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F
1
CHRONICA
DOS REYS
DE
PORTUGAL :
COM PRIVILEGIO DO PRINCIPE NOSSO SENHOR .
Anno 1677.
வாடிக்கையாக
படபடக்கும்
-வகை
A
-
1
-
1
10
WB11106.0
301TCIODOLLS
CI- E OMIC
7
CHRONICA
DOS
REYS DE PORTVGAL
REFORMA D A
D.MIGVEL DE PORTUGAL ,
CONDE DE VIMIOZO , & c.
LISBOA
Na Officina de FRANCISCO VILLEL A, & à ſuacuſta.
M. DC. LXXVII.
Com todasas licençasneceſariasa
:
DLOQOOQOOQUOQOCC PU000 DEICOLE ouroung one
URVA GO
TA RESVR
DEDICATORI A.
AHIO à luz com tanta fortuna , em a có
mum aceitaçao ,no anno de 1600.eſte liuro,
em que o Doutor Duarte Nunes do Liao
eſcreueo as vidas dos primeiros noue Reys
de Portugal , & ſeu progenitor o Conde D.
Henrique,que ſe gaſtaraó de ſorte os que ſe
imprimiraó,que ha muitos annos , em que
ſe naó achaua mais que o dezejo dos que os procurauao : Có
o que me reſolui por fazer â patria algum ſeruiço, a imprimir
outra vez eſta hiſtoria igualmente aceita pella materia, que
pello eſtilo. E para queo Author me não deua ſomente a co
ſeruaçao da memoria ,quero que ſeja maior a obrigaçao , em
o acerto do patrocinio,quelhe ſolicito em a grandeza de V.
S.& ferà eſta a addição,ou emmenda , que na ſegunda im
preffaõleue eſte volume. A quem ſeu Author em a primei
ra quiz que ſeruiſſem ſô de Mecenas , que o patrocinaſſem os
meſmos Heroes,de quem eſcreuia,com atenção (por ventu
ra ) de naõbuſcar nos Princepes eſtrangeiros, queentao nos
dominauão ,amparo á hiſtoria dos Reys naturaes:querendo
antes que o tiveſſem em as cinzas proprias, que nas luzes e
ſtranhas, Porèm como as da grandeza deV.S.fe deriuao do
meſmo eſplendor daquelles Reys, ſem ſe faltar àquella até
ção,ſe ſupre eſta falta,pera que ampare húa Eſtrella viua , o
que não podem defender aquellas luzes mortas.
Pella inclinação,& pelloſangue,lò a V.S.toca eſta obrigaa
ção. Pello ſangue como deſcendente, por ſua varonia Real
de todos aquelles Reys , cujas heroicas vidas manifeſta eſte
volume,que ſe as proſeguira na meſma ſerie dos Reys,virà o
iij mundo
.
mundo as proezas daquelles grandes varoésprogenitores de
V.S.deſpois que aquelle Real tronco lançou tað florecente
mar
ramo. OscãposAfricanos, & as prayas Portuguezas, ſe viraó 3272
glorioſamente rubricadas co o ſangue dos ſenhores Códes
D. Affonſo, & D.Franciſco,biſauo,& tio de V.S.que fizeram
perder a cor às agoas dos rios Lucus, & Tejo, nas duas laſti
moſas batalhas de Alcaçar, & Alcátara,em que Portugal por
decreto ſuperior perdeo a ſua liberdade,ſem lhe poderé va. L
ler ao decretado torréte dos infortunios,oshombros de tað
grandes heroes,que perderão hū a vida, & outro muita parte
do ſangue,em hű,& outro cóflicto.Queixacommum que os L
Portuguezes lamentarião ſempre,fe a prouidencia nað reſti ī
tuira no Senhor Code D. Affonſo,Marquez deAguiar,Pay de
V.S. hum dos primeiros motores da noſſa reſtauração , & o Ordine
primeiro,& vnico Generaliſfimo das noſſas armas , de cujas 13,8 CC
memorias ſerà ſempre padrão a noſſa ſaudade.
Pella inclinação,como profeſſor das letras humanas,a cu
jo digno emprego dedica V.S. o ocio de maiores cuidados,
por não incorrer na ſentença do ſenhor D. Fráciſco de Por 1230077212
LICEN C, AS
Do Deſembargo do Paço.
Ve ſe poſſa tornar a imprimir, viſtas as licenças do Santo
Officio ,& Ordinario, & deſpois de impreſſo tornarà à Men
za peraſe taxar,& conferir, & ſem iſſo nam correrà Lisboa 17.de
lulho de 674
Vno
nica , eſtar conforme comoOriginal,pode correr efta Chios
Manoelde Magalhães de Meneſes. ManoelPimentelde Souſa
Manoelde Moura Manoel. Fr.Valerio de S.Raymundo.
GR
CHRONICA
DO CONDE DO M HENRIQ VE
fundador do Reino de Portugal.
Composta pello Lecenciado DVARTE NINES DO LIAM,
Deſembargador da Caſa da Supplicação.
Or a empreſa que tomei de eſcrever dos primordios do
Reyno de Portugal, & de ſeus princepes couſas tam diffe-.
P rentes das hiſtorias atè agora recebidas & approvadas,bem
vejo a quanto perigo me ponho com todos, & quam au
daz, & temerario negócio parecerâ condenar eu por apó.
criphas couſas, tam labidas de todos, & nunca poftas en
dúvida,& que ſendo aceitas pordiſcurſo de tantos Annos, parecem fer fa
gradas inviolaveis; mas confio, que oshomens que com entendimento, &
fem paixão me lerem ,terdm mer trabalho porbem empregado, & ferma
is digno de agradecimento que de reprehenſao : porque a mim não me
moveo o amor, odio, ou eſperança de algum interelle,dePrincepes que
ha quinhentos annos que paſſaraõ né cobiça de ganhar honra con Auto
res mortos,que jâ por ſi nao podem tornar,& que ſendo vivos nào ſe puk
derai cefender. Mas deſejo de moſtrar a verdade,que todos os bonsde
vem ſeguir, & abraçar, & que por ſi ſe deſcobre & manifeſta, Moveine
principalmente,a muita indignaçao que tinha de ver por culpa dos antín
gos ,& negligenciados preſentes,maculadaa honra, & fama de muytos
Princepes,& Princeſas delte Reino,de quem ſe pudèraó recontar muytas
heròycas virtudes contrárias aos males que lhes fallamëte empoem contra
o cuſtume de todas as Naçoes ; que nas hiſtorias que fizemo de ſeus Reys,
ſempre buſcáraó as mais notaveis virtudes, & honroſas partes que tiverao
pera honrarem ſuas memorias . Chegàvaſe a iſto, que muitos hiſtoriadores
por verem o dano que trazem hiſtorias erradas, & a trovaçaõ que dam ao
entendimento,emmendâraõ as que outros eſcreveraõ,ſem por iſſo os notà
yen de algúa culpa. Thucydides emmendou as hiſtorias de Helanico dos
А Atheni
C
1
Athenienſes,onde o vio deſviar da verdade.Dionyſio Halicarnaſeo,ſendo
eſtrangeiro,Grcgo natural de Aſia emmendou a Fabio Pi& or, & aLefii
nio, & a outros nobiliſſimos hiſtoriadores Romanos, & enſinou a meſma
Roma a verdade de ſuas hiſtorias,em couſas mais veriſimeis, que as que ſe
contao dos primeiros Reys de Portugal,que nos agora reprovamos pelo q
em erros tao manifeſtos nao me devem atribuir a cemeridade meter mão a
os emmendar,porque nao vim ao fazer taõ deſajudado de algúas partes.
Que âlem da natural inclinaçao que deſde moço tive à lição das hiſtorias,
nao ſomente las de Eſpanha,mas per noticia que tinha de algúas lingoas,
li quaſi todas as de Europa,âlem da muita noticia tive do tombo Real
do Reino quemuitas vezes revolvi pera couſas do ſerviço de fua Magef
tade,& do Cartorio de Lisboa, que revolví no tempo que lhe reformei
fuas poſturas, & regimentos,afora muitas efcripturas de doaçoens, tefta
mentos,titulos de fepulturas, & contratos de Moſteiros do Reino, & de fo
ra delle; & livros dosconſilios de que me ajudei;pera averiguar muytas
couſas pela razão dos tempos,queheo Norte das hiſtorias: pelo que ſen
do eu homem ſufficientemente informado das couſas do Reyno,&tam co
nhecido em elle, & em todos ſeus ſenhorios, & de muitos homésdoutos fo
Ta delle,porferviçosque fiz publicos,não parecia muita audàcia ou teme
qidade a tao manifoltos erros acudir com ozello que ſempre tive do bem
comumja que cutrem a iſſo le não ofterecia,como eu ſempre deſejei. Eftas
cauſas q dei, me moverao a emprender eſte negocio.Mas como via quam
inſofrivel pareceria a todos os homens deſte Reyno deſemprenderem ſen
do velhos,o que mamàrað no leite fendo mocos, confeſſo , que com nam
ſer poſilanimo,muitas vezes quiz deſiſtir do começado;feElRey D.Pheli
pe noflo ſenho, de gloriofamemoria eſtando nella Cidade, & dando eu
conta a ſua Mageſtade do ferviço qfaziaà memoriados Reys deſte Rey
no feus Avós com ſua Real authoridade, & juizo tao raro, me nao animas
ra,aprovandome o que comeſſara, & mandandome que o proſeguiſe, & ti
raffe a luz. Eſcrevendo depois ſobre iſſo eſtando em Caftella ao ſereniffr
mo Princepe Archiduque Alberto feu fobrinho, & depois de fua ida aos
Gouernadores deſte Reyno, encarregandolheso meſmo,pelo que aquillo a
que temia os malevolos chamaſſem temeridade & protervia, ficou ſendo 1,17
obediencia, & neceſſidade;quiz fazer niſto tantas falvas,como home mor
dido de detractores quenão tendo mãos para fazerem obras ſuas, tem lin.
goas para caluniarem as alheas.
E paraque nos não attribuão a arrogancia contarmoso noſſo por ver 1
morte,nãoſuccederão ſeus filhos Almo & Colimano, que ſomente teve, Geyla
nem ſeu primo Salomon,a que a ſucceſfaó per direito pertencia, masLa- Reyde
dislao irmão ſegundo do meſmo Geyſa,a quem os eſtados de Vngria jun- &Vngria,
ſeus
tos em cortes,que para iſſo ſe fizerao,elegerao por ſeuRey Ladislao, que filhos,
reynou XIX, annos feliciſſimamente. Eſte Rey por ſuas grandes virtudes
foi canonizado por fanto ,lemdeixar filhos, & duvidando ainda alguns , fe Ladislao
foy cazado,falleceo no anno de 1095. hum anno deſpois de Dom Afonſo Rey de
llenriquez ſer naſcido. Vngria,
& ſeus
Delta conta que demos dos filhos dos Reys de Vngria , que paquelles filhos.
tempos forão , antes do Conde D.Henrique naſcer, atè o tempo de fua
morte,ſe moſtra ſer impoſſivel, que elle foſſe filho de algum Rey de Vn
gria. Nem era veriffimil, que em tempos tao turbulentos, & onde ouve
tantos boliços & fediçočs em Vogria ,aſli ſobre a ſucceção daquelle Rey
no,como por a nova chriſtandade aq de novo os Vngaros erao covertidos;
ouveffe algú filho de Rey delles , deixando os negocios de ſua caſa ,ſe em
baraçaſſe na alhea, Alem diſto não avendo comércio nem parenteſco en:
tre os Reys de Vngria,& o de Heſpanha,não era de crer,que de partes tam
remotas o vieſſe hum Princepe ajudar. E quando em Vngria tanto ócio ou
véra,que quizera hum filho de hum Rey ir ganhar honra, pelas armas con
tra infieis,não era de crer,que deixafle a guerra contra os Turcos, &Moun,
ros ſeus vezinhos ,& a vieſſe buſcar ao ultimo occidente.
A ſegunda opinião fobre a origem & patria do Conde Dom Henrique,
he dealguns chroniſtas Caſtelhanos , que o fazem Grego & parente dos
Emperadores de Coſtantinopla: a cujo erro deu cauſa, Yerem na chronica
de D. Rodrigo Ximenes Arcebiſpo de Toledo, D.Henrique viera a El
panha das partes de Befuncio.Polo (como loað Vaſeo bem advirtio 1: 2
ſua chronica de Eſpanha) enganados com a ſemelhança do nome de Byzä
cio, q he,Goſtantinopla crerão que de Byzancio fallava o Arcebiſpo, eni
tendendo elle de húa cidade da Gallia ,como a diante diremos.Do qual er
ro he aſsàz manifeſto argumento,queſe não acharà neſte Reyno gèraçam Hétique
algúa dehomésnobres,que a Grècia refirao ſua origem . O que pelo dil- como 1:
cullo deſta hiſtoria, & dos mais Reys de Portugal ſe pode ver, & pelos li- podia ler
vios do Conde D.Pedro, ğeſcreveo das linlagens antigas deſte Reyno. E Gregor
certo eſtà ,que le o Conde Grego fora,oscoinpanheirosque cóſigo trouxe,
Gregos ouverao de fer,mais g de outra naçao.Nem he pequeno argumella
to onomeHenrique, que pelo ſom & fignificação delle,hemèro Gallico,
ou Cèltico ,comofaó os mais deſta palavra Rich, 9 entre os Gallos queria
dizer rico, ou Rey, & o quer dizer oje entre osAleināes em q aquella lin
goagé ficou como Fridich,Vdalrich ,& outros muitos.Dos quaes algus Ju
lio Ceſar,por evitar hū ſoido tam eſtranho as orelhas Latinas,quiz mitigar,
acabádo -os em orix ,como naglles nomes Dúnorix ,Orgetorix.E allinu á
ſe verà q deſte nome Henrich fe nomeaffe algú Princepe, né home priva lo
A3 na Grea
CHRONICA
na Grecia,que Gregofoſſe. Hum so Emperadorde Coſtantinopla,q Hen
riqne ſe chamou,foi Frances da Gallia Belgica, fucceffor de Balduino ſeu
irmão, que de Conde de Flandresfoi eleito Emperador, quefoi opay.de
Madama Ioanna Condeſfa,que cazou com o Infante D. Fernando filho de
ElRey D.Sancho I.de Portugal.
Alem diſto como entre os Emperadores de Coſtantinopla , & os Reys
de Heſpanha não avia parenteſco nem vezinhança,nem comercio, naő a
via,pera que ſeus filhos ou parentes os vieſſem ſervir a Heſpanha,em tem
Códe D.po que tanto tinhão que fazer com os Turcos ſeus vezinhos.
Hériquc Ourra opinião he,que D. Henrique foi Alemão, & Code de Limburg,
não po da qual he Vvolfango Lazio chroniſta de Vngria com outros. Os quais le
cia iet do,que por aquelles tempos ouve hum Henrique de Limburg homem va
de Lin- lerolo,preſumirão que ſeria eſſeo que veyo a Portugal, no que ſe engana
burg. raó manifeſtamente. Porque eſſe Henrique ( ſe dainos credito a Jacobo
Meyero,& a outros)foi Duque de Lorreina ſucceſſivamente apos Godo
fre de Bulhő Rey de Ieruſalem , que fallecèo no anno de 1100. Ao qual
Henrique deLimburg o Emperador Henrique o IV. deu o dito Ducado
por ficar devolato ao Imperio.Epela computação dos annos, mais podia
fer eſte Henrique de Limburg filho do Conde Henrique, que fer elle o
meſmo Conde.Porã o Conde D. Henrique de Portugal falleceo no anno
de 1112. tempo em que o q elles chamão de Limburg, começava a flore
cer.E no de 1100. em que falleceo elRey Godofre, foi feito Duque de
Lorreiņa pelo dito Henrique IV.cujo genro alguns dizem que era . E no
anno de1o6.foi privado do Ducado per Henrico V. por tomar armas
contra elle emfavor do Emperador ſeu pay, com quem trouxe grandes
differenças,atè o privar do Imperio, & dividio o Ducado em Lorreina fu
perior & inferior,de q dizē dar a ſuperior a Theodorico, ſobrinho delRey
Godofre , & a inferior a Godofre o BarbadoCode deLovaina feu cunhado.
Demaneira, q no tépo g qua florecia oCõde D.Hérique, & eſtava cazado
em Portugal, eſſe Henrique de Limburgtinha ſeu eſtado em Alemanha,&
نی andava envolto nas couſas daquellas partes, & nas guerras dos Henriques
pay & filho,& viveo muitosannos deſpois do anno de u . 2. em qo Có
de D.Henrique de Portugal falleceo. E ſe he verdade, oſ Abraham Or
telio eſcreve em ſeu livro dos ſitios & figuras das Cidades, & que pera if
ſo allèga Remaclo Canonico de Lieja , que a Cidade de Limburg come:
çou no anno de 1172.& que o primeiro Conde della foi eſſe Henrique,
andou nas guerras dos ditos Emperadores pay, & filho, fica neceſſariame
te,que ou errarað os hiſtoriadores daquelle tempo, em lhe chamarem de
Limburg,pois o eſtado não era ainda inſtituido ,ou que o chamarao Code
de Limborg porą deſpois o veyo fer. 4 não parece ſer tão verifimil. Poré
do anno 1100. em que elRey Godofre falleceo, & Henrique foi Duque de
Lorreina (ſegundo dizens)aiè a criação do Condado de Limburg,paffäraó
62.an
DO CONDE D. HENRIQVE.
62. annos.Polo que ſe collige,que ſe não podia chamar Code de Limhi
no tempo das differenças,que trazião osditos Emperadores Henriquei
& V.entre ſi,& que ficava impoſſivel,ſero Henrique de Portugal aquell
Conde.
E verifimil era,que ſe o CondeD.Henrique, de cuja vidatratamos fo :
xa Conde de Limburg,afli ſe nomeàra em ſeu titulo, ou elRey D. Afonſo
feu filho, ou diſſo ouvera memòria alguá,mórmente naquelles tempos, en
que os Princepes ſe prezâuao tantode grandes titulos,q dos que erão doš
pays & dasmāys, & avós, & ainda dos das molheres, ſe honraváo, cómo
El-Rey D.Afonſo Henriquez, que ſendo tam celebrado pelo mundo, que
To ſeu nome baſtava por grandes titulos, até o ultimo fin da vida fe, inti
culou afli: Eu D. Afonfo Rey de Portugalfillo do Conde D. Henradie,& ita Ri
niha D.Tarejajo netoda grande D. Afonſo Emperador juntamente com minbid moe
ilier Doria.Mafalda filhadoConde Ainadeu de Moriana,&c. E E Rey D.Afon
fo llJ.poraver ſido cazado em França com a Condeſſa de Bolonha, fendo
ella jà morta, & o eſtado de Bolonha em mão de herdeiro eſtranho,
cono era Roberto Conde de Claramonte & deAlvernia, & ſendo el
le ja Rey, fe intitulou ſempre até amorte:D. Afonſo Rey de Portugal,
Conde de Bolonha,comoſe em ſuas eſcripturas todas & doaçoens về . Polo
queſe o CondeD. Henrique,quenão era Rey, foraConde de Limburg,
ainda que fora ſó de titulo, o não calâra, pois o de Portugal deque ſe'no
melva;era porparte de ſuamolher,cujo titulo ſeve em algusforaes que
kdeu ,como no de Caataó no anno de Int. onde diz aſli: Eu D. Henrique
juntamente com minha molher Tareja, filha do grande Rey D. Afonſo Emperador de Henrią
Toled , Gr. A eſtas razoēs todas ſe ajunta hua,que tira toda a duvidaſhée Liburg,
Codede
ahermos ,que Henrique de Limburg falleceo ſem deixar filho algum , re falleceo
gundo Ponto Eucerio Delphio naſua genealogia Brabantica. Pelo q mal ſem fi
podia ollefer u pay de EIRey D. Afonſo Henriquez ,& de feus irmãos. lhos.
Outra opinião he de D. Afonſo de Carthagena Biſpo de Burgos, & de Conde
D.Rodrigo Biſpo de Palencia.Osquais em ſuas Chronicas dizei, que D. Hen
Conde D.Henriqueera da caſa deLorreina.Omeſmo tem outros homés riquc ná
doutos deſte tempo.f. Miguel Riccio Iuriſconſulto no liuro dos Reys de he daca
Heſpanba,IacoboMeyero na hiſtoria de Flandres,loão Vaſeo, Damiáo de lareinde Lor
a,
Goes , leronimo Zurita,Franciſco Tarapha, Gilberto Genebrardo, & ou,
tros que feguirao aos diros eſcriptores Heſpanhoes. Dos quais Damião de Erro de
Goes aſirina na chronica delRey D.Manoel, que inveſtigando elle a orige Damiać
do Conde D. Henrique,por eſtar tam obfcura & incerta,revolveo os car- deGoes,
& de ou
torios das cidades de Metz na Provincia de Lorreina, & os das cidades do tros
citado de Bolonha em França,eſtando naquellas partes, & achou , que o TOS . mu:
Conde D Henrique foi filho de Cuilhelme de loynvilla Duque de Lor
Teina irmão inais moço de Godofre de Bulhoni, Rey de lerufalem . Cuja
fuccefiao conta virlhe deſta maneira: Euſtachio omayor, diz, que eazou
A4 con
CHRONICA
ஆகாயம்
com Madama Ida,filha de Godofre Duque de Lorreina, & que por parte
deſte Godofre o velho,veyo o Ducado ao dito Godofre Rey de Jeruſalé,
& de Godofre a Balduino ſeu irmão,quetambem foi Rey da meſina ſanta
cidade, & que de Balduino veo a Euſtachio outro ſeu irmão. E que por
todos morrerem ſem filhos,veyo a Guilhelmę Barão de loynvilla feu me
yo irmão,filhodo dito Euſtachio o mayor, & de Madama Mafalda ſua leo
gunda mulher,que foi filha do Conde deMoffalanda. E deſte Guilhelme
diz elle,que naſceraõ tres filhos .f. Theodoricomais velho,que foi Duque
de Lorreina,Henrique de que tratamos ,que foi Condede Portugal, & hủ
Godofre mais moço que morreona terra fanta.Mas todos eſtes authores
fe enganão,em dizer queDom Henrique foi da caſa de Lorreina, ainda 7
per provafufficiente moſtrarað, que a ſucceſſao da dita caſa viera a Guia
Thelme.O que elles não fazem ,nem era poſſivel. E poſto que Damião de
Goes affirme,ver aquelles cartorios dosproprios eſtados,podiãoſer tað er
rados,como na origem de D. Henrique & em outras couſas, que ao diante
ſe diráo ,fað outros dePortugal & de Caſtella,que eſtão em outros archi
vos mais authenticos. Primeiramente contèmerro: por oque acima temos
dito,que o immediato ſucceſſor de Godofre Rey de leruſalem no Duca
do de Lorreina foi Henrique,o que chamârao de Limburg. E fendo ello
privado do dito eſtado,ſedividio,ficando a Lorreina ſuperior à Theodo-
rico ſobrinho do dito Rey Godofre, & a inferior com o Conde de Lovai
1
na Godofre o Barbado de alcunha.E que o Ducado de Lorreina nað pallar
ſe delRey Godofre a algum de ſeus irmãos, ſe ve em Guilhelme Arcebil
po de Tyro em ſeus livros da guerra ſanta a quepor fer quaſi daquelle té
po,& chanceller mór do Reyno de Ieruſalem , le deve dar muito credito.
O qual, morto Godofre,nunca chamou a Balduino ſenaó Conde de Eder
fa,nem a Euſtachio,morto Balduino,ſe nãoCondede Bolonha. O que ſe
Preſagio tambem ve do preſagio da Condeſſa de Bolonha ſua māy, que o meſmo
da Con. Arcebiſpo conta que ſendo Godofre,Balduino, & Euſtachio meninos, an
deſſa de dando brincando com outros ſe acolhião & vinhãoeſconder no regaço de
Bolonha ſua máy, & que eſtando todos tres eſcondidos debaixo de ſeu roupam ,en
trou o Conde na camara da Condeſta, & vendo que lhe bolia debaixo da
veſte, & fazia vulto,lhe preguntou que era aquillo? & ella lhe reſpondera
São voſſos filhos,dos quaes o primeiro ſerá Duque & Rei , & o ſegundo
Rey, & o terceiro Conde: & que aſli aconteceo. Porque o Godofre foi Dui
que de Lorreina & Rey de Ieruſalem , & o ſegundoque era Balduino yeo
a ſuccerdelhe no reyno,& Euſtachio ſuccedeo a ſeu pay no Condado de
Bolonha por ſeus irmãos maiores ſerem mortos.
E ſe o ducado de Lorreina por morte del-Rey Godofre, não ficara de.
voluto ao Imperio( como foi) ſe houvera de ſueceder pela ordem devida
& de Godofre houvera de vir a Balduino , & de Balduino por morrer
fem filhos, a ſeu irmão Euſtachio, & de Euſtachio a ſeus filhos, & não ao
Guilhelme
--
1
DO CONDE L TQVE . 5
Gailhelme de Ioyavilla. Porque Euſtachio o velho Conde de Bolonha foi
pai (como na verdade era)deſtes tres Princepes,& o Guilhel ne foy ſeu fi
iho do ſegundo marinaio , & da filha do Conde de Mofalanla, nenhúa
divida há ſenão,q ainda, qo ducado de Lorreina vieſſe adventicia nente
ao Guilhel ne,per qualquervia que foſſe,todavia ellenio era da caſa de
Lörreina: pois por parte de ſeu pai era da caſa de Bolonha,& pela da mãi
da de Moffalanda. E menos ſe podia chamar de Lorreina o noſſo Conde
Don Henrique,fe( coino Damião de Goes diz) o ouve Guilhelme de ſua
molher Madama Aliſa,filha de Theobaldo Conde de Xampanha. Nem
era poſſivel per alguma via,vir o dito ducado a Guilhelme.Porque(como
e creue Paulo Aemilo ſcriptor mui authentico das couſas de França , &
Nicolao Gilé em ſeus annaes,& GuilhelmeArcebiſpo de Tyro nos di
cas livros da guerra de ultramar,que foi quaſi cotemporaneo del-Rey Go
dofre )o DuqueGodofre de Bulhom o Corcovado filho de Godofre. III.
o Barbado de alcanha,por não ter filhos perfilhou a Godofre de Bıl hom
feu ſobrinho ,filho de ſua irmáa Ida & de Euſtachio o maior Conde de Ducado
Bolonha . E não lhe veo o ducado por o herdar Ida de ſeu pai, como Da- deLor
nião de Goes eſcreve nem o pai de Ida era o Godofre Corcovado , ſenão reina por
o Barbado. Aſli que ſe per ſucceſſaó ouvera de vir por Godofre & Bal- via ve
duino Bolonheſes Reis de Jeruſalem não terem filhos, a Euftachio ſeu ir- doyofraG
e o
o
mão inteiro ouvera de paſſar, & delle a ſeus filhos, & não ouvera dę pal Rey de
ſar a Guilhelme homem eſtranho da caſa de Lorreina, & natural da caſa Ierufalé.
de Bolonha. Eoq Damião de Goes diz que Euſtachio morreo ſem filhos
tambem he manifeſto erro,porque delle ficou grande deſcendencia ſegun- chio
Euſtanão
doo Arcebiſpo de Tyrolacobo Meyero ,Paulo Aemylio, Polidoro Ver morreo
gilio ,Nicolao Gilè,& outros muitos eſcriptores de grande authoridade, fern fic
icm diſcrepar nenhum os quaes todos dizem ,que Euſtachio Conde de Bɔ. lhos.
lonha & irmao del Rey Godofre, teve húa filha per nome Mathilde, aq
o dito Arcebiſpo per outro nome chama Coaldena ,que caſou com Ste
phano Conde de Bles,que deſpois foi Rey de Inglaterra ,por vſurpar o rei
ro per morte delRey Henrique.I . feu cio,pertencendo a Mathilde como
filoa unica, & legitima, que foi molher do Emperador Henrique V. Da
qual Mathilde Bolonheſa Stephano ouve a Euſtachio , que foy Princepe
de Inglaterra , & Duque de Normandia ,& caſou,ſegundo Polydoro Ver
gilio ,com Conſtança,filhadelRey Luis.VI.de França, & irmaã de Luis
VII. que entam reinava . O qual Euſtachio morreo mancebo em vida
de ſeu pay Stephano , fem ficarem delles filhos. Alem deſte Euſtachio
ouve Stephano outro filho per nome Guilhelme , a que pelas capitula
çoens das pazes ö Stephano fez com Henrique ſeu ſobrinho, filho da dica
Emperatriz Mathilde,porque lhe alargou o reino ,ficaram muitas terras no
scino de Inglaterra ,& no Ducado de Normandia. Eſte Guilhelme, ſegun
w lacobo Meyero ,luccedeo no Condado de Bolonha a ſeu pay Stephano
& a ſua
C NICA
& a ſua mãy Mathilde,como filho legitimo que era, & não baſtardo,coma
erradamente diffe Polydoro Vergilio na hiſtoria de Inglaterra, na vida do
Erro de dito Rey Stephano.Poloque ficava ſendo impoſſivel o ducado dc Lorrei
Polydo na ,que não veo nem podia vir a Balduino,nem a Euſtachio irmãos intei
ro Ver
gilio. ros de Godofre,virdeſpois a Guilhelme meo irmão,& não cojunto pella
parte da māy,de cuja linha aquelle eſtado procedia.Finalmente ainda, que
como Damiam de Goes dizia,o ducado deLorreina viera a Guilhelmelo
que nam foy nem podia ſer) & elle fora pay do Conde Dom Henrique,
não ſe podia dizer,queera da caſa & ſangue dos de Lorreina, ſenão daca
{ a de Bolonha.
Outra opinião he de Dom Rodrigo Ximenes Arcebiſpo de Toledo va
rain de grande authoridade, & não mui diſtante do tempo do Code Dom
Henrique. O qual em ſuachronicaq eſcreveo na lingoaLatina, tratando
delRey Dom Afonſo VJ.de Caſtella.diz,que caſou ſua filha dona Tareja
com Henrique natural de Beſançon primo com irmão de Raymundo , que
foi pay de Dom Affonſo,que fechamou Emperador das Heſpanhas , E
porque eſta opiniam he a verdadeira ,& que ſe ha de ſeguir, he neceſſario
preſupor , quem foi eſte Conde Raymundo,& a cauſa de ſua vinda a Hef
panha, pois a ella ſe refere a naçam & origem do Conde Dom Henrique.
Reinando em Caſtella & em Lião e Rey Dom Afonſo. VI. a que huns
Raymű- chamavam Emperador das Heſpanhas,& outros o da mão furada por ſua
do& lé grande liberalidade,vierão a Heſpanha dous ſenhores Borgonhočs, Ray
riy Bor
gonhoes mundo, & Henrique,primos com irmãos.E hum outro Raymundo també
& Ray Frances de Gallia Narbonenfe Conde de Tolofa & Sam Gil,todos em có
nuundo panhia em romagem a Santiago,a que muitos Principes entam vinham
Code de disfarçados & a pé. E ſegundo parece,para tambem ſervirem a Deos na
Toloſa guerra contra Mouros,como homensfolteiros, & de floreſcente idade, que
vé a EG
erão. Sendo ſua vinda ſabida delRey Dom Afonſo lhes fez a honra , & ga
el
panha falhado,que ataeshomés convinha.E ou por lho elRey pedir,ou por
les ſentirem o muito ſerviço ,que a Deos podiam fazer contra os imigos da
fé,de que elRey Dom Affonſo tinha avidasmuitas victorias , ou por veie
a grandeza daquelle Rey,que por ſeu esforço & liberalidade era celabra
do pelo mundo, & a honra que elles podiain ganhar ajudádo a remir Hef
panhia do captiveiro dos Mouros,debaxo de tam grande Capitam , deter
minaramſe em ficar no ſerviço delRey dom Afonto. E aſli he ctio dizer
Damião de Goes,que a cauſa da vinda deſtes Princepes a Heſpanha foi,ap
portarem aqui em húaarmada, que de Hollanda pallava, para a conquif
ta da terra fanta. Porque no tempo em que ellesvieram , & ( m que,já o
Conde Dom Henrique tinha ſeu filho D. Afonſo Henriquez , que foi no
annode 1094 não ſe ſonhava eſla conquiſta,porquedeſpois deffe anno fie
alientou eſta jornada no Concilio de Claramonte. E a primeira gente que
açlla paſlou ſoi no anno de 1097,coino a diante ſe diri .
Elan
-
--
--
DO CONDE D. HENRIQVE . 6
1
de de porą com o eſtado de França per abſencia doConde Raymūdo ſen pay,
Toloſa. ſe levantou Guilhelme Conde de Putiers ſeu parente. E aſſi ouve o Code
Guilhel. Raymundo outro filho,quelhe naſceco em Syria,no anno de 1103. “ por
meCon fer bautiſado no rio Jordão,fechamou AfonſoJordão. O Bertrando maisha Conta
de de Puvelho, vendoſe esbulhado do eſtado que tinha em França, veyo no anno to
معين
tiers có de 1116 â Corte delRey D. Afonſo de Aragão o Batalhador, eſtando na
o Con . cidade de Basbaltro, & fe fez ſeu vaſſallo,pondo ſua pelloa, & o Condado
dado de de
Tolola. de Toloſa debaxo de ſua protecção. O qual ainda nella o recebeo.com 2.0 All
as guerras , com Mocros ſempre teve,nao o pode reitituir. Mas os Tolo 22:30
ſanos todos o fizeraõ tābem ,q ao Afonſo lordão irmão menor de Bertran
doſ o dito Code de Putriers tinhaprezo,ſoltandoo da injuſta priza o em
q eſtava,o reſtituirao ao Condado de Tolofa, & lhe obedecerao, como a Gü
ſeu ſenhor natural. O que nao foi por Bertrando ſer morto & fem filhos, “in loco
como per inadvertencia eſcreveo leronymo C, urita na vida do dito Rey
D. Afonſo. Porque a eſſe tempo ainda Bertrando era vivo. O qual teveti Com
Erro delhos, & entre elles Poncio primogenito, que lhe ſuccedeo no Condado
Ierony. de Tripol, & nas terras deSyria. E ſendo Poncio cazado com Cecilia
mo C u
rica. filha delRey Felippe de França, & viuua de Tancredo Princepe de An
tioquia, ouve della hum filho por nome Raymundo que cazou com iir
filha de Balduino Rey de leruſalem , & delle naſceraó outros muytos cele
ſenhores de Tripol, de que os eſcriptores da guerra de ultramar 1.u
fazeni
tca
' DO CONDE D. HENRIQVE. 8
muyta menção, principalmente Guilhelme Arcebiſpo de Tyro, que os
nomea,porſer daquelle tempo,& os vio, & converſou. O Afonſo lordão Afonſo
ſendo grande ſenhor & esforçado cavalleiro,tornou à Syria onde nafcera Iordam
& ſe criara, & chegando a terra indo caminho de Ieruſalem falleceo em grande
ſenhor
|
Cefarea de Paleſtina,não fem ſuſpeita de peçonha. & esfors
O Conde D.Raymundo de Toloſa deſpois de fazer muito ferviço a çado ca
Deos, & ganhar muyta honra na conquiſta da terra ſanta, em que ſe elle valleiro.
offereceo a gaſtar a vida & fazenda,veyo no anno de 1105. a morrer em .
Tripolda Phenicia no caſtello de Monte Peregrino ,que elle edificou dus, Morte
asmulhas da cidade. A eſte Raymundo chamão algusfcriptoresConde de do Cons,
Tolofa & Sam Gil,como Guilhelme Arcebiſpo de Tiro, que ſuas couſas de de
ſcreueo nos liuros da guerra ſanta.Outros muitos lhe chamão fòmente de Toloſa
Toloſa.MarcoAntonio Sabellico,Martin Polono, Fellippo Bergomen-aaPho
fe lhe chamaó fòmente de Sam Gil. A variedade deſtes titulos le colli- nicia,
ge dePaulo Aemylio navida delRey Sam Luis de França, que naſceo
de o dito Raymundo ſer fenhor de cres lugares celebrados que ha na Gala
lia Narbonenſe : Hum a cidade de Narbona, outro a cidade de Toloſa,
outro o lugar que ſe chama de Sam Gil,por o grande & Real Templo de
Sain Gil ,de que ſe aquella terra honra,& nomea. Daqui veyo o erro de
fazerem muitos Condes de hum Conde, dizendo que hú era Conde de
Toloſa, & outro de S. Gil ,& fazeré hũ Raymudo de dous Raymundos.
Deſtadifferença de vida,patria, & eſtados, & fucceffores deſtes dous
Condes Raymundos genrosdo Emperador de Eſpanha, que acima ſe a
pontou,fica o deſcubertos todos os erros,em que cahiram os chroniſtas de
Portugal, Caſtella, & Aragão,& os eſtrangeiros que os ſeguiráo. Porą di
zem que o Conde Raymundo de Toloſa cazoucom D.Vrraca,& que de
ambos naſceo elRey D.Afonſo 7.deCaſtella chamado Emperador. Sédo Como
verdade, o Raymundo q co ella cazou era Borgonhão, filho do Code de D. Virana
Gorgonha,como jàeſtàdiro, & irmão do Papa Calilio,& noutro Ray- cafouca
mundo q cazou co D.Elvira,era Proençal.Alem diſto ficaeſte erro mais o Code
manifeſto.Porg o Afonfo ã o Raymundo Borgonhão ouve de D.Vrraca, de To
fe bautiſou em Galliza,& ahi ſe criou,& fe chamou AfonfoRaymūdo , & lofa,
foi Rey de Caſtella,& Lião ,& Emperador das Eſpanhas. E o Afonſo ý
ouve Raymundo Code de Toloſa naſceo na Syria, & foi bauciſado nas a
goas do rio lordão,& por iſſo ſe chamou Afonſo Jordão(como acima eft ?
dito ) & foi Code de Tolofa & dos eſtados de ſeu pay,pelas razoés q acima
dixemos, & á meſma terra farita foi acabar em Ceſarea de Paleſtina.como .
tábé fica dito atraz.Do qual Afonſo lordão naſceo Raymūdo 3. & do 3 . 1
de Caſtella,por o parto ſer furtado , & qelRey tomou tao mal o acometti-dos de
Caſtella
mento, ao meſſageiro deſterrou de ſua caſa, & a filha cazou logo com el deſcen- )
Rey D. Afonſo de Aragão & Navarra,& chamavão o Batalhador,por ſe a- dentes
char em 29.batalhasde Mouros, & Chriſtãos. O qual deſpois vindo a ſuc da Infá
ceder per ſua molher D. Vrraca nos reynos de Caſtella &Liao, ſe chamou teDona.
Vrraca
Emperador:
E airda do Conde D.Henriquenão tiveramos tanta certeza,de fer da parto
per hum
Gallia Belgica , & fer per muitas vias deſcendente do Emperador Carlo furtivo .
Maşno, & dos olitros Reys todos de França,como fica moſtrado,aſſaz tel
temunho dava diſſo a muita liança & irmandade antiga em armas, que os
Portugueſes deſde o principio do Reyno atègora tiveraó com Franceſes,
como ſenos tempos mais proximos a nòs,vio ao claro. Porý ſendo eley
D.loão IIJ. de Portugal & o Emperador Carlos V. primos coirmãos, &
duas vezes cunhados cada hum cazado có a irmãa do outro ,amigos , & ve
finhos , & cõnfederados,& avendo entre o dito Emperador & elRez Fra
B3 ciſco
CHRONICA :: ..
ciſco deFrança tantas guerrasem goEmperador, ſe quizera ajudar das
gentes & ſoccorro del Rey dePortugal, nunca o ajudou, nem fe apartou
daamizade com França, ficando entre elles neutra). E alli os Reys anti
gos de Portugal, comoos mais chegados a nos,reconhecendoa origem
donde procedião,muitas vezes contrataraó com Franceſes & Framengos,
lianças& cazamentos ſeus, & de ſeus filhos & parentes, comoſe vio em
elRey D.Affonſo Hériquez, que nao ſomente cażoucomMadama Mafal
da Franceſa filha do Conde de Moriana,mas ſua filha a Rainha D.Tareja
... cazou com Felippe Conde de Flandres. O Infante D.Fernando filho
1939 delRey D , Sancho.I. caſou com Madama Joana Condeffa de Flandres
! filha de Balduino Emperador de Coſtātinopla.O Infante Dom Affonſo
: i que foi Rey de Portugal IIJ. em nome com a Condeffa Mathilde de Bo
lonha. A lofante Dona Ilabel filha delRey Dom loam J.com Felippo
riobóDuque de Borgonha Conde deFlandres & ſenhor de outros mui
tos eſtados. A Infante Dona Beatriz filha delReyD. Manuel com Car
Jos III. Duquede Saboya, Ecomo filho de Frances foi a França viſitar
ſeus parétes Dom Pedro,filho baſtardo do Conde Dom Henrique . o
qual foi cauſa de ſe tomar Santarem , & de fe fazer o moſteiro de Alco
baça com dar a elRey D. Afonſo Henriquez ſeu irmão a amizade do
Bemaventurado S. Bernardo, que elle converſou em Borgonha, a onde
foi ter çomo a terra natural de ſeu pay & defeus avosi ir
O que atégora ſe não ſoube,nem ouve, eſcriptor Heſpanhol nem eſtră
geiro ,que o lembraſſe,he quem forão o pai & máy,do Conde Dom Hen
rique, ou como ſe chamarao. Nem avia raſtro ou conje & ura de que ſe po
defie collegir,não ſendo o começo deſte eſtado tam diſtante dos noſſos té.
pos comoos outros Reinos de Heſpanha, deque ſe não ignora a origem
de ſeus authores. Pelo que com grande trabalhomeu tentei de o tirar a
luz.
Sendo pois o Conde D.Henrique Borgonhão,ſegundo temosprovado,
Pay, & & primo com irmão de Raymundo de Borgonha filho do Conde Guilhel
may do
Conde me,neceſariamente fica ſendo filho de Guido Conde de Vernol;irmãodo
D.Hen. dito Conde Guilhelme.Porque ſegundoNicolao Vignerio ſcriptor Fran
rique. ces diligentiſſimo, & de muita lição, na chronica de Normandia, o Conde
Raynaldo de Borgonha teve ſo dous filhos, f.Guilhelme primogenito,que
Theſuccedeo no Condado, & o dito Guido,quefoy CondedeVernol, &
de Brionia ,a quem o Duque de Normandia Guilhelne o Baſtardo, que
fucccdeo a leu pay Roberto no Ducado, & deſpois por ſeu grande va.
lor foi Rey de Inglaterra,chamado o conquiſtador,lhe deu os ditos Con
dados porſer Guido feu ſobrinho,filho de Aliſa ſua irmaa legitima filha
do dito Duque Roberto, on ſegundo outros filha de Ricardo o IIJ. a
quein o dito Roberto ſuccedeo. Os quaes eſtados o dito Guido veyo a
perder,por lhos tirar o dito Duque Guilhelme ſeu tio, que lhos dera ,por.
que
DO CONDÉ D.HENRIQVE. IO
panha
be que no anno de 1092 já Raymundo de Borgonha Conde de Galliża em q cée
primo coirmain , & companheiro do Conde Dom Henrique; era catado, pofoy.
per eſcripturas de doaçoens daquelle anno,queelRey ſeu ſogro fizera eini 1
que elle& ſua mulher a Infante Dona Vrraca aſfiniram , & confirınaram
ao cuſtume daquelle tempo . Como foi huma doaçam que o dito Rey ſeu
fogro fez ao moſteiro de Baluaneira de que os hiſtoriadores Caſtelhanoš
fazem menção navida do dito Rey.
E no annode 1093. ſabemos queel-Rey Dom Affonſo ajudando ao Lisboa
tomouD.o
Conde Dom Henrique feu genro a cobrar as terras de Portugal; que lhe Códe
dera em dote,foram ambos com grande poder fobre a cidadede Lisboa,& Hérique
a tomaram aos Mouros :A qual os Mouros deſpois com grande ajuda dos com el
Reys de fua fe & a Heſpanhoes ,& Africanos,toriiatam a cobrar No que po- Rey ſeu
decada hum conſiderar, quantas couſas paffariam no cercdado & combates, logro.
com que ſe tam graride cidade ganhou de tanta infini e os
de Mour Lisboaſe
& quantas na cobrança della que os Mouros deſpois fizeram , quantos feia tornoul a
tos,qu ant os eſtratage mas ; quanta variedadeo.deQucon
an
ſels hos &de
to eir
ard
os
ijs; & cobrar pe
fuc los a
cef ,queagor nos pode ſer exra m em pl cav all vale : losMou
solamentemorreriam ,por deixarem de ſi fama,que de to lo ficou extin- tos de
&a,por não ſerem encomendados â memoria & poſteridade com o bene- del er
podRey,
ficio das lerras ,que foitentam a fama & a perpetuam , & fazem as obras dos & do Có
homens immortaes.Ali ſe extinguiram muitas memorias , & linhagens an- de Dom
tigas , quaes cambem foram as dos Gregos & as dos Romanos,ſe não ti . Hérique
veram ,como homens prudentes ,tanto cuidado de quem délles eſcreveſſe,
quanto
CHRONICA
quanto animopara acometer couſas dignas de ſe eſcreverem .
1094. Vindo o anno de 1094. eſtando a Řaynha Dona Tareja em Guima
raens pario hum filho queſechamou Dom Affonſo comoo Einperador
Naſci- feu avo:& porſobre nome Henriquez por o Conde Dom Henrique feu
méto depay. Huns diziam que naſceo na Syria,& foi baptizado no rio lordam,
D.Afofo preſuppondo ,que oConde D. Henrique paſſoucom ſua molher a Rainha
Hérique D.Tareja á guerra deultramar.O ġ heraó fabuloſo,comoadiante ſedirà.
Outros que ſam mais para crer, dizem quenaſceo em Guimaraens aleijado
das pernas,que da naſcença trouxe encolhidas, & que DEgas Moniz,o pes
diraao Cõdepara o criar em ſua caſa, & que o Conde lho dera & o criou,
& que per milagre de N.Senhora,a quemo encomendaram , farou. E que
porã o lugar emģa Senhora obrou eſtemilagre,era huma Igreia come
çada, junto ao Douro, em q eſtava fob terra hűaltar & húa imagem da
Moſtei- meſina Senhora, ſe edeficou depois o moſteiro de Carquere,que eſtà junto
ro de
Carque .
de Lamego Era Dom Egas Moniz hum fidalgo muy principal naquelle
não Vngaro, nemFrāces, nem companheiro do Conde D. Hen
quan : tempo, &
do & rique,mas Portugues ,cujo folar, & appellido eradeRiba do Douro, def
porã ſe cendente dos Godos,como omeſmo ſeu nomemoſtra,que he proprio de
edificou.Godos, que os mais antigos diziam Egica & Egeas . E como moſtra o
ſobre nome Moniz, que heo meſmo que Munez ou Munhoz, de que os
Egas antiquiffinos Portugueſes & Caſtelhanos uſavão como Panonymico de
era Por. Muno,ouMunho: homemesforçado,& muy prudente,& amigo de Deos,
tugues quaes devem de ſer os Ayos dos ?'rincepes.O qual por ſua devaçam edifi
deſcen- cou os moſteiros de Paço de Souza duas legoas do Porto da ordem de S.
dentede
Godos,
Bento: & ſegundo Duarte Galvam tambem o moſteiro de S. Martinho de
& naó
Cucujaens emterra de fanta Maria,& os dotou de muitas rendas & orna
Vngaro, mentos.E ſua molher Dona Tareja,que tambem era Portugueſa como
né Fran- ſeu nome moſtra,que nas virtudes & religiam ſe parecia com ſeu marido
CCS. fundou o moſteiro & Abbadia da Cerzeda da ordem de Sam Bento duas
legoas de Lamego, em que jaz enterrada.Tendo pois o Infante D.Aforfo
talmeſtre dos coſtumes & da vida no esforço, na prudencia,& na religiam
ſaio tal diſcipulo ,que não fómente igoalou ao Emperador ſcu avó, & ao
Conde ſeu pay, mas os excedeo com muita ventagem,
Houve també o Conde D. Henriqne da Raynha D. Tareja duas filhas
.f. Dona Vrraca ,que caſou co Vermoim Paaez de Trava Conde de Traf
tamára, & Dona Sancha,que dizem caſar con Fernam Mendez tambem
grande fenhor em Galliza.E fora domatrimonio ouve hum filho por no
me Dom Pedro homem vale sofo , & de que elRey Dom Afonſo Henri
quez ſeuirmam inuito ſe ajudou, principalmete na tomada de Santaré co
mo a diante le dirá. Eſte cavalleiro como filho de Frances q era ,andou em
Fráça, & de la veo a eſte reyno,& foy cauza(como eſta dito) de ſe fazer o
moſteiro de Alcobaça, onde ſe meteo monge, por a grande devaçam ,
tinha
DO CONDE D.HENRIQVE. 12
162€, am defele timpos antigos atégora,& poderem ter de noſſos dias em perpetuo,para de
Magno
Liaó,
que as tenhāg firmemente por o bom féruiçz,que miefizerão nocerco de Coimbra,85 per & toma
asorações dosbons frades quehiſeruirem a Deos,saregrade Sam Bento. Aſjieu da em fe
I'm Fernandonorifico aos Reis & Condes que deſpois de mim foreni,quefeleuantou
o Abbade
cemeſes
CHRONICA
ö Abbade de Lorvão, & tomou conſelho com ſeusfradesque logo ouvireis. Dixeram
enrre fifecretinente: Vamos a ElRey DomFernando, & digamoslhe o eſtado de Co
imbra; & affio fizeram. Vieram a mim dous frades deles, & antes diſſo differam
aos Mouros,quecošturmavam ir aosmontescaçarlhesſeus Veados, & defciam aofeu
Mosteiro a comer; Queremos ir a Sam Domingosfazer oraçam por noſſos peccados.
Fingiraõ que huofazer oraçam , & vieram a mim onde eu eſtava no mejo deCarriom.
Us 41.1es em meuconſelho me contàram, & diſſeram ; Senhor Rey,vimosa vos,por an
89.15,por montes porobſcuridadespara vos dizermos oeſtado de Coimbra.O qualvos
Faremos verſe quizerdesſaber como està,ou como eſtaō ahios Mouros, quaes & qua
tos ſejam ,comocomem , & como não vigiam a cidade. E eu lhes diſſe com prazer,Por
anor deDeos dizeime como eſtað. Recolhidos entam honradamente, & contaraõme
tido como paſlava. Fiz com elles aſento,que foſem com meu exercitoſobre a cidade
pelo mezde Ianeiro fem duvida algūa. Quando elles a mim vieram ,erao miez de Ox
tubro. Fiz apreceber mens cavalleiros, &darlhes mantimentos. Vejo o tempo,chegou
ſe o dia,m.ndei aos mens cavalleiros,que eram em terra de Santa Maria, quequando
pudeſſem a destruhifem . O que fizeram afſi. Vim com meu exercito ao tempo que
afſentei, & puzme ſobre a cidade pelos meſes de Ianeiro, Fevereiro, Março, Abril,
M 1y .,Iunho, quando viemos a Iullo nam tinhamos mantimentos,ſenam para dili 0
pouco tempo. Polo que apercebemos noſſas cargas de noſſos mancebos & beštas, &
mandimos que ſe foſſem caminho de Liam ,tendojá conſumido quaſi todo o mantine
to trouxemos ,
que Démos pregam em Almafalla,que até quatro dias eſtiveſsem all,
& que ao quinto cada humſe foljeparaſua caſa. Osfrades de Lorvão &© Abbade
ſe aconſelharam entre ſi, & differan ;Vamos a ElRe), 5 demoslhe o que temos para
comer,ſi de vacas,boys,como de ovelhas cabras,&porcos,pam , vinho,peſcado,6 cm
ves. É entre tanto ſenamitomàrem a cidade demoslhe tudo o que tivermos, para co
mner. Porque nam nos convem estaraquimais, ſe acidade (o queDeos num mande)
il'in for tomada pellos Chriſtãos. Entre tanto os frades me deram tudo, o que tinbum
para comer,ovelhas, boys,porcos,cabras,aves peſcados & muitos legumes,pam, & via
nhoſem conto,que de longo tempo tinhamguardado para iſto. Prouve a Deos , que
antesque fosſem os mantimentosgastados, & antesqueſe acabaſſe aquella ſemana,
os Mouros nos dèram a cidade. Diſſeraõme entam os homens bons, que comigo eram;
Certoſenhor,85 Rey noj) ſe nos nam foram dados os mantimentos do Mosteiro,u Ci
daje nam fora tomada. Entam mandei chamar o Abbade & frades, os qucis fempre
estiveram comigo, 5me diziam as foras & miſſas em S. Andre,& ahi,& nofeum
fieiro enterravan os l.omens que no cerco morriam,l/i defettadas, & lançadlas, como
de juis doenças. Elles vieram muy ledos, eu lhes diffe; Agora eſtareis contentes.
Tunai defia cidade tudo o que quizerdes.Porque com ajudade Deos, & com 1911
co:ufello foi ella toined:1. Elles reſponderam : Graças a Deos, Salos, 8 al pojios
antepaſidos. Aljuk temos, & teremos,le a voſagraça tiernos,& habitamos entre
(brištins. Somente,le quizerdes por o amor de Dios,es por reniedro de vojfa alma,
durvis bila Igrejanocidade com was cafus dentro,& confirmamos as doaçoens queti
bernos antes de vaijos padres, & de alguns homens bons, a cujas aln:as Dcos de folo
S6763
DO CONDE D.HENRIQVE. .18
21:Ca . Eu me volvi para meus filhos , & para meus cavalleiros, & lhes diſſe: Eu jurð
perósCreador de tudo,que eſtes homens ſam de Deos;que tam porúca cobiçatem .Eulhes
yurgera dar ametade da cidade,ou à terça parte della,& elles nam querem receber mas
is de mim que hua Igreja. Agora pois que ellesmais nam querem ; da parte de Deos
onmipotentelhes concedemos ,confirmamos aquillo,g, nospediraốem honra de Deos,
& de S. Mamede;Certo vos digoem verdade,ýdelles & outros homés bons;ſoube á
de tempo antigofoi aquclle Moſteiro edificado, & aquelles que a principioa elle vieram
mora: nam queriam aceitar,nem ter berdumeritos povoados: "Deſpois vieram os Reys
meus avós & Princepes,quelhes derem terras, & obrigaramà as tomar dizendolles:
Tomay as lerdades qvos derem, porq em tal lugar nam podereis eſtarſem ellas,quaa
do entre aquelles montes nam tiverdes campos que lavrar. Elles viram que aquelle cona
fellio era bom , tomàraõ o ģ lhes deram, & diſſeram queremos ſer dos Reys & Prin
cepesydeſta terra. Então começarão a tomar todas as berāçasģ ihes davão afji os Rea
3s,& Prinzepes,comoos homens bons.E os meſmosfradesmemoftråram a mi ÉlRey
Dum Fernando cartas delRey Ramiro,& delRey Vermido, & delRey D. Afonfo,
de Gonçalo Moniz;quefoi bom cavalleiro,& cazou com filhu delRey Vermudo;& oua
tras cartas de homens bons. Deſpois que eu vi tudomandeilhes,quepuzeljem em ef
criptura,e que me aconterera com ellesno cerco de Coimbra. Elles o eſcreveram como
por mim lhes foimandado. E trouxeraõme estáeſcriptura com búa coroa deprata &
raque fora delRey Vermudo, & a dera Gonçalo Monizao Moſteiro em honrade
ouro,
Deos, de S. Mamede. Vi eu a coroa como era ornada de pédras precioſas & lhes
dille: Porqueme trouxestes eſta Coroa? Elles me reſponderam :Queremos ſenhor que a
recebais por este bem que nos fazeis. E eu lhesrespondi: Longevá iſſo de mim ,quea
19a,que cutros homens bons deram ao Moſteiro a tire eu dahi. Mas vós tomai esta
curoacom mais des marcos de prata ,de que façais húa Cruz boa,5 levaya ao Moſtei
10,8 eſteja nelle perpetuamente. Quem vosajudarſeja ajudado de Deos,& quem vos
quizer eftorvar s impedir ešte Mosteiro queeſtà edificado em muy bomlugar , ſeja
malditode Deos, & deſeus Santos. Euſobredito Rey;com minhas mãos ES com as
mos de meus filhos o roboramos. O qualmandei eſcrever,& em prežença de peſſo
as idone.usfazemos eſte final. Ziżż. Aſlı digo a meus fiihos,Š a meus netos, & atodas
geraçoens minhas,que despois de mim hão de vir,que ſempretenham aquelle Moſteiro
& todos os frades qua ahi miorårem , em virtude. E os que doutra mancira o fizerem
nam ajam minha bençam inteira. Porque eu os achei melhores,quetodolos outros fra
des que avia em meu Reyno: E aquelle que de minha geraçam fahir ſempre tenha de
quelle Moſteiro por ſua berança, porquetenha parte nasoraçoens dos bons Religie
ofs,que a bi em vidaſita perfeverarem , & farà ahi ſemprebem poloamor de Deos,
E por fita almi, és pola minbá. Eſe iſto fizerſejabendito in feculafeculorum Amen.
E conſidere aquillo que noſſo Senhor diſſe: O que agsmiis pequenos dos meusfi
Refies, minio fizeſtes. E , Apostolo S.Paulu: Fazei bem a todos; principalmente
1:05 demeft.cos da Fè. Feita carta & confirmada nomez de Tulld daera de 1102,
Os que foram prezentes & viram Nuno Midiz,Fernaõ Midiz, Alvaro Sandez,
Mundo Gonçalvez,Diego Truiteſendez, Gomez Egas,Diego Truitefendez, Iuincal
vo Rosa
CHRONICA
10 Roupariz, Payo Gonçalvez,IuincalvoTranſtamirez, Fernādo Tranfanirez,Su
eiro Galindez,Rodrigo DiazEgas
, Mendez . Eu DomAfonſofilho dele confir
mo. Eu Dom Sancho filho del Rey confirmo. Eu Dom Garfia confirmou que meu
Pay fez
Iofeſnādoſcrivão Not.
Ao pê deſta eſcriptura eſtava húa confirmaçaõ delRey Dom Sancho I.de
Portugal,porque conſtavaque a Igreja de Coimbra,que elRcy D.Fernā
do de Lião ſeu treſavó dèra aos frades de Lorvão pela ſobredita doação,
era a Parroquial de S.Pedro, & fer edificio de Godos. E a eſcritura dizia
dcfta maneira .
Er instinělo do antigo imigo,queſempre enveja aos bonsſucceſſos, em tempo de!
P Rey D. Sancho,humPrior de S.Pedro de Coimbra,por nome Domingos do Alo
mocovar ,rebelouſe a frei Afonfo Abbade de Lorvão,aoqual convinha dispor daquella
Igreja comofoſe licito, nam ſeacordando do bemquelhefizera o dito Abbade, que da
dita Igreja o elegerapor Prior. Por tanto notorio ſejaatodos que o dito Abbade de
Lorvamcom algunsſeus frades,ſe foia ElRey D. Sancho, que refidia na terra de
Janta Maria, & ante elle ſe queixou. E elReyem prezença deſeusgrandes, & dos
Chancelleres confirmou ešta doaçım, que ſeuspredeceſſoresfizeram.J. em preſença de
Ioam Fernandez, & de D.Iuliam , & deAfonfo Prior de Leça, & perāte muytos Olle
tros cõ ſeusfilhos.f.elRey D. Afonſo,elRey D. Pedro,el Rey D.Fernando, &com ſua
mulher DonaAldonça,& com ſuas filhas,com as mãosproprias roboramos & confirma
mos esta. Feita carta e confirmada no mez de Ianeiro.Era M.CC.XXXV .
Os que forao prezentes& o virao,Gonçalo Mendez Mordomo, Monio Ermigio,
Pedro Afonſo,Raymundo Paez,Fernando Fernandez, Nuno Sanchez, Martim Fer
nandez. O Arcebispo de Braga Martinho,Pedro,Biſpo de Coimbra.
Monio Not.
ElRey Dom Sancho com osſobreditos meus filhos confirmo.
Deſta antiga eſcriptura entre muytas couſas dignas de notar,ſe collige,co.
mo a cidade de Coimbra ſe tomou por cerco de ſete meſes, & não de ſete
annos,como os chroniſtas Caſtelhanos affirmão, co algúas fabulas que au
davão no povo .E tambem fe auerigou o tempo em que o meſmo Rey D.
Fernando falleceo,deque ha grande controverfia entre os eſcriptores Ca
Atelhanos, & Aragoeſes.Huns dizem que falleceo no anno de 1057. dos
quaes foy Beuther na Chronica das couſas de Heſpanha, & o Author da
hiftoria Pontifical ,& outros. E loão Vaſeu diz morrer no anno de 1060
A qual duvida agora ceſla.Porq tomando elle Coimbra no anno de 1064
a q reſponde a Era de Ceſar de 1102.fica por eſta tão autentica eſcritura
provada a opinião dos que aflirmão ſua morte ſer no anno de 1065. por
diante . Tamhem ſe vé da dita eſcriptura, como em tempo dosMouros
1
viviam entre elles muytos Chriſtãos, por os tributos, que lhes davao , &
paza laviarem as terras que eſtavam incultas,a que os Mouros não podiam
abran
DO CONDE D. HENRIQVE 19
abranger, de que lhe pagavão ſuas rendas & frutos,& para povoárem os
lugares que eſtavam deſertos pora deſtruiçam que nelles fizeram , & lhes
permitiam ter igrejas levantadas como foyo moſteiro de Lorvam ,em que
deixavam eſtar os frades & com asigrejas de Coimbra,das quaes os mel
mos frades pediram hűa a el-Rey D.Fernando,como acima eſtà dito. O ý
ſe entende das igrejas que já erão edificadas, & não das que ſe aviaõ de ea
dificar. A cftes Chriſtãos,poreſtàrem de meſtura com os Mouros, chama
são entam mixtarabes,quequeria dizer meſurados com Arabes, por alli
vivere entre elles,q deſpois corioperão em Mozarabes. Eſtando pois Co
imbra ao tépoq a elRey D. Fernãdo tomou muy povoada , aſli deMouros
como de Chriſtãos,& que os cercadores como Chriſtãos,& atrátavão de a
cobrarem como couſa ſua que já fora, não desfizerão nada della . E to
Diada por eltar mais inteira & ennobrecida, que as outrascidades de Por
tugal, os primeiros Reys fizerain della Camara Real & cabeça do Reyno,
& nella ſe coroaram até Lisboa fe vir a povoar & engrandecer. Polo que
ho de crer que logo quando el-Rey Dom Fernando aganhou , por ſer
Princepe tam pio ,& de que as igrejas, & couſas da religiam recebe
jam tanto beneficio,não paſſaria do ſeu tempo , que a Sé catredal ſenam
erigiffe, nem no del-Rey Dom Garcia ſeu filho, a quedeixou o Rey
no deGalliza , com o que de Portugal eſtava ganhado, & muyto menos i
Mouros, & em augmentar ſuas terras,& povoálas, & em edificar muitos mo- taçoes
feiros, & igrejas, querendoDeoslevalo deſta vida,adoeceo em a cidade de doCode
D. Héri
Aſtorga,que tomára aos Lioneſes. E vendo que o fim ſe lhe chegava,má que a ſeu
dou chamar a D. Affonſo Henriquez, que eſtava na villa de Guimarães. filho o
Ào qual deſpois de dar muitos conſelhos de Princepe prudente , & pio, Intanto
lhe encarregou o bom tratamento de ſeus vafallos , & que adminif- D.Afólo.
traſſe ſempre juſtiça igualmente aos grandes, & aos pequenos , ſem
dcccptaçam , & reſpeito de peſſoas.E que guardaſſe ſempre verdade, &
nam faltaſſe de ſua palavra. Porque ſe nos homens baxos, & plebcos pa
recia tam mala mentira,muito mais era nos Princepes, que na terra eſta
tam em lugar de Deos, o qual he ſumma verdade. Acabado de lhe dar
Morte
ſua bençam ,lhe rogou que o mandaffe enterrar na Sé de Braga . E que
fe femelle, que em quanto o acompanhava,ſe levantaſſem os de Aſtorga, D.hers
não fofle com elle,mas omandaffe pelos ſeus.Dahi a pouco expirou, cor quc.
rendo o anno de in 12 .
Tanto que falleceo logo Dom Affonſo Henriquez o mandou levar
D o mais
.
CHRONICA
o mais honradarnente que pode ſer, & o acompanhou até Braga, & na Sć
ee
foy enterrado em húa cappella, que pera ſua fepultura mandára fazer, que
reeen
n
RELA
DELREY D. AFFONSO HENRIQUEZ. 20
R E L A CAM
DO QVE SE CONTINHA NA HISTORIA ANTIGA
del-Rey Dom Afonfo Henriquez, que agoraſe reprova.
QVE ſe contém no principio da hiſtoria antiga delRey D
Afonſo Henriquez he,que tanto que o Conde D. Henri
que falleceo ,a Rainha Dona Tareja ſua mulher, nao eſpe
rando mais tempo,ſe cazou com hum Vermuim Paez fidal
go de Galliza. E que deſejando Dom Fernando Conde
de Traſtamara irmão do Vermaim Paez,de haver a meſma
Rainha por molher,a tomou ao irınão, & fe cazou com ella. E que ſobre
efte adulterio, & inceſto o Vermuim Paez , que ficava viuvo, ſe cazou
con Dona Sancha ſua enteada,filha da ineſina Rainha Dona Tareja. Por
o qual peccado dizem ,ſe edificàra emGalliza o Moſteiro de Sobrado. E
que o Conde D Fernando,& a Raynha Dona Tareja ſe levantaram com
a terra de Portugal.E que o Infante Dom Affonſo Henriquez , vendoſe
deſagaſalhado, & fem terras tomára duas fortalezas a ſua maila de Neiva
& a da Feira em terra de ſanta Maria , & dellas fizera muita guerra a ſeu
padraſto. E que ſobre ella ſe vira o Infante com ſeu padraſto & máy ,
rão ſe acordando,vieram a deſafio,& fe ajuntaram em Guimaraens . É que
a Rainha ſe foy com o marido para fazer que foſſe preſo ſeu filho. E aven
co hữa brava peleija entre elles, o Infante D. Affonſo foy desbaratado ,
& indo alem de Guimaraens huma legoaencontrara ſeu ayo Egas Mo
niz ,que o reprendeo , porque dera batalha ſemelle, & o fizera tornara
peleijar outra vez com ſeu padraſto: dizendo eſperava em Deos,de nella
o prender a elle, & a ſua máy. E tornando outra vezá batalha , o Infante
siendera ſeu padraſto & a fua māy em ferros.E o padraſto com temor de
fer morto, fizera homenagem ao lofante,de ſe lahir de Portugal, & nun
qua mais entrar nelle,& da hi diziam huns que ſe fora a Galliza, outros
a guerra de ultramar. Polo que amáy vendoſe preſa, & lem as terras que
lle feu pay dera,amaldiçoara ao filho,pedindo a Deos,que pois elle lhe
pufera ferros ein feus pès que o ajudaram a trazer,& criar,foſſe elle preſo,
& lhe foſſem ſuas pernas quebradas.E que aſliacontecera ao Infante que
quebrara húa perna,& fe vira preſo per el-Rey de Liao ſeu genro, como
ſe diante dira. Efte he o principal fundamento deſtas fabulas,que adiante
fe veram . O qual confutado, & desfeito todas as mais fabulas como depen
dentes delle ficam per ſi desfeitas,como couſa fundada no âr, & mais pa
sa ſe rir dellas, para as crer. A outra fabula conſequente he , vendole a
Rainha prela & deſpojada de ſuas terras,ſe queixou a ſeu ſobrinho e Rey
D.Afonſo de Caſtella & Liain,dizėdo,g ſeu filho por a deſobediencia
D2 que
CHRONICA
que lhe fizera, era indigno de lhe ſucceder no Reyno de Portugal,que re
nunciava nelle feu dircito, & que o vieſle cobrar, & livrar a ella dla pria
zão,& vingar ſua injuria.E q elRey de Caſtella veyo co muitas gentes de
Caftella,Aragão, & Galliza pera conquiſtar Portugal,& qo Infante D. A
fonſo Henriquez,lhe foi ao encontro em hū lugar,g chamão Valdeves,&
ouverað batalha em q elRey de Caſtella foi desbaratado, & de duas lán
çadas ſaio da batalha ferido em húa perna fugindo,& acolhendoſe para a
cidade de Toledo,avendo medo de a perder por eſte desbarato , deixando
fete Codes prezos E proſeguindo mais a hiſtoria diz, 7 chamadoſeelRey
de Caſtella Emperador,por o q toda Eſpanha lhe avia de obedecer,& por
vingarſe da perda ſ recebera,tornara a Portugal com muitas gentes, &
cercàra ao Infante Dom Afonſo ſeu primo em Guimaraes, que acertou de
eſtar deſapercebido de mancira,que com cerco de poucos dias ſe poderia
tomar. E que vendo Egas Moniz ayo do Infante o perigo em que eſtava,
ſe foi ao arrayal delRey de Caſtella, & deſpois de lhe beijar a mão lhe per
guntou que tençaın era a ſua em vir cercar ao Infante,ſendoſeu primo,&
tendo muita gente com queſe defendeffe , & baſtimentos pera muytos
1 annos; & que elRey lhe reſpondeo que o vinha cercar porque nam que
!
i
ria reconhecerlhe fenhorio,nem ir a ſuas Cortes. E que impoſibilitan
dolhe Egas Moniz o que pretendia,de tomar Guimaraens por cerco, &
o muyto que arriſcava em leu Reyno com os Mouros, ſe concertou com
elle, que ſe elle levantaſſe o cerco de maneira, que nam pareceffe, que o
Infante por medo ou força o fazia,acabaria com elle,que foſſe a ſuas com
tes,& que difto lhe faria elle Egas Moniz preito & homenagem . O que
elRey de Caſtella aceitou ,& recebeo a homenagem de Egas Moniz.Con
tao mais,que Egas Moniz mui caládo ſem ninguem ſentiraonde fora,nena
o que paſſara, ſe tornara à villa. E levantando eleyo cerco ao outro dia
pela manhãa perguntou o Infante a Egas Moniz,que lhe parecia daquelle
cazo,porqueferia;& Egas Moniz lho deſcobrio. Do que o Infante fur
muy anojado, & Egas Moniz lhe diſſera, que o fizera por o livrar do pe
rigo em que o vira, que ſe não agaſtaſſe,quecomo o livrâra do cerco ol
vraria da homenagem que fizera porelle.
Diz mais a hiſtoria,que chegandoſe o prazo,em que o Infante Dom A
fonfo avia de irás Cortes quele faziaõ em Toledo, Egas Moniz foy là
com ſua molher & filhos, & defcendoſe no Pafoſſe deſpiram , ficando
todos pay , & filhos em camiza, & fua molher em húa vil ſaya, & rclos
deſcalços com ſendos baraços ao peſcoço, & ali ſe aprezentâraõ a cl-Rey;
dizendo Egas Moniz, que por o amor que tinha ao Irfante,que criara de
menino,vendon ein muyto riſco,por o cerco que lhe S.Alteza pozera.for
falta dos mantimétos, ã não tinha,lbe fizera aquella homenagem , ſem o In
fante o ſaber quealli tinha as mãos, & a boca com ý lha fizera, & lhe tra
zia ſua molher,& aquelles filhos moços,a cuja fraqueza & idade a ira das
imigos
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ.
imigos ſe fohia apicdar,pera que ſe ſua peſloa não baſtaſſe, padeceffem
todos por a culpa delle. E que acabando de fallar,fe indignouelReytan
to,que o quizera mandar matar, dizendo que o enganara . Mas os fidal
gos que prezentes eſtavam , lho eſtorváraõ ,dizendo que Egas Moniz ofi
zera conio bom cavalleiro, & fiel vaſſallo, & que antes merecia favor que
caſtigo. E que elRey era o culpado em ſe deixar enganar. E dizem ,que
foflegado elRey de ſua ira,perdoou a Egas Moniz,&com merces que lhe
ſez ,os mandouir livremente .O qualſe veyo a Portugal,onde do Infance
& de todos foi recebido com muita felta.
Proſeguindo mais a hiſtoria diz, que queixandoſe a Rainha ao ſancto
Padreda Prizam em que ſeu filho atinha ( o que elle muito eſtranhou)
mandou a Portugal ſobre iſſo ao Biſpo de Coimbra, que na Corte de
Roma andava,com mandadopara elRey que ſoltaſſe logo fua máy.E que
nao querendo,pozeſſe interdicto em todo o Reyno. E o Biſpo o comprio
afli. E que dando as cartas a elRey, lhediſſe, que tinha o Papa de fazer
com elle por ter preza a ſua māy ? que foſſe certo, nem por mandado do
Papa,nem outroalgú a avía de ſoltar.E 4o Biſpo vendoq não podia le
var melhor repofta excómungâra a ElRey & a todo o reyno, &fe fora. E
ý ſabendo elRey q eſtava excómungado, & o reyno todo, fe foi à Sé aos
Conegos mandando-os entrar emcabido, & quedeentre elles clegeſſem
hum Biſpo. E qelles lhe diſſeraõ ,g tinhão Biſpo,que"não lhe podião dac
outro,& elRey lhes diſſe,q nunca eſſe em ſeus dias ſeria Biſpo, & logo
lançàra os cônegos todos pela porta fora dizendo que elle buſcaria Biſpo;
& que vindo pela clauſtra vio hum clerigo negro, & lhe perguntou como
fe chamava? & ğ o negro lhe diſſera q Martinho, & perguntandolhe pello
nome de feu pay, differa a Soleima. E pergutandolhe ſe era bom Clerigo,
onegro The diſſera q era hū dosmelhores de Heſpanha, & que clRey lhe
diſfera: Tu ſeràs Biſpo Dom Soleima, & ordena logo com que me digas
Miſſa. E que o negro diſſera,que ellenain era ordenado como Biſpo, para
lha dizer. E que elRey lhe diſſera que elle o ordenavacomo bilpo, que
lha podia dizer, & fe apparelhaſſe como logo lha diffeffe, fenamã lhe cor
tatia a cabeçacom aquella eſpada, & que o clerigo ſe reveſtira para lhe
dizer Mifta ſolennemente coino Bilpo, & lha diſſe.
Diz mais eſta hiſtoria contra clRey D.Afonſo Henriquez, que ſaben
doſe em Roma o que elle paſſara com o Biſpo de Coimbra ,& qnam qui
zera ſoltar a máy,nem obedecera aos mandados do Papa, & como elegera
Biipo,& o ordenara de ſua authoridade julgáram elRey por herege,& or
dcnâraõ de lhe mandar bú Cardeal q lhe eaſinaſſe a Fè, & o emendaffe de
ſeus erros. E g vindo o Cardeal pelas cortes dos Reys fora recebido con
muita honra. E ſendo perto deCoimbra fora dito aelRey por ſeus fi
dalgos: Senhor,alli vem hum Cardeal de Roma a vós da parte do Papà,
por eſtar defcontente de vos poro Biſpo que fizeſtes,Dille elRey gainda
D3 fenio
CHRONICA
ſe nam arrependia,& elles lhe lembraram, que todolos Reys por cujas
terras vicra lhe fizeram muitas honras, & cómeteram a lhe beijar a main.
Ao que cRcy diffe: Nao ſeieu Cardealnem Papa que a Coimbra vieta
ſe queentendeſſe a mam para lha eu beijar em minha caſa ,que eu lhe não
cortaſſe o braço pelo cotovello com eſta eſpada, & que diſſo nam podc
ria eſcapar. É que ſabendo o Cardeal aquellas palavras em chegando a
Coimbra tomou grande receo, & elRey nað lahio fora a recebelo :: o que
o Cardeal logo teve a mão final.E portanto como chegou logo ſe fora a
alcaceva onde elRey pouſava , que ahi o recebera elley bem dizendo
lhe: Cardeal a que vieſtes a eſta terra?ou que riquezas me trazeis deRona
pera eſtas guerras, que tam a meudo faço de dia , & de noite contra Mou
jos? fe por ventura trazeis algúa couſa quemedeis, daima,& ſenam a tra
zeis tornaivos voſſo caminho: & o Cardeal lhe diſſe : Senhor eu ſou vin
do a vós daparte do San&o Padre para vos enſinar a Fè de Chriſto, que
eſtà informado quea não ſabeis. E que el-Rey reſpondeo: Certo allim
temos nòs quá livros de Fè como vòslà em Roma , & por tanto bem fa
bemos os artigos da fanéta Fé. E todos lhe referio por ſua ordem , & cue
aquella Fê tinha, & teria firmemente tambem , como em Roma · Pello
que não tinha necelidade delle nem de ſua doutrina , mas que lhe dari
ain entam o que ouveſſe miſter, & que ao outro dia fallariam.
Proſeguindo mais diz a hiſtoria, que indoſe o Cardeal para a ponfada
mandou por logo cevada às beſtis , & tanto que foy ineya noite mando:
chamar todos os clerigos da cidade , & excomungou a el- Rey & ả cida
de & ao Reyno todo, & cavalgou & foiſe, de maneira que ante manbaz
tinlia andado duas legoas.E que levantandoſe el-Rey pella manham , dil
ſera a feus fidalgos, que com elles queria hir ver o Cardeal. E que dizé
dolhe elles que ante menhāa fe partira,deixando -o a elle & a todo Reyno
comungado ,com grande indignação mandou à preffa fellar hum caval
СХcc
lo, & cingio ſuaeſpada, & foi tam à preſla, que alcançou ao Cardeal en
hum lugar que chamam a Vimieira aparde Poyares . E como chegou a
clle lhe lançou huma mão ao cabeção, & com a outra tirou a eſpada, &
alçandoa diſſe : Da qua a cabeça traidor,querendolha cortar. Mas dizen
dolhe os fidalgos que chegaram com elle que talnão fizeſſe, que o re
riam en Roma porherege, el-Rey lhes differa: Vós outros lhe dais a ca
beça. E diſſe ao Cardeal:Vòs desfareis tudo quanto fizeſtes, ou a cabe
ça toda vos ficarà qua, & que o Cardeal lhe pedira não lhe fizeſſe mal,
que tudo o que quizeſſe faria de boamente. E que el-Rey lhe diſſcra que
o que queria era,que deſeſcomungaſſe quanto eicomungara, & que nam
levafie ouro nem prata ,nenibeſtas, fomente as que lhe baftafſem , &
que lhe mandaffe huma letra de Roma , que nunqua Portugal ſeria ex
comungado, que elle ganhara com ſua eſpada. E que em arrefensdil
fo deixalle hum fobrinho que conſigo trazia,atè que a letra vieſſe , & que
is fears
DELREY D. AFONSO HENRIQVES. 22
fe atê quatro mefes lha não mādaſſe que cortaria a cabeça a ſeu fobrinho.
O Cardeal diſſe, que lhe aprazia. E aſli ficou de o fazer . E que entam
The tomara el-Rey quáta prata& ouro trazia,& das beſtas que lhe achou
lhe não deixou mais que tres & lhediffe. Hora vós Cardeal ide voſſo ca
minho, que eſte he o ſerviço quede vôs quero. E iſto acabado antes a
o Cardeal ſe partiffe, elRey ſe deſpio todo, & lhe moſtrou muitos finacs
de feridas, que tinha pelo corpo , & dille :Como eu ſou herege ſe moſtra
por eſtes finacsde queouveeſtas em tal peleja,& eſtas em tal cidade,ou
villa que tomei, & todas porſerviço de Deos contra os imigos de noſſa
FC. É para levar iſto adiante,vos tomo eſte ouro & prata, de que eſtou
nui falto. Cardealdizem que ſe tornou a Coimbra . E apos elle diza
1. ādou elkey a Roma hum ſeu eſcudeiro encubertamente, para de la lle
mandar dizer o que ſe dizia delle ſobre o Cardeal . qual chegando
frimeiro que o Cardeal , eſcreveo aelRey como contara o Biſpo ao l'a
pa tudo como paſſara , &como lhe ficara de lhemandar a letra,& o Papa fe
antojara com elle dizėdollie que como prometia o que ſó podia fazer a Sè
A poſtolica? E que o Cardeal lhe diſſera. Santo Padre, eu não digo letra
zias ſe acadeira de Sain Pedro fora minha lha deixara,& dera de boame
te por eſcapar de ſuas mãos , que ſe vos vireis ſobre vos hum cavalleiro
tain forte & eſpantoſo como aquelle Rey,& vos tivera huma maó no ca
beçam , & outra alçada para vos cortar a cabeça ; & feu cavallo não me
nos alvoraçado , hora com hõa mão hora com outra cavando a terra pare
condo ő jà vosfazia a cova, vôs dereis a letra & o Papado. Por tanto me
rão deveis de culpar , entam lhe outorgou o Papa a letra da maneira que
Cardealquis,& que o Cardeal lha mandou antes dos quatro meſes.
L elRey lhe mandou ſeu ſobrinho honradamente como compria , dando
lle muito do feu, E o Cardeal foi dahi ein diante tam , feu amigo , que
todalas couſas lhe fazia na corte de Roma, & acabava com o Papa per
cucel-Rey ſempre em ſeu Reyno fez os Arcebiſpos & Biſpos como quis.
Eſtas ſam as hiſtorias que entre a gente vulgar andavam naquelle tem
po, que todas dependem de huma, que he o caſamento da Rainha, & fua
silam , aqual confutada,ficam todas po ar como couſa våa que eram .
Porque ſe a Rainha Dona Tareja não caſou nem deu padraſto a ſeu filho
nem avia porque ſeu filho aprendeſſe, nem caufa per onde virem à bata
1 ! : a , & o Infante Dom Affonſo vencer o padraſto, & deſterrallo , & pré
der a nãy. E ſenão prendco a māy , não avia para que vir el-Rey de Ca
fiella & tornar armado cercar ao Infante, nem podia ir desbaratado, nem
deixar ſete Condes prezos,nem podia tornar outra vez por outro tilber
20 , & Egas Moniz fázelo tornar com preito & homenagem quelhe fez, &
for a não comprir ir vú com ſua molher & filhos deſpidos com baraços ao
peſcoço,ante elRey de Caſtella.E le a Rainha não fui preza,não podia fer
isidacie queo Papa o mandaíſe excõinun
D4
gar a El- Rey pelo Biſpo de Co
imbra,
CHRONICA
imbra: E el-Rey fazera hum negro Biſpo , & ordenalo. E ſe tambem o
nam elegeo por Biſpo nem ordenou,não podia fer. verdade que o Papa
mandava enſinar a el Rey Dom Affonſo como a herege per hum Carde.
al,& fazerlhe el Rey tantas injurias,& tentar de omatar & roubalo,& tu
do o mais que fingem .
Vindo pois á cabeça & introito deſta hiſtoria do vulgo ſobrea Raynha
Dona Tareja calar logo, como o Conde Dom Henrique ſeu marido fal
leceo ,he mèra calúnia & falfidade. Porque depois de ſua morte ficou el
la governando feu cítado muitos annos, & exercitando obras de Princeſa
mui honefta & pia ,com ſeus filhos debaxo de ſua obediencia & adminiſ,
traçam . Iſto ſe prova primeiramente pello teſtamento & doaçam, que a
Rainha Dona Tareja fez deſpois que a fazem caſada, per que dava todo
o direito que tinha na cidade do Porto ao Biſpo Dom Hugo para ſempre.
Aqual fez no anno de 11 20 em que aſſinaram ſeu filho D.AlfonſoHenri
quez, & Dona Sancha, & Dona Tareja ſuas filhas ao cuftume daquelle
tempo.Pela qual cſcriptura ſe vè, que oito annos deſpois do Conde feu
marido morto governava ſeu Reyno , & o adminiſtrava ,& tinha ſeus filhas
debaxo de ſuaadminiſtraçam . E que nem cafou ella,nem ſua filha com
metteo o inceſto que lhe impoem .E que o Infante D. Affonſo a não pren
deo por tal caſamento .
A outra razam perque ſe prova ſer falſo que el Rey Dom Affonſo pré
1 deo ſua máy, & ferlhe ſempreobedientiffimo, he,que em todas as eſcrip
turas & doaçoens,que fez até hora de ſua morte, morrendo velhiſlimo de
;
noventa & hum annos,ſempre fe honrou & intitulou por filho da Rainha
D. Tareja,& aſli o punha em ſeustitulos,como ſe vé do livro antiquiſlimo
dos regiſtros da torre dotombo, & fe vè em todas as eſcripturas, que ha
nos moftciros de fan &ta Cruz,Alcobaça, & Sam Vicente de fóra, & de to
do o Reyno. E naſcendolbe huma filha primeira,lhe chamou Tareja, co
mo tambem chamou Tareja a outra, queteve baſtarda por a affeiçam &
memoria de ſuamáy.O que não fora le ella fizera os erros & exceffos que
ſe dela diſamaram . Pclo q não he de crer que hum Rey tam valerofo &
tam velho,que contra cuſtume de todos os homens, ſe intitulava & hon
rava de ſer filho de ſua máy,o fizelle fendo ſua mai deſoneſta , ou tendoa
portal & preſa em ferros.
Outra provamanifeſta de fer fallo o que diz do dito caſamento & pri
lau,heo que eſcreve DomRodrigo Ximenez Arcebiſpo de Toledo em
fua chronica dos Reys de Heſpanha,na qual fallando nas couſas dos Reys
& Rainhas de Portugal,não trata couſa alguma do caſamento & prilao
da Ragnha Dopa Tareja fallando nella & em ſuas filhas, tratando com ti
ta liberdade da deſoneſtidade de Dona Vrraca ſua irmãa ,ſendo Rainha de
Caſtella, & avò do Rey que entai reinava, cujo vallallo o Arcebiſpo era.
Outra razam u gentiſlima he que ſegundo tefiemunho dereitos ha
DELREY D. AFONSO HENRIQUES. 23
mens antigos & dignidades da Sé de Braga,em huma capella que chama
· som dos Reys,& agora ſe chama de Dom Lourenço, eſtað oje tres arcos,
en que eſtaváo tres ſepulturas,huma do Conde Dom Henrique , & outra
da Rainha Dona Tareja, outra de hurs meninos ſeus filhos,cujos oſſos de
todos ſe paſſarað a huma ſepultura,que ſe lhe ordenou pello Arcebiſpo
Dom Diogo de Souſa na capella mòr no lugardo evangelho, em que er
tava o Arcebiſpo Dom Lourenço , que ſe paſſou à dos Reys,como jà te
nho dito na vida do Conde Dom Henrique . Polo que eſtà claro que
Lam caſou a Raynha Dona Tareja com outro marido pois el- Rey Dom
Affonfo ſeu filho a enterrou com o Conde ſeu pay , o que não fizera ſe
ella morrera em Galliza caſada com peſſoa de menos qualidade,& portão
fea maneira.
A eſtas razoens tam urgentes ſe chegam para eſta infania da Raynha
& delley Dom Affonſo le aver de ter por falta que todolos homens do
cos & de entendimento, & de deſcurſo na hiſtoria a tem por fabula &
grande calúnia ,como foram Dom frey Marcos Biſpo do Porto varam de
Kruica erudiçam,& viſto nas couſas do Reyno antigas,como quem eſcre
veo a chronica do bemaventurado Sam Franciſco,que ſabendo que trac
cava eu de reformar couſas das chronicas deſte Reyno , me eſcreveo muy
tas vezes que acudiſſe a afronta daquelles Princepes ,& ás abuſoens , que
ſobre elles ſe contavam do Biſpo negro, & do Cardeal . E loam de Bar
tos, que foi mui curioſo & viſto nas couſas do Reyno no livro 3. capit.
4.da 3. decada da hiſtoria da India,ſe lamenta que quem tam ſem cauſa
quis macular a fama de tam illuſtres & virtuoſos Princepes. O que elle
prometeo,de emendar nos livros da ſua Europa ſe os eſcrevera,com cuja
diligencia eſcuſara eu eſte meu trabalho .
Conſtando pois eſte caſamento & priſam da Rainha ſerem fallos todas
as mais partes deſta hiſtoria que contamos ficam desfcitas. Mas para mais
fatisfazer a engenhos obſtinados: a cada couſa daremos particular razam ,
aque fenio darà replica . E quanto a el-Rey de Caſtella que por rogos
daRaynha Dona Tareja ſua tia veo a Portugal contra o lafante Dom A
fonfo Henriquez, & de qua foy desbaratado, & deixou ſete Condes pre
fros,alem de não aver tal priſam ,nem tal queixume como jà moſtramos:
corſia per razaın dos tempos ,& pellas chronicas de Caſtella & de Aragam 2
arimpofivel poder aquelle Rey qua vir. Porque como a Raynha foy
picſa fe queixon , & elle logo veo,ouvera de fer no anno de 2. quan
!n a Raynha le caſou,que foi logo como o vulg.diz, a pos a morte de
feu marido. No qual tempo o dito Rey de Caſtella ainda não Reynava
nem Revnou da hi a muitos annos,porque entam era menino , & ſe criava
(9 Galliza , & ſeu Reynado,ſegundo Antonio Bruter chroniſta de Ara
ain homem de authoridade,começou no anno do Senhor de 11 33. que
bi dahi a 21 annos, & ſegundo alguns Caſtelhanos coireçou a Reynar no
anno de
CHRONICA
anno de 11 22.Polo q fica impoſſivel elle poder ir ſenão dahia muitos an
nos. Porque todos confeſſao, que aindadeſpois de feito Rey andou muito
tépo occupado nas guerras com el-Rey de Aragam ſeu padraſto, atè que o
lançou do Reyno de Caſtella. E para mais prova diſto eu vì per humas
memorias antiquiſſimas, que me moſtrou o Doctor Diogo Mendez de
Vaſconcellos conego da Sé de Evora ,que a Rainha Dona Tareja fallecco
na era de Celar u168 . que he o anno do Senhor de 1 30.4 foy tres annos
antes que o dito Rey Dom Affonſo de Caſtella reinalle.
E ainda que a dita priſam ſenão provara ſer falla & todas as mais de
sendencias della, ein que juizo cabia a fabula do Biſpo negro? Porque ſe
cl-Rey Dom Affonſo era homem pio, como fazia elle Biſpos, & os orde
nava tomando o officio do Papa? E ſenão era pio,como com tanta effica
cia ſendo excomungado buſcava miſſa? E ſe achava aquelle negro q lha
diflèffe, paraque procurava que a miſſa folieem Pontifical?E ſe em por
tifical a queria como avia hum negro eſtrangeiro que devia de fer filho
de Mouro, pois ſe chamava Soleiina,ſaber celebrar em pontifical,não ſen
do ordenado nem inſttruido na celebraçam da miſſa Latina , nem na de
pontifical?Ou que clerigoslhe aviam de affiſtir â miſſa pontifical fe elRey
lançou todos osclerigos daigreja,como a chronica diz ;
Outra tal he a injuria feita ao Cardeal,& o ouro & prata que lhe el
Rey tomou para ajuda daguerra contra Mouros ſem conſideraçam des
tempos & das peſſoas.Porque naquelle tempo os Cardeaes não erammais
que curas das igrejas parrochiaes de Roma,mais che os de virtudes que de
rendas.Os quaes não tinham mais dignidade que os outros clerigos, gert
dareni voto na eleiçam dos Papas, por a confulam q le ſeguia de votare
todos os clerigos de Roma,nem traziam a inſignia do cappello vermelho,
ģ os Cardeaes agora trazem.Porque o Papa Innocencio.4. q concorreo cá
el-Rey D. Afonſo o 3.Code de Bolonha, biſneto de D. A fonſo Heriquez,
lhes deu eſſa inſignia & mayor dignidade,perque deixaram os curados das
igrejas, & começáraó ter rendas & eſtados. E deſpois lhes acreſcentaraó os
Papas ſeguintes veſtirſe de purpura,& cavalgarem em cavallos brancos, &
trazerem eſporas, & freos dourados. Polo que ainda que el-Rey D.Afonſo
Henriquez fora ſalteador de caminhos,pouca preſa tinha no Cardeal pa
ra fazer guerra aos Mouros,o que foi huma grande blasfemia dizerſe cen
tra hum Princepe pijffimo,& riquiffimo,polos muytos deſpojos & rique
zas ,que aos Mouros tomou em muitas terras, & arrayaes,com que edificou
no meyo das guerras,em que andava,cento & cincoenta Moſteiros & Ige
jasz one enriqueceo de edificios,de ornarrentos, & de grandes rendas, &
vaſſallos. Por o que diziao porelle, quemais pelejava para Deos,que para
fy ,& que por iſſo pelejava Deos por elle. E muyto niais incrivel era pel
lea deſobediencia ao Papa. Porque na cuelle tempo em que lhe iſto im
poem , preſidia na Igreja de Deos o Papa Calliſto IJ.leu tio prinoccmironã
DELREY D. AFONSO HENRIQVES. 24
mão do Conde D.Henrique ſeu pay,que elle avia de venerar & ſervir, &
o Papa a elle favorecer & curar com remediosmais ſuaves.
A hiſtoria de Egas Moniz & ſua molher & filhos, irem deſpidos ante
elRey de Caſtella com baraços ao pelcoço ,ainda que não fora o preſup
poſtofalſo,de el-Rey de Caſtella vir a Portugal,per ſy era incrivel & ridi
culofa, & infame pera hum homem tam valeroſo& lua molher, que foi
Lúa grande matrona, & feus filhos naquelletempo de grande idade, de
cujo conſelho , & esforço el-Rey Dom Afonſo Henriquez ſe fervio em
todos os negocios, que emprendeo, os quaes com aquelles baraços mais
Toveriao a el-Rey de Caſtella & aos ſeus a riſo ,que a miſericordia.Nem
a miſericordia,ſe para illo hiaõ,era honroſa para quem fe offerccera pades
cer por honra & fama.
E para a todos ſer manifeſta a cauſa porque eſtes errores ſe ſemearam
1: 3 vulgo,moſtraremos comoquaſi cudo iſto aconteceo em Caſtella, & o
attribuirão a Portugal, como he natural em gente popular, muytos ditos
& fcitos,que aconteceram a búas peſſoas,attribiîren os a outras, acreſcen
tandomaisalgúa couſa. A Rainha Dona Vrraca de Caſtella irmãa da noſa ,
fa Rainha Dona Tareja,ſendo veuva do Conde D.Raymundo de Borgo
nha,foimuy infamada ainda na vida de ſeu pay,com hum CondeD.GO
rrez de Campo de Eſpinha,que della -ouvehunfilho encuberto, que por
eile reſpeito le chamou furtado : do qual dizem , defcendem os Furtados
de Caſtella. Cazando deſpois diſto com D.Afonſo o Batalhador Rey de
Aragam , & de Navarra ,& não mudando os cuſtumes,mas cometendo ma
is erros & diffoluçoens,ſeu marido a teve retraida em hum Caſtello, don
រំ
de ella por conſelho do Conde Pero Anſurez ſeu ayo, ſe acolheo a ſeus
Reynos de Caſtella,queherdâra de ſeupay.E fazendo ella cortes por co
fclho outrò ſi do meſmo ſeu ayo Pero Anſurez,pedio aos fidalgos que ti
nham as fortalezasda mão delRey ſeu marido, que lhas entregaſſem a ella,
por ter feito divorcio com elle. Pedro Anſurez lhas entregou em none
de todos ,& pera ſe livrar da culpa da homenagem que quebràra a elRey,
fe fora a Aragam veſtido de eſcarlata, & poſto em hum cavallo branco ſem
barrete na cabeça ,& com hum baraço namão como quem hia a padecer,
entrou na corte,& ſe foi a elRey,& perante os grandes do Reyno lhe dif
ft, que as terras que Sua Alteza lhe dera em guarda, elle as entregara à Ra.
inha ſua natural ſenhora ,cujas eram : & que as mãos & a cabeça com que
for ellas lhe fizera homenagem trazia alli, para que o caſtigaſſe com a
quelle baraço, on como lhe pareceffe. ElRey com nojo o quiſera ma
tar,mas tornando em ſi,com acordo dos de ſeu conſelho,que ahi eſtavam ,
lhe perdoou, avendo que o fizera como bom cavalleiro & vaſſallo leal,
Mas como a Rainha prefeveraſſe em ſuas deſoneſtidades , & tiveſſe co
wo marido ao Conde Dom Pedro de Lara , que ſuccedera nos amores
pre
au Conde Dom Gomez de Campo de Elpina, & que com a Rainhatendia
CHRONICA
tendia caſar, & por outra parte el- Rey de Aragam vieſſe contraa Rainha
a lhe deſtruir a terra , trouxerain ao Infante Dom Affonſo filho herdeiro
da Rainha,queſe criava em Galliza,em caſa do Conde Dom Pedro Fer
nandez de Trava ſeu ayo,para defender o Reyno contra ſeu Padraſto el
Rey de Aragam ,& fe fazer Rey de Caſtella & Liam, privando do eſtado
a ſuamáy, & defeito,fez tanto com ſuas gentespoſtas em armas, que ſeu
padraſto ſe retrahio a Aragam, & a Rainha ſua máy teve eſtreitamente
encerrada como preſa, em buna fortaleza, que ſe chama Torres de Leon,
atè que a máy lhe largou o Reyno, & aflificou o Infante D.AffonſoRey
em vida de ſua máy ,que do Reyno era ſenhora proprieteria.
Eſtas hiſtorias q aconteceram em Caſtella na verdade, attribuio o vul End
go,pererro, & per diſcurſo do tempo a Portugal. Ao qual erro ajudou a
femelhança dos caſos, & das peſſoas. Porque a Raynha de Portugal Dona
Tareja foy filha del-Rey D.Affonſo o VI.de Caſtella, a que chamavão
Emperador,como tambem o era a Rainha Dona Vrraca ſua irmãa. E de
Picy Dom Affonſo Henriquez era neto do meſmo Emperador, & fe cha
mava do meſmo nome como o de Caſtella ſeu primo.E Dom Egas Moc ,
niz era ayo de D. Affonſo Henriquez, como Pero Anſurez era ayo da Rau cür
inha Dona Vrraca .
Eis aqui a Rainha que ſe caſou com hum marido,& deſpois ſe embara
çou co outro,& com outros.Eſta he a māy a que ſeu filho Rey Dom Af
fonſo prendeo,& deſpojou dasterrasque ſeu pay lhe deixou. Eis aquio :(
Infante Dom Affonſo neto do Emperador de Heſpanha,que peleijou co
feu padraſto,& o venceo,& ficou ſenhor do Reino.Efte heo ayo,que por
quebrar a homenagem por amor do ſenhor que criou.com hum baraço ſe
foi apreſentar a el-Rey,que o mataſſe ſe quiſeſſe, & a que el -Rey perdo
ou por cöſelho dos ſeus & lhe fez mercè. Eis aqui deſcuberto o error por
q mal, & individaméte ſe veyo a infamar a honeſtidade da Rainha Dona
Tareja princeſa caſtiffima, & a innocencia, & virtudes de hu kiey taú calo
lico,& tam pio como foi Dom Affonſo Henriquez, & contaremſe as re D
.
CHR0 .
در :
25
is بنمLE '
CHRONICA
DEL-RE Y DOM AFONSO HENRIQVEZ,
Composta pello Lecenciado DVARTE NYNES DO LIAM,
Deſembargador da Caſada Supplicação,
j
CHRONICA
torras de Alentejo ,afli por nellas aver poucas fortalezas, & a terra fer fèr.
wil,em que podiaó achar muytos mantimentos,como porą naquellas par
tes avia hum Rey Iſmar muy poderoſo,que dominava todas aquellas tera
ܘܚܶܗ
que diſto ſe contentava, & que nao fe queria chamar ſenão ſeu irmão & ;
companheiro, & que como tal os ajudaria ſempre com ſua peſſoa contra
os imigos da Fè,& contra aquelles quedamno, ou offença lhes quizeſſem :
5 : CHRONICA ; ** :
Carlo Magnoque começou reinar no anno de 769. No qual tempo fe
moftra , fer jà loam de Tainpes de dez annos . 'Mas Paulo Aemylio nos
Annaes de França na vidade Luis VII.como homem grave , que vai maz
is dcvagara crercouſas de admiração,queandaðrem voz degente vulgar,
tem para fi,que aquelle Carlos não foi o Magno, mas que ſeria o que foy
neto deCarlos o Gomplez. E ſendoainda aſti, não,fica a vida de loão de
Tampes tam pouca, quenão foſſede cento & ſeſenta annos . Mas quem
ler as hiſtorias da India,podera crcé ſua idade . Porque no tempo que Nus j!
110 da Cunha a governava, aviaein Dio hũ homem Bengalla de trezentos
& trinta & ſincoannos, & não ſefabe o que mais viveo.
. Depois do desbarate del-Rey Ilmar, deſejando elle de ſe vingar, ajun
tou muytas gentes, & veo a Santatem , & levando dahi Hauzeri Alcaide
da villa, & homem muy principal, correo a terra,atè chegar a Leiria , a
qual combateo & entrou perforça, &matou amais da gente que nella a
Arno chou,& levou preſo a Dom Paio Goterrez. O que foi no anno de 1140,
!1140 & deixando na villa boa guarda ſe foy . O que tudo fez com tanta pref nina
teza , que não teve tempo el Rey Dom Affonſo para fe a preceber , & o
bir buicas. O Prior de Santa Cruz de Coimbra Dom Theotonio eſtando 10.1
ſentido de lhe ſer tomada Leiria,que lhe el Rey tinha dada , leyou
conſigo a mais gente que pode, & foi correr as terras de Alentejo , & to
mou a villa de Arronches. E entre tanto que o Prior andava guerreando
em Alentejo, ajuntou el-Rey gente, & foy ſobre Leiria. E como Deos
o ajudava em todas ſuas empreſas, poſto que muy bem lha defendeſſem
os Mouros, a tornou a cobrar aos quatro de Fevereiro de 1145. E por
ANN o que o Prior a que elle dera a villa, a não guardara como compria para .
Arron
mara a villa de Arronches. E que agora punha em ſuas mãos o negocio
ches to daquellas villas,poishuma ganhara, & outra perdera, & agora el-Rey a
mada cobrara , ſendolhe feita della doaçam. ElRey havendo ſobre iſſo confe
por Dá lho,porquenao covinha bé a homés, profeſſavam religiaõ, embaraçaséſe
Theot. em negocios feculares& muito menosno exercicio da guerra , houve por
bem ,q o eſpiritual deſtas villas ambas foſſe do moſteiro de S.Cruz , & o té Ar
A N No dignidade, & por ſer vizinho daquelle tépo.Ao ã ajuda ģ cazado ReiD .
T 1146 Afonſo no dito anno de 1146.E ſendo o caſamento de Dona Mafalda ſua .
filha no anno de 1145 : como o chroniſta diz,ainda que ella naſcera pri
meiro ý os outros imãos, & logo no primeiro anno tirados nove meſes y
avia de
DELREY D. AFONSO HENRIQVEZ 32
avia de andar no ventre de ſua máy,ficáva caſando de 8 annos.O que não
Le veriffimil:& muyto menos o era que humn Conde de Barcelona ( leo
ouvera)velho & tamanho ſenhor,vieſſe buſcar em peſſoa húa nòra meni
na,& a levaſſetao ante tempo não avendo cauſa de guerra entre provin
cias tao diſtátes,nem de avença de pazes.Tambem ſe ajūta outra cojectu
ra,7 a Infante Dona Tareja caſou com o CondedeFlandresno anno de
1184. polo que ficavão do caſamento deDona Mafalda ao ſeu 29 an
nos,o quecamhem não he veriſimi),ſendoambas irmãas de partedo pay &
da máy . A outra razão mayor que todas he que nas doaçoes & cartas que
el -Rey D.Affonſo Henriquez fázia,onde aſlinavão ſua molher & filhos
20 cuſtume daquelle tempo, não eſtam affinadas mais que as duas filhas
Dona Vrraca, & Dona Tareja,como ſe peloslivrosda torre do Töbo pó
de ver.A eſte erro daria cauſa, cafar el-Rey Dom Affonſo Henriquez leu
filho prinogenito o Infante Dom Sancho,com a Infante Dona Aldonça
filha do dito Raymon Berenguer o ultimo,que foi Princepe de Aragam,
& marido da Rainha D.Petronilha, como em a vida del Rey D.Sácho ſe
dirà. Este diſcurſo fe fez tað largo em couſa que importâva pouco,para ſe
ver quanto para a verdade da hiſtoria a razão dos tempos,& com quanto
juizo re hão de ler as hiſtorias,& quanta conſideração & diligencia reque
rco officio do biſtoriador. E tābe por ſe me não imputar a temeridade co
futar alguss couſas,q eſtão já tão recebidas da antiguidade.Pois como ſe
erra em bia,couſa ſe pode errar em outrasmais.Alé deſtes filhos legitimos
ouve el-Rey D. Affonſo,hum filho ſendo folceiro, q ſe chamou D. Pedro
Affonſo de q não ſabemos 'a dignidade,nem os filho q deixou . Teve mais
ſendo ſolteiro húa filha chamada Dona Tareja Affonſo , que cafou com
hun homem grande naquelle tempo, q ſe chamou Domn Sácho Nunez, de
quem naſceo Dona Vrraca Săchez,que caſou com Dom Gonçalo de Sou
fa . Dos quaes naſceo o Conde Dom Mendo o Souſam ,quc era o principal
ſenhor, que entam avia em Portugal.
No anno ſeguinte de 1147 tomou el-Rey Dom Affonſo em penſamé- AN NO
to emprender húa couſa grande que havia muito quedeſejava;& em que 1 1 47
achava grande repugnácia, que era comar Santarem.De húa parte via que
daquelle lugar lhe fazião osMoucos guerra a ſua terra, & que delles rece
biamuito dano. E da outra a fertilidade,fermoſura do cápo , & bõdade da
quella villa,a que elle chamava paraiſo. De outra parte repreſentavaſelhe
a fortaleza & a eſpercza do ſitio, amultidão da gente, & abundancia de
mantimentos,que nella avia.Poro lhe parecia impoſſivelpor em effec
to ſua determinação: & affi o parecia àquelles com quem elle o commu
nicava.Mas como elle era de animo grande & invēcivel,determinou de o
tentar.E pcra ſaber o meyo per que melhor tornaria a villa deſcobrio feir
penſamento a Mendo Moniz,filho de Dom Egas Moniz, cavalleiro mui.
to esforçado,& prudente, & Themandou, que foſſe a Santarem cõ pretexto
ER de afſen
CHRONICA i
de aſſentar tregoas com oAlcaide Hauzeri, & viſſe per que parte & per 1
fr
que maneira a villa ſe poderia entrar.D.Mendo Moniz,comofoy na villa,
eſpiou tudo mui bem , & tornando fallou com el-Rey em ſegredo, & fez
o negociomuypollivel, & lhepromotteo,que elle ſeria dos primeiros,q 1
de o communicar com todos os do ſeu conſelho, nem no paço, por não fer 191.1
! CHRONICA
!
los Mou panha , afli pela fertilidade de ſeus campos, que dao todas as couſas necef
ros,
ſarias à vida, queparece outro Egypto com a veſinhança & innundaçoens
do Tejo,como pelo domicilio, que ſempre nella os Reys antigos tinham
Santarē com ſuas cortes, & oje tem muytos nobres, ſe contenta com o nome de
he hứa villa,ſem querer ter o de cidade. Mas no aſſento & tratamento , que os
dasmais Reys lhe fazem nas Cortes, & outros ajuntamentos precede a muitas cida
1
:
nobres des do Reyno. Porque em ſemelhantes autos ſe afſenta no primeiro báco,
villas de
com as quatro cidades
Eſpanha & principais do Reyno .f. Lisboa, Evora, Coimbra,
o Porto .
Tomada a villa , Hauzeri Alcayde della eſcapou fugindo com tres de
cavallo,que conſigo levava, & ſe foi à preſſa a Sevilha. E ao tempo que
elle chegava, eſtava el-Rey Mouro natorre que chairão do ouro, donde
via o campo . E affomando Hauzeri vendo elle aquelles quatro de cavallo
com quanto era de longe, veolhe pela phantaſia, quaſi adevinhandolho o
coraçani( como muytas vezes acontece, que ſe repreſentam os males aos
abſentesquando lhes toca) & diſſe aos que com elle eſtàvam ,que aquello
1
era Hauzeri,& dizendo elles que era tam longe que nam fe affrrravam
nilio, dille el-Rey,ſe entre aquelles homens vem Hauzeri , & chegando
ao rio derem agoa aos cavallos, Santarem he tomado : & fé The nam de
rem de beber Santarem he cercado , & Hauzeri vem à preſſa pedir cocci
ro . Os de cavallo chegando ao porto deram agoa de feu vagar, folo que
el-Rey
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ. 35
el-Rey ſe começou deentreſticer.E chegando Hauzeri , lhe contou como
ſe tomara a villa , & do eſtrago queos Chriſtãos nella fizerao: do que el
Fry & os Mouros ouverao grande pezar, nao ſomente pela perda de tal
villa,mas pelo silco em que ſe punhão as outras. Como elRey D. Afonſo
tomou a villa de Santarem ,pôz nella ſeu Alcaide,deixandoa baſtecida do
que cumpria, & tornou a Coimbsa,onde da Rainha & de toda a cidade
foi recebido com muytas alegrias & feſta,naó acabando elRey de dar gra.
ças a Deos por tað felice ſucceſſo. O qual quando contava a Rainha,ama
neira com que tomâra camanha fortaleza,ſem gente,ſem cerco, ſem morte,
nem ſangue dos ſeus,dizia:que jà nað ſe eſpantava derribâremſe os muros
de lericô ,nem deter Ioſuè o Sol. Porque igoal era a qualquer grandemi
lagre tomar elleem eſpaço de hūa hora com tam poucos homéshum lugar
tao nobre,tam forte,tam agro, & baſtecido,ſem ajuda de nenhuni de den
tro. Sabendo pois elRey D. Afonſo quanto a reputação & fama de huma
grande victoria avida de freſco,accreſcenta em hum capitão & em ſua gen
te,& lhe daazo de outras muytas vi& orias,quizſe aproveitar do tempo, &
ajunsou logo gente,para conquiſtar os lugares deſde Santarem até o mar,
principalmente Lisboa . E porque lhe pareceo melhor conſelho antes de a
cercar tomar os lugares do redor para ſe delles valer,& os inimigos terem
menos ſoccorro, logo tomou o Caſtello de Mafra, & o deu a D. Fernando
Monteiro,que deſpois foi o primeiro Meſtre da Ordem de Avis,que ouve
neſte Reyno. Deſpois cercou o Caſtello de Sintra,& o tomou, o que nam
poderia ſer ſem muyta difficuldade,por a altura & aſpereza dolugar, & a
grande multidam de pèdras ſoltas,que naquelle monte ha, queparece que
choveraõ nelle, com que mui poucos ſe poderiaõ defender de muycos.
Neſte tempo eſtando el-Rey naquelle Caſtello,vio.pelo mar vir hũa groſſa
armada de cento & cincoenta vellas,que vinhão demandar a terra junto à
çocha de Sintra. Pelo que mandou a ella quatro cavalleiros a ſaber que Armada
gente era. Elles lhe reſponderaó,que eraõ de Alemanha,França,& Ingla . que ap
terra ,& dos Eſtados de Flandres, & ſe ajuntàrao pera irem ſervir a Deos porfou a
contraMouros na guerra de ultramar,& que paſſavao ſeu caminho. Entre de eltrá
eftes eſtrangeiros vihão muytos ſenhores de eſtado,Condes,& grandes ca- geiros,ý
: valleiros, & a companhia a trazião era de quatorze mil homens. Dos qua- a ajuda
s vinha por General Guilhelme de longa eſpada, & com elle Childe Ro- nhar.
CS
raó aga
lim ,Dom Liberche, Dom Ligel por capiráes principaes ,& de grande fan
gue. Quando el - Rey foube quem erao os da frota, & a tenção com que
vinlão,pareceolhe, que Deos os fizera alli aportar naquelle tempo, & por
aquelle lugar,para ſerem em ſua ajuda na empreza de tomar Lisboa aos
Nouros. Polo que deu muytas graças a Deos, & aos da frota mandou di
zer,que creílem ,que não ſem grande myſterio elles alli eraõ vindos: porque
a tenção que trazião,em nenhum tempo & lugar a melhor podião execu
far,que na comada da cidade de Lisboa, que ſinco legoas dalli clava . A
qual
CHRONICA
qual era das mais principais de Heſpanha, & de que aos Chriſtãos fe fazia
muyta guerra , & muyto damno permar & per terra . E que alem de niſo
ſervirem a Deos, era empreſa,em que podiaó ganhar muyta honra. E que
o porto da cidade era grande & fermoſo, onde bem podião ancoràr fuas
nàos,& outras muitas mais & ſerem providos do neceſſario em abaſtança.
E que pois tain perto tinhão o que hião buſcar ao longe, & com boa op
portunidade,nao deixaſſem tal occaſião. E que elle como Rey da terra,os
ajudaria,como verião. Tantos recados ouve de parte a parte,que vierão a
ſe concertar,que todos cercaſſem a cidade. E que fendo tomada, ametade
foſſe delRey,& a outra ametade dos eſtrangeiros. Logo elRey per terra,&
os da frota pormar,forao pòr cerco a Lisboa. ElRey afſentou ſeu arrayal
22 da parte do Oriente,no lugar onde agora eſtá o Moſteiro de Sam Vicente,
que ficava afaſtado hú pouco dos muros velhos, & por iſſo ſe chamava de
fóra. Porque o muro que agora o cèrca,& faz ficar dentro, he o novo, que
elRey D. Fernando fez ,como em ſua chronica ſe dirà.
Igreja Os capitães eſtrangeiros aſſentàrað ſeu arrayal á parte do Poente, onde
dos Mar agora eſtà a Igreja denoſſa Senhora dos Martyres,& o Moſteiro de S. Frä
tyres de ciſco. O que no tempo de cinco mezes,que no cerco ſe gaſtàrao, paſſou,
Lisboa nao ſe acha eſpecialmente eſcrito. Mas he de crer,que por a cidade fer tað
donde
teve populofa,tam forte de ſitio & cerca, & emqueavia tanta gente dearmas
princi- & eſtando todo aquelle tempo ſobre ellaelRey Dom Afonſo Henriquez
pio com tantos & taes capitačsPortuguezes, & eſtrangeiros, de tanto ſangue
& eſtado,que hiáo buſcar aventuras por ſervir a Deos, que averia muytos
feitos, muytos dittos,muytos eſtratagemas,eſcaramuças,& combates, & ſe
fajião grandes proezas,dignas de ſe lembrarem em hiſtoria. O quetudo
por falta de eſcriptores & de bons engenhos,que o encomendaffem â pof
teridade,ficou ſem memoria,como ſe não fora, & os nomes de muytos pol
tos em eſquecimento de que era juſto,ficarperpetua lembrança. Morren
do pois nos combates de cada parte muyta gente,em cada hum dos arraya.
es,fe edificàraõ duas Igrejas pera enterraros mortos. ElRey D.Afonía
Moſtei
mandou edificar a ſua ,no lugar onde oje eſtà o dito Moſteiro de S. Vicēte,
ro de S. & os capitães eſtrangeiros fundâram aſua onde eſtà noſſa Senhora dos
Vicente Martyres. E perſeverando o cerco deſdo mez de Iunho em que ſe come
de fóra çou , avendo cada dia ferimentos & mortes, determinaram elRey, & osca.
donde pitães de darem hum forte combate hũa Seſta feira, 20. dias de Outubro
teve
princi de 1147.que era dia dos Martyres Criſpno, & Criſpiniano, que foi tal có
pio. que a cidadefoi entrada por força,primeiraniente pela porra, que oje ſe
chama da Alfama,que era daparte dos Portuguezes, ſendo a ſexta hora
do dia. Deſpois de entrada foia peleja muyto mais fera,qual ſoe fer, on
de oscercados não eſperaő falvação, & fe determinão morrer pclejando
por aquillo,queos l.omés mais amão,qui he religião,patria, filhos, & mo
Theres, & fazenda. Polo que os mais forão metidos â cfpada, o punteros
do
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ. 36
dos Mouros mortos naó o eſcrevem noflos chroniſtas. Mas ſe cremos Ni
colao Gilè hiſtoriador Frances em ſeus annaes, & a Iacobo Meyero na
hiſtoria de Flandres,& outros hiſtoriadores eſtrangeiros, acharaó que fo
1
raó mais de duzentos mil . Polo que he decrer, que a cidade foi ſoccor
rida deſpois do cerco, & que a mortandade dos Mouros foi muy grande.
Ali foi tomada Lisboa,cidade en que mais bens da natureza & fortuna
concorrem,que em outras muytas domundo,pela falubridade & temperā
ça dos àres,pola fertilidade & amenidade dos campos, em que todo o in
verno ha flores. Pola grandeza do povo,que agora he a mayor de toda a
Chriſtandade,pola mageftade dos edificios pola fermoſura & comodidade
T
do porto capaciſlimo& ſeguro ,polo comercio & tra &to das Mercadorias
1
do Oriente, & Occidente, & de todas as partes do mundo, pola riqueza
dos cidadoes,pola frequencia de tantas naçoēs, que a ella concorrem , que
parece hum mundo abbreviado, & patria cõmum , polos deſcobrimentos,
conquiſtas, & triunfos de tantas Provincias, que a eſta bemaventurada ci
dade ſe devem ,a que o Indo & oGanges cada anno fervein com ſeus tri
bucos & páreas como a ſenhora do Oriente. Finalmente por o que mais
importa,quehe o culto da Religião, & devação de ſeus cidadoés,em que
excede todas as cidades de Europa . A eſta cidade pera lhe não faltar na
da pera ſer nobiliffima, hemuyto mais antiga que a meſma Roma. Porque Lisboa
ſegundo todos os Geografos Gregos & Latinos, foi edificada per Vlyffes mais an
& ſeus companheiros. Dos Romanos foi chamada, Felicitas Iulia.O que ſe- tiga que
ria(ſegundo parece) pornella acontecer a Iulio Ceſaralgum bom ſucceſſo Roma.
no tempo que em Heſpanha andou.E era municipio do povo Romano, 7
era nao terem ſeus cidadãos nenhūa differença dos cidadãos Romanos. De
luz nobreza & grandeza ja naquelle tempo pode ſer teſtemunha o a conta
Plinio,que mandarao os cidadãos de Lisboa embaixadores a Romaao Em- Lisboa
perador Tyberio Ceſar,dandolhe conta de hum monſtro marinho, que foi como sé
i
V.io junto da cidade em húa lapa,tangendo hum buzio daquella figura & pre for
forma queſe pinta o Deos Triton.E ſegundo Paulo Oroſio & outros no & nobre
tempo do Emperador Honorio,era tam principal & aſſinalada,que vindo
fahre ella osVandallos & Suevos, & tendoa cercada,fe defenderam os Lis
tonenfes,que não pode ſer entrada delles naquelle tempo. Eſta tomada tomida
Lisboa
ve Lisboa foi a terceira deſpois da deſtruiçam de Heſpanha por el Rey aos Miou
Dom Afonſo Henriquez Porque a primeira vez,ſe crèmos a Platina na vi ros per
ta do Papa Leam Terceiro,foitomada per el-Rey Dom Afonſo o Caſto cl- Rey
de Liam com ajuda de Carlo Magno. O meſmo tem Iacobo Meyero na Dom A
fonſo o
hidoria de Flandres, do que os chroniſtas Heſpanhoes nam fazem men Cafto , &
quim. O que podia ſer, pora a tornariam logo cobrar osMouros.A fegun per Car
da vez a tomou el- Rey Dom Afonſo o fexto, chamado Enperador, com lo Mag
ajuda de ſeu genro o Conde Dom Henrique pai delRey Dom Afonſo He- no.
riquez no anno de 1093 ſegundo huma chronica antiga de Alcobaça, que
refere
CHRONICA
refere Joam Vaſeo. Mas parece que quiz Deos,que a honra de fe tomar &
ſe contervar,foſſe del-Rey Dom Afonſo Henriquez.
Tanto que Lisboa ſe tomou ,el-Rey com todos os Chriſtãos com ſolen
ne & devota prociſlao,foià mezquita mayor, hora he a Sè, & deſpois de
mundificada dos facrificios que nella ſe faziam a Mafamède, os Biſpos &
Sacerdotes reveſtidos entraram nella cantando o cantico Te Deum Laudi
Biſpado villes. E deſpois de conſagrada & dedicada á Virgem lanđa Maria noſſa'fe
de Lif- nhora, ſe ſèlebraram nella os officios divinos , & ſe diſſe mifia folenne,& le
boa ere
gido.
nomeou por Sê cathedral, como jà fora naquella cidade no tépo dos Go
dos,cujos Biſpos forao fuffraganeos á Sé metropolitana de Mérida, & def
Sède pois à de Braga,& não à de Sevilha(como alguns cuidàram ) atè o tempo
Lisboa del-Rey Dom loam primeiro,em que de igreja cathedral foi feita metro
fcitame-politana,& Arcebiſpado,a que deram por ſuffraganeos os Biſpados de E
tropoli-
tana. vora, Sylves,& da Guarda,de queſe exemptou Evora,que foi feita Arce
biſpado em tempo del-Rey Dom loam 3. & Sylves,queſe paſſou a Evora
em cujo lugar le lhe ſubſtituirao os novos Biſpados de Portalegre, Elvas,&
Leiria,& Ilhas, & do braſil. E logo el-Rey mandou chamar a Guilhelme
de longa cſpada,Childe Rolim , Dom Liberche, & Dom Ligel, & aos 6:1
tros grandes & capitaens, & deſpois de lhes dar muitas graças ao general
Guilielme da longa eſpada, & a ſeuscompanheiros polo grande ſerviço,
que a Deos & a elle tinham feito, & louvarlhe asgrandes proezas & cs
forço que naquella empreſa moſtraram ,lhes diſſe, que elle eſtava preſtes,
para partir com elles a cidade, & o mais que nella ,& fóra della ſe tomou
aſi como ſe concertaram.E que nomcaffem elles alguns cavalleiros,& que
elle daria outros para fazerem a partilha. Os capitaens vendo quam libe
ralmente el-Rey lhes fazia aquella offerta,louvaramlho muyto, & dillérző
que haveriam feu conlelho, & lhe reſponderiam . E conſultando entre fi
acordâram , que pois elles ſahiram de firas terras, com propoſito de ſervir a
Deos,& nao para acqueriré riquezas,ġ as nao aceptaflem & muito nercs
a juridicam da cidade,que não era bem, que tiveſſem partida com cl.Rcy
em ſua terra.
Entre os eſtrangeiros,que natomadade Lisboa ſe acharam , foy hum
Alemam per nome Henrique, liomem de bons & fantos coſtumes, natural
de Bona,villa quatro legoas de Colonia pelo rio Rheno acima,o qual mor
rendo naquelle grande combate,perque ſe a cidade tomou, foi enterrado
na igreja de Sam Vicente, em que ſe enterravam os Portugueſes, que inor
Mila riam nos cobates,fem embargo de ſer Alcmam cujos com panheirosſe er:
gres do terravam en nolla Senhora dos Martyres, porcauſa que nam ſaben.os,
cavallei .
por o qual ſe viram fazermuytos evidentesmilagres,deque hum foi, que
ro Hen- vindo naquella frota dos eluangeiros dous homens ſurdos & mudes de na
rique A bem conheciam aquelle cavalleiro Henrique , vièram com giác
lenam . cença , que
de dcvaçam hum dia à ſua ſepultura, & fe deitaram junto con elle,pedia
dolbe
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ . 37
colhe com grädedevaçao,quepelosſeus merecimentos lhes impetraſfe de
Deosmiſericordia,para aquella ſua infermidade. E fazendo - o aſli adorme
ceram ambos,& emſonhos lhe appareceo o cavalleiro Henrique, veſtido
em trajos deRomeiro,trazendona mão hum bordaó de palma, inſignia
dos q foraó a leruſalé & acabarað ſua romagé,& fallou àquellesmácebos
mudos, & lhes diſſe:Folgai, & avei prazer,& fallai & ouvi,j polos mere
cimētos dos Martyres,que a qui jazemos ganhaftes a graça do Senhor,ghe
convoſco.E dito iſto deſappareceo.Ellesacordaraó achandofe faós de to
do,ouvindo & fallando milagroſamente, & começaraó a contaro que lhes
acontecera com o Santo.Dahi a poucos dias que iſto acóteceo,veo a mor
rer hum eſcudeiro deſte cavalleiro Henrique, de feridas , que ouvera na
.
entrada dacidade, & enterraraóno no meyo da Igreja loge dondejazia ſeu
fenhor.E ſendo noite appareceo o cavalleiro Henrique a hũ homem mui
to velho,que ſervia aquella Igreja,q avia nome Henrique como elle, &
di Telhe: Levantate & vai ao lugar,onde enterraraó aquelle meu eſcudei
10,toma ſeu corpo, & vem aqui enterralo junto comigo.Porque quem me
feguio,& foi meu companheiro namorte,o ſeja tambem na lepulcura do
:: zo velhonao curou nada. E vindo lhe outrotal apparecimento & amoea
Siaçao,tað pouco curou diſſo,comoda primeira. Entam lhe appareceo o
cavalleiro Henrique terceira vez com ſembrante bravo & queixofo, ame.
açandoo com palavras de grandemedo,ſe logo não compriſle o que tãtas
vezes lhe mandara.Polo que o velho cheo de temor, ſe levantou logo 2
quella noite,& foi co candea à ſepultura ondejazia o eſcudeiro, & ode
fenterron, & o trouxe para o ſenhor, & lhe fez húa cova a par do cavallei.
89,ondeo enterrou.E quãdo veo pella manhåa achouſe o velho taó deſcão
lado do trabalho, 5 paſſara ,como ſe jou vera deitado em ſua cama,ſem fa
zer nada. E contādoo afli pela manhãa,todosdauaõ graças a Deos. E que.
sédo ainda N.Senhor moſtrar mais quanto lhe approvera o ſerviço deſte
cavalleiro,appareceo à ſua cabeceirahūa palmafemelhante àquellas que
trazem os romeiros de Ieruſalem em ſuas mãos. A qual começou de enver
decer, & lançar folhas, & creſcer ſobre a terra em ſua juſtaAltura.El Rey
& os mais que virao tamanho milagre,louvarað a Deos. Equantos enfer
mos ahi vinha) tomar daquella palma,& a deitavaoao peſcoço,logoeraó
faós de qualquer enfermidade.É outros a tomavao & a toſtavão, & depo.
is de moida bebiaõ della aquelle pó,& da meſma maneira ſaravão logo.
E tanta foi a continuaçaó em virem tomar daquella palma ,que em pouco
tempo nao ficou della nada ſobre a terra, antes por nao porem boa guar
da nella vierað algús de noite,& arrancaraõ de todo levando lhe as raizes.
Por eſtes milagres,que noſſo Senhor faziapelos Martyres que alli morre
ram . Tinha el-Rey nelles tam grande devaçao ,que cada vez que fe fen
tia com alguma ma diſpoſiçam deitavale em oraçao ſobre ſeus jazigos,&
logo era remedcado.
G Antes
CH R O NICA
Antes que os capitaens da frota partiſſem ,q del- Rey foram muyto be
agaſalhados,& providos de tudo o que para ſua viagem lhes com pria,lhes
mandou muytos preſentes ricos, & dadivas, conforme a ſuas peffoasdeg
elles foram niui contentes, & juntamente lhes offereceo ,que ſe alguns qui
feſſem ficar no Reyno ( do que elle levaria grande goſto , por ter conſ
go tað nobres & esforçados cavalleiros)lhes daria terras em 5 viveſſem e
xemptamente, & à ſuas võtades. E os que quiſeram ficar,deu as terras que
lties a elles contétarað ,ğ forao as villas q agora ſao de Almada,Villa Fra
Lugares ca,a g osIngleſes ağ coube chamavão Cornovalha, & deſpois corrompe
a el Rey
D. Afoto ram em Cornaga,pormemoria da ſua provincia:a qual villa oje he Villa
deu aos Franca,Villa Verde,a Azambuja,a Arruda,a Lourinham ,por ſe cötētarem
cavallei- dellas, & outras que povoarao. E algūs puſerað os nomes de ſua terra. Cu
ros cítră jos deſcendétes receberao dos Reys deſte Reino muitos favores & merces
geiros como filhos de homés tao benemeritos.Dosquaes oje ha ainda algúas fa
para po milias nobres mui conhecidas,como adiāte diremos. E osýnaõ quiferaó fi
voarei .
car,ſe foraó mui contētes & ſatisfeitos da nobreza & liberalidade de Rey
& de feu grande animo.E nao ſomente a eltes q ficaraölhe deu favores &
privilegios,mas a todos,que a eſte Reyno vieffem, & nelle moraſſem das
ditas provincias debaixo denomedeAlemaens, lhes deu grādes privilegi
os,& exépçoens em ſuaspeſſoas & mercadorias queos Reys confirmaram
& guardaram até o dia de oje.
E porque be juſto, por cauſa tao aſinalada,como foi a tomada de Lif
boa cidade tao principal entre as mayores & melhores do mundo ,ſe reca
nheça o beneficio, q recebeo dos cavalleiros eſtrāgeiros ,q a ajudaraõ a ga
nhar,& não ſe eſqueſao ſuas memorias,como ſe eſqueceraõ muitosfeiros
outros por a sudeza daquelles têpos daremos anoticia 7 pudemos alcāçar
de algus capitães daquella frota,collegida das hiſtorias de outras naçoens.
Guilhel, Primeirainěte o general daquella frota,q foiGuilhelmeda longa eſpada,
me de la home mancebo de florecente idade,era filho de Gaifredo Conde de An
da geral jou,& de Mathilde Emperatriz ý fora deAlemanha,molher do Empe
dos eſtrá rador Hérique o 5. & flha unica erdeira de Henrique o 1. Rey de Ingla
geiros : 6 terra. A qual por ficar viuva, ſendo ainda mui moça,& fem filhos por mor
tomàrão
a Lisboa
te do Emperador Hérique,cl-Rey feu pay, tambem não tinha filho ou
qué era.
tro, a cazou ſegunda vez co o dito Conde Gaifredo,em quě Folco ſeu pay
fendo viuvo,renunciou o eſtado de Anjou ,porellepaſſar à Syria a cazar
com Meliſenda filha erdeira de Balduino 2. do nome,Rey de Jerulalem
por cuja morte o dito Folco foy ele& o Rey,& apos elle fucceffivainen
te dous filhos feus,que ouve de Meliſenda f. Balduino 3. & Almerico,
que tambem forao Reys da meſma fanta cidade. Dette Gaifredo pario
Mathilde tres filhos. .Henrique que foi Duque de Normandia,& detro
is licy de Inglaterra.2.do nome,aquelle per cujo mandado foi mortoS.
Thoinas Arcebiſpo de Cantuaria.O ſegundo filho foi eſte Guill.cime de
longit
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ. 38
longa eſpada. O terceiro,Gaifredo,q chamavao Plantagineſta, que caſou
com a filla herdeira do Conde de Bretanha. Polo a querendo Guilhelme
at da lóga eſpada imitar a el- Rey Folco ſeu avó,ý gaſtára a flor de fua idade
na conquiſta da terra ſanta,có aquella grande armada, & muitos ſenhores
& homens nobres,de hia por capitao general,emprendeo, ſendo ainda
mui mancebo aquellaviagem a Jeruſalem ,de qentao era Rey Balduino
oz.(cutio, filho de Folco,& irmão deſeu pai o Códe Gaifredo. Finalme
te Guilhelme da longa eſpada era filho daquella Emperatriz Mathilde,fi
Iha del-Rey de Inglaterra, deſcendente dos Duques deNormandia.Eſta Hiſtoria
he aquella Mathilde,de Antonio Beuther & outros eſcriptores Catalā- dos Ara
es contaő húa errada hiſtoria, q aqui emendaremos por honra de ſeu filho Sre ar
Guilhelore da longa eſpada tað benemerito de Portugal.E he 7 accuſan naldo
i doa o Emperador ſeu marido de adulterio,porfalſa denunciaçao de dous gu Beren
cavalleiros,eſtando em perigo de ſer queimada,ſe nao foffe defendida per deerdeCői
armas dentro de hum anno & hum dia ,nað avendo quem por ella faille, Barcelos
D.Arnaldo Berenguer Conde de Barcelona foi deſconhecido a Alema na, cófu
nha,& per armas venceo o accuſador, & a livrou,& ſe tornou logo , ſem ſe tada.
dar a conhecer mais,que à Emperatriz com juramento , que ella o nam
deſcobriffe.dahi a tres dias,& que buſcadooo Emperador, ficou anojado
poro nao achar para o agaſalhar, & lhe agradecer o que fizera por ſua
honra.E que a Emperatriz differa ao Emperador dahi a tres dias, quem a
quelle cavalleiro era.E qo Emperador não o achado mádou a Emperatris
fua molher a Barcelona co muitas gentes em buſca do Conde,para o levar
conſigo a Alemanha , & lâ receber muitas honras do Emperador. E aſlico
tað outras taes patranhas,que não té feiçao. Porque eſta Emperatriz era fi
lha de Rey de Inglaterra ,& tinha hum irmão natural por nome Roberto
o homem mais celebrado pelas armas, avia entre os Princepes daquelle
tempo : o qual nao deixara de tomar armas por defenſa da honra de ſua
irmaa, ſe cal lhe acotecera ,como as tomou por ella para lhe cobrar o Du
cado de Normandia ,& deſpois o Reyno de Inglaterra de Stephano Code
de Bles,feu irmão que lho trazia uſurpado.Nem os cavalleiros Ingleſes da
quelle tépo eraõ taes que eſperaſlem ,que foſſe o Conde de Barcelona a
defenderlhe per armas ſua Princeſa.O caſo da Emperatriz accuſada por
adulterio ,que ouvirão,aconteceo muitos annos antes deſta Emperatriz ,
& entre outras peſſoas. E foi deſta maneira . Sendo o Emperador Henrique
3 que foi do nome filho do Emperador Conrado ,cazado com Mathildes
filha també del Rey de Inglaterra ,mui fermoſa , & avendo algú teinpo , que
viviao ambos,foi accuſada ante ſeu marido per hum cavalleiro de ſua caſa
dizendo ,que ella lhe cometia adulterio :por o que foi preſa & em perigo
de inorte ,por ningué ſair a defender ſua honra por medo do Emperador.
Polo q hum feu page, ella trouxera mui moço de Inglaterra,ſaio a pele
jar em ſua defenſao contra o accuſador, que
G2
era hum honre mui esforçado
& que
CHRONICA
& q na grandura parecia hum Gigante. E vindo com elle a campo o In
gres lhe jarretou búaperna, & o redeo, & livrou ſua ſenhora daquella in
famia. Aqual ficado mui a fröcada & eſcádalizada por o credito,ġ feu ma
sido dera âquelle falſo homem contra ella,ſe quis deſquitar delle, & fem a
moverë ſeus afagos nem ameaços para tornarem fazer com elle vida como
antes, le metten ein hū moſteiro de religióſas,onde dahi a pouco acabou.
Efte he o fundamento daquella fabula deRaymon Arnaldo Berenguer,
Refram
que defendeo a Emperatriz,& da origem do dito da meſa Barceloneſa, ſ
da mela dizião, queria dizer meſa eſplendida, & abaſtada,a que dizem dar cauſa as
Barcelo- grandes feſtas & banquetes, que ſe derao em Barcelona à Emperatriz,& a
neſà de feus cortezãos ,sēdo muito pelo cötrario.Porq aquelle refrao naceo da par
clarado. fimonia & natural eſquaceza dos Cateläes por os quaes ſe diz outro re
frað.0 Catelão bem come ſe lho dão.Deſta maneira de attribuirem og
aconteceo a hūas peſſoas a outras, & o que aconteceo em hum tempo at
tribuilo a outro, & da ſemelhança dos acontecimentos de que ſenão tem
inteira noticia, naſceraõ as erradas, & falſas hiſtorias , andaó pelo mundo,
como forao as que ouviſtes del Rey D.Afonſo Henriquez, & defua măy.
A pos eſte Princepe Frances Capitao gêral daquella armada onde tan
ta nobreza vinha de variasprovincias para ſervir a Deosa ſuas deſpezas,a
te principal peſſoa em linhagein ,& authoridade era Childe Rolim. Donde
to eſte fidalgo foſſe não ficou em eſcriptura dos antigos.Mas per informaçó
ICO es certas de que o inquirio neſtes tëpos nos eſtados de Fládres, coſta ferdo
20 era Cidado de Henao provinciados meſmos eſtados,onde aquella farniliaoje
lo Con-forece co ſeu appellido de Ròlim,em q ha ſenhores de terras. De ğ fabe
dado
Henao . mos no anno de 1542 vir a ſoccorro de Lovaina cercada de Franceſes
Iorge Rólim ſenhor deAmmeria por capitao da gěte de cavallo perman
dado da Rainha Maria Regente de Flandres como conta Damião de Goes
chroniſta deſte Reyno, ỹ ſe achou no dito cerco, & delle eſcreveo hũ trata
do Deſte CapitaoChilde Rôlim procedë os Rolijs deſte Reyno.Osquaes
promiſcuamente ſe chamão tambemde Moura.Hüs dizem őpor humdos
daquella familia ajudar a tomar á villa de Moura.Porqueella na verdade
não ſe tomou no tépo delRey D.Afonſo 6.de Caftella como erradaméte
diſſe Ambroſio de Morales na 3. parte de ſua chronica,mas no de]Rey D.
Afonſo Henriquez ſeu neto,como adiante ſe dirà .Masmais veriſmilhe ,
por algus Rolijs,q ſabemos averem ſido ſenhores da dita villa de Moura,
de q ainda ſeus deſcendentes tē na velinhaça della a villa do Marmelal to
mariáo eſſe appellido,como de ſolar ganhado per elles. Mas ainda a algus
Mouras ſe chamaram Mouras,ſempre os deſcendentes delles fe nomearam Ro
&Rolijs lijs, comofoy Dom Rolim o velho ,payde Dom loam de Moura tre
todos
huma fávó de Dom Chriſtovam de Moura Marques de Caſtello Rodrigo , & Vi
gente . forei de Portugal.
A razão denão trazerem os Rolijs as inſignias de ſeus mayores de Her
nao,&
DELREY D. AFONSO HENRIQUEZ 39
nao,& asdeixarem por asque ganharam em Portugal,comūs aos que ſe
chamao de Moura, legundo tradição dos antigos daquella caſa he,que el
+
:
cidade,Giraldo deu ſobre ella,& por ainda ſer noite, & a gente andar al
1
1
vosoçada, as vēlas & porteiros os nað reconheraõ por imigos, atè quecom
feu damno o experimentàrao. E tomando as portas,& deixandoas a bom
recado,começàraó a matar a eſpada os que achavão . Porque huns eranı
faidos fora , & outros dormião. Foi a cidade entrada tam de ſupito & por
tal ordem , quando os ſinais & alarîdos dos Atalayas ſe ſentirao ,os Chif
taos ſe tinhão apoderado da cidade. Os que erão fora,ouvindo o repique
& final,deixáraó de ſeguir os da trilha, & tornando à cidade, fosao mal
tratados dos que as portas os eſtávao eſperando.E perfiando deentrarem,
forað tomados no meyo dos da trilha, quetornáraó ſobre elles, & esco
meçáraó a ferir nas eſpaldas. E como ainda fazia eſcuro, & o medo faz
parecer tudo mais do que he cuidando que os Chrifãos eraõ muitos, lan
çáraõ a fugir. A cidade foi faqueada, & aos que ainda eſtavão encerrados
permittiolhes Giraldo,que ſe fahiſfem com ſeus corpos & veſtidos fómen
te. Alguns ſe deixirao ficar entregues à clemencia dos vencedores, q na
cidade duráraó per ſua deſcendencia perto de quatrocentos annos,ate 9
elRey D. Manoel os lançou do Reyno. E logo Giraldo mandou marecadoa
Giraido elRey D. Afonſo Henriquez,como a cidade era tomada, & que ndafic
Sempa- por cobro nella, & lhe quizeſſe perdoar a elle & aos que com elle arda
vor pri- vað . El-Rey foi muy lédo có taö boanova , & agradeceo muito a Giral
mciro
capitim do o ſerviço que lhe fizera,& não quiz que outrem guardaſe a cidade,le
da cida -1 nav clle,que a ganhára. E Giraldo Sempavor foi o primeiro Caficie del
de de E- la . E por cfte beneficio , que a cidade delle recebeo,dea tirar da nio dos
VO22 .
Mouros, & por taó notasel ardilasinſignias & divilá, que ton.ordehohum
we
DELREY D. AFONSO HENRIQVEZ 40
H 2 maneira 1
CHRONICA
maneira,que fizeraő ajuntar todos os Mouros, onde eſtava o feu pendam
de Sevilha. Aqui pelejou o Infante & cortou da eſpada de maneira, que
fe alinalou filho de ſeu pay.D. Pero Paez arremetteo, & chegou o pedao
Esforçº do Infante entre os Mouros,& alli ſe travouhúa rija peleja, & D. Mendo
do Infa
te D.Sa Moniz remetteo ao Alferez de Sevilha, & lhe deu taes duas cutiladas, jo
cho. deſatinou , & deixando cair a eſpada,que trazia preſa de húa cadea ao coke
tume antigo,travou do Alferez, & deu com elle & com o pendaó de ses
vilha no chao. Os Mouros,que com algú esforço ou vergonha pelejavam
Victoria vendo o ſeu pendaõ derribado,começaraó a fugir caminho da cidade,& o
que ou . Infáte & os ſeus os ſeguiraõ matádo & derribado
quãtos podiao. E ao en
ve o In- trar de Triana foi tanta a preffa, & aperto dos Mouros,que nao poderana
fante D. cerrar as portas.Polo qos Chriſtãos entrarao de volta com elles.Os Mou
Sancho
ros, que tinhaó a
ponte paſſada por ſocorrerem aos que ficavaõ atras alcă
delRey
de Sevi çad os dos Chriſtãos,deraõ táto eſtorvo aos derradeiros, tiverao os Chii
Iha. ſtãos muito tépo,& lugar,para fazer nelles grandematăça.E foi tanta,que
as agoas do rio Guadalquibir parecião de ſangue.O Infante desbaratados
os Mouros, ſe tornou ao lugar ondeelles tinham ſeu arrayal aſſentado ; 10
qual ſe acharað grādes preſas de ouro,prata,cavallos, & outras muitas coli
fas.O que tudo o Infante, repartio per fua gente ſem diſſo querer para di
couſa alguma ,mais que a honra de tam bom feito.
Como de Beja partio tāta gente para ir com o Infante à guerra de An
dalozia, que a villa naõ ficava ſegura,algunsdos que ficarað,ſe forað vera
Bejacer"
eada de . ,' do que cſtavão em perigo de ſerem tomadosdosMourcs.Polo que ſe ajú,
, tarao dous principaes entre elles,Halichamaſi,& Albuhazil com muitos a
&deſcer os ſeguirao ,& forao cercar Beja .E por ſe os de détro ,ainda q poucos de
cada pe- defenderē bem ,a nað tomaraó .Polo vendo os Mouros ,que o Infante an
lo Infan- dava longe ,& lhe nao poderia ſoccorrer,determinaraó de afſentar ſeu arra
te Dom yal,& começaraő a fazer muitos artificios & engenhos para os combates.
Sancho. Os da villa mandarað hū eſcudeiro eſcondidaméte ao Infante , qeſtava ſom
bre Niebla.fazendolhe ſaber de ſeu eſtado. O Infante,cõ cöſelho dos ſeus
partio logo co mil homens de pè,& quatrocentos de cavallo,caminho de
Beja,mandando q a mais gēte o ſeguiſſe ,& deixou por Capitao a D. Pero
Paez,por por ſer Alferez del-Reytinhao carrego, agora he dos Con
deſtabres,q ainda nao avia. E a bādeira Real deu de ſua mão a Sueiro Páez
feu ſobrinho. O Infáte,co os bos Adaijs levava,foipor taes caminhos
os Mouros não ſouberaó novas delle. E paſſando pelo vao de Mertola on
de chamão as Acenhas,foi viſto pelos eſcuitas,q ahi eſtavão,g delle derać
novas aos da villa.OsMouros cuidado q nao vinha o Infante ſobre elles
& entendendo per cojecturas, ý hia a Beja mandarao logo aviſo per ho
més de pè & de cavallo a Albohazil ,& Halicamaſi, Cöeſta nova eſtiverão
os Mouros em duvida do ý fariáo, huns eraõ de opiniao , que eſperaſſem
o Infante , & pelejailem cõelle,outros dizião, o mais ſeguro cölelho meera
ire
DELREY D. AFFONSO HENRIQUEZ. 45
iremſe, & não o eſperârem. O Infante como foi no campo de Ourique,
porq até alli viera à preflà,& o caminho ýtrouxera fora máo, & os ſeus
vinhão trabalhados,dille ,q ſe não apreſſaſſem a andar peraq mais folgados
chegaſſem aos inimigos.Os Mouroscomo tiverão o aviſo,mandarao corre
corres a eſpiar,quegente era a vinha,& fe vinha a Beja . Os quaes che
gandoſe aos do Infante, vinhão diante,prenderão hū eſcudeiro, & o le
várão aosCapitães,do q louberão a verdade. E como a vinda do Infante
poz a muitos pavor de pelejarem,lebrandoſe do freſco disbarate de Sevis
İlha,& a outros ſe fazia vergonha iremſe , & moſtrar medo, ſem ſe determi
nar,ouve tempo de chegar o Infante. Polo qlhes foineceſſario eſperar , &
fair fora do arrayal. Os Mouros eſtavão poſtos já em ſuas batalhas quando
o Infante chegou,polo q fem maiseſperar,mandou a Sueiro Paez,şabalaf
ſe logo co a bandeira. A peleja começou,& foi mui travada de ambas par
tes. Mas não podendo ſoffrer os Mouroso grăde esforço dos noſſos,come
çàrão a fugir, & forão muitos delles mortos, entre os quaes forað os dous
Capitães Albohazil ,& Halichamaſi, & ouve muitos cativos,& grādepreza . Morte
Os davilla ſairaó fóra, ſervindo ao Infante com o que tinhão: os quaes dos Ca
elle recebeo com muito gaſalhado,louyandolhe o grande esforço com “ Alboa
pitaens
zil
ſe defenderão,ſendo tam poucos.E nao quiz entrar na villa até chegar to & Alicas
da a gente,que atraz ficava. mali,
Em quanto o Infante andavaoccupado na guerra de Alentejo com os
Mouros,hū Rey q então era daglla terra ,& o de Caceres & Valeça per no
me Gami,có húirmão feu paſſou o Tejo.E có muita gente qajūtou ,correo
toda a terra,q per aquella parte eſtava pelosChriſtãos ,até chegar a porto
de Môslugar então tinha húbó cavalleiro ,por nomeD.Fuas Roupinho
o qual ſabendo,q aquelle Rey vinha ſobre elle, ſaioſe do caſtello,deixado
nelle gente,ſo podeſfe defender, & alli lho encomendou, qo fizeſſem , ģ
elle ia buſcarlhefoccorro. Alli da banda donde naſce o rio de Porto de
Mòs,ha hűa ferra,q chamão da Mendiga,nella ſe eſcondeo, &mandou co
grande preſla recado aAlcanede,& a Santaré, fazendolhes ſaber da vinda
delRey Gami, & que lhe mandaſfem gente, que com ella eſperava de o
desbaratar. E logo lhe acudio gente no meſmodia,que elRey Gami che
gou ſobre porto de Mós. Como Gami vio o Caſtello tam pequeno ,nam
curou de eſperar mais,mas em chegando o começou a combater. E foyo
combate tam aperfiado dos de fora, & de dentro, que durou até noite com Rey Ga
muitos dos Mouros mortos, & feridos,nað ſem danno dos de dentro. Os mi
do vin
ſobre
Ina ferra eſtavão co D.Fuas Roupinho, vendo o perigo, q corrião os do porto de
caſtello,davaõle preſſa por ihes acudir ,& deſejavão,porq eraõ muitos , de más del
porem mãos aos Mouros .Dom Fuas os deteve,dizendolhes, q ſe não agaf- barata
tafiem,q o deixallem fazer a elle ,gos do caſtello eraõ tais,g'elles ſe defen do per
D. Fuas
derião.Poloq eſperou atè a noite, os Mouros ceſfaſſem do combate, & Roupi.
foſſem repou zar,fabendo, com o quebrantamento do caminho ,& do rñ nko.
H3 baie
CHRONICA
bate,ſe aviao entao de entregarmais ao ſomno, determinando de ante ma
nháa dar nelles,& os tomar de ſobreſalto. E aflio fez,que pela manhaa os
tomou dormindo, & deſcuidados, de lhes de fora poder vir damno. E por
o lugar em que eltavam,fer eſtreito,por ſer entre o rio & o caſtello, foy
azo,de os poderem mais facilmentematar, & ferir & prender, ſem ſe poa
derem valer. El-Rey Gami & ſeu irmam foram prefos. Os quaes com
outros cinquoenta priſioneiros dos mais honrados, Dom Fuas levou de
preſente a el-Rey Dom Afonſo Henriquez, que eſtava em Coimbra, que
com a vinda de Dom Fuas,& dos que com elle forað foi mui ledo, & The
fez muitas merces .
Neſte tempo ğ D. Fuas Roupinho foi a Coimbra, veyo de Liſboa re
Armada cado a el-Rey,como certo Capitam Mouro com nove Galèsfazia muytos
dc Mou- damnos naquella coſta. Polo que mandou Dom Fuas a Lisboa com reca
ros deſ do a ſeus officiaes,l he deſſem armada baſtente para o ir buſcar, Dom Fu
barntada
por Do as foi ao rio de Setuval,dondeelles ja vinham para eſtorvarem a ſaida de
- Fuas Dom Fuas. Os quas em dobrando o cabo de Eſpichel, ſe encontraram
Roupa com ellc, & pelejando fortemente,os Mouros foram desbaratados, & to
istas as Gélés tomadas.O que foi a quinze de Julio de 1184. Eſte bom
NI fuccello de Dom Fuas foi cauſade outro muito mao. Porque nao lem
in de brado dos caſos da fortuna,que nao correm ſempre de humamaneira ,mòr
Chia am guerra naval,ondeo perigo he dobrado, & os acontecimentos
lucis yarios,eſcreveo a el Rey no vas davi& oria das galès,& que os mora
dores de Lisboa eſtavam muito deſejoſos de per mar fazerem guerra aos
11.11r0s,& que ſe elle ouveſſe por ſeu ſerviço,o ſerveria niſſo. A el-Rey ap
facuve, & lhe mandou dar hiuma boa armada, de que o fez Almirante, D :
Puas correo a coſta do Algarve,& dahi foi ao porto de Septa, onde tomou
muitas fuſtas & navios de Mouros,& deſpois de hi eſtar dous dias, ſe tor
nou a Lisboa mui contente,Dahi a tresmeſes com gráde alvoroço tornou
outra vez ir ao eſtreito,cuidando trazer outra preſa.Os Mouros que fica
rain afrontados da primeira ſua ida, para não receberem mais damno, mas
vingarem o recebido, mandaram recado a todolos lugares de Mouros, affi
de Africa, comoda banda de Heſpanha,pedindolhe te ajuntaſſem para ef
perar a armada de Portugal,de que ajuntaram cinquoenta & quatro ga
lés,que ellavam no porto de Septa quando Dom Fuas entrou pelo er
treito com vento forçoſo,que os fez correrde longo co as galès dos Mou
ros . Polo que lhes foi neceſſario pelejar. E por os Mouros ſerem muy
tos mais em numero, os Portugueſes foram vencidos , & desbaratados, &
muitos mortos, & entre elles Dom Fuas Roupinho. O que foi em 17 de
Outubro de 118 4 .
O Miramolim de Marrocos Aben Jacob ſegundoRey dos Almohades,
& filho de Abdelmon, vendo o grande eſtrago q elRey D. A fonſo Hen
riquez & o Infante Dom Sancho ſeu filho tinhão feito nos Mouros, & as
muitos
1
1
DELREY D. AFONSO HENRIQVEZ 45
muitas terras que lhes tomâraó, & às que lhes pertendião tomar.E movido
de muitos queixumes,que lhes cada dia ſobre eſſe cazo os Mouros faziam,
determinou de fazer guerra a Portugal, & vir a illo em peſſoa. Polo que a
juncou muitas gentes de aquem & de alem -mar,que dizem ſer tantas, qua
tas nunca de Mouros forao juntas,para entrar em Porrugal. Entre elles
sinha Albojaque Rey de Sevilha, & elRey Abbohazi, & outros Reys
Mouros,queper todos eraõ treze. E paſſando o rio,dia de S.João Bautiſta
daquelle anno de 1184.Neſſe meſino dia foráo ſobre o Caſtello de Tor
resNovas,& o deſtruirao. A ſegunda feira vieraó por ſeu arrayal em hun ANNO
monte,quechamão de Pompeyo.E á Terça ſe ajuntarað todos na Redi . 1 1 8 4.
nha.A Qnarta affentarao na Horta lagoa.Quinta feira,que foi veſpora de
S. Pedropela manháa abalou o Miramolim com toda ſua gente, & chegou Miramo
a Santarem . Nelta villa eſtava o Infante D.Sancho deſque viera de Beja. lim de
E como ſoube da vinda de Miramolim,bem entendeo,que o veria buſcar. Marro
E por não tercóligo tanta gente com que ſe pudeſſe defender,& naquel cos com
le tempo a villa nao ter mais cerca,que a Alcaceva pela torre de Alfam ,atè Mo
13.Reys
uros
Alfange,deſpois de guarnecer os muros ,& ordenar o neceſſario pera a de
veyo Có
fenfab,tomou húa parte do arrabalde, & mandou -o cercar decubas & pa. tra San
lanques, & alguns lugares em que pudeſſe eſtar para defender a entrada buſ
taremcar ao
mandando pera mais ſeguridade derribar as caſas ao redor. Feito iſto, re Infante
partio ſua gente pelos palanques, & elle ſe poż onde a preſſa avía de fer D.San
mayor.Comoo Miramolim chegou, ſabendo queo Infante o eſperava na cho.
quelle palanque, o tomou por deſprezo, & mandou dar às trombetas, &
mover a gente pera o combater .Foio combate muy pelejado, & tam bra
voque de húa parte & outra ouve muitos mortos & feridos, atè a noite ,
os partio. Eſte trabalho ſofrerão cinco dias, porque como os Mouros eraõ
tantos,renovavaoſe cada vez muitos ao combate deſde pela manhaá atê
noite:EIRey Dom Afonſo Henriquež quando ſoube, que o Miramolim
vinha ſobre o Infante ſeu filho,ajuntou a gente que pode. E veyo ao ſo
correr tanto a preſſa, ſendo elle entam ja de go annos , que aos tres dias
que o Miramolim era em Santarem ,eſtava elle em Porto de mòs. Os Mou
ros,ainda que ſouberaó de ſua vinda,não deixaram de perſeverar nos co
hates coin mais fervor cada dia, como ſempre fazião. Ao quinto dia eſta
va o Infante & os ſeus em tanto aperto ,que o palanque foitoto për ala
gemas partes , & muitos dos Chriſtãos mortos & feridos, & o Infante tam
hem ferido.Mas com tudo aquelle dia fe defenderam com grande animo
ģ naő forað entrados.E ja nao tinha modo algum de defenſam ,ſenain des
ſempararem o palanque,& acolheremſe à cerca. Mas vindo novas aos
Mouros neſte tempo,de el-Rey Dom Afonſo que vinha perto poſeram
tanto receo nelles, quecomeçaram perder o coraçao & delenpararem os
combates. E poucos & poucos ſe foraő ,como desbaratados . Quando os
Chriſtãos viraó, que os arrayaes dos Mouros ſe movião , & partião dende
H4 cilavas
-
CHRONICA
eſtavão,ſaio contra elles a gente de pè,& os Mouros ſe afaſtárað peraoons
de chamao monte do Abbade.Niſto começou apparecer elRey D. Afons
ſo com ſua gente,de que o Infante & os ſeus foraómuy ledos, & logo fe
puſerað todos a cavallo.E juntos com os delRey,deraó nos Mouros,fazés
do nelles grande matança,de que morreo grande partedos nobres,& ens
tre elles alguns daquelles Reys. O Miramolim foi mui ferido , & de feridas
Miramo mortacs,de que dahi a poucos dias morreo. Forao desbaratados os Mou.
lim &os ros com o favor delRey D. Afonſo Henriquez,que nao pareceo ,ſenão com
ſeus Re
mo Sol , que em apparecendo desfaz logo todas as nuvēs, tanto pode a au
ysMou- thoridade & diſciplina de hum bom capitão, & muy ledos elRey & 01:1
barata fante ſe tornarað . No arrayal dos Mouros acháraõ grandes deſpojos de
dos per ouro ,prata , & tendas armadas,& grande numero de cavallos, & camelos.
el-Rey Com todas eſtas couſas , & muytos cativos,entrarað triunfando na villa, &
Dom A- dando muytas graças a Deos.Eſte foio derradeiro feito em armas,que el
Henria Rey D.Afonfo Henriqucz fez,ſendojà de noventa annos, & em que nama
quez . moſtrou menos força de animo & braço, que quandoera mancebo. Final
mente cſta foi a mayor vi& oria dequantas ouve, aſli por a infinita multi
dão de Mouros,que com aquelles trezeReys vinhão,como por a feroci
dade daquellas gentes tam varias,& bellicoſas, & coſtumadas a tantas vic
torias,que ouvèrao na Aſia,Africa,& Europa,como por a pouca gente, 6
o Infante tinha, & a pouca que elRey trouve, vindo com a preſſa com que
acodio a ſeu filho,quenem os de ſua caſa poderia trazer todos.
Eſcreveſe daquellesMouros que eſcaparaő, que indo de caminho, pl
{ eraocerco ſobre o caſtello deAlanquer, & eſtiveraõ nelle alguns diasſemn
o poderem tomar , & dalli foraõ à Ruda, & a deſtruirao toda por terra,& da
hiaTorres-Vedras,que tambem tiverao em cerco alguns dias em vão.E 20
Morte paſſar do Tejo morreo o Miramolim das feridas que ouve na batalha de
de Mi Santarem .
ramolim
He couſa para ſe muyto ſentir, vivendo elRey D. Afonſo Henriquez
das fcri- mais que nenhum Rey de Heſpanha, & andando quaſitodaa vida com as
houye armas às coſtas , & tendo tanta materia em que as exercitafle, como foram
em San- tantos inimigos da Fè feus viſinhos Reyspotentiffinos emHeſpanha, &
tarem. outros, que de Africa o vinhao buſcar, & avendo delles tantas victorias,
deſpojandoos de tantas villas,& cidades,quantas avía de Coimbra para es
ſta parte de Alentejo & eſtremadura,nam temos mais informação, que a
que ouviſtes,avendo materia para delle & dos cavalleiros de feu tempo, q
forao muytos, & tam famoſos,fe poderem compor muitos livros.E para 4
ſe veja,o que de todos ſe pudera dizer,dirci sò de hum ,que o achei eſcrito
emhúaantiga lembrança; não o que fez em os muitosannos que viveo,
- "
ſenão o que fezo derradeiro dia de ſua vida, & na derradeira hora della,
Efte era hum Gdalgo per nome D. Gonçalo Mendez de Amaya, a quem
chamavão o Lidador,genro dc Egas Moniz,que cazou com ſuafilha Dona
or Lian
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ. 47
Lianor Viegas.Era eſte cavalleiro, ſegundo ſe eſcreve delle, de tanta for. Gócalo
ça,que não avia armadura porforte que foſſe,que elle não quebraffe,ferin- Mendez
do a quem a trazia,ou metendolha pelo corpo.Polo que atè idade de 95. de emhú Ama.
annos,a que chegou ,exercitava com o meſmo esforço as armas,como qua- ya
dia ven
do eramancebo. E fendo elle Adiantado delRey D. Afonſo Henriquez ceo duas
contra os Mouros ,aconteceo ,indo a correr a terra junto com Beja ,aver du batalhas
as batalhas em hum meſmo dia,em que foi vencedor,& acabou em ſeu of- contra
ficiode Lidador,como ſe chamava.A primeira baralha foi că aquelle Al-dousRe
boleinar,grandecapitão,naqual ſe encontràraõ ambos das lanças có tan - ros.
ys Mou .
ta furia,que juntamente vieraõ a terra.Na qual preffa Alboleimar foi foc
corrido dos feus Mouros, & D. Gonçalo Mendez de ſeus cunhados filhos
de D.Egas Moniz,que com elle hjão, & o puzeraó a cavallo, ficando poré
ambos feridos de feridas mortaes,& dos Mouros muitos mortos, & todos
desbaracados. Mas recolhendoſe D.Gonçalo Mendez muy contente com
a victoria de tantos & tais inimigos,nao ſabendo quam mal hia, viráo vir
à preſſa por hum eſpaçoſo campo a Aliboacem Rey de Tangere com mil
homens de cavallo,que paſſara o mar, pera cobrar o caſtello de Mertola,
com que hum ſeu tio ſe levantàra. Eſte Aliboacem tendo novas que Al
i boleimar hia em buſca dos Chriſtãos, para lhesdar batalha,ſe levantou em
rompendo a alva,deſejando de ſe achar nella, & o ajudar. O que ſabendo
; D. Gonçalo Mendez,& vendo o perigo em que eſtava, por as feridas mor
taes que trazia,fallou a todos os fidalgos que com elle hiáo,que por quan
toelle eſtava tam malferido das feridas que lhe dera Alboleimar, de que
fe lhe hia muyco ſangue, & porque as forças lhe hião fallecendo, pera fofo
frer o pezo da batalha,lhes pedia,que ſe elle nella deſapareceffe,ficaffe D
Egas de Souſa feu genro, queera de grande ſangue, & de grande bondade,
em ſeu lugar. Os fidalgos lhe reſponderao, que Deos o livraria daquelle
perigo:& queſe tal couſa aconteceffe, que elles fariao ,o que lhes elleman
dava.Mas mudandoſe a Dom Gonçalo Mendez a cor do roſto, & entene
dendo todos ſua fraqueza,que elle encubria, hum Dom Afonſo de Amigi
deconigo de Baiam, lhe diſſe que ſe deſarmalle, & aſſentaſſe no caminho
que todos morreriam ante elle.A o que Dom Gonçalo reſpondeo , que
Tuoqua Deos quiſeſſe, que elle nao uſaffe de ſua força, em quanto lhe
pudeſſe durar,nem deixar em tanto perigo taes amigos. E em chegandoſe
os Mouros a grande preſſa , & comettendo aos Chriſtãos, como a homens Mòrto
que
ſabiam eſtavaố canſados da primeira batalha com Alboleiinar , difle de Goita
Gonçalo Mendez :Senhores,eſtes Mouros vein a nos com muito grande çaloMé
furia,volvamos a elles.E alli os cometteram os Chriſtaós com grande ani- dez de
mo. Nos primeiros encontros cahio Dom Gonçalo Mendez do cavallo Amaya
como quem eſtava já ſem força,por o muito ſangue que perdera. Os fidal- das feri.
gos queeram muito ſeus amigos,& eſtremados em bondade,vendo cahi- das wafe
do feu capitam,& deſejando de o vingar, fizeram proezas nunqua viſtas. Calha,
Porque
CHRONICA
Porque ſendo em pouco numero,vencerao todosaquelles Moutos,fican
do porem no campo mortos a quarta parte dos Chriſtãos,entre os quaes
achårað morto a Gonçalo Mendez de Amaya.O qual com muytas lagry
mas & triſteza os fidalgos levarão honradamente, & lhe deraõ ſepultura,
eſpantandofe das chagas,que lhe virao ,quepor ſerem grandes,& em laga
res que as faziãomortaes,pareciacouſa maravilhoſa, bum homem de canta
idade poderlhe durar a força tanto, Delle não ficáraó mais q duas filhas
.f. D.Gontinha Gonçalvez, que foi a mulher de D.Egas Gomez de Souſa
& Moninha Gonçalvez ,que caſou com Dom Rodrigo Fuguuz de Tral
tamara . Os fidalgos que neſtas batalhas ſeacharam ,& que muito acom
Cavallei panhavam aGonçalo Mendez,& o ſeguiam por ſeu grande esforço , &
ros esfortliſciplina militar,& de que deſcendem muitas familias nobres de Portu
çados ý galera Dom Gomez Pães da Sylva,Dom Egas Gomez de Souſa, Dom
na guer: Godinho Fafes.Dom Mein Fernandez de Bargança.Dom Sancho Nunez
sa tegu D.AlvaroRodriguez deGuzmão,Dom EgasPirezCornel.Dom Go
Gonçal. mez Mendez Gedeam. Dom Sueiro Aires de Valladares. Dom Reiman
lo Men- Garfia de Porto carreiro .Dom Nuno Soarez. Dom Moço Viegas. Dom
dez da Monido Viegas.Dom Gonçalo Vaſquez.Dom Ligel de Flandres, que era
Amaya. Alcaide mór de Lisboa . Dom Fernaõ Mendez deGuindar.D . Payo Go
dijs. D. Ero Mendez de Molles. D. Payo Soares C apata. D. Mem Mo
niz.Dom Pero Paez Eſcacha,Dom Abaia,Dom Payo Delgado.
Quando el Rey Dom Afonſo tomou a cidade de Evora, por ſer terra
tam grande & abaſtada,& ficuada em parte donde commodamente podia
Ordem
dc Sam
guerrear aos Mouros, fundou nella huma milicia da ordem de Sam Bento
Bento,a quele a mais antiga,que ha em Heſpanha,que ſe veyo ſubjeitara ordem
agora de Calatrava. A qual ordem foi confirmadaper o Papa Innocencio 3. 10
chamam anno de 1204. ſendo ja fallecido el-Rey Dom Afonlo, & reinando Dom
de Avis, Sancho feu filho. A habitaçam dos cavalleiros era junto da Sé,onde ágora
inſtitui
da cl chamam a Freiria, que he hum bairro habitado de conegos. A Igreja em
Rey D.que le celebravam osofficios divinos,era a ermida pe Sam Miguel junta
Afonfo ao caſtello antigo da cidade, queſe desfez,que agora eſta junto com o col
Henri- legio do Eſpirito Santo dos padres da companhia de IESV. Eftes caval
quez . leiros ſe chamavao entam Freires ao modo Frances. Delles ou ve em Evo
Ordem ra fomente tres Meſtres. O primeiro foi Dom frey Fernando Roiz Mon
de Avis teiro, a quem el-Rey Dom Afonſo Henriquez deu Mafora , quando a to
mais an- mou aos Mouros. O ſegundo D. frey Gonçalo Viegas, filho de Dom E
tiga de gas Moniz , O terceiro Dom Pedre Anes,em cujo tempo ſe pafiou para
todas as Avis,reinando ja Dom Afonſo 3. Deſpois( como ſe dirà a diante) foie
ordés de
xempta da ſubjeiçam domeſtrede Clatrava no tempo del-Rey D.Ioami:
Herpas porque até entan era viſitada pelos Meſtres daquella ordem de Caſtella.
mli.
E coino el-Rey Don Afonſo Henriquez era amigo de cavalleijos , erao
muito mais de cavalleiros de ordens,porelle fer Princepe pio,& religio
10. Po
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ . 48
o.Polo que tambem deu muitas dadivas & terras em ſeu Reyno à ordem
los cavalleiros do Templo , & aos do Hoſpital de S. loão de leruſalem ,a ģ
fez doação de oitenta mil dinheiros de ouro para ſe comprar tanta renda
com que ſe pudeſſe dar cada dia a todos os enfermos do Hoſpital da ſanta
cidade mantimento de pam, & vinho para ſempre.
AsIgrejas & Moſteiros,quede ſua fazenda fundou, & edificou,dizem, Igrejas
que forað 150.Entre as quaes edificou o grande & real Moſteiro de Santa & More
Cruz de Coimbra, a que elle teve ſempre grande devação, porque nelle teiros ģ
converſou na vida,& fe mandoj ſepulcar na morte,& a que deu tancas ren -fundou
Rey
das & valfallos,que os reſiduos,que ſobejão do gaſto dos Religioſos refor elD Afo .
rados,lao muitos mil cruzados, que ſe applicàrao à Vniverſidade de Co - To Hens
imbra,com que oje he a mais rica de Heſpanha.Edificou tambem o gran- riquez.
de Moſteiro de Alcobaça,a que deu tantas terras,como já diſſemos, pro
mettera quando foi ſobre Santarem,que em riqueza & grandeza he hum roMoſteis ris
Los grandes da Chriſtandade, & onde ouve jà tātos frades,quedizião nelle quilli
as horas perennes , que eraõ todas as horas do dia , & da noite eſtarem os mos, &
frades no Coro cançando ſem ceffar,ſaindo huns, & entrando outros . Edi- grandes.
ficou tambem o nobre Moſteiro de S. Vicente de Lisboa,a que deu muita
renda , Por a qual razãobe de crer que Deos lhe dava tantas viđorias.Nas Horas
quaesobras fua molher o imitou ,que deſua fazendaedificou outras comoperénes
forão algúas na cidade do Porto & Moſteiro de Leça hũa legoa da meſ vão em
ma cidade,& o Moſteiro da Coſta de Guimaraens,que agora he de frades o Mof
leronymos,S.Pedro deRates ,S.Maria deAgoas fantas,S.Maria dosGoyos,teiro de
& outras caſas, & hoſpitaes.E entre outras obras deixou réda perpetua para ça.
aver húa barca em Meijãofrio ſobre o Douro para paſſar de graça a todos
os paſſageiros.E em hús paços,que dizem ģ fez em Canavezes,para pouſar Rainha
es diasĝ ahi eſteve,mandou fazer a ponte ſobre Tamaga,fundou hú Hof- D. Ma
pital,a que deixou muitos bens & dereitos reaes, que ella tinha naquella falda fum
comarca.E outrasmuytas obras pias,que não vierao â noſſa noticia. O que cosMos
tudo ſe deve ateribuir à piedade & devação delRey ſeu marido. Cuja reſteiros,
ligião foi tanta,que o tempo que reſidia em Coimbra, eſtava comoosou- Igrejas,
tros Religioſos ſempre nos officios divinos. Para o que diſcingia a eſpada a & Hof
hua certa porta per ondeentrava à Igreja,queoje em dia os frades de fan -pitaes.
ta Cruz chamávao a porta de eſpada cinta,porque nella a tirava,& à faida
a tornava a cingir .
Foy elRey deſua peſſoa muy fermoſo & bem compoſto, & que com Feiçoes
muita ſerenidade quetinha,reprezentava búa bravura ,que convinha a hú delRey
grande capitão,queavia de ſer cerror dos Mouros. Por luas muytas virtu- D.Afor .
des,liberalidade, & juſtiça, era muy amado,& muy venerado dos ſeus, & fo Hen
muyto timidodosinimigos. Era tám confiado de fi, que (como ſe eſcreve riqueza
de Scipião Africano )o que elle determinava de fazer dava por acabado,
como lhe aconteceo em Santarem,onde diffc no dia de antes,que ao outro
dia
CHRONICA
diactariam dentro na villa,levando conſigo tam poucos, & indo a fazei
Coſtu-, hun feito de furto & ſalto.Em magnanimidade & fortaleza de braço, por
mncs, & dia contender com qualquer dos maiores capitaens dos antigos. Foi tam
esforço grande cortador de eſpada, que na batalha onde elle entrava, fazia fem
DAFA pre campo largo. Mandouſe ſepultar em fanta Cruz em huma cappella,
te Hen- que para ſi fez,donde elRey Dom Manuel o mandou tirar a elle & ael
riquez. Rey Dom Sancho ſeu filho & paſſar â cappella mór a humas nobres fer
pulturas,que de pedra branca lhes mandou fazer.Na qual trasladaçam te
Sepul-
tura.
vio ſeu corpo inteiro.Por a muita devaçao & affeiçam que tive àquello
fanto Rey,de que ouvira grandes couſas fendo eu eſtudante em Coimbra
alcancei com minha deligencia,aſli dos padres antigos,que foraó de ſanta
Santida- Cruz,como da gente da cidade,muytascouſas & milagres, que eu tenho.
de,& mi Polo que me eſpantei,os Reys ſeusdeſcendentes nao tratarem de o canos
lagres nizar. O que creo cauſarað ás calunnias & blasfemias que delle & da Ra
D.Afon inha ſua máy deixâraõ em memoria. Quando entrava nas batalhas veſtir
To Hen- ſobre as armas húa ſobreveſte,ou cota de armas, que me diſſerað homés an
riqueż. tigos , que a viraó , fer de hollanda, & guarnecida de hũa franja de ſeda
verde, com as a rinas Reais na dianteira, & coſtas della. A qual ſe tinha
en tanta eſtima,como de hua precioſa reliquia,por ſer daquelle
Refóſanto, & que asmulheres daquella cidade,q eſtavão de
parto, & padeciaotrabalho,amandàvaõ pedir, & logo
em ſe cobrindo co ella ſe viaõ livres. Aqual em hú
incendio que ouve na Sancriſtia do Moſteiro
{ e queimou com grande pezar das mulhe
res da cidade. Falleceo ſendo de
91. annos em Coimbra no
anno de 1185
CHRO
.
49
CHRONICA
DEL-RE Y DOM SANCHO
O Primeiro dos Reys de Portugal. O II.
Reformada pelo Lrecenciado DVARTE NUNES DO LIAM,
Deſembargador da Caſa da Supplicação.
RA o Infante Dom Sancho de 32. annos ao tempo que
ſeu pai el-Rey Dom Afonſo Henriquez falleceo E ao ter
E ceiro dia ſeguinte apos ſua morte,foia levantado em Con
imbra por Rey. O que foi a 9 de Dezembro no anno de
1185.E como naquelle tempo quaſi todo Portugal clia
ya cobrado dosMouros, vendoſe o novo Rey en paz, en
tendia no bom governo de feus Reynos.E afli pera engroſſar a terra,como
pera que oshomés nao ſe deſfem a vicios,eſtandoociòſos, & viveflem por Rey D.
Sancho
ſcu trabalho,fez romper muitos mattos, & lavrar muitas terras, & cultivá
las conforme aquillo pera q eraõ,dandoas & aforandoas, & fazêdo muytos 01.porg
razam
favores,aos q mais bemfeitorias fizeſſem . Polo que coin razaõ lhe chainá- Thecha.
vão Lavrador. E porque muitos lugares, dos dos Mouros ſe ganháram , mam lác
eſtavao desbaratados ,& outros de todo por clles deſtroidos , & feitosher- Vrador
mos, reedificou oscahidos,& os povoou, & lhesdeu povos foraes,como foSepova
raó as villas de Valhelhas, Penamacor,Sortelha, Bragança,Sea,Gouvea ,Pe
nella, Figueiró,Covilhãa,Folgoſinho ,a cidade da Guarda. E de novo fun- Ordens
dou Monte mór o novo ,&i a villa de Valença ;rcedificou Torres Novas, & de Sátia
50is& adem
ennobreceo a cidade de Viſeu,& a villa de Pinhol, Poio que tambem lhe Av
chamavão o Povoador.Ampliou o Meſtrado de Santiago,ſendo emtað in pliadas
friquido novamente em Caſtella, & Melire D. Sancho Fernandez Tercei per el
to em ordem , & lhe deu as villas de Alcacere do Sal, Palmella, Almada, Rey D.
Arruda.E a ordem da Freiria de Evora,que deſpoisde fe paſſar à villa de Sancho.
Avis,fe chamou daquellenome,deu Valhelbas,Alcanhede,Alpedriz, lu- ANNO
sumenha,ſendoMeſtre D.Gonçalo Viegasfilho de D. EgasMoniz.E41 187
ordem do Templo deu a cidade de Idanha. Ierufalé
| Neſias obras le ocupavaelRey D.Sancho no tempo q nao tinha guerras tomacia
con Mouros. E ſendo no anno de 1187. tomada a fanta cidade de Ieru- aosCliri
falem ,pelo Soldað Saladino ,com grande eſtrago de gente Chriſtă a,o Papa (táos per
Vrbano lll.que entað preſidia na Igreja de Deos , entre os mais Roy's Chi Suladi.
Nãos,lhe handou requerer,que aquelle fervor,com o ſeu pay.& elle por no Soi.
dar de
ſeguiràū os ſequazes daley de Mafamede ,o quizelle agora moſtrar má có Babilon
quitta da ſancta cidade,que com tanto oppr
1
obrio dos Princeses Chriſtãos
, nis.
lhe
CHRONICA
The tiràrao das mãos ,por a diſcordia delles. E q agoraem cõcordia ſe avia
de arar com os mais,pera vingar tamanha offenſa de Deos & da Religia
að Chriſtãa.Eſta empreza aceitára elRey ,& a acomettera,ſem fer requeri
do, porſeu esforço & religião, ſe ospovos lho naðcontradillerað. Porque
Portu lhepuferao diante o grande perigo em ý ſe punhãoascouſas de Heſpa
guetes nha,avendo aindanella tantos Mouros, & nas partes vizinhas de Africa,
não con-donde ſaiaõ cada dia com grandes exercitos,& vinhão contraosChriſtãos.
fentem Eğle ajudaſſe a cerrar húa porta às guerras de Aſia,abria muitas às de Eu
ý elRey ropa,em grande dáno da Chriſtandade. Polo q elRey fe madou eſcufar ao
* vàáguer Papa portaes & tað juſtas razoés,q do S.Padre, & doCollegio dosCarde
ra fanta aes forað bem aceitas, & louvadas,& o conſelho q elRey nilo tomára. E
& deixe ſendo elRey muy triſte ,porſe naó poder achar com outros Princepes em
a domé- tão fanta obra,&honroſa conquiſta,fatisfezem parte a falta de não ir em
ſtica.
peſſoa,có mandar grandes ajudas de dinheiro a Ieruſalé,pera aquella guer
ra . E pera o foccorro ſer mais perpetuo ,deu muitas villas & terras às novas
Ordens ordés do Teplo,& do Hoſpital de S.loão;cujas rendas ſe arrecadavão pe
doTem- los Meſtres, & Priores, 5 daquellas ordens pelo Reino eraodeputados. E
plo &do quanto mayor foi o impedimento,q feus vallallos lhe poſerao,a ir a guerra
Hoſpital de ultra mar,tanto mayor foi o deſejo, q lhe creſceo, de fazer guerra aos
amplias Mouros,pornãoparecer,ộ buſcava ocio em tempo, tantosPrincepes pem
daspor lejavaofora de ſuasterras, por exalſamento da Fé deChriſto. Polo que
D.Sácho logo levantou as tregoas,quecom os Mouros tinha aſſentadas,& correo,
deſtruhio muitas terras da fronteira da Andaluzia,
Naquelle teinpo correndo o anno de 1188. entre muytas gentes, gre
ANNO de toda a Chriſtandade hiao á conquiſta da terra ſanta, forao certos ſenho
1188 .
res principais de Dinamarca ;Phriſia,Hollanda & Flandres em hűafroita
1
de cincoenta & tres naos.E ſegundo Nicolao Gilè nosannaes de França,
era de oitenta & fere.f. cincoenta de Dinamarca , Phriſia, & Hollanda, &
trinta & fete de Flandres. Aos quais no mar de Heſpanha ſuccedeo huma
tao grande tormenta,que os deitou no porto de Lisboa.ElRey D. Sancho
que entao eſtava em Santarem,ſabendo da vinda daquellas gétes, & de ſua
tenção, veyo a Lisboa,& os mandou agaſalhar & honrar, & provelos de
mantiméros & refreſcos neceſarios. E porğ os tépos a corrião,eraó contra
rios a ſua navegação, & naó podiao ſair do porco,comunicou com os Ca
pitaés delles,ģpois ſeu propoſito & voto q fizeraó, era de ſervir a Deos
contra infieis, a em Portugalpodiao empregar ſeus deſejos,& pera ahi có
mutar ſeus votos.E para cfte fio, parecia, Deospermitrira ſua tardança
naquelle porto.Porg tinh: Mouros algús lugares tomados , em grande
dano & perigo dosChriſtãos,a cada dia dallà acometiao, & em hum
deſtes devịað logo de ir provar fuas forças. Os cavalleiros eſtrāgeiros apro
våraó o conſelho delRey.E tratando do lugar a que deviaõ ir nað ſe achou
outro, pera q nais razoés ouveſſe g a cidade de Sylves ro Reyno do Al
garve,
DELREY D. SANCHO O PRIMEIRO , 50
garve,queera hum lugar na coſta do mar,em que os inimigos & coffarios
tinhão grande acolheita,& nelleachavao muytas proviſoēs,pera poderem
fair, a fazer ſuas preſas nos Chriſtãos.Aoseſtrāgeiros pareceo bé a determi
naçao delRey, & logo ſe concertàrao, dandolhes Deos a cidade em ſeu
poder,elReya ouveſſe com feu ſenhorio , &que có elles ficaſſe o deſpojo
todo,que fe nella tomaſſe.Entre tanto mandou elRey ao Conde D. Men
do de Soufa, ou Souſao, como entao diziaó,que foffe por terra co o gente
LE
g eſtava preſtes, &oseſtrangeiros foſſem pormar.
Chegando os da frota eltrangeira a hủ porrojuntoa Sylves, pozerão
fua gente em terra,& affentârao ſeu cerco.O conde D.Mendo, como prus
dente capitao que era,lhes diſſe,queo melhor meyo, que avia pera por
pavor nos Mouros,& fazerlhes enfraquecer as forças,era ſem mais dilação
darlhe logo cõbate.E codos de hú acordo lho deraó mui rijo,& apreſſado,
& por força entràraó os arrabaldes da cidade,q erão cercados.OsMouros
deixando muitos dos ſeus mortos & feridos,ſe recolherão à cerca. A qual
fora dos Chriſtáos entrada,ſe os eſtrangeiros ſe não occupáraó em roubar
a preza & deſpojo dos Mouros,em quemoſtràrao tanta cobiça ,ou enveja,
que ao que não podiao tomar punhão o fogo,poroutros ſe não aprovei
sarem do que elles nao podiaó gozar.
ElRey D. Sancho entre tanto ficavaajuntando & apurando ſua gěte, &
com a melhor ſe foi por terra a Sylves,& a outra mandou por mar em húa
frotta de 40.galès,& galeotas,& muitos outros navios carregados de mu
niçoes & mantimétos, & o mais que compria pera ocerco, & chegou à ci
dade.Có cuja vinda forao os Chriſtáos mui alegres,& os Mouros muy tri
ktes.E logo elRey mandou armar os engenhos & maquinas ao redor da ci- poſt
Cerco
o à
dade,& repartioos cõbates,& a gente em ſeuslugares, & começaraó a co cidade
bater:Os Mouros como homës ,q nao eſperavão falvação, pelejavão & fe de Syl
defendião de maneira , 4včdo elRey as nuvés de ſértas,ě chovião,& as mui vesper
tas pedras ,q dos muros lançavão ,mandou aos ſeus,q ſe afaſtaſſem .Oseſtră- el-Rey
geiros vēdo tão perigoſos cõbates , determinarao,de por minas ſecretas der cho
D. San
&
focarē osmuros.Mas osMouros entendédo ſeu diſfignio, por veré aflo huma
závão oscóbates ,fizeraõ contraminas nos lugares,onde lhes pareceo, a po- frota de
devião fair os Chriſtãos.Poloſ lhes ſahio vão o trabalho ,& começàrao fa- eſtrágci
zer outras mais altas.Por q os cóbates pera ſe a cidade comar a eſcala vi- tos.
fialbos parecião mui difficultoſos.Masnem por iſſo deixàvão de cohater
por todas as vias.Durava jà o cerco tres ſemanas, & via elRey opouco 7
tinha aproveitado , & muitos mortosdo ſeu arrayal.Mas determinou de o
não levátar ,atè tentar por todas as vias para ſaircó ſua empreſa. E védo ,&
os Mouros tinhão húa couraça de muros mui fortes correjada,por onde le
provião de agoa de hú poço ,que atinha muita & boa,decerminou de por
todas ſuas forças por lha comar . E tantos engenhos buſcàrao de matas cu
bertas ce couio ,co q ſe amparàváo , & tant as maquinas chegàraó aos mu
12 TOS
CHRONICA
ros & eſcalas de que muitas vezes forað lançados, ficando muitos mortos
& feridos,quea couraça ſe tomou,ſobre a qual muitos Mouros micran
muy esforçadamente.
Tomada á couraça,perſeverou elRey em combater a cidade. Mas por
que a conſa hia de vagår.começàraó os eſtrangeirosa anojarſe, coin tama
aha dilaçam , & tomando conſelho com os Sacerdotes,que trazião, ſeram
36.ſe deſiltiriam daquelle cerco, elles por ſerem homens virtuoſos & pi
osos reprehenderam de maneira de fua inconſtancia, que como foy ma
nhấa, le armàraó & com muyta alegria deram hum grande combate à ci
dade.Os Mouros que tomadaa couraça,dentro padeciaámuyta cede, &
neceſſidade,ſem eſperança de ſoccorro,começáraó a cuydar, o modo que
teriaõ deſalvarſe. E alguns vierað a elRey,pedirlhe as vidas,pera fy,def
cobrindolhe as faltas em queos da cidade eſtavaö , & os muytos que jà mor
rião de ſede. Sendo ja mez & meyo paſſado, que eſtavão ſobre a cidade,
começaraõ os Portugueſes a murmurär, dizendo, o melhor cõſelho feria
pera elRey & pera todos,deixar o cerco, & iremſe, por a grande fortaleza
da cidade & defenſa o que nella achaváo. Mas os eſtrangeiros, ou por terë
o tento na empreſa,q eſperavað,ou por nað ficartal cidade em poder de
infieis,moſtraraðmuyto deſprazer,& differao a elRey, q nao era pera til
Rey,& taes cavalleiros como conſigo tinha,deſiſtir de couſa tambem co
meçada, & em ģcinha porto tanto cuſto de tempo & vidas de muytos.Eq
alem diſlo ſe lembraſſe,do que com elles tratára, & como deixàraó a via
gem & propoſito que levavað,por o ſervir. ElRey folgoude vera tenção
daölla gente , & lha louvou , & lhes prometeo, nunca lhe faltaria de ſua pa
lavra, në te levantaria do cerco,atè elle,ou os inimigos ſeré cõlumidos. Os
eſtrangeiros louvando a coſtancia delRey,entre îi affentàrað, ģ pożeſlem
1
todas ſuas forças em cobrar a cidade. E q eſtiveflem no cerco até hű certo
répo limitado dentro do qual ſe a não tomaſsé a hűs & outros ficaile livre
fem quebra de ſuas verdades, partirëſe delle. E pera mais deſembaraço &
menos culto do exercito,acordàrao ĝ os enfernios , & as molheres,ſefaiſsé
fora do arrayal.E pory eſta gente fazia grande vulto.cuidárão os Mouros;
quado os virao ir,gocerco ſe começaua alevantar.Mas vendo depois gcs
9 ficàvão te fazião mais fortes, entenderão ,g era moſtra de o cerco ſe pro
lógar mais. Neſte tēpo morrião jà muiros dos Mouros de fede, & de outra:
:
neceſlidades; & o fedor dos corpos mortos, ġ ja nao podiaó enterrar,era tá
: 80,qos vivos deſejavao jà a morte. Pelo que vendole ſem eſperăça de mo
lhoria, determinárað, em tantosmales eſcolhero menor,que era perderen
a terra,& as fazendas por aflegurar as vidas. E a rogo de todos os da cida
dejta16 oAlcaide acopanhado de dous Mouros principais,& có roſtros nvi
qilies vieraõ ante elRey,dizendo ý lhe dariaó a cidade. E que por ſua be
nignidade & clemencia quizeſſe que elles fe ſahiffem com tudo o queti:
abain. ElRey ledo co o offerecimento , & doendoſe como homé da miſeria
daquc
DELREY D. SANCHO O PRIMEIRO . 51
daquelles homés,lho concedera logo ſe o pudera fazer ſem dar conta aos
elirangeiros.Elles movidos da cobiça,& crueldade barbara, que he natu*
sala algúas daquellas gentes Septentrionaes,não quizerao conſentir, ſ os
Mouros ſe comaſſem a partido.Mas que poſto a parte todo perigo, 5 po
delle acontecer ,as Mouros todos morreſſem ſem delles ficar algù vivo.El
Rey,que de ſua natureza era humano & clemente,avendo miſericordia co
Os Mouros,co brandas palavras inſiſtio tanto, g mitigou os animos daqlles
honės,& acabou co elles que aos Mouros ſe deſfem as vidas,& q fòmente
citaffem asmais vàs roupas,com ğ ſahirão veſtidos, & aflifez, queoseſtran- Sylves
geiros da frorta ouverað todas as riquezas,quelhesforaőachadas, & com foitoma
ellas ſe forao contentes ſeguindo ſua viagein.E a elRey ficou a cidade de da zos
Sylves . O que foi ſegundo as eſcripturas dePortugal no anno de 1189 Mouros
8 ſegundo os annaes de França no anno de 1188 .
Nomeſmo anno de 1189.0 Miramolim Aben luſeph Terceiro Rey dos ANNO
Alnocades,irmão de Miramolim Aben Iacob ,que morreo junto do Tejo 1189 .
cuando foi de Santarem com grandes companhias de Mouros de Africa,
& deHeſpanha,entre os quaes vinhão os Reys de Cordova , & Sevilha,en
trou em Portugal por tres partes. ElRey de Sevilha pelo Algarve O qual
deſpois decorrer & deſtruir a terra,poz cerco á cidade de Sylves, que avia
pouco fora tomada aos Mouros. O Miramolim entrou por cima de Gua Miramo
diana & paſſou o Tejo. E deſpois de fazer muytos danos, & roubos,foicer lim de
car o caſtello de Torres Novas queſeu irmãodeſtruira &que já eſtava re. Marro
parádo;o qual ſe lhe deu a partido de ſalvar as vidas. ElRey de Cordova cos tor
entrou porAlétejo,& chegando a cidade de Evora ,talhou as vinhas,& o- na fobre
livaes, & arvores de fruto,& queimou os påcs,q ainda não eraõ colhidos.E Sylves.
fazendo muitos danos ſe foi ajūtar có Miramolim , 5 tinha aſſentado ſeu
arrayal junto do Tejo.E por grande mal ſ ao Miramolim deu de fluxo de
entre,ſe partio & fuipelas villas de Tomar, & Abrantes, co tenção de as
tomar. Mas por a preffa da doeça,elle,& elRey de Cordova deixáraó a em
prefa,a g vinhão ,& ſe tornàraó a Sevilha.Eſta deve ſer a grande entrada
dos Mouros ,de que o letreiro da pedra antiga, que eſtá à porta do Convē.
to de Tomar faz menção. A qual diz q forao de cavallo quatrocentos mil.
EiRey de Sevilha ġ andava guerreando no Reyno do Algarve & per
Alentejo , ſabendo que o Miramolim feu irmão era partido com elRey de
Cordova,ſe foi para elles.ERey D.Sancho, como prudente qera, venda '
tantos Reys,& com tað innumeravel multidão de gentes vir contra fy, não
cujou de lhes apreſentar batalha, mas ſoccorrendo onde compria,eſperava
por tempo paralivrar ſua terra de poder de Mouros, & cobrar o que lhe
ainda tinhão de ſua conquiſta,como fez.
Alem deſtas adverſidades de entradas de inimigos, ouve outras muitas,
que deraó a ElRey D. Sancho muito deſcontentamento Porque ouve tað
grandes invernadas algús annos,& tao deſacoſtumadas chuvas,alli pola per
13 ſeverança
CHRONICA
ſeverança, dellas,como pola multidamdas agoas, que ſeperderam as no
vidades de pam ,vinho, azeite, & frutas de todo. Porque o pouco que fica
vao comeo a grande multidam debichos, que nafciam como praga doceo.
A posiſto ſuccedeo'tamanha ſecca & quentura, em tempos de Autumno
& Inverno,que nam podiam os homenscultivar as terras. Com eſtas tro
cas de tempos contra o curſo natural, ſobreveyo grande peſte, principal
mente na terra de San &ta Mariado Biſpado do Porto,de que morreo tan
ta gente,quepovoaçoens grandes ouve;ondenam ficaram vivas tres pel
I
foas. Na terra de Braga adoeciam homens & molheres de doenças detaó
terrivel ardor, & raivoſa quentura,que lhes parecia, que lhes ardiam as
entranhas, & com raiua ſe comiam a ſi meſmos, & morriam fem remedio,
Alem diſlo ouve muitos annos tanta falta de 'mantimentos, que muyta
gente morria, & os que viviam ,ſe foſtentavaõ de ervas do campo, quan
do as achavão.
Paranão faltar eſpecie alguma de ' males,a pos afome & peſte, & gra
Rey de vcs doenças fuccedeo crua guerra.Porqueſabendo el-Rey de Sevilha,que
Sevilha entamera'mui poderoſo, asneſcecidades em que ospovos de Portugal
cerca a ſtavam , & a pouca reſiſtencia que nelles podiaachar,veyo com muyto el
Alcacer
de Sal, trago per onde pallava,poscerco a Alcacere do Sal, queelRey Dom Af
& oto fonſo Henriquez ganhara,& o combateo & tomou . Poloq os moradores
ma. das villas dePalmella,Cezimbra, & Almada, vendo,queAlcacere,que era
Palmela, humna villa tam forte & principal,fora tomada tam ſem reſiſtencia, nem
Almadı
Gezim
ſoccorro, deſconfiados de ſe poderem defender, deſempararam aquelles
bra, le lugares, & ſe foram a outros,ondelhes pareceoeſtariam mais ſeguros. Sa
deſpo bendo el Rey de Sevilha dos deſpojos daquelles caſtellos, veyo aelles, &
5 voảo có os deſtroio até os fundamentos.Deſpois foi ſobre a cidade de Sylves, que
:
medo pouco avia, que el-Rey Dom Sancho lhes tomara, & de tal maneira a cer
dosMou
1
Ios os
cou,& conbateo, quevendoſe os Chriſtãos de muyto tempo cercados, &
deltrui. em muita neceſlidade, & que lhes não vinha ſocorro,deraõ a cidade a par
ram . tido das vidas & fazendas. A eſta neceſlidade nam pode el-Rey DomSão
cho foccorrer,por a guerra em que andava com el-Rey de Liam.Polo que
os Mouros foram ſenhores da cidade de Sylves , atè o tempo del-Rey
Dom Afonſo 3. & neto delRey Dom Sancho, que com muytos lugares
do Reyno do Algarve a tirou da mão delles.Deſtaentrada delRey de Se
villa, reccheo Portugal muito damno.Porque alem de os Mouros levarem
grandes roubos,levaram tambem muitos Chriſtão captivos, que paſſaran
alem do mar. Polo que paradar algun deſcanſo ao povo , que tantos
males padecia, el Rey Don Sancho commetteo tregoas a el Rey de Se
vilha por cinco annos,quepor ſua parte foraő aſſentar hum Pedro Afonſo
& Gil Fernandez feus vallallos.
No meſmo tempo que el Rey Dom Sancho fez tregoas com el Rey
de Sevilha, tinha differenças com el-Rey Dom Afonſo de Liam,& lhe fa
zia guero
DELREY D. SANCHO O PRIMEIRO . 52
zia guerra,& lhe tomou em Galliza a cidade de Tui,& as villas, de Pon- Terras
te Vedra & Sam Paio de Lombeo, & outros lugares, que em ſua vida te- deGali
ve. E deſpois os Reys ſeus ſucceſſores por concertos reſtetuirao ao Rey- Re
za, yq D.
El
ne de Liam. Sancho
Neſtes tempos fando o anno do Senhorde 1198, teve principio a or- I.tomou
dem da Santiſlima Trindade de redempçam de captivos , que foi inſtituida a clRcy
não per homës,ſenam pelo meſino Deos. Os meyos porque a deu & reve- de Lião
lou foi eſte. Em hum lugar erino de França,na terraMeldenſe( que ſe em Orde da
Frances chama Meaux ,& antigamente Meldas, onde o rio Marne divide fantilli
a França da Gallia Belgica ) viviam dous Ermitaons,hum per nome Joam ma Trin
de Mata,outro Felix ,em grande aſpereza de vida & deſprezo das couſas dade in
do mundo. E avendo tres annos que nella perſeveravam com grande odor ſtituida
de fan& idade,que delles ſe derrainou.Tiveram muitas revelaçoens, que por Des OS.
para proſeguir a vida que faziam mais perfeita & feguramente, pedillem
20 ſanto Padre , que entam era Innocencio 3. regra & ordem de viver , &
it foram caminho de Romà,onde antes de chegarem ao Papa , lhe foi a
site revelado pelo eſpirito de Deos da ida daquelles padres ,& deſua pe
tiçaın , Polo que os recebeo & agaſalhou como à homens mandados per
Deos ;& propondo no conſelho dos Cardeaes a revelaçam que tivera , & a
petiçam daquelles ſantos Ermităos lhes encomendou que rogaſſem a Deo
os lhes demoſtraſſe ſua vontade, & que ſe confeſſafTem & poſeſſem em o
raçam . E ao outro dia elle diria miſſa ,em que o pediffe a Deos. Ao ſe
guinte dia,que era de ſanta Ines 28 de İaneiro de 1998. diſſe miffa em S.
Toam de Lateram com aſſiſtencia dos Cardeaes ,& preſença dos Ermitãoš
& ao levantar do corpo do Senhor lhe appareceo hum Anjo veſtido de
branco com huma Cruz nos peitos de vermelho & azul , & com as mãos >
poſtas em cruż tendo em huma dellas hum captivo Chriſtáo ,& ein à oua
tra hum Mouro ,como que trocava hum por outro . Acabada a miſſa cha: ?
mouo Papa ảos Ermitãos, & deſpois de lhes fazer huma larga pratica , os
tekio da maneira que o Anjo lhe appareceo de braneo ,com as Cruzes de
cores, & lhes mandou que ſe chamaffem da ordem da Sanétilina Trindaa
de de redépçao de captivos. Porque para pregar os myſtcrios da fan &tilli
ma Trindade, & remir captivos os chamnara Deos.É no monte Celio em
lama,lhes mandou edificar hum moſteiro. E por eſta ordem ſer revela
dla per Deos,trazem os ſeus eſta letra Hic eftordi approbatus non à Sanelis face
Inicitiisſed a jolo jumine Dio . O fructo que a Portugal reſultou deſta ordem
he muigrande. Porque como os l'ortugueſes trazem guerra perpetua có
o Slouros tem ſempre os religioſos della materia de exercitarem as obras
da redempçam dos que ſe cativavam ,no que tem feito notavel ſerviço
Deos com captivos que reſgatam ,andando por iſſo arriſcados a muitos i
paigos para os contolar,& remir , & fazer com ſuas anoeſtaçoens que eſ
ise firmes na fé,& para as converſoens que fizeram de muitos Mouros &
14 Iude
CHRONICA :
ludeus,a riſco de ſerem martyrizados. Nem ſe deve ter menor fru& o de:
fia ordem as obras de miſericordia, que ſe neſta cidade & em todo o Rey
no fazem por irmandade della, que o M. Fr, Miguel de Contreiras frade
da meſina ordem ,& confeſſor da Rainha Dona Lianor inſtituio de prin
cipio,ſendo elle o autor & executor della. O qual tomou por officio pe
dir per fua propria peſſoa eſmolas para remir os que eraõ captivos , curai
os que crað enfermos, ſoltar os que erao preſos, alimentar os pobres , cas
far asorfaás, foitentar as viuvas,& preſuadir a el-Rey Dom Manuel, que
criaſſe caſas de miſericordia & lhes appropriaffe rendas, & deſſe previle
gios. Por o que he a mais celebre confraria da Chriſtandade. Cujo trasa
lado fam as mais confrarias da miſericordia que ha neſte Reyno, & no co
Algarve, nos lugares de Africa noſlos,nas Ilhas; no Braſil,na India, & em
todos os ſenhorios de Portugal . Para cuja perpetua lembrança nas ban
deiras das confrarias da miſericordia de todas as ditas partes ſe traz a imia
gem de frey Miguel de Contreiras com letras que moſtraó ſer elieo inftits
idor. Polo que com razam ſe pode eſta ordem chramarfabricada per Deos
de cujos religioſos taes obras procedem . Por a ſingular devaçam que a
eſta ſanta ordem tenho, & amizade com muitos padres della, ein virtu
des & em letras inſignes, de que recebo eſpiritual confolaçao, lembrei fó
iſto do muito que ſe della pode dizer.
A EN O Correndo deſpois o anno de 1199. foi aquelle grande & memoravel
I 199 . eclypſe do Sol, que começando entre a ſexta & noa, ſe fez todo negro
como pez ,& de dia mui claro que era,ſe tornou noiteapparecendo a Lua
Eclypſe & as eſtrellas. Por cujo eſpanto os homens & asmolheres de todo eſtado
do Sol cuidando que era o fim doinundo, deixando ſuas cazas & fazenda,ſe aco
(cipanto-
o. Theram as Igrejas querendo nellas acabar. E deſpois que a luz ſe reſtito
io, foy a Lua viſta em ram deſvairadas maneiras, que cauſou outro eſpan
to nað menor. E foy tam grande & defacoſtumado eclypſe,que da hi em
diante como couſa notavel, referiaõ os homens os annos, & conta do tem
po a eſte acontecimento comoſe referia ao naſcimento de noflo Senhor
Iesv Chriſto ,ou à era de Ceſar.
ANNO A poseſte eclypſe no anno ſeguinte de 1200. por grandes & continu
as chuvas,queſobrivieraõ em todos meſes daquelle anno, fenao poderann
1 200. fazer fementeiras,de que veyo huma tam grande fome, que dizem della
Tempe- morrer a terça parte da gente, principalmente no Reyno de Galliza, on
ftades& de ſc deſpovoaraó muytos lugares. E deſteanno atê o de 1206.ouve neſte
jomegrá Reyno no mar & na terra muitas tempeſtades,que cauſaram grades danos,
de ğ ou- afli nas peſſoas como nos navios & mercadorias,& nos gados.
ve em
Portu A derradeira couſa qne el Rey Dom Sancho emprendeo foi no anno
gal. de 1200. em que tomou aosMourosa villa de Elvas,onde ja levava conf
go o Infante D. Afonſo ſeu filho primogenito.
Por eſte tempo florecia o glorioſo S.Domingos de nação Heſpanhol,
natu
DELREY D. SANCHO O PRIMEIRO. 53
natural da villade Calarvega do Biſpado de Oſma, da nobre géraçam dos
Guzmáes,com cuja do& rina & prègaçaro ſe apagou a diabolica ſeca dos
Albigenſes, que naquelle tempo prevalecia na cidade de Albi , de que os
fe& arios tomaram o nome. Dos feitos milagres & proceſſo da vida deſte
1
grande Patriarcha ſe.verà nos muitos eſcriptores, que delle eſcreveram.
Sendo começada eſta ſanta ordem no anno de i 205. em tempo do ſan & o
Pontifice Innocencio 3. veyo a ſer confirmada per o Papa Honorio 3. no
anno de 1.216.- & lhe deu nome de ordem dostrègadores por ſeu inſti
tuto ſer prègar a Fé de Chriſto contra infieis. Deſpois de peregrinar près 1
gando per toda Europa, paſſou eſte bemaventurado Santo na cidade de 1
Eunha a 5 de Agoſto de 1223. E poros milagres que por ſeus mereci
mentos obrava foi canonizado pelo Papa Gregorio 9. no primeiro anno
de ſeu Pontificado , que do naſcimento de noſſo Senhor foi 1227. Eſtá
fanta religiam por os inuitos ſantos & varoens allinalados em virtudes &
letras que nella ouve em todos tempos, & poro grande fructo que na I
greja de Deos fizeram & fazem neſte tempo, veyo a tanto creſcimento
que conta M. Antonio Sabellico nas ſuas Eneadas que eſcreviá em tem
po del-Rey Dom Manuel,& do Pontificado do Papa Alexandre 6. avia
na Chriſtandade 21. provincias,& quatro mil & quarenta & tres mof
teiros, afora os que avia na Armenia, & no Abexim, & em Conſtantinos
pla, & entre infieis, que com os que deſpois accreſceram nas Indias Ori.
entaes & Occidentaes, que he outro novo mundo ,& nas ilhas deſcuber
tas,devem ſer muitos mais de ſeis mil. Por a authoridade deſta grande ora
dem fer tanta em todo o tempo tiveram ſempre os Pontifices hum reli
piolo della por meſtre da Camara Apoſtolica , & os Reys de Caſtella
hum confeffor.
Outrarcluzente eſtrella daquella idade foi o benaventurado San Fră
ciſco, que floreceo em ſantidade,& na maravilhoſa maneira de ſeu viver,
Eta efic Santo natural de Aſſis cidade de Vmbria, que agora chainam ,a
Ducado de Eſpolebo. O ſeu trato era de mercador occupado em garihos
de couſas da terra , que deixou por ganharo ceo, ſem lhe ficar mais do
mundo que o deſprezo delle, & hum habito velho com que cubria fuas
carnes. Com eſta pobreza & fimplicidade de vida ſe determinou ſem man
is letras piégar a Fe deChriſto com dezcios de padecer martyrio por cl
le. O quedo Soldam de Babylonia a que quis prégar nao alcançou. I'or
qt: c eſpantado daquella aſpereza de vida, & deſprezo do mundo, o reces
leo bem . Mis fundolhe intredi&to o prégar,fruſtrado do que eſperava,
ſetornou a Italia ,& com 12. companheiros, que ſe a elle chegarain no
arno de 1209. inſtituio lua ordem, & lhe chamou por humildade, dos 2
ço & obediente a ſua máy ,& tam cheo de charidade , que nao eſperaria D. Fers
preço, por remishum Princepe Chriſtão ſeu parente preſo de 12. annos nando
&couſelRey
a
D.Afonſo de Portugal era tam pouco liberal, que ſenaoſabe nao mor
reo na
que deſſe a ſeus irmãos. Antes ( como em ſua vida eſcrevemos) tra
Dalhou,por tirar aſuas ir nåas, ſendo molheres, o quelhe feu pay deixa- prilamComo os
12. E ao Infante Dom Pedro fez tam pouco,que andou de ſeu Reyno ab-. France
lente nas cortes de outros Reys,como adiante ſedirà. E alli erraó os chro- les eſcre
iltas Franceſes, que dizem, queo Infante D. Fernando morreo na prie veram .
ſam .
CHRONICA
Morte fam . Porque elle foy ſolto, & deſpois de ſua ſoltura fez muytas couſas
do Infá- grandes em armas, em ajuda da Rainha Dona Branca contra Pedro
te D.Fer Duque de Bertanha, & ſeu irmao Roberto Conde deDreux, & Felippe
nādo Có Conde de Bolonha,& outros grandes, que lhe impediam a tutoria de feu
de de
Fladres filho elRey Luis, & governar por eleoReyno.E ledo folto no ano di1227
veyo morrer dahi a 6 annos.f.no de 1233. de dor de pedra na cidade de
Noyon, donde ſeu corpo foy levado ao moſteiro de MarKct, junto de
Lila, ficando o coraçao & os inteſtinos enterrados naigreja de noſſa Sp
nhora da dita cidade,em que falleceo, como moſtram eſtes verſos,que ef
tam em ſua ſepultura.
Fernandi proavos Hiſpania, Flandria,corpus
Cor cam viſceribus cuntinet iste locus.
que querem dizer : Heſpanha tem os avósde Fernando, ſeu corpo Flair
dres,ſeu coraçao & entranhas eſte lugar, Do Infante Dom Fernando n: ő
ficaram filhos, mais que humamenina,que logo apos elle falleceo. Polo
que a Condeſſa loanna ſua molher com dcſejosde haver filhos, que lhe
Tuccedeſſem no cſtado, ſe cazou per conſelho del-Rey Sam Luis de Frana
ça com Thomas irmão do Conde de Saboya,& tio ,ſegundo dizem ,das Rz
Infante
inhas de França,Inglaterra, & Sicilia,que entam eraõ; varão de grande ef
D. Pe
tima, de que tambem nað ouve filhos. E morrendo eſta Condella, foi le
droåg- pultada com o Infante D.Fernandoſeu primeiromarido,no dito Moſtei:
gravado de MarKct.
te foi à Item ,ouve elRey D. Sancho ao Infante D.Pedro, que naſceo no anno
1
corte do de 1187. Ele Princepe ſegundo os annaes de Aragam foi deſterrado, o
limde aggravado deſte Reyno. O queheveriſimilpor a eſteril condiçaõ del Rey
Marro ſeu irmão , & andou na corte de Miramolim de Marrocos, naquelle tempo
COS, em que os cinco frades ſanctos da ordem de Sam Franciſco, forað mart":
rizados, & trouxe le us oſſos a elle Reyno,& os pos no moſteiro de fana .
Frades Cruz de Coimbra, E pola meſma cauza de feu aggravo,ſegundo algum
de Sam
Farncir.
ou ſegundo outros por pertençam , que tinha em certas terras de Aragać,
co marti por parte da RainhaDona Aldonça ſuamay,filhado Princepe D.Ramos
rizados Berenguer, & da Rainha Dona Petronilha,ſe foi à corte del Rey D.12
em Mar mes o Conquiſtador, que era filho del- Rey Dom Pedro o Cachólico, feu
rocos .
primo com irmão, que o recebeo muy bem , & lhe deu muytas terras no
Infante campo de Tarragona , & o cazou com Revabiats,ou ſegundo outros cum
D.Per Aurembiax Condeſla de Vrgel, grande fenhora & muiricanaquelle Rey
i
dro caza no. A qual morrendo fem filhos, deixou ao Infante ſeu marido por he
do com deiro daquelle condado , com faculdade de diſpor delle como quiſelle. &
a Coder alein ditó o dereito, q na villa de Valhadolid tinha,& 'asterras que poſlu 11
fa deVi ia no Reyno de Galliza. E comoaquelle eſtado era grande, & tenia et
gel ,
Rey que o Infante o traſpallaffe a outra peſſoa,ou ſe cocertaſe com Dr.
Ponce de Cervera, que pertendiater dereito ao condado, el Rey feCCcr.3
IO
I
DELREY D. AFONSO SEGUNDO. 55
certou com o Infante,que lho alargaffe, & lhe ficava o que tocava à villa
de Valhadolid, & as terras de Galliza, & eRey lhe delle o ſenhorio da Ilha
He Malhorca , & das outras Ilhas adjacentes com certas condições.Mas def
pois de o Infáteſer ſenhor de Malhorca,por a rebilliãoq os Moufos da Ilha
izerao ,& por a grande armada que el-Rey de Tunez apparelhava , paraInfance
hes vir em foccorro ;a que o poder do Infante nað era tao baſtante, ģ lhe Dom Pe
podeſſe reſiſtir,fez elReyeſcambio com o Infante,& poraquellas Mhas que dro aju
Scàraõ â coroa de Aragao,lhe deu a cidade de Segorbe , & avilla de More- da'a to.
lha, & outrasterras.Deſpois de fazer muito ſerviço a Deos, & a elRei có- mar aI
lha de
tra Mouros,foio infante D.Pedro em peſſoa co luas gétes,em favor de D : Iuica.
GuilhelmedeMõgriu ,ele &to Arcebiſpo de Tarragona,a qel-Rey deu em
feudo a Ilha de luiça, ſe a tomaffe dentro de 1o ,meſes, & ajudou a tomar
no anno de í 235. & morreo ſem deixar filhos.
Houvemais el-Rey Dom Sancho o Infante D. Henrique, quenaſceo
ro anno de 1189.& falleceo moço em vida de leu pay,& jaz no Moſteiro
de fancta Cruz de Coimbra.
Houve a Infante Dona Tareja,que foi Rainha de Liao,por cazar com
cl-ReyD. Afonſo ſeu primocom irmão,por D.Vrraca máydelRei de Li. D.Tarc
am ſer filhadelRey D.Afonſo Henriques.E por no tempo q ſe eſte caza- jadelfilha
Rey
ir :ento fez & deſpois aver em Portugal as fomes,peſtes ,tempeſtades,& in D. Sane
fortunios acima ditos,o povo deitava iſto ao peccado,com ğ ſe aquelle ca- chool
zamento ajuntâra.E afliinformàrað aoPapa Celeſtino III.que então preſi- ſeparada
dia na Igreja Romana,o qualenviou a Heſpanha; & a Portugal,porLega- per fen
doGuilhelmeDiaconoCardeal do titulo deS.Angelo. Eſte legadocom cençade
os Preladosde Portugal & de Lião, mandou ajūtar em Salamáca fez co- do Rey
cilio,em ý foi acordado o divorcio entre elRey D.Afonſo & D.Tareja,& de Liaó.
que ſe lhes não deſſe diſpenſaçam . E porque elles não queriáo obedecer,
rem ſeapartavao,poſerað eſtreito interdicto nos Reinosde Portugal de Lin
36,& de Galliza,que durou hum anno &hum mes, até ſeu apartamento.E
20 teinpo que ſe apartàraó,tinhao jà tres filhos .I. o Infante D.Fernando a
falleceo moço,& duas filhas,que també morreraõ de pouca idade. E ſendo
paſſados alguns annos deſpois deſeu apartamento, ſe veyo a Rainha Dona
Tareja para Portugual.Eita Rainha reformou de novo o Moſteiro de Lor
yao,& o dotou demuitasrendas, & lhe deixou de juro o lugar de Eſguei
ra,& nelle j az ſepultada.
Houve mais a Infante D.Mafalda, quefoi ferinoſillima, & dę grādes per- Rainha
feiçočs. A qual cazando con el-ReyD.Henrique l.de Caſtella,por ſerem falda
D. Ma ſe
parentes,tambem foraó apartados.Cuja cauſa o Papa Innocencio III. co parada
metteo a D.Tello Biſpo de Palencia, & a D.MoninhoBiſpo de Burgos, de fent
ý dèraó a ſentença do divorcio .E a Rainha D.Mafalda ſe tornou para Por- marido
rugal,onde fanctamente acabou no Moſteiro de Arouca ,que ela de no Rey de
vo fundou, & nelle jaz ſepultada, Caſtella.
K Houve
CHRONICA
Houve mais a Infante Dona Sancha,quenao cazou, & foi governado
fa do moſteiro de Lorvam, & fundou omoſteiro de Sam Franciſco de
Alenquer em ſeus proprios paços,quefoy o primeiro queouve nette Rei
no;& que ſe fundou vivendo ainda o melino Sancto. làz ſepultada no mo
ſteiro de fan &ta Cruz de Coimbra.
Houve a Infante Dona Branca,quefoi ſenhora de Guadalajara em Ca
fella,& fallecendo là , ſe mandou trazer a Sancta Cruz de Coimbra .
Houve mais a Infante Dona Berenguella, que a Rainha Dona Tareja
criou em Lorvai como filha . A qual falleceo ſem cazar, & ao tempo de
ſeu fallecimento, ſe mandou enteterrar em Sancta Cruzde Coimbra con
el-Rey ſeu pay.
Mortc A Rainha Dona Aldonça era Fallecida no anno de 1198.ao qual tem,
da Rai ро еera el - Rey de 44. annos. E comofoi viù vo , tomou por amiga Dona
nha D. Maria Anes de Fornellos, de ğ ouve dous filhos .I.D . Vrraca Sanches, &
Aldóça Martin Sanchez,que foiadiátado del-Rey Dom Afonſo deLiao feu pri
ther del. mo com irmão, & cunhado . O qual cazou com D.Ello de Caftro ſenhora
Rey D. de ſaneta Olalha, & de Iscar,& de outros lugares,filhade Dom Pedro Fer
Sancho. nandez de Caſtro, & de Dona Ximena Gomez ſua molher, á qual Ello
Maria erradamente a chronica de Portugal chama Olalha. Efte Martin Sanchez
Anes de foi tavalleiro mui esforçado, & bom capita7 . & tres vezes venced a gente
Forne delRei D.Afonſo II.de Portugal ſeu irmão em nome delRey de Lião. Foi
los ami- grande fenhor de vaſſallos, & teve tres Condados,de q húera o de Traſta-.
gadel- mâra em Galliza.Morreo fem deixar filhos, & jaz enterrado em Cofinos
Rey D.
Sancho . lugar da ordem de S.Ioam em terra de Campos,Efta D. Maria Annes ſua
amiga cazou elRey com Gil Vàs de Souſa fidalgo principal do Reyno .
D. Mae Deſpois tomou elRey Dom Sancho por amiga huma Dona Maria l'à
ria Paez ez Ribeira,aqual foi muy affeiçoado, &foi a ultima que teve, de que ou
Ribeira ve quatro filhos.f. D.Tareja Sanchez,que foi cazada com D. Afonfo Tel
pario del lo o velho,jpovodu Albuquerque,ſendo elle ja viuvo da primeira inolher
Bicy . D.TarejaRodriguezGiroa filua de D.Rodrigo GiraS,&ouveGilSăchez
quatro
filhos.
que nao cazou , & Dona Coſtança Sanchez,que acabou o moſteiro de Sa5
Franciſco de Coimbra, que ſe começou em vida do meſmo Patriarcha, &
foi ſepultada no moſteiro de Sancta Cruz junto a el-Rey ſeu pay. Houve
D. M2. mais D.RuiSachez q morreo em hứa batalha nomeada muito dos antigos
filteada que dizem ſe deu junto á cidade do l'orto,entre géres do melino Reino, &
por GO dizem vécer Gilde Soverola, & jaz enterrado no moſteiro da Egrejoa ju
niez to ao Porto . A clia D.Maria Pacz Ribeira deu el-Rey Villa de Conde, &
Louren- outras terras com condiçao,le nao cazaile. E indo ella muy anojada , &
ço Vié cheya de dor pela morte deDom Sácho,de Coimbra,onde ſe achou a fel
g? s, & le
vadá 10 falleumento, para aquella fua villa, & acompanhada de Dom Martin Pie
Revno <z Ribeiro feu irmão, hú Gomez Lourėço Viegas neto de D.Egas Monit,
de Lião. & peliva principal a ſalicou no camiho, & tomou per força & levou para
o Rey.
DELREY D. AFONSO SEGVNDO . 56
o Reyno de Liam , ferindo & tratandomal afeu irmão,que a acompanhas
va.O qual vindoſe a elRey D. Afonſo de Portugal, & queixandoſe de tas
inanhainjuria,elRey aſli poraparte q lhe cabia,comopor a calidade do
negocio,eſcreveo a elRey de Liam com tanta aſpereza de queixumes,que
e- Rey de Liam mandou fazerao Gomez Lourenço todos os requeri
mentos que compriam. Dona Maria Pàez fingindo, terlhe jà boa vonta
de , & nenhum ſentimento, da offenſa & força que lhe fizera, lhe perſua- D. Mze
dio, que tudo ſe acabaria bem , & haveria perdam , ſendo ella contente. ria Paez
Pelo que fez com elle que vielle a Portugal,& não receaſſe de apparecer cazou
Rey có
el
coin ella ante el-Rey Dom Afonſo. Vindo ambos a Caſtel Rodrigo, on loaó
de elRey entam eſtava, como ſe ella ante el Rey vio com Gomez Lou- Fernan ,
renço , ſe deitou em terra ,& com grandes alaridos & vòzes de grande ſen- des de
timento , & muytas lagrimas , lhe pedio juſtiça do dito Gomez Lourenço , Lima
que eſtava preſente, pela força & deſhonra que lhe fizera.Pelo que elRey
fem mais dilaçaoo mandou logo matar . E porque Dona Maria Pàez era
molher nobre, fermofa, & rica, de dadivas que lhe el-Rey Dom Sancho
déra ,cazou com loam Fernandez de Lima fidalgo Gallego muy honrado
& de grande caza .
Veyo elRey D.Sancho a fer doente de hűa doença vagaroſa,de que fal
le ceo no anno de1212. & foi enterrado em Coimbra nomoſteiro de San ANNO
@ta Cruz.Fezſeu teſtamento dous annos antes que falleceſſe em lingoa La 1 2 1 2
tina como ſe entaó coſtumavao fazer as publicas eſcripturas, & ſellado do
ſeu fello de chúbo,& approvado per algúsgrādes do Reyno co ſeus jara- Morte
métos & homenajens, ġ forað o Infante D.Afonſo ſeu primogenito & fu- delRey
ceſor.O Arcebiſpo de Braga,o Prior de Sancta Cruz, o Abbade de Sá &to D.Sácho
& do te
Thyrſo ,oMeſtre do Téplo de Salamão,o Prior do Hoſpital de S.loað ein ſtainēto
Ieruſalem ,D.Pedro Afonſo, 4 parece ſeria o ſeu irmão baltardo, D. Garſia ſ fez, &
Mendez,D.Martim Fernādez ,D.Lourenço Soarez,D Goinez Soarez ,que theſout
erað ſenhores & homés pricipaes do Reyno.Eſtes foraó as teſtemunhas , & ros ý dei
os teſtamenteiros. E todos em auto publico fizeraõ juramento nas mãos do xou .
Arcebiſpo de Braga , & deſpois homenajé nas mãos delRey ,q fobpena de
trèdores & aleivolos, & malditos,todas as couſas contcùdas naquelle teſ
taméto compriſſem ,& fizeſſem comprir.Eſte teſtaméto foi feito em Coin
bra no anno de 1210 no mes de O & ubro. Era grande riqueza a que ficou
per morte delRey D.Sancho para aquelle tempo : & tanto mayor quantas
mais guerras & trabalhos ouve em ſeus tempos. Porque declarou em ſeu
teſtamento ,que deixara quinhentos mil maravedijs de ouro, de 6o. por
marco , que montava cada huın tanto como noſſas inoėdas de quinhentos
reis , que he a vallia dehum Caſtelhano,ſegundo o Biſpo deSiguença Co
varrubias no ſeu tracado dasmoedas antigas de Heſpanha. Deixou mais
mil & quatroce ntos marcos de prata lavrada. Eſte dinheiro tinha el-Rey .
depofirado ao coftume dos antigos que nam tinhamn cantos theſoureiros
K2 ( quc
CHRONICA
Therou (que faõ os verdadeiros ſenhores do dinheiro )naTorre do ſeu tombo, ő
ros del entao eſtava na cidade de Coimbra,& era a cabeça do Reino, & em poder
Rey Do do Meſtre da Freiria da cidade de Evora,Parteno caſtello de Tomar,que
Sancho
em que
entao era do Meſtre do Templo. Parte no caſtello de Beluer, que era do
lugares Prior do Hoſpical.Outra fomma em poder do Abbade de Alcobaça , & do
feguar- ; Pyjor deS. Cruz, & uo caſtello de Leiria .
davain . 1 • Deſpois de deixar a ſeusfilhosmuitos legados de joyas deouro, & pa
draria,pānos deouro & de ſeda cavallos,& outros moveis, repartio per
elles,&por outras peſſoas, & lugarespiosd'ouro, & prata deſtamaneira .
Ad Infante D.Afonſo ſeu filho herdeiro do Reytro deixou duzentos
2
mil maravedijs de ouro .
9 A cada filho legitimovarao, dez mil m2ravedijs .
A cada filhalegitimadez mil naravedijs de ouro, & 250. marcos de
prata lavrada.
G A cada filho baſtardo varão deixou oito mil marävedijs de ouro .
Ś A cada filha baſtarda fete mil maravediis de ouro , & certos marcos
de prata.
Os outros maravedijs de ouro q reſtauão,répartio por eſta inaneira.
$ Ao Moſteiro de Alcobaça deixou 25 mil maravedijs de ouro.f.cinco
w mil paraa fábrica deſſe Moſteiro,& dezmil para fazerem hủa gafaria em
Coimbra , & os 100007 reſtão,para fazeré hü Moſteiro daOrde de Ciſter.
Ao Moſteiro deS.Cruzdeixou dezmilmaravcijs, & para fua Cap
- péla onde ſe avía de enterrar no meſmo Moſteiro,húa coppa de ouro değ
ſe fez húa Cruz,& hum Calix , & cem'marcos de prata para os frontaes dos
Altares de S.Pedro , & S. Auguſtinho.
Pararedempção de captivosdeixou quinze mil maravedijs de ouro .
Ao Templo lanto de Jeruſalem dez mil maravedijs.
Ao Hoſpitalde Jerulalem dez mil maravedijs.
A cidade de Coimbra para a fabrica da pontedoMondego,dez mil maravedis.
Ao Papa Innocencio III.a quem pedio fize ile comprir leu teſtamento deixou
cem marcos de ouro.
SA Sé da cidade de Tuicm Galliza, queentam cia dePortugalyties militara
vedijs.
A Sè deBraga dous mil'mara vedijs.
A Sede Evora dous mil maravedijs. ..
A cada hűa das outras Sès do Reyno,mil maravedijs.
A cada hum de muytos Moftciros,& Igrejas quc nomeou deixou duzentosma
ravcdijs de ouro.
Mandou queſe aparcaffem cinco milmaravedijs, para ſatisfação de algúas couſas,
quc fe achaſſe queera obrigado a reſtituir.
O quc mais fobejaiſe mandou que ſe repartifTe pelas mais pobres Igrejas.
Viveo El-Rey D Sancho 58 annos reynou 26.& foiſepultado no Moſteiro de San
Sta Cruz de Coimbra ,na Cappella Mór defronte dafepultura de ſeu pay. Falicceo
no anno de M.CC.XII.
FIM. CHRO.
57
CHRONICA
DEL -REY DOM AFONSO II.
Foi el-Rey Dom Afonſo cazadocom Dona Vrraca fillia del Rey Dom
Afonfo VIIJ. de Caſtella , & da Rainha Dona Lionor, filha de Joam Rey
de Inglaterra. Conta a gente vulgar,que ſendo eſta Infante Dona Vrra
ca filha mais velha do meſmo Rey Dom Afonſo ſobredito,el-Rey de Fră
Ludivico VIII. naó quis com ella cażar por ter nome de Vrraca , que em
lingoa antiga Helpanhol, quer dizer pega, & que cazou com a ſegunda
que ſe chamou Dona Branca. Oque ſam contos de velhas, quaes ſam ou
tras muytas couzas que em chronicas antigas ſe contao. A verdade he, ģD.
Branca foi a filha mais velha com quem cazou o dito Ludivico VIII. Rey
de França, da qual naſceo el Rey Sam Luis, que foi o IX .do nome. Com
a ſegunda que foi a Infante D.Vrraca ,& era a mais fermoſa Princeſa da
quelles tempos,cazou el-ReyD. Afonſo. Com a Infante D. Berenguella
que foi outra irmáa,cazou elRey D.Afonſo de Liao,o que foi ſeparado da
Tainha D.Tareja filha delRey D.Sancho de Portugal,irmãa deſte Rey D.
Afonſo II . de que tratamos,da qual D.Berenguella naſceo outro Rey ſan
& o.f. D. Fernando. III. de Caſtella & de Liao. Os filhos que elRey D.A
fonſo ouve de D. Vrraca forao D. Sancho ,que no Reyno lhe ſuccedeo, a
q chamarao Cappello,& D.Afonſo, foiCode de Bolonha em Fráça; por
cazar có a herdeira do Códado,& deſpois Rey de Portugal . Houve mais ao İnfante
Infante D.Fernādo, ý chamaraó o Infante de Serpa, cazou em Caſtella co D.Fer
D.Sancha Fernádez,filha do Conde D Fernando de Lara , deq naſceo D. nádo de
Lianor,q dize cazai cõo Princepe herdeiro do Reyno de Dacia, ý parece Serpa.
feria filho da Rainha D. Lionor, de q ſe logo dirà. O qual Infante D.Fer Infante
mundo jaz em Alcobaça dentro das grades,onde jaz el-Rey D. Pedro,Hou D. Lion
ve tan , bem o Infante Dom Vicente, que ſegundo pareceo ,morreo moço nor caza
que tambem jaz em Alcobaça . Houve maisda Rainha D. Vrraca a Infan- da cóel.
te D.Lionor ,que cazou com el-Rey de Dacia.Cujo nome nað veyo a nof-Rey de
Dacia.
ſa noticia.Houve mais hum filho baſtardo per nome D. Ioam Afonſo que
jaz no Moſteiro de Alcobaça à porta do capitulo,cujo epitaphio diz que
falleceo na era de 1223. que era o anno do Senhor de 1 273.hum anno
deſpois da morte de ſeu pay.O que eſcreveo a vida deſte Rey D.Afonſo
il conta que teve hum filho per nome Martim Afonſo que ouve de húa
Mouriſca, de que diz procederem os Souſas Chichorros.O que ſenaó con
fa na verdade,porque eſſe foi filho delRey D. Afonfo o Conde de Bolo
nha,& ncto deſte Rey D. Afonſo ,comocorſta per eſcripturas authenticas
çr- oje cítam na torre do Tombo, que he o cariorio Real.
Viveo el-Rey D Afonſo 48. annos.Dosquaes reinou 21. Falleceo no
anno de 1233 lazia em Alcobaça na cappella q elle em ſua vida mádou fa
zer,em hút ſepultura de pedra cháa jūto com a Rainha D. Vrraca ſaa mo
ber.E deſpois nos tépos proximes a eſtes noſlos,desfazédoD.lorgede Mel
b Abbade do meſmo Moſteiro aquella cappelli, trasladou ſeu corpo & o
da Ruinha D.Vrraca ſua molher à capella de S.Vicéte onde agorajazem.
CHF 0 .
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61
CHRONICA
DEL-RE Y DOM SANCHO .
II.
Infante D. Afonſo de Molina vieſſe a Portugal, & que com elle viellem
D. Diogo Lopez de Haro ſenhor de Viſcaya,que era irmão de D. Micia
Lopez molner delRey D.Sancho, D.Nuno Gonçalves de Lara , D.Ruy
Gomez de Galliza, D.Ramiro Flores,D.Rodrigo Roſas,D.Fernando Anes
de Lima, & outros ſenhores, & com elles muyta gente de pè,& de cavallo,
com queentråráő em Portugal pela comarca de Riba de Coaque naquel
le tempo era de Caſtella. E por elles virem pela comarca da Beira; que a
inda naő eſtava à obediencia do Conde, chegàraő fem contradição algúa,
atê a villa de Abiul ,que eſtà quatro legoas de Leiria. Ao qual teinpo eſtà
rajà muyta parte doReino pelo Conde.
Como o Conde de Bolonha ſoube da entrada del- Rey, & do Infante
D.Afonſo de Molina,ajunčou a mais gente que pode, & fez com o Arce
biſpo de Braga,& Biſpo de Coimbra, impediſſem a ajuda, que ſe a el Rey
D.Sancho fazia. Eſtes Prelados não tinhão neceſſidade demuytas eſporas,
para encontrar ael-Rey D. Sancho. Porque elles eraõ as peſſoas que delle,
& dos ſeus privâ dos andaváomáis aggravados,por as grandes offenſas que
lhes erað feitas, & roubos de ſuas fazendas, & sò a le queixar diffo, & pe
dir Regente para o Reino, fe offerecerað ir ao Concilio, & para ajudar ao
Conde, vierao logo para elle.Pelo que eſcreveraõ aos Frades de S. Fran
ciſco da Covilhãaexecutores das letras do Santo Padre quelogo vierað á
el-Rev, & áo Infante deMolina, & os amoeſtáraó ſob pena deſerem mal
ditos & excomungados ,não impe diffem os mandados do Papa. Elas mel
mas denunciaçõens fizerað ein inuytos lugares de Portugal,& dos Reynos
de Caſtella,& de Lião .Pelo que el-Rey nem o Infante paſfáraó de Abiul,
Das ſe tornarað pelo caminho que trouxérað .
O Infante , & os ferihores que coin elle vinhão,aconſelháraó a elRey,
ou ficaffe em ſeu Reyno como lhe era apontado, ou ſe foſſe com elles para
Caſtella : El-Rey eſcolheo,nao ficar em Portugal. É porque elle tinha feia
tas doaçoens ao Infante D.Afonſo de muytas villas principaes do Reyno,
ainda que o Infante as procurou & pedio metendo por terceiro o Papa,
que ſobre iſlo eſcreveo ao Conde muitas vezes,elle ſe eſcuſou ſempre,por
lerem contra a utilidade & honra do Reyno, & contra ſua condiçam , que
cra accreliétar as terras do Reyno,& vað diminuilas. E porque as doações
crao feitas como por homem prodigo, & q por nao tet filhos,dava como
co albe yo mais largo. Infante
Eporque do Infante D.Afonſo de Molina fe faz muytas vezesmenção D' Afon :
ailinas chronicas deſte Reino,como nas de Caſtella ,por ſer naquelles cem- fodeMo
pos muy celebrado, & muitos ignorarein cujo filho era , não ſerà fóra de lina juis
roilo intento lembrar aqui quem era, & a razao que tinha com os Reys de era, & Q
l'ortugal , & com os de Caſtella. Dito fica atráz na vida del- Rey D. San- defcé de
cia deia
cho l. como ſendo ſua filha a Rainha Dona Tareja cazada com ſeu primo XOll .
com irmao Dom Afonſo IX Rey de Liao , forao apatardos per Decreto
co
i do n
CHRONICA
do Concilio,que ſe fez em Salamanca per mandado do Papa Celeſtino
III. tendo elle ja tres filhos.f. o Infante Dom Fernando, que falleceo mo
ço, & duas filhas, que tambem nao chegara) a cazar, Sendo apartado cl
PicyDom Afonſo de Dona Tareja cazou ſegunda vez com Dona Bereiz
guella,filhadelRey Dom Afonſo VIII.de Caſtella,que chamara ō o bom.
Da qual tendo ja dous filhos .l. o Infante Dom Fernando,que foi Rey de
Caſtella, & de Liam III. do nome & chamado o San &to , & a eſte Infante
Dom Afonſo de Molina, & Dona Conſtança,quefoi freira nas Hol gas de
Burgos, & Dona Berenguella.que foi Rainha de Ieruſalem , molher dela
Rey Dom loam de Bretanha,foram tambem apartados porrazao da'paren
teſco. De maneira que eſte Infante Dom Afonſo era primo com irmao del
Rey Dom Sancho de Portugal, de que tratamos,filhos de duas irmãas. Por
que como eſtà dito na vida del-Rey Dom Afonſo II. de tres irmáas filhas
do dito Rey Dom Afonſo VIIJ. Dona Branca mais velha cazou com Luis
VIII. de França.DonaVrraca com el-Rey Dom Afonfo de JI Portugal, de
que naſceram el-Rey Dom Sancho , & o Conde de Bolonha,& Dona Ee
renguella cazou com elRey Dom Afonſo IX. de Lia 7,de que naſceo el
Rey Dom Fernando IIJ.de Caſtella & de Liao,& eſte Infante D. Afonſo.
lofante
A razaő porque ſe chamou de Molina,foipor ſer ſenhor deſſa villa, aven
D. Aton doa em dote com Doria Mafalda Gonçalves filha deDom Gonçalo Pères
ſo pora de Lara , cuja era. Deſta molher ouve huma ſó filha chamada Dona Bran
ſe cha ca Afonſo, que lhe ſuccedeo no ſenhorio de Molina,quecazou com Doin
mou de Afonſo Ninho filho baſtardo del-Rey Dom Afonfo o Sabio. Eſte Dom
Molina. Afonſo Ninho ouve de Dona Branca huma ſó filha per nome Dona I fa
bel,a qual morreo donzella em vida de ſua máy,per onde DonaBráca dei
xou o ſenhorio de Molina a elRey Dom Sancho o Bravo . E dahi atè ago .
sa ſe intitulàrað os Reys de Caſtella fenhores de Molina. Deſpois cazou o
Infante Dom Afonſo ſegunda vez com Dona Tareja Conçalves filha do
Conde Dom Gonçalo Nunez de Lara,de que ouve Dona loanna Afonſo
que foi molher de Dom Lopo dias de Haro ſenhor de Viſcaya, & máy de
Dom Diogo Lopez de Haro,que ſuccedeo no meſmo ſenhorio. Terceira
vez cazou o Infante com Dona Mayor Afonſo de Meneſes filha de Dom
Afonſo Tello ſenhor de Meneſes,& de outras muytas villas em Caftella.
Delta molher ouve hum filho per nome Dom Afonſo Tellez, de que a
baixo fe dirà , huma filha chamada Dona Maria Afonſo,que foi Rainha de
Caſtella & de Liao molher del-Rey Dom Sácho o Bravo, & , māy delRey
Dom Fernando III ). Quarta vez cazou com Dona Violante filha do In
fante Dom Manuel filho delRey Dom Fernando o III de Caſtella & de
Liam ,de que ouve Dona Iſabel,que cazou com Dom Ioam o Torto, filho
do Infante Dom loam filho del-Rey Dom Afonſo X. E o Dom Afonſo
Telles,go lofante D.Afonſo ouve do terceiro matrimonio de Dona Ma
yor herdoude ſua máy o ſenhorio das villas de Tedra, Montalegre, Sata
Romam
DELREY D. SANC HO SEGUNDO 63
· Romam,& cazou com Tareja Perez filhadeDom Pedralvezda's Auſtrias,
de que ouve hum filho, que ſe chamou Dom Tello Afonſo . Eſte Dom
Tello ſuccedeo no ſenhorio das dicas villas, & cázou com Dona Maria fi
Tha do Infante Don Afonſo de Portugal, filho delRey Dom Afonſo Con
de de Bolonha,que he o que jaž no cruzeiro do moſteiro de Sam Domin
gos de Lisboa,& nao doInfante Dom Pedro ( como Franciſco de Rades
diz na ſua hiſtoria da ordem de Santiago .) O qual ouve huma filha, que ſe
chamou Dona Iſabel, que foi molher de Dom Ioam Afonſo fenhor de Al
buquerque & de Medelhim .O qual con ellaherdou as ditas villas de Te
dra,Montalegre,& Sam Romam. Dos quaes nafceo Martiin Gil,que não
deixou filhos. Por os quaes muytos cazamentos & filhos, le eſte Infante
muytas vezes nomeado em Portugal, & em Caſtella. O corpo deſte In
fante le ve oje enterrado honradamente na cappella mór do convento de
Calatrava, cujo familiar ſe fez, & a que deixou muytos bens, ſegundo re
fere o melino Franciſco de Rades, que eſcreveo as couzas,dàquella ordem;
que faz larga mençam deſte Infante, & de fua deſcendencia.
Determinado pois el-Rey Dom Sancho de ſe ir de ſeu Reyno a Cala
tella , afli por a vergonha ;ğ ſe lhe fazia de ſer peſſoa privada na terra on
deja foraRey, como poros ſeus conſelheiros o incitarem ,que não ſe ac
quietauam no Reyno,ondetantos exceſſos tinhao feitos, vindo a iſſo now
vo Cenſor & Governador, proſeguio ſeu caminho em companhia do In
fante Dom Afonfo ſeu primo. E chegando ao lugar da Moreira junto
com Trancoſo ,onde entam eltavam muitos homensnobres, & entre elles
Dom Garſia , & Dom Fernaó Garſia, & Dom Fernao Lopes,& Dom Dio
go Lopez todos irmãos, filhos de Dom Garſia de Souſa filho do Conde
Dom Mendo o Souſaó, & de Dona Elvira Gonçalves, filha de Gonça
lo Páez da Terronho, que erao peſſoas principaes do Reyno & ſegun
do dizian , deſcendentes del-Rey Dom Afonſo Henriquez, o Dom
Fernão Garſia,ſabendo da chegada & eſtáda del-Rey, veſtido de todas ar
mas con hum ſó eſcudeiro ſe foi à Moreira,onde el Rey & o Infante el
tavam com os mais fenhores. E poſto ante elles tirou o elmo da cabeça , &
com os golhos em terra beijou a mão a el-Rey, & ao Infante Dom Åfon
1o , & como ſe levantou,fez reverencia a Dom Diogo López de Haro ſe
nhor de Vizcaya, & a Domn Nuno Gonçalves de Lara ; & a todos os ou
cros cavalleiros que eram preſentes,tirando a D. Martim Gil da Soveroſa
que era o principal,per quem ſe el-Rey Dom Sancho regia . E perguntana
do Dom Fernáo Garſia a elRey le o conhecia? elRey lhe relpondeo que
fi, & que era feu vaſſallo & natural. Dom Fermando proſeguindo lhe dif
fe : Senhor, meus irinkos,por cujo mandado venho a vós, eltaó em Tran
colo. Todos ſomos voſſos vaſſallos. Elles,& eu ;vos pedimos & requieres
los perante o ſenhor Infante voſſo primo, & eſtes ſenhores, que aqui ela
taó que vades pera aquella villa , na qual & em ſeu caſtello vos recebe
icmos
CHRONICA
remos,como a noſſo Rey & fenhor, & affi em todos os outros do rodor,
çue te mos a noſſo cargo,com tanto que com voſco nao leveis a D. Martina
Gil,queaquieſtà,nem os ſeus, quedeſtroíram volla terra, impedindo fa
zerle juſtiça dos ſeus, & de outros malfeitores. Porque vos ſenhor, certa
mente de Rey nao tinheis mais que o nome, & o Realſangue de que del
cendeis,que no effe& o elle era oRey. É com eſte credito que lhe deſtes,
vos tem mui mal ſervido, & com ſeu mao conſelho, vieſtesao eſtado , em
que agora eſtaes. E feelle diſſer que nao he affi, cu me combaterei coin
elle,que para iſſo venho aquiarmado, & alli à porta tenho hum cavallo.
E ſobre iſſo eſpero em Deos,queo matarei,ou perſua bocca lho farei con-.
feſtar, que mui mal & como não devia, & com grande quebra de voffo ef
tado, & de voſſa terra, vos aconſelhou . Era Dom Martim Gil cavalleiro
nui esforçado, & de grande caza, mas ouvindo aquellas palavras,ciao tor
nou a ellas como a ſua honra compria. Porque ſomente reſpondeo , que
Dom Fernando fallava mal, & que do que diſſera,ſe nao acharia bem. Pe
lo que ficando muy indignado contra Dom Fernando ,fez moſtra a algus
dos ſeus,que ahi eſtàvão , que foſſem ter com elle ao caminho , & o matafa
fem .Dom Fernai Garſia que os vio fair, & entendeo bem a má tençam
com que hiáo, antes de outra couza diſſe a el-Rey :Senhor vós quereis ir
para Trancoſo,como vos tenho requerido? El-Rey lhe reſpódeo que não.
Entam diffe Dom Fernando Garfia ao Infante Dom Afonſo : Senhor ſe
reis teſtemunha vós,& eſtes fenhores que aqui eſtao, deſte requerimento,
que por meus irmãos & por mim , vim fazer a el-Rey meu fenhor. E afli
ouviſtes o que tambem diſſe a Dom Martim Gil,que aqui eſtà.O qual não
querendo tornar a iſſo per ſua peſſoa, como devia a ſua honra , mandou
áquelles ſeus, que daqui partiram ,que me foſſem eſperar ao caminho para
deſacompanhado mematarem à traiçam . Pelo que vospeço, por o que
deveis a quem fois, me mandeis pôr em ſalvo em Trancoſo . O Infante
Dom Afonſo ſe levantou logo , & diſſe a Martim Gil : Vòs não attental
tcs, no que vos diſle Dom Fernáo Garſia ,ncm no que deveis fazer, que me
parece vos accuſa de traiçao ,& nao quereis vir às armas com elle como de
veis, & vos elle requere. Dom Martim Gil refpondeo, que por ſuas pala
vras váas davapouco. Pelo que aquellos ſenhores diſſeram a el-Rey,que
Dom Fernão Garfia & os fidalgos queeram em Trancoſo , não podiam
fazer melhor comprimento, & que o fizerao como bons vaſſallos . E que
dahi avante qualquer culpa que ouveſſe, ſeria del -Rey & não fua. E lo
go Dom Diogo Lopez de Haro, & Dom Nuno Gonçalvez de Lara con
effes cavalleirros,queahi eram , cavalgàrain , & íe foram com Dom Fernão
Garſia a Trancolo , donde ſaíraõ ſeus irmãos, & eſſa nobre gente , que
abiera, & lhes agradecera) com muitas palavras a corteſia, que uſäram
com ſeu irmão,em o acompanharem , & porem em ſalvo. Deſpois de pra
ticarem Dom Diogo & Dom Nuno,ſe tornáram para el-Rey: & o Infånre
& 10
DELREY D. SANCHO SEGUNDO 64
& todos ſeforaó a Caſtella, & com elle Martim Gil, que deſpois foi mui
accepto a elRey de Caſtella, & avido por rico homem . Eſte parece que
. feria o Dom Martim Gil de Portugal ,que elRey D. Afonfo o Sabio dei
xou por ſeu teſtamenteiro 'ein feu ſegundo & derradeiro teitamento,& fo
: sa teſtemunha no primeiro com a Rainha Dona Beatriz de Portugal ſua
filha, & outros ſenhores.
Os povos de Portugal que ouverao de ſofrer mui bem terem ao Con
de de Bolonha por conſelheiro delRey Dom Sancho, por ſuas boas qua
lidades,&prudencia, & por a fraqueza delRey ,ſofrião mui mal teremno
por Regedor; & Governador abſoluto,vendo elRey Dom Sancho priva
do. E tal qual Reytinhão nelle quanto lhes era poſſivel,reſiſtião, por de
fender fuaparte,aſſi como eſtava abſente. Mas com as cenſuras & penas,
que fe logo dávaó a execuçao, & com a força das armas do Conde de Bo
lonha ,à que ajudavao o Arcebiſpo de Braga,Biſpo de Coimbra, & outros
Prelados & peſſoas aggravadas,ſe hiaó rendendo,porque mais não podião .
E osque erão mayores, & tinhao mais forças,faziam mayor reliſtencia. E
quaſi na ó ſe achou em Portugal fidalgo, que ao Conde de Bolonha fes
guiſſe,ſendo Portugues filho de hum ſeu Rey natural,& homein de muito
governo & prudencia.E tam conſtantes eſtàvao em ſúa lealdade, que não
ouvè alcaide algum de fortaleza,quenella recolheſſe ao Conde per ſua vo
tade.So Martim Fernandez de Talde Alcaide mòr de Leiria, recolhed no
caſtello ao Conde de Bolonha, & lho entregou de ſua vontade por The
elRey dar nå dita cidade certas herdades & moinhos. Por o qual feito,foi
entreos homens daquelle tempo infamado, & avido por nað verdadeiro
Portugues. E conta o Conde D. Pedro neto do inėlimo Conde de Bolon
nha nos livros das linhageris de Portugal,tratando dos Bezerras, que hum
cavalleiro principal per nome Sueiro Bezerra,porelle & ſeus filhos en
tregarem ao Conde de Bolonha certas fortalezas que tinhão na Beira, ſem
eſperarem força,nem cerco,tendo feita dellas homenagem a elRey Dom
Sancho, da meſma maneira fotað avidos por trëdores & homens de pova
co primor. E não era iſto ſomente ein quanto elRey eſtava no Reyno; Lea ida.
mas muito mais deſpois de partido, quando feu caſo , & deſterro de ſua de dos
terra & de ſeu Reyno, lhes parecia a elles mais intoleravel ; & dignode Portuige
commiſeração. Pelo que algunsouve, quenão ſe mudandoper amoilta- lesá que
çoens, cenſuras,& cercos,que o Conde lhes punhaperſeveraraó com gra- tes feu
de conſtancia,até a morte delRey Dom Sácho,pallando muitos trabalhos Rciintia
& aperto,comoforão Fernão Rodriguez Pacheco , & Don Martim de bil para
lititas cuja lealdade não he para eſquecer: mas ſet a todos exemplo. A osfeger
ao Ins
qual por faltar em algum dos deſcendentes de hum deſtes illuſtres varoés g
fante ſcu
fe caufaraó em tempos mais chegados a nòs grandes guerras,inales,& alte irmão
raçoens nos Reynos de Caſtella, de que adiante em outra parte ſe farà riutpret
dence
wençãm .
Era
CHRONICA
Era Fernão Rodrigues Pacheco fidalgo principal , & o primeiro que
ouve eſte fobrenome.O appellido de ſeus mayores era do ſolar de Ferrei
ra de Aves ,cujos ſenhores forão.Seu pai ſe chamou Rui Pirez de Ferreira,
& ſua máy Dona Tareja de Cambra. Efte Rui Pirez dizem ſer biſneto de
Dou Fernando Ieremias, & de Dona Mayor Soarez,filha de Sueiro Vien
gas,o que fez o moſteiro de Ferreira no Biſpado do Porto.Sendo pois Fer
não Rodriguez Pacheco Alcaide mòr do caſtello de Celourico da Beira,&
não o querendo entregar ao Conde, por lhe parecer, quecaía em mão ca
ſo tendo delle feico homenagem a el-Rey Dom Sancho, não o podendo
o Conde acabar com elle com brandura de palavras,nem promeſſas , veyo
a lhe pôr cerco. E mandando muitas vezes combatero caſtello,por afor
Fer não taleza do lugar,& por a boa gente,que Fernão Rodriguez conſigo tinlia
Roiz Pa
checo & não ſe pode tomar per força: & durouo cerco tanto,quepor os inantimé.
lua Ical tos virem faltar aos de dentro,forað poſtos em tanta eſtreiteza de fome &
dade. de outras neceſſidades, por não morrerem tao deſeſperada morte , como
Cerco
ſe lhes offerecia, eſtavão para entregar o caſtello,Eſtando neſta afronta, di
zem , que Fernão Rodriguez ſe levantou hum dia mui cedo,andando pelo
Fernão muro,poſto em varios pentamentos 7 pela preſſa em que eſtavão,ſe lhe of
Roiz no furecião,ſem ſe determinar no qfaria, & pedio a Deos por ſua miſericordia
caſtello lhe accoreſſe em tanto trabalho, & o livraile de cair em deſonra & infamia
deCelou
rico .
entregando aquelle caſtello,aquem lho nãodera. E q durando neſta ima
ginaçao, vio vir de contra a ribeira do Mondego,glogo ahi junto eſtà, húa
Ardil de aguia,q trazia nas unhas húatruta mui grande,& 5 voando percima do ca:
Ferrão ſtello lhe cahio dentro. Fernão Rodriguez algū tanto lédo co aquelle acē
Rodri- tecimento ,vendo húa tão fermoſa truta & freſca,a mádou apparelhar &
guez Pa. pôr em pão,& a mádou em preſente ao Code ao arrayal, & lhe midou di
checo
per el zerq bein o podia ter cercado quanto ſua vontade foſſe. Mas fe per
Rcy le fome eſperava de o tomar, viſſe ſe os homes q daquella viáda eſtaváo aba
vantouo ltados,teriáo razão de contra ſuas horas lhe entregar o caſtello .O Code, &
cerco ,
os que preſente virão, foraó maravilhados , não ſabendo como aquillo
foffe . E vendo o Conde que dilatar mais o cerco nam aproveitaria o
levantou.
Reſtava ' em Portugal o caſtello de Coimbra,queera a mais honrada
D. Mar- fortaleza que no Reyno avia,por ſer aqualla cidade então a cabeça delle,
tim de ' & o domicilio dos Reys.Efta tinha D.Martim de Freitas cavalleiro muy
Freitas
con que
esforçado,& de grande linhagem . Tendo o Códe feito co elle todas as di
csforço ligëcias poſliveis para lhe fazer entrega do caſtelo, antes de vir às armas D.
& Icalda Martim o deſenganou ,que em quáto elRey D.Sancho viveſie,lho não en
de ſe fo- tregaria fen fem mādado. E q a elle menor perigo lhe parecia ſer morto, 0!!
fertou
Do cerco
mal tratacio,q desleal,q por táto podia eſcuzar delhe fazer medos co mor
de Co ces nem perigos :porque tudo avia de ſofrer. Porq elle não vivia para ter
imbra vida, ſenão para ganhar honra, & conſervala , Conde lhe pos cerco,
ndou
&
ma
DELREY D. AFONSO TERCEIRO. 65
mádou combater o caſtello muitas vezes com tanto animo dos de fora &
c. de dentro, de húa parte & outra ouve muitos inortos & feridos. E por
mais ý os cõbates perſeverávão ,o esforço do Alcaide & dos q com elle e
ftavão era tal, aproveitou pouco o trabalho,que ſe tomou. Indignado o
Conde,fez ſolene juraméto de não levátar o cerco,ate aver o caſtello per
: . combates, ou per fome.Tanto perſeverou,queaos de dentro começáraó a
: faltar as proviſoés, & a agoa.Pelo q vieraõ a comeras beſtas,cães, & gatos,
;. & outras couſas deſacoſtumadas yaý a natureza dos homés repugna.Saben
1: doo Conde o trabalho em q os de dentro eſtavão, & doendoſe de homés
de táo bós eſpiritos padecereni tanto lhesmandou requerer q ſe deſſem , &
que fem cauza ſe não quizeſſem matar. £ que não creſcem que aquilloera |
is façanha,ſenão erro, pois a não podião levar ao cabo. Dom Martim de
7: Freitas reſpondeo, que do propoſito em que eſtava não deſiſtiria por
fua hupra.
Eitan Jo eſtes cavalleiros em tanta triſteza, aconteced verem do castello
hun dia paſſar hum cavalleiro pelo Mondego a vao, & 5 o cavallo de far
he to não provou agoa.E magoados de ſe verem em eſtado que a hűa alima
ria avião enveja ,começáraõ a ſe lamětar,& dizer mal de ſua fortuna. Pelog
algus parétes & amigos do Alcaide mòr, que por o trabalho & neceſſidade
eſtrema que padecião ,fem eſperança de ajuda nem ſoccorro,fere taes que
b ja fe não podião ſofrer, & elle no Reyno era ſó,o que foſtentavatal perfia
Pre differao,que por dar a li, & aos ſeus a vida,entregaſſe o caſtello ao Có
de.D.Martim lhesreſpondeo :Que nunqua Deos quizeſſe, ğ obedecendo
àquelle ſeuconſelho pużelſe tãogrăde macula ſobre ſua limpeza:nécöfe- Conftá.
tiia tamanha traição em encurteria, fe aquelle caſtello deſſe ſenão aquel- deden
le,de quem por ſua fé & homenagem o recebera, & em quanto elle foſſe Martim
vivo. É q bem via a tribulação, que elles alli cõ elle paſſivão,de q a fua de Freia
parte eraa mayor,pois ſentia ſeu mal & o delles.Mas ſe elles ſe quiſeſſe lé- tas.
brar de outrosmayorestrabalhos & neceſidade,queoutros ſendo cercados
padecerao,por materem ſuas lealdades,ſofrerião co mais paciécia o q então
pallavão.E ğ quereria Deos por ſua iniſericordia accorrerlhes,có que cedo
laiſſem daquelle trabalho.E que algum tempo folgarião, decontar a ſeus
filhos,os males 7 padecerão,q não feria pouca honra para elles,nem pou
co exéplo para os filhos, & para vindouros.Tambem lhe lembrou que ſe
entam porhum pouco de comer ou beber, falvaſſein as vidas , que eſſas
meſinas vidas lhes aviam de durar pouco, & a deshonra & infamia de não
acabar huma couza tam bem começada & tam devida, lhes duraria para
ſempre. Peloque lhes pedia que em quanto pudeſſem como hoinens, que
amavam mais o eſpirito que a carne,lhe não faltaffem, & o ajudaſſem . E
que lhes lembrava ,queaſſi como o trabalho & paciencia daquelle cazo
era a todos commum ,afli a honra era a todos igoal, & a cada hum delles
ſeus companheiros cabia mayor quinhaó que a ello, pois elle tinha mais
MM obris
CHRONICA
obrigação,que cada hum delles,pela homenagem que fizera. E que ſe por
ventura algum delles para deleytação ſua,ou para ſeu ſerviço tiveſſe deſe
jo de mulheres,lho deixaſſe que alli tinha ſua filha, que era donzella;& q
elle muito amava a qual mandaria que em tudo os ſerviſſe. Porque menos
ſentiria , que ella perdeſſe a honra deſua virgindade,que por mingoa delles
perderelle fua lealdade,& ſer conſtrangido fazer tamanha traição como
feria dar,como não devia,aquelle caſtello,a quem lho não deu. Com eſtas
palavras, que Dom Martim diſſe,ficàrað todos eſpantados, louvando fua
bondade. E com novo esforço que tomàrão,lhe prometteram, que por lhe
ſatisfazerem a feu deſejo ,quer tiveſſe razão, quer não, por nenhum cazo,
que ſobrevieſſe,o deixariam ,mas morrerião todosprimeiro com elle.
Eſtándo D.Martim de Freitas,& os ſeus neſta afrõta & aperto,avendo a
cerca de hum anno que elRey D.Sancho era ido a CaſteHa,veyo a fallecer
em Toledo . Tendo o Code de Bolonha certa nova da morte de ſeu irmão
doendole da perdição de tantos bős homes , & tão leaes como'erao osõike
defendião aquelle caſtello,lhes mádou logo muitos mantimétos & refiero
dentro,& recado ao Aldei mòr,como elRey ſeu irmão era fallecido. E que
elle per fua peſſoa ou per quem quiſeſſe tomaſſe verdadeira informaçam;
com a lhe entregaſle o caſtello. D.Martim eſcolheo certificarſe per ſimeſ
mo,& para iſſo o aſſegurou elRey da ida,eſtada, & tornada ad caftello,& 7
em táto o não combateria.Don Martim fe foi a Toledo,& poſto q de to
dos ſoube;como el Rey D. Sancho eramorto ;& lhe moſtrarão o lugar on
de o viraõ fepulcár,elle ſenão ſatisfez.Maspara mayor certeza, fez tirar a
campa ;que o cobria,& como vio em certo ğ era aquelle ,,dizem ſ perante
muitas teſtemunhas,por cumprir com ſua homenage,pozas proprias cha
ves do caſtello no braço dereito delRey D. Sancho ,& tirado de tudo pu
blico inſtrumento per notarios,queforað prefentes âquelle auto, fez cer
rar a ſepultura. Tornando a Coimbra entrou de noite ſecretamente no ca
ſtello,dondeao outro dia pela manháa mandou dizer ao Conde( o qual ja
era Rey) ſo foſſe receber,g ja lho podia entregar.ElRey foi logo ao caſ
tello,& o Alcaide lhe abrio as portas delle, & tomado ſuamolher & filhos
pelas mãos,os pos fora dizėdo: Deixemos eſte caſtello a cujo he.E pondoſe
de giolhos ante elRey com as chaves delle na mao, & alevantandoas, lhe
diſle:Senhor, pois a Deos aprouve, de eRey D. Sancho voſſo irmão falle
cer,tomai voſſas chaves, & voſſo caſtello, & daqui ein diante eu vos averei
por Rey & fentor. E logo moſtrou a elRey as elcriputuras da diligencia,
fez em Toledo porſua hūra, & ſeu deſcargo.Hú fidalgo que era preſente
The diffe,porque não pedia perdava elRey,porquanto nojo & deferviço
The fizera,ení lhe inatar & fqui tanta gēte denegandolhe tanto tépo a en
:
trada do cafello,q era fem ?E querencole D.Maitim de Freitas eſcuzar,&
moſtrar q não tinha de q pedir perdão,acodio clRey preſtes dizėco: que D.
Martim não era obrigado pedir tal perdão. Porque elle não fizera ers
fo ,ma
DELREY D. AFONSO TERCEIRO. 66
czem! ro,mastinha feito húa façanha de louvar,& digna de bom cavalleiro, & le
type: al fidalgo.E que por memoria della lhetornava a dar aquelle caſtello, pa
cialis ra elle & para todos ſeus deſcendétes,ſem elle nem ſeus ſucceſſores, ſerem
ile ? obrigadosafazer juramento de fidelidade. D.Martim de Freitas reſpodeo
4porn, a elRey,quetinha aquella offerta por mui grande merce.Mas q elle a não
archami acceycaria per maneira algúa q folie,antes lançava lua maldição a ſeus får
ao da lhos & netos,& a todos os que delle deſcendeſſem ,le por caſtello fizeſſen 1
Chriſtios
DELREY D. SANCHO SEGVNDO 66
Chriſtãos,o tempo que reynou,não eſtaria tam pobre, ainda que deſcon.
certado foſſe, que os theſouros,que eraõ como couſa inviolavel,& com a
os Reys paſſados não boliam, ſenão para couſa de honra & utilidade pu
blica,os diflipaíſe ſobre as rendas do Reyno,que para hum Rey pacifica
1 & de pouco gaſto, como os antigos,eraðmuitas.Do que tudo fe collige,
que mais podia entam elRey Dom Sancho fazer merces a outros comofa
zia, receber acoſtamento de outrem nos poucos diasq em Toledo viveo ,
que ſegundo parece ſeriam ſeis ou ſete mezes. E naquelle tempo elRey
Dom Fernando ſeu primo eſtava tam gaſtado, por as muytas conquiſtas
emque andava,porque cobrou Cordova, & muycos lugares outros , que Rey Dá
maispodia elRey Dom Sancho darlhe,que receber delle. Deixados eſtes Sancho
erros & outros, que ſobre o meſino cazo na vida do Conde de Bolonha não reli
ſe tratarão, tornando a elRey Dom Sancho,quando ſe deſte Reyno foi, dio em
eſcreveſe, a levou todos ſeus theſouros, & moveis que tinha não queren- aindahú
do deixar nada em poder & arbitrio do Conde de Bolonha,que elle tinha anno.
por inimigo, por lhe vir tirar a adminiſtraçam do Reyno : & como quem
determinava de o tornar cobrar per armas , como tentou fazer, com o
Infance de Molina,ſe as excomunhoens & cenſuras do Papa os não fizeraő
tornar atras. Pelo que perdendo a eſperança de tornar a ſuaterra, eſtan
do na cidade de Toledo, onde de todos era tratado como Rey tam nobre,
& neto de leu Rey natural, Dom Afonſo VIII. viveo elles poucos dias a
foram,ſervindo a Deos, & gaſtando o ſeu em obras pias: a cuja cuſta dizem
ſe edificou alguma parte da Igreja mayor da dita cidade de Toledo, prin
cipalmente a cappella dosReys ſeus avós, onde elle foi fepultado. De
ſua ſepultura nãoſe ſabe oje lugar certo. Porque por aquella cappella 7 Sepultu
chamavam dos Reys, ficar mettida com a cappella mòr, que quiſerão alar- radel
gar, ſe tiraram os tumulos que nella avia grandes dos Reys Dom Afonſo Rey Dá
VIJ. que chamåram Emperador, & delRey Dom Sancho o Dezejado, & Sancho.
delRey Dom Sancho de Portugal, & delRey Dom Sancho o IIIJ. de Ca
ſtella, & os paſſaram a humas casas depedra , que ſem letreiros puſeram
no alto mettidas na parede da cappella mòr, como o affirmaPero de Al
cocer na deſcripçam da cidade de Toledo, & mo affirmou huin homem
Curiozo , que reſidia em Toledo, mandandolho eu perguntar.Mas em hứa
cappella, que ſe deſpois edificou, que agora chamam dos Reys velhos,que
ſão os Reys acima ditos, ſe dizem as miſſas & officiospor ſuas almas,como
je efiveſiem ahi enterrados, & tem numero de cappellaens, & muita ren
da,ficando os corpos fora da cappélla, no lugar fobredito, onde ſenão ſabe
di vifar qual hie o corpo de hū Rey , nem qual do outro, por lhes tirarem os
letreiros,juntaméteco os tumulos, & osmetterem em húaparede, por ne
gligencia & pouca conſideraçam deque a cappella daquellesReysmådou
ajonuar có a mayor,& culpa dos Prelados daquella Igreja de Toledo, que
então forão,ąco corpos de tão hörados Reys não tiverão mais cota .
M4 CHRO.
3 C
CHRONICA
DEL-RE Y DOM AFONSO III,
QVE FOY CONDE DE BOLONHA,
grande diligencia & inveſtigaçao deantiguidades, & fem levar por guia a
razao dos tempos, que he a alma da hiſtoria. No que ſe ennaó guardar as
leys de bom hiſtoriador,cujo officio he nao arguir,nem diſputar por algúa
parte, comoadvogado, mas com perpetuo curſo contar o que paſſou na
verdade,attribuaoá variedade das opinioens,& à antiguidade, quetanto as
arreigou, & ao dano que eſtes erros em couſas do publico eſtado coſtu não
trazer. Aos quaes eu quiz obviar,eſcolhendo antes ſer bom ,& fiel cidadao, 1
CHRONICA
Çuverão de uſar, fe a Condeſſa tivera filho'varão feu & do Infante Doin
Afonſo como falſamente dizem . Porque não tinha entam o Conde de Bo
lonha de quem ſe temer.A iſto ajuda muyto, que deixando ao Conde ſen
marido tam groffo legado, primeiro quenenhuma outra couza, & fendo a
peſloa a que ella tantoconfeſſava amar, o nãodeixou por teſtamenteiro
& executor de ſua ultima vontade,deixando outras peltoas grandes, co
mo foi Roberto Biſpo de Beauvois,& outros ſeus parentes. Porque eſtava
certo que ſendo elle filho de hum Rey,não avia de ficar em terra fujeita a
outrem,& de queja elle fora ſenhor. O que não ouvera de fer ſe os her
deirosforað ſeusfilhos. Porque entam ficara honradamente governando
por elles,& com elles.
Com aquelle teſtamento concorda huma ſupplicaçam , cujo exemplar
ęſta no meſmo archivo Real em hum livro antiquiſſimo, que contem as
couzas do dito Rey Dom Afonſo Conde de Bolonha. Na qualo Arce
biſpo de Braga & todos osBiſpos de Portugal, ſendo naquelles dias mora
ta Mathilde, pediam ao Papa Vrbano. IV . levantaíle o interdi&o que el
tava poſto em Portugal; & diſpenſalle com elRey-Dom Afonſo, & com a
Rainha Dona Beatriz , que tomara por molher, ſendo a Condeſla Mathil
de viva, & os declaraſſe por ligitimamente cazados, & dous meninos que
ja tinham porlegitimos, cujotheor he eſte
Suppli
Super
Prela
clefia Summo Pontifici,eiusque fratrum reverendo Collegio. M.eiufdem permiſ
dos de fione Archiepifcopus BracharenſisE.Tudenſis Vicentius Portuenſis Egeas Colimbio
Portù . enfis. M. Elboren. R. Egitanem M. Vijen . P. Lamacen ,Eccleſiarum miniftribumia
gal,em les & capitula carundem ,& capitulum Viixbonen. terram coram veftrispedibus ofculto
pedem a tur. Sinclitatis vestræ clementiæ intimitetur,quòd olan Alfonſus Rex Portugallia ila
oPapi
diſpen
lu$tris in principio regiminisfui,propter gravia Sevidientia,quæfibi imminebant, &
Regno pericula, evitanda,nobili muliere Comitiffa Boloniæ uxore eius fuperftite, nobia
façao19. lem Dominam Beatricem natam Sereniffimi,D.Alfonſi Regis Castelce & Legionis
zaméto adhuc infra annos nubiles conſtituam, & quarta fibiconfanguinitatis linea attinentem
del Rey de facho iluxit uxorenr,ex qua iam geminam prolem noſcitur ſuſcepifle.Vnde cùm pri
D. Afon
fo . pter hoc loca,ad quæ ipfos devenirecontingit,non abſque gravi animarum rerum I
cleri, & populi detrmento & fcandalo,authoritate lanétæ memorie Alexandri Pape
prædecefforis vestrinfpofita fint eccleſiaſtico interdiéto procurātes(ut dicitur)Comitiſ
A falla. Et ea iam fublata de medio, Rex idemcitra cercum ſui & Regnipericulum..
giultorum firagen ,confortium præfata nobilis non valeut declinare, pietatem vestram
flexzsgenibusoramus, quatenus ad tuntum malum bi nc inde vitandum, & utilitate ,
non folum Regis Regura prædictorum, fed etiam totius regni procurandam peru,
& tam communem ,tamque evidenteniem utilitatem,dignemini diſpenſare cimirfis, ti
poffint licite & in-coniugali coprilaremanere,&fimiliter cum spjorumprolefufcepta, es
criam fufcipicuela,il ip/is ante diſpenſationem obtentam, ut ad fucceffionem Rronipost
moriein
DEL -REY D. AFONSO TERCEIRO. | 74
mortem patris, & ad quoslibet actus,deincepslegitimi habeantur.Speramus enim, &
certum } ubemus, quod hac erit vobis meritorium apud Deum ,& Ecclefiæ Dei,ac clero,
univerſis populis Regnihuius,admodum fructuofum. Datum Brachar« Menje Mayo
Anno Dominii 262.
1
I
1
1
DEL-REY D, AFONSO TERCEIRO. 75
bank Medices por parte dafamilia de Bolonha,moſtrao Infante D. Afonſo de
ndelak. Portugal,queheo Rey de que tratamos, que caſou com a Codefa Mathil.
106, mm de, não aver della filho algum . E lómente aver tido a dita Condeſfa húa
filhaper nomeJoanna, de Filippe ſeu primeiro marido , que cażou com
ca.pe
Flandresdi Gualchero de Caſtilhom, neto de Hugo de Caſtilhom Conde deBles,&
quemorreo a dita Madama Joanna fuamolher, fem delles ficar filho , nem
tedeixando filha. Aſli diz que ficou extincta a linha de Mathilde, dando a entender
āprot goi que o Condado de Bolonha permorte de Mathilde paſou a outros pa
ndodok jentes tranſverſaes,quena verdade foy Roberto filho de ſua irmāa Aliſa .
genealogia Ainda que eſtas tam authenticas eſcrituras não ouvera ; ha para iſto ta
edere,di tas,& tam urgentes conjecturas, que ſe não podia ter o contrario. Porque
gaecakt: teMathilde por o titulo , & direito de ſeu matrimonio, ſe queixou ao Sá
a Breto Padre,& perſua ſentença foi declarada por molher legitima delRey
Acis Dom Afonſo, & feus filhos por avidos legitimamente, porque razão eſſe
lec:dat Roberto, ſe ſeu filho primogenito era como dizem) ſe não queixava por
Cursu a eſperança,& fucceſlao dehum Reyno, & da legitimidade que lhe foy
Revit julgada? E porque ſe não poſerao tam graves cenfuras & interdictos por
esita a ſuccellam do filho, como ouve ſobre o matrimonioda mãy? £ manifefe
de fic to he que ſobre o Reyno de Portugal'não ouve querela, nemlitigio algum,
.Elli E quem ouvera crer que Roberto, ou qualquer outro,que fora filho dele
nanel Rey Dom Afonſo , & de Mathilde,avia de deixar com ſilencio eſcureter
o le feu direito,que ao menos não proteſtára que o Reino de Portugal lhe per- ,
codes tencia?Porque couza muy uzada he acerca de todos os Princepes & ſenho
O leiti res, a que o direito de algum citado dizem pertencer,não ſomente proteſ
vede ! tar por elle,mas accreſcentalo a ſeus titulos, como ſe o eſtiveſſem poffum
ܐ܂ indo . Ali os Reys de Napoles ſe chamão de Jeruſalem , & per outra para
te os de Sicilia, os de Inglaterra,de França,os Duques de Saboya de Chi
pre, & outros muytos de terras; que eſtao em poder de infieis, & alguns de
48 .
cidades deſtruidas, de que ſe não ſabe o lugaronde forað. Peloque poſto
que eſſe filho de Mathilde fora deſpojado do eitado,ao menos o nome vão
ا،
quem lho tolhia? E nunqua até agora ſe vio que algum fucceffor de Bolo
nha,ouparente feu ſe chamaſſe de Portugal.
6
Sendo alem diſſo os homens naturalmente tam cobiçoſos de honra , &
de nobreza, que ſe vem cada dia fallamente enxerir em familias de que
DAT nao ſao, que fazam àvia para eſte Roberto ( ſe o ouvera) ſendo primoge
,
pito de hum Rey, ſe não chamar Infante, ou filho de Rey como era ? Ou
rol
porque nem elle ,nem ſeus deſcendentes trouxeraõ as armas Reaes de Por
Lear
ngal em ſeus eſcudos & bandeiras, queſó a elle mais que a ninguem ou.
trem , pertencião? E ja que como herdeiro do eſtado de Bolonha as não
el trouxelle puras,como as não trazia juntamente com as outras? Porque cf
liti tar deſpojado da dignidade o nome, & titulo, & as inſignias , main Inas
ha
tolhia ninguem.Chamavale o meſmo Rey D.Afonſo CondedeBolonha,
depois
CHRONICA
depois da morte da Condeffa Mathilde,ſendo elle Rey de Portugal,& el
tando Bolonha em mão de outros poſſuidores,não lhe pretencendo ja o
eſtado, nem o titulo,queera da molher que repudiàra,& não ſe chamára
Roberto Infante de Portugal , pertendindolhe per direito ſeo fora?
Nem era pequena conje & ura o nome de Roberto tam frequentado de
Francezes,& tam eſtranho em Heſpanha, que não ſabemos homem que
deffe nome ſe chamaſie. A mui veriſimil era, que a hum filho de hú l'rin
cipe,como o Infante Dom Afonfo, fe poria o nome de algum dos Reys de
Portugal, Caſtella,ou Aragam ſeus avós,ao coſtume de todas as naçoens,
mayormente entre gente,onde ha mayores peſſoas, que repreſentar, & de
que ſe honrar,comodam teſtemunho tantos Ptolomeus no Egypto,tantos
Carlos , & Luiſes em França , tantos Afonſos em Heſpanha , Duar
tes & Henriques em Inglaterra, & Amadeus & Manueis em Saboya.Na
quelles meſinos temposproximos ao Infante Dom Afonſo , elRey Luis
VIII. de França cazara com Dona Branca filha delRey Dom Afonſo VIII
de Caſtella,& por reſpeito do ſogro a ſeu filho terceiro, que foi o Conde
de Poictiers, The chamou Afonſo , nome que até entam ſe não ouvira em
França. E por memoria da meſina Rainha Branca ſeu filho elRey Sam Lu
is chamou Branca a ſua filha mais velha,que cazou com o Infante D. Fer
nando de Lacerda,primogenito de Caſtella. Nem eſta cojectura do nome,
onde ha coſtume,he tað fraca,que não eſcreva o Evangeliſta S. Lucas, que
tratandoſe de pôr nome ao filho de Zacharias, que foi Sam loao Baptiſta,
ſe cſpantàvao ſeus parentes & amigos, de o chamar Ioanne , não avendo
homem de tal nome em ſua linhagem . Iſto tem natural razão. Porque co
mo o principal fim dos homes em ſeus matrimonios, & na procrcaçam de
ſeus filhos, ſeja per elles reviveſcorem, & fe perpetuarem , inventāram
nomes, & cognomes, para que a geraçãm de cadahú ſe reconheceſſe fein
pre,& ſe nãoconfundiſſe com as dosoutros: & para com aquellesnomes
ſuſcitarem tambem as memorias de ſeus antepaliados. Sendo pois iſto tă
to mais coſtumado entre os Heſpanhoes,que ſó por a obrigarem a reter os
cognomes, & appellidos, inventārao mòrgados, mais que outras naçoens ,
como o Infante Dom Afonſo Conde de Bolonha, poria a ſeu filho nome
que não foſſe de Reys ſeus avós,de que mais ſe podia honrər? Nem ſe po
de dizer, que quis que levafle onome de algum avô materno. Porq em to
da a geração dos Condes de Bolonha antes de Mathilde não ouve ſenhor
daquella caza, que Roberto ſe chamaſſe.Havia muitos annos que a caza de
Bolonha andava em femeas, até chegar a Euſtachio IJ, como acima fi
ca dito,& os maridos deſſas forão Regnaldo avô de Roberto,Matthco El
facio viſavô ,Stephano Conde de Bles treſavô. Deſtes para cima até che
gar a Ligel de Altamira,em que começou o Condado,ha 1116 arnos,não
ie acharà, que algum Conde de Bolonha ſe chamafe Roberto como pela
arvore de ſua linhagem , que compoz o meſmo Joim Neſtor ſe pode ver,
INO
A DEL-REY D.AFONSO TERCEIRO . 76
leleplete lio fui porque Roberto era cabeça deoutra familia , & tomou o nome de
olheprettie [cusavós os Codes de Claramonte & de Alvernia,dondepela linha patera
Ciao,&ni sa procedia, como tambem ſeus ſucceſſores tomàraõ delle. Porque, como
er direito est omeſino loam Neſtor eſcreve ,eſte Roberto filho do Conde de Claramó.
rto tantra: te,& Alvernia,que a Mathilde fua tia ſuccedeo, teve hum filho,que tam
dolabermaliai bém ſe chamou Roberto, cujas eſcrituras diz que vio do anno de 1270.8
ahumih . que no anno de13 20. avia em Bolonha oucro Conde Roberto à quem >
sit trazia, ſegundo a opinião de alguns;& outros dizião que o tornou a levar 1
irmãos ) ouve poucos mezes. E não era veriſimil , que depois de levantado
por Rey ,o não ſoubeſſe a Condeſſa ſua molher,le não dahi a algus annos. .
E que nelles não ouveſſe quem lhe levaſſe tão boas novas,como craó fer el
la liainha de Portugal. O que aquelle Autor eſcreveo com pouco dif
curſo , & incöſideradamente. Porque não attentou as circunſtancias das pel
foas, & couzas de que fallava, que era dę hum Rey , & huma Condeffa de
Bolo
CHRONICA
Bolonha marido & molher que ſe queriáo grande bem ,& que allipor ef
ſa razão ,comopor o coſtume dos Princepes, quc uſao de ſeus devidos com
primentos,cadadia aviao de ſabernovas hum do outro , mayormente no
principio da vinda do Infante a eſteReyno, onde achou muytas contra
diçoens. Nem conſiderou que eſtas novas avião aindade ſer maisfrequě
tadas entre eles Princepes,poroReyno de Portugal eſtar eſtendido ao ló
go domarOceano,donde cada dia ſe navegavaa França, & a Condeſſa
reſidir em Bolonha lugar maritimo, & em vezinhança de portos muy fre
quentados de Portuguezes, principalmente naquelles tempos onde fua
principal & ſó navegação era a França,& a Flandres,por não terem ainda
commercio com outras terras,que depois ſe deſcobriraó. Peloque necef
ſariamente avia de ſaber a meùde novas de feu marido, ainda que não quia
ſeſſe. Ajuntavaſe a ilto a circultancia das peſſoas dos Reys de Caſtella,&
Portugal tam celebrados pelo mundo, & a maneira per que o Rey de Por
tugal cazou com filha de tão grande Rey, ſendo viva fualegitima molher
tam nobre, & tão aparentada ,& tão benemerita delle. Perque ſe ſoube
logo da femjuſtiça daquelle cazo em toda a Chriſtandade, quanto mais
na cortede França & em Bolonha ,onde a parte offendida habitava, & de
1 que elRey Dom Afonſo fora ſenhor,& fe chamava ainda Conde.
Tambem não era couza para ſe dizer, nem crer, que huma Princeza co
mo a Condeſſa de Bolonha, deſcendéte de tantos Princepes, & noraĝfo
ra dos Reys de França,& Portugal,& que ja per direito era Rainha, viela
ſe a ſeu novo Reyno de ſubito,ſem ſeu marido a mandar buſcar, & o faber
para ella vir com majeſtade, & apparato com que as novas Rainbas fe re
cebem . E mais abſurdo & contra a razão dos tempos he dizer, que guan.
do chegou a Caſcaes ſoube que elRey era cazado, & que eſtava com ſua
nova molher em Friellas. Que ſe ajuntarem o tempo em que a Condella
ſoube do alevantamento de ſeu marido em Rey, & o cazamento com a Ra
inha Dona Beatriz,fica impoſſivel. Porque o tempo em que a Condeſla
neceſſariamente avia de ſaber do reinado deſeu marido , era no anno de
1 246. & quando elle podia trazer Dona Beatriz para caza,ſeria para o an.
no de 1260. que foidahi a 14.annos. Porque notorio he, que elRey D.
Afonſo de Caſtella,com cuja filha o de Portugal cazou, começou a reinar
no principio do mes de lunio de 1252 , comona vida delRey Dom San
cho IJ.moſtramos, & qelRey de Portugal não cazou com ſua filha baſtar
da, quando elle era Infante,& eſtava debaxo do poder de ſeu pay,masque
cazou em tempo que era ja Rey,& lhe podia daro grande dote que dizem
que lhe deu. Peloque do anno de 1246. em que o Conde de Bolonha
veyo lur Rey de Portugal, & a Condeſſa ſoube de ſeu cazamento , até o
principio do reinado delRey de Caſtella paffáraó ſeis annos. E alli confa
pela ſupplicação acima dita dos Prelados de Portugal,que quando o Co
de de Bolonha concertou cazamento com a Rainha Dona Beatris, era ella
menina
DELREY D. AFONSO TERCEIRO, 77
menina, & não de idade para cazar,& ſeu pay era ja Rey.Pelo q aos dico: 6
annos ſe avião de ajuntar os annos que ella eſperou em Caſtella atê fer de
idade para a entregarem a ſeu marido,& vir a Portugal.O q não foi pouco
tempo. Iſto ſe prova pelo primeiro pacto da Rainha D.Beatriz. Porque o
Infante Dom Diniz primogenito naſceo no anno de 1261,& o Infante D.
Afonſo logo no anno ſeguinte,quando ja a Condeſſaera fallecida. Porque
& i as differenças que entre elle & o Infante D.Diniz avia,naſceraõ de ter pas
intos. Ia fi o Infante Dom Afonſo, quea ſucceſſaõ do Reyno per morte de feu
pay pertecia a elle,por naſcer filho legitimo delRey,& D. Diniz fer adula
2.0
terino,como naſcido em vida da Códella Mathilde, & q em ſeu perjuizo
não podia fer legitimado .A que por parte de D.Diniz tábem ſe opunha ý
por elRey DomAfonſo , & a Rainha D.Beatriz fere parentes, & cazaré em
" e .. vida deMathilde,tinha o Infante D Afonſo neceſlidade de ſer diſpelado
pelo S. Padre. Eſte naſcimento dos Infantes ſer naquelle tempo que dize- .
mos ſe prova pela petição dos Prelados acima referimos. Porg fallecen
IC do a Condeſſa aquelle anno de 1262.dizião o Papa que a Rainha D. Bea
triz ſe ſabiaja ter dous filhos. O que era por fer entãorecem naſcido o In
fante D.Afonſo ſegūdo genito. Peloquehe grade arguméto, ſendo a Ra
inha molher que não tardava em parir,viria para ſeu maridoa Portugal no
anno de 1260.por diante,poſto que algus annos antes eſtiveſſe concertado
O cazamento,pois pario hum filho em húanno, & outro logo no ſeguinte.
Diſo tudo hemaimui mais baſtáte prova a carta do Papa Alexádro III ].
para o meſmo Rey D. Afonfo de Portugal,em go adhorta,a ir com os mais
Princepes Chriſtãos á guerra contra os Tartaros que pretendião occtipara
a Terra Sancta. A qualcarta paſſou no anno fexto de ſeu Pontificado , era
o de 1260.& com palavras como a Princepe Pio,& filho obediente á Igre
ja, & com a coſtumada ſaudação da Apoſtolica benção,que ſe não manda
aos excomungados.De que ſe ſegue, que nem a excomunhañ era acabada
pois a Cõdeſta era viva neſſe tëpo,nem começada,mas q naquelle tempo
logo ſe ſeguira o cazamento,& 'a excomunhão , & duraria até o anno de
1 262.em ở osPrelados do Reyno pedirao ao Papa Vibano. IIIJ. & logo
fuccedeo ,que lha levantaſſe, por então morrer a Condeſſa de Bolonha.Do
que ſe täbem ſegue,qo interdicto que ſe poreſte cazopoz no Peyno, não
duroy 12 annos comoos antigos dizião,ſenão dous.Iſto le diſſe tátoaolo
go,para moſtrar pela computaçãodos annos,que he demonſtração certa, g
como fica ſendo impoſſivel,que a Condeſia vieſle a Lisboa,& achaſſe que
Cat
eſtava elRey em Friellas com a Rainha Dona Beatriz, alli he falſo tudo o
mais que fundado neſta fabula ſe reconta.
E para ſa gente vulgar,ý não ſe moue tanto por ratocns, quanto pelos
feiitidosdeviſta,& ouvida,fe fatisfaça, he neceffario declararſe, que ſe
Poltura era a de Sam DomingosdeLisboa, em queavia fama no povo,que
eſtava enterrado hum menino filho da Condeſſa Mathilde,& de Rey Di
0 Afor
CHRONICA
Afonſo feu marido , que diziao q era o que trouxera conſigo, ou mandára
de França. Eſta era húa fepultura que agora ha 20 annos fe desfez para def
pejo docruzeiro onde eſtava.O tamanho della era grande, nao para hua
Sepultu mienino,que elles diziað alli jazer . Mas para qualquer homem de grande
Domin- corpo. A caxa era demarmore branco, eſculpida aoredorde arvoredo, &
ços de montaria de porcos, & cães,ou por quem alli jazia ſer inclinado à caça,ou
Lisboa por inſignia de jazer alli peſſoa de alto lugar , & nobre, de que era proprio
não era aquelle exercicio. As letras que eſtavão na cobertura da caxa eraõ Gorli
de filho
algú de cas,que eu muytas vezes lij,& fegūdo lembrançade peſſoasgraves, & Re
Mathil. ligioſos de grande authoridade daquella caza, diziáo jazer alli o Infante D
de. Afonſo filho delRey D.Afonſo Conde de Bolonha, & da Rainha D. Bea
triz ſua mulher.O qual era aquelle ſegundo genito, q acima diſſemos ąco
el Rey D. Diniz ſeu irmão trouxe differenças, & foi ſenhor de Portalegre,
Caſtello da vide,deMarvaó,de Arronches, & de outros lugares, & que
deixou muytas filhas cazadas com grandes ſenhores de Caſtella,como a di
ante ſe dirá.Com aquelle epità fio ,que naquella ſepultura eltava, confor
me Fernão Lopez chroniſta antigo,que a chronica delRey D. Diniz eſcre
veo,que afirma eſtar alli ſepultado o meſmoInfante D.Afonſo, filho del
Rey D.Afonſo III.& da Rainha Dona Beatriz. E per viſta de olhos conf
tou nao eſtar alli ſepultado moço algum depouca idade. Porque queredo
o Prior deſpejar o cruzeiro,ou por nam ler aquellas letras, por queconſta
va jazer alli hum filho do Rey que fundou aquella caſa,ou porcuidargie
ria algú menino,mandou tirar a ſepultura daquelle lugar,& paffar os ollos
a outra ſepultura pequena, & fem letras,g oje ſe vê na parede do meſmo
cruzeiro. Pelo q abrindoſe a ſepultura grande achàrað hú grande corpo de
homem groſſo , moſtrava ſer de idade grande.O corpo eſtava inteiro, &
favillimo com toda ſua carne,tiradoa cabeça ,& pernas, de q tinha a carne
comida,envolto em hú pano de feda amarela ,& cingido pelacinta có hua
corda de linho,tudo taoſao & inteiro ,comoſe le puſera aquella hora. Pelo
ý por o corpo ſer mayor do q cuidavko, & a fepultura a q le paſſava ſer tai
pequena,parecco neceffario ,desfazer o corpo ,& incurvalo , & fazelo ca
ber na menor ſepulcura. A qual ſe ſe não desfizera ,fora grande teſtemunha
da errada opinião q andava na gente vulgar . Por aquelle epitafio tiráta
toda a duvida.Da qual abertura de ſepultura, & invenção do corpo, q nel
la eſtava, q eu andava inveſtigando,medeu hum eſcrito de ſua mão o P.M
Frei Bartholomeu Ferreira ,Deputàdo da fan & a Inquiſiçao , & Revedor
dos livros, affinado pelo meſmo architecto, que abrio a ſepultura , & mu
dou o corpo que dizia o acima dito . O qual corpo depois ſe tirou da
caxa de pedra em que eſtava, pera o paſſar a outro lugar, onde agora ef
tà junto a Cappella de Santo Andre ,& eu o vi em companhia de D. Frey
Antonio de Souſa ,g foi Biſpo deViſeu ,& D. Fr.loao de lasCuevas cófeflor
do Princepe ArceduqueAlberto , depois foi Biſpo deAvila.O qual era de
huin
DELREY D. AFONSO TERCEIRO , 78
lum homem alto & apeffoado demuytascatnes,conforme ao que acima dil
3 fe. E alli foi viſto pormuytas peſſoas na Sancriſtia onde eſteve muytos dias
antes de o torgarem a ſua ſepultura. Demaneira que a fama de alli eltar hū
menino filho de Mathilde ,era falla & váa,& era certo eſtar alli o Infante D.
Afonſo irmão inteiro delRey Dom Diniz,que morreo de grande idade coin
muy tos filhos, & netos. pu..da
É para que não fique couſa a que ſe nãoreſ ,outra hiſtoria como el
ta andava entre as velhas,& gente popular,porque contavão que quando a
Condeſſa veyo a Caſcaes, & foideſenganada delRey ſeu marido,que a nain
Ecoduoda
avia de recolher ,tornandofe para França,eſtando ja para dar à vélla , lhe dei
MUSIC
xou dous filhos,dizendo: que deixaſſem a elRey , que tomaffe lá ſeus cachos
onoodocuito
abdodondis
pois,& que por iſſo le chamou Cachopos aquelle lugar do mar, onde os dei
xou nao entendendo aquella gente vulgar,que cachopos he palavra Portu- Cacho
gueſa de homens ruſticos,porque chamão aos moços de pouca idade , & que pos
mar no
de
a Condeſſa Mathilde Franceſa da Gallia Belgica nao podia fallar por aquel Lisboa
les termos da lingoa Portugueſa,que nam ſabia,& que aquelle lugar da Barn döde fe
ra de Lisboa de penedia, & bancos,que vão por debaxo da agoa, onde as nào dizei .
os perigao,ſediz cachopos,corrupto o vocabulo Latino Scopulus,como ſe cor
romperaó pela ſucceſſao dos Godos, & dos Mouros outros infinitos vocabu
los que temos da lingoa Latina,dondea noſſa tema origem. Iſto he couſa de
graça, & indigna de ſe recontar em hiſtoria, queſeja grave. Mas opinioens
taoantiguas,com que os homés ſe criáraó,ſao tao maisde arrancar, que todos
os meyos ſað neceffarios para as desfazer.
Pelo que nað ſe deve ter por ſobeja & seſcuſa da eſtainveſtigaçao, & meú.
o oria
da relaçã , queſe fez, porque nas hiſt cuberto m o
deſ o
hu err le cira mui Erro dos
tos, que della depende ,& averigoadahúa verdade, ſe deſcobré outras muitas, que oul
per outros antes de nos eſtivera feita eſta deligécia ,ſobre a Códeſſa Ma- Rainha
E ſede não ſe ouvira
thil nos noſſos dias no juizo da ſucceſlaõ deſte Reyno de de Frans
Portugala Rainha de França Catherina de Medices ,como deſcendente del . ça na
là , & delRey Dom Afonſo Conde deBolonha ,que pretendia ſer admittida cauſa da
como oppoente, ſe a cauza procedera, & fe lhe reſpondera pelos pretenfo- de Por
res doReyno com outra melhor defeſa, que a dapreſcripçam ,pois conftava tugal,
per eſcripturas dePortugal, & pelas meſmas hiſtorias de França, que nam
deſcendia dos Reys de Portugal, nem podia por via algúa , ſer parte naquel
o . anda na hiſtoria delRey Dom Afonfo ſobre a cauſa do tepu
Ourttrenoſaerro
la pe
dio da Condeſſa ſua mulher. Porque por ſer notorio em França, o amor que
entre elles avia,& o muyto que ſe elRey prezava de ſer Conde de Bolonha ,
arrribuem deixar a Condeſſa por as terras, que lhe ſeu ſogro dava em dote,
com que ſe ampliava o Reyno de Portugal . Ao que accreſcentavað, que fen
do elRey reprendido de hum feu privado , por deixar a Condeſſa, ſendo
tain virtuoſa , & tam benemerita delle,& com quem eſtava ligado per fé, & fa
02 Sramen
CHRONICA
' CHRO
gi
CHRONICA
DEL - R E Y DOM DINI Z.
!
DELREY D. DINIZ IOI
FI M.
V2 CHROA
:
! TIS
CHRONICA
DEL-RE Y DOM AFONSO OIV .
E dos Reys de Portugal o VIJ.
Sobre o qual eſteve tanto, até que o Alcayde lho deu, & derribado o Caf
tello, ſe tornou a Portugal.
E porque as mais delavenças que elRey D. Afonſo teve com ſeu fobrie
5. nho elRey D.Afonſo XI.de Caſtella, foraó ſobre o cazamento de ſeu fi
BU lho o Infante D.l'edro herdeiro doReyno,com D. Coſtança, filha de D.
João Manuel, por os grandes eſtórvos, a iſſo deo,& ſobre o cazamento da
the intante Dona Maria lua filha com o dito Rey de Caſtella, poro mào tra
wa samento, que lhe fazia por cauſa dos amoresde Dona Lianor Nunez de
Cuzmão ſua amiga,he necefferio para noticia das hiſtorias de Portugal,fa
a zer dellas digreſlaó , & recontar algúas de Caſtella.Poró como eſtesReye
Le nos ſao tað vifinhos , & os Reys tantas vezes liados por cazamentos, & de
todas boa ; ,& más fortunas participantes,& as couſas de hú Reyno taó co
núis ao outro ,pois hūas,& outras tratao dos meſmos negocios, & das mef
mas peſſoas,as hiſtorias de Portugal,não ſe podem ſaber ſem as deCaſtella,
renas de Caſtella,ſem as de Portugal.
Tanto pois,que elRey D.Afonſo XI. de Caſtella ſaio de poder de ſeus
tutores,& lhe foi entregue o governo de ſeu Reyno ,os que o governavao ,
& fazião tudo, eraõ dous do ſeu Conſelho mais privados. l. Garcilaſſo da
Veyga , & Alvaro Nunez Oſorio,natural de Lião,homeaftuto, & fabedor.
Mas que para ſe fazer grande teve mais induſtria ,que prudencia para ſe
; .
conſervar. E entre os grandes que na Corte andavão,os mais nobres em
: ܝܰܙ.
ſangue, & potencia,erão D.João o Torto, filho do Infante D. Joam, que
ole antes ſe chamava Rey de Lião, quemorreo na Veyga de Granada, & fora
filho de Rey D Afonſo. X. & D.Joam Manuel. Do qual como de varão
ude !
tao illuſtre, & notavel, & de que tanta mençaõ adiante avemos de fazer,
pareceo neceſſario dar inteira noticia.Foi D.João Manuel filho do Infan
tc D. Manuel,cujo pay foi elRey Dom Fernádo o III.de Caſtella,que cha
máraó o Sancto, & ganhou dos Mouros Sevilla, & Córdova. Sua may foy
5,6
D Coſtança,ſegundo Philiberto Pingonio,na genealogia dos Duques de
Saboya ,filha de Amadeu III.Conde de Saboya,a qo epicáfio da fepulcura
do dito D.Joao Manuel, eſtà em oMoſteiro de S.Domingos de Penafi
el chama Beatriz ,o qual erro(le erro he cauſaria não ſer o epità fio do tem
1!.
po damorte de D.Joao Manuel,mas muitos annos depois; poisnelle ſe faz
inenção de elle ſer avó delRey D. João I.queainda não era naſcido,quan
do elle morreo . Chamouſe per alcunha Manuel,ao cuſtume daquelle tem
po pelo nome de ſeu pay.O qual Infante D. Manuel,com os mais feus ir
mãos filhos do dito Rey D.Afonſo X.ſe chamarão dos nomes de ſeus avós
maternos,comoo Infante D.Fadrique,por o Emperador Fadrique Barba
roxa ſeu bis avô, & o Infante Dom Felippe pero Emperador Felippe feu
avo,pay da Rainha D. Beatriz ſua máy. E affi D. Manuel por memoria de .
elle ſua filha Dona Coſtança, que ainda era mui moça,para que ſendo af
fi ambos liados,ſe podeſſem valer contra as offenças delRey, de que ſe
temiam .
Vindo à noticia delRey de Caſtella da liança, & concordia daquelles
dous grandes ,& vendo quanto deſaffoflego lhepodião cauſar, por ſua mui
ta potencia,principalmente por ſer vivo Dom Afonſo de Lacerda,que ja
ſe intitulata ReydeCaſtella,& o pertendera fer, que ſe poderia ajudar
delles,por conſelho de AlvaroNunez de Oforio ſeu privado, mandoule
cretainente hum meſſageiro a Dom JoãoManuel,perque Ihe rogava, que
ſe não apartaffe de ſeu ſerviço. Porque lhe deſejava fazer merce, &telo
conſigo,& darlhe parte dos officios,& governo de ſeus Reynos. É que a
Jem diſſo lhe apprazia cazar com ſua filha Dona Coſtança. E como Dom
Joam foi tentado de cobiça,& ambição,affectos que levão os homens a
poz fy,foi mui alegre, & com algumas diffimulacoens,que não faltaráo, le D. Ioad
apartou logo de Dom Joamo Torto,feu parente,& amigo , & ſe foia Pe. Manuel
nafiel, onde per procuraçoens baſtantes delRey ſe contratou o ſeu caza- do inte
mento com Dona Coſtança, & fe derão ſeguridades de caſtellos,que ſe pue relle a
ſerão em mão do meſmo Dom João Manuel. E para vir Dona Coſtança partaſc
a poder delRey,forãopor ella o Infante Dom Felippe tio delRey,& a In• da ami
fante ſua mulher, & muitos Senhores,que a trouxerão a Valhadolid, com zade de
D. Ioam
a qual tambem vinha D.Joãoſeu pay. E em Valladolid ſe celebrarão os o Torto
eſpoſorios com muitas feſtas, & folennidade.E porque Dona Coſtança e
ramui moça,fem a elRey tocar,foi entregue a Dona Tareja fua aya, que Deſpo
a criaſſe.E a D. João Manuel fez elRey Adiantado mòr das fronteiras de forios
Andaluzia , & do Reyno de Murcia. del Rey
de Caſte
Dom Joam o Torto , ſabendo o que paſſava,fe ouve por enganado, & lla , com
logo ſe fez vaſſallo delRey Dom Afonſo de Portugal , para delle aver a Dona
quantia de dinheiro, queo Infante Dom Joam feu pay ouvera delRey D. Coſtāça
Diniz ,que era mui grande,parecendolhe,que niſſo deſagradava a elRey filha de
de Caſtella. Peloque elRey lhe tomou inayor odio, & muito mais quan D.Ioam
lo ſoube, que Dom Joam Manuel lhe mandara dizer, que ſem embargo Manuel.
do cazanento de ſua filha,elle meſmo o ajudaria contra elRey, ſe dano,ou
aggravo lhe quiſeſſe fazer, como com elle tinha concertado, & jurado. E
a
i
DELREY D. AFONSO QVARTO 118
tiria em tal cazamento,nem faria couza algúa contra vontade, & parecer
Celle. El Rey de Aragão reſpondeo ,que tinha a elRey feu ſobrinho por
tio prudente, & attentado,queentendiria , que não podia elle de tal cou
za levar contentamento, Porque niſſo ſe fazia grande offenla a Deos, &
a ſua neta a Rainha Dona Coſtança, & grande afronta á caza de Aragam,
de que a elle como tana chegado divedo tocava ſua parte.E q de tal coufá
nan podia deixar de aver muito eſcandalo. E que nam devia elle como
Rev , como cavalleiro, & como parente, q tamanha injuria ſe fizeſſe a huma
mulber das qualidades daRainha Dona Coſtança, & a tantos,& taes Prin
cipes,a queaquella offenſa tocava,principalmente ſendo as coužas, per
que elRey de Caſtella juſtificava o divorcio,tao fracas. Sobre iſſo man
Jou elRey de Aragão a elRey de Portugal a Boshon Ximenez juiz de ſua
Corte. Mas tudo aproveitou potico , porque elRey de Caſtella ſe deter
ininou em effe&tuar o cazamento de Portugal, & deixar Dona Coſtança.
Como Dom Joam Manuelſoube do divorcio de ſua filha, fe mandou
per ſeu procurador deſnaturalizar,& deſpedir delRey ,& logo ſe cõcertou
com elRey de Granada,paravir contra Caſtella. Tambem femandou quei
xar a elRey Dom Afonſo de Aragão ſeu cunhado, por aver fido cazado
com a Infante Dona Coſtança ſua irmãa. Peloque Dom Joam per dentro
do Reyno,ondetinha muytas villas, & caſtellos,& elRey de Grariada pe
bo eſtremo de huma parte, & os Capitaens delRey de Aragão per outra,
fazião grandes danos per todoo Reyno de Caſtella.ElRey porque da vil
la de Eſcalona,q era de Dom Joam Manuel, lhe fazião muito dano, veyo
a lhe pôr cerco, onde confirmou, & jurou o cazamento com a Infante D. ANNO
Maria, que foi no anno de 1328. E porque elle não podia ir receber a In- 1 328
fante,ao tempo que contratara,poro embaraço das guerras,em que anda
va, inandou pela Infante Dona Lianor ſua irmáa ,que eſtava em Valhado- Cazamé
to del
lid,para ella irà raya de Portugal eſperar a Infante D. Maria. Mas os da Rey D.
villa a não deixàrao ſair della,porquecrião,que a mandava elRey levar, Afonſo
para contra ſua honra,& eſtado a cazar com ſeu privado Don Alvaro Nu- XI. de
nez de Oſorio,queja era Conde de Traſtamara ,de Lemos, & de Sarria, Caſtella.
Camareiro mòr,& Mordomo mòr delRey, & Adiantado Mayor da fron Titulos
teira , & Portigueiro mòr da terra de Sanctiago , que era Juſtiça mayor: de Alva
finalmente o mayor Senhor de Caſtella, & que a governava toda. E re ro Nu
ceavão ,que depois de cazada,ordenafſea morte delRey,para elle por reſ- nesOlo
peito da Infante ficarRey de Caſtella, por não aver outro herdeiro , le- rio.
não ella.
Por eſtes boliços,& outros, que começaváo moverſe, elRey levantou o
cerco de Eſcalona, & fe foi a Valhadolid, onde por cauza do Conde Dom
Alvaro Nunez,que de todos era muy malquiſto, não quiſerað recolher a
« Rey, & lhe fechàrão as portas. ElRey por os males,& tiranias, que do
Conde lhe contáraó,& por aſſoſſego de ſeus vaſſallos, o lançou de ſua ca.O
za.
CHRONICA
fa. O Conde aggravado do disfavor delRey, que elle não eſperava, at
chandoſe poderoſo ,& ſendo indignado moveo contra elle muitos tratos
com Mouros, & Chriſtãos,& fez muito dano em muitas partes do Rey
no. Mas como ſempre faó perigoſos, & poucas vezes ſuccedem bem os
acommertimentos dos vaſſalloscontra osſenhores, & das mayores privar .
ças , de que mal uſao os privados,vem cair em mayores odios,o Conde foi
morto per mandado delReyper hum Ramiro Flores de Guzmáo, & de
Morte pois queimado, & julgado portrèdor,& ſeusbens confiſcados. E logo ſe
de Dom partio elRey de Valhadolid,com a Infante Dona Lianorſuairmã a,acor
Alvaro
Nunez. panhada de Condeſſas, & grandes ſenhoras, & fe forão â Cidade Rodrigo,
Qlorio . & dahi a Infante Dona Lianor fe foi diante ao Sabugal, villa do Eſtremo
de Portugal, onde eſtava elRey Dom Afonſo com a Sanda Rainha Dona
Ifabel lua máy, & coma RainhaDona Beatriz ſua mulher,que traziam a
Infante Dona Maria,dos quaes foi a Infante Dona Lianor grandemente
recebida ,& feſtejada, & com muitas moſtras de amor por ſer ſobrinha del
Rey, & da Rainha Dona Beatriz,& neta da Rainha Dona Iſabel. E de
pois de ahi eſtarem alguns dias,ſe forão à villa de Alfayates, que tambem
' he de Portugal,aonde veyo,elRey de Caſtella, & ahi ſe fizerão ſuas VQ
das com grandes feſtas, & folenidade. Acabadas as vodas, ſe forão a Fon
te Guinaldo, que he de Caſtella , & ahi concordàrão o cazamento do In
fante Dom l'edro ,herdeiro de Portugal,com a Infante Dona Branca, fi
lha do Infante Dom Pedro de Caſtella tia delRey. E feitas as ſegurida
des de caſtellos que ſe avião de dar,elRey de Portugal ſe tornou para ſeu
Reyno, & elRey deCaſtella com a Rainha ſua mulher, & a Infante Do
na Lianor para Cidade Rodrigo, aonde tambem foi a Rainha Dona Be
atriz de Portugal,máy da Rainha noiva. E dahi ſe tornou ao Reyno. Nel
tas viſtas dos Reys,fe concordou o cazamento da Infante Dona Lianor,
com elRey Dom Afonſo de Aragão,o que chamárão Piedoſo, que ja fcia
cazado primeira vez com Dona Tareja de Entença,Condeſſa proprieta
ria de Vrgel, de que ouve o Infante Dom Pedro,que no Reyno lhe ſucce.
deo. A qual Condeſſa inorreo quatro dias antes que ſeu marido foffe Rey.
Deſta Infante Dona Lianor de Caſtella naſceo o Infante Dom Fernando
Marquez de Tortoſa, & ſenhor de Albarrazin ,que na Cidade de Evora
cazou com a Infanta D. Maria, filha delRey Dom Pedro. Depois no an
no ſeguinte ſe tornarão ver elRey de Portugal,& o de Caſtella em Fonte
Guinaldo,& alli aſſentárão,que asfortalezas, que erão dadas em ſegurança,
ſe mudaſſem em outras, & fe deſſem aos meſmos fidalgos de hum Reyno,
& outro, ſob as meſmas homenagens, que erão feitas. E a eſtas viſtas trou
xe elRey de Caſtella a Infante Dona Branca ſua prima, & a entregou a
elRey Dom Afonſo, que a trouxe a Portugal, & a criava como filha, atè
ſer de idade para cazar com o Infante Dom Pedro.
Havendo dous annos que elRey Dom Afonſo de Caſtella era cazado
COD
DELREY D. AFONSO QVARTO . 119
com a Rainha Dona Maria,& tendo della ainda filhos, ſe veyo a namorar
de hũa mulher moça & viuva mui fermofa, & de grande linhagem , & ri
ca ,per nome D. Lianor Nunez de Guzmáo, filha de D. Pedro Nunez de
Guzmão,& que fora mulher de D.João de Velaſco. A qual elRey vira ein
caſa de hũa ſua irmãa cazada com Dom Henrique Henriques. É vindo a
converſar,ouve della per tempu muytos filhos, & lhe foi affeiçoado de ma
neira que atrazia conſigo publicaméte coino Rainha com todas as honras
poffiveis,tratando com grandesdisfavores a Rainha ſua mulher. A Sancta
Rainha Dona Iſabel mulher delRey D.Diniz, ainda era viva, por ſer avô Rainha
delRey,& da Rainha de Caſtella,dojaſe do peccado, & deshõrado neto, & Sá ta Ifa .
bel vai a
da mà vida da neta.Peloque,para atalhar eſte fogo no começo , foi a Car Caſtella .
tella verſe com elRey feu neto em Xerez de Badajoz,onde lhe fez aquel
las amoeſtaçoens,que ſua ſantidade, & parenteſco requerião , a que elRey
ſatisfez com promeſſas,que não comprio . Mas como he natural dos que
amão,crelcia nelle o amor, quanto mais lho defendião .
Entre tanto D.João Manuel como eſtava aggravado delRey de Portu
gal,por eſtorvarocazamentode D.Coſtança,& cazar com elRey de Caſtel
la ſua filha Dona Maria,buſcavamaneiras para no meſmo cazo ſe vingar
delle,tratando tambem de caminho ſegurança de ſeu eſtado,deq eſtava du
vidoſo ſabendo,que tudo ſe fazia per vontadede D. Lianor Nunez, Pelo
que lhe mandou hum měſageiro ſecreto,per q a induzia, fizeſſe com elRey
que deixaſſe a Rainha D.Maria,com que não podia ſer cazado,porſer ſua
prima coirmãa,& cazaſſe com ella,& que elle a ajudariacom todas ſuas for
ças,& com elle ſerião todos os grandes doReyno.Dona Lianor, a não era
inenos diſcreta que fermoſa,entendendo que aquillo era por reſpeitos mais
que per vontade,lhemandou eſtranhar muito o accometimento,mádando
aos menſageiros,que lho tiveſſem em ſegredo , & a D.João ſe mandou of
ferecer ,para o reconciliar com elRey.A tenção de D.João não era, coprir
o que promettia a D.Lianor,mas ſomente metter odio entre os Reys ſo
gro,& genro,para elle fazer melhor ſeus negocios,tendo elRey deCaſtella,
que fazer em outra parte.
Per eſte tempo eſtava na Corte de Caſtella D. Fernão Roiz de Valboa
Prior de S.João ,doConſelho delRey, & feu muito aceito,& Chanceller da
Rainha D.Maria.E porque elle eraleal ſervidor da Rainha,lhe era elRey
de Portugal mui affeiçoado. Eſte Prior de São João era grande amigo de
D. João Manuel. E porq o deſejava ſervir,ſem deſervir a elRey de Caſtel
la tratou ſecretainente com elRey de Portugal,que desfizeſſe o cazamento
que tinha concertado entre o Infante D.Pedro ſeu filho, & a Infante D.
Branca,alli por muitas razoés legitimas q lhe para iſſo dava,comopor o In
fante D. Pedro não ſer contente della, por ſer ethica, & doente de doença,
que The torvava o entendimento. Etambé fez entender a elRey D.Afonſo
que lhe era neceſſaria a liança com D. João,para a diſcordia, que ja fe co
х meçava
: CHRONICA
meçava entre elle,& elRey de Caſtella feu genro,ſobre o mào tratamento
q dava à Rainha,por reſpeito de Dona Lianor,& que devia de cazar o Itin
fante D. Pedro feu filho com Dona Coſtança filha do dito D. Joao. Eſte
tratado ſobre o cazamento de Dona Coſtança ,eſteve encuberto, até q de
pois ſe veyo effeituar.E avendo já cinco annos, que elRey D. Afonſo de
Portugal trouxera,a Infante D.Branca a ſua caſa,& a criava como propria
filha,por ella ſer doente de paileſia, & quaſi ethica,o Infante D. Pedro ef
tava deſcontente,& deſcobrio a ſeu pay, que nao avíade cazar con ella,
pedindolhe,quenem com ella, nem com outra o fizeſſe cazar contra fuá
vontade. ElRey D. Afonſo fez ſaber a elRey de Caſtella as doenças da In
fante,pelas quaes não era para cazar.E que para juſtificação de todos , má
dalle a Portugal peſſoas de quem fiafle, & que o bem entendeffem , para fa
zerem experiencia, & ſegundo o que delles ſoubeſſe, ordenaffe o que lhe
pareceffe.ElRey de Caſtella mandou ſeus Embaxadores,& com elles Fin
cos, que achârað fer verdade,a Infante não ſer para cazar. Do que a elkey
deCaltella muito pezou.Mas a Infante eſtevedepois muito tempo em caía
delRey de Portugal ſeu tio, em muita honra, & eſtima, atè que o Infance
cazou com Dona Coſtança.
El-Rey de Caſtella cego com o amor de D.Lianor,cada dia hia em mas
dens de yorperdição,& chegou a tanto ſua diſſolução, & pouco reſpeito das gétes,
Rey de & de feu decoro,queſendo coſtume, & enſinandoo aſſim a razão , que os
Caſtella Reys fação ſeus conſelhos,ondeas Rainhas,& ſeus filhoseſtão, elRey eſtá
por o a. do'a Rainha no meſmo lugar,hia fazer tudo em caſa de D.Lianor,como ſe
mor de fora ſua legitima mulher.E quãdo elRey hia fora do Reyno ,ou pelo Rey,
D. Lia
nor Nu no, os officiaes da juſtiça,& dachancellaria ficaváo com ella ,como ſenhoja
nez. do eſtado de Caſtella, & fazião, o que ella mandava.E ſe ſe ella movia de
hum lugar para outro,era pelos caminhos acöpanhada, & fervida, & à en
trada dos lugares recebida,co prociffoes & ceremonias, & co tanto eſtado,
como ſe fora verdadeira & mui eſtimada Rainha.E quádo elRey tornava ,
comia publicamente, & abitava com ella,& em ſua caſa fazia confelho, &
deſpachiava.E como as mais das mulheres ſao naturalmente vaas, & ambi
ciofas, mórmente as daquelle eſtado de vida errada ,affi dava a mão a beijar
como lenhora proprietaria do Reyno de Caſtella. E veyo o deſpejo dcl
Mào tra Rey ſer tamanho,q ſendoneceſſario aRainha ſuamulher,falarlhe couſasq
tamento lhe cõpriáo,indo aiſſo a Burgos,onde elReyco D.Lianor eſtava,lhe pedio
6 elRey audiécia que lhe elle nao quiz dar, ſenão em caſa da meſma Dona Lianor,
de Car:' que niſſo conſentia. O que a Rainha aceitou com grande dor ,& triſteza,
tella fu- & em ſua caſa foi ouvida,& deſpachada.E para mais a batimento, & def
zia aſua conſolação da Rainha, The tirou elRey os melhores , & mais honrados
mulher ,
por cau -officiaes ,que tinha em ſua Caſa, como foy Ruy Diaz de Rojas, que era
fa da má feu Meyrinho Mòr, Dom Rodrigo Alvarez das Aſturias, ſeu Mordomo
ceba. Mayor, Afonſo Fernandez ſeu Repoſteiro Mayor, & Pero Rodriguez de
C ,amora,
DELREY D. AFONSO QVARTO. 120
ti bom roſto. E paſſados dous dias, que ſe gaſtàrão em feſtas, & viſitaçoens,el.
Rey o apartou em húa camara,& lhediſſe, que a muita razão,& parenteſco Aſtucià
que entre elles avia,fazia ý não pareceſſem erros,nem exceſſos,o q contra delRey
elle tinha comettido,& que por eſſa cauza não ſomente lhe tinha tirado to. de Car
tela para
i do odio ,& mà vontade, que algúa hora lhe tivera ,mas deſejava de tomar
-3 ſeus cuidados ſobre ſi, & ajudalo a deſcançar, ja que ſua ventura, & maos impedir
осаха
' Conſelheiros o deſviàrao do bom propoſito, que tinha de cazar com ſua méto de
filba ,& por iſſo deſejava de a ella pagar a divida , em ā lhe eſtava,de a D.Cor.
1 bem cazar.E q elRey de Navarra tinha ſeu filho herdeiro porcazar,q de- tança.
terminou de lhe fallar para ella ,& q eſperava de o acabar. E q ſe lhe pare
ceſe,como era razão,avia defer co condição, lhe avia de prometter, de
104 co outrem ningué cazar ſua filha,fem ſeu cõſentimento ,& mandado.Porg
não ſendo iſto affi aſſentado entre ambos,poderia ſer q tendo elle concer
todo com elRey de Navarra , elle D. João a poderia ter cazada em outra
parte,deſelle ficaria em falta. D. João depois de não aceitar perdão del
Bicy dizendo, lhe nao tinha errado,masſervido, lhe teve em merce , o cui
ham dado do cazamento de ſua filha, & o favor, & lhe pedio tempo para o co
municar con ella, & ſaber ſe tinha feito algum voto contrario ao caza
mento ,
1
czydes homens de confiança,le paſſou a Valença ,a caſa delley D.Pedro
de Aragao,de quem foi bem agaſalhado,mas mal ſoccorrido com a ajuda
que lhe pedio.
Por outra parte João Nunez de Lara,que cſtava com ſua mulher cerca
do em Lerma,& poſto ja em muyta neceſſidade de mantimentos, & de a
goa,& outra vez cercado com húa cerća nova, que elRey lhe mandàra fa
zer em torno,per que lhe não podia entrar ſoccorro,nem ſair fora, ſalvo á
merce delRey,que moſtrava claro quelhe naő daria a vida ; por meyo dos
grandes ſeus parentes , & amigos queno cerco eſtavaő,mandou pedir a el
Key pormerce,lhe perdoafle, & deſuas terras fizeſſe o que quizeſſe. El D. Ioam
11
Rey o ſegurou ,& a todos os ſeus,ſalvoa certos,de que elle tinha eſpecial Nunez
deſgoſto. Mas eſtes em habitos diſfimulados,forao poſtos emſalvo. A fe- cercado
gurança foi com condição, queo caſtello de Lerma foffe derribado, & affi comette
tava aInfante D.Coitança,nao por ſer ſua nora ,como o Chroniſta de Por 1
reth parenteſco, que com ambos tinha, ſe movera elRey deFrança ao man
Mi daraelles. E'inſtando ambos eſtes Prelados, que elRey de Caſtella nam
0
entrålſe em Portugal, elle o nam quiz fazer,pora outra entrada, que el
o Rey de Portugal fizera em Galliza , querendo que ficaſſem tal portal.
E dille aos Embayxadores, que antes de com elle tratarem de pazes, fof
del jem a elRey de Portugal. Porquepor elle ſer o primeiro que rompeo a
guerra, avia de ſer primeiro em pedir paz, & que conforme a repoſta,que
e delle,daria elle a ſua.
!: OBiſpo Legado,poſto que tambem vinha dirigido a Portugal, por ſer
Inverno , & o tempo muy chuvoſo, & elRey eſtar entre Douro & Mi
requererbrevidade, pareceo
senho, que era parte muy diſtante, & o caſo ſua
Proclhe,que baſtava notificar a elRey tudo por carta . Pelo lhe eſcreo
que
200 veo,pedindolheoutorga ,& conſentimento para o caſo da paz,& que pará
of iſlo apontaſſe osmeyos, quelhe bem pareceſſem . ElRey fe anojou com a
carta , por o Legado nam vir em peſſoa a elle, aſſim como lhe fora man
dado pelo Papa,& iſto ſó lhe reſpondeo,ſem fallar na materia das pazes.
O Legado achandoſe alcançado,lemn embargo da longura do caminho, &
aſpereza do tempo,foia Braga,onde elRey entaðeſtava. E depois de fer
recebido com muyta honra,aſlina entrada do Reyno, como da Corte aos
20 de Outubro de 1337.foi a elRey, & perante o Arcebiſpo de Braga, & ANNO
outros grandes lhedeu hũ Breve do Papa cerrado,em q com fantas amoe 1337
ſtaçoes The perſuadia a paz,& fe remetria em o mais ao Biſpo feu Legado.
Como elRey vio o Breve,diſle, por virtude da crença,q nelle vinha,dif
feffe,o que per ſua Santidade lhe era mandado. O qual logo moſtrou ſuas
f inſtrucçoes ſobreo tratar das pazes, & apreſentou hum poder para quitar
to!
homenagés, & abſolver de juramentos, que foſſem feitos,que podeffem
prejudicar,& para pôr penas de excõmunhão ein ambos os Reys, & ſeus
Reynos, quando aos bons meyos de paz,ou trégoas naõ quizeſſem obede
cer. E ſobre iſſo fez a elRey hum grande razoamento, para o provocar aRepoſta
paz ,& concordia,pedindolhe ſobre todoaccerca diſſorepoſta. ElReyque delRey
de ſua natureza era livre,& agaſtado,lhe reſpondeo,que o Papa com toda de Por
ſua fan &tidade,não era Deos,masera ſeu Vigario. E que ſe Deos portugal ao
ſua bondade, & juſtiça não mandaria couſa,quenão foſſe juſta, &razoada, Legado
muito menos o devia o Papa de fazer. E quando per ſua vontade oman do Papas
daſſe ,nem elle,nem outro algum era obrigado a obedeſcer a ſeu mandado.
E que nem por iſſo ſe poderia chamar deſobediente á Santa Madre Igre
ja.E que aquillo dizia,porque elRey deCaitella lhe tinha feitas tantasſem
razoens,& faltara tantas vezes de ſua palavra em couſas honeſtas, que lhe
promettera , que Deos com igual juſtiça não lhe podia mandar, que ti
veſſe paz com elle, & muito menos o Papa. Peloque as cenſuras, & pe
nas entre Reys, & em taes cazos erão deſneceſſarias .O Biſpo vendo elRey
anha
23 all
CHRONICA
aſſanhado,como homem muy prudente q era, & muy exercitado em ne
gocios arduos, lhe replicou tam catholicamente, & com tanta ſuavidade,
como ſe requeria para o negocio que hia a fazer,pedindo aelRey quizcſ
fe abrandar ſua ira. Porque elle faria comelRey de Caſtella, que ſe arre
pendeffe dos erros paſſados, & einmendaſſe todos os males, que erão fci
tos,tirandomortes, & talhas,em que ja nað avia remedio. ElRey convco
cido algum tanto de ſuas palavras,dilatou a repoſta para dahi a algūs dias.
Paflados quatro dias,niandou elkey chamaro Biſpo , & perante os do
ſeu conſelho recontou todas as couſas, de que delRey de Caſtella eſtara
ſentido, & os eſcandalos que delle tinha, da pouca verdade que com elle
tratara,& dos modos falſos & encubertos, queſempre ufara para não com
prir com elle,o que tinha tratado,& o mào tratamento que ſempre dera
á Rainhaſua mulher,por tratar como Rainha ſuamanceba,não ſe pejan
do delle,ſendo ſeu ſogro, & tio. E que a tudo tivera ſufrimento, ainda
que com grandequebradeſua honra,por não quebrar com elle. Mas que
como vaſilha chea,que ja não podia levar mais, & por parecer que de ſua
paciencia vinha a elRey de Caſtella ſua audacia, & atrevimento, eſtava
em propoſito de não ceſſar,atè per armas delle tomar vingança, & emen
da de tantos danos. E que com rudo,poſto que deſiſtir de guerra tam ji:
fta, & tanto de ſua honra, lhe foſſe afronta, que elle como devoto filho
da Igreja Apoftolica da maneira,que ſeus anteceſſores ſempre o forão, lhe
apprazia obedecer ao Papa no tratado da paz, com tanto, que ſe fizetre
com honra ſua, & bem de leus vaſallos. O Biſpo lhe refpondeo, que lhe
Jouvava muito o deſejo, & propoſito da paz. Mas que ſua repoſta era mui
geral,quelhe avia de dar apontamentosparticulares,& que para iſſo lhe
pedia quizeſſe mandar ſeus Procuradores para com elRey de Caſtella af
fentarem ſuas capitulacoens. ElRey diſle, q cuidaria o que niſſo faria. L
paſlados alguns dias, foi chamado o Biſpo, & ſem elRey fer preſente, Pe .
to do Sem feu Chanceller mòr The diffe, que para o aſſento das pazes ,
elRey avia por bem de nomear Procuradores , & que eſtes erão Don
Gonçalo Pereira Arcebiſpo de Braga, Payo de Meira ſeu Meirinho môr,
& elle meſmo ſeu Chanceller mòr,& que elRey de Caſtella nomealſe 01
tros,que a certo dia, & lugar foſſem juntos. Deſte meyo foi o Biſpo mri
contente. Sômente pedio a elRey, quelogo conſentiſſe em tregua de al
gum tempo,dentro do qual tratarião apaz. ElRey o conſentio com con
dição, que elle não foſſe obrigado a guardar a tregoa, falvo depois de ter
certificado,que elReyde Caſtella a conſentia,
Com eſta reſolução ſe partio o Legado para Mérida, onde eRey de
Caftella eſtava,a que deu conta de tudo o que paſſava. E depois de mui
tas altercaçoens,& encarecimentos que elRey de Calella fez, finalmente
diffe,que por reverencia do Papa ,& reſpeito delRey de França, que qui
zerão ler terceiros de ſua concordia, conſentia na tregoa, que de 27. dias
de De
!
DELREY D. AFONSO QVARTO 134
de Dezembro duraria atè a feſta deSão Miguel deMayo ſeguinte, den
tro dos quaes ceſſaria todaa guerra,ſalvo que a Infante Dona Coſtança
fem ſeu conſentimento delle não foſſe levada a Portugal. E para o al
fentodatregoa eſcreveo o Biſpo a elRey de Portugal, mandaffe feu Pro
curador baſtante ao termo do lugar de Caſtro deLadroens, onde avia de
ir outro tal delRey de Caſtella. Ao qual lugar ſendo preſente o Biſpo,
veyo Lopo Fernandes Pacheco Senhor de Ferreira de Aves,& por elRey
de Caſtella Fernão Roiz de Villalobos. O qual diſſe,que não podia fim
plezmente aſſentar a dita tregoa,como eſtava praticado. Mas que avia de
ſer ſob certas condiçoens,que logo apontou. As quaes por todas ſerem
contra razão, Lopo Fernandez Pacheco ſe tornou a Portugal, & o Biſpo
de Rhodes,& Fernão Roiz de Villalobos a elRey de Caſtella. A quem o
Biſpo ſe aggravou muito ,por ſeu Procurador vir com novidades , contra
o que eſtava affentado. E depois de muitos debates, contentio elRey de
Caſtella na tregoa. A qual o Procurador delRey deCaſtella, & o Biſpo
de Rhodes vierão affencar com elRey de Portugal a Coimbra no mez de
Agoſto por hum anno. E concordàrão mais, que elRey de Portugal den
tro daquelle anno em certo tempo aſſinado, mandaſſe a Caſtella ſeus em
baxadores para entenderem na paz. Os quaes nomeou elRey, que ferião
o Conde Dom Pedro de Barcellos ſeu irmão baſtardo, & o Arcebiſpo de
Braga Dom Gonçalo. E com eſta concluſaő tornou o Legado a elRey de
Caſtella,do qual ouve licença,para em quanto vinha o tempo em que os
Procuradores ſobre as pazes ſe avião de ajuntar,elle ir,como foi, ao Papa
a lhe dar conta das couſas de Heſpanha.E o meſmo fez o Arcebiſpo de
Rems a elRey de França .
Da relaçao que o Biſpo Legado deu ao Papa, mandou muitas graças a
elRey de Portugal, & lhe deu muitos louvores por quam juſta lhe pare
çeo a cauſa de ſua indignação,& lhe encomendou muito a paz. E chega
do o tempo em que os Embaixadoresavião de ſer em Alcalá, onde era
aſlinado que ſe ajuntaſiem , foi o Arcebiſpo de Braga, & não o Conde D.
Pedro,pora eſſe tempo ſerdoente.E ahi ſe ajuntaraő tambem para o mel
mo negocio outros procuradores delRey de Caſtella , que capitulàrão a
paz com taó deſarazoadas condiçoes, que o Arcebiſpo de Braga, وeſcanda
lizado dellas, diſſe,que para ſe não perder tempo, apontaſſem couſas que
foffem para conſentir,ſenão que não eſtaria alli mais. E para emenda do
paſſado ,os Procuradores de Caſtella trouxerað outros apontamentos, que
eraðmais para rir, que para outorgar .S.queelRey de Portugal entregaſſe
as villas de Riba de Guadiana, & de Riba de Coa, que forao de Caſtella
todas perſi nomeadas com ſuas rendas,que dos Reysde Portugal tinham
Tendidas deſdo tempo que as poſſuhião, & as villas de Portugal, que por
arrefens eraõ poſtas em terçaria,dequeatraz ſe fez menção. Alem diſſo,q
ſem embargode o InfanteD. Pedro ſerjâZ
cazado com a Infante D. Cor
A tança ,
CHRONICA
tança,queſe a Infante D.Branca eſtiveſe em diſpoſição para cazar,quefi.
cafle no Reyno de Portugal,por mulher do Infante D. Pedro. E que por
as deſpezas da guerra, que elRey de Portugal obrigàra fazer aelReyde
Caſtella,lhe delle dez cătos da moeda Caftelhana.Deſtas coolas,& apõta
mentos tam fora de propoſito, aviſou o Arcebiſpo a ElRey. O qual dhe
mandou ,quedeixado tudo,ſem mais fallar em nada,ſevieſſe a Portugal.
Ao tempo que o Arcebiſpo deBraga partio da Corte de Caſtella, che
gou a ella de Avinhão, o Biſpo de Rhodes, & hum Arcediago irmão do
Arcebiſpo de Rems, da parte delRey de França. E achando as couſas da
paz deſatadas, perguntando a elRcy de Caſtella a cauſa, porque lhe reſo
pondco, que por culpa do Arcebiſpo de Braga, que não quizera outorgar
couſa algúa,das que lhe forao apontadas. Os Embaixadores do Papa, &
delRey de Fraça,vierão logo a Portugal,& elRey lhes diſſe em ſeuCóſc
Tho,como a culpa fora toda delRey deCaſtella, & dos apontamentos ver
gonhoſos, & fora de propoſito, que lhe fizera, mais com tenção de negar
a
a paz,que de aoutorgar. E que porque iſto ja era abatimento ſeu,mandara,
viro Arcebiſpo.E que com propoſito defazer guerra a elRey de Caſtella,
tinha ja feita ligacom elRey Dom Pedro de Aragão , que com elRey
de Caſtella tinha guerra, por tambem lhe falcar da verdade, para am
bos por mar & por terra, ſe ajudarem hum a outro contra elle, quando
a cada hum compriſſe. E que neſta liga para que muitas vezes fora reque
rido,ſempreſobreſtivera atê entao, E que por tanto dahi avante não avia
mais de mandar a Caſtella a couſa nenhua, que tocafle à paz. Mas queria
proſeguir a guerra ,que tinha começada . Porem, que por não parecer que
era contumaz,que elle punha ſua cauſa nasmoas do Papa,& que fua Sáti
dade determinaſſe entre elles,o que lhe pareceſſe juſtiça , & razão,& queil
to fizeſſem ſaber ao Papa,& a elRey de França .
Com aquella repoſta delRey de Portugalforão os Embaxadores mui
contentes.E porque lhe derão certa eſperança,que elRey de Caſtella con
ſentiria tambem no juizo do Papa,lhe pedirão ,que para aſſentar o mais
tempo da tregoa, que ſe requeria, & paranos negocios da paz, conſentir
na ſentença do Papa, mandaſſe com elles ſeu Procurador. ÈlRey mandou
com elles Lourenço Gomez de Abreu fidalgo de authoridade,& bom fa
ber.Osquaes chegarao a Talavera onde eſtava elRey de Caſtella,& ahi
concordou a tregoa, & comprometteraõ no Papa,perante quem aſſinaram
tempo cerco para irem os Embaixadores que os Reys logo mandàrao. Ma
antes que o Santo Padre algúa couſa determinaffe,elRey de Caſtella ven-s
do que a guerra, quecontra Portugal ſuſtentava, era fem juftas cauſas, &
por sò appetite,& temendo a liga, que elRey de Portugal fizera comel
Rey de Aragão, & húa conjuração,queos grandes de Caſtella contra elle
tentavão, querendoſe ajuntar com elRey de Portugal, & temendo Abome
lic filho del-Rey Hali-Boacen de Marrocos,que ja to mara Gibaltar,& apa
telha
DELREY D. AFONSO QVARTO 135
relhava grande exercito para paſſar de Africa a Heſpanha, & © o primei
To encontro avia de ſer com elle,& em ſeusReynos, aos quaes perigos el
le não podia reſiſtir,ouve por mais faó cõſelho,fazeras pazes per filem di
lação,antesque pelo Papa, nem por outros arbitros eſtranhos. Peloque
fein moſtra de neceſlidade alguma, eſcreveo a elRey de Portugal,que lhe
mandaffe ſeus Embaxadores, & Procuradores, & que a paz com a graça
de Deos le faria entre elles,com toda ſua honra , & contentamento. E
porque o mayor nojo,que elRey de Portugal tinha deſta guerra com ſeu
fobrinho era , quenão ſe podia fazer ſem dano de todos, & offença de al
por a grande razão que entreellesavia,aprouve
guns,queelle não queria,
The do que elRey de Caſtella cometteo .E para iſſo eſtando em Santarem
aos 30. dias de Mayo do anno de 1340,mandou a Caſtella por ſeus emba
xadores com procuração baſtante Gonçalo Vàs de Moura ſeu Guarda mór
& Gonçalo Vàs Theſoureiro da Sé de Viſeu , & Gonçalo Eſtevez de Ta
vares,que erão homens mui prudentes.
Tanto que os Embaxadores chegàrão a elRey de Caſtella, que então
eſtava em Sevilha,fez logo ſeus Procuradores a Martim Fernandez Porto
carreiro feu Camareiro mòr,& Fernão Sanchez de Valhadolid, Notario
mòr de Caſtella, & Chanceller do ſello da puridade. Os quaes todos de
pois de bem praticadas todas as duvidas ,ao primeiro dia de Julio do di
to anno,concordarão paz perpetua entre ambos os Reys deſta maneira:
Que ouveffe perdão geral de parte a parte de todasas mortes, & roubos Pazes
coin entregas das fortalezas,villas,& Cidades,quefoffem tomadas, & com entre os
livre ſoltura de todos os preſos ſem reſgaſte algum, & que ſem conſenci- Caſt
Reysde
ella ,
mento do outro não podeſſe nenhum delles Reys fazer tregoa, nem paz & Pors
com elRey de Benamarim . Item que a Infance Dona Coſtança , que atè tugal.
entam fora deteùda por elRey de Caſtella,podeſſe livremente vir a Por
tugal,& fer entregue ao Infante Dom Pedro leu marido. E que Dom Jo
ão Manuel ſeu pay,& quaeſqueroutros vaſſallos, & naturaesde Caſtella,
livremete em ſuas peſſoas,podeſſem vir com ella.E que a Infante D.Brana
ca ,de que o Infante Dom Pedro por ſuas indiſpoſicoens ſe quitara, folle
logo entregue em Caſtella com todo o ſeu que tinha. E que todas poſturas,
eſcaimbos,& firmezas,que atè então erão feitas entre os Reys de Portugal,
& Castella, ficaſſem firmes.
E alevantàrão as homenagens,& arrefens,que para ſeguridade de ſuas
couſas poſerão.E elRey de Caſtella prometteo de hi em diante tratar a
Rainha D.Maria ſua mulher,como devia ,& que não traria conſigo D.Li
anor Nunez,como trazia em lugar de ſua mulher.E por bem deſta paz fo
são logo ſoltoso Almirante Manuel Peſſano,& ſeu filho, & reſtituidos a
Portugal.Eſtas pazes firmàrão os Reys, & entre elles não ouve mais guer
ra,poſto a pela partedelRey de Caftella, que era de ſua condição, não fal
tallem alguns achaques.
Tan
CHRONICA
- Tanto que as pazes forão feitas , & juradas,eſtando elRey de Cafidlla
em ſeus paços,& lendo preſentes a Rainha Dona Maria ſua mulher,& D.
João Manuel, & D.João de Albuquerque,primo com irmão da Rainha,&
neto delRey Dom Diniz,& outrosſenhores,logo GonçaloVàs de Mou
ra Embaxador delRey de Portugal pedio a elRey de Caſtella , que alum
do que era capitulado, elle pormais abaſtança,& mòr moſtra de ſua vona
{ ade defle alli licença a Dom JoãoManuel,que per ſi levalle a Infante luz
filha a Portugal,para a entregar aſeu marido. O que a elRey aprouve,cl
cuſandole primeiro commuitas palavras da detença paſſada, não ſer por
ſua culpa. E Dom João Manuel não contente com aquella licença,por
quanto ſobre iſſo lhe tinha feita homenagem ,elle por mayor feu deſca:
go, & limpeza,para ſaber ſeera aſſim ,o perguntou a elRey tres vezes, eit:
pulando o perante todos, & elRey dizendo filho outorgou. Dom João
The beijou por iſſo a mão,& os Embaixadores de Portugal lho tiveram
em merce, & aflim ſe deſpedirão de Caſtella. ElRey de Portugal man
dou logo a Caſtella muitos homens nobres, & principaes do Reyno, os
quaes juntos com Dom João Manuel,& com muitos ſenhores de Canel
la pelo inez de Agoſto daquclle anno trouxerão a Infante Dona Coſtan
ça a Lisboa ,onde foi recebida com grande ſolennidade, & feſtas. Ali for
logo entregue a Infante Dona Branca a Martim Fernandez Portocarreiro
Camareiro môrdel Rey de Caſtella, com tudo o que ella tinha em Por
1
tugal.A qual acompanhada de muitos homens nobres Portugueſes, foy
entregue em Caſtella,ondeſe metteo Freira, no Molteiro das Holgas de
Burgos, & ahiacabou a vida.
EIRey de Caſtella,poſto que pelas capitulacoens das pazes promette
de tratar bem a Rainha ſua mulher, como a ſeu eſtado compria; & que le
POLOSURDOUS
apartaria de Dona Lianor Nunez ſua manceba, elle o não comprio allin
Mas como de ſua condição natural era inconſtante, & ſobre tudo mal dil
fimulado, & livre,confeſſava a quem lho queria ouvir, que não podia vt
a Rainha , & que eſtava para a mandar a Portugal. E affi por o odio, que
Odio rinha á Rainha, como por os ceúmes, que avia de ver a Infante Dona Cc
elRcy ſtança em poder do Infante Dom Pedro, dizia que todos os Portugueſes
D.Afon- The avorrecião, & que nenhum mal lhes veria, com que não folgaffe. E
fofcideCa
la ti ali ſe vio pela obra.
Porque depois das pazes lhe forão muitos Portugue
nha a fes pedir emenda de danos, que lhes erão feitos, aos quaes elle nem oli
fua mu vir queria. Peloque elRey de Portugal lhe eſcreveo muitas vezes aſperis
lher, & amoeſtaçoens,affirmandolhe,queſe lhemandafie a Rainha ſua filla a Puiu
aosPor- togal,quc elle a receberia . Mas que elle em ſua peſſoa,& com a lealgrn
tugucſes tede ſeus Reynos em que a elle lhe pezaſſe,a iria metter de poffe das Rer
ros de Caftella,em que ella tinha igual parte. E que para iflo não avia
miſter deſafio ,ſe não hum ſó acenno. Porque não era neceſario aperce
bimento de ſeus vaſſallos,mas o dia que osmandava,erão preſtes. Nem ti
nha ne
DELREY D. AFONSO QVARTO 136
nha neceſſidadede alimpar as armas, Porque os Portagueſes com as fer
sugentas folgavão de ferir, para mayor dộr dos inimigos. Com iſto lhe
tocava o mao tratamento da Rainha ,deque ſe não emendara, nem com
prira ſua palavrade lançar de ſi a Dona Lianor, como promettera. A iſto
reſpondeo elRey de Caſtella com eſcuſas,& palavras temperadas, & fin
gidas,como coſtumava. E para ſatisfazer a ſeu ſogro alguns dias continu
ou a caſa da Rainha,& tinha com ella algúa moſtra decóverſação, & apar
tou per algumas jornadas Lianor Nunez . Com a qual mudança todos fe
us vaſſallos forão mui alegres,& rogavão a Deos o conſervaſſe naquelle
bom propoſito, & melhoreſtado. Mas como o amor, que elle tinha a
... Lianor Nunez,era tam grande, com a auſencia, & ſaudades della, creſcia
mais,& o não podia ſofrer. E confeſſava que le ſentia morrer, porque a
não via , & que a não deixaria por nenhuma couſa da vida. Peloque ela
le a recolheo, & tratou a Rainha tam mal , como de antes toda a vida,
que viveo ,
Eſtando as couſas delRey de Caſtella em perigoſo eſtado por a vinda
de Hali- Boacen Rey de Marrocos,& delRey de Granada, que com poder
infinito de gentes dos Mouros de Africa, & Heſpanha tinhão cercado Ta
rifa, & ameaçavão a ruina de toda Heſpanha, foi aconſelhado dos ſeus, que
pediſſe ſoccorro aosReys de Portugal, & Aragão. E querendo elle em
peffoa vir a Portugal,lhoe ſtorvárão os ſeus,por o inconueniente, que era
alongarſe elle da frontaria dos Mouros em tal tempo. Peloque parecen
dolhe, que a Rainhao acabaria melhor com ſeu pay, fez com ella que vief
ſe a Portugal. O que ella fez com grande preſſa, & indo primeiro em ro
maria a Terena,ſe veyo á Cidade de Evora,onde elRey ſeu pay,& a Rai
nha ſua máy a forão eſperar. E como a miſeria,em que os pais vem a ſeus
filhos,faz,que os amem mais,por ſe ajuntaremdous affectos,amor, & com
miſeração,que fazem mais força,foi a Rainha de ſeu pay, & máy recebida
com muitas moſtras de amor,& mimos,poraffi a verem desfavorecida, &
deſcontente. Ella com palavras de muita efficacia, & lagrimas, pedio a
ſeu pay ajudaſſe a elRey ſeu marido neſta preſſa, que a todos tocava, não
fómente como parente,& pay,mas comoChriſtão, & como vizinho,a que
o perigo ficava comum ,& que o ajudaſſe com ſua peſſoa, & com ſuas gen
tes , & com ſeus theſouros. E que com a ajuda de ſuaReal peſſoa elRey
ſeu marido tinha tal confiança,quetodo o receo perderia,& cobraria gran
de eſperança de victoria. ElRey lhe reſpondeo, que doaque lhe pedia,
m
era
couſa demuito perigo, & importancia. Mas que ain que fora ayor,
o fizera facilmente, por ella ſer a menſageira. E que alli offerecia o cor
po , & a vida para aquella jornada. A Rainha com tam boa repoſta
foimuy alegre ,& tentou de lhe beijar as mãos , que lhe ſeu pay não
quiz dar.
ElRey querendo que a ajuda,que fizeſſe a ſeu genro,foſſe com parecer
dos fe
CHRONICA
dos feus, fez conſelho, & per todos lhe foi dito, que devia de eſcuſar a
ida a Caſtella em ſua peſſoa tam em breve,por não ter gentes preftes,nem
cavallos,nem outros apercebimentos,que lhe erão neceſſarios, para ir de
fua terra a Reyno alheo, & contra tamanho poder de Mouros. ElRey os
não quiz ouvir, por aquelle conſelho ſer contrario a ſeu propoſito, & a
ſua promeſſa. Mas mui animoſamente lhes reſpondeo muitas palavras de
confiança, dizendo que o bom Portugues per obras, & coração ſeguia
feu Rey, onde quer que eſtiveſſe, & muito mais indo contra inimigos da
Fé , & por defenſaó da terra dos Chriſtãos. E logo eſcreveo a todos de
ſeus Reynos, que o ſeguiffem , & foſſem apos elle a Badajoz , & ſe o ahi
não achaffem , a Sevilha. A Rainha Dona Maria eſcreveo tudo a feu ma
rido,& lhe aconſelhou , que pois o caminho era tão curto, que em toda a
maneira antes que elRey ſeu pay moveſſe de Portugal, á preſſa ſe vielle
ver com elle, porque ſerviria de muitas couſas. ElRey de Caſtella o fez
Rey D. aflim ,& com poucagente veyode Sevilha a Badajoz , & dahi a Oliven
Afonfo ça . Peloque ſabendo elRey de Portugal da vinda de ſeu genro, com as
XI. de Rainhas ambas,& com o Infante Dom Pedro o foi eſperar a Jerumenha
Caſtella ultimo lugar de Portugal, que parte com Caſtella, & ahi ſe virão todos
véa Por com muito amor , ſem lem
brança de couſas paſſadas. Os Reys apartados
tugal pe tratàrão ſósſuas couſas. E elRey de Portugal tornou fazer ao de Caſtella
dir foc
corro. a offerta, que fizera a ſua filha. E mui alegre elRey de Caſtella,ſe partio
a feu fo- logo a Badajoz,& dahi para Sevilha. E deixando elRey de Portugala
gro. Rainha ſua mulher, & com ella o Infante Dom Pedro ,fe partio com a Ra
Rey D. inha de Caſtella ſua filha para Elvas, & dahi entrarão em Caſtella,ondeel
Afonso Rey era recebido,& feſtejado da maneira que os Reys novos faó recebi
de Por dos em ſuas terras, porque aſſim o mandou ſeu genro.
tugal re- Quando elhey de Portugal veyo a Sevilha,elRey de Caſtella com to
cebido dos os grandes Senhores do Reyno, quena Corte eltaváo, o fairão a rece
com fef- ber fora da Cidade , & da meſma maneira o receberão os Prelados , &
tas, &
có ícle Clereſia com todas ſanctas reliquias, que na Cidade avia, que não era em
nidade memoria,que para outro algumRey foſſem tiradas,poſtos todos em huna
em Sevi folenne prociſſaó,em que o levârão. E alli fizerão todas as mais peſſoas da
Jha.
Cidade de todo eſtado, ſexo, & idade,tam alegres por ſua vinda , como
fe virão hum homem, que os vinha remir de todos os perigos, que recca
vão ,eſpantadosda grande moltidão dos Mouros, que era entrada, can
tando todos, Benedictus qui venit in nomine Domini. E eſtando os Reys am
bos em conſelho com todos os Senhores de ambos osReynos,queerão jun
tos, ſobre o modo que terião no feito de Tarifa:alguns aconſelhavam, o
que ja tinhão dito a elRey de Caſtella, que Tarifa ſe deſſe aos Mouros,
com condição, queſe tornaſſem logo para ſuas terras, & que para iſſo po
ſafſem arrefens, & ſeguranças. A eſte conſelho foi elRey de Caſtella co
trario a principio,poras muitas difficuldades, que lhe forão apontadas.
Mas
---
DELREY D.AFONSO QVARTO . 137
Mas depois já lhe parecia melhor conſelho perder aquella villa, que por
em riſco todas as outras, com o perigo de fuaspeſſoas, & dos que com
elle ſeriam na defenſam della. A eſte conſelho foi elRey de Portugal mui
contrario, & com animo,& roſto mui ſeguro, diſſe: que elle namn ſaira de
ſeu Reyno para conſentir, que cidade alguma,villa, nem Caſtello em ter
ra de Chriſtãos,onde elle jà eſtava,ſe perdeſſe, & deſſe aMouros, nem tal
conſentiria por ſua honra. E queeſtava preites para offerecer ſeu corpo Rey de
àmorte,aſſim como noſſo Senhor Jesv CHRISTO,cuja aquella terra era, o Portu
fizera pelo genero humano. E que porſe não perder Tarifa faria, como galnam
conſen
pela principal Cidade de ſeus Reynos. E que não cria que algum dos Por tio g ſc
tugueſes,quealli tinha approvaria outra couſa.Quando elRey deCaſtella, largafe
& os ſeus virão o voto & determinação delRey de Portugal huns por ver- Tarifa a
gonha de o contradizerem , por não parecerem covardos, outros porque os Mou
os perſuadio, aceytáram aquelle conſelho pormais honroſo & útil . E ros.
para ſerem aviſados da gente, affento , & ordenança, que os Reys de
Marrocos, & Granada tinhao, & o fundamento que faziam , concertas
ram com hum Chriſtao homem aviſado,queinduziſſe humMouro de pre
ço,para fugirem ambos para o arrayal dosMouros, onde ſem ſuſpeitapo
deria ver livremente cudo o que compria, & aviſar aos Reys. Por aquella
eſpia ſouberaó,como os Reys de Mouros eſtavaomuy poderoſos, & fabiao
queos Reys Chriſtãos eraõ vindos a loccorrer Tarifa . E tambem foram
certificados como os cercados de Tarifa ſe defendiam com muyto esfora
ço, & queos Reys Mouros ſe apercebiam para dar, & eſperar batalha.
E para os Reysos mais confirmarem em ſeu propoſito , lhes mandàram
dous cavallosfermoſillinos, & ricamente ajaezados, cada Rey o ſeu para
cada hum dos Reys Mouros, & com elles ſuas cartas, pelas quaes lhes ro
gayão largaſſem o cerco, & foſſem para ſuas terras , para eſcuſarem dera
ramar tanto ſangue, quanto por ſua cauſa ſe apparelhava, & que viver
fem em paz ou tiegoas, como elles mais quizeſſem.E que nao ſe querendo
ir, ſe nao eſcuſava dar batalha. E que pois eraó Reys tam grandes, & vi
nhao tam poderoſos quelhes ſeria grande vergonha como medroſos que
rerem pelejar entre ferras. E que por iſſo os deſafiavão para a batalha no
campo de Albufeira,junto de Barbate,que era campo comprido, & chaő.
E que a peleja ſeria igoal. E que alli moſtraria Deos,qual era a ley,em
ſe os homensmelhor podião ſalvar.
Para reſponder amenſagem dos Reys Chriſtãos,quizeram os Reys Cófelho
Mouros primeiro aver conſelho, & hum Mouro velho da Berberia Le- i hum
trado, & de muyta authoridade entre elles, lhes aconſelhou, que levan- Mouro
taſſem o cerco por aquella vez. Porquepor ſer inverno , naö ſe podia velho &
muyto ſofrer,& que osReysMourosſe foſſem para Aljezira,& para algus dois
lugares do Reyno de Granada . E que para a entrada do verao , tornari- Miramo
am a pôr o cerco, & proſeguir ſua conquiſta. Porque poſto caſo, osReys lim ,
Аа Chrif
CHRONICA
Chriſtãos entretanto baſteceflem a villapor algum tempo,não ſe podião
cada dia aſli ajuntar para ſoccorro,como agora eſtavão. A eſte conſelho;
era bom ,como de homem docto, & velho,quaesdevem ſer os Conſelheiros
dosReys,muitos fe inclinavão. Mas elRey de Granada, como homem or
gulhoſo,queera, & a queDeoscegava,como faz aos que quer caſtigar,
que lhes tirao bomconſelho,& ſeguem o peor,ſe levantou,& diſſea elRey
cbr.: de Marrocos, quc elle ſó ſem o poder de toda Africa, quealli eſtava,deraja
batalhas aos Reys de Caſtella, & de Lião,em que os vencera, & lhes mata
ra em hỏa dous Infantes. E que aſli o fizerão ſeus avós. E que a hú tao po
deroſo Rey como era o de Marrocos,feriagrande vergonha, & afrontade
ſua ley ,vindo para fazer fugir os Chriſtãos,& os deſtroir,ir fugindo de'ls,
& ſer desbaratado no alcance.O qual ouvera de ſer ao contrario.E que ſe
lembraſle,que vencendo aquelles Reys,ficaria ſenhor de toda Heſpanha,ą
lhes os Chriſtãos tinhão ufurpada,ſendo patrimonio de ſeus avós.E quádo
Deos permitiffe ,q elles foſſem vēcidos, não ficavão deſonrados,pois erző
vencidos de tao nobres lieys, & bős cavalleiros.E lhe não lembraſſe pe
rigo, q elle iria contra elRey de Portugal, & que elRey de Marrocos folie
contra o de Caſtella. ElRey Hali -Boacen depois de ouvira elRey de Grao
nada, diſſe aos do ſeu conſelho, & aos grandes,queeſtava corrido,deelRey
de Granada, os ter em tað pouca conta,que lhes acoimaſſe a covardia de
levantarem o cerco, & nam aver algum delles, que lhe atalhaſſe o que
fallava, & moſtraſſe que nam tinham menos esforço os Africanos de alem
do mar, que osde aquem . Com eſtas difTe outras palavras,com que os inci
tou, & pe iſuadio a ſeguir o conſelho delRey de Granada.
Era elRey Hali-Boacen cazado com a Rainha Fatema Tunecia filia
delRey de Túnez,a que chamavão a Forra,quequerdizer Rainha, porſer
Cóſelho a principal de ſuas mulheres livres. A qual por a nobreza de fua linha
da Rai- gem , que entre os Mouros he a mayor de todolos Reys,tinha Hali- Boace
nha Fa- grande acatamento, & por ſer muy prudente ſe aconſelhava com ella. El
tema ao calhe fez húa falla,ein que em fomma lhe diſſe, que poſto que ella por ſer
Miramo
Jim feu mulher parecia couſa indecente fallar nas couſasda guerra, toda via, por
marido. o amor que lhe tinha, & por oque lhe ſeu eſpirito revelava naquelle fei
to, era conſtrangida dizerlhe ſeu parecer, que era ſeguir o conſelho da.
quelle yelho enſinado vias revoluçoens do Ceo' . Porque em confirma
çam do que lhe elle diſſera , ella vira tantas viſoens em ſonhos,que acon.
teciam naquelle arrayal contrarias á honra delRey , & tam perigolas as
vidas de ſeus cavalleiros,quecria, que ſe elle commettelle a batalha coin
os Reys Chriſtãos,quealli eſtavam , nam podia eſcuſar ſua perdiçain, &
a della , com morte & capriveiro de ſeus filhos , & das mais gentes que
o vieram ſervir. E que por tanto deixaſſe paſſar aquelle tempo triſte. &
de maos prognoſticos, & fe guardaſſe para outro melhor afortunado. Fl
Rey delprezandoo conſelhodaRainha,lhe reſpondeo, ğ a coula taðсоліlereд
DELREY D.AFONSO QVARTO , 133
of
como fað ſonhos,não ſe dava credito ſenão per homés levés, & ſuperſti
cioſos, pois cada dia ſe via,q osque ſonhavão,q erão ricos, & bemandan
tes, fe achavão pobres quando deſpertavão, & o erão toda a vida.
12 01
Com a determinação, que tomaram os Reys Mouros reſponderam aos
1 * Reys Chriſtãos,que elles por abatimento do nomeChriſtão, tinhani cer
dicul cado Tarifa, & quenão avião de deſiſtir até a tomarem : E que outro
cle
1 tanto avião logo de fazer a Xeres, que em qualquer inaneira, que vieſ
IC fem alli os achariam .' Com aquella repoſta foram os Reys mui ledos, prin
Ex : cipalmente o de Caſtella, quereceava aconteceſſe, o que o Mouro fa
bio diſſera no Conſelho, de fe irem os Mouros invernar a Aljezira , ou a
Ronda, & tornarem depois de eRey de Portugal ido, & elle não ter foc
mote corro a tempo. Peloque teve por divino conlelho dar aquella batalha.
Com eſte propoſito le partiram logo osReys Chriſtão de Sevilha. E fo
kiwi ram alojar huma legoa alem de Alcalà de Guadaira , & a outro dia em
Verera. E faziam as jornadaspequenas, por eſperarem ſuas gentes,queſe
Teil ficavam apercebendo, & outras que vinham .Peloque ao outro dia, nam
foram mais,que àsCabeças de Sam Joam,& dahi a Covas de Tojos , &
. dabi ao rio Salado, que he húa legoa a travez de Xeres. Dalli partiram os
Reys, & foram alojarſe alem de Guadalette. Onde fazendo de neceſſi
dade algum aſſento, chegaram a elRey de Portugal muitas gentes,& bem Gente
1 concertadas de ſeus Reynos, com que elRey foy muy alegre, & afim dePor
ji os do arrayal. Alli chegou a elRey de Caſtella Dom Pedro de Moncada tugal, ģ
elRey.
Almirante de Aragam com nova das galés, que deixava no citreito fo- D. Afon
bre Tarifa. Daquelle lugar foram osReys aſſentar ſeu exercito à ferra ſo veyo.
T.
de Medina'Sydonia,onde dizem o Barroco.Ao feguinte dia foram ao rio
2:11 Barbate, & dahi a Alinodouvar , & Domingo 27. de Octubro daquelle
anno de 1340, chegårão á Penna do Cervo,dondeos eſpantoſos arrayaes
dos Mouros ja apparecião ſobre Tarifa.
Os ReysMouros,comolouberão a ida dos Reys Chriſtãos, mandi
rão logo levantar osarrayaes, que tinham ſobre Tarifa, & queimar os en
genhos,quetinhão feitos, & a madeira,que tinhão para fazer outros.E Ha $
liBoacen mandou armar ſua tenda em hum cerco alto, afaſtado da villa
contra o mar, & ao redor as tendas dos ſeus. E elRey de Granada aſſentou
a fua,& as dos ſeus nas faldras da montanha . Depois dos Reys Chriſtios
aſſentarem ſeus arrayaes na Penna do Cervo, logo no meſmo Domingo
tiveram feu conſelho ſobre a ordenança,& repartição de ſuas batalhas, pa
C
ja o outro dia accometterem aos inimigos, & lhes darem batalha. E a
cordàrão que elRey de Caſtella foſſe com ſuas batalhas contra elRey de Portu.
Rey de
Marrocos, que eſtava ao longo do mar. E que contra elRey de Gra gal cótra
nada,queeſtava da banda da ferra, foffe elRey de Portugal. Com o qual CIRcy
eſtavão eltes vaſſallos principaes.D . Gonçalo Pereira Arcebiſpo de Braga , de Gina
D.Alvaro Gonçalvez Pereira Prior do Crato feu filho, D. Gil Fernandez nada.
Аа 2 de Cara
CHRONICA
de Carvalho,Meſtre de San&tiago,Dom Eſtevão Gonçalvez Leitāc , Më
ſtreda Ordein de Aviz ,Ruì Gonçalvez de Caſtel-branco ,Lopo Fernádız
Pacheco Senhor de Ferreira de Aves,Fernão Gonçalves Cogominho, Pa
yo de Meira , Gonçalo Gonçalvez de Souſa, & o Alferez da Bandeira
Real Gonçalo Correa,neto do Meſtre de San &tiago Dom Payo Correa,&
outros muitos Senhores, & Prelados,entreos quaes fe achou Eftephano de
Napoli filho do Infante D.Joam Principe da Morea, & neto delRey Car
los II. de Napoles,q veyo fervir a elReyde Portugal neſta jornada coino
feu primo terceiro que era.O qual Eſtephano de Napoli ficou neſte Rey
no, & cazou nelle. As batalhas delRey de Portugal forão accreſcentañ
do maisdo Reyno de Caſtella o Pendão do Infante Dom Pedro (eu nero
Gentes filho herdeiro delRey de Caſtella, que levava Dom Nuno Fernandez
de Caf- de Canilho , & com elle ſeus vaſſallos, que erão juntos, Dom Pedro Fer
tella ğa-nandez de Caſtro o da Guerra primo com irmão delRey de Caſtella,Dom
crcfccn
târão o Joam Afonſo de Albuquerque, & Dom Joam Nunez do Prado Meſtre
exercito de Calatrava ſobrinhos delRey de Portugal, que andavão em Caſtella, D.
delRey Nuno Chamiço Meſtre de Alcantara,Dom Diogo de Haro, D. Gonçalo
de Por- Rodriguez Girao ,D.Gonçalo Nunez de Aça, & asgentes dos Conſelhos
tugal. , de Salamanca,Cidade Rodrigo, Badajoz, & de outras villas comarcáas. Os
quaes todos que alli fe accreſcentàraõ às gentes delRey de Portugal, fazi
ão o numero de tres mil de cavallo.
El-Fey de Caſtella ordenou por bandeira principal de feu exercito, a
da Cruzada, que com as graças, & indulgencias da guerra de ultramar,con
cedeo o Papa para aquella guerra co asdizimas & terças das Igrejas do
Reyno por certos annos . Eſta bandeira levava D. Hugo fidalgo Frances
Exerci- principal. A poz eſta bandeira hia aReal, & com ella mandou elRey que
to del- foſſem os Pendoés de quatro ſeus filhos baſtardos.f. D.Henrique, que de
Rey de pois foi Rey de Caſtella,Dom Fadrique,D.Fernando,Dom Tello,& com
Caſtella elles o Pendaó de ſeu ſobrinho, o Infante Dom Fernando Marquez de
na ba ta
lha do Tortoſa,filho delRey Dom Afonſo de Aragao,& alios Pendões dosMe
Sala do. ſtres das Ordens, Prelados, & grandes Senhores de Caſtella, & de Liiv.
A dianteira deu a Dom Joam Manuel , que moſtrandoſe por iſſo muy
alegre, & com eſperança de victoria convidou a ambos os Reys, para o
dia da batalha comerem com elle na tenda de Hali Boacen. Allioure
com deſejos de ſe allinalarem , & ganharem honra, muitos cavalleiros
de preço aventureiros de Portugal, & de Caſtella, fazerem muytos to
tos, galantes, & de primor ao coſtume daquelle tempo. E por quanto
os cercados ja eſtavão tam à vontade, que ſem muita contradiçaõ podió
de refreſco recebergente de armas, acordásão os Reys, que ao terpo la
batalha ſaillem da villa, & feriflem nos Mouros: & para iſſo lhes main
darão mil homens de cavallo , & quatro mil de pè eſcolhidos. E (2.59
do cſta gente foi para paſſar o rio Salado achárão dous mil de cavallo, com
CUR
DELREY D. AFONSO QVARTO .
139
que hum Mouro guardava o paſſo do rio,com o qualouverão peleja.Mas
elles a pezar dos Mouros,& com muito feu dano, paffärão, & entrarão na
villa com morte ſó de tres cayalleiros, cujas cabeças logo os Mouros levá
rão a Hali -Boacen. Os quaes por encobrir ſua fraqueza,não diſſerão a el.
Rey a paſſagem dos Chriſtãos aTarifa ,de que os Mouros receberão mui
to dano ao tempo da batalha.
: Ao outro dia ſeguinte, que era ſegunda feira 28. de O &tubro logo an
te manháa os Reys em ſuas tendaś feconfeſſárão , & ouvirão Miffa,& nella
comarão o Sando Sacramento: & omeſmo fizerão todos os do exercito.
A Miffa diſle Dom Gil Arcebiſpo de Toledo,& fez hum ſermão, que mo
veo a muitas lagrimas,& deſejos de morrer por a Fé. E no fim depois de
muitas oraçoens endereçadas â piedade de Deos, concedeo as indulgen
cias da Bulla da Cruzada, que nas mãos tinha. Acabada a Miſſa,todos to
marão a refeição corporal,que lhes era neceffaria para a affronta,em que
ſe eſperavao achar: & feita cada hum ſe recolheo a ſua bandeira. ElRey
de Portugal armou então per ſua mão muitos cavalleiros. E como os da viſ
la virão as batalhas dos Chriſtãos poſtas em ordenança, ſe poſerão elles .
tambem em ſuas batalhas concertadas,do que Hali-Boacen fe achou muito
alcançado.Porque fez ſua ordenança,não ſabendo delles,nem crendo, que
T
avia mais que os cercados.
Os Reys como paſſarão a Penna do Cervo, logo virão as muitas, & gră
des batalhas dos Reys Mouros,em que avia tantas, & deſvairadas gentes,
que parecia,queestava alli toda Africa, & Aſia.E muitos dos Chriſtãos, ſ Grande
vião a olhos tendidos, todos os montes, ſerras, & valles cubertos delles, multi
não podiam crer, ſenão q per encantamentos, que os Mouros ſabião, ſe dão de
faziãoparecer tantos.MuitosdosMouroseſtavão poſtos ao longo do rio, Mouros
para defenderem o paſſo delle aos Chriſtãos,eſpecialmente contra a parte q vierão
domar quea elRey deCaſtella era ordenada, & onde eſtava Hali -Boa- &batalha
cen. Porqueentre amontanha, & o campo,per onde elRey de Portugal do
do.
Sala
hia contra elRey de Granada,aopaſſar do rio,que alli era mais alto , não
ouve tamanha contradição.
ElRey de Portugal,hum pouco antes quea batalha ſe rompelle,fez aos
ſeus Portugueſes hũa breve falla, adhortando-os para a peleja,& encome
dandolhes,que o bom nome,que com tantas proezas,& feitos honradosti
nhão ganhado,tomando as terras em que vivião àquelles Mouros , nað
perdeſſem agora, onde elles lhes vinhão tomar as terras, & as caſas, & as
mulheres,& os filhos. E que nao deixaffem das mãos a occaſiao de tanta
honra, como ſe lhes offerecia. E que não receaſfem aquella multidam
de Mouros. Porque aquelles erão os meſinos, que muitas vezes vence
rão. E que lhes certificava, que a elle lhe pezava de não ver alli quan
tos avia no mundo, para naquelle dia ſe acabar ſeu nome.Porque el
le com ajuda de Deoseſtava tão confiado da victoria,como ſe ja a tivera
1129
А аз
CHRONICA
nas mãos. E logo mandou 20 Prior do Crato 'Dom Alvaro Gonçalvez
Pereira,que antes de ſe encontrarem com os inimigos, moſtraſſe a todos o
Len'o da Sanaa vera Cruz, que levara do Marmelal, que hehŭa grafi
Lenho. de reliquia. O qual trouxe hum Clerigo reveſtido , poſto em huma hal
da vera
Crus era tea,levantado como bandeira. Depois quea Cruz foi delRey, & de to
abädci. dos adorada, a tomarão diante por guia,& apoz ella vinha a Bandeira Re
ra del- al. Os Portugueſes,à hora da prima invocandocom grande devação, &
Rcy de repetindo muitas vezes o nome de JE s V commetterão logo per a parte
Portu, eſquerda contra a ſerra as batalhas delRey deGranada, que eſtavão mui
gal.
bem ordenadas, & que com muito esforço, & deftreza receberão , & er
contrárão os Chriſtãos,perquede huma parte , & da outra ſe travou huma
brava ,& perigoſa batalha,que fem ceſſar da hora de terça, em que ſe co
meçarão a combater, durou até veſpera. De ambas as partes labião tan
tas gritas,& alaridos, & tantoseſtrondos de trombetas, atabales, & ana
fijs, & de outros inſtrumentos, que parecia que a montanha, & os valles
tremião,& fe arrancavão de ſeuslugares. Foy eſta batalha tam cruamen
te ferida, que as armas , & o chão,& as hervas delle, & as pedras era tudo
tinto em ſangue. ElRey de Portugal,& osdaſua capitania, que primei
ro romperão pora muita gente, & a maisesforçada, com que contendião,
que erão os cavalleiros de Granada,eſtavão poſtos em grande aperto, de
maneira,que por o grande trabalho, & canſacio, parecia ja,que as forças
lhes faltavão. A eſte trabalho ajudou, que a Sancta Cruz, que diante tra
zião, & em cujo favor pelejavão,lhes deſappareceo . Peloque vendo iſto
o Prior do Crato,mandou a tres cavalleirosdosſeus, que a foſlem buſcar,
& dentro das mais travadas batalhas veyo o Clerigo feu Alferez, que fem
receber dano a trazia levantada,& com ſua viſta, & com as palavras de
Proezas esforço, quecom ella ſe diſſerão,elRey,& os Portugueſes, como refocil
dos Por- lados de hum grande,&novo favor, levandoa outra vez diante de ſi, co
tugueſes metterão tam rijamente os Mouros, que logo ſe mudou a ventura aos
lha bata-
na do Chriſtãos, que dantes parecia contraria. Peloque não podendo as hota
Selado . lhas dos delRey de Granada ſofrer osgolpes dos Chriſtãos, que não pa
recião ſer dados per mãos,nem forças humanas, volverão primeiro as col
tas,& vencidos ja de todo, por ſalvarem as vidas, começarão a fugir,& fe
acolher contra Aljezira quanto podião. E ſeguindolhes os Portugueſcs
o alcance,matarão delles grandemultidão,ſendo elRey neſta batalha em
tudo o primeiro, & o quemereceo per ſeu braço mais louvor.
ElRey de Caſtella entre tanto mandou commeter os Mouros da parte
direita,pela ourela do rio,& ao paſſar delle achàrão grande reſiſtencia nos
Mouros, principalmente as batalhas de Dom Joam Manuel, que hia na
dianteira. Mas com morte de muitos Mouros paflárão. No que Dom lo
am Manuel, & os ſeus ganharão nome de mui 'esforçados cavalleiros. E
rompendo per muitosbarbaros,forão ferir em outras batalhas mayores,
gue
DELREY D. AFONSO QVARTO. 136
que ſe lhes offerecerão. Neſta dianteira não hia elRey de Caſtella, pora
que ficou com ſua grande batalha na retaguarda, & com elle o Arcebiſ
po de Toledo, para dallimandar ſoccorrer aos ſeus, quando compriſſe.
A primeira rota, que os Capitaens, & Caſtelhanos fizerão, foi nas grans
des batalhas dos Mouros, quejunto com Tarifa guardavão o arrayal, & af
fim nas tendas,em que eſtava a Rainha Fatema, mulher principal de Hali
Boacen , & outras fuas mulheres,& filhos. No que ajudàrao muito os ca
valleiros,que ſairão de Tarifa, que nos Mouros fizerão grande mortanda
de . A qual nam podendo elles ſofrer,receando ſerem ſeguidos dos Portu
gueſes, que ja adiante hiáo victorioſos,forão todos desbaratados, & huns
fugindo ſe acolhião a Aljezira,outros ſe deſcião ao mar,onde eſtava elRey
Hali-Boacen,có a mayor força da gente. O qualvendo,qja elRey de Gra
nada,hiafogindo delRey de Portugal,anojado por iſſo,masnaó deſconfia
do,volvendole aos ſeus,em altas vozesdizia:Olhai aquelle covardo delRey
de Granada, que vai fugindo delRey de Portugal . E animandoos lhes die
zia ,que Deos paramais ſua honra,quizera que foſſe aſſim , para outrem não
levar a gloria da vi& oria,ſenão os ſeus, que naſcerão para ſempre vence
rem , como dava teſtemunho o ſenhorio de toda Africa,
El-Rey de Caſtella, como vio elRey de Granada vencido, com gran
de alvoroço paſſou o rio, jà ſem contradição , & moſtrandoſe a todos
com o roſto deſcuberto, dizia: Eu ſou voſſo Rey . E repetindo muytas Rey D.
vezes o appellido de Caſtella, & Lião,quiz ſer o primeiro , que romperle Afonto
nas batalhas delRey Hali-Boacen ,que côtra elle as endereçava. Mas o Ar. de Caf
tcllatocóa
cebiſpo de Toledo,tendoo rijo pelas redeas do cavallo, lhe diſſe,que nam mui
aventuraſſe naquelle dia Caſtella & Lião, com perda de ſua peſſoa, que ja pimo a
os Mouros eraõ vencidos. Com tudo a batalha entre eſtes dous Reys foy comette
mui crua,& a victoria della eſtava duvidoſa, a qual das partes pendia. Mas os Mous
os Chriſtãos das batalhas delRey de Caſtella , que tinhão desbaratadas as ros.
tendas de ſeu arrayal,deſcendo da ſerra victorioſos vierão dar nas coſtas
de Hali - Boacen . É aſſim ſe dobrou entre elles a faria da peleja , que dos Lamēta
Mouros foi feito hum grande eſtrago. Hali Boacen vendo, que não lhe çoens de
fuccedia bem a ſeus defejos,mas que a couſa ſe hia inclinando a ſua per- Halibo
dição ,ja como deſeſperado ſe pozem meyo dos ſeus,que ainda erão mui- acen vé
tos: a que em altas vozes fez huma falla ,accuſando ſua fortuna, & maldi- do hia
zendo ſua velhice , chamandolhe deshonrada , & mais que de nenhum vencido
outro homem abatida,arrancando com iſto muitos cabellos de ſua gran
de , & branca barba ,& ferindo com bofetadas ſeu roſto cheo de Real au
thoridade para inais animar os ſeus.
Eſtava naquelle tempo junto com Hali-Boacen hum velho Turco de
nação por nome Alcarc,esforçado capitão queo viera ajudar naquella jor
nada com grande poder de gente ſua. Eſte tinha a feu modo feitas duas
hatalhas demuyta gente com repairo de paos ferrados , & muy fortes
Aa4 ao re
CHRONICA
ao redor,hija dellas feita a modo de cunha,& outra redonda a modo de fú
curral Neſtas podião entrar os feridos ſem torvação,nem impedimento, &
fair os faós de refreſco,a ſoccorrer a outros, quando compriſe. Vendo eſte
Alcarc a HaliBoacen com tamanha deſeſperação,lhe diſſe, que não era té
po de prantear comomulher,mas de remediar a fy, & aos ſeus, como Rey,
& capitão,g contra a irade Deos não avia forças,nem ſaber. E que porque
ſua vida era tão neceſſaria aos ſeus,na qual conſiſtia a eſperança detornar
vingar a perda prezente ,ſeacolheſſe com cedo àquella batalha do curral,
em que avia nove mil homens com que ſe poderia ſalvar em Aljezira.Ef
tes nove mil homens mandou Hali-Boacen fair, não como os ſeus cuydà
vão ,para ſe acolher,mas para comelles tornar à batalha, & experimentar
lua fortuna atè a morte, & com palavras os esforçava, lembrandolhe alem
da honra que perderião , & o bom nome que ſempre tiverão, o deſemparo
das mulheres & filhos que alli traziáo,quedeixarião a arbitrio, & vontade
de tam infeſtos vencedores inimigos de ſua linhagem,& de ſua ley, & as
principaes riquezas 7 alli tinhão,deq os deixariáo ricos. E com iſto, ſen
do clle oque primeiro queria arremeter aos Chriſtãos,foi deteúdo por o
Turco Alcarc,& por o Infante Bazain feu filho,o qual per força o tomou,
& levou âquelle cerco,que ainda eſtava muy forte,a que o Turco Alcara
tambem ſe acolheo. ElRey Hali-Boacen muy ſentido fe queixava delle,
por lhe não conſentir fornar â peleja,& eſteve para lhe corcar a cabeça. E
como deſeſperado, lembrandofe de ſuas mulheres, & de ſeus filhos, & de
quantas gentes alli trouxera ,& das riquezas& grandes thefouros fem coii
to, dizem que ſe deſceo do cavallo, & de piolhos com o Alcorão nas mãos,
& com os olhos cheos de lagrymas poſtos no Ceo,com grandes vozes, que
todos ouvião,ſe queixava a Mafamede com grandes lamentaçoens, que
defendendo elle aquella ſua ley,& vindo pelejar contra os inimigos della,
o deſemparara, & deixara cahir em deſonra, com tanta perda ,& cativeiro
de tantas gences,foſpirando pela morte, de quena batalha eſcapara, & ac
cuſando Alcarc,que Iha eſtorvara. E confolandou os ſeus, que poder tinha
elle,para ſe bem vingar,quando quizeffe,& ajuntarmais gente, que a que
alli trouxera, & q traz hum ruim tempo vinha outro bom ,fogindo em húa
egoa ligeira ,ſe ſalvou em Aljezira:& de Aljezira cõ receo de cerco,fe paf
ſou a Gibaltar,& dahi a Septa . Alguns davão a culpa de aſſim ſe ſalvar
Eſtrago HaliBoacen,ao Almirante de Aragão,que não quizaquella noite guardar
ģosReo
is fizerão
eſtreito galès,como lho tinha mandado elReyde Caſtella
Vencidoscomos asReysMouros,os ReysChriſtãosambos lhe ſeguirão. o al
nesMou cance duas legoas atè o rio que ſe diz Britabotelhas,onde o arrayal delRey
ros indo de Granada eſtava aſſentado, que logo foi deſtroido. E dahi leguirző os
no alcan
1 ccdelles. Mouros até o outro rio que ſe chama Guadamicil,que he quafi húa legoa
de Aljezira , fazendo nelles grandiſſimo eſtrago, até de cançados nam pu
derem ſeguir mais adiante,nem fe poderem mover,tanto os de cavallo,co
mocs
1
DELREY D.AFONSO QVARTO . 141
mo os de pé. E ainda amortandade;quenos Mouros ſe fez,foramayor,ſe
os inais dos Chriſtãos não ficarão roubandolhes as tendas de infinitas ri
quezas ,que nellas deixarão,& cativandolhes ſuas mulheres, filhas, & filhos
pequenos. Aqui foia Rainha Fatema morta , & feita pedaços, por mãos Morte
de alguns homens baixos do que aosReys Chriſtãos pezou muito,aſſi por da Rai
ſer mulher, & Painha,& pela honra de a terem cativa, como pelo muito nha Fa
reſgate decativos,ou dinheiro,que ſe por ella podéradar , & pelo freyo temamu
que era para Hali-Boaćen. Tambem matára asoutras mulheres do meſ lher do
mo Rey . E nas batalhas delRey de Portugal foi cativo o Infante Alboha. Miramo
mar ſeu filho, que foi entregue a elRey de Caſtella , & outros dous Infan- lin,
tes moços ainda pequenos forãomortos. Foi tambem cativo por elRey
de Portugal, outro Infante Mouro pornome Abohamo filho de Albo
5
hali Rey de Sejulmença,irmão de Hali-Boacen ,que configo trouxe a eſte
Reyno. Depois do desbarate dosMouros,forãologo osReys ſobre as té Cativos
das, que eſtavão ao redor de Tarifa , & achâraõ doze mil de homens prin del Rey
cipaes,afora as outras comuns, que erão cento, em que ſe acharão grandes de Por
theſouros de ouro,prata ,& ricas joyas de pedraria de grande preço,muitos tugal.
pannos de ouro,ſeda,& láa,& linho, tecidos demuitas maneiras, & mui ri
cas baixellas de ouro & prata de grande lavor, & valia, & muitos, & mui
ricos jaezes, & grande numero de cavallos,camelos,& outras couſas, que ſe
não podião contar. Porque como elles vinhão confiados, & perſuadidos, ģ
daquella vez avião de ganhar Heſpanha,trazião tudo o que tinhão, como
homens que mudavão ſua caſa, & vinhão a morar, & não como quem ſo ,
mente vinha guerrear.
A gente que os eſcriptores Caſtelhanos dizem queneſta batalha mor
reo dos Mouros,forão quatrocentos & cincoenta mil, & que ſe ſoube pe
los livros das apuraçoēs, & matricula dos que a guerra vierão . Diſto dão
por teſtemunho hum Genoves, que deAfrica veyo a Heſpanha, & que a
elRey de Caſtella o affirmou aſlim.E dizein ,quealem dagente, que ſe ap
purou para a guerra,vinhão mais cem mil calaes,com ſuas molheres, & fi.
Thos para ficarem em Heſpanha, & habitarein as cidades & terras,que Ha
liboacen lhe jà tinha promettidas.Tambem dizem ,que ſe achou por cer
to,queeſta gente eſteve cinco meſes continuos em paflar o eſtreito em 60 Exerci
galé ,& a que ſe ſalvoa, & tornou a Africa,pallou em doze galês em eſpa- todos
Mouros
ço de quinze dias. Mas iſto não heveriſimil,nem he baſtante prova o di a vicrão
to de hum mercador ſó,que queria liſongear hum ley. Porque nem podia ao cerco
matarſe tanta gente em tao poucas horas ainda que forão ovelhas metidas de Tari
em hum curral . Nem ſe podia ſaber o numero certo de tamanha mulci- fa.
dio,como então paſſou a Heſpanha. Peloque a verdade he, que a gente
foi tanta que não ſe lhe foube conto, nem podia aver delles livros de apa
puraçočs,nem matricula,porvirem a diverſos portos de mar embarcarſe,&
de diverſas Provincias, com mulheres ,& filhos , como quem vinha povoar
Her
3 C : CHRONICA
Heſpanha.. Por a qual razão não avia para que ſe affentarem em livro
gentes,que nað vinhão a foldo, nem erão todos da peleja, mas que vi
nhão muitos delles ganhar a terra para a habitarem , por ſer melhor, que
a de Africa , & que ja fora de ſeus avós. Peloque mais credito ſe deve dat
a humamemoria de húa grande pedra marmore,que eſtà na Sè de Eva
ra junto aCapella mòr, que ſe eſcreveo naquelle tempo meſmo, per in
formaçam de cem homens de cavallo, & mil de fé,que da meſma Cida
de forão com elRey D.Afonſo aquella batalha do Salado,pera qual ſe ve,
não ſe ſaber o certo numero dos Mouros vindos,nem dos mortos, & ou
tras couſas em que os Eſcritores diſcrepavão, cujas palavras ſao eſtas meſo
mas, & daquela lingoa antiga.
Era 1378. annos Rey Abenamarim Senhor de alem do mar, confiada
de fi, & do ſeu grande aver, & poder, paſſou aquem do mar com a For
ra filha de Rey de Tunez, para perſeguir, & deſtroir os Chriſtãos. Cer
Memo . cou Tarifa , & oleu poder era tanto , que ſenão pode ſommar. E pois
zia daba Rey Dom Afonſo de Caſtella vio,quenão pode ſer certo, ouve receyo,
talha do & perfi veyo a Portugal demandar ajuda aoquarto Afonſo Rey de Por
Salado q -tugal ſeu ſogro. A el prouge muito de lha fazer com ſeu corpo, & com
eſtà el ſeu poder. Logo ſemtardança compeçou o caminho para a fronteira, &
crita em
hú mar mandou que os ſeusſe foſſem em poz el. De Evora levou cent cavallei
more na ros,& mil peõs . Gonçalo Eſtevez Carvoeiro foi por Alferez. Lidară
Sède E. com osMouros , & Rey de Portugal entendeu en Rey de Graada, &
vora .
Rey de Caſtella en Rey Abenamarim . Etmerce foi de Deus, que nun
qua Mouro tornou roſtro. E morrerão delles tantos, a que non poderó
dar conta. Rey Abenamarim , & Rey de Graada fugirom . No arrayal
de Abenamariin acharom grande ayer em ouro, & prata, & ouveo Rey
de Caſtella.Matàrom hi a Forra,& muitas ricas Mouras, & outras Mouras
muitas,& meninos enfijndos . Captivàrom hum filho deAbenamarim ,& hū
feu ſobrinho, & hũa ſua neta.Deus ſeja para todo ſempre bento por tar
tamerce,quanta fez aos Chriſtãos. Amen .
Finalmente o numero dos Mouros mortos foi grandiſſimo, & o dos mor
tos Chriſtãos cão pouco, que parecera increivel,o que ſe eſcreve diſſo,ſea
quella pedra,a que ſe deve de dar muito credito,não diſſera,que os Mou
ros não volverão roſto,nem fizerão algūa reſiſtencia,
Os Reys Chriſtáos, como a gente ſe afloſſegou do alvoroço da vi
Etoria, elles com os Prelados, &com a mais gente de ſeus campos, dan.
do muitas graças a Deos, & cantando o hymno Te Deum laudamus , ic
recolherão a ſuas tendas, que deixaram na Penna do Cervo , onde re
pouſaram do muito trabalho da batalha . E como baſteceram a villa
1
de Tarifa de Capitam , & de gentes, & do neceſſario , para muyto tem
po, & deixaram ordenado, que ſe repairaſſe dos dannificamentos, que os
Monros nella fizeram , os Reys com ſeus exercitos ſe vierão a Xerezda,&
hi
DELREY D. AFONSO QVARTO . 142
dahi a Sevilha. . .,
Como os Reys chegarão à Cidade, comgrandes alegrias forão re
cebidas de todo eſtado de homens, & em ſolenne prociſſão os forão ef
perar o Arcebiſpo , & Clereſia , trazendo elles diante de ſy , os pen
doens dosReys Mouros aoshombros dos captivos mais princicipais,
& forão deſcer a Santa Maria del Pilar , onde depois de darem muy
tas graças a Deos, & â BemaventuradaVirgem Maria lua Madre, ſe forão
apoſentar na Cidade. E nos ſeis dias que os Reys ambos eſtiverão em Se
vilha,mandarao ao Papa Benedicto, que eſtava em Avinhão,novas deſta
victoria ,& as bandeiras Reaysdeambos os Reys, com 24 bandeiras,quea Preſente
deMous
os Mouros tomarao,com a Píeal delRey de Marrocos,& hum grande pre- ros cati
ſente de cavallos ajaezados ricamente,cadahum com hũa eſpada no arção, uos, &
& húa adarga,& muytos Mouros captivos honrados,de que levavaõ algus bandei
aos ombros as ſuas bandeiras baixas, & arraſtando . O que o Papa rece ras os
Reys
: beo.com muyta alegria . E ao dia ſeguinte ſaio a dizer Miſſa,trazendo di mandas
ante de fy,mui baixas aquellas bandeiras captivas, & as dos Reys vencedo- rão oa
ses levantadas,começando o meſmo Papa perſyo Hymno: Vexilla Regis Papa Be
prodeunt, que os Cardeaes com elle devotamente acabárað . O melino Pa- nedicto,
pa diſſe Miffa & prègou hum Sermãode grandes louvores daquelles Re
ys,a quem refpondeo com Breves de muitas graças.
Chegandoſe odia,em que ſe elRey de Portugal avia de deſpedir,elRey
de Caſtella ,fez ajuntar nas ſalas de ſeus Paços as couſasmais ricas do deſ
pojo,cada háas per ſy apartadas,& no terreiro todos os Mouros, & Mou
sas captivos, & tudo per ly moſtrou a elRey de Portugal, a quem pedio de
tudotomaſle o que quizeſſe, & lhe melhor pareceíle, pois a elle ſe devia
tudo . ElRey de Portugal,com roſto alegre ſe eſcuſou, dizendolhe, quan
do deſeus Reynos viera em ſua ajuda,fora por ſervir a Deos, & porhora
delle Rey de Caſtella, & por defenderlhe fuaterra,& não có téção de elle, Rey de
Portu
nein os ſeus tornarem ricos,fenaő honrados, & victorioſos, como pela gra
ça de Deos tornavão . E q por táto nao queria de tudo outra couſa,ſenão ao galnaó
quelle Infante filho delRey de Sejulmença ; que elle captivara,& as cinco fua par
bådeiras dos Mouros, 9 elle tomou, As quaes quando veyo a Portugal poz te do
na Sé de Lisboa.Alēdiſto tomou algúas eſpadas ricas, & algusjaezes, para deſpojo
grandille
cavallos que lhe parecerað bem . E affirmaſe que tanto foi o ouro & prata mo dos
que por deſvairadas gentes daquelles exercitosdos Chriſtãos ſe roubou, Mouros
no Reyno de Aragão,em Paris,& Avinhão ,onde a Corte do Papa eſtava,
& emmuytas outras partes abaterão aquelles dousmetaes a fexra parte,
do em que antes eſtavaó. ElRey de Portugal ſe deſpedio da Rainha ſua
filha, & do Infante Dom Pedro ſeu neto. De Sevilha o acompanhou el
Rey deCaſtella até Caçalha ,& dahi ſe veyo a Olivença ,& de Olivença a
Eſtremoz ,onde a Rainha D.Beatriz , & o lifance D.Pedro eſtavað, & ahi
foi recebido com muytas feſtas, & alegria.
Corren
1
CHRONICA
ANNO Correndo o annode 1342. aconteceo hum cazo, dos que os antiga
1342 .
chamavam façanha, que não he para deixar,porſerem caula delle as guer
ras, que elRey Don Afonſo de Portugal trazia com elRey de Caſtella
ſeu genro, & por ſer couſa notavel, para ſe fazer ſemelhante juizo, quan »
Repto do eſte cazo acontecer. Eſtando elRey de Caſtella en Valhadolid, diſ
entre do
us caval .
ſe perante elle hum fidalgo per nome Rui Paez de Viedma, que outro
leiros Ca fidalgo per nome Payo Rodriguez era traidor. Porque lendo natural do
ftclha- Reyno deCaſtella , & vaſſallo delRey , & não ſe avendo deſnaturado
stOS,
primeiro do Reyno no tempo, que elRey de Portugal lhe fazia guerra,
entrara com o meſmo Rey de Portugal em Caftella, & o ſervira na guer
ra,& combatera villas,& caſtellos, & fizera o mais como em terra de ini
gos. E que por iſſo lhe chamava traidor, & daria de tudo larga prova, &
per teſtemunhas . & pelas mãos Iho provaria, & per toda outra mancia
sa de provaque foſſe abrigado. E que ſobre iſto o deſafiava, & empra
zava. Era a iſto auſente Payo Rodriguez, & quando veyo a ſya noticia,
& foi emprazado, eſcreveo a elRey humacarta, em que lhe dizia, nam
ſer obrigado a reſponder: porque dizia que Rui Pàes de Viedma era trai
dor, porque avia tratado, & procurado dematar ao proprio Rey, & que
iſto lhe provaria pelas māus, &que para iſſo o deſafiava, & emprazava.
E que poiseſte repto,que elle fazia ao Rui Páes,era mayor, & tocante à
Peſſoa Real, que pedia por merce a eRey lhe mandaſſe dar ſua carta
de ſeguro, para poder vir ante elle para lho provar pelas mãos , & com
feu corpo.ElRey foi poſto em duvida,& nao fabia determinar , qual era
o reptador, & qual o reptado, vendo que Rui Paez avia reptado pri
meiro, & que o outro o accuſava de couſa mais grave. E avendo ſobre
iſſo conſelho, determinou,que avia de mandar ſeguro a Payo Roiz, cara
que pudeſſe vir ſeguramente a elle, & reptar,demandar a Rui Paes ſobre
o quedizia, que avia procurado a morte delRey . Vindo Payo Rodii
guez ante elRey , emſua preſença deſafiou ao Řui Paez , ſobre a cauſa
ja dita,& lhe diſſe, que era traidor. Rui Paez de Viedma lhe reſpondeo,
que mentia,& que fobre iſſo lhe poria as mãos. Sendo o campo afina.
lado, & ſegurado per elRey, & poſto prazo para a batalha,o Rui Paez de
Viedma adoeceo, & o prazo fe lhe alargou por noventa dias. Pallado eſe
te tempo,& eſtando elRey na Cidade de Xerez; quando hia pôr cerco a
Aljezira,vierão ahi osditos cavalleiros do deſafio . E guardadas as coliu
madas ſolennidades,elRey os metteo no campo. E fazendo nelle cada
hum o que pode por vencer ſeu inimigo,& avendo dadas , & recebidas
algumas feridas,veyo a noite, ſem que hum podeſſe vencer , nem render
o outro. Ao outro dia forão mettidos outra vez no campo , onde cada
hum trabalhou por ſe melhorar de feu contrario, & fazendo o poſſível
derão algumas feridas,mas não taes, que lhe tiraſſem as forças. É ali ba
talhando,gaſtàrão todo aquelle ſegundo dia, ſem ſepoderconhecer ver
tagem
DELREY D. AFONSO QVARTO , 147
cagem de hů a outro. E da meſmamaneira forað tirados do campo outra
vez igoaes,cô grande eſpanto, & pezar dos 4 vião dous tão esforçados ca
valleiros eſtarem'a perigo de morrer , ſcon ſua morte trazer algum fruto à
Républica. Tornados o melhor que puderað o terceiro dia á ſua batalha,e
começarão de novo có grande esforço, poſto q não có tantas forças, como
e primeiro dia,poras feridas, q ambos tinhão.E andando na mayor porfia,
que nunca a fim de ſe poder vencer hum a outro.E ſendo já horas de ver
pera, pareceo a elRey , a não devia de perder taes dous cavalleiros,& que
melhor eraempregar a fortaleza daquelles braços contra Mouros . E porą
eſtavãoja taes, q ſe eſperava amortede ambos.Pelog entrando em ſua pel
c. ſoa no capo,lhes mandou ,geſtiveſſem quedos, & ſoltaſſem as armas das mā:
os,& lhes diffe: Que vendo elle q era mais ſeu ſerviço, G elles não morrefe
fem,& faiſſem vivos docãpo ,para o lervirem naquella guerra contra Mou
s dava entre elles ſeu juizo, & fentença : Que porquanto Payo Rodri :
TOS,
..guez de Avila reptador, aviafeito quanto pode naquelles tres dèas,por
matar,ou vencer a Rui Paez de Vicdma, & porque elle era feitura fua , &
homem de q ſempre tivera muita confiança,como tābem osReys paſlados
tiverão daquelles,de ý Rui paez deViedma reptado deſcendia, elle nam
i cria , elle fallaffe,nem trataffe ſobre ſuamorte,nem o quizeſſe matar, &
en prova diſſo,tinha feito o que devia no campo, por ſalvar ſua verdade,
pelejando esforçadamente tres dias arreyo,ſem ſenelle ver fraqueza, nem
moſtra de culpado, quepor tanto o dava por bom,& por leal, & por livre
da accuſação, & repro, ğ Payo Roiz lhe avia feito, & q afti o dava por ſena
tença ,& qne a ambos dava por bons, & leaes cavalleiros. Dito iſto, elkey
I meſmo os tirou ambos igoalmente do campo. E todoslouvarao o juizo,&
fentença delRey,& tiverão em memoria aquella façanha, para ſe praticar,
quando ſemelhante cazo aconteceſſe.
OF E porqo fimda hiſtoria não he fomente dele& açao que danarração das
econd couſas ſe toma . Mas a utilidade & exemplo, que della ſe tira, para doutrie
na dos que a lemn ,peloque dos antigos com muyta razão ſe chamou Mèſ
2.
tra da vida,poiscaye em menção deſta palavra façanha, de que as leys de
ſte Reyno & as eſcrituras antigas fazem menção queeu não vi entender a
algumLetrado deſte tempo, parece que pelo pouco coſtuine, que ago
sa ha de ſe fazerem façanhas,menosinconveniente me pareceo fazer eſta nFaça.
ba que
digreffaó, que ignorarſemais,que direito he façanha. He pois façanha, direito
hum juizo,fobre algum feito notavel& duvidoſo, que por authoridade, he,se
de quem o fez , & dos que o approvarão, & louvarão, ficou delle hum porá se
direico incroduzido para ſeimitar,& ſeguir como ley, quando outra vez diz álli.
aconteceſſe. Tal foi eſte cazo de Ruy Paez, & Payo Rodriguez, onde ſe
duvidou,qual era o reptado,& qual o reptador,por o reptado deſafiar por
cazo mayor:& o q fe faria,quando dous cöbatenteschegaffem a termos de
em tanto tempo ſe nao poderem macar,ou tender hum a outro. Peloque
Bb ſendo
CHRONICA .
Cendo louvada aqlla ſenteça delReyde Caſtella, & aprovada pelo povo,
dahi emdiante de decederia por ella outro tal cafo . E por iſſo le chamou
façanha,ağlle direito della reſultou,pelo feito notavelsfobre ğ fe det,co
mofe tåbe chama coſtume,o direito q reſulta do g en hū lugarſecokura
fazer: E para mais declaração porei outrosexéplos deCaftella, & Portugal
Na batalha de Najara q elRey D.Pedro de Caſtella véceo,foiprezo Njof
ſen: Beltrão de Gufçlim ,Marichal de Fraça,pelo Princepe de Gales prino
genito delRey de Inglaterra,aqué elle promerera,ſendo outravez ſeu sii
conciro em húabatalha de Piteus, em qelRey João de França tambė foi
preſo, q ſob pena detraidor, ſe não foſſeem copanhia delRey de Fraça,ou
co algu da lua linhage da Flor de Lis,ſe não armaria cötra elRey de Ingi:
terra,né cõtra ellePrincipe deGales,até feu reſgate naõ ſer pago. Peloğvé
do o Principe deGalesa eſte Marichal preſo,lhe chamou traidor,& femeti
do,& q merecia a morte,a q ſe obrigàra porſua promeſſa.Porq não lhe të.
do pagoſeu reſgate,né ſendo em copanhia deRey de Fraça,ně cõ algú de
fua linhage,tomara armas cötra elle. O Marichal lhe reſpodeo , oPrincipe
era filho dehey,& não lhe reſpödia como poderia naợlle caſo.Mas gelie
não era femérido ne traidor. O Principe diffe, queria eſtar a juizo de Ca
valleiros,& q lho provaria. O Marichal cõfentio , & forão juizes i 2.Caval.
leiros de varias naçoés,ante os quaes o Principe diſſe a promeſſa , & a culpa
do Marichal acima dica.E cuidado todos, ſo Marichal tinha mão feito,&
ĝ de morte fe não eſcuſava,o Principe diſſe ao Marichal,q ſeguraméte dil
Jeffe tudo o q entēdeſſe,por defender ſua hora.Porq iſto era feito de guci.
ta entre cavalleiros.O Marichal reſpondeo ,q verdade era tudo o qoPrins
cipe dizia . Mas ģelle ſe não armara cotra elle ,como capitão daqlla batalla.
PorgelRey D. Pedro era ſenhor della ,a cujas gajes como ſoldado o l'rin
cipe era’alivindo. E ý poiso Principe não era capitão,& vinha aſſoldada
do,elle não errâra,ně ſe podia dizer q ſe armára cótra o Principe de Gales,
ſenão cótra elRey D. Pedro,cuja era a requeſta daglla batalha.Os juizes
Faça. differað.ao Principe,goMarichal refpóderamui bė,& có direito, & nde
Martim rão por livre da acuſação,q ſe lhe fazia.E foi notada ağlla repoſta de ma
Vaſquez neira, gpor aglla façanha ſe livráraõ depois muitos caſos ſemelhates,quá
da Cu- do acontecião na guerra. E porý não paſſemos pelas de Portugal de que
nhaperá as Ordenaçoés doReyno fazem menção,poreieſta sò, ſ em eſcrituras211
caliello tigas achei.TendoMartim Vaſquez da Cunha o velho, Caſtello de Ce
de Ce:lourico de Baſto pela Rainba D.Beatriz mulher delRey D. Afonſo III. Ý
louricó The fora dado porſuas arrhas,veyo a querer largalo à Rainha, & defencar
a elRcy. regarſe delle . A qual lhe diſſe, q o defle a elRey D.Diniż ſeu filho , & que
ella lhe largava a homenage ,dandoo a elle.ElRey D.Dinis,a qué Marcin
Vaz requereo muytas vezes, que lhe aceitafle o Caſtello,o nam quiz fazer,
7
por deſprazer que do Martim Vaz tinha,porelle injuriar a Dom Domina
gos Jardo biſpo de Lisboa, feu Chanceller mör, & grande feu Privada,
que
DELREY D.AFONSO QVARTO . 144
que he aquelle que jaz enterrado no Moſteiro de Santo Eloy deLisboa,
que ellecomeçou edificar.Peloque vendoMartim Vazquez,que ſe'não poi
dia ver deſobrigado do Caſtello,foiſe às Cortes de todos os Reys de Hel
panha, & dosde França,& Inglaterra,& 'dę Sicilia,ſegundo dizem , & á do
Emperador a Alemanha,&'deoutros Principes,& a todos aquelles Reys,
& Principes perguntou como a falvo de ſua honra poderia deixar aquelle
infup... Caſtello .E por codos foi acordado,que entraſſe no meſino caſtello,& nel 1
her le metreffe hum gallo , & huma galinha,& hum gato, & hum cão, & fal,via
nagregazeite,pam ,farinha,vinho,agoa,carne,peſcado, cebolas, ferraduras,
12
. cravos, ſettas,eſcudo,lança, capacete, ferro,baraços,lenha, môs; atilhos,
ceſto, cutello,ou eſpada, carvam , folles de ferreiro, iſca,fozil, & peder
neira, & pédras por cima do muro. E quepozeſſe fogo a hõa das cazas
v . demaneira, queelle ſe faille a falvo, & que depois diſto pozeſſe fora do
06 Caſtello todosos que nelle eſtavão, & que ficaſſe elle dentro, & cerraſſe
Tips as portas & as tapaſſe por dentro, & que deſpoisſe ſubiſſe ao muro, &
lok que atafle huin baraço decima das ameyas, & fe faille pello baraço em
ku hum ceſto. E que ataſſe depois no cabo do baraço hűapedra com hum
que
", cepo de maneiras quetornáſleo baraço por cima do muro.L que logo ſo
0:19 C. biſſe em hum cavallo,& foſſe dizendo por tres fregueſias: Acodi ào Caf
PROMA tello del Rey,que ſe perde: Accorrei ao caſtello delRey que ſe perde. E Q
qnando folle pelastres fregueſiasdizendo aquillo, nainparaffe, nem tor
nalle atraz. Deſte conſelho lhe deu cada hum Rey hum eſcrito aſinado
0.14 porſuas mãos, em que diziam ;que ſe elRey de Portugal diſſeſſe a Martim
Vaſquez ,que não fazia naquillo o que devia, cada hum delles lho defen
deria pelas armas.O meſmo diſſerão os Senhores, & Cavalleiros daquellas
.
Cortes aos ſenhores,& grandes do meſmo Reyno de Portugal, & os fidal
gos, & cavalleiros aos fidalgos, & cavalleiras do meſino Reyno, por iſtru
mentos allinados pelos Notarios publicos das t'erras. Deſta maneira e fez
Martim Vaſquez como lhe foi aconſelhado, & deixou o Caſtello de Ce .
lourico,pela qual maneira dahi em diante ſe deixàrão os caſtellos. Da qual
façanha parece ſe tirou a ley da partida do Reyno de Caſtella, que poem
eſta maneira de deyxar os Caftellos,quando os Reys nao querem aceitar.
Dos quaesexemplosſe collige,que façanhas faõ as de que fallað as Orde
raçoes de Portugal, & de Caſtella.
i
Vindo depois o anno de 1347,receandoſe elRey Dom Pedro o IV. de
Aragão delRey de Caſtella por aviſos ſecretos, que lhe deu Dom João ANNO
Manuel,querendo conſeruara amizade delReydePortugal,concertou ca 1347 .
zamento com a Infante Dona Lianor ſua filha,para oquemandou a Portit-
gal Lopo de Vrrea feu Camareiro, & Pero Guilhem de Eſtaimbos,fidalgo
de Ruiſelhon,o qual ſe tratou por meyo de D. João Manuel ,& da Infante
D.Coſtança fua filha,mulher do Infante D.Pedro, & por meyo de D.Ma
ria Ximenez Cornel ,irmãa de D. XiBme
b2
no Cornel,Condeſia deBarccllos ,
inulher
CHRONICA
mulher ſegunda do Conde D.Pedro dePortugal, filho baſtardo delRey
Dom Diniz,queera tia de D.Pedro Cornel Senhor de Alfajarim. Intervi.
erão tambem niſto dous fidalgos mui principaes do Conſelho delRey de
Portugal,que erão Fernão Gonçalvez Cogominho feu Copeiro mór, &
ſeu privado , & Lopo Fernandez Pacheco, Senhor de Ferreira Mordomo
mórdo Infante D. Pedro .Eſte matrimonio procurou de eſtorvar el-Rey
de Caſtella, porque quiſera que cazara a Infante Dona Lianot com o In
fante D. Fernando feu ſobrinho irmão delRey de Aragao. E ſendo man
dados a Caſtella per elRey de Aragam Mattheus Mercer, & Joam Ef
crivà ,para entender o que ſe intentava pelos Infantes feus irmãos com cor
de informar a elRey de Caſtella do que paſſava,ſobre a declaraçao da fuc
ceſſao de ſeus Reynos, chegárão a Tordelaguna, onde elRey eſtava,para
verſe com a Rainha D.Lianor ſua irmáa.E alli diſſe elRey de Caſtella ae
ſtes Embaxadores,que elle à ipſtancia delReyde Aragao,avia movido ca
zamento da Infante de Portugal,& do Infante D.Fernando.E ſobre illo
avia mandado feu Embaxador.E q ſe agora ſe pedia para elRey,pareceria
couſa deshoneſta ,avendoſe movido per inſtancia ſua, q ſe pediſſe para ſeu
irmão. E fubre iſlo mandou a elRey de Aragao Fernão Sanches de Val'a
dolid,a pedirlhe,que por honra ſua, & por moſtrar q amava o Infante ſea
irmão,defiftiſle deſte matrimonio.E qafio mandava pedir a elRey de Por
tugal muiencarecidaméte . A iſto reſponderað os Embaxadores, ao efia
do delRey feu Senhor cõvinha cazarſe.E quando elle pediffe por mulher
a
filha deRey de Portugal,mui ſem filo feria ſeu pay,ſenão ſoubeffe efco.
lher .E q não ſe devia elRey.de Caſtella de maravilhar ſe aſli o fizeſſem , pois
elle avia feito omeſmo,que quiz antes dar ſua irmãa a elRey D. Afonio
de Aragão, quenão ao Infante Dom Pedro ſeu irmão, com quem eſtava
tratado de cazala . Deſta pertenção del-Rey de Caſtella ſe entendia , que
o não fazia tanto por fazer bem ao Infante feu ſobrinho , quanto por in
pedir, que osReys de Aragão , & Portugal, não ſe confederaſſem .
Inútir.do elRey de Caſtella de deſviar aquelle cazamento,mandou a el
Rey de Aragão Fernão Perez de Ayala,para que de ſua parte lhe rogaſle,
que deſſe lugar ao matrimonio do Infante ſeu irmão com a Infante de Por
tugal, & não quizeſſe embaraçalo. E ſobre o meſmo mandou a Portega!
D.JoãoAfoſo de Albuquerque feu grande privado,& grande Senhor,lo.
brinho delRey de Portugal, filho de Afonſo Sanchez ſeu irmão baſtardo,
de que no principio deſte livro fe faz menção,crendo que com a muita au
thoridade q tinha,poderia eſtorvar o cazamento . Declarou ſe maiselRey
de Caſtella,porq eſtando Lopo de Vrrea, & Pedro Guilhem de Eſtain bos
em Badajoz,para paſſar a Portugal,tratou de lhes embaraçar o paíſo, & de
telos, & tomaraólhe ſuas cavalgaduras, & elles eſcondidamente le para
ſaraó a Elvas , que he o primeiro lugar de Portugal. Dahi fciam a hum
lugar,que chamão Monteargil, onde acharão elRey Dom Afonfo ,Inf&an:0
DEL REY D.AFONSO QVARTO . 145
1
CIR
149
ht
1
CHRONICA
ou 2
DEL-RE Y DOM PEDRO,
E dos Reys de Portugal o VIIJ.
Hea File
Reformada pelo Licenciado DVARTE NUNES DO LIAM ,
Deſembargador da Caſa da Supplicação.
Rey D. Avellal. Os quaes ante o Principe diſlerão a elRey Dom Pedro, que a
Pedro elRey de Portugal ſeu Senhor fora dito,que elle ſe queixava do mão ga
dePor- falhado,quc achara em ſeu Reyno, recontando todos os queixumes del
tugal Rey.Eque elles erão allivindos para moſtrarem ,como el-Rey era fem cul
ao Prin
cipe de pa. ElRey de Caſtella reſpondeo, que era verdade, que elle differa tudo
Gallez aquillo, & agora o tornava a dizer.E que ſe ſentia mui aggravado delRey
por não de Portugal, porque fendo ſeu tio irmão de ſua máy, não o hoſpedara,
recolher nemo vira, nem o conſolara, nem ainda o aconſelhara, & o que mais era,
aelRcy
D.Pedro
que nemver o quizera, vendo-o em tal fortuna. E que muito mais fena
dc Cara tira,não lhe querer agaſalhar ſuas filhas,queúzar de tanta deshumanidade,
tclla, como uzou, por ſerem mulheres, & tam deſoccorridas. Porque fe el-hey
ſeu tio as deixará eſtar em ſua terra, com o theſouro, que levavão, elle
ficara deſaliviado, & tornára a cobrar feu Reyno.Porque muitos vaſentlhearleio
1
DEL REY DOM PEDRO. бо
yantaram ,poro não verem prezente. Mas por o pejo que tinha das filhas,
que nað ſabia lugar onde as ſeguramente poder ter, as levava peregris
nando conſigo. Sobre iſto paffarao tantaspalavras entre elRey ,& osEm
baxadores, que elles pediram aoPrincipe por merce , perguntaſſe aelRey
fe àquelle tempo, em que elle eſcrevera a ſeu tio, queeraem ſeu Reyno,
* felbe fizera ſaber porſua carta, que lhe queria deixar ſuas filhas,& o the
ſouro que com ellas & conſigo traziało Principe lho perguntou,& elRey
reſpondeo,quenão fallara nada dasfilhas,nem do thelouro, que com ellas
trazia. A iſto diſſe o Principe,que elRey de Portugal não podia adevinhar
1. O que elle tinha em ſua mente. Entao récontàrão os Embaxadores as aju
das que elRey ſeu Senhor lhe mandara de ſeus fidalgos, & o mío tratame
to que elRey Dom Pedro,& os ſeus lhe fizerao. E quepor temor das dif
ferenças, & atroidos,que podião recreſcer, parecera melhor conſelho, que
ſe não villein . Principede Gales conhecendo a razão delRey de Portul ..
gal,o deu por deſculpado.
FlRey Dom Henrique como veyo a Sevilha eſcreveo a elRey Dě Pe Avéças
dro de Portugal, como queria aſſentar pazes com elle, & que para iſſo dos Reis
mandaffe ſeus Embayxadores ao eſtremo , & que elle mandaria outros. D.Pedro
3. Os de Caſtella foram Dom Joam Biſpo de Badajoz, & Dom Gomez de dePor
Toledo . ElRey de Portugal mandou Dom Joain Biſpo de Evora, & tugal, &
Dom Alvaro Gonçalvez Pereira Prior do Hoſpital. E juntos na Ribey- rique de
fa da Caya,traráram amizadeentre ambos Reys, & que elRey de Caſtella Camella,
Erabalharſe a todo ſeu poder, que elReyde Aragain foſſe amigo delRey
de Portugal , pela maneira que o foraó antes. E queelRey de Aragam
deixaſſe vir a Portugal, a Infante Dona Maria filha delReyDom Pedro,
que fora mulher do Infante Dom Fernando Marquez de Tortoſa com to
do o ſeu ,ou a deixaſſe la viver,qual ella mais quizeſſe . E aprovarão as a
venças,queem Agreda forão feitas entre clRey D. Fernando, & elRey
D.Diniz ſeus avós.
Vindo o anno de 1366. fendo andados vinte dous dias do mez de Ou ANNO
tubro tres mezes antes do fallecimento delRey Dom Pedro , fe fez no Ceo
movimeonto de eſtrellas,qualraosnçho
a
mens não viráo,bem ouvirão . Peloque. 366 .
he dign de ſe pôr em lemb i, e ſde
. E fo qu de a me noiya te porrdi Elpáro
ante, correrio todas as eſtrellas do Leváte para o Poéte, & acabado de ſerë cos finais
juntas começarão a corer hűas para húa parte, & outras para outra . E de- & ollue
pois deſcerão do ceo tantas & tão eſpeſas,que tanto que forão bazas no ar, 10
watcCeo
s da
parecião grandes fogueiras, & que o ceo & o ar ardião,& que a meſma ter moite
sa queria arder.O ceo parecia partido em muitas partes, alli onde eſtrel deRey
las não eſtavão.E iſto durou por muyto eſpaço.Osque iſto vião,ouveram D.Pedro
cão grande medo & pavor que eſtavão como attonitos,& cuidavão todos
de fer mortos, & que era vinda a fim do mundo.
Eſtando elReyDom Pedro em Eſtremoz veyo a adoecer de lua ulcima
doen
CHRONICA
Morte doença, & lembrandoſe que depois da morte de Pero Coelho, & Alvaro
delRey Gonçalvez elle fora certo, que Diogo Lopez Pacheco não fora culpado
D.Pedro na morte de Dona Inez de Caſtro ,lhe perdoou todo o deſgoſto,qae delle
tinha,& mandou que lhe foſſem entregues todos feus bens, & affim o fer
feu filho elRey Dom Fernando,& alçou a ſentença que elRey ſeu pay ci
tra elle dera. E como elRey entendeo que morria, fez ſeu folenne teſtaa
mento em que mandou fazer mựitas obras pias, & entre ellas ordenou les
Cappellaés,quecadadia lhe cantaſſem hấaMiſſa até o fim do mundo,para
o que elRey D. Fernando ſeu filho, & berdeiro, fez doação ao Moficio
deAlcobaça do lugar de Paredes, junto da Cidade de Leiria,com todas as
rendas,& ſenhorio. E tendo feito todos os ados de Principe Catholico,
falleceo elRey D.l'edro hủa Segundafeira de madrugada 18 de Janeiro
do anno de 1 367. de idade de 47 annos,nove mezes , & oito dias ,ayendu
dez anpos, ſete mezes,& vinte dias que reynava.
Mandouſe logo levar a Alcobaça,& lançar em ſeu Moimento junto có
ANNO Dona Inez deCaſtro, E fem embargo de ſeusrigores, por não defpeitar
1367 feus vaſſallos, & ſer liberal, & apprazivel, & caftigaros grandes,que
naquelle tempo tinhão pouco freyo,por aver moitos Reys 1
em Heſpanha,em que achayão acolheita, dizião as 1
CHRO
160
CHRONICA
DEL-RE Y DOM FERNANDO,
E dos Reys de Portugal o Nono.
porta, atè chegarem os que detraz vinhão, para lhes accorrer . E desta ina
neira a ganhàrão. Os de Cedavim le defenderam muy bem, mas foram
traidos per hum Vaſco Eſtevez, & outros do melino lugar. Os quaes com
promeſas que os do arrayal lhes fizeram de mérces, que receberiam del
Rey Dom Henrique, abrirão as portas, & metterão dentro os do arrayal.
Mas vindo os do lugar depois ſaber ifto, enforcàram ao Vaſco Eſtevez
author da traiçam . ElRey Dom Henrique deixandoguarda em Bragana
ça, ſe foi para Caſtella, ſem eſperar por elRey Dom Fernando, que o tie
nha deſafiado,por novas quelhe derão, que elRey de Granadavinha per
ſua peſſoa, & já tomára Aljezira, & a deſtroìra de todo. Peloque fe pal
fou à Cidade de Touro, & dahi repartio ſuas gentes pera a frontaria de
Granada ,& outras contra Zamora, & outros lugares,quedeixando a ells ,
cſtavão por elRey de Portugal.
Por eta partida delRey Dom Ilenrique, foy elRey Dom Fernando
muy anojado , & mandou ſuas gentes per diverſas partes.A entre Tejo , &
Guadiana mandou por fronteiros os Infantes Dom Joam ,& Dom Diniz
fens irmãos, & com elles o Meſtre de Sanctiago, & Do Frey Alvaro Gon
çalvez Prior do Hoſpital, Fernão Rodriguez de Aça, Fernão Gonçalıcz
de Meira,Vaſco Gil de Carvalho, Joam deBaeça, Gonçaleanes Pimentel,
Vaſco Martijz de Souſa ,& outros muitos. A Elvas foi por frontei: o Goa.
çain
DEL-REY DOM FERNANDO. 165
çalo Mendez de Vaſconcellos, & com elles gente de Lisboa, como Alvaro
Gil,Vaſco Eſteves de Moles, Efteveanes,Martim Afonſo Valente . A Er
tremoz Joanne Mendez de Vaſconcellos. A Olivença D.Fernando de O
livença. A Cidade Rodrigo foi Gomez Lourenço do Avellal, & com elle
Gonçalo Vaſques de Azevedo, Gonçalo Gomez da Sylva, Joao Gonçal
ves Teixeira, & outros. Em Carmona eſtava entamMartim Lopez , que
le chamava Meſtre de Calatrava. Em Monte Rey Alvaro Perez, Em Tui
Afonſo Gomez de Lyra. Em Milmanda Nuno Viegas o Velho.Em Arau
jo Rodrigo Anes. E aſlin mandou outros fidalgos a outros lugares. E dos
moradores de Bargança,& outros lugares que elRey de Caſtella tomou,
ouve elRey grande de prazer,por ſe nam defenderem melhor, & ſeus bens
dava a quem lhos pedia,como de homens que cahiraõ em mào cazo . Mas
elles,& todos os mais do Reyno murmuravao delRey,que queria empren
der tamanho feito, ſem ſe achar preſente, para esforçar & animar os ſeus,
& que pouco podia acabar,quem aſſim eſpalhava fuas gentes, perdendo á
honra, & a fazenda, & fazendo guerra pormãos alheas. E que todo ſeu fei
to era ir de Coimbra a Lisboa, & dahia Santarem, que veyo dar cauſa a ſe
dizer por elle,o que ficou depois em proverbio: Eilo vay eilo vein de Lis
boa a Santarem.
No tempo deſtas frontarias,em que cada hum trabalhava por fazer da
nos,& roubos a ſeus inimigos,aviaem Elvas hum Eſcudeiro muy mance
bo por nome Gil Fernădez, filho de humn Frenaõ Gil, & nero de hum Gil
Lourenço Prior que fora de Santa Maria. O qual era homem para muito,
& de grande esforço, & audàcia,de que le diraš muitas couſas adiante, &
na vida delRey D Joao I. Eſte antes que Gonçalo Mendez de Vaſconcel
los vieſſe a Elvas por fronteiro ,ajuntou de ſeus parentes, & amigos ſetéta
homens de armas, & quatrocentos de pè, & paſſando por Badajoz, foi cor
rer a terra de Medelhim, & fez húa groſſa preza de gados,beſtas,& priſio.
neiros,& era camanho o roubo,que apenas o podião trazer todosa Portu
gal. E parecialhes difficultoſo podelo defender a quem lho vieſſe tomar.
Os companheiros dizião a Gil Fernandez, que hum homem táo moço , &
não coſtumado á guerra,não ouvera de acometter couſa de tanto perigo, Ardilde
& metterſe tanto pela terra dos inimigos. Elle como era de grande esfor-Gil Fer
ço,atrevido,& manhoſo,dizialhes:que esforçaſſem ,& nam temeſlem. E q nandez
ſe alguns os cómetteffem ,fizeſſem como homens, & pelejaſlem ſem receo. contra
E affentou com hum tio feu,que ahi vinha,per nomeMartim Anes, que lhanos.
fingiffe ,que era o Infante D. João Fronteiro mór, & que elles o tratariam
como tal. E fez logo aos priſioneiros Caſtelhanos,que do ardil não ſabião,
que The beijaflem a mão como a Senhor, & o Martim Anes que o repre
fentava bem, mandou ſoltar algunsdaquelles Caſtelhanos, para deitarem
fama pela terra,que era o Infante.E allífoi,que os Caſtelhanos receando
ſeu nome, & poder,não ouíarão ſair a elle. E deſta maneira trouxeram ſua
preza
: CHRONICA
preza a ſalvo,queera tam grande que occupava em longo mais de huma
legoa
Corno GonçaloMendez,chegou a Elvas por Fronteiro, rogou a Gil
Fernandez, que foſſem correr Badajoz,elle o não recuſou, mas dizia ,que
na Cidade eltava tal gente, que não eſcuzaria a peleja. E que para iſſo le !
valle conſigo todos os da villa , & que a elle deſſe 40. de cavallo, para ir
correr contra Badajoz até ondechamão a Torre das Palombas, & que os .
fidalgos,que na Cidade eſtiveſſem ,fairião lugo a elle, & que affin osiria
tirando até o lugar, onde ouveſlem de vir às mãos. Gil Fernandes fahio
a correr, & da Cidade ſahia muita gente, que elle foi levando, & travan
do até lugar onde bem pudeſſem pelejar. E quando chegou a Gonçala
Mendez , começou em altas vozes animar os ſeus dizendo que aquelle era
o ſeu bom dia . O cavallo de Gil Fernandez trazia ja na teſta hum ferro
de lança com hum troço da haſtea, & aſlıın andou depois na peleja . Os
Portugueſes, & Caſtelhanos ſe encontràrão, & dos Caſtelhanos ficarão
muitosmortos,& Fernão Sanchez fidalgo principal de Badajoz, & ho.
mem de muito eſtado,morreo a mãos de hum carniceiro de Lisboa ho .
mem de pè,que chamavam o Lourencinho, que com huma almarcova,
que na mão trazia , lhe deu nos pès do cavallo, com que o cavallo, & cl .
le vierão a terra. E da meſma maneira matou outro fidalgo de Toledo.
Finalmente os Caſtelhanos ſe retirarão a Badajoz,& os Portugueſes lados
com a victoria tornarão a Elyas.
Entretanto o Infante Dom Joam ſe foi de Eſtremoz a combater Ba 1
qua nova
ElRey de Caſtella ſabendo como Gomez Lourenço do Avellal , & as H
deLif " gentes,que com elle eſtarão em Cidade Rodrigo,fazião grandes cavalga 1
boa. das, veyo de Touro a cercar àquella Cidade,& cõbatendo dous mezes, &
( 7 ) CYO ,
1
DEL-REY DOM FERNANDO. 166
meyo ſe partio para Medina del Campo, & dahi para Toledo, & Sevilha,
fem fazer nada,conſtrangido das muitas chuvas, perque não podiáo vir
The mantimentos, & tambem por acodir ao muito dano, que per diverſas
partes do Reyno ,ſe lhe fazia. Porque os Mouros fazião cada dia entradas
en terras dos Chriſtãos. Os de Carmona per outra parte. Dom Fernan
do de Caſtro em Galliza , que naquella Provincia fazia todo o mal que
podia, nos que tinhão por Caſtella. Per outra parte as galèsde Portugal,
que tinhão impedido o mar, por eſtarem no rio de Guadalquibir ,onde fo
ra melhor a elRey de Portugal ter toda ſuaarımada. Porque pouco antes
da vinda delRey de Caſtella do cerco de Cidade Rodrigo a 23 de Feve . ANNO
reiro do anno de 1370. deſda meya noite até o meyo dia,ouve tam gran . 137 0.
de tormenta em Lisboa , que as telhas dos telhados, que eſtaváo liadas, & Tormé.
cubertas de cal, aſſim as levava o vento, como ſe eſtiverão ſoltas, & cada ta grade
huma fora huma pena . E o poſtigo da porta principal da Sè foy arranca- & elpā
do, & o fecho quebrado ,& a tranca,que era muy groſſa, feita em pedaços, toſa em
& muycas oliveiras arrancadas. Peloque nas naos, & navios, que elRey Lisboa,
Dom Fernando tinha armados contra elRey de Caſtella,ſe fez grande de
ſtroiçaó , de que elRey foi muy anojado.
Entretanto elRey de Caſtella andavaſollicito, &trabalhava, por co
brar oslugares, que erão contra ſeu ſerviço per todas as vias. E a Rainha
Dona Joannaſua mulher como matrona baſtante, & de gram coração, &
que não degenerava de ſeu pay Dom Joam Manuel, ajudavao a cercar al
guns lugares , & entre elles cercou a Carmona, que tinha por elRey de
Portugal Afonſo Lopez de Texeda com ſeus irmãos, com quem eſtavam
muyt's fidalgos, & muyta gente outra. E tão apertado foi Afonſo Lo
pez ,que veyo a concerto com a Rainha, que ſe a certos dias lhe nao vieſle
foceorro,delleo lugar ſem mais detença. A Rainha outorgou no partido,
com condiçao, quelhe avia de dar dous filhos moçosque tinha conſigo em
arrefens,osquaes logo entregou, Paffado o termo, lhe não veyo foccorro
algum ,ſalvo Meffer Gregorio de Campo Morto,que ſe lançou dentro có
fctenta homens de armas ſem embargo de a Villa eſtar cercada.Mas pouco
The aproveitou tam pequena ajuda,que não era baſtante para ſe defender.
Como o termo paſlousAfonfo Lopez foi requerido, que deſſe o lugar, &
cile o não quiz fazer. A Rainha indignada de ſua pouca verdade,lhemă
dou dizer; que lhe jurava ſe lhe não entregava a villa,que ambos os filhos
The avia demandar degollar diante de ſeus ollos, ſe os elle quizeſſe ver.
Afonío Lopez com hũa animoſidade mais ambicioſa,& cruel,querazoada
nem honeſta reſpondeo á Rainha,que ſe lle mandaíle degollar ſeus filhos,
que ainda !heficavão a forja, & o martello com que ſe fizerão aquelles,
que affim faria outros. Os filhos forao trazidos à viſta do muro, & fendo
ſeu pay requerido,que deſſe a villa,comoconcertàra, ſenão que logo alli
os inatarião,elle refpondeo,que os mataffem . Os moços com muyras la
giymas
C'CHRONICA
grymas,& palavrasde grande magoa, rogavão a ſeu pay queporguardar
a Villa alhea ,naõ quizeſle perder ſuacarne propria, pois lhenão viera foc
corro,& nãocahiaem cazo de deshonra,tendo feito o poſſivel.E que viſſe
que em a não entregar fazia dous grandes males,hum matat feus filhos, &
outro macular ſua honra com não guardar ſua fé,no que prometera. Do
devafo. bravão os brados,& lagrymas, & as palavras laſtimoſas, que os que os ti
fo Lopes nháo prezos,lhesenſinavão,que movião a piedade aos verdugos, & não ao
de Texe pay.Os circunftantes todoscom rogos,& os algozes que dilatavão a exe
da mor- cucam ,moſtrandooscutèllos, ajudavão aquelles innocentes. Em fim per
tos àſua feverandoo pay em ſua pertinacia, os filhosforão degollados, com mais
vilta.
dor,& laſtima dos eſtranhos que os vião, quede ſeu pay, que os gerou, fi
cando aquella façanha julgada mais por de homem vão,& temerario, que
esforçado,nem prudente. Porque a villa eſtava mal provida, & não pode
foſtentar muyto tempo,que ſe não deſſe.
No principio deſta guerra, mandou elRey D.Fernando armar grande
fjotta de 28.galés ſuas, & quatro a ſoldo deMeſler Raynel Grimaldo Ge
novez,& de trinta Nàos groílas Portugueſas,de que fez Almirante Meffer
Lançarote Peſſano outrofiGenover, & Capitão hum João Focim , que a
elle ſe viera de Caſtella. Sua tenção era, mandar eſta armada a Sevilha,
para impedir quenão pudeſſe vir pelorio,nem ir navio algum,com merca
dorias nem mantimentos para a cidade, & para com parte dasgalès, & na
vios correrem a coſta, &ganharem dos inimigos,oque pudeſſem , tornan
do ſempre viſitar o rio. Naquella armada,que de Lisboa partio no mez
de Mayo, hia muy fermoſa gente, & chegaráo a hum lugar, que chamão
Berrameda.OsCaſtelhanos quando alli virão os Portugueſes,não folgárão
com iſſo. Mas zombavão delles ,dizendo quenunca forão ajudar a elRey
Dom Pedro ,quando era vivo, & que agora lhe hiam ajudar os oſſos . A
frota eſteve naquelle lugar algum tempo, & deftrohio toda a Ilha de Ca
lez, & fez muytos danos poraquella comarca,affim no mar,como na terra ,
Paſſado o verão começou a gente de adoecer,& osmantimentos a faltar,
& moriáo muytos decomerem couſas deſacoſtumadas. Porque poft
que de Portugal hiáo Navios a meúdo com mantimentos , era mais a
gente que a proviſao, & os mortos, & fugidos daarmada, erão logo fupri
dos com outros que elRey D Fernando mandava. Maspelo eſpaço, que
ſe detiverão ſer de hum anno & onze mezes,foi muita a gente, que ſegala
tou,& a muytos cahirão os dentes, & os pês, & as mãos de frio, & doenças,
que lhes ſobrevierão. . : 11
tribulada com o cerco,em que a armada de Portugal a tinha, fez logo lan
çar vinte galés á agoa. E poſto que não tiveſſem os remos neceffarios, para
elRey Dom Pedro os mandar levar a Carmona,quando a fez baſtecer, itá.
don nellas embarcar muytos cavalleiros, & homens de armas,& beſteiros, &
outra
DELREY DOM FERNANDO . 167
outra gente,& partirão pelo rio abaixo, & elle por terra com muyta gen
te,para pelejar com a arınada de Portugal. Os Portugueſes ſabendo, que
a armadadeCaftella:vinha com gente folgada, & favorecida com a pre.
zençade ſeu Rey, que a vinha ajudar, & que tinhão ſoccorro taó per
to,como quemeſtava em ſua terra,& elles pelo contrario canſados, & frac
cos, & muitos doentes, & desfavorecidos ,ouverão porſeu conſelho lançar-.
fe ao mar largo, onde terrão ventagem das galés de Caftella, que là não
poderiáo ſer ſoccorridas como no rio.E de feito ſe pozerão as nios,& gas
lés no mar . Ao outro dia chegarão as galès de Callella a Sam Lucar, & 1
xadores a elRey Dom Fernando. Os quaes com elle firmarao ſuas avenças
por eſta maneira: Que ſe ajudaſſem hum ao outro por mar, & por terra
contra Dom Henrique,que ſe chamava Rey de Caſtella, & contra Dom Rey D.
Pedro Rey de Aragam. E queſe o Duque entraſſe por ſua peſſoa em ca- do faza
da hum dos ditos Reynos, tambem entraſſe elRey D.Fernando,& que as vença có
ajudas foſſem á culta, & defpeza do que as fizeſſe. E que toda a couſa que o Duq
elRey D Fernando tomaile do Reyno de Caſtella,que nað foſſe Villa, ou de Lacaſ
trocótra
Caſtello, foſſe ſua! E que o que ſe tomaſſe no Reyno de Aragão foſſé do elRci de
que a comafle,& outras taes capitulaçoens . E acordados alim mandou el Caftella.
Rey D.Fernando Vaſco Dominguez Chantre de Braga a Inglaterra , para
o Duque jurar, & firmar as ditas capitulacoens.
AclRey Dom Henrique peſava muito de aver guerra com Portugal,
& ſempre trabalhou por não vir a iſſo. E para mais juſtificação ſua, an
tes queentraſſe noReyno, mandou por Embayxador a elRey D. Fer
nando Dom João Garſia Manrique Biſpo de Siguença,o qual achou em
Salvaterra de Magos. Onde perante os do Conſelho deu muitas razoens
de homem prudente,que elle era ,perque elRey não avia de querer guer
ta com el Rey Don Henrique( que tanto deſejou ſua ainizade. E propoz
alom diſto muitos queixumes de couſas,queelRey Dom Fernando fizera,
& conſentira a ſeus vaſſallos, contra o aſſento que tinha feito, & jurado,
E refpondendo às eſcuzas del- Rey Dom Fernando, proteſtou, que a paz
le quebrava porſua culpa, do que a Deos fazia juiz.Sabendo elRey Dom
Henrique do Biſpo de Siguença, que lhe compria fazer guerra, acordou
de a mover. E tambem os do ſeu conſelho erão de parecer que a fizeſſe:
mas que a dilaraffe atè o verão ſeguinte, affim porque não tinha as gentes
preſtes, como por falta que de preſente tinhade dinheiro, & de outras
couſas neceffarias. E temendo que a elRey Dom Fernando vieſſe ajuda
de Ingreſes, quiz antés entrar em Portugal. E iſto meſmo lhe perſuadia
Diogo Lopez Pacheco,dizendolhe queentraffe logo em Portugal,& que
o primeiro lugar,queacommetteſle, foſſe Lisboa , que facilmente podia
Gg tomar.
CHRONICA
tomar. E que cobrandoaquella Cidade,entēdeſſe que tinha todo o Rey
no,& que per hi acabava ſua guerra. E logo elRey D. Henrique eſcrever
aos povos,que à preſſa ſe ajuntaſſem onde elle eſtiveſſe, & mandou a Mel
fer Ambroſio Bocca negra , ſeu Almirante, que armaſſe ,em Sevilha doze
galès , & que com ellasfolle a Lisboa, para ondeelle entam hia cami
nhando.
ANNO Sendo Setembro meado daquelle anno de 1372.partio elRey Dom
137 2. Henrique de Zamora para o eſtremo de Portugal, onde aguardou por ſuas
gentes. E entre tantotomou Almeida, Pinhel,Linhares, Celourico, & a
Cidade de Viſeu, que foi facil de aver, por nam ſer cercada de ma
Infante neira alguma. Eſtando elRey Dom Henrique naquella Comarca , ſe foi
D.Diniz para elle o Infante D.Diniz,irmão delReyde Portugal, como concertàra
como ſe com Diogo Lopez Pacheco,quando cà viera. O qual elRey D. Henrique
paſſou a recebeo co muita honra , &gaſalhado.E antes q ſe elRey dalli partiffe,fir
e/Reide be como era vindo a Caſtella hú Cardeal Legado da Sé Apoſtolica, que
Caſtella.
ſe chamava Guido de Bononia,Biſpo Portuenſe, peſſoa de grande autho
Cardeal ridade,& da linhagem dos Reys de França, para tratar paz entre elle, &
de Bolo-c1Rey de Portugal,de quem recebeo húa carta, em que lhe dizia a razam,
nha co- porque era vindo a ſeu Reyno, & onde elle mandava que foſſe. ElRey Ibe
moueyo mandou ſua repoſta, & que entre tanto ſe foſſe a Guadalajara, onde eſtava
a cócer.
tar os a Rainha ,& os Infantes, & que muy preſtes eſperava acabar o q tinha para
Rcys dc fazer em Portugal,& ſe tornaria a Caſtella,onde fallarião, o Cardeal en
Portugal tendendo pela carta delRey,que ſua tenção era proſeguir a guerra, & que
&la: Carte por illo dilatava everſe comelle ,ouve por bom conſelho ir a elRey, onde
quer que eſtiveſſ .
Eſtando elRey em Coimbra, ſoube como elRey Dom Henrique deter
minava em breve de lhe entrar no Reyno, nam crendo, que elle antici
pafle a guerra. E pož ſuas fronteiras pelas Comarcas. E logo mandou
chamar muyta gente de Riba de Guadiana, & da Eſtremadura, para lhe
impedir o caminho em hum grande,& eſpaçoſo campo, que eſtá leis lego
as de Coimbra, indo para Lisboa, que ſe chama o Chão do Couce, onde
todos lhe dizião ,queo devia de eſperar.Mas depois acordou , que era mc
lhor eſperalo em Santarem, & alli pelejar com elle. Porý quanto os Caſte
Thanos maisentraſſem pelo Reyno,tanto virião mais deſgarrados, & falcos
de mantimentos, & fe poderiáo melhor desbaratar.Com eſta tenção parcio
elRey de Coimbra,onde ficou ahi a Rainha,& algūs fidalgos cõ ella, & ve
yolea Santarem,& ahi mandou vir toda a gente,que fe apuraffe.
ElRey Dom Henrique como lhe vierão as gentes porque eſperava, ve
yoſe caminho de Coimbra,& ahi ſe ajuntàrão com elle o Meſtre de Santi
ago,& o Meſtre de Alcantara ,& a gente de Andaluzia, que entrara por a.
quella Comarca.ElRey D. Henrique ſe apoſentou em Tétugal. O Code
D.Sancho ſeu irmão,nos paços de Santa Clara, que eſtão no arrabalde da
Cidade
DEL-REY DOM FERNANDO .
Cidade.O Infante D. Diniz,Diogo Lopez Pacheco, & Lemoſim, ſe aloja.
sao em S.Franciſco ,Joam Roiz de Caſtanheda em Santa Anna , Pero Fer
nandez de Velaſco em Cernache ,& affim os outros por outros lugares ao
redor,& não cercàraó a Cidade, mas ouveraõ-ſe como quem hia de cami
nho. Poſto que na ponte da Cidadeouve hűa eſcaramuça, em que foram
prezos alguns Portugueſes. Naquelles dias que elRey de Caſtella eſteve
em Coimbra,pario a Rainha a Infante Dona Beatriz,que depois foi Rai- Narci
nlia de Caſtella. ElRey Dom Henrique partio de Coimbra, fem ſe def- mento
viar da eſtrada,como fizera, depois que entrou em Portugal. E em Toro da Info
res Novas ſoube comoelReyDom Fernandoeſtava em Santarem ,& que ficatriz
alli ſe avião de ajuntar os Senhores,& fidalgos, & o Concelho de Lisboa,
para The dar batalha. E em Torres Nouas eſteve elRey D.Henrique orde }
yor que o do Caſtello de Faria, que lhe elRey entregara, & elle deixára
encomendado a hum ſeu filho, & cuidava aquillo que podia acontecer,
que eralevaremno ante o muro, &dandolhe algum tormento,ou amea
çandoo, queo filho vendoo averia piedade,& ſe moveria a darlhes o caf
tello. E porque não tinha maneira para o foſtentar, diſſe a Pero Rodri
griez Sarmento, que o mandaſſe levarao caſtello, & que elle diria a ſeu fi
Iho, que nelle ficava,que o entregaffe. Pero Rodriguez que difto foi mui
ledo,mandou que o levaflem logo. Chegando Nuno Gonçalves ao pè
domuro, chamou poro filho,o qualveyo à preſſa, & elle em vez de lhe
mandarque deſſe o caſtello aquellesque o levavão, diſſe ao filho, que
bem ſabia, como aquelle caſtello lhe fora dado por elRey, Dom Ternan
do, que o tiveſſe por elle, & lhe fizera por ella homenagem, & que por
fua delaventura ſaira delle, cuidando que niſſo ſervia a elRey. E agora 1
eſtava prezo empoder deſeus inimigos, os quaes otrazião alli para mair
dar a elle ſeu filho, que lhe entregalle ocaſtello. E porque iſto era cou 1
fa, queelle ſeu pay fazer não podia,nem devia, guardando ſua lealdade,
por tanto lhe mandava ſob pena de ſuabenção ,queo não fizeſſe, nem o
deſſe anenhuma peſſoa, ſenão a elRey feu Senhor,ou aquem ſua Alteza
lho mandaffe por ſeu certo recado. Os que o levavão prezo, quando
lhe aquillo ouvirão,ficarão eſpantados daquella ſua falla. E tendoſe por
eſcarnecidos, em preſença deſeu filho, matàrão aquelle bom varam de !
muy crueis feridas, que na fé, no esforço, & na conſtancia ſe podia igoa .
1
lar a Ateilio Regulo, que quiz perder a liberdade, & a vida por perſua
dir aos ſeus, que não entregaſſem os Carthagineſes captivos. Mas nem 1
eſtavão fora hum colmeiro acceſo poſto em huma lança, & deitou-o en
cima das choças, & começarão de arder. Os do caſtello ficarão muy ano,
jados por a morte de Nuno Gonçalvez, que lhe aſſim viráo dar, não tive
rão cento no fogo, que deitarão eſtandomuito eſpantados das palavras,
que diſſera ao filho. O fogo era tam grande por cauſa do vento que ſenio
1
pode remediar,& arderão todas as choças com quanto nellas avia , &
muita gente com ellas. O filho de Nuno Gonçalvez manteve o caſtello, 1
deu el
DEL-REY DOM FERNANDO , 177
queManuela
prác prelieve deu elRey D.Fernando bum muy opulento beneficio . "
mingo Pierder O Cardeal de Bolonha, que partira da Cidade Rodrigo por fallar a
z no! Frascotas « Rey Dom Henrique,não pode vir a Lisboa, em cujo cerco eſtava, ſem
Pijet ផង piineiro paſſar per ondeeſtava elRey Dom Fernando,que era em Santa- ANNO
rem. Pelog chegou ahi o primeiro dia deMarço daquelle anno de 1373. 1 373.
va mahangaika
Rey ergeni xa.não Eavendo mais que nove dias, que elRey Dom Henrique por ahi palla
propondo da parte do Sancto Padre,que o mandara, muytas razoés
aquilo que pod para lue perſuadir paz,& concordia com elRey de Caſtella, por ambos
de algun vortice ferem dous defenſores da Fé na Heſpanha :elRey lhe refpondeo ,que aves
& temorela: ria ſeu conſelho,& lhe reſponderia. E porque elle tinha perdida a eſpe
akonea,n di rança das gentes, que mandara buſcar a Inglaterra, que eſtando preſtes a
tello, que via činco meſes por cauſa do tempo não vinhão,& ſeu Reyno entre tan
Rokaiguaqe topadeciamuito trabalho,& eſtrago, conſentio em vir a concordia com
O NeroC. el- Rey de Caſtella. O Cardeal muy contente fe partio para Lisboa. E
pre1, &eller dizendo elle outras taes razoens a el-Rey Dom Henrique , achou von
ز
cravão, dia tade nelle de querer vir a paz ,& amizade com elRey de Portugal , ſen
porelley Cia do acordados em certos apontamentos, que logo o Cardeal fez declarar,
hemengen,. & com elles ſe foia elRey Dom Fernando. O qual ordenou por ſeus
ſervia ela Procuradores,Dom Afonſo Biſpo da Guarda, & Ayres Gomez da Sylva
sotrazidoel teu ayo , que forao a Lisboa com o Cardeal. E de tal maneira andaram
Eparge tratando entre os Reys,que aos 19 dias do meſmo mez de Março forão
cardaibh is publicadas pazes perelRey Dom Fernando, & os do ſeu Conſelho .En.
DPO 120 tre outras condiçoens della era, que foſſem amigos entre fi, & juntamen
, ou aquar te com elRey de França,contra elRey de Inglaterra, & contra o Duque
de Lancaſtro,& ſuas gentes. E que elRey Dom Fernando foſſe obriga
# do a ajudar a elRey Dom Henrique tresannos,com 2 galés armadas à cuf
cucle bir ta do meſmo Rey Dom Henrique. E iſto tantas vezes, quantas el Rey
21.ca Dom Henrique armaffe ſeis galès, ou mais, contra Ingleſes. E que palia
dos os tres annos, que ſe avião de começar no mez de Mayo ſeguinte,
ud
aAuyli',s que dahiem diante não foſſe mais elRey Dom Fernando obrigado de
G
70CG Ihas fazer preſtes. E que acontecendo, que gente dos Ingleſes vieſſe a al
gum porto de Portugal , que elRey defendeſſe,que lhe não deſſem man
بھی ک timentos, nem armas,nem favor,nem conſelho : Mas os lançaſſe de ſeu
Reyno, & terras, como ſeus capitaes inimigos. E que dentro de 30. dias
ſeguintes depois das pazes firmadas, lançaiſe de ſeu Reyno as peſſoas, que
para elle ſe vierão de Caſtella, o Conde Dom Fernando de Caſtro, Suei
1o Anes de Parada, Fernand’Afonſo de Zamora, os filhos de Alvaro Ro
driguez de Aça.ſ.Fernão Rodriguez de Aça , Alvaro Rodriguez, & Lopo
Rodriguez de Aça,Fernão Goterrez Tello, Diogo Afonſo do Carvalhal,
Diogo Sanches deTorres, Pedro Afonſo Girão, Joam Afonſo de Baé
ça,Gonçalo Martijz de Caceres,Alvaro Mendez de Carceres, Garſia Pe
rez do Campo,Garſia Malfeito , Gregorio, & Fhilippote Ingleſes, Payo
de Mei.
CHRONICA
de Meira,0 Deão de Cordova,Martin Garſia de Aljezira, Martim Lopez
de Cidade, NunoGarſia,Gomez de Foyos,Joam do Campo,Bernardo A
nez, João Fernandez de Andeiro, João Focim , Fernão Perez, & Afonſo
Gomes Churrichiáos. Eſtes 28 homens nomeava elRey,quefoſſem lança
dos de Portugal, ſegurando- os permar,& per terra, atê ſerem poſtos em
ſalvo. Foi mais allentado, que elRey Dom Fernando perdoaſfe ao In
fante Do Diniz ſeu irmão,& a Diogo Lopez Pacheco , & a quaeſquer oua
tras peſſoas, que em favor delRey Dom Henrique foráo. Aos quaes fem
embargo de quaeſquer ſentenças, & penas, ſeriáo tornados ſeus bens, &
couías. E aſſim meſino perdoafle a todos os lugares, que por Senhor o
receberão. Aſſentàrão mais ,que a Infante Dona Beatriz irmāa delRey
Dom Fernando, filha delRey Dom Pedro, & de Dona Inez de Caſtro, ca
zaſſe com Dom Sancho, Senhor de Albuquerque, irmão delRey Dom
Henrique, filho delRey Dom Afonſo XI, feu pay, & de Dona Lianor
Nunez de Guzmão. Eſtes capitulos, & outros forão firmados, & jura
dos per ambos os Reys, & per muitos Senhores,& fidalgos de cada hum
dos Reynos, & per 20 Cidades, & villas, que elles nomeàrão. E porque
elRey Dom Henrique ſe temia,que elRey Dom Fernando lhe guardalle
tam mal eſtas capitulacoens, como as de Alcoutim, pediolhe em arrefers
lugares,& peſſoas por tres annos. Os lugares forão,a Cidade de Viſeu, as
yillas de Miranda, Pinhel, Almeida, Celourico, Linhares, & Segura. As
peſſoas forão,Dom João Afonſo Tello irmão da Rainha,Dom João Con
de de Vianna, filho deDom João Afonſo Conde de Ourem , Nuno Frei
re, Rodrigo Alvarez Pereira filho do Prior do Crato,o Almirante Lança
rote Peſſano . O qual pedio a elRey Dom Henrique por andar em Por
tugal afrontado , por o cazo das galès, de que o priváram . Eftes nobres,
& outros pedio elRey de Caſtella, que lhe deſſem , & mais feis filhos
de Cidadaens de Lisboa, & quatro de Cidadaens do Porto, & quatro de
homens principaes de Santarem, quaes elle eſcolheffe, que conſigo levou.
Como as pazes forão confirmadas, foi aſſentado, que os Reys ſe viſe
ſem no rio do Tejo em bateis, para tratarem de algumas couſas, & firmi
rem outra ves as pazes, & capitvlaçoens dellas . E logo elRey Dom Hc.;
rique ſe partio caminho de Santarem com feu campo, tirando muycos,
que ſe forão nas galès, em que levavão o que roubarão na Cidade. Quan
do chegou a Santarem , poufou nos paços da Vallada, que fað meya le
goa da villa,em hum eſpaçoſo campo junto ao Tejo. o Cardeal fezz que
fe apparelhaflem tres bateis, dous em que foſſem os Reys, com certos que
conſigo avião de levar, ſem armas algumas, & o outro em que elle foſſe,
porque avia de fer fiel entre elles, & com elle os no tarios para darem fé
de tudo o que alli paffaſſem . ElRey de Caſtella, antes que vieſſe ao feu
barco,teveconſelho com os ſeus,ſe falaria elle primeiro a elRey de Pora
tugal quando ſe viſſem , ou ſe eſperaria que elRey de Portugal ſhefallaf
feaci
1
huin
DEL-REY DOM FERNANDO . 180
hum dos Keys que ouvelie de ajudar a outro,armaſle tamanha frota,que
com ſua melhoria podelle pelejar com ella. Eſtas, & outras condiçoens
forão poſtas nas avenças que el-Rey Dom Henrique mandou comerter
a elRey Dom Fernando.
ElRey Dom Henrique ſein embargo deſtas avenças,madou o propoſi
to de fazer guerra a elhey de Aragão ,aflim por acabar o cazamento de
1 :
feu filho com a Infante Dona Lianor filha do dito Rey de Aragão, com a
qual ja fora deſpoſado, & fenão effectuou o cazamento,porelfiey de Ara
gão ver a el-Rey Dom Henrique deſcaído na batalha de Najara. E tam
th
bem pertendia eſte cazamento,porque queria paz com elRey de Aragão,
para poder acodir a elRey de França , a queeſtava mui obrigado pelaaju
&; . da que nelle achou,com que cobrou o Reyno de Caſtella.Peloque mádou
pedir a eiRey D. Fernando,que em cazo que elle fizeſſe pazes,ou tregoas
com elRey de Aragão,antesque ſuas galès chegaſſem ao rio de Sevilha, o
não ouvelle por mal,porque effectuandofe a paz,ſua tenção era fer media
7
tella,porque ſeus filhos não ouverão muitos eſtados, & reſidirão em Por
tugal. Porque delles nafcerão D.Pedro de Noronha, que foi Arcebiſpo
de Lisboa,& deixou muyra geração, Dom Joam de Noronha, Dom Fer
nando de Noronha, que foi Conde de Villa Real, & ſegundo Capitão
de Septa, de que vem a caza de Villa Real com o appellido de Meneſes,
nos primogenitos herdeiros da caza, por cazar elle com Dona Beatriz
de Meneſes filha herdeira de Dom Pedro de Meneſes Conde de Vianna
primeiro Capitão de Septa, & os Condes de Linhares com appellido de
Noronha . Item deixou Dom Sancho de Noronha,que foi Conde de O 4
como grande ſenhora. E vendo ella , que por ſua peſſoa não deſmerecia
de D. Lianor Tellez ſua irmáa,que alcançou ſer cazada com elRey D. Fer
nando , & ſendo ella mais moça,& ſem marido , & o Infante tam entregue,
Caſamé determinou de ſe aproveitar da occaſiao, & o mandou deſenganar,que ſe
to ocul com ella naõ cazaile, gaſtava em vão o tempo. O Infante vencido do 2
to do in mor de Dona Maria,& vendo que em tudo eſtava ella da ventagem de ſua
fante D. irmáa a Rainha,quando elRey a tomou por mulher, & que a culpa del
loão có Rey ficava deſculpando a ſua,& que Alvaro Dias de Souſa.com quem D.
D Maria Maria fora cazada,era de linhagem dos Reys,nam ſe atrevendo a mais di
Tellez ,
laçao ,a tomou por mulher,dizendolhe:que por entað o tiveſſe em {egre |
do. Eſtando aflim eſte cazamento oculto,veyo D.Maria a parir hum filho
encubertamente,que ſe chamou Dom Fernando de Eça.
A Rainha, a queſe eſte cażamento não pode eſconder, lhe peſca
muyto delle, & a quizera antesver cazada com hum ſimplez cavalleiro,
que com o InfanteDom Joam . Porque era Dona Maria ſua irmãa tam
bem quiſta de todos por ſuas virtudes , & boa condição, & o Tufarie
por ſuas grandes partes,& valor de ſua perioa, tam amado, & eſtimado
de todo o Reyno, que ſe temia, vendo quain inal-quiſta do povo ella
era,que ſe azaria couſa,perqueoInfante viria a fer Rey, & fua irmãa Rai
nha, & ella ficaria fora do Imperio, & mando. E tanto mais tenia if
to, quanto em mais creſcimento hia a mà diſpoſição delRey, que fe fizera
mui enfermo. E com a fagafidade, que a ella mais que a outras mulheres
era natural , dava a entender ao Infante,que do cażamento com ſua irmãa
Engano, não ſabia nada, & que folgaria de o ver cazado com ſua filha a Infante
& aſtu
cia da
Dona Beatriz . E para ordir eſte engano, induzio ao Conde Dom João
Rainha Afonſo Tello ſeu irmão, que comodefeu o deſcobriſſe ao Infante , & The
contra diſleſſe como ella o deſejava ,& dizia,que pois a Deos approuve, de não
ſua irmā ter filho varão, que herdaſſe o Reynodepois da morte de ſeu marido, que
D.Maria antes queria ver cazada ſua filha com elle,que com o Duque de Benaven
te. E que mais razão era,pofluireniamboso Reyno, que fora de ſeus a :
vôs, que não os da linhagem delRey Dom Henrique, de que Portugal
tanto dano avi a recebido. Mas que a ella lhe peſava do eſtorvo, que algus
dizião, queniſto avia, porque le ſoava,que elle era cazado com ſua imáa
Dona Maria.E que ſe allim era, que ſe não podia cumprir aquillo, que el
la tanto deſejava.
Eſta invenção da Rainha como foi diabolica, & naſcida da envej :,
que ella avia da boa fortuna de lụa irmãa, que não queria que foſſe gidila
de como
DELREY DOM FERNANDO. 182
de como ella, aſlım naſceo della mào frutto. Porque como a cobiça de
feinar, ou mandar he geral em todos, he muyto mayor naquelles, que
diſſo não eſtam longe, como os homens, que per ſangue, & parenteſ
co faõ chegados aos Reys. Peloque a ambição, & intereſſe lavràrão tan
to no peito do Infante,lendo Princepe muy benigno, & de ſuave con
dição, que não cuidava em al, ſenão como cazaria com a Infante, & ſe Tefter
quitaria deDona Maria per morte della, quando per outra via não pu- munho
delle. E para mais acendero Infante a Rainha,& o Conde, fallàrão com falſo ora
Diogo Afonſo de Figueiredo Vedor do Infante, & com Garlia Afonſo tra
didoDocó
do Sobrado comendador de Elvas,que era do ſeu Conſelho, & de entre na Ma .
todos não ſe ſabe de qual foi levantada húa grande calumnia, & teſtemu- riaTel
nho falſo, que em Dona Maria nunca coubera, porque era muy virtuoſa, lez,por
& affirmárão ao lofante que a podia matar com razão, porque avia faina, fua irmá
que ella dormia com outrem, ſendo cazada com elle. È dahi em diante a Rai
nunca mais o Infante tirou o ſentido de inatar a Dona Maria, & cażár com nha.
ſua ſobrinha a Infante Dona Beatriz.
Incitado o Infante de tam màos conſelheiros, como laöira, & am
hição, querendo pôr feus dezejos em execução, partio para a Cidade
de Coimbra , onde Dona Maria eſtava; fem querer použar em Tomar,
nem fazer demora com Dom Lopo Diaz de Souza Meſtre de Chriſto fi
lho de Dona Maria, que ao caminho lho mandou pedir. Do que oMe
ſtre collegio o mào propoſito, que o Infante conitra ſua mãy trazia, & à
mandou logo aviſar. Mas Dona Maria , que de ſi não ſabia culpa, nem
coin o aviſo de ſeu filho , nem de outros que lhe eſcreverão da Cortez.
o que do Infante lentião, ſe temeo de nada. Finalmente o Infante che: Morte
de Dona
gou ante manhãa a Coimbra ,& vindo áscazaszonde Dona Maria pouſáva, Maria
ácertou de ſe abrirem as portas, para fait huma ſervidora de caſa . Pelo- Tellez
que entrando pelas cazas, & robindo acima foi à porta da camarà ,ein que pormão
i
Dona Maria eliava. A qual jazia dormindo ; & em huma camara ;que tras do Intil
aquella eſtava,jazia huma ama, & camareirás ſuas com hum filho. Per te D. Io
ao ſeu
guntando o Infante ſe avia alguma entrada para aquella torre , & dizen marido .
dolhe os de caza que não,mandou quebrar as portas da camara. Dona Ma
ria acordarido fupitamente ,quando ſe vio entrada daquella maneira , le
vantoufe do leito tam eſpantada, & temeroſa,que ſe não podia ter em fix
E náo tendo acordo,nem tempo para tonar ſobre liveſtido alguin ,nem a
vendo quem lho deſſe, por que as mulheras que eſtavão dentro, eſtavão
defpidas, & attonitas com medo, & ſobreſalto,ſe emburilhou toda na col
cha, que na cama tinha. É conhecendo ao Infante, como entrou , cobrou
algum alento , & lhe perguntou, que vinda era aquella tam deſacuſtumas
da. Agora oſabereis( diſle o Infante :) Vòs andaites dizendo , que ereis
niinha mulher, & me exemplaftes , perque elRey o vejo a ſaber, & me
puzuſtes em riſco de perder a vida. E ſe minha molher lois, por iſſo me
Hli 4 receis
CHRONICA
receis vosinelhor a morte, porque me fizeſtes adulterio. Dona Maria ou
vindo taes palavras,lhe diſſe, queelle vinha mal aconſelhado, que per
doaffe Deos,a quem o aconſelhara, & que ſe apartaſſe hum pouco com
ella naquella camara,ou mandaſſe ir os ſeus fora,& que ella lhe moſtra
ria outro melhor conſelho, do que trazia. O Infante lhe reſpondeo, que
não vinha para eſtar com ella em razoens. Entam tirou rijo pela ponta da
colcha,em que eſtava envolta,& a derribou em terra. Peloque ficou qua
ſi nua, do que os circunſtantes com grande vergonha, & magoa volveráo
os roſtos,& não ſe podia ) ter com lagrimas. O Infante como a dirribou,
lhe deu com huma adaga pelos peitos junto do coração, & depois em
huma verilha , ao que ella
ella deu humas vozes
vozes muy doridas, chamando a
Deos, & a noſſa Senhora quea accoreffem , & ouveſſem miſericordia de
ſua alma, & com eſtas palavras acabou bofando muyto ſangue. A cala
foy chea de gritos, & alaridos de homens, & mulheres, a cujos brados a
codio toda a Cidade,& eltavao todos maravilhados por não ſaberem a
cauſa. E a virtude daquella innocente dama banhada de ſangue, de que
não avia fama ſenão de grandes virtudes, perque detodos era bem quiſ
ta,& louvada,os incitava a mais commiſeração. Ao arroido veyo Gonça.
lo Mendez de Vaſconcellos ſeu tio , & os ſeus que fizerão hum dor do
pranto ,quede todo o povo era ajudado. O Infante como acabou aquillo
porque viera ,cavalgou,& com os ſeus tornou pela ponte, & não ceſtou de
andar até chegar a San Payo,que ſaő dalli a ſeis legoas, & alli eſperou os
fcus,porg o nao aturarão mais que ſeis de cavallo.
Quando a Rainha que eſta tragedia ordio,ſoubeque ſua irmáa era mora
ta , fiugio grande ſentimento, como em tudo era altuta , & chea de artifi
cios,& poz por ella grande dô. E como a memoria diſto foi arrefecendo,
o lofante,que le foi retra hido à Beyra,& a lugares de Riba de Coa, perto
do eſtremo, mandou pedir perdão a elRey, & à Rainha, & que do utra
maneira ſe iria fora do Reyno,onde ſenão temeſſe . Porque como Dona
Maria era tam nobre, & tam aparentada, temiaſe o Infante de todos os
homens grandes do Reyno, tirando ſeu tio o Conde Dom Alvaro Pi
rez de Caſtro . E diziamlhe , que o Meſtre de Chriſto filho de Dona
Maria , & os Condes Dom Joam Afonſo, & Dom Gonçalo íeus irmãos,
& Dom Joam Conde de Vianna ſeu primo com irmão ſe ajuntavão,
para o hir buſcar. Enfin o Infante foy perdoado, & acompanhado de
cento, & cincoenta de cavallo veyo á Corte, onde foi recebido de to
dos os grandes, & dos Condes irmãos de Dona Maria.
i
E como os homens ſaõ promptos a crerem aquillo, que deſejão, vera
do o Infante o amor que elley, & a Rainha lhe moſtravão, eſperava
que lhe fallaffem no cazamento com a Infanta ſua filha. Mas a Rainha
por as razoens que atraz diſiemos, de governar o Reyno, em quanto vi.
veffe, queria ver ſua filha cazada en Caſtella. E fallando o Infante nil
10 .
DELREY DOM FERNANDO. 183
fo , & não lhe faindo elRey,nem a Rainha,como elle cuidava, achouſe fru
ſtrado do que eſperava, & ſaindoſe da Corte fe foi para entre Douro, &
Minho,& ahi fazia vida trifte,& ſolitaria, & chea de arrependimento, da
mal merecida morte que dera à innocente Dona Maria. E ainda depois
foi mais triſte, quando pelo tempo ſoube, que por elle matar Dona Ma
ria, & por eſla cauza ſe deſierrardo Reyno,deixou de ſer Rey de Portu
gal,permorte de ſeu irmão,pois eſtando deſterrado, & prezo,& avendoſe
antes moſtrado publico inimigo do Reyno, o pedião, & deſejavão para
Rey. E ſem duvida o elegerão,ſe não fora ſua priſaõ, como em ſeu lugar
fe dirà. Eſtando aflim o Infante lhe vierão novas,que o Meſtre de Ghrif.
to,& o Conde Dom Gonçalo hião buſcalo,para vingar a morte de ſua máy
& irmãa. Peloque ſe foi chegando mais para o eſtremo do Reyno. E fa
bendo que ao outro dia pela manháa ſerião com elle, ſó com leis homens
de cavallo partio de noite,& foi amanhecera Sam Felizes dos Gallegos
lugar de Caſtella,onde eſtava ſua irmaa a Infante Dona Beatriz,mulher do
Conde Dom Sancho,& alli eſteve, atè o tempo em queelRey Dom Hen
rique o mandou ir a ſua Corte,& o cazou com ſua filhaDona Coſtança,&
lhe deu aſſentamento , & terras,de que ſe foſtentaſſe.
Per eſte tempo ſendo jao anno de 1378. depois de muytas differen Creação
ças, que ouve em Roma entre os Cardeaes per morte do Papa Gregorio do Papa
XI. por elles,que quaſi todos erão Franceſes,quererem eleger Papa de ſua Vrbano
nação, & o Povo Romano o pedir com muyta inſtancia Italiano , com re- VI. & a
ciſma, &
ceyo , de a Sé Apoſtolica outra vez tornar a França,donde o Papa Grego - traba
rio a avia paſſado a Roma, enfadados da muyta competencia , que entre lho que
elles avia,ſobre de qual Provincia de França o elegirião, porque huns por ella
querião que foſſe Lemoſin, outros de outra parte , vicrão eleger Papa de fuccedc
fora do Collegio. Eſte foi Bartholomeu Perignano Arcebiſpo de Bari de rão.
nação Napolitano , que fechamou Vrbano. VI. E como neſte Pontifice
avia mais partes para ganhar o Ceo,quepara governar a terra , por ſerfe- ANNO
vero ,& mal diſimulado , partes contrarias ao Principe que ha de reger ,1378 .
não ſe lembrando queelle fora ele&o, por diſcordia, que ouve entre os
Cardeaes ,& não por concordia , de o quererem a elle por Pontifice: &
que cuſtumes envelhecidos não ſe podem tirar repentinamente ſem gran
de altercação , logo no começo de ſeu Pontificado ſe ouve com grande
rigor , & afpereża com os Cardeaes . Aos quaes tratou de ſubito tirar os
gaſtos eſp
,&apparat de criados,& cavallos,o luxo,& lendor comquevi-Papa
viã o , dizendolheso,que aquellas tobe jidoens erão melhores para os pobres, Vrbano
que em ſuas rendas ecclefiafticas tinhão parte , & quinbão. E que tiveſ-fevero &
ſem as inãos limpas de peitas,& fimonias , & trataſſem as couſas da Igreja, pouco
que erão fantas,fantamente. Defendialhes,que não ſubornaſſem , nem fe cauto.
entremetteſſem em negociaçoens illicitas ,& outras couſas que em fi erão
honeftas,& fantiſlimas,mas que não ouvera de mandar juntas , nem pu
1
bulicar
CHRONICA
blicar tam cédo.Vendo os Cardeaestamanho rigor noprincipio, onde ef
peravao agradecimentos do Papa,pela eleição que delle fizerão receando
que ao diantefoſſe mayor, tratàrað osda facçao Franceſa, de criar outro
Pontifice, & deixarem Vrbano. Para iſſo negociarão com a Rainha Joatia
na de Napoles ſecretamente, lhes deffe em ſeu Reyno lugar livre,& ſegu 0
10, para fazer ſeu negocio. E o pretexto que tomáraó para fairem de Ros
ma,foi por ſer verão, & hum , & hun pedio licença ao Papa, para ſe irein
recrear fora da Cidade. A qual avida,ſe vierão ajuntar em Anania , & da
hi em Fundi,ondea Rainha os eſperava. Ahi fizerão hum folenne Auto,
em que proteſtàrao ,quecom medo do Povo Romano, & ſoldados,que na
Se Vagante avia em Roma, elegerao a Vrbanofem ſua vontade, & por
força ,cuydando que elle o nao aceitafſe, por ſer homem Religiofo, & que
não era para o cargo ,& outras couſas mais. O meſmo mandarão notificar
a Vrbano. O Papa vendo ſua fugida, & ſua carta ,os mandou citar,para a
vieffem aparecer ante elle. Aos quaes não vindo privou dos Cardealadus,
& os Cardeaes a elle do Pontificado. E logo elegerão Ruberto Cardeal
de Gebenna,que dizião fer da linhagem dos ReysdeFrança,aque chamà
Clemen rão Clemente VII.&com elle ſe forão todosa Avinhão.Eſtefoi o princi
te VIJ . pio daquella grande Ciſma,que trinta & nove annos affligio a Igreja de
& Bene- Deos.i.quinze annos que durou o Papa Clemente, & vinte & quatro D.
dito An
Pedro de Luna Aragoes, que ſe chamou Benedicto. A qual foi tam má de
tipapas determinar,&julgar,ſegundoſe eſcreve,quemuitoshomensmuy dotros,
& de muita authoridade,não fabiao a qual parte ſe acoſtaffem .Masa mais
cómum opinião dos homes daquelle tempo foy,que o Papa Vrbano, foy
o verdadeiro Paſtor, & affim Clemente, & Benedicto, & outros competi
dores do Papado,ſe nam numèrão entre os Pontifices.A cauſa de eta Cir.
ma durar tanto, cauſaraõ tambem as bandorias dos Principes Chriſtãos, &
o muito que cada hum fazia por a parte que tomava. Por o Papa Vrbano
eſtavão o Emperador Venceslao,& elRey de Vngria, & o de Inglateria;
& outros Senhores. ElRey de França, que por ter a Sê Apoſtolica em dua
terra,& governarſe por Cardeaes Franceſes, pertendia tanto intereffe, pa
nha todas ſuas forças por o Papa Clemente,alem de ferFrances,& ter com
elle parenteſco. E para iſſo induzio a ElRey de Caſtella, & o de Caſtella
a elRey Dom Fernando de Portugal,contra conſelho de ſeus Letrados,
o melhor entenderão, & de todo o povo. E aflim teve por Clemente el;
Rey de Aragam.
ANNO Vindo o anno de 1379. eltando elRey Dom Henrique de Caſtella en
137 9. Sam Domingos da Calçada , ſe começou de achar mal de hũa indiſpoſição
de que aos 29 dias de Mayo veyo a fallecer. A cauſa de ſua morte dizein
quefoi de peçonha,que lhe derain em huns borzegins por ordem deler
Mahomad de Granada.Porque vendo elle,que elRey D.Henrique eſlava !
de paz com os Reys de Heſpanha ſeus viſinhos, & que podia emprender
guchia
DELREY DOM FERNANDO. 184
guerra contra elle,por ſer Princepe bellicoſo, &de que os Mouros ſe te
wião,determinoude matalo ::Pelo quefubornou hum feu Capitão, que
fingindo ir fugindo delle fe acolheſſe a elRey Dom Henrique.EneMou
ro entre muytas peças & joyas de eſtima que deu a elRey, foraő hűs bor
zeguins tao galantes,& louçãos, que moveſlem elRey aoscalçar. Eftes hi
ão banhados em peçonha, & contentando muyto a elRey, os calçou, &
logo le achou mal, ſem ſuſpeitar a cauſa. Porque pelas plantas dos pès
fizerão ſua operação,& em breve ſuccedeo ſua morte, cuydando alguns ā
era de gotta. Era elRey D. Henrique ao tempo que falleceo de idade de
quarenta & ſeis an nos,& ſinco mezes,de que reynou treze, & dous mezes, Morte
acuja morte,quedos ſeusfoi muyſentida,por ſer nobre Princepe, & hu delRey
mano, precedeo hum ecclypſe do Sol,que foitam grande, que aos q nam D.Heri
ſabiam ſer couſa natural,cuydavão,que vinhao fim do mundo. O Infante que de
D.João ſeu filho foi logo.naquelle dia acclamado Rey, ſendo de idade de peçonha
26 annos.No tempo que elRey D.Henrique morreo, eſtavão certas galès dapelos
delRey de Portugal'no porto de San & o' Ander com queelRey D.Ferná: Mouros.
do o ajudava,para irem com as ſuas a França em ajuda delRey Carlos co
tra Inglaterra. E como fouberão damorte delRey, ſe partirão ſem mais
comprimento para Portugal. :(
ElRey Dom Fernando por conſelho dos ſeus,mais que por võtade, que
tiveſſe de ter paz com o novo Rey Dom João de Caſtella, ſendo ja o an
no de1380. mandou a ſua Corte por Embayxadores ao Conde D. Joam Anno
Afonſo de Ourem,& Gonçalo Vaſquez deAzevedo ſenhor da Lourinháa 1 380.
para tratarem cazamento de ſua filha a Infante Dona Beatriz, com o In
fante Dom Fernando filho primogenito do dito Rey D. Joam,que entam
ſeria de hum anno, dizendo que para paz, & concordia de ambos os Rey
nos,ſe desfizeſſem os eſpoſorios da dita Infante com Dom Fadrique Du
que de Benavente ſeu irmão,com quem eſtava eſpoſada: pois que erãome
nores,& le podia fazer. ElRey de Caſtella;a quem muyto aprouve,o que
elRey Dom Fernando queria,mandou logo ſobre iſſo a Portugal D.Joam
Garſia Manrique Biſpo de Siguença ſeu Chanceller mòr, & Pero Gon
çalvez de Médoça ſeu Camareiromôr;& Inhego Ortiz de Stuniga, Guar Cócerto
da môr .E em Portalegre,onde entam elReyeſtava, tratárao com elle, que de caza
tanto que o Infante foſſe de ſete annos fizeſſe elRey ſeu pay, que ſe eſ- méto da
Infante
poſalle com a Infante Dona Beatriz,& como foſſe de 14 fizele ſuas vo
das. E que elRey de Caſtella, logonomez deSetembro ajuntaffe Cor. D :Bea
res, em que fizeſſe jurar o Infante ſeu filho , & a Infáte fua nora, & pediſſe
diſpenſação para poderem cazar.E que elRey de Caſtella daria logo a feu
filho Lara,& Vizcaya,com ſeus Condados. É vindo a Infante a fer Rai
nha,avia de aver as Cidades, & villas,que as Rainhas ſoiáo ter. que mor
rendo o Infante tendo ja avido copula entre elles, ouveſſe a Infante por
honra de ſua peſſoa Medina do Campo, Cuelhar, Madrigal, Olmedo,&
Arevalo .
CHRONICA
Arevalo.
E morrendo elRey Dom Fernando ſem deixar filho herdeiro, que
elRey de Caſtella ajudaſſe à dita Infante cobrar o Reyno, & manterſe em
fua honra. E por quanto el-Rey de Caſtella, & o de Portugal erão pria
mos com irmãos filhos de duas irmáas f. elRey de Caſtella da Rainha Do
na Joanna mulher del-Rey Dom Henrique, & elRey Dom Fernando de
Dona Coſtança mulher delRey Dom Pedro, ambasfilhas de Dom João
Manuel , ordenàrão os Reys entre ſi,que pois cada hum era a outro o ma
is chegado parente , que tinhão por parte dos pays, & das māys, que fuc 1
taes fallas ſecretas, & continuas tomaram tanta amizade, que aquelles Rainha.
que o ſabiam,não tinhão delles boa preſunçao. Da qual coverlaçao fuccen
li dco,
CHRONICA
deo , o que a diante ſe dirà.
Depois que elRey fallou com João Fernădez tudo o que lhe comprio,
temendoſe,que ſe ſoubeſſe comoeſtava no Reyno, fez,que aflim como ve
yo do Portofecretamente ,affim ſe foſſe a Leiria, & ahi ſe deſcobriffe, &
moſtraffe,como quem vinha de caminho, & que elle como taes novas lhe
João defiem ,o mandaria prender. E como elRey fez que ſabia que elle era vin
Fernan. do a Leyria, mandou là a grande preſſa Gonçalo Vaſquez de Azevedo
dez An-grande feu privado, dizendolhe a maneira que tiveſſe F vojno wiegou
deiro
Leyria, ofoi prender ahoras,que o achou jà na cama, & o pož em reca
prczofi- do no Caſtello da Villa. João Fernandez quetambem eſtava prezo dos a
mente mores da Rainha , lhe mandou por Gonçalo Vaſquez beijar as mãos, con
pormā- hum rico gomil de cryſtal,guarnecido de duro. E dahi apoucos dias fin
dado de gio elRey;queo mādava ſoltar, para ſob pena de morte ſe it fora do Rey
ElRey. no. E afli ſe foià preſla,moſtrando que ſe hia com medo.
Como elRey Dom Fernando tratou em ſeu Conſelho, & publicou ,
avia de fazer guerra a Caſtella,logo elRey Dom João o ſoube em Medina !
Rcy D.do Campo,onde eſtava,& le veyochegandopara Portugal,& aſſentou em
Fernan- Salamanca. Ahi lhe veyo recado,como o Conde Aymon de Cambrix ſe
do detet fazia preftes,para paſſar a Portugal, em ajuda delRey Dom Fernando co
mina fa
tra elle, porfavorecer a cauſa do Duque de Lancaſtro ſeu irmão , que ſe
zer quel chamava Reyde Caſtella,& Lião,como cazado com a Infante Dona Co
Rey de ſtança filha de Rey Dom Pedro. E que elRey Dom Fernando fazia pref
Caſtella, ſtes galès, & punha fronteiros pelas Comarcas do Reyno. E era allim ,por
que elle armava muytas galès,& tinha poſtos por fronteiros em Olivença,
Vinda
Arronches, Campo Mayor,o Meſtre de Aviz ſeu irmão. Em Elvas o Có
do Con de Dom Alvaro Pireż de Caſtro. Em Porta- legre, Dom Pedro Alvarez
de de Pereira Priordo Crato. Em Beja, o Meſtre de Santiago Dom Fernando
Cábrix Gonçalvez. Em Villa-Viçoſa,o Conde de Vianna, & Fernan Gonçalvez
a Portu. de Souſa , & allim dutros em outros lugares daquella Comarca. El-Rey
· gal. de Caſtella, como iſto foube,mandou a Badajoz o Meſtre de Santiago D.
Fernando Oſorezcom muyta gente. É em Sevilha mandou armar fuas
galés. E porque lhe differao, que o Conde de Gijon ſeu irmão eſtava en
l'aredes de Nava, que era lugar ſeu, & que ahi tratava concertos com el
Rey Dom Fernando ſeu fogro , partio de Salamanca para Paredes. Do
que ſendo aviſado o Conde; fe foi para as Aſturias, & de là tratou ſuas
avenças com elRey ſeu irmão,& fe veyo para elle. E ſendo já a guerra a
pregoada,ſe foi elley D.João a C,ainora.
Tanto que ſe a guerra pregoou, começarað as gentes vezinhas de Cal
tella a ſe aperceberé para ſuadefençao,& recolherſe para as cercas, & Cafe
tellos com fuas couſas, & mantimentos . E em Evora onde eRey Dom
Fernando entam eſtava, lhe perſuadiram hum Vaſco Rodriguez Façanha,
& Lopo Rodriguez ſeu irmão, que mandaſſe derribar a cerca velha :!e:n
guid
DEL -REY DOM FERNANDO. 786
quella cidade,dando a entender,gos que dentro della moravão, eraõ af
feiçoados ao Infante D.Joao, que andava em Caſtella, & que vindo os ini
migos ſobre a cidade, que aquella cerca ſe poderia defender, & a nova
não.Efte conſelho era fundado em ſeu proveito,porque moravao fora da
quella cerca velha.ElRey com aquelle mào conſelho a mandou derribar, Muros
a qualera fortiſſima, & amayorantiguidade, & mais inteira,que na Eſpa- de Evor
nha avia de tempo dos Romanos,porque era feita por mandado de Sertà- rafimos
fortiſ
do
rio, que naquella cidade tinha feu aſſento, & domicilio,como em meyo da
Luſitania ,' & era toda de cantaria lavrada, & cercada de muytas torres doska
da meſma fabrica, de que oje em dia ha hūa grande torre inteira, junto manos
da qual eu naſci de bons Padres, aquem eu muyto devo, pela boa doutri- derriba
na em que me criaraó.E affim ha muitos veſtigios daquelles muros osqua dos por
mao con
es por ſerem daquella calidade, eſtiveram tres annos em ſe desfazer. Og felho.
todo o Reyno teve mal a elRey.
Entretanto o Meſtre de Santiago Dom Fernando Oſorez, que eſtava
por fronteiro em Badajoz, & com elle o Meſtre de Alcantara fizerað muy
tas entradas em Portugal,& roubaraó muyto gado, & fizeraõ grande dano
Das villas de Veiros, Souſel, & no Cano. Da meſma maneira que ſe fazia
elRey Dom Fernando preſtespor terra,fe fazia tambem por mar, &man
dou armar vinte húa galès,& hūa galeòta,& quatro náos . E para remei.
ros dellas mandou trazer do Reyno muitos homens la vradores, que vi
nhão forçados, & preſos, o que a todos parecia grande deſerviçode Deos,
& crueldade .A armada partio a 11. de Julho, & della hia por Almiran
te o Conde D. João Afonſo Tello irmão da Rainha.Os capitaens, de que
ſe ſouberão os nomes, forão Gonçalo Tenreiro ,Eſtevão Vaſquez Filip
pe,Gonçalo Vaſquez de Mello, João Alvarez, irmão de Nuno Alvarez
Pereira,Afonſo Eſtevez da Azumbuja,Afonſe’Anes das Leys,Gil Eftevez
Fariſeu ,Ruì Freire de Andrade,Alvaro Soares,Fernão de Meira,GilLou
renço do Porto. Sendo as galès Portugueſas no Algarve, ſouberão como
as galès de Caſtella andavão ja pelo mar. Peloque determinou o Conde
deas hir buſcar.O Capitão das galès de Caſtella,que era Fernão Sanchez
de Toar,ſe veyo para o Algarve,& quando foube que as galès de Portu
gal hião para là, poſto que elle foffe mui bom, & esforçado cavalleiro,
vendo a vantagem ,quelhe os Portugueſes levávão de cinco galès,& qua
tro naos,porque as ſuas erão 17. não os quiz eſperar, & ſe cornou. Os
Portugueſes quando ao Algarve chegaráo,hiãoja algumas das ſuas galés
faltas de agoa. E como ſouberão , que avia pouco ,que as galès de Caſtella
partirão por temor, que ouverão delles, differão, que ſe não detiveſſein
mais em tomar agoa,& logo as ſeguiſſem à preſſa.Foi iſto tam ſubito, que
não curârãode fallar primeiro, no que lhe compria antes da peleja, tam
confiados eſtavão de tomarem as galès. O que foi a principal cauſa de
aquelle dia ſe perderem . Acontecco
l 2
pois, que indo ellas compouco vento
i alguns
-
CHRONICA
alguns peſcadores, quenafrota hiáo,viráo a duas, & tres legoas boyas de
redes,queno mar jazião. E ſem pedir licença ad Almirante oito galės ba
xárað as vellas tomando oś remos, & fe forao para as redes.Dasoutras ā
aſſim híão com vento eſcaço,ficaram duas pouco.velleiras .f. a de Gonça
lo Vaſquez de Mello, & a de Gil Lourenço do Porto, De maneira que
as dozehiáo fem outra mais companhia denaos, nem galês. Sendo horas
de meyo dia,forað viſtos per Afonſe’Anes das Leys osmáſtos das galės de
Caſtella, que jazião longearvorados em hún lugar,que chamão Saltes.E
vendo elle, que osda galê Real em que oConde vinha, ſe armavam á
preſſa, para os commetter, diſſe ao Conde,que não ſe apreſſaſſe para pele
jar,mas queprimeiro fizeſſe chamar as galès que faltavão ,pelagaliota, que
ahi vinha,& que entre tanto mandaffe dar de beber á gente, que tempo tis
nha para ſe armar, & pelejar.
O Almirante de Caſtella,quando vio que aquellas doze galès fórnente
queriam pelejar com as ſuas,& que a melhoria,que lhe osPortugueſes an
tes tinhamn ,lhes tinha elle agora que era termais ſinco galès, foy muy lè
do, & os veyoreceber. De maneira que a ventagem que o Conde tinha
no numero das galès,& nàos,a quiz dar aſeus inimigos com deſordenada,
& temeraria cobiça de honra, que lhe ficou ao contrario. Finalmente a
peleja começou, & aferrando cada hum na ſua,as que ficavão de fora fobe
jas aos Caſtelhanos,ajudavão onde compria, de maneira, que ſe achavam
duas ahúa. E aſſim forað as galês de Portugal desbaratadas, ſem lhes va
ler defenderſemuy esforçadamente . E como huma era vencida, a dei
xavam ſobre ancora, & tornavam contra a outra. As oito galês que eraŭ
idas alevantar as redes, quando virão pelejar as outras galês, acodiram,
mas foy jà a tempo queeram desbaratadas, & aſſim o foram eſtas oito ma
is facilmente. E de todas não eſcapou dos inimigos, mais que a galè de
Gil Lourenço do Porto, que naõ quiz chegar, quando iſto vio , & fe for
caminho de Lisboa dar novas às naos, que ſe tornaſſem , & não foſſema
diante. A peleja começou a horas de veſpera, & durou até perto da noi .
te, naqual forão de húaparte,& da outramuitos feridos, & poucosmor
tos. E quãdo as galés de Portugal vencidas forão a Sevilha, fahio opo
vo a velas como as traziam com os pendoens, que vinham arraſtando pe
Galès de
la agoa, como he coſtume,moſtrando grandealegria por aquella viđoria.
Portugal Os priſioneiros foram entregues nas taracenas, aonde foram poſtos eil
desbara. ferros , tirando o Conde Almirante , & Gonçalo Tenreiro, que foram
tadas por levados a elRey. :
culpa de Quando a galê,que ſe veyo para aviſar as nàos, chegou a Lisboa, & le
jeu Alu
mirante . ſoube da perda dasgalès,foy hum grandepranto em toda a Cidade, casa
dando, que todos erao mortos. Mas elRey moftrou mais ſentimento que
ninguem ,aſſim porque a elle ſe'aviam de atrribuir todas as culpas daquel
le máo ſucceſſo,por fazer guerra contra parecer dos doſeu Cõi lho,cenia
for
DEL-REY DOM FERNANDO. 133
por a grande deshonra,quedaquella perda recebia, por elle ler o acomé
tedor da guerra, cuidando aver vingança das afrontas paſſadas , & ficar
entao com outra mayor afronta,a fora a perda de tanta gente,queerão fe.
is mil homens, que lhe erão neceſſarios para a guerra que tinha começada,
alem da falta de tantas galès . A Rainha que era aviſada, & livre, no que
queria dizer , quando vio elRey queixarſe, lhe diſſe, que nunca ella
eſperara outras novas daquella frota,ſenão aquellasmàs, que lhes vierão,
quando via vir preſos per cordas tantos lavradores, & officiaes, que trazião
forçados para as galès, & outros aggravos feitos ao povo .
Quando eſta nova chegou a elRey de Caſtella,eſtava ja em Portugal
fobre a villa de Almeida,quetinha cercada,de que elle foi muilèdo, pare
cendolhe que eſtava ſenhor do mar,& que os Ingleſes não ouſariáo vir a
Portugal, por a frota ſer perdida. Pela parte de Guadiana andava ja o
Infante Dom Joam ,& como ouvioa nova das galès,foiſe á preſſa a elRey
Dom Joam , pedirlhe licença para ir a Sevilha tratar com aquelles Ca
pitaens Portugueſes,queerão homens principaes, & de Lisboa, & nella
aparentados, & lhe podião dar a Cidade. E levando cartas delRey para
lhe darem o que pediſle,armou ſeis galès, & levou conſigo caminho de
Lisboa Eſtevão Vaſquez Felipe;Gonçalo Vaſquez de Mello, Afonſo A.
nes das Leys,Giral Martijz, Afonſo Eſtevez daAzambuja,GilEſtevez Fa
riſeu,& outros. A eſtes fez o Infante muitas promeſſas de honras, & mer
ces alemda liberdade, ſe fizeſſem entregar a Cidade a elRey Dom Hen
rique. Elles ſe eſcuzàrão,& diſſerão ſer impoſivel per muitas razoens, a
que o Infante reſpondeo.Mas enfim entrarão nas galés,& vierão aLisboa,
porque os forçou o Infante. Mas como forão no porto , & as galės fo
rão reconhecidas por de Caſtella, começarão os da Cidade a lhe fazer
muitos tiros de bombardas, & viratoens , & quizerão hir em navios ſobre
elles. Peloque ao Infante conveyo tornarſe para Sevilha com aquelles Ca
pitaens ſalvo Afonſo Anes das Leys,que lhe fugio em Almada dizendo
que o puzeffcm em terra hum pouco,que lhe fazia nojo o mar , & prome
tendo ao eſcudeiro, que o levava em guarda , quelhe daria hūa ſua irmãa
por mulher, & dote,com que viveſſe honradamente ,conſentio niffo , & alli
fugirão ambos .
Como João Fernandes Andeiro veyo de Inglaterra com o recado, que
eſtà dito atraz,logo elRey Don Fernando tornou a mandar Lourenço A
nes Fogaça leu Chancellermòr,parafazer ſeus concertos com Aimon Con
de de Cambrix,que erão que o vieffe ajudar com amais gente que pudel
ſe, & que trouxeſſe conſigo ſeu filho primogenito, q tinha de D.Ifabel In
fante de Caſtella filha delRey D.Pedro,para cazar com ſua filha a Infante
Dona Beatriz herdeira do Reyno. E eſtando elRey D.Fernando em San
tarem anojado da rota, queouvera o ſeu Almirante Rui Cravo ,hum eſcu
deiro honrado,que fora com Lourenço Anes a Inglaterra, & viera a Buar.
li 3 cos em
CHRONICA "
cos em hum barquete lhe trouxe nova, como a armada do Conde Ar
mon com ſua gente partira do Porto de Preamua , & muy cedo feria ein
Lisboa. E ao dia teguinte lhe vierão novas de Buarcos, como a armada
ANNO apparecia no inar, & logo ſe veyo a Lisboa,onde a meſma armada chegou
aos 19 dias de Julho do anno de 1381.ElRey foi logo à nao do Conde,
1381 . que vinha ricainente concertada,& o viſitou com grandes gaſalhados.
1
Conde OConde trazia conſigo a Infante ſua mulher com muytas Donas, & don
de Cam zellas, & feu filho Duarte de idade de ſeis annos, & hum filho baſtardo
brixcó del-Rey de Inglaterra,o Condeſtabre, Marichal, Meſtre do Campo, &
fua mu- Alferez do Duque deLancaſtro,& outros Senhores, & Capitaens.O nu
lher, &
mero da gente da peleja , que o Conde trazia , erão tres mil homens de
fillo pri- armas, & frecheiros.Comelle vinhão tambem alguns cavalleiros, dos
to vin que ſe forão de Portugal pelas capitulacoens das pazes, que os Reys
dos a Dom Fernando, & Dom Henrique fizerão, entre os quaes vinha Joan
Lisboa. Fernandez de Andeiro, Joam Afonſo de Baeça, Fernão Roiz de Aça,
Marcim Paulo ,Bernaldom ,& outros. Como elRey fallou ao Conde, & à
Condeffa,fairão em terra,onde os da Cidade, & da Corte os receberão
com muyto apparato,& do mår atè a Sè forão a pè, levando elRey a
Condeffa de braço, & à vinda vieraó a cavallo. El Rey levou a Condella
de redeagatè o Moſteiro de Sao Domingos, onde ordenou que použaſſem .
Recebis A Rainha Dona Lianor, que ficava em Santarem, partio com a Infante
méro do ſua filha, & com ella muytos Senhores,& todos os da Corte, & Cidade as
Code Ai vierað receber. E antes que ſe foſſe apear ao Paço,foi fazer oraçao a'nof
mon de ſa Senhora da Eſcada,que he no meſmo Moſteiro de S. Domingos,onde o
Cabriz,
& fuamu
Conde pouſava,& a Condeſſa lhe veyo à Igreja a fallar, a que a Rainha
lher em feſtejou muito,& dahi ſe veyo aos Paços. El-Rey convidou a comer o
Lisboa. Conde,& aos Senhores, & capitaens,& a Rainha à Condeſſa, & a luas Da
mas,& Donas, & lhes mandàrão muytas joyas,& preſentes a todos. Ou
tras muitas vezes convidou elRey o Conde,& elle,& a Rainha bião viï
tar a Condeſſa. E porque nas capitulacoens,que el-Rey, & o Conde fize
rão,era affentado, que el-Rey aviade dar cavalgaduras aquelles cavallei
ros todos á conta de ſeus foldos, fez Cortes, & acabadas,mandou trazer
todos os cavallos dos acontiados do Reyno,& quaeſquer outras bestas, que
foſſem achadas aſlim muares como cavallares para dar aos Ingleſes com el
perança de ſerem pagas,o que nunca forão atègora.
Mandou elReyà Condeſia 12. mulas para lerviço de ſua peſſoa muy
ricamente guarnecidas, & ao Conde 12 cavallos os melhores, que tinlia
ſellados,& enfrcados,& entre elles hum grande, & fermoſo cavallo, que
The el-Rey Dom Henrique mandára ,que era o melhor que avia em Hof
panha. Quando os Ingleſes vierão a Lisboa, como homens mais zelofas
da Fé Chriſtáa,do que ſeus pofteros agora fao, não queriáo ouvir Miſſa de
nenhum Clerigo,nem Frade Portugues,por eſtarem os Portugueſes na
bedi.
DELREY DOM FERNANDO. 184
bedienciado Papa Clemente,que elles tinhão por Ciſmatico. Peloque o
Conde diſle a elRey,que ſe queria que Deos o ajudafie em ſuas emprezas,
deſſe obediencia ao Santo PadredeRoma Vrbano, & que deſta maneira
Tho mandava elRey feu pay pedir , & todo o Conſelho de Inglaterra, por
quanto eſtavaõ certos, que aquelleera o verdadeiro Paſtor da Igreja do Rey D.
Senhor, & outro não . E elRey diſſe , queera contente de o fazer, & na Fernan
feſta da Degolaçao de Sam Joao Bautiſta, avendo maduro conſelho com do reco
o Arcebiſpo de Braga ,& Letrados de ſeu Reyno ajuramentados todos ſo- nhece a
Vrbaver
bre húa Hoftia conſagrada na Sé de Lisboa publicamente, perante todo o por no
povo ,declarou Vrbano VI. por verdadeiro Pontifice. E logo neſſe dia dadeiro
a
hora de Terça, eſpoſou elReyſua filha a Infante DonaBeatriz per pala. Pótifice.
vras de prezente,com Duarte filho do Conde de Cambrix ,ſendo hum, &
outro de pouca idade. E ao coſtume de Inglaterra, foraó ambos lançados
em húa cama , :
Deſpo
O Biſpo de Acres Ingles, & o Biſpo de Lisboa, & outros Preladosre* forios de
záraó ſobre elles,& os benzeráo. A camaem que os deitâram,era de eſta Duarte
do,& grande,& a mais rica que nenhum Princepe tinha. Porq o cobertor filho da
della era de hum pano de ſeda cuberto de duas grandes figuras, húa de hũ Conde
Rey, & outra de hũa Rainha poſtas no meyo do pano, todas fabricadas de brix,co
de Cama
aljofar,& pèrolas grandes,meás,& pequenas,ſegundo o lugar das figuras o Infante
queria. A bordadura,ou çanefas ao rodor erão cheas de archetes de aljo D.Beas
1 far, & dentro figuras tambem de aljofar,que repreſentavão muytos ſenho- triz.
res do Reyno com eſcudos de ſuas armas junto com elles. Eſte cazamento
aprováraó todos osgrandes ,& fidalgos, que preſentes ſe achàrao , porto
das as cidades,& villas do Reyno, & fizeram ſuas homenagens , prometen
do,de averem a Infante , & feu eſpoſo Duarte por Reys deite Reyno, fal
lecendo elRey Dom Fernando fem filho Varaó. E naquelles meſmos di
as ſe publicou naCorte hua Bulla do Papa Vrbano , em que privava de to
da a honra Eccleſiaſtica a Roberto ,que ſe chamava l'apa Clemente VII. &
aſſim meſmo todos os Cardeaes, & peſſoas leygas ,quelhe davao ajuda, &
favor ,& que nam podeſſem ſer abſoltos ,ſenam pelo meſmo Papa,ſalvo em
astigo de morte .
Notempo que os Ingleſes chegáraó a Lisboa,o Infante Dom Joam, &
os Meſtres de Santiago, & Calatrava , tinhao poſto cerco à Cidade de El
yas ,em que eſtava por fronteiro o Conde Dom Alvaro Pires de Caſtro. O
qual como ſoube a nova,inandou dizer ao Infante Dom Joam feu ſobri
nho, que o tinha cercado, que ſe tiveſſe neceſſidade de algúa mercadoria
de Inglaterra, quemandaſle aLisboa, onde eſtavam hūas poucas de naos
Ingleſas, que entam chegàram ,que ahi as acharia. Eſte recado ainda q foy
mandadodizer ao Conde à puridade,todavia, fecomeçou logo pelo ar
rayal a ſoar. E perguntando alguns cavalleiros a Pero Fernandez de Ve.
laſco , que novas eraõ aquellas,dille, que erað novas,que elRey D.Fernádo
li 4 avia
CHRONICA
avia mais de onze mezes, que era prenhe de Ingleſes, & que os parira a
gora em Lisboa,& os tinha conſigo. Então levantàrão o cerco, em que
eſtavão avia 25. dias por el-Rey os mandar chamar, & os querer ter
onde eſtava
Os Portugueſes que forão alegres com a vinda dos Ingleſes, por os
virem ajudar a vingar dos Caſtelhanos, começarão a entender os males,
que trazem as ajudas da gente da guerra, que ſe pede a eſtranhos. Porque
muyto mayor he o dano,que elles fazem do quefarião os inimigos. Por
que buſcandoſe por defenſores, ha miſter contra elles outra defenſaó. E
chania affim
Ingreſes os Ingleſes,tanto que forão apoſentados em Lisboa, não como ho
dos a mens, que vinhão defender a terra,mascomo homens, que erão chama
Portu . dos para offender, & deſtroir, & buſcar toda a deshonra aos moradores
gıl para della, começàrão a ſe eſtender pela Cidade,matando,& roubando, & for
odeftru
ajudar,
.
çandomulheres, & moſtrando tanto deſpreſo, & dominio contra os na .
jão tudo turaes, como ſe forão ſeuscapitaes inimigos. E o mayor mal de todos era
comoiz não terem ,aquem ſe queixar. Porque a elRey não o ouſavão fazer , por
nimigos. quanto tinha poſtas grandes penas, queninguem os anojalle. E quando
alguém fe lhe queixava ,dizia elleque foſſe ao Conde, o qual a iflo dava
mão remedio, & com iſto lhe parecia,queſatisfazia aos queixolos. Che
gou a couſa a tanto ,que o Conde mandou, que tiveſſem os homens das
quintas , & caſaes o pendão de ſua deviſa, que era hum Falcão branco
em campo vermelho, & o que o não tinha,era roubado. E o meſmo fa
Roubos zião aos lavradores,& peſſoas, que trazião beſtas com mantimentos, os
& mal
quaes ſe não moſtravão os pendoens,que lhes os Ingleſes vendião por cer
dades a
ta couſa, erão roubados. E não ſómente ſe attrevião com a gente do
os Ingre povo,mas
ſes fa com o meſmo Rey. Porque vindo hum dia ſuas azemelas de
zião. buſcar a agoa, lançàrão mão dellas, & as tomàrão dizendo, que el- Rey
lhes devia ſoldo,& que o querião penhorar,& feo Conde as não manda
ra córnar,lbe ficàrião. E chegando certos daquelles Ingleſes a caza de
hum João Vicente, jazendo elle ja na cama com ſua mulher, & hum feu
filho pequeno, que ainda era de mama,baterão â porta , que lhe abrille,
& não ouſando elle de o fazer, lha quebràrão,& entràrão dentro, & come.
çásão de ferir ao marido. A mulher com temor delles poz o menino an
Cruelda te ſi, por a não ferirem , & nos braços della o cortou hum pelo meyo com
viſta a eſpada, que velo foi hum cruel eſpectaculo. A máy levou aquelle me
de nun,
ca
de Ingre nino aſſim partido a el Rey. Mas elle não ouſou fazer naquelle cazo juu
ſes cha- ſtiça, & mandou queo levaſſe m ao Conde. Deſta maneira mandava el
mados Rey ao Conde muytas vezes fazer queixume, rogandolhe que não con
como
migos
a ſentiſſe aos ſeus deſtroir a terra, ao que elle acodia froxamente. Afim
lijað pelo termo de Lisboa,roubar,& matavao quem lhe reſiſtia. E eram
tam daninhos, que ſe a hum vinha vontade de comer huma lingoa de 1
huma vacca,matavão a vacca, & tirada a lingoà, deitavam o mais alonge,
& alin
1
DELREY DOM FERNANDO. 189
& aflim fazião ao vinho,& outrascouſas. Por a qual razão, aflim como
lhes hiáo dando cavallos,osmandava el-Rey a Riba de Guadiana ás fron
ceiras. Mas elles em vez de entrarem per Caſtella para o que forão cha
mados , volvião contra Portugal ſobre Riba Tejo a roubar quanto acha
vão.E aſſimfizerão muito dano em Villaviçoſa,onde matàrão alguns ho
mens,& delles forão alguns mortos, & combaterão Borba,Monſaraz,& A
viz,& elcalàrão o Redondo, & o meſmo tentàrão de fazer a Evora -Mon
te, le poderão.
Nos lugares perque paſſavão,fazião tanto dano nos paens, vinhas,&
gados,& aſſim atormentavão homens, para lhes deſcobrirem ,onde tinhão
os mantimentos, como ſe elles forão os Caſtelhanos, para cuja vingança
forão vindos a Portugal. Os inſultos, que fazião,erãotam grandes, que as
gentes ſe começarão avingar delles o mais fecretamente que podião. De
maneira que matàrão delles tantos, que de tres parces as duas forão mor
tos por ſuas culpas. Iſto ſe contou tam meúdamente, para ſe entender
quanto devem fugiros Principes,& Respublicas,de trazer a ſeus Reynos,
& cazas ajudas de eſtrangeiros,poisa guerra ; que cuidavão fazer aos ini
migos,fazem primeiro aos ſeus. Porque como a gente, que ſe poem a ſol
do para a guerra, he pela mayor parte mal acoſtumada, & de pouca conf
ciencia , pois ſe alugão para matar homens, & ſao homens neceſſitados,
que não tem officios,nem remedio de vida,ou ſe otem ,ſeguemn aquella vi Razão
da por mais ocioſa,ou vicioſa,não podemonde eſtão deixar de fazer ſeme porą os
lhantes inſultos, & violencias,mayormëte feos Capicaens com feveridade foldados
& boa diſciplina os não enfreão.Achegaſe a iſto eitarem juntos em hum ſab atre
corpo, que nem podem ſer caſtigados ,& tem attrevimento huns com ou- vidos,&
tros para tudo , & ſerem pela mayorparte homens de baxamaneira, & da crucis
féz do povo, cuja natureza propria he exercitarem crueldade. A qual
com menosdano,& perigo ſeu executáo nos amigos que os recolhem,que
nos inimigos quelhes reliítem .
Em quanto ſe aviavão cavallos para os Ingleſes,ſe deteve el-Rey em
Lisboa, & em Santarem, até o verão ſeguinte. E naquelle tempo falle
ceo Dom João Afonſo Tello ,Condede Ourem tio da Rainha,cujo Con
dado fez ameſmaRainha dar a Joio Fernandez Andeiro, & ſe chamou loão
dahi em diante Conde de Ourem . Eſte homem (como eſtà dito atraz) Fernan
era Gallego, & cazou em Galliza com huma Dona muy honrada, & de dez An
deiro fes
mejhor ſangue que elle, que fora mulher de hum Fernão Bezerra fidalgo el Rey
principal,deque João Fernandez ouve hum filho, & quatro filhas.O fi- Códe de
lho ſechamou Roi de Andeiro, que foi page mòr delRey Dom Joam de Ourem .
Caſtella. Das filhas a que ſe chamou Dona Sancha , cażou com Alvaro
Mulher
Gonçalves,filho de Gonçalo Vaſquez de Azevedo, como ja diſſemos. doCo de
Com a outra ,que foi Dona Tareja , cazou Dom Pedro da Guerra contra Andeiro
Dona quéera.
vontade de ſeu pay o Infante Dom João . Outra , que ſe chamou Iſabel
0; "CHRONICA
Izabel cazou per meyo delRey Dom João de Caſtella com FernandAl
varez Oſorio filho de Alvaro Perez Oſorio. A que ſe chamava Dona
Inez,morreo em Galliza ſendo ſolteira. Eſta mulher do Conde João
Fernandez,cujo nome eraDonaMayor, foy de muy bom parecer , &
mulher muy baſtante. E depois, que a Rainha veyo ſaber a mà fama,
que avia della com o Conde João Fernandez, fez com elle, que man
daffe trazer a mulher para eſte Reyno, cuidando, que por ahi ſe apaga.
ria, o que della dizião.E fazendoo elle aſſim ,a tinha pela mayor parte na
fua villa de Ourem, depois que foi Conde. E quando vinha à Corte a 1
Painha lhe fazia muitos gaſalhados,& muitas merces de peças,& joyas de
ouro,prata, & dinheiro. A Gallega,queera muy aviſada,moſtravale à Rai !
nha muy agradecida dasmerces, lhe fazia, & louvavaa muito em publico.
Mas em auſencia dizia della,o que húa mulher magoada foe dizer da ou
tra , que lhe tema ſeu marido .. .
os Caſtelhanos foſſem tantos, fez grande terreiro entre elles. Mas elle
foi tam ſervido de lanças, pedras, & ſettas,queera milagre poder foſter
ſe. E aceitou, quenenhuma dellas lhe deu em lugar, que o feriſſe,porque
vinha
tip
CHRONICA
vinha bem armado. Mas dos golpes andava tam piſado, que lhe parecia
a'elle, que andava muy ferido . E o cavallo ferido de muytas lançada,
cahioem terra com elle. Em caindo, começou o cavallo a bulir rijamen.
te com os pès, & coin as mãos, & perneando,acertou o cavallo com hiç
ferradura de huma mão pegar de huma fivella das armas de Nuno Alva
rez, de maneira, que elle ſenão pude deſenvolver, nem tirar do cavallº ),
& alli cuidou de fer logo morto. Os ſeus, que ao lurige eſtavāavendo o
grande perigo, em que eſtava, conſtrangidos de dò, & vergonha, cor-
serão rijamente, & acodirāolhe o mais preſtes, que podia fer. E o que
primeiro a elle chegou , foyhum Clerigo, em cuja caſa ellc pouſava,
que hia em ſua companhia, & cortoulhe à preſſa o tecido,perque eſta P
va prezo, Nuno Alvarez como ſe vio folto, ſe levantou rijo, & tomou
huma lança de muytas,que ao redor delle eſtavão, & com esforço,& aju
da dos que ja com elle eſtavão , começou de ſeguir os Caſtelhanos.
Niſto chegàrão à preſſa Diogo Alvarez, & Fernão Pereira ſeus irmãos,
que do cazo ſouberão, & lhe forão bons companheiros, & todos ſegui
rão os iniinigos de maneira, que prenderão, & matárão muiros. Emôn
não podendo os Caſtelhanos mais ſofrer, ſe retiràrão aos bateis, & à
entrada com a preſſa morrerão alguns. Nuno Alvarez ſe tornou com
os feus pera a Cidade fem morrer nenhum deſua parte,poſto que alguns
forão mal feridos, & nove cavallos mortos. E quando o Prior o vio vir
com os priſioneiros queconſigo trazia, ouve gram prazer com elle, &
com os outros.
Per eſte tempo ſuccedeo huma couza,per que o Meſtre de Aviz foi
preſo, & ouvera de ſer morto,que foi deſta maneira. Eſtando elRey af
ſim ein Evora chegårão hum dia pela feſta á camara da Rainha o Conde
Dom Gonçalo ſeu irmão,& o Conde João Fernandez Andeiro com el
le , & por então fazer grande calma,hião elles fuados. E quando a Rainha
affin os vio, perguntoulhe ſe tinhão lenços, para ſe alimpar, & dizendo
elles que não, tomou a Rainha hum vèo , & o partio pelo meyo, & deu a
cada hum ſua parte, para ſe alimparem. O Conde João Fernandez , que
era homem folto, & favorecido, com aquelle vèo na mão ſe poz de gio
lhos ante a Rainha, & diſſe em vòs muibayxa: Senhora mais chegado, &
mais uſado queria eu de vôs o pano que me ouveſſeis de dar que eſte, que
me deftes. Eſtas palavras poſto que forão ditas muito manfo, ouvio Ines
Afonfo mulher de Gonçalo Vaſquez de Azevedo. E porque lhe paret :
ião muy inal,as contou a ſeu marido. Dahi a alguns dias, eſtando a Rai
nha fallando diverſas couzas,veyo louvar muyto o eſtylo dos Ingleſes, &
dos que com elles converſavão Gonçalo Vaſquez de Azevedo, que era
preſente,lhe reſpondeo ,que quanto a elle ſeus coſtumes nãolhe parecido
tambem , como a ella. E perguntando a Rainha quaes coſtumes dels
lhe parecião mal. GonçaloVaſquez reſpondeo, que não era bom colic
me ,n07
DELREY 'DOM FERNANDO . 191
me nem delouvar,o que muytos delles vſað ,que ſe hua Dona,ou Dózella
lhe dà algum véo,ou joya, elles ſe chegão aellasa orelha, & dizem -lhe,
que mais chegada, & mais uſada querião elles as joyas dellas que aquellas,
lhes dão. A Rainha fez que não attentava pelo que Gonçalo Vaſquez
lhe dizia. Mas chamandoo depois à parte, lhe diffe, que bem ſabia que
ſua mulher lhe contara aquillo, que lhe elle antes diſlera.Mas que lhe pro
metia,que ambos lho pagaſſem muy bem . Gonçalo Vaſquez ſe eſcuſou,
dizendo quede tal nao ſabia parte: o que a Rainha lhe não aceitou.Eſte
Gonçalo Vaſquez era primo ſegundo da Rainha, porque era filho do Pri
or de Santa Cruz de Coimbra,& Tareja Vaſquez de Azevedo Freyra do
Molteyro de Lorvao , filha de Vaſco Gomez de Azevedo Alferez del
Rey Dom Afonſo IV. a qual era prima com irmãa de Dona Aldonça de
Vaſconcellos molher de Martim Afonſo Tello ,may da dita Rainha Dona
Lianor Tellez,
Cuidando depoisa Rainha naquillo que Gonçalo Vaſquez lhe diſſera,
entendeo que por elle avia de ſerinfamada & deſcuberta , & que ſendo
ſabidos ſeus feitos, não ſómenté cahia em grande deshonra, masgrande
riſco de ſua vida ella,& o cavalleiro com quem a infamavão. E conſide
rando, que no Reyno não avia da linhagem delRey, quem aquillo vingaſſe
fenãoo Meſtre de Aviz,& que ſendo ellemorto, & cõ elle Gonçalo Val Cartas
OU
quez de Azevedo,ella ſeria de todo livre , & fegura, por quanto todos os falſas ça
outros grandes do Reyno erao ſeus parentes,ou poſtos em honra por ella, Rainha
lie
tratou de os fazer culpar em algúa couſa, per que elRey tiveſſe occaſiam fabricou
de os mandarmatar ambos.E para a Rainha effe& uar oque pertendia, di- em no
zem ,que fez fabricar cartas fallas em nome do Meſtre de Aviz, & de Gon- me do
çalo Vaſquez para elRey de Caſtella ,em que tratavão couſas dedeſerviço de Aviz
delRey,& de todo o Reyno. E fingirão os que ella para iſſo ſubornou, contra
lo que eſtas cartas forão mandadas ,& tomadas no eſtremo do Reyno , & que elRcy.
forão trazidas a elRey . Do que elRey ficou eſpantado , por nunca ter de
ſeu irmão má ſuſpeita, nem ſabia a cauſa, que o moveſſe . Viſtas as cartas
por elRey com a Rainha, & com o Conde João Fernandez, acordårao to
of dos, que foſſem prezos o Meſtre, & Gonçalo Vaſquez de Azevedo, & gra
vemente punidos,& que a prizao foffe logo.
Ao outro dia eſtando o eſtre,& Gonçalo Vaſquez com elRey,veyo â
porta do Paço Gonçalo Vaſquez Coutinho com duzentos homens de ar
mas que aparecião de hum eyràdo, onde elRey eſtava com o Meſtre , &
Gonçalo Vaſquez, lem o Meſtre cuydar, no para que aquella gente ſe ajū
taria. E comoelRey vio a gente de armas , mandou deſpejar todos, fin
cando o Meſtre, & Gonçalo Vaſquez. E recolhendoſe elRey , para hua
camara, chegou a elles Vaſco Martinz de Mello,& lhes diſſe ,que de huma
nova que lhes trazia ,lhe pezava muyto, que era mandalos elRey prender.
E perguntando elles porque?Não lho ſoube Vaſco Martinz dizer. E logo
Kk os fez
CHRONICA
os fez cavalgar em duas mulas, & com cada hum delles hum eſcudeiro de
Vaſco Martins,g ſe lhe poſerað nas ancas,os levou ao Caſtello. Indo pelo
caminho ſe chegou a Gonçalo Vaſquez de Azevedo Gonçalo Vaſquez
Coutinho Capitao daquella guarda,queera ſeu genro , & muyto manço,
que o eſcudeiro das ancas o nað ouviſſe, lhe perguntou ſe fabia, porq hia
prezo? E dizendolhe elle,que nao,o Coutinho lhe diſſe, que lhe parecia
bom conſelho nað ſe deixar prender que temia, que aquella prizaõ vieile
a muyco mal, que elle o poria em ſalvo ,& que depois elRey Tho perdoa
ria. E ſe lhe não perdoaſſe, que nao eſtimaria perder,quanto tinha , pelo
ſalvar de perigo. O ſogro nao conſentio,pelo riſco que corriao ambos, &
aftin chegaráo ao Caſtello.E eſtando jà dentro, em quanto a gente anda
va de búa parte para a outra, chegouſe ao Meſtre Afonſo Furtado, que
era Anadel mayor do Reyno , & perguntandolhe,fe fabia,porqueera
prezo? dizendolheo Meſtre, que o nao ſabia, diſſe Afonſo Furtado, que
os grandes como elle &os bons, quando erao prezos,nað era por pouco.E
que nað era bem que elle aguardaſſe pelo fim daquelle negocio, que elle
era feitura delRey D.Pedro ſeu pay, & delle recebera tudo, o q tinha, &
que eſtava obrigado a morrer por ſuas couſas,& muitomais por elle, que
era ſeu filho.E ñ por tanto,em quanto aquella porta eſtava aberta,ſe avi
aó de fahir ambos, & que como foſſem fora,ſe atrevia a polo em ſalvo, ain
da 7 perdeſſe, quanto tinha.O Meſtre lho agradeceo, & diffe, que lhe pare
cia bem ,tomandoſe pelas mãos, & fallando com diffimulação chegárað á
porta, quando o porteiro acabava de a fechar, & aſli ſe tornàraõ a voltar.
Parcida a gente toda ao Meſtre,& a Gonçalo Vaſquez forao deitadas nos
pès groffas adobas,& cadeas, & forao poſtos em caſa,deq nao podeílem
Repor fugir. E pelo temor que tiverao de ſermortos, mandaram pedir ao Con
ta do de deCainbrix , que eſtava em Villa Viçoſa, q os mandaſſe pedir a elRey,
Códe de & ſe lhos dar nao quizeſſe,aomenos ſoubeſſe a cauſa de ſua prizão, pois
Cábrix elles a nao ſabiao.o Condede Cambrix ruftica, & ſeccamente lhes reípo
ao Mel- deo,que ſe elles algúa couſa cometterao contra ſerviço delRey, era mi
trio pc bem que o pagaffem , & que ſobre ſua prizao nao entendia fazer couſa al
lhe fa- gua . E logo como o Meſtre foi prezo,lhe mandou elRey prender Lourée
uor. ço Martinz ſeu vèdor,que eſtava em Veiros,& tomarlhe quanto tinha, en
tendendo, que o qo Meſtre fizera,fora por ſeu conſelho
Alvarà
falſifica Tanto que o Meſtre , & Gonçalo Vaſquez forao prezos, ſe ſoube por
do todo o Reyno,& todos publicamente dizião,que por cauſa, & invençaõ da
Rainha Rainha fora ſua prizao, & ninguem podia ſuſpeitar delles culpa.E na met
fabricou ma noite,em que forao prezos ſe fez hum Alvarà fallo, que parecia affina
para de -do por mão delRey,no qual mandava a Vaſco Martinz de Mello, que os
golaro. tinha prezos,que tanto queaquelle viſſe,ſem outra mais detéça, os fize
ſe logo degollar.Alem do Alvará lhe deu hũ recado o meſſageiro có mwi
ta efficacia.Vaſco Martinz ſe eſpantou muito do alvarâ, & como era avi
fauo, &
DELREY DOM FERNANDO . 192
fado, & entendia,queaquella priſað viera pela Rainha, & fabendoo que
n uytos alvaràs fe parlavão em nome del Rey per aquella maneira ,diſſe ao
nenſageiro que elle compriria,o que lhe eramādado.E não tardou muito
que outro menſageiro em nome delRey veyo ſaber,ſe a execução era fei. Alvarà
ta.Edizendo VaicoMartinzque não,veyooutro comoutro alvará muito fegundo
fallo pa
mais apreſſado,em quemandava,quelogo lhes cortaſſe as cabeças, como ra o mer
The tinha mandado,eſtranhandolhemuyto a dilação que tivera. E porque mo..
o menſageiro ſe apreſſava muyto,& a VaſcoMartinz parecia a couza muy
duvidofa, lhe reſpondeo, que era ja alta noite,horas em que ſe não coſtua
mava fazer juſtiça, & que ſegundo elRey ſe apreſſava, devia de moverſe
com grande ira,de que podia fer que depois ſe arrependiria,como muitas Valco
vezes acontecera.E que por tanto determinava de os não matar até ou- Martins
tro dia pela manháa , & ſe ver primeiro com elRey.E que os prezos eſta- deMello
vão a bom recado,& não avião de fugir,& que muito mais compria, aflim porque
não com
tratandoſe de matar hum filho de hum Rey irmão de outro,& com elle hú prio o
fidalgo tão principal,& tão aceito a elRey. E que iſto entendia ſer mais manda
ſerviço de S.A. porque ſe foſſe erromatar aquelles preſos,era perda irrepa métodel
ravel.O menſageiro ſe foi com eſte recado,& não cornou. Ao outro dia matou
Rey néa
pela manháa muy cedo levantouſe Vaſco Marcinz, & foiſe a elRey, & mo os preſos
ſtroulhe os alvaràs, & contoulhe o que paflara, de que elRey ficou ef
pantado ,dizendo que de tal não ſabia parte,& quelhe agradecia muyto
3 o que fizera. E mandoulhe,queſe calaffe, & o não diffeſſe aninguem, per
o que ſe entendeo, que a Rainha o fabricara. Diſto ſe collige a fraqueza
delRey,& o atrevimento da Rainha. E alim ſe verificou o que diz hum
Poëta, que as mulheres tem grande animo nos feitos que fazem com tor
peza,como era aquelle parricidio em hum irmão delRey feu marido, & fi
Iho de outro Rey , & fem cauza. Rey D.
O Meſtre , & Gonçalo Vaſquez ſem ſaberem o officio,que ſe lhes man dFerna
cſ
o pá
n
dava fazer,eſtaváo muy temeroſos,de lhe tirarem as vidas.E quando veyo tado do
amanhãa alſim como batiáo á porta, ficavão fobreſaltados, cuidando ,que aRai
os vinhão buſcar ,para lhes dar morte.E a mayor confuſao do Meſtre era, nha fize
não faber de ſi cauſa,perque o elRey aſlım mádalſe prender.Gonçalo Val- ra por
quez dizia,que bem ſabia,porque oprenderão a elle,aindaque lhe deffem morre
Meſtre
ro
outro nome.E que amaior pena queſentiria morrendo mais que a propria ſeu ir.
morte ,era não ſe lhe dizer á cauſa della.Naquelle dia forão vilicados de to mão .
dos os Senhores da Corte,tirando o Conde João Fernandez de Andeiro,
foi outro grande indicio de ſerem prezos por ſua cauſa.
Neſte tempo partio ElRey de Évora para a villa do Vimieiro, ficando
a Rainha na Cidade.O que fez aoMeſtre, & a Gonçalo Vaſquezmais te
mor de morrerem.E quádo a Rainha vio,qſe não deu à execução,o q ella
dezejava,ne per outra via achava maneira de ſe vingar de Gonçalo Val
quez ,como era aftuta, quiz dar a entéderao mūdo,qellanão fora cauſadora
Kk 2 de
CHRONICA
Aſtucia de fua prizaő,& fez com o Condede Cambrix, que os pediſſe a elRey,
da Rai como que fizera ella niſſo , & o nao pudera acabar. E avendo jà vinte di he
nha para as que o Meſtre, & Gonçalo Vaſquez erao prezos, chamou a Rainha a
a não te- Vaſco Martinz de Mello, & lhe mandou que lhes tiraſle os ferros.
rem por Como os ferros forao tirados ao Meſtre, nað deixou de ficar em conſu.
culpada
fao,pois o naõ ſoltavao,& lhe diziaõ ſeus amigos, que a hum homem co
na priſaó
do Mel. moelle,nað o prendiaó por pouco:o que elle tambem tinha para fi.Eco
5
tre . mo foraó ſoltos,deulhes Vaſco Martinz lugar,que andaſſem pelo quintal L
Gonçalo ouvir Miſſa com ella . Elles foraó muy lèdos , & mandārao beijar as mãos
Váz de à Rainha por aquella merce,
Azeve.
do.
Ao outro dia veyo a Rainha ouvir Miffa à Sé, & eſtando ahi chegou
Vaſco Martinz de Mello com o Meſtre, & Gonçalo Vaſquez ,onde a Rai
nba eſtava, & ambos lhe beijàraő a mão,& fallàrað aos Senhores que ahi eu
eſtavao , & ao Conde Joao Fernandez com elles. Depois que fairao da
Millis, tomou o Conde â Rainha de braço, & o Meſtre à Infante D.Beatriz
& alliin vierað atè a porta da Sê , onde a Rainha entrou nas andas, em
fora por ſer prenhè, & o Conde hia junto com as andas fallando á Rais
nha, & o Meſtre levou a Infante de redea. Quando chegírač á porta do
O Mef- Paço,quizeraõſe oMeſtre, & Gonçalo Vaſquez deſpedirda Rainha, para
trc,& fe irem a ſuas pouſadas, & ella lhes diffe ,que ſe nam foffein ,mas que viele
Gonç
lo Vàz
a- ſein comer com ella. O Meſtre foi muy temeroſo do convite, cuydando +
Couti
que o queriað matar com peçonha, & bem o deixara, fe fe pudera eſcului
nho có: Vindo a hora de comer,as meſas ſe poſerað na camara da Rainha, & ella
vidados ſe aſſentou à ſua meſa,& o Meſtre na cabeceira da outra meſa,& apoz clle
da Rai- 0 Conde Joao Fernandez,& no cabo GonçaloVaſquez. Acabado de co
nha pa- mer fallou a Rainha em joyasq tinha,& no preço q cuſtarað. É o Colele
raremcome-
com
levantou da meſa ,ficando os outros ainda affentados, & foiſle para acami
ella . Tha da Rainha,em que ella eſtava aſſentada â meſa, & alli tirou ella huin
annel,que tinha no dedo de hum rubij, que dizia que era de grande pre
ço ,& eſtendendo a mão com elle diſſe ao Conde:Joanne tomaeſteOanire
Có
1
DELREY DOM FERNANDO. 193
O Conde reſpondeo nao tomarei.E perguntandolhe a Rainha;potque?
lhediſſe elle,porque hey medo que digão de ambos.Toma o que te dou,
diffe a Rainha, &diga cada hüm o que quizer.Elle o tomou entao, & 6
metteo no dedo. Iſto parece que fez a Rainha como ſabida que era, para
dar a entender que a affeiçao,que ao Conde tinha,vinha de amizade, &
namn de amor, pois em publico o trataya daquella maneira. Mas ao Meſtre )
s'
hat
mover,& lhe pedir em arrefens muycos caſtellos, & o Infante Dom Fér. 1
Gente ģ nando ſeu filho , & feis filhas de homens nobres de Caſtella, quaes apon
el Rey tafle, o deixou,& fe veyo a C,amora . Mas o Conde vendo como os ſeus
deCat- o deixaváo, & ſe bião para el-Rey,ſe foipara elle,tratando primeiro fuas
Stella ſeguranças. E de Zamora partio elRey Dom João para Badajos levando
trouxe
Portil
a conſigotodas ſuas gentes,que erão cinco mil homens de armas, & mil, &
os
gal em quinhent ginettes,
& muita gente de pé, & bèſteiros. E chegou à Ci
ſua aju dade,huma quinta feira o derradeiro dia de Julio ,daquelle anno de 138 2.
da. Ao dia ſeguinte que elRey de Caſtella chegou a Badajoz, começa
rão os ſeus de armar huma tenda na ribeira de Caya, que he o limite de
hum Reyno, & outro . E a elRey Dom Fernando derão novas, que os
Caſtelhanos armàvão ſuas tendas, & ordenavão fuas azes, para pelejar,
não ſendo aſſiin . E el hey, & o Conde de Cambrix fe partirão logo com
ſuasgentes, & forāoſeáquelle lugar de Caya. E quando os Caſtelhanos
os virão ir, deſarmàrão ſua tenda, & foršoſe para Badajoz. El-Rey de
Portugal tinha ſeismil lanças ſuas, & dosIngleſes, & muytos bèſteiros,
& homens de pè. Demaneira ,que cada hum dos Reys tinha muyta gen
Gête delte para pelejar.E ordenàrão ſua batalha eſtando na vanguarda o Con
Rey de de deCambriz, & el-Rey Dom Fernando na retaguarda com ſuas alas
Portu poftascomo compria. E eſtando em ordem eſperando a batalha, come
gal,& do çou elRey de fazer cavalleiros aſlim Ingleſes como Portugueſes.E de ſua
Conde
de Cam mão foi armado cavaleiro Ocanon filho del-Rey de Inglaterra, & outros
brix. Capitaens Ingleſes, & dos Portugueſes o Conde de Neiva Dom Gonçalo,
Fernam Gonçalvez de Souſa, Fernão Gonçalvez de Meira, Gonçalo l'iz .
nando Papa Clemente Septimo a pedir, que lhe deffe a obediencia, & tivelle
tornoua por ſua parte, como fazia antes,que vieſſem os Ingleſes. El-Rey que fa
dar obe- cilmente ſe mudava por ſua natural condição, mandou chamar a Lisboa
diencia algunsletrados, &entre elles o Doctor João das Regras, diſcipulo de
ao Papa Bartolo , que pouco avia viera deBolonha.Edepois que ouve ſeu corſe
Clcméte
Ino, tornou à obediencia de Clemente, reclamando porem alguns letra
dos, & mais que todos Joam dasRegras. O qual diſſe a elRey, que per
TAZOSOS
i
DEL-REY DOM FERNANDO: 197
razoens efficazes de dereito moſtraria, que nao era Clemente verdadeiro
Papa . Partido o Cardeal de Luna,mandou elRey em duas galès João Gó .
li
çalvez ſeu privado, & Dom Martinho Biſpo deLisboa dar obediencia ao
Papa Clemente, que eſtava em Avinhão.Neſte meſmo tempo mandou cl
Rey a Sevilha Lancarote Peſſano buſcar as galès, & gente,que lhe foi to
mada na batalha de Saltes ,
ElRey de Caſtella tanto que ſe as pazes fizerão, ſe partio de Badajoz
para o Reyno de Toledo. E eſtando docnte en Madrid, lhe vierão novas Morte
da Rai
que a Rainha Dona Lianor ſua mulher,queeſtava na villa de Cuellar, era nha D.
fallecida de parto de húa filha , que logo a posa máy morreo: por cuja
morte elRey foy muy anojado, por ſerPrinceſa muy virtuoſa , & bem de caca
coſtumada, & ter já della dous filhos. E como elRey D.Fernando era in- tella
conſtante,& ſe podia bern verificar nelle o proverbio de cazar a filha có
muytos genros,vendo a elRey de Caſtella viuvo, determinou de desfazer
o cazamento da Infante Dona Beatriz ſua filha com o Infante Dom Fer
nando,que ouvera de fer pelas capitulacoens de Elvas, & cazala quinta
vez com elRey ſeu pay, fe elle diſſo fofle contente . E para iſſo mandou
por Embayxador a elley o Conde de Ourem Dom Joam Fernandez de
Andeiro. O qual foi com grande caſa, & apparato , & cein homens de
mula conſigo, em que hiam fiJalgos muy honrados, aſli.n cavalleiros.co
mo eſcudeiros, & cntre elles Martim Gonçalvez de Taide , & Gonçalo
Rodriguez de Souſa, Pero Rodriguez da Fonſeca, Alvaro Gonçalvez de
Azevedo fidalgos muy principais, & outros: dos quaes os mais honrados
o ſervia o de officios de ſua caſa, & iela: tanto pode o intereſſe nos peya
tos humanos, & a valia de hum privado . De maneira que os Caſtelhanos
dizião,que aquelle homem parecia mais Rey, que Embaxador ElRey foy
muy lèdo com a embaixada,vendoſe mancebo, & viuvo, & com eſperan
çasde aver dous Reynos em dote dentro emHeſpanha,& em ſua veſinhá
ça ,com que ficaria tanto mais poderoſo. E logo mandou a Portugal pa
ra cõtratar ſeu cazainento, o Arcebiſpo de Santiago feu Chanceller môr.
E porque o cazamento da Infante Dona Beatriz com ſeu filho o Infante
Dom Fernando ſe avia de deſatar, fez curador do dito Infante ao Arce
biſpo,para ſoltar quaeſquer preitos,& homenagens, a que elRey,& os grá
des do Reyno eſtavam obrigados , por razaın do cazamento dos dicosIn ANNO
fantes. E eſtando elRey Dom Fernando em Salvaterra , lugar junto com
o Tejo ,no mez de Março do anno de 1383 ſabendo que vinha a elle o 1383
Arcebiſpode Santiago, o mandou receber à entrada do Reyno por Dom
Martinho Biſpo de Lisboa.
Depois que o Arcebiſpo de Santiago tratou com elRey as condiçoens Condi
do cazamento,forão notificadas a todos os grandes peranteelRey ,& foršo çoés do
eitas: Que o Arcebiſpo recebeſſe a Infante em nome del Rey de Caſtel- to.
cazané,
la ſeu Senhor, quando ouveſſe de partir,para logo a levarein a ſeu marido.
LI E que
}
CHRONICA
E que elRey vieffe para a receber por mulher ao eſtremo entre Elvas, &
Badajoz ,antes que lhe foſſe entregue , moſtrando diſpenſação doSanto
Padre pelo parenteſco que entre elles avia. E que poſto que ella nað ti
nha osdozeannos acabados,& lhe faltavão alguns dias, que foſſe julgada
.
por quem poder ouveſſe, que ella era pertencente para conſumar matri
monio. E que dallì a levafle elRey ſeu marido, para Badajoz, onde faria
ſuas vodas por palavras de preſente. E quanto ao dote, que elRey Dom
Fernando delle a elRey de Caſtella em dinheiro outro tanto, quanto fora
dado cm dote a elRey Dom Afonſo XJ. de Caſtella avô delle Rey Don
João contrahente,com a Rainha D.Maria tia delRey D. Fernando,pago
tudo en tres annos. E que elRey de Caſtella deſſe a ellatodas as villas,&
lugares, que a Rainha D.Joanna ſua máy tinha ao tempo de ſua morte, có .
quer peſſoas avião de ſer deſpachados perante a Rainha Dona Lianor, &
os de ſeu conſelho. E que elRey de Caſtella nam poderia fazer moeda
em Portugal,ſalvo quando o ella ordenaſſe com ſeu conſelho, & não ou
tros,& que a moeda foſſe cunhada do cunho, & inſignias de Portugal, &
não de outra maneira Item , que nenhuns Portugueles avião de ſer chama .
dos per elRey de Caſtella a ſúas Cortes. E ſe foſſe neceſſario,de fe fazerem
Cortes, fe fizeſſem em Portugal, ſob a governança da Rainha D. Lianor,
& dos de feu Conſelho. Eitas capitulacoens,& outras muytas, ſe aſſentá
ram naquelle cazaměto,de que puz Ll
eſta2 ao largo, aſi por tocarem ao eſtà
do do
CHRONICA
do do Reyno,& ſer couſa quepode ſervir aospôſteros para exemplo,qu:e
he o fruto principal da hiſtoria, comoporqae per eſtes contratos,& jura
mentos,que ſobre ellesſefizerão, ſe juſtificaa reſiſtencia, que os Portu•
gueſes fizeraõ a elRey de Caſtella,poros não goardar.
Sendo eſtas capitulacoens publicadas na camara delRey perante Dom
Martinho Biſpo deLisboa , Dom João Biſpo de Coimbra,Dom Afonſo
Biſpo da Guarda, Fernão Perez Calvilho Deão da Taraçona,& Gonça
lo Roiz Arcediago de Toro, & Dom João Fernandez de Andeiro Con
Contra
de de Ourem , & Gonçalo Vaſquez de Azevedo , & outros fidalgos afim
tos do Portugueſes,como Caſtelhanos, jurou o Arcebiſpo de Santiago na alma S
Luna
aó Roiz Portocarreiro, Gonçalo Gomez de Figuciredo, Alvaro Gonçal
yez Vèdor da fazenda delRey,& outros muytos,o dito Arcebiſpo de Sá
tiago em nome de feu Rey,para confirmaçao do juramento, que fizera, &
effeito do cazamento, diſſe à Infante, quepreſente eſtava , eſtas palavras.
Eu Dom Joao Arcebiſpo de Santiago, Procurador que fou do muyto
alto Principe Don Joao Rey de Caſtella, & de Ljáo, em ſeu nome , &
pelo poder eſpecial que delle para iſto tenho, recebo por eſpoſa, & mu
.ا. lher legitima do dito Rey Dom João, a vós Senhora Infante Dona Bea
ti : triz de Portugal, filha legitima & herdeira do muito alto Principe D. Fer
nando Rey de Portugal, & do Algarve,& da mui nòbre Senhora D. Lia
nor Rainha dos ditos Reynos, ſegundo manda aS.Igreja de Roina . Entao
a Infante,pedindo primeiro a ſeu pay licença,diffe eſtas palavras : Eu D.
Beatriz Infante de Portugal, filha legitima & herdeira do muy alto Prin
cipe D.Fernádo Rey de Portugal, & do Algarve,& da muynobre Senhora Recebia
D.Lianor Rainha dos ditos Reynos,de conſentimento dos ditos Rey, & méto da
Rainha meu pay,&máy,que preſentes eſtao,recebo por eſpoſo,& marido Raynha
legitimo ,o dito D.João Rey de Caſtella,em peſſoa de vósD.Joao Arce- D. Bea
biſpo de Santiago,ſegundo manda a S.Igreja de Roma. E logo beijou as triz com
mãos a ſeu pay , & máy,que lhe jà faziao honra como Rainha. E acabadoIoa
Reim D.I.
1, &
ل: eſte acto,le fizerao as eſcripturas, & dahi em diante, ſe chamou a Infantede Caf-,
Seorang
D.Beatriz,Rainha de Caſtella. tella.
El Rey D.Fernando eſtava a eſte tempo muy enfermo, & nao podia a
charſe nas vodas de ſua filha. E porque nos concertos com elRey de Caf
tella ſe aſſentou , que do dia do recebimento a doze dias de Mayo primei
ro leguinte, a Infante lhe avia deſer entregue no eſtremo do Reyno ,dan
dandolhe os officiaes de ſua caſa,& Donzellas, a mandou co a Rainha ſua
māy, & cõ os mais dos Prelados do Reyno , & com elles o Meſtre de Aviz Senho
ſeu irmão, o Conde Dom Alvaro Pirez de Caſtro Condeſtavel de Portu- res, & fi
gal, D.Gonçalo Tellez Conde de Neiva , Dom João Conde de Vianna , de
dalgo
Pors
Ca Dom Joam Fernandez Conde de Ourem , D. Fernard'Afonſo de Albu tugal
Visits a
querque Meſtre de Santiago , D.Lopo Diaz Meſtre de Chriſto, Dofrey levaram
Pedralvarez Pereira Prior doHoſpital de S. Joao, Meſſer Lançarote Pella- as Rai
no Almirante,Fernao Gonçalvez de Souſa , Gonçalo Vaſques de Azeve- nhas a
do ,Gonçalo Mendez ,& Joanne Mendez de Vaſconcellos, Alvaro Göçal-Elvas.
vez de Moura , Alvaro Vaſquez de Goez ,& muytos outros fidalgos prin }
cipais, & chegou a Rainha co ſua filha a Eſtremoz , onde eſteve algus dias. 1
El Rey elle ſe mandou diſculpar com aquelles Principes, dizendo que o cazamě .
D.Ferto de ſua filha com elRey de Caſtella, & as amizades q fizera,foraő muito
nando ſe contra ſua vontade, & por nam poder al fazer. Mas que os tratos & ami
manda
deſcul- zades,que com elles fizera,que osaveria ſempre por bons, & firmes. E que
par ao
cada vez que elles quizeſſem vir a Portugal,que elle folgaria de fazer tu
Duque do,o que a luas honras compriſſe. E ainda que ſoubeſſe que ſua filha a
dc Lan- via defer por iſſo degollada,nunca lhes falcaria.Quando elRey de Ingla
caftro & terra vio aquellas cartas de crença, & offertas contrarias á obra, que fize
Code de ra,começou a rirſe, como quem zombava do comprimento, que Te lhe fi
Cábrix
fobre o zera fora de tempo. Mas não deixou de eſcrever a el- Rey. O Conde de
cazame Cambrix nunca quiz ver aquelle menſageiro,nem ouvilo,nemo Principe
to deſua Duarte,com não ſer entam mais que de fete annos.
filha em ElRey de Caſtella como teve recado delRey Dom Fernando do dia
Caftella.
que podia fer a Rainha em Elvas,veyo a Badajoz, & com elle vinha o In
fante Dom Fernando ſeu filho, & o Infante Dom Carlos herdeiro de Na
varra feu cunhado. El-Rey de Armenia Leão V. que à Corte de Calel
la viera faindo do cativeiro de poder do Soldão de Babylonia, de que a
in fancia dos Reys de Caſtella,França,& Aragão,fora libertado.Dom Pe.
dro Arcebiſpo de Sevilha , Dom Diogo Biſpo de Avila,Dom frei Afon 1
Os quais lhes alli todos foraõ lidos, & feita de cadahum cxpreffa mençao,
na forma, & maneiraem que forao prometidos, & jurados : E que cada
hum delles guardaſſe,& compriſſe todas asditas couſas,quanto a elles per
tencia,de comprir ,& guardar,aſſim em razão da ſucceſfaó dos Reynos, co
mo em todas as outrascouſas. E acontecendo, que elRey D. Fernando, &
a Rainha D.Lianor guardaſſem a elRey deCaſtella ſeu Senhor as ditas co
venças,& elle as nað guardaſſe,nem ascouſasnellas expreſſas, ou paſſaſſem
algúa dellas, q elles todos cada hum per fi, & os procuradores em nome da
quellesCõcelhos,cujos procuradoreseraõ,jurariao ,g elles ſe deſnaturariao,
& deſnaturárão, do dito Rey nelle cazo, & que cada hum delles lhe faria
guerra, & feriaõ contra ſeus Reynos, ſeguindo a parte dos ditos Rey,
Rainha de Portugal . E ſe aflim o nað guardaſſem , & compriſſem , que ca
iſſem naquelle cazo,em que caem aquelles que a traiçoað Caſtello ,ou ma
tao ſeu ſenhor. Os Senhores, & Prelados que jurarað faõ eſtes. Dom Pe
dro de Luna Arcebiſpo de Toledo,Dom Gonçalo Biſpo deBurgos,Dom
Hugo Biſpo de Segovia,Dom Garſia Biſpo Ovedo, Dom Joao Biſpo de
Palecia, Dom Lopo Biſpo de Siguença,Dom Frey Pedro Moniz de Go
doi Meſtre de Calatrava que dahi a pouco o foi de Santiago, Dom Frey
Pero Dias Prior de Sam João,Dom Afonſo Conde de Gijon , & Dom Fa
drique Duque de Benavente irmãos delRey, Dom Fernando Sanchez de
Toar Almirante de Caſtella, Dom Pero Ponce de LiaoSenhor de Mar
chena,Pero Rodriguez Sarmento Adiantado de Galliza, Pero Fernandez
de Velaſco Camareiro Mòr delRey, Pero Soarez de Avinhone Adiantado
de Lião,Joao Furtado de Mendoça Alferez Mòr delRey,Pero Gonçalves
de Mendoça ſeu Mordomo Mór,Joao Rodrigues de Caſtanheda,Joao A
fonſo de Lacerda, Ramiro Nunez deGuzmão ,Alvaro Perez de Oſorio fe
nhor de Villalobos, Diogo Gomez Manrique Adiantado Mòr de Cal
tella, Fernando Alvarez de Toledo, Gomez Mendez de Benavides, Fer
nao Perez de Andrada , Pero Gonçalvez de Baçan, Sancho Fernandez de
Toar,Diogo Furtado, filho de Pero Gonçalvezde Mendoça, Pero Diaz
de Sandoval, Joao Rodriguez de Villalobos, Joao Fernádez de Toar,filho
de Fernao Sanchez, João Nunez de Toledo, Göçalo Nunez de Guzmão,
Fernão Diaz de Médoça,RuiDiaz Cabeça de Vacca , Pero Nunez de To
i ledo, Pedralvares Oſorio,João Furtado de Mendoça, & outros afora eſtes.
As Cidades, que os Reys afſentàrao que jurafſemſuas avenças,forao eſtas,
Burgos,Lião, Toledo,Sevilha,Cordova,Murcia,Jaem , Cidade Rodrigo,
· Ovedo, Zamora, Avila,Cuenca,Palencia ,Plazencia,Segovia,Coria,Soria,
Baeça, Salamanca,Cartagena,Lugo,Calaorra,Sam Domingos da Calçada,
: Badajoz. As villas foraő Touro,Madrid,Xerez,Caceres , & outras muytas.
Acabados os juramentos em Caſtella, o Conde de Ourem ſe tornou ao
Reyno,& logo apoz elle veyo hum Arcebiſpo, & hum Cavalleiro,que ela
Rey de Caſtella mandou,pera em ſeu nome receberem delRey D.Fernan
do, &
CHRONICA
do,& dos ſeus outros taes juramentos.Para o q foraõ juntos em Santarem
todos os procuradores das cidades,& villas do Reyno, & Senhores, & Pre
lados. E no Moſteiro de Sam Domingos das Donas , aquelle Arcebiſpo
Caſtelhano, reveſtido em Pontifical, tendo huma Hoſtia conſagradaen
huma patena,lhe fizerao todos juramento pela maneira, & forma, que ſe
fizera em Caftella. Ele foi o mais jurado contrato que ſe vio, & o mais
acautelado,mas o peor guardado, como a diante ſe dirà. Depois de feito
Capilli- o juramento, & deixadas as procuraçoens que trazião,vendo oArcebiſpo,
laçoés que a couſa eſtava bem arrematada, nao ſe pode ter que logo naö diffel
dos Rcis le para os ſeus: Quanto agora vos digo que eſtá iſto muy bem para Caſtcl
D.foam ,
la, que muita perda nos dava eſte rincao de Portugal, Iſto dizia elle,alim
& D.For
nando pela firmeza das avenças que os Reys fizeraó, como por å doença grande
muito delRcy Dom Fernando, de que naõ avia eſperança de ter outros filhos,
juradas peloque eſtava certo por todas as vias vir o Reynoa elRey de Caſtella
& mal Mas elle ſe enganáva,que hum Rey,& outro erão de tal natureza,que le
guarda us contratos montavão pouco, quando mais firmes os fazião. Porqucel
das.
Rey Dom Fernando era muy inconſtante no que contratava, & com lhe
fucceder mal a guerra,não queria eſtar em paz. E ſe viuera, não ouvera de
eſtar muyto poraquelle contrato . Porquecomo elle eſcreveo a elRey de
Inglaterra, o fez forçado da neceſſidade. E aos Portugueſes de todo o ef
tado peſava muyto com a convença,que elRey Dom Fernando fez ſobre
a ſucceſlao do Reyno vir a Caſtella,tendo para fi,queſe vendia Portugal
naquelles contratos,que elles outorgarað forçados, por obedecerem a el
Rey.E clRey de Caſtella logo como cazou,& contratou,em nenhũa coula
tinha mais o olho , que em fallecendo clRey Dom Fernando, vir tomar
poſſe de Portugal contra ſeus contratos, & juramentos, como depois ten
tou. E allin como ſoube da doença delRey feu ſogro, que perfeverava,&
como que tinha pouca võtade de guardaroſ tam firmeměte juràra, mai
dou alguns,de q ſe fiava a Portugal, para verem o eſtado do Reyno,& fal
larem com alguns Portugueſes,quelhes nomeou,ſe morrendo elRey,acha
ria o Reyno a ſeu mandar, querendo vir a elle,
Indo a doença delRey Dom Fernando em crecimento ,mandou que dla
Villa de Almada onde eſtava,o levaſſem para Lisboa. E húa noite por naó
fer viſto,paſſou o rio, & veyo à Cidade, lançando pregoens, que ninguem
abrille porta,nem tiraſſe candeyas às janellas. Eſtava elRey muy gaſtado
das carnes,que não parecia,quem ſohia ſer. E ſentindo ſua morte apropin
quarſe, pedio lhe deffem o ſanto Sacramento . E quando lhe foi apreſen
tado , & lhe perguntava o Sacerdote , como he coſtume, ſe cria os Artigos
da Fe, & aquelle ſanto Sacramento,que pedia,diſſe que tudo cria como f
el Chriſtão,& mais cria,que Deos lhe dêra aquelles Reynos, para os man
ter em dereyto,& juſtiça, & elle por ſeus peccados, o fizera de maneira, i
lhe daria delles muy mà conta, E dizendo iſto, chorava com grande come
triçaill,
DELREY DOM FERNANDO. 203
triçam, & arrependimento de ſeus peccados, rogãdo a Deoslhe perdoaſſe,
& da meſma maneira chorauão todos os q o ouuião. E afficom muitasla- Morte
grimas, & eſtando veſtido no habito de S. Franciſco , recebeo o SanctoSa- delRey
cramento.E quando veyo aos vinte, & dois dias de Outubro daquelle an - D. Fer,
no 1383.começou de ſe agaſtar, & em breve eſpaço deu a alma a Deos de nando
Por
nos Paços da Alcaceva .Viveo eRey D.Fernando 43.annos, & dez mezes,tugal.
18.dias ,dos quais reynou 16 & nove meſes com grande trabalho feu, &
do ſeu povo ,por não amar a paz ,que Deos tanto ama,& encomenda .Ao
outro dia foi poſto em hűas andas cubertas de pano negro, & levado em
collos de frades ao Moſteiro de S.Franciſco ,onde ſe depoſitou , indo com
elle pouca gente . A Rainha não foi a ſeu enterramento como entao ſe co
ſtumava , por dizer que ſe achava mal,& nao podia ir. Outros dizem que
o fez,receando amurmuração dagente,que dellanam era muy contente,
& que ſe ſoltaſſem por verem elRey morto. Mas por nam ir, foi mais
murmurada. E as exequias delRey , ſe fizeram muy ſimplezmente . Seu
corpo foi trasladado ao Moſteiro de Sam Franciſco de Santarem ,onde jaz
no Coro alto, junto à ſepultura da Infante D.Coſtança ſua māy,conforme
ao ſeu teſtamento .
Foy elRey Dom Fernando da diſpoſição do corpo o mais fermoſo ho
mem ,que no ſeu tempo avia,& de tanta authoridade,& real preſença,queQualida
ſe eſcreve delle, que poſtoentre todos os homens domundo,parecia Rey, peſſoa
ainda que conhecido nao foſſe. Era de condiçaõ brando,& ſuave para ſe delRey
us vaſſallos, & nada cruel,nem vingativo, & em grande grao liberal. Porą D.Fer
dava amuytos, & não ſabia dar pouco. A hum fidalgo Caſtelhano por nando.
nome João Afonſo de Moxica,daquelles que a elle vieraõ de Caſtella,di
zem que mandou hum dia na Cidade de Evora 30 cavallos,& 20. mullas,
& trinta arneſes, & trinta mil livras em dinheiro, que crão mil & cento &
tantos marcos de prata,& quatro azemélas carregadas de camas,& tapeça
sias,& bun padrão per que lhe dava hūa villa honrada de juro. Nascou
ſas do governo do Reyno, foi remiffo , & pouco diligente, & notado de
não muy prudente. Porque ficando mais rico de theſouros, que nenhú
Rey defte Reyno,osdiffipou, & gaſtou indevidamente com guerras, em
ſe metteo,deſtroindo o Reyno proprio,por ganhar o alheo. Peloque todo
o tempo que reýnou, inquietou a ſy, & a ſeus povos,ſem nunca per armas
ganharem honra elle,nem os ſeus. Mas com tudo iſſo, dos povos nað era
malquiſto ,como pudera ſer outro Rey,que tam prejudicial lhes fora. Iſto
naſcia de ſua clemencia,& liberalidade, partes,que naturalmente ganham
os coraçoens dos homens. De ſua natureza era inconftante, & facilmente
rompia aamizade com os amigos,& ſe reconciliava com os inimigos. Eo
que ſe delle entendeo,lempre tivera guerra com Caftella,ſe os ſeus o nam
divertirão . Sendo dado a molheres, não era cioſo em ſua caſa,como foem
feros homens,que forao diſtraídos pelas alheas,mas mais deſcuidado do ý
Mm â fua
CHRONICA
a fua peſſoa, & eſtado convinha. De que veyo crerſe, que os filhos que a
i Rainha paria erao do Conde Joao Fernandez de Andeiro , nam ſenda
allim .
Ouve elRey Dom Fernando da Rainha Dona Lianor a Infante Dona
Beatriz Rainha de Caſtella,que osdeſafeiçoados à Rainha Dona Lianor,
& á uniao de Portugal com Caſtella, & affeiçoados a D. Joao Meſtre de
Rainha Aviz,querião falſamente fazer adulterina , & filha do dito Conde Joan
D. Bca- Fernandez,não ſendo poſſivel tal couſa . Porque a affeição que a Rainha
triz ver- com o Conde tomou,começou dahi a muyto tempo, poroccaſiao da pou
dadeira
méte foi ſada,quelhe elRey deu em Eſtremoz,natorre em que ella eſtava, com q
Gillia del,muytas vezes ſe achou só. O que foi no anno de 1380. fendo já a lofan
Rey D. te Dona Beatriz a eſſe tempo de oito annos. Porque naſceo em Coimbra
Fernan- no anno de 1372, no tempo que elRey Dom Henrique paſſava por a.
quella Cidade com ſeu exercito contra Lisboa . E a Rainha Dona Lia
nor ainda que ſe eſcreva della, que nas falas era mais deſenvolta, do que
à honeſtidade matronal, & Real convinha, nunca ſe della diffe, antes do
Conde Joað Fernandez de Andeiro,que tiveſſe amores com algum outro.
Foi a Rainha Dona Beatriz mulher honeftiffima, & de grandes virtudes,
& muyto alheya da folcura , & condiçam de ſuamáy . E ſendo ella húá
mulhermuyto deſemparadade parentes,afli em Caſtella, como em Portu
gal, aonde nam tinha pay, nein máy, nem irmãos , mas antes em hum
Reyno, & outro contrarios, & requerendoa por mulher alguns Princi
pes, nao quiz mais cazar, ſendo ainda muy moça. E no anno de 1409.,
mandandoa pedir o Duque de Auſtria à Rainha Dona Catherina máy
delRey Dom Jozo Segundo; que por ſeu filho governava os Reynos de
Caſtella, que Iha deſſe em cazamento, porelle tambem eſtar viuvo, a la
inha remeteo os Embayxadores a ella, que eſtava em Madrigal: aos qua
es a Rainha D. Beatriz reſpondeo, que as mulheres como ella, naõ cazavão
duas vezes.Fora do matrimonio ouve elRey D. Fernando ſendo folteiro
a Dona Iſabel,que foi cazada.com D. Afonſo Conde de Gijon, filho bal
tardo delRey D.Henrique,como eſtá dito atraz.
!
Fez elkey D.Fernando muytas leys proveitoſas, de que algúas vão in
Leysdel fertas nos cinco livros das Ordenaçoés,de que ſabeltas. * Dofidalgo, cu
Rey Di Clerigo,quecompra para vender. *Que as Igrejas, ou Ordens não con
muy uti- prem bens de raizſem licença delRey. * DasSeſmarias. * Que ninguem
Ics,infer poſſa fazer contadas,ſenam elRey. * Dos Mercadores eſtrangeiros como
tas nas hao de vender, & comprar ſuas mercadorias . E alem deſtas muytas prema
Ordena- ticas ſobre a agricultura ,& ordem de lavrar os campos,ſobre as apurações
çochs. de gente para a guerra,ſobre a navegaçam; ſobre os vadios, & ociofos, de
que porei algúas , que oje ſe ouverao com razam de tornar a aviventar ,&
guardar.
Vendo ý nos tempos paſſados eſte Reyno era hum dos mais abundătes
de Her
DELREY DOM FERNANDO. 204
de Heſpanha, de trigo ,cevada, & mantimentos, & por falta deordem , &
policia,era pelo contrario no ſeu tempo,em cortes que para iſſo ajunton,
fez algumas leys muy utiles á Républica, & àquelles tempos muy necef
farias. Primeiramente mandou, que todos os que tiveſſem herdades ſuas
proprias,ouemprazadas ,ou por outro qualquer titulo, foſſem conſtrangi
dos para as lavrar. E que ſe foſſem muitas ou em diverſas partes,lavraſſem
as que mais lhes approuvelle, & as outras fizeſſem lavrar per outrem, ou
dellern a lavradores de ſua mão .Demaneira,que todas herdades, que eram
para dar pão, todas fofſem de trigo,cevada,& milho.
Item ,mandou,que cada hum foſſe conſtrangido a ter tantos boys,quan
tos eraõ neceſſarios para as herdades que tinhão. E ſe aquelles que ouvef
ſem de ter eſtes boys, os nao pudeſſem aver, ſenaõ por grandes preços,
mandava , que lhos fizeſſem dar as juſtiças por preços juſtos, ſegundo o
3
eſtado da terra. E que foffe aſſinado tempo conveniente aos que ouver
ſem de lavrar,para começarem de aproveitar as terras, ſob certa pena. E
que quando os donos das herdades, as nao aproveitaffem , ou deſſem a a
proveitar, que as juſtiças as deſſem a quem as lavraſle, por certa couſa; a
qual ſeu dono nað ouveſſe, mas foſſe deſpeſa em proveito comum do lu
gar,onde a herdade eſtiveſſe.
Item,que todos os que erao ,ou foião ſer lavradores,& os filhos, & osne
tosdoslavradores,& quaefquer outros,que em villas,& Cidades, ou fora
dellas moraſfem ,uſando de officio , que não foſſe taő proveitoſo ao bem
comum,como erao da lavoura,que taescomoeſtes foſſem conſtrangidos a
lavrarem, ſalvo ſe ouveſſem de ſeu valia de quinhentas livras, que na
2.1 quelle tempo delRey Dom Fernando valiao cem dobras , que era gran
de ſommade dinheiro. E ſe nað tiveſſem herdades ſuas , que lhes fizef
ſem dar das outras, para as aproveitarem , ou viverem por foldadas , Em
cada hum lugar mandava, que ouveſſe dous homens bons, que viſſem as
herdades , para dar pam,& as fizeſſem aproveitara ſeus donos,por vonta
de, ou conſtrangidos, taxando entre os donos dellas, & os lavradores o
que juſto foſſe, que lhe deſſe de renda . E nao querendo o dono da her
dade convir em couſa razoada,que perdeſſe a herdade para ſempre, & foſſe
para o comum do lugar,em cujo termo eſtiveſſe.
Item ,mandou,que nenhúa peſſoa que lavrador nað foſſe, ou ſeu man
cebo trouxeſſe gado feu,nem alheyo.E ſe o outrem quizeſſe trazer,ſe avia
de obrigar lavrar certa terra, ſob pena de perder o gado,para o comum do
lugar ondefofle tomado.
Item , que porquanto para lavrar a terra,& para guardas dos gados, &
outras neceſidades da lavoura, eram neceffarios mancebos, & ſerviçaes;
que fe nao poderiaõ aver,pormuytosſe lançarem a pedir, por quererem
viver ociolos, & nam trabalhar, & porque a eſmola que aquelles ſe
dava , ſe tirava aos que della tinhao neceſſidade, mandou, que quaeſ
quer
CHRONICA
quer homens, que andaſſem pedindo, & não uſaſſem de officios, que fof
fem viſtos pelasjuſtiças de cada lugar. E fe fe achafſem que eraõ de taes
corpos,& idades que poderião ſervir em algum meſter, poſto que em al
guas partes do corpo tiveſſem aleijão, & com ellatodavia podeliem fazer !
algum ſerviço, que foſſem cõſtrangidos ſervir naquellas obras, em que o 1
27 39
201
A
B A ſuccedendo no Reyno de Vn- nor Tellez donde nafccrão. 170
Aincontinenci
gria morto pelos Vngaros
a.
por ſua
Fol.2.
Amores do Infante D. João com D. Maria
Tellez irmãa da Rainha. 181
Aboamofilho delRey deSofulmença, cati- Amores do Infante Dom Pedro com Dona
vodelRey de Portugal. 141. Inez de Caſtro . 146
Adverſidades queouve em Portugal em Andre , & Leventa chamados pelos Vnga
tempo del Rey D.Sancho. 52 ros pera ſeusReys.
Affeiçãoſobeja delRey D. Fernando a ſua Andre deſpojado porfeu irmão Bela . 3
irmãa D.Beatriz. 170 Andre deix1 dous filhos, Salomon , & Da
AfonſoJordão, filho do Conde de Toloſa vid. 2
AfonſoJordãomorreem
bautiſado no rio Jordão.Cefareade Pale Antiguidades & nobreza da Cidadede Es
vora . 41
tina. 8 Antioquia cercada, & ganháda pelos Chri
Alboamar filho de Aliboacem , cativo na Itãos. 13
batalha do Salado. 141 Aparáto do Conde Andeiro indo a Caſtellá
Albufeira tomada aos Mouros pelo Meſtre ſobre cazamento da Infante, 197
de Aviz D.Lourenço Afonto, 87 Appareciméto de N. Senhorpoſto naCruz
Alcacere do Sal tornado aos Mouros pelo a elRey D.Afonſo Henriquez . 8
Biſpo de Lisboa, & Eſtrangeiros. 59 Arcebiſpado deBraga erigido primeiro que
Alcacere do Sal cercado, & tomadopor el todosos de Helpanha deſpois da recupera
Rey de Sevilha. 51 ração della 17
Alarc Turco aconſelha ao Miramolím que Ardiỉde Fernão Roiz Pacheco per que el
ſe recolha. 136 Rey lhe levantou o cerco. 55
Alferez mòr antigamente fazia officio de Ardil de Gil Fernandez contra Caſtelha
Condeſtavel. 50 nos. 165
Algarve que quer dizer. 88 Armada de Eſtrangeiros que portou ein
Algarves de aquem,& de alem do mar, que Lisboa com tormenta, & ajudou tomar
lugares contém . 87 Alcacere do Sal. $8
Aljezur como foi tomado aosMouros. 87 Armada ricaméte guarnecidà pera vir a In
Almadas de Portugal deſcendentes de In fante de Aragão. 167
greſes. 39 Armada delRey de Caſtella que fez muyto
Almirante de Portugal ha victoria dos Ca- dano em Lisboa 89
Itelhanos. 95 Armas Reays de Portugal de cinco eſcudos
Alvarà falſo que aRainha D.Lianor Tellez donde tiverão origem. 29
fabricou pera degolarem ao Meſtre, & a Arinas Rcays do Algarve dos Caſtellos de
f Gonçalo Vaſquez de Azevedo. 191 ouro . 86
Alvará icgundo falſo pera o meſmo. 192 Arrayacs delRey D. Afonfo Henriquez, &
Alvaro Pirez de Caſtro priineiroCondeita- delRcy Ilmar jūtos em Caſtro Verde.28
vel de Portugal. 145 Arraezes deſte Reino donde tomárão o ap
Alvor como ſe tornou aos Mouros. 84 pellido. 178
Americo filho unico de Stephano Rey de Aironches ganhado per Dom Theotonio
Vngria morre virgem ,&Santo . 2 Prior de Santa Cruz. 30
Amizades & liançasantigas de Portugueſes Aſcendencia , & deícendencia dos Condes
com asCaſas de Franca 9 de Bolonha de Picardia.
Amocitaçoes do CondeDom Henrique a Aſtucia da Rainha Dorn Limar Tellcz pea
ſeu filho quando morria. 19 ra a não culpírem na prizam do Meſtre
Amores delRey D.Fernando com D. Lisa fol. iha
Nn2 Avenças
INDEX
Avenças delRey D. PedrodePortugal co treosReysde Portugal, & Caftella.173
clRey D.Henriquede Caſtela. 160. Cardeal D.Pedro deLuna impetra em Por
Avenças delRci D.Fernando& do Duque tugal obediencia do Antip.Cleméte. 196
de Lancaſtro contra Caſtella. 173 Carlos Rey deNavarracruel em tépo dos
Avenças delRey D.Fernando com o Códe Pedroscrueisde Heſpanha 151
Anjou contra Aragão. 181 Carta do Papa Gregorio IX.aelRey D.Sa
Aviſos que derao ao Infante ſobre a morte cho ſobre leu cazamento , & exccllos . 62
deDona Inez . 1474 Cartade quitação que elRey D.Afonſo X.
Avogados defendeo e !Rey D. Pedro,q nam de Caftella fez a elRey de Portugal do
ouveſſe em ſeu Reino . 154 foro do Algarve . 89
Cartas falſas que a Rainha D. Lianor Tem
B lez fez em nome do Meſtre de Avizcon.
Badajoz tomadoporelRey D, Afonſo tra elRey 191
42 Carta de Dona Coſtança filha de Dom jo
BatalhadelRey D.AfonſoHenriquiezcon- ão Manoel a elRey Dom Afonſo XI . de
tra elRey Ilmar. 29 Castella . 123
Batalha das Navas de Toloſa . 58 Carta delRey D.Afonſo IVde Portugal a
Batallia do Salado . 142 ſeu genro Rey de Caſtella.
Beja em tempo ſetomou aosMouros. 49 Carta delRey D.Afonſo XI. de Castella a
Beja cercada pelos Mouros, & deſcercada - ſeu ſogro Rey de Portugal. 128
pelo Infante D.Sancho. Carta delRey D.Afonfo a elReideCaftelka
Bela Rey de Vngria deixa filhos,Geyſa,La ſeugéro ſobre a ida águerra ſanta. 125
dislao ,& Lamberto . 2 Cala do civel aflentada a principio em Sar
Beneficios que os povos de Portugal reco 1. tarem 34
berabdelRey D.Afonſo III. 80 Cala do civel em que tempo ſe mudou do
Bilpado de Lisboa erigido. 36 Santarem pera Lisboa. 34
Biſpos de Evoraque ſe acharão nos Conci- Cazamento delRey D. Afonſo Henriquez
lios de Toledo . 41 com D.Mafalda Saboyana .. 34
Bilpos que ouve naCidade de Sylves até Cazamento delRey D.Sancho II. com Do61
gora. 85 na Micia Lopez de Haro.
Bilpos de Ofonoba deque ſefaz mençam Cazaméto delRey D. Diniz coma Rainha
nos Concilios de Toledo. 45 D.Ifabel filha delRey de Aragão. 91
Biſpo deEvora morto per hum homem fa- Cazamento da Infante D. Coſtança filha
cinorofo . 106 delRey D.Diniz,com Dom Fernando
Biſpo do Porto açoutado per mão delRey Rey de Caſtella. 97
D.Pedro. 152 Cazamento da Infante D. Maria Alhade.de
Braga não foierigida em Arcebiſpado pelo fonſo IV.com elRey de Caſtela. 118
Conde D.Henrique. 17 Cazamento da Infante D.Lianor, filha de
Burdino Frances Arcebiſpo de Braga, & Rey D.Afonto IV com elRey D. Pedro
Antipapa. 9 de Aragão . 145
Burdi no caftigado ignominioſamenteidem
Papa Caliſto II.
pelo Cazam entos de muitas peſtoasý a Rainhia
D.Lianor Tellez fez. 1-2
с Cazamento da Infante D.Beatriz irmáa del
C Achoposlugarnomarde Lisboa,dő-
78
Rcy D.Fernando ,com D.Sancho irmão
delRey D.Henrique. 1 -S
liſto Papa II.filho do Conde de Borgo .
Calnha,& Cazamento deD. Ilabel filha baftardadel
irmão Conde
do D. Raymundo Rcy D.Fernando, com o Conde de Gi
de Galliza . 8 jon baſtardo delRey de Caſtella. 1-8
Capitulacoens de pazes entre elRey D.Di- Cazamentosforçados poucas vezes fucccde
niz , & elRey de Caſtella . 96 bem . 2,8
Capitulaçoes delRey D.Fernando de Por- Ca mento occulto do Infante D.Iciccom
za
tugal có clReyDJoào dc Cartella. I95 D.Maria Tellez, 131
Cardeaes no tempo delRey D. Afonfo Hé- Couzamento da Infante D.Beatriz como lp .
riquez erão curas das Igrejas de Roma, fante D. Fernando de Caſtella, que nan
& nãoveſtiáo purpura. 23 ouve effeito . 1842
Cardcal de Bolonha vindo a fazer pazes en- Cazamento daInfante D. Beatriz coe'Rcy
Dom
204
INDEX
Dom João de Caſtella. 198 rente dos Emperadores de Conſtantino
Cazamento, & defcendencia do Infante D. pla 3
Afonſo irmão de Rey D.Diniz. 92 Conde D.Henrique caza com a Rainha D.
Caſtello de Vide era termo de Mourão . 93 Tareja comdote de Portugal. 6
Cavallos de Bronze do chafarix defendidos Conde Dom Henrique não foi ſobrinho do
per os deLisboa dos Caſtelhanos que os Conde de Tolofa. 8
queriáo levar. 176 Conde D.Henrique primo com irmão de
Cavalleirosą na batalha de Ourique mor- Raymundo Conde de Galliza. 8
rerão. 29 Conde D.Henrique foi natural de Beſan
Cavalleiros esforçados,q naguerra ſeguiam çon Cidade do Condadode Borgonha. 8
a Gonçalo Mendez o Licador. 47 Conde D.Henrique em que tempo veyo 2
Cavalleiros Templarios injuſtamente con Heſpanha , & a queveyo. II
denados . I10 Conde D. Henrique não foi a guerra de
Cavalleiros Templarios não cófentio elRei ultramar ,nem lhe erapoſſivel. 13
D.Diniz prenderéleem ſeu Reino. 111 CondeD.Henrique de Portugal quem fo
Cavalleiros Templarios agafalhou elRey rão ſeus pay &máy. 9
D.Diniz na Ordem de Chriſto. 112 Conde Dom Henrique não foi da Caſa de
Cavalleiros que elRey D.Fernando arinou Lorreina. 4
perſua mão. 194 Conde D.Henrique de Portugal não era o
Cauſas verdadeiras per qel Rey D. Afonio que chamavãode Limburg. 3
deixou ſua mulher a Condeſſa de Bolo. Conde de Limburg quem era naquelle
nha,& fc cazou em Castella. 79 tempo. 4
Cauſa frivolaq elRey D. Fernando deu a Conde deLimburg não deixou filhos. 4
feu irmão porque o prendera, 193 Conde de Toloſa companheiro do Conde
Cerco poſtoa Fernão Roiz Pacheco no ca- D.Henrique navindade Heſpanha.
Itello de Celourico . Gufo Conde de Toloſa & Conde de Ŝ. Gil he a
Cefar appellido de fidalgosantigos. 109 meſma peſoa. 7
ChildeRolim capitáo da frota dos Eſtran- Conde deTolofa,indo a guerra de ultramar
geiros, & ſua deſcendencia. 38 fe fez Conde de Tripol. 7
Cidades & villas de Caſtella ſe entregárão Conde de Toloſadonde procedeo . idem
a elRcy D.Fernando de Portugal. 161 Conde de Toloſa cazado com D. Elvira fie
Clemente VII.& Benedicto Antipapas. 183 lha delRey D.Afonſo. 7
Coimbra arruinadapor Almancor em té Conde de Toloſa falſamente dizemn cazar có
po de Ordonho I'll.de Lião, 17 D.Vrraca & delles naſcer elRev D. Afo
Coimbra tornáda a povoar pelos Mouros. fo VII.de Caſtella.
fol. 17 Conde de Toloſa grande fenhor em Fran
Coimbracercada por elRey D.Fernando o ça.
Magno de Lião. 17 Condes de Borgonha ſempre cazáram ſias
Coimbra ganhada em ſete meſes, & não ein filhas có Reys,ou grādes Principes 10
fete annos como os Autores Caſtelhanos Conde de Bolonhaeleyro pelo Papa para ir
dizem . 17 reger Portugal, por elk ey feu irmão.
Comendadores de Santiago que confiados fol. 62
ra trégoa morrerão a mãos de Mouros Conde D.Fernando de Caſtro como ſe pal
cuelmente . 84 fou a Portugal . 162
Conprimento honrado que os filhos de D. de
Con de Barc ello s man dad o ão
a Arag co
Garſia de Souſa fizeraó a elRey D. San- 18 quintais d'ouro. 167
cio indoſe defte Reyno . 63 Conde de Gijon defavindo com ſeu pay por
Concilio decretado pera S.João de Laterío não receber ſua eſpoſa. 180
nudado pera Lião de França. 62 Conde de Cambrix quer vir a Portugal por
Corcilio de Claramonte junto pelo Papa ſeu irmão o Duque de Lancaſtro . 185
Vrbano II. 12 Conde de Cambrix com ſua mulher , & fic
Corordia delRey Dom Fernando, como Thos apportão em Lisboa. 183
Conde de Anjou contra Aragão . 81 Conde de Cambrix ſe torna afrontarlo a In
Corde D. Henrique de Portugal era im- glaterra. 196
pffivel ſer filho deRey de Vngria. 3 Conde Andeiro , & a Rainha sfentão , que
Corle D.Henrique não foi Gregonem pa- ſe prenda o Meſtre de Aviz. 191
Nn3 Codella
INDEX
Condeffa Matildis,& ſua geração. 69 Crueldade & atrevimenroporque he natu
Condctia Mathildis era já velha quandoo ral nos ſoldados. 198
Condeveyo aPortugal. 79 D
Conde talresprimeirosdePortugal & Ca Ano que reſulta da alteraçan des mor
Stela quem foraó. 194 D edas. jer
Condi çoes
do de
de pazes entreelRey D. Ferná
Portugal,& o de Cattella. - Delho dc Rey D.Diniza elRey D. Súcho
169. i feu tio. 94
Condiçoesde pazes entre el Rey D. Ferná- Deſafio del Rey D.Diniz a elRey D. Fer
de & eRey D.Ioao . 105. nando de Caſtella feu ſobrinho. 95
Condiçoesdocaſamento da infante D. Bea- Delafio del Rey D.Fernando de Portugal 2
triz com elRey D.Ioan de Caſtella.197 · Rey D.Henrique de Caftella. 164
Çongregação da Ordem de Cifter,quando Defafia D.loãoMeſtrede Avis aquen uit?
krita ; & por quem 1. ferque elle errou contra elRey 193
Çonluyos de Dom Alvaro Nunez de Olo- Deſafio de Martim Vaſquez da Cunha
rio . 117 quemnão quizeſſe combarcríe com o
Conſelho que hum Mouro deu ao Mira- Meſtre. 193
molim parafuſpender a batalha do Sala- Delavenças entre elRey D. Afonio II. &
do . 137 ſuas irmáas. 57
Conlelho da Rainha Fatima ao Miramolim Deſavenças entre elReyD.Diniz, & Dom
ſeu marido fobre o meſmo. 137 Sancho Rey de Caftella ſobre cazamen
Coniclheiros liures, & deſentereſſados do tos de ſeus filhos. 94
tempo antigo. 115 Dchvenças delRey D. Fernando IV de
Conſelheiros devem ſer alheosde avereza, Caſtella com alguns Principes, & a cau
& ambiçam . idem . fa dellas. 67
Contaspara rezar quando , & por quem fo
ram inventadas
fo .
12.
Deſcendencia do Conde deGijon, & Dut
: Ilabel ſua mulher. ISO
Contrato delRey D.Diniz ,& elRey Dom Deſculpas delRey D. Pedro de Portugal
Sancho de Caitella ſobre os caſamentos por não receber
em ſeureyno a elRy
de ſeus filhos. 93 : D.Pedro de Caſtella teu sobrinho. 159
Contradiçam dos grandes de Caſtella ſobre Deſculpas delRey D. Fernandoao Corde
a remitíam do foro do Algarve. 89 de Cambrix por o calamento de ſua fiha
Convença entre elRey Don Afonſo II. & em Caiteila . 199
ſuas irmáas. 58 Deſculpa frivola delRey D.Fernando que
porque proce
Convento primeiro da Ordem de Chriſto dcu ao Meſtre ſeu irmão o
en Caftromarim . 112 dera.
Convento da Ordem de Chrifto mudado Deſobediécia do Infante D.Pedro a ſeu pay
de Caſtromarim para Tomar. 124 por a morte de D.Inez. 1.47
Cofrumes envelhecidos faó máos de arran- Delordens del Rey D. Afonſo de Cifu
car. 183 por amor de D. Lianor Nunez, 119
Cofiumes & qualidades da perioadelRcy Despedida doseitrangeiros que ajudamn :
D.Afonfo Henriquez, ; , 48 tomar Lisboa . 30
Coſtumes delRey D.Diniz. 108 Deſpołouros de Rey D.Afonſo XI. de Cal
Coſtumes & graças notaveis do Infante D. telia com D.Coitança. 117
loam filho de Rey D.Pedro . 151 Deipoſouros delRey D.Fernando de dire
Creaçom do PapaVrbano VI. & as ſciſmas tugal com filhadelRey de Arag1o. 163
que por ella luccederam . IS3 Defpofouros de D.Fadriquc filho bathere's
Crucidade de Rev D. Pedro de Caſtella rielRey D.Henrique com a Infused).
contra búa ſua fobrinha menina de POU Bcatriz herdeira de Portugal. 18%
cos incles. " 159 Detpoſouros da Infante D.Beatriz corD .
Crucidade de Caſtelhanos contra Portu- arte filho do Conde de Cambris. 104
guetes. 94 Deſterro de Afonſo Sanchez para Catch:
Crueldade do melino Rey D. Pedro contra fem cauſa . 13
elRey de Granada tendoo ein caſa por DiogoLopez Pacheco como cfcapou eit
hoſpede. 158 entregue a Portugal.
Crueldades & roubos dos ingrefes nunca Dittrico grande de Reiação ou parlazer
wiltos fendo chamados comoamigos. 188 to de Santarem em tépo de Rom . 54
lai
2011
INDEX
Doaçoes que a Rainha D.Tareja fez ſendo ces nem Vngaro.
viuva oito annosdeſpois da morte do Dom Egas Moniz fundou o Moſteiro de
Conde D.Henrique. 25 Paco de Souſa. C ',
21
Doaçoens delRcy D. Sancho a Dona Ma- Dom Egas Perez Cornel. 47
ria Paez de viila de Conde , & outros Dom EgasGomezde Souſa. 47
lugares. 56 Dom Fadrique filho natural delRey Dom
Doaçoens do Alguve que el Rey de Caf- Henrique deſpoſado com a Infante Dona
tella fez a ſeu genro, & netos. 108 Beatriz de Portugál. 184
Doação grande del cy D.Diniz aos filhos Dom Fernando Sanchez filho baſtardo del
do Infante feu irmão. 93 Rey D. Diniz . 92
Doaçoes delRey D. Diniz á Ordem do Dom Fernando de Eça filho do Infante D
I 12 loão teve quarenta & dous filhos. 150.
Hofpital .
Doaçoens deiRey D. Diniz á Ordem de Dom Fernando Mendez de Gundar. 47
Santiago I 12 Dom Fuas Roupinho desbarata a elRey
delRey D.Diniz a muytes Prela-
Doaçoens Gami em Porto de mòs. 45
dos,& Moſteiros. I 12 Dom Fuas Roupinho como desbaratou
Doaçoens de villas & Igrejas que elRey D. húa Armada de Mouros. 45
Diniz fez à Ordem ac Avize 112 Dom Fuas Roupinho indo aSepta forçado
Doaçõens que elRey D.Pedro fez a ſeu fi do vento foimorto & desbaratado pelos
Iho o Infante D.loam , 15+ Mouros. 45
Doaçãoque el Rey D.Afonſo X. fez a ſua Dom Giraldo Biſpode Evora morto pelos
filha Rainha de Portugal. 94 facinerofos que acompanhayão ao Infan
Doação de terras que elkey D. Fernando te D.Afonſo, 106
feżá Rainha D.Lianor Tellez, 171 Dom Godinho Fafes. 47
Dote de terras deCaftella que el Rey Dom Dom Gomez Paez da Sylva. 4.7
Henrique dava aclRey D. Fernando fe Dom Gomez Mendez Gedeão. 47
cazaile com ſua filha. 169 Dom Gonçalo Mendez de Amaya o lida
Don Henrique Conde de Portugalnatu- dor de 95 annos venceo duas batalhas em
ral do Condado de Borgonha. 9 hum dia. 40
Dom Henrique de Portugal filho do Code Dom loão Nunez de Lara fazſe vafallo de
Guido de Vernol,& da Condelià loanna elRey de Portugal. 130
filha do Duque de Borgonha. IT Dom loão o Torto morto por elRey de
Dom Pedro filho baſtardo do Conde Dom Caftella per engano 117
Henrique morre monge em Alcobaça. Dom loão Afonſo filho del Rey Dom Di
fol . 13 niz . i 92
Dom Pedro primeiro Arcebiſpo de Bra- Dom Ioam de Albuquerque ó do Ataude
ga,depois darecuperação de Lípanha: 17 fol. 92
Dom Afonio Henriquez naloc aleijado das Dom Ligel de Flandres . 39
pernas . 13 Dom Martin Gil de Soverofa. 55
Dom Afonſo Henriquez & fuas irmás fob a Dom Martim Gil. 92
adminiſtração de ſua máy . 25 Dom Martim de Lara. 123
Dom Afonfo Mendez filho baftardo del Dom Martin de Freitas que foftentou o
Rey D.Diniz. 92 cerco de Coimbra. 64
Dom Afonſo Conde de Gijoni cazado com Dom Mattheus Biſpo de Lisboa que to
filha battarda delRey D.Fernando. 178 mou Alcacere do Sal . 58
Dom Afonfo Conde de Penella , & fuader- Dom Mem Moniz filho de Dom Egas Mo
cendencia 150 nizmorto na batalha deOurique. 29
Dom Alvaro Nunez de ( forio . 117 Dom Mem Fernandez de Bragança, 47
Dom Alvaro Perez de Castro primeiro Co- Dom Mendo Souto grandefenhor, & bif
deltavei de Portugal. 176 neto delRey D.Afonio Henriquez. 63
Dom Alvaro Rodrigues de Guzmão. Dom Moço Viegas. 47
Dom Bernardo Arcebilpo de Toledo nao Dom Mendo Vicgas. 47
foi Primáz de Heſpanha. 16 Dom Nuno Soares. 44
Dom Diogo Gonçalvez Valente morto na Dom Nuno Porto Carreiro morto pelos
batalha deOurique. 30. Portugueſes. 131
Dom Egas Moniz Portuguez ,& naó Fran- Dom Payo Soarez Csapata . 47
Nn4 Dom
I N D E X
Dom Payo Godijz. 47 de Soula 8
Doni Payo Correa Portuguez Meſtre de Dona Lianor Nuncz de Guzmão tratada
Santiago, coino tomou aos Mouros os como Rainha 128
mais dos lugares do Algarve. 82 Dona Vrraca Sanchez baftarda delRey D.
Doin Payo Correa Meſtre de Santiago de Sanchol. 55
Caftella ſe faz vallallo delRey de Portu- Dona Incz de Caſtro & ſua linhagem . 146
gal. 86 Dona Lianor Tellez amada delRey Dom 1
Dom Pedro filho baſtardo do Conde Dom Fernando por ſua fermoſura. 170
Henrique morre monge em Alcobaça. Dona Lianor Telles feita Rainha de Pos
fol. II . tugal. 172
Dom Pedro Afonſo filho Baſtardo delRey Do queſe
D.Afonſo Henriquez. 32 file tomou na Corte na mortede hu
delRey D. Fernando naſcido de
Dom Pedro Arcebiſpo primeiro de Braga, quatro dias. 194
depois da recuperação deHefpanha. 15 Ducado de Lorre ina perque via vero a Go
Dom Reimão Garſia dePorto Carreiro.47 dofre Rey de Jeruſalem . 5
Dom Ruy Sanchez filho de Rey Dom Sa- Duvida ſobre qualdos Reys de Portugal l«
chol. 55 Caftella laudaria ao outro primeiro, 178
Dom Sancho de Ledeſma ingrato a elRey E
D.Diniz. 95 Eclypſe do Sol eſpantofo. 52
Dom Sancho Nunez. 47 Edificios que elRey D. Diniz fez. 113
Dom Sueiro Ayres de Valladares. 47 Elvas tomada per elRey D.Sanchol. 52
Doin: Ximena Nunezdc Guzmao may da Embaxadores de Portugal ao Concilio de
Rainha D.Tareja de Portugal. 6 Lião de França. 6:
DonaTareja filha legitimadelRey D.Afo- Erro de algus Autores q fazem ao Códe D.
ſo VI.de Caftella , & de Dona Ximena 1
Henrique da Caſa deLorreina.
Nunez. 7 Erro de Jeronymo Zorita.
Dona Vrraca herdeira de Caltella mulher Erro dos que dizem que por terras que de
de Raymundo de Borgonha. 6 raó ao Conde de Bolonha deixou tua ms
Dona Tareja Rainha de Portugal como le- lher Mathilde & fe cazou emCaſtell2.78
gitima que era,ſe chamava Infanta. 7 Erro dos que ouvirão a Rainha de France
Dona Vrraca, & D.Sancha filhas do Cón- na causa da ſucceſlão de Portugal. 78
de D.Henrique . II Esforço do Infante D.Sancho filho delRey
Dona Tareja Afonſo baſtarda delRey Dó D.Åfonfo Henriquez. 44
Afonſo Henriquez ,cazada com Sancho Eftrago que os Chriltáos fizerão nos Mowe
Nunez. 32 ros na batalha do Salado indo em feu al
Dona Maria Anes de Fornellos que fora 2 cance.
migadelRey D.Sancho I. caza com Gil Evora coino foi tomada per hum ardil, &
Vaz de Souſa. per quem . 40
Dona Maria Paez amiga del Rey D.Sancho Evora toi Municipio do dereito de Latio.
I.de que ouve quatro filhos. 55 fol. 41
Dona Tareja Sanchez filha baſtarda de Rei Evora domicilio & habitação de Quinto
D.Sancho I. cazada com D. Afonſo Tel- Sertorio . 47
lo,que povoou Albuquerque. 55 Evora ſempre gozou de Prelados illuſtres.
Dona Coitança Sanchez baitarda de Dom fol. 41
Sancho I. & dc D.Maria Paez ,fez o Mof- Evora cercada de muros per elRey Dera
teiro de S.Franciſco de Coimbra. 55 Fernando. 205
Dona Maria Pacz que fora Amiga deDom Euftachio Conde de Bolonha não morro
Sancho I.roubada per Lourenço Viegas, fem filhos como diz Damião de Gocs, 5
& levada ao Reyno de Lião. 55 Excellencias da inclyta Cidade de Lisboa.
Dona Maria Paez Ribeira cazou elRey D. fol. 36
Afonſo II.com João Fernandez de Li- Exercito que ſe ajuntou peri a conquis
ma 56 de ultramar. !+
Dona Berenguella Lopez irmãdaRainha Exercito delRey de Caſtella na batalha co
D.Micia grande ſenhora em Caitella. 61 Salado . 126
Do Lianor baltarda delRey D. Afonſo
na Exercito dos Mouros pera a batalha do Sa
Terceiro cazada com o Conde D. Garlia lado paflou o eſtreito em cinco me escán
tuos
L )
INDEX
titauos em feffenta galés. 139 Bolonha 82
Fidalgos Portugueſes que por moſtrarem
F ſuaspeſſoas ſervião a elRey D.Fernando
Fabula da prizam da Rainha Dona Tareja de Caſtella nas tomadas de Cordova , & i
confutada. 24 Sevilha. 80
Fabula do cerco que elRey de Caſtella poż Fidalgos Ingreſes de que hia porCapitão o
a Guimarães ,confurada. 24 Mettre de Aviz , o que fizerão em Cala
Fabula da homenagem que fez EgasMoniz tella .
193
aelR deCaſt
eycon
riquez ell. a por D. Atonio Hen-
futada 25
Fida
D.lg os deCaſtella que ſe vieraó a tlRc
Fernando. 16
y
Fabula fingida delRey de Caſtella, & dos Filhos delRey D Sancho o Primeiro . 55
ſeus ſete Condespreſos pelos Portugue. Filhos delRey D.Afonſo Henriquez. 31
jes,confutada. 24 Filhos delRey D.Afonſo II. 60
Fabula da ida de Egas Moniz a Caſtella cô Filhos delRey D.Diniz . 91
ſua mulher & filhos cingidos com bara- Filhos del Rey D.Afonfo IV . 148
ços,confutada. Filhos delRey D.Pedro, & de Dona Inet
Fabula do deſacato que elRey D. Afonſo de Caſtro , 140
fez ao Cardeal Legado,confutada. 25 Filhos do Infante D.João. 150
Fabula ridicula do Bispo de Coimbra negro Fome grandiflima que ouve em Portugal.
ordenado por elRey,confutada. 24 fol.
51
Fabulla da Condeila Mathilde vira Portu . Frades de S.Franciſco exécutores das Bul
gal em buſca de ſeu marido elRey Dom las que o Condede Bolonhatrazia . 54
Afonſo ,confutada. 77 Fraude da Rainha D.Lianor contra ſua ira
Façanha que direito he,& porque ſe diz al- máa D.Maria Tellez. 182
lim . 147 Frey Defiderio vem com o Conde de Bolo
Façanha de Martim Vaſquez da Cunha nha pera o meter de poſle do governo .
porque largou o Caſtello de Celourico fol. 60
queelRey lhe não queria afleitar. 147 Frotade Cavalleiros eſtrangeiros que apora
Façanha deMollem Beltrão de Gueſclim tárão a Lisboa , & a ajudárão a ganhar. 35
per que ſe livrou de ſer prejuro. 147 Furcados de Caſtella deſcendentes da
Façanha cruel de Afonſo Lopez de Texe Rainha D.Vrracapor hum parto furti
da. 166 VO ,
9
Façanha notavel deNuno Gonçalvez Al G
caide Mor de Faria.
Façanholoautodelealdade
de Freitas Alcaide mòr dodeCaſtello
D. Martinde G Alésde doPortugaldesbaratadas por 182
Coimbra. 65 Galés de Portugal desbaratadas pelas de
Facinorofos feitos dos que o Infante Dom Caſtella. 132
Afonſo trazia contra feu pay elRey Dom GarliaRoiz mercador; perſuade moverſe
Diniz.
Falla do Infante D. Sancho aos ſcus, antes
106 guerra contra osMouros do Algarve. 8z
Garlia Roiz offereceſle morte por defen
á
de dar batalha aelRey de Sevilha. 44 fào dos Comendadores. 84
Faro como ſe tomou por elRey D. Afonio, Gente de Portugal que ſeguio a elRey D.
& o Mestre D. Pavo Correa. 87 Afonfo IV.pera a batalha do Salado: 138
Fatima mulher do Miramolim prudentif- Gentede Caftella que acreſcentou o Cam
fima 137 po delRey de Portugal. 194
Feiçoes delRey D.Afonfo Henriquct. 48 Gentc delRey de Portugal, & do Conde
Feiçoes delRey Dom Afonſo Conde de de Cambrix pera dar batalha a elRey de
Bolonha. 90 Caftella: 194
Fermoſura de D.Inez de Caſtro. 146 Gil Sanchez filho baſtardo delRey D.San
Fermoſura da Rainha Dona Lianor Tel- cho I.& de D.Maria Paez. 85
Icz 190 Gil Afonſo baſtardo delRey Dom Afonſo
Fernão Rodriguez Pacheco, & ſua lealda- Conde de Bolonha. 82
de . 64 Gil Fernandez d'Elvas mancebo audiż &
Fernão Afonſo Cavalleiro do Templo filho esforçado. 165
batardo delRey D. Afonio Conde de Giraldo ſem pavor , & fou esforço. 4.0
Giralda
2
INDEX
Giraldo ſem pavor primeiro Capitão da ci- Incendio em Lisboa naruia nova, & radas
dade de Evora. 40 ferrarias. 165
Godofre de Bulhom eleyto pcra General Indio Bengalla ,que tendo Nuno da Curta
da guerra deultramar. 12 Governador da india era de trezentosä
Godofre de Bulhom vende a Cidade de trinta & cinco annos. 30
Metz,& o Condado de Bulhom pcra ir Infante D.Fernando filho delRey D. Sartu
á guerra fanta. 13 cho L.caza com a Condesade Flandres.
fol. 54
Godofre de Bulhom eleyto Rey de Joruſa
lein . 12 Infante D. Fernando Conde de Flandres
Godofre de Bulhom não aceita Coroa nem prezopor elReyPhilippede França ry
inſignia de Rey em Jeruſalem . 13 Infante Dom Fernando Conde de Fundrés
Godofre de Bulhó Balduino, & Euſtachio não morreo naprilaó como os Franceſes
- irmãos,filhos do Conde de Bolonha. 4 eſcreverão.
Gomez Lourenço Viegasmorto pelo rou- Infante D.Pedio filho delReyD.Sanchi
bo que fez de D.Maria Paez . 56 aggravado de feu irmão vai ao Mitano.
lim de Marrocos.
Gonçalo Vaſquez de Azevedo prezo coin 54
D.João Meſtre de Aviz. 191 Infante Don Pedro caza com a Conde:
Gonçalo Vaſquez de Azevedo parente da de Vrgel em Aragão.
Rainha. 132 Infante Do Pedro vem a ferfenhor da li
Gonçalo Vaſquez de Azevedo deſafia a cl de Malhorca. 64
Rey de Caſtella,por não aflitar as pazes Infante DomPedro ajuda a tomar a Ilha de
q com Portugal aflentou. 196 Eviça.
Grão Meſtre do Templo queimado ſem Infante D.Pedro trouxe a Portugalos ofius
culpa III dos cinco Frades Martyres que padeceu
Guilh elmedaLonga eſpada General dos ráo em Marrocos.
eſtrangeiros, que ajudou tomar Lisboa Infante D.Fernandode Serpå. 60
quem era . 37 Infante D. Afonſo de Molina vem em ajuda
Guilheline de Corni Frances Ruthor da A- delRey D.Sancho Capello. 61
touguia ,de quem deſcendem os Atou . Infante Dom Afonie de Molina, & fuadela
guiasdeſte Reyno. 39 cendencia.
Infante D.Diniz delcis annosvai a feu avd
H a Caſtella que o arme cavalleiro, & the
quiteo torodo Algarve.
porD
HAbitode Capalleirosde Chriftoqua Infante eDoigiztornaarmádəcavaliere
mão de feu dequi.
Henrique cavalleiro Alemão Sito,q mor- taçãodo foro ,& muytasjoyas. 81
reo no cerco de Lisboa. 36 Infante Dom Afonſo primogenito delRey
Heſpanhoes não forão águerra fanta por os D.Diniz.
Mouros que deixavão em cala. 14 Infante DomJoão filho delRey Don Tue
Hiſtoria dos Aragoetes fobre Arnaldo Be- dro,cazado com D. Cottançá filha dels
renguer livrar húa Emperatriz de Infa- Reyde Castella, 149
mnia reprovada. 38 Infante D.Dini z filho delRey D.Puding &
Hiſtoriadores raramente tratão as couſas de endencia
ſua deſc .
ſeus Reys,ou mayores com vcrdade. 151 Infante D.Diniz não reconhece D. Lar
Horas de N.Senhora quando fe começárão Tellez por Rainha
a rczar , & quem as introduzio. 14 Infante D.Diniz comoſe paſſou a Cilella.
Horas perenncs ſe cantáváo antigamente fol. 173
em todos os dias, & noites no Moſteiro Infante D.João fruſtrado deruas epara ass
de Alcobaça 48 vaiſe da Corte. 183
Infante D.Sancha filha delRey D.Sancho I
1 governadora de Lorvão. 53
Infante D.Sancha filha do meſmo Rey', il
DaddRey D.Sancho II. a Caſtella foi nhora deGuadelajara. si
тра
ein tempo delRey Dom Fernando 3. Infante D.Beréguclla filha do meſmo Rey
morre fem cazar.
ſcu primo . 66 22
Igreja Cathedralde Evora quando fe orde- Infante Dona Lianor cazada comelRurde
100 , & edificou. 41 Dacine
Tofino
2015
INDEX
Infante D.Branca filha delRey D.Afonſo fol.
Abbadeçadas Holgasde Burgos, & 'le: Leys delRey D. Fernando Tobre diverſas
nhora demuytastorras. 81 coufas utiliffimas. 203
Infante D.Branca Abbadeſſa das Holgasspa Lenho da véra Cruzerabandeira dos Pura
rio de hum certo cavalleiro a João Nunes tugueſes na batalha do Salado. 159
do Prado Meſtre de Alcantará. 81 Leventa fobrinho delRey Stephand cha
Infante D.Beatriz filha delRey D. Pedro mado pelos Vngarospera ſer Rcy.
& de Dona Inez de Castro, & fua nobre Levent'a mortefera filhos. 3
defcendencia. 151 Liberalidade del Rey D.Pedro , : 155
Ingreſesqueixofospor ſe fazerem pažesco
Galtella ás eſcondidas dellesi
Lisboa ſempre foi grande; &nobre. - 36
196 Lisboa tomada primeiro aosMouros por el
Ingreſes tratío as couſas dos Portugueles Rey Dom Afonsoo Cafto , & por Carlos
como de inimigos. 184 Magno. 36
Injuſtas condiçoescom que el Rey de Fras Lisboa tomada fegund a
vezp orelRey Do,
çafez elogero Papa Cleiñente. 116 Afonſo VI.de Caftella,&i
pelo Conde D
Inquiriçãoque ſe tirou fobre !o cazamento Henrique feu genro. 11
del Rey Dom Pedro com Dona Inez de Lisboa tanáda terceira vezpor elRey Dó
s Caſtro 156 Afonſo Henriquez, &pelos eftrangeiros
Infignias daCidade deEvora declaradas 4.1 da Armáda: idein
João Fernandez Anueito Gallego como le Lorreina dividida em ſuperior, & inferior.5
rego pera clRey D. Fernando . 163 Loulé, & Aljezurcomo os tomou elRey
João Fernandez Andeiro enviado a Ingla- D.Afonſo III 155.
terra tratar amizades como Duque de Louvores da inclyta, &Real cidade de Lisa
Lancaftio. 185 boa.
36
João Fernandez Andeiro vem ocultamente Lugares de Riba de Coi, que ficarão ael
per mandado del Rey, 185 Rey de Portugal. 96
João Fernandez Andeiro praticava coinà Lugares que elRey D. Afonſo deu aos ÉR
Rainhasó. 183 trangeiros,q quizerão ficar no Reyno.37
João Fernandez Andeiro feito Conde de Lugares qucelRey D. Afonſo Henriquez
Ourem 189 tomou aos Mouros na eſtremadura. . 39
foy:as que mandou clRey Dom Fernando a
'Aragão á Infánta fua eſpoſa quc tornário M
i atrazer 167
Jomiada delRey D.Afonſo Henriquez con
tra elRey Ilmar. ŽŽ M Alcfici
Sanchoosque osprivadosdelReyD.
Jornada do Infante D.Sancho contra elRey Rainha D.Micia Lopez. 61
de Sevilha 43 Martim Moniz filho de D.Egas Moniz inor
Ira;& ambição maos conſelheiros. 182 to na batalha de Ourique. 29
Juramentos dosgrandes de Caftella, & Por- Martim Afonſo Chichorro filho delRey D.
tugal,fobre as capitulaçoés,& cazanéto Afonſo III .& de hūà Mouriſca. 82
daInfante D. Beatriz . 201 Mathilde Códellade Bolonha não pario de
elRey D.Afonſo teu marido. 74
il Memoria da batalha do Salado, que está ein
hum marmore na Sé de Evora. 141
IN DE X
Opinioés do conſelho de Portugal fe fe rece Vltra mar. 12
beria no reino elRcy D. Pedro deCaftel- Peſte geral de todo o mundo que conſumio
ja vindoſe acolher a clle. 158 amaior parte delle. 145
Opinioés de qual dos Reys de Castella & Petiçaó
ſ pa
injuſta do Infante Dom Afonſo a
Portugal pedio ao outro pazes. 195 eu y: 107
Ordem dos Templarios & Tua origem . 25 Portugal ſe deu em dote fem obrigaçaó al
Ordem de S. loam do Hoſpital. 26 gúa devafiallagem ou tributo. IO
Ordem de S. Ioam do Hospital em quantas Portugueſes não conſentem que el Rey D.
lingoas &naçoés ſe divide. 27 Sancho I.va á guerra ſanta. 49
Ordem dos Ermitãos de S.Agoſtinho. 39 Practica dehum embaxador de Carmona a
Orden de Sam Bento que agora ſe chama el Rcy Dom Fernando. 168
de Avis . 47 Preços das coulas ſe levantaó com a mudan
Ordem de Avis mais antiga que todas as mi- ça das moedas. 170
litares de Heſpanha. 47 Prelados dePortugal queião a Aragão para
Ordem da Santíſſima Trindade inſtituida trazer a ſpoſa del Rey Dom Pedro. 167
per Dcos , 52 Prefagio daCondella de Bolonha,ſobre ſeus
Ordé de Sam Domingos, & fua inſtituiçaó filhos. 4
& confirmaçao. 52 Preiente de bandeiras & captivos da batalha
Ordem de Sain Franciſco & ſua inſtituiçað do Salado ,mandado ao Papa, 142
fol. 53 Principes & fenhores que fe offereceraó pa
Ordem de N.Senhora de Monte Carmelo , ra a conquiſta da terra fanta. 12
& fua origem 53 Prifaó da Rainha D. Tareja per ſeu filho foi
Ordnes de Santiago & Avis ampliadas por falſo teſteinunho : 23
el key D. Sancho. 49 Priſao de D.Ioam Meſtre de Avis & de Gó .
Ordnes do Templo & do Hoſpital amplia- çalo Vaſquez de Azevedo. 191
das pelo meſmo. 49 Privados del Rey Dom SanchoCapello de
Ordem de Santiago exempta de Caſtella ſtruem o reino com favor de Dona Micia
fol. 109 fol. 66
Ordem de Monteſa 110 reino deValença dó- Proezas dos Portugueſes na batalha do Sa
de tem origem . 112 lado. 139
Ordem de Sain Ieronymo quando ſe inſti- Promella del Rey D.Sancho Capello ao le
tuio , 178 gado do Papa que não cumprio. 62
Ofonoba cidade antiga do Algarve& igre- Promeſla de noflo Senhora elRey D.Afon
ja Cathedral que fe pallou a Sylves. 86 fo Henriquez delle apparecer. 28
Ouguella come ficou comelRey de Portu- Promeſſa delRey D.Fernando aos de Car
gal. 96 mona que não comprio. 168
Ouro & Prata queos chriſtãos houverao da
batalha do Salado. 142
Q
Р Validades da perloa del Rey Dó Fer
Almel la Cezimbra & Almada deſpo
Q nando .
Queixumes queos Prclados de Portugal fi
203
P voadas com medo dos Mouros. 51 zerað ao Papa fobre o caſamento delRey
Papa Gregorio XI.trata concordia entreos Dom Sancho II . 62
Reys de Portugal & Cafteila . 169 Queixumes del Rey D. Pedro de Caſtella
Papa VrbanoVI.ievero & poucocauto.183 contra ſeu tio Rey de Portugal. 159
Pater nofter que nas audiencias da corte fe Queixumes de Aliboacem a Mafamede por
reza pola alma del Rei D. Dinis, 109 o ſtado adverto em que ſe via. 136
Pazes entre os Rey de Castella & Portugal, Queixumes da Condella Mathilde & de al
fol. 135 güs Principes de França ao Papa ſobre o
Pazes entre Portugal & Caftella per meio Caſamento de ſeu marido. 81
do Cardcal de Bolonbia. 173 Queixumes que el Rey D. Dinis fez a ſeus
Pedro Rey de Vngria ſucceſſor dc Stepha- fidalgos doInfante ſeu filho. 102
no.
Rainha D.Tareja filha de D.Sancho 1.ſepa- Rey D.Afonſo Henriquez não teve filha
radadel Rey D. Afonſo deLiao. 55 fe chawafie Dona Mafalda 31
Rainha D. Micialevada per força per ho- Rey D. Afonio Henriquez offerece imeta
més Portugueſes. 62 de de Lisboa aos estrangeiros. 36
Rainha D. Beatriz vaia Toledo pedira feu Rey D. Afonfo Henriquez ferido de húa
pay asterras do Alguarve. 86 qucda & piclo por el Rey de Liao ſeu
Rainha S. Labc! vai a Caſtella a meter em genro . 42
paz ſeus netos. 119 Rey D. Afonſo Henriquez režava no coro
Rainha D. Maria'molher del Rey D.Afon. com osConegos deSanta Cruz.
fo XI.de Caſtella, vai fallar a leu marido Rey Dom Afonio II. cerca ſuas irmáas & el
em caſa da manceba. 119 Rey de Liao as ſoccorts. 57
Rainha D.Maria maltratada de ſeumarido Rey Dom Sancho II.porque ſe chancuCa
elRey D. Afonſo XI.de Caſtella. 119 pello. 6
Rainha D. Beatriz vai aCaſtella pedir pazes Rey D. Sancho deſcuidado & inhai-il para
a ſeu genro. 130 governar o reino.. 61
Rainha D.Lianor Tellez com palauras, & Rey D.Sanxho vai a Caſtella pedirſoCOCITU
com obras ganha a benevolencia de to- contra ſeu irmão. 60
dos. 172 Rey D. Sancho não recebeo dadiya algúa
Rainha D.Lianor Tellez com ninguéteve delRey de Caſtella no tempo que la afi
dou .
fama fenaó'coo Conde Andeiro . 203 66
Rainha D. Beatriz verdadeiramente foi fi Rey D.Afonſo X. de Carteita naő douto
Tha del Rey D. Fernando. 203 ras algías em dote as Coride de BO.
Rainha D. Beatriz filha del Rey D. Ferná nha. -8
do honeftiflima & de grandes virtudes, Rey D.'Afonſo Conde de Bolonii . 3914
fol. 203 zado para Romapor cazar com hlasito
Razoainento de Pedro o Ermitão ante op lheres. SI
pa Vrbano II. 12 Rey D. Diniz récula verſe com el Rey de
Razoamento delReyD.Afonſoaos ſeusan- Caſtellaícu avò cin Badajoz. 95
tes da batalha de Ourique. 29 Rey D. Dinis ciccto arbitro entre os Ros
Razoamento de D. Martim de Freitas aos de Caitella & Aragão. 28
ſeus eſtando em grande aperto . 65 Rey D. Diniz vaia Caſtella acomp shado
Razoamento da Rainha D. Beatriz de Por demuitosgrandes & prelados. OS
tugaloqdatezmeſa
a feuBarccl
gero Reyde Caſtelado.
la. 130.
38 Rey D.Dinizemlargo em rremun
Refrã onela deciar & fevero caſtiga os. virtuvjos
delicierar es
Recebimento delRey D. Fernando com Rey D. Diniz dos primeros queeſcreverão
D.Lianor Tellez. 171 metros aomodo dos Proēçaes.
Recebimento do Conde Cambrix em Lis- Rey D. Afonſo XI. de Caſtella faz os corſe
boa. 183 Thos & defpacha em caſa de lua anaga D.
Recebimnecto da Rainha D. Beatriz com el Lianor Nunez. 119
Rey Dom Joam de Caſtella per procu- Rey D.Afonſo IV.dePortugal faz muito da
raçao. 199 no em Galliza. 122
Recebimento dos meſmos per mão do Car- Rey D.Afonſo XI. de Caſtella vc a Pori
deal D.Pedro de Luna. 201 gal pedir locorto a leu ſogro. 536
Rey
219
INDEX
Rey D. Afonſo de Portugal não cóſente não dar batalha ao dePortugal. 195
le alargue Tarifa aos Mouros. 137 Rey de Caſtella recuſa de aſſinar os contra
Rey de Portugal contra el Rey de Granada ctos das pazes por lhe não ſerem honró .
na do Salado. 138 fas. jgt
Rey ina
de Portugal rompe primero a batal138 Joamrde Cast
Rey D.recebe ella com que ſenhores
contra el Rey de Granada. veo molher Portvgal
ſua a . 200
Rey de Portugal D. Afonío IV. & feu ef- Rey de Armenia Leão V. acompanha a el
forço com que desbaratou a el Rey de Rey de Caſtella, & leva aRainha de re :
Granada. 139 dea . 200
Rey de Caſtella & o dePortugal como fo- Rey de Caſtella diſimula o exceſo Nu
ráo recebidos emSevilha pola victoria do no Alvarez Pereira fez ante elle. 200
Salado. 141 Reys de Tunez niais nobres que os outros
Rey de Portugal não accepta parte do grã- Reys Mouros. 138
diffimo deſpojo dos Mouros. 142 Reyno de Portugal confirmado pelo Papa
Rey D. Afonſo como ia matar a D. Ines de Alexandre III .
Caſtro. 17 Relpoſteiro mor antigamente fazia o ofi-,
Rey D. Pedro dava fentenças fein ouvir as cio de Camareiro mor: 194
partes . 151 Reptò entreRuy Paéz de Viedma & Pero
Rey D. Pedro ſempre trazia conſigo hum Roiz Caſtelhanos. 142
algoz & na'cinta hum açoute. 151 Reſpoſta del Rey de Caſtella á Rainha de
Rey D. Pedro nunqua vexou o povo com Portugal iua togra. 131
peitas. 155 Reſpoſtadel Rey D.Pedro ás deſculpas de
ReyD.Pedro le não tinha por Rey odiaſ feu tio que o não recolheo em ſeu reino ,
fol.
não dava. 155 159
Rey D. Pedro grande remunerador defer- Reſpoſta del Rey D. Fernãdo aoscercados
viços. 151 de Carmona. 168
ReyD. Pedro ſobejamente amigo'dė dan: Reſpoſta ruſtica do Conde de Cambrix ad
ças & feſtas: 155 Meſtrepedindolhe favor. 191
Rey D. Pedro declara a D. Inez de Caitro Revogação queelRey Dom Diniz fez das
por ſua molher. 156
Rey D.Pedro deCaſtella vindo a Portugal doaç oés que fizera ſendo moço antes de
fer Rey . 92
não he recolhido de fcu tio: 158 Rotura da amizade entre el Rey D. Afonſo
Rey D. Fernando accepta vingar a morte Hériquez & elRey de Liãoleu gero. 43
delRey D.Pedro de Caſtella. 159 Roubos,& crueldades dos Ingreſes chamae
Rey D.Fernádo recebido em Galiza. 163 dos para ſoccorro. 184
Rey D.Fernando começou a reinar proſpe- Rua nova de Lisboa queimada pelosCartea
Thanos.
ro & riquiſſimo. 161 175.
Rey D. Fernando trata de caſar com Dona Rumor do povo ſobreo caſamento delRey
Lianor Tellez. 172 D.Fernádo com D.Lianor. 171
Rey D.Fernando remifo & a Rainha atre S
vida. 192
o In- nhores & fidalgos de Portugal. 200
fante de Caſtella com que eſtava concer- Sam Giraldo não foi o primeiro Arcebiſpo
tado por amor de D. L anor. 170 de Braga. i7
Rey D.Fernádo notado de não fair a ciRey Sain Giraldo não foi Deão de Toledo, nem
D.Henrique paſando perto delle. 174 faio de fua ordem . 16
Rey D.Hérique vaide tubito a Lisboa. 174 Sam Giraldo ſendo monge foi electo Arce
16
Rey D. Fernádo o mais gentil homem de biſpo de Braga .
ſeu tempo . 17+ SainGuilhelme Duquede Aquitania & fui
Rey D.Henrique de Caſtella entra en Por- converfao 39
tugal. 173 Santidade & milagres del Rey D. Afonſo
Rey D.Fernádo contra o contracto das pa- Henriquez 48
zes quer guerra com Caltella. 185 Santarein como ſetomou có pocos da mão
Rey D. Fernádo reconhece ao Papa Vrbá- de infinidos Mouros em eſpacio de humà
no VI. 18. hora. 33
Rey D. Henrique de Caſtella notado por Sátarem cómo ſe chamou antigamente dos
Qoz Rom
INDEX
Romanos & dos Mouros. 3+ contra D.Afonſo Sarchez lcuirnici
Santarem era húa das Relaçoés que havia Testemunho talio da Rainha Dona Llor
na Lufitania. 34 Teilcz contra fua irmãa. 12.
Samtarem húa das mais nobres villas dcHct
Thefouro que deixou Rei Dom Sancro ).
panha. 34 & cinque lugares ſe guardava. 56
Santarem nos autos das cortes ſe allenta 110 Theſouros que clRey D. Pedro de Pont
banco das maiores cidades do reino. 45 gal ajuntou ſem vexação do povo. 155
Sentença dos Reis Dom Diniz & Dom lai- The curo del Rey Dom Petrode Cate
mes na cauſa del Rei de Caftella & Dom roubado . 153
Afonſo de Lacerda . 99 Tomada de Sintra ' & Mofora.
Sentença contra el Rey Dom Afonſo emta Tomada de Moura,Serpa,& Alconciel 41
vor da Condefa de Bolonha. 81 Tomada de Cezimbra .
Sentença injuſta del Rey Dom Afonſo IV. Tomada de Seglir, & Alvor. $$
contra feu irmão . 115 Torménta grade & elpátolà em Lisboa.105
Sentenças injuftas & riguroſas del Rey D. Trasladação do corpo de D.Ines de Cali ?
Pedro . 153 a Alcobaça. 157
Sé de Sylves Cathedral em lugar dade Ol "Tregous queos Mouros do Algarvefi 20
finoba per el Rey D.Afonto o Sabio. 90 com o Meitre D. Paio . 5
SepulturadelRey D. Afonſo Heriqucz. 48 Tres Reys Pedros em Heipaaha onha
SepulturadelRey D. Diniz. 114 merino tempo crucis. 151
Sepultura del Rey D. Afonfo IV. 148 Troca cruel queos Reys Pedros de Periu
Sepultura de D. Ines de Caftlo com effigie gal & Caftella fizerão de fidalgos qite 2
de Runha. 157 cilcs fe acolherão. 152
Tempeſtades & fomes q houve neíte reino Vniversidade de Coimbra inſtituida por el
ein rempo dci Roy D.Sancho I. 53 Rcy D. Dinis.
Terras de Galliza que el Rey D. Sanchol. Vniuerſidade de Coimbra mudida a Lisina
tomou ad Rey de Lião ... 52 por el Rey D. Afonío IV . 14
Teſtamento del Rey D.Sancho . 56 Voto que elRey D. Afonto Henrique
Teſtainēto de Mathilde rondeira de Bolo. a S.Bernardo ſe tomafic Santar 5+
nha. 70
Teftamento del Rey D.Dinis. 113
* T50 TIM
Teſtemunho falſo do Infante Dom Afono
TTEREDEEEEEETITAGாக
கழாக
கைப
ட்பாகcei.
பப்பா கலக்கல்ல. T
DRESSE