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HISTÓRIA

CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologias


CIÊNCIAS HUMANAS
e suas tecnologias

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CIÊNCIAS HUMANAS
e suas tecnologias
Eduardo Antônio Dimas e Tiago Rozante
Caro aluno
Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclusiva metodologia em pe-
ríodo integral, com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material didático é composto por 6 cadernos
de aula e 107 livros, totalizando uma coleção com 113 exemplares. O conteúdo dos livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto
contém uma rica teoria que contempla, de forma objetiva e transversal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de
material alternativo complementar. Para melhorar a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades. A
seguir, apresentamos cada seção:

incidência do tema nas principais provas vivenciando

De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desenvol- Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu
vida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e nos distanciamento da realidade cotidiana, o que dificulta a compreensão
principais vestibulares voltados para o curso de Medicina em todo de determinados conceitos e impede o aprofundamento nos temas
o território nacional. para além da superficial memorização de fórmulas ou regras. Para
evitar bloqueios na aprendizagem dos conteúdos, foi desenvolvida
a seção “Vivenciando“. Como o próprio nome já aponta, há uma
preocupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações entre
aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm contato em
teoria seu dia a dia.

Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada coleção


tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolução das ques-
tões propostas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, com-
pletos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas aplicação do conteúdo
que complementam as explicações dadas em sala de aula. Qua-
dros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fazem
e compõem um conjunto abrangente de informações para o aluno parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos compilados,
que vai se dedicar à rotina intensa de estudos. deparamos-nos com modelos de exercícios resolvidos e comenta-
dos, fazendo com que aquilo que pareça abstrato e de difícil com-
preensão torne-se mais acessível e de bom entendimento aos olhos
do aluno. Por meio dessas resoluções, é possível rever, a qualquer
momento, as explicações dadas em sala de aula.
multimídia
No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cuidadosa
seleção de conteúdos multimídia para complementar o repertório
do aluno, apresentada em boxes para facilitar a compreensão, com áreas de conhecimento do Enem
indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, livros, etc. Tudo isso é en-
contrado em subcategorias que facilitam o aprofundamento nos Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desempenho ao
temas estudados – há obras de arte, poemas, imagens, artigos e até fim da escolaridade básica, organizamos essa seção para que o
sugestões de aplicativos que facilitam os estudos, com conteúdos aluno conheça as diversas habilidades e competências abordadas
essenciais para ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica, na prova. Os livros da “Coleção Vestibulares de Medicina” contêm,
em uma seleção realizada com finos critérios para apurar ainda mais a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Áreas de
o conhecimento do nosso aluno. Conhecimento do Enem” há modelos de exercícios que não são
apenas resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva
e descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no dia.
Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a
apurar as questões na prática, a identificá-las na prova e a resolvê-
conexão entre disciplinas -las com tranquilidade.

Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é ela-


borada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que trata
de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares atuais não
exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos diagrama de ideias
conteúdos de cada área, de cada disciplina.
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso, cria-
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abrangem
mos para os nossos alunos o máximo de recursos para orientá-los
conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, como Bio-
em suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de Ideias”, para aque-
logia e Química, História e Geografia, Biologia e Matemática, entre
les que aprendem visualmente os conteúdos e processos por meio
outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato com essa realidade
de esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas.
por meio de explicações que relacionam a aula do dia com aulas
de outras disciplinas e conteúdos de outros livros, sempre utilizan- Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo
do temas da atualidade. Assim, o aluno consegue entender que da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos
cada disciplina não existe de forma isolada, mas faz parte de uma principais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a organiza-
grande engrenagem no mundo em que ele vive. ção dos estudos e até a resolução dos exercícios.

Herlan Fellini

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© Hexag Sistema de Ensino, 2018
Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2020
Todos os direitos reservados.

Autores
Eduardo Antônio Dimas
Tiago Rozante

Diretor-geral
Herlan Fellini

Diretor editorial
Pedro Tadeu Vader Batista

Coordenador-geral
Raphael de Souza Motta

Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica


Hexag Sistema de Ensino

Editoração eletrônica
Arthur Tahan Miguel Torres
Matheus Franco da Silveira
Raphael de Souza Motta
Raphael Campos Silva

Projeto gráfico e capa


Raphael Campos Silva

Imagens
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Shutterstock (https://www.shutterstock.com)

ISBN: 978-85-9542-129-5

Todas as citações de textos contidas neste livro didático estão de acordo com a legislação, tendo por fim único e exclusivo
o ensino. Caso exista algum texto a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à dis-
posição para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e localizar os titulares dos
direitos sobre as imagens publicadas e estamos à disposição para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições.
O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra é usado apenas para fins didáticos, não repre-
sentando qualquer tipo de recomendação de produtos ou empresas por parte do(s) autor(es) e da editora.

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SUMÁRIO
HISTÓRIA
HISTÓRIA GERAL
Aulas 35 e 36: EUA no século XIX  6
Aulas 37 e 38: Unificações tardias: Itália e Alemanha  15
Aulas 39 e 40: Primeira Guerra Mundial 23
Aulas 41 e 42: Revolução Russa (1917)  35
Aulas 43 e 44: Crise de 1929 e fascismo italiano  47

HISTÓRIA DO BRASIL
Aulas 35 e 36: Estado Novo (1937-1945) 62
Aulas 37 e 38: República liberal ou populista: governo Dutra e segundo governo Vargas 74
Aulas 39 e 40: República liberal ou populista: governos Café Filho e JK 87
Aulas 41 e 42: República liberal ou populista: governos Jânio Quadros e João Goulart 98
Aulas 43 e 44: Ditadura militar: governos Castello Branco e Costa e Silva  111

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Competência 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
H1 Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2 Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H5 Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de
poder.
H6 Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos.
H7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.
H8 Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-social.
H9 Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade
H10
histórico-geográfica.
Competência 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferentes
grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca
H14
das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social.
H16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.
H17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.
H18 Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações sócio-espaciais.
H19 Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência 5 – Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, fa-
vorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e
geográficos.
H26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
H27 Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
H28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.
H30 Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.

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HISTÓRIA GERAL:
Incidência do tema nas principais provas

Aborda as principais transformações socio- Questões sobre os EUA no século XIX, Primeira Guerra
lógicas e materiais da Segunda Revolução Mundial, Revolução Russa (1917), Crise de 1929 e fascismo
italiano têm sido abordadas, com enfoque nas estruturas
Industrial, exigindo capacidade de interpre-
sociais, econômicas e culturais.
tação textual aliada a conhecimentos pouco
aprofundados sobre o assunto. É aconselhá-
vel manter-se atentos aos temas
da atualidade.

Nos três últimos anos, as interações dos aspectos Não são abordadas diretamente questões de História, mas A análise das estruturas sociais, econômicas e culturais das
culturais, econômicos e sociais associados aos há um grau de interdisciplinaridade que permite o uso dos temáticas abordadas neste livro, como o fascismo italiano,
EUA no século XIX, Primeira Guerra Mundial, Re- conhecimentos históricos para auxílio da resolução dos costumam ser temas apresentados em combinação interpre-
volução Russa (1917), Crise de 1929 e fascismo exercícios e escrita da redação. tativa de textos com imagens, principalmente.
italiano costumam ser abordadas por meio da
utilização de textos longos.

Nas últimas provas, consta a presença das temáticas Apresenta uma tendência em temas relacionados Por meio de uma correlação entre os aspectos O vestibular não tem contemplado com frequência
estudadas neste livro. A abordagem prioriza uma à História do Brasil. Entretanto, o caráter da sociais, econômicos e políticos, as últimas provas os temas abordados neste livro. Entretanto, o caráter
integração entre Medicina e História, principalmente prova exige do candidato um domínio amplo de abordaram as temáticas: EUA no século XIX; da prova exige do candidato um domínio amplo de
voltada para temas como vacinas e disseminação interpretação textual e estabelecimento de cone- unificações tardias: Itália e Alemanha; Primeira interpretação textual e estabelecimento de conexões
de doenças. xões entre diferentes áreas do conhecimento. Guerra Mundial; Revolução Russa; Crise de entre diferentes áreas do conhecimento.
1929; e fascismo italiano.

UFMG

Há um tema determinado pela própria organização A banca do vestibular privilegia que o candi- Não são contemplados diretamente temas de
do vestibular que percorre toda a prova e pode dato realize análises e interpretações sobre História, entretanto, há um grau de interdiscipli-
englobar as temáticas abordadas neste livro, por diferentes processos históricos e perceba suas naridade que permite o uso dos conhecimentos
meio da associação entre os aspectos sociais, continuidades e rupturas. Assim, utiliza textos in- históricos para auxílio da resolução dos exercícios,
econômicos e políticos. trodutórios e imagens para elaborar as questões interpretação de tabelas e imagens e na escrita
sobre as temáticas estudadas. da redação.

O vestibular solicita análises de estruturas Na prova não há uma divisão clara entre A banca do vestibular elabora questões de
históricas em suas questões, que propõem aos História e Geografia, que são abordadas múltipla escolha direcionadas aos candidatos
candidatos uma reflexão sobre as temáticas como Estudos Sociais, portanto, não existem que pretendem uma vaga nos cursos de
elencadas estabelecendo relações com o mun- definições específicas de tema, mas sim um Enfermagem, Biomedicina e Medicina. Há uma
do contemporâneo. Utiliza trechos de textos grau elevado de interdisciplinaridade. Há tendência em abordar temas contemporâneos.
e imagens de forma mesclada em uma tendência em abordar temas
suas questões. contemporâneos.

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AULAS EUA no século XIX
35 e 36 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades: 11, 13, 14, 15, 16, 19, 20,
21, 22, 27 e 29

1. Estados Unidos Os Estados Unidos não se interessavam pelas questões


internacionais; a prioridade era resolver seus problemas
no século XIX internos mediante uma política isolacionista. Nos poucos
momentos em que buscaram interferir fora de seu ter-
ritório, ocuparam-se da independência da América Lati-
1.1. Introdução na quando foi criada a Doutrina Monroe, cujo lema era
O século XIX marcou o desenvolvimento capitalista dos “América para os americanos”. Tratava-se de uma clara
Estados Unidos e o início da expansão de seu território em antecipação para seu futuro imperialista. A sede do ex-
direção ao Oeste. pansionismo estadunidense revelou-se com a Emenda
Desde a colonização inglesa (século XVII), havia uma série Platt, que “legalizou” suas interferências em Cuba, já no
de diferenças entre as colônias do Norte e do Sul. Aquelas início do século XX.
formavam a Nova Inglaterra e suas atividades econômi-
cas estavam voltadas para a pesca, pecuária, atividades
comerciais e produção manufatureira. Em virtude da forte
presença dos imigrantes puritanos ingleses, a região carac-
terizou-se pela vida disciplinada e ética do trabalho como
forma de obtenção da prosperidade econômica, sinal da
salvação divina. A região foi marcada pela tolerância reli-
giosa e um estilo de vida voltado para o isolamento.
As colônias centrais eram socialmente mais abertas e re-
ceptivas aos grupos sociais que professassem diferentes
crenças religiosas. Recebiam imigrantes de outras regiões
da Europa, de diferentes credos, como suecos, holandeses, multimídia: vídeo
escoceses, entre outros. Tornaram-se importante centro Fonte: Youtube
econômico e mantinham fortes laços com as colônias do
Norte. Ambas conseguiram um desenvolvimento econô- Sangue negro
mico autônomo da Inglaterra, o que sustentou as revoltas Falido, o minerador de prata Daniel Plainview de-
quando a Inglaterra quis fazer valer as regras do colonia- cide começar vida nova e buscar a fortuna com
lismo mercantilista, de forma tardia, explicando a precoce o filho, em local rico em petróleo, mas seus inte-
independência americana. resses entram em conflito com os do pastor Eli
As colônias do Sul se organizaram nos limites da clássica Sunday, a figura mais influente da cidade.
exploração econômica mercantilista colonial, a plantation
– exploração agrícola monocultora e exploração do tra-
balho escravo, com produção de tabaco, algodão, arroz e
índigo (anil), exportados para a Europa.
1.2. A conquista do Oeste
No período subsequente à independência dos Estados
Durante o século XIX, o território americano assumiu di-
mensões próximas das atuais em virtude de uma série de Unidos, teve início a famosa “marcha para o Oeste” –
fatores, dentre os quais a Doutrina do Destino Manifesto, expansão da sociedade norte-americana para as terras
que ocupou uma posição de suporte da atitude americana do Oeste do continente até então ocupadas pelas na-
em relação àqueles que não são reconhecidos como seus ções indígenas. Formaram-se duas grandes correntes
iguais: acreditavam ter sido ungidos por Deus para exerce- migratórias que partiram da costa leste em direção à
rem a liderança mundial. região Oeste.

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1.2.1. Fatores da expansão territorial Outro fator importante de atração para o Oeste foi a desco-
berta de ouro na Califórnia, em 1848, que provocou uma
Se, à época da independência, a população dos Estados expressiva migração para a região (Corrida do ouro), tanto
Unidos era de 3,5 milhões de habitantes, basicamente gra- por americanos quanto por europeus.
ças ao grande afluxo de emigrantes europeus, esse número
saltou para sete milhões no início do século XIX. Os cam-
poneses fugiam dos rigores da servidão ainda vigente em
1.2.2. Características da expansão territorial
alguns países europeus. Os artesãos procuravam a Amé- Os pioneiros – criadores de gado, agricultores sem terra,
rica, porque, com o desenvolvimento do capitalismo na granjeiros e caçadores – dessa conquista foram europeus e
Europa e o consequente avanço da produção mecanizada, americanos sem condições de sobrevivência na costa Leste.
eles foram economicamente marginalizados. A cavalo ou em barcos pelos rios, punham-se em marcha
para o Oeste. Expulsavam ou dizimavam as tribos indíge-
Esse crescimento demográfico, agravado pela reduzida
nas, conquistavam e povoavam as terras do interior e nelas
dimensão territorial do jovem país, foi um dos principais
desenvolviam a agricultura, a pecuária e a mineração.
fatores do avanço para o Oeste americano no século XIX,
somado à necessidade de aumentar a produção de ali- A marcha para o Oeste era, em grande parte, justificada
mentos com a incorporação de novas terras de plantio, pela Doutrina do Destino Manifesto, segundo a qual
de pastagens para o gado e da procura de metais, ali- os estadunidenses tinham sido predestinados por Deus à
mentados ideologicamente pela crença na doutrina do conquista dos territórios situados entre os oceanos Atlân-
Destino Manifesto. tico e Pacífico.

(Progresso Americano. c. 1872. John Gast). Representação alegórica do Destino Manifesto. Uma mulher angelical,
identificada comoColúmbia – personificação dos Estados Unidos do século XIX –, segura um livro escolar, leva a civilização
para o Oeste, com colonos americanos, instalando cabos telegráficos e afugentando povos nativos e animais selvagens.

Em 1862, o presidente Abraham Lincoln criou o Homestead Act (Lei da propriedade rural), que concedia terra aos imigrantes
que nela se fixassem e produzissem qualquer gênero, acelerando ainda mais a ocupação territorial em direção ao Pacífico.
Os novos territórios incorporados pelos Estados Unidos ao longo da expansão para o Oeste foram adquiridos pela compra,
pela diplomacia ou pela guerra.
A Luisiana foi comprada da França por 15 milhões de dólares; a Flórida, da Espanha por cinco milhões de dólares; e o Alasca,
da Rússia por sete milhões de dólares.
Mediante tratado diplomático negociado com a Inglaterra, o Oregon, na costa Norte do Pacífico, foi anexado aos EUA.
Em 1848, metade do território mexicano, formado pelas atuais regiões de Nevada, Califórnia, Utah, Arizona, Texas e Novo
México, foi anexado pela guerra. Não foi à toa que um presidente mexicano, Porfírio Diaz, declarou: “Pobre México, tão longe
de Deus e tão perto dos Estados Unidos”.

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Aquisições territoriais - EUA

1.2.3. Consequências da rural, cujo poder apoiava-se na grande propriedade agrária,


na monocultura de exportação e no trabalho escravo.
marcha para o Oeste
Em contrapartida ao desbravamento e à ocupação dos
Além de ter praticamente dobrado de tamanho, uma das
novos territórios pelo homem branco, houve o massacre
consequências inequívocas da expansão territorial ameri-
sistemático dos indígenas ou seu confinamento em terras
cana foi o crescimento demográfico. Entre 1820 e 1860, a
inóspitas, transformadas em reservas.
população estadunidense passou de nove milhões para 30
milhões de habitantes, crescimento alimentado pela cons-
tante e intensa imigração europeia em busca da grande
quantidade de terras disponíveis.
A expansão territorial e o crescimento populacional levaram
ao crescimento do mercado estadunidense e à disponibilida-
de de mão de obra que contribuíram para impulsionar o de-
senvolvimento econômico do país, para expandir a indústria,
o comércio, a agricultura, a pecuária e a mineração. Ainda
assim, havia falta de mão de obra, o que favoreceu o desen-
volvimento da indústria de máquinas agrícolas. A indústria
têxtil de lã e de algodão concentrou-se na Nova Inglaterra; a
extração de carvão e a indústria siderúrgica, na Pensilvânia.
Já em 1860, o país tinha 50 mil quilômetros de estradas de
No dia 25 de junho de 1876, o general Custer, levado pela
ferro; de 1862 a 1869 foram construídas as primeiras ferro-
convicção de que “índio bom era índio morto”, acabou por
vias transcontinentais, ligando a costa atlântica ao Pacífico.
encontrar a morte na famosa Batalha de Little Big Horn.
Ao norte e a leste do país, desenvolveram-se uma rica e po- Nessa operação, ele conduziu o Sétimo Regimento de Ca-
derosa burguesia industrial e comercial e uma classe operá- valaria num ataque contra a maior concentração de índios
ria numerosa e organizada. Ao centro e a oeste, surgiu uma da história dos Estados Unidos, entre os quais estavam os
sociedade de desbravadores dedicados à lavoura e à criação líderes Touro Sentado, Cavalo Louco ou Cavalo Doido, Ga-
de gado. Ao sul, consolidou-se a supremacia da aristocracia lha e Duas Luas.

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1.3.1. Origens da guerra civil
Após a conquista do Oeste, entre os anos 1861 e 1865,
os Estados Unidos foram envolvidos pela guerra civil, co-
nhecida como Guerra de Secessão, consequência dos an-
tagonismos entre os estados do Norte (União) e os do Sul
(Confederados).
As origens do conflito remontam ao processo de formação
das 13 colônias inglesas da América do Norte. A coloni-
zação de povoamento, baseada na pequena propriedade
agrária, na agricultura de subsistência e no trabalho livre
do Norte, formou um mercado interno que impulsionou o
General Custer Touro Sentado desenvolvimento do comércio e da manufatura nas cida-
des costeiras. Ao lado de uma classe média de granjeiros
do interior, formou-se nas cidades litorâneas uma rica e
próspera burguesia.
Ao sul ocorrera, no entanto, uma colonização de explo-
ração, baseada no sistema de plantation – o latifúndio
explorava a monocultura de exportação graças à mão de
obra escrava. Sem uma classe intermediária entre senhores
e escravos e um mercado interno, houve dificuldades para
que o comércio e a manufatura prosperassem. A sociedade
sulista caracterizou-se por uma poderosa aristocracia rural,
que dominava uma imensa massa de escravos. As diferen-
multimídia: vídeo ças econômicas e sociais entre o Norte e o Sul permanece-
Fonte: Youtube ram mesmo depois da independência e agravaram-se com
a conquista do Oeste.
E o vento levou
O drama épico da guerra civil mostra a vida da 1.3.2. Os fatores da guerra
bela petulante do Sul, Scarlett O’Hara. Começan-
do pela expansão de uma plantação extensa, o As contradições entre o Norte e o Sul se aprofundaram
filme traça sua sobrevivência na trágica história com a abolição da escravidão. Em franca expansão terri-
do Sul durante a guerra civil e reconstrução. Mos- torial e capitalista, os Estados Unidos precisavam de uma
tra, ainda, seus casos de amor com Ashley Wilkes identidade adequada a essa realidade. A escravidão tor-
e Rhett Butler. nou-se central no debate político do país que se pretendia
democrático, bem como a necessidade de liberar os capi-
tais investidos em escravos. No Acordo de Mississipi,
de 1820, decidiu-se que a escravidão seria aceita somente
1.3. Guerra de Secessão (1861–1865) abaixo do paralelo 36º40’; posteriormente, a Califórnia de-
cidiu-se contrária à escravidão. Com o Compromisso de
Clay, de 1850, cada estado optaria pela abolição ou não
da escravidão após consulta a seus cidadãos. Em 1854,
foi criado o Partido Republicano, que abraçou a causa do
abolicionismo.
As posições se radicalizaram: abolicionistas e escra-
vistas se enfrentaram militarmente, enquanto o governo
tentava apaziguar a luta com concessões aos sulistas. Em
1859, John Brown tentou sublevar os escravos da Virgínia.
Foi preso e enforcado, transformando-se em mártir do mo-
vimento abolicionista. Anteriormente, em 1857, o escravo
Dred Scott pediu sua liberdade por ter residido duas vezes
Batalha da Guerra de Secessão em território livre, conforme lhe assegurava a lei. O tribunal

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negou-lhe o pedido, porque negros não eram considerados politicamente a crescente influência dos estados do Norte.
cidadãos. A escravidão mudara as bases da vida política A burguesia nortista, embora não se opusesse à escravidão
da nação: a divisão entre as opiniões tomou um sentido no Sul, pretendia implantar nas novas áreas o trabalho livre
geográfico, separando o Norte do Sul. e com isso conquistar a supremacia política do país.
A questão do protecionismo foi um dos principais moti- A causa imediata da guerra, entretanto, foi a vitória de
vos da guerra civil americana. As indústrias do Norte, me- Abraham Lincoln, candidato do Partido Republicano e
nos produtivas que as inglesas, necessitavam de proteção representante dos industriais nortistas, nas eleições presi-
alfandegária. Exigiam a adoção de uma política tarifária denciais de 1860. A aristocracia sulista reagiu à eleição de
protecionista que lhes assegurasse o controle do merca- Lincoln e, em 1861, onze estados escravistas do Sul se-
do interno e eliminasse a concorrência das mercadorias pararam-se do governo da União e fundaram os Estados
importadas da Inglaterra. Essa proteção não interessava Confederados da América. Jefferson Davis foi escolhido
aos grandes produtores do Sul, uma vez que, além de os presidente, a capital foi estabelecida em Richmond, na Vir-
produtos do Norte serem mais caros que os dos ingleses, gínia, e o general Robert Lee, nomeado comandante das
eles corriam o risco de sofrer represálias por parte dos im- tropas confederadas.
portadores da Inglaterra, grandes compradores dos seus
produtos, como, por exemplo, do algodão.

multimídia: livros
Huckleberry Finn – Mark Twain
As aventuras de Huckleberry Finn (Adventures
of Huckleberry Finn, no original em inglês) é
um romance do escritor Mark Twain, publicado
em 1884. Nele, o protagonista, amigo de Tom Abraham Lincoln
Sawyer, vive inúmeras aventuras pelo rio Missis-
A situação do Sul era menos favorável sob todos os as-
sippi em uma balsa.
pectos. Além de não ter indústrias, foi proibido de importar
armas pelo bloqueio naval imposto pelo governo central. A
União passou a vencer inúmeras batalhas; graças ao seu
A rivalidade política também figurou como fator da Guerra moderno e eficiente parque industrial, armou o exército e
de Secessão. Desde a independência, a política do país havia conseguiu anular as forças confederadas. Além disso, a for-
sido dominada pela aristocracia sulista, mas a marcha para o ça numérica do exército ianque era bem superior, uma vez
Oeste acelerou a industrialização do Norte, enquanto o Sul que originada do grande contingente de imigrantes, que
permanecera essencialmente agrário, o que enfraqueceu o contava com 20 milhões de pessoas. O sul tinha apenas 11
poder de sua aristocracia. Foram fundadas agremiações polí- milhões, 30% dos quais eram negros escravos.
ticas para representar as grandes facções político-econômicas
Esse conflito inaugurou uma nova tecnologia militar, um
da época: o Partido Democrata, pelos aristocratas sulistas, e o
novo tipo de guerra. O velho fuzil de carga pela boca
Partido Republicano, pela burguesia industrial nortista.
foi substituído pelo fuzil raiado, de precisão, de recarga
A rivalidade política entre as duas regiões foi agravada pe- pela culatra, cujos tiros saíam em repetição, ampliando
las divergências quando da colonização das terras do Oes- a capacidade ofensiva dos soldados da União. Os trens
te. Como os novos estados elegeriam representantes para também foram bastante úteis para o transporte das tro-
o Congresso federal, quem os controlasse teria assegurada pas e o telégrafo facilitou a transmissão de notícias. As
a direção política do país. A aristocracia sulista pretendia tropas se deslocavam rapidamente na direção onde eram
introduzir a escravidão na região Oeste e assim neutralizar travados os combates.

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a União, permitiu o atendimento aos interesses das dife-
rentes frações e facções de classe e deu feição à moderna
nação americana. Se, em 1860, os Estados Unidos ocupa-
vam a posição de quarta potência mundial, em 1890 já
haviam ultrapassado a Inglaterra, a Alemanha e a França e
se transformado na primeira potência econômica mundial.
À burguesia nortista, foi imposta a reconstrução penosa e
trágica. As tarifas protecionistas foram aprovadas e deter-
minaram o avanço do capitalismo estadunidense. Estradas
de ferro foram abertas em todo o país para o escoamento
multimídia: vídeo rápido dos produtos industrializados do Norte.
Fonte: Youtube

Lincoln
Ao mesmo tempo em que ocorria a guerra civil
estadunidense, que terminou com a vitória do
Norte, o presidente Abraham Lincoln tinha de
tratar de uma batalha ainda mais difícil em Wa-
shington. Ao lado de seus colegas de partido, ele
tentava passar uma emenda à Constituição dos
Estados Unidos que acabava com a escravidão.

Conclusão da Primeira Ferrovia Transcontinental, em 1869. No centro,


Samuel S. Montague,
A derrota dos exércitos confederados, em 1863, na Batalha da Central Pacific Railroad, aperta a mão de Grenville
M. Rodeio, da Union Pacific Railroad.
de Gettysburg, foi decisiva. As tropas da União continua-
ram avançando até a assinatura da capitulação em Appo- A Guerra de Secessão derrubou a escravidão e consoli-
matox. Em 9 de abril de 1865, o general sulista rendeu-se dou a configuração territorial dos EUA, mas não levou ao
e a guerra chegou ao seu fim. Alguns dias depois, no dia debate o racismo, não criou política alguma de inserção
14, Lincoln foi assassinado em um teatro por John Wilkes do negro na sociedade nem de indenização pela extinta
Booth, ator e simpatizante confederado. escravidão. Houve regiões em que o negro continuou sen-
do considerado não cidadão, fato que mudou somente na
década de sessenta do século XX! Surgiram grupos racis-
tas que usavam a violência para perseguir negros, judeus e
católicos. Foi o caso da Ku Klux Klan. O Estado africano da
Libéria surgiu nesse processo de luta pela libertação, quan-
do alguns negros acreditaram que poderiam voltar para a
África e criar um país desenvolvido e harmônico, o que foi
uma experiência fracassada. Para alguns brancos america-
nos, a Libéria seria o lugar onde negros seriam deslocados
para não serem incorporados à sociedade anglo-saxônica.

1.3.3. Consequências 1.4. A política externa dos


A Guerra de Secessão deixou 600 mil mortos e consoli- Estados Unidos no século XIX
dou a supremacia política e econômica do Norte burguês
e industrializado sobre o sul agrário e aristocrático, que foi 1.4.1. A Doutrina Monroe
devastado.
A política isolacionista estadunidense tinha por objetivo
O resultado imediato da guerra civil foi o fim da escravi- evitar o envolvimento e a participação dos Estados Unidos
dão, a transmissão de capitais antes investidos na compra nas guerras e conflitos travados na Europa. O suporte teóri-
de escravos, agora, no capitalismo industrial. A vitória dos co desse isolacionismo foi a Doutrina Monroe, formula-
republicanos (norte), defensores do federalismo, fortaleceu da em 1823, pelo presidente James Monroe, cujo princípio

11
básico era a oposição do país a qualquer intervenção po- 1.4.2. O imperialismo estadunidense
lítica ou militar dos países europeus nos assuntos internos
do continente americano, sintetizado no lema “a América Após a Guerra de Secessão, a industrialização estaduni-
para os americanos”. dense ganhou ímpeto, sendo responsável por uma mudan-
ça de mentalidade: as ideias isolacionistas perdem força e
os estadunidenses iniciam um agressivo imperialismo.
Em 1890, o sistema industrial dos EUA se encontra ple-
namente desenvolvido. Há uma preocupação com a ex-
pansão dos mercados em virtude das necessidades de
reprodução do capital, o que mostra a inserção do país
no movimento de expansão imperialista do final do século
XIX, sendo o principal objetivo o domínio de mercados e a
reserva da matéria prima. Conquistado o mercado interno,
Tio Sam protegendo os americanos contra os europeus (Disponível os grandes trustes exigem do governo uma política exter-
em: <portaldoprofessor.mec.gov.br>. Acesso em: 10/05/2015).
na mais agressiva, seguindo-se uma série de intervenções,
principalmente na América Latina.
Após a guerra com a Espanha (Guerra Hispano-Americana
- 1898) em favor da independência de Cuba, os Estados
Unidos tomaram posse de Porto Rico, Guam, Havaí e Filipi-
nas. Cuba passou a ser uma nação independente, mas sob
a influência dos estadunidenses.
O intervencionismo dos EUA no Caribe atinge o seu ponto
máximo na virada do século XIX com a política do pre-
multimídia: livros sidente Theodore Roosevelt, denominada de Big Stick
(grande porrete). Roosevelt instiga a separação do Pana-
Moby Dick – Herman Melville má da Colômbia com a intenção de construir o canal do
Moby Dick é um romance do autor estaduni- Panamá, em 1903, procurando satisfazer interesses esta-
dense Herman Melville. O nome da obra é o dunidenses. Durante a administração de Roosevelt, deu-se
do cachalote enfurecido, de cor branca, que também a intervenção armada em Cuba e em São Domin-
havendo sido ferido várias vezes por baleeiros, gos. A determinação de “falar suavemente e carregar um
conseguiu destruí-los. porrete” apresentava, assim, resultados convincentes para
os Estados Unidos.

12
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Muitas empresas dos Estados Unidos procuram instalar suas plantas fabris em território mexicano. Isso se deve
pela busca de salários mais baixos praticados no México, além deste representar um amplo mercado consumidor.
Chrysler, Ford, General Motors e Caterpillar são exemplos proeminentes.
Além disso, em 1994, foi assinado o Nafta (Tratado de Livre Comércio Norte-americano), por Canadá, Estados
Unidos e México, que propunha:
§ eliminar as barreiras alfandegárias (imposto de importação) e facilitar o movimento de produtos e serviços entre os
territórios dos países-membros;
§ promover condições para uma competição justa dentro da área de livre comércio;
§ aumentar substancialmente oportunidades de investimento dos países participantes;
§ oferecer proteção efetiva e adequada e garantir os direitos de propriedade intelectual no território de cada um dos
participantes;
§ criar procedimentos efetivos para a implementação e aplicação deste tratado, para sua administração conjunta e
para a resolução de disputas; e
§ estabelecer uma estrutura para futura cooperação trilateral, regional e multilateral para expandir e realçar os bene-
fícios deste acordo.
Contudo, esse cenário de liberdade econômica alterou-se significativamente após a vitória de Donald Trump, em
2016. O novo presidente propôs, durante toda a sua campanha, romper com o Nafta sob o pretexto de atrair as em-
presas estadunidenses aos EUA. Além disso, demonstrando rara ousadia conservadora, deseja impor aos mexicanos
a construção de um gigantesco muro separando as fronteiras entre os dois países.

13
DIAGRAMA DE IDEIAS

EUA NO SÉCULO XIX

EXPANSÃO TERRITORIAL
A B GUERRA DE SECESSÃO (1861-1865)
MARCHA PARA O OESTE
CARACTERÍSTICAS ESTADOS DO NORTE (UNIÃO)
• COMPRA, CONQUISTA OU GUERRA • AGRICULTURA DE SUBSTISTÊNCIA
• DOUTRINA DO DESTINO MANIFESTO • TRABALHO LIVRE
• HOMESTEAD ACT/LEI DA PROPRIEDADE RURAL (1862) • DESENVOLVIMENTO DE MANUFATURAS
• IMIGRAÇÃO
CONSEQUÊNCIAS
• DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
• CRESCIMENTO POPULACIONAL ESTADOS DO SUL (CONFEDERADOS)
• FORTALECIMENTO DO MERCADO INTERNO • PLANTATION
• MASSACRE DE INDÍGENAS • TRABALHO ESCRAVO
• ARISTOCRACIA RURAL
• AUSÊNCIA DE MERCADO INTERNO
FATORES
• ABOLICIONISTAS NO NORTE E ESCRAVISTAS NO SUL CONSEQUÊNCIAS
• PROTECIONISMO NO NORTE • VITÓRIA DOS ESTADOS DA UNIÃO
• FORTALECIMENTO DA BURGUESIA NORTISTA
ESTOPIM • ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO
• ELEIÇÃO DE ABRAHAM LINCOLN (NORTE) • MANUTENÇÃO DE IDEOLOGIAS RACISTAS

C POLÍTICA EXTERNA

• DOUTRINA MONROE (1823) “AMÉRICA PARA OS • INTERVENCIONISMO DOS EUA NO CARIBE


AMERICANOS” • GUERRA HISPANO-AMERICANA (1898)
• IMPERIALISMO (FINAL DO SÉCULO XIX) • EMENDA PLATT, EM CUBA
• INVESTIMENTO DE CAPITAIS NA AMÉRICA LATINA • POLÍTICA DO BIG STICK (THEODORE ROOSEVELT)

14
AULAS Unificações tardias: Itália e Alemanha
37 e 38 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades: 11, 13, 14, 15, 16, 19, 20,
21, 22, 27 e 29

1. Introdução
No século XIX, a burguesia lutou contra as forças reacionárias do Antigo Regime para assumir o poder em revoluções liberais e
nacionalistas, principalmente em 1830 e 1848. A Áustria buscou disseminar a fragmentação política dessas duas regiões (Itália
e Alemanha), antes que a família real dos Habsburgos perdesse o seu poder, o que de fato aconteceu no final do século XIX.
A ruptura do equilíbrio europeu com a unificação da Itália e da Alemanha, e com as lutas pela redivisão do mercado mundial,
iriam desembocar em 1914, na Primeira Guerra Mundial.

2. Unificação da Itália
2.1. Antecedentes
A Itália, sede do antigo Império Romano do Ocidente, fora atacada pelos germanos ou bárbaros, que instituíram na Europa
ocidental os chamados reinos bárbaros. A Itália propriamente dita fragmentou-se politicamente, dividida em cidades-esta-
dos e feudos durante o período medieval. Em boa parte da Idade Moderna, ela permaneceu sob domínio da Espanha e da
Áustria. O Congresso de Viena (1815) dividiu a Itália em sete regiões: o reino do Piemonte-Sardenha, liderado pela dinastia
de Savoia; o reino Lombardo-Veneziano, anexado ao império austríaco; os Estados Pontifícios, sob a direção do papa, mas
ligado os Habsburgos; o reino das duas Sicílias ao sul, governado pela dinastia dos Bourbon; e três ducados, Parma, Modena
e Toscana, submetidos à influência austríaca.

Limites internacionais
Cidades
Reino do Piemonte-
-Sardenha
Ex-domínio do Império
Austríaco
Territórios cedidos
à França (1860)
Ex-domínio da dinastia
francesa dos Bourbon
Ex-domínio do papa

Territórios pretendidos pela


Itália e só anexados em 1919

Localização no mundo

O L

1 : 16 500 000
0 165 330 km
Escala aproximada
Projeção Ortográfica

15
no mercado exterior, liberando a circulação de mercadorias
dentro da península, favorecendo as exportações e impedin-
do as importações dos produtos concorrentes.
Com esse objetivo, nasceu no Norte da atual Itália o Risor-
gimento, movimento nacionalista liberal que assumiu um
papel preponderante na luta pela unificação do país, cujo
líder, Camilo Benso, conde de Cavour, propunha a unifica-
ção nos moldes liberais com a monarquia constitucional, o
que agradava a burguesia piemontesa, pois isolava a pene-
tração das camadas populares no Estado.
multimídia: vídeo O movimento pela unificação da Itália contava também
Fonte: Youtube com o apoio de outros líderes políticos, como Giuseppe
A Unificação da Itália Mazzini, fundador do movimento Jovem Itália, que lutava
pela criação de uma República Italiana.
O nacionalismo desse reino, portanto, estava enraizado nas
2.2. Fatores da unificação necessidades específicas da expansão do capitalismo, que
trilhou caminhos semelhantes aos da Prússia.
No Sul da Itália, outra força poderosa era a dos Camisas
Vermelhas, liderada por Giuseppe Garibaldi, que defendia
a criação da República com voto universal, pois acredita-
va que somente a unificação poderia retirar a população
humilde da miséria. A unificação italiana contou com dois
grupos cujos objetivos eram convergentes; divergiam, po-
rém, no tocante à estrutura ideológica: o Risorgimento era
elitista burguês e Garibaldi, popular e radical. Já os Esta-
dos Pontifícios eram contra a unificação, porque o papa
perderia o poder político para o chefe de Estado, caso a
unificação constituísse uma política republicana ou uma
monarquia constitucional.
Conde Camilo Cavour

A família real do Piemonte mantinha laços estreitos com


a burguesia, o que a fez conscientizar-se do seu cresci-
2.3. O processo de unificação
mento, atrelado à unificação política da Península Itálica,
fundamental para o desenvolvimento do capitalismo. Se-
riam criadas as condições, sob a mesma legislação, de um
mesmo poder político e militar, de crescimento da mão de
obra, do mercado consumidor e do crescimento da oferta
de matéria-prima.
O Reino do Piemonte, no Norte da Península itálica,
passou por um processo de modernização que o transfor-
mou no mais poderoso dos pequenos estados italianos.
Mesmo após a derrota da Revolução de 1848 na Itália e da
restauração condições próximas à política do absolutismo
em todos os estados da península, o Piemonte conservou a
monarquia constitucional como regime político.
Giuseppe Garibaldi
Um surto de industrialização propiciou o fortalecimento da
burguesia piemontesa, cujos interesses econômicos torna- Em 1848, o rei Carlos Alberto, do Piemonte-Sardenha,
vam necessária a unidade política do país. A burguesia de- tentou pela primeira vez a unificação, declarando guerra à
sejava a unificação, que garantiria a continuidade do desen- Àustria. O movimento Jovem Itália estimulava o naciona-
volvimento interno e lhe daria possibilidades de concorrência lismo italiano reforçado pelo Risorgimento, cuja finalidade

16
era reviver o espírito italiano da Renascença e do Império Em 1860, Garibaldi atacou o Reino das Duas Sicílias, co-
Romano. O rei foi vencido e abdicou em favor de seu filho, mandando a Expedição dos Mil Camisas Vermelhas, que
Vitor Emanuel II. culminou com a conquista de Nápoles, capital do Reino.
Nessa mesma época, as tropas piemontesas ocuparam a
Embora outras rebeliões dos Estados italianos também ti- parte oriental dos Estados Pontifícios e estabeleceram a
vessem sido sufocadas, o ideal de unificação e o naciona- ligação terrestre entre o Norte e o Sul da Itália. No ano
lismo continuaram vivos. seguinte, esses territórios conquistados foram incorporados
Em 1852, a ascensão de Cavour ao posto de primeiro-mi- à Alta Itália, que formaram o Reino da Itália, do qual Vitor
nistro, apoiado pelos partidários da unificação, estimulou Emanuel II foi proclamado rei.
a luta pela unidade italiana. Em 1858, Cavour firmou com É interessante observar que Garibaldi recuou temporaria-
Napoleão III da França uma aliança franco-piemontesa, que mente nas suas pretensões de implantar a República, por-
resultou na organização de um pacto militar antiaustríaco, que notou que era mais importante consolidar o nascimen-
o que favoreceu o Piemonte para iniciar em 1859 a luta to da Itália para depois impulsionar o projeto republicano.
pela unificação italiana. Napoleão III apoiaria o Piemonte
numa luta contra a Áustria e receberia em pagamento os
condados da Savoia e de Nice, pertencentes ao Piemonte;
este receberia a Lombardia-Veneza, pertencente à Áustria.
Baseado nesse acordo, Cavour provocou a guerra contra a
Áustria no início de 1859. Franceses e sardo-piemonteses
obtiveram vitórias em Magenta e Solferino (Lombardia), mas
a ameaça de intervenção militar da Prússia levou a França a
se retirar da guerra, obrigando os piemonteses a firmar com
a Áustria o Tratado de Zurique: a Áustria conservaria a região
de Veneza e cederia a Lombardia ao Piemonte, que, por sua
vez, cederia à França as regiões de Nice e Savoia. multimídia: vídeo
Paralelamente à guerra contra a Áustria, Garibaldi promove- Fonte: Youtube
ra várias insurreições de caráter nacionalista na Itália central.
O inocente
As tropas garibaldinas conquistaram os ducados de Toscana,
Parma e Modena, assim como a região da Romanha perten- “O inocente“ (1976) é um filme italiano de Lu-
cente aos Estados Pontifícios. Em 1860, após a realização de chino Visconti, baseado no romance homônimo
plebiscito, esses territórios foram incorporados ao Piemonte, de Gabriele d’Annunzio.
dos quais formou-se o Reino da Alta Itália.

2.4. Consequências da
unificação italiana

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube

O leopardo
Durante o conturbado processo de unificação Papa Pio IX Rei Vitor Emanuel II
italiana na Sicília, o príncipe Don Fabrizio passa a
simpatizar com os ideais socialistas, mas não gos- Nascida a Itália, dois problemas preocupavam o novo Esta-
ta da ideia de perder seu prestígio e privilégios. do: Veneza continuava pertencendo à Áustria e o não reco-
nhecimento do papa Pio IX, protegido por tropas francesas,

17
da Itália como Estado, obrigava os italianos a aceitarem
Florença como capital. 3. Unificação da Alemanha
Esses problemas foram resolvidos quando a Áustria, en-
fraquecida com a guerra contra a Prússia, foi obrigada
3.1. Antecedentes
a ceder Veneza ao Estado italiano. O rei Vitor Emanuel No início do século XVI, quando a Europa ocidental firmava
fez de Roma a capital italiana quando a França perdeu a o processo de formação das monarquias nacionais, a Ale-
guerra contra a Prússia, em 1870, e retirou suas tropas da manha ainda estava dividida em principados, feudos em
“cidade eterna”. O papa manteve o não reconhecimento geral e cidades autônomas. Foi nesse período que se levan-
e enclausurou-se na basílica de São Pedro. Esse dilema, tou pela primeira vez a possibilidade de unidade nacional.
conhecido como a Questão Romana, foi resolvido so- No entanto, nenhum grupo revolucionário da época – bur-
mente em 1929 com o Tratado de Latrão, com o qual o guesia em formação, campesinato e pequena nobreza –
governo fascista de Benito Mussolini indenizou a Igreja era suficientemente forte para liderar sozinho tal intento.
pelos prejuízos sofridos com a perda de Roma e conce- Como não se uniram, lançando-se de modo independente
dia-lhe a soberania sobre a Praça de São Pedro, oportuni- na luta contra a nobreza; o fracasso foi inevitável. Os prín-
dade em que foi criado o atual Estado do Vaticano. cipes foram os grandes beneficiários dessas “revoluções” e
a Alemanha firmou-se como um mosaico de pequenos Es-
A Itália concluíra tardiamente sua unificação política, tados soberanos, que tratavam de defender sua soberania
já na segunda metade do século XIX, em 1870, o que e impedir a unidade nacional.
contribuiu muito para retardar seu desenvolvimento ca-
pitalista. O Sul do país permaneceu agrário e não de- No século XVIII, quando só a Áustria constituía um Estado
senvolvido, dominado pelo latifúndio e pela aristocracia poderoso, nasceu outro principado forte, a Prússia, que se
rural. O Norte conseguiu um relativo desenvolvimento fortaleceu à custa de uma série de guerras de conquistas.
industrial, mas a falta de mercados e de matérias-pri-
mas impediu que a industrialização alcançasse grandes
proporções. A Itália chegou atrasada à corrida colonial,
quando a divisão do mundo já estava praticamente
concluída e os mercados já dominados pela Inglaterra
e pela França. A impossibilidade de formar um império
colonial contribuiu para retardar ainda mais o desenvol-
vimento do capitalismo italiano.

Confederação Germânica

O território germânico não estava unificado, mas sua po-


pulação mantinha forte elo cultural com as narrativas mi-
tológicas que alimentaram um militarismo nobiliárquico
apropriado pelos junkers – aristocracia prussiana que con-
trolava a administração e o exército. Outro fato que susten-
tava o orgulho dos alemães era o I Reich (Império) aliado
multimídia: vídeo do Sacro Império Romano-Germânico. Entretanto, os ale-
Fonte: Youtube mães foram humilhados por Napoleão, que os submeteu
à Confederação do Reno e, mesmo depois do Congresso
Ludwig de Viena, em 1815, seu território continuava fragmentado,
“Ludwig“ é um filme de 1972, do diretor italiano com 35 Estados independentes e quatro cidades livres, do-
Luchino Visconti, e conta sobre a vida e a mor- minados pela Áustria graças à Confederação Germânica.
te de Luís II da Baviera, mais conhecido por sua
admiração por Richard Wagner e sua comissão
de vários palácios na Baviera, como Neuschwa-
3.2. Fatores da unificação
nstein e Herrenchiemsee. O principal fator da unificação alemã foi o desenvolvimento
econômico e social dos Estados germânicos, particularmente

18
o da Prússia. A Áustria, que impedira a unificação alemã, ten- antiliberal (partidário do regime monárquico forte), Bis-
tada pela Prússia em 1850, não conseguiu impedir o desen- marck era devotado à causa da unificação alemã, que
volvimento econômico de seus Estados, alcançado graças ao deveria ser obtida pela força militar contra a Áustria. Ten-
Zollverein – liga aduaneira adotada em 1834, que aboliu tou organizar militarmente o Reino da Prússia, transfor-
as tarifas alfandegárias no comércio entre os Estados ger- mando o exército prussiano no principal instrumento da
mânicos, o que propiciou o início da sua unidade econômica. unificação alemã.
“A posição da Prússia na Alemanha não será determinada
por seu liberalismo, mas por seu poder… A Prússia deve
concentrar sua força e segurá-la para um momento favorá-
vel, que está chegando. Desde o Tratado de Viena, vi várias
vezes nossas fronteiras mal concebidas para um corpo po-
lítico saudável, que não devem ser melhoradas através de
discursos e decisões que a maioria vem a decidir durante o
dia – que foi o erro de 1848 e 1849 –, mas com sangue e
ferro” (Otto von Bismarck, 1862).

3.3. Processo de unificação


3.3.1. Guerra dos Ducados (1864)
Otto von Bismarck, o “chanceler de ferro”.
Os ducados de Schleswig e Holstein, de população predo-
minantemente germânica, estavam sob domínio da Dina-
De 1860 a 1870, os reflexos dessa política econômica fize- marca – graças ao Congresso de Viena, em 1815. Com
ram-se sentir: distritos industriais e numerosos centros ur- a morte do rei dinamarquês Cristiano IX, em 1863, os
banos surgiram em várias regiões; a extensão das estradas príncipes germânicos desses ducados quiseram tornar-se
de ferro passou de 2 mil km para 11 mil km; as minas de independentes. A Prússia, que chegou a firmar uma aliança
carvão e de ferro criaram condições para o crescimento das com a Áustria, apoiou os príncipes e venceu a Dinamarca,
indústrias siderúrgicas, metalúrgicas e mecânicas. Perceben- em 1864. Derrotada, a Dinamarca cedeu o domínio dos
do a ameaça que esse desenvolvimento representava para ducados, mas as divergências originadas quando da parti-
seu poder, a Áustria tentou em vão fazer parte do Zollverein. lha dos territórios anexados agravaram ainda mais a antiga
rivalidade austro-prussiana.

3.3.2. Guerra Austro-prussiana (1866)


A Guerra Austro-prussiana eclodiu finalmente em 1866
e passou à história como Guerra das Sete Semanas. Com
uma campanha fulminante, os prussianos venceram os
austríacos na Batalha de Sadowa. Pelo Tratado de Praga, a
Áustria aceitou a dissolução da Confederação Germânica e
passou os ducados de Schleswig e Holstein para a Prússia.
O caminho para a centralização da Alemanha do Norte es-
multimídia: vídeo tava aberto. Outros territórios foram anexados pela Prússia
aos quais se uniram outros Estados germânicos, formando
Fonte: Youtube
a Confederação Germânica do Norte (1867). Cada Estado
Napoleão III, Bismarck e a Unificação Alemã: manteve sua organização tradicional, mas todos passaram
Videoaula a ser dirigidos pelo rei da Prússia, presidente da Confede-
ração, bem como o exército e as finanças.
Esse processo de fortalecimento da Prússia culminou em
1862 com a nomeação, pelo rei Guilherme I, de Otto von
3.3.3. Guerra Franco-prussiana (1870)
Bismarck, representante da aristocracia junker, para o car- No início da Guerra Austro-prussiana, Napoleão III fora co-
go de chanceler (primeiro-ministro) da Prússia. Embora nivente com Bismarck, certo de que a luta se arrastaria por

19
muito tempo e trouxesse-lhe vantagens. A vitória prussiana Tratado de Frankfurt, assinado em 1871 com a França,
foi inesperada e desagradável para a França: a unificação permitiu à Alemanha anexar as províncias francesas da
da Alemanha constituía uma ameaça direta à hegemonia Alsácia-Lorena, ricas em jazidas de ferro e carvão, além
francesa na Europa. O exército francês não podia ser mo- de receber da França uma pesada indenização de guerra.
bilizado, pois tinha sido desorganizado por uma expedição Tudo isso contribuiu para o desenvolvimento do revan-
ao México (1862–1867). Tentando resguardar um pouco chismo francês, que se transformou numa das princi-
da autoridade francesa, Napoleão III exigiu da Prússia pais causas da Primeira Guerra Mundial.
que os Estados do Sul da Alemanha – onde a influência A unificação política, os minérios da Alsácia-Lorena e a in-
francesa era considerável – não se unissem aos do Norte. denização francesa contribuíram para impulsionar o desen-
Bismarck usou dessas exigências para opor os alemães aos volvimento industrial da Alemanha. A revolução industrial,
franceses, os quais considerava inimigos tradicionais. realizada na passagem do século XIX para o XX, posicio-
Em 1869, a candidatura do príncipe Leopoldo de Hohen- nou a Alemanha lado a lado com a Inglaterra como grande
zollern, parente do rei da Prússia, ao trono da Espanha foi potência econômica da Europa.
vetada por Napoleão III e serviu de estopim para a eclosão Como foi tardia, a unificação fez com que a Alemanha,
da Guerra Franco-prussiana. assim como a Itália, chegasse atrasada à corrida colonial,
Para o imperador francês, a candidatura do príncipe ale- quando a partilha do mundo estava praticamente conclu-
mão era uma manobra de cerco à França no caso de uma ída e os principais territórios já ocupados por Inglaterra e
guerra com a Prússia. Napoleão III exigiu a retirada da can- França. A necessidade de mercados externos e a rivalidade
didatura de Hohenzollern e a promessa de Guilherme I, rei anglo-alemã – resultante da concorrência industrial, co-
da Prússia, de que nenhum príncipe germânico ocuparia o mercial e naval entre as duas potências – transformaram-
trono espanhol. Guilherme I enviou a Bismarck um telegra- -se em pontos de atrito altamente explosivos.
ma (Despacho de Ems) a ser encaminhado a Napoleão III.
Mas Bismarck modificou-o, o que fez parecer insultuoso ao
povo francês. Esse texto, publicado pelos jornais alemães,
levou a França a declarar guerra à Prussia, em 1870.
A Batalha de Sedan selou a vitória da Prússia sobre a Fran-
ça e consolidou a anexação dos Estados do Sul da Alema-
nha, em 1871. Na Sala dos Espelhos do Palácio de Ver-
salhes, Guilherme I, rei da Prússia, foi coroado imperador
da Alemanha. Com a fundação do II Reich1 alemão estava
concluída a unificação política do país.

Napoleão III e Bismark após a Batalha de Sedan.

3.4. Consequências da
unificação alemã
O Império Alemão destruiu o equilíbrio de poder estabele-
cido na Europa desde 1815 pelo Congresso de Viena. No
prazo de algumas décadas, a Alemanha se transformaria
na primeira potência econômica e militar da Europa. O

20
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

A região de Ausácia-Lorena, rica em minério de ferro, foi disputada com “unhas e dentes“ pelos franceses e ale-
mães. O território era, originalmente, possessão alemã (sacro império romano-germânico) até ser tomado pela
França, em 1648, pela Paz de Vestfália. Durante a guerra franco-prussiana (1870-1871), foi reincorporada pelos
alemães, que desejavam ampliar sua produção siderúrgica. Já em 1918, após o final da Primeira Guerra Mundial, o
Tratado de Versalhes assegurou a possessão do território novamente aos franceses, o que gerou enorme insatisfação
da elite alemã.
Não foi de se espantar que, durante o nazismo, em 1940, Hitler tenha reincorporado as importantes jazidas minerais
da região. O fim do conflito viria somente após o término da Segunda Guerra Mundial, quando finalmente a maior
parte de Alsácia-Lorena ficasse sob os domínios do Estado francês.
O caso descrito é representativo do quão é importante para a indústria nacional possuir matérias-primas em abun-
dância. Riquezas naturais, muitas vezes, são fontes de soberania.

21
DIAGRAMA DE IDEIAS

UNIFICAÇÕES TARDIAS

A ANTECENDENTES C ALEMANHA

• FORTALECIMENTO DO PODER BURGUÊS NA


• DIVISÃO ENTRE PEQUENOS ESTADOS SOBERANOS
EUROPA
• UNIDADE CULTURAL
• REVOLUÇÕES LIBERAIS E NACIONALISTAS
• TRADIÇÃO MILITARISTA
DE 1830 E 1848
• ORGULHO DO I REICH
• INTERFERÊNCIA POLÍTICA DO ABSOLUTISMO
• REGIÃO CONTROLADA PELA ÁUSTRIA
AUSTRÍACO
I FATORES DA UNIFICAÇÃO
B ITÁLIA CONGRESSO DE VIENA (1815) • “ZOLLUEREIN”/ LIGA ADUANEIRA (1834)
DIVISÃO DA ITÁLIA EM SETE REGIÕES • DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, SOCIAL E
MILITAR
REINO PIEMONTE • FORTALECIMENTO DA PRÚSSIA
• MONARQUIA CONSTITUCIONAL
• ALIANÇA ENTRE REI E BURGUESIA II LIDERANÇA
• OTTO VON BISMARCK - CHANCELER DA PRÚSSIA
1848: TENTATIVA DE UNIFICAÇÃO
• FRACASSO III PROCESSO DE UNIFICAÇÃO
• DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL • 1864
• GUERRA DOS DUCADOS
I LIDERANÇAS • CONQUISTA DE DUCADOS DA DINAMARCA
• CONDE DE CAVOUR/ RESSURGIMENTO PIE- • 1866
MONTE/MONARQUISTA • GUERRA AUSTRO-PRUSSIANA
• GIUSEPPE GARIBALDI (CAMISAS VERMELHAS - • CONQUISTA DE TERRITÓRIOS GERMÂNICOS DA ÁUSTRIA
SUL DA ITÁLIA) REPUBLICANO • FORMAÇÃO DA CONFEDERAÇÃO GERMÂNICA DO
NORTE
II PROCESSO DE UNIFICAÇÃO
• 1870
• 1858-1859
• GUERRA FRANCO-PRUSSIANA
• GUERRA ENTRE PIEMONT E ÁUSTRIA: CONQUISTA DO
• CONQUISTA DE TERRITÓRIOS AO SUL DA ALEMANHA
NORTE DA ITÁLIA
• QUEDA DO II IMPÉRIO FRANCÊS
• 1860
• 1871
• GARIBALDI UNIFICA CENTRO E SUL DA ITÁLIA
• FORMAÇÃO DO II REICH
• ALIANÇA ENTRE GARIBALDI E CONDE DE CAVOUR
• 1870
IV CONSEQUÊNCIAS
• REI VITOR EMMANUEL II CONQUISTA ROMA
• NOVO EQUILÍBRIO DE PODER NA EUROPA
• PAPA NÃO RECONHECE O ESTADO ITALIANO
• ANEXAÇÃO DA ALSÁCIA E DE LORENA
III CONSEQUÊNCIAS • REVANCHISMO FRANCÊS
• QUESTÃO ROMANA (1870-1929) • ALEMANHA É NOVA POTÊNCIA ECONÔMICA
• ATRASO NO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA DA EUROPA
• ATRASO NA CORRIDA COLONIAL • ATRASO NA CORRIDA COLONIAL
• NORTE DA ITÁLIA - INDUSTRIALIZADO
• SUL DA ITÁLIA - AGRÁRIO

22
AULAS Primeira Guerra Mundial
39 e 40 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades: 11, 13, 14, 15, 16, 19, 20,
21, 22, 27 e 29

Soldados americanos guardam trincheira na França durante a Primeira Guerra Mundial (1914–1918)
protegidos por máscaras contra gás.

1. Introdução tempo em que sinalizavam o exercício de uma política de


isolamento em relação aos interesses europeus. Por isso, a
Inglaterra, França, Bélgica e Holanda exerceram uma políti- participação dos EUA na Primeira Guerra Mundial foi tardia
ca imperialista eficiente em relação à exploração da África e ocorreu somente em 1917. Já o Japão estava em fran-
e da Ásia. No entanto, a unificação da Alemanha e Itália co crescimento, em virtude da industrialização provocada
promoveu uma gigantesca industrialização nesses Estados, pela Revolução Meiji, mas ainda não tinha condições para
que, por terem se unificado somente na metade final do sé- confrontar o imperialismo da Inglaterra e da França, o que
culo XIX, iniciaram tardiamente o processo de criação dos ocorreu somente durante a II Guerra Mundial.
monopólios industriais, não tendo assim acesso a um vasto
mercado consumidor para além de seus territórios.
2. Antecedentes: a Belle
Époque e a Paz Armada
No final do século XIX, algumas potências europeias as-
sociavam o aperfeiçoamento tecnológico à indústria bélica
por intermédio de alianças internacionais, que, somado ao O estado de espírito predominante na Europa, no período
nacionalismo, alimentavam um ódio não somente regional, anterior a 1914, era de orgulho pelas realizações da civili-
mas continental. Desse modo, a Europa preparava-se para zação ocidental e de confiança em seu progresso futuro. Os
uma guerra com potencial de destruição que ainda não avanços na ciência e na tecnologia, a elevação do padrão
tinha sido visto nem mesmo na Era Napoleônica. de vida, a difusão das instituições democráticas, o incre-
Os Estados Unidos consolidavam sua expansão para o mento da alfabetização das massas, a posição de poder
Oeste e iniciavam a intervenção nas Antilhas, ao mesmo da Europa no mundo, tudo contribuía para um sentimento

23
de otimismo. Esse período de euforia, que vai da segunda A II Revolução Industrial, baseada no avanço tecnológi-
metade do século XIX até a eclosão da Primeira Guerra co da eletricidade, aço e petróleo e no capital industrial-
Mundial, em 1914, foi denominado de Belle Époque. -financeiro, gerou uma superprodução que foi parcial-
Porém, paradoxalmente, o período que abrange o final da mente escoada para África, Ásia e América Latina. Como
Guerra Franco-Prussiana até o início da Primeira Guerra Itália e Alemanha se encontravam marginalizadas da
Mundial (1871–1914) ficou conhecido como “paz arma- corrida neocolonial, houve o surgimento do ressentimen-
da”. Um período caracterizado pelas fortes rivalidades po- to que alimentou os atritos entre ingleses e franceses,
líticas (nacionalistas), econômicas (disputa por mercados de um lado, e os representantes do capital ítalo-prus-
e por matérias-primas industriais) e imperialistas (concor- siano de outro. Nesse contexto, a Conferência de Berlim
rência colonial). A imprensa dos principais países europeus (1885) buscou a inserção do II Reich germânico e da
discutia e propagandeava a guerra e todos garantiam que Itália no neocolonialismo por meio de uma série de ne-
seu país sairia vencedor. Esse militarismo criou um clima de gociações; no entanto, essa estratégia fracassou, pois a
tensão. Nos principais países capitalistas europeus, ocor- Inglaterra e a França confirmaram o controle sobre as regi-
reu uma corrida armamentista; todos se preparavam para ões africanas, alimentando o ressentimento alemão, propi-
a guerra: os transportes e a indústria bélica desenvolve- ciando o aumento da militarização e a busca de mercados
ram-se, houve recrutamento militar e aperfeiçoaram-se os consumidores por meio da guerra.
sistemas de comunicação.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Belle Époque. 1889. Paris. Jean Béraud.

A mescla de nacionalismo e de imperialismo levou os Nada de novo no front


governos europeus a perceberem a iminência da guerra, Um grupo de estudantes alemães é convencido
sendo criada uma política armamentista acelerada (paz ar- por um professor excessivamente nacionalista a
mada). Esse belicismo exagerado transformou a fisionomia se alistar no exército durante a Primeira Guerra
da Europa, pois a burguesia até esse momento passava por Mundial. Ao testemunharem mortes e mutilações,
uma fase de euforia cultural (Belle Époque), representada o heroísmo dá lugar aos horrores e às tragédias
nas intermináveis festas no principado francês de Mônaco. da guerra.
A paz armada, com sua corrida armamentista e o clima
de tensão que gerou, tornou inevitável a Primeira Guerra
Mundial. 3.2. A expansão industrial
alemã e o pangermanismo
3. Causas do conflito Após concluir o processo de unificação política em 1871,
a Alemanha industrializou-se rapidamente, equiparando-se
à Inglaterra no início do século XX. Em 1914, sua produção
3.1. O choque de imperialismos de ferro e aço era maior que a da Inglaterra e da França
Um dos principais fatores da Primeira Guerra Mundial – juntas e sua indústria química e manufatureira de instru-
chamada à época de Grande Guerra –, em 1914, foi o mentos científicos liderava a produção mundial. O Produto
choque de imperialismos, que possuía raízes econômi- Interno Bruto da Alemanha cresceu cerca de 600% entre
cas (disputa por novos mercados consumidores e 1871 e 1914. Os alemães dominaram mercados anterior-
matérias-primas industriais), expressando-se de modo mente controlados por ingleses na Europa, no Oriente e
político e militar. até mesmo dentro da própria Inglaterra. A Alemanha, com

24
notável surto industrial, precisava de escoadouros para
suas mercadorias, bem como de mercados fornecedores de
matérias-primas industriais e alimentos para uma popula-
ção crescente, tornando-se inevitável a concorrência com
a Inglaterra.
A hegemonia inglesa nos mares também estava ameaça-
da. Houve grande desenvolvimento da marinha alemã, fato
comprovado pelo lançamento, em 1912, pela Alemanha,
do maior navio do mundo, o Imperator.
Além da corrida imperialista, vários fatores nacionalistas
estavam presentes na Europa e promoviam o aumento
multimídia: vídeo
do ódio entre as nações. Um elemento desse nacionalis- Fonte: Youtube
mo foi o pangermanismo, que se caracterizou pela de- Gallipoli
fesa da ideologia segundo a qual era um direito do povo
Este drama documental explora a batalha de Ga-
alemão, devido ao seu passado mitológico e pureza ra- lípoli, na Primeira Guerra Mundial, por meio de
cial, controlar a Europa Central, bem como interferir nos encenações, animação em 3D e entrevistas com
Bálcãs. Para obter o apoio da Áustria, o pangermanismo especialistas.
também se caracterizava pela criação de uma estrada de
ferro que uniria Berlim a Bagdá, o que se chocaria com o
imperialismo inglês e francês no Oriente Médio e selaria
a aliança entre o II Reich e o Império Austro-Húngaro. A
3.3. A rivalidade franco-germânica
construção da estrada de ferro Berlim–Bagdá (não con- e o revanchismo francês
cluída) contribuiu para agravar ainda mais a rivalidade
anglo-germânica. Uma vez concluída, colocaria à disposi-
ção da Alemanha as fontes de petróleo do Oriente Médio,
os mercados orientais e ameaçaria as rotas de comunica-
ção entre a Inglaterra e seu império.

Em Versalhes, Guilherme I foi aclamado imperador da Monarquia


Federal Germânica. Começava o II Reich Alemão.

Desde a Guerra Franco-prussiana (1870-1871), que pro-


vocou a queda do Segundo Império Francês e a unificação
política da Alemanha, cristalizou-se a rivalidade franco-ger-
mânica. Essa situação agravou-se com os termos do Trata-
do de Frankfurt (10 de maio de 1871), assinado no Palácio
de Versalhes, que obrigou a França a ceder as províncias
da Alsácia-Lorena, ricas em ferro e carvão, e a pagar aos
alemães uma altíssima indenização. Unificada, com ferro
e carvão em abundância, e recebendo capital indenizató-
rio, a Alemanha industrializou-se, enquanto a França en-
contrava dificuldades para continuar seu desenvolvimento.
As instituições culturais francesas equilibrariam o orgulho
ferido difundindo. Formou-se um exacerbado nacionalismo
A Alemanha tentou marcar sua presença na Ásia com a voltado principalmente contra a Alemanha. As novas ge-
Primeira Guerra.
construção de uma ferrovia durante a rações francesas nasciam e educavam-se sob o signo da

25
revanche: vingar a humilhação militar e política sofrida da Bósnia-Herzegovina, habitadas por eslavos, o que con-
na Guerra Franco-Prussiana e recuperar Alsácia-Lorena. trariava os interesses da Sérvia e da Rússia.2 Consumada
Em 1906, França e Alemanha ampliariam suas diferenças a anexação, a formação de um estado nacional eslavo
na luta pela dominação do Marrocos,1 contribuindo para (“Grande Sérvia”), centralizado pela Sérvia, só seria pos-
aumentar a tensão internacional e acelerar a marcha rumo sível com desmembramentos parciais do Império Austro-
à guerra. -Húngaro e do Império Turco.

3.4. O expansionismo russo


e o pan-eslavismo
Depois de derrotada pelo Japão, na Guerra Russo-Japonesa,
de 1905, a Rússia buscou penetrar no Mediterrâneo pelos
Bálcãs, entrando em choque com os interesses dos impérios
turco-otomano, alemão e austro-húngaro. Esse projeto ex-
pansionista do czar foi intitulado de pan-eslavismo e apro-
ximou-se do povo sérvio. A Rússia dissimulava seus projetos
expansionistas pregando a unificação de todos os povos
eslavos e apresentando-se como protetora e incentivadora
de sua independência. Grande parte desses grupos estava
submetidos direta ou indiretamente à dominação do Império
Austro-Húngaro e do Império Turco.
Na passagem do século XIX para o XX, o expansionismo
russo chocava-se com a Alemanha, na região dos estreitos
de Bósforo e Dardanelos, dominada pelo Império Turco. A
manutenção do domínio sobre os estreitos por parte da
decadente Turquia era de vital importância para a Alema-
4. A política de alianças
nha. Por lá passaria a ferrovia Berlim–Bagdá. A Rússia, por O sistema de alianças que agrupou as potências europeias
sua vez, procurava apossar-se dos estreitos para conseguir remonta a 1870, quando a Guerra Franco-Prussiana e a
saída marítima do Mar Negro para o Mediterrâneo. unificação da Alemanha alteraram radicalmente o equilí-
brio de poder na Europa.
O revanchismo francês e a possibilidade de se ver envolvi-
da em uma guerra em duas frentes transformaram-se no
pesadelo da Alemanha. O isolamento da França e a neu-
tralização da Rússia passaram a ser a maior preocupação
da política externa de Bismarck. A Alemanha reforçou sua
aliança com o Império Austro-Húngaro, recebendo, tam-
bém, a adesão da Itália. Em 1882, os dois impérios e a
Itália formalizaram a Tríplice Aliança.
Dois motivos levaram a Itália a participar da Tríplice Alian-
ça: a rivalidade com a França, que havia se apoderado da
Tunísia3, considerada área de influência “natural” da Itália;
3.5. O nacionalismo sérvio e a vontade de criar boas relações com a Áustria, país te-
A exemplo do que acontecera na Itália e na Alemanha, os mido pela Itália.
povos eslavos do Sudeste da Europa pretendiam se unificar 2
Com essa anexação, os sérvios ficaram furiosos e apelaram para a Rús-
sia. O governo do czar ameaçou com a guerra, até que a Alemanha enviou
em um país. Ao sul, o movimento pela “Grande Sérvia” uma áspera nota a São Petesburgo anunciando sua firme intenção de apoiar
chocava-se, entretanto, com os interesses do Império Turco; o Império Austro-Húngaro. Como a Rússia ainda não havia se recuperado
inteiramente da guerra com o Japão e com muitos problemas internos, a
e ao norte, com os do Império Austro-Húngaro. intervenção russa foi adiada.
3
Com o pretexto de uma incursão para a Argélia, em 1881 os franceses
Em 1908, as divergências aumentaram, quando da anexa- invadiram o país com um exército de cerca de 36 mil homens e forçou o rei
ção pelo Império Austro-Húngaro das províncias balcânicas a concordar com os termos do Tratado de Bardo, de 1881, segundo o qual a
1
Com ricos depósitos minerais e reserva de tropas, o Marrocos passou a ser Tunísia tornou-se oficialmente um protetorado francês, apesar das objeções
estratégico. da Itália.

26
O Império Austro-Húngaro, por sua vez, entrou na aliança da Alemanha. O rei Eduardo VII, dotado de grande talento
para se proteger de um possível ataque russo, devido às diplomático e com uma nítida compreensão da conjuntura
rivalidades pelo domínio dos Balcãs. mundial, concebeu um plano de cerco da Alemanha pelas
Procurando neutralizar a Tríplice Aliança, França e Rússia potências que lhe eram hostis.
firmaram um pacto militar em 1894, a Aliança Dual, um Como dirigente da política externa inglesa, o monarca
tratado secreto que os prevenia contra qualquer ataque da acercou-se primeiro da França. Em 1904, ingleses e france-
Alemanha ou de seus aliados. ses assinaram um tratado chamado Entente Cordial. Em
A partir de 1898, a Inglaterra mudou sua política externa ao 1907, a Rússia passou a compor a aliança anglo-francesa,
perceber que seu maior inimigo era a concorrência alemã. A que passou a se chamar Tríplice Entente.
classe dominante inglesa passou a exigir o aniquilamento

Mapa da política de alianças

4.1. O assassinato de Francisco secreta chamada Mão Negra, que lutava para livrar a Bósnia
do domínio austríaco.
Ferdinando: o estopim da guerra
Em 1912, Sérvia, Montenegro, Grécia e Bulgária aliaram-se
e atacaram o Império Turco, na chamada Primeira Guerra
Balcânica. Os turcos foram derrotados, mas na partilha dos
despojos Sérvia e Bulgária desentenderam-se, o que as levou
à Segunda Guerra Balcânica (1913), da qual a Sérvia foi vito-
riosa e aumentou seu território. Entretanto, esse crescimento
teria sido maior se não fossem as pressões austríacas duran-
te a elaboração dos tratados de paz. Ao forçar a criação de
um Estado independente na Albânia, a Áustria evitou que a
Sérvia conquistasse uma saída para o mar Adriático, atitude
essa que ampliou os sentimentos antiaustríacos dos sérvios.
Para o início da Grande Guerra bastava um estopim, que foi
aceso nos Balcãs, região conhecida como o “barril de pól-
vora da Europa”. Num domingo, o arquiduque herdeiro do
trono austro-húngaro, que estava em Sarajevo, capital da
Bósnia – região anexada pela Áustria –, sofreu um atentado
enquanto passeava de automóvel com a esposa. Francisco
Ferdinando e sua esposa foram assassinados pelo estudante O assassinato de Francisco Ferdinando ilustrado por Achille Beltrame
bósnio, Gavrilo Princip, membro da organização terrorista do jornal italiano Domenica del Corriere, em 12 de julho de 1914.

27
Acreditando que o atentado fora preparado pela Sérvia, o
Império Austro-Húngaro enviou-lhe um ultimato com 11 5. As fases da guerra
pontos, um dos quais estabelecia a presença de autorida-
des austríacas em solo sérvio para investigar o assassinato 5.1. A guerra de movimento (1914)
do arquiduque, algo inaceitável para a Sérvia. Pelo teor do
A primeira fase do conflito caracterizou-se pela guerra de
ultimato, os austríacos sinalizaram que desejavam a guerra
movimento, rápido deslocamento de tropas, com o objetivo
e que certamente contariam com o apoio da Alemanha. A
de destruir o inimigo em batalhas sucessivas. O principal
Sérvia, apoiada pela Rússia, recusou o ultimato. No dia 28
país a deslocar seus contingentes militares foi a Alemanha,
de julho, o Império Austro-Húngaro invadiu a Sérvia, ao lado
que invadiu regiões da França e da Rússia, depois de divi-
de quem a Rússia tomou posição em 1o de agosto. A partir
dir seu exército em duas frentes. Usando uma tática que
de então, a política de alianças funcionou automaticamente
foi chamada de Plano Schliefen,4 os alemães pretendiam
em um verdadeiro efeito dominó: a Alemanha, cumprindo
primeiro vencer a França para depois atacar a Rússia. Na
seus compromissos com a Áustria, declarou guerra à Rússia;
invasão da França violaram o território belga para evitar
a França, em socorro aos russos, declarou guerra à Alema-
as fortificações da futuramente famosa linha Maginot, o
nha; e, pouco depois, os ingleses aliaram-se aos franceses.
que serviu de pretexto para a Inglaterra declarar guerra à
Começava, então, a Primeira Guerra Mundial.
Alemanha.
A ofensiva alemã foi contida na Batalha do Marne, de 6
a 13 de setembro de 1914, pelo general Joffre. As tropas
alemãs retiraram-se para uma linha mais recuada.

Impérios Centrais Ofensivas dos Aliados Aliados Zonas de combate


Apoiantes dos Ofensivas dos Estados neutrais Frentes em 1917
Impérios Centrais Impérios Centrais

Gavrilo Princip
5.2. A guerra de trincheiras
(1914–1918)
Os movimentos em massa tentados pelos dois exércitos
tiveram poucos resultados positivos. Cada avanço de al-
guns quilômetros custava uma longa preparação e mi-
lhares de vidas. Durante três anos, a frente imobilizou-se.
Numa extensão de 640 km, dos Alpes ao Mar do Norte,
os lados em confronto construíram uma vasta rede de trin-
cheiras, que tinham abrigos subterrâneos e eram cercadas
multimídia: livros de arame farpado. Atrás da frente de trincheiras havia ou-
tras linhas para as quais os soldados podiam se retirar e
A montanha mágica – Thomas Mann as quais podiam ser usadas para o envio de auxílio. Entre
A montanha mágica é um livro escrito por Tho- os exércitos oponentes ficava a “terra de ninguém”, uma
mas Mann, em 1924. Um dos romances mais vasta superfície de lama, árvores despedaçadas e troncos
influentes da literatura mundial do século XX, partidos. A guerra de trincheiras era uma batalha de ner-
foi importante para a conquista do Prêmio No- vos, resistência e coragem, travada ao som estrondoso da
bel de Literatura, em 1929, por Mann. artilharia pesada. Era também uma carnificina. Quando os

28
soldados atacantes escalavam suas trincheiras e avança- do czar russo. Com as vitórias alemãs sobre a Rússia, a
vam corajosamente ao longo da “terra de ninguém”, eram Turquia entrou na guerra ao lado da Tríplice Aliança, inves-
dizimados pelo fogo da artilharia pesada e caçados pelas tindo contra o pan-eslavismo russo.
metralhadoras. Apesar das baixas assustadoras, pequena Em 1915, os italianos, apesar de aliados à Áustria e à Alema-
área mudava de mãos. Grande parte do heroísmo, do sacri- nha, entraram na guerra ao lado da Entente, o que se justi-
fício e das mortes redundava em nada. fica graças aos tratados secretos, segundo os quais a França
e a Inglaterra prometiam à Itália as regiões do Trento, Tirol e
Ístria, então sob domínio austríaco. Ainda em 1915, o Japão
também entrava na guerra contra a Alemanha, mas após
dominarem os territórios alemães na China e mais algumas
colônias, os japoneses retiraram-se da guerra.
Em 1916 foi travada a Batalha do Somme, possivelmente
Soldados ingleses lutando em Tanque britânico MK-1 a mais ilustrativa do tipo de combate ocorrido na Primei-
suas trincheiras (1916).
ra Guerra Mundial. No primeiro dia, os ingleses perderam
A guerra havia se transformado radicalmente. As manobras 60 mil homens; após um mês haviam conseguido avançar
estratégicas do período napoleônico e as fulgurantes ofensi- apenas quatro quilômetros. Durante toda a batalha os ale-
vas previstas nos manuais militares tornaram-se antiquadas, mães perderam 500 mil homens; os ingleses e franceses,
graças a uma nova arma, a metralhadora. Foi a partir do ve- 600 mil. Ainda em 1916, os franceses barraram o ataque
rão de 1916 que surgiram os primeiros tanques inventados dos alemães à custa de 300 mil baixas de cada lado, derro-
pelos ingleses, blindados, armados de canhões e metralha- tando-os na Batalha de Verdun.
dora, com lagartas para todo tipo de terreno. Foram produ-
zidos em pequeno número e não alteravam as condições
básicas dessa guerra, imóvel e sangrenta.

Batalha do Somme

5.3. A entrada dos Estados


Unidos e o colapso da Tríplice
multimídia: vídeo Aliança (1917–1918)
Iniciada a guerra, os EUA permaneceram neutros, embora
Fonte: Youtube
emprestassem capitais e vendessem armas e manufatura-
Lawrence da Arábia dos aos países da Entente. Sabiam que da guerra só have-
Graças ao seu conhecimento dos beduínos, o ria um vencedor – Alemanha ou Inglaterra –, que dividiria
oficial britânico T.E. Lawrence é enviado à Arábia com os americanos o mercado mundial. Por razões cultu-
para encontrar o príncipe Faisal e servir de ligação rais, históricas e econômicas, interessava-lhes a vitória da
entre árabes e ingleses na luta contra os turcos. Inglaterra. A vitória do imperialismo alemão significaria o
Com a ajuda do nativo xerife Ali, Lawrence se re- surgimento de um inimigo muito mais perigoso para o jo-
bela contra as ordens de seus superiores e enfren- vem imperialismo americano. Assim, o destino da Entente
ta uma jornada através do deserto para atacar um estava ligado ao de seu maior credor: os EUA.
porto turco bem protegido. Em 1917, a Alemanha declarou a guerra submarina, sem
restrições, a todos os países da Entente. Seriam afundados
quaisquer navios de países neutros ou que se dirigissem fa-
Na frente oriental, os alemães, mais bem equipados, sob voravelmente à Entente. Os EUA romperam relações com a
o comando do general Hindenburg, conseguiram diversas Alemanha. A embaixada alemã no México comunicou ao
vitórias sobre o numeroso, mas pouco preparado, exército governo mexicano que a Alemanha tinha interesse que o país

29
declarasse guerra aos EUA. Em março de 1917, alguns navios os EUA, seus capitais. Os EUA enviaram mais soldados para
americanos em comércio com a Inglaterra foram afundados a França, que chegou a quase dois milhões de homens.
por submarinos alemães. Em 6 de abril, o Congresso america- Essa participação foi decisiva para a derrota dos impérios
no votou favoravelmente à declaração de guerra à Alemanha. centrais da Tríplice Aliança. Diante das sucessivas derrotas
do exército alemão, revoltas internas derrubaram o II Reich
e o novo governo republicano assinou o armistício em 11
de novembro de 1918, pondo fim à guerra.

5.4. Os acordos de paz


Em janeiro de 1918, o presidente dos Estados Unidos,
Woodrow Wilson, propôs um acordo de paz chamado
14 Pontos. Em linhas gerais, tratava da criação de uma
sociedade internacional que teria por finalidade manter a
paz mundial, eliminar a diplomacia secreta e promover a
liberdade total dos mares. Tratava, ainda, do fim da guer-
ra de anexações e com indenizações por parte dos países
Soldados norte-americanos na Primeira Guerra Mundial beligerantes. Wilson insistia na ideia de que deveria haver
uma paz “sem vencedores nem vencidos”.
Em novembro de 1917, a revolução socialista saiu vitoriosa
na Rússia. Em março de 1918, em Brest-Litovsk, o governo
da Rússia soviética assinou a paz com a Alemanha, acei-
tando suas condições que incluíam a entrega da Polônia,
da Ucrânia e da Finlândia, e se retirava da guerra.

Autoridades reunidas para a assinatura do Tratado de Versalhes: Da


esquerda para a direita,
Lloyd George, Vittorio Emanuele Orlando,
Georges Clemenceau e Woodrow Wilson.

multimídia: vídeo Em 18 de janeiro de 1919, realizou-se a Conferência de


Paris, com o objetivo de tratar da paz com os vencidos. Dela
Fonte: Youtube participaram todos os vencedores, embora só tivessem voz
Glória feita de sangue ativa Georges Clemenceau, primeiro-ministro da França,
Lloyd George, primeiro-ministro inglês, e Woodrow Wilson,
Durante a Primeira Guerra Mundial, o general-co-
presidente dos Estados Unidos.
mandante Broulard ordena que seu subordina-
do, o general Mireau, ataque a trincheira alemã, França e Inglaterra não aceitaram todos os pontos apresen-
oferecendo-lhe uma promoção como incentivo. tados pelo presidente estadunidense. A França exigia repa-
Embora a missão seja imprudente ao ponto de rações de guerra em dinheiro, pressionada pelos vultosos
suicídio, Mireau manda seu próprio subordinado, prejuízos que tivera. A Inglaterra era contra a liberdade total
o coronel Dax, planejar o ataque. Quando o pla- dos mares, uma vez que neles mantinha sua hegemonia.
no termina em desastre, o general Mireau exige Em junho de 1919, o Tratado de Versalhes fixava as
a corte marcial de três soldados, aleatoriamente penas a serem aplicadas aos vencidos. A Alemanha, con-
escolhidos, para manter as aparências. siderada a “grande culpada” pelo conflito, foi despojada
de um sétimo de seu território, um décimo de sua popu-
lação, perdeu suas colônias, viu-se privada do território
Na primavera de 1918, a superioridade alemã era incontes- do Sarre (rico em carvão), foi obrigada a desmilitarizar a
te a oeste. A Entente estava ameaçada de perder a guerra e região da Renânia (fronteira com a França) e a restituir o

30
território da Alsácia-Lorena à França, teve seus exércitos Balcânica. A região da Dobrudja foi dada à Romênia; a
reduzidos para 100 mil homens, seu território foi separa- Macedônia Ocidental, à Iugoslávia e a Trácia Ocidental, à
do em duas partes por um “corredor” de terras (“corre- Grécia.
dor polonês”), que dava acesso para o mar à Polônia, a
cidade alemã de Dantzig foi transformada em porto livre
e arcou com o pagamento de uma indenização de 33 bi-
lhões de dólares. Ainda pelo tratado, criou-se oficialmen-
te a Liga das Nações, encarregada de preservar a paz
mundial, desde que Alemanha e União Soviética fossem
excluídas de sua composição.
Novos países
Renânia desmilitarizada
Alsácia - Lorena (ganho francês)
Estado do Sarre
Sul do Tirol e Áustria (ganhos italianos)

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube

The World’s War: Forgotten Soldiers of the


Empire
O historiador David Olusoga retrata milhões de
indianos, africanos e asiáticos que lutaram na Pri-
meira Guerra Mundial.

Pelo Tratado de Saint-Germain (dezembro de 1919), a


Áustria perdeu três quartos de seu território e de sua popu-
lação. Foi obrigada a reconhecer a independência da Hun-
gria, da Polônia, da Tchecoslováquia e da Iugoslávia (resul-
tado da incorporação da Bósnia-Herzegovina, da Croácia
e de Montenegro pela Sérvia). As regiões do Trieste, sul do
Tirol, Trentino e a Ístria passariam à Itália.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube

Os campos voltarão multimídia: livros


No final da Primeira Guerra Mundial, um grupo
de soldados italianos enfrenta os horrores da A soldier’s Pay – William Faulkner
guerra. A tensão aumenta entre os homens, que Romance do escritor estadunidense William
aguardam novas ordens, sem saber até quando Faulkner, que tematiza a chegada aos EUA
vão sobreviver. de soldados que voltam da Primeira Guerra
Mundial.

Com a Bulgária, foi estabelecido o Tratado de Neuilly


(novembro de 1919). Por ele, a Bulgária perdeu grande Para regular a situação com a Hungria, foi assinado o
parte dos territórios anexados durante a Primeira Guerra Tratado de Trianon (1920), pelo qual ela perdia várias

31
regiões. Parte da Eslováquia passava para a recém-criada Tchecoslováquia; para a Iugoslávia passava a Croácia, e para a
Romênia, a Transilvânia.
O Tratado de Sèvres (1920) foi imposto à Turquia e determinou a desagregação do Império Turco-otomano. Esse tratado
estipulava que a Armênia seria independente e que a maior parte da Turquia europeia passaria à Grécia; a Síria seria contro-
lada pelos franceses; a Mesopotâmia (atual Iraque) e a Palestina, pelos ingleses.

6. Consequências da Primeira Guerra Mundial

Europa antes da Primeira Guerra Mundial (1914)

Finlândia

Europa depois da Primeira Guerra Mundial (1919)

Um balanço da Primeira Guerra Mundial assinala o deslocamento da supremacia econômica, financeira, política e militar
da Europa para os Estados Unidos. No plano econômico, a guerra destruiu 40% do potencial industrial europeu e 30% de
sua agricultura. No plano financeiro, de credora, a Europa transformou-se em devedora dos Estados Unidos. As exportações
americanas, que em 1913 orçaram 2,4 bilhões de dólares, alcançaram em 1919 a quantia de 6,7 bilhões. Sua produção
industrial cresceu 40%. Seu produto nacional bruto, de 33 bilhões de dólares em 1913, elevou-se para 63 bilhões em 1919.
Suas reservas de ouro passaram de um bilhão e 800 milhões para 4,5 bilhões de dólares.
Houve também uma mudança radical no mapa político europeu. Surgiram os Estados independentes da Hungria, Tchecoslo-
váquia, Iugoslávia, Polônia, Letônia, Lituânia, Estônia e Finlândia. Vários países tiveram seu território ampliado ou diminuído.

32
A Grande Guerra assinalou também o declínio do capita-
lismo liberal baseado na livre concorrência, cedendo lugar,
pouco a pouco, ao Estado intervencionista, com a econo-
mia passando a ser parcialmente regulada pelo poder go-
vernamental.
Outro fato de grande importância, fruto em parte da Pri-
meira Guerra Mundial, foi a derrubada do regime czarista
na Rússia, substituído pelo primeiro Estado socialista da
história. multimídia: livros
Em grande parte e como consequência dos tratados de paz
V. Woolf – Mrs. Dalloway
da Primeira Guerra Mundial, surgiram na Europa as condi-
ções para o posterior estabelecimento dos regimes nazifas- Mrs. Dalloway é um romance de Virginia Wo-
cistas, que impulsionaram o mundo rumo a um segundo olf, publicado em maio de 1925, que narra um
conflito mundial. dia na vida de Clarissa Dalloway, uma socialite
ficcional que vive na Inglaterra pós-Primeira
No plano demográfico, a guerra deixou um saldo de apro- Guerra Mundial. É um dos romances mais fa-
ximadamente oito milhões de mortos e 20 milhões de mosos de Woolf.
mutilados.

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Desde o século XIX houve um processo profundo e sistemático de consolidação de trustes e holdings na economia
mundial. Os trustes são a fusão de várias empresas, de modo a formar um monopólio com o intuito de dominar
determinada oferta de produtos e/ou serviços. Também é possível definir truste como uma organização empresarial
de grande poder de pressão no mercado.
A existência desses conglomerados leva à confusão dos consumidores, uma vez que muitas das marcas disponíveis nas
prateleiras dos supermercados aparentam ser concorrentes, embora sejam de uma mesma empresa. A imagem a seguir
demonstra claramente como funciona a concentração de marcas em torno desses poderosos grupos empresariais.

33
DIAGRAMA DE IDEIAS

PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

A ANTECENDENTES B CAUSAS

I BELLE ÉPOQUE • CHOQUES DE IMPERIALISMOS


• FINAL DO SÉCULO XIX (1914) • INEFETIVIDADE DA CONFERÊNCIA DE BERLIM (1885)
• DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NA EUROPA • NACIONALISMOS
• AVANÇOS CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO • DISPUTAS COMERCIAIS
• MELHORIA NOS PADRÕES DE VIDA
• EFERVESCÊNCIA CULTURAL
C NACIONALISMO
• OTIMISMO

II PAZ ARMADA • PANGERMANISMO: CONTROLE DA EUROPA CENTRAL


• 1871-1914 • RIVALIDADE FRANCO-GERMÂNICA: REVANCHISMO
• RIVALIDADES POLÍTICAS (NACIONALISTAS) FRANCÊS
• DISPUTAS ECONÔMICAS (MERCADOS E MATÉ- • EXPANSIONISMO RUSSO E PAN-ESLAVISMO
RIAS-PRIMAS) • NACIONALISMO SÉRVIO
• IMPERIALISMO (CONCORRÊNCIA COLONIAL)
• CORRIDA ARMAMENTISTA D POLÍTICA DE ALIANÇAS

E ESTOPIM TRÍPLICE ALIANÇA (1882)


• ALEMANHA
• ASSASSINATO DE FRANCISCO FERDINANDO • IMPÉRIO AUSTRO-HÚNGARO
(ARQUIDUQUE AUSTRO-HÚNGARO) NA SÉRVIA • IMPÉRIO OTOMANO
TRÍPLICE ENTENTE (1907)
• FRANÇA
F A GUERRA • GRÃ-BRETANHA
• IMPÉRIO RUSSO
I GUERRA DE MOVIMENTO (1914)
G ACORDOS DE PAZ
II GUERRA DE TRINCHEIRAS (1914-1918)
1915 I OS 14 PONTOS DE WILSON
• ITÁLIA SE ALIA À ENTENTE • SOCIEDADE INTERNACIONAL VISANDO À PAZ
1917 • PAZ “SEM VENCEDORES, NEM VENCIDOS”
• EUA ENTRA NA GUERRA AO LADO DA ENTENTE • PROPOSTA DERROTADA
• REVOLUÇÃO SOCIALISTA NA RÚSSIA
II TRATADO DE VERSALHES (1919)
1918
• PERDA TERRITORIAL ALEMÃ
• REVOLUÇÃO NA ALEMANHA
• DEVOLUÇÃO DE ALSÁCIA-LORENA
• FIM DO II REICH
• DESMILITARIZAÇÃO ALEMÃ
• GOVERNO REPUBLICANO ASSINA O ARMISTÍCIO
• INDENIZAÇÃO ALEMÃ
• DESAGREGAÇÃO DOS IMPÉRIOS AUSTRO-HÚN-
H CONSEQUÊNCIAS
GARO E TURCO-OTOMANO
• REDEFINIÇÃO DAS FRONTEIRAS EUROPEIAS
• REDEFINIÇÃO DAS FRONTEIRAS EUROPEIAS
• DESTRUIÇÃO DO CAMPO E DA INDÚSTRIA
• HEGEMONIA ECONÔMICA DOS EUA • REVOLUÇÃO RUSSA
• EUROPA DEVEDORA DOS EUA • ACIRRAMENTO DOS NACIONALISMOS

34
AULAS Revolução Russa (1917)
41 e 42 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades: 11, 13, 14, 15, 16, 19, 20,
21, 22, 27 e 29

Soldados bolcheviques nas ruas de Moscou durante a Revolução Russa de 1917.

1. Introdução 2. Antecedentes
A Revolução Russa foi a primeira revolução socialista com a
participação do proletariado cujos desdobramentos muda- 2.1. Economia e sociedade
ram a história do mundo. Era a vitória contra o capitalismo No fim do século XIX, a Rússia possuía 22 milhões de quilô-
em um determinado país e a busca da construção de uma metros quadrados e mais de 150 milhões de habitantes. Sua
sociedade fundada nos principais do socialismo. Outras ex-
principal característica era o gigante atraso econômico em
periências já haviam existido, como a Comuna de Paris, no
relação aos países da Europa ocidental. Enquanto Inglaterra,
século XIX, porém nenhuma delas obteve a intensidade e
França e Alemanha passavam por um processo acelerado
a repercussão internacional como a Revolução Russa de
de desenvolvimento urbano e industrial, adotavam regimes
1917. Nenhuma havia sido vitoriosa e conseguido chegar
constitucionais e avançavam técnica e cientificamente, a Rús-
ao poder. O capitalismo percebeu a gravidade da ameaça
sia permanecia atrasada econômica, social e politicamente.
que representava a Revolução Russa e imediatamente con-
tra-atacou com críticas radicais de caráter ideológico ao so- Como país predominantemente agrário e semifeudal, a
cialismo e com práticas políticas de caráter ostensivamente aristocracia rural e o clero ortodoxo detinham o controle
destruidor aos militantes socialistas. da terra. Cerca de 40% das terras aráveis pertenciam à

35
nobreza. O processo de industrialização tivera início ape- res e geralmente condenados a longas penas de prisão, à
nas no final do século XIX, caracterizando-se por sua ex- morte ou ainda aos longínquos exílios na Sibéria.
trema concentração em algumas grandes cidades, como
Kiev, Moscou e Petrogrado (atual São Petersburgo), então
capital do país. Além disso, mais de 50% dos capitais in-
vestidos na indústria eram estrangeiros, principalmente de
origem francesa, inglesa e alemã. Essa industrialização tar-
dia, dependente e concentrada produziu, por um lado, uma
burguesia fraca e incipiente e, por outro, um proletariado
forte, organizado e combativo, que, dadas as suas origens
rurais, mantinha estreitos vínculos com os camponeses. As
péssimas condições de vida do proletariado expressavam-
-se nos baixos salários, nas jornadas de 11 ou 12 horas de
trabalho e nas habitações miseráveis. Nicolau II, no centro, com os filhos e cossacos. 1916.

2.3. A oposição ao czarismo


Desde o final do século XIX, as ideias socialistas originárias
da França, da Inglaterra e da Alemanha já haviam penetra-
do na Rússia, trazidas por intelectuais que viviam no exílio
devido à repressão czarista.
Inspirados por essas ideias, surgiram no país vários partidos
clandestinos de oposição à autocracia czarista. Entre eles
estava o Partido Social-Democrata Russo, baseado no so-
cialismo marxista. Em 1903, a social-democracia dividiu-se
Camponeses russos em duas facções: os bolcheviques (de bolchenstvo, maio-
ria), liderados por Lenin, eram revolucionários e defendiam
O atraso econômico refletia-se também no predomínio da a instauração do socialismo na Rússia com base numa
vida rural, que comportava 80% da população Russa. A ten- aliança entre operários e camponeses; e os mencheviques
são social no campo era muito forte. Apesar das tentativas (de menschenstvo, minoria), liderados por Martov, eram re-
de reforma do czar Alexandre II (1855 - 1881), especialmen- volucionários que defendiam a aliança com a burguesia e
te a abolição da servidão, em 1861, o clima tenso persistia. a passagem gradual ao socialismo através de uma política
As terras distribuídas aos camponeses foram insuficientes; as de reformas progressivas.
dívidas dos proprietários eram elevadas e tendiam a aumen-
tar devido à baixa produtividade da terra, resultante das téc-
nicas ultrapassadas e dos equipamentos agrícolas precários.
Nas cidades, onde era reduzido o índice de urbanização,
concentrava-se a classe operária, formada por cerca de seis
milhões de trabalhadores. A burguesia e a aristocracia, por
sua vez, não chegavam a constituir 10% da sociedade.

2.2. O czarismo e o atraso político


Enquanto no Ocidente europeu os países haviam se trans-
formado em regimes liberais, a Rússia vivia ainda no abso-
lutismo, com um império autocrático, governado pelo czar1
Nicolau II, da dinastia Romanov, que se recusava a conce-
der a seus súditos um governo constitucional e parlamen-
tar. O corpo ministerial era nomeado e demitido pelo czar,
que governava por meio de decretos-lei. Não se falava em Lenin em frente do Instituto Smolny. Isaak Brodski.
liberdade individual ou direitos constitucionais; a imprensa
vivia censurada, os civis eram julgados por tribunais milita- Existiam outros partidos de oposição, como o Partido So-

36
cial-Revolucionário, composto por intelectuais oriundos O massacre de São Petersburgo criou uma onda de indig-
das camadas médias, que defendiam a realização de uma nação pelo país seguida de greves e protestos. Os mari-
revolução agrária com base no apoio aos camponeses, e nheiros do Encouraçado Potemkin, ancorado em Odessa,
o Partido Constitucional Democrata (Kadet), que represen- e a guarnição de Kronstadt amotinaram-se. Os diversos
tava os interesses da burguesia liberal e cuja meta era a povos de nacionalidade não russa começaram a se movi-
implantação de uma monarquia constitucional. mentar, tornando a situação bastante grave. A burguesia
apoiava a insurreição popular, procurando capitalizá-la
2.4. Revolução de 1905: com o objetivo de instaurar no país um regime constitu-
cional e parlamentar. Os sovietes (conselhos de operários,
o “Ensaio Geral” camponeses e soldados) encabeçavam a luta contra o cza-
O fim do século XIX foi marcado pela expansão colonial e rismo. Nesses órgãos, os trabalhadores exerciam um poder
imperialista das grandes potências, com vistas à divisão do ao mesmo tempo executivo e legislativo, elegendo seus re-
mercado mundial em áreas de influência. Também a Rús- presentantes a partir dos locais de trabalho e quartéis, des-
sia expandiu-se, mas em direção ao Oriente, procurando tacando-se o soviete de Petrogrado, liderado por Trotsky.
conquistar territórios sob a influência da China e de outros
países no Pacífico. Com a construção da ferrovia trans-
-siberiana, os russos acabaram por se chocar com o imperia-
lismo japonês, na Manchúria e na Coreia. Essa rivalidade em
torno dos mercados asiáticos acabou por provocar a eclosão
da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), na qual os rus-
sos foram fragorosamente derrotados. Pelo Tratado de Port-
smouth, o Japão ficou com o Sul da ilha de Sacalina, Port
Arthur e o protetorado sobre a Coreia e a Manchúria.
A derrota frente ao Japão deixou clara e pública toda a
crise que se escondia sob o manto da autocracia do czar
Nicolau II. Membros da classe média, que até então evi-
multimídia: vídeo
tavam ligar-se aos revolucionários, juntaram-se ao clamor Fonte: Youtube
de mudanças. Trabalhadores organizaram greves e mani-
O encouraçado Potenkim
festações em todas as cidades importantes. Liderados pelo
padre Gapon, um grupo de mais de três mil trabalhadores A revolta de marinheiros de um navio de guerra,
e suas famílias reuniram-se para protestar pacificamente em 1905, que seria o prenúncio da revolução rus-
diante do palácio de inverno do czar, em São Petersbur- sa de 1917.
go, a 22 de janeiro de 1905. Os manifestantes queriam
entregar um abaixo-assinado pedindo melhores condições Diante da grande onda revolucionária, o czar Nicolau II lan-
de vida, direito de greve, reforma agrária e convocação de çou um manifesto, em outubro de 1905, fazendo algumas
uma assembleia nacional. Essa manifestação pacífica cul- concessões, entre as quais a promessa de uma Constitui-
minou com o massacre dos manifestantes, recebidos a tiros ção que estabeleceria a eleição para o parlamento (Duma).
pelas tropas da guarda (cossacos), fazendo com que a data
ficasse conhecida como Domingo Sangrento. Em 1906, reuniu-se a Duma, parlamento controlado pela
burguesia e pelos latifundiários, com o objetivo de redigir
uma Constituição para o país.
Em 1907, o czar Nicolau II, fortalecido por empréstimos
franceses e pelo retorno das tropas que estavam no Orien-
te, desencadeou a contrarrevolução, dissolvendo os sovie-
tes e prendendo ou exilando os membros da oposição. As
concessões liberais foram suprimidas e a Duma, embora
mantida, passou a ter uma existência meramente simbóli-
ca. O poder da Duma era incipiente, porque, como a Rússia
ainda era semifeudal e as poucas fábricas possuíam liga-
ção com o capital estrangeiro, a burguesia russa não tinha
Domingo Sangrento acumulado capital suficiente para proteger seus interesses,
pois não tinha experiência parlamentar.

37
O “Ensaio Geral”2 foi importante, porque, apesar de não operários, pressionados pela fome, exigiam pão. A guerra já
ter conseguido destruir o czarismo e de não provocar me- custara três milhões de mortos, destruíra 25% da indústria
lhorias significativas no padrão de vida do povo russo, mos- e 9% da agricultura do país e não trouxera nenhuma com-
trou a grande força política dos sovietes, que, no futuro, pensação. A inflação violenta desvalorizava os salários; as
seriam a principal arma proletária na luta para a implanta- empresas nacionais iam à falência, acentuando ainda mais
ção do socialismo. Após a revolução de 1905, as diferen- os descontentamentos sociais.
ças entre as facções socialista bolchevique e menchevique
A política de Nicolau II – de dar continuidade à guerra –
tornaram-se mais agudas, pois os bolcheviques, liderados
acelerou o início da Revolução e provocou a queda do cza-
por Lenin, passaram a defender o partido comunista, mes-
rismo na Rússia.
mo pequeno, era formado por revolucionários profissionais
que propagariam o conceito de uma revolução socialista
capaz de destruir o czarismo e o capitalismo simultanea-
mente. Já os mencheviques propunham uma revolução por
etapas: primeiro, a destruição do czarismo; posteriormente,
mediante uma nova revolução, implantar o socialismo. Os
partidos acusavam-se de revisionismo. Acreditavam que o
opositor tinha traído o fundamento do marxismo, seja na
ligação com a burguesia defendida pelos mencheviques,
seja numa passagem direta de uma estrutura semifeudal
para o socialismo, defendida pelos bolcheviques.

2.5. A Rússia e a Primeira multimídia: vídeo


Guerra Mundial Fonte: Youtube

A greve
O suicídio de um operário injustamente acusado
de roubo é o estopim para o início de uma greve
numa fábrica russa, em 1912. O lento processo de
negociação expõe uma série de ações e contra-a-
ções entre grevistas e polícia.

Cavalaria russa durante a Primeira Guerra Mundial 3. A Revolução de fevereiro de


Em 1914 estourou a Primeira Guerra Mundial, conflito en-
tre os países imperialistas pelo domínio do mercado mun-
1917 e o governo provisório
dial e do mundo colonial. Integrante da Tríplice Aliança (ao Em 1917, a Rússia estava sofrendo inúmeras derrotas na
lado de França e Inglaterra), a Rússia entrou no conflito I Guerra Mundial, agravando o grau de miséria da popu-
contra as potências centrais (Alemanha e Império Austro- lação humilde; contudo, o czar, a nobreza e o alto clero
-Húngaro), esperando obter, além de vastas compensações ortodoxo ainda viviam num clima de luxo. Essa realidade,
territoriais, o domínio de Constantinopla e dos estreitos unida à desastrosa ligação do czar Nicolau II com o fami-
pertencentes ao Império Turco. gerado Rasputin,3 provocou o ressurgimento dos sovietes e
a revolução teve início.
Na frente oriental cabia à Rússia, país atrasado e dependen-
te, arcar com o peso da guerra contra a Alemanha; mas, em O movimento grevista crescia continuamente desde
1915, o exército czarista foi vencido e as tropas alemãs inva- 1912. Em 1916, havia 200 mil trabalhadores em greve.
diram e ocuparam vastas áreas da Rússia europeia. Esses de- 2
Rasputin foi um místico russo, figura politicamente influente no final do
período czarista. Por volta de 1905, a sua já conhecida reputação de místico
sastres militares, aliados à crise econômica e financeira que introduziu-o no círculo restrito da Corte imperial russa, na qual, segundo se
atingiu o país, aceleraram o declínio da autocracia russa. Ao dizia, Rasputin teria salvado a vida de Alexei Romanov, o filho do czar, que
fim de 1916, os soldados, cansados da guerra, exigiam paz; era hemofílico. Perante este acontecimento, a czarina Alexandra Feodorovna
dedicou-lhe uma atenção cega e uma confiança desmedida, denominan-
os camponeses, revoltados com a miséria, exigiam terras; os do-o mesmo de “mensageiro de Deus”. Com esta proteção, Rasputin passa
1
Um “Ensaio Geral”. Foi desta forma que Lenin, líder a influenciar a Corte e, principalmente, a família imperial russa, colocando
da Revolução Russa, classificou o ano de 1905. homens como ele no topo da hierarquia da poderosa Igreja Ortodoxa Russa.

38
O exército, por sua vez, havia sofrido três milhões de bai- Constituíram-se, imediatamente, dois poderes paralelos:
xas. Sem quaisquer condições de combate, os soldados a Duma, na qual um comitê provisório, composto na sua
desertaram e passavam a engrossar as fileiras dos que se maioria por membros do Partido Constitucional Democra-
opunham ao regime. ta, Kadet, pretendia consolidar a monarquia constitucional;
No início de 1917, a burguesia, apoiada pela esquerda mo- e os sovietes, conselhos de operários, soldados e campone-
derada, pressionava o governo, provocando manifestações ses, que caminhavam na direção da implantação de uma
de trabalhadores nas ruas; uma greve geral paralisou os República socialista.
transportes na cidade de Petrogrado. Os gritos por pão e O Comitê da Duma transformou-se em Governo Provi-
abaixo a guerra transformaram-se em gritos de “abaixo a sório após a abdicação oficial do imperador, presidido por
autocracia”. Lvov. Esse governo proclamava as liberdades fundamen-
A polícia era insuficiente para deter o movimento; o exército tais, deu anistia aos presos políticos e exilados – permitin-
foi mobilizado, mas no dia 12 de março, 27 de fevereiro, pelo do a volta de líderes bolcheviques que estavam no exílio,
calendário russo, os soldados recusaram-se a marchar contra entre eles Trotsky e Lenin –, mas não retirou a Rússia da
o povo amotinado. No dia seguinte, sem o apoio do exército, Primeira Guerra Mundial e nem levou adiante a partilha
o poder imperial desapareceu com a abdicação do czar. das terras, duas reivindicações populares.

A Revolução de Fevereiro de 1917 e a queda do czarismo.

Lenin ganhou expressão, pregando a paz, a distribuição de terra aos camponeses e o fortalecimento dos sovietes em artigos
no jornal Pravda: “Teses de Abril: paz, terra e pão”. Esse novo programa, entretanto, só poderia ser realizado com a der-
rubada do governo provisório e a transferência do poder para os conselhos de operários, camponeses e soldados, resultando
daí a palavra de ordem “todo poder aos sovietes”, que serviria de base para a Revolução de Outubro.
A timidez da política social do novo governo propiciou o avanço dos bolcheviques. A Rússia ia mal na guerra, e os fracassos
provocaram reações internas, como as manifestações de julho em Petrogrado, logo reprimidas. Sob forte pressão, Lvov cede
lugar a Kerenski, apoiado pelos mencheviques. Os bolcheviques foram novamente perseguidos e Lenin refugiou-se na Fin-
lândia, enquanto Trotsky, presidente do soviete de Petrogrado, criou uma milícia popular, a Guarda Vermelha.

4. A Revolução de Outubro de 1917


Kerenski conseguiu equilibrar-se precariamente no poder com o apoio dos mencheviques, que acreditavam numa revolução
gradual e por meio de medidas reformistas. Em setembro, tropas fiéis ao czarismo, sob o comando do general Kornilov,
marcharam sobre Petrogrado. Kerenski foi obrigado a pedir ajuda aos operários e até mesmo aos bolcheviques, o que
demonstrava sua fragilidade. Lenin, líder dos bolcheviques, que fora obrigado a refugiar-se na Finlândia durante o primeiro
Governo Provisório, pôde retornar à Rússia.
O Governo Provisório de Kerenski perdia terreno, pois insistia em continuar na Primeira Guerra Mundial, negava-se a distribuir
terras aos camponeses e adiava as eleições para a futura Assembleia Constituinte. Lenin preparou o povo para uma revolução

39
armada. Na noite de 6 de novembro, 24 de outubro no ca-
lendário russo, os bolcheviques ocuparam os pontos estraté-
5.1. A Rússia sai da Grande Guerra
gicos de Petrogrado. O encouraçado Aurora bombardeou o O Partido Bolchevique estava dividido quanto à necessida-
Palácio de Inverno, sede do governo. Abandonado por suas de de parar ou não a guerra. A esquerda, sob a liderança
tropas, Kerenski foi obrigado a fugir. No dia 7 reuniu-se o de Trotsky, queria transformá-la numa guerra revolucioná-
Congresso Pan-russo dos Sovietes, que contava com 390 ria mundial. Para ela, as massas europeias, cansadas da
bolcheviques entre seus 650 membros. O exercício de todo o guerra imperialista, estavam preparadas para a revolução.
poder foi transferido aos sovietes representantes dos campo- A direita, liderada por Kamenev e Zinoviev, queria pará-la a
neses, trabalhadores e soldados. Foi designado um Conselho qualquer preço, enquanto Lenin colocava-se numa posição
dos Comissários do Povo, cuja formação ficou nas mãos dos
centrista: para ele, era necessário retirar-se da Guerra para
bolchevique. Era presidido por Lenin; Trotsky ficou no Comis-
consolidar a revolução internamente, mas sem fazer muitas
sariado das Relações Exteriores.
concessões aos alemães, com os quais discutiam procuran-
do ganhar tempo.
Tendo de resolver a questão da frente oriental para pode-
rem se defender a oeste, os alemães lançaram uma ofensi-
va geral contra Petrogrado. Sem saída, o governo soviético,
a 3 de março de 1918, assinou o Tratado de Brest-Lito-
vsky com a Alemanha: a Rússia perdia a Polônia, Finlân-
dia, Estônia, Lituânia e Letônia.

5.2. A Guerra Civil (1918–1921)


e o “comunismo de guerra”
Lenin na Revolução de Outubro

5. O governo Lenin
(1917–1924)
Uma série de medidas foi tomada pelos dirigentes do novo
regime. Um decreto relativo à propriedade da terra foi as-
sinado, visando ganhar o apoio dos camponeses: a grande
propriedade foi abolida e os proprietários não tiveram di-
reito a indenizações. As grandes indústrias passaram para
Exército Vermelho durante a Guerra Civil.
o controle dos operários por meio dos sovietes. Quanto às
nacionalidades, ficou estabelecido que haveria igualdade e Depois de o governo russo concluir o acordo de paz com
soberania de todos os povos da Rússia. a Alemanha, saindo da Primeira Guerra Mundial, em 1918,
eclodiu uma guerra civil no país entre o Exército Branco, for-
mado pelos setores interessados na restauração do antigo
regime, comandado por militares ligados ao czarismo, e o
Exército Vermelho, que chegou a contar com três milhões de
soldados e foi organizado por Trotsky para lutar pela preser-
vação da nova ordem socialista. A França, a Inglaterra, os
Estados Unidos e o Japão, países interessados na derrota dos
bolcheviques e na restauração do capitalismo na Rússia, in-
tervieram militarmente, aliando-se aos russos brancos.
Nessa época, para fazer frente ao cerco das potências ca-
pitalistas e à destruição provocada pela guerra civil, o go-
verno socialista adotou uma política econômica conhecida
como “comunismo de guerra”. Essa política implicou na
Lenin completa estatização dos bancos, do comércio exterior e

40
da indústria fabril, assim como a apropriação compulsória A NEP consistiu na restauração parcial da economia de
da produção agrícola, o estabelecimento da igualdade de mercado, com a adoção de uma série de medidas típicas
salários e o trabalho obrigatório. Finalmente, em 1921, a do capitalismo. Os comerciantes e agricultores foram or-
guerra civil chegava ao fim com a vitória do Exército Ver- ganizados em cooperativas; suprimiram-se as requisições
melho e um saldo de nove milhões de mortos. Dentre os agrícolas forçadas pelo Estado; foram privatizadas as em-
fatores que contribuíram para a vitória dos bolcheviques na presas com menos de vinte trabalhadores; hierarquizaram-
guerra civil, estava o seu prestígio e o dos sovietes, que era -se os salários, permitiu-se a entrada de capitais estrangei-
grande entre a classe operária, porque ambos simboliza- ros no país e foram retomadas as relações econômicas com
vam a nova ordem que havia derrotado o czarismo. a Inglaterra e a Alemanha. Além disso, os investimentos
foram dirigidos para os setores fundamentais da economia
5.3. A Nova Política Econômica, – produção de energia e de matérias-primas básicas.
NEP (1921–1928) Do ponto de vista econômico, a NEP foi um sucesso; fez
Os resultados econômicos do “comunismo de guerra” fo- crescer a produção agrícola e industrial e impulsionou o
ram desastrosos: a produção declinou, pois os trabalhadores comércio. Em 1924, a produção industrial atingiu 50% e a
não estavam habituados a gerir as empresas; a moeda foi produção agrícola equiparou-se aos índices de 1913.
inflacionada e o comércio, paralisado. O bloqueio realizado
pelas potências capitalistas aumentava as dificuldades. As
medidas econômicas tornaram-se cada vez mais drásticas.
6. Stalinismo (1924–1953)
As indústrias pequenas, com cinco a dez operários, foram
estatizadas; os camponeses deveriam entregar a colheita ao 6.1. A disputa pelo poder
governo, salvo a parte destinada ao autoconsumo. entre Stalin e Trotsky

Trotsky Stalin

Lenin morreu precocemente, em 1924. Josef Stalin, secretá-


Cartaz da NEP
rio-geral do Partido Comunista, e Leon Trotsky, comissário
A resistência dos camponeses que escondiam suas colhei- do povo para a guerra, passaram a travar uma luta ferrenha
tas foi quebrada pela ação da Tcheca, polícia política cria- pelo poder, que resultou anos mais tarde no assassinato de
da para combater os contrarrevolucionários. A produção Trotsky e numa ditadura liderada por Stalin. A rivalidade
industrial em 1920 equivalia a 18% da produção de 1913; entre os dois não era somente pelo controle do governo,
a produção agrícola equivalia, no mesmo ano, a 30% da mais também pelo tipo de socialismo a ser implantado.
produção de 1913. O resultado foi a fome generalizada Trotsky acreditava que o ideal socialista não deveria ficar
de 1921. Ocorreram motins dos marinheiros de Kronstadt, centralizado na URSS, mas difundido pelo mundo (“revolu-
que foram massacrados. ção permanente”) sem necessariamente ter a URSS como
Percebendo o problema, Lenin iniciou, em março de 1921, referência. Já Stalin possuía uma visão nacionalista e de-
a Nova Política Econômica, NEP. Como ela continha alguns fendia a tese da “revolução num só país” – na Rússia, no
aspectos do capitalismo, o Ocidente pensou que a Rússia caso –, onde deveria primeiro consolidar-se, assegurando
voltava à antiga ordem do capital. Na realidade, nas pala- sua independência pelo desenvolvimento da produção pe-
vras de Lenin, tratava-se de uma tática de “dar um passo sada, o que em longo prazo tornaria o Exército Vermelho
atrás, para poder dar dois passos à frente”. insuperável e instrumento para a revolução mundial.

41
Stalin venceu a contenda, pois o poder do Partido Bolche- carvão e minério de ferro, nos Urais, na Ásia Central e na
vique, agora chamado de Partido Comunista da União So- Sibéria. Em 1940, a eletrificação cresceu cerca de 80%
viética, PCUS, era maior do que o do Exército Vermelho. em relação a 1928 e a produção de aço cresceu cerca de
Trotsky foi expulso do partido, do Exército, do próprio país 450%, no mesmo período.
e refugiou-se na Turquia, de onde teve de fugir. Entretanto,
encontrado por um agente de Stalin, no México, acabou 6.3. O Estado totalitário de Stalin
sendo assassinado em 20 de agosto de 1940.
Stalin implantou um governo centralizado no Partido Co-
munista. Os políticos do Comitê Central eram controlados
6.2. Os planos quinquenais diretamente por ele, por meio de uma burocracia distante
A ascensão de Stalin assinalou o início de uma nova polí- do cotidiano da população. Esses burocratas formaram
tica econômica. A NEP foi abandonada e foram adotados uma elite chamada de “nomenklatura”. Críticos da URSS
os planos quinquenais. A Gosplan – comissão estatal de chamavam-na burocracia de Estado.
planejamento econômico – passou a se encarregar da pla-
nificação da economia.
Os dois primeiros planos quinquenais estabeleceram dois
objetivos básicos: criação de uma indústria pesada e coletivi-
zação forçada da agricultura, por meio da qual a proprieda-
de privada da terra foi substituída por cooperativas agrícolas,
proprietárias da produção, mas não da terra (kolkhozes),
e por fazendas estatais cujas terras, máquinas e produção
eram do Estado (sovkhozes). A resistência dos camponeses
foi muito além das expectativas. Mataram o gado, inutiliza-
ram as ferramentas e, em muitas regiões, rebelaram-se aber-
tamente contra o regime. Stalin foi implacável. Mobilizou as
forças do Exército e fez cumprir o projeto de coletivização. Cartaz com Stalin em propaganda de Estado.
Milhões de kulaks (proprietários rurais) foram deportados Para esmagar a resistência e moldar um novo tipo de ci-
para os campos siberianos condenados a trabalhos forçados. dadão, devidamente motivado e disciplinado, Stalin im-
plantou um estado totalitário na Rússia. A revolução do
totalitarismo4 englobou toda a atividade cultural: meios de
comunicações, literatura, artes, música, teatro passaram a
ser forçados a se submeterem à ideologia soviética. Na li-
teratura, como em todas as artes, foi promulgado um estilo
oficial, chamado realismo socialista, que deveria descrever
o mundo tal como o partido o via ou esperava moldá-lo.
Compositores tiveram suas músicas examinadas em busca
de resquícios do espírito burguês. Deveriam escrever me-
lodias simples, adequadas aos tempos heroicos. Em toda
parte, cartazes enormes e muito coloridos mostravam ho-
multimídia: vídeo mens e mulheres radiantes, empenhados num trabalho ár-
Fonte: Youtube duo, chamando outros para que se juntassem a eles; mui-
tas vezes Stalin, o pai e líder sábio, era retratado entre eles.
Stalin Da pré-escola à universidade, a educação foi igualmente
Ao longo de três décadas, Stalin assume o poder utilizada para treinar cidadãos leais e obedientes. A propa-
da Rússia, trata a esposa terrivelmente e ordena ganda soviética encarregou-se do culto à personalidade de
atos de agressão contra seu próprio povo. Sem Stalin, que quase chegou à deificação.
confiar em ninguém, o ditador age cruelmente até
O poder de Stalin exerceu os “grandes expurgos”, en-
sua eventual queda e morte.
tre os anos de 1936 e 1938, quando a oposição interna,
bem como membros do próprio Partido Comunista, foram
Num processo de industrialização acelerado, desenvolveu- afastados, expulsos, eliminados ou presos nos gulags –
-se a indústria pesada com a exploração de petróleo e de espécie de campos de concentração na Sibéria.

42
A indústria stalinista de reconstrução da história fazia coisas como esta.
Na foto acima, Lenin discursa para as tropas diante do Teatro Bolshoi,
em 1920, com Trotsky e Kamenev ao lado do palanque. Abaixo, um
retoque na foto os faz desaparecer, futuros inimigos e assassinados.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube

Doutor Jivago
Baseado no romance de Boris Pasternak, dr. Jivago
é um médico e poeta que inicialmente apoia a re-
volução russa, mas, aos poucos, se desilude com o
socialismo e se divide entre dois amores: a esposa
Tania e a bela plebeia Lara.

43
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Atualmente, há poucos países no mundo que se reivindicam comunistas – é o caso de Cuba e da Coreia do Norte.
Este último país vem ganhando destaque midiático por sua postura agressiva no cenário internacional. Corriqueiras
manobras militares e testes nucleares foram executados próximos ao território japonês, causando desconforto entre as
grandes potências – EUA, China e Japão.
No âmbito interno, a Coreia do Norte é um país totalitário e economicamente frágil. Tal fato é constatado pela abissal
diferença econômica e social entre ela e sua vizinha Coreia do Sul.

Coreia do Norte Coreia do Sul


Área: 120.538 km² Área: 99.016 km²
PIB: 14.753 milhões de US$ PIB: 956.788 milhões de US$
PIB per capita: US$ 618 PIB per capita: US$ 9.841
População: 23.906.070 habitantes População: 48.332.820 habitantes
População urbana: 63% População urbana: 81,7%
Expectativa de vida: 67 anos Expectativa de vida: 78,2 anos
População subnutrida: 32% População subnutrida: menor que 5%

Kim Jong-Un, líder supremo da Coreia do Norte

44
DIAGRAMA DE IDEIAS

REVOLUÇÃO RUSSA

A CARACTERÍSTICAS B ANTECEDENTES

• REVOLUÇÃO SOCIALISTA
• PROLETARIADO É O AGENTE REVOLUCIONÁRIO ECONOMIA E SOCIEDADE
• FORTALECIMENTO DO MOVIMENTO SOCIALISTA • ATRASO ECONÔMICO
INTERNACIONAL • POUCA INDUSTRIALIZAÇÃO
• DEPENDÊNCIA DO CAPITAL ESTRANGEIRO
• BURGUESIA FRACA
• BAIXA PRODUTIVIDADE NO CAMPO
REVOLUÇÃO DE 1905
• CONSEQUÊNCIA DA GUERRA RUSSO-JAPONESA
CZARISMO
• LEVANTES OPERÁRIOS E MILITARES
• ATRASO POLÍTICO
• FORMAÇÃO DOS SOVIETS
• RESQUÍCIOS DO ABSOLUTISMO
• FORMAÇÃO DA DUMA
• CENSURA
• DIVISÃO DO PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA RUSSO
• AUSÊNCIA DE LIBERDADES INDIVIDUAIS
• BOLCHEVIQUES: REVOLUÇÃO SOCIALISTA
• MENCHEVIQUES: REVOLUÇÃO LIBERAL BURGUESA
OPOSIÇÕES
PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL • FORÇA DO SOCIALISMO
• RÚSSIA AO LADO DA TRÍPLICE ENTENTE • PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA RUSSO
• BOLCHEVIQUES
• DERROTAS MILITARES
• MENCHEVIQUES
• CRISE ECONÔMICA
• FOME • PARTIDO SOCIAL REVOLUCIONÁRIO
• INFLAÇÃO • PARTIDO CONSTITUCIONAL DEMOCRATA (KADET)

C A REVOLUÇÃO DE 1917

REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO


• GREVES GERAIS • RÚSSIA SE MANTÉM NA GUERRA
• EXÉRCITO SE OPÕE AO CZAR • NÃO HÁ REFORMA AGRÁRIA
• COMITÊ DA DUMA (GOVERNO PROVISÓRIO) • ASSEMBLEIA CONSTITUINTE NÃO SE FORMA
• CONTROLADO PELOS MENCHEVIQUES • BOLCHEVIQUES: “TODO PODER AOS SOVIETS”
• RESSURGIMENTO DOS SOVIETS • VITÓRIA
• BOLCHEVIQUES: “PÃO, PAZ E TERRA” • CONSELHO DOS COMISSÁRIOS DO POVO

D GOVERNO SOCIALISTA

I GOVERNO LÊNIN II GUERRA CIVIL E COMUNISMO DE GUERRA


• ABOLIÇÃO DA GRANDE PROPRIEDADE DE TERRA • EXÉRCITO VERMELHO × EXÉRCITO BRANCO
• INDÚSTRIA CONTROLADA POR TRABALHADORES • APROPRIAÇÃO COMPULSÓRIA DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA
• AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS • ESTATIZAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO
• SAÍDA DA GUERRA • VITÓRIA DO EXÉRCITO VERMELHO
• ACORDO BRIST-LITOVSKY • CRISE ECONÔMICA

45
D GOVERNO SOCIALISTA

III NOVA POLÍTICA ECONÔMICA (1921-1925) IV STALINISMO


• RETOMADA DE PRÁTICAS COMERCIAIS • DIVERGÊNCIAS ENTRE LÍDERES
• RETOMADA DO COMÉRCIO INTERNACIONAL • TROTSKY: “REVOLUÇÃO PERMANENTE”
• COOPERATIVA AGRÍCOLA • STÁLIN: “SOCIALISMO EM UM SÓ PAÍS”
• RETOMADA ECONÔMICA • EXPULSÃO DE TROTSKY
• PLANOS QUINQUENAIS
• COLETIVIZAÇÃO FORÇADA DE TERRAS
• INDÚSTRIA PESADA
• TOTALITARISMO
• REALISMO SOCIALISTA
• PERSONALISMO
• ELIMINAÇÃO DA OPOSIÇÃO

46
AULAS Crise de 1929 e fascismo italiano
43 e 44 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades: 11, 13, 14, 15, 16, 19, 20,
21, 22, 27 e 29

1. Crise de 1929 que impõe os conflitos armados como necessidade de


conquista e preservação dos mercados. A superprodução,
a política econômica liberal e a especulação financeira
provocaram a primeira grande crise do capitalismo, a
Crise de 1929, cujas consequências foram devastadoras
para o mundo capitalista.

multimídia: livros
A crise de 1929 – Bernard Gazier
A crise de 1929 foi uma depressão generaliza-
da da produção em quase todo o mundo in-
dustrializado. A cada dia, multiplicavam--se as
Trabalhador varre o chão da Bolsa de Nova York demissões em massa e os pedidos de falência.
após o crash de Wall Street, em 1929.
O crash da Bolsa de Nova York causou um ra-
cha jamais visto no mercado financeiro.
1.1. Introdução
O capitalismo nasceu sob a égide de ser mundial, como
capitalismo comercial, por meio da expansão ultramarina, 1.2. Antecedentes: a prosperidade
no final do século XV. A Revolução Industrial consolidou o
capitalismo como sistema econômico: o capitalismo sem
dos EUA e o american way of life
necessidade de adjetivação, no final do século XVIII. Seu Como a Europa estava devastada economicamente pela
caráter expansionista – acumulação de capital é cons- I Guerra Mundial, suas produções agrícola e industrial
tante através da produção industrial, da comercialização caíram ao mesmo tempo em que as dívidas externas
das mercadorias e do capital financeiro – fez com que a dos países europeus cresceram, gerando dificuldades em
burguesia ditasse as políticas que melhor conviessem à abastecer os mercados internos, africano, asiático ou la-
reprodução do capital: a defesa da burguesia e dos seus tino-americano com suas mercadorias manufaturadas. A
representantes nas instâncias institucionais da não inter- burguesia industrial estadunidense percebeu essa dificul-
ferência do Estado nas atividades do capitalismo. Durante dade europeia e passou a acelerar sua produção industrial
esse período, constituem-se os trustes, os cartéis e as hol- em busca de penetrar esses mercados. Como as indústrias
dings. No final do século XIX, o capitalismo configurou-se deveriam crescer em curto período, a burguesia fabril foi
como imperialista: havia necessidade de assegurar terri- buscar capital na bolsa de valores, principalmente na de
tórios no mundo como mercado consumidor para a cres- Nova Iorque. Com o aumento de mercado e o capital es-
cente produção de mercadorias, agora atingindo a super- peculativo financiando a aceleração produtiva, os Estados
produção, geradora de crises e da expansão imperialista, Unidos passaram a desfrutar de um período de grande

47
prosperidade. Na década de 1920 tornaram-se a nação
mais próspera de todo o mundo, chegando a um índice de
produção industrial e agrícola jamais alcançado por qual-
quer nação europeia.
O crescimento econômico dos Estados Unidos em alguns
setores estratégicos foi impressionante. A produção in-
dustrial cresceu 50% entre 1922 e 1929. Foram produzi-
dos 600 mil automóveis em 1928, o que correspondeu a “O melhor padrão de vida do mundo” e “Não há melhor estilo
de vida que o americano”, dizem as frases da propaganda.
75% da produção automobilística mundial. Os rádios, cuja
produção era mínima em 1920, atingiram 13 milhões de “Era a ‘sociedade do consumo’ – na qual a capacidade de
unidades em 1929. Essa intensificação do ritmo de cresci- consumir era vista como o principal direito da cidadania.
mento da produção estadunidense deveu-se a dois fatores: Não há dúvida de que a promessa de consumo em mas-
aceleração do progresso técnico decorrente da racionaliza- sa brotava no período. A nova indústria de propaganda e
ção da utilização da mão de obra (taylorismo e fordismo) marketing ajudada pelos jornais, revistas de grande circu-
e processo de concentração industrial, que aumentava a lação e rádio, que atraía grande audiência–disseminou a
capacidade produtiva das empresas pela melhor utilização ideia de liberdade associada ao consumo em oposição à
dos seus recursos. Por outro lado, os investimentos maciços ideia da liberdade associada a mudanças nas relações de
ampliavam enormemente a produção, permitindo a redu- trabalho. A busca por autonomia econômica e soberania
ção dos preços, bem como os investimentos crescentes dos política foi substituída, nas mentes de muitas pessoas, pe-
capitalistas estadunidenses no exterior. las possibilidades de consumo como o elemento essencial
de felicidade e cidadania.”
KARNAL, L.; MORAIS, M. V. de; FERNANDES, L. E.;
PURDY, Sean. História dos Estados Unidos: das origens ao
século XXI. São Paulo: Contexto, 2014. p. 198.

A forma de vida típica dos estadunidenses, o american


way of life, passou a ser considerada modelo da moder-
na civilização ocidental: a construção de altíssimos edifí-
cios, a multiplicação das resistências, dos carros, dos apare-
lhos domésticos. Esse estilo de vida atenuava as diferenças
sociais: o crédito permitia a todos adquirirem um carro ou
uma casa. O rádio e o cinema, bem como as diversões pú-
blicas, tiveram grande desenvolvimento.

Trabalhadores em linha de montagem nas indústrias de Henry Ford.

Por todas essas razões, os Estados Unidos concentravam,


em 1929, 44% da produção industrial do mundo. As socie-
dades financeiras constituídas para a formação de conglo-
merados, as holdings, que dominavam um grande conjunto
de empresas, expandiram-se significativamente.
O consumo crescia aceleradamente, alimentado por diver-
sas razões: aumento dos salários reais resultante dos ga- multimídia: livros
nhos de produtividade; destruição do espírito de poupança
por causa da crise monetária; ampliação dos seguros so- 1929: a crise que mudou o mundo – Jayme
ciais, que estimulavam o gasto em bens de consumo e ser- Brener
viços; ampliação do crédito voltado para o consumo; baixa Entre as décadas de 1920 e 1930, a economia
dos preços agrícolas, que permitiu o deslocamento do po- mundial saiu da euforia para a depressão. O de-
der aquisitivo para o consumo de produtos industriais e semprego e a fome chegaram a quase todos os
serviços; e finalmente, atuação crescente da publicidade, cantos da terra. Depois daqueles anos trágicos,
que estimulava o consumismo criando novas necessidades o capitalismo nunca mais seria o mesmo.
para os consumidores.

48
1.3. Os fatores da crise
1.3.1. Superprodução agrícola
Com o aperfeiçoamento e desenvolvimento das técnicas
agrícolas (eletrificação rural e mecanização da agricultu-
ra), a produção do campo nos Estados Unidos atingiu altos
índices. A Europa, devastada pela guerra, impulsionava a
produção estadunidense por meio das importações; com
a recuperação europeia, elas foram reduzidas. Assim, for-
mou-se um excedente de produção agrícola nos Estados
Unidos que não encontrava mercado consumidor, interna
multimídia: vídeo
ou externamente. Fonte: Youtube

A produção agrícola não consumida foi estocada para evi- A rosa púrpura do Cairo (1985)
tar que um excesso de oferta baixasse demasiadamente Em área pobre de Nova Jersey, durante a depres-
os preços dos produtos. Desse modo, os fazendeiros tive- são, uma garçonete (Mia Farrow) que sustenta o
ram que arcar com as despesas de armazenagem que, em marido bêbado e desempregado, que só sabe ser
geral, foram tão altas que os obrigaram a hipotecar suas violento e grosseiro, foge da sua triste realidade
propriedades para poder pagá-las, baixando ainda mais assistindo a filmes.
seu poder de compra.

1.3.2. Desaceleração do consumo 1.3.3. Valorização irreal das ações1


A indústria americana crescera muitíssimo e os lucros e crack da Bolsa de Nova Iorque
industriais também. Entretanto, o poder aquisitivo da po- Percebendo o aumento dos lucros das indústrias, a po-
pulação não acompanhava esse crescimento industrial.
pulação estadunidense passou a comprar cada vez mais
Enquanto o valor dos produtos industriais subiu cerca
suas ações. O capital gerado por esses papéis era in-
de 10 bilhões de dólares entre 1923 e 1929, o aumento
vestido nas indústrias, que, ao obterem maiores lucros,
global dos salários não foi além de 600 milhões. Nessa
provocaram o aumento dos preços das ações e, con-
situação, com o crescimento dos salários menor que o au-
sequentemente, o enriquecimento do proprietário das
mento da produção, não era possível consumir boa parte
do que se produzia. Embora se comprasse mais que an- ações que poderia vendê-las a um preço elevado. Nesse
tes, essa demanda não acompanhava, na mesma propor- ambiente surgiu uma onda de especulação financeira na
ção, o aumento da produção. Além disso, os produtores Bolsa de Valores de Nova Iorque, cujo comércio de ações
agrícolas, que não encontravam compradores para seus passou a supervalorizar seus preços, baseado na suposi-
excedentes, também diminuíam o consumo de produtos ção de que seus valores sempre iriam crescer no futuro,
industrializados. dando uma falsa sensação para a classe média de que o
lucro futuro seria uma certeza absoluta. Assim, a popu-
lação estadunidenses passou a usar suas economias e
salários para a compra de ações.
É interessante notar que como o capitalismo era liberal, o
Estado não intervinha de maneira efetiva na economia. Da
mesma maneira, pois, que o governo dava liberdade para
a pessoa lucrar, o Estado não iria proteger quem tivesse
prejuízo, numa genuína política de liberdade econômica e
de individualismo.
De 1920 a 1929, incentivados pela aparente prosperidade,
os norte-americanos compraram desenfreadamente ações
multimídia: vídeo das mais diversas empresas, ações essas que atingiram
Fonte: Youtube
1
As ações são papéis que representam uma pequena parte do capital social
de uma empresa. Ao comprar uma ação, o investidor se torna sócio da em-
Entendendo a Crise de 29 (Dublado) presa que emitiu essa ação, passando a correr os riscos dos negócios junto
com a empresa, e tendo participação nos lucros e prejuízos da mesma.

49
em pouco tempo cotações altíssimas, muito maiores que República brasileira. Como a URSS possuía uma economia
o crescimento real das empresas. No momento em que al- planificada, sua economia passou à margem da depressão
gumas delas faliram, os proprietários delas deram-se conta capitalista.
de terem pagado muito mais por elas do que realmente va-
liam. Em pânico, todos os investidores passaram a vender 1.4. Consequências da crise
suas ações, provocando uma vertiginosa baixa no seu valor.
No dia 24 de outubro de 1929, conhecido como Quin-
ta-feira Negra, a Bolsa de Valores de Nova Iorque sofreu
a maior baixa de sua história. Mais de 16 milhões de ações
não encontraram compradores. Esse episódio foi o estopim
para a grande crise e ficou conhecido como o crack da Bol-
sa de Nova Iorque.

Investidor falido põe seu Cadillac Fleetwood à


venda por 100 dólares em Wall Street.

A retirada brusca dos capitais estadunidenses da Europa


provocou de imediato as falências do banco austríaco
Kreditanstaldt e dos Rothschild francês, que arrastaram
consigo os bancos alemães Danatbank e Dresdner Bank.
Várias indústrias ligadas a esses bancos também faliram.
A produção industrial alemã caiu 39%, porcentagem que
correspondia aproximadamente à queda da produção em
todo o mundo, ao mesmo tempo em que o comércio inter-
nacional ficou reduzido em 25%.
O número de desempregados em todo o mundo variou
Wall Street na Quinta-feira Negra. entre 25 e 30 milhões de pessoas, de 1929 a 1933. Na In-
glaterra, onde a exportação diminuiu 70% nesse período, o
1.3.4. Dependência mundial em número de desempregados atingiu 2,7 milhões em 1931.
relação à economia dos EUA No plano político, as consequências não foram menos sig-
nificativas. O desemprego tinha profundas repercussões
A economia estadunidense era o carro chefe do capita-
sociais e as manifestações contra os governos sucediam-
lismo mundial. Entre outros fatores, os Estados Unidos
-se por toda parte. Os movimentos políticos pregavam
detinham 45% do ouro mundial e eram o grande centro eco-
soluções radicais e encontravam numerosos adeptos entre
nômico; deles dependiam para importações e exportações
os descontentes. Os partidos socialistas viram crescer ra-
quase todas as nações capitalistas. Foi com grande rapidez
pidamente suas fileiras. Contra eles surgiram os partidos
que a crise afetou outros países.
fascistas–antiliberais e antidemocráticos–, que defendiam
Somente em 1929, os estadunidenses haviam emprestado a formação de governos autoritários para reprimir as agita-
a vários países sete bilhões e 400 milhões de dólares, que ções das massas desempregadas.
reverteram em importações de produtos americanos. Com
O Brasil foi um dos países que mais sofreu com a crise.
a crise, os capitais foram repatriados, reduzindo as impor-
Seu produto principal era o café, responsável por 70% das
tações dos países estrangeiros a 32% do que tinham sido.
exportações, das quais os Estados Unidos eram os maio-
As importações dos Estados Unidos, que eram de quatro
res compradores e consumidores. Além da diminuição do
bilhões e 300 milhões de dólares, em 1929, reduziram-se a
consumo, a crise de 1929 trouxe o abandono da política
1,3 bilhões de dólares, em 1933.
de estocagem, pois os bancos estrangeiros não estavam
Como o frenesi do lucro do comércio de ações chamou mais em condições de financiá-la. A impossibilidade de
a atenção da elite mundial, a Bolsa de Valores de Nova manter a estocagem fez com que todo o café existente
Iorque passou a movimentar o capital de grande parte do fosse posto abruptamente à venda no mercado mundial,
planeta quando houve a quebra. As falências espalharam- forçando a baixa vertiginosa dos preços. Esse produto pas-
-se por todo o mundo, inclusive na economia cafeeira da sou a representar apenas 53% das exportações brasileiras.

50
Nos Estados Unidos, o otimismo cedeu lugar ao medo. Em
três anos, quatro mil bancos faliram, 14 milhões de pes-
soas ficaram desempregadas, os salários caíram 40% e a
renda nacional foi reduzida em 50%. Entre 1929 e 1932, a
renda familiar nas pequenas propriedades caiu 60% e um
terço dos proprietários rurais perderam suas terras. Trabalhado-
res rurais, brancos e negros, perambulavam de cidade em
cidade em busca de comida e trabalho.
Milhões de solteiros desempregados com rostos magros e
roupas velhas caminhavam penosamente pelas ruas de todas
as cidades procurando empregos inexistentes. Favelas prolife- multimídia: vídeo
ravam nas periferias das cidades do Oeste. Chamadas hoo-
Fonte: Youtube
vervilles, eram uma ironia ao odiado presidente americano.2
Loucura americana (1932)
Durante a era da grande depressão estaduniden-
se, um homem toma uma posição corajosa diante
do imenso poder das corporações, ao passo que
os Estados Unidos passam por sua maior catás-
trofe econômica.

1.4.1. O New Deal


A Depressão atingiu profundamente a população esta-
dunidense, que foi obrigada a enfrentar um período de
desemprego nunca visto. Milhares de desempregados tor-
naram-se mendigos. Como o desemprego era estrutural,
não havia perspectiva de melhoria de vida no campo ou
nas cidades; contudo, os camponeses sentiam-se mais iso-
lados e provocaram um gigantesco êxodo rural, inchando
as cidades. A criação do Super-homem, herói de revista em
Família desempregada e miserável em uma hooverville, em quadrinhos, fez parte desse momento. O povo estaduni-
Elm Grove, Califórnia dense precisava de qualquer alento para suas dificuldades,
A vida econômica e social das famílias durante a Depres- mesmo que fosse um ser com poderes fantásticos saído do
são mudou. Para economizar, muitas delas alugaram quar- universo da imaginação.
tos ou dividiram casas com parentes e outras famílias. Sem
emprego ou forçados a pedir assistência, muitos homens
abandonaram suas famílias. Taxas de fecundidade e ca-
samento diminuíram pela primeira vez no país desde os
primeiros anos do século XIX.

Fila para receber pão durante a Depressão.


Super-homem em edição do final da década de 1930.

51
O candidato do Partido Democrata à presidência, Franklin § limitação da jornada de trabalho;
Delano Roosevelt, ganhou as eleições de 1932 com a pro-
§ aumento dos salários dos operários;
messa de restaurar a confiança na economia e na socieda-
de. Como faziam os políticos do mundo inteiro na época, § fixação de um salário mínimo;
fossem os sociaais-democratas da Europa, os stalinistas da § ampliação do sistema de previdência social;
Rússia ou os populistas da América Latina, Roosevelt reco-
nheceu que a intervenção estatal massiva era necessária § proibição do trabalho infantil.
para salvar o sistema econômico e aliviar o conflito social.

Programa de obras públicas implementado com o New Deal.

Os resultados decorrentes da aplicação do New Deal não


tardaram. O número de desempregados foi reduzido de
14 para 7,5 milhões, entre 1933 e 1937; os preços subi-
ram 31%; a produção industrial, 64%; a renda nacional,
70%; e as exportações, 30%. No entanto, apenas com a
Franklin D. Roosevelt
eclosão da II Guerra Mundial (1939–1945), ou mais pre-
Ao tomar posse em 1933, Roosevelt lançou o New Deal, cisamente, quando os estadunidenses envolveram-se no
um pacote de reformas baseado nas ideias do economista conflito (dezembro de 1941), o fantasma da Depressão
inglês John Maynard Keynes (keynesianismo)–para promo- foi afastado. A guerra constituiu a saída “natural” para a
ver a recuperação industrial e agrícola, regular o sistema maior crise do sistema capitalista, uma vez que possibili-
financeiro e providenciar mais assistência social e obras tou uma redivisão de mercados e uma retomada plena do
públicas. Para acelerar a solução da crise, Franklin Delano crescimento econômico.
Roosevelt propôs o fim do liberalismo e a tutela do capita-
lismo pelo Estado, que passaria a intervir na economia para
nivelar a oferta e procura, evitando dessa maneira novas
crises de superprodução e ondas especulativas.
Dentre as principais medidas implementadas com o New
Deal, eis as principais:
§ concessão de créditos aos bancos para frear as falên-
cias no setor;
§ criação de um fundo para resguardar os depósitos po-
pulares nos bancos;
multimídia: livros
§ criação de um banco para financiar as exportações; As vinhas da ira – John Steinbeck
§ concessão de crédito aos fazendeiros endividados; É o primeiro livro de John Steinbeck, ganha-
dor do Prêmio Nobel de Literatura. O clássico
§ lançamento de um programa de grandes obras públi- conta a história da família Joad, que abandona
cas estradas, casas, sistemas de irrigação, barragens as terras onde vivia há gerações, no estado de
hidroelétricas para absorção dos desempregados; Oklahoma, por causa de uma grande seca.
§ criação do seguro-desemprego;

52
2. Fascismo italiano dos magistrados romanos. O movimento fascista, nascido
na Itália no período entreguerras, valeu-se dessa simbolo-
gia e acrescentou-lhe novos significados.

Benito Mussolini

2.1. Introdução
Após a Primeira Guerra Mundial, a Europa estava pas-
sando por um momento delicado, pois a devastação pelo
conflito tinha arruinado a economia e, consequentemente,
a burguesia passou a perder o controle do Estado. O libe-
ralismo parlamentar ficou desacreditado devido ao grande
contingente de desempregados e famintos. Para aumentar
o medo no interior da sociedade capitalista, havia o fato
da Rússia ter tornado-se socialista, o que incentivou a di- Fasci, símbolo do fascismo, na bandeira do Partido Nacional Fascista.

vulgação do marxismo-leninismo entre os sindicatos. Foi Dentre os princípios da ideologia fascista, destacam-se:
nesse contexto que a burguesia aproximou-se das ideolo-
§ nacionalismo exacerbado – para os fascistas, a na-
gias totalitárias de extrema direita, como um instrumento
ção é o bem supremo; em nome dela, qualquer tipo de
para repelir os movimentos operários e manter-se no poder.
sacrifício deve ser exigido dos indivíduos; há de ser cul-
tuada, mistificada, preservada suas origens e mantida
a “pureza” do povo;
§ racismo – com vistas a “purificar” o elemento nacional
de qualquer tipo de “contaminação” do sangue, há de
se cultuar as origens germânicas (Alemanha e Áustria),
latinas (Itália), hispânicas (Espanha), lusitanas (Portugal)
etc.; o racismo alimenta-se do nacionalismo e vice-versa;
§ expansionismo – necessidade básica para os “povos
vigorosos e dotados de vontade”, plenamente justifi-
cado como forma de restabelecer o poderio do Império
multimídia: vídeo Romano, no caso italiano.
Fonte: Youtube § militarismo essencial à expansão e à afirmação do
Mussolini, A História Não Contada Ep 1 elemento nacional e racial. A vida militar é sinônimo de
cooperação do grupo, inerente aos “povos vigorosos”
na marcha para subjugar os “fracos e degenerados”;
2.2. Ideologia fascista reforça os laços entre poder econômico e poder militar
e desdobra-se necessariamente no expansionismo;
A palavra fascismo tem suas origens no termo latino fas-
ci, feixe. Na Roma Antiga, representava um símbolo e um § totalitarismo, submissão de todos aos interesses do
princípio de autoridade. O feixe de varas paralelas, entre- Estado forte e inquestionável, catalisador da vontade
cortadas por um machado era um símbolo da autoridade nacional, elemento de preservação da identidade da

53
nação; o que conta são os deveres do indivíduo para história da Itália. O Partido Socialista ampliava sua base
com o Estado; de apoio, conquistando, em 1919, um terço das cadeiras
da Câmara. Os negócios encontravam-se parcialmente
§ culto à personalidade do líder, guia infalível, en-
paralisados pelas contínuas greves e falta de mercados
carnação da vontade nacional, zelador da preservação
externos. Em 1920, para combater as greves, algumas in-
da vontade nacional, graças à pureza da raça, à inte-
dústrias decidiram paralisar suas atividades, mas 600 mil
gridade do Estado e do partido-Estado; o fanatismo
operários ocuparam-nas e passaram a administrá-las por
transforma o culto ao líder em uma apoteose mística,
meio de conselheiros de fábricas eleitos.
sendo o “Duce é infalível”;
No campo a situação não era diferente. O exército italiano,
§ unipartidarismo, uma vez que o pluripartidarismo,
formado basicamente de camponeses, ao voltar da guerra
a democracia e o parlamentarismo são causadores de
passou a exigir uma reforma agrária que lhes havia sido
dissensão e conduzem à divisão da sociedade; o parti-
prometida. Passaram então a ocupar a terra e, por meio
do único encarna e preserva a vontade da nação, con-
de cooperativas, a administrá-las. O exemplo da Revolução
funde-se com o próprio Estado e, por extensão, com a
Russa estimulava as agitações operárias e camponesas e
própria vontade nacional;
assustava a burguesia e os latifundiários. Temendo uma
§ corporativismo à moda sindical baseavam em cor- revolução, os grandes industriais italianos queriam um Es-
porações, no interior das quais patrões, empregados e tado forte que a impedisse.
representantes do Estado encarregam-se de planejar a
produção e decidir sobre os conflitos entre capital e tra-
balho; típico da Itália, o corporativismo assumiu outras
características na Alemanha;
§ anticomunismo, na medida em que se deve preco-
nizar a união e a harmonia das classes em prol do de-
senvolvimento da nação e não a luta de classes, como
defendiam os comunistas.

2.3. A Itália no pós-guerra:


origens do fascismo multimídia: vídeo
Em 1914, quando do início da Primeira Guerra Mundial, a
Fonte: Youtube
Itália rompia com a Tríplice Aliança e declarava sua neutra-
lidade no conflito. Em 1915, no entanto, abandou seu não Ditadores - Ascensão do Fascismo (Legan-
alinhamento para se aliar à Tríplice Entente. dado)
Em 1918, ao fim das operações militares, o custo da par-
ticipação italiana na guerra atingia o montante de 15 bi-
lhões de dólares, uma dívida de quatro bilhões de dólares
2.4. Fundação do Partido Fascista
com os Estados Unidos e Inglaterra, além de 500 mil mor-
tos e 700 mil feridos. Das vastas compensações territoriais
que lhe haviam sido prometidas, a Itália recebeu apenas o
Trentino, o Tirol do Sul e a Veneza-Giulia, pertencentes à
Áustria. A Itália não tinha conseguido obter nos tratados
do pós-guerra algumas possessões territoriais que ambi-
cionava, como a Dalmácia, que permaneceu ligada à Iu-
goslávia. A insatisfação com os poucos territórios recebidos
serviu para alimentar o nacionalismo italiano, uma vez que
a Itália achava-se “vencida no campo dos vencedores”.
Os problemas sociais e econômicos agravaram-se depois
da guerra. A inflação, o desemprego de um milhão de Benito Mussolini
soldados de volta da guerra, a alta do custo de vida, a Benito Mussolini (1883-1945) nasceu na Romagna, em
desvalorização da moeda (lira) e a queda da produção uma família pobre. Seu pai era ferreiro e socialista. Cresceu
industrial desencadearam uma crise sem precedentes na

54
nos ambientes anarquistas e socialistas italianos, tendo
passado a integrar os quadros do Partido Socialista. En-
2.5. Marcha sobre Roma e
tre 1912 e 1914 tornou-se redator do jornal Avanti, que ascensão de Mussolini
defendia a neutralidade e o pacifismo. Em 1914, mudou Em 1919, o número de grevistas chegou a quase um mi-
bruscamente de opinião e fundou o jornal Pópolo d’Itália, lhão; em 1920, a dois milhões. Também em 1920, os socia-
sustentado pelos subsídios da embaixada francesa, que listas assumiram o controle de 100 fábricas e procuraram
defendia a entrada da Itália na guerra ao lado dos alia- administrá-las por conta própria. Pouco depois, organiza-
dos. Por isso foi expulso do Partido Socialista. Alistou-se no ram-se na zona rural as chamadas Ligas Vermelhas, pre-
Exército italiano e foi gravemente ferido. Voltou a dirigir seu gando a repartição das propriedades rurais.
jornal em 1919, defendendo o direito de trabalho para os
antigos combatentes e a necessidade de profundas refor-
mas sociais por meio de um regime forte e ditatorial.
Nesse contexto, em março de 1919, Benito Mussolini fun-
dou o Partido Fascista Italiano, cujos membros provinham
das mais variadas tendências: nacionalistas extremados,
anarcossindicalistas e sobretudo ex-combatentes desocu-
pados, apoiados e financiados por alguns industriais. Nas
eleições daquele ano, os fascistas foram fragorosamente
derrotados, enquanto os socialistas obtinham a maioria
das cadeiras do Parlamento. O fracasso mostrou a Musso-
lini as deficiências do partido. Pôs-se então a reorganizá-lo
em moldes militares, criando milícias e grupos civis arma-
dos, rigidamente disciplinados. Essas formações parami- Mussolini, no centro, na Marcha Sobre Roma. 1922.
litares eram compostas pelos esquadristas, membros do
Diante da agitação social e política e da consequente ame-
partido que usavam camisas negras como símbolo de luto
pela Itália e que obedeciam cegamente ao chefe, o Duce. aça de uma revolução socialista, o fascismo fortaleceu-se
Essas tropas de choque do partido utilizavam a violência com o apoio da classe média e o financiamento de gran-
para atacar seus adversários. des banqueiros, industriais e latifundiários. Nas eleições de
1921, o Partido Fascista conseguiu eleger 35 deputados.
Os camisas negras fascistas invadiam e destruíam sindica-
tos, assassinavam líderes socialistas, dissolviam manifesta-
ções espancando os participantes e arrasavam as instala-
ções dos jornais que os criticassem.
A ação terrorista dos camisas negras foi possível de-
vido à conivência do Exército, da polícia e do Poder
Judiciário. O rei Vitor Emanuel III, o primeiro-ministro Giolit-
ti e as instituições do aparelho estatal fechavam os olhos à
agressão contra os socialistas, pois imaginavam mais tarde
poder destruir os camisas negras, retomar o controle so-
multimídia: vídeo bre os fascistas e manter o poder com mais estabilidade.
Enganaram-se. A violência fascista rapidamente atingira
Fonte: Youtube também os liberais.
Vencer (2009) Nas eleições de 1921, quatro diferentes partidos conquis-
Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno) conheceu taram forte representação na Câmara. Os dois maiores, o
Benito Mussolini (Filippo Timi), quando ele era Partido Socialista e o Partido Popular (católico) não entra-
apenas um militante socialista radical. Fascinada vam em acordo, inviabilizando a estabilização do governo
por ele, resolve se desfazer de suas posses para parlamentar.
ajudá-lo no jornal Il Poppolo d’Italia e na criação Aproveitando a total desorganização do regime parlamentar,
do Partido Fascista. Mussolini ordenou aos camisas negras a Marcha sobre Roma,
em outubro de 1922. Cerca de 30 mil fascistas desfilaram
pela capital e exigiram a entrega do poder. O rei Vitor Ema-
nuel III, pressionado por militares, pela alta burguesia e pelos

55
latifundiários, convidou Mussolini para ocupar o cargo de milícia fascista. As formações paramilitares tornaram-se
primeiro-ministro. Sob a aparência de uma monarquia parla- oficiais e, de 300 mil homens, em 1925, chegaram a 750
mentarista, o líder fascista detinha plenos poderes e convo- mil, em 1930. Em 1939, o Parlamento foi suprimido e seus
cou um novo ministério. Estava formado um novo governo, membros substituídos pelo Grande Conselho Fascista. No
cujos cargos essenciais eram dominados pela maioria fas- período de 1927 a 1934, mais de cinco mil pessoas foram
cista. Mussolini passou a se servir das instituições do Estado condenadas por oposição ao regime, algumas à pena ca-
como instrumento de destruição da democracia parlamentar pital, outras à prisão perpétua. Milhares de pessoas foram
e de instauração da ditadura fascista. deportadas. Essa tarefa coube à polícia política, a Ovra.
Elaborada em 1927, a Carta del Lavoro (Carta de Traba-
lho) foi um documento que regulou as relações de trabalho
na Itália fascista por meio do corporativismo, de acordo
com o qual os trabalhadores foram reunidos em sindica-
tos fascistas e os proprietários, em federações industriais.
Ambas as organizações eram agrupadas nas corporações
presididas por um delegado nomeado por Mussolini, se-
gundo profissão ou ramo de atividade. Dessa maneira, a
solução dos conflitos entre patrões e empregados passou a
multimídia: livros ser dada pelo Estado, que intervinha e regulava as relações
de trabalho e a economia.
Fascistas – Michael Mann Um acordo com o papa Pio XI resolveu a chamada Questão
Quem eram os fascistas, de onde vieram, quais Romana, pendente desde a unificação e que fora finalmen-
eram suas motivações, seus valores e como che- te resolvida pelo Tratado de Latrão, de 1929. O papa
garam ao poder? Mann analisa o surgimento recebeu a soberania sobre o Vaticano e uma indenização
na Europa de regimes autoritários de extrema pela perda dos antigos Estados Pontifícios. O catolicismo
direita, após a Primeira Guerra Mundial, e os era reconhecido como religião oficial, os casamentos re-
principais redutos fascistas no velho continente. ligiosos tinham o mesmo valor dos casamentos civis e o
Ele aponta sinais do fascismo ainda evidentes ensino religioso seria dado nas escolas. Esse acordo deu o
em diferentes partes do mundo. apoio dos católicos a Mussolini que, entretanto, manteve a
interdição sobre o Partido Popular e sobre a livre publica-
ção de textos pelas editoras católicas.
2.6. Governo fascista
Em 1923, paralelo ao Conselho de Ministros, Mussolini criou
o Grande Conselho Fascista, composto pelos principais che-
fes do partido. Ao lado do exército regular, transformou a
milícia fascista (camisas negras) em órgão de segurança na-
cional, sob o comando do chefe de governo.
Realizaram-se, em 1924, eleições para o Parlamento. Por
meio do terror, os fascistas obtiveram 65% dos votos. Mus-
solini foi contemplado por um dócil Parlamento, agora livre
de opositores reais e com plenos poderes.
Assinatura do Tratado de Latrão, 1929.
Em 1925, Mussolini promoveu uma série de medidas re-
O esforço de industrialização foi acelerado a partir de 1927
pressivas: dissolveu as organizações que considerava sub-
com a estabilização do valor da lira (moeda italiana). Cres-
versivas, fechou os clubes de oposição, ordenou buscas
ceram a produção de energia elétrica e a construção naval,
e prisões, ampliou a censura à imprensa e aumentou as
aeronáutica e de automóveis, que, em 1938, era a sexta
verbas destinadas às milícias fascistas.
indústria do setor no mundo. Em consequência, cresceram
Após um atentado sofrido pelo Duce, em 1926, os jornais também a indústria siderúrgica e a indústria mecânica. Es-
da oposição foram fechados, os partidos dissolvidos e seus sencialmente concentrado nas grandes cidades do Norte
membros perseguidos. A pena de morte foi restaurada, da Itália, o arranque industrial agravou ainda mais a divi-
criando-se tribunais especiais compostos por membros da são econômica e social entre o Norte e o Sul do país.

56
Durante a década de 1930, cresceu a intervenção estatal
na economia, que incrementou a indústria bélica. O país
militarizou-se, iniciando a escalada expansionista. Em
1935, a Etiópia foi ocupada pelas forças italianas e, em
1939, foi a vez da Albânia. O país aproximou-se da Ale-
manha nazista, assinando, em 1939, com Hitler, o Pacto
de Aço, caminho traçado para a Segunda Guerra Mundial.

Mussolini e Hitler

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube

Amarcord (1973)
Em uma cidade italiana, o jovem Titta (Bruno Za-
nin) está sempre aprontando com seus amigos e
observa várias personalidades excêntricas locais
que se comportam de forma absurda.

57
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

A crise de 2008
O crédito fácil e a disseminação de um investimento “podre” pelo mundo todo estão na raiz da crise financeira de
2008. Por volta de 1998, os bancos dos Estados Unidos começaram a emprestar dinheiro a muita gente que não
tinha como pagar. Mesmo quem estava desempregado podia absorver facilmente crédito. Caso o indivíduo tivesse
uma casa, poderia deixá-la como garantia para conseguir ainda mais empréstimos. Tais tipos de créditos são chama-
dos de subprime, ou créditos de segunda linha, e atingiram patamares exorbitantes na véspera da crise.
Como esses tomadores de empréstimos não tinham como honrar seus compromissos, diversos bancos estaduni-
denses entraram em colapso, contaminando todos aqueles que possuíam títulos desses bancos em todo o mundo.
Seguiu-se que a crise financeira alcançou a economia real, gerando desemprego e falências, o que obrigou diversos
governos a injetarem bilhões na economia com o intuito de conter o ciclo de quebras. Até hoje, muitos países ainda
não retomaram o nível de emprego anterior à crise. As cicatrizes de 2008 ainda estão expostas.

Homens carregam placa do banco Lehman Brothers, que entrou em falência durante a crise de 2008.

58
DIAGRAMA DE IDEIAS

CRISE DE 1929

A CARACTERÍSTICAS B ANTECENDENTES

• CRISE EM MÚLTIPLAS ÁREAS: • HEGEMONIA CAPITALISTA DOS EUA


• CAPITALISMO • SISTEMA FINANCEIRO CUSTEIA A PRODUÇÃO
• SUPERPRODUÇÃO • ALTO CRESCIMENTO PRODUTIVO
• CAPITAL ESPECULATIVO • FINANCIAMENTO DOS EUA NA EUROPA
• LIBERALISMO • FORMAÇÃO DE GRANDES CONGLOMERADOS
ECONÔMICOS
• VENDA DE AÇÕES NA BOLSA DE VALORES
C FATORES
• “AMERICAN WAY OF LIFE” (ALTO CONSUMO)

SUPERPRODUÇÃO AGRÍCOLA
• DESENVOLVIMENTO TÉCNICO
• RETRAÇÃO DO CONSUMO MUNDIAL DESACELERAÇÃO DO CONSUMO
• GASTO COM ESTOCAGEM • SUPERPRODUÇÃO
• SALÁRIOS NÃO ACOMPANHAM O
CRESCIMENTO PRODUTIVO
VALORIZAÇÃO IRREAL DAS AÇÕES
• ALTA PROCURA POR AÇÕES INDUSTRIAIS ECONOMIA MUNDIAL
• AUMENTO NO VALOR DAS AÇÕES • DEPENDÊNCIA DO CAPITALISMO MUNDIAL PELA
(LEI DA OFERTA E DA PROCURA) ECONOMIA DOS EUA
• FALÊNCIA DE INDÚSTRIAS • BOLSA DE NOVA IORQUE MOVIMENTA CAPITAL
• VENDA DAS AÇÕES POR BAIXO VALOR MUNDIAL
• CRACK DA BOLSA DE NOVA IORQUE • URSS NÃO É AFETADA

D CONSEQUÊNCIAS E NEW DEAL

• FALÊNCIA DOS BANCOS MUNDIAIS • VITÓRIA DE FRANKLIN DELANO


• GRANDE DEPRESSÃO ROOSEVELT NA PRESIDÊNCIA
• DESEMPREGO • IDEIAS KEYNESIANAS
• FOME • INTERVENÇÃO DO ESTADO NA
• PERDA DE TERRAS ECONOMIA
• FORTALECIMENTO DO SOCIALISMO • FIM DO LIBERALISMO
• SURGIMENTO DE IDEIAS ANTILIBERAIS • EXPANSÃO DE CRÉDITO
E ANTIDEMOCRÁTICAS (FASCISMO) • SEGURO SOCIAL
• OBRAS PÚBLICAS
• RETOMADA ECONÔMICA

59
FASCISMO ITALIANO

A CONTEXTO B PARTIDO FASCISTA

• INSATISFAÇÃO ITALIANA APÓS 1ª GUERRA • CRIADO POR BENITO MUSSOLINI (“DUCE”)


• PROBLEMAS ECONÔMICOS E SOCIAIS • ORGANIZAÇÃO COM ESTRUTURA MILITAR
• FORTALECIMENTO DO MARXISMO LENINISTA • MILÍCIA - CAMISAS NEGRAS
• GREVES E OCUPAÇÃO DE TERRAS • ANTICOMUNISTA
• BURGUESIA DESEJA ESTADO FORTE • APOIO DA BURGUESIA E DOS MILITARES

C IDEOLOGIA D ASCENSÃO

• NACIONALISMO EXACERBADO 1919


• RACISMO • FUNDAÇÃO DO PARTIDO
• EXPANSIONISMO • DERROTA ELEITORAL
• MILITARISMO 1921
• TOTALITARISMO • ELEIÇÃO DE 35 DEPUTADOS
• CULTO AO LÍDER 1922
• UNIPARTIDARISMO • MARCHA SOBRE ROMA
• CORPORATIVISMO • MUSSOLINI SE TORNA 1º-MINISTRO DO REI
• ANTICOMUNISMO • GOVERNO REPUBLICANO ASSINA O ARMISTÍCIO

E GOVERNO

• 1923: CONSELHO FASCISTA


• 1924: MAIORIA PARLAMENTAR
• 1925: CENSURA
• 1927: “CARTA DEL LAVORO” / CARTA DE TRABALHO (CORPORATIVISTA)
• RETOMADA ECONÔMICA
• 1929: TRATADO DE LATRÃO: APOIO DA IGREJA CATÓLICA
• ANOS 1930: CONTROLE DO ESTADO NA ECONOMIA
• 1935: OCUPAÇÃO DA ETIÓPIA
• 1939: FECHAMENTO DO PARLAMENTO
• “PACTO DE AÇO” COM ALEMANHA NAZISTA

60
HISTÓRIA DO BRASIL:
Incidência do tema nas principais provas

Aborda as principais transformações socioeco- As temáticas do Estado Novo (1937-1945), República Liberal
nômicas e culturais que permearam o período ou Populista e ditadura militar são abordadas por meio da
interação dos aspectos econômicos, sociais e culturais. Para
das temáticas estudadas, exigindo capacidade
tanto, utiliza-se de imagens, tabelas e textos para compor
de interpretação textual aliada a conhecimentos questões.
aprofundados sobre o assunto. É aconselhável
manter-se atentos aos temas da
atualidade.

Com forte teor de análise social, econômica Existe um grau de interdisciplinaridade que permite o uso Aborda aspectos sociais, econômicos e culturais que perme-
e cultural, a prova fornece aos candidatos um dos conhecimentos históricos para auxílio da resolução dos aram o período do Estado Novo (1937-1945), República
desafio quando a temática é Estado Novo exercícios e escrita da redação, no qual paralelos podem Liberal ou Populista e a ditadura militar. Elabora questões
(1937-1945), República Liberal ou Populista e ser traçados sobre a importância desses processos na com uso de imagens, charges e textos médios/grandes como
ditadura militar. Vale estudar os processos histó- construção da República Brasileira. auxílio para a pergunta.
ricos relacionados aos períodos.

Nos últimos vestibulares, consta a presença das Nos últimos vestibulares, percebe-se uma Os últimos vestibulares abordaram as temáticas: Nos últimos três anos, as temáticas do Estado
temáticas estudadas neste livro. A abordagem tendência em abranger temas relacionados à His- Estado Novo (1937-1945) e os governos que Novo (1937-1945), República Liberal ou Populista
prioriza uma integração entre Medicina e História, tória do Brasil. Nota-se uma ênfase em questões compreendem e caracterizam o período da e ditadura militar têm tido presença e exigem do
principalmente voltada para temas como as vacinas relacionadas aos aspectos sociais, econômicos e República Liberal ou Populista, por meio de uma candidato análise de documentos escritos, imagens e
e interações com a população durante o período políticos que caracterizam o período do Estado correlação entre os aspectos sociais, econômicos debates historiográficos.
do Estado Novo. Novo (1937-1945). e políticos.

UFMG

Por meio das correlações entre os aspectos sociais, A banca do vestibular privilegia que o candidato No vestibular não são contemplados diretamente
políticos, econômicos e culturais, o vestibular realize análises e interpretações sobre diferentes temas de História, entretanto, há um grau de
aborda as temáticas Estado Novo (1937-1945) e processos históricos. Assim, na elaboração das interdisciplinaridade que permite o uso dos conhe-
ditadura militar. Utiliza textos introdutórios, charges questões sobre Estado Novo (1937-1945) e cimentos históricos para auxílio da resolução dos
e imagens para elaborar suas questões. ditadura militar são utilizados trechos de registros exercícios, interpretação de tabelas e imagens e
documentais e imagens. escrita da redação.

O vestibular realiza análises de estruturas Percebe-se uma tendência em temas relaciona- A banca do vestibular elabora questões de
históricas brasileiras em suas questões, que dos à História do Brasil contemporâneo, mas há múltipla escolha direcionadas aos candidatos
propõem aos candidatos uma reflexão sobre um grau de interdisciplinaridade que permite que pretendem uma vaga nos cursos de
as temáticas estudadas, relacionando-as com o uso dos conhecimentos históricos para Enfermagem, Biomedicina e Medicina. Há uma
pertinências contemporâneas, como precon- auxílio da resolução dos exercícios e escrita tendência em abordar temas contemporâneos.
ceito e desigualdade social. da redação.

61
AULAS Estado Novo (1937-1945)
35 e 36
1, 7, 10, 11, 13, 14, 15,
Competências: 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades:
18, 19, 21 e 22

1. Introdução e socioeconômicas em escala local, regional e mundial,


na medida em que algumas ações de Vargas e da classe
dominante brasileira assemelham-se aos princípios e me-
canismos de controle usados pelo fascismo italiano e pelo
nazismo alemão: exaltação do ideal nacionalista, repressão
exacerbada aos opositores – no limite pela eliminação físi-
ca deles – e controle da educação.
Trata-se, também, de identificar o papel dos meios de comu-
nicação na construção da vida social daquele momento, de
como o ditador Getúlio Vargas fez uso do seu carisma asso-
ciado ao controle dos meios de comunicação pela agência
especializada DIP, Departamento de Imprensa e Propagan-
da, e ao uso do rádio pelo noticioso “Hora do Brasil”. O DIP
cuidava da imagem do presidente e organizava suas apari-
ções em eventos públicos, divulgava cartas e documentos
oficiais e promovia a censura dos meios de comunicação e
das manifestações culturais – música e literatura.

Desfile de 1º de maio, de 1942, no estádio São Januário, Rio de Janeiro.

Os estudos feitos são relevantes para entender o projeto


político do qual Getúlio Vargas era representante e pelo
qual se desdobrou na implantação do Estado Novo.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Era Vargas (Intentona Comunista) #3

A ditadura de Vargas assumiu um caráter personalista sem


multimídia: vídeo se apoiar em doutrinas ou partidos políticos, aliás, ordenou
Fonte: Youtube
o fechamento de todos –, o que não significou desvincu-
lamento dos interesses de grupos representantes da classe
Conhecendo os Presidentes - Ep. 16: Getúlio
dominante e de setores conservadores da sociedade.
Vargas Parte II
Embora não houvesse espaço para uma política sistemáti-
A ditadura getulista, denominada Estado Novo, permite ca de antissemitismo e houvesse no governo que simpati-
comparar o significado histórico das organizações políticas zasse com essas orientações, determinados grupos étnicos

62
sofreram mais discriminação social e política. Mas o per- § perda da autonomia dos estados, que passaram a ser
sonalismo de Vargas o indispôs com os integralistas, que governados por interventores nomeados pelo Presi-
esboçaram uma tentativa de tomada do poder, denomi- dente da República;
nada Intentona Integralista, em 1938. Alijados da política,
§ dissolução dos partidos políticos;
afastam-se das intenções nazifacistas.
§ censura da imprensa e dos meios de comunicação em
1.2. Aspectos políticos e econômicos geral;
§ instituição do estado de emergência e permissão ao
A ditadura varguista foi marcada pela rígida centralização
presidente de suspender imunidades parlamentares,
política – todos os poderes concentrados nas mãos do di-
tador –, representada por órgãos como o Departamento de prender, exilar e invadir domicílios;
Administração do Serviço Público, Dasp, responsável pelo § proibição das greves;
controle das repartições do Estado. Governados por inter-
§ pena de morte para os crimes contra a segurança na-
ventores nomeados pelo presidente, os estados perderam
cional.
sua autonomia. Em uma cerimônia pública, Vargas chegou
a queimar as bandeiras dos estados diante da bandeira do Essa constituição deveria ter sido submetida a um plebisci-
Brasil para simbolizar a força do poder central. to, como determinava seu próprio texto, mas o ditador fez
com que essa determinação não fosse cumprida.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube

Banana da terra
Uma ilha do oceano Pacífico, a Bananolândia, pro-
duziu muita banana naquele ano e não teve com-
pradores para o produto. A rainha da terra (Dirci-
Cerimônia de queima das bandeiras estaduais, 1937. nha Batista), avisada pelo conselheiro-mor, devia
vender banana para o Brasil. E isso ela consegue,
1.3. Constituição de 1937 por meio de uma intensa propaganda feita pelos
jornais e pelo rádio.
A quarta Constituição brasileira, redigida pelo jurista Francis-
co Campos, ficou conhecida como “Polaca”; baseava-se em
modelos fascistas europeus, destacadamente a Constituição 1.4. O DIP e a polícia política
polonesa a qual era inspirada na constituição imposta a Itália
por Mussolini. Outorgada por Getúlio Vargas em novembro Pela ação do Departamento de Imprensa e Propaganda,
de 1937, a Constituição trazia como principais dispositivos: DIP, o governo controlava os meios de comunicação sob
rígida censura, bem como servia-se de jornais, cartilhas e,
§ ampliação dos poderes do Presidente da República principalmente, rádio para enaltecer a figura de Vargas e
graças a uma rígida centralização governamental; suas realizações. Com esse objetivo, em 1934, foi criado
§ governo do Presidente da República mediante decre- o programa radiofônico “Hora do Brasil”.
tos-leis, suspensão de imunidades e estado de sítio; A polícia política, principal organismo de repressão do Es-
§ mandato presidencial ampliado para seis anos; tado, e comandada por Filinto Müller, antigo participante

63
do movimento tenentista, encarregava-se de perseguir, ditador Benito Mussolini. Foram incorporadas à CLT as
prender e torturar opositores. leis trabalhistas que vinham sendo promulgadas no
Brasil ao longo da década de 1930, como a jornada de
Charge critica a censura do Estado Novo.
oito horas diárias, o descanso semanal obrigatório e as
férias remuneradas. Foram regulamentados também os
contratos entre patrões e empregados, que deveriam ser
registrados na Carteira de Trabalho. O funcionamento dos
sindicatos foi permitido, desde que subordinados ao Esta-
do, que os utilizava como instrumento de manipulação da
classe trabalhadora.
Em julho de 1940, foi criado o imposto sindical–instrumen-
to básico de financiamento do sindicato e de sua subor-
dinação ao Estado. Consistia de uma contribuição anual
obrigatória, correspondente a um dia de trabalho, paga por
todo empregado sindicalizado ou não. O imposto sindical
deu suporte à figura do “pelego”, expressão originada da
cobertura de pano ou couro sob a sela de um animal de
Novaes, Carlos Eduardo; Lobo, César. História do Brasil montaria para amortecer o choque produzido pelo movi-
para principiantes. São Paulo: Ática, 2003, p. 230.
mento do animal no corpo do cavaleiro. A ideia de amor-
tecedor mostrou-se bastante adequada. “Pelego” passou
1.5. O Dasp a ser o dirigente sindical que atuava mais por interesse
O Departamento Administrativo do Serviço Público, Dasp, próprio, do patrão ou do Estado do que por interesse dos
foi criado em 1938 com a finalidade de dar ao Estado um trabalhadores; agia como amortecedor de atritos. O pelego
aparato burocrático racionalizador e modernizador da ad- sobreviveu à custa da pequena representatividade sindical
ministração pública. Com ele, generalizou-se o sistema de de trabalhadores e do imposto sindical, que garantia a so-
mérito: o recrutamento de candidatos passou a ser feito brevivência da organização. Portanto, pouco importava o
mediante a avaliação da capacidade em concursos públi- número de sindicalizados.
cos e provas de habilitação.
1.7. A Intentona Integralista (1938)

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Sem palavras/Speechless/Sprachlon - Docu-
mentário

1.6. O trabalhismo
Outra marca importante do Estado Novo foi a intensi-
ficação da legislação trabalhista, que publicou a Con-
solidação das Leis do Trabalho, CLT, inspirada na Carta Página de rosto do jornal O Globo, em 11 de
del Lavoro (Carta do Trabalho), implantada na Itália pelo maio de 1938. Rio de Janeiro, RJ.

64
Sem deixar de proteger a agricultura, o objetivo da política
econômica governamental foi o desenvolvimento indus-
trial. O governo organizou o Primeiro Plano Quinquenal
(1939), à luz do qual a Comissão Executiva do Plano Side-
rúrgico Nacional assumia dupla responsabilidade:
§ realizar estudos técnicos com vistas à construção de uma
usina siderúrgica para fabricação de trilhos e chapas;
§ organizar uma campanha nacional, com a participação
multimídia: livros do Estado e das empresas privadas, para construção e
exploração da usina.
1937 – O golpe que mudou o Brasil: o Estado
Novo – Antonio Luiz D’Araujo
De 1937 a 1945, o país viveu um dos perío-
dos mais controversos de sua história: o Estado
Novo. Nesta obra, são abordados os principais
acontecimentos políticos que marcaram os
anos 1930 em nosso país: o enfrentamento
entre comunistas e integralistas; o levante ar-
mado de 1935; a rivalidade entre as correntes
que dividiam o poder no governo de Vargas; as
práticas racistas no Estado Novo; a posição do
governo de Vargas entre as ditaduras fascis-
tas; e as democracias às vésperas da Segunda
Guerra Mundial.

Para o golpe de 10 de novembro de 1937, Getúlio con-


tou com o apoio dos integralistas. Plínio Salgado e seus Cartaz do DIP na campanha a favor da siderurgia nacional.

adeptos mostravam-se eufóricos, uma vez que também no O Estado Novo foi marcado ainda pelo nacionalismo
Brasil o fascismo vingou. econômico, que visava limitar a atuação do capital es-
No entanto, consolidado no poder, Vargas tratou de des- trangeiro na economia nacional, ao mesmo tempo em que
cartar os integralistas. Em 2 de dezembro de 1937, foram incentivava a industrialização do Brasil por meio da implan-
surpreendidos pela lei que punha fim aos partidos políticos, tação de uma indústria de base, que o levou à criação
sem excluir a AIB, bem como pela falta de oferta de cargo da Companhia Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, e da
a eles pelo novo governo. Ignorados, passaram a conspirar Companhia Siderúrgica Nacional, CSN, no Rio de Janeiro.
contra o governo. Aquela forneceria matéria-prima para a indústria de base
graças à exploração de minério de ferro; esta se encarrega-
Em março de 1938, fizeram uma primeira tentativa de golpe, ria de fabricar ferro e aço. Com empréstimos junto ao Exim-
duramente reprimida. Logo depois, unidos a outros oposicio- bank (banco norte-americano), Vargas obteve os recursos
nistas, tentaram a queda de Vargas mediante a um ataque necessários para instalação da Companhia Siderúrgica
ao Palácio da Guanabara, residência do presidente. Assim Nacional, CSN, e da Usina de Volta Redonda (1941). Viabi-
fizeram na manhã do dia 10 de maio, obrigando Vargas e lizaram-se os meios de transporte para alimentar a usina:
seus familiares a defenderem-se de armas na mão. A ajuda incremento do transporte marítimo para trazer o carvão de
militar ao presidente só chegou depois de quatro horas de Santa Catarina e equipamento da estrada de ferro Central
tiroteio. Mas essa tentativa de golpe também falhou, com do Brasil para transportar o minério de ferro extraído em
inúmeros golpistas presos e fuzilados no próprio palácio. Minas Gerais pela Companhia Vale do Rio Doce.
Plínio Salgado, líder do movimento, foi exilado em Portugal.
Em 1938, foi criado o Conselho Nacional do Petróleo, CNP,
que se encarregou de prospectar poços petrolíferos e dar iní-
1.8. O desenvolvimento da indústria cio ao desenvolvimento desse setor no Brasil. No ano seguin-
No Estado Novo, o intervencionismo estatal na economia, te, foram encontrados indícios de petróleo na Bahia, onde foi
que vigorava desde a Revolução de 1930, foi ampliado. perfurado o primeiro poço do Brasil, na cidade de Lobato.

65
2. O Brasil na Segunda Durante os primeiros anos do conflito, o Brasil manteve-se
neutro, embora Getúlio simpatizasse com o Eixo. Paralela-
Guerra Mundial mente, no entanto, pressões externas e internas pela en-
trada do país na guerra do lado Aliado fizeram-se valer. A
Iniciada em 1939, a Segunda Guerra Mundial foi o con- aproximação ideológica entre o Estado Novo e o fascismo
fronto entre as ditaduras nazifascistas do Eixo Roma-Ber- europeu era evidente. Ministros de Vargas, como Francisco
lim-Tóquio e as democracias liberais europeias, França e Campos, da Educação e Saúde, e Eurico Gaspar Dutra, da
Inglaterra, que posteriormente contaram com a adesão de Guerra, defendiam a entrada do país na guerra ao lado do
EUA, da URSS e do próprio Brasil. Eixo. Oswaldo Aranha, das Relações Exteriores, defendia o
Digamos que a Primeira Guerra Mundial foi a principal cau- apoio brasileiro aos Aliados.
sa da Segunda Guerra, na medida em que as razões que
levaram à eclosão do conflito, notadamente as disputas
por territórios, não foram completamente resolvidas. Além
disso, os tratados impostos aos derrotados, à Alemanha,
como o Tratado de Versalhes, provocaram revanchismo e
favoreceram, entre outras causas, a ascensão do nazismo.
Promessas de territórios feitas à Itália pela Inglaterra não
foram cumpridas e Mussolini continuava a busca imperia-
lista por territórios.

Getúlio Vargas com Franklin Roosevelt (à


esquerda). Natal, RN. Janeiro de 1943.

Getúlio Vargas manteve-se neutro enquanto procurava ob-


ter vantagens econômicas de ambos os lados em troca do
apoio do Brasil. Em meados de 1940, chegou a anunciar a
intenção de o governo alemão investir na siderurgia brasilei-
ra com a fundação de uma indústria siderúrgica. Em 1941,
para evitar esse acordo e exigir o compromisso do governo
brasileiro, o governo estadunidense ofereceu ao Brasil recur-
multimídia: vídeo sos para a construção da Companhia Siderúrgica de Volta
Fonte: Youtube Redonda, futura Cia Siderúrgica Nacional (CSN).
A estrada 47
Na Segunda Guerra Mundial, o Brasil era aliado
dos Estados Unidos, Inglaterra e França. Na época,
foram encaminhados mais de 25 mil soldados da
FEB (Força Expedicionária Brasileira) para comba-
ter os inimigos, representados pelo Eixo: Alema-
nha, Itália e Japão. Quase todos de origem pobre
e, em sua maioria, despreparados para o combate,
os pracinhas tiveram que aprender na prática a lu-
tar pela sobrevivência.
multimídia: livros
O imperialismo sedutor – Antonio Pedro Tota
Baseado em ampla pesquisa, Antonio Pedro
A primeira fase da Segunda Grande Guerra foi marcada Tota analisa as ações da verdadeira “fábrica de
pelo avanço das potências do Eixo, só contidas a partir de ideologias” criada pelo governo estadunidense
1942. A entrada dos EUA e da URSS na guerra ao lado para conquistar o apoio brasileiro durante a Se-
dos Aliados contribuiu significativamente para a conten- gunda Guerra. Uma visão inédita das origens
ção dos avanços nazistas e a posterior vitória dos Aliados da influência dos EUA no Brasil.
contra o Eixo.

66
multimídia: livros
Senta a Pua – A força aérea brasileira na Se- multimídia: música
gunda Guerra Mundial (1944/1945)
Neste livro, o major-brigadeiro-do-ar Rui Morei- Brasil brasileiro – Carlos Galhardo
ra Lima faz uma narrativa sobre o combate na
Segunda Guerra Mundial.

No início de 1942, foi realizada a Segunda Conferência


dos Chanceleres Americanos, no Rio de Janeiro, oportu-
nidade em que o Brasil decidiu romper relações diplomá-
ticas com as nações do Eixo. Em resposta, submarinos
alemães atacaram embarcações e afundaram navios bra-
sileiros em águas territoriais nacionais. Graças a manifes-
tações que se intensificaram, em agosto de 1942, o Brasil
declarou guerra ao Eixo.

“A cobra vai fumar” e “senta a púa!”, slogans que


incentivaram os militares brasileiros da FEB.

multimídia: livros
1942 – O Brasil e sua guerra quase desconhe-
cida – João Alberto Barone Reis e Silva
João Barone, baterista do grupo Paralamas
do Sucesso e aficcionado por assuntos da
Segunda Guerra Mundial, revela e analisa
a participação do Brasil no conflito que san-
grou o mundo.
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Além de ceder bases militares na região Nordeste para
estadunidenses e ingleses, foi enviada aos campos de ba- Senta a Pua!
talha europeus a Força Expedicionária Brasileira, FEB, com “Senta a Pua!“ é o símbolo e grito de guerra do 1º
25 mil homens, comandados pelo general Mascarenhas de Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasilei-
Moraes. A FEB foi incorporada ao IV Exército estaduniden- ra, que atuou na Segunda Guerra Mundial.
ses e lutou nos campos italianos contra o fascismo.

67
Em 1943, políticos mineiros liderados por Artur Bernardes,
Afonso Arinos e Magalhães Pinto enviaram um documento
a Getúlio – Manifesto dos Mineiros –, exigindo a redemo-
cratização do país e eleições livres. O presidente, por sua
vez, usou a guerra como justificativa para ignorar o Mani-
festo e adotar medidas de retaliação contra os favoráveis à
redemocratização: demissões, aposentadorias compulsó-
rias, entre outras.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube

For all - O trampolim da vitória


Fala da convivência de brasileiros com soldados
estadunidenses na base de Parnamirim Field, em
Natal (RN), durante a Segunda Guerra Mundial.
Cerca de 15 mil soldados dos EUA passaram pe-
la base e suas presenças alteraram a estabilidade
das famílias locais, trazendo não somente dólares e multimídia: vídeo
eletrodomésticos, mas também o glamour de uma Fonte: Youtube
cultura hollywoodiana, a música das grandes ban-
das e a sensualidade de cantoras e atrizes famosas. Rádio Auriverde - A FEB na Itália
Um novo olhar sobre as ações do exército brasilei-
ro na Itália, no período da Segunda Guerra Mun-
2.1. O fim do Estado Novo dial, entre 1944 e 1945, buscando uma revisão
histórica e uma perspectiva mais realista e factual
A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial ao
dos acontecimentos, através da montagem de
lado das democracias liberais e contra os regimes totali-
imagens de arquivo da época, trechos de cinejor-
tários de extrema direta revelaram a contradição do país
nais e filmes do período.
governado por uma ditadura. A partir de então, cresceu a
pressão interna pela redemocratização do Brasil.

Em janeiro de 1945, antes do final da guerra, foi realizado


em São Paulo o Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores,
com a participação de Graciliano Ramos, Caio Prado Júnior,
Monteiro Lobato e Carlos Drummond de Andrade. Eram
escritores e intelectuais que defendiam a realização de elei-
ções diretas para os diversos cargos públicos, a reabertura
democrática e o fim da censura aos meios de comunicação.
Pela imprensa, segmentos sociais e políticos começaram
multimídia: livros a se manifestar pela redemocratização do Brasil. De olho
em sua sobrevivência política, Vargas aparentemente ce-
Soldados da borracha: os heróis esquecidos – deu às pressões e surpreendeu o país: iniciou um processo
Marcos Vinícius Neves e Ariadne Araujo de abertura política anunciando a convocação de eleições
Ao mesmo tempo em que a Segunda Grande presidenciais para o final de 1945; reduziu a censura à
Guerra convulsionava o mundo, no interior do imprensa e concedeu anistia política, que beneficiou Luís
Brasil um drama silencioso e quase invisível es- Carlos Prestes, preso desde 1936, e permitiu-lhe voltar à
tava em curso. Milhares de homens e mulheres cena política nacional.
foram enviados do Nordeste para a Amazônia
Com a concessão da liberdade partidária, foram fun-
como parte do esforço de guerra conhecido co-
mo a “Batalha da Borracha”. dados vários partidos políticos: União Democrática Na-
cional, UDN, composta por conservadores, burgueses e

68
latifundiários, representantes dos interesses das elites
nacionais em oposição a Vargas; Partido Social Progres-
sista, PSP, em São Paulo, com grande poder local e lide-
rado por Adhemar de Barros; Partido Comunista Bra-
sileiro, PCB, devidamente legalizado e atuante; Partido
Social Democrático, PSD, que congregava uma facção
das elites nacionalistas ligadas ao setor industrial que
apoiavam Vargas; e Partido Trabalhista Brasileiro, PTB,
ligado aos sindicatos, trabalhadores e camadas médias
urbanas. Getúlio atuou diretamente na fundação desses
multimídia: livros
dois partidos políticos, PSD e PTB, que lhe serviam como
A ameaça vermelha: o plano Cohen – Hélio
base de apoio.
Silva
As eleições foram marcadas para 2 de dezembro de 1945, É um documento supostamente criado para
e os partidos indicaram seus candidatos: brigadeiro Edu- justificar um golpe de Estado que tiraria Getúlio
ardo Gomes, pela UDN; Yêdo Fiúza, pelo PCB; e general Vargas da presidência. Foi escrito pelo então
Eurico Gaspar Dutra, pela coligação PSD/PTB. capitão integralista Olimpio Mourão Filho, de-
pois de um pedido do líder da Ação Integralista
Enquanto o processo eleitoral se desenvolvia, Vargas
Brasileira (AIB), Plínio Salgado.
apoiava e estimulava discretamente um movimento em
prol de sua continuidade na presidência da República:
o Queremismo. Sob o slogan “Queremos Getúlio” e De maneira surpreendente, o movimento queremista chegou
“constituinte com Getúlio”, os queremistas defendiam a a contar com a adesão de Luiz Carlos Prestes e do PCB, que
continuidade de Vargas na presidência até que fossem haviam sido perseguidos e reprimidos por Vargas. A justifica-
realizadas eleições para a formação de uma Assembleia tiva para o apoio ao Queremismo foi a orientação do Parti-
do Comunista Soviético aos partidos comunistas de todo o
Nacional Constituinte, que elaboraria uma nova Consti-
mundo para que apoiassem governos que lutaram contra o
tuição e convocaria eleições para a escolha de um novo
nazifascismo na Segunda Guerra Mundial e se aproximas-
presidente.
sem dos sindicatos e organizações de trabalhadores.

Manifestação queremista

69
multimídia: vídeo multimídia: sites
Fonte: Youtube
Dutra (Vargas deposto, Constituição de http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEr-
1946, Liberalismo...) aVargas1/anos30-37/GolpeEstadoNovo/
PlanoCohen
www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidada-
O apoio ao Queremismo suscitou desconfiança geral de
nia/historia/soldados-da-borracha-os-es-
que Getúlio preparava um golpe, visando à permanência
cravos-do-seculo-20-em-plena-2-guer-
no poder. Para evitar que isso ocorresse, os generais Góes
ra-mundial-799hvh20tv0frus80eda1ftxf
Monteiro, Eurico Gaspar Dutra e Otávio Cordeiro de Farias
www.acervo.oglobo.globo.com/fa-
lideraram as Forças Armadas na deposição de Getúlio Var-
tos-historicos/vargas-assina-polaca-pas-
gas da presidência da República, no dia 29 de outubro de
sa-ter-plenos-poderes-para-estado-no-
1945, pondo fim ao Estado Novo e à Era Vargas.
vo-10169358
A presidência foi assumida pelo presidente da Suprema www.literaturaeafinidades.blogspot.com.
Corte, ministro Antônio José Linhares, cearense. Conforme br/2010/04/duas-vezes-favela-por-bo-
previsto, as eleições ocorreram no dia 2 de dezembro de ris-fausto.html
1945 e foram vencidas pelo general Eurico Gaspar Dutra,
graças à coligação PSD/PTB.

multimídia: música multimídia: música


Democracia – Gilberto Alves
Grito da nação – Dircinha Batista

70
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Sociologia
Durante o Estado Novo varguista (1937-1945), o Brasil conheceu uma nova concepção de cidadão, o cidadão traba-
lhador. Tal concepção implantada pelo regime getulista defendia a ideia de que o bom cidadão não se envolvia em
greves, tumultos ou manifestações nocivas aos “interesses nacionais”. É necessária a clareza de que, tal ideologia
era difundida pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão governamental responsável por toda a
propaganda do governo e, deste modo, o Brasil abandonou, durante o Estado Novo, o ideário de que trabalhar era
coisa de gente tola e que bom mesmo era viver na malandragem. Isso pode ser visto, em grande parte, das compo-
sições musicais da época, em que as letras das canções começam a ressaltar a importância do bom trabalhador, e
não mais dão valor às figuras dos malandros, os quais levavam a vida sem grande esforço laborial.
Um exemplo cabal dessa transformação ocorreu com o compositor Wilson Batista, e pode ser observado em duas
canções que mostram a transformação de pensamento do compositor, pois a primeira valoriza a prática da malan-
dragem e a segunda, contemporânea do Estado Novo, defende o trabalhador.

71
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
21 Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.

A partir do século XX, com a criação da imprensa de massas no Brasil, os meios de comunicação passaram a ter papel
central na vida política nacional. Pela sua importância na formulação de opiniões e debates, passou a ser vista como
uma ferramenta essencial aos poderosos, que ambicionavam manter-se nos poder. No caso em questão, vemos uma
comparação entre a propaganda do Estado Novo, promovida pelo governo Vargas, com o nazismo, cujo maior expoente
da comunicação era Joseph Goebbels.
O aluno deve ser capaz de compreender a importância dos meios de comunicação na formação da consciência coletiva,
bem como analisar criticamente o uso deles pelos poderosos. Muito comumente, tais questões lançam mão de textos,
charges ou imagens que devem ser utilizadas para a formulação correta da resposta. Ater-se ao enunciado, portanto, é
fundamental nesse tipo de questão.

Modelo
(Enem) Durante o Estado Novo, os encarregados da propaganda procuraram aperfeiçoar-se na arte da empolga-
ção e envolvimento das “multidões” através das mensagens políticas. Nesse tipo de discurso, o significado das
palavras importa pouco, pois, como declarou Goebbels, “não falamos para dizer alguma coisa, mas para obter
determinado efeito”.
CAPELATO, M.H. Propaganda política e controle dos meios de comunicação.
In: PANDOLFI. D. (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
O controle sobre os meios de comunicação foi uma marca do Estado Novo, sendo fundamental à propaganda política,
na medida em que visava:
a) a conquistar o apoio popular na legitimação do novo governo;
b) ampliar o envolvimento das multidões nas decisões políticas;
c) aumentar a oferta de informações públicas para a sociedade civil;
d) estender a participação democrática dos meios de comunicação no Brasil;
e) alargar o entendimento da população sobre as intenções do novo governo.

Análise expositiva - Habilidade 21: O DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, tinha
A como função o controle da propaganda do governo, com vistas a legitimar o regime ditatorial junto à população
brasileira.
Alternativa A

72
DIAGRAMA DE IDEIAS

ESTADO NOVO (1937-1945)

A CARACTERÍSTICAS B INSTRUMENTOS
• GOVERNO PERSONALISTA
• NACIONALISMO • DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA
• CENTRALIZAÇÃO POLÍTICA • DEPARTAMENTO ADMINISTRATIVO DE SERVIÇO PÚBLICO
• INSPIRAÇÃO FASCISTA • POLÍCIA PÚBLICA
• CONSERVADOR • CONSTITUIÇÃO DE 1937
• TRABALHISMO
CONSTITUIÇÃO DE 1937
• INSPIRADA PELA CONSTITUIÇÃO FASCISTA DA POLÔNIA
TRABALHISMO
• FIM DA AUTONOMIA DOS ESTADOS
• CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT)
• DISSOLUÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
• SINDICATOS ATRELADOS AO ESTADO
• CENSURA
• IMPOSTO SINDICAL
• INSTITUIÇÃO DO ESTADO DE EMERGÊNCIA
• CRIAÇÃO DO “PELEGO”
• PROIBIÇÃO DE GREVES

DESENVOLVIMENTO
C INTENTONA INTEGRALISTA D
DA INDÚSTRIA

• TENTATIVA DE GOLPE DO PARTIDO INTEGRALISTA • INTERVENÇÃO ESTATAL


• DERROTA • NACIONALISMO ECONÔMICO
• PLÍNIO SALGADO SE EXILA EM PORTUGAL • LIMITAÇÃO DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO
• EMPREGO PARA BRASILEIROS
• CRIAÇÃO DE INDÚSTRIAS DE BASE
E SEGUNDA GUERRA MUNDIAL • VALE DO RIO DOCE
• COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL
• ALIADOS × EIXO • USINA DE VOLTA REDONDA
• ESTADO NOVO SE APROXIMA IDEOLOGICAMEN- • CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO
TE DO EIXO
• EUA INVESTE NO BRASIL
• BRASIL ENTRA NA GUERRA COM OS ALIADOS F FIM DO ESTADO NOVO
• ENVIO DA FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA (FEB) À ITÁLIA
• VITÓRIA DOS ALIADOS • DERROTA DO FASCISMO NA SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL
• VITÓRIA DAS DEMOCRACIAS
PARTIDOS • PRESSÃO SOCIAL POR REABERTURA POLÍTICA
• UNIÃO DEMOCRÁTICA NACIONAL (UDN) • LEGALIZAÇÃO DOS PARTIDOS E ELEIÇÕES
• CONSERVADORES, BURGUESES, LATIFUNDIÁRIOS • VITÓRIA ELEITORAL DE DUTRA (1945)
• PARTIDO SOCIAL PROGRESSISTA (PSP) • COLIGAÇÃO PSD/PTB
• PARTIDO PAULISTA
• PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB) QUEREMISMO
• PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO (PSD) • APOIO À CONTINUIDADE DE GETÚLIO VARGAS
• ELITE NACIONALISTA • DEFESA DE UMA NOVA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE
• PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) • APOIO DO PCB
• SINDICATOS, TRABALHADORES, CLASSE MÉDIA • ORIENTAÇÃO DA URSS

73
República liberal ou populista:
AULAS
governo Dutra e segundo governo Vargas
37 e 38
1, 2, 7, 9, 10, 12, 13, 14,
Competências: 1, 2, 3, 4 e 5 Habilidades:
15, 19, 21 e 22

1. O populismo maior participação política, nacionalização da economia,


etc.), o trabalhismo não incentivava sua organização livre
O período democrático situado entre as ditaduras do Estado da influência burguesa nem a formação de uma ideologia
Novo (1937-1945) e o Regime Militar (1964-1985) é cha- adequada à essência de seus interesses e, menos ainda,
mado, por alguns historiadores, de República Liberal Populis- a realização de reformas sociais que levassem à completa
ta. Nesse período, o país viveu uma relativa liberdade demo- libertação do trabalhador (...). Os trabalhadores, em sua
crática, com grande atuação de partidos políticos, imprensa e grande maioria, eram levados a depositar na ideologia na-
movimentos sociais. No entanto, a liberdade democrática era cionalista e trabalhista suas esperanças de justiça social e
limitada. O Partido Comunista Brasileiro continuou proibido, de um mundo melhor”.
e seus representantes parlamentares cassados. O populismo ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia, RIBEIRO, Marcus
Venício. História da Sociedade Brasileira, 13 ed. rev.
referido foi um fenômeno político comum na América La- atual. Rio de Janeiro. Ao Livro Técnico, 1996).
tina em meados do século XX, mas não pôde ser aplicado
a todos os presidentes brasileiros do período que se esten- Carismáticos e populares, os líderes populistas utilizavam
deu de 1946 a 1964. Ele se caracterizou pela atuação de os meios de comunicação de massa, especialmente o rádio,
e os comícios gigantescos para se comunicar com as cama-
políticos carismáticos, que conseguiram mobilizar as classes
das populares e trabalhadoras. Os principais representan-
populares mediante ações e atitudes de caráter paternalista
tes do populismo latino-americano foram Getúlio Vargas,
e demagógico, muitas vezes vinculadas às reivindicações dos
Jânio Quadros e João Goulart, no Brasil; Juan Domingo
trabalhadores, mas transfiguradas em reivindicações do “tra-
Perón, na Argentina; Lázaro Cárdenas, no México; e Victor
balhismo”, que as apresentava como “doação” do líder po-
Paz Estenssoro, na Bolívia.
lítico, tirando-lhe o caráter de luta da classe trabalhadora. Os
líderes populistas são nacionalistas, defenderam a redução
da dependência econômica em relação ao capital estrangei-
ro por meio de políticas de estímulo à industrialização.

Getúlio Vargas Juan Domingo Perón

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
A chama Queremista de 1945 “Queremos
Getúlio”

“Embora se propusesse a defender os interesses dos as-


salariados (elevação salarial, melhores condições de vida, Lázaro Cárdenas

74
janeiro de 1946, Dutra iniciou um processo de aproximação
política com as elites nacionais, particularmente, represen-
tadas pela UDN, União Democrática Nacional. No cenário
internacional marcado pela Guerra Fria, o novo presidente
definiu o posicionamento brasileiro pró-EUA, o que provo-
cou uma série de problemas internos. No governo Dutra, foi
promulgada a nova Constituição Brasileira, em 1946.
Principal instrumento de normalização institucional do
país, a Constituição de 1946 pautava-se pelo predomínio
dos princípios liberais, característicos de democracias oci-
multimídia: vídeo dentais influenciadas pelos EUA. No entanto, estabeleceu
limites para a participação democrática, como a interven-
Fonte: Youtube
ção nos sindicatos e a censura a algumas manifestações
Conhecendo os Presidentes - Ep. 17: José artísticas e culturais notadamente de caráter comunista. Foi
Linhares mantido o voto secreto para maiores de 18 anos, exceto
para analfabetos, cabos e soldados, e eleições diretas em
todos os níveis. O mandato presidencial foi fixado em cinco
2. Governo de Eurico Gaspar anos sem possibilidade de reeleição e o cargo de vice-pre-

Dutra (1946–1951) sidente foi recriado, sendo preenchido por eleição própria.
Além disso, os direitos trabalhistas do período getulista fo-
ram incorporados ao texto constitucional.
As consequências do alinhamento do governo brasileiro
com os EUA no contexto da Guerra Fria podem ser cons-
tatadas na política interna. Houve restrição ao direito de
greve pelo decreto-lei 9.070, de março de 1946. Baseada
em justificativas fúteis, a maioria governista da Câmara vo-
tou pelo fechamento do Partido Comunista Brasileiro, PCB,
em maio de 1947 e, no ano seguinte, todos os mandatos
legislativos – senadores, deputados e vereadores – dos co-
munistas foram cassados.

multimídia: livros
Brasil, de 1945 ao golpe militar – José Ênio
Casalecchi
Este livro focaliza o período que vai da di-
Dutra
tadura de Vargas à Ditadura Militar, conhe-
cido como República Liberal, que cobre os
governos de Dutra, Vargas (até o suicídio em
2.1. Política Interna 1954), Café Filho, Juscelino, Jânio e Jango.
Eleito pela coligação PSD/PTB, Partido Social Democrático e Foi um tempo de renúncias, deposições e
Partido Trabalhista Brasileiro, com o apoio de políticos var- morte de presidentes.
guistas, logo que assumiu a presidência da República em

75
Em 1947, o presidente estadunidense Harry Truman visitou
o Brasil, quando foi realizada na cidade fluminense de Pe-
trópolis a Conferência Interamericana de Manutenção da
Paz e Segurança. Encerrando a Conferência, foi assinado
o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, Tiar,
mediante o qual os países das Américas estabeleciam um
pacto para defesa mútua, permitindo a intervenção dos
EUA em qualquer área do continente para preservar a paz
e a segurança, o que deve ser entendido como combate
ao comunismo no continente, ficando conhecido como:
Doutrina Truman.

Curiosidades

Notícia da promulgação da Constituição de 1946

No mesmo dia do fechamento do PCB, o Ministério do Tra-


balho ordenou a intervenção em catorze sindicatos e fechou
uma central sindical controlada pelos comunistas. Na ilegali-
dade, sob violenta repressão, o PCB definhou em termos de
política de massas, ainda que tenha mantido uma atividade
clandestina junto à classe operária.

2.2. Política externa


Após a Segunda Guerra, o cenário internacional foi marca-
do pela polarização ideológica e política entre EUA e URSS,
“How do you do, Dutra?” “How tru you tru, Tru-
conhecida por Guerra Fria. Nesse contexto, Dutra adotou
man?”, teria respondido o presidente brasileiro.
um posicionamento de alinhamento automático aos EUA e
Antes da visita do presidente Truman, veio ao Brasil
ao bloco capitalista, rompendo relações diplomáticas com
(em 1946) o general Eisenhower. Para sondá-lo foi en-
a URSS e, posteriormente, com a China, que se tornara co-
carregado o presidente da UDN, Otávio Mangabeira.
munista após a vitória da Revolução de 1949, liderada por
Num gesto servil, e simbólico, o representante brasi-
Mao Tsé-Tung.
leiro inclinou-se e beijou as mãos do visitante. Era o
início da Guerra Fria e o Brasil abrigava-se debaixo
das asas da Águia Americana.
No célebre registro fotográfico de Ibrahim Sued, o
deputado Otávio Mangabeira beija a mão do general
estadunidense Dwight Eisenhower em sessão solene
na Câmara dos Deputados realizada em 1946 (Arqui-
vo Nacional).

2.3. Economia
Em virtude do alinhamento do governo brasileiro à política
Dutra (à direita) cumprimenta o presidente estadunidense estadunidense, Eurico Gaspar Dutra adotou uma política
Harry Truman em visita ao Brasil. econômica liberal, caracterizada pela abertura ao capital

76
estrangeiro e pela importação de vários produtos, princi-
palmente os supérfluos, como aparelhos de televisão – em-
2.4. Eleições presidenciais
bora não houvesse emissoras no Brasil –, meias de náilon A sucessão presidencial ocorreria no final de 1950 e Getú-
e casacos de pele – para um país predominantemente tro- lio Vargas decidiu disputar a presidência pelo PTB, apoiado
pical –, eletrodomésticos, automóveis, cigarros e chicletes. por Adhemar de Barros e seu PSP, que indicaram o candi-
O resultado foi a redução significativa das reservas econô- dato a vice-presidente, Café Filho. O acordo previa ainda
micas acumuladas ao longo da Segunda Guerra Mundial, que Vargas apoiaria Adhemar nas próximas eleições pre-
que tinham deixado a economia do país em situação rela- sidenciais. O PSD lançou o candidato Cristiano Machado,
tivamente confortável, criando a necessidade de obtenção mas grande parte dos filiados do partido deu apoio a Var-
de novos empréstimos no exterior. gas, especialmente nos estados. A UDN lançou novamente
o brigadeiro Eduardo Gomes.
Em 1948, foi lançado o Plano SALTE, que previa inves-
timentos nas áreas de Saúde, Alimentação, Transportes e
Energia. “Em linhas gerais, o Plano SALTE visava estimular
e suprir a iniciativa privada através da ação do Estado na
economia. O Estado, sem substituir as empresas particu-
lares, deveria investir para sanar as deficiências daqueles
setores identificados como ’pontos de estrangulamento do
desenvolvimento nacional’” (CACERES, Florival. História do
Brasil. São Paulo: Moderna, 1993, p. 303).
Ainda em 1948 foi criada a “missão Abbink”, nome pelo
qual ficou conhecida a Comissão Brasileiro-Americana de
Estudos Econômicos. Sob a direção de John Abbink e pelo
brasileiro Otávio G. Bulhões, tinha como objetivo analisar
os fatores que promoviam ou retardavam o desenvolvi-
mento econômico brasileiro. O relatório final dessa comis-
são foi publicado em fevereiro de 1949, e ficou conhecido
como Relatório Abbink.
O plano não surtiu o efeito desejado. Alguns poucos seto- Vargas comemora vitória na eleição de 1950.
res foram beneficiados, com destaque à inauguração da
Retrato do Velho
Rodovia Rio-São Paulo, Via Dutra, em 1950, que ligava as
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, à abertura da Rodo- Bota o retrato do velho outra vez
Bota no mesmo lugar
via Rio-Bahia e a instalação da Companhia Hidrelétrica do
O sorriso do velhinho
São Francisco, Chesf. Faz a gente trabalhar
Eu já botei o meu
E tu, não vai botar?
Já enfeitei o meu
E tu vais enfeitar?
O sorriso do velhinho
Faz a gente trabalhar
(Haroldo Lobo e Marino Pinto. Marcha de
grande sucesso no Carnaval de 1951)

Getúlio Vargas venceu a eleição com 49% dos votos váli-


multimídia: livros dos e pôde voltar ao Palácio do Catete, sede da presidên-
cia, “nos braços do povo”.
A canção no tempo: 85 anos de músicas bra-
sileiras – Jairo Severiano e Zuza Homem de
Mello 3. Segundo governo
”A canção no tempo – vol. 1” relaciona, clas-
sifica e analisa as canções que o povo brasilei-
Vargas (1951–1954)
ro consagrou entre os anos de 1901 e 1957. A candidatura de Vargas à presidência da República provo-
cou a oposição sistemática e ruidosa da UDN, determinada

77
a evitar sua volta ao Catete a todo custo, como podemos Sem maioria no Congresso, Vargas tentou formar uma
constatar na afirmação de Carlos Lacerda: “O senhor Ge- base de apoio através de uma composição ministerial que
túlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. conciliava forças conservadoras do PSD e PSP, com políti-
Candidato, não deve ser eleito. Eleito não deve tomar pos- cos progressistas do PTB. Até mesmo a UDN foi convidada
se. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi- para compor a base de apoio do governo, recebendo o Mi-
-lo de governar”. nistério da Agricultura, mas não aceitou, optando por se
manter na oposição ao governo.
O governo foi marcado pelo antagonismo entre setores
nacionalistas, que contavam com a simpatia do presidente,
e liberais, acusados pelos nacionalistas de “entreguistas”.
O grupo dos nacionalistas era composto por intelectuais,
militares, burguesia nacional, estudantes e membros das
camadas urbanas, que defendiam mais autonomia do Bra-
sil em relação ao capital estrangeiro, bem como a explo-
ração das riquezas nacionais por empresas brasileiras e a
industrialização baseada em capitais nacionais.
Já os setores liberais eram compostos por políticos con-
servadores, elites agrárias e membros da burguesia, mili-
tares e parte da classe média na sua maioria congregados
na UDN. Eram chamados de “entreguistas”, por defende-
rem o desenvolvimento econômico nacional baseado na
Getúlio Vargas mostra a mão suja de petróleo em Mataripe, abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro,
BA, em 1952. O presidente tornou-se símbolo da época em
que transformou o petróleo em monopólio estatal e criou
particularmente estadunidense, por meio da montagem
a Petrobras, com o lema “O petróleo é nosso”. de empresas multinacionais no Brasil, para utilizarem sua
A afirmação de Lacerda é uma síntese da atitude dos tecnologia na exploração das riquezas nacionais de nossa
udenistas durante a campanha presidencial e o governo mão de obra.
Vargas até o seu trágico fim. Os conservadores udenistas
chegaram a apelar para os militares a fim de evitar a posse
de Vargas, mas não obtiveram êxito, pois os militares pre-
feriram, naquele momento, respeitar a decisão das urnas,
uma vez que existia ainda uma parcela de militares na-
cionalistas que apoiavam Vargas. Ficava claro, no entanto,
que Vargas enfrentaria problemas com diversas frações de
classes em seu governo.

multimídia: livros
Getúlio (1945-1954): da volta pela consagra-
ção popular ao suicídio – Lira Neto
Na terceira e última parte da consagrada
série biográfica sobre Getúlio Vargas, Lira
Neto reconstitui os acontecimentos políti-
cos e pessoais mais importantes dos anos
finais do ex-presidente. Entre a deposição
por um golpe militar, em outubro de 1945,
multimídia: vídeo e o suicídio, em agosto de 1954, o livro re-
vela como a história do Brasil se entrançou
Fonte: Youtube
com a vida de Getúlio, inclusive enquanto
Conhecendo os Presidentes - Ep. 18: Getúlio
afastado do poder.
Vargas - Parte III

78
Todavia, a maior obra do segundo governo de Vargas foi a
criação da Petrobras, em 1953.

3.2. “O petróleo é nosso!”


Desde a descoberta dos primeiros poços de petróleo no
território brasileiro, empresas estrangeiras, especialmente
estadunidenses, pressionavam o governo brasileiro a con-
ceder-lhes a permissão e a prioridade para sua prospecção
e exploração. Os debates tornaram-se mais frequentes e
intensos quando Getúlio Vargas enviou um projeto de mo-
multimídia: vídeo nopólio estatal de exploração do petróleo no Brasil.
Fonte: Youtube

Getúlio Vargas
Documentário que mostra os fatos que marca-
ram a vida e a carreira de Vargas, o cotidiano da
época e o suicídio que gerou controvérsias e uma
gigantesca comoção social. Com narração de Pau-
lo César Pereio, o documentário utiliza cinejornais
produzidos pelo DIP e pela Agência Nacional, fotos
da época, discos, discursos de Vargas e textos de
literatura de cordel.

3.1. Nacionalismo
Simpático ao nacionalismo econômico, mas sem descartar
alianças com o capital estrangeiro, desde que trouxessem
benefícios ao país, como a incorporação de novas tecnolo-
gias, Vargas tomou medidas voltadas para o desenvolvimen-
to nacional. No ano seguinte à sua posse, criou o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico, BNDE, com o
objetivo de estimular e financiar projetos de longo prazo. Cartaz alusivo à campanha pelo monopólio do petróleo brasileiro. 1952.

Por meio da criação do Plano Nacional de Reaparelhamen- O governo dos EUA pressionava os países latino-ameri-
to Econômico, ou Plano Lafer, o governo elaborou metas de canos a favorecerem a exploração de minerais estratégi-
desenvolvimento da siderurgia, metalurgia, petroquímica, cos no continente às empresas do país, garantindo-lhes o
transportes e eletricidade. Diante das dificuldades, o plano abastecimento e o controle sobre grandes reservas estra-
obteve resultados modestos. tégicas altamente necessárias no contexto da Guerra Fria.
Vargas também denunciou os grandes lucros das empresas Vargas e sua assessoria, formada por ministros e secretá-
estrangeiras e a grande remessa de divisas para o exterior rios de Estado nacionalistas, viam como vital a exploração
e passou a combatê-las. Em 1952, foi aprovada a Lei de de minerais estratégicos, como o petróleo, para o desenvol-
Remessa de lucros ao Exterior, que obrigava as empresas vimento econômico e industrial nacional posicionaram-se,
estrangeiras a reinvestir no Brasil pelo menos 10% dos lu- portanto, contrários ao controle estrangeiro sobre setores
cros obtidos em território nacional. Essas medidas fomen- considerados estratégicos.
taram a insatisfação das frações comerciais da burguesia
Os debates envolveram o Congresso, a imprensa e as
e das classes médias tradicionais, bem como dos investi-
ruas. A UDN, políticos conservadores, parte da impren-
dores estrangeiros, que, em represália, cancelaram vários
sa, setores econômicos ligados ao capital estrangeiro e
empréstimos programados para os anos de mandato de
alguns militares defendiam a associação econômica com
Vargas, notadamente os provenientes dos EUA.
capitais estrangeiros e passaram a combater de modo
Apesar das dificuldades, Vargas fundou a Eletrobrás e ini- cada vez mais violento o projeto de monopólio estatal
ciou a construção da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso. do petróleo.

79
Políticos do PTB, parte do PSD e PSP, bem como o Partido As críticas ao governo cresciam e a imprensa desmoralizava
Socialista Brasileiro, PSB, apoiavam o projeto de monopó- Vargas e Jango, especialmente por meio da oposição agressi-
lio estatal do petróleo. Militares nacionalistas, estudantes va do jornalista udenista Carlos Lacerda, proprietário do jor-
ligados à União Nacional dos Estudantes, UNE, sindica- nal carioca Tribuna da Imprensa. Vargas tentava se defender
listas, comunistas, setores médios urbanos, intelectuais e através do jornal Última Hora, o qual apoiava o presidente.
operários apoiavam o projeto nacionalista do governo e
Em face da crise e do acirramento dos ânimos políticos, Var-
se engajaram na campanha “O petróleo é nosso!”, que
gas decidiu recuar, demitindo João Goulart do Ministério
ganhou as ruas, visando pressionar o Congresso a aprovar
do Trabalho e cancelando o aumento de 100% no salário
o monopólio estatal do petróleo.
mínimo. A medida desagradou as massas trabalhadoras e
Em 1953, o projeto foi aprovado e foi criada a Petrobras, o movimento sindical, que ameaçaram retirar seu apoio ao
empresa de capital misto controlada pelo governo brasilei- governo. Num gesto tipicamente populista, Getúlio decidiu
ro, que teria o monopólio de pesquisa, exploração e refino preservar esses apoios e, em meio às comemorações alusivas
do petróleo brasileiro, frustrando os interesses internacio- ao dia do trabalho, voltou a conceder o aumento de 100%
nais. O monopólio não se estendia à distribuição de deriva- no valor do salário mínimo, em 1o de maio de 1954.
dos do petróleo no Brasil, que poderia ser feita por grupos
privados e estrangeiros.
3.4. Atentado na rua Tonelero
O principal veículo de crítica a Getúlio era o jornal Tribuna
da Imprensa, do jornalista Carlos Lacerda, correligionário
da UDN, que diariamente lançava ataques e graves acusa-
ções ao presidente.
No dia 5 de agosto de 1954, Carlos Lacerda sofreu um aten-
tado próximo à sua residência, na rua Tonelero, no bairro de
Copacabana, no Rio de Janeiro. O jornalista foi atingido no
pé e o major da Aeronáutica, Rubens Florentino Vaz, que o
acompanhava, foi morto com um tiro no peito.

multimídia: música
Se eu fosse o Getúlio – Nelson Gonçalves

3.3. Trabalhismo e populismo


Com o intuito de reforçar a política trabalhista do governo
e aproximá-lo mais ainda dos sindicatos, Getúlio Vargas
nomeou o deputado federal gaúcho João Goulart, popu- multimídia: livros
larmente chamado de Jango, para o Ministério do Trabalho.
O país passava por uma séria crise econômica e a inflação 1954: um tiro no coração – Hélio Silva
corroía o poder de compra dos salários da classe trabalha- Esta obra faz parte da monumental série ”O
dora. Emergiam greves e manifestações em várias cidades, ciclo de Vargas”, um conjunto de 16 livros
como São Paulo, Rio de Janeiro, Santos e Belém. que narra a história do Brasil, da Proclama-
ção da República, em 1889, até o Golpe Mi-
Jango negociou com os grevistas e fez-lhes algumas con-
litar de 1964.
cessões, aliviando as tensões, apesar das críticas da UDN.
Em maio de 1954, Jango propôs um aumento de 100%
no salário mínimo, tentando garantir o apoio da classe tra-
balhadora ao governo. A medida não agradou setores da No mesmo dia, Lacerda acusou o presidente pelo atentado, afir-
elite que apoiavam Vargas, notadamente parte da burgue- mando: “Perante Deus, acuso um só homem como responsável
sia nacional, militares e empresários que passaram a fazer por esse crime. É o protetor dos ladrões cuja impunidade lhe dá
oposição ao governo, acusando-o de tentar montar uma a audácia para atos como o desta noite. Este homem chama-se
República sindical no Brasil, assim como Juan Domingo Pe- Getúlio Vargas” (MEIRA, Antônio Carlos. Brasil: recuperando a
rón fizera na Argentina. nossa história. São Paulo: FTD, 1998. p. 219).

80
3.5. A crise política e o
suicídio de Getúlio Vargas
Mesmo declarando-se inocente e como a grande vítima do
atentado, Vargas perdeu o apoio da Aeronáutica, influencia-
da pelo Brigadeiro Eduardo Gomes. Oficiais do Exército e da
Marinha solidarizaram-se com a Aeronáutica e parte das For-
ças Armadas passou a exigir a renúncia do presidente.
Apoiado pelo Ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa,
Vargas anunciou que não renunciaria. As pressões contra o
multimídia: música presidente aumentavam diariamente e setores da imprensa,
com políticos da UDN ganharam cada vez mais aliados de-
Ai, Gegê – Jorge Goulart fensores da renuncia de Vargas, até mesmo o vice-presidente
Café Filho, que rompeu relações políticas com o presidente.

Vargas declarou-se inocente, mas as investigações realiza-


das pela Aeronáutica apontaram como mandante do aten-
tado o chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório
Fortunato, o “Anjo Negro”, que foi acusado pelo pistoleiro
que efetuou os disparos, Alcino do Nascimento.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
63 - O suicídio de Vargas e a Carta-Testa-
mento - História

“Daqui não saio...”

Após o atentado da rua Tonelero, Lacerda aparece


na foto carregado por militares.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
A morte de Getúlio Vargas
Hilde Weber. Tribuna da Imprensa. 13 ago. 1954.

81
multimídia: livros
multimídia: vídeo
O homem que matou Getúlio Vargas – Jô
Fonte: Youtube Soares
Getúlio Este livro focaliza o período que vai da di-
A intimidade de Getúlio Vargas (Tony Ramos), tadura de Vargas à ditadura militar, conhe-
então presidente do Brasil, em seus 19 últimos cido como república liberal, que cobre os
dias de vida. Pressionado por uma crise política governos de Dutra, Vargas (até o suicídio em
sem precedentes, em decorrência das acusações 1954), Café Filho, Juscelino, Jânio e Jango.
de que teria ordenado o atentado contra o jor- Foi um tempo de renúncias, deposições e
nalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges), ele morte de presidentes.
avalia os riscos existentes até tomar a decisão
de se suicidar. Na manhã do dia 24 de agosto de 1954, o presidente Ge-
túlio Vargas foi encontrado morto sobre sua cama, com um
tiro no coração. Na cabeceira da cama, havia uma carta-
Os militares enviaram um ultimatum a Vargas exigindo sua
-testamento, cuja divulgação comoveu a população.
renúncia, o que deixava claro que um golpe de Estado es-
tava sendo preparado. Na noite do dia 23 de agosto, reali- “Não querem que o povo seja independente. Assumi o
zou-se uma reunião ministerial no Palácio do Catete. Nela, Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os
foi cogitada uma licença do presidente, mas as negocia- valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangei-
ções não avançaram. Já de madrugada, Getúlio retirou-se ras alcançaram até 500% ao ano. Nas declarações de
para seus aposentos. valores do que importávamos existiam fraudes consta-
tadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio
a crise do café, valorizou-se o nosso principal produ-
to. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma
violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de
sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo
a uma pressão constante, incessante, tudo suportando
em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mes-
mo, para defender o povo, que agora se queda desampa-
multimídia: livros rado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se
as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem
Vitória na derrota: a morte de Getúlio Vargas – continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holo-
Ronaldo Conde Aguiar causto a minha vida.
Neste livro, o sociólogo Ronaldo Conde
Aguiar compõe um amplo painel, inves- Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando
tigando os eventos, as forças políticas, as vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso
intenções não declaradas. Uma verdadeira lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em
exploração policial, com acariação de de- vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos.
poimentos e descobertas de pistas até hoje Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a
escondidas. força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e
meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de

82
meu sangue será uma chamada imortal na vossa consci- Em diversas cidades, houve grandes manifestações contra
ência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao os adversários de Getúlio. A embaixada dos EUA e as redes
ódio respondo com o perdão. dos jornais O Globo e Tribuna da Imprensa foram atacadas
e apedrejadas. Veículos de emissoras e jornais oposicionis-
E aos que pensam que me derrotam respondo com a mi-
tas foram queimados, Carlos Lacerda retirou-se do Rio de
nha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a
Janeiro e vários outros políticos da UDN também tiveram
vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais
que se esconder da fúria popular.
será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre
em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. A morte de Getúlio Vargas acabou por evitar um pos-
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espo- sível golpe militar articulado pela UDN, em 1954, e
liação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as conseguiu “atrasar” o golpe e o governo militar por 10
infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei anos (até 1964).
minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio.
Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eterni-
dade e saio da vida para entrar na História”
(Carta-testamento deixada pelo presidente Getúlio Vargas. 24 ago.
1954.) Manchete do jornal Última Hora. Rio de Janeiro, 24 ago. 1954.

Comovida, a população saiu às ruas de várias cidades, es-


pecialmente no Rio de Janeiro, onde era realizado o velório
do presidente. Emocionadas, pessoas passavam mal, des-
maiavam, eram pisoteadas no último adeus a Vargas.

multimídia: sites
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEr-
aVargas2/biografias/eurico_gaspar_dutra
www.infoescola.com/historia-do-brasil/
plano-salte/
www.maniadehistoria.wordpress.com/get-
ulio-vargas-explicacoes-para-sua-morte/
multimídia: livros
www.guiadoestudante.abril.com.br/estudo/
Getúlio (romance) – Juremir Machado da Silva por-que-getulio-se-matou/
Passados mais de 50 anos do suicídio de Ge-
túlio Vargas, o mistério sobre o mito ainda
prevalece. Afinal, quem foi um dos maiores
oligarcas que o Brasil já teve?

multimídia: música
Falta um zero no meu ordenado – Francisco
Alves
Comoção popular no velório de Vargas

83
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Química
No dia 3 de outubro de 1953, era criada a Petrobras, a companhia estatal destinada a cuidar da exploração do
petróleo brasileiro, sem deixar que empresas estrangeiras tivessem acesso a esse recurso do nosso solo. Contudo,
a campanha propagada pelo então presidente Getúlio Vargas dava a esperança ao povo de que tal companhia iria
gerar autossuficiência nos derivados de petróleo ao Brasil, o que faria com que o país poupasse muito dinheiro sem
a necessidade de importar tais produtos.
Contudo, o que não se propagava no ideário dos brasileiros era que uma companhia petrolífera não iniciaria suas
funções com plena capacidade de extração de petróleo e produção de seus derivados, pois para isso o Brasil neces-
sitaria de um enorme avanço na indústria química para poder refinar o petróleo (que bruto é uma mistura complexa
de hidrocarbonetos) e separar seus componentes. Tal refino passa por dois processos físicos (a destilação fracionada
e a destilação a vácuo) e um processo químico (o craqueamento catalítico), pelo qual quebram-se as moléculas
mais longas e as transformam em moléculas menores e de maior rentabilidade comercial. Como nesse momento
histórico o Brasil ainda não possuía refinarias de grande porte que pudessem realizar todas essas etapas, o sonho
de autossuficiência não prosperou.

Esquema de transformação de uma fração de querosene em gasolina pelo craqueamento catalítico

84
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de
14 natureza histórico-geográfica acerca das instituições sociais, políticas e econômicas.

Para ilustrar diferentes dinâmicas políticas e sociais, a prova do Enem recorre a muitos textos jornalísticos e fragmentos
de obras da historiografia brasileira. Significa dizer que, para além da memorização do conteúdo da disciplina, o aluno
deve ser capaz de interpretar tais textos para conseguir formular corretamente a resposta da questão.
Vê-se que muitas dessas questões, como de praxe nessa prova, são de cunho interpretativo. Uma leitura calma e perspi-
caz do enunciado é suficiente para resolvê-la. Especificamente na questão abaixo, é possível ver uma crítica à dinâmica
de redemocratização no Brasil no ano de 1945, quando Dutra e Eduardo Gomes disputavam as eleições presidenciais,
após oito anos de ditadura estadonovista. Vargas ainda dispunha de grande popularidade e o autor do excerto expunha
a capacidade desse governante de se identificar com as mais distintas e contraditórias causas.

Modelo
(Enem) Estão aí, como se sabe, dois candidatos à presidência, os senhores Eduardo Gomes e Eurico Dutra, e um ter-
ceiro, o senhor Getúlio Vargas, que deve ser candidato de algum grupo político oculto, mas é também o candidato
popular. Porque há dois “queremos”: o “queremos” dos que querem ver se continuam nas posições e o “queremos”
popular... Afinal, o que é que o senhor Getúlio Vargas é? É fascista? É comunista? É ateu? É cristão? Quer sair? Quer
ficar? O povo, entretanto, parece que gosta dele por isso mesmo, porque ele é “à moda da casa”.
A democracia. 16 set. 1945. Apud GOMES. A.C.; D’ARAÚJO, M.C. Getulismo e trabalhismo. São Paulo: Ática. 1989.
O movimento político mencionado no texto caracterizou-se por:
a) reclamar a participação das agremiações partidárias;
b) apoiar a permanência da ditadura estadonovista;
c) demandar a confirmação dos direitos trabalhistas;
d) reivindicar a transição constitucional sob influência do governante;
e) resgatar a representatividade dos sindicatos sob controle social.

Análise expositiva - Habilidade 14: O movimento citado no texto é o queremismo. Tal movimento, articulado
D por Vargas junto às massas populares, visava defender a sua permanência no poder ou a transição de governo
através da batuta varguista.
Alternativa D

85
DIAGRAMA DE IDEIAS

GOVERNO DUTRA E
SEGUNDO GOVERNO VARGAS

A POPULISMO B GOVERNO DUTRA (1946-1951)

• FENÔMENO POLÍTICO LATINO-AMERICANO POLÍTICA INTERNA


• MEADOS DO SÉCULO XX • APROXIMAÇÃO COM A UDN
• LIDERANÇAS POLÍTICAS CARISMÁTICAS • CONSTITUIÇÃO DE 1946
• PATERNALISMO E DEMAGOGIA • LIBERAL
• POLÍTICA DE MASSAS • ELEIÇÕES DIRETAS
• TRABALHISMO • MANDATO DE 6 ANOS
• NACIONALISMO • PRESIDENTE E VICE ELEITOS SEPARADAMENTE
• CASSAÇÃO DO PCB
• INTERVENÇÃO NOS SINDICATOS
SEGUNDO GOVERNO POLÍTICA EXTERNA
C
VARGAS (1951-1954) • ATRELAÇÃO AOS EUA NA GUERRA FRIA
• DOUTRINA TRUMAN
CARACTERÍSTICAS
• OPOSIÇÃO DA UDN ECONOMIA
• POPULISMO E TRABALHISMO • PLANO SALTE (SAÚDE, ALIMENTAÇÃO, TRANSPORTE
• CRISE ECONÔMICA E ENERGIA)
• NACIONALISMO (AUTONOMIA ECONÔMICA) • IMPORTAÇÃO E GASTO DAS RESERVAS ECONÔMICAS
VS. ENTREGUISMO (ABERTURA ECONÔMICA) • EMPRÉSTIMOS ESTRANGEIROS
ELEIÇÕES DE 1950
NACIONALISMO
• GETÚLIO VARGAS (PTB/PSP)
• CRIAÇÃO DO BANCO NACIONAL DO
• BRIGADEIRO EDUARDO GOMES (UDN)
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (BNDE)
• VITÓRIA ELEITORAL DE VARGAS
• LEI DE REMESSAS DE LUCROS AO EXTERIOR
• VICE: CAFÉ FILHO (PSP)
• CAMPANHA “O PETRÓLEO É NOSSO”
• APOIO POPULAR (MILITARES NACIONALISTAS,
UNE, SINDICATOS, COMUNISTAS, CLASSE MÉDIA)
• 1953 – CRIAÇÃO DA PETROBRAS
• MONOPÓLIO ESTATAL CRISE POLÍTICA
• OPOSIÇÃO DE CARLOS LACERDA (UDN)
TRABALHISMO E POPULISMO • DIFAMAÇÃO MIDIÁTICA
• INFLAÇÃO GENERALIZADA • ATENTADO DA RUA TONELERO
• MINISTRO DO TRABALHO (JOÃO GOULART) • EXÉRCITO EXIGE RENÚNCIA DE VARGAS
SE APROXIMA DOS SINDICATOS • PERIGO DE GOLPE MILITAR
• APOIO DOS TRABALHADORES • SUICÍDIO DE VARGAS (1954)
• OPOSIÇÃO DA ELITE, EMPRESÁRIOS E MILITARES • MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS DE APOIO A VARGAS

86
República liberal ou populista:
AULAS
governos Café Filho e JK
39 e 40
1, 4, 5, 8, 12, 14, 15, 16,
Competências: 1, 2, 3, 4 e 5 Habilidades:
17, 18, 20, 21 e 25

1. Governo Café Filho


(1954–1955)

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Conhecendo os Presidentes - Ep. 19: Café
Filho

Políticos conservadores e militares antigetulistas tenta-


ram impedir a candidatura de JK e Jango, alegando que
representariam a volta do getulismo ao poder e defen-
diam um governo de coalisão de direita. Os conservado-
res não foram atendidos e o Brasil, novamente, vivia um
clima de tensão.

João Café Filho

Em virtude do suicídio do presidente Getúlio Vargas (1954),


a Presidência da República foi assumida pelo vice-presidente
João Café Filho, que pertencia ao PSP (Partido Social Progres-
sista) e havia sido indicado à chapa por Adhemar de Barros.
No exercício da presidência, Café Filho aproximou-se de polí-
ticos conservadores, especialmente da UDN (União Democrá-
tica Nacional) e de militares contrários a Getúlio, nomeando-
multimídia: livros
-os para as principais pastas ministeriais.
A alma do negócio: como eram as propagan-
No ano de 1955, tiveram início as movimentações de das nos anos 50, 60 e 70 – Alberto Villas
candidatos a presidente e vice, sendo lançados, respecti- O livro nos leva de volta a uma época pré-
vamente, Juscelino Kubitschek (JK) e João Goulart (Jango). -tecnológica, quando ainda não existiam
Aliada a partidos de menor expressão, a UDN lançou a os computadores e os celulares. Na impres-
candidatura de Juarez Távora, um dos militares que haviam sionante coleção de livros, discos e revistas
conspirado contra Vargas. Plínio Salgado candidatou-se que possui, Villas garimpou as raridades que
pelo PRP (Partido da Representação Popular) e Adhemar compõem este livro.
de Barros pelo PSP.

87
O presidente Café Filho afastou-se do cargo em novem- cargo. A justificativa para o golpe legalista foi o respeito à
bro de 1955, alegando problemas de saúde e foi substi- democracia. A presidência foi assumida pelo presidente do
tuído pelo presidente do Congresso Nacional, Carlos Luz, Senado Federal, Nereu Ramos, que decretou Estado de sítio
que era filiado ao PSD, mas mantinha estreitas relações e concluiu o mandato, garantindo a posse de JK e Jango no
com a UDN. dia 31 de janeiro de 1956.
Realizadas as eleições, Juscelino Kubitschek obteve 36%
dos votos e Juarez Távora, 30%, enquanto João Goulart
foi eleito vice-presidente. Inconformados com a vitória de
JK e Jango, Carlos Lacerda e políticos da UDN tentaram
tumultuar ainda mais o ambiente político nacional, inicial-
mente justificando que os vitoriosos não poderiam assumir
por não terem obtido mais da metade dos votos, mesmo
que isso não estivesse presente na Constituição de 1946.
Lacerda chegou inclusive a pregar a anulação das eleições,
sob o argumento de que JK e Jango teriam vencido graças
aos votos de comunistas e trabalhadores pobres, que não
tinham “discernimento para votar”.

1.1. A Instrução 113 Marechal Lott, ministro da Guerra e responsável


pelo contragolpe legalista ou “golpe preventivo”.
Na área econômica, uma importante medida foi a Instru-
ção 113 (17 jan. 1955) da Superintendência da Moeda e
do Crédito (Sumoc)1, pela qual empresas estrangeiras po-
diam importar máquinas e equipamentos do exterior sem
2. Governo juscelino
cobertura cambial (impostos alfandegários), contanto que kubitschek (1956–1961)
se associassem a empresas nacionais. Para os empresários
nacionais independentes persistiam as restrições cambiais
nas importações, de modo a forçá-los a uma associação com
os capitais estrangeiros. Iniciava-se um rápido processo de
desnacionalização econômica que tenderia a se intensificar.

1.1.1. O contragolpe legalista


do general Lott
O presidente Carlos Luz também não era favorável à posse
de JK e Jango, e demonstrava simpatia pelo golpe que se
processava junto a políticos da UDN. Para favorecer o gol-
pe, Luz precisava afastar do cargo de ministro da Guerra,
general Henrique Teixeira Lott, que era legalista e a favor
do respeito à Constituição e ao resultado das eleições, à
posse de JK e Jango, portanto.
No enterro do general Canrobert Pereira, o coronel Bizarria
Mamede fez um discurso inflamado atacando JK e Jango
e convocando as Forças Armadas a impedir a posse dos
eleitos. Lott exigiu que o presidente Luz punisse o coronel
Mamede. Como não foi atendido, afastou-se do cargo por
incompatibilidade com o presidente.
Porém, incentivado por outros militares legalistas, Lott resis- Juscelino Kubitschek
tiu e depôs o presidente Carlos Luz, cercando o Rio de Janei-
Logo que assumiu a presidência da República, o mineiro
ro com aproximadamente 2,5 mil homens, e posteriormente,
Juscelino Kubitschek começou a pôr em prática seu plano
em novembro de 1955, impediu a volta de Café Filho ao
de governo, chamado Plano de Metas. Utilizando o slo-

88
gan “50 anos em 5”, o presidente pretendia estimular o o Sudeste ao Sul do Brasil.
desenvolvimento nacional por meio de uma aliança entre o
Estado e a iniciativa privada, promovendo grande abertura
ao capital estrangeiro e estimulando a industrialização e o
crescimento econômico nacional.
Entretanto, se o novo presidente enfrentou dificuldades
antes de tomar posse, enfrentou-as também no decorrer
do mandato. Ocorreram levantes militares nas bases da
aeronáutica de Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959),
contidos habilmente pelo presidente, que concedeu anistia
aos revoltosos.
Foi também graças a sua grande habilidade política que JK
conseguiu minar e enfraquecer a oposição ao seu governo, multimídia: música
obtendo apoio da maioria do Congresso Nacional e conse-
guindo aprovar seus projetos. Governo de Juscelino Kubitschek

O setor energético foi contemplado com a construção das


usinas hidrelétricas de Furnas e Três Marias, vitais para as
indústrias que se instalavam no país. O Ministério das Mi-
nas e Energia foi criado com vistas à melhoria administrati-
va do setor. Já os setores da saúde, educação e agricultura
foram marcados por avanços modestos.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Conhecendo os Presidentes - Ep. 20: Jus-
celino Kubitscheck

2.1. Plano de Metas


O termo “Plano de Metas” foi usado como referência
ao Plano Nacional de Desenvolvimento, composto por 31
O presidente Juscelino Kubitschek no Clube Militar, RJ, em conferência sobre
metas, das quais a última sintetizava as demais: construir “O Desenvolvimento econômico e as metas do governo”. Foto. Arquivo
a nova capital na região do Planalto Central, que deveria O Globo.
ser inaugurada no dia 21 de abril de 1960. O plano con- O desenvolvimento da indústria foi memorável, destacan-
templava ainda os setores de transporte, energia, saúde, do-se o setor de bens de consumo duráveis, que recebeu
educação, indústria e agricultura. volumosos investimentos externos atraídos por facilidades
É importante frisar que algumas metas não foram atendi- concedidas pelo governo ao capital estrangeiro. As diretrizes
das satisfatoriamente, como as de ferrovias, já que menos para uma efetiva implantação da indústria automobilística
da metade do previsto para a construção de novas estradas partiram do Grupo Executivo da Indústria Automobilística
de ferro foi concluído. Por outro lado, o transporte rodoviá- (Geia), criado pelo decreto 39.412 e assinado por Juscelino
rio foi beneficiado com a construção e reforma de estradas em 16 de junho de 1956. O Geia propôs que se incenti-
em número duas vezes maior que o previsto no plano. Uma vasse a produção de automóveis e caminhões, com capitais
grande obra rodoviária ajudou muito o povoamento do privados especialmente estrangeiros, que foram atraídos
Centro-Oeste do Brasil e da Amazônia, a rodovia Belém- para o Brasil graças às facilidades concedidas pela instrução
-Brasília. Outra obra rodoviária ligando regiões brasileiras, 113 e outras, e às potencialidades do mercado brasileiro. As
feita por Juscelino, foi a Rodovia Régis Bittencourt, que liga grandes empresas multinacionais – Ford, Willys Overland,

89
General Motors e Volkswagen – concentraram-se no ABC
paulista, mudando completamente a fisionomia daquela re-
gião. Foram montadas também fábricas de eletrodomésticos,
papel, alumínio, cimento e borracha.

multimídia: livros
O essencial de JK – Ronaldo Costa Couto
Biografia do ex-presidente responsável pela
construção de Brasília. Abrange os períodos
da vida de Juscelino Kubitschek – do nas-
cimento à morte num acidente considerado
suspeito, passando pelo período em que tra-
balhou como médico, sua entrada na política,
No fusca, Juscelino Kubitschek acena na inauguração a mudança da capital do Brasil para a região
da Volkswagen do Brasil, em 1959.
Centro-Oeste, a modernização do Estado
brasileiro e muitos outros pontos.

Conforme o previsto, a capital foi transferida para Bra-


sília inaugurada em 21 de abril de 1960 –, bem como
ministérios, tribunais, órgãos administradores e repartições
públicas. Ainda em 1960, Juscelino indicou Darcy Ribeiro
para planejar a Universidade de Brasília, com auxílio de
Niemeyer, Ciro dos Anjos e Anísio Teixeira.

multimídia: música
Anos Dourados (Minissérie)

2.1.1. Brasília, a nova capital


Como já dito, a meta síntese do Plano Nacional de Desen-
volvimento era a construção de Brasília, no Planalto Cen-
tral. Com esse pretensioso objetivo, JK criou a Companhia
multimídia: música
Urbanizadora da Nova Capital, a Novacap, para coordenar
a execução do projeto. Por meio de concurso público, foram
Nova capital – Linda Batista
escolhidos o arquiteto Oscar Niemeyer e o urbanista Lúcio
Costa para projetar a cidade.
O governo não mediu esforços para concluir o projeto e
conseguiu a aprovação no Congresso da Lei 2.874, de 19 A construção de Brasília criou na região Centro-Oeste
de setembro de 1956, que criou a Novacap e permitiu ao um polo de desenvolvimento demográfico e econômico.
presidente obter empréstimos externos. Os operários, ma- Porém, a transferência da capital federal para o Planalto
joritariamente nordestinos, trabalhavam diuturnamente e Central brasileiro gerou certo distanciamento entre o cen-
eram chamados de candangos. tro das decisões do governo e eventuais pressões políti-
cas e sociais regionais. Além disso, considera-se que esse

90
isolamento proporcionou às autoridades mais segurança
institucional. Em 1959, finalmente, com Jobim, Vinicius, Carlos
Lyra, Menescal, Nara Leão, Silvinha Telles, o violo-
nista e compositor Baden Powell e muitos outros,
eclodiu o movimento musical da Bossa Nova, que
expressava uma profunda mudança de mentalidade
temática, de harmonia musical e de concepção do
Brasil. Uma revolução no plano da história das men-
talidades no Brasil.”
(Adriana LOPEZ; Carlos Guilherme Motta. História do Brasil:
uma interpretação. São Paulo: Senac SP, 2008. p. 762-763).

Responsável pelo projeto da construção de Brasília, o arquiteto Oscar


Niemeyer apresenta a maquete da
Praça dos Três Poderes para Juscelino e Israel Pinheiro.
Foto. Mario Fontenelle. Arquivo Público.

A cultura no Brasil do “presidente bossa-nova”

multimídia: música
Presidente bossa nova – Juca Chaves

2.2. Política externa


A execução do Plano de Metas requeria altos investimen-
Tom Jobim e Vinicius de Moraes
tos do governo. Mas o Estado não dispunha de recursos e
“Juscelino Kubitschek – denominado ‘presidente bos- as exportações enfrentavam dificuldades. JK apelou então
sa-nova’ pela simpática composição do músico Juca para o capital estrangeiro; recorreu a vultosos empréstimos
Chaves – governou o país em um período em que a que elevaram a dívida externa brasileira.
efervescência cultural era enorme, com figuras como
Guimarães Rosa, Jorge Amado, Dalton Trevisan, Glau-
Os grandes destaques da política externa do governo JK
ber Rocha, Niemeyer, Darcy Ribeiro, Ferreira Gullar, os
foram a atuação na criação da Operação Pan-Americana,
suplementos literários dos jornais O Estado de S. Pau- (OPA) e o rompimento com o Fundo Monetário Interna-
lo e Jornal do Brasil. A essa altura, no Nordeste, Paulo cional, (FMI).
Freire testava seu método de alfabetização que teria A imagem negativa dos EUA na América Latina, demonstra-
repercussão nacional e internacional. da nas manifestações contra a visita do presidente Richard
No Rio, o pessoal da ‘bossa-nova’ despontava em Nixon a alguns países latino-americanos, proporcionou ao
1957, com a música Chega de saudade, de Vinícius e presidente Juscelino Kubitschek a oportunidade de propor
Tom Jobim. Em 1958, em São Paulo, o ator Gianfran- ao governo estadunidense um programa de ajuda econô-
cesco Guarnieri lançava o Teatro de Arena e a peça mica aos países da região como forma de melhorar sua
Eles não usam black-tie, uma revolução na temática, imagem junto à população do continente. Evidentemente,
na linguagem e no conceito de teatros engajados. JK pretendia com isso atrair mais recursos para o Brasil.
José Celso Martinez lançava o seu Teatro Oficina, Resultado de sua proposta: criação da Operação Pan-Ame-
dando os primeiros passos com o teatro experimental ricana, (OPA) em 1958, que consistia na ajuda econômica
com a peça A incubadeira. [...] dos EUA à América Latina por meio do recém-criado Banco
Interamericano de Desenvolvimento, (BID).

91
de eletricidade, de comunicações (380%) e de material de
transporte (600%).
De 1957 a 1961, o PIB, Produto Interno Bruto, cresceu a
uma taxa anual de 7%, correspondendo a uma taxa per
capita de quase 4%. Se considerar toda a década de 1950,
o crescimento do PIB brasileiro per capita foi aproximada-
mente três vezes maior que o resto da América Latina.
No entanto, os gastos governamentais para sustentar o pro-
multimídia: livros grama de industrialização, a construção de Brasília e um forte
saldo negativo na balança comercial resultaram em crescen-
JK: o artista do impossível – Claudio Bojunga tes deficits do orçamento federal. O governo gastava mais do
Este livro conta a história de um homem, de que arrecadava. Esse déficit passou de menos de 1% do PIB
uma época e de um país. Um homem que em 1954 e 1955, para 2% em 1956 e 4% em 1957.
ousou governar com imaginação, uma época
em que os brasileiros deram as costas à der-
rota – e viveram o sonho intenso de serem
modernos, cosmopolitas, viáveis.

A necessidade de grandes volumes de capital para a exe-


cução do Plano de Metas forçava o governo a recorrer in-
tensamente a empréstimos externos. JK tentou obter um
empréstimo de 300 milhões de dólares junto ao FMI, que multimídia: livros
impôs condições severas ao Brasil para liberar os recursos,
como corte de gastos públicos, contenção de salários e O governo JK e as raízes getulistas da orienta-
redução de subsídios agrícolas. O governo brasileiro não ção do capitalismo no Brasil – Daniel Kosinski
aceitou as condições impostas, mas também não conse- O governo JK e as raízes getulistas da orienta-
guiu o empréstimo, o que levou ao rompimento de rela- ção do capitalismo no Brasil é um livro escrito
ções do Brasil com o FMI. com o espírito de transformação do passado
como objeto de saber.

Esse quadro foi acompanhado do avanço da inflação. Em


1956, a inflação estava em 19%; ao final do governo JK,
a inflação atingiu 30% ao ano. Dentre os vários fatores do
crescimento da inflação, os principais foram os gastos go-
vernamentais com a construção de Brasília e com o atendi-
mento aos aumentos salariais de setores do funcionalismo,
aprovados pelo Congresso; o déficit na balança comercial;
a compra de café por meio de emissão de papel-moeda
para sustentar os preços em declínio; e o crédito fácil con-
multimídia: vídeo cedido ao setor privado.
Fonte: Youtube Houve também aumento espetacular da dependência em
Os anos JK - Uma trajetória política relação ao capital externo. Em setores como a indústria
automobilística, cigarros, eletricidade, material elétrico,
produtos químicos e farmacêuticos, o domínio do capital
2.3. Os resultados do Plano de Metas estrangeiro passou a ser de 80% a 90%. O crescimento
Os resultados do Plano de Metas foram impressionantes, econômico acelerado foi acompanhado pelo aumento das
sobretudo no setor industrial. Entre 1955 e 1961, o valor importações, remessas de lucros, pagamentos de royalties,2
da produção industrial cresceu em 80%, com altas porcen- o que resultou em déficits da balança de pagamentos.
2
Royalties são pagamentos pelo uso de tecnologia estrangeira e remetidos
tagens nas indústrias do aço (100%), mecânicas (125%), para o exterior.

92
no final de seu governo, saltara para 3,8 bilhões de dó-
lares. Ainda ocorreu a emissão de títulos públicos mui-
to abaixo do seu real valor de mercado, o que atraiu
compradores e garantiu dinheiro rápido ao governo,
mas gerou uma enorme dívida pública a ser paga pelo
próximo presidente.

multimídia: música
Me leva, seu presidente – Jorge Veiga

Os investimentos privados e públicos eram maiores na


multimídia: livros
região Sudeste, aumentando as disparidades regionais e,
Fé em Deus e pé na tábua – Amilton Lovato
em especial, era notável o declínio econômico do Nordes-
A fantástica história de Adhemar de Barros,
te. A própria classe dominante nordestina multiplicou a
um político populista desbocado, amado e
transferência de seus capitais para o Sul em busca de mais
odiado, inspirador do infame lema “rouba,
lucros, enquanto a classe trabalhadora continuava a mi-
mas faz”, que participou do Golpe Militar
grar de forma crescente, fugindo da miséria da região. Em
de 1964, foi posto de lado pelos generais e
1959, numa tentativa de resolver os problemas da região, morreu exilado em Paris, depois de marcar
o governo federal criou a Superintendência do Desenvol- sua época e a história do Brasil.
vimento do Nordeste, (Sudene) sem, contudo, alcançar o
resultado esperado.

2.4. A sucessão de JK
Em 1960 foram realizadas eleições para a escolha do novo
presidente da República. Coligados, PSD, Partido Social
Democrático, e PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, lançaram
uma chapa encabeçada pelo marechal Henrique Teixeira
Lott e João Goulart para vice. Os eleitores votavam em
separado para presidente e vice-presidente – ao qual era
permitida a reeleição.
multimídia: livros
Expresso Brasília: a história contada pelos
candangos – Edson Beu
Expresso Brasília é um livro comovente. A
ideia de levantar a voz dos candangos é bela,
e nos deixa com um sentimento de gratidão
pelo autor, por ter feito o que muitos não fi-
zeram, ao falar sobre aqueles anos árduos e
extraordinários.

multimídia: música
Some-se a todos esses problemas, um aumento signi-
ficativo da dívida externa. Quando da posse de JK, a A bandeira do meu partido – Jorge Mautner
dívida externa brasileira era de 1,5 bilhão de dólares;

93
O PSP, Partido Social Progressista, indicou Adhemar de Bar-
ros e o minúsculo PTN, Partido Trabalhista Nacional, com o
apoio da UDN, União Democrática Nacional, lançou a can-
didatura de Jânio Quadros, ex-vereador, ex-deputado, ex-
-prefeito e ex-governador, sempre por São Paulo.
Dotado de uma oratória envolvente e utilizando discursos
fortes e uma imagem que o aproximava das camadas po-
pulares, Jânio Quadros venceu as eleições com a maior vo-
tação já obtida até então por um candidato à presidência.
Sua campanha tinha como símbolo uma vassoura, com a
qual prometia varrer a corrupção do Brasil. João Goulart foi
Jânio ao lado da “vassoura”: uma carreira meteórica,
novamente eleito vice-presidente. marcada pelo discurso de viés populista.

multimídia: livros
multimídia: sites Chega de saudade – Ruy Castro
O livro reconstitui a vida boêmia e cultural
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/ carioca dos tempos da bossa nova – boate
artigos/JkRumoPresidencia/11Novembro por boate, tiete por tiete, história por história.
www.espacoacademico.com.br/076/76borg- Para compor este fascinante mosaico envol-
es.htm vendo música e comportamento, Ruy Castro
www.cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/ ouviu dezenas de seus participantes: compo-
artigos/Sociedade/Musica sitores, cantores, instrumentistas – além de
www.cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/ seus amigos e inimigos.
artigos/Economia/PlanodeMetas
www.cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/
artigos/Brasilia/Construcao

94
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Arte e geopolítica
Durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), ocorreu uma grande aproximação com a cultura
estadunidense, seja por meio do cinema ou da música. Símbolo dessa aproximação, o estilo musical que dominava
a época era a bossa nova, uma união do samba com o jazz. O estilo musical se tornou tão importante para a época,
que o próprio presidente ganhou a alcunha de “presidente bossa nova”, apodo este muito ligado às constantes
aparições do chefe de Estado brasileiro em eventos e festas repletos de artistas.
Contudo, ainda devemos lembrar que essa aproximação política com os EUA já vinha sendo desenhada desde o
governo Dutra (1946-1951), e fazia parte de um contexto político internacional muito maior que a simples mixagem
de estilos musicais. O contexto político em questão era a Guerra Fria, disputa que opunha o sistema capitalista,
defendido pelos EUA, ao sistema socialista, defendido pela URSS. Nesse cenário, o Brasil seguia a cartilha de um
bom país americano, o qual deveria seguir alinhado às políticas projetadas pelos EUA, adotando todas as medidas
importantes para combater os ideais socialistas e evitar sua propagação em continente americano.

Presidente JK recebendo os melhores da rádio no ano de 1956.

95
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
25 Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.

Políticas públicas envolvem quase sempre o uso do orçamento público, selecionando aqueles que serão beneficiados e
excluindo todo o restante da população. A habilidade 25 requer a capacidade do estudante de captar o impacto dessas
políticas na dinâmica de inclusão econômica e social. A república de 1946-1964 foi um período de consecução de diver-
sos planos econômicos, que impactavam profundamente a vida do povo brasileiro. É preciso que o candidato estude as
suas propostas, mas também seus resultados práticos e desdobramentos.
Abaixo, há uma questão que trata do governo Juscelino Kubitschek, marcado pelo discurso desenvolvimentista e por
políticas que visavam à industrialização e ao aumento do consumo de bens duráveis no país, enquanto boa parte da
população vivia sem sequer ter acesso à energia elétrica e alimentação. Trata-se, portanto, de um processo contraditório
que o aluno deverá interpretar.

Modelo
(Enem)

JK — Você agora tem automóvel brasileiro, para correr em estradas pavimentadas com asfalto brasileiro, com gaso-
lina brasileira. Quer mais quer?
JECA — Um prato de feijão brasileiro, seu doutô!
THÉO. In: LEMOS, R. (Org.). Uma história do Brasil através da caricatura (1840-2001). Rio de Janeiro: Bom Texto; Letras & Expressões, 2001.
A charge ironiza a política desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, ao:
a) evidenciar que o incremento da malha viária diminuiu as desigualdades regionais do país;
b) destacar que a modernização das indústrias dinamizou a produção de alimentos para o mercado interno;
c) enfatizar que o crescimento econômico implicou aumento das contradições socioespaciais;
d) ressaltar que o investimento no setor de bens duráveis incrementou os salários de trabalhadores;
e) mostrar que a ocupação de regiões interioranas abriu frente de trabalho para a população local.

96
Análise expositiva - Habilidade 25: Como a charge mostra, enquanto em alguns setores da economia (como
C o industrial) o Brasil apresentava significativo crescimento, em outros (como a inclusão social de todos) o país
ainda “patinava”, apresentando grandes disparidades de desenvolvimento.
Alternativa C

DIAGRAMA DE IDEIAS

GOVERNOS CAFÉ FILHO E JK

GOVERNO CAFÉ FILHO GOVERNO JUSCELINO


A B
(1954-1955) KUBITSCHEK (1956-1961)
• VICE DE VARGAS PELO PSP
• APROXIMA-SE DA UDN CARACTERÍSTICAS
• RENÚNCIA • ALIANÇA ENTRE ESTADO E INICIATIVA PRIVADA
• ASSUME CARLOS LUZ (PSD), PRESIDENTE DO CON- • DESENVOLVIMENTO DE INFRAESTRUTURA
GRESSO NACIONAL • FORTALECIMENTO DO SETOR AUTOMOBILÍSTICO
• EIXO ECONÔMICO NO SUL-SUDESTE
ECONOMIA
• CRIAÇÃO DA SUDENE
• INSTRUÇÃO 113 DA SUPERINTENDÊNCIA DA MOE-
• PLANO DE METAS
DA E DO CRÉDITO (SUMOC)
• CRESCIMENTO DO PIB
• FACILITA IMPORTAÇÃO POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS
• AUMENTO DA INFLAÇÃO
• DESNACIONALIZAÇÃO ECONÔMICA
• ESTÍMULO AO FUNCIONALISMO PÚBICO
ELEIÇÕES DE 1955
• VITÓRIA DE JUSCELINO KUBITSCHEK (PSD) E JOÃO CULTURA
GOULART (PTB) • BAIXO INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO
• SETORES DO EXÉRCITO TENTAM IMPEDIR A POSSE • FERMENTAÇÃO ARTÍSTICA E CULTURAL
• CONTRAGOLPE LEGALISTA DO GENERAL LOTT • EDUCAÇÃO POPULAR (PAULO FREIRE)
• TEATRO ENGAJADO E EXPERIMENTAL
• CINEMA NOVO
POLÍTICA EXTERNA • MODERNISMO (LITERATURA, ARQUITETURA)
• ESTREITAMENTO DE LAÇOS COM OS EUA • MOVIMENTOS MUSICAIS (BOSSA NOVA)
• ROMPIMENTO COM O FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI)
• AJUDA DO BANCO INTRA-AMERICANO DE DESENVOLVIMENTO
PLANO DE METAS
(BID)
• 31 METAS
ELEIÇÕES DE 1960 • CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA NO PLANALTO CENTRAL
• COLIGAÇÃO PSD/PTB: MARECHALL LOTT (PRESIDÊNCIA) E • OBRAS RODOVIÁRIAS
JOÃO GOULART (VICE) • USINAS HIDRELÉTRICAS
• ADHEMAR DE BARROS (PSP) • CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA
• JÂNIO QUADROS (PTN/UDN) • POUCO INVESTIMENTO EM SAÚDE, EDUCAÇÃO E
• VITÓRIA DE JÂNIO QUADROS E JOÃO GOULART AGRICULTURA

97
República liberal ou populista:
AULAS
governos Jânio Quadros e João Goulart
41 e 42
1, 2, 3, 7, 8, 9, 10, 13, 14,
Competências: 1, 2, 3, 4 e 5 Habilidades:
15, 21, 22 e 25

Posse de Jânio Quadros como presidente da República, ladeado pelo vice,


João Goulart, e pelo ex-presidente, Juscelino Kubitschek.

1. Introdução 1961), vista por muitos como uma estratégia para reforçar
sua base política, colocou o Brasil em alerta e sob uma
Ainda que tivesse enfrentado alguns problemas internos ameaça de guerra civil, só contornada pela adoção do par-
para manter a estabilidade política em seu governo, bem lamentarismo, que possibilitou a posse do seu vice João
como uma crise internacional, resultado da sua política Goulart, com poderes limitados em virtude das resistências
econômica, pode-se classificar o governo de Juscelino Ku- dos setores conservadores.
bitschek como uma fase em que predominou certa estabi- Jango, como era conhecido, enfrentou diversas dificulda-
lidade. Afinal, em todo o período da República populista des, em especial quando tentou aprovar um conjunto de
(1945 a 1964), somente dois presidentes chegaram a con- medidas que foram rejeitadas pelo Congresso, conhecidas
cluir seus mandados: Dutra e o próprio Juscelino. As crises como “reformas de base”. Seguiram-se manifestações so-
político-institucionais que se iniciaram efetivamente com o ciais contrárias e favoráveis ao presidente. Por essa razão
suicídio de Vargas, em 1954, tornaram-se cada vez mais talvez seja esse período o momento ideal para analisar a
intensas e menos espaçadas, culminando com o Golpe ci- atuação dos movimentos sociais que contribuíram para
vil-militar em 1964, processo esse classificado como a fase mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder,
do colapso do populismo. bem como para reconhecer a dinâmica da organização dos
Nesse contexto, destaca-se a figura de Jânio Quadros, po- movimentos sociais e a importância da participação da co-
lítico que se tornara um fenômeno das urnas, inaugurando letividade na transformação da realidade histórico-geográ-
uma forma irreverente de fazer campanha, que viria a ser fica. Por fim, vale lembrar que avaliar criticamente conflitos
imitado por muito tempo. Sua renúncia (25 de agosto de culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais, ao

98
longo da história, é outro objetivo que temos nesse capí- Paulo, em 1947, beneficiado pela cassação de vereadores
tulo, o que permitirá compreender melhor os fatores que eleitos pelo Partido Comunista extinto pelo então presidente
resultaram em 21 anos de regime ditatorial. Eurico Gaspar Dutra. Em 1950 foi eleito deputado estadual;
em 1953, prefeito de São Paulo e em 1954 licenciou-se para
disputar e vencer o pleito pelo governo do estado de São
Paulo, que governou até 1959.
Carismático, excêntrico, conservador, grande orador e aci-
ma de tudo populista, Jânio baseava suas campanhas na
sua imagem e na sua personalidade, não se ligando a par-
tidos ou a correntes políticas.
Isso fica claro nas constantes trocas de partido que fazia
a cada eleição e na vitória na campanha presidencial pela
coligação de pequenos partidos, apesar do apoio da UDN,
União Democrática Nacional, encabeçada pelo PTN, Partido
multimídia: vídeo Trabalhista Nacional, partido de pouca expressão política.
Fonte: Youtube
Política desde 1945 até o golpe militar de
1964 filme imperdível

2. Governo Jânio
Quadros (1961)

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Conhecendo os Presidentes - Ep. 21: Jânio
Quadros

2.1. Política externa independente


Desde o início de seu curto governo, Jânio Quadros definiu
que a política externa brasileira seria independente, não
alinhada automaticamente pelos interesses estrangeiros,
especialmente os norte-americanos.
Dessa maneira, com o intuito de conquistar novos mer-
cados consumidores, o governo restaurou relações diplo-
máticas com a URSS e a China comunista, que haviam
sido rompidas na presidência de Eurico Gaspar Dutra. Na
ONU, o Brasil defendeu o ingresso da China no órgão e
deu apoio às independências de Angola, Moçambique e
Guiné-Bissau, colônias portuguesas, alegando que o Brasil
Jânio Quadros apoiava a tese de autodeterminação dos povos.
O sul-mato-grossense de Campo Grande, Jânio da Silva Qua- Além disso, Jânio recusou-se a apoiar a invasão estadu-
dros, foi professor de Língua Portuguesa e advogado antes nidense à Baía dos Porcos, em represália à Revolução
de entrar para a política. Sua ascensão política foi meteórica Cubana, e condecorou o ex-guerrilheiro e um dos líde-
e teve início quando assumiu o cargo de vereador de São res da Revolução ao lado de Fidel Castro, Ernesto “Che”

99
Guevara. Também condecorou Yuri Gagarin, cosmonauta A dívida externa havia crescido assustadoramente, prin-
russo que foi o primeiro homem a sair da órbita da Terra. cipalmente em virtude dos empréstimos contraídos por
Juscelino Kubitschek, cujos juros deveriam começar a ser
Essas medidas não satisfizeram os setores conservadores
pagos ao longo do ano de 1961.
ligados ao capital estrangeiro, perdendo sua base parla-
mentar com o afastamento da UDN do governo. Para enfrentar a crise econômica, a moeda foi desvaloriza-
da (instrução 204 da Sumoc), foram cortados gastos pú-
blicos e reduzidos os subsídios para a importação de trigo
e petróleo, medidas que geraram oposição ao presidente
da República, pois provocaram recessão e inflação.1 Além
disso, a política externa independente afastou a UDN de
Jânio, que perdeu sua base parlamentar no Congresso, o
que dificultava muito as ações do governo.
Tentando desviar a atenção da imprensa e da população dos
reais problemas brasileiros e das medidas impopulares do
governo, Jânio Quadros adotou medidas polêmicas que o
mantinham constantemente na mídia, como proibições do
uso de biquínis em desfiles, brigas de galo, corridas de cavalo
em dias úteis e de lança-perfumes em bailes de carnaval.
Jânio tinha o hábito de dar ordens por meio de bilhetes,
geralmente dirigidos a assessores e funcionários públicos.
As repartições públicas foram obrigadas a funcionar em
dois turnos e instaladas diversas sindicâncias nas mesmas
por ordem do presidente, que proclamava ser defensor da
Jânio Quadros condecora Che Guevara com a moral e dos bons costumes.
Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul.

multimídia: livros
multimídia: música
Jânio Quadros: a vassoura em ação! – Nelson
Cavalcante Varre, varre, vassourinha – jingle Jânio Qua-
Jânio Quadros foi, sem dúvida, uma das fi- dros (1960)
guras mais importantes da vida política do
Brasil no século XX, pelos muitos contrastes
de sua extraordinária carreira e seu estilo pe-
culiar e exótico de tratar as coisas do Estado. 2.3. A renúncia
Novamente, o ambiente político nacional foi agitado por
Carlos Lacerda da UDN. Revoltado com as condecorações
2.2. Política interna de Che Guevara, o então governador do estado da Guana-
bara denunciou em 24 de agosto de 1961, aniversário de
Jânio Quadros foi o primeiro presidente a tomar posse em
morte de Getúlio Vargas, que Jânio Quadros preparava um
Brasília, assumindo o cargo num momento em que o país
golpe de Estado.
atravessava séria crise econômica. A inflação crescia, havia
grande déficit nas contas públicas e na balança comercial.

100
para governar. Ele acreditava, e com razão, que milita-
res e políticos conservadores não aceitariam a posse do
vice-presidente João Goulart e insistiriam para que desis-
tisse da renúncia, desistência essa que poderia ocorrer se
fossem aceitas algumas exigências suas; ele acreditava
também que haveria manifestações populares em prol de
sua continuidade.
Mas as coisas não aconteceram dessa forma. A situação
era tensa e o vice-presidente estava fora do país em visi-
ta oficial à China. O Congresso e os militares aceitaram
prontamente a renúncia do presidente e a presidência da
República foi ocupada por Ranieri Mazzilli, presidente do
Congresso Nacional. O Brasil viveria uma crise política
sem precedentes.

Capa da edição extra da Revista Fatos & Fotos


destacando a renúncia de Jânio à presidência.

Contrariado, o presidente reuniu seus ministros milita-


res e exigiu que fosse mantida a ordem no país. No dia
seguinte, 25 de agosto, Jânio Quadros participou pela
manhã, em Brasília, de uma solenidade em homenagem
ao dia do soldado. No início da tarde, enviou um bilhe-
te ao Congresso Nacional comunicando sua renúncia à
presidência da República.

multimídia: livros
Desafio inacabado: a política externa de Jâ-
nio Quadros – Carlos Alberto Leite Barbosa
Este livro pretende colaborar para a inter-
pretação sob a óptica das relações interna-
cionais de episódios que marcaram os sete
meses do governo Jânio Quadros, interrom-
pido pela sua renúncia no dia 25 de agosto
de 1961.
multimídia: música
Tudo indica que a renúncia era uma jogada de Jânio para O homem da vassoura – João Dias
obter mais poderes, já que não tinha base parlamentar

101
Texto da carta renúncia de Jânio
“Fui vencido pela reação e assim deixo o governo.
Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cum-
prido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem
prevenções nem rancores. Mas baldaram-se os meus
esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho
de sua verdadeira libertação política e econômica, a
única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça
social a que tem direito o seu generoso povo.
Desejei um Brasil aos brasileiros, afrontando, nesse
multimídia: vídeo
sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subor- Fonte: Youtube
dinam os interesses gerais aos apetites e às ambições Conhecendo os Presidentes - Ep. 22: João
de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sin- Goulart
to-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se
contra mim e me intrigam ou inflamam, até com a
desculpa de colaboração. Se permanecesse, não man- Logo que soube da renúncia, Jango voltou ao Brasil, mas
teria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, foi impedido de entrar no país pelos ministros militares
indispensáveis ao exercício da minha autoridade. brigadeiro Gabriel Grün Moss (Aeronáutica), almirante Síl-
Creio mesmo que não manteria a própria paz públi- vio Heck (Marinha) e general Odílio Denys (Exército). Eles
ca. Encerro assim, com o pensamento voltado para contavam com o apoio da UDN e de Carlos Lacerda, que
a nossa gente, para os estudantes, para os operários, defendiam o impedimento de Jango, uma reforma consti-
para a grande família do Brasil, esta página da minha tucional e a realização de novas eleições presidenciais.
vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem João Goulart seguiu para o Uruguai e entrou no Brasil pelo
da renúncia. Saio com um agradecimento e um ape- Rio Grande do Sul, de onde o governador Leonel Brizola
lo. O agradecimento é aos companheiros que comigo organizava um movimento em prol do respeito à Consti-
lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo tuição e da posse de Jango. O movimento foi batizado de
e, de forma especial, às Forças Armadas cuja condu- “Campanha da Legalidade”. Pelo rádio convocava o povo
ta, exemplo, em todos os instantes, proclamo nesta a defender a legalidade, contando com o apoio de outros
oportunidade. O apelo é no sentido da origem, do governadores – Juracy Magalhães (Bahia); Mauro Borges
congraçamento, do respeito e da estima de cada um (Goiás); Carvalho Pinto (São Paulo) e Ney Braga (Paraná).
dos meus patrícios, para todos e de todos para cada Além deles, a maioria do Congresso era a favor da posse
um. Somente assim seremos dignos deste país e do de Jango, bem como alguns militares, como o marechal
mundo. Somente assim seremos dignos de nossa he- Henrique Lott e o general Machado Lopes, comandante do
rança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora II Exército, sediado no Rio Grande do Sul.
ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalhare-
mos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria.”
Brasília, 25 de agosto de 1961 (Acesso
em: <historiativa.com>).

3. Governo João Goulart


(1961–1964)
3.1. A crise política antes da posse Brizola teve importante atuação na rede pela legalidade.
A renúncia de Jânio Quadros mergulhou o país em uma O governador gaúcho Leonel Brizola ameaçava distribuir
séria crise política, pois militares e setores conservadores armas à população e o país estava à beira de uma guerra
opunham-se à posse do vice-presidente João Goulart, con- civil, quando foi selado um acordo para resolver o impasse:
siderado herdeiro político de Getúlio Vargas e comunista. o Congresso Nacional aprovou uma emenda à Constituição

102
de 1946, que estava em vigor, instituindo o parlamentaris- Ciente das dificuldades do país e da oposição dos meios
mo no Brasil durante um período, quando, por meio de um elitistas, conservadores e militares, João Goulart iniciou a
plebiscito a ser realizado em 1965, coincidiria com o término primeira fase de seu governo procurando alternativas para
do mandato de Jango. A população decidiria se mantinha o restaurar o presidencialismo, o que lhe garantiria poderes
sistema ou se o Brasil deveria retornar ao presidencialismo. para tentar realizar as reformas necessárias ao Brasil. Para
A adoção do parlamentarismo foi a solução encontrada para tanto, deveria conquistar o apoio ou quebrar a resistência
a grave crise que o país atravessava, agradando aos dois la- dos militares e acalmar a oposição conservadora sem per-
dos, pois João Goulart poderia assumir a presidência, como der o apoio popular e de setores progressistas de esquerda.
queriam os legalistas, mas não teria plenos poderes, como Nessa fase, o país era governado de fato por um primei-
exigiam os conservadores e militares contrários à sua posse. ro-ministro, cargo ocupado respectivamente por Tancredo
Neves (PSD), Brochado da Rocha (PSD) e Hermes Lima
(PSB). Durante esses governos, não houve melhoria na
situação do país, o que fazia aumentar a crença de que
somente Jango poderia resolver os problemas nacionais.
Diante disso cresceram as pressões para a antecipação do
plebiscito sobre a manutenção do parlamentarismo ou a
volta do presidencialismo. O país sofreu com greves e ma-
nifestações em todo o território nacional, especialmente
nas capitais. A gravidade da situação e a pressão popular
multimídia: livros forçaram o Congresso Nacional a aprovar a antecipação do
plebiscito de 1965 para 6 de janeiro de 1963.
Brizola – Trajano Ribeiro e Clóvis Brigagão
Revivendo grandes momentos da história de
Brizola, conseguimos entender o quanto foi
fundamental a sua dedicação ao Brasil.

3.2. Fase parlamentarista (1961–1963)


Depois da crise institucional e política que se seguiu à re-
núncia de Jânio Quadros, João Goulart pôde assumir a pre-
sidência no dia 7 de setembro de 1961, graças ao acordo
político que levou o Congresso a aprovar a emenda consti-
tucional que implantaria o parlamentarismo no Brasil.
Jango assumiu a presidência num momento em que o país
atravessava uma série crise econômica, com altas taxas de
inflação, déficits públicos e uma enorme e crescente dívida
externa. Seu governo foi dividido em duas fases, parlamen-
tarista e presidencialista, e estendeu-se até 31 de março de
1964, quando foi deposto por um Golpe Militar.

Cartaz convoca os brasileiros a dizerem não ao parlamentarismo.

3.3. Fase presidencialista


(1963–1964)
O resultado do plebiscito provocou a restauração do presi-
dencialismo no Brasil. No dia 24 de janeiro de 1963 foi em-
Posse de João Goulart possado o novo ministério montado pelo presidente João

103
Goulart, com destaque para Almino Afonso (Trabalho), ligados ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros, ISEB; e
Celso Furtado (Planejamento e Coordenação Econômica) segmentos populares.
e San Tiago Dantas (Fazenda).
Diante da crise, o governo elaborou um plano para ser
aplicado entre os anos de 1963 e 1965, chamado Plano
Trienal, que contemplava prioridades como combate à
inflação, retomada do crescimento econômico e renego-
ciação da dívida externa, bem como Reformas de Base,
consideradas fundamentais para solucionar os problemas
sociais do país.
As Reformas de Base compreendiam reformas político-
-eleitorais – direito de voto aos analfabetos – e partidárias;
tributária – limitação da remessa de lucros ao exterior e multimídia: vídeo
regulamentação de impostos de acordo com a renda; uni-
versitária – de acordo com exigências estudantis; constitu- Fonte: Youtube
cional e agrária – baseadas na desapropriação de terras às Dossiê Jango
margens de rodovias e ferrovias federais. João Goulart foi eleito presidente do Brasil demo-
craticamente, mas acabou deposto. O filme traz a
questão de sua morte misteriosa à tona e tenta
esclarecer fatos obscuros da história do país.

A oposição a Jango e às Reformas de Base congregava po-


líticos conservadores, especialmente da UDN, empresários,
militares; imprensa – com destaque para Carlos Lacerda e o
jornal O Globo –, parte da Igreja Católica, Instituto de Pes-
quisas e Estudos Sociais, Ipes – composto por empresários –,
Campanha da Mulher pela Democracia, Cade – financiada
multimídia: vídeo pelos Ipes –, Movimento Anticomunista, MAC, Frente da Ju-
ventude Democrática – formada por estudantes de classe
Fonte: Youtube média e alta –, e setores de classe média assustados com a
Jango amplitude das Reformas de Base, que poderiam, segundo a
imprensa conservadora, atingir seus bens.
O filme refaz a trajetória política de João Goulart,
o 24º presidente brasileiro, que foi deposto por
um Golpe Militar nas primeiras horas de 1° de
abril de 1964.

É importante frisar que o combate à inflação seria marcado


por medidas recessivas e impopulares e que as Reformas de
Base não agradavam setores conservadores e das elites. O
resultado foi a intensificação dos debates e grandes mani-
festações a favor e contra as reformas propostas por Goulart.
multimídia: livros
O presidente recebia apoio de segmentos nacionalistas O golpe de 64 – Oscar Pillagalo
e progressistas, como sindicatos, trabalhadores em geral, Em 31 de março de 1964, as forças mili-
Comando Geral dos Trabalhadores, CGT; União Nacional tares brasileiras deflagraram um golpe de
dos Estudantes, UNE; Ligas Camponesas, Ação Popular – Estado contra o presidente João Goulart e
católicos de esquerda –, Pacto de Unidade e Ação Popular, instalaram no país uma ditadura que durou
Frente de Mobilização Popular, FMP, liderada por Leonel duas décadas.
Brizola, políticos do PTB e PSD; comunistas e intelectuais

104
3.4. Agravamento da crise Diante da crise, João Goulart tentou implantar o Estado
de sítio, mas o Congresso não aprovou tal medida. Jango
e deposição de Jango decidiu então aproximar-se das massas e implantar as Re-
formas de Base.
No dia 13 de março de 1964 aconteceu um comício no Rio
de Janeiro, em frente à estação Central do Brasil, organi-
zado por sindicatos e entidades estudantis, com o objetivo
de pressionar o Congresso Nacional a aprovar as Reformas
de Base. O comício reuniu entre 100 e 200 mil pessoas
e contou com a participação do presidente João Goulart,
que assinou dois importantes decretos: a desapropriação
e a nacionalização das refinarias de petróleo particulares
e estrangeiras; a criação da Superintendência da Reforma
Agrária, Supra, que desapropriaria latifúndios situados às
Presidente João Goulart com a esposa Maria Teresa no comício de
13 de março de 1964 em que anunciou as Reformas de Base. margens de ferrovias e rodovias federais.

multimídia: livros multimídia: livros


1964: o golpe que derrubou um presidente, O golpe de 1964: momentos decisivos – Car-
pôs fim ao regime democrático e instituiu a los Fico
ditadura – Jorge Ferreira e Angela de Castro O golpe de 1964 é o evento-chave da história
Gomes do tempo presente do Brasil. Por que setores
Um panorama de como se instaurou a ditadura significativos da sociedade brasileira aprova-
civil-militar no Brasil e seus desdobramentos. ram a deposição do presidente João Goulart?

A cada dia a situação política brasileira tornava-se mais As medidas provocaram reações nos meios oposicionistas,
tensa e o governo era acusado de estar a serviço do comu- assustados com a amplitude das reformas. As críticas avo-
nismo internacional. Governadores de estados importantes lumavam-se na imprensa e, em São Paulo, foi organizado
defendiam abertamente a deposição do presidente, entre um protesto por entidades femininas ligadas à Igreja Cató-
eles Adhemar de Barros, de São Paulo; Carlos Lacerda, da lica, que ocupou as ruas do centro da cidade, no dia 19 de
Guanabara; IIdo Meneghetti, do Rio Grande do Sul; e Ma- março: a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade.”
galhães Pinto, de Minas Gerais.
Jornais influentes como O Globo, O Estado de S. Paulo e
O Correio da Manhã atacavam diariamente o presidente
Goulart. O embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon,
circulava constantemente ao lado dos conspiradores, de-
monstrando de que lado estava o governo estadunidense.
Por outro lado, o deputado Leonel Brizola reunia importan-
tes lideranças civis e políticas, entre elas o governador de
Pernambuco Miguel Arraes, com o intuito de impedir um
golpe de Estado contra o presidente Goulart. Marcha da Família com Deus pela Liberdade

105
multimídia: livros multimídia: livros
Jango: a vida e a morte no exílio – Juremir Quem foi que inventou o Brasil?: a música
Machado da Silva popular conta a história da república (1902-
É um livro que busca reconstruir o passado para 1964) vol. 1 – Carlos Alberto Leite Barbosa e
desconstruir mitos. Se tivesse de ser resumido Franklin Martins
a uma questão, seria: quem foi João Goulart? Quem tem alguma informação sobre a his-
Um presidente fraco ou um herói reformista no tória da música popular no Brasil sabe, sem
tempo errado, derrubado do poder para que dúvida, que os fatos políticos sempre foram
não melhorasse o Brasil cedo demais? usados para tema de música cantada por
compositores e letristas, desde os primórdios
do chamado teatro de revista, no século XIX,
Outros movimentos semelhantes ocorreram em outras ci- até o advento das gravações em cilindros e
dades, sinalizando aos militares que havia certa base social discos (primeiro mecânicos e, depois, elétri-
para um golpe contra o presidente. cos) depois do início do século XX.
No Rio de Janeiro, ocorreu um motim de marinheiros lide-
rados pelo Cabo José Anselmo dos Santos, presidente da
Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, exigindo A alta cúpula militar das três armas (exército, marinha e
a demissão do ministro da Marinha, Silvio Mota. Fuzileiros aeronáutica) reuniu-se para analisar a situação e definir
navais designados para reprimir os amotinados aderiram ao seu posicionamento.
movimento e o Ministro da Marinha demitiu-se do cargo.
No dia 30 de março de 1964, Jango foi homenageado
no Automóvel Clube do Rio de Janeiro pela Associação
dos Sargentos e Suboficiais da Policia Militar e reafirmou
as medidas que vinham sendo postas em prática por seu
governo, dando ênfase a reforma eleitoral que interessava
diretamente aos militares de baixa patente.
No dia 31 de março de 1964, os generais Olímpio Mourão
Filho e Carlos Guedes iniciaram o movimento militar em Mi-
nas Gerais, sob a chefia do general Castello Branco, chefe do
Estado-Maior das Forças Armadas, com o apoio dos governa-
dores Adhemar de Barros, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto,
respectivamente de São Paulo, Guanabara e Minas Gerais.
multimídia: música
Discurso que declara João Goulart deposto
da presidência

Tentando contornar a situação, o presidente interveio


anunciando que os revoltosos não seriam punidos, o que
foi visto pelos oficiais como quebra de hierarquia, pois o
presidente posicionava-se ao lado de marinheiros que ha- No golpe militar de 31 de março de 1964, tanques do
viam desrespeitado o comando. Exército ocuparam as ruas do Rio de Janeiro.

106
multimídia: vídeo multimídia: sites
Fonte: Youtube
https://educacao.uol.com.br/disci-
Cabra marcado para morrer
plinas/historia-brasil/governo-ja-
Um camponês é assassinado e sua história vira nio-quadros-1961-mandato-polemi-
tema de um filme. Porém, com o golpe de 1964, co-de-sete-meses.htm
a filmagem é suspensa. Dezessete anos depois, o www.cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jan-
diretor retorna ao local e desperta questões que go/biografias/janio_quadros
até então estavam adormecidas. www.gazetadopovo.com.br/blogs/caixa-zero/
ha-50-anos-janio-condecorava-che-guevara/
www.seuhistory.com/hoje-na-historia/ja-
No dia seguinte, o movimento espalhou-se pelo Brasil. Várias nio-quadros-renuncia-presidencia-por-cau-
guarnições militares aderiram ao golpe. Prédios públicos fo- sa-de-forcas-terriveis
ram cercados e tropas ocuparam as ruas do Rio de Janeiro, www.cpdoc.fgv.br/producao/dossies/
de Brasília, São Paulo e Belo Horizonte. Em Pernambuco, o Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/
governador Miguel Arraes foi preso e levado para Fernando Os_militares_e_o_governo_JG
de Noronha; em seguida foi aprovado seu impeachment pe- www.infoescola.com/historia-do-brasil/
los deputados estaduais. Jango estava no Rio de Janeiro e foi plano-trienal/
buscar asilo político em Brasília e Porto Alegre, de onde foi www.cpdoc.fgv.br/producao/dossies/
pressionado por Leonel Brizola a resistir. Preferindo evitar uma Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/
guerra civil, Jango retirou-se para o Uruguai no dia 4 de abril. As_reformas_de_base
Já no dia 1º de abril de 1964, o cargo de Presidente da www.brothersam.wordpress.com/historico-2/
República foi declarado vago e ocupado por Ranieri Ma-
zzilli, presidente da Câmara dos Deputados. No dia 2 de
Abril, ocorreu a “Marcha pela Vitória” no centro do Rio de
Janeiro, comemorando a tomada de poder pelos militares
e a deposição de Jango.

Manchetes sobre o golpe civil-militar de 1964, considerado


por alguns como uma revolução que salvaria o Brasil
do caos produzido pelo Governo João Goulart.

107
multimídia: livros
multimídia: vídeo O grande irmão: da operação Brother Sam
Fonte: Youtube
aos anos de chumbo; o governo dos Estados
Unidos – Carlos Fico
O dia que durou 21 anos Esta obra traz à tona a real participação dos
Documentos secretos e gravações originais da Estados Unidos durante a ditadura militar no
época mostram a influência do governo dos Es- Brasil. Carlos Fico aponta o general brasileiro
tados Unidos no golpe de Estado no Brasil, em que era o contato entre o então futuro pre-
1964. O filme destaca a participação da CIA e sidente Castello Branco e o governo de Wa-
da própria Casa Branca na ação militar que deu shington para a entrega de armas, munições
início à ditadura. e combustível durante o golpe de 64.

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Sociologia e geopolítica
Em 1964, o Brasil atravessava um turbilhão político, pois estava vivendo uma
ruptura na sociedade brasileira. De um lado, os ditos comunistas, que dese-
javam reformas sociais e apoiavam as ideias e propostas do presidente João
Goulart (como pode ser comprovado pelo histórico comício da Central do
Brasil); do outro, a oposição conservadora que acreditava que Jango repre-
sentava uma ameaça comunista e que deveria ser deposto da presidência
o quanto antes, mesmo que com o uso da força (o que pode ser observado
na Marcha da Família com Deus pela Liberdade).
Ademais, esta disputa se relacionava ao contexto político mundial da épo-
ca: a Guerra Fria, a qual vivia momentos de extrema tensão e risco de um
conflito real entre EUA e URSS.
O desfecho desse momento brasileiro foi o golpe militar desferido em 31
de março de 1964, o qual contou com o apoio do governo estadunidense
(operação Brother Sam) e derrubou o presidente João Goulart, implantando
um governo militar que perdurou por 21 anos.
Primeira página do jornal O Globo, do dia 2 de abril de 1964

108
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa
13 pelo poder.

Movimentos sociais fazem parte de qualquer sociedade moderna. Eles podem representar diferentes visões e defendem
bandeiras das mais distintas. Alguns, também, podem institucionalizar-se até se tornarem partidos políticos. A história
brasileira, principalmente no século XX, esteve repleta de movimentos como estes, fazendo com que o estudante de
história seja capaz de discerni-los quanto a seus embasamentos teóricos e suas principais reivindicações.
A questão abaixo trata de alguns desses movimentos, bem como partidos políticos, como a UDN – principal partido con-
servador da década de 1960 – e a UNE (União Nacional dos Estudantes), que, à época, tinha um caráter de esquerda e
membros simpatizantes do comunismo. O aluno deve ser capaz de identificar a dinâmica desses movimentos e analisar
a sua importância no cenário político da chamada democracia populista (1946-1964).

Modelo
(Enem) Em meio às turbulências vividas na primeira metade dos anos 1960, tinha-se a impressão de que as tendên-
cias de esquerda estavam se fortalecendo na área cultural. O Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos
Estudantes (UNE) encenava peças de teatro que faziam agitação e propaganda em favor da luta pelas reformas de
base e satirizavam o “imperialismo” e seus “aliados internos”.
KONDER, L. História das ideias socialistas no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2003.
No início da década de 1960, enquanto vários setores da esquerda brasileira consideravam que o CPC da UNE era
uma importante forma de conscientização das classes trabalhadoras, os setores conservadores e de direita (políticos
vinculados à União Democrática Nacional – UDN –, Igreja católica, grandes empresários etc.) entendiam que esta
organização:
a) constituía mais uma ameaça para a democracia brasileira, ao difundir a ideologia comunista;
b) contribuía com a valorização da genuína cultura nacional, ao encenar peças de cunho popular;
c) realizava uma tarefa que deveria ser exclusiva do Estado, ao pretender educar o povo por meio da cultura;
d) prestava um serviço importante à sociedade brasileira, ao incentivar a participação política dos mais pobres;
e) diminuía a força dos operários urbanos, ao substituir os sindicatos como instituição de pressão política sobre o governo.

Análise expositiva - Habilidade 13: Para os setores mais conservadores da sociedade, os grupos de esquerda e
A suas entidades, assim como a ideia de “conscientizar os trabalhadores” representavam uma ameaça ao país e suas
instituições. A situação descrita no início dos anos 1960 demonstra a polarização política existente e uma situação
de crise, principalmente durante o governo de João Goulart, derrubado pelas forças conservadoras em 1964.
Alternativa A

109
DIAGRAMA DE IDEIAS

GOVERNOS JÂNIO QUADROS


E JOÃO GOULART

GOVERNO JÂNIO QUADROS


A
(1961)
CARACTERÍSTICAS POLÍTICA EXTERNA
• POPULISTA • INDEPENDENTE
• DISTANCIAMENTO DOS PARTIDOS • RETOMA RELAÇÕES COM URSS E CHINA
• CONSERVADOR • APOIA INDEPENDÊNCIA AFRICANA
• MORALISTA • CONDECORA CHE GUEVARA
• CRISE ECONÔMICA • PERDE APOIO DA UDN
POLÍTICA INTERNA RENÚNCIA
• ALTA DÍVIDA EXTERNA • PERDE APOIO PARLAMENTAR E POPULAR
• ALTA INFLAÇÃO • RENUNCIA ESPERANDO APOIO
• DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA • VICE-PRESIDENTE GOULART ESTAVA NA CHINA
• MEDIDAS IMPOPULARES • ASSUME PRESIDENTE DO CONGRESSO

GOVERNO JOÃO GOULART


B
(1961-1964)
CARACTERÍSTICAS POSSE
• INSTABILIDADE POLÍTICA • MILITARES E UDN IMPEDEM SUA POSSE
• INSTABILIDADE ECONÔMICA • “CAMPANHA PELA LEGALIDADE”
• OPOSIÇÃO DO EXÉRCITO E CONSERVADORES • MILITARES LEGALISTAS
• APOIO ENTRE OS TRABALHADORES • LEONEL BRIZOLA (GOVERNADOR/RS)
• DEPOSTO POR GOLPE MILITAR • PARLAMENTARISMO

FASE PARLAMENTARISTA (1961-1963) FASE PRESIDENCIALISTA (1963-1964)


• CRISE ECONÔMICA SE MANTÉM • PLANO TRIENAL
• AUMENTO DA DÍVIDA EXTERNA • REFORMA DE BASE
• CAMPANHA POR PLEBISCITO ANTECIPADO • FORTE OPOSIÇÃO DE MILITARES E CONSERVADORES
• APOIO POPULAR A JANGO • RELAÇÃO ENTRE EMBAIXADOR DOS EUA E MILITARES
• PLEBISCITO APROVA RETORNO AO PRESIDENCIALISMO • GOLPE MILITAR EM 1° DE ABRIL DE 1964

REFORMAS DE BASE CRISE E DEPOSIÇÃO


• REFORMA PARTIDÁRIA • GOVERNO ACUSADO DE COMUNISTA (GUERRA FRIA)
• REFORMA TRIBUTÁRIA • TENSÃO SOBRE REFORMAS DE BASE
• REFORMA UNIVERSITÁRIA • GOVERNO ANISTIA MILITARES GREVISTAS
• REFORMA BANCÁRIA • QUEBRA DA HIERARQUIA MILITAR
• REFORMA AGRÁRIA • “MARCHA COM DEUS PELA FAMÍLIA E LIBERDADE”
• APOIO: SINDICATOS, CAMPONESES, ESTUDANTES, • ARTICULAÇÃO ENTRE MILITARES GOLPISTAS E EUA
MOVIMENTOS SOCIAIS, INTELECTUAIS • DEPOSIÇÃO DE JANGO
• OPOSIÇÃO: CONSERVADORES, SETORES DA IMPRENSA • EXÍLIO DE JANGO
E MILITARES, CLASSES MÉDIA E ALTA

110
Ditadura militar: governos
AULAS
Castello Branco e Costa e Silva
43 e 44 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11,
Competências: 1, 2, 3, 4 e 5 Habilidades: 12, 13, 14, 15, 16, 21, 22,
23, 24 e 25

Repressão política durante a ditadura

1. Introdução A análise política do período inicial do Regime Militar


(1964) até atingir seu auge (1973) nos permite concluir
O regime militar tem suscitado um acalorado debate por que houve uma progressiva hipertrofia do Poder executivo,
parte de historiadores, sociólogos, cientistas políticos e estu- ainda que houvesse a princípio um esforço de manter a
diosos em geral. As polêmicas surgem em meio aos questio- aparência de um regime que respeitava as regras do jogo
namentos a respeito das práticas que marcaram esse perío- democrático, mas gradativamente ficava claro seu caráter
do nos seus aspectos políticos, econômicos e sociais. ditatorial e fascista.
O contexto internacional bipolar da Guerra Fria, especial-
mente as diretrizes anticomunistas e desenvolvimentistas
estabelecidas pelos EUA, à qual o Brasil alinhava-se, in-
fluenciaram as ações promovidas pelos governantes brasi-
leiros naquele período, particularmente as Forças Armadas
e suas convicções políticas.
As questões da tortura e dos direitos humanos são impor-
tantes e merecem atenção especial, na medida em que, nos
últimos anos, emergiram várias discussões como a revisão
da Lei da Anistia e a instituição da Comissão da Verdade.
Afinal, como atuavam os órgãos de repressão oficial do go-
verno? De que maneira os opositores atuavam? Governo e
multimídia: vídeo
oposição respeitavam os direitos humanos? Portanto, a re- Fonte: Youtube
alização de alguns questionamentos nos permitirá avaliar Disparada, final do Festival da Tv Record de
criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômi- 1966 completo
cos ao longo da história.

111
Para essa aparência contribuíram decisivamente os atos futuro, o futuro agora chegou”, foram expressões ideológi-
institucionais, que permitiam aos dirigentes políticos ex- cas, carregadas de ufanismo, cujo objetivo era ter o apoio
purgar do Congresso parlamentares que contrariassem as da opinião pública e dessa forma legitimar as ações do
pretensões do governo, além de estabelecer um bipartida- governo nos mais variados campos.
rismo (Aliança Renovadora Nacional - ARENA e Movimen-
to Democrático Brasileiro - MDB) de aparência, com o ob-
jetivo de sustentar a impressão de que o governo tolerava
democraticamente a existência da oposição. A opção pela
camuflagem do autoritarismo perdurou até 1968, quan-
do, diante do avanço de movimentos sociais de contesta-
ção da ordem econômica e política, como, por exemplo, a
atuação de estudantes e operários, o comando da auto-
denominada “revolução” optou pela radicalização com a
promulgação do AI-5 (Ato Institucional no 5), que rompia
qualquer condição dos direitos constitucionais, ampliava os
poderes do presidente e concedia-lhe prerrogativas espe- multimídia: música
ciais, aumentando as condições para a repressão violenta
aos opositores do regime. Roda viva – Chico Buarque & MPB4

1.1. Contextualizando

multimídia: livros
1964: história do regime militar brasileiro –
Marcos Napolitano
O Brasil mergulhou em uma ditadura que iria
perdurar por mais de duas décadas. É chegado
o momento de fazer um balanço histórico do
Regime Militar. Marcos Napolitano, conhecido
historiador da USP, discute neste livro sólido
e bem escrito as principais questões desses
“anos de chumbo”.

Economicamente experimentava-se, de um lado, a euforia do


crescimento, das grandes obras, resultados do chamado “mi-
lagre econômico brasileiro”, e, de outro, a decepção de muitos
diante do acelerado processo de concentração de renda. Regis- “Salvos da comunização que celeremente se preparava, os
brasileiros devem agradecer aos militares que os salvaram
tra-se, ainda, o crescimento da dívida externa e a presença cada de seus inimigos”, publicou o jornal O Globo em editorial no
vez mais acentuada do capital estrangeiro, que resultou numa dia 2 de abril de 1964, dois dias após o golpe militar.
dependência que colocava em risco a economia nacional.
Após a deposição do presidente João Goulart, a presidên-
A questão cultural naquele período não pode ser esqueci- cia da República foi assumida por Ranieri Mazzili, presiden-
da ou relegada a segundo plano. Expressões como “Brasil, te da Câmara dos Deputados. Imediatamente foi formado
ame-o ou deixe-o”, “ninguém segura este país”, “este é o Comando Supremo da “revolução”, como se denomi-
um país que vai para frente” ou ainda “o Brasil é o país do nava o golpe de Estado, formado pelos ministros militares

112
almirante Augusto Rademaker, da Marinha; general Arthur
da Costa e Silva, da Guerra; e brigadeiro Corrêa de Melo,
da Aeronáutica.
O comando foi responsável pela publicação do Ato Insti-
tucional no 1 (Al-1, de 9 de abril de 1964), que suspen-
deu as garantias constitucionais por sessenta dias, durante
os quais poderiam ser cassados mandatos e suspensos os
direitos políticos de qualquer cidadão. Além disso, o pre-
sidente, que seria eleito indiretamente, poderia propor
multimídia: livros
emendas à Constituição e decretar estado de sítio.1
As determinações do Al-1 permitiriam a cassação dos A era dos festivais – Zuza Homem de Mello
mandatos e a suspensão dos direitos políticos de João Realizado em 1960, o 1º Festival da Record
Goulart; dos deputados Leonel Brizola, Almino Afonso e assinalou o início de um dos períodos mais
outros políticos ligados ao PTB e a Jango; de Darci Ribeiro; criativos da música popular brasileira, e que
do economista e ex-ministro Celso Furtado; do governador seria conhecido na crônica musical como “a
de Pernambuco Miguel Arraes e outros. Os ex-presidentes era dos festivais“.
Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek também tiveram
seus direitos políticos suspensos, assim como Luís Carlos
Prestes. Várias entidades classistas que apoiavam as re- A ascensão ao poder dos militares levou à instalação de
formas de base foram fechadas, dentre as quais a União um regime político autoritário, marcado por forte censura
Nacional dos Estudantes, UNE, o Pacto de Unidade e Ação, aos meios de comunicação e às atividades artísticas e civis,
PUA, o Comando Geral dos Trabalhadores, CGT, e as Ligas e a uma abertura da economia ao capital estrangeiro espe-
Camponesas. Sindicatos e federações operárias sofreram cialmente de origem estadunidense. A política econômica
intervenção do governo e suas lideranças foram presas e adotada não beneficiou as classes trabalhadoras, oprimi-
posteriormente exiladas. das por forte arrocho salarial, e gerou grande dependência
em relação ao capital estrangeiro. De uma maneira geral,
o Regime Militar brasileiro foi caracterizado pelo binômio
segurança e desenvolvimento, que orientaram as políticas
dos cinco presidentes do período.

multimídia: livros
A ditadura envergonhada – Elio Gaspari
É o primeiro volume da série “As ilusões arma-
das“ sobre a Ditadura Militar no Brasil, escrito multimídia: livros
pelo jornalista Elio Gaspari.
Prepare seu coração: a história dos grandes
festivais – Solano Ribeiro
Solano Ribeiro, o criador de festivais da canção
O AI-1 atingiu, ainda, segundo Meira, “cerca de 122 oficiais
dos anos 1960, revela neste livro os bastidores
que passaram para a reserva e mais de 1.000 pessoas que
da música popular brasileira em um de seus
foram afastadas de seus cargos; 50 parlamentares tiveram
seu mandato cassado; e 49 juízes foram atingidos pela mais ricos e gloriosos períodos.
medida de exceção” (MEIRA, Antônio Carlos. Brasil: recu-
perando a nossa História. São Paulo: FTD, 1998, p.241).
1
Estado de sítio é um estado de exceção, instaurado como medida pro- Há entre os estudiosos desse período uma acirrada dis-
visória de proteção do Estado, quando e se ameaçado de uma guerra ou de cussão a respeito das posturas desses militares. Haveria
calamidade pública. Implica a suspensão do exercício dos direitos, liberdades
e garantias. duas tendências acerca de como o poder político deveria

113
ser exercido em nível nacional: Os “castelistas” ou grupo ção da Lei de Greve, que tornava ilegais as greves, e da Lei
da Sorborne estavam ligados à Escola Superior de Guer- Suplicy, proposta pelo Ministro da Educação Flávio Suplicy
ra, ESG, e eram considerados intelectuais e tecnocratas. de Lacerda, que extinguia a UNE e todas as entidades estu-
Moderados, defendiam a devolução do poder aos civis dantis, bem como determinava o fechamento dos centros
depois de resolvidos os problemas internos, quando o acadêmicos das universidades.
país estivesse livre do comunismo, da subversão e da cor-
As medidas provocaram reações e protestos dos estudantes
rupção. A ala mais radical era chamada de “linha dura” e
violentamente reprimidos com prisões, espancamentos e tor-
defendia a tese de que o poder deveria permanecer nas
turas, usadas amplamente desde o início do Regime Militar.
mãos dos militares, únicos capazes de manter a ordem e
Professores e funcionários universitários foram demitidos e o
a tranquilidade interna.
campus da Universidade de Brasília, UnB, e das faculdades
No dia 15 de março de 1964, a junta militar indicou o ma- de Filosofia e de Direito da Universidade Federal do Rio de
rechal Humberto de Alencar Castelo Branco para ocupar Janeiro, UFRJ, foram invadidos e ocupados pela polícia.
o cargo de presidente da República, devendo concluir o
O governo assinou ainda um acordo com os EUA, que
mandato do presidente deposto, João Goulart, que se es-
previa uma reforma universitária, conhecido como acordo
tenderia até janeiro de 1966.
Mec-Usaid, sigla do ministério da Educação estaduni-
dense. O acordo chegava a prever a privatização das uni-
2. Governo Castello versidades públicas brasileiras, seguindo o modelo edu-
cacional dos EUA, e gerou grandes protestos estudantis
Branco (1964–1967) em várias cidades, violentamente reprimidos pelas forças
repressivas do Estado.
Pouco depois de assumir a presidência, Castello Branco teve
seu mandato prorrogado por uma emenda à Constituição de Também foi criado o Serviço Nacional de Informação,
1946, que ainda estava em vigor, até julho de 1966. SNI, principal órgão de informação do governo, que teve
importante atuação na repressão aos opositores do regi-
me. Idealizado pelo general Golbery do Couto e Silva, o
SNI coletava, processava e fornecia informações úteis ao
combate à subversão interna, transformando-se em um
dos principais órgãos do Regime Militar no Brasil.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Conhecendo os Presidentes - Ep. 23: Cas-
tello Branco

Castelo Branco

Controlando o Congresso Nacional, composto basicamen- 2.1. Economia


te por parlamentares que apoiavam o Regime Militar, já A primeira grande preocupação do novo governo foi ado-
que seus principais opositores tiveram os mandatos cas- tar uma rígida intervenção na economia, com o objetivo
sados e os direitos políticos suspensos em virtude do AI-1, de controlar a inflação. Foi criado o Plano de Ação Eco-
Castello Branco conseguiu a aprovação de importantes nômica do Governo, Paeg, que estabeleceu o corte
medidas para o regime. Entre elas destaquem-se a aprova- nos gastos públicos (menos verbas para saúde, educação,

114
salários de funcionários) e o aumento de impostos. Daí anos. O Al-2 determinava ainda a extinção de todos
em diante, cresceram as dificuldades para a obtenção de os partidos políticos no Brasil.
créditos e os juros aumentaram, o que foi limitando o cres-
No entanto, um decreto complementar estabeleceu o
cimento econômico do país em virtude de recessão provo-
bipartidarismo e os políticos foram obrigados a se
cada pelo plano.
vincular a duas novas legendas criadas: a Aliança Re-
No mesmo período foi criado o Banco Central (Lei 4.595, novadora Nacional, Arena, e o Movimento Demo-
de 31 de dezembro de 1964), tendo como principal fun- crático Brasileiro, MDB. A Arena seria o partido do go-
ção controlar a emissão monetária e o sistema bancário e verno, da situação, composto por políticos conservadores,
foi introduzida uma nova moeda, o Cruzeiro Novo (NCr$). geralmente ligados à UDN, e o MDB seria o partido oficial
As negociações com o FMI seriam realizadas pelo Conselho de oposição, composto por políticos do PTB e PSD, que
Monetário Nacional, CMN, e foi criada a correção monetária haviam sobrevivido às cassações realizadas pelo governo.
para estimular os depósitos nas cadernetas de poupança.
Castello Branco limitou os reajustes salariais e facilitou as
demissões e a rotatividade de mão de obra, ao substituir as
garantias de estabilidade no emprego pelo FGTS, Fundo
de garantia por tempo de serviço. Foi criado o Ban-
co Nacional da Habitação, BNH, que deveria utilizar o
dinheiro dos depósitos do FGTS para financiar a construção
de casas populares.

2.2. Política
A decisão de ampliar o mandato do presidente Castello
Branco demonstrava a intenção dos militares de permanecer
mais tempo no poder que o inicialmente previsto, ou seja, Publicada no dia de finados de 1965, a charge comenta a medida
mais espetacular imposta pelo AI -2, de 27 de outubro: a dissolução
até o final do mandato do presidente deposto João Goulart. dos 13 partidos políticos criados a partir de 1946. Na sequência
As medidas de exceção se tornariam cada vez mais frequen- dos fatos, implanta-se um sistema bipartidário, com a criação da

tes. Um dos motivos para que isso ocorresse foi a derrota Arena, para apoiar a ditadura, e do MDB, congregando a oposição
(FORTUNA. Correio da Manhã, ano 65, n. 22264-BN).
eleitoral dos candidatos dos militares, indicados pela UDN
ou aliados, nas eleições realizadas em outubro de 1965 para
a escolha dos governadores de onze estados. Em cinco es-
tados, incluindo os importantes da Guanabara e de Minas
Gerais, os candidatos indicados pelo PSD e PTB, respectiva-
mente, Negrão de Lima e Israel Pinheiro, obtiveram vitórias
eleitorais. Além desses, Pedro Pedrossian, no Mato Grosso;
Ivo Silveira, em Santa Catarina; e Walfredo Gurgel; no Rio
Grande do Norte, também foram eleitos.
A importante vitória eleitoral de políticos do PSD e PTB
contrariou a cúpula militar e demonstrou que o populis-
mo ainda tinha força no país. A reação estimulada espe-
cialmente pela “linha dura” foi a promulgação do Ato
multimídia: música
Institucional no 2, de 27 de outubro de 1965, afirman-
do em seu preâmbulo que “não se disse que a Revolução É proibido proibir – Caetano Veloso
foi, mas que é e continuará”.
O AI-2 determinava que o presidente pudesse intervir
nos estados e municípios “para prevenir ou reprimir a
2.3. Eleições presidenciais e
subversão”; permitia ainda a decretação de recesso no novos atos institucionais
Legislativo, podendo o presidente legislar através de de- Em outubro de 1966, o candidato imposto pela “linha
cretos-lei; foram estabelecidas eleições indiretas para dura”, Arthur da Costa e Silva, foi eleito presidente, tendo
presidente da República e vice; e o presidente pode- como vice o civil Pedro Aleixo, ex-ministro da Educação do
ria determinar a suspensão de direitos políticos por dez governo Castello Branco.

115
Antes de concluir seu mandato, Castello Branco publicou Nacional, que proibia manifestações ofensivas ao gover-
os Atos Institucionais nº 3, (de 5 fevereiro de 1966) e nº no na mídia e oficializava censura prévia à imprensa, além
4, (de 7 de dezembro de 1966). O primeiro determinou de abrir caminhos a pena de morte em crimes contra a
a realização de eleições indiretas para a escolha de Segurança Nacional, aprovada em 1969.
governantes estaduais, prefeitos das capitais e de
áreas consideradas de Segurança Nacional, como
Volta Redonda, onde estava localizada a Companhia Si-
derúrgica Nacional, CSN, e Santos, onde se localizava o
principal porto brasileiro.
O AI-4 estabelecia um conjunto de normas a serem segui-
das pelo Congresso, para a elaboração de uma nova
Constituição, que seria o último ato de Castello Branco
na Presidência, a Constituição de 1967. Na prática, o
Congresso Nacional, mutilado pelas cassações, foi obriga-
do a aprovar e promulgar um projeto constitucional envia-
do pelos militares. multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Chumbo Quente I- Observatório da Imprensa

3. Governo Costa E
Silva (1967–1969)
multimídia: livros
A canção no tempo: 85 anos de músicas bra-
sileiras (1958-1985) – Jairo Severiano e Zuza
Homem de Mello
Apresenta a história de nossa música popular
por meio de suas composições mais repre-
sentativas. Este segundo volume começa com
o surgimento da bossa nova, em 1958, e se
estende até 1985, passando por movimentos
como a jovem guarda e o tropicalismo.

2.4. Constituição de 1967


Promulgada em janeiro de 1967 por um Congresso to-
talmente pressionado e manipulado pelas medidas de
exceção da Presidência, a sexta Constituição brasileira foi
responsável pela institucionalização do Regime Militar e,
na prática, confirmava as medidas impostas nos atos insti-
tucionais anteriormente publicados.
Capa da revista Fatos & Fotos destaca a posse de Costa e Silva.
A nova Constituição brasileira estabelecia eleições indire-
tas para os cargos do Executivo, que teria poderes espe- A posse de Costa e Silva representou a ascensão da cha-
ciais, como permissão para decretar recessos no Legislativo mada “linha dura” ao comando político do país. O novo
e estado de sítio e para suspender direitos políticos de ci- governo não manteve membros do governo anterior nos
dadãos. Foi incluída na Carta Magna a Lei de Segurança cargos comissionados e nos ministérios, que passaram a

116
ser ocupados por oficiais e políticos ligados à “linha dura”,
com destaque para o civil Delfim Netto, responsável pelo
comando da economia nacional.

multimídia: livros
Eu não sou cachorro, não – Paulo César de
Araújo
Artistas considerados bregas – como Odair José
e Waldik Soriano – sempre apareceram no topo
multimídia: vídeo da lista de mais vendidos. Veiculados nas rádios,
Fonte: Youtube
frequentavam os programas de auditório, mas
não receberam o devido respeito e espaço em
Conhecendo os Presidentes - Ep. 24: Artur
livros e teses, pois frequentemente eram asso-
da Costa e Silva
ciados à Ditadura Militar.

Logo no início do mandato, o novo governo elaborou o


Programa Estratégico de Desenvolvimento, PED, que tinha 3.1. Críticas ao Regime Militar
como metas prioritárias combater a inflação e estimular o
crescimento econômico. O governo passou a controlar pre- Os anos de 1967 e 1968 foram marcados pela intensifi-
ços e salários e incentivou os investimentos estrangeiros no cação das críticas ao regime. Apesar do silêncio imposto
Brasil. As exportações de produtos primários foram estimu- aos sindicatos e do desmantelamento das organizações
ladas e apresentaram crescimento a partir de 1968, bem estudantis, trabalhadores e estudantes ainda consegui-
como a indústria desenvolveu-se estimulada por subsídios ram realizar ações políticas. Políticos civis também se mo-
governamentais e investimentos externos. bilizavam na oposição ao regime e articulavam ações de
contestação à ditadura.
Nessa fase inicial do regime, destaque-se a criação da Fun-
dação Nacional de Assistência ao Índio, Funai, e do Mo-
vimento Brasileiro de Alfabetização, Mobral, que tinha o
ambicioso objetivo de erradicar o analfabetismo no Brasil.

multimídia: música
Ponteio – Edu Lobo

3.2. Frente Ampla


As medidas centralizadoras começaram a desagradar
até mesmo políticos da situação, aliados do governo
que haviam apoiado o Golpe Militar e a deposição de
Cartaz alusivo ao Mobral Goulart. Políticos descontentes com a marginalização a

117
que estavam submetidos , especialmente Carlos Lacer-
da, que sonhava ser presidente, organizaram uma Fren-
te Ampla de oposição ao Regime Militar.
O principal objetivo dessa Frente era restaurar a democracia
e as eleições diretas para Presidente da República e elaborar
uma nova Constituição. A Frente Ampla contou com o apoio
dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, o que
demonstrava seu caráter eclético ao reunir antigos adversários.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
JB - 28 de março de 1968 - Morte no ca-
labouço

Em março de 1968, o estudante secundarista Edson


Luis de Lima Souto foi morto a tiros em um confronto
entre manifestantes e policiais militares, em frente ao
Um dos primeiros encontros de JK com Carlos restaurante Calabouço, da Universidade Federal do Rio
Lacerda pela formação da Frente Ampla. de Janeiro. Revoltados, os estudantes realizaram o veló-
rio de Edson Luís no prédio da Assembleia Legislativa do
Estado, onde vários discursos foram proferidos contra a
ditadura. O enterro foi acompanhado por cerca de 50 mil
pessoas, assim como a missa de sétimo dia, na igreja da
Candelária, que reuniu milhares de pessoas, apesar da
rígida vigilância policial.

multimídia: livros
Vandré: o homem que disse não – Jorge Fer-
nando dos Santos
Quem foi Geraldo Vandré? Por que ele se
tornou amado pelo público e odiado pelos
militares na ditadura? Por que sua canção se
tornou um hino – Para não dizer que não falei
Missa de 7º dia de Edson Luís na Igreja da
das flores – Caminhando – jamais esquecida Candelária, no Rio de Janeiro em 1968.
durante décadas?
O resultado foi a realização de uma grande passeata
contra o Regime Militar, organizada por estudantes, in-
3.3. Manifestações estudantis telectuais, artistas e membros da Igreja católica, reali-
zada no dia 26 de junho de 1968. Conhecida como a
e a Passeata dos Cem Mil Passeata dos Cem Mil, a manifestação foi um mar-
O ano de 1968 foi marcado por grandes manifestações estu- co e serviu de estímulo à manifestação em todo o país.
dantis de protesto contra a política educacional que o gover- Metalúrgicos organizaram greves em Contagem, MG, e em
no desejava implantar através do acordo Mec-Usaid e contra Osasco, SP, reivindicando melhores salários e criticando o
o próprio governo. Foram realizadas grandes passeatas nas autoritarismo do governo.
capitais, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.

118
o deputado, que gozava de imunidade parlamentar. Os
parlamentares negaram a autorização para processá-lo;
em represália, o governo fechou o Congresso Nacional e
promulgou o Ato Institucional no 5, em 13 de dezembro
de 1968.

A Passeata dos Cem Mil contou com a adesão de segmentos


sociais descontentes com os destinos do país.

Empolgados com as manifestações de rua, estudantes reuni-


ram-se em outubro de 1968 para um Congresso estudantil
que reorganizasse a União Nacional dos Estudantes, proibi-
da pelo regime. Foi no sítio Muduru, na cidade de Ibiúna, no
interior do estado de São Paulo, que eles se reuniram clan-
destinamente e realizaram o 30o Congresso da UNE.

Capa da revista Veja exibe a prisão das lideranças


estudantis no congresso de Ibiúna, SP, em 1968.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
XXX Congresso da União Nacional dos Es-
tudantes

A grande movimentação de jovens na pequena e pacata ci-


dade chamou a atenção da população, que avisou a polícia e multimídia: livros
agentes do Departamento de Ordem Política e Social, Dops.
Identificado o local, foram presos 693 estudantes, dentre 1968 - A paixão de uma utopia – Daniel Aa-
os quais Luís Travassos, presidente da UNE; José Dirceu, rao Reis/ Pedro de Mello Moraes
presidente da União Estadual dos Estudantes, (UEE); Vla- Mais uma década, uma data redonda a mais,
dimir Palmeira, presidente da União Metropolitana dos Es- sugerindo, suscitando, quase impondo novas
tudantes, (UME); e Guilherme Ribas, presidente da União comemorações – palavra aqui tomada em seu
Paulista de Estudantes Secundaristas, (Upes). As prisões sentido etimológico de rememorar juntos, re-
desmantelaram o movimento estudantil. cordar em conjunto a saga de 1968.
As manifestações refletiram no Congresso e o deputado do
MDB, Márcio Moreira Alves, proferiu um violento discurso
contra os militares, denunciando torturas e convocando a 3.4. Ato Institucional n.º 5
população a boicotar as comemorações pela independên- O AI-5 suspendeu direitos e garantias constitucionais
cia do Brasil e os desfiles de 7 de setembro. Sentindo-se dos cidadãos e o habeas corpus; ampliou os poderes do
desrespeitado, o governo exigiu que o Congresso punisse presidente – demitir, remover ou pôr em disponibilidade

119
funcionários públicos federais, estaduais e municipais, Algumas centenas de militantes sem muito preparo teórico
fechar casas legislativas, decretar estado de sítio e confis- e militar tiveram pouco sucesso em suas ações. A guerri-
car bens como forma de punição por corrupção e cassar lha do Araguaia organizada pelo PC do B em região de
mandatos eletivos federais, estaduais e municipais; demi- conflitos rurais entre latifundiários grileiros e camponeses
tir ou reformar oficiais e membros das Forças Armadas e posseiros.
das polícias militares.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Documentário - AI-5 o dia que não existiu
(Completo)

3.5. As guerrilhas
Primeira página da edição de 14 de dezembro
Diante do quadro de fechamento total com o AI-5, grupos de 1968 do jornal Última Hora.

de esquerda passaram a organizar ações de guerrilha ur-


Grupos guerrilheiros urbanos, premidos por assaltos a ban-
bana e rural, com a finalidade de derrubar o Regime Militar
cos para obter fundos para financiar a guerrilha, sequestro
pela luta armada. O PCB, de tradicional linha pró-soviéti-
de embaixadores em troca da libertação de presos políticos
ca e dirigido por Luís Carlos Prestes, era contrário à luta
em condições de extrema tortura nas prisões, sucumbiram
armada. Em geral, os grupos guerrilheiros eram liderados
diante da violenta repressão imposta pela Ditadura Militar.
por ex-militantes comunistas rompidos com o “partidão”,
estudantes, militares desertores e operários. Inspiravam-
-se em guerrilheiros como Mao Tsé-tung, da China, em
combatentes vietcongues contra os EUA e revolucionários
cubanos, como Che Guevara.

multimídia: livros
A “geração AI-5“ e maio de 68 – Luciano
Martins
Este livro reúne dois exercícios de imaginação
sociológica. Os dois fenômenos aqui analisados
multimídia: vídeo – a “geração AI-5“, no Brasil, e os aconteci-
mentos de maio de 1968, na França – perten-
Fonte: Youtube cem a uma mesma natureza: a do “protesto“,
Discurso Marcio Moreira Alves AI-5 embora de maneiras totalmente distintas.

120
Merecem destaque estes grupos guerrilheiros: MPB, ganhou dimensão política, provocando uma cisão
entre artistas que defendiam a separação entre a música e
§ Ação Libertadora Nacional, ALN, fundado por Carlos
Mariguella; a política e os que defendiam o engajamento de cantores
e compositores nas causas políticas e sociais, utilizando a
§ Vanguarda Popular Revolucionária, VPR; arte como instrumento de resistência à ditadura. Os maio-
§ Movimento Revolucionário 8 de Outubro, MR 8; res representantes desse grupo foram Chico Buarque de
Holanda, Geraldo Vandré, Milton Nascimento, entre outros.
§ Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, VAR-
Escreveram canções dúbias, que procuravam criticar o go-
-Palmares.
verno sem despertar a atenção da censura.
O governo organizou a repressão com militares bem ar-
mados e treinados, particularmente em tortura, e com um 3.6.1. Cálice
vasto aparato repressivo que compreendia as polícias civil,
“Como beber dessa bebida amarga
militar e federal, também treinados para torturarem. Cen-
Tragar a dor, engolir a labuta
sura e propaganda do regime contribuíram para a desinfor- Mesmo calada a boca, resta o peito
mação da população a respeito da natureza e dos objeti- Silêncio na cidade não se escuta
vos dos guerrilheiros. A população acabou enxergando-os De que me vale ser filho da santa
apenas como “terroristas”, qualificação propositalmente Melhor seria ser filho da outra
negativa. O governo também lançou mão de expedientes Outra realidade menos morta
brutais de repressão, como a tortura sistemática e o assas- Tanta mentira, tanta força bruta
sinato de presos políticos. Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Os principais organismos de repressão e informação do Quero lançar um grito desumano
governo foram o Serviço Nacional de Informações, SNI; o Que é uma maneira de ser escutado
Centro de Informações da Marinha, Cenimar; a Operação Esse silêncio todo me atordoa
Bandeirantes, Oban; o Destacamento de Operações de In- Atordoado eu permaneço atento
formações do Centro de Operações de Defesa Interna, DOI- Na arquibancada pra qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa”
-Codi; e o Departamento de Ordem Política e Social, Dops.

multimídia: livros Chico Buarque

A Ditadura Escancarada – Elio Gaspari


“A Ditadura Escancarada” é o segundo volume
da série sobre a ditadura militar no Brasil, escri-
to pelo jornalista Elio Gaspari. Cobre o intervalo
de 1969 até o extermínio da guerrilha do Parti-
do Comunista do Brasil, nas matas do Araguaia,
em 1974.

3.6. Repressão e censura


As manifestações artísticas também sofreram rígida fis- multimídia: música
calização, censura e perseguição política. Mas foram elas
os principais recursos para criticar o regime e denunciar Sabiá – Tom Jobim & Chico Buarque
a realidade brasileira. A Música Popular Brasileira,

121
3.6.2. Pra não dizer que não falei das flores a realidade brasileira, como Eles não usam Black-tie, de
Gianfrancesco Guarnieri e Roda Viva, de Chico Buarque.
“Nas escolas nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção A imprensa alternativa, representada pelos jornais O Pas-
Vem, vamos embora, que esperar não é saber quim, Opinião e O Movimento, recorria ao bom humor, a
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer charges e a sátiras para criticar a ditadura. Suas marcas
Pelos campos há fome em grandes plantações
registradas eram a ironia inteligente e a metáfora debocha-
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão da com que tratavam os assuntos da realidade nacional,
E acreditam nas flores vencendo o canhão especialmente a política vigente, seu alvo principal.
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não”

multimídia: sites
www.historialivre.com/brasil/paeg.htm
www.pgfn.fazenda.gov.br/divida-ati-
va-da-uniao/fgts/breve-historico-do-fgts
Geraldo Vandré
www.abin.gov.br/institucional/his-
torico/1964-servico-nacional-de-informa-
coes-sni/
www4.planalto.gov.br/legislacao/portal-le-
gis/legislacao-historica/atos-institucionais
www.revistaforum.com.br/2011/10/24/40-
anos-de-duas-greves-historicas/
www.g1.globo.com/Sites/Especiais/
Noticias/0,,MUL464249-15530,00-EN-
TENDA+OS+PROTESTOS+DE.html

multimídia: música 3.7. Junta militar


Canção da despedida – Geraldo Vandré

No cinema, Glauber Rocha, Cacá Diegues e Joaquim Pedro


de Andrade destacaram-se no Cinema Novo. Seus filmes
buscavam revelar a realidade social, econômica e política
do país. No final da década de 1960 e início da década de
1970, o teatro brasileiro viveu um de seus momentos mais
importantes de criação e realização, principalmente com o
Junta Militar
Teatro de Arena, dirigido por Augusto Boal. Foram adapta-
das algumas peças estrangeiras e produzidas várias outras Em 1969, o presidente Costa e Silva sofreu um derrame e
com temáticas genuinamente nacionais, que denunciavam foi afastado do cargo, que deveria ser assumido pelo vice, o

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civil Pedro Aleixo, que se opusera ao AI-5. Os militares não dades parlamentares e instituiu a pena de morte e a prisão
admitiram a posse do vice e o governo foi assumido por perpétua para crimes contra a segurança nacional. Foi de-
uma Junta Militar composta dos ministros do Exército, Ma- terminado ainda que somente generais de quatro estrelas
rinha e Aeronáutica, respectivamente, general Aurélio Lyra poderiam ocupar o cargo de presidente da República.
Tavares, almirante Augusto Rademaker e brigadeiro Márcio
Em outubro de 1969, o Congresso Nacional foi reaberto
de Sousa Melo.
para escolher o novo presidente. O Comando Supremo
A Junta outorgou uma reforma na Constituição de 1967, a da “Revolução” indicou como candidato o general Emílio
Emenda Constitucional de 1969, que suspendeu as imuni- Garrastazu Médici, que foi confirmado para o cargo.

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Sociologia, filosofia e geopolítica


Em 1968, o mundo viveu um dos anos mais agitados da história, pois inúmeras manifestações ocorriam pelo mundo
e deixavam reflexos também em terras brasileiras.
Num contexto mundial, 1968 reservou: o maio estudantil, ocorrido na França contra medidas de autoritarismo do
governo, onde os estudantes francos inspiravam-se na contracultura e nas bases filosóficas existencialistas de
Jean-Paul Sartre, criando o slogan: “é proibido proibir”, o qual girou muitos países do Ocidente; a Primavera de Praga,
onde o povo da Tchecoeslováquia tentou resistir à ocupação soviética ocupando as ruas e entregando flores aos tan-
ques de guerra que abriam caminho para a ocupação; o movimento Black Power e os discursos de Martin Luther King,
os quais buscavam o fim das práticas de segregação raciais e a afirmação dos negros na sociedade estadunidense.
Já no Brasil, 1968 reservou muitos eventos que sacodiram o país, como: mortes em manifestações estudantis (no
Calabouço, no Rio de Janeiro, e na Batalha da Maria Antônia, em São Paulo); o histórico Festival da Canção no
Maracanãzinho (onde Geraldo Vandré entoou sua emblemática canção: Caminhando); as greves gerais de Osasco
e Contagem; a morte de Charles Chandler (funcionário da CIA), no bairro do Sumaré, em São Paulo (executado por
Carlos Marighella); o XXX Congresso da UNE, em Ibiúna (que terminou com inúmeras prisões); o famoso discurso
do deputado Márcio Moreira Alves contra o governo militar, o que culminou na implantação do Ato Institucional nº
5 (13 de dezembro de 1968).
Todos esses eventos mostram, claramente, o desejo de grande parte das pessoas, espalhadas em diferentes áreas
do planeta, de poder ter suas vozes ouvidas e respeitadas pelos seus respectivos governos e/ou opressores. Diferiam
nas suas causas e pedidos, mas todas se organizavam para mostrarem que não aceitariam inertes aos desmandos
impostos por grupo algum.

Martin Luther King discursando em frente O deputado Marcio Moreira Alves discursando
ao memorial de Lincoln, em Washington no Congresso contra o governo militar

123
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
22 Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.

Quase todas as mudanças políticas vêm acompanhadas de mudanças na legislação. Os novos grupos, quando ascen-
dem ao poder, imprimem sua marca no conjunto de leis que constituem a dinâmica política de uma nação. Trata-se,
portanto, do que ocorreu após o golpe civil-militar de 1964, quando os partidos antes vigentes foram suprimidos e
substituídos por um bipartidarismo formal e pouco efetivo.
O aluno deve ser capaz de analisar imagens e textos que enriquecem os enunciados das questões para assinalar a
resposta correta. A habilidade 22, portanto, é muito requerida em questões que tratam de rupturas institucionais como
esta, fazendo com que o candidato tenha conhecimento das forças políticas em jogo.

Modelo
(Enem)

A imagem foi publicada no jornal Correio da Manhã, no dia de Finados de 1965. Sua relação com os direitos políticos
existentes no período revela a:
a) extinção dos partidos nanicos;
b) retomada dos partidos estaduais;
c) adoção do bipartidarismo regulado;
d) superação do fisiologismo tradicional.
e) valorização da representação parlamentar.

Análise expositiva - Habilidade 22: A ditadura militar, iniciada em 1964 no Brasil, instituiu o bipartidarismo no
C país, ou seja, a regulamentação da existência e atuação de apenas dois partidos políticos no Brasil, um de situação
e outro de oposição.
Alternativa C

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DIAGRAMA DE IDEIAS

GOVERNOS CASTELLO
BRANCO E COSTA E SILVA

DITADURA MILITAR GOVERNO CASTELLO BRANCO


A B
(1964-1985) (1964-1967) “CASTELLISTA”
MEDIDAS
CARACTERÍSTICAS
• FECHAMENTO DE ENTIDADES CLASSISTAS E CENTROS
• GOVERNO GOLPISTA E AUTORITÁRIO
ACADÊMICOS
• RESTRIÇÃO ÀS LIBERDADES INDIVIDUAIS
• REFORMA UNIVERSITÁRIA – ACORDO MEC-USAID
• APOIO AOS EUA NA GUERRA FRIA
• SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES (SNI)
• RESISTÊNCIA ARMADA E ARTÍSTICA
• PLANO DE AÇÃO ECONÔMICA DO GOVERNO
• UTILIZAÇÃO DA TORTURA
• CORTE DE GASTOS PÚBLICOS
• “LINHA DURA”
• AUMENTO DE IMPOSTOS
• MILITARES QUE DEFENDEM O FORTALECIMENTO DO REGIME
• FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO
• “CASTELLISTAS”
• BANCO NACIONAL DE HABITAÇÃO
• MILITARES QUE DEFENDEM REGIME COMO TRANSIÇÃO
FORMAÇÃO DO GOVERNO ATOS INSTITUCIONAIS (AI)
• AI-2
DEPOSIÇÃO DE JANGO: ASSUME O
• INTERVENÇÃO NOS ESTADOS E MUNICÍPIOS
PRESIDENTE DA CÂMARA
• PRESIDENTE GOVERNA POR DECRETOS
• ELEIÇÕES INDIRETAS (PRESIDÊNCIA)
FORMAÇÃO DO COMANDO • EXTINÇÃO DOS PARTIDOS
SUPREMO DA “REVOLUÇÃO” • BIPARTIDARISMO: ARENA (SITUAÇÃO) E MDB (OPOSIÇÃO)
• AI-3 – ELEIÇÃO INDIRETA PARA GOVERNADOR E
ATO INSTITUCIONAL N° 1
PREFEITO
• CASSAÇÃO DE POLÍTICOS
• AI-4 – CONSTITUIÇÃO DE 1967
• ELEIÇÃO INDIRETA PARA PRESIDÊNCIA
• CENSURA PRÉVIA À IMPRENSA
• LEI DE SEGURANÇA NACIONAL
ELEIÇÃO DE CASTELLO BRANCO

GOVERNO COSTA E SILVA OPOSIÇÃO


C (1967-1969) “LINHA DURA” • FRENTE AMPLA: OPOSIÇÃO CIVIL
• 1968
MEDIDAS • MANIFESTAÇÕES ESTUDANTIS
• CONTROLE DE PREÇOS E SALÁRIOS • PASSEATA DOS CEM MIL (RS)
• SUBSÍDIO DO ESTADO À INDÚSTRIA • GREVES DE OSASCO (SP) E CONTAGEM (MG)
• INVESTIMENTO ESTRANGEIRO • 30º CONGRESSO DA UNE
• CRIAÇÃO DA FUNAI • MANIFESTAÇÕES NO CONGRESSO
• CRIAÇÃO DO MOBRAL
RESISTÊNCIAS
ATO INSTITUCIONAL Nº 5 (1968)
• GUERRILHAS URBANAS E RURAIS
• FORTALECIMENTO DA REPRESSÃO
• MILITANTES QUE ROMPEM COM O PCB
• CENSURA
• POUCO PREPARO
• FIM DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS
• POUCO ÊXITO
• FORTALECIMENTO DO PODER EXECUTIVO
• RESISTÊNCIA ARTÍSTICA
ÓRGÃOS DE REPRESSÃO • DESPISTAM A CENSURA
• DOI-CODI • OBAN • MPB
• DOPS • SNI • CENIMAR • TEATRO DE ARENA

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