao
riográfica permitem afirmar que os bandeirantes atacaram início do século XVII. Nesse período, os grupos de apre-
a população índigena para tomar suas terras e submetê-los samento, os sertanistas, mal preparados e inexperientes,
indivudualmente ao regime de trabalho escravo, com toda saíam de São Vicente, alcançavam o povoado de São Paulo
a violência inerente a essas ações. e, de lá, partiam para capturar os índios no interior da mata
inexplorada e desconhecida.

A iconografia buscou representar o bandeirante paulista Base para a formação da economia colonial, a captura e a escravização
como um herói: bem vestido, usando botas de couro e munido indígena na litogravura de Jean-Baptiste Debret, do século XIX.
de armas poderosas, muito diferente do homem que habitava (Fundação Biblioteca Nacional)
o planalto de Piratininga, afeito à influência indígena.
Disponível em: <multirio.rj.gov.br/historia>.
Acesso em: 8 maio 2015.

No século XVII, o movimento bandeirante ganhou um


novo impulso, revestindo-se de uma organização melhor e
adquirindo novas características.

1.2.1. Bandeirismo de apresamento


A atividade de apresamento do indígena, com o objetivo
de escravizá-lo, remonta ao início da colonização, em mea-
dos do século XVI. Ela faz parte da lógica de exploração
colonial numa região sem condições econômicas de utilizar multimídia: música
o escravo africano em virtude do seu alto custo, ao mesmo
tempo que era uma alternativa econômica ao povoamento Fonte: Youtube
- Zumbi – Jorge Ben Jor
vicentino, considerando suas dificuldades financeiras.

52
No final do século XVII, essas expedições, denominadas situações, levando os dois lados a recorrer à Coroa Por-
bandeiras, tornaram-se grandes negócios, verdadeiras em- tuguesa. A contenda entre eles só foi resolvida durante o
presas que envolviam centenas de homens e muitos recur- governo do Marquês de Pombal, o qual, por não concordar
sos. Dois fatores foram responsáveis por essa transformação. com as práticas jesuítas, os expulsou do Brasil, mas tam-
bém proibiu a escravização de indígena.
O primeiro foi a organização das missões. Os índios mis-
sionados encontravam-se aculturados e reunidos em Esquema geral das expedições de apresamento (1550-1720)
grande quantidade, o que facilitava muito o trabalho das Rio A
mazon
as
Belém

bandeiras, que não precisavam procurar os índios espa-

Rio Xingu
lhados pelo sertão nem ter o trabalho de aculturá-los. ira

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de

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o Sertão
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do Açu Natal

Nas primeiras décadas do século XVII, várias expedições

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Par Sertão
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do Piauí

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Rio
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saíram de São Paulo em direção ao sul do Mato Grosso
Recife

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Sertão

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do Paraupaba

(Itatim), Paraguai (Guairá) e Rio Grande do Sul (Tape), vi-

o

Sertão

o
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do Mato Grosso Rio Paraguaçu

sando atacar as missões. Salvador

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Rio
Sertão
do Goiazes

O segundo fator foi o controle do tráfico negreiro e dos

Rio
das
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Rio Taquari naíb
Para Rio

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Rio
Do

centros de abastecimento de escravos, na África, que pas- Rio Grande ce

as
Rio
Sertão

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dos Cataguases

sou para o domínio dos holandeses, após 1637, quando

o
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Rio

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ranapa tê Rio Paraíba
nema
Missões
o apresamento dos indígenas tornou-se muito cobiçado Missões São Paulo Rio de Janeiro
do Paraguai Rio do Guaira
Assunção Iguaçu Santos

em razão dos grandes lucros que rendia. Por isso, os índios N Rio
Para

Legenda

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ua
Sertões

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brasileiros passaram a ser perseguidos de forma intensa.
dos Patos

Ur
Expedições de resgate

o
Laguna

Ri
e apresamento dos Guaranis,
1550-1635 (por mar)
S
Nesse período, os jesuítas de São Paulo tentaram impedir Expedições de resgate
e apresamento dos Guaranis,

a saída das expedições, despertando uma reação imediata 1585-1641 (por terra)
Expedições de apresamento

Ri
o
de outros grupos,
da
dos colonos paulistas. Em 1641, tentaram expulsar os jesu-
Pr
at
sobretudo pós-1640

a
Expedições de mercenários
ítas de São Paulo, fato conhecido como a “botada dos paulistas nas Guerras do
Nordeste, 1658-1720
padres para fora”. Rota aproximada da expedição
de Raposo Tavares, 1648-51
Rota da expedição
de Sebastião Pais de Barros,
1671-1674
Disponível em: <revista.vestibular.uerj.br>. Acesso em: 8 Mai. 2015.

Disponível em: <revista.vestibular.uerj.br>. Acesso em: 8 maio 2015.

1.2.2. Sertanismo de contrato


O bandeirismo, ou sertanismo de contrato, era formado por
expedições de caráter militar, contratadas por governantes,
donatários e proprietários rurais para capturar escravos fu-
gidos das lavouras, arrasar quilombos e submeter popula-
ções indígenas hostis.
multimídia: vídeo Desse bandeirismo resultaram o aniquilamento de milha-
Fonte: Youtube res de índios, que resistiam ao avanço da pecuária no ser-
tão nordestino – Ceará, Piauí e Maranhão –, e a destruição
Xica da Silva
dos negros aquilombados em Palmares.
”Xica da Silva!” Um filme brasileiro de 1976,
O sertanismo de contrato assegurou aos grandes proprie-
dirigido por Carlos Diegues, a obra é baseada
tários de engenhos e plantações do litoral e aos criadores
no livro homônimo de João Felício dos Santos,
de gado do sertão a posse de largas extensões de terras,
conta com os atores Zezé Motta e Walmor Cha-
em detrimento dos despossuídos – índios expulsos de suas
gas nos papéis principais.
terras, negros e mestiços sobreviventes do massacre.

Percorrendo extensas regiões à procura de índios para es- 1.2.3. Ataques contra Palmares
cravizar, os bandeirantes, simultaneamente, abriram cami- Os quilombos eram agrupamentos de escravizados fugi-
nho para a integração e ocupação do interior. dos que resistiam em várias partes do sertão, desde o sé-
A rivalidade entre jesuítas e bandeirantes se estendeu pe- culo XVI,tornando-se uma das mais relevantes formas de
los séculos XVII e XVIII, ficando muito violenta em várias rebelião dos cativos. Palmares foi um dos quilombos mais

53
importantes, situado ao sul de Pernambuco, no atual estado
de Alagoas, em uma região caracterizada pela abundância
de palmeiras, com relevo acidentado e mata tropical fecha-
da. Sua organização data aproximadamente de 1630, e a

/ABr
sua duração foi de 65 anos; segundo algumas estimativas,

©
chegou a agrupar 30 mil fugitivos da escravidão.

multimídia: música
Fonte: Youtube A Coroa contratou, então, um grupo de sertanistas já fixa-
- Xica da Silva – Jorge Ben Jor dos em fazendas de gados no sertão da Bahia. Formavam
um bando de quase mil homens, mamelucos e índios, lide-
Palmares atraiu para os seus domínios índígenas e brancos rados por Domingos Jorge Velho, cuja má fama corria por
pobres. O primeiro grupo se aproximavam por não serem todo o Nordeste. Eram famosos pela violência, por roubos
obrigados a aceitar a catequese; enquanto o segundo e crimes sem conta, mas serviriam na luta dos senhores de
buscava terras e melhores condições de vida. Ainda vale terras e do governo contra os palmarinos.
ressalvar que Palmares se organizou como uma capitania,
tendo como líder Zumbi, mantendo um sistema de escravi- Os fazendeiros e o governo português firmaram um acordo
dão próximo ao africano. com Domingos Jorge Velho, pelo qual ele e seus homens
destruiriam o quilombo em troca de armas, munições, ali-
Para os brancos, a existência de uma “capitania negra”, mentos, escravos, terras em sesmarias, títulos de comenda-
era uma ameaça ao sistema colonial escravista, pois ela dores para os chefes, além do perdão para todos os crimes
acabava se tornando um incentivo à rebelião e à fuga, uma cometidos até então.
possibilidadede escapar escravidão, por isso a urgência de
fazê-lo desaparecer.
Os holandeses foram os primeiros a tentar destruir Pal-
mares, atacando alguns mocambos nos anos de 1644 e
1645. Perante a força armada superior à dos quilombo-
las, os negros limitaram-se a mudar suas aldeias de lu-
gar, embrenhando-se ainda mais pelo sertão. Quando os
brancos partiam, os mocambos – choças que serviam de
moradia para os escravos fugidos – voltavam a aparecer
nos lugares anteriores.
Após a expulsão dos holandeses, várias expedições foram multimídia: vídeo
organizadas pelos governantes portugueses contra os qui-
Fonte: Youtube
lombolas, sem sucesso. Um governador de Pernambuco,
desanimado com os fracassos, chegou a propor paz aos Quilombo
negros, oferecendo-lhes em troca fazendas e engenhos. Perto do ano de 1650, um grupo de negros es-
Em Lisboa, o Conselho Ultramarino não concordou com tal cravizados se rebela em um engenho de Pernan-
decisão, aconselhando que fosse tentada mais uma vez a buco e e parte para o Quilombo dos Palmares,
destruição dos rebeldes, contratando, para isso, os bandei- onde uma nação de ex-escravos fugidos resiste
rantes paulistas, em virtude da grande experiência adquiri- ao cerco colonial.
da nos sertões e no apresamento dos índígenas.

54
Localização do Quilombo dos Palmares 1.3. Bandeirismo de caça ao ouro
ou sertanismo de prospecção
A expulsão dos holandeses do Nordeste abalou profunda-
mente a economia agrícola colonial. A partir do que haviam
aprendido em Pernambuco, os holandeses implantaram a
plantation produtora de açúcar e de tabaco nas Antilhas,
criando empreendimentos coloniais tão competitivos que
Portugal não podia acompanhar seus preços no mercado
externo. A concorrência antilhana e a baixa competitivida-
de dos produtores coloniais portugueses levaram a econo-
mia nordestina à estagnação. Enquanto esperavam uma
eventual revitalização, os engenhos nordestinos sobrevi-
viam contando apenas com a mão de obra escrava rema-
Após uma campanha contra os índios Janduís, rebelados nescente, obrigados a se privarem da aquisição de novos
no Rio Grande do Norte, em dezembro de 1692, os ser- escravos, fossem eles africanos ou indígenas.
tanistas realizaram o primeiro ataque contra Palmares.
Foram derrotados depois de serem surpreendidos por
uma cerca tríplice de 5500 metros, feita com um tran-
çado de vegetação repleto de armadilhas com estrepes
e paus afiados.
Os sertanistas organizaram uma nova expedição com a
ajuda governamental, contando com três mil homens
e artilharia, e um novo ataque iniciou-se em janeiro
de 1694.
multimídia: livros
Comandados por Zumbi e entricheirados na serra da Bar-
riga, os palmarinos resistiram até a morte. Zumbi e alguns Negros da Terra - John Manuel Monteiro
companheiros ainda conseguiram romper o cerco e fugir,
mas foram capturados e mortos algum tempo depois. O A população indígena é protagonista do li-
vro, o historiador John Manuel Monteiro faz
grande chefe negro foi decapitado e sua cabeça exposta
uma interpretação crítica da formação da
na praça principal de Recife para servir de exemplo. O dia
sociedade paulista a partir do contato entre
20 de novembro – data em que se comemora o Dia da
os índios, os colonos e os jesuítas entre os
Consciência Negra – relembra a morte de Zumbi dos Pal-
séculos XVI e XVIII.
mares, no ano de 1695.

A perda do grande mercado comprador de mão de obra


indígena abrigou o bandeirismo apresador a transferir seus
esforços a outro objetivo: a procura de metais preciosos.
Portugal, por sua vez, necessitando de outra fonte de renda
que compensasse a perda de mercado para seus produtos
coloniais, e para os lucros com o tráfico de escravos, incen-
tivou o bandeirismo prospector, oferecendo prêmios, privi-
légios e honrarias àqueles que descobrissem metais pre-
ciosos. Na verdade, tanto o governo metropolitano como
a população colonial sempre mantiveram a expectativa de
encontrar riquezas minerais na América portuguesa. Como
não acreditar nessa possibilidade, se, em Potosi, Alto Peru,
multimídia: música a Espanha explorava toneladas de ouro e prata?

Fonte: Youtube Já no século XVI, expedições, como as de Pero Lobo


- Quilombo, o Eldorado Negro – Gilberto Gil (1531) e de Gabriel Soares de Sousa (1592), tinham
avançado para o sertão em busca de metais preciosos.

55
Deixando o tronco Tietê-Paraná, os bandeirantes desceram Havia um grande rebanho muar e bovino, que até o século
o rio Paraíba do Sul, alcançando a região do Rio das Ve- da mineração (século XVIII) não despertou quase nenhuma
lhas, onde, no final do século XVII, seriam descobertas as atenção, uma vez que não tinha valor econômico algum.
tão esperadas minas de ouro. Depois de longa tentativa de
Quase no século XVIII, em razão da necessidade de alimen-
Fernão Dias e Borba Gato, descobriram as minas de Caeté,
tação e transporte, os rebanhos sulinos passaram a se des-
Sabará, Vila Rica e Ribeirão do Carmo. Multiplicaram-se a
tacar como solução. As mulas adequavam-se ao transporte,
seguir as expedições para a região das “Gerais”, que se
e a carne dos bois, à alimentação. Os colonos criaram vá-
povoou rapidamente e constituiu-se no mais importante
rias estâncias, que deram origem a várias cidades (Laguna,
centro econômico da Colônia no século XVIII.
Vacaria etc.). Surgiram novos tipos sociais na região, como
A partir das Minas Gerais, anos mais tarde, a penetração os estancieiros e os peões boiadeiros. No século XVIII, na
bandeirante encaminhou-se para o Centro-Oeste, em di- região gaúcha, a carne de charque passou a ter enorme
reção a Goiás e Mato Grosso. Lá foram descobertas minas importância no cenário econômico do Rio Grande do Sul.
de ouro (menos abundantes que em Minas Gerais) por Por isso, a conquista do Sul, consolidou-se com além da
Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera. Nova corrente presença dos jesuítas a atividade agropecuária.
migratória e exploradora foi atraída de São Paulo para
aquela região, constituindo pelas monções, que saíam de 1.4.3. Formação de missões jesuíticas
Porto Feliz (SP) pelo rio Tietê até o Mato Grosso a última
grande etapa da penetração bandeirante.

1.4. Expansão territorial: ocupação


do sertão e conquista do Sul
1.4.1. Pecuária e povoamento do sertão
A pecuária nordestina foi diretamente responsável pelo iní-
cio da expansão territorial brasileira para além dos limites
do Tratado de Tordesilhas.
A criação do gado tinha dois objetivos: atender as necessi-
multimídia: vídeo
dades do engenho circunscritas aos seus limites e fornecer Fonte: Youtube
alimentos e couro, utilizados na fabricação dos instrumen- A Missão
tos de trabalho.
O padre jesuíta Gabriel (Jeremy Irons) vai para
As terras disponíveis eram destinadas com exclusividade à a terra dos guaranis, na América do Sul, com o
indústria açucareira, para que houvesse aumento da pro- propósito de converter os nativos ao cristianismo.
dução e, consequentemente, crescimento e incremento do Rapidamente, ele constrói uma missão, juntamen-
comércio. Em razão disso, o gado foi expulso do engenho te com Rodrigo Mendoza (Robert De Niro), um
para o interior, dando lugar à cultura da cana-de-açúcar. comerciante de escravos em busca de redenção.

1.4.2. Conquista do Sul


O Governador-Geral Tomé de Sousa trouxe para o Brasil,
Na Região Sul, a pecuária esteve diretamente ligada à ati- em 1549, o primeiro grupo de jesuítas, liderados por Ma-
vidade mineradora, que acabou determinando um grande nuel da Nóbrega. O principal motivo de sua presença na
fluxo populacional para a Região Centro-Oeste,aumen- América era promover a catequese dos nativos. Com esse
tando o mercado consumidor interno. Além disso, houve intuito, fundaram vários aldeamentos conhecidos como
melhoria dos transportes, vinculada ao abastecimento da missões ou reduções, onde educavam e catequisavam os
região central, bem como necessidade de abrir caminhos nativos, e deram origem a vários núcleos de povoamento
que levassem o minério para o litoral, de onde seria trans- de Norte a Sul do Brasil.
portado para a Europa.
Constantemente, os jesuítas entravam em atrito com os
O sucesso do rebanho bovino na região Sul ocorreu em vir- colonos, pois não aceitavam a escravidão indígena. Ape-
tude da fertilidade do solo e das grandes pastagens. Esse sar disso, eram constantes os ataques de colonos, espe-
gado se reproduzia naturalmente e crescia selvagem, desde cialmente bandeirantes, aos aldeados, com o objetivo de
a época da destruição das missões jesuíticas no século XVII. capturar índios para utilizá-los como escravos. O fato de os

56
índios das missões já serem “amansados”, ou seja, acultu- Eram jazidas superficiais, e o ouro de aluvião era encon-
rados, tornava-os mais cobiçados, em virtude dos melhores trado inicialmente nas margens de rios, razão pela qual se
preços que atingiam. esgotavam rapidamente. Depois do ouro de Minas Gerais,
foram realizadas descobertas menos importantes no Mato
As primeiras reduções (missões) de espanhóis atacadas
Grosso (1718) e em Goiás (1725). Dessa forma, a atividade
pelos bandeirantes ficavam na região do Guairá, no atual
mineradora deu impulso à ocupação do interior do Brasil.
estado do Paraná. Chefiadas por Raposo Tavares, contaram
com a atuação de Manuel Preto, conhecido como “Herói Multidões de pessoas foram atraídas para a região atrás do
do Guairá”. sonho de enriquecimento rápido e fácil. Aventureiros em
busca do eldorado cruzavam os sertões e os mares em di-
Os padres espanhóis abandonaram a região e foram es-
reção às Minas, que foram rapidamente povoadas. Em cur-
tabelecer-se em Tape, no centro do Rio Grande do Sul, e
to período de tempo, multiplicaram-se vilas e arraiais, bem
em Itatim, no sul do Mato Grosso. Essas aldeias jesuítas
como diversificaram-se as atividades: comércio, artesanato,
também foram atacadas e destruídas por Raposo Tavares.
ourivesaria, marcenaria, bares, entre outros.
Destaque-se que os jesuítas foram os principais responsá-
veis pela educação colonial até sua expulsão, em 1759, de A descoberta das minas, em fins do século XVII e início do
Portugal e do Brasil, por ordem do Marquês de Pombal, século XVIII, além de realizar o antigo sonho lusitano, foi
primeiro-ministro do rei D. José I. como a salvação para a grave crise da economia portugue-
sa, estrangulada pela concorrência antilhana na economia
Outro famoso bandeirante foi Borba Gato (genro de Fernão
açucareira imposta pelos flamengos (holandeses).
Dias), que atuou ativamente na busca por ouro e no ata-
que a missões jesuíticas, escravizando e matando inúmeros
nativos. Daí, a razão da estátua com 10 metros de altura
em sua homenagem na região de Santo Amaro (zona sul
de São Paulo) ser tão contestada.
Disponível em: <http://www.panoramio.com>

multimídia: livros
Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira
no século XVIII - Laura de Mello e Souza - Graal
Dissertação de mestrado da historiadora
Laura de Mello e Souza, o livro analisa os
indivíduos que estavam fora das categorias
sociais a partir de 1693, ano de criação das
capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo e Mi-
nas Gerais.

Borba Gato
Naquela oportunidade, Portugal encontrava-se ainda as-
fixiado pela intervenção da Inglaterra, ocorrida depois da
2. Mineração expulsão holandesa do Brasil. Em razão disso, Portugal era
obrigado a pagar, com ouro brasileiro, o déficit de sua ba-
A descoberta de metais preciosos na América espanhola
lança comercial frente aos britânicos. Esse déficit se agra-
alimentou o desejo dos portugueses, desde o início da colo-
vou com a assinatura do Tratado de Methuen (1703), pelo
nização do Brasil, de também encontrar metais preciosos na
qual Portugal vendia vinho sem impostos aos britânicos,
porção que lhes coube do Novo Mundo. Em razão disso, os
que vendiam tecidos aos lusitanos nas mesmas condições.
portugueses procuravam a tão sonhada riqueza, busca que
Isso fez com que o tratado ficasse conhecido popularmente
que se tornou uma das principais funções do Governo-Geral.
como “Tratado de Panos e Vinhos”. O problema para os
As primeiras jazidas só foram descobertas na última dé- cofres lusitanos era que se consumia muito mais “panos”
cada do século XVII, por volta de 1693, por bandeirantes do que “vinhos”, o que deixou a balança comercial portu-
paulistas, no território do atual estado de Minas Gerais. guesa desfavorável e enriqueceu a Grã-Bretanha.

57
As regiões mineradoras (1711-1798) Caso a descoberta de uma jazida não fosse comunicada às
autoridades, o descobridor seria punido por crime de lesa-
-majestade (traição), com pena de degredo para a África, a
mais utilizada como punição aos condenados, além, obvia-
mente, de perder o direito de exploração da mina descoberta.

Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br>


Lavagem de ouro em uma mina,
Fonte:Fonte: blogdoenem.com.br/guerra-emboabas-disputa-ouro-brasil/
<blogdoenem .com.br/guerra-emboabas-disputa-ouro-brasil>. gravura de JohannMoritz Rugendas (século XIX).

2.1. Tipos de mina


Na região mineradora existiam basicamente dois tipos de
áreas de extração: lavras e faisqueiras.
As lavras eram grandes áreas de extração onde as jazi-
das eram mais profundas e a produção era maior. Nessas
minas, empregava-se mão de obra escrava em grande
quantidade com o intuito de evitar o contrabando. Os
escravos eram obrigados a trabalhar nus ou usando más- multimídia: livros
caras com pequenos orifícios nos olhos e nas narinas.
O Sequestro do Bacrroco na Formação da Lit-
As faisqueiras eram áreas menores de exploração,
eratura Brasileira : o caso Gregório de Matos
onde a extração era feita geralmente por garimpeiros li-
- Haroldo de Campos - Iluminuras
vres ou mineradores pobres, que utilizavam instrumentos
rudimentares, como peneiras de madeira conhecidas como O livro é uma provocação à interpretação de
bateias e pequenas escavadeiras chamadas almocafres. Antonio Candido sobre o barroco brasileiro,
com uma proposta de comunicação temporal
2.2. Organização das minas entre as obras do período.

Com o objetivo de fiscalizar a extração mineral, controlar


a arrecadação de impostos e combater o contrabando de
2.3. Impostos
ouro no Brasil, o Estado português criou a Intendência das O principal imposto cobrado na região mineradora era o
Minas, em 1702, com a publicação do Regime dos supe- quinto, que correspondia a 1/5 ou 20% de todo o ouro
rintendentes, guardas-mores e oficiais deputados para as extraído. Merece destaque ainda a capitação, que cor-
minas de ouro. Cada capitania aurífera deveria ter uma
respondia a uma taxa – 17 gramas de ouro por cabeça de
intendência, cujos funcionários eram o superintendente, os
escravo ao ano – paga pelos mineradores de acordo com
guardas-mores, os guardas-menores e o escrivão. Quando
a quantidade de escravos que empregava.
uma jazida era descoberta, o fato deveria ser imediata-
mente comunicado à Intendência, que deveria organizar O ouro arrecadado no quinto deveria ser enviado para Por-
a exploração, dividindo a mina em lotes (datas) a serem tugal. Seu transporte, assim como todo o ouro na região
distribuídas mediante sorteio aos mineradores previamen- das “gerais”, deveria ser realizado, exclusivamente, pela
te inscritos, com prioridade para os que possuíssem mais Estrada Real. Tal estrada tinha início em Diamantina, corta-
escravos. O descobridor da jazida tinha o direito de esco- va a região mineira, se bifurcava e chegava nos dois portos
lher o primeiro lote, e o segundo era destinado à Coroa, que tinham autorização para enviar o ouro para Europa, os
que posteriormente o leiloava. portos de Paraty e Rio de Janeiro.

58
Para a administração portuguesa, cujo primeiro-ministro do
rei D. José I era o Marquês de Pombal, a queda na arreca-
dação de impostos era resultado do contrabando e da so-
negação praticados no Brasil. De fato, o declínio era devido
principalmente à superficialidade das jazidas, bem como às
técnicas de exploração ultrapassadas e predatórias.
A queda da produção aurífera e, consequentemente, da ar-
recadação tributária contrariavam os interesses metropoli-
tanos. Em razão disso, Portugal decretou, a partir de 1765,
a finta, que obrigava a Colônia a enviar anualmente para
a Metrópole a quantidade mínima de 100 arrobas (1500
kg) de ouro. Caso a meta estabelecida não fosse cumprida,
a Coroa decretaria a derrama, que consistia na cobran-
ça violenta do que faltasse, se necessário com invasão de
domicílios e confisco de bens dos colonos para atingir a
quantidade mínima exigida pela Coroa lusitana.

Disponível em: <http://trembaumdeminas.blogspot.com.


br/p/estrada-real.html>. Acesso em: 18 jan. 2017.

Como o ouro circulava em pó ou pepitas e a carga tributá-


ria era muito alta, eram constantes a sonegação de impos-
tos e o contrabando na região de minas. O ouro era escon-
dido em imagens de santo – que deu origem à expressão
“santo do pau oco” –, nas roupas, em paredes ou pisos
com fundo falso e até mesmo era engolido ou enfiado nas
partes íntimas pelos negros que sonhavam em acumular
quantidade suficiente para comprar sua alforria.
As Casas de Fundição foram criadas por Portugal com o multimídia: livros
objetivo de combater o contrabando e a sonegação fiscal,
Opulência e Miséria Das Minas Gerais - Laura
determinando, ainda, que apenas o ouro nela fundido em
de Mello e Souza
barras quintadas e seladas poderia circular. Aos minerado-
res cabia a tarefa de entregar sua produção nas Casas de Quando a capitania das Minas Gerais conhe-
Fundição, onde o ouro seria fundido e transformado em cia o seu apogeu, milhares de homens viviam
barras, já descontado o quinto, que receberiam um selo na miséria, passavam fome, vagavam sem
real, antes de serem devolvidas. Os que desobedecessem destino pelos arraiais, tristes frutos deteriora-
essa determinação poderiam ser punidos com o confisco dos de um sistema econômico doente e de
de seus bens ou o degredo para a África, ou os dois. uma estrutura de poder violenta.

2.4. Extração de diamantes


”Frei Dom Lourenço nunca mais esqueceria daquela
Disponível em: <http://aulasonlinedehistoria.blogspot.com.br/2015/10/
tarde, no ano de 1726. Estava quente e ele descansava
inconfidencia-mineira-em-construcao-o.html>. embaixo de uma árvore, onde alguns garimpeiros joga-
Acesso em: 18 jan. 2017. vam cartas. O padre espremeu os olhos e custou a acre-
Na segunda metade do século XVIII, a produção aurífera ditar: ali estavam homens a pensar que aquelas pedras
começou a entrar em declínio, com quedas cada vez mais brilhantes, usadas como fichas, eram cristaizinhos sem
acentuadas, provocando reduções na arrecadação tributá- importância. Mas D. Lourenço tinha morado 17 anos em
ria da Metrópole. Goa, na Índia, um dos principais centros produtores da-

59
quelas desprezadas “pedrinhas”. E não tinha a menor São João del-Rei, Sabará e Congonhas do Campo,
dúvida: as pedrinhas eram mesmo diamantes! É claro onde se desenvolveram atividades tipicamente urba-
que o esperto padre ficou na dele. Juntou as pedrinhas e nas de comércio, artesanato, marcenaria etc.
voltou para a Europa, ficando muito rico.”
§ Crescimento e diversificação de um segmento médio
SCHIMIDT, Mário Furley. Nova História crítica do Brasil:
500 anos de história mal contada.
na sociedade, composto por comerciantes, artesãos,
São Paulo: Nova Geração, 1999, p. 85-86. profissionais liberais – médicos, professores, advoga-
dos – e ampliação da camada dos homens livres.
Daí em diante, a exploração de diamantes desenvolveu-
-se paralelamente à da exploração aurífera, o que levou § Mais mobilidade social: a mineração possibilitou o en-
a Colônia portuguesa a se transformar na segunda maior riquecimento e a melhoria na vida de muitas pessoas,
produtora mundial de diamantes, atrás apenas da Índia. que ascendiam socialmente. Relatos dão conta de que
Quando se espalhou a notícia da descoberta de jazidas de até mesmo escravos conseguiam comprar sua alforria
diamantes na região do rio Jequitinhonha, próxima ao Ar- e sua liberdade com dinheiro acumulado do contraban-
raial do Tijuco – atual Diamantina, em Minas Gerais –, a do de metais e pedras preciosas.
área de exploração passou a atrair uma quantidade enor-
§ Surgimento do mercado interno para abastecer a região
me de pessoas e ficou muito valorizada. Imediatamente, a
mineradora, graças ao aumento populacional e a sua de-
Coroa portuguesa declarou as terras como seu monopólio
manda, bem como desenvolvimento de rotas comerciais.
e passou a controlá-las com mão de ferro.
Em 1729, foi criado o Distrito Diamantino a partir de um § Melhoria das estradas, com o intuito de favorecer o
regimento específico para os diamantes. Assim como ocor- abastecimento das minas e controlar o fluxo do ouro.
reu com o ouro, foi criada a Intendência dos Diamantes, § Mudança do eixo econômico do Nordeste para o
responsável pela fiscalização da extração diamantífera. Centro-Sul.
Inicialmente, foi estabelecida no distrito a livre extração, § Transferência da capital da Colônia de Salvador para o
mediante o pagamento do quinto à Coroa. Em 1740, a ex- Rio de Janeiro (1763), trazendo a administração mais
tração de diamantes passou a ser restrita aos controladores, próxima da área mineradora.
homens de prestígio que tinham contratos de arrendamen-
§ Incentivo às artes – barroco –, bem como desenvolvi-
to com a Coroa. Um dos mais conhecidos contratadores foi
João Fernandes de Oliveira, companheiro de Chica da Silva, mento cultural da Colônia.
a escrava que se tornou senhora. Já em 1771, durante o § Conflitos, como a Guerra dos Emboabas, entre paulistas
governo do primeiro-ministro Marquês de Pombal, a Coroa e forasteiros pelo direito de explorar as minas, sobre as
passou a controlar toda a exploração de diamantes (estan- quais os paulistas queriam exclusividade.
co) por meio da Intendência dos Diamantes.
§ Aumento da opressão fiscal, em razão da mineração,
Assim como ocorreu com a extração do ouro, a extração que fez aumentar os impostos e acirrar a fiscalização
de diamantes entrou em decadência no final do século administrativa, burocrática e militar por parte da Coroa.
XVIII, também em razão da exploração predatória e do
esgotamento das minas.

2.5. Consequências da mineração


As minas esgotaram-se no final do século XVIII e a ati-
vidade mineradora entrou em declínio, bem como toda a
região, uma vez que não existia uma outra atividade que
pudesse substituí-la. Todavia, a mineração provocou pro-
fundas transformações e consequências econômicas, so-
ciais, políticas e culturais na Colônia. multimídia: livros
§ Aumento populacional, em razão da descoberta das Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas
minas; muita gente, de todos os cantos da colônia, da e minas - André João Antonil
Europa e da África, foram para a região.
Neste livro, André João Antonil apresen-
§ Urbanização, em razão da concentração populacio- ta um quadro das principais riquezas do
nal na região aurífera e depois diamantífera, com a Brasil no limiar do século XVIII.
fundação de vilas e cidades, como Mariana, Vila Rica,

60
§ Revoltas, em razão da forte opressão e dos altos impos- ram Sacramento e aprisionaram todos os seus ocupantes.
tos, como a Revolta de Vila Rica e a Inconfidência Mineira.
Os portugueses reagiram energicamente. Para evitarem
mais problemas, os espanhóis restituíram os danos cau-

/Wikimedia Commons
sados e assinaram o Tratado de Lisboa.

©
Os sete povos das missões

Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, MG:


um exemplo da arquitetura barroca

3. Tratados de limites
Tratados de limites
Fonte: pt.slideshare.net/os-sete-povos-das-misses
Disponível em: <pt.slideshare.net/os-sete-povos-das-missoes>.
Equador Acesso em: 19 jan. 2017.
Belém

São Luís
3.1. Colônia de Sacramento
A Colônia do Santíssimo Sacramento foi fundada em 1680,
AMÉRICA
na margem esquerda do rio da Prata, próxima a Buenos Ai-
PORTUGUESA
Salvador res, pelo governador e capitão-mor da capitania do Rio de
TERRAS DA
ESPANHA
Porto Seguro Janeiro, D. Manuel Lobo. O avanço português em direção
ao Sul, especialmente na região da Bacia do Prata, visava
Vitória

São Paulo
garantir acesso às minas de prata de Potosi, bem como
Rio de Janeiro
ao comércio no estuário platino. Economicamente, aquela
560 km
Curitiba
Tratado de Tordesilhas, 1494
Tratado de Madri, 1750 região era muito estratégica para o intenso contrabando
Porto Alegre
OCEANO
que se fazia no estuário do Prata por navios portugueses
ATLÂNTICO
e navios mercantes ingleses, bem como para o escoamen-
to da prata peruana enviada para Buenos Aires e para o
Disponível em: <pt.slideshare.net/os-sete-povos-das-missoes>.
Acesso em: 19 jan. 2017. efervescente mercado de couros em que se transformara o
porto de Sacramento.
Posteriormente ao Tratado de Tordesilhas, de 7 de junho de
1494, Portugal celebrou uma série de outros tratados com § Tratado de Lisboa (1681): a Espanha reconheceu a
países europeus, visando solucionar problemas de frontei- Colônia de Sacramento como legítima possessão portuguesa.
ras do Brasil Colonial. § Tratado de Utrecht (1713): assinado em 1713, entre
Em um panorama geral, a situação passou a ter o seguinte Portugal e a França, estabelecia que o rio Oiapoque, ou
cenário: o Tratado de Tordesilhas foi deixado de lado, uma Vicente Pinzón, seria considerado como limite entre o
vez que os bandeirantes, as missões jesuíticas e os criadores Brasil e a Guiana Francesa.
de gado não o respeitavam mais. Os espanhóis, por sua vez, § Tratado de Utrecht (1715): assinado entre Portugal
reagiram contra a presença portuguesa nas regiões meridio- e Espanha, em 1715, na cidade de Ultrech, na Holanda,
nais (sul), onde tinham inúmeros interesses econômicos. restabelecia a posse da Colônia de Sacramento a Portu-
As desavenças entre portugueses e espanhóis no Sul giravam gal, que havia sido tomada pelos espanhóis, dentro do
em torno da Colônia de Sacramento, surgida em 1680, na contexto da Guerra de Sucessão Espanhola, em 1704.
margem esquerda do rio da Prata. Os portugueses fundaram § Tratado de Madrid (1750): embora fundada pe-
essa colônia comprometendo a segurança de Buenos Aires, los portugueses, a Colônia de Sacramento constituía
prestes a se tornar vice-reino espanhol. Os espanhóis ataca- um perigo iminente para os espanhóis, já que estava

61
localizada em seus domínios. Para se defender, os es- De 1754 a 1756, as tropas portuguesas e espanho-
panhóis fundaram a cidade de Montevidéu, deixando las atacaram e venceram um grande número de índios
Sacramento praticamente sitiada pelas duas margens na região. Todavia, terminada a luta, o comandante
do rio da Prata dominadas pelos espanhóis. português, Gomes Freire, julgou seguro apoderar-se da
Mas além dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas, área que ainda contava com muitos índios rebelados.
havia inúmeros núcleos de colonização portuguesa cujos Comprometida a delimitação do sul, onde os portugueses
interesses econômicos eram irrenunciáveis. Em vista disso, não devolveram Sacramento, todo o Tratado de Madrid per-
era urgente que espanhóis e portugueses buscassem solu- dera sua validade, sendo anulado pelo Tratado de El Pardo.
cionar esses problemas, o que foi feito pela assinatura do
§ Tratado de Santo Ildefonso (1777): as questões
Tratado de Madrid, em 1750. Fernando VI, rei da Espanha,
das fronteiras e a demarcação dos seus limites na
e Alexandre de Gusmão, diplomata nascido no Brasil, ne-
América portuguesa promoveram hostilidades entre
gociaram o Tratado de Madrid, que estabelecia:
portugueses e espanhóis durante um longo período.
1. Vigoraria o velho princípio de direito romano do “uti No reinado de D. Maria I, os portugueses cederam os
possidetis, ita possideatis”, ou seja, assim “como possu- Sete Povos das Missões à soberania espanhola, cele-
is, assim possuais”. Quem possui de fato deve possuir de brando o acordo que transferia à Espanha o controle
direito. A propriedade da terra foi atribuída a Portugal, seu exclusivo sobre o rio da Prata.
ocupante de fato.
§ Tratado de Badajós (1801): os conflitos travados
2. Portugal, no entanto, aceitaria negociar a Colônia de em solo europeu entre Portugal e Espanha surtiram
Sacramento recebendo em troca as terras de colonização efeitos sobre os seus territórios na América e resul-
portuguesa além de Tordesilhas e uma região denominada taram na assinatura do Tratado de Badajós. Embora
Sete Povos das Missões, localizada a noroeste do Rio ele tenha determinado que a Colônia de Sacramento
Grande do Sul, onde existiam aldeamentos guaranis dirigi- passaria para a Espanha e tenha se omitido em relação
dos por jesuítas espanhóis. Portugal aceitou de imediato. aos Sete Povos das Missões, passado algum tempo, os
3. Ficou estabelecido também que, se porventura as duas gaúchos recuperaram a região de Sete Povos e incor-
nações entrassem em guerra na Europa, a paz deveria con- poraram-na definitivamente ao Brasil, em 1804, com o
tinuar reinando nas colônias da América. reconhecimento da Espanha.
Considerado o mais importante tratado de fronteiras
do período colonial, o Tratado de Madri estabeleceu um
território cujas fronteiras muito se aproximam das atuais.
Anularam-se as fronteiras estabelecidas no Tratado de
Tordesilhas, mas surgiram novos conflitos. Os jesuítas es-
panhóis da região dos Sete Povos recusaram-se a acatar
o domínio português. Passaram a estimular a resistência
indígena na chamada Guerra Guaranítica (1750-1756).
Habilidosamente, o Marquês de Pombal serviu-se
desse conflito para justificar a expulsão dos jesuítas
de Portugal e do Brasil, bem como aproveitou-se da
situação para não entregar a Colônia de Sacramento multimídia: sites
à Espanha. brasilescola.uol.com.br/historiab/entradas-
§ Tratado de El-Pardo (1761): assinado entre Es- bandeiras.htm
panha e Portugal, revogou o Tratado de Madrid. Em educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/
face da vigorosa resistência dos jesuítas espanhóis dos entradas-e-bandeiras-bandeirantes-expandiram-
Sete Povos das Missões, Portugal teve muitas dificul- limites-do-brasil.htm
dades para ocupar aquela região, recebida em troca da
Colônia de Sacramento. Os jesuítas controlavam São malucospelahistoria.blogspot.com.
Borja, Santo Ângelo, São Lourenço, São Luís, Santo br/2015/07/bandeirantes-herois-ou-viloes.
Antônio, São Miguel e São Nicolau, praticamente toda html
a região dos Sete Povos, e não estavam dispostos a
aceitar o domínio português capitaneado por seu ad-
versário, o Marquês de Pombal.

62
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

No período das bandeiras, o ciclo minerador gerou uma enorme corrida populacional em direção ao interior do Brasil.
Essa movimentação pode ser considerada um dos primeiros grandes fluxos migratórios nacionais em busca de uma
situação econômica melhor. A concentração de pessoas ocorreu na região de Minas Gerais, e pode ser comparada
a outros momentos da História nacional; como o fluxo de nordestinos, (sobretudo cearenses que fugiram da seca)
para a região do Acre durante o Ciclo da Borracha (cujo auge se deu entre os anos 1900 e 1915); à migração de
nordestinos para o Sudeste em busca de empregos na indústria em ascensão durante o governo de Juscelino Kubits-
check ( entre1956 e1961); e à corrida para Serra Pelada, em uma nova “febre do ouro”, durante a década de 1980.
É preciso ressaltar o florescimento da arte brasileira, que graças à opulência aurífera gerou um ambiente propício
ao surgimento de manifestações culturais; Neste momento, todo o destaque vai para a produção barroca, com suas
igrejas, estátuas e produção literária, as quais, até hoje, são símbolos do período áureo das Minas Gerais..

Igreja Nossa Senhora do Carmo, Ouro Preto-M

63
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidades
6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.

Embora a habilidade 6 pareça ser mais sintonizada ao escopo da Geografia, a parte de História do Enem cobra inter-
pretações de mapas de seus candidatos. O estudantes devem ser capazes de interpretar as legendas, os títulos e as in-
formações disponíveis nos mapas para, juntamente com seus conhecimentos históricos, escolher a alternativa correta.
Na história, os mapas ajudam a compreender conflitos entre nações, além de relações de domínio e exploração de
recursos naturais e humanos. O estudante deve familiarizar-se com a interpretação deles.

Modelo
(Enem)
Rio Negro
nas Belém
mazo
Rio A
Rio Xingu

íba
s
apajó

rna
Pa
Rio T

Recife
co
Rio

cis
n

Rio Branco
Fra

Salvador
São

Porto Velho
Rio Paraná

Rio

Laguna Cuiabá
guai

Belo Horizonte
Vitória
Rio Uru

Rio de Janeiro
São Paulo

Laguna
0 300milhas

0 500km

Fronteira do Tratado de Tordesilhas (1494)


Território português conforme o Tratado de Tordesilhas
Território português conforme o Tratado de Madri (1750)
Fronteira do Tratado de San Ildefonso

BETHEL, L. História da América. V. I. São Paulo. Edusp, 1997.


As terras brasileiras foram divididas por meio de tratados entre Portugal e Espanha. De acordo com esses tratados, identificados no
mapa, conclui-se que

a) Portugal, pelo Tratado de Tordesilhas, detinha o controle da foz do rio Amazonas.


b) o Tratado de Tordesilhas utilizava os rios como limite físico da América portuguesa.
c) o Tratado de Madri reconheceu a expansão portuguesa além da linha de Tordesilhas.
d) Portugal, pelo Tratado de San Ildefonso, perdia territórios na América em relação ao de Tordesilhas.
e) o Tratado de Madri criou a divisão administrativa da América Portuguesa em Vice-Reinos Oriental e Ocidental.
Análise expositiva - Habilidade 6: Após a chamada Restauração do trono português em 1640, surgiram
C conflitos entre Portugal e Espanha quanto à definição de seus domínios na América do Sul, sobretudo a
região platina, pois durante a vigência da união das coroas ibéricas (1580-1640), colonos portugueses se
instalaram além da linha de Tordesilhas, uma vez que se evidenciou a nulidade do Tratado de 1494.
O Tratado de Madri de 1750 anulava o de Tordesilhas e estabelecia fronteiras posteriormente contestadas
em outros tratados (El Pardo e Santo Ildefonso) e depois confirmadas no Tratado de Badajós de 1801,
definindo assim os domínios portugueses além da linha de Tordesilhas.
Alternativa C

64
DIAGRAMA DE IDEIAS

1 BANDEIRISMO E EXPANSÃO TERRITORIAL

CICLOS DO
ENTRADAS BANDEIRAS
BANDEIRISMO

ORGANIZADAS EXPEDIÇÕES • BANDEIRISMO DE APRISIONAMENTO


PELO GOVERNO PARTICULARES INDÍGENA (XVI - XVIII)

BUSCA DE • SERTANISMO DE CONTRATO


SÃO PAULO/SÃO VICENTE
(CAPTURAR ESCRAVOS E ARRASAR POPU-
METAL PRECIOSO
NÃO RESPEITAM O LAÇÕES INDÍGENAS HOSTIS E QUILOMBOS)
RESPEITAM O TRATADO DE • BANDEIRISMO DE CAÇA AO OURO
TRATADO DE TORDESILHAS SERTANISMO DE PROSPECÇÃO
TORDESILHAS

2 EXPANSÃO TERRITORIAL, A OCUPAÇÃO DO


SERTÃO E A CONQUISTA DO SUL

SERTÃO E SUL PECUÁRIA


MISSÕES JESUÍTICAS

3 MINERAÇÃO

REGIÕES TIPOS DE MINA CONSEQUÊNCIAS DA MINERAÇÃO

• MINAS GERAIS (1693) • FAISQUEIRAS • ESGOTAMENTO DAS MINAS


• MATO GROSSO (1718) • LAVRAS NO FINAL DO SÉC. XVIII
• GOIÁS (1725) • MAIS MOBILIDADE SOCIAL
• TRANSFERÊNCIA DA CAPITAL
ORGANIZAÇÃO IMPOSTOS PARA O RIO DE JANEIRO
• AUMENTO POPULACIONAL
• QUINTO • SURGIMENTO DE UM
INTENDÊNCIA DAS MERCADO INTERNO
MINAS (1702) • CAPITAÇÃO
• DERRAMA • REVOLTAS E CONFLITOS
FISCALIZAÇÃO (GUERRA DOS EMBOABAS, ETC.)
• FINTA
• URBANIZAÇÃO
• MELHORIA NAS ESTRADAS
CASAS DE EXTRAÇÃO DE
• SURGIMENTO DO BARROCO
FUNDIÇÃO DIAMANTES
• CRESCIMENTO E DIVERSIFICA-
ÇÃO DAS CLASSES MÉDIAS
EVITAR O
• NOVO EIXO ECONÔMICO: CENTRO-SUL
CONTRABANDO DIAMANTINA (1729)
• OPRESSÃO FISCAL

65
4 TRATADOS DE LIMITES

TRATADO DE TORDESILHAS NOVOS TRATADOS DE


NÃO É RESPEITADO LIMITE SÃO FEITOS

PORTUGAL E ESPANHA PORTUGAL E FRANÇA

• TRATADO DE LISBOA (1681), UTRECHT (1715) E BADAJÓS (1801) TRATADO DE UTRECHT (1713)
COLÔNIA DE SACRAMENTO LIMITE DO BRASIL COM A
• TRATADO DE MADRI (1750) GUIANA FRANCESA
UTI POSSIDETIS, ITA POSSIDEATIS
COLÔNIA DE SACRAMENTO E SETE POVOS DAS MISSÕES GUERRAS
ENTRE AS COROAS EUROPEIAS NÃO INTERFEREM NAS COLÔNIAS
• TRATADO DE EL PARDO (1761)
ANULA O TRATADO DE MADRI
• TRATADO DE SANTO ILDEFONSO (1777)
SETE POVOS DAS MISSÕES

66
AULAS Crise do sistema colonial, revoltas
11 e 12 nativas e movimentos emancipacionistas
1, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 14,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades:
15, 16, 17, 18, 22 e 29

1. Sistema colonial em crise O regime de monopólios, a severa fiscalização e a alta


tributação revelaram o peso suportado pela população
colonial, que demonstrava cada vez mais sua impaciência.
1.1. Crise do mercantilismo Com efeito, o advento do Iluminismo, as transformações
A colonização se estruturou como empresa mercantil de econômicas ocorridas no interior do sistema mercan-
exploração colonial em benefício da metrópole. A coloni- til, as mudanças sociais cada vez mais significativas e o
zação foi conduzida pelo capitalismo comercial, cujas prá- desenvolvimento das colônias criaram as condições para
ticas, comandadas e gerenciadas pelos Estados modernos as reivindicações pelas mudanças nas relações colônia–
europeus, são denominadas mercantilismo. metrópole e alimentaram o sonho de liberdade de parte da
população colonial.
O absolutismo foi a expressão política do Estado moder-

2. Rebeliões nativistas
no, encarnado na figura do rei, comandante da política
econômica mercantilista, que fez do sistema colonial uma
das alavancas da acumulação primitiva do capital. As primeiras rebeliões não ocorreram em defesa da inde-
O mercantilismo entrou em crise no final do século XVIII, pendência do Brasil. Na verdade, eram a expressão dos
contestado pelos teóricos do liberalismo econômico conflitos de interesses entre os habitantes da Colônia e
que denunciavam o intervencionismo do Estado abso- os portugueses ou reinóis. Essas manifestações, denom-
luto na vida econômica e pressionado pelo contínuo inadas rebeliões nativistas, por serem comandadas pela
crescimento do capitalismo industrial europeu – ini- população “nativa”, a princípio contestavam aspectos
ciado com a Revolução Industrial na Inglaterra –, que específicos do pacto colonial e não a dominação da
exigia liberdade de iniciativa e concorrência. Assim, se Metrópole. Elas eram regionalistas e não expressavam
a política econômica mercantilista, da qual dependia o uma consciência nacional, uma vez que a ideia de nação
sistema colonial, estava em crise, significava que todo foi construída posteriormente. As rebeliões nativistas
o sistema atravessava essa crise: colônias, metrópoles ocorreram entres os anos de 1641 e 1720.
e sistema absolutista. A Colônia era formada por diversas regiões, com a pop-
Em pleno século XVIII, Portugal já se encontrava em franca ulação dispersa e com vidas independentes umas das
decadência econômica e totalmente dependente do capi- outras. Os latifundiários estavam ligados diretamente aos
talismo inglês. interesses de Portugal; a maioria da população não se
considerava brasileira nem tinha o sentimento de
1.2. Contradições da colonização pertencer a uma pátria ou nação. A existência de uma mas-
sa de escravos e de uma parcela significativa de homens
A crise do sistema colonial brasileiro resultou, além do livres, desprovidos de qualquer propriedade, era um grande
colapso do mercantilismo português, das próprias con- obstáculo para o desenvolvimento de um sentimento de
tradições internas da colonização. Apesar de seu caráter unidade e de luta por interesses comuns.
explorador, não se pode negar que a colonização pro-
Somente um século depois, devido à difusão das ideias
moveu o crescimento da Colônia, uma vez que, para mon-
liberais, quando a crise do sistema colonial se agravou e
tar a empresa colonial, foi necessário promover uma série
a situação internacional se tornou propícia, é que as re-
de investimentos.
beliões coloniais assumiram caráter de libertação. O agra-
A partir da segunda metade do século XVIII, exatamente por vamento das dificuldades econômicas dos latifundiários,
ocasião do apogeu da economia mineradora, as relações e que causava dificuldades para o conjunto dos setores
interesses entre a Colônia e a Metrópole começaram a apre- econômicos da Colônia, e o arrocho da exploração colo-
sentar suas contradições. nial tornaram-se grandes fomentadores das revoltas.

67
Revoltas nativistas
OCEA
NO A
TLÂN
RORAIMA AMAPÁ
TICO
Revolta de Beckman
1684

AMAZONAS PARÁ MARANHÃO RIO GRANDE Guerra dos Mascates


CEARÁ
DO NORTE 1710
PARAÍBA
PIAUÍ PERNAMBUCO
ACRE
ALAGOAS
Quilombo dos Palmares
TOCANTINS SERGIPE
RONDÔNIA 1630-1694
BAHIA
MATO GROSSO
DISTRITO
FEDERAL Revolta de Vila Rica
1720
GOIÁS MINAS
GERAIS
ESPÍRITO
MATO GROSSO SANTO
Norte Guerra dos Emboabas
DO SUL
Nordeste SÃO PAULO 1708
RIO DE
ICO

JANEIRO
Sudeste
Aclamação de Amador
OCEANO PACÍF

PARANÁ
Sul Bueno 1641
CO
NTI
Centro-Oeste SANTA
Â
ATL
CATARINA

RIO GRANDE ANO


DO SUL OCE
N
0 250 500km

Fonte: <www.estudopratico.com.br/revoltas-nativistas-história-do-brasil>.

2.1. Aclamação de Amador Bueno (1641) A notícia da coroação do novo rei foi recebida festivamente
tanto em Salvador quanto no Rio de Janeiro. Entretanto,
No início do século XVII, as condições econômicas da região a população de São Paulo reagiu de forma diferente. Os
de São Vicente eram precárias. A região sustentava-se ba- motivos para isso foram a atitude dos espanhóis de insuflar
sicamente com as bandeiras de apresamento de índios. Os a população contra Portugal e o desejo dos paulistas em
jesuítas eram contrários à escravidão indígena praticada manter o comércio com a região do rio da Prata.
pelos bandeirantes e exigiam que a Metrópole a proibisse.
As autoridades da Colônia não aceitaram a interdição met- Um grande número de pessoas se dirigiu à casa de
ropolitana e incentivaram a expulsão dos jesuítas. Assim, Amador Bueno, aclamando-o rei de São Paulo. Contudo,
em 1641, ocorreu a “botada dos padres fora”. No mesmo graças à insistente recusa do aclamado, o ânimo da pop-
ano, os paulistas, incitados pelos espanhóis que moravam ulação esfriou e o movimento não chegou a passar de
na região, tentaram se desligar de Portugal e aclamaram um episódio histórico que deixou um legado significativo:
rei Amador Bueno de Ribeira, membro de uma rica família a noção de que era cada vez mais possível unir pessoas
de origem hispânica. contra Portugal.
De fato, os espanhóis que viviam na região de São Paulo
tiveram ampla liberdade durante a União Ibérica (1580- 2.2. Revolta de Beckman (1684)
1640), uma vez que o Brasil estava sob domínio espanhol.
Pernambuco e Bahia utilizavam quase a totalidade dos es-
O que incomodava os espanhóis era o fato de Portugal ter
cravos negros nas zonas açucareiras. Por essa razão, havia
restaurado seu trono e coroado D. João IV, rei que os his-
problemas de falta de mão de obra escrava nas diversas
pânicos não reconheciam.
unidades produtoras da Colônia. No Maranhão, a falta de
escravos para as plantações tornou-se um grave problema.
A solução encontrada pelos proprietários de terras foi a
escravização do indígena. Contudo, logo se defrontaram
com a resistência dos jesuítas que se opunham à escraviza-
ção dos índios. Para agravar a situação, em 1653, chegou
ao Brasil um novo contingente de jesuítas, entre os quais
estava o padre Antônio Vieira, engrossando o número de
jesuítas no Maranhão e fortalecendo a sua condição de
opositores à escravidão indígena.
Em busca de uma solução para a questão da escassez de mão
Amador Bueno não aceitou a coroa de rei, foi perseguido
pelos paulistas e refugiou-se no Mosteito de São Bento, em
de obra escrava, a coroa portuguesa criou, em 1682, a Com-
São Paulo. Óleo sobre tela, de Oscar Pereira da Silva. panhia Geral de Comércio do Maranhão, que seria responsável

68
pelo monopólio do comércio de escravos na região pelo perío- Uma série de conflitos armados ocorreu na região. Os
do de 20 anos. Ela deveria garantir a entrega, na capitania, paulistas eram liderados pelo bandeirante Manuel de
de 500 escravos negros por ano. Dessa forma, o rei pretendia Borba Gato.
solucionar o problema da mão de obra, bem como agradar
Os portugueses, liderados por Manuel Nunes Viana, gover-
aos jesuítas, proibindo a escravização dos indígenas.
nador das Minas, atacaram os paulistas em Sabará (MG).
A Companhia deveria, ainda, fornecer aos habitantes do Ma- Um grupo de mais ou menos 300 paulistas enfrentou os
ranhão gêneros alimentícios importados – bacalhau, vinho, portugueses e seus aliados. Os paulistas se refugiaram na
farinha de trigo, etc. – e adquirir para exportação tudo o que região do rio das Mortes e negociaram uma rendição.
fosse produzido na região. Em outras palavras, a finalidade
Em fevereiro de 1709, o chefe dos emboabas, Bento do
da Companhia era controlar todo o comércio do Maranhão.
Amaral Coutinho, desrespeitou as normas do tratado de
Entretanto, a Companhia Geral de Comércio não cumpriu rendição e atacou os paulistas. O local passou a ser chama-
suas funções de modo satisfatório: trazia poucos e caros es- do de Capão da Traição.
cravos; seus produtos eram de baixa qualidade, e os preços,
O governador geral Antônio Coelho de Carvalho ime-
elevados. A companhia também não oferecia valores sat-
diatamente interveio e obrigou Nunes Viana a deixar
isfatórios pelos produtos produzidos pelos colonos. Esses
a região.
fatos causaram grande descontentamento e provocaram
uma revolta contra a Companhia e contra os jesuítas. Derrotados e vendo parte dos seus parceiros dizimados,
muitos paulistas saíram da região em direção ao oeste de
Comandados por Jorge Sampaio e pelos irmãos Manoel e
Minas Gerais. Ali, descobriram novas minas e iniciaram a
Tomás Beckman, grandes proprietários de terras auxiliados
ocupação dos territórios dos atuais estados de Mato Gros-
por outros fazendeiros, os colonos expulsaram os jesuítas
so e Goiás.
do Maranhão, fecharam os armazéns da Companhia Geral
de Comércio e tomaram o poder na capitania. Entretanto, Como consequências da Guerra dos Emboabas, é pos-
como não possuíam um projeto autonomista, solicitaram a sível mencionar:
intervenção da Metrópole, enviando Tomás Beckman com § a criação de normas reguladoras da distribuição
os pedidos dos colonos. de lavras entre emboabas e paulistas e a cobrança
Em Portugal, a revolta levou à abolição do monopólio da do quinto;
Companhia e à nomeação de Gomes Freire de Andrade § a criação da capitania de São Paulo e das Minas
como novo governador do Maranhão. Contudo, ao chegar, de Ouro, ligada diretamente à coroa, indepen-
em 1685, o governador determinou a prisão e o enforca- dente, portanto, do governo do Rio de Janeiro
mento de Manoel Beckman, líder da rebelião, e a conde- (3 de novembro de 1709);
nação dos demais envolvidos à prisão perpétua ou ao de-
§ a elevação da vila de São Paulo à categoria de cidade
gredo, caso de Tomás Beckman. (11 de junho de 1711); e
§ a pacificação da região das minas, cujo controle passou
2.3. Guerra dos Emboabas (1708-1709) a ser administrado pela Metrópole.
A divulgação, na Colônia e em Portugal, da descoberta de
metais preciosos em Minas Gerais fez com que milhares de
pessoas se dirigissem para a região.
Os paulistas ficaram profundamente incomodados com
esse grande fluxo de forasteiros, uma vez que atribuíam
a si a façanha de descobridores das minas, bem como a
primazia sobre a exploração delas, pois haviam sido en-
contradas em seu território. Os portugueses, por sua vez,
como representantes da coroa na Colônia, acharam-se
no legítimo direito desse privilégio e assumiram a exclu- multimídia: livros
sividade da exploração das minas.
Os paulistas se referiam aos portugueses com o apelido Guerra dos Mascates - José de Alencar
pejorativo de “emboabas”, palavra indígena que, segundo Guerra dos Mascates é um romance em
alguns autores, significava “aves de pés recobertos de pe- dois volumes do escritor brasileiro José
nas”. Eles usavam botas ou rolos de pano protegendo os de Alencar.
pés, enquanto os paulistas andavam geralmente descalços.

69
Coroa portuguesa. Embora conciliador, o novo governa-
dor vindo de Portugal confirmou a autonomia de Recife,
que foi transformada em capital de Pernambuco.

2.5. Revolta de Filipe dos


Santos ou de Vila Rica (1720)

multimídia: livros
A Guerra dos Mascates - Miguel Real
Miguel Real oferece-nos com “A Guerra dos
Mascates” a narrativa de um confronto entre
pequenos comerciantes e aristocratas que
mobilizou a totalidade da população das ci-
dades de Recife e Olinda no século XVIII.

2.4. Guerra dos Mascates (1710-1711)


Julgamento de Filipe dos Santos. Óleo sobre tela, de Antônio
O conflito denominado Guerra dos Mascastes ocorreu em Parreiras. O quadro retrata a execução. Ao fundo, vê-
função das diferenças de interesses entre os senhores de se a fumaça da queima das casas dos revoltosos.

engenho, cuja maioria morava em Olinda, então sede do


poder público da capitania de Pernambuco, e os comerci- Em 1719, devido à criação das casas de fundição em
antes do Recife, de maioria portuguesa, chamados pejo- Minas Gerais, a circulação de ouro em pó foi proibida,
rativamente de mascates. fator que criou diversos inconvenientes para a população
da cidade, que estava acostumada a usá-lo como moeda
Em 1710, a luta entre os habitantes de Olinda e corrente. Além disso, as casas de fundição tornavam mais
Recife revelava as contradições da crise da econo- efetivo o controle da Coroa portuguesa sobre o imposto do
mia açucareira do Nordeste. Recife teve um cresci- quinto, ou 20% do ouro encontrado no Brasil. Ao fundir as
mento significativo durante o período da ocupação barras de ouro, já era realizada a cobrança do imposto. As
holandesa, em que os comerciantes experimentaram punições sobre quem fosse pego sonegando o pagamento
o desenvolvimento de seus negócios. Por sua vez, do imposto aumentaram e se tornaram mais severas.
desde a Insurreição Pernambucana, Olinda sofria
com a decadência e o endividamento dos senhores Essas medidas causaram forte impacto sobre os minera-
de engenho. Apesar disso, Recife estava submetida dores, provocando uma revolta, que eclodiu em 1720, sob
politicamente a Olinda, onde funcionava a Câmara a liderança de Filipe dos Santos. Conhecida como Revolta
Municipal, controlada pelos “homens bons”. de Vila Rica, o movimento também contestava o monopólio
Em 1703, os mascates obtiveram o direito de represen- comercial exercido por portugueses sobre produtos como
tação na Câmara Municipal de Olinda, para desconten- gado, sal, aguardente, açúcar e fumo, fazendo aumentar
tamento dos “homens bons”, que nunca permitiram que constantemente seus preços.
essa representação se efetivasse. Esse fato insuflou a in- As principais reivindicações do movimento eram: re-
satisfação dos mascates contra os senhores de engenho. dução de impostos sobre a atividade mineradora, di-
Em 1709, Recife ganhou autonomia em relação à Olinda, minuição dos preços dos produtos cujo comércio era
uma vez que foi elevada à categoria de vila. Inconformados, monopolizado pelos portugueses e fechamento das
os senhores de engenho, moradores de Olinda, invadiram casas de fundição.
Recife e destruíram o pelourinho, símbolo da autonomia da
Os revoltosos procuraram o governador das minas – o conde
vila. Os mascates revidaram o ataque, desencadeando uma
de Assumar – e apresentaram suas reivindicações. O gov-
série de conflitos entre as duas vilas.
ernador prometeu atendê-los. Na verdade, ganhou tempo
Os combates só terminaram em 1711, mediante a firme para organizar tropas e, em seguida, ordenou que suas tro-
intervenção das autoridades coloniais. No mesmo ano pas invadissem Vila Rica, prendessem os insurretos e reprim-
chegaram à colônia as novas autoridades enviadas pela issem violentamente qualquer tipo de manifestação. Alguns

70
mineradores foram punidos com o degredo e Filipe dos San-
tos foi enforcado e esquartejado. 3. Movimentos emancipacionistas
Para os colonizadores, a repressão a qualquer rebelião O aumento do número de profissionais liberais e de
ou revolta dos habitantes da Colônia contra Portugal era homens livres, o desenvolvimento das classes proprietárias,
necessária para manter a exploração colonial. a influência das ideias liberais da Europa e da independên-
cia dos Estados Unidos ajudaram a desenvolver na Colônia
a consciência da opressão colonial.
Dorme, meu menino, dorme,
— que Deus te ensine a lição Gradativamente, foi amadurecendo uma incipiente ideia
da necessidade de defesa da liberdade política, econômica
dos que sofrem neste mundo
e cultural da Colônia. As lutas não mais se restringiam à
violência e perseguição. simples resistência aos monopólios ou aos impostos, mas
Morreu Filipe dos Santos: se voltavam contra o pacto colonial e a favor do rompimen-
outros, porém, nascerão. to político de dependência da Metrópole.
Cecília Meireles, Romance V ou da Destruição do Ouro Podre

Ocorreram também outras quatro revoltas nativistas de


menor magnitude:
§ Revolta da Cachaça: ocorrida em 1660, no Rio de
Janeiro, posicionou-se contra a proibição da produção
e da venda da cachaça na Colônia (com exceção Per-
nambuco), pois os portugueses desejavam vender sua
bagaceira (feita com o bagaço da uva), concorrente
etílica da cachaça nacional. A reação de alguns fa-
zendeiros contra os altos impostos e as proibições à multimídia: vídeo
cachaça, além do contrabando recorrente, levaram a
Fonte: Youtube
Coroa a revogar a proibição oficialmente em 1695.
Inconfidência Mineira foi um dos primeiros
§ Revolta de “Nosso Pai”: ocorrida em 1666, em Per- movimentos...
nambuco, foi contra os excessos do governador local,
Jerônimo de Mendonça, apelidado pelos habitantes de
“xumbregas”. A revolta eclodiu no feriado de Nosso Pai, 3.1. Inconfidência Mineira (1789)
quando todos os moradores iam às ruas dar auxílio aos
pobres e doentes. O governador e alguns franceses alber-
gados na cidade de Recife foram perseguidos e presos,
sendo Jerônimo de Mendonça exilado para Lisboa.
§ Revolta do Sal: ocorrida em 1710, em São Paulo e
Minas Gerais, foi contra o estanco régio concedido a A leitura da sentença de Tiradentes. Pintura de Leopoldo Faria (1921)
poucos comerciantes, os quais abusavam com altos A Inconfidência Mineira foi o primeiro movimento a pregar
preços sobre os produtos básicos na região. Liderada a separação política da capitania de Minas Gerais em rela-
por Bartolomeu Fernandes de Faria, grande propri- ção a Portugal, uma vez que a ideia de Brasil ainda não era
etário de escravos e terras, a população da cidade de consistente. A Inconfidência Mineira ocorreu em 1789, em
São Paulo desceu a serra e foi até Santos, onde arrom- Vila Rica, hoje cidade de Ouro Preto. Entre as causas que
bou os armazéns e pagou o valor que considerava justo determinaram o movimento, é possível destacar:
sobre o sal carregado. § os excessos cometidos pelas autoridades portuguesas
§ Motins do “Maneta”: ocorridos em 1711, em Salva- para administrar a região das Minas;
dor, foram contra o estanco régio e os altos impostos. § a decadência da produção de ouro, intensificada a par-
João de Figueiredo da Costa, (apelidado de “Mane- tir de meados do século XVIII, e o sistema de cobrança
ta”), líder dos motins, e Lourenço de Almada (apelida- dos quintos. Caso a arrecadação do ouro não chegasse
do “Juíz do Povo”) invadiram algumas lojas locais e a 100 arrobas (cerca de 1,5 mil quilos), era decretada
saquearam alguns produtos. Depois de duas revoltas, a derrama: a diferença que faltava para completar a
os líderes foram presos e mandados para a África. quantia determinada era cobrada de toda a população

71
pela força das armas. Os excessos cometidos pelas au-
toridades por ocasião da derrama instauraram o medo
generalizado e um ambiente propício à revolta;
§ as ideias liberais trazidas por brasileiros que estudavam
nas universidades europeias; e
§ a independência dos Estados Unidos, cujos colonos,
também revoltados contra o sistema fiscal de sua
metrópole, tinham conseguido se libertar da Inglaterra.
Os planos dos inconfidentes eram os seguintes: multimídia: livros
§ estabelecer um governo independente de Portugal, 1789 - Pedro Doria
abolindo todos os vínculos coloniais;
Depois do enorme sucesso de 1565 – En-
§ adotar o regime republicano;
quanto o Brasil nascia, o jornalista Pedro
§ instituir o serviço militar obrigatório; Doria apresenta aos leitores um novo passeio
§ adotar uma bandeira com o lema Libertas quae sera pela história do Brasil.
tamen (Liberdade ainda que tardia);
§ criar indústrias, particularmente a têxtil e a bélica; Os inconfidentes foram traídos e denunciados por três partici-
pantes da conspiração: o coronel Joaquim Silvério dos Reis, o
§ transformar São João del-Rei na sede do governo; e
tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago e o mestre
§ criar uma universidade em Vila Rica. de campo Inácio Correio Pamplona. Eles procuraram o então
governador, Visconde de Barbacena, e delataram o movimento.
Barbacena, ciente da revolta, suspendeu a derrama, expediu
ordens de prisão contra os inconfidentes e deu início ao proces-
so de devassa, que durou até 1792. Tiradentes foi preso no Rio
de Janeiro, para onde viajara com o objetivo de adquirir armas.
Realizada a devassa, foram ouvidas mais de uma centena
de pessoas, entre acusados e testemunhas, que apareceram
nas peças do processo de acusação dos conjurados. Feita a
multimídia: livros triagem, 30 conjurados, acorrentados e algemados, ouviram
a sentença pelos seus “hediondos crimes e infâmias” prati-
A Devassa da Devassa - Kenneth Maxwell cados contra Portugal: nove foram condenados à morte na
Adaptação, crise e reestruturação imperial é o forca, e os outros, ao degredo perpétuo. Sobre Tiradentes,
tema central deste livro, o primeiro do histo- considerado líder, recaiu a violência maior da devassa: foi
riador e brasilianista Kenneth Maxwell. condenado à morte na forca e ao esquartejamento.

A princípio, a revolta deveria ter ocorrido no dia da der-


rama, programado pelo governo para 1788, mas acabou
suspensa quando se soube da conjuração.
O movimento da Inconfidência Mineira possuía caráter elitista.
Apesar da influência do Iluminismo e das ideias liberais, os in-
confidentes não tinham planos para a abolição da escravidão.
Entre os vários envolvidos estavam: Cláudio Manoel da
Costa, escritor, poeta e advogado; o coronel Inácio José de
Alvarenga Peixoto, poeta e minerador; José Álvares Maciel,
filósofo e historiador, filho do capitão-mor de Vila Rica; Fran- multimídia: vídeo
cisco de Paula Freire de Andrada, comandante do regime Fonte: Youtube
de Cavalaria; cônego Luís Vieira; Domingos de Abreu Vieira, Tiradentes
comerciante português; Tomás Antônio Gonzaga, poeta; e o Tiradentes é um filme brasileiro de 1999, do
alferes1 Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. gênero drama biográfico-histórico, dirigido
1. Antigo posto militar do exército colonial, equivalente por Oswaldo Caldeira.
ao atual posto de segundo-tenente.

72
Bandeira dos inconfidentes que inspirou a
atual bandeira doEstado de Minas Gerais.

Em 21 de abril de 1792, Tiradentes foi enforcado no Rio


de Janeiro, e seu corpo, esquartejado, foi exposto publica- multimídia: vídeo
mente. Sua casa foi destruída e suas terras salgadas. Essa
Fonte: Youtube
exposição pública tinha um objetivo: mostrar à população
a punição a que estavam sujeitos os que ousassem conspi- Curta Metragem: Tiradentes “ O Descartável”
rar contra a Coroa portuguesa.

Tiradentes esquartejado. Óleo sobre tela, de Pedro Militar e republicano, Tiradentes se tornou o principal herói
Américo (1983) da República. Ele foi transformado em mártir, e sua mor-
te passou a ser associada ao sacrifício de Jesus Cristo. É
importante ressaltar que, durante o Império (1822-1889),
a figura de Tiradentes não ganhou destaque em razão de
seu republicanismo. Ele só passaria a ser visto como herói
depois da Proclamação da República (1889), sendo consi-
derado o primeiro mártir republicano.

Exaltação a Tiradentes
Joaquim José da Silva Xavier
Morreu a 21 de abril
Pela independência do Brasil
Foi traído e não traiu jamais
A Inconfidência de Minas Gerais
Fonte: <www.ensinarhistoriajoelza.com.br/
tiradentes-esquartejado-uma-leitura-critica>. Joaquim José da Silva Xavier
Era o nome de Tiradentes
Foi sacrificado pela nossa liberdade
Esse grande herói
Pra sempre há de ser lembrado
Império Serrano (1949)

3.2. Conjuração Baiana ou


Revolta dos Alfaiates (1798)
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube Animai-vos, povo bahiense, que está para chegar o
Os Inconfidentes tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que todos
seremos irmãos, o tempo em que todos seremos iguais.
Os inconfidentes é uma co produção brasilei-
Conteúdo de um dos panfletos distribuídos em
ra e italiana de 1972, do gênero drama histó- Salvador pelos conjurados baianos. Ficou conhecido
rico, dirigida por Joaquim Pedro de Andrade. como “Manifesto ao povo Bahiense”.

73
revolução social no Brasil. No dia 12 de agosto de 1798,
a cidade de Salvador amanheceu com os muros cheios de
panfletos. Os rebeldes desejavam conclamar o povo por
meio dos informes espalhados pela cidade.
Entretanto, a pouca organização e preparação dos rebel-
des, além do grande número de analfabetos, facilitaram
a rápida ação do governo. No dia 25 de agosto, a prisão
da maioria dos envolvidos destruiu qualquer possibilidade
de levante. Os líderes negros e mestiços foram presos. Os
únicos brancos detidos foram Cipriano Barata e Aguilar
multimídia: vídeo Pantoja. Depois do julgamento, quatro envolvidos foram
condenados à forca: os mestiços João de Deus Nascimento,
Fonte: Youtube Manuel Faustino dos Santos, Lucas Dantas e Luís Gonzaga
De Lá Pra Cá - Revolta dos Alfaiates das Virgens. Como sempre acontecia nesses casos, foram
( Conjuração Baiana ) executados e esquartejados para servir de exemplo. A co-
roa devia ser implacável com aqueles que ousavam conte-
Em 1798, ocorreu em Salvador a Conjuração Baiana, re- star seu domínio. Os demais líderes foram deportados.
sultado da insatisfação das camadas médias urbanas e da
população pobre com o agravamento da situação de fome
e miséria devido à exploração metropolitana.
Foi um movimento de caráter popular, também denomina-
do Revolta dos Alfaiates (ou Revolta dos Búzios), graças ao
considerável número de participantes que exerciam essa
profissão. Representou uma reação de camadas sociais
oprimidas pela crise econômica e pelas desigualdades.
A economia nordestina, principalmente no litoral, onde se
produzia cana-de-açúcar, entrou em crise desde o século
XVII, em virtude da expulsão dos holandeses e da con-
multimídia: música
corrência com o açúcar antilhano. No século XVIII, com a Fonte: Youtube
transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, a Inconfidência Mineira – Dino Franco e Mouraí
crise se agravou e a região passou a se sentir abandonada
pela Coroa portuguesa. 3.3. Diferenças entre as
A situação econômica provocou desemprego, fome e Conjurações Mineira e Baiana
miséria, além de deixar a região fora do interesse dos A Inconfidência Mineira teve como um dos principais motivos
comerciantes, que preferiam enviar seus produtos para o a coerção exercida pela metrópole na cobrança dos impostos
Sudeste e o Sul, onde encontravam melhores preços, caus- sobre a produção aurífera. Embora houvesse a participação
ando desabastecimento e carestia na Bahia. de homens sem posse, a revolta foi liderada pelos grandes
A insatisfação popular foi impulsionada pelos ideais da Rev- proprietários daquela região em plena decadência econômica.
olução Francesa, pelo sucesso da independência das Treze A Conjuração Baiana, por sua vez, foi impulsionada pela par-
Colônias Inglesas, pelas ideias iluministas divulgadas por lo- ticipação de pequenos artesãos, militares de baixo escalão,
jas maçônicas, como a dos Cavaleiros da Luz, e pelo propa- escravos e demais setores populares. A revolta pretendia a
gandista dessas ideias, o cirurgião e filósofo Cipriano Barata. independência da Colônia, a mudança das instituições políti-
Não se limitando apenas aos ideais de liberdade e in- cas e a reorganização da sociedade em novas bases.
dependência, os objetivos da revolta baiana foram mais Contudo, o que marca a diferença entre a Conjuração
abrangentes que os das revoltas anteriores. A rebelião Baiana e os demais movimentos contra a Metrópole é
baiana propunha mudanças verdadeiramente revolu- a reivindicação da abolição da escravidão e do fim do
cionárias na estrutura da Colônia. Pregava a igualdade de preconceito de cor. Acabar com a escravidão implicava a
raça e cor, o fim da escravidão (inspirados nos processo adoção imediata e generalizada do trabalho assalariado,
de independência do Haiti) e a abolição de todos os priv- o que provocaria uma profunda mudança nas relações de
ilégios, o que permite considerá-la a primeira tentativa de produção e no conjunto da sociedade colonial instituída.

74
multimídia: música multimídia: sites
Fonte: Youtube
Heróis da Liberdade – Império www.infoescola.com/historia/revol-
Serrano (samba-enredo 1969) tas-do-periodo-colonial-brasileiro/
educacao.globo.com/historia/assunto/in-
dependencia-das-americas/rebelioes-co-
loniais-na-america-portuguesa.html
veronica-mos.blogspot.com.br/2013/07/
rebelioes-coloniais.html
historiaparaoenem.blogspot.com.
br/2015/03/as-revoltas-emancipato-
rias-coloniais.html

multimídia: música
Fonte: Youtube
História da Independência do Brasil –
Salgueiro (samba-enredo 1967)

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Filosofia
Durante o século XVIII, as críticas realizadas na Europa contra o Antigo Regime e suas práticas políticas e econômicas
chegaram à América. A manutenção de um regime político absolutista, baseado na exploração de regiões coloniais,
sofreu grandes ataques de filósofos, que defendiam uma nova maneira de pensar o mundo, batizada de Iluminismo.
Os iluministas defendiam princípios como a liberdade, a igualdade, a justiça e a propriedade, o que, definitivamente,
não se enquadrava no esquema do Antigo Regime.
Nesse contexto, essas ideias chegaram ao continente americano e provocaram inúmeras revoltas contra o domínio
metropolitano nas colônias. As propostas de pensadores como John Locke, Voltaire, Montesquieu e Rousseau estari-
am presentes nos movimentos de independência ocorridos na América, incluindo o Brasil.

75
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Lutas sociais são frequentemente abordadas pelo Enem, tanto na História geral quanto na brasileira. Trata-se da in-
terpretação do caráter sociológico, político e econômico desses movimentos, incluindo sua composição social e o teor
de suas reivindicações. Estas últimas, em geral, estão interligadas: movimentos populares tendem a assumir pautas
populares, embora nem sempre isso seja verificável.
A prova, como de costume, lança mão de fragmentos de textos (poesias, livros teóricos ou relatos históricos) e imagens
(obras de arte).
É fundamental que o candidato tenha visão aguçada da composição social desses movimentos, bem como de suas
principais reivindicações. Entender suas inspirações intelectuais e a conjuntura econômica na qual estão inseridos é
essencial para que o estudante possa responder às questões.

Modelo
(Enem) No tempo da independência do Brasil, circulavam nas classes populares do Recife trovas que faziam alusão à revolta escrava do Haiti:
Marinheiros e caiados
Todos devem se acabar,
Porque só pardos e pretos
O país hão de habitar.
AMARAL, F.P. do. Apud CARVALHO, A. Estudos pernambucanos. Recife: Cultura Acadêmica, 1907.
O período da independência do Brasil registra conflitos raciais, como se depreende:
a) dos rumores acerca da revolta escrava do Haiti, que circulavam entre a população escrava e entre os mestiços pobres,
alimentando seu desejo por mudanças;
b) da rejeição aos portugueses, brancos, que significava a rejeição à opressão da metrópole, como ocorreu na Noite das Garrafadas;
c) do apoio que escravos e negros forros deram à monarquia, com a perspectiva de receber sua proteção contra as in-
justiças do sistema escravista;
d) do repúdio que os escravos trabalhadores dos portos demonstravam contra os marinheiros, porque estes representa-
vam a elite branca opressora
e) da expulsão de vários líderes negros independentistas, que defendiam a implantação de uma república negra, a exemplo
do Haiti.
Análise expositiva - Habilidade 13: Por seu caráter abolicionista, a independência do Haiti teve grande influ-
A ência em manifestações dos negros e segmentos populares contrários à sua situação. A Conjuração Baiana (Re-
volta dos Alfaiates) de 1798, que teve caráter popular, além das influências da independência das Treze Colônias
Inglesas, dos ideais iluministas, republicanos e emancipacionistas difundidos por uma parte da elite culta, reunida
em associações como a loja maçônica Cavaleiros da Luz, foi bastante influenciada pelo processo de independência
do Haiti ou haitianismo. Os revoltosos pregavam a libertação dos escravos, o estabelecimento de um governo igua-
litário (defesa dos méritos e capacidades), a instalação de uma República Baianense e a instauração da liberdade
de comércio e do aumento dos salários dos soldados.
Alternativa A

76
DIAGRAMA DE IDEIAS

GUERRA DOS
REVOLTA DE BECKMAN (1684)
EMBOABAS (1707-09)

• MARANHÃO • PAULISTAS X “EMBOABAS”


PORTUGUESES
• LUTA CONTRA PREÇOS ALTOS DA
COMPANHIA DE COMÉRCIO LÍDERES DE OUTRAS PROVÍNCIAS
• LUTA PELO OURO

REVOLTAS NATIVISTAS

REVOLTA DOS REVOLTA FILIPE DOS


MASCATES (1710-12) SANTOS (1720)

• FAZENDEIROS DE OLINDA X • VILA RICA (MG)


COMERCIANTES DE RECIFE • LUTA CONTRA CASAS DE FUNDIÇÃO
MASCATES • LUTA CONTRA O MONOPÓLIO
• LUTA PELO CONTROLE DE PERNAMBUCO COMERCIAL PORTUGUÊS
• RECIFE: NOVA VILA E CAPITAL

REVOLTAS EMANCIPACIONISTAS

INCONFIDÊNCIA MINEIRA (1789) CONJURAÇÃO BAIANA (1798)

INFLUÊNCIA: INFLUÊNCIA:
INDEPENDÊNCIA DOS E.U.A REVOLUÇÃO FRANCESA

EMANCIPAÇÃO ✓ EMANCIPAÇÃO
POLÍTICA E ECONÔMICA POLÍTICA E ECONÔMICA

MOVIMENTO ELITISTA: ✗ MOVIMENTO POPULAR:


MANUTENÇÃO DA ESCRAVIDÃO FIM DA ESCRAVIDÃO

MOVIMENTOS BRUTALMENTE
REPRIMIDOS POR PORTUGAL

77
AULAS Períodos Pombalino e Joanino
13 e 14
1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10,
Competências: 1, 2, 3, 5 e 6 Habilidades: 11, 13, 14, 15, 22, 24
e 29

1. As reformas pombalinas Esse método de governo procurava mesclar o absolutismo


monárquico aos princípios iluministas, o que, na prática, se
(1750-1777) mostrava muito difícil.
O rei D. José I levou para o ministério o Marquês de Pombal,
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pom-
que se tornou responsável por direcionar a política econômi-
bal, foi primeiro-ministro do Rei D. José I entre os anos de
ca portuguesa e administrar o Estado. Os objetivos de Pom-
1750 a 1777. Originário de uma família da pequena nobre-
bal eram: modernizar a administração pública portuguesa;
za, Pombal foi diplomata em Londres e Viena. Influenciado
pelas ideias iluministas, procurou realizar em Portugal um implementar uma série de medidas com o intuito de ampliar
governo nos moldes do despotismo esclarecido. Foi respon- e maximizar os lucros provenientes da exploração colonial;
sável por uma forte centralização administrativa, acompa- e tornar a Metrópole menos dependente das importações
nhada de um crescente controle da Coroa sobre as ativi- de produtos industrializados, incentivando a instalação de
dades econômicas da Colônia como forma de resolver a manufaturas em Portugal e na colônias (principalmente o
crise na Metrópole. Assim, executou diversas medidas que Brasil). Entre as medidas que procuravam aumentar os lucros
alteraram a vida na Colônia. com a exploração colonial, Pombal determinou a cobrança
anual de 1,5 mil quilos de ouro dos colonos (finta) e instituiu
Em meados do século XVIII, Portugal enfrentava uma sé- a derrama. A extração de diamantes, concentrada no Distrito
ria crise: dependente da Inglaterra, recebia em troca pro- Diamantino, recebeu nova regulamentação com o Regimen-
teção contra a França e a Espanha; havia perdido áreas to da Real Extração e passou para o controle estatal, me-
coloniais e sofria com a queda da exploração dos metais diante o monopólio (estanco). Pombal também restringiu as
preciosos no Brasil. atribuições do Conselho Ultramarino.
Foram criadas novas Companhias de Comércio na Colô-
nia, fator que serviu como um instrumento para maximizar
sua exploração, com destaque para a Companhia Geral do
Comércio do Estado do Grão-Pará e Maranhão e a Compa-
nhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba.

Marquês de Pombal

Em 1750, a ascensão de D. José I ao trono foi um marco


importante. O século XVIII, também conhecido como “sé-
culo das luzes”, foi marcado pela ascensão de um siste-
ma de governo conhecido como despotismo esclarecido. D. Maria I

78
manufatureira no Brasil (Alvará de 1785), a fim evitar uma
possível concorrência com a Metrópole. Além disso, restabe-
leceu a relação de proximidade entre os jesuítas e a Coroa.

2. Período Joanino
(1808-1821)
multimídia: livros 2.1. A transferência da Corte
D. João carioca - Lilia Moritz Schwarcz
portuguesa para o Brasil
No início do século XIX, a Europa estava quase inteiramen-
Há quem diga que D. João gostou tanto
te sob o domínio de Napoleão Bonaparte, imperador da
do Brasil que por aqui foi ficando. Mesmo
França. O país que oferecia maior resistência a Napoleão
depois que os franceses foram expulsos de
era a Inglaterra, cuja poderosa armada o imperador não
Portugal, que aconteceu o Congresso de
conseguira vencer na famosa Batalha de Trafalgar (1805).
Viena, que a paz foi decretada e a guerra
chegou ao fim, o príncipe português preferiu Em 1806, em mais uma investida contra a Inglaterra, Napo-
não voltar a ocupar o seu trono em Portugal. leão decretou o Bloqueio Continental, obrigando todas
as nações da Europa continental a fecharem seus portos ao
comércio inglês. Com essa medida, Napoleão pretendia enfra-
quecer a Inglaterra, privando-a de seus mercados consumido-
Outro objetivo da política pombalina foi perseguir impla-
res e de suas fontes de abastecimento.
cavelmente os jesuítas (ordem religiosa com grande força
política em Portugal), expulsá-los da Metrópole e das co- Portugal, Naquela época, era governado pelo Príncipe Re-
lônias e confiscar-lhes os bens. Como argumento, Pombal gente D. João, pois sua mãe, a rainha D. Maria I, encon-
utilizou a oposição dos jesuítas no Brasil na questão dos trava-se impedida de exercer suas funções por sofrer das
Sete Povos das Missões e na Guerra Guaranítica, além de faculdades mentais.
um suposto atentado à vida do rei D. José I, conhecido
Por meio do Bloqueio Continental, Napoleão passou a exigir
como “o caso Távora”, que contou com a participação de
de D. João o fechamento dos portos portugueses ao comércio
membros dessa ordem religiosa.
inglês. D. João resistia, tentando adiar uma decisão definitiva.
Essas medidas foram ao encontro dos objetivos de cen-
Portugal não queria aderir ao Bloqueio Continental porque a
tralização da administração portuguesa e impedimento da
economia portuguesa dependia basicamente da Inglaterra.
atuação autônoma das ordens religiosas, cujos propósitos
Os ingleses eram os maiores fornecedores de produtos ma-
divergiam dos da Coroa.
nufaturados consumidos em Portugal, bem como os maio-
Entre as alterações na divisão administrativa da Colônia, foi res compradores de mercadorias portuguesas e brasileiras. A
extinto o sistema de capitanias hereditárias, e o Estado do
Brasil foi elevado à categoria de vice-reino, com o objetivo
de possibilitar maior controle dos excedentes coloniais. Em
1763, a capital da Colônia foi tranferida de Salvador para o
Rio de Janeiro, indicando claramente a crescente importân-
cia das capitanias do Sul.
Quando morreu D. José I, Em 1777, o governo de Pombal
apresentava fortes sinais de desgaste. Havia acumulado
vários fracassos e assistia ao crescimento da oposição de
seus velhos inimigos: clero e nobreza, que tiveram um mo-
mento de triunfo com a ascensão de D. Maria I, adversária
das “ideias francesas”, como eram conhecidas as ideias
Iluministas. Pombal foi demitido e o novo governo revogou
multimídia: vídeo
boa parte de sua obra, num processo denominado sugesti- Fonte: Youtube
vamente de “Viradeira”. D. Maria I decretou a supressão Marquês de Pombal
das companhias de comércio e proibiu qualquer atividade

79
Inglaterra, por sua vez, também não queria perder seu velho Alguns historiadores consideram a transferência da Corte
aliado, principalmente porque o Brasil representava um ex- como uma manobra política genial, pois anulava as aspi-
celente mercado consumidor de seus produtos. Além disso, rações francesas sobre a relação luso-britânica, garantia a
Portugal tinha uma grande dívida financeira com a Inglaterra. manutenção do trono português e transformava D. João na
grande figura política em terras americanas. Por outro lado,
Pressionado pelo embaixador inglês Lorde Strangford, D.
alguns historiadores julgam a transferência da Coroa para
João assinou uma convenção secreta com a Inglaterra,
o Brasil como um ato de extrema covardia.
mediante a qual a Família Real Portuguesa seria transfe-
rida para o Brasil escoltada por uma esquadra britânica. O O embarque de milhares de pessoas foi extremamente
acordo estabelecia ainda que a Inglaterra teria direito a um confuso, pois era um dia chuvoso em que todo o apare-
porto livre na Ilha da Madeira e outro em Santa Catarina, lho de Estado português, a Biblioteca Real (mais de 60
bem como poderia comercializar livremente com o Brasil. mil livros), objetos de museus, obras de arte e o tesouro
real embarcariam junto a objetos pessoais dos nobres e
outras pessoas que partiriam rumo ao Brasil.
Na manhã do dia 29 de novembro de 1807, partia a es-
quadra britânica, transportando o Estado luso para o Rio
de Janeiro.
A população portuguesa assistiu atônita a toda essa movi-
mentação. Não podia acreditar que estava sendo abando-
nada pela Coroa e demais membros do Estado, ficando to-
talmente desamparada para enfrentar as tropas francesas.
Junot, general francês responsável pela tomada de Lisboa,
apesar de estar com sua tropa muito desfalcada, não en-
controu dificuldade para tomar a cidade.
Ao povo português restava a indignação, explicitada numa
D. João VI. Partida do príncipe regente de Portugal para trova popular da época:
o Brasil, 27 de novembro de 1807. Litogravura, de F. “Fugiram os velhacos
Bartolozzi (gravador) e H.L.E. Vêque (desenhista). para a terra dos macacos,
vieram os ladrões
Ao tomar conhecimento do acordo anglo-português, Na-
para a terra dos cagões”.
poleão Bonaparte assinou com a Espanha o Tratado de
Fontainebleau, estabelecendo a invasão de Portugal por
tropas franco-espanholas, a deposição da dinastia de Bra- 2.2. A abertura dos portos
gança e a divisão das colônias portuguesas entre os dois às nações amigas (1808)
países. Entretanto, Napoleão rompeu o acordo com a Es- Ao desembarcar em Salvador, o Príncipe Regente D. João
panha e, durante a marcha francesa em direção a Portugal, assinou a Carta Régia de 28 janeiro de 1808, determi-
ocupou o território espanhol com suas tropas, depondo o nando a abertura dos portos brasileiros às nações ami-
rei da Espanha, Carlos IV; depois, o filho de Carlos, Fernan- gas de Portugal. O decreto também revogava os anteriores,
do VII. Napoleão transferiu o trono espanhol a seu irmão, que proibiam o comércio entre o Brasil e outros países.
José Bonaparte (1808).
Essa medida marcou o fim do Pacto Colonial, uma vez
Ao mesmo tempo, era iniciada a invasão francesa no ter- que extinguiu o monopólio português sobre o comércio
ritório português. brasileiro. Os portos brasileiros estavam abertos ao comér-
A demora do regente português em decidir sobre que lado cio internacional, embora, na prática, a nação que real-
tomar permitiu que as tropas francesas se preparassem mente iria usufruir da liberdade de comerciar nos portos
para um ataque às terras lusas. Assim, o embarque e fuga do Brasil seria a Inglaterra. No entanto, tal medida tinha
da Corte portuguesa para o Brasil foi realizado às pressas, caráter transitório; deveria vigorar apenas no período em
com cerca de 15 mil pessoas fugindo apenas um dia an- que a Corte portuguesa permanecesse no Brasil.
tes das tropas napoleônicas ocuparem Lisboa. Isso acabou Depois da assinatura desse decreto, D. João e a Família
diminuindo a grandeza da ideia de transferir a Coroa e a Real embarcaram para o Rio de Janeiro, frustrando a popu-
Corte lusa para uma área mais segura, projeto já sugerido lação baiana que desejava a presença da Corte na cidade
em outras épocas de risco à Coroa. de Salvador para que voltasse a ser a capital do Brasil. Com

80
a Família Real instalada no Rio, iniciou-se um período de O Rio de Janeiro era uma cidade muito acanhada para re-
desenvolvimento econômico e político no Brasil, criando ceber toda a Corte lusitana. À época, contava com cerca de
bases fundamentais para sua independência política. 60 mil pessoas e, do dia para noite, recebeu cerca de 15 mil
novos habitantes. Não havia moradia para tantos corpos, o
que levou o conde dos Arcos, governador-geral do Brasil, a
decretar o confisco de moradias na cidade, as quais abriga-
riam os portugueses recém-chegados. Essas casas tinham
as letras “P” e “R” pintadas em suas portas, o que signifi-
cava: “Propriedade real” ou “Príncipe Regente”.
Durante esse período houve grande burocratização da má-
quina pública, caracterizada pela ineficiência, apadrinha-
mento, nepotismo, distribuição de cargos, títulos de nobreza
e de várias ordens, incompetência, corrupção e confronto ou
mesmo duplicidade de funções, até porque o Rio de Janeiro
já possuía um aparelho de Estado em funcionamento.
A implantação dessa máquina burocrática consolidou a
autonomia política da Colônia, que passou a funcionar
independentemente da Metrópole, constituindo o que
alguns autores definem como a “Inversão Brasileira”,
uma vez que as decisões políticas da Metrópole se concen-
travam na Colônia.

Retrato de D. João VI. Gravura em metal, de Debret.

multimídia: livros
1808 - Laurentino Gomes
A fuga da família real portuguesa para o Rio
de Janeiro ocorreu num dos momentos mais
apaixonantes e revolucionários do Brasil, de
Portugal e do mundo. Guerras napoleônicas,
revoluções republicanas, escravidão forma-
Chegada do príncipe D. João, da família real e da Corte à Igreja da ram o caldo no qual se deu a mudança da
Nossa Senhora do Rosário para a missa comemorativa da chegada corte portuguesa e sua instalação no Brasil.
ao Rio de Janeiro. Óleo sobre tela de, de Armando Martins Viana.

2.3. A estrutura burocrática do


Estado português no Brasil 2.4. A liberdade industrial e
Ao instalar-se no Rio de Janeiro, a primeira preocupação
outras medidas econômicas
de D. João foi instalar a Corte e construir um aparato po- D. João também assinou o Alvará de Liberdade Indus-
lítico-administrativo no Brasil. Junto com a Família Real, trial, permitindo a instalação de manufaturas e fábricas
vieram altos funcionários públicos, ministros, magistrados no Brasil e anulando as proibições impostas pelo Alvará de
e nobres, o que exigia a recriação em terras brasileiras do 1785, assinado por sua mãe, D Maria I.
aparelho burocrático português para restabelecer as fun- Com a criação de algumas manufaturas têxteis e siderúrgi-
ções administrativas. cas, ocorreu um relativo surto industrial, mas a medida não

81
foi suficiente para promover a industrialização no Brasil. impostos pagos por produtos ingleses inviabilizavam a
Não havia capital suficiente para ser aplicado em fábricas, instalação de manufaturas e fábricas no Brasil. Além dis-
o mercado consumidor era pequeno, a concorrência ingle- so, provocaram uma crescente dependência econômica
sa era insuperável, e, principalmente, o investimento do ca- em relação aos britânicos.
pital estava voltado quase exclusivamente para o mercado
Nos 13 anos em que permaneceu no Brasil, D. João tomou
de escravos.
uma série de medidas que contribuíram para o desenvolvi-
O Príncipe Regente determinou a criação da Casa da Moe- mento e a autonomia do Brasil:
da, responsável pela emissão monetária, e do Banco do § instalação da imprensa e da Biblioteca Régia;
Brasil, que serviria para atender às necessidades bancá-
§ criação do Horto Real (Jardim Botânico);
rias das elites portuguesas e brasileiras e regulamentar a
arrecadação tributária, extremamente necessária para cus- § criação das Escolas de Medicina de Salvador e do Rio
tear o aparelho burocrático montado no Brasil. de Janeiro;
§ criação da Escola de Comércio e da Escola Real de Ar-
2.5. Tratados de 1810 tes, Ciências e Ofícios;
Em 1810, Lorde Strangford, representante inglês, e Sousa § financiamento de uma Missão Artística Francesa, lide-
Coutinho, ministro de D. João, firmaram os seguintes acor- rada por Joachim Lebreton, que trouxe para o Brasil
dos: o Tratado de Aliança e Amizade e o Tratado de pintores como Nicolas Taubay e Jean-Baptiste Debret,
Comércio e Navegação, que estabeleciam: o escultor Auguste Taunay, o arquiteto Grandjean de
§ nomeação de juízes ingleses para julgar os súditos bri- Montigny e o gravador Marc Ferrez; a Missão lançou as
tânicos que viviam no Brasil; bases para a Real Academia de Belas Artes;

§ liberdade religiosa para os ingleses (na sua maioria § fundação da Academia Real Militar e Academia da
protestantes anglicanos); Marinha;

§ cobrança de taxa de 15% na importação de merca- § criação da Fábrica de Pólvora;


dorias inglesas, mais baixa que os 16% cobrados das § criação das fábricas de ferro Ipanema (Sorocaba-SP) e
mercadorias portuguesas e que os 24% cobrados de Patriótica (Congonhas-MG);
mercadorias de outras nacionalidades;
§ inauguração do Real Teatro São João, no Rio de
§ um porto livre: o de Santa Catarina; Janeiro;
§ proibição da atuação da Santa Inquisição no Brasil, que instalação de novos bairros, sistema de esgoto, drenagem
julgava quaisquer desvios da fé católica; dos pântanos e calçamentos das ruas principais do Rio de
§ gradual extinção do tráfico negreiro para a Colônia. Janeiro.

A preponderância inglesa no Brasil se consolidava. Impor-


tantes setores da elite luso-brasileira manifestaram seu
descontentamento com os tratados de 1810. A Igreja Ca-
tólica, os comerciantes reinóis e os proprietários escravo-
cratas se sentiram prejudicados.
O Tratado de Aliança e Amizade legitimava a aliança entre
os dois países e o compromisso inglês de reconhecer ape-
nas a dinastia de Bragança como detentora e herdeira do
trono português;
O resultado direto desses acordos foi a total abertura do
mercado consumidor brasileiro aos produtos ingleses,
que inundaram as prateleiras dos comércios e armazéns
multimídia: música
de todo o Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. Com Fonte: Youtube
dificuldades de penetrar os mercados europeus em virtu- O Quinto Império: de Portugal ao Brasil, uma
de da expansão napoleônica, os comerciantes ingleses utopia na História
enviavam produtos sem utilidade alguma no Brasil, como Mocidade Independente (samba-enredo 2008)
esquis e patins para neve e casacos de pele. Os baixos

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Uma senhora brasileira em seu lar. Óleo sobre tela de Jean-Baptiste Debret, artista cujo
sucesso se deveu aos registros que fez dos usos e costumes do país.

2.6. O Brasil como Reino Unido (1815)


Em 1815, Napoleão foi definitivamente derrotado. O Con-
gresso de Viena passou a reorganizar a Europa, recolocan-
do nos diversos tronos as dinastias que a França napole-
ônica havia derrubado. A dinastia de Bragança, para ser
reconhecida pela nova ordem europeia, deveria abandonar
a Colônia e retornar ao território metropolitano. Nessa
época, D. João e a maior parte de sua Corte não desejavam
deixar o Brasil, onde haviam criado raízes e interesses eco-
nômicos. Além disso, Portugal se encontrava empobrecido,
devastado pela guerra e pela crise econômica.
Buscando atender às exigências do Congresso de Viena,
mas sem precisar retornar à Europa, D. João acatou a
sugestão do astucioso Talleyrand, Ministro do Exterior da
França: elevar o Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarve.
Os ingleses também gostaram da ideia, pois não deseja-
vam ver o Brasil voltar à condição de Colônia, uma vez que
perderiam um mercado importante para seus produtos.
Essa mudança, ocorrida em 1815, permitiu a D. João pro-
longar sua permanência no Brasil, para o qual a condição
de igualdade política e jurídica representou mais um passo Brasão do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve,
em direção à sua emancipação política. ficava no centro de uma bandeira branca.

83
2.7. A Revolução de diferentes segmentos: Domingos José Martins, do Comér-
cio; Manuel Correia de Araújo, da Agricultura; Domingos Teo-
Pernambucana de 1817 tônio Jorge, do Exército; Padre João Ribeiro, da Igreja; e José
Luís de Mendonça, da Magistratura. O movimento contou
ainda com a adesão de revolucionários da Paraíba, do Rio
Grande do Norte, do Ceará e de Alagoas.
Enquanto não era convocada uma Assembleia Consti-
tuinte, foi instituída uma Lei Orgânica, que determinava
a adoção do regime republicano e a liberdade de co-
mércio e de imprensa. Durante os setenta e cinco dias
que governaram, os rebelados suspenderam parte dos
impostos e tributos e aboliram os títulos de nobreza
A reação do governo português foi imediata. Enviou
tropas da Bahia e do Rio de Janeiro, que bloquearam o
porto de Recife e atacaram os revoltosos por terra e mar.
Despreparado, o exército revolucionário foi derrotado fa-
A bandeira da Revolução Pernambucana de 1817, cilmente pelas tropas leais ao governo Joanino.
cujas estrelas representam Pernambuco, Paraíba e
Ceará, inspirou a atual bandeira pernambucana. Alguns líderes foram mortos em combate, enquanto ou-
tros foram executados em Salvador (Padre Miguelinho e
No início do século XIX, a economia nordestina enfrentava Domingos José Martins) e no Recife (Domingos Teotônio
uma séria crise econômica em virtude da queda dos preços e Jorge e José de Barros). Outros envolvidos foram anistia-
da exportação do açúcar e do algodão, os maiores produtos dos, em 1821, pelo príncipe D. Pedro, como Frei Caneca,
de exportação da região. O açúcar sofria a concorrência do Antônio Carlos de Andrada, Cipriano Barata e o padre
açúcar de beterraba produzido pelos ingleses, enquanto o cearense José Martiniano de Alencar.
algodão sofria concorrência da produção norte-americana.
Os grandes proprietários rurais e a população em geral en-
frentavam sérias dificuldades, agravadas pelas constantes
secas ocorridas na região, provocando o aumento da ca-
restia, da fome e da miséria. Além disso, os portugueses
controlavam o comércio e a maioria dos cargos públicos
excluindo os brasileiros de uma parte significativa da eco-
nomia e das decisões políticas.
A presença da Corte portuguesa no Rio de Janeiro deman-
dava altos gastos para o Estado e, para sustentá-la, D. João multimídia: livros
promovia constantes aumentos de tributos, elevando ainda
mais o custo de vida e a expropriação dos brasileiros. Debret e o Brasil - Pedro Correa do Lago

Esse cenário levou alguns segmentos sociais pernambuca- O livro apresenta um catálogo raisonné da
nos, influenciados pelas ideias iluministas, pela Revolução obra brasileira de Jean-Baptiste Debret, o
Francesa e pelo liberalismo político do movimento de Inde- artista estrangeiro que pintou o Brasil no
pendência dos EUA, a organizarem um movimento revolu- século XIX.
cionário cujo objetivo era a independência de Pernambuco.
Os revolucionários pernambucanos queriam a adoção de
uma República Federalista, o fim dos monopólios comer- 2.8. A política externa
ciais e dos tributos excessivos, a adesão de outras provín- O Período Joanino foi marcado por intensos combates
cias do norte e nordeste contrárias à presença da Corte visando à defesa do território ou à anexação de alguma
portuguesa no Brasil e o fim das políticas implementadas região, sempre usando como pretexto a ameaça francesa
pelos portugueses. ou espanhola.
Os revoltosos anteciparam o levante, tomando o poder e ins- Em 1809, com o apoio militar britânico, D. João VI orde-
tituindo um governo provisório composto por representantes nou a invasão da Guiana Francesa. Embora tenha sido

84
anexado pelo Brasil, o território foi devolvido para a Fran-
ça em 1817, por determinação do Congresso de Viena.
Em 1816, o velho sonho português de estender as frontei-
ras brasileiras até o rio da Prata se tornou realidade com a
invasão do Uruguai. Liderados pelo general Lecor, as tropas
luso-brasileiras dominaram Montevidéu em 1821. A região
foi anexada ao Brasil com o nome de Província Cispla-
tina. Em 1828, ao conquistar sua Independência, ganhou o
nome de Estado Oriental do Uruguai.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Ep. 01 - A Fuga dos Reis - 1808, A Corte
no Brasil

No Brasil, com a morte da rainha-mãe, D. Maria I (1816), D. João


foi, em 1818, aclamado rei com o título de D. João VI.
Em Portugal, por sua vez, o rei era representado pela Regência
do governo militar britânico de William Carr Beresford, o que
Província Cisplatina. Mapa de Jean-Baptiste Debret. provocava o descontentamento da população e o acirramento
da oposição ao governo do marechal inglês.

multimídia: música Aclamção do rei D. João VI - Jean-Baptiste Debret


Fonte: Youtube
200 Anos da Corte Real, nos Jardins da Família
Imperial
Unidos da Tijuca (samba-enredo 2008)

2. 9. Revolução Liberal do Porto (1820)


Depois da queda de Napoleão Bonaparte, de sua prisão e
exílio na ilha de Santa Helena, o seu Império esfacelou-se.
Em 1815, os governos europeus trataram de se unir para multimídia: livros
planejar a reordenação política da Europa. Organizou-se,
então, de 2 de maio de 1814 a 9 de julho de 1815, o Con- A longa viagem da biblioteca dos reis -
gresso de Viena, que, de fato, foi uma conferência entre
Lilia Moritz Schwarcz
os embaixadores das principais potências europeias com 1º de novembro de 1755, dia de Todos os
o objetivos de reordenar o mapa político da Europa, res- Santos. A população de Lisboa se apronta
tabelecer a colonização e tentar reviver o mundo colonial, para viver mais um pacato dia de feriado,
além de reconduzir ao trono as famílias reais subjugadas sem imaginar o mal que vinha da terra.
por Napoleão, resgatando o Absolutismo.

85
Dessa forma, os burgueses que defendiam uma Monar- anuladas, uma vez que defendiam a recolonização do Bra-
quia Constitucional começaram a se sentir fortalecidos. sil. Sob a ameaça de perder o trono luso, D. João VI deixou
Entre 1817 e 1818, ocorreu o primeiro levante burguês de o Reino Unido do Brasil rumo a Lisboa no dia 25 de abril de
cunho liberal; e, em 1820, teve início a Revolução Libe- 1821. Ele transferiu a sede da Coroa para Portugal. Um de
ral do Porto, que reivindicava a volta de D. João VI para seus filhos, D. Pedro, ficou como príncipe regente do Brasil.
Portugal e a assinatura e o juramento de fidelidade à Cons-
Entretanto, os revoltosos portugueses continuaram a pres-
tituição que seria elaborada, transformando o país numa
sionar para que o Brasil voltasse à sua condição de colônia
Monarquia Constitucional.
e para que o regente voltasse para Portugal, fator que pre-
Quanto ao Brasil, os liberais portugueses resolveram cipitou a independência do Brasil, garantindo o trono para
que todas as concessões feitas aos colonos deviam ser os Bragança.

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Terremotos em Lisboa (Geografia)


No dia 1.º de Novembro de 1755, a cidade de Lisboa foi acometida por um devastador terremoto. Estima-se que o
sismo atingiu magnitude entre 8,7 e 9 graus na escala Richter, o que justifica a morte de mais de 90 mil portugueses.
Para se ter uma ideia da dimensão, a população de Lisboa era de 300 mil habitantes.
Prédios inteiros e inúmeras residências foram completamente destruídos. Houve, ainda, um tsunami de aproximada-
mente 20 metros de altura, que agravou ainda mais a situação dos habitantes. As ondas de choque do sismo foram
sentidas por toda a Europa e norte da África. As cidades marroquinas de Fez e Meknès sofreram danos e perdas
consideráveis. Os maremotos originados pela movimentação tectônica varreram locais desde o norte da África até
o norte da Europa.
Atualmente, com a tecnologia disponível, cientistas descobriram uma fratura tectônica em formação no litoral portu-
guês, o que justificaria os constantes abalos sísmicos na região. Isso significa que, daqui a uns 200 milhões de anos,
o oceano Atlântico poderá desaparecer e as massas continentais da Europa e da América poderão de juntar num
novo supercontinente.

86
multimídia: música multimídia: vídeo
Fonte: Youtube Fonte: Youtube
João e Marias Chegada da Família Real Portuguesa -
Imperatriz Leopoldinense (samba-enredo 2008) Dom João no Brasil

ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional
9 ou mundial.
Para se estudar a história brasileira, deve-se ir para além dos eventos internos. É fundamental inserir a conjuntura po-
lítica, econômica e social nacional dentro das relações internacionais. No caso do período colonial, isso é mais do que
necessário, pois o Brasil sequer se constituía como uma nação soberana, ou seja, era rebaixado à condição colonial.
Dessa forma, a implementação de normas econômicas e sociais da coroa portuguesa era diretamente conectada à sua
situação dentro do jogo de forças das relações internacionais.
O aluno, para ter uma visão mais ampla e correta da realidade nacional, deve procurar o contexto internacional conco-
mitante ao momento histórico estudado. A Habilidade 9 exige a destreza do aluno para tal. Cada vez mais, não somente
no Enem, é exigido esse tipo de habilidade.

Modelo
(Enem) Eu, o Príncipe Regente, faço saber aos que o presente Alvará virem: que desejando promover e adiantar a
riqueza nacional, e sendo um dos mananciais dela as manufaturas e a indústria, sou servido abolir e revogar toda e
qualquer proibição que haja a este respeito no Estado do Brasil.
Alvará de liberdade para as indústrias (1º de Abril de 1808). In: Bonavides, P.; Amaral, R. Textos
políticos da História do Brasil. Vol. 1. Brasília: Senado Federal, 2002 (adaptado).

O projeto industrializante de D. João, conforme expresso no alvará, não se concretizou. Que características desse
período explicam esse fato?
a) A ocupação de Portugal pelas tropas francesas e o fechamento das manufaturas portuguesas.
b) A dependência portuguesa da Inglaterra e o predomínio industrial inglês sobre suas redes de comércio.
c) A desconfiança da burguesia industrial colonial diante da chegada da família real portuguesa.

87
d) O confronto entre a França e a Inglaterra e a posição dúbia assumida por Portugal no comércio internacional.
e) O atraso industrial da colônia provocado pela perda de mercados para as indústrias portuguesas.
Análise expositiva - Habilidade 9: A “liberdade industrial” ocorreu num contexto em que a dependência
B de Portugal frente à Inglaterra aumentou, fruto do apoio dos ingleses na transferência da Corte para o Brasil. A
Inglaterra era um país que se industrializava em um processo de quase 40 anos, produzia em grande escala e
ainda recebia uma série de privilégios de D. João VI, como a Abertura dos Portos e, posteriormente, os Tratados de
1810. Assim, o predomínio de produtos ingleses no Brasil minou qualquer possibilidade de desenvolvimento da
indústria local.
Alternativa B

DIAGRAMA DE IDEIAS

BLOQUEIO PORTUGAL
ERA NAPOLEÔNICA
CONTINENTAL DESRESPEITA

FUGA DA CORTE AMEAÇA DE


AO BRASIL NAPOLEÃO

IMPRENSA, BIBLIO-
TECA E ESCOLAS
ABERTURA DOS
PORTOS
INDUSTRIALIZAÇÃO PERÍODO JOANINO
DO BRASIL (1808 - 1821)
TRATADOS DE 1810:
LIBERDADE
COMERCIAL • PORTO DE SC
AOS INGLESES
• TAXA DE IMPORTAÇÃO
BANCO DO BRASIL INGLATERRA (15%)
PORTUGAL (16%)
RESTO DO MUNDO (24%)

BRASIL: REINO MODERNIZAÇÃO DO


UNIDO (1815) RIO DE JANEIRO DOMÍNIO INGLÊS

CAMINHO PARA
EMANCIPAÇÃO

88
Processos de independência do
AULAS Brasil e da América espanhola
15 e 16
1, 2, 4, 5, 7, 8, 9, 10,
Competências: 1, 2, 3, 5 e 6 Habilidades: 11, 13, 14, 15, 22, 24
e 29

1. Processo de João VI no Brasil havia solapado os alicerces do sistema


colonial, que já estava inadequado à nova realidade eco-
independência do Brasil nômica e política da Europa e da América do Norte, e não
tinha mais sustentação interna. Os grupos anticolonialistas
haviam se fortalecido e seus ideais foram propagados e
1.1. A Revolução Liberal do popularizados.
Porto e as Cortes de Lisboa
Em 1820 a burguesia de Portugal finalmente conseguiu se
desvencilhar da ocupação inglesa mantida pelo Lord Beres-
ford, processo que deu início à revolução liberal e à con-
vocação extraordinária das Cortes Constituintes de Lisboa
para a elaboração da primeira Constituição portuguesa.
Com o controle do poder e nos limites do “liberalismo” à
portuguesa, a burguesia lusa, ainda predominantemente
mercantilista, se propôs a reformar a administração públi-
ca e recuperar a economia do Reino, exigindo, para tanto,
algumas medidas imediatas, como o regresso do soberano multimídia: vídeo
à metrópole, o seu juramento à futura Constituição e a re-
Fonte: Youtube
colonização do Brasil em favor dos interesses maiores do
comércio português. Independência do Brasil | Nerdologia 168

Depois de algumas hesitações, D. João VI partiu no dia 25 Perante a ação das Cortes e a regência de D. Pedro, forma-
de abril de 1821, deixando D. Pedro como regente no go- ram-se três grandes agrupamentos políticos no Brasil:
verno do Brasil; abriu-se um momento decisivo no proces-
so de separação da colônia com a metrópole. § o Partido Português, formado principalmente por
militares reinóis e por comerciantes portugueses radi-
O caráter recolonizador das Cortes gerou a reação anticolo- cados nas cidades brasileiras mais importantes, benefi-
nialista dos brasileiros. Porém, a burguesia portuguesa não ciários da antiga política mercantilista e defensores da
permitiu a separação. O Brasil lhe proporcionava- produtos política recolonizadora das Cortes.
tropicais, tais como: couro, madeira e ouro a baixo preço,o
abastecimento do comércio interno e da exportação, ge- § o Partido Brasileiro, formado por grandes proprietá-
radora de altos lucros., dependia dessas mercadorias.Para rios de terras e escravos, altos funcionários da burocracia
os traficantes lusos, o comércio de escravos representava governamental e comerciantes brasileiros e ingleses. Li-
um negócio fundamental e a garantia de lucros elevados. derado por José Bonifácio, o Partido Brasileiro era a força
Por isso, o liberalismo português mostrava-se adaptado ao mais importante no processo de independência e carac-
terizava-se pelo conservadorismo. Seus componentes te-
colonialismo e aos propósitos que nada tinham a ver com
miam que a luta pela independência fosse acompanha-
ele, uma vez que, como dizem alguns estudiosos, tratava-se
da por mudanças na estrutura econômico-social do país,
de um liberalismo “fora de lugar”.
o que implicaria principalmente a extinção do escravis-
Por outro lado, a aristocracia rural brasileira não podia ad- mo. Defendiam algumas ideias liberais, adaptadas às
mitir a volta ao status colonial. Não permitiria mais pode- suas necessidades, como sérias restrições à democracia,
res discricionários nem espoliações realizadas em nome da voto censitário – imposição de certas condições sociais e
Coroa portuguesa e de sua pesada carga fiscal; crescia o um patamar mínimo de renda para se ter direito ao voto.
sentimento emancipacionista. A presença da Corte de D. Um dos pontos fundamentais do programa era manter

89
a unidade nacional com um governo fortemente centra- § Licença de desembarque apenas para as tropas
lizado no Rio de Janeiro. portuguesas que jurassem obediência ao regente.
§ Nomeação de diplomatas brasileiros em países euro-
peus e nos EUA.
§ Viagem de D. Pedro a Minas, onde acalmou os ânimos
mais exaltados.
§ Convocação de uma Assembleia Geral e Constituinte.
Em desespero, as Cortes de Lisboa tomaram medidas radi-
cais: declararam ilegítima a Assembleia Constituinte reuni-
da no Brasil; o governo do príncipe foi declarado ilegal e ele
José Bonifácio de Andrada e Silva, estadista foi convocado a regressar imediatamente para Portugal.
fundamental na independência do Brasil.

§ O grupo dos Radicais Liberais, liderado por Gonçal-


ves Ledo, defendia que a independência fosse acom-
panhada por reformas – abolição da escravatura, esta-
belecimento de um sufrágio amplo e mais autonomia
das províncias. Faziam parte desse grupo: profissionais
liberais, pequenos comerciantes, artesãos e padres.
Embora com divergências de ideias e programas, o grupo
dos Brasileiros e dos Radicais Liberais uniram-se nos anos de
1821 e 1822, lutando pela mesma causa: a independência
e pelo poder. Terminaram por influenciar o príncipe regente
para que fosse o líder do movimento pela independência.
Era importante que houvesse um posicionamento claro do
príncipe. José Clemente Pereira levou a D. Pedro um abai-
xo-assinado, no dia 9 de janeiro de 1822. Pressionado pelo
presidente do Senado e da Câmara, comprometeu-se dian-
te do povo a permanecer aqui. Essa decisão, solenizada
no “Dia do Fico” (9 de janeiro de 1822), representou a Cortes de Lisboa, óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva.
escolha de um caminho sem retorno. A crise institucional chegava a um limite que apontava
para a separação final. Em agosto de 1822, D. Pedro viajou
Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, para São Paulo. Tentava acalmar a província, agitada pela
estou pronto, diga ao povo que eu fico “bernarda”1 de Francisco Inácio. Esse movimento havia
D. Pedro I destituído Martim Francisco e abalado o prestígio dos An-
drada. Enquanto D. Pedro estava em São Paulo, a maçona-
ria decidiu pela separação do Brasil de Portugal. A chegada
A reação portuguesa não se fez esperar. A decisão de D.
do navio-correio trazendo notícias restritivas à autonomia
Pedro teve reflexos internos e externos. As Cortes acir-
do Brasil precipitou os acontecimentos.
raram os decretos recolonizadores e as tropas metro-
politanas sediadas no Brasil movimentaram-se contra o José Bonifácio enviou um mensageiro ao encontro de D.
regente D. Pedro. Pedro, no Ipiranga, em São Paulo, quando voltava de San-
tos. Os relatórios dos irmãos Andrada, de Lisboa e do Rio, e
Essas atitudes aceleraram os seguintes acontecimentos.
1. Em maio de 1822, São Paulo se levanta. Acontece a “bernarda” (revolta)
§ Instituição do decreto do “Cumpra-se”. As leis portu-
de Francisco Inácio de Sousa Queirós, homem com grande força política no
guesas, doravante, só seriam acatadas após receberem
Oeste da província. Pertencia às famílias governantes de Sorocaba, ferrenhas
a aprovação de D. Pedro. opositoras dos Andradas e favoráveis ao príncipe, desde que tutelado pelas
Cortes. D. Pedro viajou para São Paulo com o intuito de enfrentar a revolta
§ Convocação do Conselho de Procuradores Gerais das
(Eduardo Schnoor, Sudeste leal.)
Províncias do Brasil no Rio de Janeiro.
§ O regente D. Pedro aceita o titulo de Defensor Perpétuo Disponível em: <revista dehistoria.com.br>.
Acesso em: 28 fev. 2015.
do Brasil oferecido pela maçonaria.

90
a carta de D. Leopoldina convenceram-no a imediatamente
proclamar a independência. Era 7 de setembro de 1822. ção pretensamente às margens do Ipiranga. Os outros
personagens que compõem a cena – um menino que
As margens do Ipiranga encontrava-se uma comitiva for-
corre, as mulheres com seus véus negros a cobrirem
mada às pressas em Santos, composta de seis ou sete
os ombros, homens com bombachas e meninas com
membros, todos sobre lombos de mulas. Seriam estas as
saias abauladas – assemelham-se à população rural
únicas testemunhas da suposta proclamação de D. Pedro:
da Europa devidamente transposta para os trópicos
“Independência ou Morte”.
por Moreaux.
Com o intuito de evitar a imagem de um Império escra-
A tela de Moreaux representa o exato momento em
vocrata, os cativos ficaram afastados da pintura. Tam-
que o príncipe D. Pedro I proclama a Independência
bém não seria possível enfatizar a ideia de um monarca
do Brasil. Tal qual uma estátua equestre, imóvel no
“civilizado” se ele aparecesse cercado de mestiços
gesto que procura dar imortalidade ao acontecimento
e negros. É possível reconhecer na representação um
datado. Com a mão direita erguida, o futuro impera-
país branco, até italiano, à semelhança dos casamentos
dor segura e agita o chapéu bicorne. O artista joga luz
reais promovidos pela monarquia brasileira.
em D. Pedro e em seu cavalo, elevando ligeiramente a
Adaptado de: SCHWARCZ, Lilia. Reino da imaginação. Disponível
real figura, com o objetivo de destacá-las das demais. em: <revistadehistoria.com.br>. Acesso em: 10 dez. 2014.
Ao fundo, estariam os bosques que margeiam o Rio
Ipiranga. No entanto, a obra deve muito mais à ima-
ginação do que à realidade. Era fato que as pinturas
acadêmicas deveriam inspirar moralmente mais do
que pretender retratar a realidade objetivamente.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Independência ou morte
A Proclamação da Independência. Óleo sobre tela Independência ou Morte é um filme brasileiro,
de François-René Moreaux (1844), a pedido do
Senado Imperial. (Museu Imperial de Petrópolis). lançado em setembro de 1972, dirigido por
Carlos Coimbra e produzido pela Cinedistri.
Nesse caso, no entanto, o modo idealizado como a
cena é retratada é quase constrangedor. O ambiente
pouco se parece com o Brasil, não fossem as poucas O Império de D. Pedro I consolidaria a hegemonia dos la-
palmeiras devidamente sombreadas no fundo da tela. tifúndios; o regime de trabalho escravo esvaziaria o ideal
A luminosidade do céu é também bastante rebaixada, republicano; refutaria o federalismo e optaria por uma for-
a exemplo de outros pintores de formação acadêmica ma unitarista, com o poder centralizado no Rio de Janeiro.
e de origem francesa, que manifestavam igual dificul-
Na passagem da Colônia para Império, observa-se certa
dade em retratar o azul luminoso dos trópicos.
singularidade. O processo começou com o ato da abertura
A população que rodeia D. Pedro I também contribui dos portos logo após a chegada da família real ao Brasil, em
para o aspecto idealizado do quadro. Os elementos do 1808. Com esse ato, a própria Coroa portuguesa extinguia
Exército assemelham-se a estátuas, imóveis, enquan- o pacto colonial. Ao transformar a colônia em sede do poder
to o povo movimenta-se muito: os figurantes congra- metropolitano, criava uma situação inusitada: embora per-
tulam-se, acenam, trocam abraços, correm... sempre tencendo a Portugal e devendo inteira submissão à Coroa
de forma a saudar o ato memorável de D. Pedro. portuguesa, a colônia era a sede do poder metropolitano.
Não há negros muito menos indígenas na representa- O projeto político da independência do Brasil foi resul-
tado, em primeiro lugar, dessa situação particular e das

91
contradições entre os interesses da elite agrária brasileira espírito liberal dos protagonistas desse processo. Na verdade,
e do projeto português de recolonização do Brasil, ex- a manutenção da escravidão negava qualquer desejo liberal.
presso na Revolução Liberal do Porto.
É possível associar a Independência do Brasil aos interesses
Ciente dos riscos que corria, a aristocracia rural bra- externos, com destaque para a atuação da Inglaterra, uma
sileira aproximou-se do jovem príncipe regente vez que o país ambicionava a ampliação dos mercados con-
D. Pedro com o objetivo de convencê-lo das vantagens de sumidores para seus produtos manufaturados. Ressalte-se
sua permanência na colônia. ainda que a maior parte da população não participou do
Em 1822, o rompimento com a metrópole ocorreu sim- processo de independência do Brasil, uma vez que ele foi tão
bolicamente no famoso episódio no dia 7 de setembro, somente um acordo entre os detentores do poder econômi-
com o grito de independência, às margens do riacho co e político que seria mantido no futuro Império.
Ipiranga, em São Paulo, mas a permanência de D. Pedro I
em terras colonias, contrariando as ordens de Lisboa, em 9
de janeiro de 1822, é o ato definitivo do rompimento dos
laços da Colônia com Portugal.
A data de 7 de setembro só seria defendida como marco
da independência por representantes paulistas durante as
reuniões da Assembleia Constituinte de 1823 e, apesar de
dissolvida por D. Pedro I, a data proposta foi oficializada, o
que foi um ganho para a provícia de São Paulo, desejosa de
reconhecimento político.
multimídia: música
Fonte: Youtube
7 de Setembro
Garotos Podres

A Independência brasileira foi sui generis no contexto ameri-


cano. O Brasil foi o único país, com exceção do México, a ado-
tar a monarquia como forma de governo. O processo de rom-
multimídia: livros pimento com a metrópole foi liderado por um representante
das elites dominantes, portanto, por um defensor dos seus
interesses e os de outros países, como os da Inglaterra, por
As veias abertas da América Latina - exemplo, que não precisava, nem desejava, o apoio popular.
Eduardo Galeano
O liberalismo da Independência brasileira era essencialmente
conjugação, de Eduardo Galeano, com nova econômico, não político nem social. O que explica a margi-
capa, índice analítico e nova tradução de nalização popular e a manutenção da escravidão. Os lideres
Sergio Faraco, um dos mais importantes políticos queriam evitar convulsões sociais, bem como perda
contistas do Brasil. Sobre essa versão, dos seus privilégios sociais, políticos e econômicos.
escreveu Galeano: “Excelente trabalho
de Sergio Faraco, melhora a não menos Os grupos dominantes temiam também que a América Portu-
excelente tradução anterior, de Galeno de guesa se fragmentasse politicamente, como ocorria na Amé-
Freitas. E graças ao talento e à boa vontade rica Espanhola. Em razão disso, firmaram um acordo com o
destes dois amigos, meu texto original, Príncipe Regente através do qual a monarquia aproveitaria
escrito há quarenta anos, soa melhor em o aparelho burocrático já instalado, manteria um governo
português do que em espanhol”. centralizado e afastaria os grupos sociais indesejados das
decisões políticase manteria D. Pedro I como monarca, des-
de que isso fosse conveniente aos interesses da elite branca
A delcaração da Independência ser feita pelo herdeiro da dominante do Brasil.
Coroa portuguesa foi fundamental para que a estrutura Essa posição levou ao rompimento definitivo com Portugal,
agroexportadora se mantivesse e mantivesse, inclusive dan- mas aprofundou a dependência externa, principalmente da
do continuidde ao sistema a escravocrata, uma mancha no Inglaterra, à qual o Brasil recorria constantemente em busca

92
de empréstimos a juros altíssimos. A título de reiteração, a
autonomia política não alterou as velhas estruturas coloniais
– latifúndio agrário-exportador, escravidão, exclusão social,
miséria, analfabetismo e precárias condições de existência.

Comitiva numerosa e arrumada, só anos depois, e nada


de cavalos: mulas para aguentar o caminho. Para piorar,
dificilmente o futuro imperador estaria animado para
qualquer ato heroico. Uma diarreia o atormentava multimídia: livros
desde a saída de Santos, por conta de seus excessos
à mesa no dia anterior, e obrigava a comitiva a parar 1822 - Laurentino Gomes
a todo instante. As cores da independência, portanto,
Nesta nova aventura pela História, Laurentino
tinham um tom bem diferente da paleta escolhida por
Gomes, o autor do best-seller ‘1808’, conduz
Pedro Américo. De certa forma, essa fantasiosa versão
o leitor por uma jornada pela Independência
oficial acompanha o próprio mito da independência
do Brasil.
brasileira. “Tudo indica que aquele episódio, romancea-
do, não aconteceu”. Diretora do Museu Paulista, a his-
toriadora Cecília Helena de Salles Oliveira e autora do
livro O brado do Ipiranga, ressalta que a separação de 2. A independência da
América espanhola
Portugal aconteceu de fato em junho de 1822, quando
foi convocada uma Assembleia Constituinte. Em setem-
bro, Dom Pedro veio a São Paulo especialmente para
pedir apoio dos produtores locais. 2.1. América colonial
Disponível em: <ultimosegundo.ig.com.
br/1822>. Acesso em: 10/12/2014.
espanhola no século XVIII
A Independência das colônias espanholas na América foi
um processo que resultou na fragmentação dos antigos
vice-reinos e na criação de diferentes países. Entre as moti-
vações comuns e particulares, o domínio espanhol foi con-
testado nos territórios do México à atual Argentina. Para
compreender a formação das nações latino-americanas
deve-se observar a nconjugação entre as influências exter-
nas e os aspectos específicos de cada localidade. Por essa
Independência ou morte. Óleo sobre tela, de Pedro razão, é necessário relacionar os acontecimentos desen-
Américo (1888). (Museu Paulista USP, São Paulo).
cadeados no início do século XIX com as questões locais
e com os processos vividos pelos Estados Unidos e pela
Europa. Entre os processos comuns aos diferentes países
que surgiram estão a crise do Antigo Regime europeu e a
circulação das ideias liberais que chegaram às Américas.
Nesse contexto, o Iluminismo e os exemplos revolucioná-
rios norte-americano e francês tiveram importante influên-
cia na América hispânica.
O processo histórico vivenciado na América pode ser divi-
dido em dois momentos: primeiro, a ruptura com o Antigo
Regime, o caminho para a modernidade política e econô-
mica; segundo, a desintegração do grande conjunto que
multimídia: vídeo constituía as colônias espanholas em diversos países.
Fonte: Youtube O processo de independência das colônias espanholas foi
Independência, o quadro famoso e a construído por episódios que ocorreram nos dois lados do
construção Atlântico. Na Espanha, a invasão das tropas de Napoleão
Bonaparte, imperador francês, e a deposição e a substituição

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do rei Fernando VII por seu irmão, José Bonaparte, provoca- sua rebeldia não implicavam mudança das estruturas soci-
ram contestações lá e na América. ais ou da participação de outros extratos sociais, como os
indígenas e trabalhadores livres.

© Wikimedia Commons
José Bonaparte

Com a presença de um “usurpador” no trono da Espanha,


os colonos passaram a se sentir livres para romper os laços
de obediência com a metrópole. É necessário compreen-
der a força do poder absolutista na Espanha: a vinculação
do poder e do Estado dão-se na figura do Rei, concepção
essa também viva na América. Personalista como era, a
ausência do rei Bourbon foi usada para romper com uma
monarquia ilegítima.
Esse exercício de soberania do rei foi transferido para a
sociedade americana, que deixou de discutir sua condição
política. O direito de desfrutar da igualdade de representa-
ção política, em face da Espanha, foi determinante, graças
à força das ideias liberais naquela região. Esse debate so-
bre a igualdade produziu os elementos necessários para Vice-reino do Rio da Prata
a ruptura definitiva com a monarquia espanhola, mesmo
O liberalismo econômico defendia a liberdade comercial,
depois da restauração dos Bourbon.
a livre concorrência e o incremento manufatureiro como
Ao longo do século XVIII, um grande descontentamen- base para o crescimento e o desenvolvimento capitalista, e
to foi alimentado nas colônias por causa das reformas se opunham as Coroas Ibéricas, uma vez que continuavam
empreendidas pela dinastia espanhola, as dificuldades envolvidas nas práticas mercantilistas e colonialistas, por-
impostas às praticas comerciais e a interferência dos inte- tanto, presas às práticas do capitalismo comercial.
resses da Coroa espanhola nas aspirações da população Na América espanhola, a elite criolla era formada por
local geraram crescente descontentamento. As elites his- descendentes de espanhóis nascidos em território ame-
pano-americanas discordavam das amarras impostas pelo ricano. Sua prática política era pautada pelas discussões
Antigo Sistema Colonial e da impossibilidade de expandir sobre a representatividade das colônias diante da Metró-
seus negócios, principalmente com a florescente Inglater- pole à liderança das revoltas.
ra, que, por sua vez, via na independência das colônias
latino-americanas a chance de aumentar o mercado para Para compreender por que as revoltas contra a domina-
sua crescente produção industrial. Para as elites criollas, a ção e a exploração colonial eclodiram ao longo do século
separação da Metrópole significava, além de poder gerir XIX, é necessário compreender as mudanças ocorridas no
seus negócios sem nenhuma intermediação, a chance de século XVIII.
ampliar o seu poder local, passando a dirigir diretamente Durante o governo dos Bourbon, a Espanha não obtinha
os territórios. No entanto, a insatisfação das elites locais e mais os mesmos lucros com suas colônias, como nos séculos

94
XVI e XVII. A crise abatia-se sobre a metrópole que, preo- Essa atitude provocou o descontentamento dos criollos,
cupada com a diminuição da rentabilidade das colônias e que tradicionalmente ocupavam parte significativa des-
carente de recursos para sustentar seus custos, adotou um ses cargos. Ao substitui-los por pessoas da confiança da
plano de modernização administrativa e econômica. Conhe- Coroa, o governo Bourbon minava o poder dos criollos e
cidas como bourbônicas, essas reformas tinham uma inspi- aumentava o seu próprio sobre a região.
ração iluminista de racionalidade administrativa e visavam
§ Ação contra a Igreja – os primeiros habitantes das
impulsionar a economia local, bem como ampliar os contro-
colônias espanholas a se voltarem contra as reformas
les da Metrópole espanhola sobre suas colônias.
de Carlos III foram os jesuítas. Além do controle que
detinham sobre a educação, tinham muito poder ad-
ministrativo e político nas regiões coloniais, o que lhes
foi tirado pelas reformas administrativas. Em 1767, os
jesuítas foram expulsos da América e seus bens confis-
cados, numa tentativa da Coroa de impor o seu poder
a setores da Igreja. A expulsão dos jesuítas desagradou
os habitantes locais, que viam os padres como a alia-
dos tradicionais e interpretaram a atitude como um ato
de perseguição religiosa.
multimídia: livros
Titilia e o Demonão - Paulo Rezzutti
Cartas do imperador Dom Pedro I para a
marquesa de Santos, que se imaginavam
desaparecidas, foram encontradas, quase
dois séculos depois, pelo autor, num arquivo
dos Estados Unidos, e revelam aspectos
insuspeitados da vida sexual e política na
corte imperial.

Durante o governo de Carlos III (1716-1788), as medidas


tomadas compreendiam os seguintes aspectos:
§ Mudança na estrutura administrativa colonial
por meio da criação de novas divisões administrativas,
dando origem, em 1717, ao Vice-Reino de Nova Gra-
nada – Colômbia, Panamá e parte do Equado – e, em
1776, ao Vice-Reino do Rio da Prata – Argentina, Uru-
guai, Paraguai e parte da Bolívia. Foram criadas ainda
Carlos III
três novas Capitanias Gerais: Venezuela, em 1773; Cuba
– Caribe e Flórida, em 1777; e Chile, em 1778. As capi- § Abertura dos exércitos aos criollos – com a in-
tanias eram territórios considerados estratégicos para a tenção de controlar as colônias, foi iniciada uma ex-
Coroa espanhola a fim de viabilizar a descentralização pansão militar e permitida a participação dos criollos
administrativa. Em razão disso, foram criadas novas In- em altas patentes. Essa medida acabou produzindo a
tendências, que eram distritos menores com unificação “americanização” dos exércitos reais, com a participa-
de competências administrativas, financeiras e militares, ção de soldados e oficiais criollos. Tudo indicava que
além de poderes sobre os municípios. Essa maior divisão estava sendo criado o exército hispano-americano sob
política visava ao maior controle sobre os administrado- a liderança criolla durante as lutas pela independência.
res e à diminuição do poder dos vice-reis, bem como da § Medidas econômicas – as mudanças ocorridas
administração deles sobre as respectivas áreas. A subs- internamente nas colônias espanholas americanas,
tituição dos corregedores, governadores e alcaides por como o aumento populacional, o incremento das áreas
administradores espanhóis era uma demonstração de agrícolas de cacau e tabaco que passaram a produzir
que a Metrópole acreditava já existir um sistema polí- açúcar, a expansão da exploração mineradora, criaram
tico arraigado na América que precisava ser quebrado. uma situação em que a França e a Inglaterra passaram

95
a pressionar a Espanha pra que ela revisse sua política os vínculos políticos entre a Colônia e a Metrópole. Foram
colonial, convencendo-a da necessidade de promover eles o esteio político e militar para o processo de indepen-
algumas mudanças que preservassem seu império co- dência, bem como para a organização administrativa das
lonial. A primeira discussão teve como alvo o monopó- novas nações que surgiram. As Juntas Governativas (1808-
lio colonial e a promoção da sua liberalização. Feitas 1814) formadas a partir dos cabildos e da infiltração dos
várias modificações, enfraqueceram-se laços coloniais criollos, foram se organizando até conseguirem expulsar os
entre a Espanha e suas colônias americanas: direito do espanhois e exercer o poder político.
comércio colonial com alguns portos espanhóis (1764)
A Espanha, por sua vez, reagiu contra a presença na-
e, mais tarde, com mais treze portos (1778); abolição
de sistema de frotas (1798); liberdade de comércio en- poleônica. Enquanto o exército francês ocupava-se em
tre os Vice-Reinos de Nova Granada e o Peru (1768) e, sufocar os levantes contra eles, em Cádiz, ocorreu um im-
mais tarde, com os Vice-Reinos de Nova Espanha e do portante fato político. Com a ausência do rei considerado
Rio da Prata. Paulatinamente, os portos coloniais ame- legítimo, formou-se a Junta Central, composta por milita-
ricanos foram sendo abertos para o comércio com a res, clérigos e intelectuais, que tomou para si a responsa-
Espanha e, em seguida, para os portos internacionais bilidade pelo poder e convocou a reunião extraordinária
(1797), com vistas a burlar o bloqueio inglês. A Espa- das Cortes, em setembro de 1810, quando escreveram
nha foi obrigada a abrir os portos das suas colônias aos uma Constituição. Para participar das Juntas, as Colônias
navios neutros e, assim, quebrar o monopólio colonial, americanas enviaram apenas 30 representantes. Essa de-
o que favoreceu a penetração dos navios, de mercado- sigualdade representativa dos americanos em relação a
rias e de ideias dos Estados Unidos. Essa abertura favo- outras regiões espanholas agravou o descontentamento
receu o desenvolvimento de um intenso contrabando dos colonos. Em 1812, a Espanha tinha a Constituição
como forma de driblar e burlar as imposições tributá- de Cádiz com características liberais. Ao reassumir o tro-
rias da metrópole espanhola. Resultado dessas práti- no, em 1813, Fernando VII recusou-se a jurar fidelidade
cas: certa prosperidade geral e desenvolvimento eco- à Constituição e revogou as leis promulgadas pelas Jun-
nômico, social e demográfico das colônias. A produção tas Governativas. Com isso, teve início um processo de
local foi incrementada na medida em que os mercados perseguição implacável aos liberais espanhóis e aos da
foram incrementados e ampliados. Com o crescimento colônia americana, para desafio das lideranças coloniais
da oferta e das demandas coloniais cada vez mais di-
que recrudesceram a articulação dos projetos políticos vi-
versificadas a metrópole tornou-se ncapaz de satisfazer
sando a independência. A ruptura com a Metrópole era
as necessidades de suas colônias americanas, além de
iminente: nada mais os unia à Espanha.
continuar a ser um fardo econômico e fiscal.
As guerras de independência aconteceram basicamente
entre 1810 e 1825 e tiveram como líderes membros da
elite criolla, como Hidalgo, Bolívar, San Martín, O’Higgins,
Sucre e Belgrano, e mestiços, como Morelos. Dentre os lí-
deres, Simon Bolívar e José de San Martín foram os mais
célebres. Defensores da liberdade para as colônias, ambos
percorreram quase toda a América Espanhola. Bolívar, o Li-
bertador, partiu da atual Venezuela, onde nasceu, levando
sua luta, centrada nas ideias de liberdade, aos povos sul-a-
mericanos que “deveriam se unir para se tornarem fortes”.
Padre Miguel Hidalgo, líder do levante indígena. San Martín partiu de Buenos Aires em direção ao interior
da atual Argentina, depois para o Chile e Peru.
2.2. As guerras de independência:
a luta pela autodeterminação 2.3. México e América Central
A invasão da Espanha pelas tropas francesas de Napoleão O Vice-Reino da Nova Espanha corresponde à parte do ter-
Bonaparte, em 1807, provocou uma grande efervescência ritório do México atual, localizado na América do Norte, e
política nas colônias. Os cabildos – conselhos municipais de terras que mais tarde foram incorporadas ao Sudoeste
formados pelos habitantes mais importantes das cidades, dos Estados Unidos (Texas, Novo México e Califórnia). Era
com poderes administrativos e jurídicos que regulavam a a principal unidade política e econômica do mundo colo-
vida dos habitantes e fiscalizavam as propriedades públi- nial espanhol. Cerca de um terço da população americana
cas – tiveram um papel destacado nas discussões sobre sob domínio espanhol habitava aquela região no início do

96
século XIX. A divulgação das notícias a respeito da deposi- rei espanhol, perseguirem os constituintes e, em uma des-
ção de Fernando VII, em 1808, pelas tropas napoleônicas, sas operações, Morelos foi preso e executado (em 1815).
foram o estopim para o acirramento dos conflitos políticos
na Cidade do México entre os peninsulares (espanhóis de
nascimento), denominados realistas, e os criollos (espa-
nhóis nascidos na América), chamados autonomistas. Os
peninsulares não queriam confrontar as novas autoridades
que assumiram o poder, propunham que a colônia deveria
continuar submissa à metrópole. Os criollos, ao contrário,
defendiam que o vice-rei José de Iturrigaray assumisse pro-
visoriamente o governo da Nova Espanha.
A disputa, na verdade, estava entre uma proposta de au-
tonomia defendida pelos criollos e outra, de subordinação
e manutenção da vinculação colonial à Espanha, defendi-
da pelos chapetones. A proposta de subordinação acabou
vencendo a disputa contra os autonomistas criollos.
Mas o sentimento de revolta e as condições propícias aos
conflitos estavam disseminadas pelo território das colônias.
No interior do México, os criollos começaram, em 1810,
um movimento contra os absolutistas espanhóis. Em Gua-
najuato, as condições econômicas e sociais, aliadas ao
desejo de mais autonomia, alimentaram um levante em
que criollos, índios e mestiços associaram-se. Naquela re- José María Morelos y Pavén.
gião, mais especificamente na cidade de Dolores, em 16 O ambiente de tensão política persistiu no México e na
de setembro de 1810, índios e mestiços – sob a liderança América Central. Além do ambiente interno, os conflitos
do padre Miguel Hidalgo – fizeram um levante contra entre liberais e conservadores na Espanha tinham influ-
os tributos e a opressão econômica, para “defender a re- ências no México. Em 1821, foi promulgado o Plano de
ligião” e abolir o domínio peninsular. A data do início da Iguala, que defendia os princípios liberais da Constituição
revolta ficou conhecida como O Grito de Dolores. O de Cádiz. O plano tinha por objetivo estabelecer a base
padre Hidalgo liderou uma marcha com mais de 60 mil constitucional para um Império Mexicano Independente.
indígenas, e a revolta espalhou-se por toda a região da Seus fins eram: estabelecer o catolicismo como religião na-
Intendência de Guanajuato. O discurso de Hidalgo, cada cional do México; proclamar a independência do México;
vez mais radical, defendia a independência, a devolução de e tornar a igualdade social efetiva para todos os grupos
terras aos indígenas e não os proibia de cometer saques, étnicos e sociais do país.
pois estavam sofrendo as consequências de uma prolon-
gada seca. Em pouco tempo, a revolta tornou-se uma luta O idealizador do Plano de Iguala, assinado na cidade de
dos indígenas contra os brancos (peninsulares e criollos), o Iguala, atual Guerrero, Agustín de Iturbide, demonstrou
que levou os criollos deixarem de apoiar o movimento. As habilidade política, reunindo diversos grupos em torno de
disputas findaram em 1811, com o fuzilamento de Hidalgo sua proposta. Em 1821, tornou-se imperador, marcando a
e de membros do exército rebelde. ruptura política definitiva com a Espanha.

Outra liderança religiosa foi o padre José Maria More- No entanto, o Império de Agustín teve curta duração: sua
los y Pavén, um mestiço que liderou, ao lado de Ignácio atuação centralista traía os pontos que o Plano de Iguala
Lopez Rayón, as forças rebeldes pelo interior do México apresentava. Iturbide foi deposto, exilado e, no retorno ao
até 1815. Seu programa era mais definido que o de Hidal- México, executado. Em 1824, com uma nova Constituição,
go: independência, proclamada em 1813; governo consti- o México estabeleceu uma república federativa, renun-
tucional, com divisão de poderes; respeito à propriedade ciando ao centralismo que provocara disputas acirradas. O
privada; e fim de leis que impediam o avanço das classes modelo federalista atendia às demandas sociais e políticas
pobres. Morelos ambicionava o apoio dos criollos por um regionais, consagrando o autonomismo criollo.
modelo político liberal, incluindo a formação de uma As- Na América Central, os anseios de independência eram mais
sembleia Constituinte, instalada em 1814. A volta de Fer- econômicos que políticos, visando a uma maior autonomia
nando VII ao poder possibilitou aos realistas, defensores do comercial. Após a vitória de Iturbide, os cabildos começaram

97
a declarar sua independência. Em 1823, formaram as Pro- originando as regiões autônomas da Guatemala, Nicarágua,
víncias Unidas da América Central como forma de fortaleci- Honduras, El Salvador e Costa Rica. Esse processo de separa-
mento geopolítico. Em face da tentativa de domínio da Gua- ção foi concluído somente em 1888.
temala sobre os demais, a união começou a desintegrar-se,
Mapa do México, após a independência (1824)

Adaptado de <http://pt.wikipedia.org>
Território da
Upper California
Alta Califórnia ESTADOS UNIDOS
Territory DA AMÉRICA
UNITED STATES
OF AMERICA

Território do
New Mexico
Novo México
Territory
Ter

Ilha Sonora e
r

Ilha Anjo da
itó

Sinalca
Archangel
Island
Guadalupe Guarda
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Chihuahua eT
Ilha
da

dos Cedros
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Nuevo
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Leon GOLFO DO MÉXICO


Durango
Tamaulipas
Zacatecas
San
Luís de
Ilha Marias
Potosí Distrito de
Tuxpan
Guanahuato Ilha Cozumel
Jalisco Querétaro Vera Cruz
Território
Tlaxcala de Yucatán
Territory
Tlaxcala
Território de D.F
Colima Michoacán Puebla de
Ilha Revilagigedo Colima
Territory
Revillagigedo Los Angeles Tabasco
Islands México
Oaxaca
Chiapas
Estado Interno do Ocidente
Estado Interno do Norte FEDERAL
REPÚBLICAREPUBLIC
FEDERATIVAOF
DE
CENTRAL AMERICA
CENTROAMÉRICA
Estado Interno do Oriente

Ilha Clipperton

ESCALA

0 km 200 km 400 km

GRAN COLÔMBIA

Províncias unidas da América Central (1823-39)


Disponível em: <http://professormarcianodantas.blogspot.com>

2.3. América do Sul


Os processos políticos de independência na América do Sul tiveram a atuação destacada de lideranças políticas e militares.
As duas principais lideranças Simon Bolívar e José San Martín, ambos militares, atuaram em duas grandes frentes: Bolívar

98
percorreu o Vice-Reino da Nova Granada, o Vice-Reino do 2. 3. 2. Independência do Vice-reino de Nova
Peru e a Capitania-Geral da Venezuela; San Martín, o Vice-
Granada e da Capitania Geral da Venezuela
-Reino do Prata, passando pela Capitania Geral do Chile
até o Vice-Reino do Peru.

Campañas Libertadoras

Disponível em: <https://www.educ.ar> A Venezuela tornou-se uma Capitania Geral, em 1777, gra-
ças à sua posição geográfica privilegiada. É a região da Amé-
rica do Sul mais próxima da Europa e dos Estados Unidos,
bem como está de frente para o Caribe, o que permitia a
circulação de informações e mercadorias com áreas de co-
lonização francesa, inglesa e holandesa nas Antilhas. Essa
condição geográfica foi um aspecto bastante considerável
no processo das lutas de independência. Em 1806, ocorreu
2. 3. 1. A campanha de Bolívar uma primeira tentativa de independência num movimento
Simon Bolívar teve uma importante participação nas in- liderado por Francisco de Miranda. Com receio, no entanto,
dependências da Colômbia (1819), da Venezuela (1821), de que se repetissem os acontecimentos ocorridos no Haiti,
do Equador (1830) e da Bolívia (1825). A origem desses a própria elite criolla aliou-se ao exército realista. Mas, em
países não fazia parte do seu projeto, que visava à consti- 1810 foi instalado um congresso, eleito num pleito em que
tuição de uma nação forte e coesa, formada pela união dos apenas os homens com emprego autônomo e renda pode-
povos de uma mesma língua. riam votar, excluindo, dessa forma, a maioria da população.
Em 5 de julho daquele ano, foi proclamada a independência
da Venezuela. A “primeira república” tinha uma caracterís-
tica federalista: as diversas províncias que a constituíam ti-
nham grande poder de decisão e autonomia, unindo-se num
sistema federado apenas para tratar de temas comuns.
O federalismo foi duramente criticado por Bolívar e Miran-
da, que viam nele um instrumento fragilizado. Algumas
províncias, como Maracaíbo e Guayana, em pouco tempo
passaram a defender os interesses da Espanha, agravando a
situação política de tal modo que a república não sobreviveu.
Simon Bolívar
Em 1812, Simón Bolívar foi obrigado a se refugiar em
As reivindicações do Vice-Reino de Nova Granada – atuais Cartagena (território da atual Colômbia). A situação em
territórios da Colômbia, do Panamá e do Equador – inserem- Nova Granada era de disputa entre federalistas, que de-
-se no contexto dos acontecimentos na Espanha, em 1808. fendiam a autonomia das diversas províncias, e centralis-
A região apresentava uma realidade bastante diversificada tas, defensores de um poder unitário centralizado. Bolívar
entre as regiões que a compunham – o que fazia com que buscou apoio em Nova Granada para a independência da
suas reivindicações fossem voltadas para mais liberdade Venezuela. Em 1813, em Caracas, liderou o movimento
comercial. A economia exportadora de produtos agrícolas, contra o domínio espanhol. A “Segunda República” tam-
sobretudo do cacau, determinava o anseio das elites econô- bém não resistiu e, em 1814, Bolívar e seus seguidores
micas em não comercializar apenas com a Espanha. voltaram para Nova Granada.

99
Nesse refluxo das lutas, Bolívar refugiou-se nas Antilhas, O libertador da porção meridional do continente foi José
onde elaborou uma carta que ficou conhecida como “Car- de San Martín, que nasceu em 1778, na atual província de
ta da Jamaica”, na qual aborda as condições das lutas dos Corrientes (Argentina). Filho de militar espanhol, San Mar-
patriotas contra os espanhóis. Depois da carta de Bolívar, tín viveu na Metrópole com a família e lá seguiu a carreira
seus seguidores voltaram para Nova Granada. do pai, integrando o exército espanhol. Os episódios da
invasão napoleônica e da luta pela liberdade motivaram
San Martín a retornar a Buenos Aires, em 1812, unindo-se
Eu desejo, mais do que qualquer outro, ver formar-se
ao exército local em suas lutas pela independência.
na América a maior nação do mundo, menos por sua
extensão e riquezas do que pela liberdade e glória.
2. 3. 4. As independências da
Em Nova Granada, por três anos seguintes, algumas mudan-
Argentina, Chile e Peru
ças importantes levaram à vitória dos defensores da inde- Entre 1806 e 1807, a cidade de Buenos Aires sofreu duas
pendência: a abertura dos exércitos para a participação de tentativas de invasão inglesa. Essa situação demonstrava
índios, negros e mestiços, a centralização dos exércitos nas a fragilidade do Vice-Reino do Prata e a incapacidade,
mãos de Bolívar e a adoção de uma nova estratégia militar. por parte da Coroa espanhola, de garantir segurança aos
O exército deveria arregimentar todas as forças favoráveis à habitantes da cidade. A luta para expulsar os ingleses pro-
independência, já que existiam outros grupos imbuídos na porcionou aos criollos mais consciência do seu papel político
mesma luta, e abrir mão da conquista de Caracas dominada e militar. Coube a eles, liderados por um oficial de origem
pelos realistas. Nas planícies, onde se encontravam os exér- francesa, Santiago de Liniers, a expulsão dos ingleses. Bas-
citos, poderiam preparar-se melhor para obter importantes tante militarizada, a cidade de Buenos Aires experimentava a
vitórias e enfrentar as tropas fiéis à Espanha. possibilidade de gerir seus próprios rumos e, em atenção aos
interesses dos comerciantes locais, obter mais autonomia co-
Em 1819, o exército de Bolívar cruzou os Andes e entrou na
mercial e política. A economia portenha baseava-se no seu
cidade de Bogotá. A vitória ganhou adeptos que se uniram
porto, porta de entrada para a região do Baixo Peru e prin-
à iniciativa de Bolívar. A República da Colômbia composta cipal ponto de escoamento da produção agrícola do interior.
por três regiões principais: Venezuela, Nova Granada e Quito,
que estava sob domínio espanhol. A repercussão da vitória Durante as discussões sobre a legitimidade do governo de
na Colômbia abriu caminho para negociações e mais apoio Bonaparte na Espanha, Buenos Aires jurou lealdade ao rei
ao exército bolivariano, que libertou a Venezuela em 1821. Fernando VII, mas recusou fidelidade à Junta Central. Nesse
imbróglio, a cidade, em 1810, declarou-se cabildo abierto,
O novo desafio era em direção ao Sul da Colômbia e à Re- ou seja, em sessão congressual para que se expressasse a
gião de Quito, onde o general Sucre conseguiu sufocar as “vontade do povo”, representada por cerca de 450 notáveis.
forças aliadas da Espanha, em 1822. Ao mesmo tempo, O vice-rei, que não tinha apoio suficiente, entregou o cargo e
Bolívar se dirigiu para o Sul de Quito, formando a Grã-Co- o poder ficou nas mãos do cabildo, que, dessa forma, iniciava
lômbia. A unidade bolivariana não duraria muito tempo. Em uma nova fase política, desencadeada pelo que ficou conhe-
1830, a Venezuela e o Equador separaram-se da Colômbia, cido como a “Revolução de Maio”. A junta afirmou a igual-
garantindo os interesses de chefes locais, de agora em diante dade básica entre indígenas e descendentes de espanhóis e
conhecidos como caudilhos. esboçou a adoção de princípios liberais, como a separação
dos poderes, presentes nas Constituições liberais escritas
2. 3. 3. A campanha de San Martín em 1813. O novo governo, liderado por Cornélio Saavedra,
presidente da Junta e representante de setores tradicionais,
contava com a participação de líderes como Mariano More-
no (líder radical) e Manuel Belgrano (militar moderado), mas
enfrentava resistências.
Para conter as diferenças entre os grupos políticos e mesmo
a oposição de outras regiões que entendiam ser a Revolu-
ção de Maio a manifestação de um movimento regional, o
líder Saavedra adotou a fórmula que ficou conhecida como
“máscara de Fernando”. Ou seja, a Junta exercia o poder,
supostamente em nome de Fernando VII, que, no período,
era prisioneiro de Bonaparte, mas na prática expressava a
José de San Martín vontade dos diferentes líderes que a compunham.

100
Após sucessivas juntas de governo e disputas internas foi Usando Valparaíso, no Chile, como base, em 1820 San
declarada, em 1816, a independência das Províncias Martín e seu exército partiram de barcos para tomar a ci-
Unidas do Rio da Prata, na cidade de Tucumán. dade de Lima, então capital do Vice-Reino do Peru. Após
cercar a cidade, finalmente em julho de 1821, San Martín
A consolidação da independência, no entanto, exigiu muitas
entrou em Lima e proclamou a independência do Peru no
batalhas. As lideranças do interior, por exemplo, voltaram-se
dia 28 de julho daquele ano, apoiado pelo general Sucre.
contra Buenos Aires, que, ao estabelecer liberdade comercial,
poderia asfixiar a economia interiorana. Como Buenos Aires Para evitar revoltas, San Martín assumiu o governo e ado-
era uma cidade portuária, poderia comprar produtos de ou- tou medidas liberais, como o fim da escravidão, a abolição
tras áreas; o interior, por sua vez, não teria para quem vender de trabalhos compulsórios impostos aos índios (a mita),
seus produtos. Na verdade, todos queriam a liberdade co- criação de escolas e da biblioteca pública de Lima. San
mercial, mas não sabiam como enfrentá-la. Martín assumiu o título de “protetor”, concentrando em
suas mãos o poder político e militar.

2. 3. 5. O encontro de Bolívar com San


Martín e a Batalha de Ayacucho
A libertação da América do Sul estava quase consolida-
da. Um dos últimos obstáculos era a região de Guayaquil
(Equador). No dia 26 de junho de 1822 os dois líderes,
Bolívar e San Martín, encontraram-se na cidade de Guaya-
quil. Um desentendimento entre os comandantes já havia
ocorrido anteriormente. Bolívar pretendia unir Guayaquil à
Grã-Colômbia; San Martín se opunha, dizendo que a esco-
lha deveria ser da população local.
O encontro entre os dois não tem nenhum registro signi-
ficativo. O que se sabe é que, após o encontro, sem a pre-
sença de testemunhas das conversas, San Martín retirou-se
para Lima e pediu seu desligamento político e militar do
Bernardo O’Higgins Riquelme (Chillán, 20 de agosto de 1778; Lima, 24
de outubro de 1842) foi um militar e estadista chileno e figura militar
governo do Peru, que ficou nas mãos de Sucre. San Martin
indispensável no movimento de Independência do país. Considerado o “Pai regressou a Mendoza e exilou-se na Europa.
da Pátria”, foi também o primeiro chefe de estado do Chile independente.
Com a saída de cena de San Martín, a Batalha de Aya-
Em 1813, San Martín passou a integrar o exército. Estava cucho, vencida pelos patriotas (separatistas) sob o co-
em curso a libertação do Peru. Os governantes da cidade
mando de Bolívar, em 9 de dezembro de 1824, encerrou
de Buenos Aires voltavam-se à Europa. A manutenção da
o processo das lutas de independência. O momento se-
região nas mãos dos realistas poderia asfixiar economica-
guinte foi marcado pelo reconhecimento internacional de
mente a pretensão de liberdade da região do Prata.
novos Estados e pelas negociações para delimitar fron-
As lutas na região do Alto e Baixo Peru não ocorreram teiras e constituir as leis e o funcionamento dos novos
como os portenhos supunham. Havia muito mais resistên- países. Todas essas definições transformaram-se em um
cia leal à Espanha do que se pensava. Foi nesse instante tratado diplomático, em 1879.
que a figura de San Martín ganhou destaque. Estrategista,
elaborou um plano para a libertação do Peru a partir da Em alguns casos, a situação fez surgir, ainda no século XIX,
consolidação da unidade territorial, como nas vitórias em grandes conflitos entre as jovens nações hispano-america-
Santa Fé (1813), do estabelecimento das bases militares na nas, como na Guerra do Pacífico (1879-1883) que opôs
região da província de Cuyo para prosseguir em direção ao Chile ao Peru e Bolívia. Tal guerra acabou com a perda de
Chile e depois ao Peru. A proposição de San Martín era de território peruano para o Chile e perda do acesso boliviano
que a revolução não seria vitoriosa enquanto o Peru, rea- ao oceano Pacífico.
lista, não fosse liberado, considerando sua independência
fundamental para a liberdade de todo o continente. 2. 3. 6. A fragilidade do sonho de Bolívar
As campanhas de Chacabuco (1817) e de Maipú (1818) O sonho de Bolívar de um grande país sul-americano, for-
consolidaram a independência do Chile, tendo Bernardo te e coeso, nunca se concretizou, nem econômica, nem
O’Higgins, militar e político chileno, assumido o poder. politicamente, não só na América do Sul, como em toda

101
a América Latina. Em 1826, Simon Bolívar convocou uma Uruguai
reunião de representantes das nações americanas no
A história do Uruguai liga-se à história da Argentina pela
Congresso do Panamá.
rivalidade em virtude das disputas comerciais, ao mesmo
O objetivo era discutir mecanismos de cooperação entre os tempo em que ambas são a porta de entrada para o rio
países, abolição da escravidão e fundação da grande nação. da Prata, que dá acesso ao interior do continente. A inde-
A escolha do Panamá era simbólica: seria a oportunidade pendência do Uruguai confundiu-se com as lutas argentinas,
de irradiar o novo centro do mundo, recuperando a imagem pois assim como Buenos Aires, a cidade de Montevidéu foi
de um eldorado que projetaria as Américas em busca um invadida pelos ingleses em 1807. Com os movimentos por-
novo recomeço. No entanto, não houve resultados práticos tenhos de 1810, o território conhecido como Banda Oriental
do Congresso do Panamá. (à direita do rio da Prata) dividiu-se. Aos poucos, os grupos
Contra Simon Bolívar pesava a Doutrina Monroe. Com o ligados à Espanha venceram a disputa interna, e os derrota-
slogan: “América para os americanos”, tal doutrina foi dos, liderados por José Gervásio Artigas, apoiavam Buenos
lançada pelo presidente estadunidense James Monroe em Aires por causa do rompimento com a Metrópole espanhola.
1823, como uma resposta ao projeto europeu recoloniza- O caminho do Uruguai, que fazia parte do Vice-Reino do Pra-
dor defendido no Congresso de Viena (1815). Essa dou- ta, foi a negação da unificação perseguida por Buenos Aires,
trina defendia a autodeterminação dos povos e, portanto, bem como a procura de um rumo próprio. Nesse contexto de
não apoiava o projeto unitarista de Bolívar na América do divisão, Portugal invadiu a Província Oriental, em 1816, pois
Sul e Central. Na verdade, o projeto bolivariano era uma desejava acesso ao rio da Prata e temia a propagação das
ameaça ao desejo de expansão política dos EUA sobre as ideias de independência por sua Colônia brasileira. Em 1821,
demais áreas americanas. o Uruguai foi incorporado ao Reino Unido de Portugal, Brasil
e Algarves. Com a independência do Brasil (1822), a Pro-
Ao final de 1826, Bolívar regressou à Venezuela, agitada víncia Cisplatina, região incorporada, enfrentou novos dis-
por movimentos separatistas, em relação à Grã-Colômbia. túrbios e, em 1825, teve início um levante que contou com
Não conseguindo preservar os laços entre as regiões que a ajuda dos argentinos. Em 1828, houve o estabelecimento
ajudou a libertar do domínio espanhol, Bolívar enfrentou do Estado Oriental do Uruguai, livre dos domínios tanto bra-
contestações e, até mesmo, um atentado, renunciando sileiro como argentino e garantido pela Grã-Bretanha, que
em março de 1830. Doente, saiu de Bogotá em direção desejava o mercado local para seus produtos.
ao mar, no caminho inverso ao de suas batalhas militares.
Morreu na cidade de Santa Marta, aos 47 anos de idade.
Paraguai
2. 3. 7. As independências de A região do atual Paraguai também pertencia à vice-provín-
cia do Prata. No entanto, não se juntou a Buenos Aires no
Uruguai, Paraguai e Bolívia rompimento com a Metrópole, manifestando apoio à Espa-
nha em um primeiro momento. Pouco depois, em virtude
Independência das colônias espanholas na América das ameaças argentinas, buscou uma forma de convívio
com esse país. Retirou seu apoio à Metrópole e proclamou
<tanahistoria.blogspot.com.br>

sua independência em 1811; não reconhecendo a Junta


portenha e estabelecendo sua própria junta governativa.
No entanto, tropas portenhas foram enviadas para reprimir
os paraguaios. Em meio às preocupações de Buenos Aires
com as batalhas para chegar ao Peru, o Paraguai aprovei-
tou-se da situação e conseguiu vencer as forças da futura
Argentina. Assumiu o poder no Paraguai José Gaspar Fran-
cia que, com o apoio de pequenos proprietários, obteve o
título, em 1813, de “Ditador supremo” e, depois, “Ditador
perpétuo”. Francia exerceu o poder até 1840.

Bolívia
Boa parte do território da Bolívia integrava o Vice-Reino do
Prata, região que despertava grande interesse em Buenos
Aires por causa da prata. Até 1816, os realistas impediram
o domínio desse território pelos portenhos. As disputas entre

102
realistas e portenhos fez com que os bolivianos passassem a
alimentar o desejo de um governo independente. Como os
portenhos já haviam desistido de dominar a região em razão
de suas outras campanhas contra o Peru, criou uma situação
favorável para os embates que os indígenas e mestiços tra-
vavam contra os representantes espanhóis.
O clima de guerra civil na região e o receio de um levante
que se espalhasse por outras áreas levaram a uma inter-
venção das tropas peruanas. Em 1825, o general Sucre
ajudou a derrotar os partidários da Espanha e promoveu
a independência nomeando o novo país de Bolívia, em ho- multimídia: sites
menagem ao líder da independência, Simon Bolívar.
educacao.globo.com/historia/assunto/indepen-
Bolívar escreveu a Constituição do país, que tinha entre dencia-das-americas/independencia-da-ameri-
seus princípios o republicanismo e garantias para o gover- ca-espanhola.html
nante em caso de desordens políticas e militares, além do
www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/
princípio do cargo vitalício. O general Antônio José de Sucre
as-independencias-nas-americas-portuguesa-
assumiu o poder.
-e-espanhola-distanciamentos-e-aproximaco-
es-b6bvxduoo73orizvdbovvtzda
2. 3. 8. O caudilhismo
brasilescola.uol.com.br/historiab/independen-
O fenômeno político conhecido como caudilhismo (do
cia-brasil.htm
espanhol, caudillo) surgiu após as lutas de Independên-
cia e pode ser definido como uma prática de lideranças dpedroiv.pt/cronologia/1822#datas
políticas que exerciam bastante influência sobre determi-
nadas regiões ou mesmo sobre todo o país. Atribui-se o
surgimento dos caudilhos a um suposto “vazio de poder”
deixado pela Coroa espanhola e antes da estruturação dos
Estados independentes.
Os caudilhos, em geral, eram militares ou grandes fazen-
deiros. Não tinham uma proposta política única. Expressa-
vam uma liderança baseada em seu prestígio pessoal, que
podia ter sido obtido em campanhas militares ou por sua
liderança carismática. Adversários políticos eram persegui-
dos e os princípios políticos variavam conforme a vontade
do caudilho. Entre os principais caudilhos do século XIX,
podemos identificar o argentino Juan Manuel Rosas, o pa-
raguaio José Gaspar Francia e o mexicano Porfírio Diaz.

2. 3. 9. A independência do Haiti (1804)


Toussaint-Louverture
Em 1789, Santo Domingo (ex-Hispaniola, hoje Haiti) era
uma colônia francesa, com 60 mil habitantes (80% de O movimento emancipacionista foi retomado por Jean-Ja-
escravos negros). Em 1791, parte da população branca cques Dessalines, Henri Cristophe e Alexandre Pétion, que
foi massacrada num levante de escravos. O escravo liberto conquistaram a independência do Haiti em 1804.
Toussaint-Louverture liderou esse movimento emanci- Os ideais de liberdade e igualdade como direitos essen-
pacionista, enfrentando tropas francesas que vieram em
ciais do homem, base do liberalismo político, influenciaram
socorro dos brancos. Toussaint-Louverture saiu vitorioso,
sobremaneira os processos de independência das colônias
aboliu a escravidão e deu uma Constituição à colônia.
americanas. No Haiti, colônia francesa, a força de tais
Em 1802, Napoleão Bonaparte enviou um exército para ideias foi ainda mais contundente, em razão do poder da
derrotar Louverture, mas sem sucesso. Assinam um tratado proposta de abolição da escravatura, feita por revolucioná-
de paz, mas Louverture foi traído, preso e acabou morren- rios franceses na Constituição de 1793, durante a fase da
do em Paris, no cárcere. Convenção (1792-1794).

103
Para uma sociedade colonial na qual era muito forte a pre- ram um movimento pró-independência da colônia. A par-
sença de mestiços e negros libertos ou escravos, tais ideias ticipação ativa de escravos e libertos foi um fato singular
foram muito impactantes. do processo de independência do Haiti, o que não havia
acontecido, na mesma dimensão, em nenhuma das demais
Essa imensa massa, que participou da luta pelo poder
colônias americanas.
travada entre grandes proprietários coloniais adeptos das
ideias da revolução e aqueles ainda leais ao antigo regime O perigo do “haitianismo”, isto é, de uma revolução neg-
francês, não aceitou a revogação do fim da escravidão, de- ra assombrou as consciências das classes dominantes das
finida na Constituição francesa de 1795, durante o período regiões escravocratas americanas durante todo o século XIX,
do Diretório (1795-1799) e reafirmado por Napoleão, em o que levou o Haiti a não ter sua independência reconhecida
1802. Esses indivíduos assumiram, então, a direção da luta por nenhuma grande nação.
pela manutenção da liberdade conquistada e encaminha-

multimídia: música multimídia: música


Fonte: Youtube Fonte: Youtube
Independência ou Morte Dia do Fico
Zé Di Beija-Flor (samba-enredo 1962)

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Sociologia e Filosofia
A construção de novas diretrizes políticas após a independência nacional não significou a mudança nas estruturas
sociais vigentes no país. O novo governo, embora livre dos desmandos lusitanos, não se era nada popular, desde o
processo de independência até a outorga da Constituição de 1824, configurou-se um governo elitista, defensor do
status quo que reinava no Brasil. A discussão do conceito de cidadania começa a ser válida neste momento, pois o
direito de voto era extremamente excludente, concedido apenas aos homens com muita renda, dessa forma, o país
era concentrado nas mãos de poucos membros da tradicional elite agrária brasileira.
Além disso, as críticas ao autoritarismo de D. Pedro I, vigente durante todo o I Reinado, manteve as ideias iluministas
acesas em terras brasílicas, gerando inúmeros tumultos políticos, como a dissolução da Assembleia Constituinte
(1823) e a Confederação do Equador (1824).

104
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional
9 ou mundial.
Para se estudar a história do Brasil, deve-se analisar os fatores que extrapolam os eventos internos. É fundamental
inserir a conjuntura política, econômica e social do país nas relações internacionais. Durante a emancipação política
nacional, o legado da colonização era assombroso. Um Estado falido, uma inserção subalterna à economia mundial
e a manutenção da escravidão e do latifúndio.
A Habilidade 9 é recorrentemente cobrada em História do Brasil. Como sempre, o candidato é impelido a ler e analisar
fontes historiográficas para marcar a alternativa correta.

Modelo
(Enem) Após a Independência, integramo-nos como exportadores de produtos primários à divisão internacional do
trabalho, estruturada ao redor da Grã-Bretanha. O Brasil especializou-se na produção, com braço escravo importado
da África, de plantas tropicais para a Europa e a América do Norte. Isso atrasou o desenvolvimento de nossa economia
por pelo menos uns oitenta anos. Éramos um país essencialmente agrícola e tecnicamente atrasado por depender de
produtores cativos. Não se poderia confiar a trabalhadores forçados outros instrumentos de produção que os mais
toscos e baratos.
O atraso econômico forçou o Brasil a se voltar para fora. Era do exterior que vinham os bens de consumo que funda-
mentavam um padrão de vida “civilizado”, marca que distinguia as classes cultas e “naturalmente” dominantes do
povaréu primitivo e miserável. (...) E de fora vinham também os capitais que permitiam iniciar a construção de uma
infraestrutura de serviços urbanos, de energia, transportes e comunicações.
Paul Singer. Evolução da economia e vinculação internacional. In: I. Sachs; J. Willheim; P. S. Pinheiro
(Orgs.). Brasil: um século de transformações. São Paulo: Cia. das Letras, 2001, p. 80.

Levando-se em consideração as afirmações anteriores, relativas à estrutura econômica do Brasil por ocasião da inde-
pendência política (1822), é correto afirmar que o país:
a) se industrializou rapidamente devido ao desenvolvimento alcançado no período colonial;
b) extinguiu a produção colonial baseada na escravidão e fundamentou a produção no trabalho livre;
c) se tornou dependente da economia europeia por realizar tardiamente sua industrialização em relação a outros países;
d) se tornou dependente do capital estrangeiro, que foi introduzido no país sem trazer ganhos para a infraestrutura de
serviços urbanos;
e) teve sua industrialização estimulada pela Grã-Bretanha, que investiu capitais em vários setores produtivos.

Análise expositiva - Habilidade 9: O texto destaca a estrutura agrário-exportadora do Brasil, organizada


C no período colonial e preservada após a independência. A manutenção de tal estrutura manteve a dependência
econômica, vinculando a economia do país aos interesses ingleses, em um contexto marcado pela expansão da
industrialização e de um modelo de capitalismo expansionista. Desde a independência até o segundo reinado
percebe-se a presença de interesses e capitais ingleses no Brasil.
Alternativa C

105
DIAGRAMA DE IDEIAS

REVOLUÇÃO LIBERAL
DO PORTO (1820)

REGRESSO DE D. JOÃO VI
A PORTUGAL (1821)

D. PEDRO PRÍNCIPE
REGENTE DO BRASIL
PARTIDO BRASILEIRO E
PARTIDO PORTUGUÊS:
RADICAIS LIBERAIS:
RECOLONIZAÇÃO DO BRASIL
INDEPENDÊNCIA DO BRASIL.

DIA DO FICO: D. PEDRO


DESOBEDECE A PORTUGAL

BRASILEIROS DECRETAM:
PORTUGAL DECRETA:
D. PEDRO DEFENSOR PERPÉ-
RECOLONIZAÇÃO E ILEGALIDADE
TUO DO BRASIL E CONVOCAM
DE D. PEDRO.
ASSEMBLEIA CONSTITUINTE.

DECISÃO DE D. PEDRO: PROCLA-


MAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA
(07/09/1822)

106
DIAGRAMA DE IDEIAS

INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA ESPANHOLA

• ECONOMIA DEPENDENTE • CHAPETONES (PODER POLÍTICO)


• PRÁTICA DOS MONOPÓLIOS • CRIOLLOS (PODER ECONÔMICO)
• CONFLITOS SOCIAIS • MESTIÇOS (TRABALHADORES)

• ILUMINISMO
• REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
• INDEPENDÊNCIA DOS EUA
• REVOLUÇÃO FRANCESA
• ERA NAPOLEÔNICA
• BLOQUEIO CONTINENTAL (1806)
• DESPOSIÇÃO DE FERNANDO VII
• NOMEAÇÃO DE JOSÉ BONAPARTE

MOTIVOS PARA INDEPENDÊNCIA


• ELITES COLONIAIS X METRÓPOLE
• CRÍTICAS AO ESCRAVISMO
• AMBIÇÃO DA ELITE COLONIAL (CRIOLLOS)

LIBERTADORES DA AMÉRICA
• SIMON BOLIVAR (VENEZUELA E COLÔMBIA)
• JOSÉ SAN MARTIN (ARGENTINA, PARAGUAI E URUGUAI)
• SUCRE (EQUADOR)
• ITURBIDE (MÉXICO)

BOLIVARISMO ANTIBOLIVARISTAS
AMÉRICA ESPANHOLA • EUA
UNIDA EM UM PAÍS • BRASIL
• CAUDILHOS

FRAGMENTAÇÃO POLÍTICA E TERRITÓRIAL

107

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