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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS

ESEFFEGO - UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE GOIÂNIA


CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

MARCOS VINICIUS MORAIS FERREIRA

O SENTIDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA EM UMA ESCOLA DE


RESULTADOS EM GOIÂNIA

GOIÂNIA
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS
ESEFFEGO - UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE GOIÂNIA
CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

MARCOS VINICIUS MORAIS FERREIRA

O SENTIDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA EM UMA ESCOLA DE


RESULTADOS EM GOIÂNIA

Trabalho de Conclusão de Curso conforme


exigência curricular para obtenção do título de
licenciado em Educação Física sob a
orientação do Prof. Drº. Álcio Crisóstomo
Magalhães.

GOIÂNIA
2017
MARCOS VINICIUS MORAIS FERREIRA

O SENTIDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA EM UMA ESCOLA DE RESULTADOS EM


GOIÂNIA

Trabalho Final de Curso apresentado em 03 de fevereiro de 2017, aprovado pela Banca


Examinadora constituída pelos membros:

__________________________________________
Prof. Dr. Álcio Crisóstomo Magalhães - Orientador

_____________________________________________
Prof. Me. Orley Olavo Filemon - Parecerista 1

_____________________________________________
Prof. Me. Renato Coelho - Parecerista 2
EPÍGRAFE

“HATERS GONNA HATE”

(Taylor Swift)
Dedico este trabalho ao colega de
curso Pedro Henrique Rodrigues, o Pedrão
(in memorian), com quem tive a oportunidade
de disputar Festivais Esportivos Culturais da
Universidade como companheiro e também
como adversário. Infelizmente teve sua
trajetória interrompida durante este percurso,
com isso, que descanse em paz.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço aos meus pais, Edineis Morais Ciqueira e José Roberto
Ferreira, por todo o apoio que me deram durante esse processo de graduação, sempre me
apoiando, independente da situação. Nesse sentido, deixo aqui o meu agradecimento especial
a eles.

Agradeço a minha irmã Roberta Morais, que sempre me apoiou e me incentivou,


também deixo um agradecimento àqueles familiares que sempre estiveram presentes comigo,
são eles: minha avó Creusa, meu avô João, minha tia Flor, e meu tio Jhonny.

As minhas amigas Jhenifer Martins e Helena Garcia (Leninha), por todo o apoio que
me deram nos momentos mais conturbados, onde sempre me incentivaram a não desistir,
deixando claro que eu poderia contar com elas, e a cada conversa me passaram confiança e
demonstraram acreditar no meu potencial, dessa forma, foram extremamente importantes
nesta trajetória.

Aos meus colegas Eli, Coral, Léo, Marik, Marquinhos, Muniz, Coelho e Luigi,
integrantes do grupo ‘gangue do amendoim’ por todas as risadas proporcionadas nesses
últimos anos, além, é claro, das discussões futebolísticas envolvendo o ‘palmeirão’.

Ao meu amigo Sergio Ferreira, ou simplesmente Sergionel, um dos grandes amigos


que fiz, e que me recebeu em sua casa durante a minha ida ao Rio de Janeiro. Ao Mauricio
Benigno, que sempre quando precisei me ajudou, sem medir esforços para isso.

Agradeço aos meus colegas de turma por cada contribuição durante esses quatro anos,
na realização de trabalhos, na realização dos estágios, não esquecendo das críticas
construtivas, seja nos debates realizados em sala de aula, nas discussões após as aulas do
estágio, contribuições que boas ou ruins, de alguma forma contribuíram para a minha
formação.

Como dito em uma determinada aula, todos os professores contribuem para a


formação do acadêmico, sendo esta ação ocorrendo de forma positiva ou negativa, sendo
assim agradeço aqueles que contribuíram de forma significativa nesse progresso: Lilian
Pacheco, Leon Diniz, João Henrique Suanno, Samanta Garcia, Franassis Barbosa, Thaís
Cidália, Jeferson Moreira dos Santos, Wilmont de Moura, Martins, Wagner Luiz Figueiredo,
Vicente Dalla Déa, André Seabra, Fabio Santana, Gleyson Batista, Renato Coelho, Mara
Medeiros, Marcus Jary, Reigler Pedroza e Leandro Duclos.

Ao meu orientador Álcio Crisóstomo Magalhães, com quem não tive a oportunidade
de trabalhar em alguma disciplina, porém, ainda sem nos conhecermos, aceitou me orientar
neste trabalho de conclusão de curso, e apesar de toda a cobrança, todas as correções (que não
foram poucas) surtiram efeito, hoje percebemos isso com essa aprovação com a nota máxima.

Agradeço aos pareceristas que formaram a banca de apresentação do trabalho de


conclusão de curso, Orley Olavo Filemon e Renato Coelho, o primeiro eu não tive a
oportunidade de trabalhar em alguma disciplina, o segundo tive aula em duas disciplinas,
ambos contribuíram de mandeira satisfatória, tanto nas correções do trabalho, quanto nos
comentários enquanto compunham a banca de apresentação.

Ao professor André Seabra, que me orientou no meu projeto de bolsa pró-licenciatura.


Ao professor Wagner Luiz Figueiredo, que tive a oportunidade de integrar o grupo de
extensão durante dois semestres. Ambas as atividades foram importantes para o meu
crescimento acadêmico.

E a Sociedade Esportiva Palmeiras, que proporcionou os momentos mais alegres da


minha vida, inclusive nesse tempo que estive no processo de graduação, com os títulos da
Copa do Brasil e do Campeonato Brasileiro.
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar o sentido da Educação Física em uma escola de
resultados. Para isso, foi realizada uma pesquisa de campo, onde durante um trimestre
observou-se as aulas desta disciplina. Realizou-se entrevista estruturada com um dos
professores da disciplina e um dos coordenadores pedagógicos da instituição. A pesquisa foi
realizada à partir do método de materialismo histórico-dialético. Nos resultados obtidos,
encontra-se que a Educação Física assume o papel de iniciação esportiva, ou seja,
treinamento. Concluindo que esta reproduz a lógica da sociedade capitalista.
Palavras-chave: Classe Social, Índices, Escola de Resultados, Empresariado, Educação Física.
ABSTRACT

This paper aims to analyze the meaning of Physical Education in a Results School. For this
was carried out a field research, where during a quarter was observed the classes of this
subject. A structured interview was conducted with one of the teachers of the refereed subject
and one of the pedagogical coordinators of the institution. The research was carried out using
the dialectical and historical materialism method. In the obtained results, it is found that
Physical Education assumes the role of sports initiation, that is: training. Concluding that it
reproduces the capitalist society logic.
Keywords: Social Classes, Indexes, Results School, Entrepreneurship, Physical Education.
LISTA DE SIGLAS

ABEP – Associação Brasileira de Empresas e Pesquisas


ABEG – Associação Brasileira do Agronegócio
BNCC – Base Nacional Curricular Comum
BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul [South Africa]
CNI – Confederação Nacional da Indústria
COC – Cursos Osvaldo Cruz
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
ESEFFEGO – Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia de Goiás
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FIESP – Federação de Indústrias do Estado de São Paulo
IDE – Índice de Desempenho Escolar
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira
LDB - Lei de Diretrizes e Bases Nacionais
MEC – Ministério da Educação
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU – Organização das Nações Unidas
OS – Organizações Sociais
PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação
PIB – Produto Interno Bruto
PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PNDE Programa Nacional do Livro Didático
PPP – Projeto Político Pedagógico
PROCON – Superintendência de Proteção aos Direitos do Consumidor
PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica
SEDUC/SEDUCE – Secretária de Estado de Educação, Cultura e Esporte
TPE – Todos Pela Educação
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................10

2. METODOLOGIA E MÉTODO........................................................................................16

3. REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................................20

3.1. Escola e Classe Social.......................................................................................................20


3.2. A Educação Física e a moral burguesa..........................................................................27
3.3. As reformas educacionais dos anos 1990/2000..............................................................29
3.4. O que esconde a educação de resultado: crítica ao Ideb..............................................39

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................................................48

4.1. A escola de resultado e seu contexto na prática.........................................................48


4.2. A participação da Educação Física na organização de uma escola de
resultados.................................................................................................................................56

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................65

REFERÊNCIAS......................................................................................................................68
10

1. INTRODUÇÃO

Atualmente no Brasil tem-se abandonado o conceito de classe social para a criação de


outra nomenclatura, no caso, a chamada classificação econômica. Isso é o que se encontra nas
diretrizes realizadas quase que anualmente pela Associação Brasileira de Empresas e
Pesquisas (ABEP), no intuito de classificar a sociedade em um novo critério de acordo com a
nova realidade do país, de modo que, a categoria classe reduz-se a critério de poder e
consumo.
No questionário mais recente da ABEP, válido a partir do dia primeiro de janeiro de
2015, a classe aparece como um índice de classificação do poder de compra de bens materiais,
tais como: automóveis, motocicletas, geladeiras, freezers, micro-computadores, aparelho de
DVD, micro-ondas, lava louça, lava roupa e secadora de roupas. Também aparece como
critério de distinção a quantidade de banheiros que o indivíduo possui em sua moradia, e se
este possui empregado(s) doméstico(s). Também o grau de instrução (escolaridade) do chefe
da família e de acesso a serviços públicos como a água encanada e a rua asfaltada aparece
como critério de hierarquização segundo um dito princípio de classe.
A partir dos bens materiais, do grau de instrução do chefe da família, do acesso aos
serviços públicos e da quantidade de banheiros e empregados no domicílio como citados
anteriormente, realiza-se a somatória dos pontos para designar a qual classe socioeconômica
aquele indivíduo pertence (A, B1, B2, C1, C2 e D-E). Essa categorização é realizada pela
própria ABEP no intuito de construir uma classificação socioeconômica de acordo com a
realidade em que o país se encontra, e, como anualmente a instituição realizar um novo
critério, essa classificação possui variações de ano em ano.
Porém, classificar uma sociedade tendo como eixo principal os bens materiais nega o
real sentido da categoria classe social. A respeito dessa categoria Marx e Engels (1999) citam
que em todas as sociedades historicamente tivemos luta de classes, seja na relação entre
homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro,
ou, em outra definição, opressor e oprimido, sendo que, seja em qualquer uma delas o que se
viveu foi uma guerra ininterrupta, seja ela franca ou disfarçada. Os autores explicam que
como condição essencial para que a classe burguesa exerça essa supremacia sobre a classe
operária tem-se a acumulação de riqueza, e a formação/crescimento do capital, e como
condição de existência do capital tem-se o trabalho assalariado.
O modelo de sociedade capitalista, historicamente passou por diversas mudanças
desde o seu desenvolvimento no século XVIII até os dias atuais. Porém, apesar de todas essas
11

mudanças ainda pode-se observar que este nunca conseguiu uma maneira de gerar riqueza que
não seja por meio da exploração do trabalho alheio, ou seja, por meio da alienação do
potencial criador humano.
Nesse sentido, mesmo que alguns defendam que a categoria classe não seja mais
suficiente para explicar a organização de nossa sociedade, ainda assim, podemos perceber que
em qualquer princípio de crise financeira o conflito entre capital e trabalho torna-se evidente,
ou seja, a relação entre os patrões (classe dominante) e os trabalhadores (classe dominada)
atinge picos de tensão. O atual momento de crise institucional brasileira, que acaba de
produzir um novo golpe do capital contra o trabalho evidencia isso.
Diferentemente do que entidades representativas do capital como a ABEP buscam
frisar, a categoria classe segue viva dentro da sociedade, porém, não como índice de consumo,
mas por meio do sistema de exploração. Nesse sentido, Marx (1983) afirma que quando se
utiliza a força de trabalho, isso acaba representando o próprio trabalho, segundo o autor de
fato o que ocorre é que o indivíduo que compra a força de trabalho, neste caso, o da classe
dominante, a consome fazendo com que o vendedor (classe dominada) desta força trabalhe.
Sendo assim, ao falarmos de classe social primeiramente é necessário entender as
definições de classe dominante ou classe burguesa e classe dominada ou classe operária. Na
particularidade do sistema de acumulação do capital a classe dominante corresponde aos
sujeitos que detém a posse dos meios de produção. Por seu lado, a classe dominada
corresponde aos que são obrigados a vender sua capacidade produtiva à bem de garantir sua
sobrevivência. Portanto, trata-se de uma categoria inerente ao modo de produção capitalista,
conforme afirma Engels (1984), onde a riqueza centraliza em uma minoria, no caso, a classe
dominante, enquanto as massas (classe dominada) vão sendo empobrecidas.
Nesse sentido o Coletivo de Autores (1992) explica que os interesses da classe
dominante estão relacionados com necessidade de acúmulo de riqueza, aumento de renda,
consumo e patrimônio. Já os interesses da classe dominada relacionam-se com necessidade de
sobrevivência, direito de trabalho, salário, saúde, dentre outros aspectos dignos de existência.
Desse modo deve-se considerar que essas são as duas classes fundamentais que fazem
com que a sociedade capitalista se desenvolva. De acordo com Marx (1981):
12

Desde que o modo de produção capitalista adquiriu certo desenvolvimento, o seu


mecanismo passou a quebrar toda resistência; a presença constante de um relativo
excesso de população mantém a lei da oferta e da procura do trabalho, e, portanto, o
salário, nos limites das necessidades do capital, ao mesmo tempo que a surda
pressão das relações econômicas completa o despotismo do capitalista sobre o
trabalhador (p.64/65).

Por isso ao analisarmos a categoria classe, entendemos que ela, mesmo nos dias atuais,
ainda segue presente dentro da sociedade, e como consequência disso podemos citar o estudo
da Oxfam1, que baseou-se em dados do banco Credit Suisse (referente ao mês de outubro de
2015) e foi divulgado nos principais portais de notícias do Brasil e do Mundo, expondo que
uma minoria da população é detentora da mesma riqueza que todo o restante dela, conforme
apresenta a reportagem do G12. “A riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população
mundial agora equivale, pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes.”
Com o estudo realizado pela Oxfam, podemos observar o que vem sendo abordado
pelos autores citados neste trabalho, apontando que a riqueza concentra-se em uma minoria,
enquanto a maioria, no caso, a chamada classe trabalhadora vem sendo empobrecida. Dessa
maneira, neste estudo produzido pela Oxfam é relatado que os 62 indivíduos mais ricos do
mundo possuem o mesmo em riqueza que toda a metade da sociedade.
Para assegurar a presença da categoria classe social em território nacional, nos dias
atuais, Leher (2015, p. 02) comenta que “em virtude da correlação de forças negativa para os
trabalhadores nas duas últimas décadas do século XX, expressa na redução abrupta do número
de greves anuais (que passam de mais de 2,5 mil por ano em 1989 para menos de 500 greves
no final da década)”.
Porém, com essa categorização da categoria classe não queremos somente apresentá-la
a partir deste sistema de exploração, e sim, abordá-la dentro da educação, mais
especificamente, apontá-la no ambiente escolar, pois o que temos hoje no país são escolas
traçadas a partir de resultados, ou ‘Escola de Resultados’ como chamaremos daqui para frente
às escolas que organizam seu trabalho pedagógico a partir da racionalidade da divisão social
do trabalho.
Percebe-se que essa categoria segue viva quando observamos o processo de ocupação
das escolas por grupos privados como o “Todos Pela Educação/TPE” onde identifica-se uma
ação de classe burguesa, que Leher (2015, p. 03), comenta a respeito da hegemonia neoliberal,

1
Confederação Internacional de 18 organizações que trabalham em conjunto com os parceiros e comunidades
locais em mais de 90 países. Website: https://www.oxfam.org/en/about/
2
O texto na íntegra pode ser visualizado em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/1-da-populacao-
global-detem-mesma-riqueza-dos-99-restantes-diz-estudo.html
13

onde a educação básica passa por um “drástico esvaziamento de seu conteúdo cientifico,
histórico-cultural, tecnológico e artístico.” O autor chama isso de um processo em que o
conhecimento é relexicalizado por uma noção de competência, que para ele nada tem de
científico, onde implementa-se o sistema mundial de avaliação padronizada através dos
agentes do capital, como o Todos Pela Educação e a Associação Brasileira do
Agronegócio/ABAG, etc, os organismos internacionais, como o Banco Mundial e a OCDE.
Leher (2015) explica que esse processo na educação básica tem como ponto de partida
iniciativas articuladas, em que a escola limite-se a livros didáticos, apostilas elaboradas por
corporações, de modo que, o ensino torne-se balizado por avaliações de competências, na qual
dão suporte ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica/Ideb. Dessa forma o autor
explica que os setores dominantes pensam a educação como uma forma de converter
conhecimento e formação humana em “capital humano”, que para ele trata-se de uma:

formulação altamente legitimada por prêmios Nobel (Friedman, 1976; Schultz,


1979; Becker, 1992) e incorporada organicamente pelos intelectuais coletivos do
capital (Banco Mundial, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico/OCDE, Fundação Ford, Open Society Foundation), por entidades
empresariais (Confederação nacional da Indústria, a Confederação Nacional da
Agricultura, a Associação Brasileira do Agronegócio), por suas fundações e,
também, pelas coalizões empresariais de organizações da classe “para si” (como o
Movimento Todos pela Educação/TPE). A ação dos setores dominantes nada tem de
proclamatória, visto que lograram convertê-la em política de Estado, por meio de
leis nacionais e regionais, assimiladas pelos governos como referências de seus
programas e políticas (p. 01).

Essas iniciativas articuladas que Leher (2015) chama atenção também são comentadas
por Freitas (2012) que enfatiza que atualmente a educação básica do país passa pela
ação/coordenação de empresários a partir do movimento conhecido como “Todos Pela
Educação”. Esse movimento segundo Martins (2013) surge a partir de grupos empresariais,
com o argumento de que os estudantes brasileiros apresentaram baixos resultados e ficaram
em péssimas colocações nos exames internacionais, o que não visão do empresariado tem
relação direita na determinação de algumas ações, como por exemplo, a competitividade, o
crescimento econômico e a coesão social do país.
Esse é a justificativa que os grupos empresariais utilizam na articulação dessas
iniciativas. Por sua vez, Martins (2013) afirma que isso oculta o conflito que envolve entre as
classes sociais, segundo a autora:
14

A forma como o TPE foi estruturado – a partir de um pacto entre iniciativa privada,
terceiro setor e governos – contribui para a ocultação dos conflitos entre classes e
frações de classe, tornando mais complexa a compreensão da realidade, sobretudo
no que se refere aos tênues limites entre o público e o privado – de modo a tornar
também menos nítida a distinção entre os direitos sociais e os direitos individuais.
As propostas desse grupo contribuem para sustentar a possibilidade de aliar as
práticas de mercado à justiça social, integrando e promovendo pactos por supostos
interesses em comum entre as classes sociais (p. 154).

Sendo assim, Martins (2013) ressalta que se tem um processo de descentralização para
o mercado, de modo que, ocorre uma articulação entre o Estado, os setores privados e os
órgãos não governamentais, para compartilharem juntos as responsabilidades de
implementarem políticas, partindo do pressuposto em que a educação pode ser assumida por
qualquer segmento dentro da sociedade, não necessariamente sendo uma responsabilidade
única e exclusiva do Estado.
Com isso, Martins (2013) aponta que os grupos de empresários, partem de sua posição
de poder, que é privilegiada, e assim apresentam posicionamentos e estratégias no sentido de
discutirem, planejarem e tomarem decisões políticas juntamente ao governo. Assim, o que se
percebe de acordo com a autora é que “suas estratégias, essencialmente no que tange o
fomento da filantropia, do voluntariado e da responsabilidade social empresarial, se efetivam
através de uma ação organizada que ultrapassa o âmbito da produção e da lucratividade
imediata (2013, p. 03).”
Neste sentido, justifica-se a relevância deste estudo o momento atual em que a
educação passa, onde esta que por obrigação devia ser um dever do Estado para com a
sociedade, passa a ser realizada por grupos empresariais. Partindo do pressuposto que foi
postulado acima onde a categoria classe social ainda é essencial para compreender a
organização da sociedade, e que a educação insere-se como um dos pilares dos setores
dominantes, sendo transformada cada vez mais em capital humano, o presente estudo
pretende analisar como ocorre esse processo da gestão empresarial na educação, onde as
escolas passam a ser orientadas por índices.
Para, além disso, objetiva-se compreender a lógica de uma Escola de Resultados na
prática, porém, não de qualquer escola, mas sim de uma que comprova seguir esses índices a
risca. E investigar como a Educação Física adentra-se nesse processo, no intuito de entender a
sua real função/papel nesse tipo de escola. Os indicadores para a escolha da escola a ser
pesquisada foram: estar situada em Goiânia, seguir um viés de classe e apresentar bons
índices no Ideb. Neste sentido a escola que se encaixou nesses indicadores foi uma instituição
privada.
15

Nosso primeiro contato com a escola aconteceu no mês de junho de 2016, quando por
meio de um ofício da Universidade Estadual de Goiás - Unidade Universitária de
Goiânia/Eseffego, solicitamos a entrada na escola, que concedeu e permitiu que fizéssemos a
pesquisa lá. Sendo assim, no segundo semestre do ano letivo, acompanhamos um trimestre da
escola, durante os meses de agosto, setembro e outubro.
A escola permitiu nossa entrada uma vez por semana, nesse sentido, todas as quartas-
feiras acompanhávamos a aula de Educação Física. A instituição conta com turmas do sexto
ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio. Durante o trimestre
acompanhamos as aulas do sexto ano, que foi a turma que coincidiu com o dia da semana que
nos foi disponibilizado. Como nas aulas de Educação Física os alunos são divididos por
grupos de interesse, e acontecem 4 aulas simultâneas, observamos as aulas de Futsal.
O estudo é organizado em 2 capítulos, sendo apresentando no capítulo 1 (referencial
teórico), este que possui dois eixos centrais, onde apresentamos um recorte histórico
mostrando que a escola desde os seus primórdios segue uma orientação de classe social
presente em uma sociedade capitalista, vale ressaltar que a Educação Física está inserida
nesse processo. Já o segundo eixo deste capítulo apresentamos o atual momento da educação,
que é quando o empresariado passa a coordená-la. E no capítulo 2 (resultados e discussão)
apresentamos a funcionalidade de uma Escola de Resultados na prática, a partir da pesquisa
que realizamos entre os meses de agosto, setembro e outubro, dentro de uma Escola que
apresenta essa orientação, apresentando como funciona a Educação Física na mesma.
Nesse sentido, o estudo pode ser caracterizado em três momentos, A) entender o que é
uma educação orientada por índices e metas. B) Apresentar os dados de uma escola que segue
esse princípio a risca, digamos que “bem feito” seguindo a lógica do empresariado. C) o
motivo pelo qual fomos a campo, que tem como intuito entender como a disciplina da
Educação Física se insere nesse processo, se é que ela está inserida nisso.
16

2. METODOLOGIA E MÉTODO

A metodologia de coleta de dados desse estudo foi um estudo de campo, que para Gil
(2008, p. 10) “procura o aprofundamento de uma realidade específica. É basicamente
realizada por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas
com informantes para captar as explicações e interpretações do que ocorre naquela realidade.”
A escola escolhida para a realização da pesquisa está situada no município de Goiânia,
mais especificamente na zona norte da região, sendo de caráter privado, contando com turma
do sexto ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio, e como abordado
anteriormente os critérios para a escolha foram: organização do trabalho pedagógico a partir
de uma perspectiva de classe, ou seja, tendo a ideologia do mérito ou da igualdade de
oportunidade como princípio e apresentar bons índices nos parâmetros do Ideb. A questão é
analisar o sentido da Educação Física nesse tipo de proposta pedagógica, nisso que, estamos
chamando de escola de resultados ou orientada por índices.
Essa escola que está situada em um bairro nobre da região e que trata-se de um campo
claramente restrito a uma parte da população, onde apenas indivíduos com uma condição
econômica alta frequentam, como é apontado em reportagem do Jornal O Popular (2014) que
explicita que as instituições de ensino em Goiás que apresentaram os melhores resultados na
classificação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) são particulares e todas
representam indicador socioeconômico muito alto.
Quanto aos mecanismos utilizados especificamente, os mesmos se deram por meio de
observação simples, que Costa (2012, p. 19) “afirma que consiste na participação real do
pesquisador com a comunidade ou grupo”, onde observou-se as aulas do sexto ano do ensino
fundamental durante o trimestre.
Além da observação, fez-se o uso da entrevista estruturada, que segundo Costa (2012,
p. 04) “o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido. Não é permitido adaptar as
perguntas a determinada situação, inverter a ordem ou elaborar outras perguntas.” Realizou-se
duas entrevistas estruturadas, uma com um dos professores de Educação Física da Instituição
e outra com um dos coordenadores pedagógicos.
Como método o que se apresenta como o correto para o estudo é o Materialismo
Histórico Dialético, pois estamos pensando na escola por meio de um viés de classe na
perspectiva marxista, sendo assim, como a particularidade do nosso objeto de estudo é tratar
de uma instituição que se caracteriza a partir do desenvolvimento do sistema de acumulação
17

capitalista, neste primeiro momento, a base epistemológica não pode ser outra senão o
Materialismo Dialético, para definir este método, Gil (1999) expõe que:

A dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da


realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos
quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas,
econômicas, culturais etc. Por outro lado, como a dialética privilegia as
mudanças qualitativas, opõe-se naturalmente a qualquer modo de pensar em que
a ordem quantitativa se torne norma. Assim as pesquisas fundamentadas no
método dialético distinguem-se bastante das pesquisas desenvolvidas segundo a
ótica positivista, que enfatiza os procedimentos quantitativos (p. 32).

Partindo do que os principais autores citados neste estudo apresentam a respeito da


escola, onde esta apresenta uma orientação classista, sendo isso uma organização que se
estende historicamente, de seus primórdios aos dias atuais, mas que atualmente torna-se um
dos pilares do sistema de acumulação capitalista, nesse sentido, para investigar uma escola de
perto, adentrando-se ao seu campo, partiu-se da aparência da mesma, ou seja, os resultados
que essa escola apresenta nos exames que balizam a educação nos dias atuais, como o Ideb.
Nesse sentido, almejamos com essa escola, compreender a sua funcionalidade de
perto, como esta se organiza, e como ou quanto a Educação Física participa no funcionamento
da mesma, para isso, queremos observar a totalidade dessa instituição escolar, no intuito de
entender como esta pensa o processo pedagógico, como pensa e qual a sua concepção de
Educação Física, ou seja, buscamos ver a profundidade dessa escola.
Esse método para Netto (2011, p. 21) apud Garcia (2013) aborda como imprescindível
o papel do sujeito para com a pesquisa, segundo ele para Marx, “a teoria é o movimento real
do objeto transposto para o cérebro do pesquisador – é o real reproduzido e interpretado no
plano ideal (do pensamento)”.
Com isso, Garcia (2013) apresenta que o conhecimento teórico ou a teoria, é senão o
próprio conhecimento do objeto, tanto em sua dinâmica quanto pela sua estrutura, de acordo
com o autor é uma reprodução que consiste o conhecimento teórico em um procedimento que
será mais correto e verdadeiro, e mais fiel o sujeito for a relação ao objeto. Diante disso,
tomando base pelo estudo de Netto (2011), Garcia (2013) ressalta que:
18

O objetivo de um pesquisador deve ser a distinção entre “aparência e essência”, ou


seja, é apreender a essência (a estrutura e a dinâmica) do objeto. Numa frase, o
método de pesquisa que, por meio de procedimentos analíticos, propicia o
conhecimento teórico, partindo da aparência, visa alcançar a essência do objeto.
Feito isso e operando a sua síntese, o pesquisador reproduz, no plano do
pensamento, ou seja, no plano ideal, a essência do objeto que investigou. Em toda
pesquisa, parte-se da aparência e conforme avança a análise sobre a pesquisa, chega-
se a conceitos e novas abstrações. Entretanto, o procedimento analítico não se
encerra neste ponto, pois, após se obter as determinações mais simples, é necessário
retornar ao objeto (p. 130/131).

Acerca do Materialismo, Trivinos (1987) o explica como uma ciência filosófica do


marxismo, tendo como objeto de estudo as leis sociológicas que caracterizam aspectos como a
vida da sociedade, a evolução histórica, e a prática social dos homens no desenvolvimento da
sociedade. Baptista (2012) fala da necessidade de compreender a essência do objeto a ser
estudado, para que se entenda que este é fruto das condições históricas de seu surgimento,
sendo assim, é necessário enxergar que a história não é linear, e sim construída a partir da
forma como o homem produz a vida, em seus diversos pontos: econômico, social, filosófico,
religioso e cultural.
Durante o processo do trabalho (já nas visitas ao campo) outro fator que ratificou esse
método como o correto na realização do estudo, foi a aparência de contradições, como por
exemplo, o fato de essa escola em um determinado momento histórico figurar nas primeiras
colocações nos ranqueamentos de melhores escolas, e em seguida ser vendida, ou seja, tem-se
uma instituição rentável e considerada acima da média, mas que possui essa contradição de ter
sido vendida, para isso, o método que se preocupa com as contradições por sua vez é o
Materialismo Histórico Dialético.
O papel do sujeito na pesquisa, para Marx, é essencialmente ativo, como explica
Garcia (2013), de modo que cabe a este apreender três pontos importantes, a aparência, a
essência e a dinâmica, levando em consideração que todas fazem parte do processo, com isso,
tem-se a necessidade que o sujeito consiga mobilizar uma determinada quantia de
conhecimentos, e acerca disso criticá-los e revisá-los. Ainda segundo Garcia (2013), outro
elemento importante neste tipo de pesquisa é a capacidade que o pesquisador tenha de
abstrair, em outras palavras, sua capacidade intelectiva, sendo que, esta é quem permite
extrair dentro do contexto a totalidade de um elemento, isolá-lo e examiná-lo, que é o que
Marx executa com excelência em suas pesquisas, partindo do real e concreto encontra-se os
dados, e com as análises tem-se os elementos abstraídos que consequentemente chegarão aos
conceitos.
19

Sendo assim, esse método encontra-se como o mais correto para o nosso estudo, pois
como afirma Gomide (2008):

Considerando que a educação, enquanto prática social, é resultante das


determinações econômicas, sociais e políticas, atuando na reprodução da
ideologia dominante, como também reproduzindo contradições que dinamizem
as mudanças e possibilitem novas formações sociais, a análise de políticas
educacionais deve estar associada a um processo de produção de um
conhecimento efetivamente transformador e politicamente engajado, lembrando
que, para Marx, o conhecimento teórico é necessariamente conhecimento
político (p. 11).

Para, além disso, esse método é fundamental para a realização desta pesquisa, pois o
objeto está sendo pensado a partir da categoria trabalho, problematizando acerca dessa
realidade e não querendo apenas verificar essa realidade funcionando, mas sim a projetando,
pois não conhecemos a educação física dessa escola, e como a mesma se relaciona com o
projeto político pedagógico da escola e queremos compreender isso, o que exige uma
problematização, uma reflexão, uma crítica e um movimento de práxis.
20

3. REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 ESCOLA E CLASSE SOCIAL

As definições de escola de acordo com o dicionário são expostas como “lugar com
autoridades capazes de nos ensinar. Lugar de aprendizado e ensino, capacitante. Lugar de
informatização.” Na segunda edição de seu livro escola, classe e luta de classes, Snyders
(1981, p. 30) traz o conceito de Lénine, que apresenta a definição de escola como um
“instrumento de predomínio de classe nas mãos da burguesia”.
Por sua vez, Snyders (1981) ainda ressalta que a burguesia faz o possível para que as
escolas sejam submetidas aos seus próprios interesses de classe, nesse sentido, implicando
que esta contribua na emancipação do proletariado.
A respeito da instituição escola, Enguita (1989) comenta que ela:

É a primeira instituição à que se incorporam as crianças, descontando a família, a


que ocupa o período que medeia entre a exclusividade desta e o trabalho e, de
qualquer forma, a escolarização representa seu primeiro contato com uma instituição
formal e/ou burocrática, com uma organização. Por conseguinte, é nela onde
crianças e jovens fazem a primeira experiência do trato regular com estranhos, do
trato com outras pessoas fora dos laços e parentesco ou da comunidade imediata (p.
158).

Com isso, percebe-se que a escola é uma instituição em que as crianças realizam então
suas primeiras experiências com terceiros. Antes da década de 1920, Gramsci (1982) explica
que a escola um esquema racional que se dividia fundamentalmente em clássica e
profissional, dessa forma a profissional era destinada às classes instrumentais, ou seja, a
classe trabalhadora, em contrapartida, a clássica destinava-se às classes dominantes e aos
intelectuais.
Essa escola profissional tem sua multiplicação voltada a uma tendência de eternizar
diferenças tradicionais, porém, a partir dessas diferenças, tende-se a criar estratificações
internas, criando uma impressão que esta possua uma tendência democrática, que o autor
chama de ‘democracia política’, cujo objetivo é fazer governantes e governados “assegurando
a cada governado a aprendizagem gratuita das capacidades e da preparação técnica geral
necessárias ao fim de governar” (GRAMSCI, 1982, p. 137).
Porém, esse tipo de impressão criada dentro da escola profissional a respeito de uma
ilusão democrática deixa de existir, nesse sentido Gramsci (1982) aborda o seguinte:
21

Mas o tipo de escola que se desenvolve como escola para o povo não tende mais
nem sequer a conservar a ilusão, já que ela cada vez mais se organiza de modo a
restringir a base da camada governante tecnicamente preparada, num ambiente
social político que restringe ainda mais a “iniciativa privada” no sentido de fornecer
esta capacidade e preparação técnico-política, de modo que, na realidade, retorne-se
às divisões em ordens “juridicamente” fixadas e cristalizadas ao invés de superar as
divisões em grupos: a multiplicação das escolas profissionais, cada vez mais
especializadas desde o inicio da carreira escolar, é uma das mais evidentes
manifestações desta tendência (p. 137).

Em grande medida, por meio de uma ideologia prática, Enguita (1989) baseando-se no
estudo de Sharp (1980), ratifica que a escola consegue assegurar as condições necessárias
para acúmulo contínuo de capital e a reprodução das classes capitalistas, isso ocorre, pois a
forma em que socialmente esta se organiza, desde as salas de aula, as práticas e rotinas, além
do aprendizado e do ensino, tais fatores medeiam esse contexto, que através de conhecimento,
conceitos e teorias formais a escola consegue assegurar isso. A respeito do termo ideologia
prática, o autor explica como “um modo socialmente definido de pensar e agir, uma série de
convenções e suposições que tornam possível a significação” (SHARP, 1980 apud
ENGUITA, 1989, p. 149).
O sentido dessa escola é apresentado por Gramsci (1982), quando o autor comenta que
esta devia seguir uma linha única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que
mantivesse um equilíbrio equânime quanto ao desenvolvimento da capacidade de trabalho
manual (técnico, industrial) e desenvolvimento de capacidade de trabalho intelectual. Esse
modelo de escola única correspondia através de repetidas experiências de orientação
profissional, que passará a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo. Ainda
sobre esse modelo de escola unitária, Gramsci (1982) destaca um ponto importante quanto a
sua organização prática, no que diz respeito à carreira escolar nos seus mais variados níveis,
de acordo com a idade e com o desenvolvimento intelectual-moral dos alunos e os fins que a
própria escola visa alcançar, segundo ele:
22

A escola unitária ou de formação humanista (entendido este termo, “humanismo”,


em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional) ou de cultura geral deveria se
propor a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los levado a um
certo grau de maturidade e capacidade, à criação intelectual e prática e a uma certa
autonomia na orientação e na iniciativa. A fixação da idade escolar obrigatória
depende das condições econômicas gerais, já que estas podem obrigar os jovens a
uma certa colaboração produtiva imediata. A escola unitária requer que o Estado
possa assumir as despesas que hoje estão a cargo da família, no que toca à
manutenção dos escolares, isto é, que seja completamente transformado o orçamento
da educação nacional, ampliando-o de um modo imprevisto e tornando-o mais
complexo: inteira função de educação e formação das novas gerações torna-se, ao
invés de privada, pública, pois somente assim pode ela envolver todas as gerações,
sem divisões de grupos ou castas. Mas esta transformação da atividade escolar
requer uma ampliação imprevista da organização prática da escola, isto é, dos
prédios, do material científico, do corpo docente etc. O corpo docente,
particularmente, deveria ser aumentado, pois a eficiência da escola é muito maior e
intensa quando a relação entre professor e aluno é menor, o que coloca outros
problemas de solução difícil e demorada. Também a questão dos prédios não é
simples, pois este tipo de escola deveria ser uma escola-colégio, com dormitórios,
refeitórios, bibliotecas especializadas, salas aptas ao trabalho de seminário etc. Por
isso, inicialmente, o novo tipo de escola deverá ser -- e não poderá de sê-lo --própria
de grupos restritos, de jovens escolhidos por concurso ou indicadores, sob sua
responsabilidade, por instituições idôneas (p. 121/122).

Enguita (1989) ao falar do ambiente escolar traz o estudo de outros autores, como
Dreeben (1968), este que por sua vez comenta que neste cenário os alunos aprendem a aceitar
princípios de condutas e normas sociais, de modo que ajam de acordo com elas, e Querrien
(1979) que aponta a escola como um aparato a fim de transformar e realizar operações, no
intuito de ocasionar efeitos, ou seja, seguindo a lógica capitalista, onde a operação é
fundamental a aplicação ao trabalho.
Nesse sentido, Enguita (1989) comenta a lógica da organização escolar, e explica que:

Mediante um sistema de recompensas diferenciais em termos de renda, poder e


prestígio, a sociedade conseguiria trazer as pessoas mais capazes para as funções
mais difíceis ou mais importantes, oferecendo-lhes recompensas mais elevadas,
enquanto, no pólo oposto, as funções mais irrelevantes ou desempenháveis por
qualquer um encontrariam recompensas mínimas. O mercado e a escola seriam os
dois dispositivos essenciais de crivo e seleção dos indivíduos para as distintas
funções (140).

Dessa forma, conforme demonstram Gramsci (1982) e Enguita (1989), a escola


possuía uma lógica de organização semelhante à sociedade capitalista. Nesse processo
histórico, Saviani (2008) começa a falar da escola no formato que predomina nos dias atuais,
e que também segue essa lógica que foi exposta pelos outros autores.
A escola no formato que temos hoje, de acordo com Saviani (2008) foi construída a
partir dos princípios da Revolução Industrial e foi implementada como um dos pilares do
23

chamado ciclo de institucionalização do chamado estado social burguês. Segundo o autor esse
ensino tradicional predominante atualmente surgiu na Europa de meados do século XIX com
amplas redes oficiais, no momento que o poderio da classe burguesa estava se consolidando, a
escola gratuita e obrigatória foi idealizada como um instrumento de consolidação da ordem
democrática segundo a perspectiva burguesa. Nesta época constituíram-se então os chamados
sistemas de ensino, de modo que partiu-se do princípio de que a escola deveria ser um direito
de todos e um dever do Estado.
Nesse sentido, Saviani (2008) explica que a sociedade fundada em senhores e servos
não podia persistir, dessa maneira tem-se a necessidade de que esta seja substituída por uma
sociedade igualitária, ao menos como ideologia (ilusão) é claro. A burguesia então busca
realizar essa reforma, de modo que a sociedade com base no direito natural dê lugar a uma
sociedade contratual. A trama de acordo com Saviani (2008) consiste em:

Os homens são essencialmente livres; essa liberdade funda-se na igualdade natural,


ou melhor, essencial dos homens, e se eles são livres, então podem dispor de sua
liberdade, e na relação com os outros homens, mediante contrato, fazer ou não
concessões. É sobre essa base da sociedade contratual que as relações de produção
vão se alterar: do trabalhador servo, vinculado à terra, para o trabalhador não mais
vinculado à terra, mas livre para vender a sua força de trabalho e ele a vende
mediante contrato. Então, quem possui os meios de produção é livre para aceitar ou
não a oferta de mão-de-obra, e vice-versa, quem possui a força de trabalho é livre
para vendê-la ou não, para vendê-la a este ou aquele, para vender a quem quiser.
Esse é o fundamento jurídico da sociedade burguesa. Fundamento, como veremos,
formalista, de uma igualdade formal. No entanto, é sobre essa base de igualdade que
vai se estruturar a pedagogia da essência e, assim que a burguesia se torna a classe
dominante, ela vai, a partir de meados do século XIX, estruturar os sistemas
nacionais de ensino e vai advogar a escolarização para todos. Escolarizar todos os
homens era condição para converter os servos em cidadãos, era condição para que
esses cidadãos participassem do processo político, e, participando do processo
político, eles consolidariam a ordem democrática, democracia burguesa, é óbvio,
mas o papel político da escola estava aí muito claro. A escola era proposta como
condição para a consolidação da ordem democrática (p. 32/33).

Assim o direito de todos terem acesso à educação formal nascia como uma premissa
do novo projeto de sociedade. A sociedade de classes nasce criando suas instituições
educativas próprias, sendo a escola uma delas. Surge então a escola tradicional, que Saviani
(2008) aponta que possui sua organização centrada no professor, no qual este é o transmissor
do conhecimento enquanto o aluno deve apenas assimilar aquilo que lhe é ensinado. Dessa
forma a exigência passa a ser contar com um professor razoavelmente bem preparado, e,
dessa maneira a escola era organizada por meio de níveis ou salas. Cada nível ou sala contaria
com um professor que passasse as lições e aplicasse os exercícios, e os alunos ficavam atentos
e realizavam suas atividades de modo disciplinado.
24

Porém, Saviani (2008) explica que com este modelo surgiram as críticas, pois ocorreu
que nem todos entraram nesta escola, e boa parte dos que entraram não saíram-se bem, e
aquele grupo que foi bem-sucedido neste modelo escolar ainda assim nem todos conseguiram
se ajustar no modelo de sociedade que se almejava na época. A partir das críticas que
surgiram contra este modelo escolar no final do século XIX, aos poucos foi dando espaço ao
surgimento de outra teoria educacional, que foi mais nítida no século XX, a chamada
Pedagogia Nova. Aqui se tinha uma crença no poder da escola e na função desta realizar
equalização social.
Sendo assim surge um movimento ampliado de reforma, que ficou conhecido
popularmente como ‘escolanovismo’. Saviani (2008) ressalta que passou então a agrupar os
alunos pelos seus interesses, sendo o professor um estimulador, de modo que a iniciativa
principal do aprendizado ocorreria pelo próprio aluno, assim abandonando o ambiente escolar
silencioso e disciplinado por um novo alegre e barulhento, porém, esse modelo não conseguiu
mostrar alternância significativa em relação ao anterior (tradicional) se tratando da
organização do sistema escolar, devido a fatores como o custo mais elevado que a escola
tradicional, de modo que a escola nova foi organizada num formato experimental e de núcleo
raro, tornando-se circunscrito a pequenos grupos elitizados.
Com isso, Saviani (2008) explica que ao tratar as disciplinas de modo frouxo, se
preocupando pouco em transmitir conhecimento, ocorreu que os professores rebaixaram o
nível de ensino das camadas populares, sendo que boa parte destas tem na escola seu único
recurso de conhecimento elaborado. E nesse sentido, aqui aprimorou-se a qualidade de ensino
que tinha como principal destino a elite, de modo que, ao invés de solucionar a problemática
da marginalidade, a Escola Nova fez o oposto, ou seja, o agravou, uma vez que se passou a
pensar o ensino escolar segundo uma dicotomia de classe, ou seja, uma concepção de escola
submetida a esses princípios de classe, que em outras palavras podemos dizer como escola
para quem vai pensar e escola para quem vai executar.
O que se tem é uma modernização do país cujo um de seus pilares é a escola
organizada a partir de uma divisão de classes, do trabalho pensado a partir da divisão social
do trabalho na perspectiva da reprodução do capital, ou seja, pensar e executar em conflito.
Nesse sentido, ambos os modelos de escola, tanto o tradicional como o escolanovismo
mantiveram uma submissão ao princípio de classe, o que diferenciou as duas vertentes foi
apenas o conteúdo.
Com isso no final da metade do século XX, segundo Saviani (2008) começam a surgir
tentativas de desenvolver uma nova teoria educacional, se de um lado almejava criar uma
25

espécie de escola nova popular, do outro, buscava-se radicalizar as preocupações acerca dos
métodos pedagógicos presentes no escolanovismo, eis que foi articulada uma nova teoria, ou,
pedagogia tecnicista. Acerca da suposição da neutralidade científica e tendo como inspiração
racionalidade, eficácia e produção, essa nova pedagogia defende que o projeto educacional
seja reordenado seguindo um viés objetivo e operacional.
Dessa forma, Saviani (2008) explica que nesta pedagogia quem será compreendido
como marginalizado é o improdutivo, necessita-se aqui aprender a fazer, ou, em outras
palavras, somente reproduzir. O tecnicismo contribui para aumentar o caos no campo
educacional, com características como a fragmentação, que contribuíram para inviabilizar o
trabalho pedagógico, assim a marginalidade só se agravou. Ainda com esse novo modelo, o
que se tem é que os princípios de classe persistiram. Nesse sentido, Snyders (1981) demonstra
então que o capitalismo exige da escola que ela forme trabalhadores vulneráveis, que tenham
formação restrita de modo a não serem exigentes quando se trata de salários, de modo que
tenham o mínimo possível de instrumentos intelectuais que os ajudem a questionarem o
sistema.
Acerca da escola voltada para a burguesia, Snyders (1981) ressalta que ela é um
mecanismo cuidadosamente montado para organizar o fracasso daqueles socialmente
desfavorecidos, e, dessa forma assegurar, por conseguinte, o conservantismo. Sendo assim,
afirmar que ela é apenas uma cúmplice voluntária não cabe, pois ela surge como um elemento
chave da reprodução. Saviani (2008) aponta a escola como um instrumento de reprodução das
relações de produção, que neste modelo de sociedade, ou seja, capitalista, ela necessariamente
reproduz a dominação e a exploração, possuindo então um caráter segregador e
marginalizador, dessa forma o autor expõe que:

A escola é determinada socialmente; a sociedade em que vivemos, fundada no modo


de produção capitalista, é dividida em classes com interesses opostos; portanto, a
escola sofre a determinação do conflito de interesses que caracteriza a sociedade.
Considerando-se que a classe dominante não tem interesse na transformação
histórica da escola (ela está empenhada na preservação de seu domínio, portanto,
apenas acionará mecanismos de adaptação que evitem a transformação) (p. 25).

A respeito dessa escola, Paro (1999) afirma que sempre quando fala-se da mesma, a
primeira preocupação, ou a preocupação que se tem são as questões relacionadas ao trabalho,
dessa forma, sempre que perguntado sobre a função desta, as respostas dos alunos, de seus
pais, dos professores e demais educadores, são sempre voltadas para esta questão, como “ter
uma vida melhor”, “passar no vestibular”, “ter sucesso” (é conseguido com o trabalho), o fim
26

é sempre essa relação. Ou seja, o princípio orientador dessa escola, qual seja ela, é o trabalho
submetido à racionalidade do sistema de produção de mais valia.
Nessa perspectiva, Paro (1999) aponta a escola como o local onde se dá (ou deveria
dar-se) a educação sistematizada. A escola segundo o autor participa da divisão social do
trabalho, no intuito de que seja atribuído a estes os elementos culturais necessários para
viverem na sociedade a qual pertencem. Sendo que, isto é colocado pela própria Constituição
Federal, quando esta reconhece como imprescindível um mínimo de educação formal para
que o indivíduo exerça o papel de cidadão, trata-se do ensino fundamental que é posto como
gratuito e obrigatório, ou seja, é postulado um mínimo de conteúdos culturais nos quais todo
cidadão deve apropriar-se para que não seja prejudicado no usufruto de tudo aquilo que possui
como direito ao pertencer à sociedade. Dessa maneira, a respeito do que a escola busca fazer,
Paro (1999) comenta que:

Na ação de seus professores e no atendimento às aspirações e expectativas de seus


usuários, o que aparece sempre como perspectiva essencial é o mercado de trabalho
(agora, visando o emprego imediato; no futuro, visando a preparação para a
universidade). Não importa que o ensino fundamental, por exemplo, não tenha
conteúdos específicos preparatórios para esta ou aquela profissão, ou que nem
mesmo toque em assuntos gerais sobre o mercado de trabalho e as profissões.
Mesmo na mais elementar tarefa de alfabetizar está presente a perspectiva do
mercado de trabalho: aprende-se para escrever e falar corretamente (e na aspiração
de todos está presente também esse valor de se comunicar melhor para usufruir
melhor da vida), mas não deixa de estar presente, sempre, essa preocupação em
como isso (no caso, a melhor comunicação) vai influir na busca de um emprego
melhor. Do lado dos usuários, parece plausível essa expectativa, diante da já
mencionada falta de opções, que não o trabalho assalariado, para ganhar a própria
vida. Mas, do lado escola, é preciso questionar se ela deve ater-se com tanta ênfase a
essa tarefa (p. 110).

A Educação Física, que é o nosso objeto principal de estudo, não fica para trás nessa
lógica, sendo possível por meio dela mostrar como a escola no Brasil constitui-se sendo
submetida à divisão social do trabalho ou ao princípio de classe. Ou seja, historicamente a
Educação Física possui um viés de classe em sua racionalização, como apresentaremos a
seguir.
27

3.2 A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR SERVE A MORAL DE CLASSE


BURGUESA

De acordo com o Coletivo de Autores (2012), a Educação Física surge a partir de


necessidades sociais concretas, tornando-se uma prática pedagógica sistematizada. No meio
escolar surge na Europa, no final do século XVIII e início do século XIX, que foi o tempo em
que os sistemas nacionais de ensino da sociedade burguesa se consolidaram.
Nesse mesmo período constitui-se uma nova sociedade, no caso, a sociedade
capitalista, dessa forma, a Educação Física tem então um papel destacado, o Coletivo de
Autores (2012) explica que nesta nova sociedade objetivava-se um novo homem, sendo este
homem mais forte, ágil e empreendedor. Segundo eles, força física e energia física se
transformaram em força de trabalho e com isso passaram a ser vendidas como mercadoria. O
motivo é que o trabalhador só dispunha disso para sobreviver nessa nova sociedade que se
consolidava.
A ideia passada na época era de exercício físico como receita/remédio. Acerca disso o
Coletivo de Autores (2012) aborda que “julgava-se que, através deles [exercícios físicos], e
sem mudar as condições materiais de vida a que estava sujeito o trabalhador daquela época,
seria possível adquirir o corpo saudável, ágil e disciplina exigido pela nova sociedade
capitalista” (p. 51). Ainda segundo os autores, nesse período o trabalho físico passa a receber
atenção das autoridades estatais, de modo que, o tema cuidados físicos com o corpo torna-se
necessário, nesses cuidados estão incluídos formação de hábitos, tais como os de tomar
banho, escovar os dentes e lavar as mãos.
O Coletivo de Autores (2012) enfatiza que os exercícios físicos são vistos de forma
exclusiva como um fator higiênico, pois cuidar do corpo aqui significava cuidar dessa nova
sociedade que se construía. Os autores explicam que a força do trabalho era fonte de lucro,
com isso, cuidar do corpo torna-se uma necessidade que devia ser respeitada no século XIX. É
nesse sentido que a Educação Física enquanto prática pedagógica se inseriu, pois esta
correspondia aos interesses da classe social que possuía a hegemonia daquela época, em
outras palavras, a classe que se constituiu no poder dessa nova sociedade, politicamente,
intelectualmente e moralmente.
Nesse processo, de acordo com o Coletivo de Autores (2012), a Educação Física
escolar tinha o médico higienista como um personagem indispensável, pois na época ele
exercia determinada autoridade, já que era quem conhecia os princípios biológicos, com isso,
era o responsável por orientar a Educação Física no âmbito escolar, com o objetivo de
28

desenvolver aptidão física dos indivíduos. Além deste profissional, o Coletivo de Autores
(2012) aponta que essas aulas também eram ministradas por instrutores físicos do Exército,
por meio de métodos rígidos de disciplina e hierarquia.
Tal fator é importante para compreender essa racionalidade, com isso, segundo o
Coletivo de Autores (2012) tem-se então a construção de uma identidade pedagógica de
Educação Física escolar composto por normas e valores da instituição militar, e, dessa forma,
constrói-se então “um projeto de homem disciplinado, obediente, submisso, profundo
respeitador da hierarquia social” (p. 53).
É nesse período que a Educação Física passa a ser enxergada exclusivamente como
prática, o que contribuía para não diferenciá-la da instrução física militar, com isso, na época,
as aulas de Educação Física eram ministradas por profissionais formados em instituições
militares, sendo que, somente no ano de 1939 foi que se criou uma escola civil para formação
de professores na área (COLETIVO DE AUTORES, 2012).
Ao fim da segunda Guerra Mundial, período em que coincide com o fim da ditadura
militar do Estado Novo no Brasil, é que começam a surgir novas tendências com o objetivo de
ocuparem o interior da instituição escolar, como os métodos “Natural Austríaco” e
“Desportiva Generalizada” que ganham destaque (COLETIVO DE AUTORES, 2012).
No período pós-guerra, segundo o Coletivo de Autores (2012) o esporte ganha ênfase,
com isso o método Desportivo Generalizada acaba predominando, o que ocasiona em uma
influência do esporte dentro do sistema escolar, onde a Educação Física passa a ser
subordinada aos códigos e sentidos da instituição esportiva, de modo que, “caracterizando-se
o esporte na escola como um prolongamento da instituição esportiva: esporte olímpico,
sistema desportivo nacional e internacional” (p. 53). Os autores ressaltam que esses códigos
estão relacionados com princípio de rendimento atlético/desportivo, competição, rendimento,
sucesso no esporte como sinônimo de vitória, recordes, etc.
Dessa forma, de acordo com o Coletivo de Autores (2012) o esporte é quem passa a
determinar os conteúdos das aulas de Educação Físicas no sistema escolar, onde cria-se uma
nova relação entre professor e aluno, saindo da lógica militarista professor-instrutor e aluno-
recruta para professor-treinador e aluno-atleta. Sendo que, os professores aqui são contratados
a partir de seus desempenhos em atividades esportivas.
Nesse sentido, após essa apresentação da escola enquanto instituição que
historicamente segue a linha de racionalidade da sociedade capitalista, e compreendendo que
a Educação Física se insere dentro disso e contribui para isso, no próximo capítulo
abordaremos a escola nos dias atuais.
29

3.3 REFORMAS EDUCACIONAIS DOS ANOS 1990/2000

De acordo com Palma Filho (2005), no Brasil, o neoliberalismo começa a ascender no


início dos anos 1990, com a posse de Fernando Collor de Mello na Presidência da República,
tendo sofrido certa descontinuidade durante a Presidência de Itamar Franco e uma aceleração
na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), principalmente no seu primeiro
mandato (1995-1998).
No Brasil as políticas neoliberais comaçam a ser movimentadas no início de 1990,
quando Fernando Collor assume a Presidência da República, amparando-se nos estudos de
Palma Filho (2005), Silva e Machado (1998) e Velloso (1992), Yanaguita (2010) aborda que
nesse período ocorreu o chamado processo de reajustes da nação brasileira em relação à nova
ordem mundial, com isso, o mercado passa a regular as relações humanas, como por exemplo,
a saúde e a educação, dessa maneira, o país começava a viver a era da privatização e do
clientelismo.
Dessa forma, programas educacionais passaram a ser articulados, surgiu então o
PNAC (1990) que visava reduzir em 70% o número de analfabetos no país nos cinco anos
seguintes, para isso criou-se comissões que envolviam órgãos governamentais e não
governamentais para realizar tal medida; o Programa Setorial de Ação (1991-1995) com o
intuito de exprimir propostas que situassem o Brasil no mundo moderno com princípios
difundidos pela Teoria do Capital Humano (THC); e o Projeto de Reconstrução Nacional
(1991), objetivando a Reforma do Estado, almejando a modernização da economia, tendo o
setor privado como sua principal base aliada (YANAGUITA, 2010).
A ideia com esses projetos segundo Yanaguita (2010) era a responsabilidade de
descentralizar a responsabilidade da educação única e exclusivamente como função do estado,
sendo assim, governo, sociedade e iniciativas privadas passariam a realizar juntamente essa
função, segundo a autora (p. 05) “as propostas das empresas e dos organismos internacionais
foram elaboradas e inseridas com o presidente Collor, mas foram apreciadas apenas no
governo subsequente [Itamar Franco]”.
No governo Itamar Franco, que teve início em 1992, assumindo a Presidência da
República de forma interina, após o processo de impeachment do até então presidente
Fernando Collor, Yanaguita (2010) explica que nesse governo as diretrizes referente a área da
educação ocorreram com o Plano Decenal de Educação para Todos, para autora:
30

O Plano Decenal para Todos (1993-2003), fruto de negociações com a UNESCO,


foi concebido para dar sequencia aos compromissos internacionais que o Brasil
deveria assumir. Por isso, este Plano direcionou novos padrões de intervenção
estatal (gestão própria do setor privado), recolocando as políticas educacionais como
embates travados no âmbito das diretrizes governamentais – a descentralização. Essa
visão de descentralização foi incorporada pelos planos posteriores como um
redimensionamento a novas formas de gestão educacional através de um
gerenciamento eficaz, com vista ao aumento da produtividade e competitividade
pelas instituições escolares. Incorpora-se à linha modernizadora de implantar novos
esquemas de gestão nas escolas públicas, concedendo-lhe autonomia financeira,
administrativa e pedagógica (p. 05).

Porém, de acordo com Yanaguita (2010), no mandato de Itamar Franco ocorreu uma
descontinuidade dessas políticas neoliberais que se ascenderam no governo Fernando Collor,
em contrapartida, na gestão Fernando Henrique Cardoso teve-se então um aceleração dessas
políticas, principalmente no primeiro mandato do mesmo.
Os anos que compreenderam a década de 1990, de acordo com Martins (2013), foram
marcados pelo fato de as políticas públicas terem sido reorganizadas em função da redefinição
da agenda pública. Trata-se do período de implementação do estado mínimo no Brasil, a
adesão do país à ideologia neoliberal 3apresentada eufemisticamente pela grande mídia e
pelos donos do poder como o movimento de estabilização econômica e de reformas
estruturais, evidentemente orientadas pelo e para o mercado. É o contexto das privatizações,
neoliberalização comercial (abertura externa) toda uma série de mudanças de natureza social
democrata psdbista, capitaneadas pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso
(FHC) ao longo dois mandatos (1995 a 1998 e 1999 a 2002).
Martins (2013) explica que Fernando Henrique Cardoso é a síntese histórica que
revela a articulação dos grandes grupos econômicos nacionais, os verdadeiros donos do poder
no Brasil. Tanto é verdade que antes mesmo de Fernando Henrique ser eleito entidades
empresariais aderiram à agenda neoliberal. No ano de 1993, criou-se a Ação Empresarial,
Movimento de articulação empresarial, liderado por Jorge Gerdau, do grupo Gerdau, que
contou com o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com o intuito de exercer
influência sobre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) na defesa dos postulados
liberais e a reforma tributária. Não por acaso Fernando Henrique Cardoso chega à presidência

3
Segundo o Dicionário Informal, Neoliberalismo é um termo que foi usado em duas épocas diferentes com dois
significados semelhantes, porém com algumas distinções: A) na primeira metade do sec. XX significava a
doutrina proposta por economistas franceses, alemães e norte-americanos, voltada para a adaptação dos
princípios do liberalismo clássico às exigências de um Estado regulado. B) a partir da década de 1970, passou a
significar a doutrina econômica que defende a absoluta liberdade de mercado e a não intervenção estatal sobre a
economia.
31

da república em 1995 e se encarrega de levar adiante todo o projeto da pseudo burguesia


nacional.
Martins (2013) ressalta que no final da década de 1990, o novo presidente da
Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) Horácio Lafer Piva, busca
reposicionar as entidades industriais paulistas no cenário brasileiro. Nesse sentido, cria-se
então um ciclo de mobilização empresarial que acaba por eleger novamente Fernando
Henrique Cardoso para um segundo mandato de intensificação e projeto liberal-
desenvolvimentista. Nesse sentido, Martins (2013) explica que o curso da política econômica
não sofreu alterações em suas principais diretrizes. Contudo, nem mesmo fechou a primeira
década das reformas e os trabalhadores demonstravam já não aguentar o arrocho de oito anos
de aperto. Além do que como a conta da superexploração já começava a chegar, os grandes
grupos econômicos nacionais logo deram um jeito de abandonar seu grande capitão e adotar
um novo líder para dar continuidade a seu projeto. Acerca disso, Bianchi (2010) apud Martins
(2013) apontam que:

Essa aproximação também pode ser interpretada como um complexo jogo de forças
com o objetivo de abrir negociações com o governo de Cardoso em torno da
condução da política econômica e, particularmente, da taxa de juros e da
minirreforma tributária. Outro motivo para essa aproximação, seria o de que o grau
de conflitividade do empresariado com as candidaturas da oposição, principalmente,
com a de Lula da Silva, era menor do que nas eleições anteriores. Tal fato, elevou o
índice de aceitação dessa candidatura. A chave para tal consistiu na percepção que o
empresariado tinha da crescente moderação do discurso dos dirigentes petistas e de
Lula da Silva. Por fim, o baixo grau de conflitividade do empresariado com a
candidatura de Lula da Silva representava dois fatores: 1) a confiança de que sua
eleição não significaria uma ameaça à propriedade privada nacional e estrangeira e
2) a política do candidato da oposição não produziria uma descontinuidade radical
da política econômica (p. 19).

Segundo Martins (2013) houve discordância interna da base de sustentação da social


democracia psdbista, provocando então o afastamento entre o governo Fernando Henrique
Cardoso e um importante segmento do empresariado nacional, isso de acordo com a autora
fortalece o Partido dos Trabalhadores (PT), para ela:
32

A partir da observação dessas dissidências, algumas lideranças do PT passaram a


defender a necessidade do partido de rever suas posições e de formular uma nova
estratégia, mais ao centro, moderando suas posições políticas. Mesmo com
discordâncias internas no partido, a nova postura adotada previa um discurso
moderado, a valorização da política no contexto democrático e a relevância da
negociação e da tática de alianças para chegar ao poder. Expressão evidente dessa
nova postura, foi a busca de confiança junto às instituições financeiras internacionais
e, internamente, junto ao setor privado. Foram essas as estratégias que marcaram a
campanha eleitoral de Lula da Silva para a presidência da República, em 2002 (p.
20).

Com esse fortalecimento Lula da Silva foi eleito no Segundo Turno das eleições de
2002. O novo Presidente da República assumiu o cargo em 2003, essa ascensão a presidência
segundo Martins (2013, p. 23) não pode ser vista de forma alheia, para ela “a dinâmica que
esse governo pretendeu implantar nas suas relações internacionais, tal dinâmica tinha o
propósito de colocar o Brasil em outro patamar no mercado mundial.” Devido a sua situação
de crise econômica produzida pela política da social democracia do PSDB, a
socialdemocracia lulopetista teve que passar a adotar novas prioridades em sua agenda: “ao
lado do crescimento econômico, disponibilidade de mão de obra e de geração de emprego,
intensifica-se a formulação de uma nova estratégia de projeção internacional, em que estão
incluídas as reformas no sistema educacional nacional” (MARTINS, 2013, p. 26).
O País torna-se assim, protagonista emergente na economia mundial, e, dessa maneira,
passa a ser um integrante do grupo de países com grandes mercados, os chamados BRICS.
Porém, Martins (2013) ressalta que com essa perspectiva econômica o país abriu-se, ficando
refém do movimento do capital especulativo, o campo livre tornou-se uma espécie de bolsa de
apostas para instituições financeiras e grupos econômicos internacionais, tornando-se assim
dependente do movimento do grande capital que por sua vez constitui-se no vigia da política
econômica nacional, indicando inclusive suas prioridades internas. A Goldman Sachs (grupo
financeiro multinacional) é um exemplo desses novos senhores do controle total. Devido ao
que chama de desempenho inferior do PIB do Brasil em relação aos outros países do BRICS
recomendou-se então que o país realizasse reformas educacionais.
Nesse sentido, compreendendo como procederam as reformas educacionais que
surgiram no Governo FCH, dando continuidade no Governo Lula e que se estendem até os
dias atuais, aqui entraremos de fato em nosso objeto de estudo, abrangendo como essas
reformas educacionais puxadas por esse novo contexto (setor empresarial) em que se tem uma
educação balizada por índices e metas, apresentando como isso funciona de fato, e o impacto
que esse processo social tem sobre o sistema educacional brasileiro.
33

Como exposto anteriormente, esse segmento de frações de classe, com o empresariado


e suas entidades, no Brasil surgem a partir da década de 1990, porém, esse modelo não é uma
novidade se tratando do cenário mundial. “Ao contrário, no caso da educação brasileira, a
partir da história, é possível identificar que, de distintas formas e, com variada intensidade,
sua participação nas políticas públicas para educação remonta ao século XIX e se estende até
os dias atuais” (CUNHA, 1977; RODRIGUES, 1998; LUZ, 2009) apud (MARTINS, 2013, p.
29).
Dessa forma, Martins (2013) afirma que essa participação do empresariado na gestão
da educação básica tem sido um objeto de interesse tanto por parte dos empresários, quanto
por parte dos governos, a autora defende isso quando apresenta que inicialmente esses setores
empresariais “focalizavam sua atuação no campo educacional no sentido de construir um
sistema de profissionalização para atender demandas próprias e também do Estado, passam a
participar de um espaço de formulação de um projeto educacional que ultrapassa a educação
profissionalizante” (p. 29).
Percebe-se então que uma das novidades desse neoliberalismo lulopetista foi a criação
de uma ideia de que quando se trata de promoção da educação não existe diferença entre
público e privado, a forma como o “Todos Pela Educação” foi organizado reflete isso, de
modo que o programa nasce com o então propósito de disseminar essa ideia .
Nesse sentido, os grupos empresariais, possuem seus interesses de atuação em
diferentes segmentos se tratando de administração pública e da sociedade, segundo Martins
(2013), ocorre uma atuação em rede (ação de classe), de modo que esses grupos empresariais
e líderes da sociedade estabeleçam alianças com o poder público, incidindo em políticas
públicas voltadas na área da educação em seus respectivos países. A forma como atuam é
explicada pela autora da seguinte maneira:

À diferença do tradicional modo de atuação do setor empresarial na educação, a


novidade na participação de parte deste setor (que posteriormente organizará o TPE)
apresenta-se através do fortalecimento de uma proposta de atuação nacional que
conjuga o empresariado, o Estado e a sociedade civil através de um “pacto” para
reorganização do conjunto do sistema educativo público. Na visão de alguns setores
empresariais, a amplitude e a complexidade dos problemas sociais ultrapassam as
possibilidades do Estado ou de qualquer organização empresarial que se proponha a
agir isoladamente. Sendo assim, esses empresários optaram por agir através de uma
coalizão política, de forma estratégica, atuando em larga escala. Isso ocorre porque a
construção de um projeto para a educação com magnitude nacional pressupunha um
processo de convencimento e uma “convocatória”, não apenas da sociedade civil,
mas, também, dos governos e do próprio empresariado brasileiro (p. 30/31).
34

Boa parte das políticas educacionais que foram lançadas durante o Governo FHC, de
acordo com Leher e Evangelista (2012) não efetivaram-se em sua plenitude, muito em função
da crise de popularidade do final do mandato. Curiosamente encontraram menor resistência
durante o Governo Lula da Silva. Tanto é verdade que:

A política de avaliação em larga escala atingiu, nos dois últimos governos,


patamares assombrosos, com desdobramentos nefastos sobre professores, alunos e a
função social da escola, em particular nas esferas dos processos de ensino e
aprendizado do conhecimento científico histórico-crítico, da arte e da cultura,
fundamentos da imaginação inventiva das crianças e jovens (Leher e Evangelista,
2012, p. 11).

Os grupos empresariais segundo Martins (2013), apropriando-se do discurso dos


ideólogos do neoliberalismo transformaram os testes em estratégias de responsabilização dos
professores pelas mazelas produzidas pelos sistemas públicos de ensino. Passaram a difundir
a tese da necessidade das aferições objetivas de índices padronizados como mecanismo de
verificação da qualidade da escola pública. Elegeram O Programa Internacional de Avaliação
de Alunos (PISA) como referência e fizeram a opinião pública crer que os baixos índices dos
estudantes brasileiros e a má colocação dos mesmos nos exames internacionais afetam
diretamente questões ligadas à competitividade, crescimento econômico e coesão social do
país.
Martins (2013) enfatiza que essa gestão acionou todos os seus mecanismos de
divulgação de ideias para dizer que esse desempenho ruim dos estudantes brasileiros ocorre
em função da ação dos professores. Desse modo, criou-se a atmosfera necessária para
apresentar os empresários como os únicos agentes capazes de salvar a educação brasileira e
consequentemente o Brasil. a organização “Movimento Todos Pela Educação” (TPE) é uma
espécie de síntese histórica desse processo social. A partir de uma aliança privada que por
uma questão estratégica se autodenomina apartidária, essa organização social passou a
influenciar diretamente na elaboração de políticas públicas para a educação básica brasileira.
Freitas (2012) ressalta que o movimento influenciou diretamente o Governo Lula,
auxiliando no processo de mutação da relação público/privado. O conceito de público estatal e
o público não estatal abriram diversas perspectivas para o empresariado. A divisão entre o
público e o privado tornou-se matizada. Com isso, abriu-se a oportunidade para o setor
público ser administrado pelo privado. O autor baseia-se no estudo de Pedroso (2008) que
afirma que com a chegada da privatização introduziu-se na educação a viabilidade para que
35

uma escola continue pública, mas que possua sua gestão privada. Acerca disso Freitas (p. 386)
ainda enfatiza que a escola “continua gratuita para os alunos, mas o Estado transfere para a
iniciativa privada um pagamento pela sua gestão. Há um “contrato de gestão” entre a
iniciativa privada e o governo.”
Por sua vez, Leher (2015) explica que esse movimento teve uma vitória importante
que foi incorporar a sua agenda como política governamental, segundo ele:

O que foi efetivado com o Plano de Desenvolvimento da Educação/PDE (Decreto


6.094/07, Lei 12.695/12, lei 13.005/14) que, não casualmente, foi batizado por
Haddad como “PDE: Compromisso Todos pela Educação”. Uma importante
ferramenta de política educacional foi conquistada pelo empresariado: a criação do
IDEB. Agora, não apenas o sistema de avaliação afere se as escolas estão no
“caminho certo”, como podem impor metas e, com isso, interferir no próprio
planejamento das escolas, agora balizado por índices palpáveis, quantitativos,
aferíveis pela avaliação centralizada. As escolas e professores tornaram-se reféns de
índices que esvaziam o sentido público da escola, reduzem o que é dado a pensar
(competências em português e matemática, desconsiderando as demais dimensões de
formação humana) aprofundando o apartheid educacional entre classes sociais (p.
04).

Ou seja, a partir desse movimento, desde a sua estruturação, tem-se a ocultação do


conflito que envolve as classes sociais, nesse sentido Martins (2013) explica que:

A forma como o TPE foi estruturado – a partir de um pacto entre iniciativa privada,
terceiro setor e governos – contribui para a ocultação dos conflitos entre classes e
frações de classe, tornando mais complexa a compreensão da realidade, sobretudo
no que se refere aos tênues limites entre o público e o privado – de modo a tornar
também menos nítida a distinção entre os direitos sociais e os direitos individuais.
As propostas desse grupo contribuem para sustentar a possibilidade de aliar as
práticas de mercado à justiça social, integrando e promovendo pactos por supostos
interesses em comum entre as classes sociais (p. 154).

A respeito disso Leher (2015) comenta que o padrão de acumulação nessa ótica dos
setores dominantes, desobriga uma formação com maior grau de complexidade científica e
cultural dos jovens trabalhadores. A lógica consiste em tal maneira que os locais de trabalho
constituem-se de atividade com requerimento simples de escolarização, dessa maneira tem-se
uma educação focalizada em arranjos produtivos locais (como o caso do PRONATEC), sendo
que esta pode ser menos sofisticada (conforme os arranjos educativos locais), o importante é
que seja assegurado o que a pedagogia hegemônica chama de competências básica, vinculadas
ao aprender a aprender.
36

Nesse sentido Martins (2013) chama atenção para o processo de descentralização que
ocorre para o mercado, onde se tem uma articulação entre o Estado, os setores privados e os
órgãos não governamentais, para compartilharem juntas as responsabilidades de programarem
políticas, partindo do pressuposto em que a educação pode ser assumida por qualquer
segmento dentro da sociedade, não necessariamente sendo uma responsabilidade única e
exclusiva do Estado.
A respeito do “Todos Pela Educação”, Leher e Evangelista (2012) apresentam que
houve uma convocatória através do setor bancário, liderado pelo Itaú, articulando-se com o
setor de commodities. Essa convocatória foi expandida pelo Itaú Unibanco Holdings S.A. e
passou a contar com outras entidades e organizações representativas de frações do capital.
Ainda segundo esses autores:

A convocatória da holding financeira partiu da constatação de que as corporações


estavam atuando em centenas de grandes projetos educacionais com objetivos
educacionais pertinentes, afins aos interesses corporativos que os patrocinam, mas
que a dispersão dos esforços impedia uma intervenção “de classe” na educação
pública, objetivo altamente estratégico, pois envolve a socialização de mais de 50
milhões de jovens, a base da força de trabalho dos próximos anos. Os setores
dominantes, após a articulação política dos grupos econômicos em prol do
movimento, passaram a atuar por meio de suas fundações privadas ou de suas
Organizações Sociais, como Itaú-Social, Faça Parte, Ayrton Senna, Roberto
Marinho, Gerdau, Victor Civita, Abril, Bunge, DPaschoal, Bradesco, Santander,
Vale, PREAL, Lemann, entre outras (p. 07).

Como exposto pelos autores acima, percebe-se que essa educação de “resultados”
defendida pela Organização “Movimento Todos Pela Educação” tem como princípio a divisão
social do trabalho a partir de um princípio de classe. Com isso, Martins (2013) aponta que os
grupos de empresários, partem de sua posição de poder, que é privilegiada, e assim
apresentam posicionamentos e estratégias no sentido de discutirem, planejarem e tomarem
decisões políticas e influenciarem as políticas públicas nas três esferas de governo. Assim, o
que se percebe de acordo com a autora é que “suas estratégias, essencialmente no que tange o
fomento da filantropia, do voluntariado e da responsabilidade social empresarial, se efetivam
através de uma ação organizada que ultrapassa o âmbito da produção e da lucratividade
imediata” (p. 03).
Um ponto importante que Martins (2013) aponta foi o fato em que os grupos
empresariais, que futuramente formariam o “Todos Pela Educação”, durante a primeira
década dos anos 2000 começaram a estimular organizações, de modo que, em parceria com o
poder público tinham interesse em atuar nas mais distintas áreas da administração pública.
37

Nesse sentido, Leher (2015) enfatiza que expressou-se essa liderança do setor financeiro no
bloco do poder e no estado maior do capital, onde os bancos convocaram uma aliança mais
ampla e orgânica, com o objetivo de interferir na educação, por meio do “Todos Pela
Educação”. Atuando então em forma de partido esse movimento incorporou as iniciativas
burguesas na educação, que até então se encontravam dispersas, e estabeleceu uma agenda em
forma de metas e compromissos que segundo as palavras do autor "organizou um robusto
aparato de circulação de suas ideias nos grandes meios de comunicação, situação facilitada
pela adesão dos mesmos ao TPE” (p. 04).
Parte dos sócio-fundadores do “Todos Pela Educação”, de acordo com Martins (2013,
p. 28) cientes de que para influenciarem a opinião pública da necessidade das reformas
educacionais “[...] tem como uma de suas estratégias incorporarem intelectuais que atuem
junto às instâncias de poder, às universidades, às associações de classe ou aos canais
influentes de comunicação.” Isso é o que se pode chamar de ação de partido, travestida de
apartidária.
Ainda segundo a autora, submetido pelas determinações do mercado internacional e
pressionado pela ideia de sistema educacional falido, criada pela força midiática da elite
empresarial brasileira, o Governo então buscou um processo de reorganização da educação
pública. Partindo da premissa da ideologia do mérito ou da meritocracia passou a pensar e
organizar o Sistema de Ensino Nacional a partir da perspectiva da melhoria dos índices
educacionais e do financiamento do treinamento de mão de obra para o mercado de trabalho.
Freitas (2012) acentua outros dois conceitos fundamentais para o entendimento do
empresariamento da educação brasileira, são eles: responsabilização e meritocracia. Acerca da
primeira o autor (p. 383) ressalta que gira em torno de “expectativas de aprendizagens
medidas em testes padronizados, com ênfase nos processos de gerenciamento da força de
trabalho da escola (controle pelo processo, bônus e punições)” e apresenta o estudo de Kane e
Staiger (2002). Ambos destacam que um sistema de responsabilização envolve três elementos,
no caso, os testes para os estudantes, a divulgação pública do desempenho da escola e
recompensas e sanções. A meritocracia segundo Freitas (2012) se insere a partir das
recompensas e sanções no interior do sistema. A divulgação dos resultados das escolas é uma
exposição pública que envolve recompensas, sanções e responsabilização, para o autor:
38

Ela [meritocracia] está na base da proposta política liberal: igualdade de


oportunidades e não de resultados. Para ela, dadas as oportunidades, o que faz a
diferença entre as pessoas e o esforço pessoal, o mérito de cada um. Nada é dito
sobre a igualdade de condições no ponto de partida. No caso da escola, diferenças
sociais são transmutadas em diferenças de desempenho e o que passa a ser discutido
e se a escola teve equidade ou não, se conseguiu ou não corrigir as “distorções” de
origem, e esta discussão tira de foco a questão da própria desigualdade social, base
da construção da desigualdade de resultados (p. 383).

Contudo, apesar do caráter ilusório de uma política assentada em tal princípio, o


grande movimento de partido do “Todos Pela Educação” surtiu efeito. No ano de 2007 o
Governo Federal, com o Presidente Lula da Silva e o Ministro da Educação Fernando Haddad
encaminhou ao congresso nacional o decreto 6.094/07, que institui o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) e lançou para sua consolidação o “Plano de Metas
Compromisso Todos Pela Educação”, um conjunto de 28 diretrizes que reproduzem em larga
escala o documento “Compromisso Todos Pela Educação”, apresentada à sociedade brasileira
em 6 de setembro de 2006 pela organização “Movimento Todos Pela Educação.”
No artigo 4º do ‘capítulo III: ‘Da Adesão ao Compromisso’, do Decreto 6.094 afirma-
se que “a vinculação do Município, Estado ou Distrito Federal ao Compromisso far-se-á por
meio de termo de adesão voluntária, na forma deste Decreto.” Porém, Leher (2015) desmente
essa afirmação, ao mostrar que essa adesão ao Compromisso Todos pela Educação acaba se
tornando obrigatória. Segundo o autor “a adesão ao plano de Metas é obrigatório para que as
escolas sejam cadastradas no módulo do Programa de Ações Articuladas, sem o qual a escola
não pode contar com os programas federais” (p. 04). Ou seja, ainda que esta adesão seja
colocada como voluntária, no Decreto, caso a escola opte por isso, esta fica impedida, por
exemplo, de ser beneficiada por programas como o “Mais Educação”.
Essa Lei “Todos Pela Educação” vincula a educação brasileira à ideologia do mérito,
da aferição dos índices. Mais que dizer que trata-se de uma ação de partido do todos deve-se
deixar claro que o que se tem com essa lei é a criação de um sistema de ensino pautado pelos
índices, pelos testes em larga escala, pelo treinamento dos alunos, pelo privilégio de áreas do
conhecimento e exclusão de outras. A análise da Lei que cria o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB) permite uma melhor compreensão.
39

3.4 O QUE ESCONDE A EDUCAÇÃO DE RESULTADOS: CRÍTICA AO IDEB

Como exposto anteriormente, uma vitória importante desse movimento foi a


implementação de uma nova ferramenta dentro da política educacional, mais especificamente,
a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que como Leher (2015)
coloca, tanto escola quanto professores tornam-se reféns aos índices. Nesse sentido,
apresentaremos o que é o Ideb e o que ele representa para a educação básica do país.
Muito em função da ação de partido da organização “Movimento Todos Pela
Educação” foi consolidado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), tendo como
premissa elementar o Ideb. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) o plano com o Ideb tem como prioridade uma educação
básica de qualidade, pelo menos é o que o Inep (2011) apresenta em seu portal virtual,
segundo eles “[...] investir na educação básica significa investir na educação profissional e na
educação superior, porque elas estão ligadas, direta ou indiretamente.”
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) ancora-se em dois princípios:
fluxo escolar e média de desempenho nas avaliações. “Agrega ao enfoque pedagógico dos
resultados das avaliações em larga escala do Inep a possibilidade de resultados sintéticos,
facilmente assimiláveis, e que permitem traçar metas de qualidade educacional para os
sistemas” (PORTAL INEP, 2011).
O Ideb é calculado e divulgado periodicamente pelo Inep a partir dos resultados dos testes
de larga escala, que são os principais balizadores do Censo Escolar. Como exposto no site
oficial do Inep (2011) “os índices de aprovação são obtidos a partir do Censo Escolar,
realizado anualmente pelo Inep. As médias de desempenho utilizadas são as da Prova Brasil
(para Idebs de escolas e municípios) e do Saeb (no caso dos Idebs dos estados e nacional).”
Para, além disso, de acordo com o Inep (2011):

Uma vez que o índice é comparável nacionalmente e expressa em valores os


resultados mais importantes da educação: aprendizagem e fluxo. A combinação de
ambos tem também o mérito de equilibrar as duas dimensões: se um sistema de
ensino retiver seus alunos para obter resultados de melhor qualidade na Prova Brasil,
o fator fluxo será alterado, indicando a necessidade de melhoria do sistema. Se, ao
contrário, o sistema apressar a aprovação do aluno sem qualidade, o resultado da
Prova Brasil indicará igualmente a necessidade de melhoria do sistema.

Com isso o Inep passou a apresentar como uma de suas principais prerrogativas
produzir os indicadores de desempenho e rendimento, e divulgar os resultados das provas
nacionais e fazer a projeção da melhoria do Ideb do País. O próprio Inep indica que “as metas
40

individuais, calculadas bienalmente de 2007 a 2021, terão o objetivo de fomentar a redução da


desigualdade entre as redes e contribuir para o Brasil atingir a meta nacional estabelecida para
2022, ano do bicentenário da Independência” (PORTAL INEP, 2011).
Sendo assim, considera-se o Ideb como importante por este “ser condutor de política
pública em prol da qualidade da educação. É a ferramenta para acompanhamento das metas de
qualidade do PDE para a educação básica” (PORTAL INEP, 2011). Com isso, o PDE
estabelece como prazo o ano de 2022, para que o Ideb do Brasil seja de 6,0, que no caso seria
a média que corresponderia aos sistemas educacionais de qualidade comparável a de países
desenvolvidos.
Segundo o Portal do Inep (2011) o Ideb é mais um indicador estatístico “ele nasceu
como condutor de política pública pela melhoria da qualidade da educação”, como exposto no
site oficial do Instituto na internet:

Sua composição possibilita não apenas o diagnóstico atualizado da situação


educacional em todas essas esferas, mas também a projeção de metas individuais
intermediárias rumo ao incremento da qualidade do ensino. As metas são
exatamente isso: o caminho traçado de evolução individual dos índices, para que o
Brasil atinja o patamar educacional que têm hoje a média dos países da OCDE. Em
termos numéricos, isso significa evoluir da média nacional 3,8, registrada em 2005,
para um Ideb igual a 6,0, na primeira fase do ensino fundamental.

Essas metas intermediárias de cada município e estado são diferentes, de modo que, as
que possuem o Ideb mais baixo, devem esforçar para chegarem mais próximas da meta
nacional, em contrapartida as que possuem o Ideb mais alto, devem buscar superar a meta
para o Brasil, como explicado no site oficial do Inep (2011):

Metas são diferenciadas para cada rede e escola. As metas são diferenciadas para
todos, e são apresentadas bienalmente de 2007 a 2021. Estados, municípios e escolas
deverão melhorar seus índices e contribuir, em conjunto, para que o Brasil chegue à
meta 6,0 em 2022, ano do bicentenário da Independência. Mesmo quem já tem um
bom índice deve continuar a evoluir. No caso das redes e escolas com maior
dificuldade, as metas prevêem um esforço mais concentrado, para que elas
melhorem mais rapidamente, diminuindo assim a desigualdade entre esferas. O
Ministério da Educação prevê apoio específico para reduzir essa desigualdade.

Desde 2005, foram estabelecidas metas bienais nacionais para as escolas, no sentido
de sugerir que atingir esses padrões objetivos corresponderia a aproximar-se
41

quantitativamente dos índices dos países da Organização para a Cooperação e


Desenvolvimento Econômico (OCDE).

α 
O Ideb, esse índice nascido por meio da articulação privada do “Movimento
Todos Pela Educação” que tornou-se a expressão do que deve ser entendido como “educação
de resultado”, mascara o problema da educação. Por trás da ideia de objetividade, de
eficiência, de mensuração tem se um grande aparente que necessita ser questionado em sua
essência, qual seja a ideologia do produto nota.
De acordo com o Inep (2011) a forma geral do Ideb é dada por (1):

IDEB ji = N ji Pji ; 0 ≤ N j ≤ 10 ; 0 ≤ Pj ≤ 1 e 0 ≤ IDEB j ≤ 10 (1)

em que,
i = ano do exame (Saeb e Prova Brasil) e do Censo Escolar;

N ji = média da proficiência em Língua Portuguesa e Matemática, padronizada para um

indicador entre 0 e 10, dos alunos da unidade j, obtida em determinada edição do exame
realizado ao final da etapa de ensino;

Pji = indicador de rendimento baseado na taxa de aprovação da etapa de ensino dos alunos da
unidade j;
Em (1), a média de proficiência padronizada dos estudantes da unidade j, N ji, é

obtida a partir das proficiências médias em Língua Portuguesa e Matemática dos estudantes
submetidos a determinada edição do exame realizado ao final da etapa educacional
considerada (Prova Brasil ou Saeb). A proficiência média é padronizada para estar entre zero
e dez, de modo que 0 ≤ IDEB ≤ 10 . N ji é obtida de acordo com (2).

α α
N ji = n lpji + n matji α S ji − S inf
e n ji = α
*10 (2)
2 Sα − S

sup Inf
em que,
α
n ji = proficiência na disciplina α, obtida pela unidade j, no ano i, padronizada para valores entre
0 e 10;

α disciplina (Matemática ou Língua Portuguesa);


α
S ji = proficiência média (em Língua Portuguesa ou Matemática), não padronizada, dos
alunos da unidade j obtida no exame do ano i;
42

α
S inf = limite inferior da média de proficiência (Língua Portuguesa ou Matemática) do Saeb
1997;
α
S sup = limite superior da média de proficiência (Língua Portuguesa ou Matemática) do Saeb
1997.
α α
Para as unidades escolares (ou redes) que obtiverem S ji < S inf , a proficiência média é
α α α
fixada em S inf . Por sua vez, aquelas unidades que obtiverem S ji > S sup têm o desempenho
α
fixado em S sup .

Nesse sentido, o empresariado apresenta como racionalidade em que o principal fator


para saber se as escolas possuem qualidade ou se estão no caminho certo, gira em torno de seu
Índice (Ideb). Porém, outras análises (que não são mostradas) podem ser feitas a partir desses
resultados, como explica Inês Kisil Miskalo (2012), Coordenadora da área de educação
formal do Instituto Ayrton Senna, em entrevista ao Portal Aprendiz, segundo ela “O aumento
do Ideb não está diretamente vinculado à aprendizagem. As crianças são mais aprovadas não
exatamente porque sabem ou se desenvolveram mais, mas porque o sistema começa a garantir
um fluxo escolar melhor”.
Por sua vez, Leher (2015) expressa que o Ideb foi um mecanismo de política
educacional conquistado pelo empresariado, segundo o autor, agora não somente o sistema de
avaliação é quem afere se as escolas estão no “caminho certo”, mas também podem ser
impostas metas, que podem inclusive interferir no planejamento das escolas, por meio de
índices palpáveis, quantitativos e aferíveis pela avaliação centralizada.
Ocorre-se então avaliações padronizadas, que segundo Leher (2015):

Na educação básica, este processo vem ocorrendo por meio de uma miríade de
iniciativas articuladas que pretende erodir os últimos fundamentos públicos da
educação em prol de uma escola em que o que é dado a ensinar está limitado a livros
didáticos e, cada vez mais, a apostilas elaboradas por corporações que, no lugar de
conhecimentos científicos, veicula os referidos descritores de competências a serem
aferidos pelos sistemas centralizados de avaliação que dão suporte ao Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (p. 03).

Freitas (2012) analisa essa racionalidade educativa identificando-a como educação


balizada em testes. Dessa forma o autor fala sobre os impactos desse sistema meritocrático,
criticando a aplicação dessas políticas nas redes de ensino, que ele caracteriza como
desperdício de recursos, com isso, respaldando-se no estudo de Hout e Elliot (2011),
apresentando programa semelhante nos Estados Unidos, segundo ele:
43

Os programas de incentivo baseados em testes, como concebidos e implementados


nos programas que foram cuidadosamente estudados, não têm aumentado o
desempenho dos estudantes o suficiente para que os Estados Unidos atinjam os
níveis de realização mais altos de outros países. Quando avaliados usando testes de
baixo impacto pertinentes, que são menos susceptíveis de serem inflados pelos
próprios incentivos dados, os efeitos globais sobre o desempenho tendem a ser
pequenos e são efetivamente zero para um certo número de programas (HOUT E
ELLIOTT, (2011) apud (FREITAS, 2012, p. 385).

Com isso, Freitas (2012) crítica esse tipo de programa com incentivos baseados em
testes, para ele, esse tipo de experiência só revela como os gestores da política demonstram
descaso em se tratando da dimensão ética de sua ação. Esse tipo de política pública quando
praticada sem algum tipo de evidência empírica não apresenta erro somente se tratando de
gasto inadequado de dinheiro, para ele isso “caracteriza violação da ética já que não se devem
fazer experimentos sociais com ideias pouco consolidadas pela evidência empírica disponível.
A avaliação mexe com a vida de alunos, professores, pais e gestores” (p. 386).
Os resultados desses exames que balizam a educação segundo Leher e Evangelista
(2012) possuem um caráter cínico que visa convencer a população de que a educação pública
é de má qualidade, por culpa dos professores, e de que o serviço estatal é ruim devido a um
problema de gestão incompetente. Segundo os autores (p. 12) essa é “uma das raízes axiais”
neogerencialismo que vem invadindo o debate público dos anos 1990 em diante, abrindo
caminho para essa inserção do empresariado na educação. Esses “supostamente portadores da
varinha de condão cujo toque conduzirá a educação à “boa qualidade”, afinal, os empresários
sabem buscar resultados!” (p. 12).
Com isso, Paro (1999) critica essa perspectiva educacional que tem como objetivo
somente que os muitos milhões de alunos de nossas escolas apenas se saiam bem nas provas
realizadas para medir aquisição de conteúdos, para ele, é necessário uma perspectiva
educacional que comprometa-se “com uma escola que, acima de tudo, concorra para a
apropriação dos valores de cidadania e o desenvolvimento de comportamentos compatíveis
com a colaboração recíproca entre os homens, para além das leis naturais do mercado” (p.
116). Para o autor as coisas devem tomar um rumo diferente, saindo dessa concepção
conservadora onde o importante é apenas que os alunos aprendam o máximo de conteúdos das
disciplinas tradicionais, tais como Português e Matemática.
Dessa forma, na entrevista ao Portal Aprendiz, a coordenadora de educação do
Instituto Ayrton Senna, Inês Kisil Miskalo (2012) apresenta que o crescimento do Ideb não
necessariamente diz respeito ao aluno ter aprendido mais, para ela muitas vezes isso ocorre
pelo fato dos estudantes estarem sendo menos reprovados, nesse sentido ela comenta que
44

“pode estar ocorrendo uma exclusão dos que estão piores e aprovação dos que estão melhores,
por exemplo. Podemos chegar a uma estagnação do Ideb. O fluxo escolar pode estar
melhorando, mas não com bom desempenho”.
Freitas (2012, p. 392/393) chama esse processo de fraude, para o autor “as variáveis
que afetam a aprendizagem do aluno não estão todas sob controle do professor. Esta pressão e
controle produzem um sentimento de impotência, associada à necessidade de sobreviver, que
tem levado à fraude.” Além disso, respalda-se em Tucker (2010), Georgia (2011) e Leung
(2004), e comenta que por vezes tem-se casos de ajuda do próprio professor durante a
realização dos exames, quando isso não ocorre até mesma na alteração da nota que o aluno
obteve no exame.
A respeito disso Scachetti (2012) apresenta que há relatos de escolas que não
respeitam o processo de avaliação, ou seja, fraudam/manipulam o processo de avaliação. Isso
ocorre segundo ela, pois algumas escolas colocam apenas aqueles estudantes com melhor
desempenho para realizá-la, “coincidentemente” os com baixo desempenho faltam no dia que
a mesma é aplicada. Dessa forma a autora realiza uma crítica a isso, apontando como uma
maneira de querer chegar ao topo, o que é causado devido o principal foco ser as listas, no
caso, o ranking. Além disso, ela afirma que grupos de economistas ligados a essa questão
esmiuçaram dados da Prova Brasil 2009, e constataram que a cada quatro alunos, um faltou à
realização da prova.
Esse fator por vezes pode estar relacionado com as verbas ou bonificações que são
repassadas às escolas de acordo com suas colocações no Ideb. Como o estudo de Borin (2011,
p. 33) onde ela apresenta que “a Coordenadoria percebe que as próprias escolas acabam
querendo superar as demais para receber a verba, e sentem-se prestigiadas quando alcançam
ou superam os índices e recebem a verba.”
Tais fatores puderam ser vistos na prática com a acusação de escolas estaduais de
Goiás, de expulsarem alunos para melhorarem o Ideb, como noticiado em reportagem do
Portal G1. Os alunos que apresentavam mau comportamento e rendimento baixo no Ideb eram
desligados da escola. O objetivo disso era receber mais verba da Seduce. Acerca disso, em
entrevista ao G1, Dantas (2013) representante do Conselho Tutelar disse o seguinte: “estão
procurando o meio mais fácil. O meio mais fácil é chamar o pai do aluno e dizer: 'Está aqui a
transferência do seu filho, Procure outra escola”.
Essas bonificações aparecem como uma forma de “motivação” para que as escolas
atinjam o objetivo, ou seja, melhoraria dos índices. A Seduce, por exemplo, conta com o
chamado “prêmio escola nota 10”. Para que a escola consiga o bônus, um dos critérios é
45

apresentar nota entre 8,5 a 10 no Índice de Desempenho Escolar (IDE). Portanto, contrariando
Borin (2011) que ressalta que somente o aporte de recursos por si só não consegue ocasionar
em uma evolução do Ideb, no caso, a melhoria da educação.
A respeito da verba do Ideb destinada as escolas, Borin (2011, p. 35) comenta que “a
verba é direcionada (transporte, alimentação, material permanente...), existe um formato pré-
determinado na utilização das verbas. O não cumprimento das exigências burocráticas implica
perda de verba para a unidade escolar.” Com isso, Freitas (2012) apresenta reportagem da
Folha de S. Paulo, realizada por Setubal (2012) onde ela comenta esse sistema de bônus cria
competição que causa danos, de modo que afastam os professores bons dos alunos ruins.
Isso implica no que Freitas (2012) elenca como ‘aumento da segregação
socioeconômica no território’ e ‘aumento da segregação socioeconômica dentro da escola’.
No primeiro caso o autor cita que as escolas podem especializar-se em uma clientela
específica de alunos, sendo assim, vão travando a entrada dos alunos de risco (alunos com
baixo desempenho), e dessa maneira vão direcionando esses alunos para outras escolas.
No segundo caso, Freitas (2012) comenta que quando tal seleção não ocorre na
entrada, ela aparece na própria sala de aula, onde as escolas criam turmas com os estudantes
que se destacam, para que este “segurem” a média visando os benefícios, verbas,
bonificações. Sendo assim, ocorre então a segregação daqueles alunos tidos como risco. Com
isso, baseado no estudo de Neal e Schanzenbach (2010), Freitas (2012) explica que tem-se
então pressões para que os professores segreguem os alunos de alto e baixo desempenho e
concentrem-se no centro, ou seja, naqueles que estão próximos de atingirem a média.
Outro ponto apresentado por Freitas (2012) são pressões acarretadas nos alunos para
que este apresentem bons desempenhos. O autor explica que a lógica consiste em políticas de
responsabilização que pressionam os professores, no intuito que estes obtenham desempenhos
crescentes dos alunos, “para tal, associam o desempenho do aluno ao próprio pagamento dos
professores. Premidos pela necessidade de assegurar um salário variável na forma de bônus,
os professores pressionam seus alunos, aumentando a tensão entre estes” (p. 391). Dessa
forma, os alunos são pressionados por meio de simulados e atividades preparatórias para os
testes, ocasionando em um desgaste neles.
Em reportagem do Jornal Informativo Regional de Goianésia e Vale do São Patrício,
Bordoni (2014) provoca dizendo que “os governadores sucateiam a educação em seus
Estados, determinam que se aprove ao máximo e o MEC, feliz com os índices que melhoram
a imagem do país junto aos organismos da ONU, bate palmas.”. Para o autor “é sempre bom
lembrar aos festeiros do índice de que esse crescimento na nota do Ideb também se dá pelo
46

número de alunos que se evadiram. Quanto menos pessoas você avalia, mais a chance de elas
terem um resultado melhor” (BORDONI, 2014, p. 1).
Por sua vez, Paro (1999) respalda-se em Gentili (1995), para ele se tratando de
políticos, empresários, intelectuais e sindicalistas conservadores, todo e qualquer debate
vinculado à educação sempre receberá o argumento problema de “custos”. Nesse sentido, os
autores abordam que nessa altura dos acontecimentos o que está em jogo é educar “para a
cultura do trabalho”, simplificando “educar para a cultura do mercado”, com isso cada vez
mais terminologias como eficiência, produto educativo, rentabilidade, produtividade, custo da
educação, competição efetiva, excelência, cliente-aluno, dentro outros termos estarão
presentes no vocabulário dos que pregam essa nova oratória.
Desse modo, Borin (2011) enfatiza que a respeito do Ideb estar vinculado à qualidade
da educação no país, sendo ele o mecanismo para indicar os reflexos dessa nova forma de
gestão em relação às políticas públicas, temos então uma divisão no campo educacional “de
um lado os que lutam por uma educação efetiva, de qualidade e acesso a todos e de outro
aqueles que utilizam a educação para fins econômicos, através de práticas mercadológicas e
gerencialistas” (p. 38/39).
Com isso, Scachetti (2012) aponta que olhar apenas para o resultado não é o caminho,
pois somente ele não traz toda a dimensão daquilo que representa, e do que fica fora do
cálculo, nesse sentido, ela afirma que a lei que objetiva colocar o Ideb na porta das escolas
está totalmente equivocada, para a autora “a placa daria a impressão de que se está entrando
em uma escola nota 5. Porém, na realidade, a Educação guarda muitas outras implicações” (p.
02).
Contudo, as políticas educacionais defendidas pelos reformadores empresariais, de
acordo com Freitas (2012) não são baseadas em evidências empíricas consistentes. Para
Scachetti (2012) a forma como o Ideb vem sendo divulgado e debatido não contribui de forma
direta para a melhoria da educação, do jeito que está o que se tem é um retrato, mas que não
consegue avançar como poderia. Para a autora, isso não significa dizer que o Ideb enquanto
mecanismo de aferição de índices deve se tornar dispensável, pois o mesmo “é, sim, um
instrumento importante e, como tal, deve sempre ser avaliado e ajustado para que sua análise
permita intervir e melhorar a qualidade do ensino, em vez de apenas gerar classificações” (p.
02).
Freitas (2012), por sua vez, ainda lembra a necessidade de o estado ser o responsável
pela garantia da boa educação para todos, portanto, segundo o autor:
47

A tese dos reformadores empresariais, neste ponto, termina desresponsabilizando o


Estado quando convém – ou seja, quando está em jogo, por um lado, o faturamento
das corporações educacionais e, por outro, o controle ideológico do sistema
educacional pelas corporações empresariais para colocá-lo a serviço de interesses de
mercado, estreitando as finalidades educativas (p. 387).

Dessa maneira, Freitas (2012) afirma ser fundamental nos contrapormos a essa
hipocrisia que vem sendo pregada. Entende ser necessária uma ação de classe por parte dos
trabalhadores no sentido de defender uma educação pública, gratuita, laica e administrada
pelo estado, pois os empresários agem em sentido de classe na defesa dos interesses
hegemônicos que não por acaso são os seus.
Compreendendo essa reforma educacional que ocorre na década de 1990, e que está
presente nos dias atuais, com o que chamamos de Educação de Resultados, quando
apresentamos o Ideb e toda essa organização de índices e metas, com isso, o próximo capítulo
irá abordar uma escola que segue essa lógica, e que apresentou tais dados caracterizados
acima da média.
48

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 A ESCOLA DE RESULTADOS E SEU CONTEXTO NA PRÁTICA

No capítulo anterior apresentamos qual o rumo a educação vem levando após as


reformas educacionais que aconteceram na década de 1990, no sentido em que o
empresariado adentrou-se na gestão da mesma, de modo que as escolas aderissem então um
ensino balizado por índices e metas. Percebe-se então que o princípio de classe continua
sendo o grande pressuposto da organização da escola brasileira, especialmente após essas
reformas.
Neste capítulo abordaremos a realidade de uma escola que segue esse princípio,
porém, não estamos falando de qualquer escola, mas de uma instituição que organiza seu
trabalho pedagógico a partir de uma perspectiva de classe, ou seja, tendo a ideologia do
mérito ou da igualdade de oportunidade como princípio, cujo principal objetivo é a aprovação
em exames. Trata-se de um caso exemplar disso que estamos chamando de educação de
resultados.
Apresentaremos essa instituição objetivando responder qual o real sentido da
Educação Física dentro de uma educação balizada pela racionalidade dos índices e das metas.
O campo de pesquisa trata-se de uma escola situada na região norte de Goiânia, em um
bairro nobre, que recebe alunos do sexto, sétimo e oitavo e nono ano do ensino fundamental, e
do ensino médio.
A escola conta com uma infraestrutura de primeira linha, sendo três prédios, salas
amplas (com número reduzido de alunos) e climatizadas, janelas amplas e portas de blindex,
lousas interativas, banda larga, carteiras ergonômicas, ar condicionado, escaninhos privativos
para os alunos, segurança e monitoramento por meio de 64 câmeras (inseridas em todas as
entradas e saídas, nas salas de aula, nos corredores, nos pátios e nas áreas comuns), possui
área de embarque e desembarque de três mil metros quadrados (300m²), espaço para 200
carros simultâneos, além de ser uma área totalmente protegida, cercada, urbanizada e
arborizada.
Como abordado no capítulo anterior, onde falamos a respeito do que vem a ser essa
educação de resultados, que atualmente tem modelado a educação brasileira, esta Instituição
apresenta índices acima da média.
O website da escola apresenta os dados do Ideb como estratégia de marketing ou de
venda do produto educação. De acordo com o Portal da Escola (2016):
49

Dentre os colégios que formam seus alunos ao longo do ensino fundamental II até o
Enem mantendo menos de 30% de evasão nesses sete anos, conforme cruzamentos
de IDEB em relação aos processos seletivos de 2011, 2013 e 2014, estamos entre as
10 melhores escolas do país. É importante ressaltar que esses resultados foram
obtidos apenas com os alunos de nossas duas 3 Séries (aproximadamente 80 alunos),
na faixa dos 17 anos, já que não temos salas de cursinho. Em 2014 ficamos entre as
100 melhores escolas do país em número gerais, posição que mantivemos em 2015.

Ainda sobre os índices desta escola, a mesma figurou entre as 100 melhores do país
nos anos de 2014 e 2015, no ENEM. Contabilizando os resultados deste exame somente entre
as instituições situadas no Estado de Goiás, a escola aparece na terceira colocação nos anos de
2013 e 2015. Porém, os altos índices não ficam somente no Exame Nacional do Ensino
Médio, em outras provas que são realizadas pelo Inep a instituição também obteve resultados
satisfatórios, como no caso das Olimpíadas de Matemática, onde figurou no topo nos últimos
dois anos.
A respeito desses índices elevados atingidos pela Instituição, perguntamos então ao
Coordenador pedagógico da escola a respeito da principal diferença formativa da escola que a
fizeram chegar neste patamar, ele respondeu:

Eu acho que principalmente os bons índices eles são alcançados porque a gente
observa cada aluno aqui dentro como um ser humano, eles não são um número, eles
não são uma mensalidade, eles não são é só preencher uma sala, eles são cada um
com sua particularidade, cada um com as suas necessidades, cada um com as suas
atenções, com as suas qualidades e os seus defeitos, então uma coisa que a gente
prega muito aqui na Instituição é, cada aluno ele tem, todos nós temos um nome, e
aqui cada aluno tem o seu nome, ou seja, o que que isso, é ele ser visto como ele,
como indivíduo, cada particularidade, então o aluno tal ele tem tal e tal e tal
acompanhamento por isso, por isso, por isso, aluno tal ele tem dificuldade em tal
área, aluno tal ele facilidade em tal área, então eu acho que a questão dos índices é
consequência dessa visibilidade que a gente dá pra cada caso, que a gente trabalha
nas dificuldades, o sucesso ele é resultado, ele é consequência, então
necessariamente quando você trabalha em cima das especificidades, ou seja, em
cima das dificuldades, em cima das qualidades, exaltando as qualidades e
trabalhando essas dificuldades o sucesso ele se torna consequência, ele se torna só
um processo, então se você trabalha na base, efetivamente lá na frente você vai
colher um resultado positivo, acho que é muito por aí, tem tal e tal e tal
acompanhamento por isso, por isso, por isso, aluno tal ele tem dificuldade em tal
área, aluno tal ele facilidade em tal área, então eu acho que a questão dos índices é
consequência dessa visibilidade que a gente dá pra cada caso, que a gente trabalha
nas dificuldades, o sucesso ele é resultado, ele é consequência, então
necessariamente quando você trabalha em cima das especificidades, ou seja, em
cima das dificuldades, em cima das qualidades, exaltando as qualidades e
trabalhando essas dificuldades o sucesso ele se torna consequência, ele se torna só
um processo, então se você trabalha na base, efetivamente lá na frente você vai
colher um resultado positivo, acho que é muito por aí.
50

Percebe-se então uma contradição nessa fala, já que a escola possui como slogan em
seu portal na internet o seguinte lema “os resultados comprovam a excelência do ensino”,
acima de imagens de alunos que foram aprovados em Universidades de todas as regiões do
país. Além disso, conta com um link em seu site mostrando apenas os resultados recentes,
onde só aparecem às aprovações em primeiro, segundo e terceiro lugar, aprovações nas
demais colocações não aparecem, ainda que os alunos sejam vistos como seres humanos e não
números e mensalidades.
Com os dados apresentados acima, comprova-se então que a Instituição segue essa
racionalização do resultado, que passa a ser implementado no Brasil a partir da década de
1990, onde a educação torna-se balizada em índices e metas. Com o cenário atual da educação
voltado para esse balizamento. Nesse sentido, buscamos entender qual o princípio da escola,
para isso, perguntamos ao coordenador pedagógico da Instituição a respeito disso, ele
respondeu:

Princípios da escola, aqui é difícil falar sobre princípios da escola porque a gente
trata a instituição como família. É você pensar em quais são os princípios de uma
família, é você ter o respeito em primeiro lugar, é você perceber o outro, é você
respeitar, é você se colocar no lugar do outro, é você ajudar o outro, é você estar
pronto pra ajudar, pra servir, pra uma palavra carinhosa, mas ao mesmo tempo uma
palavra firme, não necessariamente é o fato de você estar sempre próximo, sempre
acompanhando significa que você vá perder a firmeza ou a retidão dos seus
princípios, muito pelo contrário. Quando é preciso a gente fazer, vamos dizer assim,
a "carinhagem", a gente acarinha, quando é preciso a gente ser firme, ser enérgico a
gente sabe também, então acho é que essa medida que são os princípios básicos, eu
acho que é essa questão do respeito, da atenção, do compromisso, do
comprometimento, da seriedade. Então esses são alguns que eu considero como
princípios fundamentais, mas que acaba que são consequência, a gente vendo a
escola como uma família, porque os meninos, muitos deles aqui passam cerca do dia
inteiro aqui, vão em casa pra dormir, né, é o caso da terceira série que tem aula na
parte da manhã, tem aula na parte da tarde, então assim, em muitos casos eles ficam
aqui, eles tem contato com a gente quase que o dia inteiro, então nós nos tornamos
uma família. E de maneira geral a família tem sua parte de respeito, de
companheirismo, de comprometimento, acho que esses são pilares necessários e
fundamentais pro desenvolvimento da escola.

A Escola, como em outras Instituições de ensino, conta com seu organograma


administrativo de modo hierarquizado. Nesse sentido, até o momento que foi pré-estabelecido
que faríamos a pesquisa nesta escola, a mesma possuía um dono, porém, durante este processo
foi vendida para uma empresa, o que será comentado com mais clareza posteriormente. Dessa
forma, a hierarquia da escola constituí(a)-se da seguinte maneira: proprietário da escola
(atualmente empresa que comprou), direção, coordenação, corpo docente e demais
funcionários e alunos. Acerca disso o coordenador pedagógico do sexto e sétimo ano afirma:
51

A gente já tem um organograma muito bem definido de maneira geral, já é muito


automático. Mas a gente tem muito bem definido a questão da direção e das
coordenações, e o que é a atribuição de cada ano. Nós temos aqui é separado, então
o sexto e o sétimo ano tem uma coordenação específica, coordenadora e auxiliar.
Oitavo e nono ano também, coordenadoras específicas e auxiliares. Cada faixa etária
tem uma ideia diferente né, eles tem uma linguagem específica, então a gente tem
esse olhar atento, próximo... Como falei no começo, é a questão de você estar
próximo do aluno vendo suas especificidades. Sexto e sétimo dentro de suas
especificidades, oitavo e nono também, o ensino médio também. Cada segmento
desse com uma coordenação diferente.

Isso evidencia o caráter comercial da instituição, ou seja, o discurso da família (o qual


foi exposto acima nos princípios da escola) do cuidado esconde o princípio da educação como
produto altamente rentável. As mensalidades da instituição reforçam essa questão, no ano de
2013, a mensalidade do sexto ano girava em torno de R$ 850,00, enquanto no terceiro ano do
ensino médio o valor entrava na casa dos R$ 1110,00.
Em 2013 a escola apareceu na terceira colocação no ranqueamento do Enem, no
estado de Goiás, ocasionando em um aumento das mensalidades no ano de 2014, onde os
valores das turmas citadas passaram a ser R$980,00 e R$1300,00 respectivamente.
No ano de 2014 a instituição novamente apareceu no ranqueamento do ENEM,
destaca-se que desta vez figurou entre as 100 melhores escolas do país, onde novamente
introduziu um novo aumento das mensalidades no ano seguinte, no caso, 2015, onde as
mensalidades dessas duas turmas subiram para R$ 1097,00 e R$ 1456,00 respectivamente.
No ano de 2015 a escola aparece em terceiro no estado de Goiás e entre as 100
melhores do país, em relação às mensalidades os valores estão na casa R$ 1226,45 e R$
1627,81, no sexto e terceiro ano, respectivamente.
Todos os valores de mensalidades foram retirados do site do PROCON, que
anualmente divulga uma planilha com o preço da mensalidade das escolas particulares
situadas em Goiânia.
Nesse sentido, percebe-se que os altos índices no Ideb e nos testes permitem que a
instituição cada vez mais aumente suas mensalidades, além disso, permitiu inclusive a venda
da escola para um grande grupo econômico nacional e internacional.
A respeito da venda da escola buscamos investigar a respeito, pois como se trata de
uma instituição que apresenta altos índices nos principais exames do país, figurando sempre
nas primeiras colocações, inclusive nos índices do Ibeb, aparecendo como uma das melhores
do Estado, e recentemente aparecendo inclusive no ranqueamento do cenário nacional. Sendo
assim buscamos compreender o motivo durante a entrevista com o coordenador pedagógico
do sexto e sétimo ano, que segundo ele:
52

É, na verdade houve sim o processo de venda da escola para um grupo,


especificamente com uma das sedes em São Paulo, que é o grupo somos educação,
é, que é um grupo voltado para educação, que tem outras escolas também em
território nacional, um grupo preocupado e voltado para o desenvolvimento
pedagógico, né, voltado pro desenvolvimento de escolas, do pensamento de escolas,
então houve sim o processo de venda, mas no ponto de vista de escola enquanto
estrutura, enquanto pessoal, enquanto tudo permanece da mesma forma, essa foi
uma das exigências deles inclusive, que tudo permanecesse da mesma forma, então
o corpo dos professores é o mesmo, o corpo de direção, o corpo de gestão,
coordenação, o corpo de auxiliar, o corpo de diretor, o corpo de tudo permanece da
mesma forma, né, não tem nenhuma mudança de estruturação ou de pessoal, porque
é o que remete a uma das perguntas anteriores com relação aos altos índices, é a
maneira como a gente faz que, né, assim, que cada um sabe o seu lugar, que cada um
sabe o seu papel, que cada um faz com comprometimento, com seriedade, é o
conjunto disso tudo que faz a engrenagem funcionar e a gente obter os resultados
que tem, então uma das exigências que foi feita, diretamente já no começo pelo
grupo foi justamente isso, que nada mudaria, ou seja, que o trabalho continua o
mesmo porque do ponto de vista de funcionamento, do ponto de vista de estrutura,
do ponto de vista de tudo continua da mesma forma.

A escola foi vendida para o maior grupo privado de educação básica do Brasil e um
dos maiores do mundo. O grupo conta com diversificadas marcas, e visa preparar alunos para
o ENEM e demais vestibulares do país.
Em reportagem de setembro de 2015, o portal Esquerda Diário apresenta que o grupo
Somos Educação surge “com a realização da fusão, Abril Educação deixa de existir e entra
em cena então um novo grupo, formado pela junção das duas empresas (Abril Educação e
Saraiva Educação)”. Já em reportagem realizada em junho de 2015, o portal Valor
Econômico, comenta que o grupo Somos Educação é uma empresa que move a educação
brasileira através de diferentes frentes, tais como: escolas, editoras, produtos e serviços para
gestão, etc.
Ainda na reportagem, o portal entrevista Eduardo Mufarej, presidente da empresa, que
explica que o momento atual tem foco no aluno, segundo ele “temos o compromisso de
formar gerações de brasileiros cada vez melhores. Acreditamos que mais do que preparar
alunos para a vida, o papel da educação deve ser prepará-los para mudar o país, fazendo do
Brasil uma referência positiva para o mundo.” Até 2015, o grupo Somos Educação tinha
atendido aproximadamente 130 mil escolas, e mais de 30 milhões de alunos em todos os
Estados.
Outro ponto a ser destacado, é que Marcos “Tucano” das Neves, antigo dono da
escola, antes do processo de venda, foi nomeado Superintendente Executivo da Secretaria
Estadual de Educação de Goiás, devido a isso, inclusive afastou-se um pouco da mesma.
Assim que o mesmo assumiu o cargo, de acordo com o Jornal O Popular, iniciaram-se
especulações de que ele seria o responsável pelo processo de terceirização da gestão escolar,
53

ou seja, a transferência da gestão das escolas públicas estaduais para Organizações Sociais
(OS).
Como noticiado pela reportagem do Jornal O Popular, em sua primeira conversa com a
Secretária da Educação Raquel Teixeira, quando perguntado se as OSs teriam condição de
melhorar a qualidade pública do ensino de Goiás, o superintendente executivo da educação
respondeu que do jeito que a administração pública é, não tem jeito. Segundo ele “acho em
longo prazo. E se não melhorar, pode-se trocar a OS. Hoje, do jeito que a administração
pública é, não tem jeito. É preciso melhorar com o que você já tem. Jeito tem jeito e a
administração antiga mostrou isso, mas é um processo lento e existem vários entraves.”
Esses dois fatores apresentam uma relação com a mercadorização da educação, no
sentido em que uma escola nos padrões atuais da educação que foram expostos nesse trabalho,
apresenta o necessário para ser considerada uma das melhores do Estado (ainda que não
concordemos com esse sistema de aferição de índices), sendo assim essa escola é vendida
para um grupo considerado o maior em relação à educação básica no cenário nacional, e um
dos maiores do mundo, e o dono dessa escola (antes do processo de venda) é nomeado como
o segundo nome da Hierarquia da Secretaria Estadual de Educação de Goiás, no momento em
que esta passa a abrir concorrências para a contratação de Organizações Sociais para a gestão
das escolas.
Nesse sentido, trabalhamos também com a hipótese de que seja somente acaso, mas
não podemos excluir o fato que o processo de Organizações Sociais na gestão de escolas
certamente seria articulado por alguém que entende desse princípio de lucro, tendo então uma
escola vendida recentemente para uma grande empresa, não podemos descartar essa
possibilidade.
A respeito da gestão da escola através do empresariado, tal qual Organizações Sociais,
Freitas (2012) chama de desresponsabilização do estado em garantir ensino de qualidade para
todos. Nessa lógica que é imposta, a tese dos reformadores empresariais tira essa
responsabilidade do Estado quando lhes convém, com isso o autor (p. 387) ainda ressalta que
isso ocorre quando está em jogo, primeiramente “o faturamento das corporações educacionais
e, por outro, o controle ideológico do sistema educacional pelas corporações empresariais
para colocá-lo a serviço dos interesses de mercado, estreitando finalidade educativas.”
Carbonari (2015) do Portal Exame apresenta por meio de reportagem que as escolas
privadas tornaram-se a nova fonte de renda, ela explica que investir em ensino superior ficou
mais complicado, isso devido ao governo ter feito cortes no Fies, como a autora apresenta, no
54

primeiro semestre após os cortes, cerca de 175 000 pessoas deixaram de entrar em
Universidade por conta dessa falta de financiamento.
Nesse sentido, Carbonari (2015) explica que hoje quem visa investir em educação,
acaba olhando para a educação básica, pois esta “depende menos dos humores do governo”
como a autora cita. A autora ainda apresenta que segundo investidores, o ensino básico se
sobressai em relação às faculdades, pois seu público é oito vezes maior, além de suas
mensalidades serem em média mais caras.
Para Oliveira (2009) a mercadorização da educação não fica somente em vendas de
escolas privadas para outros segmentos, privatizações na rede pública, como a gestão do
empresariado nesse campo, que foi apresentado neste trabalho. A autora expressa que:

Além da oferta de vagas, presenciais ou a distância, tanto na educação básica


quanto, em maior escala, na superior, difundiram-se outras atividades comerciais.
No ensino básico, cresceu a venda de materiais pedagógicos e “pacotes”
educacionais, que incluem aluguel de marca, pelo mecanismo de franquias,
avaliação e formação em serviço do professor. Tais atividades são desenvolvidas por
algumas das grandes redes de escolas privadas, como os Cursos Osvaldo Cruz
(COC), Objetivo, Positivo e Pitágoras. Mais recentemente, esse grupo de instituições
tem avançado sobre os sistemas públicos de educação básica, vendendo materiais
apostilados para redes municipais e estaduais, tendo os mesmos avaliados no âmbito
do programa nacional do livro didático (PNLD) (p. 741).

Percebe-se então que a educação como mercadoria está cada vez mais presente,
aparecendo de formas antagônicas. Por sua vez, Paro (1999) faz uma crítica ao sistema
capitalista, que segundo ele só consegue se instalar por completo dentro de uma sociedade
quando se elimina ou reduz a insignificância de toda e qualquer forma alternativa de se ganhar
a vida pelo trabalho não subordinado ao capital.
Paro (1999) ainda critica o significado que as escolas têm tomado, sendo sempre a
preparação para o trabalho, para o mercado, para ele, isso precisa ser combatido de forma
veemente, para ele a solução é arrebatar as escolas (seus fins e propósitos) das mãos do capital
ou pelo menos fazer o máximo possível acerca disso.
Por sua vez, Paro (1999) ainda comenta que o grande erro da escola básica tem sido
servir o capital, de modo que a principal função gira em torno de subsidiar a forma pela qual
deve-se levar os alunos para um trabalho no futuro, sendo assim o autor afirma:
55

A situação seria diversa, é lógico, se ela o fizesse de uma forma crítica, de tal sorte
que os educandos fossem instrumentalizados intelectualmente para a superação da
atual organização social que favorece o trabalho alienado. Assim, a escola tem
contribuído muito mais para o mercado de trabalho, não quando tenta diretamente
formar profissionais para exercer suas funções no sistema produtivo, mas quando
deixa de lado suas outras funções sociais relacionadas à dotação de um saber crítico
a respeito da sociedade do trabalho alienado, pois não preparar para a crítica do
trabalho alienado é uma forma de preparar para ele. Neste sentido, a escola
capitalista, porque sempre preparou para viver na sociedade do capital sem contestá-
la, sempre preparou para o trabalho. Muitos antes de transformar tudo em custo e
benefício, como fazem hoje os apologistas do neoliberalismo, a escola já cumpria
esse papel (p. 112/113).
56

4.2 A PARTICIPAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA ORGANIZAÇÃO DE


UMA ESCOLA DE RESULTADOS

Compreendendo a funcionalidade dessa escola de resultados, se dá então a


especificidade do estudo, no qual pretende-se averiguar como a Educação Física se encaixa
nesse processo. Por sua vez, as aulas de Educação Física na Instituição são organizadas por
grupos de interesse, nesse sentido, a escola oferece futsal, vôlei, queimada, recreação e
xadrez. O aluno no início do semestre deve optar por uma das modalidades, dessa forma a
escola conta com quatro professores de Educação Física, que ministram as quatro
modalidades citadas acima, enquanto o xadrez é ministrado por uma professora de outra
disciplina.
Vale ressaltar que todas as modalidades ocorrem simultaneamente, uma das quadras é
separada por redes, onde ocorrem as aulas de futsal, recreação e queimada, enquanto em outra
quadra ocorre à aula de vôlei, já o xadrez é ministrado em uma sala separada.
A escola conta com três turmas em cada série do ensino fundamental, já no ensino
médio, possui duas turmas em cada série. As aulas da disciplina ocorrem de segunda a sexta-
feira, sendo que, as turmas do sexto e sétimo ano possuem duas aulas por semana, enquanto
as de oitavo e nono ano, além do ensino médio, possuem somente uma. Porém, entre a
Educação Física do ensino fundamental e médio existe uma diferença, onde na primeira a
disciplina é tida como obrigatória, enquanto na segunda os alunos que apresentarem
documentação que realizam alguma atividade esportiva fora da escola, estes são liberados de
realizar a disciplina durante o semestre. Segundo o professor de Educação Física:

No ensino fundamental os meninos que escolhem o que vão fazer, então no início do
semestre eles definem qual modalidade vão praticar e ficam nela até o fim do
bimestre, tem que fazer no mínimo o bimestre, e só então pode mudar. Sempre no
início do ano tem uma parte mais teórica para os alunos que é quando a gente passa
as regras mesmo do esporte, essas coisas. No ensino médio é mais complicado,
porque os alunos ficam tudo junto, enquanto no ensino fundamental cada grupo fica
com uma modalidade, então fica dividido. Agora pensa, 180 alunos juntos? Porque a
aula é pra todo o ensino médio de uma vez, primeiros, segundos e terceiros anos.
Como que organiza isso? Então a gente faz mais alongamento, aquecimento, alguns
jogos e brincadeiras. Na verdade esse número é menor, porque no ensino médio os
alunos que estão matriculados em algum esporte, por exemplo, se o aluno é da
escolinha de futebol do Goiás, ele apresenta a documentação e é liberado de fazer
aula.

Em relação a essa desobrigação, tal fato não deveria ocorrer, pois como consta na
resolução nº 05, de julho de 2011, como previsto no artigo 29, no qual é esclarecido que a
57

Educação Física é componente curricular obrigatório, tendo sua prática facultativa somente
em casos previstos na Lei de Diretrizes e Bases Nacionais (LDB). E, segundo a LDB, os casos
em que esta prática torna-se facultativa estão previstas no artigo 26, são eles: aluno que
cumpre jornada de trabalho igual ou superior a 6 horas; maior de trinta anos de idade; estar
prestando serviço militar; que tenha prole.
Outro ponto a ser destacado é a questão da carga horária da Educação Física, já que
cada escola é responsável por organizar seu projeto político pedagógico e definir a carga
horária de cada matéria. Ou seja, nessa modelo voltado para os resultados a tendência é que
cada vez mais a Educação Física perderá espaço, visto que outras disciplinas possuem um
caráter “mais importante”, pois são as que caem no vestibular. O que pode ser entendido na
reforma do ensino médio, que está em processo de votação no senado, onde a disciplina terá
caráter obrigatório somente na Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que compreende
60% do novo ensino médio, ou seja, a disciplina não necessariamente será ofertada
obrigatoriamente nos três anos de ensino.
Freitas (2012) crítica as políticas de responsabilização, que para ele chegam ao Brasil
mais por imitação que por evidência empírica positiva, nesse sentido o autor abrange que a
situação merece atenção para que o país não embarque nessa onda que segundo ele ocasionará
em uma nova década perdida para a educação. Para ele:

Os educadores profissionais acompanham este movimento com apreensão


[empresariado na educação], pelo fato de que a educação é um fenômeno social mais
amplo e que, do ponto de vista de seus compromissos formativos com a juventude,
não pode ter na economia seu único determinante. Ao ser aprisionada na lógica
empresarial, a educação perde sua dimensão de um bem público mais amplo, cujos
horizontes devem ser um projeto de nação e não apenas a expressão de uma
demanda de um dos seus atores, os empresários, por mais importante que estes
possam ser. Mais preocupante ainda são algumas das soluções que estão em curso
no Brasil e no exterior – notadamente no país que mais testou esta estratégia, os
Estados Unidos – e que têm servido de inspiração para estes novos atores em nosso
país (Gall & Guedes, s/d) – seja pela própria natureza das proposições, uma espécie
de “teoria da responsabilização” gerencialista e verticalizada (Afonso, 2009; Freitas,
2011), seja pela falta de evidência empírica que dê suporte e justificativa para a
adoção destas soluções apressadas. (2012, p. 345/346).

Voltando a questão da Educação Física na instituição, percebe-se a existência de dois


problemas, no primeiro caso ocorre-se então um retorno ao que acontecia no século XIX, com
o escolanovismo, onde os alunos eram separados a partir dos seus interesses. Percebe-se
então, que nesse caso os alunos irão optar por aquela modalidade que tem mais facilidade, e
aquela que são menos habilidosos irão deixar de realizar. As aulas de futsal até o final do mês
58

de setembro contavam apenas com meninos, somente no fim do trimestre, duas meninas
passaram a frequentar as aulas da disciplina. Em contrapartida, nas aulas de vôlei
predominou-se o gênero feminino. Essa divisão por interesse contribui para uma divisão de
gênero.
Dessa forma, percebe-se que ocorre nas aulas de Educação Física um retrocesso à
década de 1970, onde por meio da pedagogia tecnicista, com princípios de racionalidade,
eficiência e produtividade, tinha-se divisões por gênero, sendo inclusive respaldada por lei, no
caso, o decreto n. 69.450/71, como destaca o Coletivo de Autores (2012). Ainda que a
discussão de gênero seja extremamente pertinente no campo da Educação Física, aqui só a
apresentaremos como um problema que encontramos durante a ida ao campo, porém, não
abriremos uma discussão além desta pela especificidade do estudo ser outra.
O segundo ponto é o caso de uma professora de outra disciplina ser a responsável
pelas aulas de Xadrez, que está integrada como conteúdo da Educação Física na escola, sendo
uma das modalidades optativas que os alunos podem realizar. Sendo assim, trata-se de um
conteúdo inserido em jogos e brincadeiras, subárea da Educação Física, mas que por ser
ministrado por uma professora que não possui formação na área, isso acaba revelando uma
desvalorização dos profissionais da mesma, que já sofrem com a perda de espaço na educação
básica onde são substituídos por pedagogas, pois na LDB não consta de forma clara qual o
profissional deve trabalhar na educação infantil, como aborda Silva et al (2008, p. 22)“a
referida lei não coloca em questão qual profissional deverá ser responsável sobre tal atuação.”
O artigo 62 da LDB prevê:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior,


em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do
magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal.

Além disso, o profissional de Educação Física ainda pode perder espaço com o novo
ensino médio, previsto na medida provisória 746, aprovado pela Câmara dos Deputados e que
passará por votação no Senado, onde a disciplina como abordado anteriormente só
representará 60% do ensino médio, não sendo ofertada obrigatoriamente nos três anos de
ensino, além de o notório saber (este que também afeta as outras disciplinas e não somente a
Educação Física) que inicialmente só estava previsto para o ensino técnico e profissional, e
agora poderá ocorrer no ensino médio, caso professores graduados que não possuem
licenciatura façam um curso de complementação pedagógica, e a formação em licenciatura
59

que poderá ser dada em instituições isoladas, e não somente em universidades e institutos
superiores como previsto na lei atual.
As aulas de futsal são baseadas no método parcial, método comum em
iniciações/escolinhas esportivas, onde crianças e jovens realizam o treinamento esportivo
visando atingir o nível profissional ou alto rendimento. A respeito desse método, que também
é conhecido como analítico, Tolves, Delevati e Sawitzki (2014, p. 81) afirmam que “o método
parcial se resume a uma repetição de fundamentos da modalidade esportiva por meio de
exercícios para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da técnica.” Nesse sentido pode-se
dizer que a Instituição reproduz aquilo que Assis (2005) apresenta como esporte na escola ou
a reprodução do esporte espetáculo no interior da escola. A Instituição de ensino ensina o
esporte de maneira à somente reproduzir aquilo que passa na televisão, ou esporte midiático,
segundo o autor:

O esporte praticado na escola, ou organizado a partir do vínculo escolar, é regido


pelo esporte de rendimento como modelo, mas, no tocante aos pontos de inter-
relação, assume o mesmo lugar do esporte como atividade de lazer, ou seja, também
é celeiro de atletas, também forma os consumidores do esporte e compartilha das
instalações que servem ao esporte- espetáculo (p. 96).

Portanto, nega uma das premissas da Educação Física Escolar que conforme o
Coletivo de Autores (1992) não deve preconizar a aptidão física. Essa vertente assumida pela
Instituição pesquisada condicionado o aprendizado do aluno à iniciação dos elementos
motores básicos da modalidade futsal. O compromisso é fazê-lo atingir o máximo possível de
rendimento da sua capacidade física. Os esportes selecionados são os mais conhecidos, que,
no caso, desfrutam de prestígio social, e o conteúdo destes é sistematizado em forma de
técnicas e táticas, através dos fundamentos específicos de cada, como exemplo, o passe.
Essa opção da Instituição remonta ao papel do esporte escolar dos anos 1960, 1970 e
1980, o que Bracht (1986) identifica como instrumentalização do fenômeno esportivo: ensinar
a criança a conviver com a vitória e a derrota, respeitar regras, vencer por meio do esforço
pessoal, cooperação/companheirismo, ensina a competir e a ter disciplina (respeito pelo
árbitro); diante disso, o autor afirma que realmente o esporte educa, mas de modo que leve o
indivíduo a incorporar valores e normas que irão possibilitar que ele adapte-se ao projeto
social dominante, no caso de uma sociedade de classes.
Por sua vez, Assis (2005) apresenta duas vertentes pré-estabelecidas do esporte que
ocorre dentro da instituição escolar, no caso, o esporte da escola e o esporte na escola, sendo
60

que o segundo é quem tem prevalecido na nossa Instituição em questão. Com isso, o autor
comenta que duas dimensões de críticas são dirigidas ao esporte, críticas que para ele não se
excluem e se articulem, segundo o autor:

A primeira dimensão diz respeito a essa relação de exclusividade (sem espaço para
outros temas), primazia (prioridade quando ao tempo e à organização do espaço) ou
hierarquia (outros temas tratados na em função dele) na organização das aulas de
educação física. A segunda dimensão da crítica diz respeito à função do esporte na
escola, sustentando-se, por um lado, na ideia de que o esporte que acontece na escola
está a serviço da instituição esportiva, na revelação de atletas, constituindo-se na
base da pirâmide esportiva e, por outro lado, na dimensão axiológica, nos valores
que ele transmite, perpassa e constrói. A escola, por meio da educação física, estaria
assumindo os códigos, sentidos e valores que da instituição esportiva (p. 16).

Neste sentido o Coletivo de Autores (1992) explicita a necessidade de determinar a


forma pela qual o esporte deve ser abordado dentro da escola, tendo em vista as duas vertentes
apresentadas anteriormente é necessário que prevaleça o esporte da escola e não o esporte na
escola. Bracht (1986) e o Coletivo de Autores (1992) enfatizam que o esporte possui fim em
si mesmo por meio da finalidade que a ele é atribuída no ambiente escolar, no caso, o
rendimento atlético e a aprendizagem das técnicas e táticas, que é o necessário para vencer
nas competições. Nesse sentido a escola reproduz a sociedade. Bracht (1986) afirma que as
vertentes positivas que o esporte apresenta (conviver com vitória e derrota, independência,
confiança, etc), camuflam as negativas.
Para entender como funciona o planejamento dessa escola, solicitamos o acesso a
projeto político pedagógico (PPP), porém, não obtivemos sucesso. Para, além disso,
realizamos uma entrevista com um dos coordenadores da instituição, no caso, o coordenador
pedagógico do ensino fundamental, das turmas do sexto e sétimo ano. Nesse sentido,
perguntamos qual a concepção de trabalho pedagógico dentro da escola, segundo ele:

Concepção do trabalho vai muito além só de acompanhamento de alunos, eu acho


que é bem geral, é o acompanhamento de alunos, é o acompanhamento de
professores, é fazer essa ponte entre a linguagem que o aluno precisa ouvir, entre a
linguagem que o professor precisa passar, então isso aí é que eu acho que é
fundamental o trabalho da coordenação é trabalhar essa tradução. O coordenador na
verdade pra mim ele tem que falar quatro idiomas, ele tem que falar o idioma que o
aluno conversa que é as necessidades dele; ah ele precisa falar o idioma que os pais,
porque os pais tem o interesse no desenvolvimento dos filhos; ele precisa também
ter, fazer essa tradução dos professores, e essa mediação dessa relação; e em relação
a instituição seja ela público ou privada ele precisa também trazer esses valores,
então ele é essa peça aí que está entre todas essas vontades, ele reúne essas vontades.
61

Com isso buscamos compreender dois eixos a respeito do planejamento desta escola,
primeiro compreender como esse planejamento é realizado, e, em seguida, entender como a
Educação Física se insere nisso, ou se é uma disciplina que não dialoga com as outras. Para
isso perguntamos ao Coordenador pedagógico as duas coisas, e ao professor de Educação
Física como é realizado o planejamento da disciplina. De acordo com o Coordenador
pedagógico:

O planejamento a gente faz as reuniões do planejamento, né, geralmente no início do


ano, mas a coordenação acompanha esse planejamento durante o decorrer mesmo do
ano, então a gente já tem o acesso ao planejamento anual, mas a gente sempre tem
alguma coisa que a gente vai acompanhando com o professor ou a gente já observa,
por exemplo, o professor começou por conta de feriado, ou qualquer coisa assim,
começou atrasar conteúdo, não é muito possível por conta da nossa estrutura
pedagógica, mas quando acontece a coordenação sempre tá ali do lado pra ver o que
aconteceu, ou como que a gente pode interceder então essa parte do planejamento a
gente acompanha de muito perto [conteudismo, cumprir metas]. A Educação Física
os meninos é, a gente senta com os professores pra definir a questão de modalidade,
a questão de valores, a questão de plano mesmo de aula, como que é feita a divisão
dos meninos. Porque aqui a gente trabalha com produção, eles escolhem qual
disciplina dentro daquelas que a gente fornece, né, é os professores trabalham
especificamente com a parte de, eles trabalham futsal, vôlei, trabalha xadrez,
trabalha uma parte de o que seria a queimada e uma outra jogos e brincadeiras.
Então o aluno ele tem a opção de escolher entre essas cinco modalidades pra ele
poder fazer durante o ano, tendo possível pra ele a troca, só que é bimestral, então o
aluno que começa fazer o futsal, ele tem que fazer pelo menos um bimestre, depois
ele pode fazer a troca pra qualquer outra área. E aí a gente sempre participa com os
professores pra ver questão de fundamento que é trabalhado, a questão de
metodologia, tudo isso a gente acompanha direto com os professores.

Ao ser perguntado a respeito do planejamento de Educação Física questionamos três


pontos, o primeiro como ele é feito, o segundo como ele dialoga com as outras disciplinas,
desde as reuniões anuais para definir todo o planejamento do ano letivo, juntamente com a
Coordenação e professores das outras áreas, e o terceiro ponto, como é feito esse
planejamento entre os professores de Educação Física, pois como abordado anteriormente, a
Instituição conta com cinco modalidades dentro dessa disciplina, sendo cada modalidade
ministrada por um professor diferente. A respeito disso o professor respondeu:
62

Existe sim um planejamento de Educação Física, só que ele já é pronto, é um


planejamento antigo, que é utilizado ano a ano, e na medida que os professores
acham necessário fazer alguma alteração eles fazem, cada um na sua modalidade,
isso o futsal, o vôlei e a queimada, já que a recreação foi inserida tem pouco tempo.
Então tem o planejamento que cada professor montou o seu, e juntou todos, e como
eu disse, sempre que o professor entender que precisa mudar algo, ele mesmo pega e
muda. Não tem essa reunião com os outros professores, quando necessário, a gente
senta e conversa com a coordenação, normalmente eu, pois como sou o professor de
Educação Física que está a mais tempo na casa, sou intitulado como coordenador da
disciplina, então sempre que precisa resolver algo falam comigo, normalmente é
mais pela compra de materiais, essas coisas, então eu fico como o responsável para
realizar essas questões mesmo.

Através das falas do coordenador pedagógico e do professor de Educação Física,


percebe-se então esse distanciamento da disciplina para com as outras matérias, já que a
mesma tem seu planejamento diversificado, enquanto com as outras disciplinas tem esse
diálogo entre os professores, ainda que o tempo no campo não seja suficiente para aprofundar
o quanto essas disciplinas dialogam, pelo menos é possível afirmar que existe um
planejamento realizado em conjunto, enquanto a Educação Física é ‘jogada pra escanteio’.
Durante uma das idas ao campo, isso pôde ser percebido como mais clareza, quando
os professores de Educação Física chegaram para dar aula, que tem início às 12h00 e término
12h50, ao chegarem à instituição foram informados que ocorreria aplicação de provas, sendo
assim, eles teriam que ficar cada um em uma determinada sala realizando esta atividade. Ou
seja, os professores preparam sua aula, chegam no horário para ministrá-la, porém são
impedidos, pois o horário de suas aulas foi destinado à realização de provas de outras
disciplinas e eles não foram nem avisados antecipadamente.
Percebe-se então uma educação baseada na mensuração, onde o mais importante são
os testes. Com isso Freitas (2012) baseando-se nos estudos de Jones, Jones e Hargrove (2003)
e Madaus, Russell e Higgins (2009), afirma que esse ensino balizado em testes, valoriza-se
principalmente a leitura e a matemática, o que para os autores tem um efeito negativo, pois
com as escolas cada vez mais se preocupando com cognição e conhecimento, outros fatores
importantes para a formação da juventude são esquecidos, tais como a criatividade, as artes, a
afetividade e o desenvolvimento corporal e cultural, isso acontece, pois a tendência é que os
professores deem ênfase nas disciplinas que são abordadas nos testes, deixam então o restante
de lado.
O argumento para justificar esses esquecimentos das demais disciplinas e limitar-se ao
básico, de acordo com Freitas (2012) ocorre pela crença em que os aspectos mais complexos
dependem de saber o básico primeiro, nesse sentido o autor afirma como:
63

Um argumento muito conhecido no âmbito do sistema capitalista e que significa


postergar para algum futuro não próximo a real formação da juventude, retirando
dela elementos de analise critica da realidade e substituindo-se por um
“conhecimento básico”, um corpo de habilidades básicas de vida, suficiente para
atender aos interesses das corporações e limitado a algumas áreas de aprendizagem
restritas (usualmente leitura, matemática e ciências). A consequência e o
estreitamento curricular focado nas disciplinas testadas e o esquecimento das demais
áreas de formação do jovem, em nome de uma promessa futura: domine o básico e,
no futuro, você poderá avançar para outros patamares de formação (389/390).

É de caráter fundamental que a escola não veja os alunos apenas como seres que
devem apreender o máximo de conteúdos das disciplinas tradicionais, como português,
matemática, geografia, história, etc, que são as disciplinas que o preparam para ocupar
mercado, como apresenta Paro (1999, p. 116) o problema não está somente nisso, mas sim
quando enxergamos que a perspectiva educacional do país sonha que os milhões de alunos
que temos matriculados em nossas escolas saiam-se bem em testes que tem como intuito
medir aquisição de conteúdos, quando deviam estar comprometidos com uma escola que visa
apropriar “valores de cidadania e desenvolvimento de comportamentos compatíveis com a
colaboração recíproca entre homens, para além das leis naturais do mercado.”
Percebe-se então que a Educação Física assume o papel de esporte, onde este
determina o seu conteúdo, semelhante ao que ocorria no período da Educação Física
Desportiva Generalizada (como exposto no tópico a “Educação Física escolar serve a moral
de classe burguesa”). Em outras palavras a instituição passa a oferecer um treinamento
esportivo de uma determinada modalidade específica, com um número de aulas que vai sendo
reduzido na medida em que os alunos avançam de série, além do fato de não manter um
diálogo com as outras disciplinas, em outras palavras, fica uma matéria solta, que pode ser
percebida na fala do professor, quando questionado o que seria a concepção de Educação
Física dentro da Instituição, segundo ele:

A Educação Física aqui é isso que você tá vendo, é esporte, agora com a Recreação
que deu uma diversificada, mas que também não muda muito. É um monte de
menino riquinho, filhinho de papai, pode ver tudo de chuteirinha Nike, e ninguém
quer nada com nada, só quer jogo. Vai passar uma atividade reclama. Se fica uma
aula sem dar o jogo no final eles reclamam. A gente busca dar uma variada usando
outras abordagens da Educação Física pra dar aula, mas não passa disso não. A
Educação Física ainda tá aqui porque tá na lei mesmo.

É nesse sentido que o Confef (2002) aborda o fato de a disciplina perder espaço cada
vez mais, que segundo eles:
64

A realização de atividades físicas ganha maior relevância a cada dia. O esporte


continua sendo a grande manifestação da humanidade, como espetáculo ou como
forma de lazer. Proliferam academias de ginástica e é crescente o número de adeptos
das atividades físicas, mas na escola a Educação Física sofrendo um grande impacto.
A disciplina desprestigiada, sem finalidade definida, perde espaço e os exemplos de
sua prática, de modo geral, a desabona e complica sua posição no contexto
educacional (p. 09).

Em contrapartida, nesse modelo de resultados que a educação tem tomado, enquanto a


Educação Física perde espaço, outras disciplinas cada vez mais ganham forças, como os casos
de Português e Matemática que inclusive são indicadores no cálculo do Ideb.
Assis (2005) comenta que o esporte na escola apenas reproduz a sociedade capitalista,
por sua vez, o autor ampara-se em Kunz (1994) onde o autor resume as críticas ao esporte na
forma em que esse se apresenta tradicionalmente na sociedade e na escola. Para ele:

1)O esporte como é conhecido na sua prática hegemônica, nas competições


esportivas nos meios de comunicação (televisão), não apresenta elementos de
formação geral – nem mesmo para saúde física, mais preconizado para esta
prática – para se constituir uma realidade educacional. 2) O esporte ensinado
nas escolas como cópia irrefletida do esporte-competição ou de rendimento só
pode fomentar vivências de sucesso para uma minoria e o fracasso ou vivência
de insucesso para a grande maioria. 3) Esse fomento de vivências de insucesso
ou fracasso, para crianças e jovens em um contexto escolar, é, no mínimo, uma
irresponsabilidade pedagógica por parte de um profissional formado para ser
professor. 4) O esporte de rendimento segue os princípios básicos da
“sobrepujança” e das “comparações objetivas”, os quais permanecem
inalterados, mesmo para os esportes praticados na escola, onde, por falta de
condições ideias, o rendimento não se constitui no objetivo maior da aula. Este
é um dos motivos que contribuem para que o ensino dos esportes, também,
venha a influenciar a crescente “perda de liberdade” e “perda de sensibilidade”
do ser humano, pelo “racionalismo” técnico-instrumental das sociedades
industriais modernas e seguidoras destas (KUNZ, 1994 apud ASSIS, 2015, p.
122/123).

Dessa forma, Assis (2005) enfatiza o percurso que a Educação Física tem, sempre
recebendo uma influência pré-estabelecida, vinculando-se a construção/formação de
diversificados modelos de corpo, inicialmente a instituição medida (corpo higiênico), em
seguida a instituição militar (corpo produtivo, disciplinado) e por último a instituição
esportiva (corpo produtivo, competitivo, mercadológico).
Nesse sentido, Assis (2005) propões reinventar o esporte, abandonando o conceito de
esporte na escola e tomando como ponto de partida o esporte da escola, pensando este em
uma visão crítica, pensando-o a partir de um projeto político pedagógico visando a construção
de uma sociedade baseada em outros códigos, valores e sentidos, diferentes do que o esporte
espetáculo/midiático possui reproduzindo os valores da sociedade capitalista.
65

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da realização desta pesquisa foi possível disseminar diversos pontos


pertinentes de discussões e debates, seja no âmbito educacional como um todo, ou extraindo
isso somente a nossa especificidade, ou seja, a Educação Física. Um dos pilares da discussão
da temática proposta neste trabalho foi o de classe social, que para muitos autores na literatura
é um assunto que está ultrapassado, dito inclusive, em diversas ocasiões que essa categoria
não existe mais, porém, aqui conseguimos provar o contrário quando apresentamos que o
acúmulo de riqueza do 1% mais abastado da população mundial é equivalente à riqueza dos
99% restantes. Compreende-se então que a riqueza concentra-se em uma minoria, enquanto as
grandes massas acabam por serem empobrecidas.
Quando isso é postulado saindo da sociedade como um todo e dando ênfase somente
ao ambiente da educação a presença dessa categoria é constante, onde os setores dominantes
cada vez mais ocupam-se desta. Para, além disso, compreende-se que a instituição escola
desde os seus primórdios serviu a este setor, com um recorte histórico do âmbito escolar é
possível destacar os seus princípios classistas.
Apresentando o campo da educação nos dias atuais, nota-se toda uma racionalização
por trás desse movimento “Todos Pela Educação” juntamente com essa lógica de “Escola de
Resultados” contando com os segmentos empresariais realizando a gestão da educação
visando o próprio umbigo, para satisfazerem seus interesses hegemônicos, tirando a
responsabilidade do Estado, que é quem tem por obrigação fornecer educação de qualidade
para todos.
Ainda em relação ao setor empresariado participando da gestão da educação, percebe-
se que trata-se de um movimento classista, onde eles (representantes da classe dominante)
defendem que a lógica empresarial, ou a lógica do resultado é a única solução possível para
que o país tenha uma educação de qualidade, sendo que, nesse sentido, as disciplinas que não
são tidas como as competências básicas, cada vez mais perderão espaço nas escolas,
corroborando assim para um esvaziamento do ensino básico.
Outro ponto pertinente encontrado são as políticas realizadas pelos grupos
empresariais não apresentarem embasamento empírico algum, de modo que, como
constatamos os índices constatados através do Ideb não passam de uma farsa, mascarando
então o problema da educação, fazendo parecer que o ensino tem se tornado de qualidade e
com tendências a estar evoluindo, quando na verdade o mesmo nem está saindo do lugar,
porém, o importante é a escola ter uma placar em sua entrada mostrando que a Instituição
66

obteve nota 5 no Ideb, e de forma mágica, todas os problemas daquela escola foram
resolvidos com isso.
A Educação Física nesse sistema de educação, cada vez mais caminha para a
precarização. No ensino básico perde espaço para pedagogas, no ensino médio corre o risco
de perder a obrigatoriedade (de forma oficial), pois o que se tem hoje são números reduzidos
de aulas, e em casos específicos como a escola onde ocorreu a pesquisa, em que basta os
alunos realizarem práticas em algum clube, iniciação esportiva, academia, que a Educação
Física nem precisa mais ser trabalhada.
Tem-se então uma Educação Física como iniciação esportiva para que os alunos
realizem treinamento da modalidade em que se identificam como destacamos no corpo do
trabalho, o aluno só necessita aprender um, todos os outros elementos que constituem a
cultura corporal são amassados e jogados no lixo, porém, isso não pode ser altamente
criticado, pois neste modelo educacional o que importa é que o aluno saiba os conteúdos
tradicionais de outras disciplinas, principalmente Português e Matemática, pois estes são os
que compõem os exames, que no caso servirão para a aferição de dados, e consequentemente
apresentar os índices.
O parágrafo anterior demonstra a desvalorização da disciplina dentro da Instituição, o
que pode ser reconhecido através mesmo das falas entre professor da disciplina e coordenador
pedagógico da escola. Observa-se que a Educação Física dentro da instituição serve única e
exclusivamente a instituição esportiva, do esporte enquanto espetáculo, reproduzindo os
valores dominantes da sociedade capitalista. Porém, percebe-se que a Educação Física não
dialoga em nada com as outras disciplinas ao analisarmos as falas entre professor e
coordenador da instituição, em contrapartida o não acesso ao projeto pedagógico da
Instituição implica em resultados ainda mais pertinentes e empíricos.
Ainda percebe-se que se você possui uma escola que apresenta bons índices você
consegue lucrar com ela, principalmente porque a educação é tida como mercadoria, nesse
sentido, ainda é possível ocupar um bom cargo em um dos principais segmentos do Estado e
participar de discussões que envolvem todo o campo da educação deste, tais como passar a
gestão das escolas para Organizações Sociais. Em suma, entende-se a educação como
mercadoria, em outras palavras como uma oligarquia de conhecimento, onde aqueles que
detém esse conhecimento cobram pelo mesmo, enquanto isso o estado mínimo defende o
falso discurso da meritocracia, em que todos têm as mesmas oportunidades, quando na
verdade a realidade não condiz com isso.
67

Para, além disso, a temática abordada ainda é recente no país, como abordado no
corpo do trabalho, é uma questão que ganhou força em outros países, principalmente nos
Estados Unidos, mas que cada vez mais aparece e vai ganhando força no Brasil, nesse sentido,
são necessárias novas análises e reflexões, principalmente com o processo de reforma do
ensino médio que aproxima de ser aprovado, onde disciplinas como Português e Matemática
ganham espaço cada vez mais, sendo as únicas obrigatórias nos três anos de ensino médio, e
que nessa lógica do resultado tornam-se padrões para determinar se o nível dos alunos e
escolas.
68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Associados. Campinas, SP: 2005. (Coleção educação física e esportes).

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Econômica Brasil, 2014.

BAPTISTA, T. J. R. Refletindo Sobre a Essência na Pesquisa em Ciências Sociais. Revista


EFDeportes, Buenos Aires, ano 17, n. 170, julho de 2012.

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