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Leopoldo Comitti
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1. debaixo da mesa
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dobra a toalha
e se vai.
na caixa de papelão.
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II
Pega no ar a carambola
(cambalhotas no sossego)
a mão na barriga:
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III
Um gato gordo
e um ursinho de pelúcia
descansam na cama.
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IV
Plantas na janela
balançando
ao toque de mão
nas avencas
de suas pernas.
ferve a água
do café da manhã.
– Menino bonito!
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A mesa na sala
(Não durmo).
E na xícara derramada
(Não ouço)
o ruído da colherinha
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VI
Frágil cena.
da toalha xadrez.
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VII
um a um surgem os reis,
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VIII
(É um grilo, mãe:
mãe, é um grilo.)
e treme.
(Morreu alguém)
tudo entra.
entram assombrações.
(Ouça o grilo!
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XIX
A torneira pinga
sempre pinga
e agora mais.
pinga quase só
e a compreende:
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(Pou, pou!
morreu.
olha os outros.
Bang! Bang!
Desiste.
(Pistoleiro morto
não atira,
não galopa,
XI
Um pote de tinta
vermelha
espalhou-se
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Compôs um horizonte,
ou o sol nasceu
pela pintura?
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XII
(Falta uma,
falta uma)
As gengivas do quebra-cabeças
apanham um soluço
fugido às pressas
falta um dente)
Debaixo do travesseiro
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XIII
Presente? O álcool
reanima o sonho.
Mente
em núvens mórbidas
de mórbidas nebulosas.
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XIV
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XV
e louco, no impossível
se despresentifica.
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2. a casa
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A casa olha.
E quem a habita
carrega em si a sombra
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II
sem peso.
(Treliças ao sol.)
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III
em sonhos.
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IV
A asa desceu.
por completo
ou fechou-lhe as pálpebras.
Pousa simplesmente
do cemitério em frente.
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Sinto. Sinto-o.
O silêncio da asa
gela a sala
Sobre o pó,
uma barata.
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VI
A cidade se espreguiça,
na navalha da manhã:
A casa projeta-se
sobre a calçada
de pedras em ângulo.
Pelas grades,
proteje-se a janela
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VII
Diligente, o cupim
de moldura entalhada.
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VIII
Um estilhaço colorido
da manhã
rompeu a janela
(e me feriu a testa):
plenas de sal!
no alarde do meio-dia.
Atentos ou atônitos
observam o truque:
bloqueiam e querem,
desejam
as mãos molhadas
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IX
A casa anoitece
Morto, desperta
e ouve os ruídos
compassadamente.
de repente, o rato
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Esquece
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XI
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XII
a tinta já se foi.
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XIII
não abre,
trocado o segredo.
e nada encaixa,
não abre.
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XIV
na inutilidade do espelho.
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XV
A música gira
E não se tocam.
como os olhos:
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XVI
e susto.
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XVII
da biblioteca abandonada.
E a casa...
Há outras...
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XVIII
do instrumento verbal.
Façamo-nos agora,
porque resta,
resta-nos apenas
e sempre, o mesmo
e agora espectante
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3. serzido na toalha
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Camélias ao sol,
de vermelho vivo,
vívido. É inverno.
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II
morreu alguém!)
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III
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IV
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Ainda me lembro
E como!
O gosto de pinhão
na boca de setembro
em redemoinhos de pó.
É inverno de vento.
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VI
Ainda me lembro.
E tanto!
A hortência azul
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VII
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VIII
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IX
na madeira da gaveta,
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A janela cruzou
o espaço da existência
quase em silêncio
na insistência parasita
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XI
As venezianas celebram
olhares, e a suspeita
se refaz em silêncio
morreu alguém!)
em guilhotina.
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XII
Em teias finas
desfiava a trama
ou lâmina afiada:
de um sepulcro adiado.
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XIII
Sentir convulso.
Eis o equilíbrio
o verbo, encarnado
em gelo, transfigurado
em carne fria
e racionalidade impura.
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XIV
longas e moduladas.
... perdurada.
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XV
em sonoplastia.
moreu alguém?)
Lágrimas de plástico
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4. O tempo
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Sentir convulso.
Eis o equilíbrio
O verbo, encarnado
Em gelo, transfigurado
Em carne fria
E racionalidade impura.
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II
De ser, no corte
Rápido da faca.
Modernas palavras?
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III
Do instrumento verbal
Faço-me agora,
Porque resta,
Resta-me apenas
E sempre o mesmo,
Agora espectante
E certo no absoluto
Da resposta calada.
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Intervalo
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IV
Separando o inexorável.
Existentemente despercebida.
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VI
Há veludo no sangue
se formam quando
o líquido mordaz
árida. Um contraste
estranho: os traços
de volúpia sensual.
nasce o enigma da
de músculos e faces.
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VII
ganham palavras
escritas. Encerradas
em uma cripta
insistem em voltar.
E voltam sempre
Num sopro. E se
repetem no papel
horas e minutos.
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VIII
e mãos de barro:
O aguaceiro de verão
e os atoleiros crescem
Barcos de papel
em represas improvisadas.
A infância sempre
me pareceu líquida.
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IX
Um tortuoso rio
de suas margens:
carrega fogo
e sombras.
A chuva se vai
e vem o cheiro
de terra, de lama
podre no chão
amolecido. O sol
em vão tentará
trazer odores
e a suavidade
raras, flores
do caminho.
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XI
Vai a pipa.
Vira. Revolta
de vento e chuva
e enrosca o galho
de sempre;
o mais alto
serpente.
e se faz forte
mesmo se desfazendo
aos poucos.
Gravemente, lembra
espantalho tosco
mo quintal
esquartejado
pelos pingos,
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XII
O sentimento tem
a cor do invisível
tumular. Às vezes
Ora, a tonalidade
da cor impossível
O ar rarefeito retém
o tom da reciprocidade
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XIII
Há algo de oco
no espaço da escrita:
um sorvedouro,
redemoinho de sons
Negra, pulsante,
a letra absorve,
Apenas um buraco.
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XIV
Amanheceu. E chove.
A água rola
pelos bueiros
escuros e desaparece.
Refazer o ciclo
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XV
de mais um pedaço
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XVI
os minutos infinitos.
a inutilidade do relógio
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