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O Significado do Direito Processual e

os Conceitos Elementares que o Permeiam

a) Introdução

“O homem vive em sociedade e só pode assim viver; a


sociedade mantém-se apenas pela solidariedade que
une seus indivíduos. Assim uma regra de conduta
impõe-se ao homem social pelas próprias
contingências contextuais, e esta regra pode formular-
se do seguinte modo: não praticar nada que possa
atentar contra a solidariedade social sob qualquer das
suas formas e, a par com isso, realizar toda atividade
propícia a desenvolvê-la organicamente. O direito
objetivo resume-se nesta fórmula, e a lei positiva, para
ser legítima, deve ser a expressão e o desenvolvimento deste princípio. (...) A
regra de direito é social pelo seu fundamento, no sentido de que só existe
porque os homens vivem em sociedade”1.

A vida em sociedade exige a observância de dois vocábulos: “partilhar” e


“conviver”.

Ocorre que o indivíduo, em sua essência, tende a privilegiar: o que é seu, de


seu interesse ou do interesse de seu grupo. Daí aparecem os conflitos.

O papel do Direito, neste contexto, é exatamente ordenar a sociedade,


harmonizar os interesses, evitar desgaste e sacrifício excessivos entre os
membros da sociedade.

Mas é certo que o litígio sempre existiu e sempre


existirá.

Max Weber em sua conhecida obra sobre as ciências


sociais do século XX2 descreve os instrumentos de
dominação, dos primórdios das civilizações até a
sociedade moderna, relatando que “dominação, no sentido
muito geral de poder (...), é a possibilidade de impor ao
comportamento de terceiros a vontade própria.”
Max Weber (1864-1920)

1
DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito. Revisão e Tradução: Márcio Pugliesi, São Paulo: Ícone, 1996.
p.25-26.
2
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva; tradução de Regis
Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1999. p.188.

2
Assim, a imposição de vontades entre os sujeitos - visando à satisfação de
suas necessidades e interesses, levam à insegurança social, caso o conflito
não seja resolvido.

Esta demonstração de que os interesses e as pretensões podem convergir,


sem uma resolução amigável ou espontânea, chama-se “lide”, para a doutrina
tradicional3.

No Brasil, por exemplo, podemos apontar a questão das terras indígenas como
uma convergência de interesses. Desde a chegada dos portugueses às terras
“descobertas”, litígios nascem e renascem:

CASO RESERVA RAPOSA SERRA DO SOL


EXMO. SR. MINISTRO RELATOR DO SUPREMO TRIBUNAL –
DR. CARLOS AYRES BRITTO
“Alguns homens agem feito gafanhotos em nossas terras - vem
come, destroem e vão embora, deixando o roçado destruído.
Agem feito o formigão Tracoar, cuja fome é tão absurda que
comem toda a floresta e animais. E, com muita sede, secam os
rios, destruindo a morada dos peixes. Feito tatus vorazes, brocam
e remexem a terra em busca de mais alimentos (minérios),
despejando seus excrementos (agrotóxicos, mercúrios) nos rios
matando os peixes. Insaciáveis, furam a terra, libertando os
espíritos causadores de doenças (dengue, cólera, malária) que se
espalham pelo ar e pelos rios...”
(Penaron Makuxi)

Ação Popular nº 3388

Podemos, então, apontar o litígio como o conflito de interesses ou a


incompatibilidade entre interesses colocados em uma relação.

Visando impedir que a lei do mais forte impere sobre a do mais fraco, o
direito surge, como regulador das relações sociais (“ubi societas ubi
jus”).

3
“Lide” para Carnelluti é o conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita.

3
b) Direito Processual

É o ramo do Direito Público que consiste na reunião dos institutos, das regras e
dos princípios que definem a atividade jurisdicional estatal e o modo de solução
dos conflitos surgidos no meio social, abrangendo o exercício do direito de
ação e o processo, como instrumentos para se obter a paz na sociedade.

Portanto, ao conjunto de atos das partes, do juiz


e de seus auxiliares, até a final solução da lide,
obedecendo a um sistema de normas legais e
princípios, fazendo com que esses atos
processuais se desenvolvam de modo ordenado
e não arbitrariamente, chama-se Direito
Processual ou Direito Judiciário.

c) Processo

Vimos que cabe ao direito prevenir e resolver o conflito de interesses


intersubjetivos, harmonizando, pacificando, trazendo segurança aos entes da
sociedade.

O fim a ser alcançado é a paz social e, sobretudo, a justiça4. Mas, como obter
a proteção judicial? Como efetivar um direito, ou ainda, como conseguir a
aplicação do que é justo em cada caso?

O interessado procura a “Justiça”... Ele


está atrás de assistência, amparo,
defesa e proteção de seus direitos. Ele
precisa da tutela jurisdicional, ele
precisa de um julgador imparcial que
examinará seu pedido e fará com que
este direito seja efetivado. O órgão
encarregado de apreciar este pedido é
o Poder Judiciário.

4
Para Justiniano é dar a cada um o que é seu.

4
Ocorre que existe uma forma, um meio para se receber esta tutela do Estado
Juiz. Aí entramos no que se denomina de “processo”.

O processo, tradicionalmente, é visto como o instrumento democrático


através do qual a jurisdição se opera5.

Cada interesse ou direito é apreciado pelo órgão jurisdicional de uma forma


ordenada, sequencial, permitindo ao julgador conhecer a realidade
demonstrada, ao mesmo tempo em que propicia aos envolvidos sua
manifestação, defesa e participação.

Hoje, devemos lembrar que os interesses em jogo não são apenas individuais
(de um sujeito ou indivíduo, isoladamente). Os interesses podem ser coletivos
(de um grupo de pessoas) ou ainda, difusos (interesses difundidos,
espalhados pela sociedade e que a afetam indiscriminadamente, ultrapassando
a pessoa do indivíduo e alcançando indeterminados sujeitos). Para cada
interesse em conflito o órgão jurisdicional deverá entregar a proteção que é
buscada, através do processo.

O processo é o “palco no qual devem se


desenvolver, em estruturação equilibrada e
cooperadora, as atividades do Estado (jurisdição) e
das partes (autor e réu)... O processo é o ponto de
convergência e de irradiação. É nele e por meio dele
que alguém pode pleitear a afirmação concreta de
seu direito. É mediante o processo que o juiz, como
órgão soberano do Estado, exerce a sua atividade
jurisdicional e busca, para o caso, a solução mais
justa”6.

5
Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos Araújo Cintra.
6
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional – 5ed. Ver., atual. E ampl. –São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 35.

5
Para a atual corrente INSTRUMENTALISTA: o processo é o instrumento
para que seja alcançada a paz social, observado o ordenamento jurídico. É,
portanto, o meio de exercício do poder jurisdicional. Processo é o um
procedimento apontado a fim de cumprir a função jurisdicional, que se
apresenta como relação jurídica, vínculo que a norma de direito estabelece
entre o sujeito do direito e o sujeito do dever. É o instrumento para solução da
lide (COUTURE)7.

Estudiosos, como o Prof. Aroldo Plínio Gonçalves, aceitam a teoria de Elio


Fazzalari, para qual a definição de processo não pode ser restringida. Ele
defende que:

Pelo critério lógico, as características do


procedimento e do processo não devem ser investigadas
em razão de elementos finalísticos, mas devem ser
buscadas dentro do próprio sistema jurídico que os
disciplina. E o sistema normativo revela que, antes que
distinção, há entre eles uma relação de inclusão, porque o
processo é uma espécie do gênero procedimento, e, se
pode ser dele separado é por uma diferença específica,
uma propriedade que possui e que o torna, então, distinto,
na mesma escala em que pode haver distinção entre
gênero e espécie. A diferença específica entre o
procedimento em geral, que pode ou não se desenvolver
como processo, e o procedimento que é processo, é a
presença neste do elemento que o especifica: o
contraditório. O processo é um procedimento, mas não
qualquer procedimento; é o procedimento de que
participam aqueles que são interessados no ato final, de
caráter imperativo, por ele preparado, mas não apenas
participam; participam de uma forma especial, em
contraditório entre eles, porque seus interesses em relação
ao ato final são opostos8.

7
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos Del derecho processual civil.3 ed Buenos Aires: Depalma, 1993.
8
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992, p.
60.

6
Elio Fazzalari9 apresenta a estrutura do PROCEDIMENTO detalhada a seguir,
com grande aceitação por muitos doutrinadores brasileiros:

a) série de normas através da qual se regulamenta a produção do ato final,


que, normalmente, se trata de um provimento, ou mero ato. Cada norma
regula uma determinada conduta (qualificada como lícita ou devida),
mas enuncia-se como pressuposto para a execução de uma conduta
regulada por outra norma;
b) o procedimento apresenta-se como uma sequência de atos, previstos e
valorados pela norma;
c) o procedimento compõe-se de uma série de faculdades, poderes e
deveres: quantos e quais, são as posições subjetivas, que se obtêm pela
norma em questão.
Portanto, para a corrente de FAZZALARI há a concepção de que o
procedimento é uma série ou sequência de normas, atos e posições
subjetivas, que se conectam e inter-relacionam em um complexo normativo,
constituindo a fase preparatória de um provimento, visto como ato final de
caráter imperativo (Profa. Flaviane de Magalhães Barros Pellegrini)10.
Mas, para o Prof. Scarance Fernandes há o elemento “participação” como
imprescindível no âmbito processual:

“Todavia, é preciso evidenciar que na tessitura processual não


há só poderes, faculdades, direitos, deveres, ônus e sujeição das partes
e do juiz. As situações nele configuradas não são formadas só pelas
posições jurídicas destes três sujeitos processuais. O provimentos,
como ato estatal, não se dirige apenas a autor e réu, mas para a toda
comunidade, à qual interessa a correta administração da justiça. A
própria legitimação do provimento decorre da possibilidade de outros
trazerem a juízo informações necessárias para a correta apreensão
daquele trecho da realidade, objeto de apreciação judicial. O processo
não é só procedimento e contraditório; é procedimento, contraditório e
participação. A idéia de contraditório não abrange a de participação,
sendo esta de âmbito maior. O contraditório efetiva-se mediante a
participação das partes e do juiz. Todavia, não participam do processo
só estes sujeitos, mas também a vítima, as testemunhas, os peritos, os
advogados etc.”11.

9
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Op. Cit. p. 77 e 78.
10
O procedimento pode ser encarado, portanto, como um conjunto de atos ligados entre si em
razão de um efeito final.
11
FERNANDES. Antonio Scarance. Op. Cit. p. 46.

7
Podemos, com base nas
discussões existentes, apontar que
o processo é “o instrumento por
meio do qual se provoca a
jurisdição a fim de que esta,
através de um provimento
jurisdicional, proporcione ao
jurisdicionado o bem da vida por
ele pretendido ou a tutela do direito
que afirma possuir”12.

Assim, podemos verificar que o processo está ligado ao exercício do poder


do Estado, uma vez que será o ente estatal quem submeterá a vontade do
vencido na lide, a do vencedor, efetivando e concretizando a tutela prestada.

d) Jurisdição

Art. 1o A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é


exercida pelos juízes, em todo o território nacional,
conforme as disposições que este Código estabelece
(Código de Processo Civil).

Art. 1o O processo penal reger-se-á, em todo o


território brasileiro, por este Código, ...(Código de Processo
Penal).

Sabemos que o objetivo do Estado é o BEM COMUM. Para desempenhar a


função de pacificar conflitos e exercer a Justiça, o Estado possui a função
jurisdicional, a função de julgar, de decidir imperativamente e impor suas
decisões - enquanto a legislativa é construir normas abstratas e a
executiva é administrar e gerir o poder estatal13.

12
COLNAGO, Rodrigo. SOUZA, Josyanne Nazareth. Processo civil 3:processo cautelar. São Paulo:
Saraiva, 2008 – Coleção estudos direcionados. Fernando Capez, coordenador. P.7.
13
A diferenciação entre poderes / funções do Estado foi concebida primeiramente por Aristóteles e então
formulada como um princípio por Montesquieu.

8
Portanto, para a doutrina tradicional, a função jurisdicional é a aplicação, pelo
Estado Juiz, da lei ao caso concreto, visando, precipuamente a resolução de
lides sociais trazidas a seu conhecimento (Chiovenda).

JURIS (Direito) + DICTIONES (dizer, dicção) = JURISDIÇÃO

A tutela jurisdicional é a PROTEÇÃO que se proporciona ao jurisdicionado por


meio do exercício da jurisdição14.

Na visão da doutrina instrumentalista não basta solucionar a lide, é relevante à


sociedade o COMO efetivar, como cumprir ou fazer valer a decisão prolatada.

A Profª. Ada Pellegrini Grinover discorre que o processo tradicional vem sendo
marcado por profundas alterações metodológicas, passando (a) do plano
abstrato ao concreto, (b) do plano nacional ao internacional e (c) do plano
individual ao social.

Acredita que as normas processuais hoje migram do ABSTRATO ao


CONCRETO, já que o processo deve ter resultados práticos (exemplos: a
tutela antecipada, a ação monitória, etc.). É a EFETIVIDADE do PROCESSO.

Ainda, sob o mesmo prisma, as normas processuais saem do plano


estritamente nacional incentivando provimentos jurisdicionais em outros
Estados soberanos (como exemplo, cumprimento de cartas rogatórias,
homologações de decisões estrangeiras, etc), inserindo os meios processuais
na globalização. É o efeito do NACIONAL no plano INTERNACIONAL.

E finalmente, as normas processuais valoram não só o individual (que era a


tônica dos séculos XIX e XX), mas ampliam a proteção aos direitos e anseios
SOCIAIS.

14
COLNAGO, Rodrigo. Op. Cit. p.7.

9
O processo INDIVIDUAL, para a renomada processualista, “foi se
transformando em um processo destinado a atender também a grupos,
categorias e classes de pessoas, no que se refere, sinteticamente, à qualidade
de vida (direito ao ambiente sadio, a relações de consumo equilibradas, ao
respeito ao usuário de serviços públicos, à segurança dos investidores, etc.)15”.
São exemplos, o mandado de segurança coletivo, ação civil pública, juizados
especiais de pequenas causas, sistema de proteção processual do Código de
Defesa do Consumidor, entre outros.

Atualmente defende-se, ainda, que a jurisdição seria a “função do Estado de


declarar e realizar, de forma prática, a vontade da lei diante de uma situação
jurídica controvertida”16.

A jurisdição teve seus atributos ampliados e detalhados. Ela é:

Poder - é manifestação do poder estatal, ao decidir


imperativamente e impor suas decisões (Cândido Rangel
Dinamarco).
Função – porque expressa o encargo que têm os órgãos
estatais em promover a pacificação de conflitos, mediante a
realização do direito justo17.
Atividade - a jurisdição é exercida através do processo -
complexo de atos praticados pelo juiz, exercendo o poder e
cumprindo a função que a lei determina, substituindo a atividade
exclusiva das partes, mas sem descartar a participação dos
interessados.

Invoca-se, da concepção de jurisdição, as seguintes características:

Substitutividade: os atos do juiz substituem o agir das partes


Imparcialidade: o órgão judicante deve atuar sem favorecer
qualquer das partes
Lide (conflito de interesses)
Atuação estatal una (o Estado possui como uma de suas
atividades típicas, a jurisdicional; a jurisdição é uma só, uma
unidade, porque decorre da soberania do Estado)
Definitividade (Princípio da segurança jurídica – art. 5º, XXXVI
CF, o que restou definitivamente julgado não pode ser atacado
novamente18)
Inércia (a atuação do órgão jurisdicional deve ser provocada,
mas há exceções que permitem a atuação ex officio, ou seja,
direta do juiz, do órgão oficial).

15
Cintra, Antônio Carlos de Araújo; Grinover, Ada Pellegrini; Dinamarco, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. São Paulo: RT. 7ª. Ed ampl e atual, 1990.
16
THEODORO JÚNIOR, Humberto.Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro:Forense, 2003, vol 1.
17
Cintra, Antônio Carlos de Araújo; Grinover, Ada Pellegrini; Dinamarco, Cândido Rangel. Op. Cit.
18
Na ação rescisória não há ofensa ao princípio constitucional mencionado porque o rol da rescisória é
taxativo e, portanto, quando a sentença padece de vício grave, obtém-se sua desconstituição pelo
controle de vícios (Nery, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante -7ª. ed.
rev. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

10
A doutrina expõe ainda, os princípios da jurisdição:

Do juiz natural (art. 5ª, LIII CF, garantia constitucional: art. 5º.,
XXXVII)
Da indeclinabilidade da prestação jurisdicional (art. 5º.XXXV CF e
art. 126 CPC19)
Da imparcialidade
Da investidura (somente a autoridade investida no cargo de juiz
poderá exercer a jurisdição)
Da indelegabilidade (o órgão jurisdicional não pode delegar suas
funções)
Da inevitabilidade (quando provocada, a jurisdição impõe-se às
partes, independente de suas vontades);
Correlação (o julgamento deve estar atrelado ao pedido, não pode
ir além do que foi pedido no processo - “ultra petita”, nem
extravasá-lo - “extra petita”);
Da celeridade processual.

e) Outras Formas de Resolução de Conflitos

Convém destacar que não é só, através da jurisdição, que podem ser
resolvidos os conflitos. Existem outras formas para pacificar interesses que se
chocam:

AUTOTUTELA

Baseia-se em motivos excepcionais,


pelos quais são legitimadas
condutas unilaterais, invasoras da
esfera de liberdade alheia,
principalmente na impossibilidade
física do Estado-juiz estar presente
sempre que um direito esteja sendo
violado ou ameaçado de sê-lo.

19
O juiz em se deparando com uma lacuna na lei deve optar por utilizar normas escritas primeiramente
(analogia: aplicação de outra norma prevista para caso semelhante), depois os costumes (quando
integrados ao sistema normativo – praeter legem) e finalmente, os princípios gerais do direito (regras
existentes na ciência jurídica, como economia processual, não reformatio in pejus etc.)

11
Exemplos vigentes no nosso sistema jurídico:

O desforço “in continenti” ou defesa imediata da posse, prevista no art. 1210, §


1º do Código Civil assegura a legítima defesa, por intermédio de força pelo
próprio titular do bem, quando este se vir esbulhado ou turbado em sua posse.

Outro exemplo é o de retenção, também no Código Civil, em suas diversas


formas:

“Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à


indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem
como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a
levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e
poderá exercer o direito de retenção pelo valor das
benfeitorias necessárias e úteis”.

“Art. 1.433. O credor pignoratício tem direito: I - à posse da


coisa empenhada; II - à retenção dela, até que o
indenizem das despesas devidamente justificadas, que
tiver feito, não sendo ocasionadas por culpa sua (...)”.

Há o direito de cortar raízes e ramos de árvores limítrofes quando estas


ultrapassam a extrema do prédio confinante:

“Art. 1.283. As raízes e os ramos de árvore, que


ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados,
até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno
invadido”.

Todavia, a chamada autotutela só encontra amparo legal em casos


excepcionalíssimos, porque há muito foi abandonado o sistema de solução
pela força.
Na esfera penal pode ser apontada a prisão em flagrante como exemplo.
Qualquer um do povo pode prender quem se acha em flagrante delito (art.
312 do Código de Processo Penal). Há a imposição da força bruta, de modo
excepcional, para defesa do direito que está ameaçado.

12
AUTOCOMPOSIÇÃO

Na autocomposição, outra forma


de resolução de conflitos, as partes
envolvidas optam por renunciar a
parte ou à integralidade de seus
interesses, sacrificando suas
necessidades para transacionar.

Pode ser extraprocessual, quando realizada, sem a atuação estatal. Pode ser
endoprocessual quando realizada dentro de um processo. São exemplos: a Lei
dos Juizados Especiais de Pequenas Causas; a transação, submissão, a
desistência, entre outros.

ARBITRAGEM

Na intervenção de terceiros, outro modo de


finalizar um conflito, há a escolha de um julgador
imparcial. Pode ser exercido por um árbitro ou
pelo poder estatal (processo).

Atualmente, a arbitragem está sendo cada vez


mais utilizada, como meio eficaz e célere de
dirimir pendências.

A arbitragem prevista na Lei 9.307/96 regulamenta a solução privada dos


conflitos, levando a lide para conhecimento e resolução através de árbitros,
previamente convencionados e remunerados pelos interessados. Diz a lei em
seu art. 3º que:

As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao


juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a
cláusula compromissória (em estipulação contratual prévia, as partes
convencionam que, em caso de eventual litígio, seja a arbitragem a
forma escolhida de resolução de conflitos daquele contrato) e o
compromisso arbitral (submissão das partes a árbitro, por convenção,
quando o conflito de interesses se encontra configurado).

A arbitragem não ofende ao princípio constitucional de acesso à Justiça (XXXV,


art. 5º CF) tendo em vista que o direito de ação não é um dever de ação20,
permitindo a livre disposição de direitos e bens atinentes aos direitos
patrimoniais.

20
Nery, Nelson. Op. Cit. p. 137.

13
f) Direito de Ação

O interessado, para receber a tutela do magistrado, em um caso concreto,


deve solicitá-la expressamente, acionando, provocando a atuação estatal.

O art. 5o., inciso XXXV diz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Ocorre que, uma das características da jurisdição é a inércia, então o exercício


do direito de ação deve ser realizado, para movimentar a tutela estatal – CPC:
“art.2o Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte
ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais”.

O direito de ação, segundo MISAEL MONTENEGRO FILHO, se refere à


prerrogativa conferida a todas as pessoas, de direito público e de direito
privado, naturais e jurídicas, inclusive entes despersonalizados (massa
falida, condomínio e espólio, principalmente), de solicitar ao
representante do Estado que pacifique o conflito de interesses21.

Direito Material e Direito Processual

Enquanto o direito material envolve normas que regulam relações entre


as pessoas para com os bens e utilidades da vida (Ex. Código Civil –
constitui normas de direito material: direito de ser indenizado pelo
causador de um dano, por exemplo; Código Penal – descreve as
condutas que configuram crimes), o direito processual cria e regula o
exercício de meios jurídicos, para aplicar a lei, resolver o caso concreto
e aplicar a justiça (Ex. quais recursos são cabíveis, quais prazos estão
previstos para manifestação no processo, etc.).

Normas jurídicas materiais ou substanciais são as que regem os


conflitos de interesses entre as pessoas, contrabalançando qual deve
ser sacrificado e qual deve prosperar. Ex. o ladrão terá seu direito de
liberdade sacrificado em prol da segurança da sociedade (pública).

Normas jurídicas processuais ou adjetivas são as que regulam o


processo e determinam como resolver o pedido, utilizar os meios de
defesa, recursos, provas, entre outros. É pautado pelo interesse
coletivo e público.

21
MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de processo civil comentado e interpretado – São Paulo: Atlas,
2008, p. 33.

14
a) Evolução da concepção de ação

Nem sempre a doutrina entendeu a diferenciação entre direito


material e direito processual. Por vários séculos o direito era
entendido como um todo (Não há ação sem direito, não há direito
sem ação, a ação segue a natureza do direito). A escola
clássica, civilista ou imanentista defendia a ação como adjetivo
do direito, reação à violação de um direito (Savigny).

Posteriormente dois estudiosos da Alemanha, Bernhard


Windscheid e Theodor Müther, entre 1856 e 1857, travaram uma
polêmica memorável entre as diferenças do direito material e o de
ação. Müther defendeu a que a ação é um direito contra o Estado
para se invocar a tutela jurisdicional, portanto, diferente do direito
e da violação sofrida no caso concreto. Pela posição defendida
por Muther, da ação nasceriam dois direitos, ambos de natureza
pública: o direito do ofendido à tutela jurídica do Estado (dirigido
contra o Estado) e o direito do Estado à eliminação da lesão,
contra aquele que a praticou. Windscheid, vencido na discussão,
concordou com o direito de agir, exercitável contra o Estado. Mas
defendeu haver outro direito exercitável contra o devedor, sendo
um pressuposto do outro. Os direitos seriam diversos, posto ser o
primeiro de natureza pública e o segundo de natureza privada.

Assim, ficou dividido o direito material (privado) do direito de


ação (direito subjetivo público).

Ainda em 1885, na própria Alemanha, outra teoria da ação surgiu:

Teoria CONCRETISTA – (Wach, Chiovenda, Barbi) “A ação


é um direito autônomo (diferente do direito material), não
necessariamente o direito subjetivo material violado. Dirige-
se contra o Estado. A ação seria um direito existente nos
casos concretos em que existisse um direito subjetivo”.

Já no século XIX outros estudiosos apresentaram suas idéias


sobre a ação:

ABSTRATISTAS – (Degenkolb, Plósz, Rocco) “A ação só


existe no plano abstrato. É só o direito de ir a Juízo, é o
direito autônomo e abstrato de agir; Independe do direito
material”.

15
Hoje, o direito de ação se aperfeiçoou. Não basta o
jurisdicionado invocar a tutela estatal:

Nosso CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL adotou a TEORIA


ECLÉTICA: Ação é direito processual (autônomo em relação
ao direito material), mas está conectada com o direito
material. É o direito de ir a Juízo e o de obter a resolução
concreta do litígio (LIEBMAN): “poder de sujeição e
instrumentalidade conexo a uma pretensão material”.

A ação envolve o direito de ir a juízo, receber o provimento


jurisdicional e em tempo oportuno, hábil: Constituição Federal,
art. 5o, inciso LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo
e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

É o chamado direito fundamental da efetividade do processo,


direito de acesso à justiça ou direito à ordem jurídica justa.
Trata-se da possibilidade de receber uma decisão justa, passível
de ser concretizada eficazmente no plano fático, em tempo
adequado.

Nas palavras da Prof. Ada Pellegrini Grinover: “a fase


instrumentalista, ora em curso, é eminentemente crítica. O
processualista moderno sabe que, pelo aspecto técnico-dogmático, a
sua ciência já atingiu níveis muito expressivos de desenvolvimento,
mas o sistema continua falho na sua missão de produzir justiça entre os
membros da sociedade. É preciso agora deslocar o ponto – de -vista e
passar a ver o processo a partir de um ângulo externo, isto é, examiná-
los nos seus resultados práticos. Como tem sido dito, já não basta
encarar o sistema do ponto – de -vista dos produtores do serviço
processual (juízes, advogados,promotores de justiça); é preciso levar
em conta o modo como os seus resultados chegam aos consumidores
desse serviço, ou seja, à população destinatária.”

b) Ação

Vimos que a ação é o requerimento ao Estado Juiz para


apreciação de uma pretensão, pelo interessado na harmonização
da lide. “É o direito ao exercício da atividade jurisdicional22”. Por
intermédio do exercício da ação há a provocação da tutela
jurisdicional.

22
. Cintra, Antônio Carlos de Araújo; Grinover, Ada Pellegrini; Dinamarco, Cândido Rangel. OP. Cit., p.
221

16
Princípios do Direito Processual

O Direito Processual encontra na própria Constituição Federal (CF) as


premissas de todo o sistema jurídico.

Princípios são colocados como regras matrizes de um sistema, de onde


brotam as demais normas, servindo para dar uniformidade a todo conjunto
(SCARANCE FERNANDES)23.

Vamos verificar os princípios mais importantes que a doutrina destaca:

Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa

Art. 5o, LV CF - aos litigantes, em processo judicial


ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes;

Para Carulli24 “o conceito lógico do contraditório pressupõe duas figuras, do


dizer e do contradizer, e não uma só”. Significa dizer que as partes devem ser
cientificadas do que ocorre no processo. As partes devem ter oportunidade de
questionar, responder e refutar.

Há o confronto entre as partes com ciência do que se passa no processo.

23
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. – 5.ed. rev atual e ampl. – São
Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 13.
24
Carulli, il diritto di difesa dell’imputato. Napoli: Jovene, 1967, p. 7-8.

17
Princípio da Igualdade

Art. 5º, “caput” CF - Todos são iguais perante a lei,


sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade (...).

Para Scarance25 o princípio da igualdade coloca as partes em posição de


similitude perante o Estado e, no processo, perante o juiz. Determina o mesmo
tratamento aos que se encontrem na mesma posição jurídica (partes;
testemunhas, etc). Determina a igualdade de armas no processo, determinando
o equilíbrio de forças.

Direito a Assistência Jurídica (Advogado)

Art. 5o, LXXIV CF - o Estado prestará assistência jurídica


integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos;
Art. 133, CF - O advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da
lei.

Art. 134, CF - A Defensoria Pública é instituição


essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-
lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus,
dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

A defesa técnica é um direito indispensável. A jurisprudência entende que a


paridade é condição fundamental para validade do processo.

Scarance diz que “o direito de defesa é ao mesmo tempo garantia da própria


justiça, havendo interesse público em que todos os acusados sejam
defendidos, pois só assim será assegurado efetivo contraditório, sem o qual
não se pode atingir uma solução justa”.

25
FERNANDES, Antonio Sacarance. Op. Cit. P. 68.

18
Princípio do Devido Processo Legal

Art. 5o, IV CF - ninguém será privado da liberdade


ou de seus bens sem o devido processo legal;

Vimos que o processo traduz a possibilidade do juiz,


como órgão soberano do Estado, exercer a sua
atividade jurisdicional, buscando, para o caso, a
solução mais justa (Scarance). O processo está
regulado em lei e através deste instituto as partes
podem pleitear a afirmação concreta do seu direito.

Princípios da Celeridade Processual e Economia Processual

Art. 5o, LXXVIII CF - a todos, no âmbito judicial e


administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação

O princípio da economia significa a obtenção do


máximo resultado na atuação jurisdicional com o
mínimo de dispêndio que se mostrar possível.
Conjuga-se a relação entre o custo-benefício.

19
Princípio do Juiz Natural

LIII CF - ninguém será processado nem


sentenciado senão pela autoridade competente

Através deste princípio é assegurado que o juiz


seja imparcial, ou seja, o juiz não deve ser
convocado para aquele caso especificado.

O julgador deve ter competência delimitada em


lei e ali estar previamente fixado.

SCARANCE aponta que disto decorrem três regras de proteção:

só podem exercer jurisdição os órgãos instituídos pela


Constituição;
ninguém pode ser julgado por órgão instituído após o fato;
entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de
competências que exclui qualquer alternativa deferida à
discricionariedade de quem quer que seja.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, em 1948), estabelece:


"toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida
publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a
determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer
acusação contra ela em matéria penal".

Princípios da Fundamentação e da Publicidade dos Atos Decisórios

Art. 93, IX, CF - todos os julgamentos dos órgãos do


Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas
as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a
seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais
a preservação do direito à intimidade do interessado no
sigilo não prejudique o interesse público à informação

Os destinatários da fundamentação do juiz são todos


os envolvidos com o processo e também a sociedade
que pode verificar a motivação do juiz, e mais: se ele
agiu com imparcialidade e com conhecimento da causa.

20
Princípio da Livre Investigação e Apreciação das Provas

O princípio da livre investigação das provas ou do


dispositivo compreende o sistema em que o juiz
necessita da iniciativa das partes para instaurar a
causa e conceder as provas, verificando as
alegações em que se baseará para fundamentar
sua decisão. As partes possuem o ônus de provar
o que alegam, cabendo ao julgador livremente
apreciar o que foi colhido e apresentado sobre os
fatos necessários ao deslinde da questão.

São apontadas como repercussão do direito à prova, por Barbosa Moreira, a


necessidade de conceder iguais oportunidades às partes de pleitear a
produção de provas; não haver disparidade de critérios no deferimento ou
indeferimento das provas pelo julgador; possibilidade das partes participarem
dos atos probatórios e de se manifestarem sobre seus resultados.

Princípio da Boa-Fé Processual

Ou da lealdade processual determina que os


integrantes da relação processual atuem sem
artifícios fraudulentos, sob pena de infração aos
preceitos éticos previstos em lei. Na esfera
processual civil é bastante taxativa a norma:

Art. 14 – Código de Processo Civil. São deveres das


partes e de todos aqueles que de qualquer forma
participam do processo: I - expor os fatos em juízo
conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-fé;
III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes
de que são destituídas de fundamento; IV - não produzir
provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.
V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à
efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. Parágrafo
único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da
OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao
exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e
processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de
acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da
causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da
decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do
Estado.

21
Princípio do Duplo Grau de Jurisdição

Trata-se da possibilidade de revisão, através de


recurso, de causas julgadas pelo juiz de primeiro
grau, considerando a natureza humana que admite
falhar, cometer injustiça ou errar, daí a necessidade
de se permitir a sua reforma em grau de recurso.

22

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