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ACCOUNTABILITY E A AMAZONIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

EM TEMPOS DE COVID-19 1

Hermeson Claudio Mendonça Menezes


Universidade Federal do Ceará (PPGE/UFC)
e-mail: hermesonmenezes_ufc@yahoo.com

RESUMO: Este texto 2 analisa o "absurdo social" que envolve a junção entre accountability e amazonização da
educação em tempos de pandemia do Covid-19. Na chamada era digital, o fenômeno da amazonização tem
aprofundado os processos de estranhamento e reificação dos indivíduos, seja pela contínua afirmação utilitarista
atribuída à educação e/ou pela conversão dos indivíduos a seres conectados à máquina – indivíduos on-line ou
off-line. No texto em tela, explica-se que o processo de amazonização da educação utiliza-se dos mecanismos de
accountability e da lógica dos algoritmos reforçando o controle social e a própria mercantilização da e na
educação, priorizando valores utilitaristas desvirtuando as finalidades humanas e sociais da educação.
PALAVRAS-CHAVE: Accountability. Amazonização. Covid-19. Educação.
_____________

O historiador inglês Eric Hobsbawm (2011) ao discorrer sobre o curto século XX


atribuiu-lhe a metáfora era dos extremos, pois nenhum outro século conheceu tamanha
assimetria entre os polos, sejam eles de quais áreas forem com suas suspeitas, dúvidas e
esgarçamentos, da sociabilidade às condições do conhecimento.
A partir dessa assimetria pode-se ponderar que no primeiro quinto do século XXI
assiste-se o exacerbamento dos tempos fraturados, resgatando outra metáfora hobsbawniana,
pois no prelúdio deste velho novo século a sociedade global submerge “ao golpe triplo da
revolução da ciência e da tecnologia [iniciada ainda] no século XX, que transformou antigas
maneiras de ganhar a vida antes de destruí-las, da sociedade de consumo de massas [...], e da
decisiva entrada das massas na cena política como consumidores e eleitores” (HOBSBAWM,
2013, p. 13).
No admirável mundo novo a informação, a transparência e o consumo – soma 3 de
uma incivilidade especulaísta – são espectros entrelaçados entre o visível e o invisível de uma

1
Este texto organiza-se como requisito de conclusão da disciplina “Tópicos Avançados em Educação IV”,
ministradas pelas Prof.a Dra. Rosimar Machado (PPGE/UFC) e Prof.a Dra. Clarice Zientarski (PPGE/UFC), no
semestre de 2020.1 no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará.
2
Inicialmente em formato de ensaio o texto em tela será posteriormente transformado em artigo contendo as
seguintes seções: Introdução, na qual apresentar-se-á o trabalho; segunda seção, “A Peste” digital – a
amazonização em simbiose com o Covid-19, tendo por finalidade analisar o estranhamente e a reificação
manifestos no fenômeno da amazonização e seu avanço na conjuntura da pandemia do Covid-19; terceira seção,
O panoptismo de Echo – accountability em interface com a amazonização, discutir-se-á os processos de
amazonização da educação e o uso da Inteligência Artificial como meio de afirmação do utilitarismo e do
panoptismo do indivíduo accountable, logo, do próprio processo de accountability educacional; e, por fim, a
quarta seção, Considerações Finais, na qual objetivar-se-á apresentar caminhos à luz do materialismo histórico-
dialético para a superação do “absurdo” ou “barbárie” da amazonização da educação.
3
O termo soma é uma referência ao alucinógeno (droga) utilizado na sociedade descrita na obra Admirável
Mundo Novo de Aldous Huxley (2009). O soma é descrito como um alucinógeno que estabelece sensações de
extasse, alívio ou felicidade, impedindo o usuário de ficar tristes
humanidade que se precipitou no submundo do ciberespaço, com sua implacável teologia
algorítmica. Novas gerações se erguem em uma aldeia global quantofrênica sob a junção do
Estado-Mercado projetando o paradoxal crepúsculo da educação e do conhecimento, cujo
destino epocal subjaz na Inteligência Artificial.
Nesse mundo os Millenialls (geração Y – nascidos entre 1980 e 1994) cresceram
durante o avanço do neoliberalismo e da grande aceleração tecnológica digital; enquanto a
Geração Z (nascidos entre 1995 e 2015) nasceu em meio as incertezas do futuro, o que lhe
impulsiona a desafiar estereótipos e ditar as próprias regras, mas presos a tecnologia e ao
valor das marcas e/ou das organizações – ligadas ao imaginário do “novo”.
O indivíduo da geração Millenialls ou Z, matizado pelos imperativos da rapidez,
fluidez e agilidade, decorrente da transformação digital de tudo – onde tudo será dado e
algoritmo em uma disrupção tecnológica –, é tomado como accountable (“responsável”) por
sua própria inserção no mercado, formação e educação. Eis a falácia solipsista dos
evangelistas digitais que afirmam em suas profecias a formação da geração de nativos
digitais, possuidores da sabedoria digital, enquanto os dinossauros (o resto de nós) estão
destinados ao banimento.
No mundo pontocom da era digital emerge um novo arcana imperii: o GAFA
(acrônimo de “Google, Amazon, Facebook e Apple”) cuja economia virtual tem empreendido
uma revolução em múltiplos campos, da tecnologia às finanças, da educação à saúde,
resultando em novos processos de estranhamento e reificação do indivíduo, conceituado na
era digital como ser on-line (conectado) ou off-line (desconectado – anátemas de uma era
digital).
Parafraseando a Fábula dos animais durante a peste de La Fontaine (1621-1695),
que constatou haver um mal a se espraiar pelo mundo ocidental, assiste-se no século XXI um
mal, advindo da ordem neoliberal do capital, a estender sua sombra sobre a humanidade. Seu
nome? Amazon! E seu modus operandi? A amazonização – com suas diretrizes de satisfação
do cliente, superexploração do trabalhador e fratura das relações sociais. E, no fluxo de
informações e controle promovido pela amazonização tem-se intensificado o utilitarismo
educacional. Em uma época de mercantilização na e da educação.
Com a internet das coisas (IoT – Internet of Things) o indivíduo se conecta a
dispositivos eletrônicos que compartilham informações com ele, com aplicativos baseados em
nuvem e entre si. Dispositivos portáteis para aplicações vestíveis (wearables) coletam dados
sobre seus usuários – requisitos de condicionamento físico, saúde e entretenimento, por
exemplo. (MAGRANI, 2018). Mas, na relação indivíduo e dispositivo, no sistema sócio
metabólica do capital com seus processos de coisificação pode-se indagar: quem é o objeto na
conexão, ou seja, quem é a extensão?
A Amazon, seguindo os parâmetros estabelecidos nos aplicativos vestíveis, tem
microgerenciado o desempenho de seus “colaboradores” – funcionários e contratados – ao
ponto de lançar severas dúvidas sobre “quem controla quem”, na relação dispositivos e
“colaboradores”. No domínio dos canais de distribuição da Amazon, se um funcionário
estiver atrasado, ele receberá uma mensagem de texto recordando das metas a serem
alcançadas e das consequências do insucesso. (GOLUMBIA, 2015).
No ano de 2013 a BBC realizou uma investigação jornalística no armazém da
Amazon em Swansea, Reino Unido. O jornalista, infiltrado na equipe de “selecionadores”,
escreveu à época: nós, trabalhadores, somos "máquinas, somos robôs, conectamos nosso
scanner, estamos segurando-o, mas podemos também conectá-lo a nós mesmos", e que “Não
pensamos por nós mesmos, talvez eles não confiem que pensemos por nós mesmos como
seres humanos, não sei”. (Panorama da BBC, 2013. In: GOLUMBIA, 2015)
Diante das “novas” contradições da empresa capitalista da era da economia digital
as soluções encontradas com a expansão da Inteligência Artificial e de seu campo de
aplicação, muito aquém de contribuir para a elevação da qualidade de vida do trabalhador
rememora uma constatação de Marx, no século XIX, ao abordar a relação homem-máquina:
“O crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho despojaram a atividade do operário
de seu caráter autônomo, tirando-lhe todo o atrativo. O operário torna-se um simples apêndice
da máquina” (MARX, 2010, p.46).
O avanço tecnológico, portanto, tem sido um reflexo da caricatura capitalista da
regulação social da produção e suas várias fases – do taylorismo-fordismo ao toyotismo, com
suas técnicas integrativas gerenciando o trabalho fragmentado, just-in-time, e human
engineering (engenharia humana, garantindo a manutenção do equilíbrio dos fatores humano
e de ergonomia no âmbito do trabalho), invertendo a lógica da relação homem-máquina: no
desenvolvimento dos instrumentos de trabalho o trabalhador acaba tendo que ajustar-se ao
aparato produtivo, tornando-se um apêndice da máquina.
Ao mesmo tempo que a Amazon investe em novas tecnologias – com seus slogans
de satisfação – do cliente ela é criticada pelas práticas trabalhistas, principalmente em seus
centros de distribuição onde as condições de trabalho são desumanizantes. Em artigo, datado
de 7 de setembro de 2018, o The Seattle Times revela que “A Amazon patenteou um sistema
que colocaria os trabalhadores em uma gaiola, em cima de um robô” (DAY; ROMANO,
2018, s/p). (vide Figura 1).

Figura 01 – Trabalhadores em gaiola

Fonte: DAY; ROMANO, 2018, s/p

Segundo Day & Romano (2018, s/p) “As ilustrações que acompanham a patente,
concedida pelo escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos em 2016, mostram um
gabinete em forma de gaiola em torno de um pequeno espaço de trabalho sobre o tipo de
carrinhos robóticos a serem controlados parcialmente por um ser humano. A patente foi
chamada de “uma ilustração extraordinária da alienação do trabalhador, um momento difícil
na relação entre humanos e máquinas”. Embora, as relações sociais de produção tenham
sofrido alterações em virtude dos avanços tecnológicos na relação homem-máquina o trabalho
continua pautado pela subsunção real ao capital.
Para Marx (1985, p. 105),

Na subsunção real ao capital [...] desenvolvem-se as forças produtivas sociais do


trabalho e, graças ao trabalho em grande escala, chega-se à aplicação da ciência e da
maquinaria à produção imediata. Por um lado, o modo de produção capitalista, que
agora se estrutura como um modo de produção sui generis, origina uma forma
modificada de produção material. Por outro lado, essa modificação da forma
material constitui a base para o desenvolvimento da relação capitalista, cuja forma
adequada corresponde, por consequência, a determinado grau de desenvolvimento
alcançado pelas forças produtivas do trabalho.

O desenvolvimento das forças produtivas, por seu turno, sob a batuta da


amazonização tem resultado em novas forma de exploração até então inimagináveis. No ano
de 2018, como parte de sua estratégia de ampliação do uso de drones, a Amazon anunciou seu
programa de incentivo de entregas de mercadorias aos vizinhos de seus clientes, cujas
agendas dificultam o recebimento das encomendas. A ideia é remunerar os vizinhos de seus
clientes por este serviço de assistência, ou seja, o que seria uma ação de solidariedade entre
vizinhos passa a ser uma extensão do mercado de distribuição – ação semelhante aos
primeiros passos do Uber, quando remunerava o sistema de carona. Com esta ação constitui-
se as chamadas práticas de “quase-mão de obra”, como situa Tiziana Terranova, citada por
Golumbia (2015).
Imbuída desse espírito que confunde as relações de trabalho, bem como, a relação
homem e máquina em uma coisificação do humano, a Amazon tem ampliado suas ações
financeiro-comerciais e filantrópicas na conjuntura da pandemia global do SARS-CoV-2,
causador do Covid-19. Ambiente propício para consolidar a “peste” da amazonização – irmã
mais nova da walmartização, com sua lógica de precarização do trabalho – ampliando a
utilização de plataformas digitais no campo da educação, em vista das diretrizes de
isolamento social como estratégia da “guerra” contra um “inimigo invisível”, como alude
Donald Trump ao abordar o Covid-19. (CATHY, s/p, 2020, tradução nossa).
Como um déjà–vu a nova “peste” abate-se sobre a humanidade em uma paradoxal
abundância de desinformações na era da informação e transparência. No avanço das políticas
de accountability os sujeitos e as instituições são responsabilizados por suas escolhas e
cobrados para prestar contas de suas ações diante do concorrencialismo neodarwinista.
Nesse sentido, as metáforas atribuídas ao COVID-19 são convidativas a tensão e
ao caos da “pandemia digital” que se espalha mais rápido do que o próprio vírus,
disseminando estigmas, xenofobia e pânico nos domínios interpessoal, social e político. As
metáforas beligerantes retratam a mentalidade reacionária de uma época cuja sede de
dominação e conflito é anterior a própria “guerra” contra o Covid-19.
Na sociedade concorrencial, neodarwinista os mais resistentes devem sobreviver.
Os mais vulneráveis – como os idosos – abatidos pelo Covid-19 ou os inadaptados da era
digital são encarados pelos senhores da guerra como perdas colaterais do progresso e com as
mudanças no mundo do trabalho gerados pela tecnologia como Uber, Netflix e TripAdvisor.
As metáforas atribuídas a Covid-19 – “vírus chinês” (Donald Trump, presidente
dos EUA), “vírus xiita” (grupos sunitas paquistaneses), “chamado de Deus” (pastor da
comunidade Paradise of Calvary Chapel of Filadélfia em Somerton/EUA) –, são reflexos de
uma sociedade concorrencial e cindida – mas, nestas metáforas algo é ocultado.
Em seu clássico A Peste, Camus (2012) aborda uma infecção que dizima metade
da população de uma cidade. Direcionando sua pena rumo ao colonialismo, Camus ataca as
ideologias que dilaceram civilizações com o pretexto de garantir o progresso. Na esteira desta
analogia, assiste-se hodiernamente a sociedade quase que em estado catatônico, inerte, com
poucas vozes dissonantes diante do espetáculo dantesco do ensino remoto e tele trabalho –
pestes do século XXI que colonizam mentes e corações de uma infância roubada, educação
instrumentalizada e utilitarista e trabalho estranhado.
Às organizações da era digital é atribuída o impulso da humanidade em direção a
novas fronteiras, até então inimagináveis. Na afirmação desse imaginário, que poderia ter sido
retirado da obra ficcional de Júlio Verne, Jeff Bezos (CEO da Amazon), seguindo os passos
dos “visionários” do Vale do Cilício, como Mark Zuckerberg (CEO do Facebook), anunciou
em 13 de setembro de 2018, em seu tweetar, o lançamento de sua instituição de caridade Day
One Fund. (BEZOS, 2018, s/p, tradução nossa)
Nessa mesma toada, em evento no The Economic Club of Washington (D.C.,
Washington, Distrito de Columbia/USA), ainda no mês de setembro de 2018, o CEO da
Amazon resumiu suas ideias para resolver os problemas de pobreza e desigualdade: “Se você
tem uma missão, pode fazê-la com o governo, pode fazê-la com organizações sem fins
lucrativos ou com fins lucrativos” (HOLDERS, 2018, 2018, s/p, tradução nossa). Jeff Bezos
ainda enfatiza que “Se você conseguir descobrir como fazer isso com fins lucrativos, isso tem
muitas vantagens: é autossustentável.” (HOLDERS, 2018, s/p, tradução nossa).4
Tendo como slogans ajudar famílias sem-teto e criar “uma rede de pré-escolas
novas, sem fins lucrativos, de primeiro nível em comunidades de baixa renda” (BEZOS, 2018,
s/p, tradução nossa) o Day One Fund firma-se como uma das iniciativas dos tecnocratas da
indústria da tecnologia.

4
A Amazon tem combatido a criação de leis e impostos sobre a criação de empregos e auxílio aos sem-teto nos
EUA, defendendo o investimento em organizações sem fins lucrativos locais, pois segundo o modelo
filantrópico de Jeff Bezos: aquilo “que o governo pode fazer, as organizações sem fins lucrativos e o setor
privado podem fazer melhor” (VALLE, In VOX, 2018, s/p, tradução nossa).
O Day One Fund é estruturado amparando-se em dois pilares: The Day 1 Families
Fund, inspirada no Mary's Place em Seattle: “nenhuma criança dorme fora”; e o Day 1
Academies Fund, inspiradas nas propostas pedagógico-sociais de Montessori e na concepção
de uma rede de pré-escolas de alta qualidade, com bolsa integral e em comunidades carentes.
Entretanto não se esclarece de como tais ações serão implementadas. (VALLE, 2018;
HOLDERS; 2018)
Mas, Bezos declara que usará "o mesmo conjunto de princípios que
impulsionaram a Amazon", sendo o mais importante "a genuína e intensa obsessão pelo
cliente " (grifo nosso). “A criança será o cliente”, acrescentou, sinalizando para uma
tendência: aprendizagem personalizada.
É nesse cenário que a amazonização da educação com o ensino remoto e o tele
trabalho tem avançado a passos largos no ano de 2020. Nesta amazonização da educação a
criança será rastreada e analisada, tendo suas preferências armazenadas e dados convertidos
em algoritmos de forma a fazer melhores recomendações posteriores. Caminha-se para uma
mercantilização da e na educação de tal monte que o aluno, reduzido ao ethos de cliente, terá
sua experiência educacional condicionada a um “mercado de ideias”, uma educação sob
medida.
A proposta educacional da Amazon centrada no aluno, em tecnologia digital
virtual, funda-se no atribuir responsabilidade ao aluno pela sua aprendizagem, pois a este é
delegado autonomia e independência para sua formação – elementos essenciais, segundo a
lógica da amazonização, para o futuro da vida e do trabalho do indivíduo accountable
(“responsável”). Esse indivíduo conectado a lógica dos algoritmos consumirá a mercadoria
indicada, segundo os preceitos da amazonização educacional, a semelhança do consumo dos
produtos da Netflix e da própria Amazon.
Nesta perspectiva pandêmica outra inovação que tende a se firmar são as
tecnologias virtuais Inteligência Artificial Artificial como o Echo, o “assistente pessoal”
(também conhecido como “Alexa”, que responde às perguntas dos usuários). (HERN, 2014).
Echo é um dispositivo que lembra a Teletela5 da obra 1984, de George Orwell (2003). Esse
dispositivo de escuta sempre ligado e integrado as áreas centrais da residência se comunicam
com o usuário ao ser “ativado” pelo comando “Alexa” (ou “Amazon”).

5
Semelhantemente as Teletelas - uma espécie de TV que tanto enviava imagens de propaganda como servia de
instrumento de espionagem, captando o cotidiano dos ouvintes. Echo da mesma forma, para atender as
necessidades do usuário deve estar ouvindo o tempo todo, aguardando a palavra-chave para iniciar a
operação. Isso significa que ele está sempre ouvindo, sempre processando.
Echo, ao ser ativado é capaz de executar tarefas relacionadas aos negócios da
Amazon, bem como, responder a perguntas cujas respostas estejam disponíveis na Wikipedia
(como por exemplo: "Alexa, qual é a capital de Pernambuco e qual a localização geográfica
do Brasil?"), Pode-se gerenciar outros dispositivos aos quais Echo esteja integrado e, o mais
importante, executar atividades financeiro-comerciais, como operações bancárias e iniciar
compras de produtos na própria Amazon.
Uma nova política de accountability educacional se avizinha, na qual alunos
consumidores, regidos por algoritmos, estabelecem relações com professores e instituições
cada vez mais reificados. Ao final todos deverão prestar contas, serão rastreados
(monitorados) e avaliados por um cliente que adquire a mercadoria “informação”
personalizada, bem como, se saberá o que estão consumindo. Com essa informação o sistema
de Inteligência Artificial organizará pacotes educacionais pré-estabelecidos conformes o
histórico do aluno-cliente.
E, na aldeia global os indivíduos off-line estrão excluídos do processo pois não
fazem parte do ciberespaço. Mas às desigualdades do mundo off-line também se reproduzem
no on-line, onde alguns são mais iguais do que outros. Na distopia do “novo normal”
confunde-se convívio familiar com a afirmação da falsa sociabilidade do espaço digital virtual
com sua rastreabilidade – seja de produtos (sendo o conhecimento e a educação convertida em
mercadoria) ou de indivíduos.
Nesse mundo cindido o poder das organizações na sociedade da revolução digital
incide sobre a vida dos indivíduos tornando porosa a separação entre vida pessoal e
profissional. O Estado neoliberal, por seu turno, em conluio com as organizações e
organismos multilaterais tem ampliado políticas de accountability (responsabilização,
prestação de contas, avaliação, informação e controle) – indivíduos e instituições veem-se
“capturados” ou “manipulados” por mecanismos de vigilância e controle que subsomem a
educação as diretrizes do mercado.
O retorno ao convívio familiar (resultante das políticas de isolamento social),
nunca foi tão surreal, mascarando as formas de dissociação, somatização e sublimação da
sociedade cindida e fragmentada pela exclusão digital, pela violência e exploração reinante no
mundo do trabalho, subsumido a lógica do metabolismo social do capital – os indivíduos são
livres para trabalhar 24 horas por dia, no conforto do seu lar doce lar (convertido na senzala
da hodiernidade).
A massa humana – integrada ou excluída (pária social) – da aldeia global com seu
sistema de home office e home schooling resta a resistência ou a submissão ao panóptico
digital e seus processos de estranhamento, em uma ação de “destruição criativa”
(SCHUMPETER, 1984) que destrói o que produz para criar novos bens supostamente de
valor superior, segundo a ideologia neoliberal.
A lógica operacional da Amazon é expressa pela ênfase na personalização – no
comércio e processo de descoberta online. Assim, no fluxo de informações do ciberespaço a
Amazon se espalha como um vírus. Desta forma, pode-se concluir, em uma primeira
aproximação com a temática investigada, que a relação Amazonização, Accountability e
Covid-19 cria uma tessitura favorável à mercantilização da educação. E, com o ensino remoto
tem-se impingido novas relações educacionais e profissionais, agudizadas pelo isolamento
social no cenário de inquietações resultantes da pandemia de Covid-19.

REFERÊNCIAS
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