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1

CHRONICA
DOS REYS
DE

PORTUGAL :
COM PRIVILEGIO DO PRINCIPE NOSSO SENHOR .

Anno 1677.
வாடிக்கையாக
படபடக்கும்
-வகை

A
-
1
-

1
10
WB11106.0
301TCIODOLLS
CI- E OMIC
7
CHRONICA
DOS

REYS DE PORTVGAL
REFORMA D A

Pello Licenciado DVARTE NUNES DO LIAM,


Dezembargador da caza da Supplicaçao.
Offerecida
AO SENHOR

D.MIGVEL DE PORTUGAL ,
CONDE DE VIMIOZO , & c.

LISBOA
Na Officina de FRANCISCO VILLEL A, & à ſuacuſta.

M. DC. LXXVII.
Com todasas licençasneceſariasa
:
DLOQOOQOOQUOQOCC PU000 DEICOLE ouroung one

URVA GO
TA RESVR

DODAQLONDOOOO 000 DAGDQA000000G) dacO20QOSTO ooooo GO000000

DEDICATORI A.
AHIO à luz com tanta fortuna , em a có
mum aceitaçao ,no anno de 1600.eſte liuro,
em que o Doutor Duarte Nunes do Liao
eſcreueo as vidas dos primeiros noue Reys
de Portugal , & ſeu progenitor o Conde D.
Henrique,que ſe gaſtaraó de ſorte os que ſe
imprimiraó,que ha muitos annos , em que
ſe naó achaua mais que o dezejo dos que os procurauao : Có
o que me reſolui por fazer â patria algum ſeruiço, a imprimir
outra vez eſta hiſtoria igualmente aceita pella materia, que
pello eſtilo. E para queo Author me não deua ſomente a co
ſeruaçao da memoria ,quero que ſeja maior a obrigaçao , em
o acerto do patrocinio,quelhe ſolicito em a grandeza de V.
S.& ferà eſta a addição,ou emmenda , que na ſegunda im
preffaõleue eſte volume. A quem ſeu Author em a primei
ra quiz que ſeruiſſem ſô de Mecenas , que o patrocinaſſem os
meſmos Heroes,de quem eſcreuia,com atenção (por ventu
ra ) de naõbuſcar nos Princepes eſtrangeiros, queentao nos
dominauão ,amparo á hiſtoria dos Reys naturaes:querendo
antes que o tiveſſem em as cinzas proprias, que nas luzes e
ſtranhas, Porèm como as da grandeza deV.S.fe deriuao do
meſmo eſplendor daquelles Reys, ſem ſe faltar àquella até
ção,ſe ſupre eſta falta,pera que ampare húa Eſtrella viua , o
que não podem defender aquellas luzes mortas.
Pella inclinação,& pelloſangue,lò a V.S.toca eſta obrigaa
ção. Pello ſangue como deſcendente, por ſua varonia Real
de todos aquelles Reys , cujas heroicas vidas manifeſta eſte
volume,que ſe as proſeguira na meſma ſerie dos Reys,virà o
iij mundo
.
mundo as proezas daquelles grandes varoésprogenitores de
V.S.deſpois que aquelle Real tronco lançou tað florecente
mar
ramo. OscãposAfricanos, & as prayas Portuguezas, ſe viraó 3272
glorioſamente rubricadas co o ſangue dos ſenhores Códes
D. Affonſo, & D.Franciſco,biſauo,& tio de V.S.que fizeram
perder a cor às agoas dos rios Lucus, & Tejo, nas duas laſti
moſas batalhas de Alcaçar, & Alcátara,em que Portugal por
decreto ſuperior perdeo a ſua liberdade,ſem lhe poderé va. L
ler ao decretado torréte dos infortunios,oshombros de tað
grandes heroes,que perderão hū a vida, & outro muita parte
do ſangue,em hű,& outro cóflicto.Queixacommum que os L
Portuguezes lamentarião ſempre,fe a prouidencia nað reſti ī
tuira no Senhor Code D. Affonſo,Marquez deAguiar,Pay de
V.S. hum dos primeiros motores da noſſa reſtauração , & o Ordine
primeiro,& vnico Generaliſfimo das noſſas armas , de cujas 13,8 CC
memorias ſerà ſempre padrão a noſſa ſaudade.
Pella inclinação,como profeſſor das letras humanas,a cu
jo digno emprego dedica V.S. o ocio de maiores cuidados,
por não incorrer na ſentença do ſenhor D. Fráciſco de Por 1230077212

tugalI Condedo Vimiozo z.auó de V.S. que a ignoranciacfiana


dalizao entendimento,có o que tem V.S porherāçaas letras, & 14

as armas,& por occupaçao as armas, & as letras,ſendo igual


o acerto,có que no Conſelho de Guerra, reſolue as materias
militares,deſpois de hauer aprendido eſta arte, verdadeira Hoi divroe
mente de Princepes,em as Cápanhas do Alé- tejo,& a hauer హ
glorioſamente enſinado em o gouerno de Euora ; ao co que
dádo aſsõbro a admiraçao cómum, em todaa parte diſcorre
as politicas,domina as mathematicas,obferuaas hiſtoricas,&
illuſtra as eruditas. Com que ſeguro tem eſte livro o credito,
& a defenſa,achado em a generoſidade deV.S.a approuaçao,
& o amparo.Deos guarde a V. S. Lisboa 6.de Ianeiro 1677.
Criado de V.S. Q. S. M.B.
Franciſco Villela.
2

LICEN CAS DO S. OFFICIO.


Odeſe tornar a imprimir o livro de que ſe faz mençam,& im
P , se
&
tem ella nam correrà Lisboa 3.de Iulho de 674.
Fr. Pedro de Magalhães. Manoel de Magalhães de Menezes,
Manoel Pimentel de Souſa. Pedro Mexia de Magalhães.

Podeſe imprimir. Lisboa 15. de Iulho de 1674.


Fr. Biſpo de Martyria.

LICEN C, AS
Do Deſembargo do Paço.
Ve ſe poſſa tornar a imprimir, viſtas as licenças do Santo
Officio ,& Ordinario, & deſpois de impreſſo tornarà à Men
za peraſe taxar,& conferir, & ſem iſſo nam correrà Lisboa 17.de
lulho de 674

Magalhães de Menezes. Miranda


Carneiro, Roxas,

Vno
nica , eſtar conforme comoOriginal,pode correr efta Chios
Manoelde Magalhães de Meneſes. ManoelPimentelde Souſa
Manoelde Moura Manoel. Fr.Valerio de S.Raymundo.

TAxão eſte livro emoito toſtöis, Lisboa 18.de Ianeiro de 1677.


Marquez P. Carneiro. Roxas, Bafto.
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Fol. 1 ,

GR

CHRONICA
DO CONDE DO M HENRIQ VE
fundador do Reino de Portugal.
Composta pello Lecenciado DVARTE NINES DO LIAM,
Deſembargador da Caſa da Supplicação.
Or a empreſa que tomei de eſcrever dos primordios do
Reyno de Portugal, & de ſeus princepes couſas tam diffe-.
P rentes das hiſtorias atè agora recebidas & approvadas,bem
vejo a quanto perigo me ponho com todos, & quam au
daz, & temerario negócio parecerâ condenar eu por apó.
criphas couſas, tam labidas de todos, & nunca poftas en
dúvida,& que ſendo aceitas pordiſcurſo de tantos Annos, parecem fer fa
gradas inviolaveis; mas confio, que oshomens que com entendimento, &
fem paixão me lerem ,terdm mer trabalho porbem empregado, & ferma
is digno de agradecimento que de reprehenſao : porque a mim não me
moveo o amor, odio, ou eſperança de algum interelle,dePrincepes que
ha quinhentos annos que paſſaraõ né cobiça de ganhar honra con Auto
res mortos,que jâ por ſi nao podem tornar,& que ſendo vivos nào ſe puk
derai cefender. Mas deſejo de moſtrar a verdade,que todos os bonsde
vem ſeguir, & abraçar, & que por ſi ſe deſcobre & manifeſta, Moveine
principalmente,a muita indignaçao que tinha de ver por culpa dos antín
gos ,& negligenciados preſentes,maculadaa honra, & fama de muytos
Princepes,& Princeſas delte Reino,de quem ſe pudèraó recontar muytas
heròycas virtudes contrárias aos males que lhes fallamëte empoem contra
o cuſtume de todas as Naçoes ; que nas hiſtorias que fizemo de ſeus Reys,
ſempre buſcáraó as mais notaveis virtudes, & honroſas partes que tiverao
pera honrarem ſuas memorias . Chegàvaſe a iſto, que muitos hiſtoriadores
por verem o dano que trazem hiſtorias erradas, & a trovaçaõ que dam ao
entendimento,emmendâraõ as que outros eſcreveraõ,ſem por iſſo os notà
yen de algúa culpa. Thucydides emmendou as hiſtorias de Helanico dos
А Atheni
C
1
Athenienſes,onde o vio deſviar da verdade.Dionyſio Halicarnaſeo,ſendo
eſtrangeiro,Grcgo natural de Aſia emmendou a Fabio Pi& or, & aLefii
nio, & a outros nobiliſſimos hiſtoriadores Romanos, & enſinou a meſma
Roma a verdade de ſuas hiſtorias,em couſas mais veriſimeis, que as que ſe
contao dos primeiros Reys de Portugal,que nos agora reprovamos pelo q
em erros tao manifeſtos nao me devem atribuir a cemeridade meter mão a
os emmendar,porque nao vim ao fazer taõ deſajudado de algúas partes.
Que âlem da natural inclinaçao que deſde moço tive à lição das hiſtorias,
nao ſomente las de Eſpanha,mas per noticia que tinha de algúas lingoas,
li quaſi todas as de Europa,âlem da muita noticia tive do tombo Real
do Reino quemuitas vezes revolvi pera couſas do ſerviço de fua Magef
tade,& do Cartorio de Lisboa, que revolví no tempo que lhe reformei
fuas poſturas, & regimentos,afora muitas efcripturas de doaçoens, tefta
mentos,titulos de fepulturas, & contratos de Moſteiros do Reino, & de fo
ra delle; & livros dosconſilios de que me ajudei;pera averiguar muytas
couſas pela razão dos tempos,queheo Norte das hiſtorias: pelo que ſen
do eu homem ſufficientemente informado das couſas do Reyno,&tam co
nhecido em elle, & em todos ſeus ſenhorios, & de muitos homésdoutos fo
Ta delle,porferviçosque fiz publicos,não parecia muita audàcia ou teme
qidade a tao manifoltos erros acudir com ozello que ſempre tive do bem
comumja que cutrem a iſſo le não ofterecia,como eu ſempre deſejei. Eftas
cauſas q dei, me moverao a emprender eſte negocio.Mas como via quam
inſofrivel pareceria a todos os homens deſte Reyno deſemprenderem ſen
do velhos,o que mamàrað no leite fendo mocos, confeſſo , que com nam
ſer poſilanimo,muitas vezes quiz deſiſtir do começado;feElRey D.Pheli
pe noflo ſenho, de gloriofamemoria eſtando nella Cidade, & dando eu
conta a ſua Mageſtade do ferviço qfaziaà memoriados Reys deſte Rey
no feus Avós com ſua Real authoridade, & juizo tao raro, me nao animas
ra,aprovandome o que comeſſara, & mandandome que o proſeguiſe, & ti
raffe a luz. Eſcrevendo depois ſobre iſſo eſtando em Caftella ao ſereniffr
mo Princepe Archiduque Alberto feu fobrinho, & depois de fua ida aos
Gouernadores deſte Reyno, encarregandolheso meſmo,pelo que aquillo a
que temia os malevolos chamaſſem temeridade & protervia, ficou ſendo 1,17
obediencia, & neceſſidade;quiz fazer niſto tantas falvas,como home mor
dido de detractores quenão tendo mãos para fazerem obras ſuas, tem lin.
goas para caluniarem as alheas.
E paraque nos não attribuão a arrogancia contarmoso noſſo por ver 1

dadeiro ,deixando o antigo eſquecido, referiremos primeiro o que repro


yanos , & defpois contaremos o que danios por verdadeiro, imicando tain
kennifto osboslavradores, 7 primeiro que lemeem a terra;atrancão os
eſpinhos & hervas más, que a occupavam.E pera dos q le contentão mais
do antigo, o tenhão ſempre diante, & figam o que lhes melhor parecer.
E
DO CONDE DOM HENRIQVE. ody
E vindo a noſſa hiſtoria faremos principio do Conde D.Henrique, de q os
Reys de Portugal deſcenden, Da qual por grande deſcuido & rudeza dos
antigos,não ſe ſabe fua linhagen,nem p3tria em certo. O que não he pea
quena afronta para hum Reino florentiſimo, & tam grande,como he o de
Portugal , que o tem por author, não ſendo ſeus tempos tan diftantes dos
rolius,como forão os dos Condes de Caſtella, & Aragio,cujos nomes 0
rigem ſouberaó fempre ſeus vaſſallos. Polo que como hús o fazem de húa
Provincia,outros de outra, & ficou ſua patria tarn incerta , referindoa a di
verlas naçoés, foime neceſſario ,diſcorrer per hiſtorias de outras gentes, para
averiguar a opinião,g de ſua patria & linhagem ſe deve ter, pois trato de
clcrever as vidas dos Reys de Portugal, ý delle tem origem . E porque os
que do Conde D.Henrique tratàraó com razão os Portugueſes tinhaó o
brigação de dar mais razão da verdade de ſua origem, & a elles ſe devem
arrimar todos os “ a não ſouberem , começaremos da opinião teve Du
arte Galvão,a quem tocava tirar a duvida que ſobre iſſo avia,como Portu
gues ſecretario delRey ;& feu chroniſta,& peſſoa de grande authoridade,
O qual na vida delRey D. Afonſo Henriquez allirma o Conde D. Herria
queſeu pay fer filhode hum Rey deVngria,não declarando de que Rey,
nem dando razão de ſua vinda a Heſpanha, ſeguindo ſòmente ( como eſtà
diso)o que achouem algúa memoria pouco autentica,ou na famapopular.
Mas quem com diligencia revolver as hiſtorias daquelleReyno, & come
çara contar do tempo de Stephano primeiro Rey Chriſtão, até o de La- Stepha
dislao,que morreono anno de noſſo Senhor Iesv Chriſto de 1095.quando no pri
jà D.Afonfo Henriquez eranaſcido,não acharà que Rey algum de Vngria meiro
tiveſſe filho por nome Henrique,nemoutro quea eſtas partespudeſſevir. Rey de
Porque aquelle Stephano primeiro Rey quefoi fanto & canonizado, fuy Chriſtáo
filho unico de Geyſa Duque deVngria & da Duqueſa Sarolta ſua mulher,
& naſceo no anno de 969. No qual tempo não podia o Conde D Henri
que fer naſcido,poisvindo como cavalleiro aventureiroganhar honra,que
neceſſariamente avia de ſer mancebo,& deixando ſeu filho D. Afonfo de
defoito annos,& ſegundo alguns de meno , aleceo no anno de 111 2. co
mo a diànte ſe dirâ.Eſte Rey Stephano morreo ſem filhos Porque hum só
que teve por nome Emerico,ſendo cazado falleceo Santo,& virgem em vi
da de ſeu pay no anno de 1031.Polo que a elRey Stephano fuccedeo Pe
dro fcu fobrinho filho de búa ſua irmãa.O qual ſendo privado do Reyno
pelos Vngaros por ſua diſſoluta vida ,& deſterrado, & acolhido a Bavaria ,
foi ſubſtituidoen ſeu lugar Aba cunhado do meſmo Rey Stephano. Mas
Aba não dorou muyto ,Porque por ſeus vicios & incontinencia, que veyo Aba Rei
a ſer tanta,que tinhao os Vngaros ſaudade do tempo de Pedro,juntos ein de Vn
hia conſpiração, com ajuda do Emperador Henrique o III. o matàraŭ rco griamor
fcm
não ficando delle filhos: & a Pedro reſtituirao a ſeu antigo eſtado. Gilhos.
Tornando Pedro ao Reyno,& achandoſe fem competidor,veyo a fazer
A2 pcor
CHRONICA
peor vida que apaſſada, & tantos males & exceſſos a ſeus vaſſallos,que el
les lhe vieraó a cor mayor odio que antes. Polo que mandarao chamar do
us ſobrinhos delRey Stephano, queandavão abſentes.f.Andre mais velho
ein Polonia ,& Leventa na Ruſcia: os quaes elRey ſeu tio ao tempo de ſua
morte mandou a Boemia,receandoſe aos matafſem nas lediçoes,q ſe eſpe
rauão ſobre a ſucceſlao do Reino. Vindo eſtes Princepesa Vngria , mataraó
a Pedro, qcom medo delleshia fugindo para Auſtria. Eſte Rey Pedro foi
Rey
dr Pe- cazado com hūa filaa de AlbertoDuque de Auſtria: da qual le nao acha
o de
Vngria eſcrito q ouvelle filhos antes he veriſimel,que os não ouve.Porq em quan
sé filhos. tos negociosteve ſobre ſeu reinado, & ſobrea privação & reſtituição del.
le,& em todos os caſos, aacontecerão no diſcurſo de ſeu tempo,em que
Vngria padeceomais trabalhos & perſeguição g em nenhum outro,nao ſe
fazmençãoalgúade filhos ſeus.O quede neceſlidade feouvera de fazer,
ſe algum filho tivera.Diſto hegrande indicio & prova,quehadefenſað
neſle tempofazia o DuqueAlbertode ſeu eſtadode Auſtria, das opreffocs
de Aba,fe falla de ſeu filho Leopoldo o Forte, & não de netus ſeus filhos
de Pedro,que veriſimelmente ( le os tivera) aviao de eſtar com ſeu avô em
Auſtria,para onde ſe acolhera feu pay. E outra razão ha ainda mayor, que
fallecendo Leopoldo , era primogenito do Duque Alberto no anno de
1042.em vidadeſeu pay , & defpois morrendo Herneſto filho ſegundo na
guerra , feu pay tinha com os Saxones,ſuccedeo a Alberto no Ducado de
Auſtria, porfallecerſem defcendentes,hú ſeu parente tranſverſal per no
me Leopoldo, que foi pay de Leopoldo o Pio. O qnao fora, fc de fua fi
lha, & delRey Pedro tivera neto algum.
Rey Le Morto Pedro,em ſeu lugar ſuccederão Andre, & Leventa no anno de
venta sé 1047. Dos quacs dahi a pouco těpo morreo Levéta, ſem deixar filho algú.
Glhos. ElRey Andre,ſendojà homé de dias,cazou co Agmunda filha do Duque
Andre) de Ruſcia da qual ouve tres filhos .ſ. Salomon, David,& hua filha por no
Rey de me Adleithaq cazou co Bratislao Duque de Boemia, & de hüa ſua amiga
Vngria ouve hum filho,q fechamou George, & nao teve mais outro algum filho.
& feus fi Avendo Andre reinado tres annos,foideſpojado do Reinopor ſeu ir
lhos.
mão Bela. Efte eſtava antes em Polonia,& por Andre nao ſer ainda caza
do,& ſe ver fem filhos ſendo já homem velho o mandou chamar, & o fez
Duque da terceira parte de Vngria ,dandolhe eſperanças, de lhe ſucceder
no Reino. Polo q vindo Andre a cazar & ter filhos, Belafruſtrado das ef
BelaRei peranças,em q vivia de ſucceder ao irmão no Reino, lhe moveo guerra, &
de Vn .
o desbaratou.Andre vendoſe deſamparado dos ſeus,de puro nojo morreo:
Erld , á
teus fi & Bela ſe levantou com o Reyno, 9 pertencia a ſeu ſobrinho Salomon
Thos. Efte Rey Bela foi cazado com húa filha de Meſco Duque de Polonia, de
que ouve Geyſa,Ladislao,& Lamberto, & húa tilha, que cazou com Ze
Ion yro Rey de Dalmacia.
Moito Bela ,fuccedeo ſeu filho Geyſa ,que reinou tres annos , por cuja
morte,
DO CONDE DOM HENRIQVE. 3

morte,nãoſuccederão ſeus filhos Almo & Colimano, que ſomente teve, Geyla
nem ſeu primo Salomon,a que a ſucceſfaó per direito pertencia, masLa- Reyde
dislao irmão ſegundo do meſmo Geyſa,a quem os eſtados de Vngria jun- &Vngria,
ſeus
tos em cortes,que para iſſo ſe fizerao,elegerao por ſeuRey Ladislao, que filhos,
reynou XIX, annos feliciſſimamente. Eſte Rey por ſuas grandes virtudes
foi canonizado por fanto ,lemdeixar filhos, & duvidando ainda alguns , fe Ladislao
foy cazado,falleceo no anno de 1095. hum anno deſpois de Dom Afonſo Rey de
llenriquez ſer naſcido. Vngria,
& ſeus
Delta conta que demos dos filhos dos Reys de Vngria , que paquelles filhos.
tempos forão , antes do Conde D.Henrique naſcer, atè o tempo de fua
morte,ſe moſtra ſer impoſſivel, que elle foſſe filho de algum Rey de Vn
gria. Nem era veriffimil, que em tempos tao turbulentos, & onde ouve
tantos boliços & fediçočs em Vogria ,aſli ſobre a ſucceção daquelle Rey
no,como por a nova chriſtandade aq de novo os Vngaros erao covertidos;
ouveffe algú filho de Rey delles , deixando os negocios de ſua caſa ,ſe em
baraçaſſe na alhea, Alem diſto não avendo comércio nem parenteſco en:
tre os Reys de Vngria,& o de Heſpanha,não era de crer,que de partes tam
remotas o vieſſe hum Princepe ajudar. E quando em Vngria tanto ócio ou
véra,que quizera hum filho de hum Rey ir ganhar honra, pelas armas con
tra infieis,não era de crer,que deixafle a guerra contra os Turcos, &Moun,
ros ſeus vezinhos ,& a vieſſe buſcar ao ultimo occidente.
A ſegunda opinião fobre a origem & patria do Conde Dom Henrique,
he dealguns chroniſtas Caſtelhanos , que o fazem Grego & parente dos
Emperadores de Coſtantinopla: a cujo erro deu cauſa, Yerem na chronica
de D. Rodrigo Ximenes Arcebiſpo de Toledo, D.Henrique viera a El
panha das partes de Befuncio.Polo (como loað Vaſeo bem advirtio 1: 2
ſua chronica de Eſpanha) enganados com a ſemelhança do nome de Byzä
cio, q he,Goſtantinopla crerão que de Byzancio fallava o Arcebiſpo, eni
tendendo elle de húa cidade da Gallia ,como a diante diremos.Do qual er
ro he aſsàz manifeſto argumento,queſe não acharà neſte Reyno gèraçam Hétique
algúa dehomésnobres,que a Grècia refirao ſua origem . O que pelo dil- como 1:
cullo deſta hiſtoria, & dos mais Reys de Portugal ſe pode ver, & pelos li- podia ler
vios do Conde D.Pedro, ğeſcreveo das linlagens antigas deſte Reyno. E Gregor
certo eſtà ,que le o Conde Grego fora,oscoinpanheirosque cóſigo trouxe,
Gregos ouverao de fer,mais g de outra naçao.Nem he pequeno argumella
to onomeHenrique, que pelo ſom & fignificação delle,hemèro Gallico,
ou Cèltico ,comofaó os mais deſta palavra Rich, 9 entre os Gallos queria
dizer rico, ou Rey, & o quer dizer oje entre osAleināes em q aquella lin
goagé ficou como Fridich,Vdalrich ,& outros muitos.Dos quaes algus Ju
lio Ceſar,por evitar hū ſoido tam eſtranho as orelhas Latinas,quiz mitigar,
acabádo -os em orix ,como naglles nomes Dúnorix ,Orgetorix.E allinu á
ſe verà q deſte nome Henrich fe nomeaffe algú Princepe, né home priva lo
A3 na Grea
CHRONICA
na Grecia,que Gregofoſſe. Hum so Emperadorde Coſtantinopla,q Hen
riqne ſe chamou,foi Frances da Gallia Belgica, fucceffor de Balduino ſeu
irmão, que de Conde de Flandresfoi eleito Emperador, quefoi opay.de
Madama Ioanna Condeſfa,que cazou com o Infante D. Fernando filho de
ElRey D.Sancho I.de Portugal.
Alem diſto como entre os Emperadores de Coſtantinopla , & os Reys
de Heſpanha não avia parenteſco nem vezinhança,nem comercio, naő a
via,pera que ſeus filhos ou parentes os vieſſem ſervir a Heſpanha,em tem
Códe D.po que tanto tinhão que fazer com os Turcos ſeus vezinhos.
Hériquc Ourra opinião he,que D. Henrique foi Alemão, & Code de Limburg,
não po da qual he Vvolfango Lazio chroniſta de Vngria com outros. Os quais le
cia iet do,que por aquelles tempos ouve hum Henrique de Limburg homem va
de Lin- lerolo,preſumirão que ſeria eſſeo que veyo a Portugal, no que ſe engana
burg. raó manifeſtamente. Porque eſſe Henrique ( ſe dainos credito a Jacobo
Meyero,& a outros)foi Duque de Lorreina ſucceſſivamente apos Godo
fre de Bulhő Rey de Ieruſalem , que fallecèo no anno de 1100. Ao qual
Henrique deLimburg o Emperador Henrique o IV. deu o dito Ducado
por ficar devolato ao Imperio.Epela computação dos annos, mais podia
fer eſte Henrique de Limburg filho do Conde Henrique, que fer elle o
meſmo Conde.Porã o Conde D. Henrique de Portugal falleceo no anno
de 1112. tempo em que o q elles chamão de Limburg, começava a flore
cer.E no de 1100. em que falleceo elRey Godofre, foi feito Duque de
Lorreiņa pelo dito Henrique IV.cujo genro alguns dizem que era . E no
anno de1o6.foi privado do Ducado per Henrico V. por tomar armas
contra elle emfavor do Emperador ſeu pay, com quem trouxe grandes
differenças,atè o privar do Imperio, & dividio o Ducado em Lorreina fu
perior & inferior,de q dizē dar a ſuperior a Theodorico, ſobrinho delRey
Godofre , & a inferior a Godofre o BarbadoCode deLovaina feu cunhado.
Demaneira, q no tépo g qua florecia oCõde D.Hérique, & eſtava cazado
em Portugal, eſſe Henrique de Limburgtinha ſeu eſtado em Alemanha,&
‫نی‬ andava envolto nas couſas daquellas partes, & nas guerras dos Henriques
pay & filho,& viveo muitosannos deſpois do anno de u . 2. em qo Có
de D.Henrique de Portugal falleceo. E ſe he verdade, oſ Abraham Or
telio eſcreve em ſeu livro dos ſitios & figuras das Cidades, & que pera if
ſo allèga Remaclo Canonico de Lieja , que a Cidade de Limburg come:
çou no anno de 1172.& que o primeiro Conde della foi eſſe Henrique,
andou nas guerras dos ditos Emperadores pay, & filho, fica neceſſariame
te,que ou errarað os hiſtoriadores daquelle tempo, em lhe chamarem de
Limburg,pois o eſtado não era ainda inſtituido ,ou que o chamarao Code
de Limborg porą deſpois o veyo fer. 4 não parece ſer tão verifimil. Poré
do anno 1100. em que elRey Godofre falleceo, & Henrique foi Duque de
Lorreina (ſegundo dizens)aiè a criação do Condado de Limburg,paffäraó
62.an
DO CONDE D. HENRIQVE.
62. annos.Polo que ſe collige,que ſe não podia chamar Code de Limhi
no tempo das differenças,que trazião osditos Emperadores Henriquei
& V.entre ſi,& que ficava impoſſivel,ſero Henrique de Portugal aquell
Conde.
E verifimil era,que ſe o CondeD.Henrique, de cuja vidatratamos fo :
xa Conde de Limburg,afli ſe nomeàra em ſeu titulo, ou elRey D. Afonſo
feu filho, ou diſſo ouvera memòria alguá,mórmente naquelles tempos, en
que os Princepes ſe prezâuao tantode grandes titulos,q dos que erão doš
pays & dasmāys, & avós, & ainda dos das molheres, ſe honraváo, cómo
El-Rey D.Afonſo Henriquez, que ſendo tam celebrado pelo mundo, que
To ſeu nome baſtava por grandes titulos, até o ultimo fin da vida fe, inti
culou afli: Eu D. Afonfo Rey de Portugalfillo do Conde D. Henradie,& ita Ri
niha D.Tarejajo netoda grande D. Afonſo Emperador juntamente com minbid moe
ilier Doria.Mafalda filhadoConde Ainadeu de Moriana,&c. E E Rey D.Afon
fo llJ.poraver ſido cazado em França com a Condeſſa de Bolonha, fendo
ella jà morta, & o eſtado de Bolonha em mão de herdeiro eſtranho,
cono era Roberto Conde de Claramonte & deAlvernia, & ſendo el
le ja Rey, fe intitulou ſempre até amorte:D. Afonſo Rey de Portugal,
Conde de Bolonha,comoſe em ſuas eſcripturas todas & doaçoens về . Polo
queſe o CondeD. Henrique,quenão era Rey, foraConde de Limburg,
ainda que fora ſó de titulo, o não calâra, pois o de Portugal deque ſe'no
melva;era porparte de ſuamolher,cujo titulo ſeve em algusforaes que
kdeu ,como no de Caataó no anno de Int. onde diz aſli: Eu D. Henrique
juntamente com minha molher Tareja, filha do grande Rey D. Afonſo Emperador de Henrią
Toled , Gr. A eſtas razoēs todas ſe ajunta hua,que tira toda a duvidaſhée Liburg,
Codede
ahermos ,que Henrique de Limburg falleceo ſem deixar filho algum , re falleceo
gundo Ponto Eucerio Delphio naſua genealogia Brabantica. Pelo q mal ſem fi
podia ollefer u pay de EIRey D. Afonſo Henriquez ,& de feus irmãos. lhos.
Outra opinião he de D. Afonſo de Carthagena Biſpo de Burgos, & de Conde
D.Rodrigo Biſpo de Palencia.Osquais em ſuas Chronicas dizei, que D. Hen
Conde D.Henriqueera da caſa deLorreina.Omeſmo tem outros homés riquc ná
doutos deſte tempo.f. Miguel Riccio Iuriſconſulto no liuro dos Reys de he daca
Heſpanba,IacoboMeyero na hiſtoria de Flandres,loão Vaſeo, Damiáo de lareinde Lor
a,
Goes , leronimo Zurita,Franciſco Tarapha, Gilberto Genebrardo, & ou,
tros que feguirao aos diros eſcriptores Heſpanhoes. Dos quais Damião de Erro de
Goes aſirina na chronica delRey D.Manoel, que inveſtigando elle a orige Damiać
do Conde D. Henrique,por eſtar tam obfcura & incerta,revolveo os car- deGoes,
& de ou
torios das cidades de Metz na Provincia de Lorreina, & os das cidades do tros
citado de Bolonha em França,eſtando naquellas partes, & achou , que o TOS . mu:
Conde D Henrique foi filho de Cuilhelme de loynvilla Duque de Lor
Teina irmão inais moço de Godofre de Bulhoni, Rey de lerufalem . Cuja
fuccefiao conta virlhe deſta maneira: Euſtachio omayor, diz, que eazou
A4 con
CHRONICA

ஆகாயம்
com Madama Ida,filha de Godofre Duque de Lorreina, & que por parte
deſte Godofre o velho,veyo o Ducado ao dito Godofre Rey de Jeruſalé,
& de Godofre a Balduino ſeu irmão,quetambem foi Rey da meſina ſanta
cidade, & que de Balduino veo a Euſtachio outro ſeu irmão. E que por
todos morrerem ſem filhos,veyo a Guilhelmę Barão de loynvilla feu me
yo irmão,filhodo dito Euſtachio o mayor, & de Madama Mafalda ſua leo
gunda mulher,que foi filha do Conde deMoffalanda. E deſte Guilhelme
diz elle,que naſceraõ tres filhos .f. Theodoricomais velho,que foi Duque
de Lorreina,Henrique de que tratamos ,que foi Condede Portugal, & hủ
Godofre mais moço que morreona terra fanta.Mas todos eſtes authores
fe enganão,em dizer queDom Henrique foi da caſa de Lorreina, ainda 7
per provafufficiente moſtrarað, que a ſucceſſao da dita caſa viera a Guia
Thelme.O que elles não fazem ,nem era poſſivel. E poſto que Damião de
Goes affirme,ver aquelles cartorios dosproprios eſtados,podiãoſer tað er
rados,como na origem de D. Henrique & em outras couſas, que ao diante
ſe diráo ,fað outros dePortugal & de Caſtella,que eſtão em outros archi
vos mais authenticos. Primeiramente contèmerro: por oque acima temos
dito,que o immediato ſucceſſor de Godofre Rey de leruſalem no Duca
do de Lorreina foi Henrique,o que chamârao de Limburg. E fendo ello
privado do dito eſtado,ſedividio,ficando a Lorreina ſuperior à Theodo-
rico ſobrinho do dito Rey Godofre, & a inferior com o Conde de Lovai
1
na Godofre o Barbado de alcunha.E que o Ducado de Lorreina nað pallar
ſe delRey Godofre a algum de ſeus irmãos, ſe ve em Guilhelme Arcebil
po de Tyro em ſeus livros da guerra ſanta a quepor fer quaſi daquelle té
po,& chanceller mór do Reyno de Ieruſalem , le deve dar muito credito.
O qual, morto Godofre,nunca chamou a Balduino ſenaó Conde de Eder
fa,nem a Euſtachio,morto Balduino,ſe nãoCondede Bolonha. O que ſe
Preſagio tambem ve do preſagio da Condeſſa de Bolonha ſua māy, que o meſmo
da Con. Arcebiſpo conta que ſendo Godofre,Balduino, & Euſtachio meninos, an
deſſa de dando brincando com outros ſe acolhião & vinhãoeſconder no regaço de
Bolonha ſua máy, & que eſtando todos tres eſcondidos debaixo de ſeu roupam ,en
trou o Conde na camara da Condeſta, & vendo que lhe bolia debaixo da
veſte, & fazia vulto,lhe preguntou que era aquillo? & ella lhe reſpondera
São voſſos filhos,dos quaes o primeiro ſerá Duque & Rei , & o ſegundo
Rey, & o terceiro Conde: & que aſli aconteceo. Porque o Godofre foi Dui
que de Lorreina & Rey de Ieruſalem , & o ſegundoque era Balduino yeo
a ſuccerdelhe no reyno,& Euſtachio ſuccedeo a ſeu pay no Condado de
Bolonha por ſeus irmãos maiores ſerem mortos.
E ſe o ducado de Lorreina por morte del-Rey Godofre, não ficara de.
voluto ao Imperio( como foi) ſe houvera de ſueceder pela ordem devida
& de Godofre houvera de vir a Balduino , & de Balduino por morrer
fem filhos, a ſeu irmão Euſtachio, & de Euſtachio a ſeus filhos, & não ao
Guilhelme
--

1
DO CONDE L TQVE . 5
Gailhelme de Ioyavilla. Porque Euſtachio o velho Conde de Bolonha foi
pai (como na verdade era)deſtes tres Princepes,& o Guilhel ne foy ſeu fi
iho do ſegundo marinaio , & da filha do Conde de Mofalanla, nenhúa
divida há ſenão,q ainda, qo ducado de Lorreina vieſſe adventicia nente
ao Guilhel ne,per qualquervia que foſſe,todavia ellenio era da caſa de
Lörreina: pois por parte de ſeu pai era da caſa de Bolonha,& pela da mãi
da de Moffalanda. E menos ſe podia chamar de Lorreina o noſſo Conde
Don Henrique,fe( coino Damião de Goes diz) o ouve Guilhelme de ſua
molher Madama Aliſa,filha de Theobaldo Conde de Xampanha. Nem
era poſſivel per alguma via,vir o dito ducado a Guilhelme.Porque(como
e creue Paulo Aemilo ſcriptor mui authentico das couſas de França , &
Nicolao Gilé em ſeus annaes,& GuilhelmeArcebiſpo de Tyro nos di
cas livros da guerra de ultramar,que foi quaſi cotemporaneo del-Rey Go
dofre )o DuqueGodofre de Bulhom o Corcovado filho de Godofre. III.
o Barbado de alcanha,por não ter filhos perfilhou a Godofre de Bıl hom
feu ſobrinho ,filho de ſua irmáa Ida & de Euſtachio o maior Conde de Ducado
Bolonha . E não lhe veo o ducado por o herdar Ida de ſeu pai, como Da- deLor
nião de Goes eſcreve nem o pai de Ida era o Godofre Corcovado , ſenão reina por
o Barbado. Aſli que ſe per ſucceſſaó ouvera de vir por Godofre & Bal- via ve
duino Bolonheſes Reis de Jeruſalem não terem filhos, a Euftachio ſeu ir- doyofraG
e o
o
mão inteiro ouvera de paſſar, & delle a ſeus filhos, & não ouvera dę pal Rey de
ſar a Guilhelme homem eſtranho da caſa de Lorreina, & natural da caſa Ierufalé.
de Bolonha. Eoq Damião de Goes diz que Euſtachio morreo ſem filhos
tambem he manifeſto erro,porque delle ficou grande deſcendencia ſegun- chio
Euſtanão
doo Arcebiſpo de Tyrolacobo Meyero ,Paulo Aemylio, Polidoro Ver morreo
gilio ,Nicolao Gilè,& outros muitos eſcriptores de grande authoridade, fern fic
icm diſcrepar nenhum os quaes todos dizem ,que Euſtachio Conde de Bɔ. lhos.
lonha & irmao del Rey Godofre, teve húa filha per nome Mathilde, aq
o dito Arcebiſpo per outro nome chama Coaldena ,que caſou com Ste
phano Conde de Bles,que deſpois foi Rey de Inglaterra ,por vſurpar o rei
ro per morte delRey Henrique.I . feu cio,pertencendo a Mathilde como
filoa unica, & legitima, que foi molher do Emperador Henrique V. Da
qual Mathilde Bolonheſa Stephano ouve a Euſtachio , que foy Princepe
de Inglaterra , & Duque de Normandia ,& caſou,ſegundo Polydoro Ver
gilio ,com Conſtança,filhadelRey Luis.VI.de França, & irmaã de Luis
VII. que entam reinava . O qual Euſtachio morreo mancebo em vida
de ſeu pay Stephano , fem ficarem delles filhos. Alem deſte Euſtachio
ouve Stephano outro filho per nome Guilhelme , a que pelas capitula
çoens das pazes ö Stephano fez com Henrique ſeu ſobrinho, filho da dica
Emperatriz Mathilde,porque lhe alargou o reino ,ficaram muitas terras no
scino de Inglaterra ,& no Ducado de Normandia. Eſte Guilhelme, ſegun
w lacobo Meyero ,luccedeo no Condado de Bolonha a ſeu pay Stephano
& a ſua
C NICA
& a ſua mãy Mathilde,como filho legitimo que era, & não baſtardo,coma
erradamente diffe Polydoro Vergilio na hiſtoria de Inglaterra, na vida do
Erro de dito Rey Stephano.Poloque ficava ſendo impoſſivel o ducado dc Lorrei
Polydo na ,que não veo nem podia vir a Balduino,nem a Euſtachio irmãos intei
ro Ver
gilio. ros de Godofre,virdeſpois a Guilhelme meo irmão,& não cojunto pella
parte da māy,de cuja linha aquelle eſtado procedia.Finalmente ainda, que
como Damiam de Goes dizia,o ducado deLorreina viera a Guilhelmelo
que nam foy nem podia ſer) & elle fora pay do Conde Dom Henrique,
não ſe podia dizer,queera da caſa & ſangue dos de Lorreina, ſenão daca
{ a de Bolonha.
Outra opinião he de Dom Rodrigo Ximenes Arcebiſpo de Toledo va
rain de grande authoridade, & não mui diſtante do tempo do Code Dom
Henrique. O qual em ſuachronicaq eſcreveo na lingoaLatina, tratando
delRey Dom Afonſo VJ.de Caſtella.diz,que caſou ſua filha dona Tareja
com Henrique natural de Beſançon primo com irmão de Raymundo , que
foi pay de Dom Affonſo,que fechamou Emperador das Heſpanhas , E
porque eſta opiniam he a verdadeira ,& que ſe ha de ſeguir, he neceſſario
preſupor , quem foi eſte Conde Raymundo,& a cauſa de ſua vinda a Hef
panha, pois a ella ſe refere a naçam & origem do Conde Dom Henrique.
Reinando em Caſtella & em Lião e Rey Dom Afonſo. VI. a que huns
Raymű- chamavam Emperador das Heſpanhas,& outros o da mão furada por ſua
do& lé grande liberalidade,vierão a Heſpanha dous ſenhores Borgonhočs, Ray
riy Bor
gonhoes mundo, & Henrique,primos com irmãos.E hum outro Raymundo també
& Ray Frances de Gallia Narbonenfe Conde de Tolofa & Sam Gil,todos em có
nuundo panhia em romagem a Santiago,a que muitos Principes entam vinham
Code de disfarçados & a pé. E ſegundo parece,para tambem ſervirem a Deos na
Toloſa guerra contra Mouros,como homensfolteiros, & de floreſcente idade, que
vé a EG
erão. Sendo ſua vinda ſabida delRey Dom Afonſo lhes fez a honra , & ga
el
panha falhado,que ataeshomés convinha.E ou por lho elRey pedir,ou por
les ſentirem o muito ſerviço ,que a Deos podiam fazer contra os imigos da
fé,de que elRey Dom Affonſo tinha avidasmuitas victorias , ou por veie
a grandeza daquelle Rey,que por ſeu esforço & liberalidade era celabra
do pelo mundo, & a honra que elles podiain ganhar ajudádo a remir Hef
panhia do captiveiro dos Mouros,debaxo de tam grande Capitam , deter
minaramſe em ficar no ſerviço delRey dom Afonto. E aſli he ctio dizer
Damião de Goes,que a cauſa da vinda deſtes Princepes a Heſpanha foi,ap
portarem aqui em húaarmada, que de Hollanda pallava, para a conquif
ta da terra fanta. Porque no tempo em que ellesvieram , & ( m que,já o
Conde Dom Henrique tinha ſeu filho D. Afonſo Henriquez , que foi no
annode 1094 não ſe ſonhava eſla conquiſta,porquedeſpois deffe anno fie
alientou eſta jornada no Concilio de Claramonte. E a primeira gente que
açlla paſlou ſoi no anno de 1097,coino a diante ſe diri .
Elan
-

--
--
DO CONDE D. HENRIQVE . 6
1

Eſando pois eſtes tres.Princepes Franceſesem Caſtella, & ajudandoſe y


el-Rey de ſuacavalleria & grande valor ,aſi por 123; latisfazer os ſerviços Re
AfonſoD.
que delles recebera, como poro grande preço de funus peffus & alta li- 6. dà a
nlıqgem ,de que deſcendião, & por os arreigar em ſeu reino determinou ca- ſua filha
herdeira
far todos tres com tres filhas ſuas ou foſſe junta nente,ou per diſcurſo de
tempo ſegundo a idadedellas,Polo que ſuafilha dona Veraca,que era pri- de
tellCar
a, &
mogenita herdeira de ſeus reinos,deu a Raymundo de Borgonha por mo- deLiáni,
Ther,& em dote lhe deu Galliza com titulo de Condado, que era a maior por mu
dignidade, que entam havia em Heſpanha.E de qual das Rainhas ſuas mo , Ther a
ineres foile eſta Dona Vrraca,duvida ha entre os eſcriptores. Mas os mais Raymű
concordão ,ſer filha da Rainha Dona Conſtança. Porque el-Rey Dom Afo: do de
Borgo
to teve muitas molheres legitimas.f. Dona Ines de que não ouve filho al- nha, so
gum , & a dita Dona Conſtança,Dona Berta que dizem ſer da Toſcana , do em dote
na Itabel,de que ouve a Infante Dona Sancha, que dizem que caſou com o Códa
hum Conde Dom Rodrigo ,& a Infante Dona Elvira, que foi molher de do de
Galiza .
Jiogeiro Rey de Napoles, & Șicilia.A outra molher foi Dona Beatriz , a g
Dom Afonſo Biſpo deBurgos chama Tareja , Zaida Moura filha de Bem Rey Dó
Hamed Rey de Sevilha,que deſpois deChriſtza le chamou Dona Maria. Afonſo 6
De D.Ximena Nunez deGuſmão ouveduas filhas .C.D . Tareja & D. EK ladeCaft
teve e!
6.
vira.A Dona Tareja cazou com D.Henriquede que tratamos, & D. Elvi . mulhe
ra com Raymundo Conde de Toloſa & S.Gil. EſtaDona Ximenadizem res legiti
Gs Caſtelhanos, & o Portuguez que eſcreveo a vida delRev Don Afonfo mas.
Henriquez,que delles o tomou,por eſcrever a vida do dito Rey quatro cé
Zaidi
tos annos deſpois de ſua morte,& per informaçoens,que achou (em certo Moura
autor, q foi concubina delRey,& não legitima molher.Mis Andre de Re Rainha
fende Doctor Theologo meu contctanco & grande in veſtigador de cou- de Cal
las antigas,noslivros das antiguidades de Luſitania afirma y a'ſuas mãos tella
viera hum livro antiquiſſimo,decouſas de Portugal,em que le continha
JRey Dom Afonſo VJ.de Caſtella fora caſada com Dona Ximena, & Rey Do
cona Tareja ſer ſua filha legitima.E poſto que cuja publiquei o contrario de Car
em outro livro meu,cuidando niſſo mais,mudei e parecer, & por muytas cella di
conje & uras tenho agora para mim o contrario Princiiamente, porque o fua filha
dito Rey D.Afonſo ,como Catholico Rey que cra,quando lhemorria hūa D.Tare
ja PO
pulher,cazava logo com outra, poſto que a raõ acballe filla de Rey ,como mullico
fusão algúas das ſobreditas ſuas mulheres. Item porque a dita :D. Ximena a Dom
de Guſmão em ſangue era nobiliffima,da mais principalfamilia de Lleipa- Henrią
21h2,que não ſe dignaria ſer manceba de quen caſou con curas que não de Bor
erio filhas de Reys,& caſou com húa que era Moura.A outra razam porem do
a settoa.com quem a dita Dona Tareja caſou,& por orcivo que em dote to a Por
The deu deſmėbrandoo de ſua coroa,ſem contradiçam de ſeuspovos . Outra tugal
razão he,que Dona Tareja ſempre ſe chamou Rainha ao coſtume daquel
le tempo , em que ſomente ſe chamavão Rainhas, as filhas degitimas dos
Rey's
CHRONICA
Reys, & não as baſtardas ,como foi D.Tareja filha deRey D. Afonſo He
riquez, que cazou com Felipe Conde de Flandres, que nunca ſe chamou
Condeſſa, ſenão Rainha: como eſcreve Iacobo Meyero na vida do dito
Felipe. A outra razam urgentiſſima he,que em algúas eſcriturasque ſe oje
vemna Torre do Tombo Real ha muitas,em que a dita Dona Tareja ſe
chama Infante.Og não fora ſe fora baſtarda,& o meſmo D. Alfonfo He
riquez ſe chamava Infante. Como ſe vè per hum foral dado a Coſtantim
de Pannoais pelo Conde Dom Henrique & fua molher,que tirado de La
tim barbaro em que eſcrevião as doaçoens & eſcripturas na quelle teinpo
diz aſli Eu o Conde D. Henrique juntamente comminhamoller a Infante D. Tarc
ja apprazros de fazermos carta de bons foros a los homens que vieštes a povoara vil
la de Costantim de Parmoias , & c.Euo Conde Dom Henrique, & miuhamolkera In
fante Dona Tareja denoſſa mão o firmamos.Era de 1133.Mem Rodrigues o eſerca
veo A qual carta Dom Affonſo Henriquez deſpois cöfirmou.Porque afei
tura della não era de idade & dizia alli. Eu o InfanteDom Afonſo filho do Co
de Dom Henrique,& da Infante Dona Tareja anthurizo,& confirmo, corrokoia
esta carta,quemeu pay & minha mãy fizeram Finalmente neneſte Reyno,nem
no de Caſtella feacharâ memoria algúa nem em outra algúa parte, queD.
Tareja foſſe baſtarda inais que o que o Chronilta de Portugal achou no
vulgo,como achei outras muñas couſas contra a verdade,& como eu tam
bem fiz ſiguindo-o a elleem outra parte em que affirmei,ſer baſtarda quã
do niſto não tinha cuidado nem lido tanto.
E porque por eſtes dous Raymuudos Condes de Galliza & Toloſa te
rem hum meſmo nome,vierão os hiſtoriadoresmodernos, queeſcrevem das
couſas de Heſpanha,a cair em muitos erros,& dizeré muitos deſconcertos
confundindo o que era de hum,com o do outro, cuidando que era hum
Raymundo de Sam Gil & outro de Toloſa,he neceſſario diſtinguir a vida
& peſſoade cada hum,& os filhos que deixaram para ſe desfazer a nevoa,
que cegou aos ditos eſcriptores de que naſceo aver duvida da origem do
CondeDom Henrique.
A Raymundo pois que caſou com Dona Vrraca ſua filha, deu el Rey
Dom Aftonlo em dote o Condado de Galliza(como eſtà dito) & em Gal
liza reſidio ,o tempoque viveo deſpois de caſado,que ſegundo parecefo
ram poucos annos.Por a qual razam & por elle eſtar retrahido em Galliza
como homem ( ſegundo alguns dizem) que eſtava fora da graça del-Rey
feu ſogro,não ſe faz muita mençaõ delle nashiſtorias daquelles tempos:fal
vo em algúas ſcripturas & doaçoés,q feu ſogro fez,em q elle cöfirmaua ao
cofiome daglle tépo. E ſer cſteRaymūdo filho do Code de Borgonha,ſe
collige do Arcebiſpo de Tollédo em ſua chronica õde diz,g era irmão do
papa Calliſto.ll.q ſe chamava Guido,ſendo Arcebiſpo de Vienna. Ocual
Calliſto,os q eſcrevem as vidas dos fummos Pontifices, & Martino Polono
Arcebiſpo Oſentino,em fua chronića dos tempos, fazem filho do Condo
de Borgo
DO CONDE D. HENRIQVE. 7

de Borgonha, entao eraGuilhelme,& defcender da caſa Real de Fran


ça ,& de Emperadores de Alemanha. Era eſte Guilhelmefilho do Códe
Raynaldo de Borgonha, & da Condeſſa Aliſa ſua mulher filha de Ricar
do Duque de Normandia Do qual Guilhelme & da Códella ſua mulher
naſcerão o Code Stephano, q lhesſuccedeo no eſtado, Raymundo Code Raymú
de Galliza, de q aqui tratamos,& Guido g depois foi Papa Calliſto .E ſe do Con
gundo Vvolfango Lazio ,& Nicolao Vignerio eſcriptor Frances,tiveram de de
outro filho pernome Raynaldo,Condedos Cabiloneſes,& de Salinas, ģ Galli
irmãoza
foi pay de Beatriz molher do Emperador Federique o l. També ouve o do Papa
CodeGuilhelme húa filha per nome Clenécia, q foi Codeſſa de Fládres Calliſto ,
mulher do Conde Roberto, inorreo na guerra de ultramar. E Paulo Ae
milio na vida de Luis 6.Rey de França, & Nicolao Gilè em ſeus annaes,
fazé mençao ,g Calliſto foi irmão de Stephano Code de Borgonha, & de
Clemecia Códeſſa de Flandres mulher do Códe Roberto. Provouſe tābé
clic parenteſco do Papa Calliſto com o Conde de Borgonha,pela hiſtoria
Coinpoſtellana,de que loao Vaſeo faz mençað,onde diz quepor o Papa
Calliſto fer devoto da caſa de Santiago, & por nella eſtar enterrado feu
irmão Raymundo,& poro rogo de ſeu ſobrinho elRey D. Afonſo, que
depois ſechamou Emperador,que elle naquella Igreja bautizara & ungi Arccbir
sa deſpois de Rey,a fizeraMetropolitananoanno de 1122, traſpaſſando pado de
a ella a Sé Archiepiſcopal de Mèrida ,com todos os Biſpados a ella anne- Merida
xos,& lhe concedeo outras muytas graças . Com o que conforma a eſcri- paſſado
tura que algus referem da doaçao ã o meſmo Rey fez no anno de 1129. a Santia
à meſma lgreja Metropolitana de Santiago, de todos os direitos Reaes, go deza.
Galli
que pretendia terna cidade de Mérida, quando dos Mouros a conquiſ
taffe, dizendo nella , que por ſeu tio o Papa Calliſto aver trasladada a l
greja de Mèrida â de Santiago,lhe fazia aquella doaçao. E que eſte Ray
mundo marido de Dona Vrraca foſſe Conde de Galliza,ſe vê em muytas
efrituras delRey Dom Afonſo feu ſogro, que dizem aver, em que elle ao
coſtume de então, affinava & cófirmava co ſua mulher, nas quaes ſe no
nicava Conde de Galliza, & como tal, vivia em Galliza , & ahi morreo,
& jaz enterrado, & ahi ſe criou ſeu filho Dom Afonſo, que por morte de
den pay ficou em poder de feu Ayo Dom Pedro Fernandez de Trava
Conde de Traſtamara, & ſenhor de muytas terras . Porque ſeu avó por
o pouco amor que tinha ao genro ſegundo parece,nao fazia muyta conta
do nito ,
Riymūdo Code de S.Gil foi,ſegúdo ſe collige das hiſtorias Franceſas, Conde
grande ſenior em eſtado & fangue,por a caſa de Toloſa dodeelle proce- de To
dia,er muytas vezes liada cõ a de França per cazamētos. Sua defcédécia loſa dá
foi de Torſon,ou ſegū do outros Terſino, foi pagão,& ſenhor da Gallia de tinha
ſua ori
Narbonéfe,o qual ſe coverteo á fé deChriſto em tépoq Carlo Magno co gem .
Geiſtou a provincia deAquitania,& véceo auDuqGaifredo.E entre nove
B Condes ,
DOC
CHRONICA
Dona Condes que naquella provincia ordenou,deu titulo de Conde de Toloſa
Elvira fi a Torlon ,co as meſmas terras q antes tinha. Aposeſte Torſon vieraő fuc
Iha del ceffivamente ao eſtado de Toloſa eſtes ſeusdeſcendétes Iſauredo, Bertra
Rey Dó
Affonſo do;Guilhelme,Raymundo de S.Gil,Guilhelme Talhaferro, Poncio Ay.
6.dc Ca merico,Raymundoo IJ.9 hecltede q fallamos. A eſte Raymundo deu
della ca- eRey D. Afonſo pormálher ſua filha D.Elvira, & por lhe nao dar com
ſa como ella terras,como fizera aos outrosgenros Raymudo, & Henrique, lhe deu
Conde tanto dinheiro em dote,com g elle comprou ,ou ſegūdo outros ouve em
Tolola
& S. Gil penhado oCondado deToloſa de GuillelmeDuquede Aquitania,que ‫ ܂‬A.1 :
nelle ſuccedeo por meyo de ſua mulher filha do Conde de Tolola,irmão .
Conde domeſmo Raymundo. Eſte Raymundo ſendo ſenhor de muytos eſta
de Tolo dos, alem dosCondadosde Toloſa, & S. Gil, como foy o de Rodes, de
fa como
ſer
Baſes, de Cahors, de Albi,& Carcaſona, ao tempo que Godofre de Bu
veyo
Conde Thomcom outros Princepes de Fraça, & Alemanha paſſou aSyria à guer
de Tri- ra fanta,foy elle tambem ,levando conſigo ſua mulher D Elvira, & co lua
pol na ajuda & grande conſelho ſe conquiſtou a cidadede Ieruſalem , & as mais ".?‫ܕ‬,3

Fenicia provincias da Syria,em qelle ganhou a cidade de Tripol na Phenicia,de Fora


Bertran
que foy feito Conde.De ſuamulherD.Elvira ouve hum filho mayor por ti
do fihle nome Bertrando,que com elle continuou na guerra ſanta, & deſpois de vacy
mayor morto o pay com 70 galès,quelevou de Genova tornou â Syria,& lucce Cande
do Con-deo a feu pay no eſtado q conquiſtou em Alia, & na cidade de Tripul, toy 9

de de porą com o eſtado de França per abſencia doConde Raymūdo ſen pay,
Toloſa. ſe levantou Guilhelme Conde de Putiers ſeu parente. E aſſi ouve o Code
Guilhel. Raymundo outro filho,quelhe naſceco em Syria,no anno de 1103. “ por
meCon fer bautiſado no rio Jordão,fechamou AfonſoJordão. O Bertrando maisha Conta
de de Puvelho, vendoſe esbulhado do eſtado que tinha em França, veyo no anno to
‫معين‬
tiers có de 1116 â Corte delRey D. Afonſo de Aragão o Batalhador, eſtando na
o Con . cidade de Basbaltro, & fe fez ſeu vaſſallo,pondo ſua pelloa, & o Condado
dado de de
Tolola. de Toloſa debaxo de ſua protecção. O qual ainda nella o recebeo.com 2.0 All
as guerras , com Mocros ſempre teve,nao o pode reitituir. Mas os Tolo 22:30
ſanos todos o fizeraõ tābem ,q ao Afonſo lordão irmão menor de Bertran
doſ o dito Code de Putriers tinhaprezo,ſoltandoo da injuſta priza o em
q eſtava,o reſtituirao ao Condado de Tolofa, & lhe obedecerao, como a Gü
ſeu ſenhor natural. O que nao foi por Bertrando ſer morto & fem filhos, “in loco
como per inadvertencia eſcreveo leronymo C, urita na vida do dito Rey
D. Afonſo. Porque a eſſe tempo ainda Bertrando era vivo. O qual teveti Com
Erro delhos, & entre elles Poncio primogenito, que lhe ſuccedeo no Condado
Ierony. de Tripol, & nas terras deSyria. E ſendo Poncio cazado com Cecilia
mo C u
rica. filha delRey Felippe de França, & viuua de Tancredo Princepe de An
tioquia, ouve della hum filho por nome Raymundo que cazou com iir
filha de Balduino Rey de leruſalem , & delle naſceraó outros muytos cele
ſenhores de Tripol, de que os eſcriptores da guerra de ultramar 1.u
fazeni
tca
' DO CONDE D. HENRIQVE. 8
muyta menção, principalmente Guilhelme Arcebiſpo de Tyro, que os
nomea,porſer daquelle tempo,& os vio, & converſou. O Afonſo lordão Afonſo
ſendo grande ſenhor & esforçado cavalleiro,tornou à Syria onde nafcera Iordam
& ſe criara, & chegando a terra indo caminho de Ieruſalem falleceo em grande
ſenhor
|
Cefarea de Paleſtina,não fem ſuſpeita de peçonha. & esfors
O Conde D.Raymundo de Toloſa deſpois de fazer muito ferviço a çado ca
Deos, & ganhar muyta honra na conquiſta da terra ſanta, em que ſe elle valleiro.
offereceo a gaſtar a vida & fazenda,veyo no anno de 1105. a morrer em .
Tripolda Phenicia no caſtello de Monte Peregrino ,que elle edificou dus, Morte
asmulhas da cidade. A eſte Raymundo chamão algusfcriptoresConde de do Cons,
Tolofa & Sam Gil,como Guilhelme Arcebiſpo de Tiro, que ſuas couſas de de
ſcreueo nos liuros da guerra ſanta.Outros muitos lhe chamão fòmente de Toloſa
Toloſa.MarcoAntonio Sabellico,Martin Polono, Fellippo Bergomen-aaPho
fe lhe chamaó fòmente de Sam Gil. A variedade deſtes titulos le colli- nicia,
ge dePaulo Aemylio navida delRey Sam Luis de França, que naſceo
de o dito Raymundo ſer fenhor de cres lugares celebrados que ha na Gala
lia Narbonenſe : Hum a cidade de Narbona, outro a cidade de Toloſa,
outro o lugar que ſe chama de Sam Gil,por o grande & Real Templo de
Sain Gil ,de que ſe aquella terra honra,& nomea. Daqui veyo o erro de
fazerem muitos Condes de hum Conde, dizendo que hú era Conde de
Toloſa, & outro de S. Gil ,& fazeré hũ Raymudo de dous Raymundos.
Deſtadifferença de vida,patria, & eſtados, & fucceffores deſtes dous
Condes Raymundos genrosdo Emperador de Eſpanha, que acima ſe a
pontou,fica o deſcubertos todos os erros,em que cahiram os chroniſtas de
Portugal, Caſtella, & Aragão,& os eſtrangeiros que os ſeguiráo. Porą di
zem que o Conde Raymundo de Toloſa cazoucom D.Vrraca,& que de
ambos naſceo elRey D.Afonſo 7.deCaſtella chamado Emperador. Sédo Como
verdade, o Raymundo q co ella cazou era Borgonhão, filho do Code de D. Virana
Gorgonha,como jàeſtàdiro, & irmão do Papa Calilio,& noutro Ray- cafouca
mundo q cazou co D.Elvira,era Proençal.Alem diſto ficaeſte erro mais o Code
manifeſto.Porg o Afonfo ã o Raymundo Borgonhão ouve de D.Vrraca, de To
fe bautiſou em Galliza,& ahi ſe criou,& fe chamou AfonfoRaymūdo , & lofa,
foi Rey de Caſtella,& Lião ,& Emperador das Eſpanhas. E o Afonſo ý
ouve Raymundo Code de Toloſa naſceo na Syria, & foi bauciſado nas a
goas do rio lordão,& por iſſo ſe chamou Afonſo Jordão(como acima eft ?
dito ) & foi Code de Tolofa & dos eſtados de ſeu pay,pelas razoés q acima
dixemos, & á meſma terra farita foi acabar em Ceſarea de Paleſtina.como .

tábé fica dito atraz.Do qual Afonſo lordão naſceo Raymūdo 3. & do 3 . 1

Raymudo 4.& do4.Raymudo 5.& vltimo, foi pay de Madama loana ,


cazouco oCode de Putiers irmao de S.Luis Rey deFrança.O qual herdá
do o Códado de Toloſa de ſeu ſogro, cujo parente era, & morrëdo fem fi
lhos ficou o eſtado a elRey S. Luis,ĝo incorporou na coroa Real de Fraça
B2 com
CHRONICA
conCondado de Patiers.Daqual declaração & diſtinçaõ dos dous Con
des Rayinundos fica outro ſi deſcuberto o engano, dos queaffirmáraó fer
hom o Conde de Toloſa & o outro de S.Gil,como deixarað ſcrito Duar
te Galvão,Damiáo de Goes,loað Vaſeo fcriptor diligente das couſas de
Helpanha, ý tratando da criação do Arcebiſpado deSantiago de Galliza
ein Compoſtella diz quena dita Igreja de Santiago jaz enterrado o Con
de de Toloſa, jazendo como eſta dito) na cidade deTripol de Phenicia.
E ſendo o Raymundo, queeſtá enterrado em Santiago , o Borgonhão,
que era Conde de Galliża.
Code D. Per eſta diſtinçaõ dos Raymūdos,fica tambem viſto o erro de dizer que
Hériqueo Conde D.Henrique era ſobrinho do Code de Toloſağ naverdade não
não foi foi,ſenau primo coirmão do Conde Raymundo de Galliża. O qual ſe co
fóbrinho mo Damião de Goes,& outros affirmáo,fora da cafa de Lorreina, não ро
do Códe dia fer fobrinho do Conde de Toloſa,nem do de Galliza ,pois diz queera
d'Tolola
filho de Guilheline ,& de Madama Aliſa. Porque ſeus tios ouvèraó de fer
Godofre, & Balduino Reysde Ieruſalem ,& EuftachioConde de Bolonha
por partede ſeu pay, & por parte da māyos filhos doConde de Xápanha.
Códe D.
O Conde Dom Henrique como eſtà dito atraz,era,ſegundo o Arcebif
Hérique po de Toledo,primocoirmão & companheiro na vinda a Herpanha de
primo Raymundo de Borgonha Conde de Galiza, & nafced em Beſançon cidade
sóirmão do Condado de Borgonha,& muy celebrada pola grande feira,que ſe nel
do Códeła faz,a que Julio Celar & os antigos chamaváo Vefontid .Eſta cidade ſen
Raymű- do antigamente da Provincia de Lothoringia,quehe agora Lorreina,quă
do de
Galiza. do ſeus limites eraó maiores, & cöprehendiao deſdo rio Moſa até o Rhe
no. [Holanda,Zelanda,Henao,Aſbavia, Elſacia,Gueldres,Cleves, Lieja,
Maguncia,& a Selva de Ardenha,Treueri & Limburg ,ficou deſpoisme
tidano reino de Borgonha. E no tempo delRey Henrique primeiro de
Conda- França por ſediçoens dos meſmos povos de Borgonha, fe dividio a quel
do de le Reyno em Dúcado,& em Condado, de que o Ducado ficou na obedi
Borgo
nha co encia dos Reys de França,& ó Condado na dos Emperadores de Alema
mo fe fe-nha.Do qual a cabeça & matriz he a dita cidade de Beſançon.E com mais
paroli
do Duca
razao diſle o Arcebiſpo,queHenrique era Veſontino que Borgonhão. Por
do de
que como avia divas Borgonhas.f.o Ducado & Condado, chamauaſe a do
Condado Borgonha Velontina, por tirar duvida de qualBorgonhadizi
Bargo. að. Eaſli para mayor declaração,queo Conde era Borgonhão do Conda
do,& naſcera em Veloncio ,chamoulhe Veſontino, como ſe avendo dous
Portugaes ſe entendera melhor de qual das Provincias era húa peſſoa, ſe
The chaqaftem Lisbones.
Da nobreza dos Condes de Borgonha,ler das caſas Reais de França , In
: glaterra,Alemanha, & dos princepaes ſenhores da Chriſtandade, hemoto
rio.Pelo que,tratando o Arcebiſpo de Tyro ros livros da guerra de ultra
mar do langue & nobreza de Stephano Conde de Borgonha, era irmão
!
do Co
DO CONDE D.HENRIQVE. 9
do Conde Raymundo de Galliza,& do Papa Caliſto , & primo com irmão
de D. Henrique,diz que era homem illuftriffimo, & de antiquiſſima no
brezz.Eſta era dos ditosEmperadores,& Reys. E tratando do Papá Calli
ſto ſeu irmão,diz, que era nobre ſegundo a carne, & que com o favor do
Imperador Henrique ſeu parente,veyo a Italia, & por armas comou a ci
cade de Sutrio, & nella a Burdino de naçao Frances Antipapa Eſte era Burdina
Heurique o V.filho do Emperador Hérique o IV . &neto de HenriqueFrances
Biſpo de
III. & biloeto do Emperador Conrado. Efte parenteſco com os Empe. Coim
radores confirma aquelle difticho, g fegūdo refere o Arcebiſpo D.Rodri bra der
go,& outros,ſe eſculpio em pedra na camara do Papa Calliſto em S. Ioað pois Ara
de Laterão, quando entrou em Roma como triunfando do dito Bardino, cebiſpo
Arcebiſpo de Braga Antipapa poſto em hum camelo, & com o roſtro vi- de Braga
zado para as ancas,porludibrio de ſua ambição.Os quaes diziao aſli. & delpo
is Anti
Ecce Calliftus honor patriæ ,decus imperiale, 4
papa ca.
Nequàm Burdinum dānat ,pacemý reformat. ſtigado.
Que querē dizer.ExaquiCalliſto hora de ſua patria,ornaméto da geração
Imperial,condena ao perverſo Burdino,& reforma a paz.Nem erade crer,
que feo Conde D.Henrique demenos lugar fora,lhe dera hum Princepe
je tað altos ſpiritos,como foielRey D.Afonſo o Emperador,ſua filha,có
dote de hú reyno.Porq eſcreve delle o Arcebiſpo de Toledo, q ſendo ſua
filha a Infare D.Vrraca viuva de Raymundo de Borgonha,& elle muy ve
11 0.& temendofe os ſenhores de Caſtella,que por ſua morte ouveſſe algus
deiallollegos no reyno,por as ſolturas da Infante,que davão animo aalgus
de a averem por molher,lhe mandäraõ cometter por hũ privado ſeu, ğ a
cəzaffe có D.Gomez Conde deGormaz,q,era o mayor ſenhor de ſangue
& eſtado, então aviaem Caſtella, & co quem a Infante eſtava infamada,
& delle parira jà hu filho encuberto, do qual dizem deſcēder os Furtados Furta 1

de Caſtella,por o parto ſer furtado , & qelRey tomou tao mal o acometti-dos de
Caſtella
mento, ao meſſageiro deſterrou de ſua caſa, & a filha cazou logo com el deſcen- )
Rey D. Afonſo de Aragão & Navarra,& chamavão o Batalhador,por ſe a- dentes
char em 29.batalhasde Mouros, & Chriſtãos. O qual deſpois vindo a ſuc da Infá
ceder per ſua molher D. Vrraca nos reynos de Caſtella &Liao, ſe chamou teDona.
Vrraca
Emperador:
E airda do Conde D.Henriquenão tiveramos tanta certeza,de fer da parto
per hum
Gallia Belgica , & fer per muitas vias deſcendente do Emperador Carlo furtivo .
Maşno, & dos olitros Reys todos de França,como fica moſtrado,aſſaz tel
temunho dava diſſo a muita liança & irmandade antiga em armas, que os
Portugueſes deſde o principio do Reyno atègora tiveraó com Franceſes,
como ſenos tempos mais proximos a nòs,vio ao claro. Porý ſendo eley
D.loão IIJ. de Portugal & o Emperador Carlos V. primos coirmãos, &
duas vezes cunhados cada hum cazado có a irmãa do outro ,amigos , & ve
finhos , & cõnfederados,& avendo entre o dito Emperador & elRez Fra
B3 ciſco
CHRONICA :: ..
ciſco deFrança tantas guerrasem goEmperador, ſe quizera ajudar das
gentes & ſoccorro del Rey dePortugal, nunca o ajudou, nem fe apartou
daamizade com França, ficando entre elles neutra). E alli os Reys anti
gos de Portugal, comoos mais chegados a nos,reconhecendoa origem
donde procedião,muitas vezes contrataraó com Franceſes & Framengos,
lianças& cazamentos ſeus, & de ſeus filhos & parentes, comoſe vio em
elRey D.Affonſo Hériquez, que nao ſomente cażoucomMadama Mafal
da Franceſa filha do Conde de Moriana,mas ſua filha a Rainha D.Tareja
... cazou com Felippe Conde de Flandres. O Infante D.Fernando filho
1939 delRey D , Sancho.I. caſou com Madama Joana Condeffa de Flandres
! filha de Balduino Emperador de Coſtātinopla.O Infante Dom Affonſo
: i que foi Rey de Portugal IIJ. em nome com a Condeffa Mathilde de Bo
lonha. A lofante Dona Ilabel filha delRey Dom loam J.com Felippo
riobóDuque de Borgonha Conde deFlandres & ſenhor de outros mui
tos eſtados. A Infante Dona Beatriz filha delReyD. Manuel com Car
Jos III. Duquede Saboya, Ecomo filho de Frances foi a França viſitar
ſeus parétes Dom Pedro,filho baſtardo do Conde Dom Henrique . o
qual foi cauſa de ſe tomar Santarem , & de fe fazer o moſteiro de Alco
baça com dar a elRey D. Afonſo Henriquez ſeu irmão a amizade do
Bemaventurado S. Bernardo, que elle converſou em Borgonha, a onde
foi ter çomo a terra natural de ſeu pay & defeus avosi ir
O que atégora ſe não ſoube,nem ouve, eſcriptor Heſpanhol nem eſtră
geiro ,que o lembraſſe,he quem forão o pai & máy,do Conde Dom Hen
rique, ou como ſe chamarao. Nem avia raſtro ou conje & ura de que ſe po
defie collegir,não ſendo o começo deſte eſtado tam diſtante dos noſſos té.
pos comoos outros Reinos de Heſpanha, deque ſe não ignora a origem
de ſeus authores. Pelo que com grande trabalhomeu tentei de o tirar a
luz.
Sendo pois o Conde D.Henrique Borgonhão,ſegundo temosprovado,
Pay, & & primo com irmão de Raymundo de Borgonha filho do Conde Guilhel
may do
Conde me,neceſariamente fica ſendo filho de Guido Conde de Vernol;irmãodo
D.Hen. dito Conde Guilhelme.Porque ſegundoNicolao Vignerio ſcriptor Fran
rique. ces diligentiſſimo, & de muita lição, na chronica de Normandia, o Conde
Raynaldo de Borgonha teve ſo dous filhos, f.Guilhelme primogenito,que
Theſuccedeo no Condado, & o dito Guido,quefoy CondedeVernol, &
de Brionia ,a quem o Duque de Normandia Guilhelne o Baſtardo, que
fucccdeo a leu pay Roberto no Ducado, & deſpois por ſeu grande va.
lor foi Rey de Inglaterra,chamado o conquiſtador,lhe deu os ditos Con
dados porſer Guido feu ſobrinho,filho de Aliſa ſua irmaa legitima filha
do dito Duque Roberto, on ſegundo outros filha de Ricardo o IIJ. a
quein o dito Roberto ſuccedeo. Os quaes eſtados o dito Guido veyo a
perder,por lhos tirar o dito Duque Guilhelme ſeu tio, que lhos dera ,por.
que
DO CONDÉ D.HENRIQVE. IO

que em būss alterações, que em Normandiaouvecontraelle, dizia favor


secer Guido a parte deſeus contrarios.Eſte Guido diz oʻtneſmo Vigoerio
Madama we
que foi cazado com Tovat loanna filha de Geroldo Duque de Bor
stii . 3 }
gonhasi
Nem fe podera dizer que poderia fer o dito Conde D.Henrique filhồ
de algúa irmia deGuilheline,porque tambeinafti ficava primo co irmão
de Raymundo & Cobrintio deGuilhelme,porquetābem ali ficava primo
com irinio de Raymundo & fobrinho de Güntheline. Porque como eſtá
dito , não teve mais irmão nem irmáa,que Guido & Adelais. E poſtoque Condes
outra iſmáa tivera, ſendo os Condesde Borgonha'gente táő'illuſtre , & de de Bor
taó alta ſangue, qne fixas filhas náð cazavao ſenão com Re & grandego s nha
Princepes,nað he verifimil que cażaſſe filhade algum Conde em ſua terra ſempre
com vaſſallo feu,que não podia ſerpeſſoa muito grande , Mas he de crer, cazaraó
que cazarião fora da provincia . Ao que ajuda os cazamentos deſta cala , ſuas fi
que ſe acháo pelas hiſtorias antigas,como o da dita Adelais irmia do Co Iha s com
Reis &
de Guilhelme,&de Guido pay do notlo Conde D Henrique, q cazoucó grandes
Amadou o I Conde de Moriana.E Clemencia filha do dito Conde Gui- Prince..
Thelme, & irmáa do Conde Raymundo de Galliza,quecazou com Rober: pes.
to Condede Flandres E Peronella filha de Stephano Conde de Borgo
nha irmåóide Raymundo que viuvando de hum Duquede Auſtria , com
quem primeiro foi cazada,cazouſegunda vezcom Húberto II donome,
& IJ. Duque de Saboya.E nos annosſeguintes Alita herdeirado Condae ???
do de Borgonha com Felippe Duque de Saböya:"E Joannafilha deOro
thelim Conde outro filde Borgonha foiRainha de França & de Navarra, :!
por cazar com elRey Felippe o Longo. E Blanca irmáa da dita Rainha
Joanna,que tambem foiRainha deFrança por caſar com Carlos Conde
de la Marcha irmao do dito ReiFelipe;que ſuccedeono reino. Alem de
tas Princeſas ſairãooutras daquella caſa paraoutros grandes eſtados. Polo
que do fobredito ſe collige,ler o Conde Dom Henrique filho do irmam
varam do Conde Guilhelme,pois naſceo ethy Belanſon, Guilhelme,nao
tove outro irmão neun irmãa, &ſetprimo com írh'áő do Raymundo , co
mooArcebiſpo Dom Rodrigo eſcreve. E dfii'fica ſendo o Conde Dom
Henrique ſabidamente,& no que já não pode'aver dúvida;filho de "Gui
do & foanna netodos Condes deBürgonha,& dos Duques de Norman
dia , & bifneto dos Duqués de Borgonha.
Sendo pois Dom Henrique homem de tain'àlca linhagem , & que de feu Portugal
e forço dera grandesmoſtras nas guerras contra Mouros,em que lhe aju- quando
dou aver muicas victorias lhe deu elRey Dom Afonſo em dote com ſua fe dcu
filla a Infanta Dona Tareja o eſtado de Portugal, com titulo de Con- em dote
cle,comodera o deGalliza a ſeu primoRaymundo.f.o que eſtava ganha- arique
D.Hé.
até
do dos Mouros,em que entràuattr as cidades de Coimbra Lamego, Viſen onde le
Porto, Braga, & Guimaraens & asterras de entre Douro & Minho,a Beira eſtendia.
B4 & Traf
CHRONICA GA
1
& Tralofmontes. E todas as mais terras de Galiza, até o Caſtelló de. Lo
beira que he búa legoa alem de Ponte Vedra E tudo o que ganhalle
dosMouros doreſtante da Luſitania,até o reino do Algarve.Oschroniſtas
Caltelhanos,& o Portugues,que a vida del-Rey Dom Afonfo Henriquez
eſcreveo, que dos Caſtelhanos o tomara, & de vulgar opiniam ſem funda
mento outro ,tem para ſi, que eſte dote quele deu á Infante Dona Tare
ja, foffe coin condiçam,que o dito Conde ſeu marido & todos ſeus fuccel
lores, reconheceſſem por ſuperiores aos ReysdeLiam ,& que ſendo por
elles chamados,vieſſem a ſuascortes,ou não podendo ir,mandaílemi a ellas
293 E que todas as vezes que os Reys de Liam tiveſſem guerra com Mouros
os ſerviſlem com trezentos de Cavallo. O que na verdade parece tam erra
15" docomo as mais hiſtorias quedo Conde Dom Henrique,& del Rey Dom
Ö ... Afonſo ſeu filho ſe eſcreverão,que atras confutamos,& que ſe farà ao di :
ante mais largo. Eſte erro naſceo entre os Caſtelhanos, ſegundo parece
mo por o foro do reino do Algarve,que pôz em hutna foo peſſoa el-Rey D.
Afonſo. X. O qualindo o Infante Dom Dinis ſeu neto a lho pedir, lho
remicio. A qual remiffam os Caſtelhanoseſcrevem ,que foi dos trezentos
homens de cavallo do reino de Portugal,que erradamente criam , como a
diảnte na vida del-Rey Dom Afonſo III.diremos.Do qual foro , & vaffa
lagem em nenhuma memoria,nem eſcriptura entre os Reys de Portugal,&
os de Liam,& Caſtella,ſe fez em algum tempo mençam . Mas ſempre ſe
Portu moſtrou ,que Portugal foy,dado em dote a Dona Tareja pura, & fimplez
galſedeu mente,ſem algum encargo nein condiçam. Primeiramente ſe vè : porque
em dotc asterras de Portugal,que eſtavam ganhadas dos Mouros,quando ſe derão
puramé- a Dom Henriqueeſtavam ainda tam hermas & defpovoadas,que apenas
te ſemo
em todas ellas ſe achariam trezentos de cavallo, pelo que o foro ficava
brigaçaó deſproporcionado & impoſſivel principalmenteem terrasdadas à filha
de vafla- en dote & ao genro tan benemerito a que nam cra decente porlhe encar
lagem ou gos de gente de cavallo,por ſatisfaçam de tantos ſerviços feitos,& por fa
tributo
zer,para gloriade Deos & recuperaçam de ſua Igreja,& a petioa de tam
alto lugar,& ſendo elRey DomAfonſo tam liberal,que lhe chamavam o
da não furada. Alem diſlo na bulla, perque o Papa Alexandre IIJ. confir
mou o Reyno a Dom Afonſo Henriquez,quando os povos acabaram com
elle queſe chamaſſe Rey, nam faz mençam de taltributo,nem o Papa o
confirmara em prejuizo del-Rey de Liam ,ſe tal vaſſalagem ſelhe de vera,
nem lhe puſera cenſo de dous marcos de ouro,quelhe impos para a igre
ja Romana , ſe já tivera outro tributo. Porque nam havia de reconhecer
dous ſenhores. O que menos era de crer,dehú Pontifice tam grăde letra
do,tam pio & fanto ,como aquelle foi.
Nem o cento,que o Papa impos,ſe lhe pagou alguma hora. Nem elRey
de Liai reclamou o reinado deDom Afonſo.O que não deixara de fa
zer ,fe lhe tocara. Porquenão ha Princepe no mundo que deixaſſe porne
gligencia
DO CONDE DHENRIQVE. it

gligencia ſaa a juriſdiçam que tiveſſe ſobrealgum eſtado ou peſſoas, iſto


fica ainda mais provado aquem revolver as hiſtorias de Caſtella , & Liain,
& Portugal,que ein as differenças, que muitas vezes ouve entre os dicos
Reys todos,nunqua os Reys de Caſtella & Liam fequeixaram , que os de
Portugal ſe lhelevantaran com algum reconhecimento de fubjeiçam ,
nem fåtlaram niſſo,Nem nas muitas capitulaçõens,que fizeram de pazes
& convenças, & remiſſoens de dividas & obrigaçoens em que luns a ou
tros eram nein em muitosrequerimentos injuſtos & deſarażoados, que os
Reys de Caſtella & Liam fizeram aos de Portugal per fuas ērnbaxadas,
meteram algum pacto ou condiçam que niſto tocaſſe.E aſli por os Reys
de Portugal nãoterem algúa obrigaçam, por as terras de ſeu reino ao rei
no deLiam ,quando o Infante Dom Dinisfoy a Caſtella pedir a elRey D.
Afonſo feuavó o relevamento do foro do Algarve,não pedio couſa al
gúa ſobre l'ortugal,comopela meſma eſcriptura do revelamento na chro
nica delReyD. Affonſo.lij. moſtraremos.
Sabida a linhagem & acauſada vinda do Conde D. Henrique à Hel. Vinda
panha, não ha certeza alguma dotempo em que veyo. Mas alguns aura doCode
thoresporconjecturas do queao diante de ſua uinda ſuccédeo,tem para D.Héri
ſi& não ſem razam, que viria do anno de 1088.até o de rogo. É ali le fa- que aEſ 1

panha
be que no anno de 1092 já Raymundo de Borgonha Conde de Galliża em q cée
primo coirmain , & companheiro do Conde Dom Henrique; era catado, pofoy.
per eſcripturas de doaçoens daquelle anno,queelRey ſeu ſogro fizera eini 1

que elle& ſua mulher a Infante Dona Vrraca aſfiniram , & confirınaram
ao cuſtume daquelle tempo . Como foi huma doaçam que o dito Rey ſeu
fogro fez ao moſteiro de Baluaneira de que os hiſtoriadores Caſtelhanoš
fazem menção navida do dito Rey.
E no annode 1093. ſabemos queel-Rey Dom Affonſo ajudando ao Lisboa
tomouD.o
Conde Dom Henrique feu genro a cobrar as terras de Portugal; que lhe Códe
dera em dote,foram ambos com grande poder fobre a cidadede Lisboa,& Hérique
a tomaram aos Mouros :A qual os Mouros deſpois com grande ajuda dos com el
Reys de fua fe & a Heſpanhoes ,& Africanos,toriiatam a cobrar No que po- Rey ſeu
decada hum conſiderar, quantas couſas paffariam no cercdado & combates, logro.
com que ſe tam graride cidade ganhou de tanta infini e os
de Mour Lisboaſe
& quantas na cobrança della que os Mouros deſpois fizeram , quantos feia tornoul a
tos,qu ant os eſtratage mas ; quanta variedadeo.deQucon
an
ſels hos &de
to eir
ard
os
ijs; & cobrar pe
fuc los a
cef ,queagor nos pode ſer exra m em pl cav all vale : losMou
solamentemorreriam ,por deixarem de ſi fama,que de to lo ficou extin- tos de
&a,por não ſerem encomendados â memoria & poſteridade com o bene- del er
podRey,
ficio das lerras ,que foitentam a fama & a perpetuam , & fazem as obras dos & do Có
homens immortaes.Ali ſe extinguiram muitas memorias , & linhagens an- de Dom
tigas , quaes cambem foram as dos Gregos & as dos Romanos,ſe não ti . Hérique
veram ,como homens prudentes ,tanto cuidado de quem délles eſcreveſſe,
quanto
CHRONICA
quanto animopara acometer couſas dignas de ſe eſcreverem .
1094. Vindo o anno de 1094. eſtando a Řaynha Dona Tareja em Guima
raens pario hum filho queſechamou Dom Affonſo comoo Einperador
Naſci- feu avo:& porſobre nome Henriquez por o Conde Dom Henrique feu
méto depay. Huns diziam que naſceo na Syria,& foi baptizado no rio lordam,
D.Afofo preſuppondo ,que oConde D. Henrique paſſoucom ſua molher a Rainha
Hérique D.Tareja á guerra deultramar.O ġ heraó fabuloſo,comoadiante ſedirà.
Outros que ſam mais para crer, dizem quenaſceo em Guimaraens aleijado
das pernas,que da naſcença trouxe encolhidas, & que DEgas Moniz,o pes
diraao Cõdepara o criar em ſua caſa, & que o Conde lho dera & o criou,
& que per milagre de N.Senhora,a quemo encomendaram , farou. E que
porã o lugar emģa Senhora obrou eſtemilagre,era huma Igreia come
çada, junto ao Douro, em q eſtava fob terra hűaltar & húa imagem da
Moſtei- meſina Senhora, ſe edeficou depois o moſteiro de Carquere,que eſtà junto
ro de
Carque .
de Lamego Era Dom Egas Moniz hum fidalgo muy principal naquelle
não Vngaro, nemFrāces, nem companheiro do Conde D. Hen
quan : tempo, &
do & rique,mas Portugues ,cujo folar, & appellido eradeRiba do Douro, def
porã ſe cendente dos Godos,como omeſmo ſeu nomemoſtra,que he proprio de
edificou.Godos, que os mais antigos diziam Egica & Egeas . E como moſtra o
ſobre nome Moniz, que heo meſmo que Munez ou Munhoz, de que os
Egas antiquiffinos Portugueſes & Caſtelhanos uſavão como Panonymico de
era Por. Muno,ouMunho: homemesforçado,& muy prudente,& amigo de Deos,
tugues quaes devem de ſer os Ayos dos ?'rincepes.O qual por ſua devaçam edifi
deſcen- cou os moſteiros de Paço de Souza duas legoas do Porto da ordem de S.
dentede
Godos,
Bento: & ſegundo Duarte Galvam tambem o moſteiro de S. Martinho de
& naó
Cucujaens emterra de fanta Maria,& os dotou de muitas rendas & orna
Vngaro, mentos.E ſua molher Dona Tareja,que tambem era Portugueſa como
né Fran- ſeu nome moſtra,que nas virtudes & religiam ſe parecia com ſeu marido
CCS. fundou o moſteiro & Abbadia da Cerzeda da ordem de Sam Bento duas
legoas de Lamego, em que jaz enterrada.Tendo pois o Infante D.Aforfo
talmeſtre dos coſtumes & da vida no esforço, na prudencia,& na religiam
ſaio tal diſcipulo ,que não fómente igoalou ao Emperador ſcu avó, & ao
Conde ſeu pay, mas os excedeo com muita ventagem,
Houve també o Conde D. Henriqne da Raynha D. Tareja duas filhas
.f. Dona Vrraca ,que caſou co Vermoim Paaez de Trava Conde de Traf
tamára, & Dona Sancha,que dizem caſar con Fernam Mendez tambem
grande fenhor em Galliza.E fora domatrimonio ouve hum filho por no
me Dom Pedro homem vale sofo , & de que elRey Dom Afonſo Henri
quez ſeuirmam inuito ſe ajudou, principalmete na tomada de Santaré co
mo a diante le dirá. Eſte cavalleiro como filho de Frances q era ,andou em
Fráça, & de la veo a eſte reyno,& foy cauza(como eſta dito) de ſe fazer o
moſteiro de Alcobaça, onde ſe meteo monge, por a grande devaçam ,
tinha
DO CONDE D.HENRIQVE. 12

xinha a S. Bernardo,que elle emFrança converſara. O qual por humilda


de nam quis comar ordens de miſfa,& foy frade leigo. Iaz lepultado na
cappella mórjunto ao alcar mór do dico moſteiro .
E porque as couſas que tocan á religiam chriſtam ,nað ſe podem cha
mar alleas dos Reynos de Portugal, nem de outros Reynos chriſtãos, aſli
nelta hiſtoria do Conde Dom Henrique, em que acontecerão muitas cou
tas notaveis,como nas hiſtorias dos Reys ſeus deſcendentes, não deixarei
de lembrar quando aconteceram as que me parecem mais dignas de ſe fa
here n,chegando aos annos em que ſuccederam ,como foy aquella memo
ravel empreſa da guerra de ultramarga que o Papa Vibano Il. incitou os
Princepes chriſtãos. A qual foi deſta maneira.
Havia em França hum homem per nome Pedro natural da cidade de A- Pedro
miens,de fangue nobre, & que ſeguira a milicia,poſto que depequeno core herri
po,& em ſeu aſpecto deſprezivel mas que com as forças de elpirito,induf cam que
011,& grande eloquencia,ſuppria bem aquellas faltas. Efte Pedro enfa: perſua
dado do inund »,& reſolvendo ſe em ſervir a D : os, foy fazer habítaçam zerlea
en hun hermo, & alli pallava o teinpo em continua medicaçam , & oras jornada
çın Movido Helpois de deſejos de viſitar a caſa ſanta de Jeruſalem , & deultras
os m iis lugares fantos,ſe pos a ir caminho de Roma, & dahi ſeguio fua pe- mar,
regrinaçio. E co no elle era de tam fraca peſſoa, & para os Mouros ſe nam
eenerein nada Jelle,andou entre elles devagar em muitas partes da Syria
len ninguen para elle attentar. Polo quecomo homem aviſado que era
fe inſtruio doscoſtumesda quelles barbaros , & dos ſitios de ſuas cidades,
& ali neſino do tratatamento que faziam aos chriſtãos , que era o peor @
podia fer. Sendo alem diſſo certificado per Symiam Patriarcha de Jeruſalé
das grandes cruezas, que os chriſtãos naquella cidade & em outras padeci
am ,& o grande deſacato com que tratavam os Mouros as couſas fantas &
ſagradas: & como cada dia eſperavam peor.Deu huna carta a Pedro para
o Papa,em que lhe repreſentava todos aquelles males, & afilicam , & The Razoa
pedia focorro a elle,& aos Princepes chriſtãos para vingarem aquellas mento
ohenfus,q le a Dco3 faziam naquellas terras , onde mais devia ſer adorado dro here
pois nellis pafcera & padecera por os homens. E a Pedro dixe o mais,que micam
le podia dizer. VindoPedro ao Papa , lhe deu a carta do Patriarcha,& lo. ante o
bre iſſo lhe fez hum tam eloquenterazoamento, que o Papa Vrbano va- Papa
Vrbano
ram fanctiffimo,ſe moveo tanto com a efficacia de ſuas razoens, que logo
cecretou concilio para a cidade de Claramonte em França. Sendo ainda Chama
n anno de 1104. & fegundo alguns ja no anno de 1105. E mandando a o Papa
hi vir nam ſóinente os Biſpos que ſe ajuntarain trezentos, mas os ſenhores Vrbano
rados de França , & da Gallia Belgica ,começou o concilio. E na ſegunda ao Con
1etiäm mandou que le ajuntaſſem todos aſlieccleſiaſticos como ſeculares, cilio que
chamados ao concilio , & perante todos mandou ler en publico a car em Cla
ta do Patriarcha : & lida ella,mandou ao hermitam Pedro,que deſſe o reca Tanion
do que te
. CHRONICA .

do que o l'atriarcha per elle mais mandara de palavra. O qual repreſen


tou Pedro per tal maneira,que não ouve,quem nam ſe banhalle en lagri
mas,com laſtima do que aquelles chriſtãos padeciam, & do deſacato que
aos lugares ſantos ſe fazia.Polo que vendoos o Papa afli commovidos, the
fez hú tam grave razoamento ſobre ſe recuperar dosMouros a terra fan
ta, que compellidos das ſuas razoens alem das que o hermitam Pedro dil
ſera, & o Patriarca eſcrevera,todos a huma vós clamâram com hun uni
forme arroido,como ſe o Spirito San &to o inſpirara a cada hum. DEOS
QVER ISTO. Polo que o Papa, feito ſilencio, os animou com indul
gencias,& promeſſas certas da falvaçam ,dos que na quella empreſa mor
reſſem , & lhes diſſe: que aquella palavra que todos a húa vôs fubito diſſe
rain, lem apremeditàrem como dada per Deos, lhes dava para final & ap:
pelido que dixeſſem ,quando accometeſſem os imigos. E que todos os ſol
dadosdaquella ſacra inilicia ſe aſſinalaſem decruzes vermelhas nos peitos.
Primeiro que todos ſe offereceram para aquella jornada Odemaro biſpo
de Puys, & Guilhelme Biſpo de Orange, queſe deitaram aos pés do Papa
pedindolhe licença para tomarem armas pella fé . Eftes Biſpos & todos
os mais, que ſe achàram no Concilio em ſuas Dioceſes, & Pedro o hermi
tam per toda Alemanha,com ſuas prègaçoens convocaram gente fem nu
mero para aquella ſanta jornada .
Prince . Osſenhoresde França, que no concilio ſe acharam ,ſe offereſceram lo
pes,& fe- go,à quella empreſa.Dosquaes foram os principaes Hugo Conde de Ver
nhores g mandois irmam delRey Philippe de França.Godofre de Bulhom Duque
ſe offe de Lorreina, Balduino & Euſtachio ſeus irmãos filhos de Euſtachio Co
receram
á gucira de de Bolonha,Roberto Duque de Normādia,filho de Guilhelme Rey de
da terra Inglaterra, Stephano Conde de Borgonha, Roberto Conde de Flandres,
Santa. Paymundo Conde de Toloſa & Sam Gil, Stephano Conde de Bles Har
pim Duque de Berri, BalduinoConde de Mons, Anſelmo de Richemot,&
outros grandes ſenhores.
Godofre Havendoſe de fazer Capitam general de tam importante jornada & il
de Bulls numeravel exercito, todos puſeram os olhos em Godofre de Bulho Du
Dua de que de Lorreina.Era Godofre o mais eſtimado & amado Principe, de to
Lorrei- dos os de ſeu tempo. Porque concorriam nelle todos os bens do animo,
na eilei- & do corpo, que ſe podiam deſejar.Porque no ſangue era illuſtriſſimo,
to para deſcendente de Reys & de Emperadores, na idade florecente,na diſpoſi
capitam
general çam do corpo alto,& o mais fermoſo, & bem diſpoſto que havia naquellas
da guer provincias,na doctrina das letras muy bein inſtituído & muy esforçado,
radeul- & que de lua peſſoa em feitosde armas& deſafios,que teve,c'èra moſtras
tramár . de graó folùacio, & de bõ Capitam . E ſobre tudo era cortez, & de affavel,
jūtamente com muita gravidade, clementiffimo & muy liberal,que fam as
partes com que os Princepes mais ganham os coraçoens dos homens.Sen
do pois a guerra tam ſanta & pia,& o Capitam tam selebrado,& bom qui
fio do
DO CONDE D.HENRIQVE . I
io do mundo todo , foi inumeravel a gente, que ſe ajuntou para eſta jora
ilada de todo eſtado, ſexo, idade, & profiſſam. Os homens, que até ona
tameram de vida mais má, & eſtragada, eram os que com mais fervor pu
nham a cruznos peitos, & deixados todos impedimentos, q no mundo ti
nhandemolheres, & filhos, & outras couſas, com que os homens ſe
embaraçam , ſe punham ao caminho . Muitos homens & molheres de
grande idade, que apenas podiam ja viver de gaſtados , ſe embarcaram
com grande alvoroço, tendo ſuas mortes por bem aventuradas, ſe mor
reflem na terra ſanta, ou no caminho para ella. Delpediamſe os maridos
das molheres, os filhos das máys, & dos pays, com tanta alegria, dos
que hiam, & dos que ficavam, como ſefoſſem a jornada de hum dia ,
& a couſa de alguma feſta. Muytos daquelles venderam parte de ſuas fa-Godofre
zendas para ſoſtentar a guerra , & focorrer aos ſoldados pobres, que ſe lhe de Bus,
chegavam, como foyo Duque Godofre,quevendeo a cidade deMetz de Thon vé
Lorreina aos meſmos cidadaonsdella, & o Condado deBulhom ao Biſpo dade de
de Lieja,com tanta honra do Duque,que o vendeo,quam pouca do Biſpo Metz, &
que naquelle tempo o comprou. O Duque Roberto de Normandia em- o Códa
do de
penhcu o ducado a ſeu irmam Guilhelme Rey de Inglaterra por grande Bulhom
Emma de dinheiro , & vendeo o Condado de Conſtancia à Henrique para gaf
outro feu irmam . Os que em ſuas caſas ficavam , davam eſpontaneamen- Itar na
te muitas ajudas de dinheiro & dadivas para a guerra,poras prégaç oensguerra
fanta.
que andou fazendo Pedro permuitas terras.
Eſtas gentes ſe fizeram preſtes atê o anno de 1096. & ſe embarcaram
cu diverios portos.Outros muitos ſenhores ſe foraó o caminho de Roma1096.
a pè a tomarein a bēçam do Papa. Os quas ajuntandoſe deſpois em Alia Gente q
alina ſanto Antonino em ſua chronica,que ſe acharam ſeiſcentos mil ho ſe ajúcou
mis de pè & ſelēta mil de cavallo na cidade de Nicea da provincia de Bi para a
thynia . Outros fazem menor ſomma.Mas a verdade he que como a gente cóquiſta
nam hia a follo , nem houve livros , nem apuraçoens mais que hir cada deultra
mar .
Łum forçado de ſua devaçam , & infinitas caſas movidas de todo com
molheres & filhos , nam ſe podia ſaber numero certo . E tambem por- Nicca
que nam ſe achavam todos em hum ſó lugar , nem partiam de huma ſó ganhada
provincia , mas de todas as da Chriſtandade , que ló a Boemundo Prin- pelos
cipe de Apulha ſelhe ajuntaram de Abruzo , Baſilicata , Apulha & de Chriſtá. OS .
Sicilia vinte nil homens de peleja afora os de todas outras provin
cias de Italia , que o tomaram por Capitam . A eſte grande & victorioſo Antio
cxcrcito nam havia couſa, que lhe reſiſtiſſe . A primeira cidade que to- quia cer
maram foy a cidade de Nicea , da hi ſubjugaran roda Pamphilia. E paf.cada , &
ſando o monte Tauro ganharan Cilicia , & pallando á Syria , puſeram ganhada
cerco á grande & populoſa cidade de Antiochia , que parecia inex - Chriſtão
pugnavel, allim pello ſitio , como por os muros fortiſſimos & dobra -os.
cos , em que havia quatrocentas & ſeſenta torres . Finalmente tomada
с per for
CHRONICA"
per força de armas toda Syria ,puſeram cerco à cidade de Ieruſalem, & a
tomaram ultimamente,no anno 1099 avendo quatrocentos & oitenta an
nos que eſtava em poder dos Mouros.
Tomada a ſanta cidade de leruſalé , & cobrada toda a terra fanta,cöſul
tarão, quem farião Rey daquella cidade como cabeça de tudo o mais, que
eſtava ganhado. E avendo muitos daquelles Princepes,que cada hum por
ſeu grande valor & clareza de ſanguemerecia o Reyno,fem entre elles a
ver emulação algúa,ne ſinal de dezejar o reino,o deferiáo todos a húa voz
Godo
fredo a Godofre de Bulhom Duque de Lorreina por ſua grande authoridade
Bulhom & religiam, & porque elle ſe havia aſſinalado & avantejado entre os ou
elegido tros Princepes naquella conquiſta. Elle ſendo rogadoacceptou oReyno,
por Rey mas nam a coroa,nem outra inſignia de Rey, dizendo, que ondeo ſenhor
de leru- do mundo por elle & por outros peccadores trouxera em ſua cabeça
falem .
coroa de eſpinhos, nam havia elle trazer coroa de ouro. Havendo hum
Godo .
anno
que Godofre era Rey, veo a fallecer con grande ſentimento de
fre nam todas aquellas gentes. Aoqual ſuccedeo Balduino Conde de Edella feu
accepta irmam , & fucceffivamente Balduino . II. feu primo Folco Conde
coroa
nem in
de Anjou genro de Balduino. IJ . Balduino. IIJ. filho de Folco. Al
ſignia demerico ſeu irmam filho de Folco . Balduino. IIIJ. filho de Almerico. A
Ieruſale. Balduino. IIII . por ſer leproſo & nam caſar ſuccedeo Balduino V. me
nino de pouca idade filho de ſua irmam Sybilla & de Guilhelme filho
Morte do Marquez de Monferrara. O qual morrendo logo apos feu tio,ſua mo
de Go- lher Sybilla ſe caſou com Guido de Luſignano, & fez que reinaſſe. Ha
dofre .
vendole eſte Guido mettido de polie do Reyno por as muytas diffe
Rey de
Ierufalé. renças que o Conde de Tripol & Tancredo Princepe de Antiochia tra
ziam ,como o Reyno diviſo he facil de deſolar, ſe veo perder a cidade de
Succef- lerufalem . A qual o Soldam Saladino tomou no anno de 1087 avedo 88
flam dos annos que eſtava em poder dos Chriſtãos.
Reis que
ouve em Ochroniſta que eſcreveo a hiſtoria delRey D. Affonſo Henriquez &
Ierufalé nella algúas couſas do Conde Dom Henrique,diz, que não parecendo ao
a pos diro Dom Henrique decente , onde aos mais Princepes da Chriſtandade
Godofre hiam ſervir a Deos na conquiſta da terra ſanta , ficar elle em caſa em ida:
Conde de tam coveniente, para aquella empreſa, paſſara o mar com muyta géte,
D. Hen. & fora em ajuda delRey Balduino.O que naverdade não foi, nein podia
rique
ná fer.Porqueotempo em que o Conde Dom Henrique mayor occupaçam
foi á podia ter em ſua caſa,era o em que o fazem ido a terra fanta. Porque a
guerra cidade de Lisboa, que no anno de 1093. elle ganhara dos Mouros com
de ultra, ſeu ſogro , lhe con pria tela em grande guarda , por ſer cidade tam infig
mar , né
podia ir. ne , & de que aos Chriſtios ſe faziam tantos danos per mar & per terra,
& por ſer hum dos mais celebres portos do mundo , aonde a muluidam
dos Mouros vinha das prayas de Africa deſembarcar , & huma das en
tradas perque entraram a deſtruir Heſpanha . Aa qual eſtava certo ,
avere !
-
-
1
DO CONDE D. HENRIQVE . 14
1
averem de tornar com aquella multidam,que daquellas gentes ſe ſoe 2
juntar contra Chriſtãos.E aſli rodo o trabalho de ſoſtentar Lisboa,& de a
guardar não baſtou. Porque neſſe tempo que fingem , o Conde Dom Hen
rique ir â dita guerra de ultramar, tornaram os Mouros a Lisboa, & a cer
caraó.No qual cerco & reſtituiçao,não ha duvidaaverſe de gaſtar tépo &
puitos homes,q fe haviam de coſu.nir na deféſam da cidade,deſ em Por
tugal ainda não avia muitos.Polas quaes razoes,aſfi de Caſtella, como de
Portugal,não paſſou peſſoa algúa o inar,para a dica guerra,nem dos outros
biais reinos de Eſpanha,q també tinhao nosMouros inaos vezinhos,q ain
da poſuiáomuitas terrasde Chriſtãos.E por iſſo Paulo Aemylio eſcriptor
grave nos ſeus Annaes de Fraça,na vidadelRey Felippe o primeiro, onde
conta meùdamente todo o proceſſo daquella guerra fanta,nomeando to
dolos Princepes & peſſoas Principaes, 9 a ella foram ,diz q de todalas par
tes de Alemanha,França,Italia,Inglaterra,Scocia & das mais remotas ilhas
& terras do orbe Chriſtáo foram á dita guerra ,tirando os Heſpa hnoes que Efpa
a ella nam foram ,por terem ſua guerra fanta dentro de caſa com os Mou- nhoes
ros O melino ſe prova ,per o que da dita guerra conta Guilhelme Arce- não fo
biſpo de Tyro, que eſcreveo 23 livros da guerra ſanta, em que ſe elle a- rão á
chou preſente, quaſi a principio, como chanceller mòr que erade Ieruſa- guerrpor
a
lem . O qual nomeando meúdamente todolos Princepes, & capitães & ca uſa
cavalleiros de menos conta,que naquellas guerras de ultramar ſe acharam dos
nenhúa inençam faz do Conde Dom Henrique. O que neceſſariamente Mouros
houvera de fazer,fe a ellas fora,porelle ſer peſſoa tam grande em ſangue ſeus ves
& eſtado , &genro do Emperador Dom Affonſo,tam conhecido pelo mū- finhos.
do, parente do Rey que entam era de Ieruſalem, & cunhado dos Con
des de Flandres, de Borgonha, & de Tolofa & dos outros Principes Frá
ccfes,& Alemaés,Capitaés daqlla guerra de q tāta menção ſe faz. A outra
frova evidétillima he,q deſdo anno de 1096 em que Godofre de Bulhom
& os mais Princepes paſſaram a terra ſantaaté o anno de 1112 em que
o Conde Dom Henrique falleceo,ſe acham doaçoens, que fez neſte rey
no firmadas per elle per todos eſſes annos,ou ao menos interpoladas de
maneira ,g não era poſſivel no tépoq avia de húa a outra, elle poder ir à
dita cöquiſta,ainda q ſuaidafora a romagé & não ajudar naquella guerra
onde neceflariamente avia de fazer demora,em ſe apreceber, em ir, ein
citar,& en tornar.Nem era veriſimil, que clRey feu ſogro, que eſtava na
eſiema velhice, & que o fizera ficar em Heſpanha, para ſe delle ajudar,
& l'ie dera en dote hum Reyno, de que inda tanta parte eſtava por co
bror, & tendo - o poſto por fronteiro & defenſor das terras de ambos con
tra os Mouros, o deixalſe ir fora delles. A iſto ajuda que fendo a el
Rey Don Sancho ſeu neto notificada pelo Papa Cleinere.3 . a tomada de
lerotakem , & o eſtrago que nella & nos Chriſtios fizera Saladino Solo
can do Egypto, & exhortando-o com muytos rogos a hir cobrala com
C2 OS Olitros
CHRONICA
os outros Princepes Chriſtãos, & deſejando muito elRey de emprender
aquella jornada,como Princepeque era chriſtianiſſimo, & muy esforçado,
os pôvos lho nao conſentiram, pelo grande perigo em que deixava ſuas
terras, poſto que todo o Reyno de Portugal quali já eſtava ganhado. O
que mais era de crer iinpedirao os meſmos pôvos ao Conde D.Henrique,
em tempo q a caſa ſanta era já cobrada,& a mayor parte de Portugal el
tava ainda por ganhar , & o ganhado em riſco de ſe perder. Nem era de
crer, que quem nað tendo nada em Portugal, ficou nelle porſervir aDeos,
contra Mouros, quando tinha mayor obrigaçao & neceffidade de reſidie
em Portugal,deixandomulher,& filhos, & vaflallos, ſe foſſe tam longe,
buſcar guerra alnea, deixando outra em ſua caſa. Eſte meſmo reſpeito
teve elkey D. Afonſo IV de Portugal,no conſelho que deu a elRey de
Caſtella ſeu genro , & que tomou para ly ,quando ſendo ambos covocados
delRey de França,& de algus Princepes deAlemanha,para ir a conquiſ
ta da terra ſanta,reſpõdeo ,quepouco lezudo ſeria,o tendo os inimigos
em caſa, foſſe buſcar outros fora,& deixalle de ganhar terras, que ficaliem
a ſeus filhos proprios,por ir conquiſtar outras que ficaſſem aos alheos,ſeni
Horas, do a guerra a meſina,& os ininig s todoslús,& o ſerviço de Deosigoal.
& officio Nem he femelhante caſo o do Conde de Toloſa, na ida à terra ſanta. Por
de noſ
la Seño que eſſe Princepe vivia en França, onde tinha feus eſtados, fóra da viſi.
ra quan nhança dos Mouros Eanda aflino foi tam a ſeu filvo, que o Conde de
do le co- Pitiers ve Joo auſente,le não ocupadle ſuas terras, como eſtá dito atraz.
meçarão
rezar.
Naquelle concilio de Claramonte, le q aflimafizemosmenção em que
ſe determinou a conquiſta da terra ſanta , ſegundo conta ſanto Antonino,
Rezar inſtitubio tambem o Papa Vrbano, que le compozeſſe o officio em lou
per con.vor da Virgem noſſa Senhorapara ſe rezartodas as horas do dia,pelos de
tas foy votos della,naở que obrigalſo a iſſo todos. Alli que no meſmo tépo fe or
inven-
çam de
denou o officio das horas,& rezar as oraçoes do Pater nofter, & Ave Maria
Pedro o por rainâes de contas,o q foi invenção do dito Pedro hermitað , quando
hermi eſtàva no Ermo , por não errar no numero das oraçoes que fazia , & labe
tam , lo em certo tomou certo numero de pelouros como tentos, para fazer co
ta das oraçoens.
1098 Per aquelles meſinos tempos no arno de 1098.em que os Franceſes, &
Rober Alemaens fervia) na Religiam & amor de Deos, teve ſeu principio a Có
Abbai gregaçam de Ciſtel,a que a gente vulgar chamaOrdem de S. Bernardo,
de M. lendona verdade a meſina de S. Bento.A cauſa deſte nome, & a mudança
liſmenſe da côr do habito dos Monges de Ciſtel foi eſta.Sendo hú Monge por no
inſtituio me Roberto Abbade do Moſteiro Moliſmenſe da ordem de S. Bento, que
a cógre- eſtà ſituado em Langres cidade do Ducado de Borgonha, conſiderando,
gaçam
de Cic 7 por asmuytasrendas & heranças q tinhão os Mõges, vivião muy deſvi
tel. ados da inſtituição ,g lhes dèra S. Bento ,deſejavade mudar a vida, & hur
car maneira,para perfeitainente guardar ſua Rêgra . Polo que ajuntan
dele
DO CONDE D. HENRIQVE . 15
coſe com 21 monges virtuoſos,que tinhão o meſino deſejo,le foi com el
les habitar hum lugar ſolitario,que ſe chamava Ciſtercio,onde edificáram
hum Moſteiro com conſentimento do Biſpode Cabillom ,& do Arcebiſ
po de Lião , & de Ocho Duque de Borgonha. Neſte lugar vivido eſtes
Religioſos, guardando eſtreitamente a regra de ſeu inſtituidor S. Bento,
donde vierao chamarlhe os monges Ciſtercienſes.E porý os monges de S.
Bento de toda França, de q elles ſe apartârað, vivião mais largo do que
convinha, & fe afrontavam de parecerem da companhia delles, deter
mivaraoſé de mudar a cor do habito, & veſtirem -ſe de branco, para ſe
differençarem dos outros, que andavam de preto & de outras cores, por
a Regra de Sam Bento naõ obrigar a ſeus monges, trazerem certa côr.
Os monges do Moſteito de Moliſma uendo que ſe lhes fora o Abbade
Roberto por elles nam guardarem a Regra como de viaõ , movidos com
aquelle bom exemplo, determinaram mudando a vida paſſada, de renun
ciarem a fuas rendas & riquezas,& guardarem inteiraméte ſua regra. Polo
que fizeraõ com o Biſpo de Cabillon , que lhes reſtituiſſe ſeu Abbade
Roberto . O qual indo-ſe para elles,deixou em ſeu lugar hum monge
por nome Eſtevão homem de ſanta vida,que preſidio 15 annos no Mof
teiro de Ciſterſio. Neſte tempo veyo àquella congregaçao hum mance
bo fidalgo natural de Caſtillom villa do Ducado de Borgonha, por no
me Bernardo,com 30.companheiros,dos quaes tres eraõ leus irmãos, on
de Bernardo fez tam fan &ta vida que por ella, & por ſua erudiçao , dahi a
pouco tempo foi eleyto Abbade do dito Moſteiro de Ciſterſio, & dahi,
levado para inſtituir o Moſteiro de Clara Valle, ſ deſpois foi cabeça dos
Moſteiros daquella Cógregação.E poră por ſua induſtria & contéplaçao
ſe fundàrao cento & ſeſſentaMoſteiros,dosquaes foi hum o grande Mo
Neiro de Alcobaça ,& por ſer em ſanguemuinobre, & conhecido naquel
las partes,porſuas letras,& depois por ſua grande fanétidade per que foy
canonizado,eſquecendo o Abbade Roberto,primeiro, & principal inſti
tuidor daquella cögregação,ſe chamou congregação de S.Bernardo. De
que veyo o erro da gente do povo, que chamão os Moſteiros de Ciſtel da
orden de S.Bernardo,ſendo de S.Bento: na qual Roberro primeiro author S. Ber
daquella Congregaçao, & S.Bernardo morreram . nárdo
Entre as couſas que o Conde D. Henrique fez em ſeu tempo , dizem tituionað infor
es que eſcrevem a vida delRey Dom Afonſo Henriquez feu filho, que dem de
foi fundar muytas Igrejas,& reſtaurar as antigas,que eſtavaõ deſtruidas & Ciſtel.
afſoladas pelos Mouros, & erigir as Sès cachedraes de Braga, Coimbra,
Porto, Lamego , & Vileo , & reftituilas a ſua pofle , & jurdição. Mas no ſ to
ca a Braga coſta aver erro manifeſto : & noſ toca a Coimbra aver duvida.
Para o que ſerà neceſſario ,tratar do tempo, em que eſtas cidades vieram
a poder dos Reys de Lião, deſpois do cativeiro dos Mouros. A ciủade
dc Draga vindo a ſer dos Mouros , na geral deſtruiçao de Helpanha,
C3 foi
CHRONICA
foi arruinada de maneira , que quando el-Rey Dom Affonfo. I. de Li
am a tornou a cobrar, que foy to anno de 737. eſtava tam deſtroida &
herma, que namn eſtaua capaz de ſe nella erigir le cathedral. Porqne dizė
que nam havia 'mais nella quehumasruinas, que moſtravam aver eſtado
alli cidade. E ainda precedendo o tempo no anno de 877. reinando el
Fey Dom Affonſo.III. do dito reinode Liam, a que chamaram Magno,
edificou a Igreja de Santiago de Galliza,que antes era de taipas de terra
querendo conſagrar com authoridade do Papa Joam VIII. entre os Biſpos
titulares, que alli(ſegundo Ioam Vaſeo ) ſe acharam de diverſas partes de
Heſpanha, foram de Portugal, Argimiro Arcebiſpo de Braga, Fauſto de
Arcebis -Coimbra, Ardimiro de Lamego, Theodomiro de Viſeo, Guimago do Por
padode to. Eſtes Biſpos & ſeus anteceffores nos titulos dos Biſpados, fugindo à
Braga e- crueldade dos Mouros,com que os tratávao, & os deſacatos que fazião às
legido relignias dos Santos & couzas ſagradas, ſe acolheraó com ellas a Ovedo
primci: cidade das Aſturias, pellos quaes eſtava repartido aqnelle Biſpado com
dodelpo ſeus territorios diſtinctos,para aſli ſe ſoſtentàrem . Por a qual razam cha
isdare- mayam naquelle tempo a Ovedo cidadedos biſpos.E por em Heſpanha
cupera- não aver algum Arcebiſpo de jurdiçam,& as cidades metropolitanas eſta
çam de
Hefpa rem debaxo do jugo dos Mouros,ou deſtroidas, & Braga eſtar affolada &
nha. arraſada, o dito Papa loam VIII. fes a Igreja de Ovedo metropolitana:
o que deixou de fer, deſpoisque Braga foy reſtituida, & Compoſtella foi
Dom Pe Arcebiſpado, paſſandoſe a ella a fede queantigamente fora de Merida.
dro pri- E aſli elieve Braga fem Prelado, que a governaffe, ſegundo a razam dosté
meiro
Arcebil pos,atè el-Rey Dom Sancho,ll. de Liam ,que eregio a Sé della & edifi
pode cou nova Igreja & elegeo por Arcebiſpo hu D. Pedro,que foy o primei
Braga ro que na quella cidade ouvedeſpois da reſtauraçaõ de Heſpanha.O qual
deſpois Dom Pedro preſidio IX annos,dos quaes tomou alguns do reinado do
da recu - dito Dom Sancho,& outros delRey Dom Affonſo.VI. ſeu irmam. Por
overher que foi electo no anno de 1065. & governou ateo anno de 1074. ſegu
panha do vi pelo catalago dos Arcebiſpos de Braga, que Frey Jeronimo Ro
inano tirou dos carthorios da dita Sé de Braga, & mos moſtrou. O fegun
Sam Gi- do Arcebiſpo foi Sam Giraldo Frances natural de Cahors, & monge Ja
raldo
não foio ordem de Sam Bento, que avia ſido moſteiro de Moſaico, que foi cle& o
primei no anno de 1074. & de XXX. annos que governou foram alguns do rei
ro Arce, nado del-Rey Dom Afonlo. VJ. & outrosſendo já o Conde Dom Hen
biſpo de rique ſeugenro ſegue aver erro no que diz o chroniſta que delRey Dom
Braga, Alfonſo Henriquez eſcreveo , & dos que o ſeguiram , que o Conde Dom
nem ele ;Henrique erigio a Sé de Braga, & edeficou, & elegeo o primeiro Arce
Coled. biſpo,& que effe foi Sam Giraldo.Noqual erro eu já fui antes em hú tra
Henriõ. tado dos elogios dos Reys de Portugal.
Tambem ſe colligem os erros,em que de muitas maneiras cahiram , os
que affirmam , que o Arcebiſpo de Toledo Bernardo como prinado de
Heſpanha
DO CONDE DHENRIQVE. 16
Heſpa nha proveo deprimeiros Prelados asIgrejas de Braga;& Coimbra,
& as mais em tempodo Conde Dom Henrique. Primeiramente porque
primeiro foireſtituídaa Igreja de Braga, que a de Toledo, como acima Biſpos
teinos dito .Poisa de Braga ſe proveo no anno de 1065. & a cidade de de Hefa
ToledofoitomadaaosMourosno anno de1083. quefam18 annos del paía to,
pois. E neſſa razam de antiguidade afora outras ſe fundam os Arcebiſpos conhece
de Braga em ſerem primazes de Heſpanha. Polo que ſe ſegue , que mais ao Arce
podia o de Braga como primado,& unico em Heſpanha, eleger o de To- biſpo de
ledo,que não o de Toledo ao de Braga. A iſto ajuda o que eſcreve Joam Braga
Valeovaram do&o & diligente em lúa chronica de Heſpanha, que não por pria1
fórmente de Heſpanha reconheceram ao Arcebiſpo de Braga por primaz, Heſpa
antes de ſe Toledo ganhar dos Mouros, mas deſpois. O qual affirma, que aha.
elle via a profilſam de obediencia,feita ao Arcebiſpo deBraga,pelos Bil
pes de Mondonhedo,de Tui,de Aſtorga, de Orenſe ,de Zamora, de Lis. D.Ber:
boa, de Lamego, & que tambem vira huma carta delRey Dom Affonſo, Arcebir,
quele chamava Emperador paraoArcebiſpo Dom Ioam de Braga,ſobre po de
a confirmaçam do Biſpo de Lugo. O.qual Dom Affonſo neceſſariamente Toledo
heo 6. porque concorreo com o Arcebiſpo Dom loam q foi electo go não foy
primaz
vernando Portugal Dom Affonſo Henriquez no anno de 1138 . de Her
Outro erro dizerem, que o Arcebiſpo de Toledo Dom Bernardo,ten, panha.
do feito voto de ir com os cavalleiros da cruzada à guerra de ultra mar,
fora a Roma, & que o Papa Vrbano,abſolvendo o do voto,o mandou tor- Sam Gi
na a ſeu Arcebiſpado ,& que vindo per França trouxe de lá Sam Giraldo, raldo
não foy
que fez Daião da Sé de Toledo,& Burdino que fez Arcediago.Aosquaes Daiam
dizem que deſpois proveo em Portugal.l .a Sam Giraldo de Arcebiſpo de Tole.
de Braga, & a Burdino de Biſpo de Coimbra : & que iſto fez como primaz do,nem
de
fayoordé
que era de Heſpanha. O que tudo vai contra razam dos tempos , porque fua
as verdades das hiſtorias ſe averiguam , Porque o Concilio de Claramon
te onde ſe determinou eſſa conquiſta da terra fanta, foy no anno de 1094
ou de 1095. & ſegundo Onufrio Panvinio chroniſta de grande authori
dade,no anno de 1996. E a mais da gente militar , q iria mais â preſſa, que
o velho Arcebiſpo Dom Bernardo ,partio no anno de 1094. por diante
Porque como conta Paulo Aemylio ,efteve a gente tres annos em ſe a per
ceber. Polo que contando o tempo da ida doArcebiſpo Dom Bernardo
a Roma, & a tornada , & a eſtada em França , & o tempo que aquelles 2

Prelados gozariam daquellas dignidades , que dizem , na Sé de Toledo The


forao dadas,muito alem du Conde D. Henrique avia de paſſar, pois falle
ccolo apno de un12 . Ainda eſtes annos aviam de hir mais alem do Có.
de D.Henrique,ſe he verdade ,o que o Arcebiſpo de Toledo D. Rodrigo
Ximenez eſcreve do Arcebiſpo D. Bernardo,& o conta Petro Beuther na
fua chronica de Heſpanha, queindo elle caminho de Roma, por o voto, ý
tizera de ir à guerra lanta, lançando conta os conegos de Toledo que já
C4 nam
CHRONICA
não tornaria delà, ſe juntaram & fizeram outro Arcebiſpo,polo que D.
Bernardo ſe tornou do caminho, & privou os conegos todos dos benefi
cios, & fez novos conegos de monges de Sahagum moſteiro da ordem de
Sam Bento, & ſe tornou aRoma ao Papa Vrbano, o qual lhe mandou que
ſe tornaſſe a Heſpanha, & que com o dinheiro, que avia de gaſtar na jor
nada da terra fanta, edificafic a cidade de Tarragona,& reſtituifle a Sè del
la , para que o ſummo Pontifice a proveſſe de Arcebiſpo como fohia'ter,
Por as quaes razoens fica manifeſto, que nem elleera avido por Primaz de
Heſpanha,pois o Papa avia de eleger o Arcebiſpo de Tarragona,& pois
era pro vida a Sé de Braga tanto antes do dito Arcebiſpo de Toledo D.
Bernardo,& não ſer ele&o o primeiro Arcebiſpo pelo Conde Dom Hen
1 Sam Gi: rique ,nem Sam Giraldo ſer o primeiro Arcebiſpo deſpois da reſtauraçam
raldo de Heſpanha. A iſto ajuda tambem a lenda do Breviario Bracharenſe, &
não foy do Eborenſe,que copilou Andre de Reſende per mandado do Cardeal
o pri- Infante Dom Henrique Arcebiſpo de Evora,que deſpois foy Rey deſtes
Arcebiſ-Reynos.O qual como homem curioſo & grande antiquario, tomando-o de
pode huns commentarios de Dom Bernardo Bilpo que foy de Coimbra,que fo
Braga ra Arcediago & perpetuo companheiro de Sam Giralddo , & que ſuas
Sam Gi. couſasdeixou efcriptas,conta como aquelle ſanto varam Giraldo, ſendo
raldo fe monge de Sam Bento em França, & que a Heſpanha viera reformar a or
domon- dem ,foicanonicamente electo por Arcebiſpo, eſtava a Sèvacante, & co
ge de S. mo tal foy conſagrado, & indo aRoma pedio ao Papa Paſcoal o pallio &
Bento
foi cano
privilegio de Arcebiſpo Metropolitano. E que por alguns Biſpos,que an
nicame tes da perdiçaõ de Heſpanha,erão ſeus fubditos,ſe lhe rebellarem , & negah
teelecto rem a obediencia, cuidando que pela extinçam da igreja de Braga,que fi
Arcebif-cou deſolada dos Mouros ficauao izétos o Papa fez ajūtarſinodo na cidade
po de de Paleciana ( mádou priſidir Ricardo Cardial legado da Sè Apoſtolica,é
Braga. que ſe mandou que os Biſpos todosque antigamente tinha de feu diſtric
to, o reconheceſſem por ſeu metropolitano De que tambem ſe collige fer
fabula que Sam Giraldo fora Daiam em Toledo , & ſc ſaio de ſua relia
giam
E porque por as poucas memorias que neſte Reyno temos das couſas
antigas, principalmente dos tempos em que foram os Reys ou Prelados
grandes perque ſe averiguam muitas duvidas cada dia,& como a ignoran
cia diſſo ficam incertas,refirirci a ordem, & fucceffam dos Arcebiſpos, que
foi por eſta maneira. O primeiro como eſta dito) foi Dom Pedro, Dom
Giraldo,Mauricio,Dom Pelayo,Dom loam Dom Godinho,Dom Sancho
Don Martinho, Dom Stevam ,Dom Pedro 2 que morreo antes de ſer con
firmado,Dom Sylveſtre Godijs,Dom Ioam Egas 2. Dom Sancho 2. Dom
Martinho 2. que morreo em Viterbo,Dom loam 3.Dom Frey Tello, D.
Martinho 3 . Dom loam. 4.Dom Gonçalo Pereira,Dom Guilhelme,Dom
loam 5. Dom Lourenço Dom Martinho 4. Dom Fernando, Dom Luis
da Cu
DO CONDE D. HENRIQVE. 17
; da Cunha , Dom loam Galvam.6 .que não foy confirmado, Dom Iorge
da Coſta Cardeal de Portugal,Dom Diogo de Souſa,Dom Henrique In
fante,que deſpois foi Arcebiſpo deEvora,& deſpois de Lisboa,& defpo
is Rey Dom frey Diogo da Sylva Franciſcano Dom Duarte filho baſtara
do delRey Dom loam 3. D.Manuelde Souſa D. Frey Balthaſar Limpo
i da Ordem do Carmo, D.Frey Bertholameu dos Martyres da Ordem de's.
Domingos, D. Joao Afoſo deMeneſes,D.Frei Agoſtinho de Caſtro, filho
de D.Fernádo de Caſtro Governador que foi de Lisboa. D. Fr. Aleixo de
Menezes D.Affőſo Furtado de Médőça D. Rodrigo da Cunha q deſpois
foi Arcebilpo de Lisboa D. Sebaſtião de Matos D.Veriſſimo de Lácaſtro.
O erro que ouve em affirmar , que a igreja de Braga foy reſti
tuída pelo Conde Dom Henrique , fica fazendo duvidoſo, o q ſe eſcreve Coim.
de Coimbra . Porque per muitas conjecturas parece ſer levantada & edifi- bra ar
cada ganhada
fui antes delle.pelos
É o queprimeiros
de ſua reſti m
tuiça ſe ſabe,he
Reys de Liam. que aquel la cidadele ruina
pelo da
Porque lemos que Rey Al
Piey Dom Affonſo 3. que chamaram o Grande, que della eſtava de poſſe mangor
a difendeo do cerco,que os Mouros lhe poſeram no anno de 859. ſegun- cm tem
do eſcreve Ioan Vaſeo tratando do dito Rey.Delpois em tempo del-Rei po del
deDonOrdonl:0 03.noannode
poder elRey Almançor,
924.entrandoem Heſpanha comgran- nhooz
que tornou cobrar dos Chriſtãos muitos lu de Liaó:.
garesdos que tinham recuperados, & fez nelles grandes crueldades , que
foy outra géral deſtruiçamde Heſpanha, entre os lugares que tomou foy Coim
a cidade de Coimbra. A qual os Mouros deixaram eſtar deſpovoada & brator na da a
deſerta per eſpaço de 7.anos,& depois de les atornarão ede ficar, & povoar, povoar
&a tiveram até o tempo delRey Dom Fernando o Magno, que começou pelos
reinar em Liam no 1017. & ſegundo alguns no anno de 1020. E porque Mouros
a verdade do tempo , em qne per o dito Rey ſe tomou aos Mouros, & cs
meos per que ſe tomou ſe nam ſouberam atègora, & conſta per huma ef
criptura de doaçam , que o meſmo Rey Don Fernandofez aos frades que
entam eram do moſteiro de Lorvam ,que do carthorio das freiras que ho
ra ſam do dito moſteiro medeu Pero Lourenço de Tavora conego da Sè
deLisboa,& poró per ellatambé ſe ſabe muitas couſas antigas,per q ſe ti
fani crros dos chroniſtas,aflide Caſtella ,como outros o andam no povo,pa-Coim
receo neceſario referila' aqui.Cujo traslado tirado da barbara lingoa Lati- bra cer
cada
na,em que eſtava ao modo das eſcripturas daquelle tempo , he eſte.
Mhonra de Deos,& deſanta Maria,& de todosſeusSantos,és de Sam Ma- Re
porcl
Econfirmaçam y D.
mede, & de Sam Payo, eu el Rey Don Fernando dos Leoneſes, faço carta &
aos Abhades & frades,ĝ habitam o moſteiro de Lorvaõdas heranças que doo
Fernan

162€, am defele timpos antigos atégora,& poderem ter de noſſos dias em perpetuo,para de
Magno
Liaó,
que as tenhāg firmemente por o bom féruiçz,que miefizerão nocerco de Coimbra,85 per & toma
asorações dosbons frades quehiſeruirem a Deos,saregrade Sam Bento. Aſjieu da em fe
I'm Fernandonorifico aos Reis & Condes que deſpois de mim foreni,quefeleuantou
o Abbade
cemeſes
CHRONICA
ö Abbade de Lorvão, & tomou conſelho com ſeusfradesque logo ouvireis. Dixeram
enrre fifecretinente: Vamos a ElRey DomFernando, & digamoslhe o eſtado de Co
imbra; & affio fizeram. Vieram a mim dous frades deles, & antes diſſo differam
aos Mouros,quecošturmavam ir aosmontescaçarlhesſeus Veados, & defciam aofeu
Mosteiro a comer; Queremos ir a Sam Domingosfazer oraçam por noſſos peccados.
Fingiraõ que huofazer oraçam , & vieram a mim onde eu eſtava no mejo deCarriom.
Us 41.1es em meuconſelho me contàram, & diſſeram ; Senhor Rey,vimosa vos,por an
89.15,por montes porobſcuridadespara vos dizermos oeſtado de Coimbra.O qualvos
Faremos verſe quizerdesſaber como està,ou como eſtaō ahios Mouros, quaes & qua
tos ſejam ,comocomem , & como não vigiam a cidade. E eu lhes diſſe com prazer,Por
anor deDeos dizeime como eſtað. Recolhidos entam honradamente, & contaraõme
tido como paſlava. Fiz com elles aſento,que foſem com meu exercitoſobre a cidade
pelo mezde Ianeiro fem duvida algūa. Quando elles a mim vieram ,erao miez de Ox
tubro. Fiz apreceber mens cavalleiros, &darlhes mantimentos. Vejo o tempo,chegou
ſe o dia,m.ndei aos mens cavalleiros,que eram em terra de Santa Maria, quequando
pudeſſem a destruhifem . O que fizeram afſi. Vim com meu exercito ao tempo que
afſentei, & puzme ſobre a cidade pelos meſes de Ianeiro, Fevereiro, Março, Abril,
M 1y .,Iunho, quando viemos a Iullo nam tinhamos mantimentos,ſenam para dili 0

pouco tempo. Polo que apercebemos noſſas cargas de noſſos mancebos & beštas, &
mandimos que ſe foſſem caminho de Liam ,tendojá conſumido quaſi todo o mantine
to trouxemos ,
que Démos pregam em Almafalla,que até quatro dias eſtiveſsem all,
& que ao quinto cada humſe foljeparaſua caſa. Osfrades de Lorvão &© Abbade
ſe aconſelharam entre ſi, & differan ;Vamos a ElRe), 5 demoslhe o que temos para
comer,ſi de vacas,boys,como de ovelhas cabras,&porcos,pam , vinho,peſcado,6 cm
ves. É entre tanto ſenamitomàrem a cidade demoslhe tudo o que tivermos, para co
mner. Porque nam nos convem estaraquimais, ſe acidade (o queDeos num mande)
il'in for tomada pellos Chriſtãos. Entre tanto os frades me deram tudo, o que tinbum
para comer,ovelhas, boys,porcos,cabras,aves peſcados & muitos legumes,pam, & via
nhoſem conto,que de longo tempo tinhamguardado para iſto. Prouve a Deos , que
antesque fosſem os mantimentosgastados, & antesqueſe acabaſſe aquella ſemana,
os Mouros nos dèram a cidade. Diſſeraõme entam os homens bons, que comigo eram;
Certoſenhor,85 Rey noj) ſe nos nam foram dados os mantimentos do Mosteiro,u Ci
daje nam fora tomada. Entam mandei chamar o Abbade & frades, os qucis fempre
estiveram comigo, 5me diziam as foras & miſſas em S. Andre,& ahi,& nofeum
fieiro enterravan os l.omens que no cerco morriam,l/i defettadas, & lançadlas, como
de juis doenças. Elles vieram muy ledos, eu lhes diffe; Agora eſtareis contentes.
Tunai defia cidade tudo o que quizerdes.Porque com ajudade Deos, & com 1911
co:ufello foi ella toined:1. Elles reſponderam : Graças a Deos, Salos, 8 al pojios
antepaſidos. Aljuk temos, & teremos,le a voſagraça tiernos,& habitamos entre
(brištins. Somente,le quizerdes por o amor de Dios,es por reniedro de vojfa alma,
durvis bila Igrejanocidade com was cafus dentro,& confirmamos as doaçoens queti
bernos antes de vaijos padres, & de alguns homens bons, a cujas aln:as Dcos de folo
S6763
DO CONDE D.HENRIQVE. .18
21:Ca . Eu me volvi para meus filhos , & para meus cavalleiros, & lhes diſſe: Eu jurð
perósCreador de tudo,que eſtes homens ſam de Deos;que tam porúca cobiçatem .Eulhes
yurgera dar ametade da cidade,ou à terça parte della,& elles nam querem receber mas
is de mim que hua Igreja. Agora pois que ellesmais nam querem ; da parte de Deos
onmipotentelhes concedemos ,confirmamos aquillo,g, nospediraốem honra de Deos,
& de S. Mamede;Certo vos digoem verdade,ýdelles & outros homés bons;ſoube á
de tempo antigofoi aquclle Moſteiro edificado, & aquelles que a principioa elle vieram
mora: nam queriam aceitar,nem ter berdumeritos povoados: "Deſpois vieram os Reys
meus avós & Princepes,quelhes derem terras, & obrigaramà as tomar dizendolles:
Tomay as lerdades qvos derem, porq em tal lugar nam podereis eſtarſem ellas,quaa
do entre aquelles montes nam tiverdes campos que lavrar. Elles viram que aquelle cona
fellio era bom , tomàraõ o ģ lhes deram, & diſſeram queremos ſer dos Reys & Prin
cepesydeſta terra. Então começarão a tomar todas as berāçasģ ihes davão afji os Rea
3s,& Prinzepes,comoos homens bons.E os meſmosfradesmemoftråram a mi ÉlRey
Dum Fernando cartas delRey Ramiro,& delRey Vermido, & delRey D. Afonfo,
de Gonçalo Moniz;quefoi bom cavalleiro,& cazou com filhu delRey Vermudo;& oua
tras cartas de homens bons. Deſpois que eu vi tudomandeilhes,quepuzeljem em ef
criptura,e que me aconterera com ellesno cerco de Coimbra. Elles o eſcreveram como
por mim lhes foimandado. E trouxeraõme estáeſcriptura com búa coroa deprata &
raque fora delRey Vermudo, & a dera Gonçalo Monizao Moſteiro em honrade
ouro,

Deos, de S. Mamede. Vi eu a coroa como era ornada de pédras precioſas & lhes
dille: Porqueme trouxestes eſta Coroa? Elles me reſponderam :Queremos ſenhor que a
recebais por este bem que nos fazeis. E eu lhesrespondi: Longevá iſſo de mim ,quea
19a,que cutros homens bons deram ao Moſteiro a tire eu dahi. Mas vós tomai esta
curoacom mais des marcos de prata ,de que façais húa Cruz boa,5 levaya ao Moſtei
10,8 eſteja nelle perpetuamente. Quem vosajudarſeja ajudado de Deos,& quem vos
quizer eftorvar s impedir ešte Mosteiro queeſtà edificado em muy bomlugar , ſeja
malditode Deos, & deſeus Santos. Euſobredito Rey;com minhas mãos ES com as
mos de meus filhos o roboramos. O qualmandei eſcrever,& em prežença de peſſo
as idone.usfazemos eſte final. Ziżż. Aſlı digo a meus fiihos,Š a meus netos, & atodas
geraçoens minhas,que despois de mim hão de vir,que ſempretenham aquelle Moſteiro
& todos os frades qua ahi miorårem , em virtude. E os que doutra mancira o fizerem
nam ajam minha bençam inteira. Porque eu os achei melhores,quetodolos outros fra
des que avia em meu Reyno: E aquelle que de minha geraçam fahir ſempre tenha de
quelle Moſteiro por ſua berança, porquetenha parte nasoraçoens dos bons Religie
ofs,que a bi em vidaſita perfeverarem , & farà ahi ſemprebem poloamor de Deos,
E por fita almi, és pola minbá. Eſe iſto fizerſejabendito in feculafeculorum Amen.
E conſidere aquillo que noſſo Senhor diſſe: O que agsmiis pequenos dos meusfi
Refies, minio fizeſtes. E , Apostolo S.Paulu: Fazei bem a todos; principalmente
1:05 demeft.cos da Fè. Feita carta & confirmada nomez de Tulld daera de 1102,
Os que foram prezentes & viram Nuno Midiz,Fernaõ Midiz, Alvaro Sandez,
Mundo Gonçalvez,Diego Truiteſendez, Gomez Egas,Diego Truitefendez, Iuincal
vo Rosa
CHRONICA
10 Roupariz, Payo Gonçalvez,IuincalvoTranſtamirez, Fernādo Tranfanirez,Su
eiro Galindez,Rodrigo DiazEgas
, Mendez . Eu DomAfonſofilho dele confir
mo. Eu Dom Sancho filho del Rey confirmo. Eu Dom Garfia confirmou que meu
Pay fez
Iofeſnādoſcrivão Not.
Ao pê deſta eſcriptura eſtava húa confirmaçaõ delRey Dom Sancho I.de
Portugal,porque conſtavaque a Igreja de Coimbra,que elRcy D.Fernā
do de Lião ſeu treſavó dèra aos frades de Lorvão pela ſobredita doação,
era a Parroquial de S.Pedro, & fer edificio de Godos. E a eſcritura dizia
dcfta maneira .
Er instinělo do antigo imigo,queſempre enveja aos bonsſucceſſos, em tempo de!
P Rey D. Sancho,humPrior de S.Pedro de Coimbra,por nome Domingos do Alo
mocovar ,rebelouſe a frei Afonfo Abbade de Lorvão,aoqual convinha dispor daquella
Igreja comofoſe licito, nam ſeacordando do bemquelhefizera o dito Abbade, que da
dita Igreja o elegerapor Prior. Por tanto notorio ſejaatodos que o dito Abbade de
Lorvamcom algunsſeus frades,ſe foia ElRey D. Sancho, que refidia na terra de
Janta Maria, & ante elle ſe queixou. E elReyem prezença deſeusgrandes, & dos
Chancelleres confirmou ešta doaçım, que ſeuspredeceſſoresfizeram.J. em preſença de
Ioam Fernandez, & de D.Iuliam , & deAfonfo Prior de Leça, & perāte muytos Olle
tros cõ ſeusfilhos.f.elRey D. Afonſo,elRey D. Pedro,el Rey D.Fernando, &com ſua
mulher DonaAldonça,& com ſuas filhas,com as mãosproprias roboramos & confirma
mos esta. Feita carta e confirmada no mez de Ianeiro.Era M.CC.XXXV .
Os que forao prezentes& o virao,Gonçalo Mendez Mordomo, Monio Ermigio,
Pedro Afonſo,Raymundo Paez,Fernando Fernandez, Nuno Sanchez, Martim Fer
nandez. O Arcebispo de Braga Martinho,Pedro,Biſpo de Coimbra.
Monio Not.
ElRey Dom Sancho com osſobreditos meus filhos confirmo.
Deſta antiga eſcriptura entre muytas couſas dignas de notar,ſe collige,co.
mo a cidade de Coimbra ſe tomou por cerco de ſete meſes, & não de ſete
annos,como os chroniſtas Caſtelhanos affirmão, co algúas fabulas que au
davão no povo .E tambem fe auerigou o tempo em que o meſmo Rey D.
Fernando falleceo,deque ha grande controverfia entre os eſcriptores Ca
Atelhanos, & Aragoeſes.Huns dizem que falleceo no anno de 1057. dos
quaes foy Beuther na Chronica das couſas de Heſpanha, & o Author da
hiftoria Pontifical ,& outros. E loão Vaſeu diz morrer no anno de 1060
A qual duvida agora ceſla.Porq tomando elle Coimbra no anno de 1064
a q reſponde a Era de Ceſar de 1102.fica por eſta tão autentica eſcritura
provada a opinião dos que aflirmão ſua morte ſer no anno de 1065. por
diante . Tamhem ſe vé da dita eſcriptura, como em tempo dosMouros
1
viviam entre elles muytos Chriſtãos, por os tributos, que lhes davao , &
paza laviarem as terras que eſtavam incultas,a que os Mouros não podiam
abran
DO CONDE D. HENRIQVE 19

abranger, de que lhe pagavão ſuas rendas & frutos,& para povoárem os
lugares que eſtavam deſertos pora deſtruiçam que nelles fizeram , & lhes
permitiam ter igrejas levantadas como foyo moſteiro de Lorvam ,em que
deixavam eſtar os frades & com asigrejas de Coimbra,das quaes os mel
mos frades pediram hűa a el-Rey D.Fernando,como acima eſtà dito. O ý
ſe entende das igrejas que já erão edificadas, & não das que ſe aviaõ de ea
dificar. A cftes Chriſtãos,poreſtàrem de meſtura com os Mouros, chama
são entam mixtarabes,quequeria dizer meſurados com Arabes, por alli
vivere entre elles,q deſpois corioperão em Mozarabes. Eſtando pois Co
imbra ao tépoq a elRey D. Fernãdo tomou muy povoada , aſli deMouros
como de Chriſtãos,& que os cercadores como Chriſtãos,& atrátavão de a
cobrarem como couſa ſua que já fora, não desfizerão nada della . E to
Diada por eltar mais inteira & ennobrecida, que as outrascidades de Por
tugal, os primeiros Reys fizerain della Camara Real & cabeça do Reyno,
& nella ſe coroaram até Lisboa fe vir a povoar & engrandecer. Polo que
ho de crer que logo quando el-Rey Dom Fernando aganhou , por ſer
Princepe tam pio ,& de que as igrejas, & couſas da religiam recebe
jam tanto beneficio,não paſſaria do ſeu tempo , que a Sé catredal ſenam
erigiffe, nem no del-Rey Dom Garcia ſeu filho, a quedeixou o Rey
no deGalliza , com o que de Portugal eſtava ganhado, & muyto menos i

o permitira el-Rey Dom Afonſo VIoutro ſeu filho que ſuccedeo em tu


Jo,& que foy tam zeloſo da religiam , & quereinou tantos annos.E quá
to às Sès cathedraes do Porto ,Lamego, & Viſeo,que não eſtavam taó po
voadas, quando as tomaram veriſimil he o que diz Duarte Galvão, que
o Conde Dom Henrique as erigio & edificou.
Tendo o Conde Dom Henrique gaſtados 21.annos em pelejar contra Amocf $

Mouros, & em augmentar ſuas terras,& povoálas, & em edificar muitos mo- taçoes
feiros, & igrejas, querendoDeoslevalo deſta vida,adoeceo em a cidade de doCode
D. Héri
Aſtorga,que tomára aos Lioneſes. E vendo que o fim ſe lhe chegava,má que a ſeu
dou chamar a D. Affonſo Henriquez, que eſtava na villa de Guimarães. filho o
Ào qual deſpois de dar muitos conſelhos de Princepe prudente , & pio, Intanto
lhe encarregou o bom tratamento de ſeus vafallos , & que adminif- D.Afólo.
traſſe ſempre juſtiça igualmente aos grandes, & aos pequenos , ſem
dcccptaçam , & reſpeito de peſſoas.E que guardaſſe ſempre verdade, &
nam faltaſſe de ſua palavra. Porque ſe nos homens baxos, & plebcos pa
recia tam mala mentira,muito mais era nos Princepes, que na terra eſta
tam em lugar de Deos, o qual he ſumma verdade. Acabado de lhe dar
Morte
ſua bençam ,lhe rogou que o mandaffe enterrar na Sé de Braga . E que
fe femelle, que em quanto o acompanhava,ſe levantaſſem os de Aſtorga, D.hers
não fofle com elle,mas omandaffe pelos ſeus.Dahi a pouco expirou, cor quc.
rendo o anno de in 12 .
Tanto que falleceo logo Dom Affonſo Henriquez o mandou levar
D o mais
.
CHRONICA
o mais honradarnente que pode ſer, & o acompanhou até Braga, & na Sć
ee

foy enterrado em húa cappella, que pera ſua fepultura mandára fazer, que
reeen
n

Morte fe entaõ chamou dosReys,poros corpos do dito Conde Dom Henrique,


do Con- & da Rainha Dona Tareja ſuamolher, & de huns meninos ſeus filhos hi
de Dom
Henrig jazerem , que ſe agora chama do ArcebiſpoDom Lourenço. Na qual o
Conde Dom Henriqueeſteve quatrocentos & hum annos, atè o anno de
1513.em que o Arcebiſpo Dom Diogo de Souſa,mandando reedificar a
Cappella mór, como homemque delledeſcendia,lhe poz nella húa rica
ſepulturaà parte do Evangelho,â qual paſſou osollos do Conde D. Hen
rique,& daRainha Dona Tareja, & de feus filhos meninos,do lugar onde
jazião, & lhe mandou pôr eſte Epitafio em lingua Latina , que na vulgar
diz aflim .

O ANNO DE NOSSO SENHOR JESV CHRISTO DE


NOESTA SEPVLTVRA
M.D. XIII. O ARCEBISPO DOM DIOGO DE SOVSA,
AO CONDE DOM HENRIQUE
POŽ
FILHO DE ELREY DE VNGRIA CONDE DE POR
TVGAL, VARAM ESCLARECIDO , E BENEMERI
TO DA REPVBLICA CHRISTAN , E DE SVA PATRIA . DO
QVAL TIVERAM PRINCIPIO OS REYS , & REYNO DI
PORTUGAL

Efte Epitafio ſe poz conformeâ chronica de Duarte Galvao, que ena


tam naquelle tempo ſahira a luz, & â opinião vulgar dos que tinhão de
o dito Conde fer filho del-Rey de Vngria. Polo que ſe não pode trazer
por teſtemunho. E affim aconteceo muytas vezes, que por as ſepulturas
antigasſe reſtauràrem deſpois de muytos annos, ſe lhe porem novos epi
tà fios, ſe introduziram erros; que fazem confuzam ,referindo o que nelles
fe eſcreve ao tempo do fallecimento dos ſepultados. Do que ha muytos
exemplo, em diverſas partes,que nao curamos de referir.

RELA
DELREY D. AFFONSO HENRIQUEZ. 20

R E L A CAM
DO QVE SE CONTINHA NA HISTORIA ANTIGA
del-Rey Dom Afonfo Henriquez, que agoraſe reprova.
QVE ſe contém no principio da hiſtoria antiga delRey D
Afonſo Henriquez he,que tanto que o Conde D. Henri
que falleceo ,a Rainha Dona Tareja ſua mulher, nao eſpe
rando mais tempo,ſe cazou com hum Vermuim Paez fidal
go de Galliza. E que deſejando Dom Fernando Conde
de Traſtamara irmão do Vermaim Paez,de haver a meſma
Rainha por molher,a tomou ao irınão, & fe cazou com ella. E que ſobre
efte adulterio, & inceſto o Vermuim Paez , que ficava viuvo, ſe cazou
con Dona Sancha ſua enteada,filha da ineſina Rainha Dona Tareja. Por
o qual peccado dizem ,ſe edificàra emGalliza o Moſteiro de Sobrado. E
que o Conde D Fernando,& a Raynha Dona Tareja ſe levantaram com
a terra de Portugal.E que o Infante Dom Affonſo Henriquez , vendoſe
deſagaſalhado, & fem terras tomára duas fortalezas a ſua maila de Neiva
& a da Feira em terra de ſanta Maria , & dellas fizera muita guerra a ſeu
padraſto. E que ſobre ella ſe vira o Infante com ſeu padraſto & máy ,
rão ſe acordando,vieram a deſafio,& fe ajuntaram em Guimaraens . É que
a Rainha ſe foy com o marido para fazer que foſſe preſo ſeu filho. E aven
co hữa brava peleija entre elles, o Infante D. Affonſo foy desbaratado ,
& indo alem de Guimaraens huma legoaencontrara ſeu ayo Egas Mo
niz ,que o reprendeo , porque dera batalha ſemelle, & o fizera tornara
peleijar outra vez com ſeu padraſto: dizendo eſperava em Deos,de nella
o prender a elle, & a ſua máy. E tornando outra vezá batalha , o Infante
siendera ſeu padraſto & a fua māy em ferros.E o padraſto com temor de
fer morto, fizera homenagem ao lofante,de ſe lahir de Portugal, & nun
qua mais entrar nelle,& da hi diziam huns que ſe fora a Galliza, outros
a guerra de ultramar. Polo que amáy vendoſe preſa, & lem as terras que
lle feu pay dera,amaldiçoara ao filho,pedindo a Deos,que pois elle lhe
pufera ferros ein feus pès que o ajudaram a trazer,& criar,foſſe elle preſo,
& lhe foſſem ſuas pernas quebradas.E que aſliacontecera ao Infante que
quebrara húa perna,& fe vira preſo per el-Rey de Liao ſeu genro, como
ſe diante dira. Efte he o principal fundamento deſtas fabulas,que adiante
fe veram . O qual confutado, & desfeito todas as mais fabulas como depen
dentes delle ficam per ſi desfeitas,como couſa fundada no âr, & mais pa
sa ſe rir dellas, para as crer. A outra fabula conſequente he , vendole a
Rainha prela & deſpojada de ſuas terras,ſe queixou a ſeu ſobrinho e Rey
D.Afonſo de Caſtella & Liain,dizėdo,g ſeu filho por a deſobediencia
D2 que
CHRONICA
que lhe fizera, era indigno de lhe ſucceder no Reyno de Portugal,que re
nunciava nelle feu dircito, & que o vieſle cobrar, & livrar a ella dla pria
zão,& vingar ſua injuria.E q elRey de Caſtella veyo co muitas gentes de
Caftella,Aragão, & Galliza pera conquiſtar Portugal,& qo Infante D. A
fonſo Henriquez,lhe foi ao encontro em hū lugar,g chamão Valdeves,&
ouverað batalha em q elRey de Caſtella foi desbaratado, & de duas lán
çadas ſaio da batalha ferido em húa perna fugindo,& acolhendoſe para a
cidade de Toledo,avendo medo de a perder por eſte desbarato , deixando
fete Codes prezos E proſeguindo mais a hiſtoria diz, 7 chamadoſeelRey
de Caſtella Emperador,por o q toda Eſpanha lhe avia de obedecer,& por
vingarſe da perda ſ recebera,tornara a Portugal com muitas gentes, &
cercàra ao Infante Dom Afonſo ſeu primo em Guimaraes, que acertou de
eſtar deſapercebido de mancira,que com cerco de poucos dias ſe poderia
tomar. E que vendo Egas Moniz ayo do Infante o perigo em que eſtava,
ſe foi ao arrayal delRey de Caſtella, & deſpois de lhe beijar a mão lhe per
guntou que tençaın era a ſua em vir cercar ao Infante,ſendoſeu primo,&
tendo muita gente com queſe defendeffe , & baſtimentos pera muytos
1 annos; & que elRey lhe reſpondeo que o vinha cercar porque nam que
!
i
ria reconhecerlhe fenhorio,nem ir a ſuas Cortes. E que impoſibilitan
dolhe Egas Moniz o que pretendia,de tomar Guimaraens por cerco, &
o muyto que arriſcava em leu Reyno com os Mouros, ſe concertou com
elle, que ſe elle levantaſſe o cerco de maneira, que nam pareceffe, que o
Infante por medo ou força o fazia,acabaria com elle,que foſſe a ſuas com
tes,& que difto lhe faria elle Egas Moniz preito & homenagem . O que
elRey de Caſtella aceitou ,& recebeo a homenagem de Egas Moniz.Con
tao mais,que Egas Moniz mui caládo ſem ninguem ſentiraonde fora,nena
o que paſſara, ſe tornara à villa. E levantando eleyo cerco ao outro dia
pela manhãa perguntou o Infante a Egas Moniz,que lhe parecia daquelle
cazo,porqueferia;& Egas Moniz lho deſcobrio. Do que o Infante fur
muy anojado, & Egas Moniz lhe diſſera, que o fizera por o livrar do pe
rigo em que o vira, que ſe não agaſtaſſe,quecomo o livrâra do cerco ol
vraria da homenagem que fizera porelle.
Diz mais a hiſtoria,que chegandoſe o prazo,em que o Infante Dom A
fonfo avia de irás Cortes quele faziaõ em Toledo, Egas Moniz foy là
com ſua molher & filhos, & defcendoſe no Pafoſſe deſpiram , ficando
todos pay , & filhos em camiza, & fua molher em húa vil ſaya, & rclos
deſcalços com ſendos baraços ao peſcoço, & ali ſe aprezentâraõ a cl-Rey;
dizendo Egas Moniz, que por o amor que tinha ao Irfante,que criara de
menino,vendon ein muyto riſco,por o cerco que lhe S.Alteza pozera.for
falta dos mantimétos, ã não tinha,lbe fizera aquella homenagem , ſem o In
fante o ſaber quealli tinha as mãos, & a boca com ý lha fizera, & lhe tra
zia ſua molher,& aquelles filhos moços,a cuja fraqueza & idade a ira das
imigos
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ.
imigos ſe fohia apicdar,pera que ſe ſua peſloa não baſtaſſe, padeceffem
todos por a culpa delle. E que acabando de fallar,fe indignouelReytan
to,que o quizera mandar matar, dizendo que o enganara . Mas os fidal
gos que prezentes eſtavam , lho eſtorváraõ ,dizendo que Egas Moniz ofi
zera conio bom cavalleiro, & fiel vaſſallo, & que antes merecia favor que
caſtigo. E que elRey era o culpado em ſe deixar enganar. E dizem ,que
foflegado elRey de ſua ira,perdoou a Egas Moniz,&com merces que lhe
ſez ,os mandouir livremente .O qualſe veyo a Portugal,onde do Infance
& de todos foi recebido com muita felta.
Proſeguindo mais a hiſtoria diz, que queixandoſe a Rainha ao ſancto
Padreda Prizam em que ſeu filho atinha ( o que elle muito eſtranhou)
mandou a Portugal ſobre iſſo ao Biſpo de Coimbra, que na Corte de
Roma andava,com mandadopara elRey que ſoltaſſe logo fua máy.E que
nao querendo,pozeſſe interdicto em todo o Reyno. E o Biſpo o comprio
afli. E que dando as cartas a elRey, lhediſſe, que tinha o Papa de fazer
com elle por ter preza a ſua māy ? que foſſe certo, nem por mandado do
Papa,nem outroalgú a avía de ſoltar.E 4o Biſpo vendoq não podia le
var melhor repofta excómungâra a ElRey & a todo o reyno, &fe fora. E
ý ſabendo elRey q eſtava excómungado, & o reyno todo, fe foi à Sé aos
Conegos mandando-os entrar emcabido, & quedeentre elles clegeſſem
hum Biſpo. E qelles lhe diſſeraõ ,g tinhão Biſpo,que"não lhe podião dac
outro,& elRey lhes diſſe,q nunca eſſe em ſeus dias ſeria Biſpo, & logo
lançàra os cônegos todos pela porta fora dizendo que elle buſcaria Biſpo;
& que vindo pela clauſtra vio hum clerigo negro, & lhe perguntou como
fe chamava? & ğ o negro lhe diſſera q Martinho, & perguntandolhe pello
nome de feu pay, differa a Soleima. E pergutandolhe ſe era bom Clerigo,
onegro The diſſera q era hū dosmelhores de Heſpanha, & que clRey lhe
diſfera: Tu ſeràs Biſpo Dom Soleima, & ordena logo com que me digas
Miſſa. E que o negro diſſera,que ellenain era ordenado como Biſpo, para
lha dizer. E que elRey lhe diſſera que elle o ordenavacomo bilpo, que
lha podia dizer, & fe apparelhaſſe como logo lha diffeffe, fenamã lhe cor
tatia a cabeçacom aquella eſpada, & que o clerigo ſe reveſtira para lhe
dizer Mifta ſolennemente coino Bilpo, & lha diſſe.
Diz mais eſta hiſtoria contra clRey D.Afonſo Henriquez, que ſaben
doſe em Roma o que elle paſſara com o Biſpo de Coimbra ,& qnam qui
zera ſoltar a máy,nem obedecera aos mandados do Papa, & como elegera
Biipo,& o ordenara de ſua authoridade julgáram elRey por herege,& or
dcnâraõ de lhe mandar bú Cardeal q lhe eaſinaſſe a Fè, & o emendaffe de
ſeus erros. E g vindo o Cardeal pelas cortes dos Reys fora recebido con
muita honra. E ſendo perto deCoimbra fora dito aelRey por ſeus fi
dalgos: Senhor,alli vem hum Cardeal de Roma a vós da parte do Papà,
por eſtar defcontente de vos poro Biſpo que fizeſtes,Dille elRey gainda
D3 fenio
CHRONICA
ſe nam arrependia,& elles lhe lembraram, que todolos Reys por cujas
terras vicra lhe fizeram muitas honras, & cómeteram a lhe beijar a main.
Ao que cRcy diffe: Nao ſeieu Cardealnem Papa que a Coimbra vieta
ſe queentendeſſe a mam para lha eu beijar em minha caſa ,que eu lhe não
cortaſſe o braço pelo cotovello com eſta eſpada, & que diſſo nam podc
ria eſcapar. É que ſabendo o Cardeal aquellas palavras em chegando a
Coimbra tomou grande receo, & elRey nað lahio fora a recebelo :: o que
o Cardeal logo teve a mão final.E portanto como chegou logo ſe fora a
alcaceva onde elRey pouſava , que ahi o recebera elley bem dizendo
lhe: Cardeal a que vieſtes a eſta terra?ou que riquezas me trazeis deRona
pera eſtas guerras, que tam a meudo faço de dia , & de noite contra Mou
jos? fe por ventura trazeis algúa couſa quemedeis, daima,& ſenam a tra
zeis tornaivos voſſo caminho: & o Cardeal lhe diſſe : Senhor eu ſou vin
do a vós daparte do San&o Padre para vos enſinar a Fè de Chriſto, que
eſtà informado quea não ſabeis. E que el-Rey reſpondeo: Certo allim
temos nòs quá livros de Fè como vòslà em Roma , & por tanto bem fa
bemos os artigos da fanéta Fé. E todos lhe referio por ſua ordem , & cue
aquella Fê tinha, & teria firmemente tambem , como em Roma · Pello
que não tinha necelidade delle nem de ſua doutrina , mas que lhe dari
ain entam o que ouveſſe miſter, & que ao outro dia fallariam.
Proſeguindo mais diz a hiſtoria, que indoſe o Cardeal para a ponfada
mandou por logo cevada às beſtis , & tanto que foy ineya noite mando:
chamar todos os clerigos da cidade , & excomungou a el- Rey & ả cida
de & ao Reyno todo, & cavalgou & foiſe, de maneira que ante manbaz
tinlia andado duas legoas.E que levantandoſe el-Rey pella manham , dil
ſera a feus fidalgos, que com elles queria hir ver o Cardeal. E que dizé
dolhe elles que ante menhāa fe partira,deixando -o a elle & a todo Reyno
comungado ,com grande indignação mandou à preffa fellar hum caval
СХcc

lo, & cingio ſuaeſpada, & foi tam à preſla, que alcançou ao Cardeal en
hum lugar que chamam a Vimieira aparde Poyares . E como chegou a
clle lhe lançou huma mão ao cabeção, & com a outra tirou a eſpada, &
alçandoa diſſe : Da qua a cabeça traidor,querendolha cortar. Mas dizen
dolhe os fidalgos que chegaram com elle que talnão fizeſſe, que o re
riam en Roma porherege, el-Rey lhes differa: Vós outros lhe dais a ca
beça. E diſſe ao Cardeal:Vòs desfareis tudo quanto fizeſtes, ou a cabe
ça toda vos ficarà qua, & que o Cardeal lhe pedira não lhe fizeſſe mal,
que tudo o que quizeſſe faria de boamente. E que el-Rey lhe diſſcra que
o que queria era,que deſeſcomungaſſe quanto eicomungara, & que nam
levafie ouro nem prata ,nenibeſtas, fomente as que lhe baftafſem , &
que lhe mandaffe huma letra de Roma , que nunqua Portugal ſeria ex
comungado, que elle ganhara com ſua eſpada. E que em arrefensdil
fo deixalle hum fobrinho que conſigo trazia,atè que a letra vieſſe , & que
is fears
DELREY D. AFONSO HENRIQVES. 22
fe atê quatro mefes lha não mādaſſe que cortaria a cabeça a ſeu fobrinho.
O Cardeal diſſe, que lhe aprazia. E aſli ficou de o fazer . E que entam
The tomara el-Rey quáta prata& ouro trazia,& das beſtas que lhe achou
lhe não deixou mais que tres & lhediffe. Hora vós Cardeal ide voſſo ca
minho, que eſte he o ſerviço quede vôs quero. E iſto acabado antes a
o Cardeal ſe partiffe, elRey ſe deſpio todo, & lhe moſtrou muitos finacs
de feridas, que tinha pelo corpo , & dille :Como eu ſou herege ſe moſtra
por eſtes finacsde queouveeſtas em tal peleja,& eſtas em tal cidade,ou
villa que tomei, & todas porſerviço de Deos contra os imigos de noſſa
FC. É para levar iſto adiante,vos tomo eſte ouro & prata, de que eſtou
nui falto. Cardealdizem que ſe tornou a Coimbra . E apos elle diza
1. ādou elkey a Roma hum ſeu eſcudeiro encubertamente, para de la lle
mandar dizer o que ſe dizia delle ſobre o Cardeal . qual chegando
frimeiro que o Cardeal , eſcreveo aelRey como contara o Biſpo ao l'a
pa tudo como paſſara , &como lhe ficara de lhemandar a letra,& o Papa fe
antojara com elle dizėdollie que como prometia o que ſó podia fazer a Sè
A poſtolica? E que o Cardeal lhe diſſera. Santo Padre, eu não digo letra
zias ſe acadeira de Sain Pedro fora minha lha deixara,& dera de boame
te por eſcapar de ſuas mãos , que ſe vos vireis ſobre vos hum cavalleiro
tain forte & eſpantoſo como aquelle Rey,& vos tivera huma maó no ca
beçam , & outra alçada para vos cortar a cabeça ; & feu cavallo não me
nos alvoraçado , hora com hõa mão hora com outra cavando a terra pare
condo ő jà vosfazia a cova, vôs dereis a letra & o Papado. Por tanto me
rão deveis de culpar , entam lhe outorgou o Papa a letra da maneira que
Cardealquis,& que o Cardeal lha mandou antes dos quatro meſes.
L elRey lhe mandou ſeu ſobrinho honradamente como compria , dando
lle muito do feu, E o Cardeal foi dahi ein diante tam , feu amigo , que
todalas couſas lhe fazia na corte de Roma, & acabava com o Papa per
cucel-Rey ſempre em ſeu Reyno fez os Arcebiſpos & Biſpos como quis.
Eſtas ſam as hiſtorias que entre a gente vulgar andavam naquelle tem
po, que todas dependem de huma, que he o caſamento da Rainha, & fua
silam , aqual confutada,ficam todas po ar como couſa våa que eram .
Porque ſe a Rainha Dona Tareja não caſou nem deu padraſto a ſeu filho
nem avia porque ſeu filho aprendeſſe, nem caufa per onde virem à bata
1 ! : a , & o Infante Dom Affonſo vencer o padraſto, & deſterrallo , & pré
der a nãy. E ſenão prendco a māy , não avia para que vir el-Rey de Ca
fiella & tornar armado cercar ao Infante, nem podia ir desbaratado, nem
deixar ſete Condes prezos,nem podia tornar outra vez por outro tilber
20 , & Egas Moniz fázelo tornar com preito & homenagem quelhe fez, &
for a não comprir ir vú com ſua molher & filhos deſpidos com baraços ao
peſcoço,ante elRey de Caſtella.E le a Rainha não fui preza,não podia fer
isidacie queo Papa o mandaíſe excõinun
D4
gar a El- Rey pelo Biſpo de Co
imbra,
CHRONICA
imbra: E el-Rey fazera hum negro Biſpo , & ordenalo. E ſe tambem o
nam elegeo por Biſpo nem ordenou,não podia fer. verdade que o Papa
mandava enſinar a el Rey Dom Affonſo como a herege per hum Carde.
al,& fazerlhe el Rey tantas injurias,& tentar de omatar & roubalo,& tu
do o mais que fingem .
Vindo pois á cabeça & introito deſta hiſtoria do vulgo ſobrea Raynha
Dona Tareja calar logo, como o Conde Dom Henrique ſeu marido fal
leceo ,he mèra calúnia & falfidade. Porque depois de ſua morte ficou el
la governando feu cítado muitos annos, & exercitando obras de Princeſa
mui honefta & pia ,com ſeus filhos debaxo de ſua obediencia & adminiſ,
traçam . Iſto ſe prova primeiramente pello teſtamento & doaçam, que a
Rainha Dona Tareja fez deſpois que a fazem caſada, per que dava todo
o direito que tinha na cidade do Porto ao Biſpo Dom Hugo para ſempre.
Aqual fez no anno de 11 20 em que aſſinaram ſeu filho D.AlfonſoHenri
quez, & Dona Sancha, & Dona Tareja ſuas filhas ao cuftume daquelle
tempo.Pela qual cſcriptura ſe vè, que oito annos deſpois do Conde feu
marido morto governava ſeu Reyno , & o adminiſtrava ,& tinha ſeus filhas
debaxo de ſuaadminiſtraçam . E que nem cafou ella,nem ſua filha com
metteo o inceſto que lhe impoem .E que o Infante D. Affonſo a não pren
deo por tal caſamento .
A outra razam perque ſe prova ſer falſo que el Rey Dom Affonſo pré
1 deo ſua máy, & ferlhe ſempreobedientiffimo, he,que em todas as eſcrip
turas & doaçoens,que fez até hora de ſua morte, morrendo velhiſlimo de
;
noventa & hum annos,ſempre fe honrou & intitulou por filho da Rainha
D. Tareja,& aſli o punha em ſeustitulos,como ſe vé do livro antiquiſlimo
dos regiſtros da torre dotombo, & fe vè em todas as eſcripturas, que ha
nos moftciros de fan &ta Cruz,Alcobaça, & Sam Vicente de fóra, & de to
do o Reyno. E naſcendolbe huma filha primeira,lhe chamou Tareja, co
mo tambem chamou Tareja a outra, queteve baſtarda por a affeiçam &
memoria de ſuamáy.O que não fora le ella fizera os erros & exceffos que
ſe dela diſamaram . Pclo q não he de crer que hum Rey tam valerofo &
tam velho,que contra cuſtume de todos os homens, ſe intitulava & hon
rava de ſer filho de ſua máy,o fizelle fendo ſua mai deſoneſta , ou tendoa
portal & preſa em ferros.
Outra provamanifeſta de fer fallo o que diz do dito caſamento & pri
lau,heo que eſcreve DomRodrigo Ximenez Arcebiſpo de Toledo em
fua chronica dos Reys de Heſpanha,na qual fallando nas couſas dos Reys
& Rainhas de Portugal,não trata couſa alguma do caſamento & prilao
da Ragnha Dopa Tareja fallando nella & em ſuas filhas, tratando com ti
ta liberdade da deſoneſtidade de Dona Vrraca ſua irmãa ,ſendo Rainha de
Caſtella, & avò do Rey que entai reinava, cujo vallallo o Arcebiſpo era.
Outra razam u gentiſlima he que ſegundo tefiemunho dereitos ha
DELREY D. AFONSO HENRIQUES. 23
mens antigos & dignidades da Sé de Braga,em huma capella que chama
· som dos Reys,& agora ſe chama de Dom Lourenço, eſtað oje tres arcos,
en que eſtaváo tres ſepulturas,huma do Conde Dom Henrique , & outra
da Rainha Dona Tareja, outra de hurs meninos ſeus filhos,cujos oſſos de
todos ſe paſſarað a huma ſepultura,que ſe lhe ordenou pello Arcebiſpo
Dom Diogo de Souſa na capella mòr no lugardo evangelho, em que er
tava o Arcebiſpo Dom Lourenço , que ſe paſſou à dos Reys,como jà te
nho dito na vida do Conde Dom Henrique . Polo que eſtà claro que
Lam caſou a Raynha Dona Tareja com outro marido pois el- Rey Dom
Affonfo ſeu filho a enterrou com o Conde ſeu pay , o que não fizera ſe
ella morrera em Galliza caſada com peſſoa de menos qualidade,& portão
fea maneira.
A eſtas razoens tam urgentes ſe chegam para eſta infania da Raynha
& delley Dom Affonſo le aver de ter por falta que todolos homens do
cos & de entendimento, & de deſcurſo na hiſtoria a tem por fabula &
grande calúnia ,como foram Dom frey Marcos Biſpo do Porto varam de
Kruica erudiçam,& viſto nas couſas do Reyno antigas,como quem eſcre
veo a chronica do bemaventurado Sam Franciſco,que ſabendo que trac
cava eu de reformar couſas das chronicas deſte Reyno , me eſcreveo muy
tas vezes que acudiſſe a afronta daquelles Princepes ,& ás abuſoens , que
ſobre elles ſe contavam do Biſpo negro, & do Cardeal . E loam de Bar
tos, que foi mui curioſo & viſto nas couſas do Reyno no livro 3. capit.
4.da 3. decada da hiſtoria da India,ſe lamenta que quem tam ſem cauſa
quis macular a fama de tam illuſtres & virtuoſos Princepes. O que elle
prometeo,de emendar nos livros da ſua Europa ſe os eſcrevera,com cuja
diligencia eſcuſara eu eſte meu trabalho .
Conſtando pois eſte caſamento & priſam da Rainha ſerem fallos todas
as mais partes deſta hiſtoria que contamos ficam desfcitas. Mas para mais
fatisfazer a engenhos obſtinados: a cada couſa daremos particular razam ,
aque fenio darà replica . E quanto a el-Rey de Caſtella que por rogos
daRaynha Dona Tareja ſua tia veo a Portugal contra o lafante Dom A
fonfo Henriquez, & de qua foy desbaratado, & deixou ſete Condes pre
fros,alem de não aver tal priſam ,nem tal queixume como jà moſtramos:
corſia per razaın dos tempos ,& pellas chronicas de Caſtella & de Aragam 2

arimpofivel poder aquelle Rey qua vir. Porque como a Raynha foy
picſa fe queixon , & elle logo veo,ouvera de fer no anno de 2. quan
!n a Raynha le caſou,que foi logo como o vulg.diz, a pos a morte de
feu marido. No qual tempo o dito Rey de Caſtella ainda não Reynava
nem Revnou da hi a muitos annos,porque entam era menino , & ſe criava
(9 Galliza , & ſeu Reynado,ſegundo Antonio Bruter chroniſta de Ara
ain homem de authoridade,começou no anno do Senhor de 11 33. que
bi dahi a 21 annos, & ſegundo alguns Caſtelhanos coireçou a Reynar no
anno de
CHRONICA
anno de 11 22.Polo q fica impoſſivel elle poder ir ſenão dahia muitos an
nos. Porque todos confeſſao, que aindadeſpois de feito Rey andou muito
tépo occupado nas guerras com el-Rey de Aragam ſeu padraſto, atè que o
lançou do Reyno de Caſtella. E para mais prova diſto eu vì per humas
memorias antiquiſſimas, que me moſtrou o Doctor Diogo Mendez de
Vaſconcellos conego da Sé de Evora ,que a Rainha Dona Tareja fallecco
na era de Celar u168 . que he o anno do Senhor de 1 30.4 foy tres annos
antes que o dito Rey Dom Affonſo de Caſtella reinalle.
E ainda que a dita priſam ſenão provara ſer falla & todas as mais de
sendencias della, ein que juizo cabia a fabula do Biſpo negro? Porque ſe
cl-Rey Dom Affonſo era homem pio, como fazia elle Biſpos, & os orde
nava tomando o officio do Papa? E ſenão era pio,como com tanta effica
cia ſendo excomungado buſcava miſſa? E ſe achava aquelle negro q lha
diflèffe, paraque procurava que a miſſa folieem Pontifical?E ſe em por
tifical a queria como avia hum negro eſtrangeiro que devia de fer filho
de Mouro, pois ſe chamava Soleiina,ſaber celebrar em pontifical,não ſen
do ordenado nem inſttruido na celebraçam da miſſa Latina , nem na de
pontifical?Ou que clerigoslhe aviam de affiſtir â miſſa pontifical fe elRey
lançou todos osclerigos daigreja,como a chronica diz ;
Outra tal he a injuria feita ao Cardeal,& o ouro & prata que lhe el
Rey tomou para ajuda daguerra contra Mouros ſem conſideraçam des
tempos & das peſſoas.Porque naquelle tempo os Cardeaes não erammais
que curas das igrejas parrochiaes de Roma,mais che os de virtudes que de
rendas.Os quaes não tinham mais dignidade que os outros clerigos, gert
dareni voto na eleiçam dos Papas, por a confulam q le ſeguia de votare
todos os clerigos de Roma,nem traziam a inſignia do cappello vermelho,
ģ os Cardeaes agora trazem.Porque o Papa Innocencio.4. q concorreo cá
el-Rey D. Afonſo o 3.Code de Bolonha, biſneto de D. A fonſo Heriquez,
lhes deu eſſa inſignia & mayor dignidade,perque deixaram os curados das
igrejas, & começáraó ter rendas & eſtados. E deſpois lhes acreſcentaraó os
Papas ſeguintes veſtirſe de purpura,& cavalgarem em cavallos brancos, &
trazerem eſporas, & freos dourados. Polo que ainda que el-Rey D.Afonſo
Henriquez fora ſalteador de caminhos,pouca preſa tinha no Cardeal pa
ra fazer guerra aos Mouros,o que foi huma grande blasfemia dizerſe cen
tra hum Princepe pijffimo,& riquiffimo,polos muytos deſpojos & rique
zas ,que aos Mouros tomou em muitas terras, & arrayaes,com que edificou
no meyo das guerras,em que andava,cento & cincoenta Moſteiros & Ige
jasz one enriqueceo de edificios,de ornarrentos, & de grandes rendas, &
vaſſallos. Por o que diziao porelle, quemais pelejava para Deos,que para
fy ,& que por iſſo pelejava Deos por elle. E muyto niais incrivel era pel
lea deſobediencia ao Papa. Porque na cuelle tempo em que lhe iſto im
poem , preſidia na Igreja de Deos o Papa Calliſto IJ.leu tio prinoccmironã
DELREY D. AFONSO HENRIQVES. 24
mão do Conde D.Henrique ſeu pay,que elle avia de venerar & ſervir, &
o Papa a elle favorecer & curar com remediosmais ſuaves.
A hiſtoria de Egas Moniz & ſua molher & filhos, irem deſpidos ante
elRey de Caſtella com baraços ao pelcoço ,ainda que não fora o preſup
poſtofalſo,de el-Rey de Caſtella vir a Portugal,per ſy era incrivel & ridi
culofa, & infame pera hum homem tam valeroſo& lua molher, que foi
Lúa grande matrona, & feus filhos naquelletempo de grande idade, de
cujo conſelho , & esforço el-Rey Dom Afonſo Henriquez ſe fervio em
todos os negocios, que emprendeo, os quaes com aquelles baraços mais
Toveriao a el-Rey de Caſtella & aos ſeus a riſo ,que a miſericordia.Nem
a miſericordia,ſe para illo hiaõ,era honroſa para quem fe offerccera pades
cer por honra & fama.
E para a todos ſer manifeſta a cauſa porque eſtes errores ſe ſemearam
1: 3 vulgo,moſtraremos comoquaſi cudo iſto aconteceo em Caſtella, & o
attribuirão a Portugal, como he natural em gente popular, muytos ditos
& fcitos,que aconteceram a búas peſſoas,attribiîren os a outras, acreſcen
tandomaisalgúa couſa. A Rainha Dona Vrraca de Caſtella irmãa da noſa ,
fa Rainha Dona Tareja,ſendo veuva do Conde D.Raymundo de Borgo
nha,foimuy infamada ainda na vida de ſeu pay,com hum CondeD.GO
rrez de Campo de Eſpinha,que della -ouvehunfilho encuberto, que por
eile reſpeito le chamou furtado : do qual dizem , defcendem os Furtados
de Caſtella. Cazando deſpois diſto com D.Afonſo o Batalhador Rey de
Aragam , & de Navarra ,& não mudando os cuſtumes,mas cometendo ma
is erros & diffoluçoens,ſeu marido a teve retraida em hum Caſtello, don
រំ
de ella por conſelho do Conde Pero Anſurez ſeu ayo, ſe acolheo a ſeus
Reynos de Caſtella,queherdâra de ſeupay.E fazendo ella cortes por co
fclho outrò ſi do meſmo ſeu ayo Pero Anſurez,pedio aos fidalgos que ti
nham as fortalezasda mão delRey ſeu marido, que lhas entregaſſem a ella,
por ter feito divorcio com elle. Pedro Anſurez lhas entregou em none
de todos ,& pera ſe livrar da culpa da homenagem que quebràra a elRey,
fe fora a Aragam veſtido de eſcarlata, & poſto em hum cavallo branco ſem
barrete na cabeça ,& com hum baraço namão como quem hia a padecer,
entrou na corte,& ſe foi a elRey,& perante os grandes do Reyno lhe dif
ft, que as terras que Sua Alteza lhe dera em guarda, elle as entregara à Ra.
inha ſua natural ſenhora ,cujas eram : & que as mãos & a cabeça com que
for ellas lhe fizera homenagem trazia alli, para que o caſtigaſſe com a
quelle baraço, on como lhe pareceffe. ElRey com nojo o quiſera ma
tar,mas tornando em ſi,com acordo dos de ſeu conſelho,que ahi eſtavam ,
lhe perdoou, avendo que o fizera como bom cavalleiro & vaſſallo leal,
Mas como a Rainha prefeveraſſe em ſuas deſoneſtidades , & tiveſſe co
wo marido ao Conde Dom Pedro de Lara , que ſuccedera nos amores
pre
au Conde Dom Gomez de Campo de Elpina, & que com a Rainhatendia
CHRONICA

tendia caſar, & por outra parte el- Rey de Aragam vieſſe contraa Rainha
a lhe deſtruir a terra , trouxerain ao Infante Dom Affonſo filho herdeiro
da Rainha,queſe criava em Galliza,em caſa do Conde Dom Pedro Fer
nandez de Trava ſeu ayo,para defender o Reyno contra ſeu Padraſto el
Rey de Aragam ,& fe fazer Rey de Caſtella & Liam, privando do eſtado
a ſuamáy, & defeito,fez tanto com ſuas gentespoſtas em armas, que ſeu
padraſto ſe retrahio a Aragam, & a Rainha ſua máy teve eſtreitamente
encerrada como preſa, em buna fortaleza, que ſe chama Torres de Leon,
atè que a máy lhe largou o Reyno, & aflificou o Infante D.AffonſoRey
em vida de ſua máy ,que do Reyno era ſenhora proprieteria.
Eſtas hiſtorias q aconteceram em Caſtella na verdade, attribuio o vul End
go,pererro, & per diſcurſo do tempo a Portugal. Ao qual erro ajudou a
femelhança dos caſos, & das peſſoas. Porque a Raynha de Portugal Dona
Tareja foy filha del-Rey D.Affonſo o VI.de Caſtella, a que chamavão
Emperador,como tambem o era a Rainha Dona Vrraca ſua irmãa. E de
Picy Dom Affonſo Henriquez era neto do meſmo Emperador, & fe cha
mava do meſmo nome como o de Caſtella ſeu primo.E Dom Egas Moc ,
niz era ayo de D. Affonſo Henriquez, como Pero Anſurez era ayo da Rau cür
inha Dona Vrraca .
Eis aqui a Rainha que ſe caſou com hum marido,& deſpois ſe embara
çou co outro,& com outros.Eſta he a māy a que ſeu filho Rey Dom Af
fonſo prendeo,& deſpojou dasterrasque ſeu pay lhe deixou. Eis aquio :(
Infante Dom Affonſo neto do Emperador de Heſpanha,que peleijou co
feu padraſto,& o venceo,& ficou ſenhor do Reino.Efte heo ayo,que por
quebrar a homenagem por amor do ſenhor que criou.com hum baraço ſe
foi apreſentar a el-Rey,que o mataſſe ſe quiſeſſe, & a que el -Rey perdo
ou por cöſelho dos ſeus & lhe fez mercè. Eis aqui deſcuberto o error por
q mal, & individaméte ſe veyo a infamar a honeſtidade da Rainha Dona
Tareja princeſa caſtiffima, & a innocencia, & virtudes de hu kiey taú calo
lico,& tam pio como foi Dom Affonſo Henriquez, & contaremſe as re D

diculas patranhas do Biſpo negro,& do medo feito ao Cardeal.

.
CHR0 .
‫در‬ :
25
is ‫ بنم‬LE '

CHRONICA
DEL-RE Y DOM AFONSO HENRIQVEZ,
Composta pello Lecenciado DVARTE NYNES DO LIAM,
Deſembargador da Caſada Supplicação,
j

ER inorte do Conde Dom Henrique,ficou a Rainha Do


na Tareja fua molher em poſle & cabeça do Reyno,como
PР fenhora proprietaria que era delle, por elRey D. Afonſo
ſeu pay Tho dar em dote. O qual ella adminiſtrou & go
vernou os annos,que viveo deſpois da morte de ſeu mari
do que foraó dezoito annos, ſegundo ſe averiguou. Sob
cuja governança & adminiſtração ficaram o Infante D.Affonſo ſeu filho , &
ſuas filhas Dona Sancha, & Dona Vrraca,como ſe ve do teſtamento & do
ação,que a meſma Rainha Dona Tareja fez da juriſdição da cidade do
l'orto,a D.Hugo Biſpo della,no anno do Senhor de 1120 que forao def
pois da morte do Conde ſeu marido oito annos ; na qual aſlinára) ao col
tumedaquelle tempo os ditos ſeus filhos,o Infante D.Affonſo, & D. San
cha,& Dona Vrraca . O qual teſtamento & doação ,eftâ regiſtado no tom
bo Real do Reyno,nalingoa Latina,em que naquelletempo fazião as ef
crituras publicas. Do qual porei aqui o tresládo em Portuguez como na
Sé do Porto eſtà , & della mo mandou D.Frey Marcos Biſpo da meſina ci
dade.Porque he o mayor teſtemunho que pôde aver, para confutaçam
das calumnioſas fabulas, que contra aquelles Princepes andàrao atégó
ra no vulgo . Porque per eſte inſtrumento ſe vè, como a Rainha Dona
Tareia naó cazou com dous irmãos, como logo o marido falleceo, nem
ſua filha Dona Sancha paſſou a infamia de cazar com ſeu padraſto, ſendo
tjuva ſua máy. Nem o Infante D.Affonſo Henriquez teve cauſa de prens
der fua máy,ſenão de venerala,como ſempre fez atê morte.E a doaçaõ he
a ieguinte.
Doaçanz
Elaauthoridade dos antepaſados padres Somos amoeftados, que tudo aquillo ý qa
‫زا‬
Rain
quiſeremos ſerfirme & valioſo;pereſcrituras publicas o encomendemos à memo- nha D.
moria cpli dos preſentes,como dos que adianteforem .Poloqu il en a Rainha Tareja fi- Tare ja
Ika da glorioſo Emperador Affonſo em honra,& gloriadenoſſo Senhor Iefu Christo, dade fcz daci
do
s à houra & louvor da bemaventurada Virgem Maria, &por rcmiſam dos meus pece Porto ao
cadlos, S redempção da minha alma, 5 de mieus parentes,faço teſtamento & carta de
elasan per confirmaçam defta eferiptura a Sé do Porto,daquelle burge, on daque lla della
berdas
E
!
CHRONICA
1
lerdade ou herança, com todas as rendas, & achegas, & com a igreja da Redondel!
& boſques & caftello, queem Portuguesde chama Lueda com todas ſuas pertenças,
& Germade,g minha irmāsa Rainha Vrraca jà tinha doado, & com todos os direitos
reays,que dentro dodito coutofecontèm, Doopor tanito o otorgo asſobreditas kerana
ças ou peſqueiras4 Santa Maria de Sè do Porto, 3.4D ,Hugo Bipo da dita Se, &
afensfucceffores, faço cançaõ firmiffimapel Jeustermos.J.per Lueda, & dabapo
ribeiro de Ionairo, que corre porjunto do paſſode Garcia Gonçalvez, o dahi pelas
pèdrasfixiles,& dali per Paramos tè a Barrofa, & dali atèa Arca velha, queeſta
junto da fonte,& dahi téa outraArca, & dahipela Pedrada furada,& dal.1 ainoute,
queJe chama Pède mala, &dahi pelomonte dos captivos, onde parie Cedofeita esas
Germade, dahi per Cartinfeita, & dahi tèo Cunal mayor, aflimcomo corre o rio do
Douro. Por tanto qualquer direito,& qualquer propriedade, que dentro dos dies !
mites tenho,au devo ter,de'Bouças,ou deS. Maria de Aguas fantas,ou de outros dis
reitos reaes& poflesjoens de tudo faço teſtamento & doaçam à Igreja de S.Marian's
Sè do Porto,& a Dom Hugo Biſpo dadita Sè,& a feusſucceßores,&per cançać cu .
firmopara que o tenha & poflua a Igreja do Porto para todo ſempre , & para fir, rita
fins. E ſe algum de mersparentes,ou eſtranhos tentar romper tirar,ou quebrar est
teftaménto,6 carta de doaçam ou caucam ,primeiramente encorra na ira de Deos ,
Jeja apartado & alienado dofacratiſſimocorpo & fanguede no/7o Senhor Jeſu Chí:ste
E não ſeemmendando,no inferno tenha parte com Iudas o tredor . E tudo o que o
prejumir fazer ſeja nenhum ,& de nenhum valor, & em nadaſe torne. E alem da
pague de pena ſeis mil foldos,& hum talento de ouro. E eſta Jeja sempre fine i
inviolada. Foi feita eſta eſcriptura na era de mil cento cincuenta Soitt annes . E
foi confirmada & affinada nofantodia de Paſioa,aos dezoito dias do niez de Abril a
os quuzedias da Lua,no anno daencarnaçam de noſſo Ser:hor M.CXX. najrd ça
Jegunda na concorrente da quatro Bispados,nella no anno fexto do fontificado di D.
Flugo Biſpo da dita igreja. Eu a Rainha Dona Tareja filha dogloriojaEnperedz
Afonfo confirmio & afſina esta carta,ou caução,com minhas propriasmãos, juntame!!!
com conſentimento demeufilho Afonſo, & de minhas fillas Vrraca & Sancla. Tife
munhas que preſentes fora & ouvirao, Guomez Nunez, Mendo Viegas, Tero ' etz ,
Pelayo Payo,Egas Gondeſendez,Mendo,Bufino Vidamino.E eu Afonjofillod: R.
inha Tareja o affino & appruvo. E eu Sanchafilha da Rainha Tareja 0 0f 10 & ef
provo.E eu Vrracafilhada Rainha Tarejao ajjino,es approvo. Din Hugo Dispe da
dita Igreja da Sé do Porto o afſmo. Hilario Arcediago dadita Igreja o cfjiro. eli
Arcediigo da dita Igreja o af/mo. Froilað Almartın ? 0.aſſino Pelajo Clerigo de
Mijla, Conego o aſſino. Sueiro Gondeſendez Clerigo deMißa o off 10. 1.C.
Diacono & Conego o affino. Pedro Subdiacono & Conegoo affino, Merida Actuaria
o efureveo, &c.
Governava a Rainha Dona Tereja fuas terras de Portugal, & o Infan.
te Dom Affonſo ſeu filho,que era mancebo, & de altos penſamentos de
i
defendia dos continuos alíaltos, que os Mouros, que tinha por vezirbins
Thi
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ . 25
los fazião, como foio cerco que a Coimbra veyo pór hum Rey Mouro
chamado Eujuni no anno de 1117. com hum exercito de tantos mil ho- Anno.
mens,que as memorias daquelle tempo dizem ſer trezentos mil,de mayo 1117.
tos erão de cavallo.Mas o Infarte com os g na cidade tinha, fe defenderão
can valeroſamente,& tanto entrevieraõ os Mouros, que nelles deu huma bra Coim
tão cruelpèſte ,que cada dia lhes fallecia muyto numero de homés, alem cadacerpoer
da fome,deque vieraõ a padecer ,por ſe lhe gaſtarem os mantimentos no Eujuno,
larg tem
o po do cerco ,cuidando elles,que em chegando tomariaõ a cida- có 300 . 1
de Poloque vendo osMouros a diminuição que nelles fazia de húa parte mil ho
a péſte,& da outra os Chriſtãos , & que os cercados tinhão muytos manti- mens,
mentos,que lhes a elles falcavaó, deſeſperados de tomar a cidade, levan
táraó o cerco , & com grande afronta ſúa ſe foraó, deixando grande par
te da gente,quetrouxerað morta ,com grande honra do Infante D. Afon
fo,que naquelle tempo era de 23. annos .
Naquelle meſmo anno ajuntou o Infante alguma gente , determi
nando de naõ eſtar vago, & ganhar honra com os maos veſinhos que ti
nha, & fez entrada pela terra de Leiria, cujo Caſtello combateo rija
niente. E poſto que foſſe muy forte, & os Mouros fe defendeſſem com Leiria
moyto esforço, tomou o Caſtello per força, matando à eſpada os mais tomada
dos Mouros, que achou. Tomada a villa a deu ao Prior Dom Theotonio por Dó
Afonſo
de Santa Cruz de Coimbra , que era hum homem fanto, & em que elle Hérióz.
tinha muyca devação, & a elle, & ao ſeu Moſteiro fez doaçam do tem
Foral & eſpiritualdella, em quem o Prior,poz por Alcayde Payo Go
terrez, homem principal & esforçado. E tomada Leiria, proſeguindo o
hfante mais pela terra dos Mouros, tomou a villa de Torres Novas, &
dahi le cornou para Coimbra com os ſeus carregados de honra, & de def
pojos.
Neſtes tempos teve origem a Ordem dos Templarios, que ainda hoje Anno
he muy lembrada por o muyto louvorque ganharam os primeiros Caval 1119 .
leiros della, & o infame & laſtimoſo fim , que ouvèraó os derradeyros.
Emuyco mais pela grande & altercada duvida de ſua innocencia ou cul- dos
Ordem
Té.
pa. Havia naquelles tempos em que da Chriſtandade toda hia â guerra plarios,
lanta grande multidam de gentes, nove Cavalleiros quaſi todos France & fua o.
des muy esforçados. Dos quaes ſómente ficárað os nomes de Hugo de rigem .
Taganis, & Gayfredo de ſanto Adelmaso, que tomarao por officio de
ferder os peregrinos, que aos lugares ſantos hiao, dos lalteadores, que
havia, aliiın do porto de Iapha atè a fanta Cidadede Jeruſalem , coing
ser outros lugares. Andando pois o tempo em que ſe vio a utilidade,
que aos Chriſtãos vinha de ſeuamparo & defenfàm , & fendo jà muytos
em numero, lhes foy aſſinado por pouſada , & recolhimento, hum certo
lugar no lanto Templo do Santo Sepulchro de noſſo Senhor,por permii-'
ſão do Abbade delle donde lhes veyo o nome de Téplarios,ou caualleiros
E2 do Ten
CHRONICA
do Téplo.Chegandoſea eſtes muita companhia de cavalleiros,começaraó
1 a pelejar contra os infieis, deixando outros em guarda dos caminhos. Pola
qual razão muitosPrincepes Chriſtãos para ajudarem o propoſito ſanto
deſtes cavalleiros,lhes affinàrao em ſeusReynosrendas & terras, deque ſe
pudeſſem ſuſtentar.E o Papa Henorio IJ. à inſtancia de Stephano Patriar
in
die

ca de Ieruſalem ,por elles terem feito voto de caſtidade, & viverem em ir


mandade & congregação,lhes deu regra & ordem de vida, ordenada per
S. Bernardo com habito branco,a que Eugenio III.acreſcentou húa Cruz
vermelha,que trouxeſſem nos peitos Eſtes cavalleiros creſceraó em tanto
numero,& fizeraõ tanto ſerviço a Deos,& á Republica naquellas partes,ý
2
todos os Princepes Chriſtãos Ihes dêram em ſuas terras muytas villas &
caſtellos, & grandes rendas, perque ſe eſtendérað não ſómente pelo Ori
ente,mas pelo Occidente,criando ſeus Meſtres pelas Provincias, & infti
tuindo cómendas,cujo gram Meſtre reſidia na ſanta cidade de leruſalem .
Neſte eſtado creſcendo em potencia & rendas,florecerao 200 annos até o
anno de 1310. em que o l'apa Clemente V. no Concilio de Vienna de
França,os condenou & extinguio ſua Ordem polas cauſas & maneira que
dizemos na Chronica del-Rey D. Dinis.
Per eſte meſmo tempo & quaſi pelosmeſmos meyos teve principio a
Ordem do Hoſpital de S.loão de Ieruſalem , cujo principio foi eite : Em
tépo antigo, antes da fanta cidade de Ierufalem ſe tomar pelos Chriſtãos,
impetiáraó alguns peregrinosda IgrejaLatina do Soldão do Egypto por
tributo que lhe dèrao ,que podeflem edificar hú Moſteiro. O qual fizeram
junto da Igreja do S.Sepulchro, & lhe chamáraó S. Maria a Latina ;
nelle inſtituirão hum Abbade com alguns Monges.E eſte Abbade & m:6
ges dahi a pouco tempo edificáraó húa cappella & Hoſpital pera cura &
recolhimento dos peregrinos,da invocação de S. Ioao Baptiſta:o qual ma
tinhão de ſobejo de ſeuMoſteiro .Vindo deſpois a cidade as mãos deChri
ſtãos hú Religioſo de nação Frances per nome Gueraldo, que muito tem
po avia miniſtrava naquelle Hoſpital,determinou de fazer húa nova Ora
dem de homens, que fizeſſem aquelle officio, & movendo a iſſo alguns
homens pios, tomou habito regular, & com ſeus companheiros curava
aos pobres & enfermos, & aos que morrião enterravão no campo, que
chamavao Acheldemach. A obediencia deraó ao Patriarcha ,& ao Abba
de, & lhes davao os dizimos do que acquirião. E exercitando ele offcio
com muyta caridade & devação , ſabendoſe pelos Princepes Chriſtãos,
lhes fizerão muitas doaçoes,& lhes appropriárão rendas,& alliràsão villas
& caftellos,pera maisabaſtadamente & 'a mais numero de gente sodef
fem piover,& ſuſtentarſe afy. lolo que creſcendo o numero deſtes Reli
gioſos,o Papa Honorio II.lhes ordenou regra de viver, & lha confirmou
debaxo da ordem de S.Agoſiin ho,dandolhes habito negro,& Cluz bran :
qa,co voto de caſtidade,pobreza,& obediencia,& de pelejaré cótra infieis
pora
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ . 27
por a Religião Chriſtāa.Polo q'ficando o carrego do recolhimento, cuta;
Šx enterramento dos peregrinos,aosque erao Clerigos de ordés, os leigos
le occupavão na milicia, & dahi em diante fechamou ſua ordem do Hof
pital de S.loam de Ieruſalem . O primeiro aſſento deſta Religião foy em
Jerufalem. Deſpois de ganhada acidade per Saladino,ſe paſſou à cidade
de Prolemaida de Phenicia,a q vulgarméte chamão Acre, & outros Acon.
I perdėdofe tambem eſta cidade,le paſſaraó os cavalleiros â Ilha de Rho
des,que aos Turcos tomarao no anno de 1 308 .
E ſendolhes neſtes temposproximos a nòs, tomada aquella Ilha pelos
Turcos no anno de 1522.pediraó a ElRey.D.Ioão III. de Portugal lhes
dkfie a cidade de Septa,para dalli pelejarem com os infieis, &guardarem o
mar Mediterraneo dos Mouros & Turcos,que as prayas de Heſpanha , &
de Levante infeſtavam cada dia. O que lhe ElRey negou,nao ſabemos có
quanta utilidade de Heſpanha, & da Chriſtandade.Polo ğ aſſentârao na l
Jia de Malta,a que os antigos chamavao Melite, junto a Sicilia,que lhe o
Laperador Carlos V. deu em feudo com foro de hum falcão por anno.
Niceal ſendo os cavalleiros acommettidos dos Turcos, que a ella vieram
muytas vezes com grandes armadas , ſe defenderam valeroſamente, poſto
que com ſangue & morte de muytos, & na dita Ilha florecem oje con
grande honra de ſua ordem .
Os Religioſos da Ordem de Sam loam ſe devidem em tres partes,huns
fio cavalleiros Freyres,outros cappelláes,outros fargentos, que faó ſervi
dores para as armas, ou para os officios,quetem algum cargo da Religião.
Tambem aceitàram Donatos,que ſam huns homens, que ſendo cazados,
cu ſolteiros,ſe fazem familiares da ordem,para gozàrem das graças & pri
ilegios della.Osquais trazem húa Cruz branca de fós tres braços fem o
de cima,9 pelas leys deſte Reyno não gozáo dos privilégios. Em todas as
Provinciasda Chriſtandade tem eſta Religião Priores, & dignidcdes, &
muytas cómendas,villas, & fortalezas de groſſas rendas.E como ſao de dif
ferentes raçoes,ſe dividem em oito lingoas principaes,a q as mais ſe redu
7cm. A primeira he de Proença. A ſegunda de Alvernia. A terceira de
França. A quarta de Aragão ,Valença,Catalunha,& Navarra. A quinta de
Italia.A festa era de Inglaterra. A ſeptima he de Alemanhà.A oitava de
Caſella,Lião ,& Portugal .
Tornando ao Princepe D.Affonſo ,como ouve a ſeu poder as Villas de
Leyria , & Torres Novas,& outras,começou a conceber em ſeu animo ou
tiasempreſasde mais riſco & de mais honra,indignado de ver em terras,a
já forao deChriſtãos entronizados os ſequazes de Mafamède,co ſuas Mer
quitas levantadas,ondejá ouve Igrejas & alcàres,em que ſe celebravão os
divinos officios, & de q tantos dános & oppreſſoés recebiáo todas as terras
iss Chriſtios cada dia. E com conſelho dos ſeus ſe reſolveo em trabalhar
quanto podeffe por os lançar fora dellas, fazendolhes logo guerra nas
E3 terras
!

CHRONICA
torras de Alentejo ,afli por nellas aver poucas fortalezas, & a terra fer fèr.
wil,em que podiaó achar muytos mantimentos,como porą naquellas par
tes avia hum Rey Iſmar muy poderoſo,que dominava todas aquellas tera
‫ܘܚܶܗ‬

ras do Poente,com quem elle deſejava de ſe encontrar, & darlbe batalhas


‫܂ܝ‬

do qual ſe Deos quizeſſe que ouvelle vi&toria,eſperava aver o dominio de


toda a terra da eſtremadura,que ſe lhe nao poderia defender. Tendo iſto
determinado,& ſendo o ano de 1139. & avendo nove annos que aRai
nha ſua máy era fallecida,ajuntou boa companhia de gente eſcolhida, co
a qual,como ſe fez preſtes,partio de Coimbra , & na primeira jornada que
fez,aconteceo de lhe morrer feu ayo D.Egas Moniz, quc elle muyto ferr
tio ,aſlipor o amor que lhe tinha como a pay,porqueelle o criára, & fer
virade menino,como por a muyta neceſſidade que defeu conſelho tinha
naqnelle tempo. E moſtrando porſuamorte muyto ſentimento(como or
Princepes devem fazer polos bons ſervidores, que lhes morrem , pera inci
tar & contentar os que lhe ficam ) o mandou muy acompanhado de muy
ta nobre gente a Paço de Souſa hum moſteiro que elle fundàra duas lego
as da cidade do Porto para ſua ſepultura, a que deixou muyta renda &
muitos ornamentos,coino tambem edificâra o moſteiro de Sam Martinho
de Cucujaens na terra de ſancta Maria,& como ſua molher Dona Tarcja
edificou & fundoy o moſteiro das Cerzedas duas legoas de Lamego da or
demde Sam Bento,em que jàz enterrada. E he para notar a differença
que hà dos homens daquelle tempo aos deſte,que hum fidalgo ſem terras,
& com muytos filhos em tempo q não havia Indias,nem Mina,nem Braſil,
com ſua molber fazia tres Moſteiros muy ſumptuoſos & grandes&, os do
tava de muytas rendas, ſem deixar dividas a ſeus filhos, o q neſtes tipos ſe
nam faz. A cauſa diſto he a ſobriedade & temperança dos homens de en
tam,& o luxo & deſtemperança dos de agora .
Partido o Princepe daquelle lugar onde Egas Moniz fallecera, palou
o Tejo , & as charnecas, atė dar em terras povoadas de Mouros, a que
fazia guerra correndolhes as terras, & tomandolhes os lugares . Do que la .
bendo el-Rey Ilmar novas,mandou requerer a todas aquellas comarcas &
outras , & mandando tambem ſeus Cacizes & homens que entre elles ti
nham por de ſanta vida,a convocar gentes da parte do ſeu falſo Profeta
Mafoma,que accorreffem á terra,que eſtava em riſco de ſe perder. Polo
que ouve tanta gente de Mouros de aquem & de alem do már, como de
outras genteshârbaras, que ſe affirnava por certo que para cada hum Chri
ſtain havia cé Mouros, & entre eſtes muytas mulheres, 5 pelajavao certo
Amazonas, ſegúdo ſevio pelos côrpos moitosdeſpois de vervida a bara.
lha, de que erau cabeças quatro Reys Mouros, cujos nomes não ficaram
em memoria. Como o Princepe Dom Affonſo loube da vinda del Rey
Ilmar, & daquellas gentes, foy muy ledo , & moveo ſeu arayal contra
elles com aquelle fervor & deſejo,com que os vièra buſcar, & vco a hun
lugar
DELREY D. AFONSOS HENRIQVEZ 28
lugar do campo de Ourique,que chamão Cabeça de Rey,junto à villa de
Caſtroverde, & alli ſe ajuntaram ambos os arraiacs, hum àviſta do outro
junto ahuma ermida,quehabitava hum velho ermicam de boa vida , og
dizem ſer veſpera de Sandiago daquelle anno de 1139 .
Quando os Chriſtãos viram tam immenſa multidam dos Mouros, &
a deligoaldade que havia de ſia elles,duvidaram de dar batalha,& civerão
receyo de ſe perderem,&diſſeram ao Princepe,queviſſeo perigo em que
fe mettia, que parecia mais temiridade, que valencia,pelejarem tam pou
cos contratantos, & arriſcarem a honra & ſenhorio dePortugal ao pe
rigo de húa ſó hora,para tentar a Deos.E que lhe não diziam aquillo por
falta de coraçam nem vontade. Mas que ſe deviam de guardar para quá.
do com ſua vida o podeſſein ſervir. E que agora morreriam todos os
hons,queſe alli achaſſem fem com ſua morte aproveitarem . Peſou mui
to ao Princepe da deſconfiança que vio nos ſeus , & lhes fez huma com .
prida falla,lembrandolhes que acençam com que todos unanimes parcia
ram de Coimbra fora pelejar pola Fé deChriſto contra aquelles ſeus imia
gos: & que hora eſtando àviſta delles,ſeria grande falca fugirlhes. Por
quemoſtrariam , ou inconſideraçam no conſelho que comâram , ou me
do dos imigos,que viram,quando a ſeu ſalvo podeſfem tornar. E quema
is certo eſtava o perigo nafugida,que na peleja. Porque os imigos ( co
no elles diziam) eram muitos,&eſtavam no ſeu, & tam perto delles,que
não teriam de que ſe valler, para lhes eſcapàrem ,pois iriam ſem coraçam.
E que ficando , & pelejando,teriam a ſi, & a Deos, que os ajudaria , pois
pelejavam por ſua Fè, & por ſua honra. E que ſe lembraflem, quantas
vezes ſeus antepaſſados, ſendo muyto poucos, venceram grandes exercia
tos daquelles Mouros, com queos lançaram de ſuas terras. E que na
quella hora não era a mam deDeos menos poderoſa que entam. E que ſe
no numero da gente eram deſigoaes dos Mouros, tambem o ecam na cau
fa porque pelejavam , & no galardam que eſperavam . E que pois De
os os chegára a hum dia & feito tam glorioſo, onde vencendo gànhavam
honra , & fama , & terras de que ſe chamaffem fenhores , & ſendo ven.
cidos gànhavam o ceo , nam perdeſſem tal occaſiam , que de todo bom
cavalleiro havia de fer deſejada. E que como eſtavam veſtidos de armas,
fe veftiflem de Fé , & de eſperança , que lhes prometia teriam muy cer
ta a vi&toria. E que repouſaſtem entam , & ao outro dia em amanhecen
do, muy ledos & confiados acommeteriam aquelles imigos , que lhes
Deos trouxera a ſuas mãos , & confirmaffem o nome de bons Portugue
fos , que nunqua nas preſfás deſemparam ſeu ſenhor. Ditas eſtas pala
vras . & outrascom muyta efficacia, aſti ficaram animados & contentes,
Cue parece, que o esforço do Princepe ſe paſſou a cada hum delles.E muy
akgres lhes relponderain, que tendo a Deos por ſua paite , & a elle por
femi.or & capitam, nam era razam que temellem perigo algum. E que ef
E 4 tavam
CHRONICA
tavain prcſtes para fazerem o que lhesmandaſſe. Antes de ſe fazer tarde,
o Princepe ordenou como eſtiveſſem ſeguros aquella noite.
Tendo o Princepe ſeguro ſeu arraial co as guardasq lhe pos, o ermi.
tan , 7 na ermida diffemos eſtava,lhe diffe, Deos lhe mandava dizer per
elle,que eſtiveſſe lédo & esforçado, que pela boa vontade que o tinha de
o ſervir,ao dia leguinte haveria vi&toria del Rey Iſmar. E que quando
ao outro dia pela manháa vifle tanger huma campainha,faiſie fóra de ſua
tenda.E lhe appareceria noceo aſli como padecera por os peccadores. E
des que o ernitam ſe foi,diſſe conſigo el Rey: Deos poderoſo,a quem to
das creaturas obedecem,ati fó conheço, & dou graças,por as grandes iner
ces que me tens feitas & fazes,em memandar prometer tam grande cou
fa como eſta, ati me encomendo , & peſſo, que o imigo da linhagem hu.
mana me nam poſſa apartar dosdeſejos ý tenho de te fer vir,& contra te
us imigos me ajudes. E ditas eſtas & outras devotas palavras, ſe enco
mendou a Deos, & a ſua glorióſa madre , & ſe acoſtou , & adormeceu.
E quando foy huma mea hora ante menhāa, ſe tangeo a campainha, que
o ermitam lhe diſſera, & o Princepe ſahio fóra de ſua tenda, & fegunda
elle meſino diſſe aos ſeus,vio a noſſo Senhor na Cruz,da maneira que pa
decera, & como o ermitam lhe diſſera , & o adorou com muytas lagrimas
proſtrado em terra,ondecom o enlevaméto do eſtar abſorpto com aquel
la viſam divina,dizem que diſſe algumas palavras ſobre o eſpirito & co
raçam humano. Parece que quis noſto Senhor,que ſeus olhos ſós parti
cipaffem deſta mercè.Porqueelle ſó nunqua deſconfiou de haver vi&oria
com ſua graça & ajuda contra aquelles Mouros,como os ſeus deſconfiàraő
quando virao aquelle immenſo numero delles. E tambem ſe deve crer, ģ
poramuyta devaçao que tinha à Cruz,& áschagas de noſſo Senhor, em
cuja lembrança edificou o grande & rico Moſteiro de Santa Cruz,lho pa
gaſſe o Senhor,fazendolhe aquelles favores na meſma Cruz, onde lhe mor
trou ſuas chagas da maneira que as tinha quando padeceo. E o fez mere
çedor de as ver com ſeus proprios ollos.
Tanto que o Senhor deſappareceo,o Princepe cheyo de grande prazer
& esforço,ſe veyo à ſua tenda para ſe armar.E em ſinal da batalha que
via de dar,mandou tanger as trombetas & atabàles,para eſpertar os ſeus,
logo ſe levantárað, & ſe começaraõ a confeſſar & comungar, & ouvir Mil
fa,& dar graças a Deos comgrande devação & alegria, por o myſterio, ģ
o Princepe contou. Acabado iſto, o Principe partio ſua gente en quatro
batalhas. Na primeira metteo trezentos homens de cavallo, & tres mil
de pè; na retaguarda fez outra batalha com outros trezentos de cavallo,
& tres mil de fé. Húa das alas fez de duzentos de cavallo, & dous mil de
pe; & outra de outros tantos, que por todos era o mil de cavallo , & dez
mil de pè . Na primeira batalha hia o Princepe com muy bons cavalleiros,
entre os quaes hia D.Pedro Paez,quele vayaa bardeira, & D. Diogo Co
çalves
DELREY D, AFONSO HENRIQVEZ 29
çalvez Valente,ğ era peſſoa principal. A retaguardahia encomēdada a D.
Lourenço Viegas, & à D.Gonçalo de Souſa. A ala eſquerda hia encomen
dada a Mem Rodriguez filho de D.Egas Moniz,& a outra a Martim Mo.
niz feu irmam . Os Mouros fizeram doze batalhas de gente muy groſſa,affi
de pè, como de cavallo. Os Portugueſes ainda q eram poucos, como em
naſcendo o Sol lhes davão os rayos nas armas,reſplandecião de maneira ,
parecião muycos mais, & fazião húa apparencia temeroſa. O Principe co
meçou de animar os ſeuschamandoosper ſeus nomes , & trazendolhes à
memoria couſas que os animalſem . Quando os grandes, que eſtavão com
o Princepe virao as batalhas dos Mouros,& ſouberaó dos muyros Reys,
alli eſtavão,pedirao todos ao Princepe,lhes fizeſſe merce de querer, queo
chamaſſem Rey,& que aſli lho pedia toda aquella gente, & que com iſto
teriaó muito mais animo para pelejar. () princepe como homem magna
nimo que era ,& que entendia que o mayor reynâdo era o merecimento 1

do Reyno, & o preſſo da peſſoa,queo fceptro & a coroa, lhes reſpondeo, 了1


que affaz honra era pera elle fer delles tambem ſervido ,& obedecido, & :

que diſto ſe contentava, & que nao fe queria chamar ſenão ſeu irmão & ;
companheiro, & que como tal os ajudaria ſempre com ſua peſſoa contra
os imigos da Fè,& contra aquelles quedamno, ou offença lhes quizeſſem :

fizer. E que para o que diziao,outro tempo avería maisopportuno.Elles !


dhe tornarao a dizer muytas razoés, & lhe pedirao nao quizeſſe reſiſtir a 重

tartas vontades . O Princepe vendoſe tao apertado delles,diſſe:que fizeſ


kmo que quizeſſem. Então todos muy alegres, com grande grita & voa f
zis & acclamaçoés,o nomeáraó por Rey, & Thes beijarao a mão.Feito iſto,
caya!gou em hum grande & poderoſo cavallo cuberto deſuas armas, &
quando vio tempo, diſſe a D.Pedro Paez que ahalalle rijo com a bandeira
real, &: os da ſuabatalha o fizerao affi, & forao todos juntos ferir nos imi
gus,ondecRey,que hia diante,ferio da lança hum Mouro de tal encon
t:0,quelogo deu com elle no chio. E rompendo a primeira batalha dos
Mouros,ſeguio a ſegunda , onde avia muy groſſa gente. E por verein o
eſtrago,queelRey fazia , & como entrava tanto por elles, acudio grande
foder de genre,& carregando muyto ſobre elRey ,Dom Lourenço Vieg is
& D. Gonçalo de Souſa que trazião a retaguarda, lhe acudiráo,& ahi foy
húa grande peleja ferida de ambas as partes, Martin Moniz , & Mendo
Noniz como esforçados cavalleiros, que eraõ ,entràraõ cada hum per ſua
parte,fazendo matança nos Mouros. E muyto mais ſe aſlinalava elRey,
porą como era de grande corpo & grandes forças,& mayor coração , onde
ſe achava,ſe aventajava de todos. Durou a batalha deſta manháa até o
nieyo dia,ſem feffar,ſendo dia muyto quente & de pò . E quiz Deos, que
os Mouros foraó vencidos & desbaracados , & tanta gente morta , que nam
pode ter conta : o que nao foi ſem morte de muitos dos Portugueſes,algus
delles homés de grande conta,entre os quais foraoMarcim Moniz filhode
Doin
CHRONICA
Dom Egas Moniz capitam da ala dereita , & Dom Diogo Gonçalvez,į
foi tam valente cavalleiro no animo,como era no apellido, porque foi fi
Tho de Dom Gorçalo Ovequez Valente,cujo defcendente foy Dom Via
cente Aflonlo Valente, que irſtitvio o morgado da Povoa, que per caſas
merto de D. Bretiz Valente com D.Gonçalo de Caſtello Branco , veo ac's
da familia de Caſtello Branco , ſenhores de Villanova de Portimam.
Eſta viétoria foi huma das grandes que ouve no mundo, porque nam ſe
achára, que tan poucos foſlem buſcar tam grande numero de inimigos,
para lhes dar batalha campal ſendo os Mouros,aque ſe deu gente fem nu
mero,muy féra , & bellicola, coſtumados às armas,& muytas victorias, que
houveram não ſomente da mayor parte de Heſpanha , que ainda tinham
vfurpada,mas de muyta parte da Africa,Aſia, & Europa,de que ſe hari
am feitos ſenhores deſdo tempo de ſeu falſo Propheta Mafamède. El
Rey Dom Affonſo ficou nocampo tres dias. E nelles em lembrança dos
:
cinco Reys que vencera ,& do que alli lhe acontecera, a Cruz azul em o
campo branco ,que eram as armas de Portugal que ſeu pay o Conde D.
Henriquetrazia, partio em cinco eſcudos,que ficaßem em Cruz , & le
meados de dinheiros de prata , em lembrança daquelles dinheiros por
que noſio Redemptor foy vendido. Mas mais veriſimil he,que o numero
dos cinco eſcudos mais foſſe por lembrança das cinco chagas de noſſo Sen
nhor, que por o número dos Reys vencidos,ja que elRey teve lembrança
de ſua paixam , & dosdinheirosper que foy vendido. E porque no appa.
recimento que noſſo Senhor lhe fez de ſi na Cruz,as vio porſeus olhos ao
bertas & fangoentadas. E aſli foy ſempre a tradiçaın dos antigos,que ao
chroniſta não lembrou. Eſtas ſam agoraas inſignias & quinas dos Reys
de Portugal tam conhecidas por todo o mundo, & de que tantas bandeja
:
tas foram arvoradas,& reconhecidas por triumphantes em terras tam re
motas da Aſia, & da Africa, & de que tantos padroens ſe lavraram & af
fentaram deſde as praias do mar Occeano de Portugal atè a India, & a
China, & o ultimo da terra.
Pallados os tres dias,que el- Rey Dom Affonſo Henriquez elieve no
campo tornon a Coimbra feitokey & victorioſo com grarde deſpojo &
riquezas de tantos inimigos,onde foy com muyta alegria recebido . Qua
do el-Rey chegou a Coimbra veyo recebelo o Prior de fanaa Cruz Dom
Theotonio com grande prazer.E vendo entre os Mouros captivos , que
el-Rey trazia huns homens Chriſtãos,que chamavam Mozarabes,por no
sarem entre os Mouros, & que vinham mal tratados em habito & otado
de captivos, eſtranhou a el- Rey trazelos aſli, & o amoeſtou, que logo os fi
zelle loltar,pois eram ſeus proximos,& im aos na Fé. O que el Rey logo
fez . Entre eſtes Mozarabes vinham dous velhos de muyta idade ,
quaes el Rey perguntou, donde cram naturaes. E perque caſo vieram a
habitar entre os Mouros. E dlos lhes differam ,que ſua origem cra da ci
daus
!
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ . 30
cade de Valença de Aragam ,& feu naſcimento delles fora no Algarve
enhum promontorio ou cabo,a que os naturaes chamávam Sagres . E
quehumMouro grande ſenhor, que chamavam Aliboacem ,vindoper al
li à caça, matára a ſeuspays, & aosque alli mais achàra: & que a elles ſen
do muyto moços os levaracaptivos a Fez, onde tinha ſua morada . E que
a cauſa de ſeus antepaffados alli viveren foy,que tendo elles en Valens
ça eſcondido o corpo de hum Martyre per nome Sam Vicente , do tempo
01 que os gentios o martyrizāram , vindo a Valença hum capicam Mou
so per none Abderramen , que preſeguia os Chriſtãoscom muýtas cru
eldades, & deſtruya todos os ſantuarios & reliquias dos Santos , ſeus paf
fados com medo delle em huma barca metteram o corpo do Santo com
hun corvo ,que nuniqua deſpois que o Martyre padeceo, deixou de eſtar
lugar onde o corpo eſtava ,& o defendera,que o não comeffem as a ves
quando Daciano o mandou lançara ellas & às alimarias , & ſe meteram
pelo mar à ventura onde Deogoslevaffe . E que a barca vindo apportar
do dito cabo de Sagres,os que a trouxeram fizeram huma pequena her
mida, na qual enterraram o corpo, & para G humas caſinhas ein qie vi
v'eram ,& deſpois ſeus deſcendentes,até que por alli veo Aliboacem ,a os
maroui,& os levou a elles captivos. E que naquelle lugar ſe virain fazer
truytos milagres, & nelle ſe viam ſempre muitos corvos queo frequenta
vam ,como que acompanhavam o corpo ,que allijazia. E que ſe daquel
la ermida em que o enterraram houveſſe algum veſtigio, ou daquellas ca
finhas, em que ſeuspaſſados moravam , ou ouveſſe alguns corvos, que no
legar frequentavam , ainda dariam aonde o corpo eſtava . El Rey folgou
Duyto de os ouvir , & fe lhe repreſentou, que mayor vi&oria & ma
yor deſpojo ſeria para elle , haver tam precioſa joya, como eram as reli
quias de tam grande Santo, que quanto houvera del Rey Iſmar . Polo
cue acceſo em deſejos de haver o corpo do Santo fez tregoas per alguns
čias coin el-Rey deFez.E elle meſmo em peſſoa com alguns ſeus criados ſe
atriſcou a hiraó Algarve terra de inimigos buſcar o corpo do Sarto , & fa
zerbuſcalo .Mas a deligencia foy em vam , l'orque ſegundo deſpois ſe vio
udenava noſſo Senhor fazerlhe outra mayor merce ,deaquelle ſanto cor
so haver de ter ſua ſepultura,nagrande Cidade de Lisboa,queainda eſta
va en poder dos Mouros, que elle havia de ganhar, & na mezquita ma
por della conſagrada , & convertida em igreja cathedral . Polo quenam
achando elRey raſtro algum do que buſcava, ſe tornou para Coimbr
conformandofe com a vontade de Deos.
Neſte anno melno , em que elRey Dom Affonfo Henriquez venceo a loão de
nar,morreo en França loam de Tampes ,a que os vulgares ,chamavam Tavivmp
eoes
foam dos tempos,pererro & femelhança do nome, & de ſua grande ida crezétos
que vivco trezentos, & ſeſenta & hum annos ; ſegundo concam todos & feſséta
annos .
oshiſtoriadores Franceſes. O qual dizem haver ſidohomem da armas de
Carlo
‫ ܐ‬.

5 : CHRONICA ; ** :
Carlo Magnoque começou reinar no anno de 769. No qual tempo fe
moftra , fer jà loam de Tainpes de dez annos . 'Mas Paulo Aemylio nos
Annaes de França na vidade Luis VII.como homem grave , que vai maz
is dcvagara crercouſas de admiração,queandaðrem voz degente vulgar,
tem para fi,que aquelle Carlos não foi o Magno, mas que ſeria o que foy
neto deCarlos o Gomplez. E ſendoainda aſti, não,fica a vida de loão de
Tampes tam pouca, quenão foſſede cento & ſeſenta annos . Mas quem
ler as hiſtorias da India,podera crcé ſua idade . Porque no tempo que Nus j!
110 da Cunha a governava, aviaein Dio hũ homem Bengalla de trezentos
& trinta & ſincoannos, & não ſefabe o que mais viveo.
. Depois do desbarate del-Rey Ilmar, deſejando elle de ſe vingar, ajun
tou muytas gentes, & veo a Santatem , & levando dahi Hauzeri Alcaide
da villa, & homem muy principal, correo a terra,atè chegar a Leiria , a
qual combateo & entrou perforça, &matou amais da gente que nella a
Arno chou,& levou preſo a Dom Paio Goterrez. O que foi no anno de 1140,
!1140 & deixando na villa boa guarda ſe foy . O que tudo fez com tanta pref nina
teza , que não teve tempo el Rey Dom Affonſo para fe a preceber , & o
bir buicas. O Prior de Santa Cruz de Coimbra Dom Theotonio eſtando 10.1
ſentido de lhe ſer tomada Leiria,que lhe el Rey tinha dada , leyou
conſigo a mais gente que pode, & foi correr as terras de Alentejo , & to
mou a villa de Arronches. E entre tanto que o Prior andava guerreando
em Alentejo, ajuntou el-Rey gente, & foy ſobre Leiria. E como Deos
o ajudava em todas ſuas empreſas, poſto que muy bem lha defendeſſem
os Mouros, a tornou a cobrar aos quatro de Fevereiro de 1145. E por
ANN o que o Prior a que elle dera a villa, a não guardara como compria para .

11 45. fua defenſam,pòs el-Rey melhor guarda. E eſtando el-Rey em Coim


bra veo o Prior de fan &ta Cruz de Alentejo,onde muito tempo andara,&
diſſe a el-Rey, que por os Mouros lhe tomarem a villa de Leiria , que lle
elle dera, levara a tanto nojo, que deixara a ordem de viver regular, que o
tinha, & tomara por vida andar em guerra com os Mouros, aos quaes to viui

Arron
mara a villa de Arronches. E que agora punha em ſuas mãos o negocio
ches to daquellas villas,poishuma ganhara, & outra perdera, & agora el-Rey a
mada cobrara , ſendolhe feita della doaçam. ElRey havendo ſobre iſſo confe
por Dá lho,porquenao covinha bé a homés, profeſſavam religiaõ, embaraçaséſe
Theot. em negocios feculares& muito menosno exercicio da guerra , houve por
bem ,q o eſpiritual deſtas villas ambas foſſe do moſteiro de S.Cruz , & o té Ar

poral ficaffe com os Reys. iD


Deſpois no anno de 1146. ſendo el- Rey Dom Affonſo de LII, annos
Anno & havendo VII. que era alçado por Rey,caſou com DonaMafalda filha Can
1146. de Amadeu Conde de Moriana, & de Madama Guigone ſua molher, filha
do Conde de Almon . O qual Amadeu deſpois foy feito Conde de Sa
boya pelo Emperador Henrique o V. de que deſcendem os Duques de
Saboya
DELREY D. AFONSO HENRIQUEZ 30
Saboia. Efe he o Amadeu ,que vindo da conquiſta da terra fanta,a onde
duas vezes fora capitão de gente do Papa ,morreo na ilha deChipre, & jaz
enterrado na Abbadia do monte de S. Cruz junto a Niſcoſia,cuja genea
logia he deſcender de Emperadores de Alemanha,& Duques de Saxonia
como Damião de Goes eſcreveo có muita diligencia na chronica delRey
Dom Manoel.De maneira,que DonaMafalda perorigē era de Alemanha
& pernatureza Fráceſa . Polo q fica manifeſto o erro dos chroniſtas Por
tugueſes & Caſtelhanos,q a fazem filha do Conde Dom Henrique de La
12, & outros do Infante D.Afonſo de Molina, q ainda não era naſcido,ne
nalceo dahi a muitos annos,porque cocorreo com el-Rey D.Sancho Ca
fello biſneto da melina Rainha Dona Mafalda,como em ſua vida ſe dirà.
Do qualerro ſe podèra tirar o chroniſta Portugues, ſe ſe focorrera à torre
do Tombo, porque em todas as eſcripturas & fordes delRey Dom Afon
fo Ilcoriquez,que deu,ſendo já caſado,em que conforme àquelle tempo,
as molberes & os filhos & os grandes do reino allinàvão,& confirmâvão,ſe
diz,queel-Rey D. Afonſo Henriquez filho do CondeDom Henrique, &
da Rainha Dona Tareja,& neto do grande Rey D. Afonſo com ſua mo
lher D. Mafalda filha do Conde Amadeu deMoriana faz doação, & c. E
o meſmo erro evitàrão os Caſtelhanos,ſe lerað ao ſeu Arcebiſpo de Tole
do D.Rodrigo Ximenez na chronica dos Reys de Heſpanha,onde diz,qel
Rey D. Afonſo Hériquez foi caſado com Mafalda filha do Code de Mo 1

siina.O go ineſinu nome Mahault moftra ,que he o proprio & vulgar de


Franceſes, & não de outra nação .E mais veriſimil era,qhú primeiro Rey
de Portugal tað valeroſo & altivo,como elRey D.Afonfo Henriquez,ſen
co folteiro & fem herdeiros,cazaffe co a filha de hum Principe ſenhor de
muitos ctados,deſcendentes de muytos Emperadores,quc com a filha de
hú Conde fenhor de duas villas,vaſſallo de hú Rey ſeu vizinho,ainda q de
nobre ſangue foſſe.Nem os Portugueſes cram taes , que lhe conſentiram
por ſeu brio & opinião,como fizerao a el-Rey D Sancho Capello, ſendo
tá inferior na authoridade & valor a ſeu viſavô clRey D. Afonſo , que
por caſar com Dona Mecia filha de Dom Lopo Diaz de Haro ſenhor de
Vizcaya,ſua paréta,& por ſer fermoſa,a tomarao,& a levarao a Galliza ,dó
de nunqua mais tornou, por dizerem q não era ſua igoal, & ý lhe offereci
am filhas de Reys com que cazaffe. Fillios
Da Rainha Dona Mafalda ouve elRey D. Afonſo a D. Sancho , que del-Rey
Dom A
The ſuccedeo no reino ,& naſceo em Coimbra a 1 de Novembro de 1144. fonſo
& a Rainha Dona Vrraca,quecaſou com Dom Fernando de Liain, que Héquez
deſpois por o Papa nam diſpenſar com elles os apartou, tendo já o Infan
teDom Afonſo, que morreo moço. E aſli ouverain a Rainha Dona Ta- Naſcia
reja , que caſou com Felippe primeiro do nome, Conde de Flandres & de- mento
H01110. A eſta Rainha DonaTareja os eſcriptores das couſas de Flandres delRey
D. San .
chamão Mathildis:o que parece ſeria,por amor de ſeu marido,a que aquel- diol.
F le nome
--
CHRONICA
le nome não ſoaria tambem comojà outro fez por o de Vrraca. Eſta Prin
ceſa em quanto vivco , ſe chamou ſempre Rainha,poro coſtume daquello
lēpo em que as filhas dos Reys de Portugal ainda que cazadas com mari
dos,que Reys não feſſem ,ſe chamavam aſli. Della eſcrevem os Framen
gos muytas couſasde molher de grande animo, & esforço varonil,afli no
regimento dos eſtados de Flandres, que o Conde ſeu marido lhe deixvu
encarregados, quando paſſou a cöquiſta de ultramar, como deſpois de viu
va nas differenças que teve com os Franceſes, & outras gétes,lobie a de
fenſaõ de ſuas terras de ficou uſufru & uaria.Veyo a fallecer sé filhos ro
anno de 1218. & de morte defeſtrada,paflando junto da villa de Furnas
per hum lugar apaulado,em que caindo as andas em que hia, ſe for verarn
em hum olho, & atolleiro,que alli avia. Por o q aquelle lugar dahi em dia now
áte ſe chamou o Buraco ou fojo da Rainha. Iaz enterrada no moſteiro de
Clara Valle em Borgonha co o Code Felippe ſeu marido , a q a pallario
do moſteiro Duniente,onde foi depoſitada.
A hiſtoria antiga,diz que ouve outra filha mais velha que as outras,per
El- Rcy nome Dona Matalda,que caſou com D.Raymundo filhode Dom Ray
Dom
fonſo
A- mundo Conde de Barcelona ,& que ſeu recebimeno ſe fez na cidade de
naó teve Tui,onde diz q a veyo receber o CondeRaymudo,per procuração de ſeu 1 น.
filho. Mas que ſeguir a razão dos tépos achára que aquella hiſtoria he nia
filha cha
mada D. nifuftamere falla.Porque el-Rey D.Afonſo Henriquez cafou no anno de NE

Mafalda 1146.ao qual tempo D.Raymúdo Berenguer Code de Barcelona,que foi


o ultimo dos Raymundos, & dos Condes de Barcelona, era já caſado com D
Dona Petronilla Rainha de Aragão, filha de Dom Ramiro o möge: Pelo
qual caſamento , o Codado de Barcelona ficou unido com o eſtado de A
ragão ,atègora. Alé diſſo eſte D.Raymundo deixou dous filhos moços, &
nenhũ ſe chamou Raymudo Porã o primogenito a 5 puferaõ effe nome
ſe lhe mudou em Affonſo ,ſendo menino.O qualſe chamou D. Afonſo o
Calio, & foi o ſegundo do nome,& cazou com a Infante D. Sancha , filha
del-Rey D. Afonío o 4 chamaram Emperador das Heſpanhas, & de fina 111 -
molher aRainha DonaRica. E o outro filho,queo Conde D Raymun ia
do Berengner teve, ſe chamou D.Sancho , q foi Conde de Ruiſelho ,&: de Line
Cerdania, Polo que ſendo o ultimo Raymundo Code de Barcelona já ca
fado com a Rainha de Aragam ao tempo que Dona Mafalda ( ſe a ou nda
vera )não podia fernaſcida, & nam deixando filho, Raymundo fica con . 3‫܂‬
vencido,não ſe fazer tal caſamento, como o chroniſta diz. Nem el-Rey a
Dom Afonſo Henriquez teve tal filha fegundo o Arcebiſpo de Toledo,
a q ſe ha de dar muyto credito, por a muita authoridade de ſua pefloa, &
a

A N No dignidade, & por ſer vizinho daquelle tépo.Ao ã ajuda ģ cazado ReiD .
T 1146 Afonſo no dito anno de 1146.E ſendo o caſamento de Dona Mafalda ſua .
filha no anno de 1145 : como o chroniſta diz,ainda que ella naſcera pri
meiro ý os outros imãos, & logo no primeiro anno tirados nove meſes y
avia de
DELREY D. AFONSO HENRIQVEZ 32
avia de andar no ventre de ſua máy,ficáva caſando de 8 annos.O que não
Le veriffimil:& muyto menos o era que humn Conde de Barcelona ( leo
ouvera)velho & tamanho ſenhor,vieſſe buſcar em peſſoa húa nòra meni
na,& a levaſſetao ante tempo não avendo cauſa de guerra entre provin
cias tao diſtátes,nem de avença de pazes.Tambem ſe ajūta outra cojectu
ra,7 a Infante Dona Tareja caſou com o CondedeFlandresno anno de
1184. polo que ficavão do caſamento deDona Mafalda ao ſeu 29 an
nos,o quecamhem não he veriſimi),ſendoambas irmãas de partedo pay &
da máy . A outra razão mayor que todas he que nas doaçoes & cartas que
el -Rey D.Affonſo Henriquez fázia,onde aſlinavão ſua molher & filhos
20 cuſtume daquelle tempo, não eſtam affinadas mais que as duas filhas
Dona Vrraca, & Dona Tareja,como ſe peloslivrosda torre do Töbo pó
de ver.A eſte erro daria cauſa, cafar el-Rey Dom Affonſo Henriquez leu
filho prinogenito o Infante Dom Sancho,com a Infante Dona Aldonça
filha do dito Raymon Berenguer o ultimo,que foi Princepe de Aragam,
& marido da Rainha D.Petronilha, como em a vida del Rey D.Sácho ſe
dirà. Este diſcurſo fe fez tað largo em couſa que importâva pouco,para ſe
ver quanto para a verdade da hiſtoria a razão dos tempos,& com quanto
juizo re hão de ler as hiſtorias,& quanta conſideração & diligencia reque
rco officio do biſtoriador. E tābe por ſe me não imputar a temeridade co
futar alguss couſas,q eſtão já tão recebidas da antiguidade.Pois como ſe
erra em bia,couſa ſe pode errar em outrasmais.Alé deſtes filhos legitimos
ouve el-Rey D. Affonſo,hum filho ſendo folceiro, q ſe chamou D. Pedro
Affonſo de q não ſabemos 'a dignidade,nem os filho q deixou . Teve mais
ſendo ſolteiro húa filha chamada Dona Tareja Affonſo , que cafou com
hun homem grande naquelle tempo, q ſe chamou Domn Sácho Nunez, de
quem naſceo Dona Vrraca Săchez,que caſou com Dom Gonçalo de Sou
fa . Dos quaes naſceo o Conde Dom Mendo o Souſam ,quc era o principal
ſenhor, que entam avia em Portugal.
No anno ſeguinte de 1147 tomou el-Rey Dom Affonſo em penſamé- AN NO
to emprender húa couſa grande que havia muito quedeſejava;& em que 1 1 47
achava grande repugnácia, que era comar Santarem.De húa parte via que
daquelle lugar lhe fazião osMoucos guerra a ſua terra, & que delles rece
biamuito dano. E da outra a fertilidade,fermoſura do cápo , & bõdade da
quella villa,a que elle chamava paraiſo. De outra parte repreſentavaſelhe
a fortaleza & a eſpercza do ſitio, amultidão da gente, & abundancia de
mantimentos,que nella avia.Poro lhe parecia impoſſivelpor em effec
to ſua determinação: & affi o parecia àquelles com quem elle o commu
nicava.Mas como elle era de animo grande & invēcivel,determinou de o
tentar.E pcra ſaber o meyo per que melhor tornaria a villa deſcobrio feir
penſamento a Mendo Moniz,filho de Dom Egas Moniz, cavalleiro mui.
to esforçado,& prudente, & Themandou, que foſſe a Santarem cõ pretexto
ER de afſen
CHRONICA i

de aſſentar tregoas com oAlcaide Hauzeri, & viſſe per que parte & per 1

fr
que maneira a villa ſe poderia entrar.D.Mendo Moniz,comofoy na villa,
eſpiou tudo mui bem , & tornando fallou com el-Rey em ſegredo, & fez
o negociomuypollivel, & lhepromotteo,que elle ſeria dos primeiros,q 1

poſeſtem ſuas bandeirasſobre osmuros, & quebraria as fechaduras das 口 に

portas, como despoiscomprio. El-Reyfoy muy lèdo com a boa nova,


The deu. E vēdo que o principal deſte feito ,era o legredo dellanão ſe fiou 1
..

de o communicar com todos os do ſeu conſelho, nem no paço, por não fer 191.1

ouvido, & ſe fahio da cidade de Coimbra,a paſſear ao campo, que eſtà ao


longo do Mondego, que chamão o Arnado. E alli apartouLourenço Vi
ègas &Dom Conçalo de Souſa & Do Pero Paez ſeu Alferez, & outros &
lhes diſſe ſua determinação. E ouvidos ſeus pareceres lhes mandou tive
ſem naquelle negócio grande ſegredo , & que nem na partida o deſcobrif
fem . Acabado o conſelho vindo el Rey pela rua da Figueira , que he do
Arnado para a cidade,húa velha regateira diſſe contra outras,Quereis vòs 12
ſaber o q elRey co aquelles ſeus cõlelheiros agora falou?Que? differão ellas
a vèlha diſſe,Comoirião de ſupito tomar Sátarë.El-Rey ouvio oſ a velha finne
diſſe, & vendo que os com que fallára hião diante ſem delle ſe partàrem ,
ficou maravilhado. E deſcavalgando no paço,chamou todos & Thes diſſe: will
Não attentaſtes o que aquella velha fallou? certificovos q ſe algum de vós C.
outros ſe apartára de mi, eu cuidàra que fora deſcuberto,& lhe mandára Coco
cortar a cabeça . Deſpois diſto el-Rey fe fez preſtes, ſóirete có os cötinuos
deſua caſa, & algūsde Coimbra. E tomando algus tátimentos, lhe bal
taſſem , ſem peſſoa algúa ſaber de feu caminho mais que os do cóſelho, & IT
o Prior de S.Cruz,em quem tinha muyta devação, & lhe deſcobria o fe
gredo. Partio húa ſegunda feira, & foi per caminhosencubertos, & tão dif
ferétes,q os Mourosnão podeſsē ſaber delle,něpara onde hia. E a primeira
jornadaviérað pòr ſuas tendas a Alfafar,& a ſegunda forao dormir a Cor nich
nodellas ,& dahi mandou Dom Mendo Moniz, que foſſe dizer ao Alcaide
de Santarem ,que lhe alevantava a tregoa, & não valeſſe mais que dahiaatio
tres dias. Porque naquelle tempo cada hum podia quebrar a tregoa a ſeus ulaai
inimigo quádo quiſeffe,fazëdolho antes ſaber, Dom Mendo Moniz foi, &
tornou a aldea de Pegas,onde el-Rey eſtava . Partido dalli el-Rey pella
ſerra de Albardos,& indo fallando com elle Dom Pedro ſeu irmão couſas
de Frāça ,onde avia eſtàdo,lhecontou dos muytos milagres , 9 Deos fazia
naquella terra pello Abbade de ClaravalBernardo, que entam vivia , &
quáras couſas outorg ava das q lhe pedia. El-Rey movido de devação dif
ſe,queprometia a Deos que le pelos rogos daquelle lanto varão , tomáva ni
a villa de Santarem ,qelle lhe daria para hú moſteiro da congregação, que th
inſtituio,todaaquella terra, quanta dalli via até o màr, como deſpois fez,
bavida a victoria , que em comprimento de feu voto edificou o grande & Ice
Real moſteiro de Alcobaça, & lhe deu aquella terra toda ,em que há mui
tas vil
DELREY D. AFONSO HENRIQUEZ
-10 tas villas & lugares.Naquella ſerra deAlbardos eſteve el-Rey até 92
feira de noite. E pelo ſerão partio & andou toda a noite a tèa mata , 4
eſtà ſobre Pernes,onde chegaram fefta feira, querendo amanhecer. E alii
delcobrio el -Rey a todos os feus, ao que hiam , & lhes fez huma falla á
nimandoos para feito de tanta honra, & tam importante ao ſerviço de
Deos , & feu, trazendolhe à memoria a vi&toria, que avia tam pouco oua;
veram contra cinco Reys Mouros,& tantas gentes,& aſſegurandoos da- ,
quella muyto mais . É louvandolhe asmoſtras que davan , de eitarim
** deſejoſos de ſe já ver na emprela , lhes encomendou , que eſcolhef
femde entre ſi cento & vinte, para dez eſcadas , que haviam de acok
tar ao muro , partidos a cada huma doze , & que os primeiros alevan
taffem logo ſuas bandeiras . E que porque haviam de achar os inimigos
nús, & deſarmados, & de improviſo, nam perdoaſſem a nenhuma peſſoa
nem idade,mastodas andaſſem a eſpada. Os Portugueſes ouviram a elRey
com grāde moſtra de contentamento ,& deſejo de ſe ja verem naquelle
feito. Mas conſiderando a grande ardideza del-Rey , & o riſco daquelle
negocio , & que em nenhum perigo o haviam de achar menos, lhe pe
dirão, que os deixaſſe fazer a elles:& que elle quiſeſſe ficar. Porque ſer
do elles vencidos, os inimigos não ganhariam tanta honra, nem ſe percia
por iſſo o reino.Masque perigando elle,tudo ſe perdia.E com razão ſe p. -
deriam em todo tempo chamar trèdores, que tendo tal Rey, o quiſeram
perder. El-Rey lhes reſpondeo ,que nunca Deostal quiſeffe,quc onde tão
bons & Icaes vaſſallos arriſcavão ſuas vidas por amor delle poupaſſe elle a
fua,nem queria viver ſem'elles.Paſſadas eſtas palavras,apparelharão o que
era neceſſario,para o que pretendiam , & deixando as tendas, & og mais
traziao poſerãoſe a cavallo , & chegaram aos olivaes de Santarem de noi
te.E ſendo jà el- Rey perto davilla,poferăoſe em hú valle eſcuſo tao per
to do lugar que ouvião as velas dosMouros,quando hús a outros fallavác,
& alli eſtiverão toda a noite com os cavallos pelas redeas apeados, vigi
ando có gráde cuidado,do q ao dia ſeguinte eſperavão fazer.E quãdo veo
ao quartoda alya,tempo em qentenderão, que as velas eſtarião mais ſom
nolentas,& os da villamais deſcuiJados & entregues ao fomno,partio el
Rcy dallicom os feus, deixando naquelle valle os pagés com os cavallos,
& tomaram o caminho de Monteraz,& a fonte da Tamarma,que quer die
zerem Aravigo das agoas doces,& foråo pelo valle,indo diante Dom Me
do Moniz, que bem fàbia as entradas & ſaidas, & logo el-Rey apos elle. E
foſo que per onde levavão tenção de eſcalar,acharão o contrario, do 7
cuidayảo, Deos(a cuja vontade não pode aver reſiſtencia )lhes converteo
(in bem eſſe impedimento.Porqueno lugar per onde havião de ſobir', &
tìnhão porcerto não haver ahi nenhua guarda, acharão duas velas poſtas
em cadafalſos feitos de novo,& ſe deſpertavão hum ao outro. Niſto a rola
da,que andava pelo muro requerendo as velas , chegou per hi , &fallou.
lhes
F3
CHRONICA
fallou. Os Chriſtãos ſe deixaram eſtar quedos em hum pam ,que ahi ef
tava, atè lhesparecer queas velas poderiam adormecer. E dahi a pouco
abalou Dom Mendo Monizcom os ſeus muyto agaſtado por aquelle de
ſaſtre. E porcima da caſade hum olleiro,foy ao muro apor eſcada em
buma haſtea, a qual nam ſe tendo no muro , correo pelahaltea abaixo &
deu no telhado, fazendo grande enſtrondo. Do que Dom Mendo ha- {
vendo grande peſar porrecearque deſpertaſſem as vellas, abaixouſe, &
eſteve quedo.E dalli a pouco fez aſſentar curvo hum mancebo, & per ci
ma delle pôs a eſcadamaisentregue no muro. E tanto que per ella ſo
bio em cima , logo levantou a bandeira Real , quelevava , & fobiram
com elle dous. E não ſendo ainda ſobre o muro mais de tres , acordáraó
as velas, & os ſentirao, & hum delles em voz muyto rouca, & dor
mente dille : Quem eſtà hi? Dom Mendo lhe reſpondeo perAravia, que
elle erà dos da rolda, & que tornava para lhe dizer certascouſas, que com
prião,que deſceſſe abaixo ao muro.E tanto que deſceo, D. Mendo o ma
tou,& lhe cortou a cabeça,& a deitou aos de fora, para mais os animar,
& aſſegurar. A outra vèla,quando conheceo ſeremChriſtãos,começou a
brâdar a grandes vozes dizendo: Nacerani,Nacerani,quequer dizer:Chri
ſtãos,Chriſtãos. E não ſendo aindaencima domuro mais que dez, chega
raó os Mouros da rolda,correndo aos brados da véla, & encontrandoſe co
os Chriſtãos, vieraõ à eſpada muy bravamente: os Chriſtãos por executa
rem o a que vinhão,osMourospor lho empedir,antes que mais creſceſie
o mal. Dom Mendo decima animâ va os ſeus,bradando por Santiago. El
Rey do pé do muro onde eſtáva bradava aos decima, Mata, Mata, andem
todos â eſpada. Os que hião fobindo apartavaõſe em duaspartes para pes
lejarem com os Mouros que acodião. È era jâ tamanha a volta & arroido
das vozes de anıbas partes,queſe não ſabião entender. Entam diffe El .
Rey aos ſeus muy apreſſado: Ajudemos os noſſos, & tomemos â parte di
reita ſe podèrmos ſobir atė Alfam , & Gonçalo Gonçalvez com os ſeus à
eſquerda, que tome primeiro o caminho que vem do ſeixego, que nao
poſlao os Mouros primeiro tomar por la a entrada da porta, & aſliatalha
dos ſe percão os noſſos à mingoa. Mas iſto ſuccedeo melhor, que onde fe
trabalhavão de entrar pelo muro,entrárað pelas portas. E de dez eſcadas
fizerao, duas ſós baſtàraó pera tudo.Porque ſobirao atè vinte cinco homés
os quaes correrað muito preſtes a quebrar as portas com hum machado,
de fora lhes dèrao. E quebradas as fechaduras & cadeados , entrou elRey
A villa ' a pê com os ſeus. E poſto os piolhos em terra entre as portas, deu nuytas
de Sáta graças a Deos
a Deos por tamanha mercè & beneficio, que mais com verdade ſe
mo foy
podia chamar milagre, Os Mouros acodiraó todos as portas, pelejando
tomada, muy valentemente. E deſeſperando de ſe poderem alli ter, recolheraöfe
& eutra- os mais delles a Alfam.Mas polo deſapercebimento delles,foraó logo en
da . trados,& muytos alli homes comomulheres de toda a idade trazidos à el
rada
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ . 34
i pada.Deque corria tanto ſanguepelas ruas,como ſe alli fe degollára mui
: io gado. Todos os que eſcapárao da morte,foraó captivos, & entre elles
E!
tres Mouros principais de que elRey ouve fazenda de muita valia, & alii
cuve muito rico deſpojo, que na villa ſe achou. Os que foraő eſcolhidos
pera o eſcalar da villa,forao D.MendoMoniz guardamòr delRey,filho de
D.Egas Moniz,D.Pedro Afonſo filho baſtardo delRey, D.Lourenço Vi
ègas, D.Pedro Paez feu Alferez , D.Gonçalo Gonçalvez , & outros no
bres & ricos homés. Afli foi tomada a nobre & populoſa villa de Santa ANNO
tem no anno de 1147.veſpera do apparecimento de S. Miguel, que ſam
fete dias de Mayo,&nao em Setembro,quando he a feſta da dedicação de * 147
S Miguel,como hum Eſtevão de Garivai chroniſta Caſtelhano diz,quere Santaré
do dar a entender,que elRey começou eſta jornada em Mayo, & acabou em que
em Setembro,não declarando de qual das feſtas de S. Miguel ſe fallava, tépo le
fe do apparecimento,que he a oito de Mayo,ou da dedicação, que he a tomou
pellos
29.de Setembro. O quehe erro manifeſto. Porque elRey partio de Co- Ch rif
imbra húa Segunda feira, que foraó dous de Mayo, em que foi dormir a tãos.
Alfafar, & à terça foi dormir a Cornodellas,& quarta à aldea das Pegas ,
& quinta á ſerra de Albardos,& fefta feira em amanhecendo foy à mata
+
de Pernes, & à noite aos olivais de Santarem , & ao Sabbado de inadruga
da, que foraó ſete dias do meſmo mez ,eſcalou & tomou a villa . De manei
12, que elRey eſteve húa Segunda feira em Coimbra , & ao Sabbado fe
guinte pela menhāa eſtava ſenhor pacifico de Santarem ,queforao por to
dos cinco dias & meyo,&náo cinco mezes. Polo que com razão podia di
zer ,o que Iulio Ceſar diſſe por fy:Vim , Vi,Venci.
E porque a eſta villa ſe deu differente nome em tempo dos Chriſtãos,
que a tomarao , do que tinha ein poder dos Mouros, & effes lhe tinhaõ cor
flipto o nomo antigo do tempo dos Romanos, nao parece fóra de propofi
to,tratar aqui da razão deſſa mudança, & da antiguidade & nobreza da
quella villa. Santarem em tempo dos Romanos foy cidade nobiltiffima,
& huma das cinco colonias, que houve na Luſitania. Seu nome era Scala
bis,& por outro nome,ſegundo Plinio, Præſidium Iulium , que quer dizer
preſidio ou lugar de gente de guarniçam de Iulio', no que parece , que ou
foi edificada per lulio Ceſar, ou no ſeu tempo ,ou por ventura antes, pois
nella pôs preſidio. Foi alem diſſo hum dos tresconventos juridicos , que Santaré
houve na Luſitania. Eſtes conventos eram as Relacoens ou Parlamentos, le chia
a que as appellaçoens,& aggravos & caſos mayores da juſtiça vinham, co mava
Scalabis
mo à mòralçada. Osquaes tribunaes não ſe punhamſenam das princi & foy
paes cidades,Humadas colonias da Luſitana era Mèrida, a ſegunda Me- colonia
delhim, a terceira Beja,a quarta Narbona Ceſarea , que era hum lugar dos Ro.
junto àponte deAlcantara,a quinta Scalabis,que agora he Santarem.Dos manos.
tres Conventos da Lufitania o primeiro eraMerida,o ſegundo Béja,o ter
ceiro Santarem. O qual era o que tinhamayorterritorio,
F
& a que mais
4 gentes
t

! CHRONICA

gentes vinhão.Porque Mèrida ſervià àquella parte de Alcantara, & às


cidades de Còria, Carceres, Trogilho, Plazencia, & Avila. A de Beja ſer
via ao reino do Algarve, & provincia de Alentejo. Mas Scalabis ſervia
Diſtrito até o Douro, & a toda a terra da Beira, Riba de Coa, & parte de Tralo
da Rola
montes, & atè as cidades de Miranda,cidade Rodrigo, Salamanca, & ou
Santaré, tros muytos lugares daquella parte de Caſtella ,que eram os termosda Lu
ſitania. Polo que em ſer colonia de Romanos , nella eſtar aſſentada hu
ma tam grandeRelaçam , ſe moſtra ſer entam cidade muy nobre, como
Caſa do oje vemos em Heſpanha ferem aquellas asmais aſſinaladas em que ſe as
civelpri chancellarias aflentaraó. E da meſma maneira aſſentaram os Reys de Por
mēte fe tugal nella a Relaçam da caſa do civel a principio onde eſteve até o ten :
aſſentou po del-Rey Dom loam.l.o qual a mandou para a cidade de Lisboa , por
em San- lho pedirem nas cortes que fez em Coimbra no anno de 1385. O nome
tarem .
de Scalabis lhes durou até que os Mouros tomaram Heſpanha , & elles lho
corromperam em Cabelicaſtro , por dizerem Scalabis caſtrum . Mas es
Chriſtãos ou foflem Mozarabes, que entre os Mouros viviam fubjectos,ou
os Portugueſes,que a ganharão dos Mouros, por o corpo da bemaventu
Santaré rada MartyrSanta Irene,vulgarmente chamada Eyria, que no Tejo pega
fe
mouchaCa do à dita villa no meyo das ondas,tem ſuamilagroſaſepultura , lhes cha
belicar màrao Santa-Irene, & corrompendoſe ou abreviandoſe o vocabulo, ſe ve
tro pel- yochamar Santarem . Eſta antiga cidade com ſer búa das nobres de Hef
1

!
los Mou panha , afli pela fertilidade de ſeus campos, que dao todas as couſas necef
ros,
ſarias à vida, queparece outro Egypto com a veſinhança & innundaçoens
do Tejo,como pelo domicilio, que ſempre nella os Reys antigos tinham
Santarē com ſuas cortes, & oje tem muytos nobres, ſe contenta com o nome de
he hứa villa,ſem querer ter o de cidade. Mas no aſſento & tratamento , que os
dasmais Reys lhe fazem nas Cortes, & outros ajuntamentos precede a muitas cida
1
:
nobres des do Reyno. Porque em ſemelhantes autos ſe afſenta no primeiro báco,
villas de
com as quatro cidades
Eſpanha & principais do Reyno .f. Lisboa, Evora, Coimbra,
o Porto .
Tomada a villa , Hauzeri Alcayde della eſcapou fugindo com tres de
cavallo,que conſigo levava, & ſe foi à preſſa a Sevilha. E ao tempo que
elle chegava, eſtava el-Rey Mouro natorre que chairão do ouro, donde
via o campo . E affomando Hauzeri vendo elle aquelles quatro de cavallo
com quanto era de longe, veolhe pela phantaſia, quaſi adevinhandolho o
coraçani( como muytas vezes acontece, que ſe repreſentam os males aos
abſentesquando lhes toca) & diſſe aos que com elle eſtàvam ,que aquello
1
era Hauzeri,& dizendo elles que era tam longe que nam fe affrrravam
nilio, dille el-Rey,ſe entre aquelles homens vem Hauzeri , & chegando
ao rio derem agoa aos cavallos, Santarem he tomado : & fé The nam de
rem de beber Santarem he cercado , & Hauzeri vem à preſſa pedir cocci
ro . Os de cavallo chegando ao porto deram agoa de feu vagar, folo que
el-Rey
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ. 35
el-Rey ſe começou deentreſticer.E chegando Hauzeri , lhe contou como
ſe tomara a villa , & do eſtrago queos Chriſtãos nella fizerao: do que el
Fry & os Mouros ouverao grande pezar, nao ſomente pela perda de tal
villa,mas pelo silco em que ſe punhão as outras. Como elRey D. Afonſo
tomou a villa de Santarem ,pôz nella ſeu Alcaide,deixandoa baſtecida do
que cumpria, & tornou a Coimbsa,onde da Rainha & de toda a cidade
foi recebido com muytas alegrias & feſta,naó acabando elRey de dar gra.
ças a Deos por tað felice ſucceſſo. O qual quando contava a Rainha,ama
neira com que tomâra camanha fortaleza,ſem gente,ſem cerco, ſem morte,
nem ſangue dos ſeus,dizia:que jà nað ſe eſpantava derribâremſe os muros
de lericô ,nem deter Ioſuè o Sol. Porque igoal era a qualquer grandemi
lagre tomar elleem eſpaço de hūa hora com tam poucos homéshum lugar
tao nobre,tam forte,tam agro, & baſtecido,ſem ajuda de nenhuni de den
tro. Sabendo pois elRey D. Afonſo quanto a reputação & fama de huma
grande victoria avida de freſco,accreſcenta em hum capitão & em ſua gen
te,& lhe daazo de outras muytas vi& orias,quizſe aproveitar do tempo, &
ajunsou logo gente,para conquiſtar os lugares deſde Santarem até o mar,
principalmente Lisboa . E porque lhe pareceo melhor conſelho antes de a
cercar tomar os lugares do redor para ſe delles valer,& os inimigos terem
menos ſoccorro, logo tomou o Caſtello de Mafra, & o deu a D. Fernando
Monteiro,que deſpois foi o primeiro Meſtre da Ordem de Avis,que ouve
neſte Reyno. Deſpois cercou o Caſtello de Sintra,& o tomou, o que nam
poderia ſer ſem muyta difficuldade,por a altura & aſpereza dolugar, & a
grande multidam de pèdras ſoltas,que naquelle monte ha, queparece que
choveraõ nelle, com que mui poucos ſe poderiaõ defender de muycos.
Neſte tempo eſtando el-Rey naquelle Caſtello,vio.pelo mar vir hũa groſſa
armada de cento & cincoenta vellas,que vinhão demandar a terra junto à
çocha de Sintra. Pelo que mandou a ella quatro cavalleiros a ſaber que Armada
gente era. Elles lhe reſponderaó,que eraõ de Alemanha,França,& Ingla . que ap
terra ,& dos Eſtados de Flandres, & ſe ajuntàrao pera irem ſervir a Deos porfou a
contraMouros na guerra de ultramar,& que paſſavao ſeu caminho. Entre de eltrá
eftes eſtrangeiros vihão muytos ſenhores de eſtado,Condes,& grandes ca- geiros,ý
: valleiros, & a companhia a trazião era de quatorze mil homens. Dos qua- a ajuda
s vinha por General Guilhelme de longa eſpada, & com elle Childe Ro- nhar.
CS
raó aga
lim ,Dom Liberche, Dom Ligel por capiráes principaes ,& de grande fan
gue. Quando el - Rey foube quem erao os da frota, & a tenção com que
vinlão,pareceolhe, que Deos os fizera alli aportar naquelle tempo, & por
aquelle lugar,para ſerem em ſua ajuda na empreza de tomar Lisboa aos
Nouros. Polo que deu muytas graças a Deos, & aos da frota mandou di
zer,que creílem ,que não ſem grande myſterio elles alli eraõ vindos: porque
a tenção que trazião,em nenhum tempo & lugar a melhor podião execu
far,que na comada da cidade de Lisboa, que ſinco legoas dalli clava . A
qual
CHRONICA
qual era das mais principais de Heſpanha, & de que aos Chriſtãos fe fazia
muyta guerra , & muyto damno permar & per terra . E que alem de niſo
ſervirem a Deos, era empreſa,em que podiaó ganhar muyta honra. E que
o porto da cidade era grande & fermoſo, onde bem podião ancoràr fuas
nàos,& outras muitas mais & ſerem providos do neceſſario em abaſtança.
E que pois tain perto tinhão o que hião buſcar ao longe, & com boa op
portunidade,nao deixaſſem tal occaſião. E que elle como Rey da terra,os
ajudaria,como verião. Tantos recados ouve de parte a parte,que vierão a
ſe concertar,que todos cercaſſem a cidade. E que fendo tomada, ametade
foſſe delRey,& a outra ametade dos eſtrangeiros. Logo elRey per terra,&
os da frota pormar,forao pòr cerco a Lisboa. ElRey afſentou ſeu arrayal
22 da parte do Oriente,no lugar onde agora eſtá o Moſteiro de Sam Vicente,
que ficava afaſtado hú pouco dos muros velhos, & por iſſo ſe chamava de
fóra. Porque o muro que agora o cèrca,& faz ficar dentro, he o novo, que
elRey D. Fernando fez ,como em ſua chronica ſe dirà.
Igreja Os capitães eſtrangeiros aſſentàrað ſeu arrayal á parte do Poente, onde
dos Mar agora eſtà a Igreja denoſſa Senhora dos Martyres,& o Moſteiro de S. Frä
tyres de ciſco. O que no tempo de cinco mezes,que no cerco ſe gaſtàrao, paſſou,
Lisboa nao ſe acha eſpecialmente eſcrito. Mas he de crer,que por a cidade fer tað
donde
teve populofa,tam forte de ſitio & cerca, & emqueavia tanta gente dearmas
princi- & eſtando todo aquelle tempo ſobre ellaelRey Dom Afonſo Henriquez
pio com tantos & taes capitačsPortuguezes, & eſtrangeiros, de tanto ſangue
& eſtado,que hiáo buſcar aventuras por ſervir a Deos, que averia muytos
feitos, muytos dittos,muytos eſtratagemas,eſcaramuças,& combates, & ſe
fajião grandes proezas,dignas de ſe lembrarem em hiſtoria. O quetudo
por falta de eſcriptores & de bons engenhos,que o encomendaffem â pof
teridade,ficou ſem memoria,como ſe não fora, & os nomes de muytos pol
tos em eſquecimento de que era juſto,ficarperpetua lembrança. Morren
do pois nos combates de cada parte muyta gente,em cada hum dos arraya.
es,fe edificàraõ duas Igrejas pera enterraros mortos. ElRey D.Afonía
Moſtei
mandou edificar a ſua ,no lugar onde oje eſtà o dito Moſteiro de S. Vicēte,
ro de S. & os capitães eſtrangeiros fundâram aſua onde eſtà noſſa Senhora dos
Vicente Martyres. E perſeverando o cerco deſdo mez de Iunho em que ſe come
de fóra çou , avendo cada dia ferimentos & mortes, determinaram elRey, & osca.
donde pitães de darem hum forte combate hũa Seſta feira, 20. dias de Outubro
teve
princi de 1147.que era dia dos Martyres Criſpno, & Criſpiniano, que foi tal có
pio. que a cidadefoi entrada por força,primeiraniente pela porra, que oje ſe
chama da Alfama,que era daparte dos Portuguezes, ſendo a ſexta hora
do dia. Deſpois de entrada foia peleja muyto mais fera,qual ſoe fer, on
de oscercados não eſperaő falvação, & fe determinão morrer pclejando
por aquillo,queos l.omés mais amão,qui he religião,patria, filhos, & mo
Theres, & fazenda. Polo que os mais forão metidos â cfpada, o punteros
do
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ. 36
dos Mouros mortos naó o eſcrevem noflos chroniſtas. Mas ſe cremos Ni
colao Gilè hiſtoriador Frances em ſeus annaes, & a Iacobo Meyero na
hiſtoria de Flandres,& outros hiſtoriadores eſtrangeiros, acharaó que fo
1
raó mais de duzentos mil . Polo que he decrer, que a cidade foi ſoccor
rida deſpois do cerco, & que a mortandade dos Mouros foi muy grande.
Ali foi tomada Lisboa,cidade en que mais bens da natureza & fortuna
concorrem,que em outras muytas domundo,pela falubridade & temperā
ça dos àres,pola fertilidade & amenidade dos campos, em que todo o in
verno ha flores. Pola grandeza do povo,que agora he a mayor de toda a
Chriſtandade,pola mageftade dos edificios pola fermoſura & comodidade
T
do porto capaciſlimo& ſeguro ,polo comercio & tra &to das Mercadorias
1
do Oriente, & Occidente, & de todas as partes do mundo, pola riqueza
dos cidadoes,pola frequencia de tantas naçoēs, que a ella concorrem , que
parece hum mundo abbreviado, & patria cõmum , polos deſcobrimentos,
conquiſtas, & triunfos de tantas Provincias, que a eſta bemaventurada ci
dade ſe devem ,a que o Indo & oGanges cada anno fervein com ſeus tri
bucos & páreas como a ſenhora do Oriente. Finalmente por o que mais
importa,quehe o culto da Religião, & devação de ſeus cidadoés,em que
excede todas as cidades de Europa . A eſta cidade pera lhe não faltar na
da pera ſer nobiliffima, hemuyto mais antiga que a meſma Roma. Porque Lisboa
ſegundo todos os Geografos Gregos & Latinos, foi edificada per Vlyffes mais an
& ſeus companheiros. Dos Romanos foi chamada, Felicitas Iulia.O que ſe- tiga que
ria(ſegundo parece) pornella acontecer a Iulio Ceſaralgum bom ſucceſſo Roma.
no tempo que em Heſpanha andou.E era municipio do povo Romano, 7
era nao terem ſeus cidadãos nenhūa differença dos cidadãos Romanos. De
luz nobreza & grandeza ja naquelle tempo pode ſer teſtemunha o a conta
Plinio,que mandarao os cidadãos de Lisboa embaixadores a Romaao Em- Lisboa
perador Tyberio Ceſar,dandolhe conta de hum monſtro marinho, que foi como sé
i
V.io junto da cidade em húa lapa,tangendo hum buzio daquella figura & pre for
forma queſe pinta o Deos Triton.E ſegundo Paulo Oroſio & outros no & nobre
tempo do Emperador Honorio,era tam principal & aſſinalada,que vindo
fahre ella osVandallos & Suevos, & tendoa cercada,fe defenderam os Lis
tonenfes,que não pode ſer entrada delles naquelle tempo. Eſta tomada tomida
Lisboa
ve Lisboa foi a terceira deſpois da deſtruiçam de Heſpanha por el Rey aos Miou
Dom Afonſo Henriquez Porque a primeira vez,ſe crèmos a Platina na vi ros per
ta do Papa Leam Terceiro,foitomada per el-Rey Dom Afonſo o Caſto cl- Rey
de Liam com ajuda de Carlo Magno. O meſmo tem Iacobo Meyero na Dom A
fonſo o
hidoria de Flandres, do que os chroniſtas Heſpanhoes nam fazem men Cafto , &
quim. O que podia ſer, pora a tornariam logo cobrar osMouros.A fegun per Car
da vez a tomou el- Rey Dom Afonſo o fexto, chamado Enperador, com lo Mag
ajuda de ſeu genro o Conde Dom Henrique pai delRey Dom Afonſo He- no.
riquez no anno de 1093 ſegundo huma chronica antiga de Alcobaça, que
refere
CHRONICA
refere Joam Vaſeo. Mas parece que quiz Deos,que a honra de fe tomar &
ſe contervar,foſſe del-Rey Dom Afonſo Henriquez.
Tanto que Lisboa ſe tomou ,el-Rey com todos os Chriſtãos com ſolen
ne & devota prociſlao,foià mezquita mayor, hora he a Sè, & deſpois de
mundificada dos facrificios que nella ſe faziam a Mafamède, os Biſpos &
Sacerdotes reveſtidos entraram nella cantando o cantico Te Deum Laudi
Biſpado villes. E deſpois de conſagrada & dedicada á Virgem lanđa Maria noſſa'fe
de Lif- nhora, ſe ſèlebraram nella os officios divinos , & ſe diſſe mifia folenne,& le
boa ere
gido.
nomeou por Sê cathedral, como jà fora naquella cidade no tépo dos Go
dos,cujos Biſpos forao fuffraganeos á Sé metropolitana de Mérida, & def
Sède pois à de Braga,& não à de Sevilha(como alguns cuidàram ) atè o tempo
Lisboa del-Rey Dom loam primeiro,em que de igreja cathedral foi feita metro
fcitame-politana,& Arcebiſpado,a que deram por ſuffraganeos os Biſpados de E
tropoli-
tana. vora, Sylves,& da Guarda,de queſe exemptou Evora,que foi feita Arce
biſpado em tempo del-Rey Dom loam 3. & Sylves,queſe paſſou a Evora
em cujo lugar le lhe ſubſtituirao os novos Biſpados de Portalegre, Elvas,&
Leiria,& Ilhas, & do braſil. E logo el-Rey mandou chamar a Guilhelme
de longa cſpada,Childe Rolim , Dom Liberche, & Dom Ligel, & aos 6:1
tros grandes & capitaens, & deſpois de lhes dar muitas graças ao general
Guilielme da longa eſpada, & a ſeuscompanheiros polo grande ſerviço,
que a Deos & a elle tinham feito, & louvarlhe asgrandes proezas & cs
forço que naquella empreſa moſtraram ,lhes diſſe, que elle eſtava preſtes,
para partir com elles a cidade, & o mais que nella ,& fóra della ſe tomou
aſi como ſe concertaram.E que nomcaffem elles alguns cavalleiros,& que
elle daria outros para fazerem a partilha. Os capitaens vendo quam libe
ralmente el-Rey lhes fazia aquella offerta,louvaramlho muyto, & dillérző
que haveriam feu conlelho, & lhe reſponderiam . E conſultando entre fi
acordâram , que pois elles ſahiram de firas terras, com propoſito de ſervir a
Deos,& nao para acqueriré riquezas,ġ as nao aceptaflem & muito nercs
a juridicam da cidade,que não era bem, que tiveſſem partida com cl.Rcy
em ſua terra.
Entre os eſtrangeiros,que natomadade Lisboa ſe acharam , foy hum
Alemam per nome Henrique, liomem de bons & fantos coſtumes, natural
de Bona,villa quatro legoas de Colonia pelo rio Rheno acima,o qual mor
rendo naquelle grande combate,perque ſe a cidade tomou, foi enterrado
na igreja de Sam Vicente, em que ſe enterravam os Portugueſes, que inor
Mila riam nos cobates,fem embargo de ſer Alcmam cujos com panheirosſe er:
gres do terravam en nolla Senhora dos Martyres, porcauſa que nam ſaben.os,
cavallei .
por o qual ſe viram fazermuytos evidentesmilagres,deque hum foi, que
ro Hen- vindo naquella frota dos eluangeiros dous homens ſurdos & mudes de na
rique A bem conheciam aquelle cavalleiro Henrique , vièram com giác
lenam . cença , que
de dcvaçam hum dia à ſua ſepultura, & fe deitaram junto con elle,pedia
dolbe
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ . 37
colhe com grädedevaçao,quepelosſeus merecimentos lhes impetraſfe de
Deosmiſericordia,para aquella ſua infermidade. E fazendo - o aſli adorme
ceram ambos,& emſonhos lhe appareceo o cavalleiro Henrique, veſtido
em trajos deRomeiro,trazendona mão hum bordaó de palma, inſignia
dos q foraó a leruſalé & acabarað ſua romagé,& fallou àquellesmácebos
mudos, & lhes diſſe:Folgai, & avei prazer,& fallai & ouvi,j polos mere
cimētos dos Martyres,que a qui jazemos ganhaftes a graça do Senhor,ghe
convoſco.E dito iſto deſappareceo.Ellesacordaraó achandofe faós de to
do,ouvindo & fallando milagroſamente, & começaraó a contaro que lhes
acontecera com o Santo.Dahi a poucos dias que iſto acóteceo,veo a mor
rer hum eſcudeiro deſte cavalleiro Henrique, de feridas , que ouvera na
.
entrada dacidade, & enterraraóno no meyo da Igreja loge dondejazia ſeu
fenhor.E ſendo noite appareceo o cavalleiro Henrique a hũ homem mui
to velho,que ſervia aquella Igreja,q avia nome Henrique como elle, &
di Telhe: Levantate & vai ao lugar,onde enterraraó aquelle meu eſcudei
10,toma ſeu corpo, & vem aqui enterralo junto comigo.Porque quem me
feguio,& foi meu companheiro namorte,o ſeja tambem na lepulcura do
:: zo velhonao curou nada. E vindo lhe outrotal apparecimento & amoea
Siaçao,tað pouco curou diſſo,comoda primeira. Entam lhe appareceo o
cavalleiro Henrique terceira vez com ſembrante bravo & queixofo, ame.
açandoo com palavras de grandemedo,ſe logo não compriſle o que tãtas
vezes lhe mandara.Polo que o velho cheo de temor, ſe levantou logo 2
quella noite,& foi co candea à ſepultura ondejazia o eſcudeiro, & ode
fenterron, & o trouxe para o ſenhor, & lhe fez húa cova a par do cavallei.
89,ondeo enterrou.E quãdo veo pella manhåa achouſe o velho taó deſcão
lado do trabalho, 5 paſſara ,como ſe jou vera deitado em ſua cama,ſem fa
zer nada. E contādoo afli pela manhãa,todosdauaõ graças a Deos. E que.
sédo ainda N.Senhor moſtrar mais quanto lhe approvera o ſerviço deſte
cavalleiro,appareceo à ſua cabeceirahūa palmafemelhante àquellas que
trazem os romeiros de Ieruſalem em ſuas mãos. A qual começou de enver
decer, & lançar folhas, & creſcer ſobre a terra em ſua juſtaAltura.El Rey
& os mais que virao tamanho milagre,louvarað a Deos. Equantos enfer
mos ahi vinha) tomar daquella palma,& a deitavaoao peſcoço,logoeraó
faós de qualquer enfermidade.É outros a tomavao & a toſtavão, & depo.
is de moida bebiaõ della aquelle pó,& da meſma maneira ſaravão logo.
E tanta foi a continuaçaó em virem tomar daquella palma ,que em pouco
tempo nao ficou della nada ſobre a terra, antes por nao porem boa guar
da nella vierað algús de noite,& arrancaraõ de todo levando lhe as raizes.
Por eſtes milagres,que noſſo Senhor faziapelos Martyres que alli morre
ram . Tinha el-Rey nelles tam grande devaçao ,que cada vez que fe fen
tia com alguma ma diſpoſiçam deitavale em oraçao ſobre ſeus jazigos,&
logo era remedcado.
G Antes
CH R O NICA
Antes que os capitaens da frota partiſſem ,q del- Rey foram muyto be
agaſalhados,& providos de tudo o que para ſua viagem lhes com pria,lhes
mandou muytos preſentes ricos, & dadivas, conforme a ſuas peffoasdeg
elles foram niui contentes, & juntamente lhes offereceo ,que ſe alguns qui
feſſem ficar no Reyno ( do que elle levaria grande goſto , por ter conſ
go tað nobres & esforçados cavalleiros)lhes daria terras em 5 viveſſem e
xemptamente, & à ſuas võtades. E os que quiſeram ficar,deu as terras que
lties a elles contétarað ,ğ forao as villas q agora ſao de Almada,Villa Fra
Lugares ca,a g osIngleſes ağ coube chamavão Cornovalha, & deſpois corrompe
a el Rey
D. Afoto ram em Cornaga,pormemoria da ſua provincia:a qual villa oje he Villa
deu aos Franca,Villa Verde,a Azambuja,a Arruda,a Lourinham ,por ſe cötētarem
cavallei- dellas, & outras que povoarao. E algūs puſerað os nomes de ſua terra. Cu
ros cítră jos deſcendétes receberao dos Reys deſte Reino muitos favores & merces
geiros como filhos de homés tao benemeritos.Dosquaes oje ha ainda algúas fa
para po milias nobres mui conhecidas,como adiāte diremos. E osýnaõ quiferaó fi
voarei .
car,ſe foraó mui contētes & ſatisfeitos da nobreza & liberalidade de Rey
& de feu grande animo.E nao ſomente a eltes q ficaraölhe deu favores &
privilegios,mas a todos,que a eſte Reyno vieffem, & nelle moraſſem das
ditas provincias debaixo denomedeAlemaens, lhes deu grādes privilegi
os,& exépçoens em ſuaspeſſoas & mercadorias queos Reys confirmaram
& guardaram até o dia de oje.
E porque be juſto, por cauſa tao aſinalada,como foi a tomada de Lif
boa cidade tao principal entre as mayores & melhores do mundo ,ſe reca
nheça o beneficio, q recebeo dos cavalleiros eſtrāgeiros ,q a ajudaraõ a ga
nhar,& não ſe eſqueſao ſuas memorias,como ſe eſqueceraõ muitosfeiros
outros por a sudeza daquelles têpos daremos anoticia 7 pudemos alcāçar
de algus capitães daquella frota,collegida das hiſtorias de outras naçoens.
Guilhel, Primeirainěte o general daquella frota,q foiGuilhelmeda longa eſpada,
me de la home mancebo de florecente idade,era filho de Gaifredo Conde de An
da geral jou,& de Mathilde Emperatriz ý fora deAlemanha,molher do Empe
dos eſtrá rador Hérique o 5. & flha unica erdeira de Henrique o 1. Rey de Ingla
geiros : 6 terra. A qual por ficar viuva, ſendo ainda mui moça,& fem filhos por mor
tomàrão
a Lisboa
te do Emperador Hérique,cl-Rey feu pay, tambem não tinha filho ou
qué era.
tro, a cazou ſegunda vez co o dito Conde Gaifredo,em quě Folco ſeu pay
fendo viuvo,renunciou o eſtado de Anjou ,porellepaſſar à Syria a cazar
com Meliſenda filha erdeira de Balduino 2. do nome,Rey de Jerulalem
por cuja morte o dito Folco foy ele& o Rey,& apos elle fucceffivainen
te dous filhos feus,que ouve de Meliſenda f. Balduino 3. & Almerico,
que tambem forao Reys da meſma fanta cidade. Dette Gaifredo pario
Mathilde tres filhos. .Henrique que foi Duque de Normandia,& detro
is licy de Inglaterra.2.do nome,aquelle per cujo mandado foi mortoS.
Thoinas Arcebiſpo de Cantuaria.O ſegundo filho foi eſte Guill.cime de
longit
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ. 38
longa eſpada. O terceiro,Gaifredo,q chamavao Plantagineſta, que caſou
com a filla herdeira do Conde de Bretanha. Polo a querendo Guilhelme
at da lóga eſpada imitar a el- Rey Folco ſeu avó,ý gaſtára a flor de fua idade
na conquiſta da terra ſanta,có aquella grande armada, & muitos ſenhores
& homens nobres,de hia por capitao general,emprendeo, ſendo ainda
mui mancebo aquellaviagem a Jeruſalem ,de qentao era Rey Balduino
oz.(cutio, filho de Folco,& irmão deſeu pai o Códe Gaifredo. Finalme
te Guilhelme da longa eſpada era filho daquella Emperatriz Mathilde,fi
Iha del-Rey de Inglaterra, deſcendente dos Duques deNormandia.Eſta Hiſtoria
he aquella Mathilde,de Antonio Beuther & outros eſcriptores Catalā- dos Ara
es contaő húa errada hiſtoria, q aqui emendaremos por honra de ſeu filho Sre ar
Guilhelore da longa eſpada tað benemerito de Portugal.E he 7 accuſan naldo
i doa o Emperador ſeu marido de adulterio,porfalſa denunciaçao de dous gu Beren
cavalleiros,eſtando em perigo de ſer queimada,ſe nao foffe defendida per deerdeCői
armas dentro de hum anno & hum dia ,nað avendo quem por ella faille, Barcelos
D.Arnaldo Berenguer Conde de Barcelona foi deſconhecido a Alema na, cófu
nha,& per armas venceo o accuſador, & a livrou,& ſe tornou logo , ſem ſe tada.
dar a conhecer mais,que à Emperatriz com juramento , que ella o nam
deſcobriffe.dahi a tres dias,& que buſcadooo Emperador, ficou anojado
poro nao achar para o agaſalhar, & lhe agradecer o que fizera por ſua
honra.E que a Emperatriz differa ao Emperador dahi a tres dias, quem a
quelle cavalleiro era.E qo Emperador não o achado mádou a Emperatris
fua molher a Barcelona co muitas gentes em buſca do Conde,para o levar
conſigo a Alemanha , & lâ receber muitas honras do Emperador. E aſlico
tað outras taes patranhas,que não té feiçao. Porque eſta Emperatriz era fi
lha de Rey de Inglaterra ,& tinha hum irmão natural por nome Roberto
o homem mais celebrado pelas armas, avia entre os Princepes daquelle
tempo : o qual nao deixara de tomar armas por defenſa da honra de ſua
irmaa, ſe cal lhe acotecera ,como as tomou por ella para lhe cobrar o Du
cado de Normandia ,& deſpois o Reyno de Inglaterra de Stephano Code
de Bles,feu irmão que lho trazia uſurpado.Nem os cavalleiros Ingleſes da
quelle tépo eraõ taes que eſperaſlem ,que foſſe o Conde de Barcelona a
defenderlhe per armas ſua Princeſa.O caſo da Emperatriz accuſada por
adulterio ,que ouvirão,aconteceo muitos annos antes deſta Emperatriz ,
& entre outras peſſoas. E foi deſta maneira . Sendo o Emperador Henrique
3 que foi do nome filho do Emperador Conrado ,cazado com Mathildes
filha també del Rey de Inglaterra ,mui fermoſa , & avendo algú teinpo , que
viviao ambos,foi accuſada ante ſeu marido per hum cavalleiro de ſua caſa
dizendo ,que ella lhe cometia adulterio :por o que foi preſa & em perigo
de inorte ,por ningué ſair a defender ſua honra por medo do Emperador.
Polo q hum feu page, ella trouxera mui moço de Inglaterra,ſaio a pele
jar em ſua defenſao contra o accuſador, que
G2
era hum honre mui esforçado
& que
CHRONICA
& q na grandura parecia hum Gigante. E vindo com elle a campo o In
gres lhe jarretou búaperna, & o redeo, & livrou ſua ſenhora daquella in
famia. Aqual ficado mui a fröcada & eſcádalizada por o credito,ġ feu ma
sido dera âquelle falſo homem contra ella,ſe quis deſquitar delle, & fem a
moverë ſeus afagos nem ameaços para tornarem fazer com elle vida como
antes, le metten ein hū moſteiro de religióſas,onde dahi a pouco acabou.
Efte he o fundamento daquella fabula deRaymon Arnaldo Berenguer,
Refram
que defendeo a Emperatriz,& da origem do dito da meſa Barceloneſa, ſ
da mela dizião, queria dizer meſa eſplendida, & abaſtada,a que dizem dar cauſa as
Barcelo- grandes feſtas & banquetes, que ſe derao em Barcelona à Emperatriz,& a
neſà de feus cortezãos ,sēdo muito pelo cötrario.Porq aquelle refrao naceo da par
clarado. fimonia & natural eſquaceza dos Cateläes por os quaes ſe diz outro re
frað.0 Catelão bem come ſe lho dão.Deſta maneira de attribuirem og
aconteceo a hūas peſſoas a outras, & o que aconteceo em hum tempo at
tribuilo a outro, & da ſemelhança dos acontecimentos de que ſenão tem
inteira noticia, naſceraõ as erradas, & falſas hiſtorias , andaó pelo mundo,
como forao as que ouviſtes del Rey D.Afonſo Henriquez, & defua măy.
A pos eſte Princepe Frances Capitao gêral daquella armada onde tan
ta nobreza vinha de variasprovincias para ſervir a Deosa ſuas deſpezas,a
te principal peſſoa em linhagein ,& authoridade era Childe Rolim. Donde
to eſte fidalgo foſſe não ficou em eſcriptura dos antigos.Mas per informaçó
ICO es certas de que o inquirio neſtes tëpos nos eſtados de Fládres, coſta ferdo
20 era Cidado de Henao provinciados meſmos eſtados,onde aquella farniliaoje
lo Con-forece co ſeu appellido de Ròlim,em q ha ſenhores de terras. De ğ fabe
dado
Henao . mos no anno de 1542 vir a ſoccorro de Lovaina cercada de Franceſes
Iorge Rólim ſenhor deAmmeria por capitao da gěte de cavallo perman
dado da Rainha Maria Regente de Flandres como conta Damião de Goes
chroniſta deſte Reyno, ỹ ſe achou no dito cerco, & delle eſcreveo hũ trata
do Deſte CapitaoChilde Rôlim procedë os Rolijs deſte Reyno.Osquaes
promiſcuamente ſe chamão tambemde Moura.Hüs dizem őpor humdos
daquella familia ajudar a tomar á villa de Moura.Porqueella na verdade
não ſe tomou no tépo delRey D.Afonſo 6.de Caftella como erradaméte
diſſe Ambroſio de Morales na 3. parte de ſua chronica,mas no de]Rey D.
Afonſo Henriquez ſeu neto,como adiante ſe dirà .Masmais veriſmilhe ,
por algus Rolijs,q ſabemos averem ſido ſenhores da dita villa de Moura,
de q ainda ſeus deſcendentes tē na velinhaça della a villa do Marmelal to
mariáo eſſe appellido,como de ſolar ganhado per elles. Mas ainda a algus
Mouras ſe chamaram Mouras,ſempre os deſcendentes delles fe nomearam Ro
&Rolijs lijs, comofoy Dom Rolim o velho ,payde Dom loam de Moura tre
todos
huma fávó de Dom Chriſtovam de Moura Marques de Caſtello Rodrigo , & Vi
gente . forei de Portugal.
A razão denão trazerem os Rolijs as inſignias de ſeus mayores de Her
nao,&
DELREY D. AFONSO HENRIQUEZ 39
nao,& asdeixarem por asque ganharam em Portugal,comūs aos que ſe
chamao de Moura, legundo tradição dos antigos daquella caſa he,que el
+

Rey Dom Afonſo Conde de Bolonha,queacabou de cobrar dos Mouros


o reino do Algarve,por algú ſerviço,quenaquella empreſa lhe fez algum
daquella familia o horou com lhe dar parte deſuas armas Reaes daquelle
reino que ſaõ hum eſcudo ſemeado de caſtellos de ouro em campo verme
lho, de que lhe deu fete caſtellos, como muitas vezes fizeram outros Reis
por ſemelhantes caſosneſte reino ,& em outros.
Da qualidade de Childe Ròlim , & de elle ſer o principal dos fidalgos
crrangeiros queneſte reino ficarao,ſe moſtra tambem ,que dando el-Rey
D. Afonſo Henriquez cada húa das povoaçoens acima ditas para muytos
7

dos eſtrangeiros,ao Rôlim ſomente,& para osque delle deſcendeſfein deu


a Azambuja. De q ſe cauſou ficar oje em dia, em ſua geraçao, perpetuádo
o nome dos Rolijs.
Entre aquelles fidalgos da armada,osque eraõ Ingleſes ſe contentarað Alma
do litio de Almadaq lhes e Rey deu a que elles puſeraõ nome em ſua lina das de
goa,Vimadel9 quer dizer couſa q fizeraõ muitos, & fe deu a muitos, & Portu .
por muitos ſe edificou & povoou, o qual nome per tempo ſe veo corro gal def
per em Almada.Defte ſe crê,g eraõ os fidalgos q eſpecialmente ſe appel cenden
lidaram de Almada. E alli parece q os daquella familia com algũa lembra- tes de
çade feus paſlados ſerė Ingleſes,quádo falraõ do reino abuſcar hõra pelas Ingleſes
armas, ſempre ſe inclinaraomais aoreino de Inglaterra,comopatria origi
naria,como loao Váz de Almada,g fez grandes feitos em armas em Ingla
terra ,peró ganhou muita höra,& a ordedeGarrotea,& D. Alvaro Vaz de
Almada ſeu filho, depois de muitos feitos honroſos, que fez em Ingla
tena,ganhou a meſmaordem ,a fora outros muitos titulos & honras, que
ganhou em França,onde foi feito Conde, & em Heſpanha , & em Africa, &
en Italia com o Emperador Sigiſmundo.
Foi tambem dos que ficarað hú fidalgo mui nobre Frances,q chamavão Guilhel
Guilhelme de Corni,aque el-Rey fez doaçaõ da villa de Atouguia, de q meCor
ni ícñor
olye fidalgos ſeus deſcendentes mui principaes neſte reino, & nailha da de Atout
Madeira, qſe foraõ extinguindo.E D. Ligel fidalgo de Fládres,a qué aca- guia Frá
tada de ganhar Lisboa,deu el-Rey a Alcaidaria mòr do caſtello della, q ces don
paquelles tépos era couſa de muita cófiança.O pareceo mais honra, por de der
ele ſer eſtrangeiro.Eſte cavalleiro foi mui esforçado, & húdos cõpanhei- oscendademA
ros de Gonçalo Médez de Amaia oLidador quãdo pelejou có Alboleimar touguia.
& Haliboacé .Afli ficarað outros muitos,cujos feitos & defcédencias por
estiguidade dotëpo,& falta de homés ő puſeſſem ſuas couſasem lébran- D. Ligel
Ça , ficaraõ eſquecidos,como pudera acontecer os mais illuftres Gregos & deFlan
dresda Al
liomanos,queno mūdo foraó,ſe não ouvera quem com ſuas letras & me- cai
Dorias os illoſtrara. mór de
Tuinada Lisboa no anno de 1148. proſeguindo elRey a guerra feis Lisbon
annos
F3
-
CHRONICA
Lugares annos continuos,tomou aos Mouros as villas de Torres Vedras , Obidos,
que el. Alenquer, & outros inuytos lugares da eſtremadura.Noqual tem po mel
Rey D. mo diz a hittoria antiga que tomou el-Rey Evora,Beja,Moura, & Serpa,
Afonio Mas iſto be contra outras mais certas memorias. Porque eſſes lugares ſe to
aosMou maram em outro tempo,fein ſe el-Rey achar preſente à tomada de Evora,
tomoli

ros na cf & Beja,como ao diante ſe dira.


trema
Neite meyo tempo correndo o anno de 1960,ſe reformou a ordem dos
dura. Frades Ermitaens de ſanto Agoſtinho, que perdiſcurſo de tempo vièra a
relaxarſe daantigaobſervancia,em que o Santo a deixou. E reformada
ANNO le pallJu do erino,em que foi inſtituida às cidades & povoado,onde ſe co
1160 meçaram a fundar moſteiros ,& ſerem os religioſos Ermitaens ſomente no
Ordem nome. A cauſa deſta reformaçam foi a converſam de Guilhelme Duque
dos Er- de Aquitania . O qual deixando o mundo ,& renunciando,ſeu eſtado , co
mitaens meçou a ſer tam grande Santo ,como antes era diſſoluto peccador, & de
de ſantocuja perdiçam ſe podia temer. Sam Bernardo, que naquelle tempo flore
Agoſtin cia,doendoſe de over ir apos deſua perdiçam ,trabalhou por o reduzir a
quando
come .
caminho, em que ſe falvaffe. E tanto fez,que o Duque deixou a mà vida
çou.
que fazia, & o Ducado de Aquitania ,& o Condado de Pi&avia, & fe paf
ſou ao ermo,onde muytos annosfez aſpera penitencia dos erros paſlados,
em companhia de alguns Ermitaens fantos & religioſosda ordem de ſanto
S. Guid Agoſtinho , que ainda naquelle tempo avia per alguns lugares ermos. E
Thelme
Duque
vendo eſte Santo pelo diſcurſo do tempo,como de habitarem os religió
de aqui- fos no ermo,avia muitos inconvenientes contra a primeira inſtituiçam , &
tania, & ordem , edificou hum moſteiro dentro da cidade de Paris, & fez fundar oue
fua con tros en diverſas cidades, para os religioſos, deixado o ermo, viverem em
verſam . povoado, onde com ſuavida exemplar & do& rina aproveitaſſem ao povo
Chriſtão. A eſtes religioſos Ermitaens da ordem de ſanto Agoſtinho,
chamavam naquelle tempo Guilhelmitas, por ſer Sam Guilhelme o que
a reformou & trouxe a povoado até o tempo de Innocencio. 3. que ap
provando a reformaçao ,nao conſentio nonome, & mandou , que de ti
em diante, deixando o nome de Guilhelmitas , ſe chamaſſem Ermitacns
de ſanto Agoſtinho por ſanto Agoſtinho inſtituir a meſma ordem,& ha ver
ſido religioſo della.Daorigem deſta ordem,& progreſſo della, & das or
dens, que debaxo della militain, & os varoens illuſtres, que nella houve,
ſe verá mais largo pella chronica ,que della eſcreveo Frey leronimo Ro
mano religioſo dameſma ordem .
ANNO No anno de 1162.dia de ſanto André à noite,hum cavalleiro honraco
1 16 2 per nome Fernão Gonçalvez, & alguns homens piaens,com grande ouſa
Beja em dia tomaram aos Mouros a cidade de Beja , ſendo grande povo , & bem
que tem guardado de gente,com ardijs , que tiveram . Mas o modo perque ſe to
moufe to
po nam ficou em lembrança , para ſe poder eſcrever, sino le deixa
aos mou,
Mouros ram muytas couſas notaveis , que aconteceram naquelles sudes for pos
de ho .
---
-
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ . 40
de homens barbaros , & de que os melhores ſe prezavam ſerein deſcens
dentes de Godos, gente inimiga de todas boas artes, & diſciplinas, & ar
ruinadora das letras & policia, que em Heſpanha tinham plantada os
Romanos. Polo que nain ha maisteſtemunho deſte feito que duas règras
em barbaro Latim ,que na Sé de Lisboa ſe lem oje.
Dahia quatro annos, correndo o do Senhor de 1166. ſe tomou a cida ANNO
de de Evora outra noyte,poroutro ardil & eſtratagema, ſem el-Rey a iſi 1 166
ſo ſe achar preſente , ſegundo lembranças antigas , que Andrè de Reſende
rollo cidadam collegio em hum tratado ſeu, que nos ſeguimos, por naó Evora
termos mais noticia,queo que noſſos cidadãostem per tradiçam dos an- como
rigos. O cavalleiro por cujo esforço & audacia ſe acabou taó grande fei. mada
foy to
to,foi hum homem nobre per nome Giraldo Sempavor , dotado de mui per ardil
tas forças de animo, & de corpo, perque ganhou o nome de Sempavor. & per
Donde foſſe natural nað ſe deixou em memoria. Tambem nað ſabemos quem .
a fazao porque vivia entre Mouros . Mas ſegundo o meſino Andre de Re
fende cojedura a cauſa ſeria por homezio de alguin deli&to (para que en Giraldo
tan naquelles tempos dos Mouros avia mais occafiam ) & que com licen- fem, par
ça del-Rey limar, cujo era o ſenhorio de Alentejo, viviria entre elles. Seu esa
Eſte cavalleiro fazia ſua habitaçao em hum pequeno caſtello, que ainda forço.
fe chama caſtello Giraldo, de que oje ha paredes & viſtigios na ſerra de
MonteMuro , hũa legoa da cidade de Evora, paſſado hum pequeno rio
chamado de Moinhos.A eſte homem ſe ajuntaraó alguns cavalleiros ou
tros quelhefaziao companhia ;os quaes parece ſe foſtentavaó de fazer ſal
tos em Chriſtãos. Porque vivendo entre Mouros,& tam poderoſos , nam
hede crer que ouſaſſem a fazerlhes damno.E andando el-Rey Dom Afon
to Henriquez em Alentejo, eſte cavalleiro Giraldo,ou por alcançar delle
perdam ,ou receando de lhecair nas mãos,determinou de per meyo de al
gum ſerviço ſe reconciliar com elle; & a melhor via que lhe accorreo, foy
tomar Evora per algum ardil , com que ſe evitafſem mortes, & derrama
mento de ſangue, que ſenao eſcuſava, ſendo accometidapor armas. Para
clic effeito ſe informou das couſas da cidade por eſtar edificada em lugar
eminente, ainda que em ſi plano,que de nenhuma parte ſe lhe pode por
cilada quenão viſiem ,tirando o outeiro, que eſtá detras do moſteiro de
Sam Bento das freiras, ineya legoa da cidade, em que ſe poderiam clcon
der, & fe edificara ahi huma torre, que ainda eſtà inteira, onde perpecua .
snente os Mouros tinhao huma atalaya,queà outra torre da cidade fazia
ſinres. Polo que a primeira couſa que Giraldo tentou, foy tomar eſta aca
laya, em que eſtavahum pay com huma filha moça,& com ſeus cavallei.
jos muy fecreto, ſe foi lançar detras do outeiro,a que mandou eſtiveſſem
quedos até elle tornar,ou lhes fazer linal.E como homem que era fein pas
vor no feito ,como no nome,ſe foi ſó contra a torre.E porque nella nam
a via eſcada, que decima ſe lançava a quei ſobia , levju algumas eſtacas
64 para
-
i CHRONICA :
para meter pelos buracos, & per elles ſobir. E para ſe nao poder enxer
gar,cubrioſe todo de ramaverde. E ſendo meyanoite chegou á torre. E
quiz Deos, que àquelle tempo o Mouro, cançado de velar dormia, tendo
encomendada a vela a filha. A qual,como moça,dormia encoſtada lobre a
janella. Giraldo vendo tam boa occaſião, deſpedido da rama, trepou, &
lançou pão à moça, & deu coin ella embaxo, de maneira, que nunca mais
fallou. E entrando cortou a cabeça ao Mouro, que achou dormindo . E
querendo tornar aos companheiroscortou tambem a cabeça da moça, &
nas mãos as levou ambas. E deſpois de lhe contar o que paſara, os ani
mou para o mais,& todos tornaraó à torre, & fendo ainda muito de ma
drugada,ſobio Giraldo nella,& fez hum fogo à outra Atalaya da cidade,
dando a entender,que por a parte,onde agora eſtâ o Moſteiro de noffa Se.
nhora do Eſpinheiro ,da Ordem de S.leronymo paſſavão Chriſtãos. E mi
dou alguns dos ſeus que paſſaſſem por lâ, & fizeſſem húa trilha pequena,
& de maneira, quc foſſem ſentidos. A Atalaya appellidou logo,& deu fi
nal de aver inimigos.Osda cidade ſabendo pelos eſcutas, & vendo que a
trilla era de poucos atreveraöſe aos ſeguir,& fairan depréſia, & fem or
dem , ficando as portas abertas. Sendo elles jà algum tanto afaſtados da
.

:
cidade,Giraldo deu ſobre ella,& por ainda ſer noite, & a gente andar al
1

1
vosoçada, as vēlas & porteiros os nað reconheraõ por imigos, atè quecom
feu damno o experimentàrao. E tomando as portas,& deixandoas a bom
recado,começàraó a matar a eſpada os que achavão . Porque huns eranı
faidos fora , & outros dormião. Foi a cidade entrada tam de ſupito & por
tal ordem , quando os ſinais & alarîdos dos Atalayas ſe ſentirao ,os Chif
taos ſe tinhão apoderado da cidade. Os que erão fora,ouvindo o repique
& final,deixáraó de ſeguir os da trilha, & tornando à cidade, fosao mal
tratados dos que as portas os eſtávao eſperando.E perfiando deentrarem,
forað tomados no meyo dos da trilha, quetornáraó ſobre elles, & esco
meçáraó a ferir nas eſpaldas. E como ainda fazia eſcuro, & o medo faz
parecer tudo mais do que he cuidando que os Chrifãos eraõ muitos, lan
çáraõ a fugir. A cidade foi faqueada, & aos que ainda eſtavão encerrados
permittiolhes Giraldo,que ſe fahiſfem com ſeus corpos & veſtidos fómen
te. Alguns ſe deixirao ficar entregues à clemencia dos vencedores, q na
cidade duráraó per ſua deſcendencia perto de quatrocentos annos,ate 9
elRey D. Manoel os lançou do Reyno. E logo Giraldo mandou marecadoa
Giraido elRey D. Afonſo Henriquez,como a cidade era tomada, & que ndafic
Sempa- por cobro nella, & lhe quizeſſe perdoar a elle & aos que com elle arda
vor pri- vað . El-Rey foi muy lédo có taö boanova , & agradeceo muito a Giral
mciro
capitim do o ſerviço que lhe fizera,& não quiz que outrem guardaſe a cidade,le
da cida -1 nav clle,que a ganhára. E Giraldo Sempavor foi o primeiro Caficie del
de de E- la . E por cfte beneficio , que a cidade delle recebeo,dea tirar da nio dos
VO22 .
Mouros, & por taó notasel ardilasinſignias & divilá, que ton.ordehohum
we
DELREY D. AFONSO HENRIQVEZ 40

homem a cavallo armado com a eſpada alevantada com duas cabeças, hu


Na de homem , & outra de molher moça,por as que cortou das Atalayas.
Eſte cavalleiro cuidão alguns que he o Sertorio Outros contam de Evor,
& Evorinho outros contos,ſ faó méras fabulas. Eſta he a tomada de Evos
ra cidade nobre & antiquiſſima, & que no tempo de Viriato ja era gran- Antigui
de povo,porque elleſe levantou com a Luſitania no conſulado de Eneo dade &
Cornelio Lentulo,& Lucio Mummio, q forað 140 annos antes de Chriſ nobreza
to Redemptor tomar carne. Eſta cidade ſechamou per outro nome Libe da cida
ralitas Iulia,fegundo Plinio refere.O que ſeria ſegundo Andre de Reſen. vora,
dedeE.
de no livro da antiguidadede Evora,por o beneficio que ella recebeo de
fer Municipio do luro de Latio de tres que avia na Luſitania,que era ſe
ten como cidadoens de Roma , & fe contavaõ entre as tribus Romanas, &
podião em Roma pedir os Magiſtrados, & fer nella electos,poſto que não Euord
podeſlem votar,& na guerra podião militar entre as Legioes & cohortes koiMu.
Romanas, & ter todosos cargos. Tambem ſe moſtra a nobreza deſta ci- do derei
dade que no tempo de Chriſtãos,o primeiro Biſpo que teve,& a ella veyo to de La
prègar,foi por mandado dos Apoſtolos,Saó Mantio diſcipulo de Chriſto, tio.
& que nella foi martyrizado. E em tempo de Coſtantino Magno era Bif
pado,comoſe ve do Concilio Iliberitano, que ſe fez no anno de Chriſto
de 338. onde ſe achou Quintiano Biſpo de Evora,como ſe ve em muitos
Concilios antigoš, de que faz menção Ambroſio de Morales em ſua fe- Biſpos
gunda parte da chronica de Heſpanha. Eſta cidade he a que Sertorio an- de Évo
tigamente frequentava,& ondetinha ſua habitação & domicilio, por ef ra que
rắr em meyo da Luſitania,donde a podiaſenhoreat,& mais facilmente gçda ram pre.
vernar,& que elle ornou de edificios, & do nobre aqueduco da agoa ſentes
prata, & portico dos açougues antiguidade que oje em dia dura,pelas qua- nos Có.
es ražoës porſer de nobiliffimos edificios,& abundante de todos os frusos, cilids an
mais ſaboroſos de todos os de Heſpanha,foy ſempre tambem em noſſos té- tigos.
pos domicilio dos Reys & Princepes deſte Reyno . A qual nað ſómente Excelle
participa das graças da terra,mas ainda do Ceo,poc nella haver ſempre ho cias &
mens de grande valor em armas, & letras, & governo da Republica.O que fertilida
agora ferà mais com a Vniverſidade & célebre Collègio, que elRey Dom de daci
Henriquenella fundou, & entregou aos Padres da Companhia de lesv, dadede
em que não ſomente ſe enfinão as letras divinas & humanas, mas virtudes
& cxeir plo de vida.
Como el Rey nenhúa couſa trazia tanto ante os olhos como estender Igreja
a Religião, & eff: era o principal fim deſuasconquiſtas & trabalhos.Tan- cathe.
dral de
to que a cilade foi tomada, poż em ordem ,como foſſe tornada à ſua dig Evora ,
vidade Epiſcopal, & logo nomeou por Biſpo a D. Payo homem inſigne quem a
em Jerras , & em virtude. Eſte foi o que fez a ordenança das prebendas, cdeficcu
& dividio as rendas do Biſpado em trespartes. f. duas para o Biſpo , & bū & orde.
pera o Cabido. O meſino D.Payo fundou o grande & nobre edificio da nou.
SS
CHRONICA
Sé 20 annosdeſpois da cidade ſer tomada, & pos per ſua mão a primeira
pedra em o fundamento no eſteo do altar de Sam Manços, & a começou
aos 21 de Mayo dia do meſmo ſanto anno 1186. ſendo jâ falecido elRey
Evora Dom Afonſo Henriquez.laz
enterrado eſte Biſpo nacappella de Sam lo
ſempre am Baptiſta,que per ordenança do Cardeal Infante Dom Afonſo, agora
gozou dehe do ſanto Sacramento.Na qual igreja,porfer de tam nobre cidade &
Prelados tam opulenta,que cadaanno rendeao Arcebiſpo mais de ſeſenta mil cru
illuſtres. zados,ouve ſempre Prelados de grande ſangue como foram Dom Garfia
de Mereſes, filho de Dom Duarte Conde de Vianna,Dom Afonſo de Por
tugal, filho natural doMarques de Valença primogenito do Duque de
Bragança.O Cardeal Infante Dom Afonſo,filho del-Rey Don Manuel,
& o CárdealInfante Dom Henrique ſeu irmão,em cujo tempo foi eregi
da em Igreja Metropolitana no anno de 1541. pelo Papa Paulo terceiro
à petiçam delRey dom loam o terceiro.E por Deos o fazer Rey deſtes
Keinos ao dito Cardeal D.Henrique alargou o,Arcebiſpado, & o deu a
Dom Theotonio de Bragança filho do Duque Dom laymes.
Pouco tempo deſpois de Evora ſer em poder de Chriſtãos, no meſmo
anno comou el-Rey per ſua peſſoa as villas de Serpa , Moura , & Al
conchel , que oje eſtà nos limites de Caſtella, Alcacere do Sal, Elvas, &
ANNO a villa de Curuche, a quem mandou reedificar o caſtelo. E no anno de
1 165.1165. entre a tomadade Beja , & Evora, ſendo deidade de ſetenta &
s ndo
hum anno s,, ouvi que Cezimbra eſtava falta de gente , & que СОО
Cezima
bra to pouca difficuldade a tomaria , foiſobre ella . E poſto que a villa, por o
mada caſtello que tinha , era mui forte, a combateo , & tomou por força.
porEl- E poſta nella a guarda neceſſaria, quis acometter Palmella, lugar pelo
Rey D. Grio tambem inui forte , & difficultoſo, & que parecia impoſſivel comarle,
Afonſo
Hérióz Para o que fomente com ſeſenta de cavallo,homensde feito , & com al
guns piaens beſteiros partio para ver o aſſento do caſtello , & per onde ac
cometeria. E eſtando o vendo, appareceu el-Rey de Badajoz por huma
affomada com muita gente das frontarias do rodor, em que diziam vir qua
tro mil de cavallo,& leſenta mil de pè. Os quaes vinham ſem ordem & a
grande preſſa a ſoccorrer os de Cezimbra, & fóra de cuidarem de achar
quem Thes deſſe eſtrovo. El Rey Dom Afonſo ſe teve detras de bum ou
teiro, & vendo os cavalleiros,que com elle vinham tantas gentes recea
ram muyto veremſe em perigo ,& aconſelhavam cl- Rey, que ſe recolhef
2
ſe a ſeu arrayal . Outros eram de parecer, que ſe puſefle no alto da ferra
de Azeitam , & tomaſſe nella algum lugar forte, donde ſe defendeſſe atè
hir recado aos ſeus. El-Rey vendo o medo delles, que lhe nam pareceo
ſen c :ula, por a multidan dos Mouros, confiado porem no poder de De
os,coin cuja confiança elle fabira de mayores prefias victorioſo,os animoti,
que foſſein ferir os inimigos, & que nað afeaffcm com a ſua fugica a hon
ra, que contra aquella gente tinhaõ ganhada,que o ſeu nome carames wita
DELREY D. AFONSO HENRIQUEZ 42
tenido delles,quetanto queo viſſem deſmayarião,& fe darião por venci
l'os; & que o pendaó que aviao de ſeguir,eraſua peſſoa. Os Portugueſes
rendo adeterminaçãodel-Rey,& como elle punha àquelle feito fua peſ
foa,reſponderaó,quelhe não faltariao, & o ſeguiriao, & que foſſe logo,
porque os Mouros ſe chegavaó. ElRey abalou, & em ſe moſtrando aos
Mouros,fez tocar as trombetas, & forað ferir nelles tam rijamente, q nos
primeiros encontros cahirão muitos mortos & feridos. Os Mouros ven
dofe tomados de improviſo, & ſabendo,queaquelle era El-Rey D. Afon
fo Henriquez,cujo nome tanto temião , & tendo para ly, que os Chriſtãos
feriaómaiscomeçaraõ a fugir,parecendo aos derradeiros que os meſmos a
volcavao fogindo,eraó os Chriſtãos,o que lhes fez mais pavor , & ſerem
desbaratados. Alguns contaó, que eſte acometimento delRey D. Afonſo
não foi logo,masque ſe deixou eſtar atè a madrugada,para dar nos Mou
tosde ſubito,tomando-os deſapercebidos,& lhes cauzar mais medo; &
allios desbaratou. De qualquer maneira a victoria foi grande & notavel,
ſendo de tantas gentes, & que vinhão valer a outros. El-Rey feguio o al
cance dos Mouros, & forað mortos & feridos muitos,& outros captivos,&
!
The foi tomáda a carruagem, & quanto trazião,que foi hum grande & rico
deſpojo.Tanto que os Mouros foraó desbaratados,mandou elRey à preſ
{a dous cavalleiros a Cezimbra com recado aos do feu arrayal, ſe vieſſem
logo para elle. Os quaes vierão com grande moſtra de ſentimento, por ſe
não acharem com elRey na batalha,& participarem de tamanho feito.Os
Mouros de Palmella como ſouberaõ o desbarato delRey de Badajoz , &
virao os Chriſtãos que vinhão contra elles,perdendo a eſperança de feré
foccorridos,deraõ a villa,com condição de os deixarem ir a ſalvo; o que
ihes elRey concedeo,& afli lha entregàrað.
Deſpois no anno de 1179. elRey D. Afonſo Henriquez ſupplicou ao A NN o
Papa Alexandre III.que por elle herdar as terras de Portugal,& o povo 0 1179.
fožer a elle Rey, lhe confirmaſſe o titulo & dignidade de Rey. E o Papa Cófirma
por elle ſer tam obediente & benemerito da Igreja de Deos, & que nas çã o
guersas contra os inimigos da Fê empregava a vida & a fazenda, o conce Reyndo o
deo recebendo a elle, & aos Reys ſeus ſucceſſores, ſob a protecçao da Sé de Pora
Apoftolica,& lhe paſſou diſſo hứaBulla em S.lcão deLateráo 23. deMayo tugal pe
de 1179. em ý fe continha mais ſ os Reys de Portugal dariaó cadaanno loPapa
Alexan .
de cento & tributo à Igreja Romana,dous Marcos de ouro , em ſeu nome dre 3. 2
tobosaria o Arcebiſpo de Braga. O qual cenſo osReys de Portugal nam elRey D
laniemoria,que en tempo algum pagaſſem. Porque como elles fizeram Afonio
propre tanto ſerviço a Deos,& á Igreja Catholica , extirpando a fe &ta de Heriğz.
Mifamede, & revendicando delles as terras da Chriſtandade , que tinham
blurpadas,não ouve quem mais fallaſſe nillo. Paffados alguns annos,entre
Ukey D. 4 fonfo flenriquez,& clRey D.Fernando deLião feu genro ou
sedelgokes, & sorura de amizade,Húsdizem que el. licy D.Afonſo ouve
dela
CHRONICA
deſprazer delle,poro divorcio da Rainha D.Vrraca fua filha değel Rey
D. Fernando fe apartou per mandado do Papa ,por o parenteſco tinhar
não querendocom elles diſpenſar. Outrosdizem,que por os Leoneſes
de cidade Rodrigo fazerem damnoaos lugares vezinhos de Portugal, &
os Portugueſes, queforao contra elles, ferem desbaratados dos Caftella
nos, el-Rey ouve tanto deſprazer, como quem era cuſtumado ſempre vá
cer,& nunqua fer vencido que ſendo de 75 annos entrou poderoſamen
te em Galliza , & tomouLima, & Torton, & outros lugares. E deſpois tor
Badajoz
nando a feu Reyno,veyo contra Badajoz, que poſto que foſſe de Mouros
tomado era daconquiſta del-Rey de Liam, & deftruindolke os paens, & as vinhas
per el cercou a cidade, & per força a tomou. El Rey D. Fernando de Liao man
Rey D. dou requerer a el-ReyDom Afonſo, quedeixaffe a terra que era de ſua
Afonfo conquiſta, & ſenam ,quee deſafava
parabatalha, & veyo com todoſ feu
quez.
poder ſobre Badajoz, trazendo conſigo dous grandesſenhores de Caſtel
Ia,que andavao deſavindos de feu Rey.f. Dom Diogo o Bom, ſenhor de
Vizcaya( com cuja irmãa,chamada Dona Vrraca Lopez filha do Conde
Dom Lopo de Navarra,defpois cazou eſte Rey Dom Fernando de Li
1
am )& Dom Fernam Roiz de Caſtro. E ſabendo el-Rey Dom Affonſo
que el-Rey de Liam era chegado,& osſeus fe embaraçavao já com elle,
& com Dom Diogo & Dom Fernaó Roiz de Caftro,que vinham na dian
teira, abalou rijo para fahir da cidade, & chegar aos ſeus, & ao fahir da
porta,como impeto que ocavallo levava, deu no ferrolho della,que per
caſo ficoumal recolhido,tal golpe,queſe feriomuito mal, & quaſi que
brou a perna,ſem por iſſo deixar de chegar aos ſeus, & ajudalos.Mas oca
vallo,como hia muito ferido,nam ſe podendo mais foſter nos pès cabio
em hum centeal ſobre a meſma perna,que el-Rey levava ferida, & fe lhe
acabou de quebrar de maneira queos ſeus o nao poderam mais levantar,
nem polo a cavallo.Dom Fernaó Roiz vendoa el-Rey cahido ,foiſeà prele
ſa a el-Rey de Liam dizerlhe,como tinha a el-Rey em feu poder , que o
FI-RCA foſſe prender.El-Rey de Liam chegou, & por os Portuguefes, ģ a elroy
fonſo viram cahir, & le ahi acertaram achar,ferem poucos,& os inimigos muya
Henriąz tos,foipreſo por ſeu genro. E divulgandoſe o deſaſtre,& prifam del-Rey
malferi- a cidade foi tomada.ElRey de Liamlevou a el-Rey Dom Afonſo confi
do & pre go,& o fez logo curar,& o tratou em tudo como a pay,& afſentou em ſeu
so per
ſeu géro eſtrado Real . Alguns dizem que o levou a Avila,& que ahi ſe curou. Deſ
Rey:dc pois de el-Rey ſer ſam vieram a ſe concertar, que el Rey Dom Afonſo
Liam . de Portugal alargalle a el-Rey de Liam as terras de Galliza,deſdo Minho
atè o caſtello de Lobeira,quehe huma legoa alem de Ponte Vedra, que
el-Rey Dom Afonfo de Caſtella deraaoConde Dom Henrique ſeu pay.
E quecomo andafle a cavallo,foſſe
a ſeu chamado reconhecendolhe fi
perioridade. £l-Rey D.Afonfo nao podendo al fazer,diſſe, que lhe apfia.
zia . E entregue as fortalezas das terras de Galliza,foy ſolto. E poſto dequer
DELREY D. AFONSO HENTIQVEZ 43
deſpois veyo ſer faõ da perna,nunqua mais cavalgou em cavallo,por não
comprir a homenagem que fez.Mas ſempre andou omais tempo que vi
veo em carro,Eſta priſaõ del Reydizem que foi no anno de 1179. E lo- Anxo
gono anno ſeguinte pelo mes de Agoſto dia da Aſſumpçam de noſſa Se- 1 1792
nhora, nas cortes q el Rey ajuntou em Coimbra,comoprudente que era,
fez jurar ao Infante Dom Sancho ſeu filho per herdeiro do Reyno.
Deſpois que a nova da aleijain delRey Dom Afonfo correo pela terra
& ſabedofe que elle ja nað cavalgava em cavallo,& q andava em collos de
homens, & em carro polo preito & homenagem qael-Rey de Lião fize
ra,& quenao podia fazer guerra,como antes,tomaram os Mouros ouſadia
& eſperança de fe vingardelle.Polo 9 Albojaque Rey de Sevilha ajun
tou muitas gētes de toda a Andaluzia, & atraveſlando todaa terra de Alés
tejo,peronde vinha fazēdo grandeeſtrago, veyo cercar a elRey D.Afon
fo,que eſtava em Santarem .El-Rey ,que em eſtremo vivia triſte por ſe ver
em eſtado de nao poder ſobir em cavallo, & q ja nað era timido dosMou
ros como foia foi o inuito mais,quádo ſe vio cercado ,sēdo elle coſtumado
a ſempre por cerco a outros,& pelejar em căpo, & věcer,& nunqua fer vě
cido.E determinou em ſeu carro fair aos Mouros, & lhes dar batalha.Mui
tos dos ſeus lhe contradiziaõ dizendo q nao faiffe,mas q ſe defendeſſe nå
villa.Outros diziao ſo melhorera ficar na villa ,& qelles fairiaő a pele
gar.Eſtes coſelhos eraõ mui contrarios ao grăde animo del-Rey.E por táto
lies diſſe, q não trataſſem ſe ſairiao a pelejar,ou não ,ſenão quando fairiam
para elle os ver & louvar os qo bem fizeſſem ,& queelle os ajudaria co
mno ſeinpre fizera,& q ſe algūs tiveſſem receo ,ficaſſem na villa ,& não fof
fem com elle.Eſtádo cõcertadospara fairé há certo dia,& quaes avião de
guardar a el-Rey ,aconteceo ,que el-Rey D. Fernando de Lião feu gero, ſa Rey D.
Þendo o cerco em ſ Albojaque o tinha poſto fem embargo de eſtar quei- Fernan
xoſo,delle porque não cavalgava em cavallo por não ir a ſuas cortes, & do deLi
comprir ſua promeffa ,ajuntou ſua géte, & o veyofoccorrer.El-Rey D. A- ão vem
fontoſabendo q el-Rey Dom Fernando vinha a Santarem cuidou que vi- em foco
nia contra elle por não cöprir a homenagé q lhe fizera, & determinon de corro a
pelejar primeiro com os Mouros.El Rey deSevilha cuidando que el-Rey Portugal
ri Caftella vinha contra elle em ajudade feu logro,determinou de alevá- teu fon
tar o cerco.Masel-Rey D. Afonfo faio aos Mouros como tinha determi- gro.
nado, & avendo com elles grăde batalha,matou, & ferio muitos, & outroš, Vitoria
riptiuou & os pos em desbarato , & fe forão fugindo quanto podião, dei del- Rey
xando grăde & riquiſfimo deſpoja. El-Rey D.Fernádo quädo ſoube 4 os D.Afon :
Mouros eraõ desbaratados, & el-Rey D. Afonſo deſcercado , não foi mais fo cótra
adiante ,poſto que eſtiveſſe mui perto ,& mandou dizer a el- Rey que não Albojas
receaſie nada,quc elle não abalara,néviera a mais, 7 ao ſocorrer ,& ý pois Rey de
csMouros erao idos,ficalle co a paz de Deos.ElRey D. A főſo lhe mádou
por iſſo muitas graça , & el-Rey de Lião ſe foy.Eſte cerco de Sanrarë foi
H no ano 3
CHRONICA
ANNO no anno de 1181 , ſendo elRey de idade de oitenta & ſeis annos. Mas o
1181 . Meſtre de Santiago D.Sancho Fernandez,que andava na eſtremadura,em
ſerviço delRey de Liso com ſeuscavalleiros, & algúa gente Leoneſa,que
acodio a ſoccorrer a elRey D.Afonſo, ſeguio aos Mouros, &noalcançe
matou , & prendeo muytos delles,pola qual razao elRey D. Afonſo fez al
gúas doaçoens à ordem de Santiago.O que o chroniſta dasOrdens diz ſex
no anno de Chriſto de 1186 falleſcendo elRey no anno de 1185. no que
parece aver erro no tempo.
Vendo elRey,que elle,por o impedimento de não andara cavallo,nam
podia emprender guerra contra Mouros,como fohia, & querendo a ſeu fia
Iho o Infante D.Sancho ,em quem via grande animo & partes de bo Ca
pitáo,ganhaſſe aquella honra & nome nas armas,a q a virtude deſeu pay,
& avós o incitaváo,lhe dille,que os povos de Alentejo, por as trègoas có
elRey de Sevilha ſerem acabadasſe receavao de virſobre elles, quelhe pa
tecia razão, fofle , & entendeſſe na defenſao daquelles lugares. O Infante
Tornada por aquella ſer a couſa que mais ſeu eſpirito delejava, lhe beijou a mão,
do In
fante D. & pedio a elRey ſeu pay, quefoſſe o mais cedo que ſer pudeſſe, porque
Sancho alli acharia a terra em melhor eſtado.ElRey mádou chamar gentes daqué
cótrael. do Tejo, & lhes mandouque a certos dias foſſem em Coimbra. Juntos ſe
Rey de fez alardo no Arnado daquella cidadedemuy boa & luzida gente. E no
Sevilha. mez de Inlio partiráo,ſaindo elRey com ſeu filho a pè,atè a ponte com to
dos os grandes.E paſlada a gente alem ,no meyo dapote beijou o Infante
a mão a elRey ſeu pay,pedindolhe,naotomaſſe maistrabalho. Porq elRey
i nao ſe ſabia deſpedir deſeu filho,nem daquelles como mandava, pora
por hũa partemagoavao q ſe não podiajà achar negllas emprezas detan
to ſerviço de Deos& honra ſua,como ſohia, & a ſoledade em que ficava,
ſendo de tanta idade,fem ſeu filho unico,& herdeiro,que elle tenramente
amava ,& da outra os perigos & fortuna que ſuccedem na guerra,a 40 pu
nha , mandandoo contra tantos & tam poderoſos inimigos. Aquella noite
primeira foi o Infacte a Penella,& dahi mandou aos ſeus,g pera irem mais
folgadamente, foſſem apartados cada hum como quizelle, & q a certo dia
ſe achaſíem juntos na Gollegåa,& alli juntos partirão até chegaré a Evora
onde ſe deteve algus dias para ver o 5 os Mouros determinavão com ſua
1 vinda.E porque os Mouros nao fizerao movimento algú, alli ajuntou géa
te das fronteiras do rodór,que mandou chamar dizendo , q ficaſſem os ne
ceſſarios para defenſaó dos lugares . E de nenhum lugar acodio tanta gere
como de Beja,o que cauſou ficar avilla falta de gente. O Infante abalon
de Evora a oito de Outubro de 1180.& legundo os chroniſtas de Caſtel
ANNO la,de 1183.& correrað todo o caminho de Sevilha,até paſſar a ſerra Mo
1180. rena.Quando os de Sevilla fouberao da vinda do Infante, tivera óſe por
muy affrontados. Porque deſpois da deſtruiçao de Heſpanha nunca Se•
vilha fora guerreada,nem viſta degente armada de Chriſtáos. Polo que
ſairaó
DELREY D. AFONSO HENRIQVEZ 44
lairao todos a efperalo ao campo de Axarafe : O Infante como o ſou
befoy muy ledo,& fallou aos ſeus dizendolhes,que elles eraõ taes, & tam Falla do
bós cavalleiros, & tinhão canto exercicio na guerra, que mais ſe eſperava Infante .
cnimaren a elle por ſua menos idade, & experiencia,queeſperarem, elle cD.
ho San
a os
thes trouxeſſe á memoria o que lhes compria para acometterem aquelle leu
s, ans
feiro, que nas mãos tinham . Mas que sò lhes lembrava, que por eſſas mel tes de
mas razoens a honra daquella victoria avia de ſermais delles ,que ſua, pois dar a ba
tudo fe a via de fazer por ſua ordenança & conſelho. E que na auzencia talha a el
delRey feu pay & ſenhor,fica va ſua virrude & esforço delles de mais du- Re y , de
Sevilha
ra condiçao, pois que tendo o preſente,com fazer o que devião, lhe ſatis
fazião. E que agora ainda que muyto fatisfizeſſem a elle ſeu Capitão,co
mo teitemunha deviſtafazendo ſeu dever,não fuccedendo bem & proſpe
iamente,não ſatisfariáo afeu pay,porſer hum Princepe,que nunca foi vė
cido. E que confiado em ſuas bondades & esforço,lhes entregou a elle feu
filho. E que como de fieis & leaes vaſſallos, & de tanto valor, & esforço
tinha a victoria de todas as emprezas porcerta . Poſeraõ as palavras daquel
le Princepe mancebo nos coraçoesdos7o ouvirão tanto affe&to, cada hű
deſejava aventurar a vida por elle,& todos ſe offereceraõ ao ſervir, & lhe
derao certas eſperanças davictoria. O Infante levava conſigo dous mil &
trezentos de cauallo,afóra os corredores.Na primeira batalha em que elle Géte de
bia,metteo ſeiſcentos cavalleiros, & com elle hia o Arcebiſpo de Braga, & o Infants
D.Gonçalo , & D.Pero Paez Alferez, & D.Mendo Moniz.A outra batalha levara
que avía de ſer do meyo, hia encomendada a D. Gonçalo de Souſa coou- cótra els
tros ſeiſcentos de cavallo. A terceira, q era a retaguarda , hia encomendada Rey de
a D. Lourenço Viegas com outros feiſcentos de cavallo. A ala direita leva- Sevilha.
va o Conde D.Pedro a que as lembranças daquelle tempo chamio das AF
turias,com duzentos & cincoenta de cavallo. A eſquerda o Conde D. Ra
viro com outros duzentos & cincoenta. E os mais dos corredores cõ a ge
te de pé,puzerao detraz da carruagem , pera a ter guardada, ſe algūs Mou
ros quizeſſem acomettela. Dagente de pè nað ſe fabe o numero, nem co
mo foi repartida,mais que de quatro mil que erað mecidos na vanguarda
ei que hia o Infante.
Ao outro dia pela manhăa o Infante ordenou ſuas batalhas. E poſia a
gente em ordem,fez mover ſua bandeira. E em chegando aos Mouros de
Ivő nelles ,& os Mouros os receberað muy esforçadamente, & ao ajuntar
ouve de búa parte & outra muitos derribados, & cavallos definorados pes
lo campo. E ſobre a hatalha do Infante carregàraõ tantos dos inimigos ,g fe
rãofora foccorrida ,nað ſepodèra foffrer. Pois vendo D Gonçalo de Souſa
& D.Lourenço Viegas o Infante cercado, & mettido enrre tantos Mou
Tos,forao a grande preſſa ferir nelles,& afli melino o Conde das Aforiás,
& o Conde D.Ramiro Capitaés das alas. Deſpois das batalhas envoltas ,&
mini feridas,ſe partio a peleja em cinco partes ,& osChriſtáos pelejàrao de H

H 2 maneira 1
CHRONICA
maneira,que fizeraő ajuntar todos os Mouros, onde eſtava o feu pendam
de Sevilha. Aqui pelejou o Infante & cortou da eſpada de maneira, que
fe alinalou filho de ſeu pay.D. Pero Paez arremetteo, & chegou o pedao
Esforçº do Infante entre os Mouros,& alli ſe travouhúa rija peleja, & D. Mendo
do Infa
te D.Sa Moniz remetteo ao Alferez de Sevilha, & lhe deu taes duas cutiladas, jo
cho. deſatinou , & deixando cair a eſpada,que trazia preſa de húa cadea ao coke
tume antigo,travou do Alferez, & deu com elle & com o pendaó de ses
vilha no chao. Os Mouros,que com algú esforço ou vergonha pelejavam
Victoria vendo o ſeu pendaõ derribado,começaraó a fugir caminho da cidade,& o
que ou . Infáte & os ſeus os ſeguiraõ matádo & derribado
quãtos podiao. E ao en
ve o In- trar de Triana foi tanta a preffa, & aperto dos Mouros,que nao poderana
fante D. cerrar as portas.Polo qos Chriſtãos entrarao de volta com elles.Os Mou
Sancho
ros, que tinhaó a
ponte paſſada por ſocorrerem aos que ficavaõ atras alcă
delRey
de Sevi çad os dos Chriſtãos,deraõ táto eſtorvo aos derradeiros, tiverao os Chii
Iha. ſtãos muito tépo,& lugar,para fazer nelles grandematăça.E foi tanta,que
as agoas do rio Guadalquibir parecião de ſangue.O Infante desbaratados
os Mouros, ſe tornou ao lugar ondeelles tinham ſeu arrayal aſſentado ; 10
qual ſe acharað grādes preſas de ouro,prata,cavallos, & outras muitas coli
fas.O que tudo o Infante, repartio per fua gente ſem diſſo querer para di
couſa alguma ,mais que a honra de tam bom feito.
Como de Beja partio tāta gente para ir com o Infante à guerra de An
dalozia, que a villa naõ ficava ſegura,algunsdos que ficarað,ſe forað vera
Bejacer"
eada de . ,' do que cſtavão em perigo de ſerem tomadosdosMourcs.Polo que ſe ajú,
, tarao dous principaes entre elles,Halichamaſi,& Albuhazil com muitos a
&deſcer os ſeguirao ,& forao cercar Beja .E por ſe os de détro ,ainda q poucos de
cada pe- defenderē bem ,a nað tomaraó .Polo vendo os Mouros ,que o Infante an
lo Infan- dava longe ,& lhe nao poderia ſoccorrer,determinaraó de afſentar ſeu arra
te Dom yal,& começaraő a fazer muitos artificios & engenhos para os combates.
Sancho. Os da villa mandarað hū eſcudeiro eſcondidaméte ao Infante , qeſtava ſom
bre Niebla.fazendolhe ſaber de ſeu eſtado. O Infante,cõ cöſelho dos ſeus
partio logo co mil homens de pè,& quatrocentos de cavallo,caminho de
Beja,mandando q a mais gēte o ſeguiſſe ,& deixou por Capitao a D. Pero
Paez,por por ſer Alferez del-Reytinhao carrego, agora he dos Con
deſtabres,q ainda nao avia. E a bādeira Real deu de ſua mão a Sueiro Páez
feu ſobrinho. O Infáte,co os bos Adaijs levava,foipor taes caminhos
os Mouros não ſouberaó novas delle. E paſſando pelo vao de Mertola on
de chamão as Acenhas,foi viſto pelos eſcuitas,q ahi eſtavão,g delle derać
novas aos da villa.OsMouros cuidado q nao vinha o Infante ſobre elles
& entendendo per cojecturas, ý hia a Beja mandarao logo aviſo per ho
més de pè & de cavallo a Albohazil ,& Halicamaſi, Cöeſta nova eſtiverão
os Mouros em duvida do ý fariáo, huns eraõ de opiniao , que eſperaſſem
o Infante , & pelejailem cõelle,outros dizião, o mais ſeguro cölelho meera
ire
DELREY D. AFFONSO HENRIQUEZ. 45
iremſe, & não o eſperârem. O Infante como foi no campo de Ourique,
porq até alli viera à preflà,& o caminho ýtrouxera fora máo, & os ſeus
vinhão trabalhados,dille ,q ſe não apreſſaſſem a andar peraq mais folgados
chegaſſem aos inimigos.Os Mouroscomo tiverão o aviſo,mandarao corre
corres a eſpiar,quegente era a vinha,& fe vinha a Beja . Os quaes che
gandoſe aos do Infante, vinhão diante,prenderão hū eſcudeiro, & o le
várão aosCapitães,do q louberão a verdade. E como a vinda do Infante
poz a muitos pavor de pelejarem,lebrandoſe do freſco disbarate de Sevis
İlha,& a outros ſe fazia vergonha iremſe , & moſtrar medo, ſem ſe determi
nar,ouve tempo de chegar o Infante. Polo qlhes foineceſſario eſperar , &
fair fora do arrayal. Os Mouros eſtavão poſtos já em ſuas batalhas quando
o Infante chegou,polo q fem maiseſperar,mandou a Sueiro Paez,şabalaf
ſe logo co a bandeira. A peleja começou,& foi mui travada de ambas par
tes. Mas não podendo ſoffrer os Mouroso grăde esforço dos noſſos,come
çàrão a fugir, & forão muitos delles mortos, entre os quaes forað os dous
Capitães Albohazil ,& Halichamaſi, & ouve muitos cativos,& grādepreza . Morte
Os davilla ſairaó fóra, ſervindo ao Infante com o que tinhão: os quaes dos Ca
elle recebeo com muito gaſalhado,louyandolhe o grande esforço com “ Alboa
pitaens
zil
ſe defenderão,ſendo tam poucos.E nao quiz entrar na villa até chegar to & Alicas
da a gente,que atraz ficava. mali,
Em quanto o Infante andavaoccupado na guerra de Alentejo com os
Mouros,hū Rey q então era daglla terra ,& o de Caceres & Valeça per no
me Gami,có húirmão feu paſſou o Tejo.E có muita gente qajūtou ,correo
toda a terra,q per aquella parte eſtava pelosChriſtãos ,até chegar a porto
de Môslugar então tinha húbó cavalleiro ,por nomeD.Fuas Roupinho
o qual ſabendo,q aquelle Rey vinha ſobre elle, ſaioſe do caſtello,deixado
nelle gente,ſo podeſfe defender, & alli lho encomendou, qo fizeſſem , ģ
elle ia buſcarlhefoccorro. Alli da banda donde naſce o rio de Porto de
Mòs,ha hűa ferra,q chamão da Mendiga,nella ſe eſcondeo, &mandou co
grande preſla recado aAlcanede,& a Santaré, fazendolhes ſaber da vinda
delRey Gami, & que lhe mandaſfem gente, que com ella eſperava de o
desbaratar. E logo lhe acudio gente no meſmodia,que elRey Gami che
gou ſobre porto de Mós. Como Gami vio o Caſtello tam pequeno ,nam
curou de eſperar mais,mas em chegando o começou a combater. E foyo
combate tam aperfiado dos de fora, & de dentro, que durou até noite com Rey Ga
muitos dos Mouros mortos, & feridos,nað ſem danno dos de dentro. Os mi
do vin
ſobre
Ina ferra eſtavão co D.Fuas Roupinho, vendo o perigo, q corrião os do porto de
caſtello,davaõle preſſa por ihes acudir ,& deſejavão,porq eraõ muitos , de más del
porem mãos aos Mouros .Dom Fuas os deteve,dizendolhes, q ſe não agaf- barata
tafiem,q o deixallem fazer a elle ,gos do caſtello eraõ tais,g'elles ſe defen do per
D. Fuas
derião.Poloq eſperou atè a noite, os Mouros ceſfaſſem do combate, & Roupi.
foſſem repou zar,fabendo, com o quebrantamento do caminho ,& do rñ nko.
H3 baie
CHRONICA
bate,ſe aviao entao de entregarmais ao ſomno, determinando de ante ma
nháa dar nelles,& os tomar de ſobreſalto. E aflio fez,que pela manhaa os
tomou dormindo, & deſcuidados, de lhes de fora poder vir damno. E por
o lugar em que eltavam,fer eſtreito,por ſer entre o rio & o caſtello, foy
azo,de os poderem mais facilmentematar, & ferir & prender, ſem ſe poa
derem valer. El-Rey Gami & ſeu irmam foram prefos. Os quaes com
outros cinquoenta priſioneiros dos mais honrados, Dom Fuas levou de
preſente a el-Rey Dom Afonſo Henriquez, que eſtava em Coimbra, que
com a vinda de Dom Fuas,& dos que com elle forað foi mui ledo, & The
fez muitas merces .
Neſte tempo ğ D. Fuas Roupinho foi a Coimbra, veyo de Liſboa re
Armada cado a el-Rey,como certo Capitam Mouro com nove Galèsfazia muytos
dc Mou- damnos naquella coſta. Polo que mandou Dom Fuas a Lisboa com reca
ros deſ do a ſeus officiaes,l he deſſem armada baſtente para o ir buſcar, Dom Fu
barntada
por Do as foi ao rio de Setuval,dondeelles ja vinham para eſtorvarem a ſaida de
- Fuas Dom Fuas. Os quas em dobrando o cabo de Eſpichel, ſe encontraram
Roupa com ellc, & pelejando fortemente,os Mouros foram desbaratados, & to
istas as Gélés tomadas.O que foi a quinze de Julio de 1184. Eſte bom
NI fuccello de Dom Fuas foi cauſade outro muito mao. Porque nao lem
in de brado dos caſos da fortuna,que nao correm ſempre de humamaneira ,mòr
Chia am guerra naval,ondeo perigo he dobrado, & os acontecimentos
lucis yarios,eſcreveo a el Rey no vas davi& oria das galès,& que os mora
dores de Lisboa eſtavam muito deſejoſos de per mar fazerem guerra aos
11.11r0s,& que ſe elle ouveſſe por ſeu ſerviço,o ſerveria niſſo. A el-Rey ap
facuve, & lhe mandou dar hiuma boa armada, de que o fez Almirante, D :
Puas correo a coſta do Algarve,& dahi foi ao porto de Septa, onde tomou
muitas fuſtas & navios de Mouros,& deſpois de hi eſtar dous dias, ſe tor
nou a Lisboa mui contente,Dahi a tresmeſes com gráde alvoroço tornou
outra vez ir ao eſtreito,cuidando trazer outra preſa.Os Mouros que fica
rain afrontados da primeira ſua ida, para não receberem mais damno, mas
vingarem o recebido, mandaram recado a todolos lugares de Mouros, affi
de Africa, comoda banda de Heſpanha,pedindolhe te ajuntaſſem para ef
perar a armada de Portugal,de que ajuntaram cinquoenta & quatro ga
lés,que ellavam no porto de Septa quando Dom Fuas entrou pelo er
treito com vento forçoſo,que os fez correrde longo co as galès dos Mou
ros . Polo que lhes foi neceſſario pelejar. E por os Mouros ſerem muy
tos mais em numero, os Portugueſes foram vencidos , & desbaratados, &
muitos mortos, & entre elles Dom Fuas Roupinho. O que foi em 17 de
Outubro de 118 4 .
O Miramolim de Marrocos Aben Jacob ſegundoRey dos Almohades,
& filho de Abdelmon, vendo o grande eſtrago q elRey D. A fonſo Hen
riquez & o Infante Dom Sancho ſeu filho tinhão feito nos Mouros, & as
muitos
1
1
DELREY D. AFONSO HENRIQVEZ 45
muitas terras que lhes tomâraó, & às que lhes pertendião tomar.E movido
de muitos queixumes,que lhes cada dia ſobre eſſe cazo os Mouros faziam,
determinou de fazer guerra a Portugal, & vir a illo em peſſoa. Polo que a
juncou muitas gentes de aquem & de alem -mar,que dizem ſer tantas, qua
tas nunca de Mouros forao juntas,para entrar em Porrugal. Entre elles
sinha Albojaque Rey de Sevilha, & elRey Abbohazi, & outros Reys
Mouros,queper todos eraõ treze. E paſſando o rio,dia de S.João Bautiſta
daquelle anno de 1184.Neſſe meſino dia foráo ſobre o Caſtello de Tor
resNovas,& o deſtruirao. A ſegunda feira vieraó por ſeu arrayal em hun ANNO
monte,quechamão de Pompeyo.E á Terça ſe ajuntarað todos na Redi . 1 1 8 4.
nha.A Qnarta affentarao na Horta lagoa.Quinta feira,que foi veſpora de
S. Pedropela manháa abalou o Miramolim com toda ſua gente, & chegou Miramo
a Santarem . Nelta villa eſtava o Infante D.Sancho deſque viera de Beja. lim de
E como ſoube da vinda de Miramolim,bem entendeo,que o veria buſcar. Marro
E por não tercóligo tanta gente com que ſe pudeſſe defender,& naquel cos com
le tempo a villa nao ter mais cerca,que a Alcaceva pela torre de Alfam ,atè Mo
13.Reys
uros
Alfange,deſpois de guarnecer os muros ,& ordenar o neceſſario pera a de
veyo Có
fenfab,tomou húa parte do arrabalde, & mandou -o cercar decubas & pa. tra San
lanques, & alguns lugares em que pudeſſe eſtar para defender a entrada buſ
taremcar ao
mandando pera mais ſeguridade derribar as caſas ao redor. Feito iſto, re Infante
partio ſua gente pelos palanques, & elle ſe poż onde a preſſa avía de fer D.San
mayor.Comoo Miramolim chegou, ſabendo queo Infante o eſperava na cho.
quelle palanque, o tomou por deſprezo, & mandou dar às trombetas, &
mover a gente pera o combater .Foio combate muy pelejado, & tam bra
voque de húa parte & outra ouve muitos mortos & feridos, atè a noite ,
os partio. Eſte trabalho ſofrerão cinco dias, porque como os Mouros eraõ
tantos,renovavaoſe cada vez muitos ao combate deſde pela manhaá atê
noite:EIRey Dom Afonſo Henriquež quando ſoube, que o Miramolim
vinha ſobre o Infante ſeu filho,ajuntou a gente que pode. E veyo ao ſo
correr tanto a preſſa, ſendo elle entam ja de go annos , que aos tres dias
que o Miramolim era em Santarem ,eſtava elle em Porto de mòs. Os Mou
ros,ainda que ſouberaó de ſua vinda,não deixaram de perſeverar nos co
hates coin mais fervor cada dia, como ſempre fazião. Ao quinto dia eſta
va o Infante & os ſeus em tanto aperto ,que o palanque foitoto për ala
gemas partes , & muitos dos Chriſtãos mortos & feridos, & o Infante tam
hem ferido.Mas com tudo aquelle dia fe defenderam com grande animo
ģ naő forað entrados.E ja nao tinha modo algum de defenſam ,ſenain des
ſempararem o palanque,& acolheremſe à cerca. Mas vindo novas aos
Mouros neſte tempo,de el-Rey Dom Afonſo que vinha perto poſeram
tanto receo nelles, quecomeçaram perder o coraçao & delenpararem os
combates. E poucos & poucos ſe foraő ,como desbaratados . Quando os
Chriſtãos viraó, que os arrayaes dos Mouros ſe movião , & partião dende
H4 cilavas
-
CHRONICA
eſtavão,ſaio contra elles a gente de pè,& os Mouros ſe afaſtárað peraoons
de chamao monte do Abbade.Niſto começou apparecer elRey D. Afons
ſo com ſua gente,de que o Infante & os ſeus foraómuy ledos, & logo fe
puſerað todos a cavallo.E juntos com os delRey,deraó nos Mouros,fazés
do nelles grande matança,de que morreo grande partedos nobres,& ens
tre elles alguns daquelles Reys. O Miramolim foi mui ferido , & de feridas
Miramo mortacs,de que dahi a poucos dias morreo. Forao desbaratados os Mou.
lim &os ros com o favor delRey D. Afonſo Henriquez,que nao pareceo ,ſenão com
ſeus Re
mo Sol , que em apparecendo desfaz logo todas as nuvēs, tanto pode a au
ysMou- thoridade & diſciplina de hum bom capitão, & muy ledos elRey & 01:1
barata fante ſe tornarað . No arrayal dos Mouros acháraõ grandes deſpojos de
dos per ouro ,prata , & tendas armadas,& grande numero de cavallos, & camelos.
el-Rey Com todas eſtas couſas , & muytos cativos,entrarað triunfando na villa, &
Dom A- dando muytas graças a Deos.Eſte foio derradeiro feito em armas,que el
Henria Rey D.Afonfo Henriqucz fez,ſendojà de noventa annos, & em que nama
quez . moſtrou menos força de animo & braço, que quandoera mancebo. Final
mente cſta foi a mayor vi& oria dequantas ouve, aſli por a infinita multi
dão de Mouros,que com aquelles trezeReys vinhão,como por a feroci
dade daquellas gentes tam varias,& bellicoſas, & coſtumadas a tantas vic
torias,que ouvèrao na Aſia,Africa,& Europa,como por a pouca gente, 6
o Infante tinha, & a pouca que elRey trouve, vindo com a preſſa com que
acodio a ſeu filho,quenem os de ſua caſa poderia trazer todos.
Eſcreveſe daquellesMouros que eſcaparaő, que indo de caminho, pl
{ eraocerco ſobre o caſtello deAlanquer, & eſtiveraõ nelle alguns diasſemn
o poderem tomar , & dalli foraõ à Ruda, & a deſtruirao toda por terra,& da
hiaTorres-Vedras,que tambem tiverao em cerco alguns dias em vão.E 20
Morte paſſar do Tejo morreo o Miramolim das feridas que ouve na batalha de
de Mi Santarem .
ramolim
He couſa para ſe muyto ſentir, vivendo elRey D. Afonſo Henriquez
das fcri- mais que nenhum Rey de Heſpanha, & andando quaſitodaa vida com as
houye armas às coſtas , & tendo tanta materia em que as exercitafle, como foram
em San- tantos inimigos da Fè feus viſinhos Reyspotentiffinos emHeſpanha, &
tarem. outros, que de Africa o vinhao buſcar, & avendo delles tantas victorias,
deſpojandoos de tantas villas,& cidades,quantas avía de Coimbra para es
ſta parte de Alentejo & eſtremadura,nam temos mais informação, que a
que ouviſtes,avendo materia para delle & dos cavalleiros de feu tempo, q
forao muytos, & tam famoſos,fe poderem compor muitos livros.E para 4
ſe veja,o que de todos ſe pudera dizer,dirci sò de hum ,que o achei eſcrito
emhúaantiga lembrança; não o que fez em os muitosannos que viveo,
- "

ſenão o que fezo derradeiro dia de ſua vida, & na derradeira hora della,
Efte era hum Gdalgo per nome D. Gonçalo Mendez de Amaya, a quem
chamavão o Lidador,genro dc Egas Moniz,que cazou com ſuafilha Dona
or Lian
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ. 47
Lianor Viegas.Era eſte cavalleiro, ſegundo ſe eſcreve delle, de tanta for. Gócalo
ça,que não avia armadura porforte que foſſe,que elle não quebraffe,ferin- Mendez
do a quem a trazia,ou metendolha pelo corpo.Polo que atè idade de 95. de emhú Ama.
annos,a que chegou ,exercitava com o meſmo esforço as armas,como qua- ya
dia ven
do eramancebo. E fendo elle Adiantado delRey D. Afonſo Henriquez ceo duas
contra os Mouros ,aconteceo ,indo a correr a terra junto com Beja ,aver du batalhas
as batalhas em hum meſmo dia,em que foi vencedor,& acabou em ſeu of- contra
ficiode Lidador,como ſe chamava.A primeira baralha foi că aquelle Al-dousRe
boleinar,grandecapitão,naqual ſe encontràraõ ambos das lanças có tan - ros.
ys Mou .
ta furia,que juntamente vieraõ a terra.Na qual preffa Alboleimar foi foc
corrido dos feus Mouros, & D. Gonçalo Mendez de ſeus cunhados filhos
de D.Egas Moniz,que com elle hjão, & o puzeraó a cavallo, ficando poré
ambos feridos de feridas mortaes,& dos Mouros muitos mortos, & todos
desbaracados. Mas recolhendoſe D.Gonçalo Mendez muy contente com
a victoria de tantos & tais inimigos,nao ſabendo quam mal hia, viráo vir
à preſſa por hum eſpaçoſo campo a Aliboacem Rey de Tangere com mil
homens de cavallo,que paſſara o mar, pera cobrar o caſtello de Mertola,
com que hum ſeu tio ſe levantàra. Eſte Aliboacem tendo novas que Al
i boleimar hia em buſca dos Chriſtãos, para lhesdar batalha,ſe levantou em
rompendo a alva,deſejando de ſe achar nella, & o ajudar. O que ſabendo
; D. Gonçalo Mendez,& vendo o perigo em que eſtava, por as feridas mor
taes que trazia,fallou a todos os fidalgos que com elle hiáo,que por quan
toelle eſtava tam malferido das feridas que lhe dera Alboleimar, de que
fe lhe hia muyco ſangue, & porque as forças lhe hião fallecendo, pera fofo
frer o pezo da batalha,lhes pedia,que ſe elle nella deſapareceffe,ficaffe D
Egas de Souſa feu genro, queera de grande ſangue, & de grande bondade,
em ſeu lugar. Os fidalgos lhe reſponderao, que Deos o livraria daquelle
perigo:& queſe tal couſa aconteceffe, que elles fariao ,o que lhes elleman
dava.Mas mudandoſe a Dom Gonçalo Mendez a cor do roſto, & entene
dendo todos ſua fraqueza,que elle encubria, hum Dom Afonſo de Amigi
deconigo de Baiam, lhe diſſe que ſe deſarmalle, & aſſentaſſe no caminho
que todos morreriam ante elle.A o que Dom Gonçalo reſpondeo , que
Tuoqua Deos quiſeſſe, que elle nao uſaffe de ſua força, em quanto lhe
pudeſſe durar,nem deixar em tanto perigo taes amigos. E em chegandoſe
os Mouros a grande preſſa , & comettendo aos Chriſtãos, como a homens Mòrto
que
ſabiam eſtavaố canſados da primeira batalha com Alboleiinar , difle de Goita
Gonçalo Mendez :Senhores,eſtes Mouros vein a nos com muito grande çaloMé
furia,volvamos a elles.E alli os cometteram os Chriſtaós com grande ani- dez de
mo. Nos primeiros encontros cahio Dom Gonçalo Mendez do cavallo Amaya
como quem eſtava já ſem força,por o muito ſangue que perdera. Os fidal- das feri.
gos queeram muito ſeus amigos,& eſtremados em bondade,vendo cahi- das wafe
do feu capitam,& deſejando de o vingar, fizeram proezas nunqua viſtas. Calha,
Porque
CHRONICA
Porque ſendo em pouco numero,vencerao todosaquelles Moutos,fican
do porem no campo mortos a quarta parte dos Chriſtãos,entre os quaes
achårað morto a Gonçalo Mendez de Amaya.O qual com muytas lagry
mas & triſteza os fidalgos levarão honradamente, & lhe deraõ ſepultura,
eſpantandofe das chagas,que lhe virao ,quepor ſerem grandes,& em laga
res que as faziãomortaes,pareciacouſa maravilhoſa, bum homem de canta
idade poderlhe durar a força tanto, Delle não ficáraó mais q duas filhas
.f. D.Gontinha Gonçalvez, que foi a mulher de D.Egas Gomez de Souſa
& Moninha Gonçalvez ,que caſou com Dom Rodrigo Fuguuz de Tral
tamara . Os fidalgos que neſtas batalhas ſeacharam ,& que muito acom
Cavallei panhavam aGonçalo Mendez,& o ſeguiam por ſeu grande esforço , &
ros esfortliſciplina militar,& de que deſcendem muitas familias nobres de Portu
çados ý galera Dom Gomez Pães da Sylva,Dom Egas Gomez de Souſa, Dom
na guer: Godinho Fafes.Dom Mein Fernandez de Bargança.Dom Sancho Nunez
sa tegu D.AlvaroRodriguez deGuzmão,Dom EgasPirezCornel.Dom Go
Gonçal. mez Mendez Gedeam. Dom Sueiro Aires de Valladares. Dom Reiman
lo Men- Garfia de Porto carreiro .Dom Nuno Soarez. Dom Moço Viegas. Dom
dez da Monido Viegas.Dom Gonçalo Vaſquez.Dom Ligel de Flandres, que era
Amaya. Alcaide mór de Lisboa . Dom Fernaõ Mendez deGuindar.D . Payo Go
dijs. D. Ero Mendez de Molles. D. Payo Soares C apata. D. Mem Mo
niz.Dom Pero Paez Eſcacha,Dom Abaia,Dom Payo Delgado.
Quando el Rey Dom Afonſo tomou a cidade de Evora, por ſer terra
tam grande & abaſtada,& ficuada em parte donde commodamente podia
Ordem
dc Sam
guerrear aos Mouros, fundou nella huma milicia da ordem de Sam Bento
Bento,a quele a mais antiga,que ha em Heſpanha,que ſe veyo ſubjeitara ordem
agora de Calatrava. A qual ordem foi confirmadaper o Papa Innocencio 3. 10
chamam anno de 1204. ſendo ja fallecido el-Rey Dom Afonlo, & reinando Dom
de Avis, Sancho feu filho. A habitaçam dos cavalleiros era junto da Sé,onde ágora
inſtitui
da cl chamam a Freiria, que he hum bairro habitado de conegos. A Igreja em
Rey D.que le celebravam osofficios divinos,era a ermida pe Sam Miguel junta
Afonfo ao caſtello antigo da cidade, queſe desfez,que agora eſta junto com o col
Henri- legio do Eſpirito Santo dos padres da companhia de IESV. Eftes caval
quez . leiros ſe chamavao entam Freires ao modo Frances. Delles ou ve em Evo
Ordem ra fomente tres Meſtres. O primeiro foi Dom frey Fernando Roiz Mon
de Avis teiro, a quem el-Rey Dom Afonſo Henriquez deu Mafora , quando a to
mais an- mou aos Mouros. O ſegundo D. frey Gonçalo Viegas, filho de Dom E
tiga de gas Moniz , O terceiro Dom Pedre Anes,em cujo tempo ſe pafiou para
todas as Avis,reinando ja Dom Afonſo 3. Deſpois( como ſe dirà a diante) foie
ordés de
xempta da ſubjeiçam domeſtrede Clatrava no tempo del-Rey D.Ioami:
Herpas porque até entan era viſitada pelos Meſtres daquella ordem de Caſtella.
mli.
E coino el-Rey Don Afonſo Henriquez era amigo de cavalleijos , erao
muito mais de cavalleiros de ordens,porelle fer Princepe pio,& religio
10. Po
DELREY D. AFFONSO HENRIQVEZ . 48
o.Polo que tambem deu muitas dadivas & terras em ſeu Reyno à ordem
los cavalleiros do Templo , & aos do Hoſpital de S. loão de leruſalem ,a ģ
fez doação de oitenta mil dinheiros de ouro para ſe comprar tanta renda
com que ſe pudeſſe dar cada dia a todos os enfermos do Hoſpital da ſanta
cidade mantimento de pam, & vinho para ſempre.
AsIgrejas & Moſteiros,quede ſua fazenda fundou, & edificou,dizem, Igrejas
que forað 150.Entre as quaes edificou o grande & real Moſteiro de Santa & More
Cruz de Coimbra, a que elle teve ſempre grande devação, porque nelle teiros ģ
converſou na vida,& fe mandoj ſepulcar na morte,& a que deu tancas ren -fundou
Rey
das & valfallos,que os reſiduos,que ſobejão do gaſto dos Religioſos refor elD Afo .
rados,lao muitos mil cruzados, que ſe applicàrao à Vniverſidade de Co - To Hens
imbra,com que oje he a mais rica de Heſpanha.Edificou tambem o gran- riquez.
de Moſteiro de Alcobaça,a que deu tantas terras,como já diſſemos, pro
mettera quando foi ſobre Santarem,que em riqueza & grandeza he hum roMoſteis ris
Los grandes da Chriſtandade, & onde ouve jà tātos frades,quedizião nelle quilli
as horas perennes , que eraõ todas as horas do dia , & da noite eſtarem os mos, &
frades no Coro cançando ſem ceffar,ſaindo huns, & entrando outros . Edi- grandes.
ficou tambem o nobre Moſteiro de S. Vicente de Lisboa,a que deu muita
renda , Por a qual razãobe de crer que Deos lhe dava tantas viđorias.Nas Horas
quaesobras fua molher o imitou ,que deſua fazendaedificou outras comoperénes
forão algúas na cidade do Porto & Moſteiro de Leça hũa legoa da meſ vão em
ma cidade,& o Moſteiro da Coſta de Guimaraens,que agora he de frades o Mof
leronymos,S.Pedro deRates ,S.Maria deAgoas fantas,S.Maria dosGoyos,teiro de
& outras caſas, & hoſpitaes.E entre outras obras deixou réda perpetua para ça.
aver húa barca em Meijãofrio ſobre o Douro para paſſar de graça a todos
os paſſageiros.E em hús paços,que dizem ģ fez em Canavezes,para pouſar Rainha
es diasĝ ahi eſteve,mandou fazer a ponte ſobre Tamaga,fundou hú Hof- D. Ma
pital,a que deixou muitos bens & dereitos reaes, que ella tinha naquella falda fum
comarca.E outrasmuytas obras pias,que não vierao â noſſa noticia. O que cosMos
tudo ſe deve ateribuir à piedade & devação delRey ſeu marido. Cuja reſteiros,
ligião foi tanta,que o tempo que reſidia em Coimbra, eſtava comoosou- Igrejas,
tros Religioſos ſempre nos officios divinos. Para o que diſcingia a eſpada a & Hof
hua certa porta per ondeentrava à Igreja,queoje em dia os frades de fan -pitaes.
ta Cruz chamávao a porta de eſpada cinta,porque nella a tirava,& à faida
a tornava a cingir .
Foy elRey deſua peſſoa muy fermoſo & bem compoſto, & que com Feiçoes
muita ſerenidade quetinha,reprezentava búa bravura ,que convinha a hú delRey
grande capitão,queavia de ſer cerror dos Mouros. Por luas muytas virtu- D.Afor .
des,liberalidade, & juſtiça, era muy amado,& muy venerado dos ſeus, & fo Hen
muyto timidodosinimigos. Era tám confiado de fi, que (como ſe eſcreve riqueza
de Scipião Africano )o que elle determinava de fazer dava por acabado,
como lhe aconteceo em Santarem,onde diffc no dia de antes,que ao outro
dia
CHRONICA
diactariam dentro na villa,levando conſigo tam poucos, & indo a fazei
Coſtu-, hun feito de furto & ſalto.Em magnanimidade & fortaleza de braço, por
mncs, & dia contender com qualquer dos maiores capitaens dos antigos. Foi tam
esforço grande cortador de eſpada, que na batalha onde elle entrava, fazia fem
DAFA pre campo largo. Mandouſe ſepultar em fanta Cruz em huma cappella,
te Hen- que para ſi fez,donde elRey Dom Manuel o mandou tirar a elle & ael
riquez. Rey Dom Sancho ſeu filho & paſſar â cappella mór a humas nobres fer
pulturas,que de pedra branca lhes mandou fazer.Na qual trasladaçam te
Sepul-
tura.
vio ſeu corpo inteiro.Por a muita devaçao & affeiçam que tive àquello
fanto Rey,de que ouvira grandes couſas fendo eu eſtudante em Coimbra
alcancei com minha deligencia,aſli dos padres antigos,que foraó de ſanta
Santida- Cruz,como da gente da cidade,muytascouſas & milagres, que eu tenho.
de,& mi Polo que me eſpantei,os Reys ſeusdeſcendentes nao tratarem de o canos
lagres nizar. O que creo cauſarað ás calunnias & blasfemias que delle & da Ra
D.Afon inha ſua máy deixâraõ em memoria. Quando entrava nas batalhas veſtir
To Hen- ſobre as armas húa ſobreveſte,ou cota de armas, que me diſſerað homés an
riqueż. tigos , que a viraó , fer de hollanda, & guarnecida de hũa franja de ſeda
verde, com as a rinas Reais na dianteira, & coſtas della. A qual ſe tinha
en tanta eſtima,como de hua precioſa reliquia,por ſer daquelle
Refóſanto, & que asmulheres daquella cidade,q eſtavão de
parto, & padeciaotrabalho,amandàvaõ pedir, & logo
em ſe cobrindo co ella ſe viaõ livres. Aqual em hú
incendio que ouve na Sancriſtia do Moſteiro
{ e queimou com grande pezar das mulhe
res da cidade. Falleceo ſendo de
91. annos em Coimbra no
anno de 1185

CHRO
.
49

CHRONICA
DEL-RE Y DOM SANCHO
O Primeiro dos Reys de Portugal. O II.
Reformada pelo Lrecenciado DVARTE NUNES DO LIAM,
Deſembargador da Caſa da Supplicação.
RA o Infante Dom Sancho de 32. annos ao tempo que
ſeu pai el-Rey Dom Afonſo Henriquez falleceo E ao ter
E ceiro dia ſeguinte apos ſua morte,foia levantado em Con
imbra por Rey. O que foi a 9 de Dezembro no anno de
1185.E como naquelle tempo quaſi todo Portugal clia
ya cobrado dosMouros, vendoſe o novo Rey en paz, en
tendia no bom governo de feus Reynos.E afli pera engroſſar a terra,como
pera que oshomés nao ſe deſfem a vicios,eſtandoociòſos, & viveflem por Rey D.
Sancho
ſcu trabalho,fez romper muitos mattos, & lavrar muitas terras, & cultivá
las conforme aquillo pera q eraõ,dandoas & aforandoas, & fazêdo muytos 01.porg
razam
favores,aos q mais bemfeitorias fizeſſem . Polo que coin razaõ lhe chainá- Thecha.
vão Lavrador. E porque muitos lugares, dos dos Mouros ſe ganháram , mam lác
eſtavao desbaratados ,& outros de todo por clles deſtroidos , & feitosher- Vrador
mos, reedificou oscahidos,& os povoou, & lhesdeu povos foraes,como foSepova
raó as villas de Valhelhas, Penamacor,Sortelha, Bragança,Sea,Gouvea ,Pe
nella, Figueiró,Covilhãa,Folgoſinho ,a cidade da Guarda. E de novo fun- Ordens
dou Monte mór o novo ,&i a villa de Valença ;rcedificou Torres Novas, & de Sátia
50is& adem
ennobreceo a cidade de Viſeu,& a villa de Pinhol, Poio que tambem lhe Av
chamavão o Povoador.Ampliou o Meſtrado de Santiago,ſendo emtað in pliadas
friquido novamente em Caſtella, & Melire D. Sancho Fernandez Tercei per el
to em ordem , & lhe deu as villas de Alcacere do Sal, Palmella, Almada, Rey D.
Arruda.E a ordem da Freiria de Evora,que deſpoisde fe paſſar à villa de Sancho.
Avis,fe chamou daquellenome,deu Valhelbas,Alcanhede,Alpedriz, lu- ANNO
sumenha,ſendoMeſtre D.Gonçalo Viegasfilho de D. EgasMoniz.E41 187
ordem do Templo deu a cidade de Idanha. Ierufalé
| Neſias obras le ocupavaelRey D.Sancho no tempo q nao tinha guerras tomacia
con Mouros. E ſendo no anno de 1187. tomada a fanta cidade de Ieru- aosCliri
falem ,pelo Soldað Saladino ,com grande eſtrago de gente Chriſtă a,o Papa (táos per
Vrbano lll.que entað preſidia na Igreja de Deos , entre os mais Roy's Chi Suladi.
Nãos,lhe handou requerer,que aquelle fervor,com o ſeu pay.& elle por no Soi.
dar de
ſeguiràū os ſequazes daley de Mafamede ,o quizelle agora moſtrar má có Babilon
quitta da ſancta cidade,que com tanto oppr
1
obrio dos Princeses Chriſtãos
, nis.
lhe
CHRONICA
The tiràrao das mãos ,por a diſcordia delles. E q agoraem cõcordia ſe avia
de arar com os mais,pera vingar tamanha offenſa de Deos & da Religia
að Chriſtãa.Eſta empreza aceitára elRey ,& a acomettera,ſem fer requeri
do, porſeu esforço & religião, ſe ospovos lho naðcontradillerað. Porque
Portu lhepuferao diante o grande perigo em ý ſe punhãoascouſas de Heſpa
guetes nha,avendo aindanella tantos Mouros, & nas partes vizinhas de Africa,
não con-donde ſaiaõ cada dia com grandes exercitos,& vinhão contraosChriſtãos.
fentem Eğle ajudaſſe a cerrar húa porta às guerras de Aſia,abria muitas às de Eu
ý elRey ropa,em grande dáno da Chriſtandade. Polo q elRey fe madou eſcufar ao
* vàáguer Papa portaes & tað juſtas razoés,q do S.Padre, & doCollegio dosCarde
ra fanta aes forað bem aceitas, & louvadas,& o conſelho q elRey nilo tomára. E
& deixe ſendo elRey muy triſte ,porſe naó poder achar com outros Princepes em
a domé- tão fanta obra,&honroſa conquiſta,fatisfezem parte a falta de não ir em
ſtica.
peſſoa,có mandar grandes ajudas de dinheiro a Ieruſalé,pera aquella guer
ra . E pera o foccorro ſer mais perpetuo ,deu muitas villas & terras às novas
Ordens ordés do Teplo,& do Hoſpital de S.loão;cujas rendas ſe arrecadavão pe
doTem- los Meſtres, & Priores, 5 daquellas ordens pelo Reino eraodeputados. E
plo &do quanto mayor foi o impedimento,q feus vallallos lhe poſerao,a ir a guerra
Hoſpital de ultra mar,tanto mayor foi o deſejo, q lhe creſceo, de fazer guerra aos
amplias Mouros,pornãoparecer,ộ buſcava ocio em tempo, tantosPrincepes pem
daspor lejavaofora de ſuasterras, por exalſamento da Fé deChriſto. Polo que
D.Sácho logo levantou as tregoas,quecom os Mouros tinha aſſentadas,& correo,
deſtruhio muitas terras da fronteira da Andaluzia,
Naquelle teinpo correndo o anno de 1188. entre muytas gentes, gre
ANNO de toda a Chriſtandade hiao á conquiſta da terra ſanta, forao certos ſenho
1188 .
res principais de Dinamarca ;Phriſia,Hollanda & Flandres em hűafroita
1
de cincoenta & tres naos.E ſegundo Nicolao Gilè nosannaes de França,
era de oitenta & fere.f. cincoenta de Dinamarca , Phriſia, & Hollanda, &
trinta & fete de Flandres. Aos quais no mar de Heſpanha ſuccedeo huma
tao grande tormenta,que os deitou no porto de Lisboa.ElRey D. Sancho
que entao eſtava em Santarem,ſabendo da vinda daquellas gétes, & de ſua
tenção, veyo a Lisboa,& os mandou agaſalhar & honrar, & provelos de
mantiméros & refreſcos neceſarios. E porğ os tépos a corrião,eraó contra
rios a ſua navegação, & naó podiao ſair do porco,comunicou com os Ca
pitaés delles,ģpois ſeu propoſito & voto q fizeraó, era de ſervir a Deos
contra infieis, a em Portugalpodiao empregar ſeus deſejos,& pera ahi có
mutar ſeus votos.E para cfte fio, parecia, Deospermitrira ſua tardança
naquelle porto.Porg tinh: Mouros algús lugares tomados , em grande
dano & perigo dosChriſtãos,a cada dia dallà acometiao, & em hum
deſtes devịað logo de ir provar fuas forças. Os cavalleiros eſtrāgeiros apro
våraó o conſelho delRey.E tratando do lugar a que deviaõ ir nað ſe achou
outro, pera q nais razoés ouveſſe g a cidade de Sylves ro Reyno do Al
garve,
DELREY D. SANCHO O PRIMEIRO , 50
garve,queera hum lugar na coſta do mar,em que os inimigos & coffarios
tinhão grande acolheita,& nelleachavao muytas proviſoēs,pera poderem
fair, a fazer ſuas preſas nos Chriſtãos.Aoseſtrāgeiros pareceo bé a determi
naçao delRey, & logo ſe concertàrao, dandolhes Deos a cidade em ſeu
poder,elReya ouveſſe com feu ſenhorio , &que có elles ficaſſe o deſpojo
todo,que fe nella tomaſſe.Entre tanto mandou elRey ao Conde D. Men
do de Soufa, ou Souſao, como entao diziaó,que foffe por terra co o gente
LE
g eſtava preſtes, &oseſtrangeiros foſſem pormar.
Chegando os da frota eltrangeira a hủ porrojuntoa Sylves, pozerão
fua gente em terra,& affentârao ſeu cerco.O conde D.Mendo, como prus
dente capitao que era,lhes diſſe,queo melhor meyo, que avia pera por
pavor nos Mouros,& fazerlhes enfraquecer as forças,era ſem mais dilação
darlhe logo cõbate.E codos de hú acordo lho deraó mui rijo,& apreſſado,
& por força entràraó os arrabaldes da cidade,q erão cercados.OsMouros
deixando muitos dos ſeus mortos & feridos,ſe recolherão à cerca. A qual
fora dos Chriſtáos entrada,ſe os eſtrangeiros ſe não occupáraó em roubar
a preza & deſpojo dos Mouros,em quemoſtràrao tanta cobiça ,ou enveja,
que ao que não podiao tomar punhão o fogo,poroutros ſe não aprovei
sarem do que elles nao podiaó gozar.
ElRey D. Sancho entre tanto ficavaajuntando & apurando ſua gěte, &
com a melhor ſe foi por terra a Sylves,& a outra mandou por mar em húa
frotta de 40.galès,& galeotas,& muitos outros navios carregados de mu
niçoes & mantimétos, & o mais que compria pera ocerco, & chegou à ci
dade.Có cuja vinda forao os Chriſtáos mui alegres,& os Mouros muy tri
ktes.E logo elRey mandou armar os engenhos & maquinas ao redor da ci- poſt
Cerco
o à
dade,& repartioos cõbates,& a gente em ſeuslugares, & começaraó a co cidade
bater:Os Mouros como homës ,q nao eſperavão falvação, pelejavão & fe de Syl
defendião de maneira , 4včdo elRey as nuvés de ſértas,ě chovião,& as mui vesper
tas pedras ,q dos muros lançavão ,mandou aos ſeus,q ſe afaſtaſſem .Oseſtră- el-Rey
geiros vēdo tão perigoſos cõbates , determinarao,de por minas ſecretas der cho
D. San
&
focarē osmuros.Mas osMouros entendédo ſeu diſfignio, por veré aflo huma
závão oscóbates ,fizeraõ contraminas nos lugares,onde lhes pareceo, a po- frota de
devião fair os Chriſtãos.Poloſ lhes ſahio vão o trabalho ,& começàrao fa- eſtrágci
zer outras mais altas.Por q os cóbates pera ſe a cidade comar a eſcala vi- tos.
fialbos parecião mui difficultoſos.Masnem por iſſo deixàvão de cohater
por todas as vias.Durava jà o cerco tres ſemanas, & via elRey opouco 7
tinha aproveitado , & muitos mortosdo ſeu arrayal.Mas determinou de o
não levátar ,atè tentar por todas as vias para ſaircó ſua empreſa. E védo ,&
os Mouros tinhão húa couraça de muros mui fortes correjada,por onde le
provião de agoa de hú poço ,que atinha muita & boa,decerminou de por
todas ſuas forças por lha comar . E tantos engenhos buſcàrao de matas cu
bertas ce couio ,co q ſe amparàváo , & tant as maquinas chegàraó aos mu
12 TOS
CHRONICA
ros & eſcalas de que muitas vezes forað lançados, ficando muitos mortos
& feridos,quea couraça ſe tomou,ſobre a qual muitos Mouros micran
muy esforçadamente.
Tomada á couraça,perſeverou elRey em combater a cidade. Mas por
que a conſa hia de vagår.começàraó os eſtrangeirosa anojarſe, coin tama
aha dilaçam , & tomando conſelho com os Sacerdotes,que trazião, ſeram
36.ſe deſiltiriam daquelle cerco, elles por ſerem homens virtuoſos & pi
osos reprehenderam de maneira de fua inconſtancia, que como foy ma
nhấa, le armàraó & com muyta alegria deram hum grande combate à ci
dade.Os Mouros que tomadaa couraça,dentro padeciaámuyta cede, &
neceſſidade,ſem eſperança de ſoccorro,começáraó a cuydar, o modo que
teriaõ deſalvarſe. E alguns vierað a elRey,pedirlhe as vidas,pera fy,def
cobrindolhe as faltas em queos da cidade eſtavaö , & os muytos que jà mor
rião de ſede. Sendo ja mez & meyo paſſado, que eſtavão ſobre a cidade,
começaraõ os Portugueſes a murmurär, dizendo, o melhor cõſelho feria
pera elRey & pera todos,deixar o cerco, & iremſe, por a grande fortaleza
da cidade & defenſa o que nella achaváo. Mas os eſtrangeiros, ou por terë
o tento na empreſa,q eſperavað,ou por nað ficartal cidade em poder de
infieis,moſtraraðmuyto deſprazer,& differao a elRey, q nao era pera til
Rey,& taes cavalleiros como conſigo tinha,deſiſtir de couſa tambem co
meçada, & em ģcinha porto tanto cuſto de tempo & vidas de muytos.Eq
alem diſlo ſe lembraſſe,do que com elles tratára, & como deixàraó a via
gem & propoſito que levavað,por o ſervir. ElRey folgoude vera tenção
daölla gente , & lha louvou , & lhes prometeo, nunca lhe faltaria de ſua pa
lavra, në te levantaria do cerco,atè elle,ou os inimigos ſeré cõlumidos. Os
eſtrangeiros louvando a coſtancia delRey,entre îi affentàrað, ģ pożeſlem
1
todas ſuas forças em cobrar a cidade. E q eſtiveflem no cerco até hű certo
répo limitado dentro do qual ſe a não tomaſsé a hűs & outros ficaile livre
fem quebra de ſuas verdades, partirëſe delle. E pera mais deſembaraço &
menos culto do exercito,acordàrao ĝ os enfernios , & as molheres,ſefaiſsé
fora do arrayal.E pory eſta gente fazia grande vulto.cuidárão os Mouros;
quado os virao ir,gocerco ſe começaua alevantar.Mas vendo depois gcs
9 ficàvão te fazião mais fortes, entenderão ,g era moſtra de o cerco ſe pro
lógar mais. Neſte tēpo morrião jà muiros dos Mouros de fede, & de outra:
:
neceſlidades; & o fedor dos corpos mortos, ġ ja nao podiaó enterrar,era tá
: 80,qos vivos deſejavao jà a morte. Pelo que vendole ſem eſperăça de mo
lhoria, determinárað, em tantosmales eſcolhero menor,que era perderen
a terra,& as fazendas por aflegurar as vidas. E a rogo de todos os da cida
dejta16 oAlcaide acopanhado de dous Mouros principais,& có roſtros nvi
qilies vieraõ ante elRey,dizendo ý lhe dariaó a cidade. E que por ſua be
nignidade & clemencia quizeſſe que elles fe ſahiffem com tudo o queti:
abain. ElRey ledo co o offerecimento , & doendoſe como homé da miſeria
daquc
DELREY D. SANCHO O PRIMEIRO . 51
daquelles homés,lho concedera logo ſe o pudera fazer ſem dar conta aos
elirangeiros.Elles movidos da cobiça,& crueldade barbara, que he natu*
sala algúas daquellas gentes Septentrionaes,não quizerao conſentir, ſ os
Mouros ſe comaſſem a partido.Mas que poſto a parte todo perigo, 5 po
delle acontecer ,as Mouros todos morreſſem ſem delles ficar algù vivo.El
Rey,que de ſua natureza era humano & clemente,avendo miſericordia co
Os Mouros,co brandas palavras inſiſtio tanto, g mitigou os animos daqlles
honės,& acabou co elles que aos Mouros ſe deſfem as vidas,& q fòmente
citaffem asmais vàs roupas,com ğ ſahirão veſtidos, & aflifez, queoseſtran- Sylves
geiros da frorta ouverað todas as riquezas,quelhesforaőachadas, & com foitoma
ellas ſe forao contentes ſeguindo ſua viagein.E a elRey ficou a cidade de da zos
Sylves . O que foi ſegundo as eſcripturas dePortugal no anno de 1189 Mouros
8 ſegundo os annaes de França no anno de 1188 .
Nomeſmo anno de 1189.0 Miramolim Aben luſeph Terceiro Rey dos ANNO
Alnocades,irmão de Miramolim Aben Iacob ,que morreo junto do Tejo 1189 .
cuando foi de Santarem com grandes companhias de Mouros de Africa,
& deHeſpanha,entre os quaes vinhão os Reys de Cordova , & Sevilha,en
trou em Portugal por tres partes. ElRey de Sevilha pelo Algarve O qual
deſpois decorrer & deſtruir a terra,poz cerco á cidade de Sylves, que avia
pouco fora tomada aos Mouros. O Miramolim entrou por cima de Gua Miramo
diana & paſſou o Tejo. E deſpois de fazer muytos danos, & roubos,foicer lim de
car o caſtello de Torres Novas queſeu irmãodeſtruira &que já eſtava re. Marro
parádo;o qual ſe lhe deu a partido de ſalvar as vidas. ElRey de Cordova cos tor
entrou porAlétejo,& chegando a cidade de Evora ,talhou as vinhas,& o- na fobre
livaes, & arvores de fruto,& queimou os påcs,q ainda não eraõ colhidos.E Sylves.
fazendo muitos danos ſe foi ajūtar có Miramolim , 5 tinha aſſentado ſeu
arrayal junto do Tejo.E por grande mal ſ ao Miramolim deu de fluxo de
entre,ſe partio & fuipelas villas de Tomar, & Abrantes, co tenção de as
tomar. Mas por a preffa da doeça,elle,& elRey de Cordova deixáraó a em
prefa,a g vinhão ,& ſe tornàraó a Sevilha.Eſta deve ſer a grande entrada
dos Mouros ,de que o letreiro da pedra antiga, que eſtá à porta do Convē.
to de Tomar faz menção. A qual diz q forao de cavallo quatrocentos mil.
EiRey de Sevilha ġ andava guerreando no Reyno do Algarve & per
Alentejo , ſabendo que o Miramolim feu irmão era partido com elRey de
Cordova,ſe foi para elles.ERey D.Sancho, como prudente qera, venda '
tantos Reys,& com tað innumeravel multidão de gentes vir contra fy, não
cujou de lhes apreſentar batalha, mas ſoccorrendo onde compria,eſperava
por tempo paralivrar ſua terra de poder de Mouros, & cobrar o que lhe
ainda tinhão de ſua conquiſta,como fez.
Alem deſtas adverſidades de entradas de inimigos, ouve outras muitas,
que deraó a ElRey D. Sancho muito deſcontentamento Porque ouve tað
grandes invernadas algús annos,& tao deſacoſtumadas chuvas,alli pola per
13 ſeverança
CHRONICA
ſeverança, dellas,como pola multidamdas agoas, que ſeperderam as no
vidades de pam ,vinho, azeite, & frutas de todo. Porque o pouco que fica
vao comeo a grande multidam debichos, que nafciam como praga doceo.
A posiſto ſuccedeo'tamanha ſecca & quentura, em tempos de Autumno
& Inverno,que nam podiam os homenscultivar as terras. Com eſtas tro
cas de tempos contra o curſo natural, ſobreveyo grande peſte, principal
mente na terra de San &ta Mariado Biſpado do Porto,de que morreo tan
ta gente,quepovoaçoens grandes ouve;ondenam ficaram vivas tres pel
I
foas. Na terra de Braga adoeciam homens & molheres de doenças detaó
terrivel ardor, & raivoſa quentura,que lhes parecia, que lhes ardiam as
entranhas, & com raiua ſe comiam a ſi meſmos, & morriam fem remedio,
Alem diſlo ouve muitos annos tanta falta de 'mantimentos, que muyta
gente morria, & os que viviam ,ſe foſtentavaõ de ervas do campo, quan
do as achavão.
Paranão faltar eſpecie alguma de ' males,a pos afome & peſte, & gra
Rey de vcs doenças fuccedeo crua guerra.Porqueſabendo el-Rey de Sevilha,que
Sevilha entamera'mui poderoſo, asneſcecidades em que ospovos de Portugal
cerca a ſtavam , & a pouca reſiſtencia que nelles podiaachar,veyo com muyto el
Alcacer
de Sal, trago per onde pallava,poscerco a Alcacere do Sal, queelRey Dom Af
& oto fonſo Henriquez ganhara,& o combateo & tomou . Poloq os moradores
ma. das villas dePalmella,Cezimbra, & Almada, vendo,queAlcacere,que era
Palmela, humna villa tam forte & principal,fora tomada tam ſem reſiſtencia, nem
Almadı
Gezim
ſoccorro, deſconfiados de ſe poderem defender, deſempararam aquelles
bra, le lugares, & ſe foram a outros,ondelhes pareceoeſtariam mais ſeguros. Sa
deſpo bendo el Rey de Sevilha dos deſpojos daquelles caſtellos, veyo aelles, &
5 voảo có os deſtroio até os fundamentos.Deſpois foi ſobre a cidade de Sylves, que
:
medo pouco avia, que el-Rey Dom Sancho lhes tomara, & de tal maneira a cer
dosMou
1

Ios os
cou,& conbateo, quevendoſe os Chriſtãos de muyto tempo cercados, &
deltrui. em muita neceſlidade, & que lhes não vinha ſocorro,deraõ a cidade a par
ram . tido das vidas & fazendas. A eſta neceſlidade nam pode el-Rey DomSão
cho foccorrer,por a guerra em que andava com el-Rey de Liam.Polo que
os Mouros foram ſenhores da cidade de Sylves , atè o tempo del-Rey
Dom Afonſo 3. & neto delRey Dom Sancho, que com muytos lugares
do Reyno do Algarve a tirou da mão delles.Deſtaentrada delRey de Se
villa, reccheo Portugal muito damno.Porque alem de os Mouros levarem
grandes roubos,levaram tambem muitos Chriſtão captivos, que paſſaran
alem do mar. Polo que paradar algun deſcanſo ao povo , que tantos
males padecia, el Rey Don Sancho commetteo tregoas a el Rey de Se
vilha por cinco annos,quepor ſua parte foraő aſſentar hum Pedro Afonſo
& Gil Fernandez feus vallallos.
No meſmo tempo que el Rey Dom Sancho fez tregoas com el Rey
de Sevilha, tinha differenças com el-Rey Dom Afonſo de Liam,& lhe fa
zia guero
DELREY D. SANCHO O PRIMEIRO . 52
zia guerra,& lhe tomou em Galliza a cidade de Tui,& as villas, de Pon- Terras
te Vedra & Sam Paio de Lombeo, & outros lugares, que em ſua vida te- deGali
ve. E deſpois os Reys ſeus ſucceſſores por concertos reſtetuirao ao Rey- Re
za, yq D.
El
ne de Liam. Sancho
Neſtes tempos fando o anno do Senhorde 1198, teve principio a or- I.tomou
dem da Santiſlima Trindade de redempçam de captivos , que foi inſtituida a clRcy
não per homës,ſenam pelo meſino Deos. Os meyos porque a deu & reve- de Lião
lou foi eſte. Em hum lugar erino de França,na terraMeldenſe( que ſe em Orde da
Frances chama Meaux ,& antigamente Meldas, onde o rio Marne divide fantilli
a França da Gallia Belgica ) viviam dous Ermitaons,hum per nome Joam ma Trin
de Mata,outro Felix ,em grande aſpereza de vida & deſprezo das couſas dade in
do mundo. E avendo tres annos que nella perſeveravam com grande odor ſtituida
de fan& idade,que delles ſe derrainou.Tiveram muitas revelaçoens, que por Des OS.
para proſeguir a vida que faziam mais perfeita & feguramente, pedillem
20 ſanto Padre , que entam era Innocencio 3. regra & ordem de viver , &
it foram caminho de Romà,onde antes de chegarem ao Papa , lhe foi a
site revelado pelo eſpirito de Deos da ida daquelles padres ,& deſua pe
tiçaın , Polo que os recebeo & agaſalhou como à homens mandados per
Deos ;& propondo no conſelho dos Cardeaes a revelaçam que tivera , & a
petiçam daquelles ſantos Ermităos lhes encomendou que rogaſſem a Deo
os lhes demoſtraſſe ſua vontade, & que ſe confeſſafTem & poſeſſem em o
raçam . E ao outro dia elle diria miſſa ,em que o pediffe a Deos. Ao ſe
guinte dia,que era de ſanta Ines 28 de İaneiro de 1998. diſſe miffa em S.
Toam de Lateram com aſſiſtencia dos Cardeaes ,& preſença dos Ermitãoš
& ao levantar do corpo do Senhor lhe appareceo hum Anjo veſtido de
branco com huma Cruz nos peitos de vermelho & azul , & com as mãos >

poſtas em cruż tendo em huma dellas hum captivo Chriſtáo ,& ein à oua
tra hum Mouro ,como que trocava hum por outro . Acabada a miſſa cha: ?
mouo Papa ảos Ermitãos, & deſpois de lhes fazer huma larga pratica , os
tekio da maneira que o Anjo lhe appareceo de braneo ,com as Cruzes de
cores, & lhes mandou que ſe chamaffem da ordem da Sanétilina Trindaa
de de redépçao de captivos. Porque para pregar os myſtcrios da fan &tilli
ma Trindade, & remir captivos os chamnara Deos.É no monte Celio em
lama,lhes mandou edificar hum moſteiro. E por eſta ordem ſer revela
dla per Deos,trazem os ſeus eſta letra Hic eftordi approbatus non à Sanelis face
Inicitiisſed a jolo jumine Dio . O fructo que a Portugal reſultou deſta ordem
he muigrande. Porque como os l'ortugueſes trazem guerra perpetua có
o Slouros tem ſempre os religioſos della materia de exercitarem as obras
da redempçam dos que ſe cativavam ,no que tem feito notavel ſerviço
Deos com captivos que reſgatam ,andando por iſſo arriſcados a muitos i

paigos para os contolar,& remir , & fazer com ſuas anoeſtaçoens que eſ
ise firmes na fé,& para as converſoens que fizeram de muitos Mouros &
14 Iude
CHRONICA :
ludeus,a riſco de ſerem martyrizados. Nem ſe deve ter menor fru& o de:
fia ordem as obras de miſericordia, que ſe neſta cidade & em todo o Rey
no fazem por irmandade della, que o M. Fr, Miguel de Contreiras frade
da meſina ordem ,& confeſſor da Rainha Dona Lianor inſtituio de prin
cipio,ſendo elle o autor & executor della. O qual tomou por officio pe
dir per fua propria peſſoa eſmolas para remir os que eraõ captivos , curai
os que crað enfermos, ſoltar os que erao preſos, alimentar os pobres , cas
far asorfaás, foitentar as viuvas,& preſuadir a el-Rey Dom Manuel, que
criaſſe caſas de miſericordia & lhes appropriaffe rendas, & deſſe previle
gios. Por o que he a mais celebre confraria da Chriſtandade. Cujo trasa
lado fam as mais confrarias da miſericordia que ha neſte Reyno, & no co
Algarve, nos lugares de Africa noſlos,nas Ilhas; no Braſil,na India, & em
todos os ſenhorios de Portugal . Para cuja perpetua lembrança nas ban
deiras das confrarias da miſericordia de todas as ditas partes ſe traz a imia
gem de frey Miguel de Contreiras com letras que moſtraó ſer elieo inftits
idor. Polo que com razam ſe pode eſta ordem chramarfabricada per Deos
de cujos religioſos taes obras procedem . Por a ſingular devaçam que a
eſta ſanta ordem tenho, & amizade com muitos padres della, ein virtu
des & em letras inſignes, de que recebo eſpiritual confolaçao, lembrei fó
iſto do muito que ſe della pode dizer.
A EN O Correndo deſpois o anno de 1199. foi aquelle grande & memoravel
I 199 . eclypſe do Sol, que começando entre a ſexta & noa, ſe fez todo negro
como pez ,& de dia mui claro que era,ſe tornou noiteapparecendo a Lua
Eclypſe & as eſtrellas. Por cujo eſpanto os homens & asmolheres de todo eſtado
do Sol cuidando que era o fim doinundo, deixando ſuas cazas & fazenda,ſe aco
(cipanto-
o. Theram as Igrejas querendo nellas acabar. E deſpois que a luz ſe reſtito
io, foy a Lua viſta em ram deſvairadas maneiras, que cauſou outro eſpan
to nað menor. E foy tam grande & defacoſtumado eclypſe,que da hi em
diante como couſa notavel, referiaõ os homens os annos, & conta do tem
po a eſte acontecimento comoſe referia ao naſcimento de noflo Senhor
Iesv Chriſto ,ou à era de Ceſar.
ANNO A poseſte eclypſe no anno ſeguinte de 1200. por grandes & continu
as chuvas,queſobrivieraõ em todos meſes daquelle anno, fenao poderann
1 200. fazer fementeiras,de que veyo huma tam grande fome, que dizem della
Tempe- morrer a terça parte da gente, principalmente no Reyno de Galliza, on
ftades& de ſc deſpovoaraó muytos lugares. E deſteanno atê o de 1206.ouve neſte
jomegrá Reyno no mar & na terra muitas tempeſtades,que cauſaram grades danos,
de ğ ou- afli nas peſſoas como nos navios & mercadorias,& nos gados.
ve em

Portu A derradeira couſa qne el Rey Dom Sancho emprendeo foi no anno
gal. de 1200. em que tomou aosMourosa villa de Elvas,onde ja levava conf
go o Infante D. Afonſo ſeu filho primogenito.
Por eſte tempo florecia o glorioſo S.Domingos de nação Heſpanhol,
natu
DELREY D. SANCHO O PRIMEIRO. 53
natural da villade Calarvega do Biſpado de Oſma, da nobre géraçam dos
Guzmáes,com cuja do& rina & prègaçaro ſe apagou a diabolica ſeca dos
Albigenſes, que naquelle tempo prevalecia na cidade de Albi , de que os
fe& arios tomaram o nome. Dos feitos milagres & proceſſo da vida deſte
1
grande Patriarcha ſe.verà nos muitos eſcriptores, que delle eſcreveram.
Sendo começada eſta ſanta ordem no anno de i 205. em tempo do ſan & o
Pontifice Innocencio 3. veyo a ſer confirmada per o Papa Honorio 3. no
anno de 1.216.- & lhe deu nome de ordem dostrègadores por ſeu inſti
tuto ſer prègar a Fé de Chriſto contra infieis. Deſpois de peregrinar près 1
gando per toda Europa, paſſou eſte bemaventurado Santo na cidade de 1
Eunha a 5 de Agoſto de 1223. E poros milagres que por ſeus mereci
mentos obrava foi canonizado pelo Papa Gregorio 9. no primeiro anno
de ſeu Pontificado , que do naſcimento de noſſo Senhor foi 1227. Eſtá
fanta religiam por os inuitos ſantos & varoens allinalados em virtudes &
letras que nella ouve em todos tempos, & poro grande fructo que na I
greja de Deos fizeram & fazem neſte tempo, veyo a tanto creſcimento
que conta M. Antonio Sabellico nas ſuas Eneadas que eſcreviá em tem
po del-Rey Dom Manuel,& do Pontificado do Papa Alexandre 6. avia
na Chriſtandade 21. provincias,& quatro mil & quarenta & tres mof
teiros, afora os que avia na Armenia, & no Abexim, & em Conſtantinos
pla, & entre infieis, que com os que deſpois accreſceram nas Indias Ori.
entaes & Occidentaes, que he outro novo mundo ,& nas ilhas deſcuber
tas,devem ſer muitos mais de ſeis mil. Por a authoridade deſta grande ora
dem fer tanta em todo o tempo tiveram ſempre os Pontifices hum reli
piolo della por meſtre da Camara Apoſtolica , & os Reys de Caſtella
hum confeffor.
Outrarcluzente eſtrella daquella idade foi o benaventurado San Fră
ciſco, que floreceo em ſantidade,& na maravilhoſa maneira de ſeu viver,
Eta efic Santo natural de Aſſis cidade de Vmbria, que agora chainam ,a
Ducado de Eſpolebo. O ſeu trato era de mercador occupado em garihos
de couſas da terra , que deixou por ganharo ceo, ſem lhe ficar mais do
mundo que o deſprezo delle, & hum habito velho com que cubria fuas
carnes. Com eſta pobreza & fimplicidade de vida ſe determinou ſem man
is letras piégar a Fe deChriſto com dezcios de padecer martyrio por cl
le. O quedo Soldam de Babylonia a que quis prégar nao alcançou. I'or
qt: c eſpantado daquella aſpereza de vida, & deſprezo do mundo, o reces
leo bem . Mis fundolhe intredi&to o prégar,fruſtrado do que eſperava,
ſetornou a Italia ,& com 12. companheiros, que ſe a elle chegarain no
arno de 1209. inſtituio lua ordem, & lhe chamou por humildade, dos 2

frades menores. A qual recuſando muytoconfirmar o Papa Innocencio


3. por lhe parecer demaſiadaá carga que punha aos religioſos, foi defe
joisconfirınada pelo Papa Honorio 3,no anno de í 223. Efta örde:1 tain
foi
CHRONICA

tam abraçada de todos,& fe propagou tanto, que parece ja couſa impoſ.


fivel faberſe o numero dos molteiros que della ha. A vida milagres & cou
ſas deſte Patriarcha de tantas gentes, fe verâ pela chronica que delle el
creveo o Biſpo do Porto Dom frey Marcos ſendo religiofo de ſua ordem,
Seu tranſito deſta vida para o ceo, foi no anno de 1227. & no de 1229.
foi canonizado pelo Papa Gregorio 9 .
Neſte meſmo tempo do felice Papado de Ionocencio 3. em que tantos
Santos concorrerao, que inſtituiram as religioens com que ſe oje ſuſtenta
& alumia o mundo, teve tambem principio a dos Carmelitas, cuja origem
foi eſta. No monte Carmelo que eſtá na regiao da Paleſtina muy cele
! brado na fagrada eſcriptura,pornelle fazerem habitaçam aquelles dous
grandes Prophetas Helias & Heliſcu,viviam alguns religioſos Ermitaong
derramados por aquelle monte à imitaçam daqelles dous Prophetas. Os
quaes hum homem fanto per nome Almerico,per authoridade do Patria
archa de Antiochia ajuntou em hum corpo ,& lhes deu ordem & regra
em que viveſſem em huma Igreja,que no meſmo monte eſtava edificada
da invocaçam de noſſa Senhora de monte Carmelo. Os quaes em tema
po do Papa Alexandre Terceiro, começaram aſer conhecidos. Deſpois
Alberto Patriarca de Ieruſalem lhes deu mais reformada maneira de viver,
conformandoſe em algumas couſas com a ordem de Sam Baſilio , & lhe
deu hum habito meſturado de algumas cores, & bandas de ſeda. Com ó
qual creſcendo a reputaçam, creſceo tambem contra elles a enveja de
alguns, que os tachavam de veſtirem hum habito,que era loução.Polo que
o dito Patriarca Alberto lho mudou nas cores & maneira agora trazem ,
Porque aſi dizem que o trazia o Porfeta Eliſeu .
Revere- Foi elRey Dom Sancho mui esforçado , & que em tudo ſe parecer
cia có ý com el-Rey Dom Afonſo Henriquez feu pay, ſalvo no tamanho do cor
c/ Rey po , que foi menor ſegundo ſe vio pelos corpos de ambos, que eſtavam in
D. Ma
noel vio teiros quando ſe paſſaram as novasſepulturas,que lhes el Rey Dom Ma
OS cor nuel mandou fazer no moſteiro de ſancta Cruz de Coimbra. Ao qual té
pos dos po ſe o dito Rey achou preſente, eſtando com o barrete fóra de giolhos,
Reys D. & muitas cochas acceſas,venerandoos nað ſómente como Reys & feus
cellente es, de que deſcendia, mas como varoens tam
inſignes & ex,
& Do anteceffor
Afonſo, m s.
Sancho.
Quatro annos antes que el- Rey Dom Afonſo Henriques falecelle ,can
zou el Rey Dom Sancho com D. Aldonça filha do Princepe D. Ramon
Berenguer Conde de Barcelona , & da Rainha Dona Petronilha filha &
herdeira del - Rel D. Ramiro de Aragao ,o que foi monge. Da qual ouve
nove filhos , de que quando falleceo deixou oito vivos. Primeiramente
: ouve o Infante D. Afonſo primogenito, que apos elle foy Rey , & naſceo
dia de Sam Jorge do anno de 1185 .
! Houve o Infante Dom Fernando,quenaſceo logo no anno de 1186.
cle
DELREY D. SANCHO O PRIMEIRO. 54
E ſendo homem de muitos eſpiritos, per interceçam de Felipe o Augu- Infante
fio Rey de França,& ſua tia aRainha Dona Tareja Condeſia,que fora de D. Fer
Flandres,a que os Framengos chamam Mathildis veyo caſar com Mada- nádo cao
ma Joanna Condella de Flandres filha de Balduino Émperador que foy za com
de Coſtantinopla. Foy eſte Princepe porſeu esforço &grandeza de ani- Códelfa
mno,muy temido, & muy amadode ſeus vaſallos.E por deſgoſtos que com de Flane
o dito Rey de França Felippe veyo a ter,por lhe uſurpar certas villas de dres.
ſeu eſtado injuſtamente, que lhe naó queria alargar,fez liga contra elle
como Emperador Otho.4. & com loam Rey de Inglaterra tio do mel
mo Emperador,& com Reynaldo Conde deDampmartim ,& com outros
grandesſenhores.Eencontrandoſe com el-ReyFelippe no lugar deBo
nis celebrado dos Franceſes,pola batalha que ahi ouveram ,foram os Frá
ceſes vencedores, & os da liga desbaratados,& muitos preſos,entre os qua
es foi o Infante Code D. Fernando, por ſer o principal, & de que mais ſe
acmia,foi levado em hū.carro carregado de ferros. E entrando con elle em
Paris como triunfando,fizeram a el-Rey muytas hóras, & ad Infante muy
tes vicuperios & afrontas & cantigas ſobre o nome de Ferrando, afli lhe
chamavam elles, & porosferros com que hia atado, & carreta ferrada,em
que o levavam , conſentindo-o o melinoRey, com húa liviandade Fran
cefa, & contra ſua authoridade Real, & dignidade daquelle Princepe filho
de outro Rey coino elle. O Infante foi preſo em Paris na torre que chama
vam Luvra,& ahi eſteve 12 annos,ondedizem alguns eſcriptores France.
íus ý morreo. Outros dizem que foi ſolto , & que per novas rebillioens
qire cometreo , foi deſpois morto em guerra. E hons & outros erram. Infante
Poró por cauſa del-Rey Philippe jurar denunqua em ſua vida ſoltar ao D.Fer
Infante,& el-Rey Lodovico 8.ſeu filho alem de Reynar pouco lhe ſer nádopre
contrario, & o nao querer folcar,ſenaõ com taes condiçoens, de que os lo per
povos de Flandres nao foram contentes,& nao abaſtarein os rogosda Ra- Felippe
inha Branca ſua molher,por ella ſer irmáa da Rinha Dona Vrraca cazada Rey
Auguſto
de
comel-Rey D. Afonſo de Portugal irmao do Conde, fet a meſina Rai França.
nha Dona Branca com el-Rey Luis 9. ſeu filho , quando veyo ſer Rey ,
que o folcaffc livremente . Alguns dizem , queo folcou por muyto ouro,
que lhe deu el-Rey D. Afonſo irmão do Infante preſo. Mas parece fallo
iſtemunho, que levantaraó a eſtes dousReys. Porque Sam Luis era mo Infanec
1

ço & obediente a ſua máy ,& tam cheo de charidade , que nao eſperaria D. Fers
preço, por remishum Princepe Chriſtão ſeu parente preſo de 12. annos nando
&couſelRey
a
D.Afonſo de Portugal era tam pouco liberal, que ſenaoſabe nao mor
reo na
que deſſe a ſeus irmãos. Antes ( como em ſua vida eſcrevemos) tra
Dalhou,por tirar aſuas ir nåas, ſendo molheres, o quelhe feu pay deixa- prilamComo os
12. E ao Infante Dom Pedro fez tam pouco,que andou de ſeu Reyno ab-. France
lente nas cortes de outros Reys,como adiante ſedirà. E alli erraó os chro- les eſcre
iltas Franceſes, que dizem, queo Infante D. Fernando morreo na prie veram .
ſam .
CHRONICA
Morte fam . Porque elle foy ſolto, & deſpois de ſua ſoltura fez muytas couſas
do Infá- grandes em armas, em ajuda da Rainha Dona Branca contra Pedro
te D.Fer Duque de Bertanha, & ſeu irmao Roberto Conde deDreux, & Felippe
nādo Có Conde de Bolonha,& outros grandes, que lhe impediam a tutoria de feu
de de
Fladres filho elRey Luis, & governar por eleoReyno.E ledo folto no ano di1227
veyo morrer dahi a 6 annos.f.no de 1233. de dor de pedra na cidade de
Noyon, donde ſeu corpo foy levado ao moſteiro de MarKct, junto de
Lila, ficando o coraçao & os inteſtinos enterrados naigreja de noſſa Sp
nhora da dita cidade,em que falleceo, como moſtram eſtes verſos,que ef
tam em ſua ſepultura.
Fernandi proavos Hiſpania, Flandria,corpus
Cor cam viſceribus cuntinet iste locus.
que querem dizer : Heſpanha tem os avósde Fernando, ſeu corpo Flair
dres,ſeu coraçao & entranhas eſte lugar, Do Infante Dom Fernando n: ő
ficaram filhos, mais que humamenina,que logo apos elle falleceo. Polo
que a Condeſſa loanna ſua molher com dcſejosde haver filhos, que lhe
Tuccedeſſem no cſtado, ſe cazou per conſelho del-Rey Sam Luis de Frana
ça com Thomas irmão do Conde de Saboya,& tio ,ſegundo dizem ,das Rz
Infante
inhas de França,Inglaterra, & Sicilia,que entam eraõ; varão de grande ef
D. Pe
tima, de que tambem nað ouve filhos. E morrendo eſta Condella, foi le
droåg- pultada com o Infante D.Fernandoſeu primeiromarido,no dito Moſtei:
gravado de MarKct.
te foi à Item ,ouve elRey D. Sancho ao Infante D.Pedro, que naſceo no anno
1
corte do de 1187. Ele Princepe ſegundo os annaes de Aragam foi deſterrado, o
limde aggravado deſte Reyno. O queheveriſimilpor a eſteril condiçaõ del Rey
Marro ſeu irmão , & andou na corte de Miramolim de Marrocos, naquelle tempo
COS, em que os cinco frades ſanctos da ordem de Sam Franciſco, forað mart":
rizados, & trouxe le us oſſos a elle Reyno,& os pos no moſteiro de fana .
Frades Cruz de Coimbra, E pola meſma cauza de feu aggravo,ſegundo algum
de Sam
Farncir.
ou ſegundo outros por pertençam , que tinha em certas terras de Aragać,
co marti por parte da RainhaDona Aldonça ſuamay,filhado Princepe D.Ramos
rizados Berenguer, & da Rainha Dona Petronilha,ſe foi à corte del Rey D.12
em Mar mes o Conquiſtador, que era filho del- Rey Dom Pedro o Cachólico, feu
rocos .
primo com irmão, que o recebeo muy bem , & lhe deu muytas terras no
Infante campo de Tarragona , & o cazou com Revabiats,ou ſegundo outros cum
D.Per Aurembiax Condeſla de Vrgel, grande fenhora & muiricanaquelle Rey
i
dro caza no. A qual morrendo fem filhos, deixou ao Infante ſeu marido por he
do com deiro daquelle condado , com faculdade de diſpor delle como quiſelle. &
a Coder alein ditó o dereito, q na villa de Valhadolid tinha,& 'asterras que poſlu 11
fa deVi ia no Reyno de Galliza. E comoaquelle eſtado era grande, & tenia et
gel ,
Rey que o Infante o traſpallaffe a outra peſſoa,ou ſe cocertaſe com Dr.
Ponce de Cervera, que pertendiater dereito ao condado, el Rey feCCcr.3
IO
I
DELREY D. AFONSO SEGUNDO. 55
certou com o Infante,que lho alargaffe, & lhe ficava o que tocava à villa
de Valhadolid, & as terras de Galliza, & eRey lhe delle o ſenhorio da Ilha
He Malhorca , & das outras Ilhas adjacentes com certas condições.Mas def
pois de o Infáteſer ſenhor de Malhorca,por a rebilliãoq os Moufos da Ilha
izerao ,& por a grande armada que el-Rey de Tunez apparelhava , paraInfance
hes vir em foccorro ;a que o poder do Infante nað era tao baſtante, ģ lhe Dom Pe
podeſſe reſiſtir,fez elReyeſcambio com o Infante,& poraquellas Mhas que dro aju
Scàraõ â coroa de Aragao,lhe deu a cidade de Segorbe , & avilla de More- da'a to.
lha, & outrasterras.Deſpois de fazer muito ſerviço a Deos, & a elRei có- mar aI
lha de
tra Mouros,foio infante D.Pedro em peſſoa co luas gétes,em favor de D : Iuica.
GuilhelmedeMõgriu ,ele &to Arcebiſpo de Tarragona,a qel-Rey deu em
feudo a Ilha de luiça, ſe a tomaffe dentro de 1o ,meſes, & ajudou a tomar
no anno de í 235. & morreo ſem deixar filhos.
Houvemais el-Rey Dom Sancho o Infante D. Henrique, quenaſceo
ro anno de 1189.& falleceo moço em vida de leu pay,& jaz no Moſteiro
de fancta Cruz de Coimbra.
Houve a Infante Dona Tareja,que foi Rainha de Liao,por cazar com
cl-ReyD. Afonſo ſeu primocom irmão,por D.Vrraca máydelRei de Li. D.Tarc
am ſer filhadelRey D.Afonſo Henriques.E por no tempo q ſe eſte caza- jadelfilha
Rey
ir :ento fez & deſpois aver em Portugal as fomes,peſtes ,tempeſtades,& in D. Sane
fortunios acima ditos,o povo deitava iſto ao peccado,com ğ ſe aquelle ca- chool
zamento ajuntâra.E afliinformàrað aoPapa Celeſtino III.que então preſi- ſeparada
dia na Igreja Romana,o qualenviou a Heſpanha; & a Portugal,porLega- per fen
doGuilhelmeDiaconoCardeal do titulo deS.Angelo. Eſte legadocom cençade
os Preladosde Portugal & de Lião, mandou ajūtar em Salamáca fez co- do Rey
cilio,em ý foi acordado o divorcio entre elRey D.Afonſo & D.Tareja,& de Liaó.
que ſe lhes não deſſe diſpenſaçam . E porque elles não queriáo obedecer,
rem ſeapartavao,poſerað eſtreito interdicto nos Reinosde Portugal de Lin
36,& de Galliza,que durou hum anno &hum mes, até ſeu apartamento.E
20 teinpo que ſe apartàraó,tinhao jà tres filhos .I. o Infante D.Fernando a
falleceo moço,& duas filhas,que també morreraõ de pouca idade. E ſendo
paſſados alguns annos deſpois deſeu apartamento, ſe veyo a Rainha Dona
Tareja para Portugual.Eita Rainha reformou de novo o Moſteiro de Lor
yao,& o dotou demuitasrendas, & lhe deixou de juro o lugar de Eſguei
ra,& nelle j az ſepultada.
Houve mais a Infante D.Mafalda, quefoi ferinoſillima, & dę grādes per- Rainha
feiçočs. A qual cazando con el-ReyD.Henrique l.de Caſtella,por ſerem falda
D. Ma ſe
parentes,tambem foraó apartados.Cuja cauſa o Papa Innocencio III. co parada
metteo a D.Tello Biſpo de Palencia, & a D.MoninhoBiſpo de Burgos, de fent
ý dèraó a ſentença do divorcio .E a Rainha D.Mafalda ſe tornou para Por- marido
rugal,onde fanctamente acabou no Moſteiro de Arouca ,que ela de no Rey de
vo fundou, & nelle jaz ſepultada, Caſtella.
K Houve
CHRONICA
Houve mais a Infante Dona Sancha,quenao cazou, & foi governado
fa do moſteiro de Lorvam, & fundou omoſteiro de Sam Franciſco de
Alenquer em ſeus proprios paços,quefoy o primeiro queouve nette Rei
no;& que ſe fundou vivendo ainda o melino Sancto. làz ſepultada no mo
ſteiro de fan &ta Cruz de Coimbra.
Houve a Infante Dona Branca,quefoi ſenhora de Guadalajara em Ca
fella,& fallecendo là , ſe mandou trazer a Sancta Cruz de Coimbra .
Houve mais a Infante Dona Berenguella, que a Rainha Dona Tareja
criou em Lorvai como filha . A qual falleceo ſem cazar, & ao tempo de
ſeu fallecimento, ſe mandou enteterrar em Sancta Cruzde Coimbra con
el-Rey ſeu pay.
Mortc A Rainha Dona Aldonça era Fallecida no anno de 1198.ao qual tem,
da Rai ро еera el - Rey de 44. annos. E comofoi viù vo , tomou por amiga Dona
nha D. Maria Anes de Fornellos, de ğ ouve dous filhos .I.D . Vrraca Sanches, &
Aldóça Martin Sanchez,que foiadiátado del-Rey Dom Afonſo deLiao feu pri
ther del. mo com irmão, & cunhado . O qual cazou com D.Ello de Caftro ſenhora
Rey D. de ſaneta Olalha, & de Iscar,& de outros lugares,filhade Dom Pedro Fer
Sancho. nandez de Caſtro, & de Dona Ximena Gomez ſua molher, á qual Ello
Maria erradamente a chronica de Portugal chama Olalha. Efte Martin Sanchez
Anes de foi tavalleiro mui esforçado, & bom capita7 . & tres vezes venced a gente
Forne delRei D.Afonſo II.de Portugal ſeu irmão em nome delRey de Lião. Foi
los ami- grande fenhor de vaſſallos, & teve tres Condados,de q húera o de Traſta-.
gadel- mâra em Galliza.Morreo fem deixar filhos, & jaz enterrado em Cofinos
Rey D.
Sancho . lugar da ordem de S.Ioam em terra de Campos,Efta D. Maria Annes ſua
amiga cazou elRey com Gil Vàs de Souſa fidalgo principal do Reyno .
D. Mae Deſpois tomou elRey Dom Sancho por amiga huma Dona Maria l'à
ria Paez ez Ribeira,aqual foi muy affeiçoado, &foi a ultima que teve, de que ou
Ribeira ve quatro filhos.f. D.Tareja Sanchez,que foi cazada com D. Afonfo Tel
pario del lo o velho,jpovodu Albuquerque,ſendo elle ja viuvo da primeira inolher
Bicy . D.TarejaRodriguezGiroa filua de D.Rodrigo GiraS,&ouveGilSăchez
quatro
filhos.
que nao cazou , & Dona Coſtança Sanchez,que acabou o moſteiro de Sa5
Franciſco de Coimbra, que ſe começou em vida do meſmo Patriarcha, &
foi ſepultada no moſteiro de Sancta Cruz junto a el-Rey ſeu pay. Houve
D. M2. mais D.RuiSachez q morreo em hứa batalha nomeada muito dos antigos
filteada que dizem ſe deu junto á cidade do l'orto,entre géres do melino Reino, &
por GO dizem vécer Gilde Soverola, & jaz enterrado no moſteiro da Egrejoa ju
niez to ao Porto . A clia D.Maria Pacz Ribeira deu el-Rey Villa de Conde, &
Louren- outras terras com condiçao,le nao cazaile. E indo ella muy anojada , &
ço Vié cheya de dor pela morte deDom Sácho,de Coimbra,onde ſe achou a fel
g? s, & le
vadá 10 falleumento, para aquella fua villa, & acompanhada de Dom Martin Pie
Revno <z Ribeiro feu irmão, hú Gomez Lourėço Viegas neto de D.Egas Monit,
de Lião. & peliva principal a ſalicou no camiho, & tomou per força & levou para
o Rey.
DELREY D. AFONSO SEGVNDO . 56
o Reyno de Liam , ferindo & tratandomal afeu irmão,que a acompanhas
va.O qual vindoſe a elRey D. Afonſo de Portugal, & queixandoſe de tas
inanhainjuria,elRey aſli poraparte q lhe cabia,comopor a calidade do
negocio,eſcreveo a elRey de Liam com tanta aſpereza de queixumes,que
e- Rey de Liam mandou fazerao Gomez Lourenço todos os requeri
mentos que compriam. Dona Maria Pàez fingindo, terlhe jà boa vonta
de , & nenhum ſentimento, da offenſa & força que lhe fizera, lhe perſua- D. Mze
dio, que tudo ſe acabaria bem , & haveria perdam , ſendo ella contente. ria Paez
Pelo que fez com elle que vielle a Portugal,& não receaſſe de apparecer cazou
Rey có
el
coin ella ante el-Rey Dom Afonſo. Vindo ambos a Caſtel Rodrigo, on loaó
de elRey entam eſtava, como ſe ella ante el Rey vio com Gomez Lou- Fernan ,
renço , ſe deitou em terra ,& com grandes alaridos & vòzes de grande ſen- des de
timento , & muytas lagrimas , lhe pedio juſtiça do dito Gomez Lourenço , Lima
que eſtava preſente, pela força & deſhonra que lhe fizera.Pelo que elRey
fem mais dilaçaoo mandou logo matar . E porque Dona Maria Pàez era
molher nobre, fermofa, & rica, de dadivas que lhe el-Rey Dom Sancho
déra ,cazou com loam Fernandez de Lima fidalgo Gallego muy honrado
& de grande caza .
Veyo elRey D.Sancho a fer doente de hűa doença vagaroſa,de que fal
le ceo no anno de1212. & foi enterrado em Coimbra nomoſteiro de San ANNO
@ta Cruz.Fezſeu teſtamento dous annos antes que falleceſſe em lingoa La 1 2 1 2
tina como ſe entaó coſtumavao fazer as publicas eſcripturas, & ſellado do
ſeu fello de chúbo,& approvado per algúsgrādes do Reyno co ſeus jara- Morte
métos & homenajens, ġ forað o Infante D.Afonſo ſeu primogenito & fu- delRey
ceſor.O Arcebiſpo de Braga,o Prior de Sancta Cruz, o Abbade de Sá &to D.Sácho
& do te
Thyrſo ,oMeſtre do Téplo de Salamão,o Prior do Hoſpital de S.loað ein ſtainēto
Ieruſalem ,D.Pedro Afonſo, 4 parece ſeria o ſeu irmão baltardo, D. Garſia ſ fez, &
Mendez,D.Martim Fernādez ,D.Lourenço Soarez,D Goinez Soarez ,que theſout
erað ſenhores & homés pricipaes do Reyno.Eſtes foraó as teſtemunhas , & ros ý dei
os teſtamenteiros. E todos em auto publico fizeraõ juramento nas mãos do xou .
Arcebiſpo de Braga , & deſpois homenajé nas mãos delRey ,q fobpena de
trèdores & aleivolos, & malditos,todas as couſas contcùdas naquelle teſ
taméto compriſſem ,& fizeſſem comprir.Eſte teſtaméto foi feito em Coin
bra no anno de 1210 no mes de O & ubro. Era grande riqueza a que ficou
per morte delRey D.Sancho para aquelle tempo : & tanto mayor quantas
mais guerras & trabalhos ouve em ſeus tempos. Porque declarou em ſeu
teſtamento ,que deixara quinhentos mil maravedijs de ouro, de 6o. por
marco , que montava cada huın tanto como noſſas inoėdas de quinhentos
reis , que he a vallia dehum Caſtelhano,ſegundo o Biſpo deSiguença Co
varrubias no ſeu tracado dasmoedas antigas de Heſpanha. Deixou mais
mil & quatroce ntos marcos de prata lavrada. Eſte dinheiro tinha el-Rey .
depofirado ao coftume dos antigos que nam tinhamn cantos theſoureiros
K2 ( quc
CHRONICA
Therou (que faõ os verdadeiros ſenhores do dinheiro )naTorre do ſeu tombo, ő
ros del entao eſtava na cidade de Coimbra,& era a cabeça do Reino, & em poder
Rey Do do Meſtre da Freiria da cidade de Evora,Parteno caſtello de Tomar,que
Sancho
em que
entao era do Meſtre do Templo. Parte no caſtello de Beluer, que era do
lugares Prior do Hoſpical.Outra fomma em poder do Abbade de Alcobaça , & do
feguar- ; Pyjor deS. Cruz, & uo caſtello de Leiria .
davain . 1 • Deſpois de deixar a ſeusfilhosmuitos legados de joyas deouro, & pa
draria,pānos deouro & de ſeda cavallos,& outros moveis, repartio per
elles,&por outras peſſoas, & lugarespiosd'ouro, & prata deſtamaneira .
Ad Infante D.Afonſo ſeu filho herdeiro do Reytro deixou duzentos
2
mil maravedijs de ouro .
9 A cada filho legitimovarao, dez mil m2ravedijs .
A cada filhalegitimadez mil naravedijs de ouro, & 250. marcos de
prata lavrada.
G A cada filho baſtardo varão deixou oito mil marävedijs de ouro .
Ś A cada filha baſtarda fete mil maravediis de ouro , & certos marcos
de prata.
Os outros maravedijs de ouro q reſtauão,répartio por eſta inaneira.
$ Ao Moſteiro de Alcobaça deixou 25 mil maravedijs de ouro.f.cinco
w mil paraa fábrica deſſe Moſteiro,& dezmil para fazerem hủa gafaria em
Coimbra , & os 100007 reſtão,para fazeré hü Moſteiro daOrde de Ciſter.
Ao Moſteiro deS.Cruzdeixou dezmilmaravcijs, & para fua Cap
- péla onde ſe avía de enterrar no meſmo Moſteiro,húa coppa de ouro değ
ſe fez húa Cruz,& hum Calix , & cem'marcos de prata para os frontaes dos
Altares de S.Pedro , & S. Auguſtinho.
Pararedempção de captivosdeixou quinze mil maravedijs de ouro .
Ao Templo lanto de Jeruſalem dez mil maravedijs.
Ao Hoſpitalde Jerulalem dez mil maravedijs.
A cidade de Coimbra para a fabrica da pontedoMondego,dez mil maravedis.
Ao Papa Innocencio III.a quem pedio fize ile comprir leu teſtamento deixou
cem marcos de ouro.
SA Sé da cidade de Tuicm Galliza, queentam cia dePortugalyties militara
vedijs.
A Sè deBraga dous mil'mara vedijs.
A Sede Evora dous mil maravedijs. ..
A cada hűa das outras Sès do Reyno,mil maravedijs.
A cada hum de muytos Moftciros,& Igrejas quc nomeou deixou duzentosma
ravcdijs de ouro.
Mandou queſe aparcaffem cinco milmaravedijs, para ſatisfação de algúas couſas,
quc fe achaſſe queera obrigado a reſtituir.
O quc mais fobejaiſe mandou que ſe repartifTe pelas mais pobres Igrejas.
Viveo El-Rey D Sancho 58 annos reynou 26.& foiſepultado no Moſteiro de San
Sta Cruz de Coimbra ,na Cappella Mór defronte dafepultura de ſeu pay. Falicceo
no anno de M.CC.XII.
FIM. CHRO.
57

CHRONICA
DEL -REY DOM AFONSO II.

E dos Reys de Portugal. O III,


Reformada pelle Lecenciado DVARTE NVNES DO LLAM ,
Deſembargador da Caſada Supplicação
L-Rey Dom Afonſo II. a que por a compoſiçaõ de fua
peſſoa,& por fer homem de muytas carnes, chamaram o
E. Gordo, ao tempo que ſuccedeo a ſeu pay el-Rey Dom
de idade
Sancho era de idade de ağ annos. E ſendo homem esfore
çado, & bom cavalleiro , & que de moço ſeguia a ſeu pay
na guerra, & vivendo em tempo que os Mouros de aquem
& de alem do mar tátas entradas fazião em Portugal,por falta de quem
eſcreveſſe quaſi nao temos couſa delle que contar, mais que a defavença
que com ſuas irmáas trouxe.E a cauſa de ſuas differenças foi eita. El Rey Differe.
D. Sancho em ſeu folenne teſtamento ,( deque emſua vida fizemos men ças entre
çao) deixou a ſua filha Dona Tareja,Rainha que foi de Liam , & que per el-Rey
ſentéça foi ſeparadadelReyD. Afonſoſeu marido, poroparenteſco que D.Afon
tinhaó,as villas de Montemòr o Velho,& de Eſgueira, afora os dez mil ſo & fuas
maravedijs de ouro & marcos de prata de que tambem fizemos mencam , irmáas,
có condiçao,que per ſua morte ficaffem as villas à Infante Dona Bráca ſua
irmaa.Da meſma maneira deixou à Infante D. Sancha a villa de Alen
quer com outros tantos maravedijs, & per ſua morte a villa ficaffe a ſua
irmãa a Infante D. Berenguella.El-Rey D.Afonſo como homem que era
fecco , & nao liberal,ſegundo ſe vio no tratamento que fazia a ſeus irmãos
tendo jurado no meſmo teſtamento de ſeu pay,de o coprir inteitamente,
tāro que falleceo,logo pedio as villas a ſuas irmãas,de ğ ja eſtavaó ein pof
ſe,dizendo, que ſeu pay como bens da coroa as não podia alienar, & por
fer contra a bulla do Papa Alexandre que a leu avo confirmou o Reyno.
que como feudo da Igreja não podia alienar parte algúa,& lhe baa
De que
ſtavao os maravedijs de ouro ,& couſas outras que lhes ſeu pai deixàra.As
irmāas pedindo tempo dedous dias,que lhe foraõ dados pera deliberar, fe
acolheram ao Caſtelo de Montemóro Velho,levando conſigoa Infante
Dona Branca. E fazendoſe ahi fortes,mandàraó logo queixarſe ao Papa
Innocencio 3. que ficou por executor do teſtamentodel-Rey D. Sancho
teu pay. Da meſma maneira ſe mandàraõ queixar a el-Rey D. Afonſo de
Liao, có qué D. Tareja foi cazada,comoeſtà dito.Em cujo favor elkeide
K3 Liam
-
CHRONICA
Liam logo mandou o Infante Dom Fernando ſeu filho, & comelle pa
ſua pouca idade para o ajudar &enſinar , ao Infante Dom Pedro imão
dasqueixoſas, que em Caſtellaåndavadeſaviado del Reyſevirmio, que
ſe chamava o deMarrocos,& Dom Pedro Fernandez de Caſtro o Castel
lam , & com elle muytas gentes...
El- Rey D. Afonſo, vendo a a fronta que ſuas irmáas lhe faziam em pe
dir foccorro contra elle a el-Rey de Lião,foiſe a Montemór, & requerco a
ſuas irmáas, deſiſtiſſem do levantamento q fizera ) entregaſſem os caſtellos
a homens fidalgos, de que ellas ſe fiaſſem , queos tivelem em guarda & fi
eldade, & para ellas ſe arrecadaffem as rendas & dereitos daquellas villas
inteiramente, & que as homenagensfoſſem ſuas delle Rey : mas ellas o
El Rey naó quiſeram outorgar. E por ſe vingarem de ſeu irmão & o afrontarer:
D. Afólo mandaram appellidar muytas vezes Liam ,Liam . E o meſmo mandou fan
cerca ſu
asirmás,
zer a Infante Dona Sancha no caſtello de Alenquer. Indignado el-Rey,
& eRei com a afronta, que lhe ſuas irmāas fizeram pos cerco aos caſtellos de Mõ.
de Lião temòr & Alenquer. E vindo os Leoneſes deſcercalos,por parte das Infan
as focor- ees,fuccederam muitas mortes & danos de huma parte & outra. Os Leo
re .
nefes tomarao Valença de Minho,Melgaço,Folgoſo ,& Freixo, & outros
lugares chãos,que roubarao & queimaraó.
Entre tanto viérao de Roma enviados pelo l'apaa inſtancia das Infat
Innocé. tes por juizes delegados o Arcebiſpo deScrigona, & o Biſpo deZamora,
cio 3.má Os quaes por el-Rey naó querer deſiſtirdo cerco, que tinha poſto a fias
dajuizes irmáas, nem querer comprir o teſtamento de ſeu pay, excomungaram lua
delega:
dos a pefloa, & poferaõ interdi& o em todoo Reyno,tirando as Infantes & feus
Portu ſervidores & ſequazes.Queixandoſe el-Rey ao Papa,& moſtrando razoés
gal ſobre de deſculpa, & pedindolhe emenda contra el-Rey de Liam,& contra osą
os quei. lhe retinham ſeus caſtellos,o Papa cometteo o conhecimento da cauſa a9
Xumes
das Infá
Abbade do Spinhal do Biſpado de Palencia,& ao Abbade de V [ arca do
tes cótra biſpado de Orenſe. Os quaes ſobre ſeguranças acordadas entre todos, fi
elRey zeram vir a Coimbra el-Rey & fuas irmáas, & com folemne juramento,
ſeu ir perque prometeram de eſtarem pola ſentença & determinaçam que elles
mão .
deſlem ,el-Rey & os ſeus foraõ abſolutos da excomunhao. E até a final
Excom ſentença fizeraõ os juizes tregoas entre elles. E tendo ouvidas as razoens
munhão & allegaçoensde huma parte & outra, remetteraó a publicaçam da ſen
porta a tença ao caſtello de Melgaço, que he em Portugal naarraia de Galliza,a
elRey;" onde mandarao a el-Rey & as Infantes, que foſſem per fi,ou per feus pros
& inter- curadores . E no dico caſtello publicàrain a ſentença, per que condenas
dicto
em todo raó a cl- Rey en grande ſomma de dinheiro, & outras ſatisfaçoens. Pal
o Reino ſado o termo affinados, para a paga da condenaçam puſeram em el-Rey
fentença de excomunhao & interdi&to, de que elle appellou,Deſpois de
muyta altercaçam ,& debates, que em Roma & em Helpanha ouve, ſobre
eſte caſo,ſe vieram acordar de maneira queas villas de Montemór & A
lenquer
DELREY D. AFONSO SEGUNDO . 58
lenquer ficaſſem com as Infantes, conformeao teſtamento de ſeu pay. L
que as villas, que osLeoneſes tinham tomadas a el-Rey Dom Afonſo, lhe
follem reſtituídas. Eſta differença durou tanto, que o Papa Gregorio 9. Cóveça
cujo Pontificado começou no anno de 1227.confirmou as convenças,que entre els
el-ReyDom Afonfo fez com ſuas irmāas, ſegundoeuvi pelameſmabulla Rey:8
original que eſtà neſte cartorio Real de Lisboa, mettendoſe entre o Papa máas.
Innocencio IIJ.que começou .conhecer da caufa, & Gregorio IX . o Papa
Honorio 3. que preſidio na Igreja de Deos X. annos & lete meſes.
No meſmo anno de 1212. em que el Rey D. Afonſo começou a rey ANNO
nar foi aquella memoravel bacalha das Navas de Tolſa, que el- Rey Dom
Afonfo 8. de Caſtella ſeuſogro deu ao Miramolim de Marrocos, para a 1 2 1 2.
qualo Papa Innocencio IIJ. The concedeo gèral cruzada que D. Rodrigo Batallia
Ximenes Arcebiſpo de Toledo , foi pedir a corte de Roma, & convocou mcmora
com ſua pregaçam muitas gentes para aquella jornada . Indo a eſta guer- vel das
ra em ſuas peſſoas os Reys de Aragam & de Navarra , & muytos grandes Navas
Princepes de França , Alemanha, & de coda a Chriſtandade , por ganha- lodeſaToem
rem osperdões,& feacharem emcouſa tam aſſinalada, elRey D. Afonſo el Rey
de Portugal genro do meſmo Rey,parente ,& vezinho ,& que da vidoria dePor
pretendia tanto intereſſe ,como o meſmo Rey deCaſtella, por a mà vezi-tugal
nhança 4 Portugal recebia dos Mouros , nað foia ella, nem ſe eſcreve que nao aju
lhe mandaffe ajuda.O que poz eſpanto aos antigos ,& naő ſabem dar difle ſogro
dou ſeu.
razão.Huns imputavão nað ſe achar elRey neſta batalha em peſſoa, à ex
comunbaő em que eſtava,pora cauſa dasirmãas. Mas a cauſa nað era ef. Reys de
fa, porque pela bulla da cruzada ſe tirava eſſe impedimento feo ouvèra:0 Aragam
que na verdade nao avia,viſta a razao dos tempos. Porque quando foi a & Na
batalha das Navas, nao tinhaaindael-Rey litigio com luas irmãas. Por Varra, &
que a batalha ſe deu em 16. dias de lulio do anno de 1212. que foi logo Prince
no começo do Reynado del-Rey Dom Afonſo, & a differença foi deſpois pes de
& precederaõ muitas couſas à excomunhao porque foycom conhecimen- França
ro da cauſa , & vinda dos Legados de Roma, que a ſentença da excomu . manha,
& Ale.
mham interpuferam , & entrada dos Leoneles em Portugal, per que ſuas & de co
differenças le vieram a acabar de todo,& ratificar ſuas convenças no tem - da a Cri
po de Gregorio 9.. como eſtà ditto, que começou a preſidir no anno de ſtádade,
1227.E quando elRey em peſſoa ir não pudera, com gente ou com di le
raó achá
na
nileiro o pudera ajudar em obra tão ſanta fe amigos eſtiveraő, , batalia
O queparece mais veriſimil he, que eſtava com o ſogro deſavindo,& 4 das Na.
por iſſo o não ajudou ,como tambem fezelRey D. Afonſo de Liao , tam vas .
parente & tao vizinho , & a que tambem importava o bom fucceffo dağl
la batalha . A iſto ajuda ,que pedindo o meſmo Rey D.Afonſo de Caſtella
a elliey de Portugal ſeu genro que ſe viſſe com elle em Plazencia, lugar
tam perto de Portugal, aonde viera pera lhe fallar, o genro ſe eſcuzou de
o fazer,ſalyo te as viſtas foſſem na arraya de ambos os Reynos. A qual ref
KA polta
CHRONICA
polta o ſogro fentio tanto ſegundo diziao) que aggravandoſelhe huma
má diſpoſiçaõ que tinha,falleceo logo na aldea de Martim Munhoz jur
to com Areualo.
Mas polo que elRey ſe nað achou naquella batalha,muitoscavalleiros
Portugueſes ſe acháraó nella, ſegūdo ſe acha em memorias de Caſtella , &
Portugal, que forao como avětureiros ganhar as graças da bulla,como fi
zeraõ inuitos cavalleiros de outras naçoens.
Outra couſa ſuccedeo em tempo delRey D. Afonſo no anno de 1217 .
ANN 0 a que ſe elle não achou preſence,que foi a tomadade Alcacere do Sal, a
1 217 conteceo deſta maneira.Indo a ſoccorro dos que eſtava) na conquiſta da
Armada
terra ſanda, os Condes de Holanda, & de Phriſia, & outros tres Prince
de Fran pes daquellas partes Septentrionaes,com grande cópanhia de Framengos,
ceſes,In Alemaens,& Ingreſes, em huma frota de 150. naosdemandandoo eſtrei
greſes& to de Gibaltar, deu nellatam grande tormenta, que muitasſeperderam :
Alemã. outras deram no cabo de Sam Vicente & portos do Algarve. E por eſtes
csó ap- portos ſerem de Mouros, & delles receberé màs obras , nað ſe podendo
portou
com tor repairar,determinaram de virem demandar o porto de Lisboa. Sendo ou
menta tra vez no mar deu nelles outra tormenta mais aſpera & de mayor perigo
em Lis. q a primeira, em que tornarað a perder muytas naos,queco a gěte ſe forao
boa. ao fundo, & com as que eſcaparað vieraõ aLisboa.
Havia entao naquella cidade hum Biſpo per nome D. Matheus home
dotado de muytas virtudes, & de animo grande &generoſo, & capaz de
qualquer grande empreſa. O qual ſabendo daquella armada, & que al
gūs dos Capitaens ſairao em terra,& eſtavam triftes & anojados pola per
da de ſuas gentes,& de outras muitas couſas,lhes fez muytas honras, &
gaſalbado, & os conſolou de ſeusinfortunios, & nojo,alegrandoosem to
do quanto pode.Dahia alguns dias,vendo os mais confortados, lhes fez
huma falla,dizendolhes,que bem viam quamcontrario eſtava o tempo de
ſeguirem ſua viagem. Eque pois eſtavam ociofos, & ſua tençam era fer
vira Deos contra inimigos da Fè, que aquelle tempo que alli perdiað
deviam empregar em huma couſa muito do ſerviço de Deos,& propria do
propoſito com quede ſuas terras ſairao. E que nas mãos tinham occafiam
de moſtraro valor de ſuas peſſoas. A qual empreſa era tomar dos Mouros
hum caſtello que ahi perto eſtava,que chamavam Alcacere do Sal,de que
toda aquella terra de Chriſtãosrecebia muito dano.E que a tomada ſeria
muy poſſivel, querendo elles com ſua frora ajudar a elle& ans Portugue
fes, que neſſe feito aviao de fer. As palavras do Biſpo moveraő osmais
daquelles cavalleirds, & outros forao de contrario parecer.Polo que os g
acceiraraó a jornada, ſe recolherao logo a ſuas naos, & ſe apreceberam do
neceffario,
O Biſpo fez preſtes ſua gente con grande brevidade. A qual por fer
contra infieis, & por a afrõra querecebiaõ os Chriſtãos,deterem ainda a
quella
DELREY D. AFONSO SEGVNDO 59
quella reliquia de Mouros em Portugal,tendolhe ja tomado todo o lieya
to, ſem difficuldade ſe ajuntou.E poſto que el-Rey D. Afonſo nað fólie
a eſta empreſa, o que devia ſer por alguma doença ou impedimento,he d'e
crer, que ſendo tanta a gente, & tam ein breve junta,& o negocio tanto
! {cunque ſenaó faria ſem ſuaordem & inandado. Os Portugueſesque fo
raó naquella empreſa,eram o Biſpo D. Matheus D.Pedro, Meſtreda Or
dem do Teinplo, D.Gonçalo Prior do Hoſpital,Martim Barregaó comen
dador de Palmella. Eftes levavam das comarcas de Lisboa, & de Evora &
ſeus termos vinte mil homens:nos quaes poucos erão de cavallo.
Os eſtrangeiros em navios,que bem podiao ir pelo rio da barra de Se
tuval,em que forað ſurgir com ſuas naos,que entam era huma pequena ha
hitaçam de peſcadores,ſem muros & fem cerca, caminharao, & chegan
do a Alcacere, poſerão a prancha defronte da villa,& ſem reſiſtencia lai
E são em terra, & logo com os Portugueſes cercaraó o caſtello de maneira
que delle não podiáo fair, nem entrar. Os Mouros porque o caſtello
era de muros ; torres barreiras , & cavas muy fortes; nam moſtravam me
do alguin. Mas antes com gritas , & alaridos davam ſinaes do contrario.
Os Chriſtãosdeſpois demuytas vezes encherem a cava de lenha, para
ſe chegarem aos muros,& os combaterein ,que os Mouros The queimavão; Cerco
tanto fizerão,atè que fem dano dos ſeus a tornarão a encher. E chegandoſe portoa
aosmuros,dérað hum forte combate,a que os Mouros com muýto esforço řeAlcate do Sal
reſiſtirão afaſtando os Chriſtãos , & ouve decada parte muytos mortos
& eridos. Os Moutos, vendoſe ein aperto ,déráo aviſo aosReysde Cor- trange
pelos laer
dova ,de Sevilha , de laem,& de Badajoz ,os quaes logo acodirão com quin- tos.
ze mil homens de cavallo ,& oitenta milde pè,afora X.galès ,quepelo mar
traziam bem remadas & apparelhadas . Com eſta gente vièrain aſſentar
feu arraial no lugar dos sitimos huma legoa de Alcacere.Doque os Chri
fios forão poſtos em grande cuidado. Mas Deos querendo osajudar na
quella empreſa, que aquelles cavalleiros por ſeu ferviço tom ârão,permis
tio que em tempo de tanto perigo, & neceſfilade na paragem de Setu
valapportaſſem 36. naos,que vinhão da cidade de werech da provincia
de Hollanda;de que eta Capitão hum Hérique de Vmeula ,que bia â guers
ia de ultramar . O qual como ſoube do cerco de Alcacere ; & dos eltrana,
geiros que là erão ,deixando luas naos com a gente que compria, a outra
levou em bateis & navios pequenos, & ſe foi ao arraial dos Chriſtãos,de
foraó com muyta alegria & louvores recebidos .
Com eſte ſoccorro determinataő todos de vallarem o arrayal com vals
los altos & fortes, para reſiſtir aos Mouros, que vinhaó. É fazendo ſeu aa
lärdo, achárað muita gente de pè, mas ſós trezentos de cavallo, ferido a
gente dos inimigos tanta,quecobria os campos, & fazião tam grande ef
tion lo com gritas & alaridos, & diverſos inſtrumentos que tangiaõ , que
caulata aos Chriſtãos grande pavor,mayormente aos eſtrangeitos,quenão
étað
CHRONICA
eraõ coſtumados a verem tam differentes trajos de gente, nem ouvirem a.
quella muſica tao eſtranha.E mandádo os Mouros diante quinhentos cor
redores de cavallo a ver o arrayal dos Chriſtãos lhesderao novas dclle.Os
Chriſtãos do arrayal tendo por melhorconſelho, fairein de ſuas eſancias
em batalhas ordenadas,hús& outros fe travarao de maneira, ſouve hum a
peleja bem ferida com mortes & feridas de muytos.E daquella vez fe diz,
que os Mouros levàra ) a vantajem .
Vendo os Chriſtãos a difficuldade daquelle negocio, & que os Mource
cada vez ſe fazião mais fortes,cheyos de medo,que o perigolhes punha di
ante,tentârao de defiftir do cerco , & ſe tornarem. Maso BiſpodeLisboa,
como author daquella empreſa,lhes fez húa falla com tanto eſpiritu, & ef
ficacia,que osesforçou & aquietou. Ao outro dia pela manhãa,para que ſe
nao esfrialſem do fervor em que os merteo,lhesperſuadio, que logo rosa
naſſem a dar ſegunda batalha. Porquecom a vi& oria acharia os inimigos
deſcuidados, & menos apercebidos.Pelo que poſtos em ſuas batalhas bem
concertadas, &co grande ouzadia,ſairao & forao dar nd arrayal dos Mou
roscom tanto impeto,que com o ſobreſalto& torvação que tomaraő,naá
tinhão acordo nem forças para reſiſtir.Huns ſe punhaó em fugida; de que
alguns ſe matàvão a fy & a outros com o aperto dos cavallos. Outroscom
medo da morte duvidoſa,a tomávao certa,lançandoſe no rio, em que ſe
afogavam .Demaneira que fugindo os Mouros, os Chriſtãos lhe ſeguirao
o alcance,matando & ferindo, em que fe affirma morrerem os quatro Reis
que ao ſoccorro vieram , & com elles trinta mil Mouros. E recolhendoſe
os Chriſtios achàrað muirico deſpojo no arrayal. Efta victoria foy a 11 .
de Setembro daquelle anno de 1217. dia dos Martyres Protho & Hias
cyntho
Os que eſtavam no caſtello, vendo os ſeus desbaratados, & que em ſeu
esforço conſiſtia ſua ſalvaçao ,fe defenderam valentemente dos combates
Toma dos Chriſtãos,quecom machinas, ğ fabricàrao de madeira igoalarao com
da de Alas torres,onde ouve muy crua peleja. Mas enfim nao podendo reſiſtir, fe
cacere renderaó a partido fomente das vidas, com que ſe forao, tirando o Alcaie
do Sal. de do caſtello,que ſe tornou Chriſtão, & ficou na villa. A tomada de Al
cacere foi dia de Sam Lucas 18. de Odubro do meſmo anno. Outra cous
ſa naő ficou em memoria, que ſuccedeſſe em tempo del-Rey Dom Afon
fo. 2.por culpa da rudeza daquelles tépos,aſſi como naõ ficou de ſeus avós
Reysde Portugal & de Caſtella. Porque o que toca ao martyrio dos Sari
cosReligiofosde S. Franciſco, que em Marrocospadeceram . Cujos cor
pus o Infante Dom Pedro trouxe a eſte Reyno neſte tempo delRey Dom
Afonſo, como o Biſpo do Porto Dom Frey Marcos o conta largo em ſua
chronica de Sam Franciſco, que ſendo Religioſo daquella ordem compoz
com muyta diligencia. E por eu o contar na minha diſcripçam de Portu
gal,o deixo aqui.
‫ له‬-
Fot
DELREY D. AFONSO SEGVNDO 60

Foi el-Rey Dom Afonſo cazadocom Dona Vrraca fillia del Rey Dom
Afonfo VIIJ. de Caſtella , & da Rainha Dona Lionor, filha de Joam Rey
de Inglaterra. Conta a gente vulgar,que ſendo eſta Infante Dona Vrra
ca filha mais velha do meſmo Rey Dom Afonſo ſobredito,el-Rey de Fră
Ludivico VIII. naó quis com ella cażar por ter nome de Vrraca , que em
lingoa antiga Helpanhol, quer dizer pega, & que cazou com a ſegunda
que ſe chamou Dona Branca. Oque ſam contos de velhas, quaes ſam ou
tras muytas couzas que em chronicas antigas ſe contao. A verdade he, ģD.
Branca foi a filha mais velha com quem cazou o dito Ludivico VIII. Rey
de França, da qual naſceo el Rey Sam Luis, que foi o IX .do nome. Com
a ſegunda que foi a Infante D.Vrraca ,& era a mais fermoſa Princeſa da
quelles tempos,cazou el-ReyD. Afonſo. Com a Infante D. Berenguella
que foi outra irmáa,cazou elRey D.Afonſo de Liao,o que foi ſeparado da
Tainha D.Tareja filha delRey D.Sancho de Portugal,irmãa deſte Rey D.
Afonſo II . de que tratamos,da qual D.Berenguella naſceo outro Rey ſan
& o.f. D. Fernando. III. de Caſtella & de Liao. Os filhos que elRey D.A
fonſo ouve de D. Vrraca forao D. Sancho ,que no Reyno lhe ſuccedeo, a
q chamarao Cappello,& D.Afonſo, foiCode de Bolonha em Fráça; por
cazar có a herdeira do Códado,& deſpois Rey de Portugal . Houve mais ao İnfante
Infante D.Fernādo, ý chamaraó o Infante de Serpa, cazou em Caſtella co D.Fer
D.Sancha Fernádez,filha do Conde D Fernando de Lara , deq naſceo D. nádo de
Lianor,q dize cazai cõo Princepe herdeiro do Reyno de Dacia, ý parece Serpa.
feria filho da Rainha D. Lionor, de q ſe logo dirà. O qual Infante D.Fer Infante
mundo jaz em Alcobaça dentro das grades,onde jaz el-Rey D. Pedro,Hou D. Lion
ve tan , bem o Infante Dom Vicente, que ſegundo pareceo ,morreo moço nor caza
que tambem jaz em Alcobaça . Houve maisda Rainha D. Vrraca a Infan- da cóel.
te D.Lionor ,que cazou com el-Rey de Dacia.Cujo nome nað veyo a nof-Rey de
Dacia.
ſa noticia.Houve mais hum filho baſtardo per nome D. Ioam Afonſo que
jaz no Moſteiro de Alcobaça à porta do capitulo,cujo epitaphio diz que
falleceo na era de 1223. que era o anno do Senhor de 1 273.hum anno
deſpois da morte de ſeu pay.O que eſcreveo a vida deſte Rey D.Afonſo
il conta que teve hum filho per nome Martim Afonſo que ouve de húa
Mouriſca, de que diz procederem os Souſas Chichorros.O que ſenaó con
fa na verdade,porque eſſe foi filho delRey D. Afonfo o Conde de Bolo
nha,& ncto deſte Rey D. Afonſo ,comocorſta per eſcripturas authenticas
çr- oje cítam na torre do Tombo, que he o cariorio Real.
Viveo el-Rey D Afonſo 48. annos.Dosquaes reinou 21. Falleceo no
anno de 1233 lazia em Alcobaça na cappella q elle em ſua vida mádou fa
zer,em hút ſepultura de pedra cháa jūto com a Rainha D. Vrraca ſaa mo
ber.E deſpois nos tépos proximes a eſtes noſlos,desfazédoD.lorgede Mel
b Abbade do meſmo Moſteiro aquella cappelli, trasladou ſeu corpo & o
da Ruinha D.Vrraca ſua molher à capella de S.Vicéte onde agorajazem.
CHF 0 .
:

:
61

CHRONICA
DEL-RE Y DOM SANCHO .
II.

E dos Reys de Portugal o IIIJ.


Reformada pello Lecenciado DV ARTE NVNES DO LIAM ,
Deſembargador da Caſa da Supplicação.

L -REY D.Sancho II.a que chámavão Capello,ou por ſua


maneira de veſtir, que parecia mais monaſtica, que militar,
E ou porý por ſua natural remiffa .& floxidão, parecia mais
para viver mettido em humMoſteiro, que para governar
feu eſtado,quando ſeu pay falleceo,era de idade de 26.an
nos. E como elle era deſcuidado dos negocios de ſeu
Reyno,& detodo inhabil para o cargo delle,cada hum vivia a vontade,af
fi por fua brandura & ſimpleza, como pela maldade de ſeus conſelheiros
& privados. Os quaes comoachàrao tao apparelhado fojeito naquelle
Princcpe mancebo & fimplezzaproveitávaðſe deſuas faltas, para ſatisfaze
reu a luas cobiças,De que veyo todos os eſtados padecerem dannos into
Jeraveis & aggravos,ſem terem a quem ſe queixat. Ao tempo que el Rey
D.Afunto ſeu pay falleceo,era a Rainha D. Vrraca jà morta. Pelo que por
elle ver a fraqueza de feu filho, & por ſer mancebo , & sô,0 deixou encarre
gado à Rainha de Lião D.Berenguella ſua tia,por ſer irmáa da Rainha D.
Vrraca.A Rainha , era prudente, & de grandes virtudes, deſpois de acõfc
lhar a el- Rey ſeu ſobrinho, & trabalhar com frequentes amoeſtaçoens de
o metter em caminho,tentou de o cazar,parecendolhe que o que nelle fal
tava,fupriria fua mulher.Mas os privados,a q elRey fe entregou, & pre
tendiað ſeus intereſſes, Iho diſſuadiao ,querendolhe dar mulher, com que
fe elles atreveſſem , & que vindo por ſua mão delles,a tiveſſem ſempre pro
picia, & de ſua parte.
Avia naquelle tempo em Caſtella hứa viuva muitomoça,fermoſa & de
grande linhagem ,queera D.Micia Lopez de Haro ,filha de D.Lopo Diaz
de Haro ,ſenhordeVizcaya,& de D.Vrraca Afonſo, filhanaturaldel-Rey
D.Afonſoo IX.de Liao ,& de húa D.Inet de Mendoca. Eſta ſenhora fora
jà cazada com D. Alvaro Pirez de Caſtro, filho de Dom Pero Fernandez
de Caſtro o Caſtelhano , & de D.Ximena Gomez ſua mulher, que tambeinz
defcendia dos Reys,com a qual andara muito tempo de amores. Por aqual
raza5 era (ſegúdo dizião)tað ufano & cõtente de lygindo elley deCaltel
la cercar a hű ſeu lugar, poznelle as barreiras de pannos de leda, dizendo,
L que
CHRONICA
que nenhum muro outro queria entre ſi,& os go vieſſem buſcar. Em fim
vindo cazar com D.Micia, & vivendo com ella algum tempo ,morreo ſem
aver"filhos.Sendo pois D.Micia em grande grao fermòſa, os privados del
Rey D. Sáchojā lhe ſabiáo a inclinação,encarecerão tanto ſua ferniolura,a
The perfuaditão ,a tomaſle pormolher,do que'elles forão os corretores. Pe
lo que D. Micialhes réconheceo ſempre a obrigação em que lhes eſtava,&
foram tempre tam conformes,quáto baſtou para ſe o Reino deſtroir. Tam
bem reſpeitávao dtes privados,quanto lhes importava,paráo que queri
an uſar & abuſar no Reino,terem favorein Caſella:do que a valia & li
nhagem de D.Micia os aſſegurava.Porque alem de todos os grades de Ca
ſtella & Liãoſerem ſeus parentes tinhaD.Berëguella Lopez de Haro fua
irmaacazada com D.RodrigoGonçalvez Girão omaiorſenhor que então
avia em Hefpanha ſem coroa,& o maior privado delRey D.Fernádo. Efte
como ſe le no letreiro de huma rica ſcpultura,em que jaz na Igreja de Be
navides de Fradesde Ciſter ,foi hum dosmais nobres homés de Helpanta
de manhas & de linhagem , & que fez muito bem a filhos de algo em os
criar,& cazar:& que perfua mão armou 1255. cavalleiros. E quando
morreo, o aconspanhavão oito ricos homens coin 700. fidalgos de gram
marca ,queerão todos ſeus acoſtados & paietes . E ao meſmo tempo de feu
fallecimento,tinha conſigo de ſua caza 255. fidalgos de grande forte feu's
vailallos. Diz mais o epitaphio queera àquelle'tempo cazado com Dona
Berenguella Lopez'filha de D. Lopo,& de Dona Vrraca,& que era hua
das mais principaes donas queavia emHeſpanha. Pelo que com a ſegu
Tança da valia de Dona Micia,& conformidade ğösprivados & conſelhei
ros del-Rey D.Sarcho com ella tinhão,defpunhão à ſua võtade de Reino
dando os officios & beneficios , & fazendo bem & mal a quem queriam .
Sendo pois os Prelados & nobres do Reyno deſcontentes do cazaihito
que elRey contratára com D Micia ,& do que delle reſultava , & porque
não quifera cazar com filha de Rey ,como ſua tia a Rainha Dona Berei
gnella queria,& lhe'ordenava,o amoefiárão & requererão muitas vezes fc
apartaile daquella molher com ğ, fegūdo Deos não podia cazar; & fegado
ſua hora não devia ,por ſer ſua parenta dětro do quarto grao,& não for co
veniére a ſua dignidade,pois Deos o fizera Rey,mayorméte ſendo ella er
teril.Pełas quaes razões a ouvèra de deixar porprocurar ter geração. Mas
ciRey lhe era tam affeiçoado,que ou por arte de feitiçaria com que diziło
que a Rainha D. Micia v atára,ou por ſua feimoſura, que dizem ter mus
raia,(acrað os mais certos feitiços o nao quiz fazer. E aſicomo aquellis
mãos confelbeirosfavoreciao a cauſa de D.Micia ,ami ella , q mandava tv
do,favorecia a elles,& lhes coſentia com ſeu poder & authoridade, comel
rer as ditloluçoes & excellosã faziao. E ao exéplo deſtes, omeſmo faziao
Outros muitos dos grădes & pequenos ſem caſtigo ,cometiedo muitcs rol
bos,homicidios,forçasde mulheres, & outràs violecias, pelas quaes elke
nao
DELREY D.. SANCHO SEGUNDO. 62

nað tornava de maneira algúa,nem ouvia as querelas de ſeus vaſſallos. Pea


lo que os Prelados do Reino & peſſoas outras,por as muitas offenfas, queſe
a Deos, & a elles faziaő ,ſe mandàraõ queixar ao Papa Gregorio.IX dado
The inforinação verdadeiradoq no Reino paſſava,pedindolhe amocſtaſſe a
elſey,que ſe emendaffe, & lāçalle de ſi aquelles maos cõſelheiros,per qué
ſe regia,& ſe apartaſſe do inceſto em que eſtava. O Papa lhe mădou logo
huin breve,em que vinhaõ muitas ,& mui ſanctas amoeſtaçoes,& nelle lhe
deu termo para emenda de ſeus erros.
Sendo paſſado o termo queſe a el-Rey deu, para emenda de ſua vida,
certificado o Papa, que em nada obedecia,lhe mandou ſobre iſſo o biſpo
Sabinenſe por Legado. O qual vendo a dureza del -Rey & de feus conſe
lheiros,poscondicionalmente pena de excomunham &' de interdicto em
todo o Reyno,ſe a outro termo peremptorio,que lhes aſlinou ſenaó emé
daffem, & ſatisfizeſſem os dannos,que tinhaő feitos. Das quaes ſentenças
ficou por executor per mandado do Papa o Arcebiſpo de Braga, que por
elRey & os ſeus não fatisfazerem as tomadias & roubos,queeraõ feitos, o
eſcreveo ao San &to Padre. O qual por ufar de mais clemencia com el Rey
& lhe tirar todos os modos de deſculpa,lheeſcreveo hìa carta de aſperas
reprenfoens, não pondo nella a coſtumada faudaçao de filho & da Apof
tolica bençao,masdizendo ſómente : Gregorio Biſpo fervo dos fervos de
Dcos a elRey de Portugal eſpirito demelhor cõſelho. Neſta bulla fe co
prendião os muitos exceſſos, queelRey & ſeus miniſtros & conſelheiros
fizeraõ contra as couſas do Arcebiſpo de Braga, & comminacao, fe fenañ
emendaſſe, que o privaria do Reyno, & o daria a outro.
Tanto que a bulla foi publicada,vendoſe clRey apertado la neceſida
de, prometteo de fazer emenda do paſſado, & que não coſentiria de hiem
diante aos ſeus fazerem mais exceſſos.E aſli o aſſegurou per cartas patétes
ſ mandou geralmante pelo Reyno. E em eſpecialo prometteo aoPadre S.
Pela qual carta elle & os ſeus forað abſolutos da excomunhão, & levātado Raimon
o interdicto.Mascomo ſe elle vio livre,& o Legado do Papa foi partido,
começàraõ elle & osſeus fazer de novomuitosmales , & ifto per muitos Viegas
annos no potificadodo meſmo Papa Honorio.E fuccedido Innocēcio IV. Micia
à fuplicação da cleriſia & povo dePortugal,ihemadou muitas amoeſtaçõ• Lopez
es & aviſos,aq ſeus cöſelheiros o não deixáraõ obedecer,principalméte em &perfo rça
a icv3
ſe apartar daquella molher,que cõcra direito tinha, por ſer fua parenta . a Galli za
Mas eſtando elRey com ellaemCoimbra ,hü Raymő Viégas de PortoCar
reiro & outros , dá frontaria de Galliza com muitas gentes, 9 trouxeram , Micia
tomàraõ a D.Micia,& a levarað ao caſtello de Ourem ,q ella tinha delRey Lopez
em nome de ſuas arras.Sobre os quaes elRey cũ muita géte de armas foi, ghimou
requerendo lheslhe entregaſſem ſua mulher. O que elles nao quiſerað fa- vecin
Caſtcila ,
zer.Dahia levarað a Galliza, & dahi ſe paflou a Caſtella , donde nungna
mais tornou a Portugal.
L2 Da
CHRONICA
Do que de D. Micia Lopez ſe fizeſſe, & o fim que ouve,não ha me.
moria neſte Reyno. Mas em Caſtella no moſteiro de Benevivas eftâ huina
cfcriptura ,ei que Dona Micia fez doaçam ,como teſtamenteira de huma
ſua parenta de certasIgrejas deVillacis,aqual refere Jeronimo Gudiel na
genealogia dos Girões, quediz deſta inaneira, tirada da antiga lingga
Caſtelhana em que eſtà.
M nume de Deos,conhecida couza ſeja a todos os que agora fam,& que feraã
EDom Gonçalo Gonçalvez, teftamenteiros de Dona Tareja Ayves, entregamos ao Ab
adiante,como eu a Rainha Dona Micia,6 eu DomRodrigo Gonçalves pilko de
bide Dom Louro, & ao convento de Benevivas as Igrejas de Villacis.com todas fter
as pertenças, & com todos ſeusdireitos, aſi como Dona Tareja Agres o mandou, e
como as ella tirihalli as damos & outorgamos ao Abbade & ao convento de Beneixa
vas, Feita carta em o mes de Fevereiro no dia de Sam Mathias,Sabbadoa loras s',
Defperas,era de 1295. reinando el-Rey Dom Afonfo com a Rainha Dona Violãte c'r
Castelli,em Toledo,em Lião,em Galliza, em Cordova, em Murcia, em Iakm,con Sre
vilha, e. E portas as teſtemunhas accrefcenta. E porque eſta carta ſeja n.11;
firme,'u a Rainha Dona Micia,Seu Dom Rodrigo Gonçalves mandamos por acte
119 ]os ſellospendurados.
O ſello da Rainha DonaMicia té de hŭa parte as armas Reaes de Por
tugál, & da outra as armas dos de Haro .Diſto ſe collige, que viveo Dona
Micia mais que el-Rey Dom Sancho, pois elle morreo no anno de 1246.
& ella fazia aquella carta no anno do Senhor 1 257. E deſpois deſta cara
ta viveo aindamuitosarinos,porque no anno do Senhor de 1270 ſe conta
na chronica del-Rey Dom Afonſo X. de Caſtella,de aqui fazemos mere
çao ,que efperava a irmáade Dom Fernao Roiz de Caſtro de herdar a Ra
inha DonaMiciade Portugal ſuas terras & fazeda,o que era no 18. anno
do reinado do dito Rey, & a diante na ineſmachronica no 19.annode ſeu
reynado ſe faz mençað ,que a Rainha D. Micia perfilhou, ao Infante D.
Fernando primogenito de Caſtella,& lhe deixou o herdamento que tinha
das tetras do Infantadego , parece per algúa via herdou,o j não ſe pode
entender de outra RainhaDona Micia,porquea nað avia então em Hel.
panha,nem a ouve antes,ně deſpois.E he decrer,por o matrimonio entre
ella & elRey D. Sancho ſer enterdi&to pelo Papaper cenſuras, & excomil
nhões, & elle viver tað pouco em Caliella,como ſe adiarite dirà, que là a
nao veria,mayormente onde ella não eſtava em eſtado de Rainha como
antes era .

Como em el - Rey não ouveſſe emenda,nem nos inalfeitores caſtigo,tor


nåra outra vez os prelados & povos queixarſe ao meſmo Papa Innocen
cio.O qual per muitas vezes eſcreveo a clRey amocſádoo, & ao Biſpo de
Coimbra encarregidolhe, o acófelhalle q le apaitalle de ſeuserros & ca
frigaffe os malfeitores, & do q emelRey achafie, the eſcreveſſe.Mascome
por ſua naturalfraqueza& inhabilidade,elle não tornaſe por os malesáfcusos
7
DELREY D. SANCHO SEGUNDO . 62

fazião,ordenarão alguns dos danificados,pedir ao Papa, lhe deſie algum


Regente para o Reyno.
PART Eſtava neſte tempo o Papa Innocencio em França na cidade de Liam
com eley S. Luis, g entað herdara o Reyno per morte de ſeu pay, aonde
deRoma ſe acolheo co medo do EmperadorFederico II.que tratava de o
préder,a fim de o fazer vir per força a couſas 7pretēdia, g ſabia o Papa lhe
maoavia de conceder per vontade. Peloque védoſe o Papa em lugarſegu
10,& que pela potencia deFederico nað ſe podia fazer Concilio en Italia
com acordo dos Cardeas , & parecer do meſmo Rey de França,determinou
de alli em Lião,onde co e Rei eſtava celebraro Cócilio, pelo Papa Gren Cócilio
gorio IX. eſtava decretado para Roma em S. Ioao deLaterað,& o come- decreta
çouno anno de 1244.& proſeguio o anno de 1245.Erað ordenados per do para
elley & os de ſeu cõſelho do eſtado para ir ao Concilio por embaixado. S. Ioam
res de Portugal.D.Ioab Arcebiſpo de Braga ,D.Tiburcio Biſpo de Coim- tao de Late
ſe
bra,Kui Gomez de Briteiros, & Gomez Viegas,fidalgos princ ipaes & de mud aa
muita authoridade.Os quaes ,como homés q eſtavaõ eſcandalizados das of. Liaó de
ferſas ģ recebiao dosprivados del-Rey,chegando ao Cocilio,propoſéraó França.
ante o Papa feusqueixumes ſobre os males,que hião no Reimo, & a pouca Embaia
. eſperança que tinhao de emenda,de que apreſentàraó cartas & inquirico xadores
esquelevavao, Papa, que eſtava bem informado, lhes diſſe, que elle os de Por
proveria de Regente,& lhes concedco qelles meſmos elegellem , que lhes tugal30
se pareceſſe pertencente,com tanto que foſſe Portugues. Os embaixadores, ģ concilio
tinhao ja deliberado quem foſſe, deſpois de beijarem os pès ao l'apa, lhe de Lião.
diſſeraő , que o mais apto para o tal cargo era o Infante D. Afonfo Conde
de Bolonha,irmão do meſmo Rey D. Sancho, & aquem o Reyno vinha
per dercito,nað avendo elRey filhos: & que eſte lhe pediaó merce,lhe der
le por Regente. O Papa tinha taes informações do Conde, q lhe tinha co
cedida a Cruzada para a paſſagem de ultramar. Peloque lhes aprovou per
todas as vias a eleição . Emandando logo chamar o Conde lhe deu o regia
miento de Portugal,que elle acceitou em Liaš aos 7. dias de Septembro
daquelle anno de 1245.0 Code & os embaixadores do Reyno,ſe foraó a
Paris onde dentro das cazas do meſtre Pedro Chanceller da cidade, ſendo
clle preſente, & Meſtre Joao capelláo do Papa, & Deaõ da Igreja de Cara
nota , & Sueiro Soares Chăceler do Cöde, & Steveanes fidalgo de ſua caza ,
& os embaixadores de Portugal ,& muitos Religioſos da meſına naçao, o
Conde fez ſolenne juramento ſobreos ſanctos Evangelhos na forma de
vida. E logo ſe fez preſtes para ſe ir a Portugal .
E como a lealdade dos Portugueſes para ſeu Rey he tað natural, ý nun
qua em tempo algum ſe achou nelles rebelliað nein deſconheciméto, mas
cada hū morrerà por o ſervir quando compris ,fabia o Conde que ainda ( 4

del-Ray D. Sancho ſeu irmão eſtiveſſe todo o Reyno deſcontente porquaó


1 :al governava a li & aos ſeus, & muitos eraõ agravados poroffcnſas delle
L3 & de
CHRONICA
& de ſeus privados.& conſelheiros recebião,não ſofrerião bern, verlhe ti
rada a adminiſtraçao & o imperio, & ficar como homem privado, & darem
a outrem a fé,& obediencia,que a elle huma vez tinhão dado. Pelo que te
mendo a reſiſtencia ,que podia achar,impetrou do Papa Innocentio húa
bulla para os povos de Portugal,de que ſe tirou aquellecelebrado capitu
lo Grandi De jupplend .neglig.prælat. no livro 6. das Decretaes, ſobre a eleia ; de
çaoque fizera do CondedeBolonha,porque lhesmandava ſob gravespe ?
nas & cenfuras obedeceſſem ao Conde, & houveſſem a el-Rey Dom San
cho por privado & enterdi&o da adminiſtração de ſeu Reyno, ficandolle
porem o nome & tratamento de ſua peſſoa, & deſpeza conforme à digni
dede Real,& a ſucceſfam de ſeu filho ligitimo,ſeo tiveſſe:a quem o Papa C.
nao pretendia prejudicar .E que as homenajës, que lhe eraõ feitas, ficaffem
ſem vigor, & de novo ſe fizeſſem ao Conde. Juntamente com eſta bulla 55
mandou o Papaoutrapara os Fradesde Sam Franciſco de Portugal,fereni si
1
executores da cauza do Conde. ara

Expedidas eſtas bullas,oConde ſe veyo a eſte Reyno,& com elle Frey


Diſiderio,Religioſo demuyta authoridade,para em nome do Papa requs & ;:
Fr.Defi. rer a entrega dos caſtellos ao Conde,para ſe nelles não acolherem malfci 02 : 2
derio vé
có oCó tores ou rebeldes, & fe fazerem de novo outros juizes & officiaes da juſti
ça,que a
adminiſtraſſeni: & para aos deſobedientes pôr penas de excomu
lhe fazer ubán & cenſuras.Para iſſo deſpedio o Conde cartas,notificando ao Reyno in
entregar fua vinda, & a cauſa della chamandofe nellas Procurador & Defenſor do ; : 1.9T
as forta- Reyno de Portugal por o Papa . A Mi meſmo notificou a 'el Rey D. Sancho ರಂತ
lczas ,
ſeu irmão,comoelle vinha per mandadodo Sancio Padre,& a requerime bad
1 to do Reyno governalo,& fazer nelle juſtiça que ſe não fazia. E que em 1
tudo lhe reconheceria ſenhorio,comoa ſeu Rey & ſenhor. E juntamente
Conde lhe mandou o Legado do Papa com hum breve de crença , em que o S. te
de Bolo . Padre referia as cauſas,porque mandou o Conde. udev
na offere El-Rey qne eſtava em Coimbra,como vio as cartas do Papa & do Con Gesel
ceſeare. de de Bolonha feu irmão, & que queria entrar no Reyno, & que por as pe
conhe .
cer a el nas & excomunhoens deque uſava,& força que queria fazer aos rebeldes, jei
Rey feu começava a ſer recebido,ficou mui torvado, & muito mais os maos conſe " 32 น
irmam . Theiros, que conſigo trazia,quecom medo do caſtigo que mereciað, ſe fi
caſſem no Reyno,aconſelharao a el Rey,a que fenaó fazia pelo Conde
Rey D. deſobediencia alguma,que o naõ eſperaffe, & ſe foſſe a Caſtella pedir foc
Sancho
nasla
vaia Ca corro a el Rey Dom Fernando ſeu primo com irmão. Pondo el-Rey o có .
fella a felho em effeéto,le foi a Toledo verſe coin el-Rey, & contada à cauza de TYCZ
pede fo fua vinda, & como o Conde lhe queria vfurpar feu Reyno,lhe pedio , co ...11
corro có mo parente iam chegado , & Rey tam viſinho & liado,a que tamanha of
tra feu
irmão .
fenſa ſe fazia,lhe delle ajuda contra ſeu irmão E que pois elle não tinha
filhos,per ſua morte lhe deixaria Portugal a elle, ou a ſeu filho herdei .. ‫܂ ܠ‬
ro , El Rey Dom Fernando fe offereceo ao ajudar, & lngn orderon ,que o ‫گر‬
Infants
>

DELREY D. SANCHO SEGUNDO bi

Infante D. Afonſo de Molina vieſſe a Portugal, & que com elle viellem
D. Diogo Lopez de Haro ſenhor de Viſcaya,que era irmão de D. Micia
Lopez molner delRey D.Sancho, D.Nuno Gonçalves de Lara , D.Ruy
Gomez de Galliza, D.Ramiro Flores,D.Rodrigo Roſas,D.Fernando Anes
de Lima, & outros ſenhores, & com elles muyta gente de pè,& de cavallo,
com queentråráő em Portugal pela comarca de Riba de Coaque naquel
le tempo era de Caſtella. E por elles virem pela comarca da Beira; que a
inda naő eſtava à obediencia do Conde, chegàraő fem contradição algúa,
atê a villa de Abiul ,que eſtà quatro legoas de Leiria. Ao qual teinpo eſtà
rajà muyta parte doReino pelo Conde.
Como o Conde de Bolonha ſoube da entrada del- Rey, & do Infante
D.Afonſo de Molina,ajunčou a mais gente que pode, & fez com o Arce
biſpo de Braga,& Biſpo de Coimbra, impediſſem a ajuda, que ſe a el Rey
D.Sancho fazia. Eſtes Prelados não tinhão neceſſidade demuytas eſporas,
para encontrar ael-Rey D. Sancho. Porque elles eraõ as peſſoas que delle,
& dos ſeus privâ dos andaváomáis aggravados,por as grandes offenſas que
lhes erað feitas, & roubos de ſuas fazendas, & sò a le queixar diffo, & pe
dir Regente para o Reino, fe offerecerað ir ao Concilio, & para ajudar ao
Conde, vierao logo para elle.Pelo que eſcreveraõ aos Frades de S. Fran
ciſco da Covilhãaexecutores das letras do Santo Padre quelogo vierað á
el-Rev, & áo Infante deMolina, & os amoeſtáraó ſob pena deſerem mal
ditos & excomungados ,não impe diffem os mandados do Papa. Elas mel
mas denunciaçõens fizerað ein inuytos lugares de Portugal,& dos Reynos
de Caſtella,& de Lião .Pelo que el-Rey nem o Infante paſfáraó de Abiul,
Das ſe tornarað pelo caminho que trouxérað .
O Infante , & os ferihores que coin elle vinhão,aconſelháraó a elRey,
ou ficaffe em ſeu Reyno como lhe era apontado, ou ſe foſſe com elles para
Caſtella : El-Rey eſcolheo,nao ficar em Portugal. É porque elle tinha feia
tas doaçoens ao Infante D.Afonſo de muytas villas principaes do Reyno,
ainda que o Infante as procurou & pedio metendo por terceiro o Papa,
que ſobre iſlo eſcreveo ao Conde muitas vezes,elle ſe eſcuſou ſempre,por
lerem contra a utilidade & honra do Reyno, & contra ſua condiçam , que
cra accreliétar as terras do Reyno,& vað diminuilas. E porque as doações
crao feitas como por homem prodigo, & q por nao tet filhos,dava como
co albe yo mais largo. Infante
Eporque do Infante D.Afonſo de Molina fe faz muytas vezesmenção D' Afon :
ailinas chronicas deſte Reino,como nas de Caſtella ,por ſer naquelles cem- fodeMo
pos muy celebrado, & muitos ignorarein cujo filho era , não ſerà fóra de lina juis
roilo intento lembrar aqui quem era, & a razao que tinha com os Reys de era, & Q
l'ortugal , & com os de Caſtella. Dito fica atráz na vida del- Rey D. San- defcé de
cia deia
cho l. como ſendo ſua filha a Rainha Dona Tareja cazada com ſeu primo XOll .

com irmao Dom Afonſo IX Rey de Liao , forao apatardos per Decreto
co
i do n
CHRONICA
do Concilio,que ſe fez em Salamanca per mandado do Papa Celeſtino
III. tendo elle ja tres filhos.f. o Infante Dom Fernando, que falleceo mo
ço, & duas filhas, que tambem nao chegara) a cazar, Sendo apartado cl
PicyDom Afonſo de Dona Tareja cazou ſegunda vez com Dona Bereiz
guella,filhadelRey Dom Afonſo VIII.de Caſtella,que chamara ō o bom.
Da qual tendo ja dous filhos .l. o Infante Dom Fernando,que foi Rey de
Caſtella, & de Liam III. do nome & chamado o San &to , & a eſte Infante
Dom Afonſo de Molina, & Dona Conſtança,quefoi freira nas Hol gas de
Burgos, & Dona Berenguella.que foi Rainha de Ieruſalem , molher dela
Rey Dom loam de Bretanha,foram tambem apartados porrazao da'paren
teſco. De maneira que eſte Infante Dom Afonſo era primo com irmao del
Rey Dom Sancho de Portugal, de que tratamos,filhos de duas irmãas. Por
que como eſtà dito na vida del-Rey Dom Afonſo II. de tres irmáas filhas
do dito Rey Dom Afonſo VIIJ. Dona Branca mais velha cazou com Luis
VIII. de França.DonaVrraca com el-Rey Dom Afonfo de JI Portugal, de
que naſceram el-Rey Dom Sancho , & o Conde de Bolonha,& Dona Ee
renguella cazou com elRey Dom Afonſo IX. de Lia 7,de que naſceo el
Rey Dom Fernando IIJ.de Caſtella & de Liao,& eſte Infante D. Afonſo.
lofante
A razaő porque ſe chamou de Molina,foipor ſer ſenhor deſſa villa, aven
D. Aton doa em dote com Doria Mafalda Gonçalves filha deDom Gonçalo Pères
ſo pora de Lara , cuja era. Deſta molher ouve huma ſó filha chamada Dona Bran
ſe cha ca Afonſo, que lhe ſuccedeo no ſenhorio de Molina,quecazou com Doin
mou de Afonſo Ninho filho baſtardo del-Rey Dom Afonfo o Sabio. Eſte Dom
Molina. Afonſo Ninho ouve de Dona Branca huma ſó filha per nome Dona I fa
bel,a qual morreo donzella em vida de ſua máy,per onde DonaBráca dei
xou o ſenhorio de Molina a elRey Dom Sancho o Bravo . E dahi atè ago .
sa ſe intitulàrað os Reys de Caſtella fenhores de Molina. Deſpois cazou o
Infante Dom Afonſo ſegunda vez com Dona Tareja Conçalves filha do
Conde Dom Gonçalo Nunez de Lara,de que ouve Dona loanna Afonſo
que foi molher de Dom Lopo dias de Haro ſenhor de Viſcaya, & máy de
Dom Diogo Lopez de Haro,que ſuccedeo no meſmo ſenhorio. Terceira
vez cazou o Infante com Dona Mayor Afonſo de Meneſes filha de Dom
Afonſo Tello ſenhor de Meneſes,& de outras muytas villas em Caftella.
Delta molher ouve hum filho per nome Dom Afonſo Tellez, de que a
baixo fe dirà , huma filha chamada Dona Maria Afonſo,que foi Rainha de
Caſtella & de Liao molher del-Rey Dom Sácho o Bravo, & , māy delRey
Dom Fernando III ). Quarta vez cazou com Dona Violante filha do In
fante Dom Manuel filho delRey Dom Fernando o III de Caſtella & de
Liam ,de que ouve Dona Iſabel,que cazou com Dom Ioam o Torto, filho
do Infante Dom loam filho del-Rey Dom Afonſo X. E o Dom Afonſo
Telles,go lofante D.Afonſo ouve do terceiro matrimonio de Dona Ma
yor herdoude ſua máy o ſenhorio das villas de Tedra, Montalegre, Sata
Romam
DELREY D. SANC HO SEGUNDO 63
· Romam,& cazou com Tareja Perez filhadeDom Pedralvezda's Auſtrias,
de que ouve hum filho, que ſe chamou Dom Tello Afonſo . Eſte Dom
Tello ſuccedeo no ſenhorio das dicas villas, & cázou com Dona Maria fi
Tha do Infante Don Afonſo de Portugal, filho delRey Dom Afonſo Con
de de Bolonha,que he o que jaž no cruzeiro do moſteiro de Sam Domin
gos de Lisboa,& nao doInfante Dom Pedro ( como Franciſco de Rades
diz na ſua hiſtoria da ordem de Santiago .) O qual ouve huma filha, que ſe
chamou Dona Iſabel, que foi molher de Dom Ioam Afonſo fenhor de Al
buquerque & de Medelhim .O qual con ellaherdou as ditas villas de Te
dra,Montalegre,& Sam Romam. Dos quaes nafceo Martiin Gil,que não
deixou filhos. Por os quaes muytos cazamentos & filhos, le eſte Infante
muytas vezes nomeado em Portugal, & em Caſtella. O corpo deſte In
fante le ve oje enterrado honradamente na cappella mór do convento de
Calatrava, cujo familiar ſe fez, & a que deixou muytos bens, ſegundo re
fere o melino Franciſco de Rades, que eſcreveo as couzas,dàquella ordem;
que faz larga mençam deſte Infante, & de fua deſcendencia.
Determinado pois el-Rey Dom Sancho de ſe ir de ſeu Reyno a Cala
tella , afli por a vergonha ;ğ ſe lhe fazia de ſer peſſoa privada na terra on
deja foraRey, como poros ſeus conſelheiros o incitarem ,que não ſe ac
quietauam no Reyno,ondetantos exceſſos tinhao feitos, vindo a iſſo now
vo Cenſor & Governador, proſeguio ſeu caminho em companhia do In
fante Dom Afonfo ſeu primo. E chegando ao lugar da Moreira junto
com Trancoſo ,onde entam eltavam muitos homensnobres, & entre elles
Dom Garſia , & Dom Fernaó Garſia, & Dom Fernao Lopes,& Dom Dio
go Lopez todos irmãos, filhos de Dom Garſia de Souſa filho do Conde
Dom Mendo o Souſaó, & de Dona Elvira Gonçalves, filha de Gonça
lo Páez da Terronho, que erao peſſoas principaes do Reyno & ſegun
do dizian , deſcendentes del-Rey Dom Afonſo Henriquez, o Dom
Fernão Garſia,ſabendo da chegada & eſtáda del-Rey, veſtido de todas ar
mas con hum ſó eſcudeiro ſe foi à Moreira,onde el Rey & o Infante el
tavam com os mais fenhores. E poſto ante elles tirou o elmo da cabeça , &
com os golhos em terra beijou a mão a el-Rey, & ao Infante Dom Åfon
1o , & como ſe levantou,fez reverencia a Dom Diogo López de Haro ſe
nhor de Vizcaya, & a Domn Nuno Gonçalves de Lara ; & a todos os ou
cros cavalleiros que eram preſentes,tirando a D. Martim Gil da Soveroſa
que era o principal,per quem ſe el-Rey Dom Sancho regia . E perguntana
do Dom Fernáo Garſia a elRey le o conhecia? elRey lhe relpondeo que
fi, & que era feu vaſſallo & natural. Dom Fermando proſeguindo lhe dif
fe : Senhor, meus irinkos,por cujo mandado venho a vós, eltaó em Tran
colo. Todos ſomos voſſos vaſſallos. Elles,& eu ;vos pedimos & requieres
los perante o ſenhor Infante voſſo primo, & eſtes ſenhores, que aqui ela
taó que vades pera aquella villa , na qual & em ſeu caſtello vos recebe
icmos
CHRONICA
remos,como a noſſo Rey & fenhor, & affi em todos os outros do rodor,
çue te mos a noſſo cargo,com tanto que com voſco nao leveis a D. Martina
Gil,queaquieſtà,nem os ſeus, quedeſtroíram volla terra, impedindo fa
zerle juſtiça dos ſeus, & de outros malfeitores. Porque vos ſenhor, certa
mente de Rey nao tinheis mais que o nome, & o Realſangue de que del
cendeis,que no effe& o elle era oRey. É com eſte credito que lhe deſtes,
vos tem mui mal ſervido, & com ſeu mao conſelho, vieſtesao eſtado , em
que agora eſtaes. E feelle diſſer que nao he affi, cu me combaterei coin
elle,que para iſſo venho aquiarmado, & alli à porta tenho hum cavallo.
E ſobre iſſo eſpero em Deos,queo matarei,ou perſua bocca lho farei con-.
feſtar, que mui mal & como não devia, & com grande quebra de voffo ef
tado, & de voſſa terra, vos aconſelhou . Era Dom Martim Gil cavalleiro
nui esforçado, & de grande caza, mas ouvindo aquellas palavras,ciao tor
nou a ellas como a ſua honra compria. Porque ſomente reſpondeo , que
Dom Fernando fallava mal, & que do que diſſera,ſe nao acharia bem. Pe
lo que ficando muy indignado contra Dom Fernando ,fez moſtra a algus
dos ſeus,que ahi eſtàvão , que foſſem ter com elle ao caminho , & o matafa
fem .Dom Fernai Garſia que os vio fair, & entendeo bem a má tençam
com que hiáo, antes de outra couza diſſe a el-Rey :Senhor vós quereis ir
para Trancoſo,como vos tenho requerido? El-Rey lhe reſpódeo que não.
Entam diffe Dom Fernando Garfia ao Infante Dom Afonſo : Senhor ſe
reis teſtemunha vós,& eſtes fenhores que aqui eſtao, deſte requerimento,
que por meus irmãos & por mim , vim fazer a el-Rey meu fenhor. E afli
ouviſtes o que tambem diſſe a Dom Martim Gil,que aqui eſtà.O qual não
querendo tornar a iſſo per ſua peſſoa, como devia a ſua honra , mandou
áquelles ſeus, que daqui partiram ,que me foſſem eſperar ao caminho para
deſacompanhado mematarem à traiçam . Pelo que vospeço, por o que
deveis a quem fois, me mandeis pôr em ſalvo em Trancoſo . O Infante
Dom Afonſo ſe levantou logo , & diſſe a Martim Gil : Vòs não attental
tcs, no que vos diſle Dom Fernáo Garſia ,ncm no que deveis fazer, que me
parece vos accuſa de traiçao ,& nao quereis vir às armas com elle como de
veis, & vos elle requere. Dom Martim Gil refpondeo, que por ſuas pala
vras váas davapouco. Pelo que aquellos ſenhores diſſeram a el-Rey,que
Dom Fernão Garfia & os fidalgos queeram em Trancoſo , não podiam
fazer melhor comprimento, & que o fizerao como bons vaſſallos . E que
dahi avante qualquer culpa que ouveſſe, ſeria del -Rey & não fua. E lo
go Dom Diogo Lopez de Haro, & Dom Nuno Gonçalvez de Lara con
effes cavalleirros,queahi eram , cavalgàrain , & íe foram com Dom Fernão
Garſia a Trancolo , donde ſaíraõ ſeus irmãos, & eſſa nobre gente , que
abiera, & lhes agradecera) com muitas palavras a corteſia, que uſäram
com ſeu irmão,em o acompanharem , & porem em ſalvo. Deſpois de pra
ticarem Dom Diogo & Dom Nuno,ſe tornáram para el-Rey: & o Infånre
& 10
DELREY D. SANCHO SEGUNDO 64
& todos ſeforaó a Caſtella, & com elle Martim Gil, que deſpois foi mui
accepto a elRey de Caſtella, & avido por rico homem . Eſte parece que
. feria o Dom Martim Gil de Portugal ,que elRey D. Afonfo o Sabio dei
xou por ſeu teſtamenteiro 'ein feu ſegundo & derradeiro teitamento,& fo
: sa teſtemunha no primeiro com a Rainha Dona Beatriz de Portugal ſua
filha, & outros ſenhores.
Os povos de Portugal que ouverao de ſofrer mui bem terem ao Con
de de Bolonha por conſelheiro delRey Dom Sancho, por ſuas boas qua
lidades,&prudencia, & por a fraqueza delRey ,ſofrião mui mal teremno
por Regedor; & Governador abſoluto,vendo elRey Dom Sancho priva
do. E tal qual Reytinhão nelle quanto lhes era poſſivel,reſiſtião, por de
fender fuaparte,aſſi como eſtava abſente. Mas com as cenſuras & penas,
que fe logo dávaó a execuçao, & com a força das armas do Conde de Bo
lonha ,à que ajudavao o Arcebiſpo de Braga,Biſpo de Coimbra, & outros
Prelados & peſſoas aggravadas,ſe hiaó rendendo,porque mais não podião .
E osque erão mayores, & tinhao mais forças,faziam mayor reliſtencia. E
quaſi na ó ſe achou em Portugal fidalgo, que ao Conde de Bolonha fes
guiſſe,ſendo Portugues filho de hum ſeu Rey natural,& homein de muito
governo & prudencia.E tam conſtantes eſtàvao em ſúa lealdade, que não
ouvè alcaide algum de fortaleza,quenella recolheſſe ao Conde per ſua vo
tade.So Martim Fernandez de Talde Alcaide mòr de Leiria, recolhed no
caſtello ao Conde de Bolonha, & lho entregou de ſua vontade por The
elRey dar nå dita cidade certas herdades & moinhos. Por o qual feito,foi
entreos homens daquelle tempo infamado, & avido por nað verdadeiro
Portugues. E conta o Conde D. Pedro neto do inėlimo Conde de Bolon
nha nos livros das linhageris de Portugal,tratando dos Bezerras, que hum
cavalleiro principal per nome Sueiro Bezerra,porelle & ſeus filhos en
tregarem ao Conde de Bolonha certas fortalezas que tinhão na Beira, ſem
eſperarem força,nem cerco,tendo feita dellas homenagem a elRey Dom
Sancho, da meſma maneira fotað avidos por trëdores & homens de pova
co primor. E não era iſto ſomente ein quanto elRey eſtava no Reyno; Lea ida.
mas muito mais deſpois de partido, quando feu caſo , & deſterro de ſua de dos
terra & de ſeu Reyno, lhes parecia a elles mais intoleravel ; & dignode Portuige
commiſeração. Pelo que algunsouve, quenão ſe mudandoper amoilta- lesá que
çoens, cenſuras,& cercos,que o Conde lhes punhaperſeveraraó com gra- tes feu
de conſtancia,até a morte delRey Dom Sácho,pallando muitos trabalhos Rciintia
& aperto,comoforão Fernão Rodriguez Pacheco , & Don Martim de bil para
lititas cuja lealdade não he para eſquecer: mas ſet a todos exemplo. A osfeger
ao Ins
qual por faltar em algum dos deſcendentes de hum deſtes illuſtres varoés g
fante ſcu
fe caufaraó em tempos mais chegados a nòs grandes guerras,inales,& alte irmão
raçoens nos Reynos de Caſtella, de que adiante em outra parte ſe farà riutpret
dence
wençãm .
Era
CHRONICA
Era Fernão Rodrigues Pacheco fidalgo principal , & o primeiro que
ouve eſte fobrenome.O appellido de ſeus mayores era do ſolar de Ferrei
ra de Aves ,cujos ſenhores forão.Seu pai ſe chamou Rui Pirez de Ferreira,
& ſua máy Dona Tareja de Cambra. Efte Rui Pirez dizem ſer biſneto de
Dou Fernando Ieremias, & de Dona Mayor Soarez,filha de Sueiro Vien
gas,o que fez o moſteiro de Ferreira no Biſpado do Porto.Sendo pois Fer
não Rodriguez Pacheco Alcaide mòr do caſtello de Celourico da Beira,&
não o querendo entregar ao Conde, por lhe parecer, quecaía em mão ca
ſo tendo delle feico homenagem a el-Rey Dom Sancho, não o podendo
o Conde acabar com elle com brandura de palavras,nem promeſſas , veyo
a lhe pôr cerco. E mandando muitas vezes combatero caſtello,por afor
Fer não taleza do lugar,& por a boa gente,que Fernão Rodriguez conſigo tinlia
Roiz Pa
checo & não ſe pode tomar per força: & durouo cerco tanto,quepor os inantimé.
lua Ical tos virem faltar aos de dentro,forað poſtos em tanta eſtreiteza de fome &
dade. de outras neceſſidades, por não morrerem tao deſeſperada morte , como
Cerco
ſe lhes offerecia, eſtavão para entregar o caſtello,Eſtando neſta afronta, di
zem , que Fernão Rodriguez ſe levantou hum dia mui cedo,andando pelo
Fernão muro,poſto em varios pentamentos 7 pela preſſa em que eſtavão,ſe lhe of
Roiz no furecião,ſem ſe determinar no qfaria, & pedio a Deos por ſua miſericordia
caſtello lhe accoreſſe em tanto trabalho, & o livraile de cair em deſonra & infamia
deCelou
rico .
entregando aquelle caſtello,aquem lho nãodera. E q durando neſta ima
ginaçao, vio vir de contra a ribeira do Mondego,glogo ahi junto eſtà, húa
Ardil de aguia,q trazia nas unhas húatruta mui grande,& 5 voando percima do ca:
Ferrão ſtello lhe cahio dentro. Fernão Rodriguez algū tanto lédo co aquelle acē
Rodri- tecimento ,vendo húa tão fermoſa truta & freſca,a mádou apparelhar &
guez Pa. pôr em pão,& a mádou em preſente ao Code ao arrayal, & lhe midou di
checo
per el zerq bein o podia ter cercado quanto ſua vontade foſſe. Mas fe per
Rcy le fome eſperava de o tomar, viſſe ſe os homes q daquella viáda eſtaváo aba
vantouo ltados,teriáo razão de contra ſuas horas lhe entregar o caſtello .O Code, &
cerco ,
os que preſente virão, foraó maravilhados , não ſabendo como aquillo
foffe . E vendo o Conde que dilatar mais o cerco nam aproveitaria o
levantou.
Reſtava ' em Portugal o caſtello de Coimbra,queera a mais honrada
D. Mar- fortaleza que no Reyno avia,por ſer aqualla cidade então a cabeça delle,
tim de ' & o domicilio dos Reys.Efta tinha D.Martim de Freitas cavalleiro muy
Freitas
con que
esforçado,& de grande linhagem . Tendo o Códe feito co elle todas as di
csforço ligëcias poſliveis para lhe fazer entrega do caſtelo, antes de vir às armas D.
& Icalda Martim o deſenganou ,que em quáto elRey D.Sancho viveſie,lho não en
de ſe fo- tregaria fen fem mādado. E q a elle menor perigo lhe parecia ſer morto, 0!!
fertou
Do cerco
mal tratacio,q desleal,q por táto podia eſcuzar delhe fazer medos co mor
de Co ces nem perigos :porque tudo avia de ſofrer. Porq elle não vivia para ter
imbra vida, ſenão para ganhar honra, & conſervala , Conde lhe pos cerco,
ndou
&
ma
DELREY D. AFONSO TERCEIRO. 65
mádou combater o caſtello muitas vezes com tanto animo dos de fora &
c. de dentro, de húa parte & outra ouve muitos inortos & feridos. E por
mais ý os cõbates perſeverávão ,o esforço do Alcaide & dos q com elle e
ftavão era tal, aproveitou pouco o trabalho,que ſe tomou. Indignado o
Conde,fez ſolene juraméto de não levátar o cerco,ate aver o caſtello per
: . combates, ou per fome.Tanto perſeverou,queaos de dentro começáraó a
: faltar as proviſoés, & a agoa.Pelo q vieraõ a comeras beſtas,cães, & gatos,
;. & outras couſas deſacoſtumadas yaý a natureza dos homés repugna.Saben
1: doo Conde o trabalho em q os de dentro eſtavão, & doendoſe de homés
de táo bós eſpiritos padecereni tanto lhesmandou requerer q ſe deſſem , &
que fem cauza ſe não quizeſſem matar. £ que não creſcem que aquilloera |
is façanha,ſenão erro, pois a não podião levar ao cabo. Dom Martim de
7: Freitas reſpondeo, que do propoſito em que eſtava não deſiſtiria por
fua hupra.
Eitan Jo eſtes cavalleiros em tanta triſteza, aconteced verem do castello
hun dia paſſar hum cavalleiro pelo Mondego a vao, & 5 o cavallo de far
he to não provou agoa.E magoados de ſe verem em eſtado que a hűa alima
ria avião enveja ,começáraõ a ſe lamětar,& dizer mal de ſua fortuna. Pelog
algus parétes & amigos do Alcaide mòr, que por o trabalho & neceſſidade
eſtrema que padecião ,fem eſperança de ajuda nem ſoccorro,fere taes que
b ja fe não podião ſofrer, & elle no Reyno era ſó,o que foſtentavatal perfia
Pre differao,que por dar a li, & aos ſeus a vida,entregaſſe o caſtello ao Có
de.D.Martim lhesreſpondeo :Que nunqua Deos quizeſſe, ğ obedecendo
àquelle ſeuconſelho pużelſe tãogrăde macula ſobre ſua limpeza:nécöfe- Conftá.
tiia tamanha traição em encurteria, fe aquelle caſtello deſſe ſenão aquel- deden
le,de quem por ſua fé & homenagem o recebera, & em quanto elle foſſe Martim
vivo. É q bem via a tribulação, que elles alli cõ elle paſſivão,de q a fua de Freia
parte eraa mayor,pois ſentia ſeu mal & o delles.Mas ſe elles ſe quiſeſſe lé- tas.
brar de outrosmayorestrabalhos & neceſidade,queoutros ſendo cercados
padecerao,por materem ſuas lealdades,ſofrerião co mais paciécia o q então
pallavão.E ğ quereria Deos por ſua iniſericordia accorrerlhes,có que cedo
laiſſem daquelle trabalho.E que algum tempo folgarião, decontar a ſeus
filhos,os males 7 padecerão,q não feria pouca honra para elles,nem pou
co exéplo para os filhos, & para vindouros.Tambem lhe lembrou que ſe
entam porhum pouco de comer ou beber, falvaſſein as vidas , que eſſas
meſinas vidas lhes aviam de durar pouco, & a deshonra & infamia de não
acabar huma couza tam bem começada & tam devida, lhes duraria para
ſempre. Peloque lhes pedia que em quanto pudeſſem como hoinens, que
amavam mais o eſpirito que a carne,lhe não faltaffem, & o ajudaſſem . E
que lhes lembrava ,queaſſi como o trabalho & paciencia daquelle cazo
era a todos commum ,afli a honra era a todos igoal, & a cada hum delles
ſeus companheiros cabia mayor quinhaó que a ello, pois elle tinha mais
MM obris
CHRONICA
obrigação,que cada hum delles,pela homenagem que fizera. E que ſe por
ventura algum delles para deleytação ſua,ou para ſeu ſerviço tiveſſe deſe
jo de mulheres,lho deixaſſe que alli tinha ſua filha, que era donzella;& q
elle muito amava a qual mandaria que em tudo os ſerviſſe. Porque menos
ſentiria , que ella perdeſſe a honra deſua virgindade,que por mingoa delles
perderelle fua lealdade,& ſer conſtrangido fazer tamanha traição como
feria dar,como não devia,aquelle caſtello,a quem lho não deu. Com eſtas
palavras, que Dom Martim diſſe,ficàrað todos eſpantados, louvando fua
bondade. E com novo esforço que tomàrão,lhe prometteram, que por lhe
ſatisfazerem a feu deſejo ,quer tiveſſe razão, quer não, por nenhum cazo,
que ſobrevieſſe,o deixariam ,mas morrerião todosprimeiro com elle.
Eſtándo D.Martim de Freitas,& os ſeus neſta afrõta & aperto,avendo a
cerca de hum anno que elRey D.Sancho era ido a CaſteHa,veyo a fallecer
em Toledo . Tendo o Code de Bolonha certa nova da morte de ſeu irmão
doendole da perdição de tantos bős homes , & tão leaes como'erao osõike
defendião aquelle caſtello,lhes mádou logo muitos mantimétos & refiero
dentro,& recado ao Aldei mòr,como elRey ſeu irmão era fallecido. E que
elle per fua peſſoa ou per quem quiſeſſe tomaſſe verdadeira informaçam;
com a lhe entregaſle o caſtello. D.Martim eſcolheo certificarſe per ſimeſ
mo,& para iſſo o aſſegurou elRey da ida,eſtada, & tornada ad caftello,& 7
em táto o não combateria.Don Martim fe foi a Toledo,& poſto q de to
dos ſoube;como el Rey D. Sancho eramorto ;& lhe moſtrarão o lugar on
de o viraõ fepulcár,elle ſenão ſatisfez.Maspara mayor certeza, fez tirar a
campa ;que o cobria,& como vio em certo ğ era aquelle ,,dizem ſ perante
muitas teſtemunhas,por cumprir com ſua homenage,pozas proprias cha
ves do caſtello no braço dereito delRey D. Sancho ,& tirado de tudo pu
blico inſtrumento per notarios,queforað prefentes âquelle auto, fez cer
rar a ſepultura. Tornando a Coimbra entrou de noite ſecretamente no ca
ſtello,dondeao outro dia pela manháa mandou dizer ao Conde( o qual ja
era Rey) ſo foſſe receber,g ja lho podia entregar.ElRey foi logo ao caſ
tello,& o Alcaide lhe abrio as portas delle, & tomado ſuamolher & filhos
pelas mãos,os pos fora dizėdo: Deixemos eſte caſtello a cujo he.E pondoſe
de giolhos ante elRey com as chaves delle na mao, & alevantandoas, lhe
diſle:Senhor, pois a Deos aprouve, de eRey D. Sancho voſſo irmão falle
cer,tomai voſſas chaves, & voſſo caſtello, & daqui ein diante eu vos averei
por Rey & fentor. E logo moſtrou a elRey as elcriputuras da diligencia,
fez em Toledo porſua hūra, & ſeu deſcargo.Hú fidalgo que era preſente
The diffe,porque não pedia perdava elRey,porquanto nojo & deferviço
The fizera,ení lhe inatar & fqui tanta gēte denegandolhe tanto tépo a en
:
trada do cafello,q era fem ?E querencole D.Maitim de Freitas eſcuzar,&
moſtrar q não tinha de q pedir perdão,acodio clRey preſtes dizėco: que D.
Martim não era obrigado pedir tal perdão. Porque elle não fizera ers
fo ,ma
DELREY D. AFONSO TERCEIRO. 66
czem! ro,mastinha feito húa façanha de louvar,& digna de bom cavalleiro, & le
type: al fidalgo.E que por memoria della lhetornava a dar aquelle caſtello, pa
cialis ra elle & para todos ſeus deſcendétes,ſem elle nem ſeus ſucceſſores, ſerem
ile ? obrigadosafazer juramento de fidelidade. D.Martim de Freitas reſpodeo
4porn, a elRey,quetinha aquella offerta por mui grande merce.Mas q elle a não
archami acceycaria per maneira algúa q folie,antes lançava lua maldição a ſeus får
ao da lhos & netos,& a todos os que delle deſcendeſſem ,le por caſtello fizeſſen 1

ades,a homenagem a Rey,nem a outra algúa peſſoa.


eti Deltas hiſtorias ſe ve a lealdade da nação Portugueza para ſeus Reys. Lealdas
de da
* Porque a hum Rey que eratão inhabil não querião ver tirado da admini naçam
e ftrção do Reyno q não ſabia governar , & padecendo muitas ſemjuſtiças Portu
group não queriáo ſer governados pelo Códe de Boloñavarão prudēte & virtu- gueſa.
the ofo,& Portugues filho de ſeuRey natural. Ao qualſépre ouverão de reſiſtir
MOR ſe as excomunhoes & cenſuras, os homés pios & catholicos devé tener
Como mais ç asbobardas,os não conſtrangerão. Tambem ſe ve daqui,q as emba
- xadas queaos Sanctos Padresmandaváo,ſobre os aggravos a recebião del
Rey,& de ſeus conſelheiros & privados,não eraõ para o depor da dig
de mendaſſe
nidade,ou adıniniſt raçam de ſeu Reyno, ſenam para o amoeſtar que em
a vida,& tiraffe de ſi aquelles maos conſelheiros per que ſe re
Ć gia,& q ſe apartaſſe de D.Micia, com q eſtava em peccado,ſendo ſua pa
ma
renta tãochegada,& que conſentia nosmales,q aquelles privados delRey
fazião,por lhes ganhar asinceſtuoſo.Tambem
vontades em que confiftia fer ella Rainha,& per
Erario
6523,n7
feverar no matrimonio ſe collige a pouca verdade, &
tatio impudencia de hum 4 eſcrevendo húafalſa arvore de genealogia dos Reis
dePortugal,pera perſuadir,queneſte Reyno ouvemuitas eleições de Reis
35. dizia 4 o Conde de Bolonha,foi electo pelo povo todo,pera Governador.
E deſpois de morto elRcy D. Saucho,fora pelos meſinos ele&o para Rey
is fendocerto,& para Governador,foireſiſtido tirando dousou treseſcãdali
Cand
zados, que ao Papa o requereraó, & para ſucceder a feu irmão não podia,
nem devia fer electo,poiso Reyno fenão podia dar a outrem ,ſenão a cile
16 por ſer irmão do Rey defun & o, & filho legitimo delRey D. Afonſo, & que
og eſtava de poſſe do Reyno com todasas ho nenagens das cidades & villas
ujs dadas aelle,& os caſtellos entregues, & que pelo Papa ettava declarado
‫تران‬ por legitimo ſucceſſor do Reyno,morrendo elRey D.Sancho ſem filho,co
che mo ſe ve do dito cap.Grandi quenão trata de outra couſa.
7 ." E porą ſobre o tempo em q elRey D.Sancho ſe foi de ſeu Reynoa Ca
adi fidla,, & oğlá viveo & outras couzas acceſſorias à ſua ida,ha tantos erros
r nas hiſtorias de Caſtella,ou por fraqueza & pouco diſcurſo dos eſcriptores
qquu
daquelles têpos barbaros & apagados,& pouco dos preſētes,ou por outra
23 couza pareceome neceſſario para luz das hiſtorias,& verdade dellas os aves.
Peox rigoar.
ar. Porque aſi como nas hiſtorias de hū erro naſcem muitos,aſſideſco
( brindo hum fe tirão outros,como adiante ſe verà. Primeiraméte diz hum,
Ma que
-
CHRONICA
que eſcreveo a chronica delRey D. A fonſo.X.de Caſtella,o que chamarão
0 -Sabio,& outros mais modernos, que o ſeguiraó,que ao tempo que eller
D.Sancho foi de Portugal,reynavaem Caſtella o dito D. Afonſo , & que a
ida foi no 6.anno de ſeu reynado. O que he notoriamente falſo. Porque
Erro ma entað reynava D.Fernando IIJ.o que chamarað Sáto;pay do dito Rey D.
nifeſto Afonfo,& reynou ainda deſpois ſete annos, pois elRey D. Sancho foy a
dos chro Caſtella nos derradeiros dias do anno de 1245. ou no começo do anno
niſtas ca- de 1 246. & elRey Dom Afonfo X.começou areynar,quando ſeu pay fal
ftcllia
nos fo . leceo,cujamorte,como todos os chroniſtas de Caftella,de Portugal, & de
bre a ida Aragað aflirmaõ,foy no anno de 1 252.no derradeiro dia do mez de Mayo
delRey & como me conſou pelo epitafio da ſepultura do dito Rey Dom Fernan
D.San- doo Santo, pay & immediato antecefTordelRey D. Afonſo o Sabio, que
cho a nas lingoas Latina,Hebraica,& Caſtelhana,em que eſtá, me mandou trazer
Caſtella. de Sevilha trasladado per peſſoa douta & fiel Gabriel de Cayas do Conſe
lho delRey notlo ſenhor, & feu ſecretario do Eſtado. E o fexto anno do
reynado do dito Rey D.Afonto,quando dizem que clRey D.Sancho a elle
foi,avia de ſer o de i 258. Pelo que de ſua ida até o principio do reynado
de D. Afonſo X foraófere annos, & atè o ſexto de feu reynado foraő : 3.
que ftes eſcriptores levao de erro.Jito ouveraõ de regular pelo Concilio
Lugdunenſe, de que procedeo eſta ida : o qual fe coineçou a celebrar no
anno de 1244.& fe proſeguio arê o de 1245. no qual anno o Conde de
Bolonha foy elleito por Regente,como eſtá dito, & em cujo fim vevo a
eſte Reyuo. Porque pelo mez de Setembro fizera o juramento em Paris.
E manifcfto eflà aſli pelas hiſtorias de Portugal,como pelo tempo da inor
redelRey Dom Sancho, que tanto que o Conde de Bolonha entrou era
Portugal logo te elkey D.Sancho fora delle, perſuadido de ſeusprivados
& contelheiros,que ſe temião do Conde de Bolonha,como ja dillemos. Pea
Tempo lo que avendo 13 anyos do Concilio Lugdunenfe,q foi no anno de 1 245.
em que aré o fexto anno do reynado delRey D. Afonſo, que foi no de 1258. fica
fallccco
elRey manifeſtamente falfo & impoſſivel D.Sancho ir a Caſtella no dito anno, &
D.San levarem os chroniſtas Caſtelhanos de erro os ditos 13 annos, & que cites
cho. meſmos avia que era morto elRey D. Sancho, pois falleceo no de 1256.
poulos miezes deſpois de fua ida àquelle Reyno.
Com eſta verdade regulada pelo Concilio de Lião, & pela expediçaŭ
das proprias Bullas,de que ſe tirou o dito cap.Grandi, que hoje vemos na
Torre do Tombo ,archivo real do Reyno,que dizem ſer dadas no anno 3
do Pontificado de lonocencio 4. que concurria com o anno do naſcimen
rode N.SenhorIESV Chriſto de 1 245. que foi o em qo Concilio fe pro .
teguia, & a vinda doConde de Bolonha a eſte Reyno & morte do dico Rey
D Sancho,em i nao pode jà aver erro, nem duvida. Ha outra prova difo
inanifeſta que laõ buns verſos antigos compoſtos conform cà rudeza da
quelles tempos, & eſcritos com letras Gothicas, que eſtão na clauſtra dlo
ofici
DELREY D. SANCHO SEGUNDO 67
moſteiro de San Domingos de Lisboa,ſobre húa porta traveſſa da Igreja
Ģeſtà junto à cappella delesv,que vaipara a claultra, feitosno tempo do
meſino Rey Dom Afonſo,ſobre a fundação daquelle moſteiro que ells
mandou edificar:os quaes dizem deſta maneira.
Strenuus Alfonfus Rex Quintus Portugallenſis
Illuſtris Dominus Comitatus Bononienfis,
Qui dilatavil Regnum patris ,& reparavit.
Ac extirpavit ,pravoshoftes ſuperavit.
I stius Ecclefia iecit fundarina, magnis
Sumptibus,egregie.Complevit quinque bis annis
Annos millenos Dorrini deciesque vigenos.
Ac quinquagenos minus uno colligeplenos.
( um Rex incipiens opus hoc pruduxit ineffe
Amos tresfaciensex quo Rex ceperat effe.
que querem dizer:
Oesforçado Afonſo ReyQuinto de Porugal, illuſtre ſenhor do Con
dado de Bolonha,que dilatou o Reino de ſeupay,& o repairou, & o aliin
pou dos infieis imigos, venceo,lançou os fundamentos deſta Igreja com
grādes gaſtos, & a acabou perfeitaméte em 10 annos,ſendo o anno do Se
ñor de i249. acabados.E ao tépo q a'obracomeçou avia 3.anosq era Rei.
: Começando pois elRey D.AfonſoConde de Bolonha aquelle moſtei
to no anno de 1249. avendo tres,ſ era Rey, queſe collige fer no anno de
! 246.neceſſariamente ſe conclue, que elRey Dom Sancho era já morto
neſſe anno . Porque vivendo elle, o Conde de Bolonha avia de ſer feu
Vigario & Regente, & não Rey conforme as disas bullas, & ao cap.Grandi,
em queo Papa deixava ſalvo & illeſo o noine & eſtado delRey D. Sácho
& a ſucceflio do Reyno a ſeus filhos, ſe os tiveſſe. Deſta eſcriptura, que ſe
não pode calumniar,& do mais que diſſemos do Concilio de Lião,le colli
gegir elRey D. Sácho a Caſtella em tempo delRey Dom Fernádo o S. ſeu
primo co irmão,no fim do anno de 1245.00 no principio do anno ſeguin
te 1 246. & não no tempo delRey D. Afonſo, & no anno ſexto de ſeu
reinado, quando avia 12. annos que elRey D.Sancho era morto. E també
ſe collige a verdade dos annos que o dito Rei D. Sancho viveo, que os de
Caſtella dizem erradamente ſerem cinquoenta & o chroniſta Fernão Lo
pez Portugues quarenta,ſendo na verdade 39. pois naſceo ( como ſe eſcre
ve )no anno de 1207. & morreo no anno de 1246.Tähè le collige e não
reinou 34. annos como os chroniſtas Caſtelhanos dizé, né 26 como eſcreve
João Valeo,inas fòmete 13 anos,cótādo aindao annogo Code ſer irmão re
geo por elle :pois ſeu pai falleceo no anno de 1233 como ſe ve do epitafio
de lua ſepultura em Alcobaça,& elle no de 1246.como acima temos dito.
O outro erro ou calumnia dos chroniſtas Caſtellanos foi dizer, que el
Rey Dom Afonſo de Caſtella deu acoſtamento a elRey Dom Sancho de
Portu
M3
-
CHRONICA
Portugal,por ir deſoccorridoa elle, em todo o tempode ſua vida, prefup
pondo que viveo muitosannos, & que de qua foi esbulhado de tudo qua ?
to tinba. O que repugna àquelle capit. Grandi, & àsmemorias antiguas de
Ate Reyno ,& á razão dostempos. Porque nas bullas proprias que eu vi,
de que aquelle capitulo procedeu ,mandou o Papa Innocencio. IIII. ao
Conde de Bolonha, delle a elRey Dom Sancho tanto de ſuas rendas do
Reyno,quartobaſtaſſe paradecentemente ſuſtentar ſua peſſoa,& aos ſe
us, conforme à excellencia de ſeu eſtado Real,nomeando tego por juizes
para execuçam dillo fem appellaçað o Arcebiſpo de Braga,& o Biſpo de
Coimbra.E ſendo o CondedeBolonha mui mal recebido dos Portugue
ſes,por ſe tirar aadminiftraçam a feu Rey, & não tendo o Conde outras
arınas de que ſe valer,ſenãoo favor do Papa & ſuas bullas & cenfuras, de
que eraõ executores aquelles Prelados, como avia contra as meſmas bullas
negar os alimentos a ſeu ſenhor, & a feu Reylogo em entrando em Pora
tugal? Ou como avia de fer tam imprudente, que em lugar de captar be
nevolencia dos nobres & povo dePortugal tam devotos & Icaes a ſeus
Reys, & que lhe era tam neceffaria ,por a reſiſtencia que hia achando nel
les os exaſperaſle & indignaſle,recuſando alimnětar a ſeuirmão de ſua pro
pria fazenda? O que como irmãoera obrigado fazer,aindaque elle Conde
de Bolonha fora o proprioRey,& el-Reyfora o Conde de Bolonha?Ilo
achará máis falſo quem ler nasmemorias antigasa grande liberalidade &
condiçam do Conde de Bolonha,que foi hum dosmais liberaes Reys def.
te Reyno , & dos que mais villas & caſtellos deráo , & que a ida delRey fe'i
irmão a Caſtella toinou por grande afronta comoquem em tudo o deze
java ſervir & comprazer,como a ſeu Rey , fenhor, & irmão mayor.E qua
do todo o fobredito não fora,indoſeelRey Dom Sancho para Caſtellag
logo comoo Conde de Bolonha entrou em Portugal,comohe de crer que
não levalle conſigo ſeus theſouros,ſuasjoyas, & baixellas, & todo o mo
vel & inſtrumento Real,& de ſeus avós que de ſeu pay ficârað , que ne
ceſſariamente aviamde fer grandes. Porque alem do coſtume daquelles
tempos, em que os Reys tomavam por honra, & virtude deixar theſou
ros, & por gabo ſe publicarna ſua morte quando ſe por elles fazia o pu
blico pratito, o que cada hum accreſcentàra ao theſouro de ſeus pafiados.
ElRey Don Afonfo pai del Rey Dom Sancho ,todo o tempo que reynou
os viveo pacificos fem gaſtos, nem guerras,nem deſpezas com irmãos.Por
que dous que teve,andàrao fora do Reyno todo o tempo de ſeu reynado,
& là morrerani cazados, hum com a Condeſſa proprietaria de Flandres,
& outro em Aragão com a Condefla de Vrgel. E a ſuas irmãas tam fóra
eſteve de dar que coino ein ſua vida fica dito; trabalhou por the tomar o
que ſeu pay lhes deixou,ficandolhe a elle taó grande theſouro para aquel
les tempos, como na vida de ſeu pay ſe apontou: Pelo que he de crer que
não tendo elRey Don Sancho feu filho gucrra coin Mouros y nem com
‫ל‬

Chriſtios
DELREY D. SANCHO SEGVNDO 66
Chriſtãos,o tempo que reynou,não eſtaria tam pobre, ainda que deſcon.
certado foſſe, que os theſouros,que eraõ como couſa inviolavel,& com a
os Reys paſſados não boliam, ſenão para couſa de honra & utilidade pu
blica,os diflipaíſe ſobre as rendas do Reyno,que para hum Rey pacifica
1 & de pouco gaſto, como os antigos,eraðmuitas.Do que tudo fe collige,
que mais podia entam elRey Dom Sancho fazer merces a outros comofa
zia, receber acoſtamento de outrem nos poucos diasq em Toledo viveo ,
que ſegundo parece ſeriam ſeis ou ſete mezes. E naquelle tempo elRey
Dom Fernando ſeu primo eſtava tam gaſtado, por as muytas conquiſtas
emque andava,porque cobrou Cordova, & muycos lugares outros , que Rey Dá
maispodia elRey Dom Sancho darlhe,que receber delle. Deixados eſtes Sancho
erros & outros, que ſobre o meſino cazo na vida do Conde de Bolonha não reli
ſe tratarão, tornando a elRey Dom Sancho,quando ſe deſte Reyno foi, dio em
eſcreveſe, a levou todos ſeus theſouros, & moveis que tinha não queren- aindahú
do deixar nada em poder & arbitrio do Conde de Bolonha,que elle tinha anno.
por inimigo, por lhe vir tirar a adminiſtraçam do Reyno : & como quem
determinava de o tornar cobrar per armas , como tentou fazer, com o
Infance de Molina,ſe as excomunhoens & cenſuras do Papa os não fizeraő
tornar atras. Pelo que perdendo a eſperança de tornar a ſuaterra, eſtan
do na cidade de Toledo, onde de todos era tratado como Rey tam nobre,
& neto de leu Rey natural, Dom Afonſo VIII. viveo elles poucos dias a
foram,ſervindo a Deos, & gaſtando o ſeu em obras pias: a cuja cuſta dizem
ſe edificou alguma parte da Igreja mayor da dita cidade de Toledo, prin
cipalmente a cappella dosReys ſeus avós, onde elle foi fepultado. De
ſua ſepultura nãoſe ſabe oje lugar certo. Porque por aquella cappella 7 Sepultu
chamavam dos Reys, ficar mettida com a cappella mòr, que quiſerão alar- radel
gar, ſe tiraram os tumulos que nella avia grandes dos Reys Dom Afonſo Rey Dá
VIJ. que chamåram Emperador, & delRey Dom Sancho o Dezejado, & Sancho.
delRey Dom Sancho de Portugal, & delRey Dom Sancho o IIIJ. de Ca
ſtella, & os paſſaram a humas casas depedra , que ſem letreiros puſeram
no alto mettidas na parede da cappella mòr, como o affirmaPero de Al
cocer na deſcripçam da cidade de Toledo, & mo affirmou huin homem
Curiozo , que reſidia em Toledo, mandandolho eu perguntar.Mas em hứa
cappella, que ſe deſpois edificou, que agora chamam dos Reys velhos,que
ſão os Reys acima ditos, ſe dizem as miſſas & officiospor ſuas almas,como
je efiveſiem ahi enterrados, & tem numero de cappellaens, & muita ren
da,ficando os corpos fora da cappélla, no lugar fobredito, onde ſenão ſabe
di vifar qual hie o corpo de hū Rey , nem qual do outro, por lhes tirarem os
letreiros,juntaméteco os tumulos, & osmetterem em húaparede, por ne
gligencia & pouca conſideraçam deque a cappella daquellesReysmådou
ajonuar có a mayor,& culpa dos Prelados daquella Igreja de Toledo, que
então forão,ąco corpos de tão hörados Reys não tiverão mais cota .
M4 CHRO.
3 C
CHRONICA
DEL-RE Y DOM AFONSO III,
QVE FOY CONDE DE BOLONHA,

E dos Reys de Portugal o V.


1

Reformada pelo Licenciado DV ARTE NUNES DO LIAM, 5

Deſembargador da Caſada Supplicação.


ANTO queveyo certa nova da morte delReyD. Sancho, o
Conde D'Afonſo de Bolonha feu irmão , como legitimo ſuca
cefforſeuque era, & que das fortalezas todas do Reyno eſtà
va ja apofſado,foilogo levantado por Rey.E paraque vamos
continuando com os erros dos q delle eſcreveraó , & fe enté
da fer fabulofo , o que de feus caſamentosſe cuida, afli em Portugal ,como
em Caſtella,& o que neſtes proximos annos ſobre a morte del-Rey D. Se
baſtião, & pertenſao do Reyno de Portugal ſe fingio em França, convem 1

afli declarar tudo miudamente, quenão fique materia de contradiçaõ a hús


nem a outros. Mas venhaõ em conhecimento, que nao tratamos iſto fem 1

grande diligencia & inveſtigaçao deantiguidades, & fem levar por guia a
razao dos tempos, que he a alma da hiſtoria. No que ſe ennaó guardar as
leys de bom hiſtoriador,cujo officio he nao arguir,nem diſputar por algúa
parte, comoadvogado, mas com perpetuo curſo contar o que paſſou na
verdade,attribuaoá variedade das opinioens,& à antiguidade, quetanto as
arreigou, & ao dano que eſtes erros em couſas do publico eſtado coſtu não
trazer. Aos quaes eu quiz obviar,eſcolhendo antes ſer bom ,& fiel cidadao, 1

inanifeſtando a verdade,& guardando o rigordas leys de bom hiſtoriador,


que procurar ornato & artificio nas palavras.Peloque ſendo a verdade de
Los hiſtorias tao confuſa, & dificultoſa de averigoar,mepareceo neceſſario
vſar de todas as máquinas & engenhos, como os que algúa fortaleza agra
& inexpugnavel procuraó ganhar, & ufar de argumentos & conje&uras,
para os q à eſcriptura & copucaçao dos tempos nao quizerem dar credito.
Sendo pois o Infance D.Afonſo,de que tratamos,mancebo de 27.annos
& nao cazado, & governando em França a Rainha D. Branca ſua cia, por
ſeu filho clRey S. Lois, que ainda era de menor idade, cſtava viuva húa
grande fenhora em França per nome Mathilde.Condeſſa propriecaria de
Bolonha,que com Philippe o Creſpo de alcunha, filho de Philippe Augu
(10 Rey de França fora cazada. Pelo que querendo a Rainha cer conſiga
em
CHRONICA
em França alguma couza ſua, onde tinha muitos & grandes contrarios,
ſobre o governo do Reyno ,como acontece em tutorias de Reys moços, &
poragaſalharaquella Condeſſa , que à caza Real era propinqua, & não
ter filho baraó, mais que huma filha per nome loanna, que de Felippe lhe
ficou ,traton de os cazar ambos, & fez ir o Infante ſeu ſobrinho de Portu
gal, a receber a Condeſſa no anno de 1235. Cazado o Infante com a Có
della, era tam contente della por ſua nobreza & cſtado, & por ſuas boas
partes, que não ſe prezava menos de ſer cazado comella,que de ſer Infan
te,& deſpois Rey de Portugal, quando veyo fer.E porquenaquelle tem
po proximo ouvera huma grande ſenhora per nome Mathildemui nome
ada, Condeſſa de Bolonha ,Luca, Parma,Mantua ,Ferrara, Modena, & de
outrasterrasem Italia, de que fez doaçam a Igreja Romana, para que não
venha em duvida,ſabei a Mathilde de quefallamos, ſer a Condeſia de Bo
lonha de Picardia,a queper outro nome chamão de ſobre o mar , & que
poreſtar em parte donde deſcobre como atalayamuytos mares .f. contra
Inglaterra, Guines,Callets,Montreul,&outros lugares circumvezinhos,
& ter hum farol como o de Alexandria,parade noite endereçar os nave
gantes,fe chamava antigamente Altamira.
Deſta Princeza diremos alguns progenitores, ja que avemos de dizer
fua fucceffam , para que ſe crea, que aſi como ſoubemos della & de fuas
couſas o mais antigo & afaſtadode noſſos tempos,não ignorariamos o ma
is novo & chegado a nos, & o que mais tocava a Portugal. Mas não co
meçaremos detam longecomohe donde o eſtado deBolonha teve feu
principio, que he dos mais antigos da Chriſtandade. Porque elle foi infti
tuído no anno do Senhor de 484. per elRey Artur de Inglaterra , a que
as hiſtorias fabuloſas de ſuas proezas, & dos cavalleiros da Tavola Redon
da chamavam Rey de Gram Bretanha,que o dito Condado deu a Ligel de
Altamira ſeu ſobrinho. E para eſcuſarmos tam grande digreſſam , viremos
á gente mais propinqua a nòs & mais conhecida, & começa remos de Ro
' dolfo Conde de Bolonha. Delte Rodolfo & de fua molher Roſella filha
do Conde de Sam Polo naſcerao Godofre Biſpo de Paris , & Euſtachio
Conde de Bolonha . Eſte Euſtachio, que chamamos o mayor,a differença
de outros Euſtachios ſeus deſcendentes,foicazado com Ida filha de Go
dofre de alcunha o Barbado,Duque de Lorreina, & de Moſſellana, Conde
de Bulhom & de Ardenha. Deſtematrimonio,( como ja outra vez diſſe
mos) naſceram quatro valerolos Principes. f. Godofre de Bulhom ,Baldu
ino, queforam Reys de Jeruſalem, Euſtachio o menor, que foi Conde de
Bolonha, & Guilheline, que foi Baram de lainvilla. Deſte Euſtachio ne
nor Conde de Bolonha & de ſua molher, que era filha delRey de Scocia
naſcco huma ló filha per noinc Mathilde, que cazou com Stephano Con
de de Bles, que por ſer ſobrinho delRey Henrique o I. de Inglaterra,ulur
pou aquelle Reyno,quepertencia à Emperatriz Mathilde, filha do dito
Henri
DEL-REY D. AFONSO TERCEIRO . 70 !
Henrique(como ja diſſemos na vidadoCondeD. Henrique) queem fim
deſpois a largou a Henrique o ll. filho da dita Mathilde, & de Gaifredo
filho do Conde de Angiers,cdim que ſegūda vez foi cazada . Delte Stepha
ino, & de Mathilde Condeſſa de Bolonha ſua mulher, naſcerain Euſtachio
2.III.& Guilhelme: aos quaes por morrerem ſem filhos, ſuccedeo Maria ſua
irmáa Freira profeffa, & Abbadeſla do Moſteiro de Roumeſſia ein Ingla
: terra. A qual o dito Henrique II.Rey de Inglaterra ſeu primo por reſuſci
1
tar a familia de Bolonha,que ficava extincta,cirou do Moſteiro, & a cazou
com Matchco Elfacio, filho de Theodorico Conde de Flandres. Deſtein
. ceſtuofo matrimonio, que deſpois ſe ſeparou,tornandoſeMaria a Inglater
ra,& ao Moſteiro donde fahio ,naſceraõ a Condeſſa Ida herdeira de Bolo
nha, & Mathilde,que càżou com o Conde de Lovaina,que por afigura de
niatrimonio em que naſceraó, forao legitimadas. A Condeſſa Ida cažou
2. quatro vezes.l.com Regnaldo Conde de Dampmartim, aquelle, que por
2 lhe dar būa bofetada o Conde de San Pol em preſença do dito Rey Phi
· lippo Auguſto ,porelle naő tornar por iſſo como devia, ſe paſſou ao ſervi
ço delRey de Inglaterra, & à parte do Infante D. Fernando de Portugal
Conde de Flandres,contrariosdelRey de França,comotemos ditto na via
" da delRey D.Sancho I. Segunda vez cazou Ida com Engerrando Conde
deGueldres. Terceira vez coin o Conde de Sarvinha da caza de Balhom .
: Quarta vez com Gaſpar de Caſtilhom Conde de Sam Polo. Deſtes quia
tio maridos não ouve İda mais que duas filhas; que pario do Conde de
Dampmartim f.eſta Condeſſa Mathilde de Bolonha, de que tratamos, &
Alila, quecazou com o Conde de Claramonte,& Alvernia . Sendo prežo o
Conde de Dampınartiin por elRey Philippe de França naquella celebra
da hatalha de Bovinas com o dito InfanteD.Fernādo Conde de Flandres,
onde tambem foi vencido o Emperador Ortho IV. & elRey Ioao de In.
$ glaterra,veyoo Conde de Dampmartim a morrer. Peloque o dito Rey de
. França no anno de 1216. cazou a dita Mathilde herdeira do Condado ,
com Felippe ſeu filho, por Ida ſua máy que era a ſenhora do eſtado, tam
hem fallecer. Efte Felippe ouve o dito Rey da Rainha Maria fua tercei.
ja nolher,filha q foi do Duque de Boëmia & Moravia, que per ſentença
do Santo Padre foi ſeparada delle por o parenteſco ,que entre elles avia ,
Peloque a Maria queera honeſtiſſima, de nojo morreo logo apos a fenten
ça , tendo ja del Rey eſte filho, & huma filha, que foi Condeſſa de Lovai
na. Os quaes o Papa legitimou. Deſte Felippe & de Mathilde naſceo húa
ſo filha per nome loanna, que fendo cazada com Gualrero de Caſtilbon ,
reto de Hugo de Caſtilhoni Conde de Bles. Falleceo fem filho nei fillua
em vida de ſuameſma máy, como adiante le verà , Peloque vindo à Cou
deſla Mathilde 'a miorrer ſem filhos, lhe veyo a ſucceder no Condado de
Dolonbia ſeu ſobriobo Roberto filho da dita fuairinha Alifa ,& Jo Conde
de Claramonte, & Alvernia. Eſta be a verdadeira aſcendencia & defcen
dencia
CHRONICA
dencia da Condeffa Mathilde,que cazou com o Infante Dom Afonfo de
Portugal.
E que dos ditos Infante D. Afonſo, & da Condeſſa Mathilde nað nali
cefle filho algum ,eſtà provado & manifeſto por muitas vias. Primeiraměte
pelo teſtamento da meſma Condeſſa Mathilde, que na Torre do Tombo
& cartório Real em Lisboa eſtà ,como eſtão muitos teſtamentos, & eſcrip
turas de Princepes eſtrangeiros,no qual teſtamento affinàraó & conſentis
raő loanna ſua filha,& herdeira, & Gualthero de Caſtilhom feu marido.
Cujo theor porei aqui para mais certeza deſta couſa, que tam ſem cauſa
vicraó a porcm duvida,neſte tempo.
Teſta N nomine Patris,& Filij, & Spiritusfanéti.Ego Mathildis Comitiſſa Bolonica
méro de
Mathil
IMvolens ordinare debonis meis,fiveper teftamentum , five per quamcumquemim
de Con ultimam voluntatem diſponoſtatuodebonismeis,& ordinoin hunc modum. In prie
deſla de mis do & lego chariffimomaritomeo Alfonſo filio Illuftris Regis Portugaliæ, Comie
Bolonha ſcilicet Boluniævigintimile libra, Pariſien. ſolvendaram eidem, vel ejus mandato per
quinque annos â die mei obitues,computandos,videlicet quolibet anno quatuor mililia
brarum Pariſien, per quatuor terminos,inferiús annotatos uſque ad præfatam folutic
nem totius fummæ fupradicta . Doro etiam ei & lego ornnejus,& omnem aétionem , &
totam partem quæcumque mihicompetunt,aut competieruntullo modo in quatuor milia
bus librarum Pariſien.qua diclo Comiti & mihi debentur, ratione cujuſdam compoſio
nis faéta interipfum & Comitem & Comitiſſam Flandrenſes. Et promiſi, & adhuc prve
mitto Comiti Bolonien,marito meo prædicto,quod iftud donum & legatum in perpetuie
um obſervabc,nec illud in aliquo revocabo in perpetuum vllo modo. Et quantum ad dic
tum donum, & legatum prædictum ipſum Cornitem maritim meum , & Reverendan
patrem Robertum Epifcopum Belovacenfem, & chariſſimum confanguinetim meini,
Dominum Mattkaum de Tria constituo executores meos. Volo etiam , & ftatuo,quod
fupradiéła omnia, & quodlibet de prædictis,ita firma & Stabilia perſeverent, quid
per aliquod teftamentum meum ,velper aliquam voluntatemmeam quæ hucufque fece
rim vel faciarn in futuro in fcriptis,vel fire fcriptis , nullatenus revocentur, & in eis
in aliquo obligentur, Omnia autem ſupradi&ta & fingula promiſi & promitto, me fija
witer ſervaturam ,& contra in aliquonon venturam in posterum , & iuramente anime
& corporis vero.Gualtherus de Caſtellione. Et ego loanna eius uxor quo
rum ſigilla inferiùs ſunt appenſa,fupradi& aapprobamus, volumus & cor
cedimus. Etproiniſimus & proinittimus Comiti Boloniæ ſupradi& a, quod
contra prædicta,vel aliquod predictorum ,nullo unquam tempore venie.
mus,fide ſuper his,& c.
Ego etiain Gualtherius di&tę Ioannæ uxorimeæ authoritatem præftiti
& afiinfum faciendi omnia ,fupradicta, & ſigilla noſtra præſenti pagine
apponi fecimus , Comitiſſa Boloniæ in perpetuum firmitatem omniunt
prædi& orum .
Item ego Mathildis rolo & ordino, quod omnia debita & forefacla mea , que afa
parere
DELREY D. AFONSO TERCEIRO. 75
pituere poterunt, per execatoresmeos folvantur. Item volo, & ordino,quòd executores
mi por int,millelibras,ad maritandum,& ponendum in religionepauperes virgines,fea
caudain quod eis melius videbitur. Item volo,quòd executoresmeide tribus milibuslis
bitarum conſtituint amiverfarium meum in ecclefijs cathedralibus,& conventualibus, &
sing bus leproforum, & domibusfratrum prædi&torum, fecundum quod ordinavero,vel
si non ordinarem ,pro vt executores mei ordinabunt ad ſalutem animæ meæ . Item volo,
quod executores meimittantmille libras in terram ſanctam ad illos ufus,quos falution
nink mee vident meliores. Item volo,quòd nsille libræ ponantur ad emendos reditus,
et emendum etium tunicas, & centum paria folutarium , & decem libras annui reddie
tas centun ſolid. ad emendam pitantium, & centum librasad distribuendum pauperi
bus in die amiverfarij mei in loco, in quo ſepulturam habebo. Item lego duo milia
brirun familice 'mee diſtribuendarum per manus executorum meorum , ſecundum
quod ordinavero. Item dı,lego Abbatis Beatæ Mariæ de Moncres.
centum libras ad emendos reditus pro anniverſario meo. Item do, lego Abbatia
thefauri Beatæ Mariæcentumlibras ad emendosreditus pro anniverſariomeo. Item
da, lezo Abbatiæ de Longo Villari in Bolonefio ducentas libras Parienf.Item ducenta
tas libras do,lego ubi ordinavero, vel fi non ordinarem,ubi executores mci ordinabunt.
Item do,lego Abbatiæ Sancti Corentini quingentas libras Pariſien.ad emendos reddin
tiis pro anniverſario meo. Item do,lego centum libras terræ capiendas in hæreditate
mies,vbi ordinavero.velfinon ordinarem ,vbi executoresmei ordinabit ad diftribuendi
fro aniverſario per manumeain ,vel per manus executorü meorñ. Supradicta autem tria
ginta quaiuor milia librarum Pariſien,volo,quòd accipiantur in terramés tota, videlicet
in terra, pedwyio deVifant, s'in Bolonia,&in Boloneſio in Baleto in venditione fo
reſtarã de Bolonefo,in terra de Domino Martino,& aliàs vbi terra mea confiftat per
fex annos continuos cõnumerandos à die obitus mei, ita quòd quolibet anno de primis
qumque amis illorü fex annorīt,accipientur ſex milia librarum , & /oventurquatuor
miliílibrarum tantummodo,ita quod dictus Comes maritusmeus percipiat quatuor mi
lia librarım deſex milibusfupradictisin quolibet anno, vſque quing amos & reſiduit
accipient executores mei adfaciendum ea,quæ inpræfentipaginacontinentur. Fiet al
temfolutio dictarum ſex milia librarum per quatuor terminos fcilicetin otava Beati
Andrea Apoſtoli duo milia librarum minus centum lib. In očtava Apostolorum Petri
& Pauli duo milialıb.minus centum lib. Inocliva omnium Saetorum tercentas libras.
Volo antem & ſtatuo,quod fi contingeret quod hæredes mei in folutioneſupradiétæ pe
cuniæ deficerent,quod ipſi tenerentur, & ad hoc ipfos obligo, & totam hareditatem me- O termo
quar:
to
dinad pænam centumfolidorum Pariſien.pro quolibet die,quo folutio dictæ pecuniæ dif não ſe
feretur vltra terminu memorato Comiti,& alijs,quibus mea legatafacio perfolvenda. podia
Hujus autem teftamenti meifeu vltimæ voluntatis conftituo executores venerabi- lerde
lim patrem Roberium Deigratia Epiſcopum Belovacem ,Virū Religiofum B. Abbatem roto .
de Bolonia. Nobilem virum Ioannem de Bellomonte militem. Fratrem Ægidii thefutia
rarium Tēpli Pariſien.& Dominū Mattheum de Tria dilectum confanguineum meum,
& Dominum Philippum de Nantholio confanguineum meữ, eo falvo,quod in clono &
locate quæ facio dicto Domino meo Comiti Boloniæ marito meo , vt fuperiùs coria
N tinetter
CHRONICA
zinetur, ipfum Comitemi, Reverendum Epifcopum ,& Matthæum prædiclos volo eſe
jolos executores,ut fuperiùs annotatur. Si autem mevivente,aliquemade meis execu
toribus omnibusprærnori contigerit, loco ipfius aliumfubrogavero. Si autem poſt mora
tem meam aliquem de omnibusprædiétisexecutoribus moricontigerit, volo, gordio,
quòd ipfeJubpericulo animæ fuæ alium loco fui ſubſtituat, & alij executores illum ad .

executionem admittere tenebuntur. Quòd fi-morte præventus nullum ſibi ſubſtituerit,


alij ſuperstites executore'sfub periculo animarum fuarum,loco defuncti alıum advocabit.
Ego vero Gualtherusde Caſtellione, & ego loãna ejus uxor etiam totam
ordinationem prædictam approbamus,volumus,& concedimus,...... ex
prefsè & promiſimus, & promittimusDominæ noftræ Mathildi Comitiſſe
prædi&tæ , quòd contra prædi& a,vel aliquod prædi& orú nullo unquamtë
pore venimus: imò etiam (ut ſuperius ſunt expreſſa ) curabimus adimplere
fide ſuper ijs ab utroque noſtrum præſtita corporali. Et ego Gualtherus
di&x Joannæ uxori meæ authoritatem præſtiti, & aſſenſum faciendiomnia
fuprà di&a. Ad hoc ego Mathildis Comituj]a.Ego Gualtherus, & Ioanna prædicla
rogavimus, & rogamus,& requirimus Dominum Regem Francorum, & Dominum Com
mitem Attrebatenfem ,ut ipfidunum ,& legatum prædictaeidem ComitiBoloniæ facta,
nec non & omnia aliafupradicta confirment,&faciant rata, & firmahaberi, & nos &
hæredes nostras,fi fortè(quod abfit) contra aliquod de omnibus fupradiétis aliquatenis
veniremus in aliquo compellant adimplere & firmiter obfervarelegatum & donum&
omnia alia fupradicta,comodo,quo ſuperiùs continentur.Nosetiam alij curiæ juriſdi:
tioni ES foro eccleſiastico,velfæculari quæcumque ſuper prædiélis, aut rationeprædic
torum , nobis& hæredibus noftris cõpetunt,velpoffuntcompetere infuturuni renunti.«
mus omnino fidepræſtita corporali,exceptis curijs DominiRegis & D.Comitis Attres
baren, fratris ipfius,volentesnihilominus quòd D.Rex, & D.Comes Attrebaten.com
pellat nos & beredes nostros per res noftras obſervare renütiationem prædiclam faéz.am
à nobis,prout est ſuprâ proximé recitatum. Er vt præmiffa omniafirma permanent,
S ne à nobis vel hæredibus nostris contra ea aliquid attentetur, ſigilla noſtra prefont
mun :mine duximus apponenda.Ailum anno Domini M.(CXLI.Menfe M 28tio.
Que quer dizer em Portuguez.
M nome do Padre,& do Filho, & do Eſpiritu Sancto Amen .Eu Nia
E thilde Condeſia de Bolonha, querendo ordenar de meus bens, ou poror
teftamento,cu por outra qualquer minha ultima vontade,diſponho,&
deno delles neſta maneira . Primeiramente dou, & légo ao muito amado
meu marido D Afonſo Conde de Bolonha, filho do Illuſtre Rey de Portu
gal,vinte mil livras de Paris, para lhas pagarem a elle ,ou că ſua procuração
por cinco annos,q ſe contarao do dia de meu fallecimento.l. en cada hun
anno quatro mil libras por quatio termos, que ſe abaixo dira5, até o dito
pagamento de toda a dita loma.Doulhe tabem , & deixolhe todo direito di
toda aução & parte qualquer,queme copeté, ou cõpetirem per qualquer
Dianeira em quatro mil livras Pariſienſes, que ao dito Conde& a mi ſe de
1 rem
DELREY D. AFONSO TERCEIRO, 72
vein ,por razão de certa compoſiçaın,feitaentre elle & o Conde & Con
deſſa de Flandres. E prometti & aindaagora prometto ao Code de Bolo
nba meu marido fobredito,que eſta doação &legado comprirei perpetua
méte,nem em algúa couza o revogarci,em tempo algú.E quanto à doação
& legado ſobredito, ordeno por meus executores, o meſmo Code meuma
sido , & oReverédo Padre Roberto Biſpo de Beauvois,& ao chariffimo ineu
parére o ſenhor Mattheusde Tria.Quero mais& mando, q as fobreditas
couzas todas, & cada húa dellas ſejão tão firmes & fixas,que per nenhum
teſtamento meu,ou peralgũaminha vontade 9 atègora fiz ,ou ao diáte fi
zer em eſcrito,ou ſem eſcrito ſe poſlao revogar, & nelles ſer em algúa couza
obrigado.E todas as couzas ſobreditas, & cada hūa per ſi,prometti, & pro
metto firmeméte guardar,&não vir cótra ellas em couza algõa ao diãte co
juramento em minha alma. E eu Gualthero de Caſtillom , eu Ioanna ſuamolber
cujos ſellosſaõ penduradosabaixo,approvamos oſobredito & oqueremos, &cöcedemos,
E promettenos ao ſobredito Conde de Bolonha,que contra as ditas cougas, ou alguma
delas em nenhum tempo viremos per noſſa fè.
E eu Gvaltbero dei authoridade à dita Ioanna minha moller & outorga para fazer
todo o fobredito,es fizemospendurar a preſenteeſcritura noſſos ſellos.A Condeſade
Bolonha em perpetua firmeza do ſobredito.
Item , cu Mathilde quero , & ordeno,que todas minhas dividas que po
dérem apparecer,ſe paguem per meus teftaméteiros.Ité,quero & ordeno,
q meus teſtamēteiros depoſite mil livras para cazar & meter em Religião
dőzellas pobres,como lhe a elles melhor parecer.Ité quero q meus teſtame
teiros de tres mil livras ordené meu anniverſario nas Igrejas cathedraes , &
cóventuaes & cazas de Deos, & gafarias, & cazas de Frades Prègadores, ſe
gundo o eu ordenar.Ouſe o eu não ordenafle,como o elles meus executo
res ordenaré para ſaúde de minha alma.Ité quero, meus teftaméteiros ma
dem mil livras à terra Sá&ta, para aquellesulos melhores virem ,para a ſa
ude de minha alma Itë quero,g ſe depoſitē mil livras para cõprar reditos,
coģ ſe comprem tunicas, & cem pares de çapatos.E to livras derenda ca
da hum anno, & ce ſoldos para compra de hůa pitança,& cé libras para di
ftribuir aos pobres,no dia de meu anniverſario ,no lugar onde civer minha
fepultura . Item deixo duas mil livras para ſe diſtribuire per ineus criados,
... pelas mãos dos meus teſtaměteiros,fegúdo o eu ordenar.Deixo à Abbadia
de Mócres cem livras para cõprar reda para meu anniverſario . Ité deixo a
Abbadia do theſouro da Bemavēturada Virgem Maria cem livras para co
prarem renda,para meu anniverſario. Ité deixo à Abbadia de Longo Villar
no Bollonelo dozētas livras de Paris. Ité deixo dozécas livras onde eu ore
denar , & ſe o náo ordenar os meus teſtamenteiro o ordenarão.Item deixo
â Abbadia de Saó Corentino quinhentas livrasPariſienſes, para comprar
renda para meu anniverſario.Item deixo á Abbadia de ....... quinhentas
livras para comprar reda para meu anniverſario Item deixo cem livras de
N2 terra
CHRONICA
terra,queſe tornarão na minha herança, onde eu ordenar,ou ſe o naő orde
nar,onde meus teſtamenteiros ordenarem ,para diſtribuir por minha alma ,
por minha mão,ou pelas de meus teſtamenteiros.E as ſobreditas trinta &
quatro millivras Parienſes quero que ſetomem ew toda a minha terra f.
na terra & renda de Viſant, & em Bolonha,& noBolonelio'em Bolero, na
venda das floreſtas de Boloneſio,naterra de Dampmartim , & em outra par
te onde querq fer terra minhapor ſeis annos cötinuos, q ſe começarào jo
dia de meu falleciméto, Por táto em cada há anno daquelles primeiros (in
ço annos daquelles feis tomarſeão ſeis mil livras, & pagarſeão quatro mil
livras fómcnte de tal maneira, qo dito Conde meu marido receba quatro
mil livras das ſeis mil fobreditas em cada hū anno ,até cinco annos, & ore
manecente receberão meus teſtaměteiros,para coprir aquellas couſas,g ne
ſta preſente eſcriptura ſe contém . E o pagaméto dasditas ſeis mil livras fe
farà per quatro termos.ſ. na oitava do Benaventurado S. Andre Apoſto
lo duas millivras menos cento. Na oitava do Apoſtolo São Pedro, & Sam
Paulo duas mil livras menos cento.Na oitava de todosos Santos trezentas
Falta hūliyras. E mando & ordeno, queſe acontecer que meus herdeiros no paga
dos 4 termento do dito dinheiro faltaílem ,que elles ſejao teúdos ao comprir.E para
não porejiſſo osobrigo,& toda a minha herança a pena de cem ſoldos Parifienfes,
mos;ý
de ler. por cada hum dia ;que o dito dinheiro ſedilatar pagar ao dito Conde, &
aos outros meus legatarios,alem do dito termo.
E deſte meu teſtamento,& ultima vontade,faço meus executores o Ve.
neravel Padre Roberto pela graça de Deos Biſpo de Beavois, & o Religi
ofo Vargô B.Abbade de Bolonha , & o.nobre Varao logo de Belmonte ca.
valleiro, Fr.Gil Theſoureiro do Templo de Paris, & o ſenhor Mattheus
de Tria meu amado parente,& o ſenhor Filippe de Nantholio meu parer
te,excepto que na doaçao & legado, q faço ao dito Code de Bolonha muu
ſenhor,& marido,como acimaſe contem,quero que o meſmo Conde,& o
Biſpo Roberto , & Mattheus fobredito fejao fóméte os executores. Mas ſe
em minha vida acontecer,morrer algum de meus teſtamenteiros,eu ſubro
garei outro em ſeu lugar.Mas ſe delpois de minha morte acöcecer morrer
algú de todos os fobreditos meus teſtamenteiros,quero, & mando, queelle
ſobcargo de ſua alma, ſubſtitua outro em ſeu lugar, & os outros teſtamen
teiros teraõ obrigados ao admittir à execuçaö. E ſe eſte tal anticipado da
morte nað (ubftituir outro em ſeu lugar,osoutros teſtamenteiros, que vi
vos ficarem ,loh cargo de ſuasalmas tomarao outro em lugar do defunto.
E cu Gwaltbeso de Caſtilhem ,& eu Ioannaſua mollver ,toda a dispoſição ſobredo'a
approuanosqueremos,& cõcedemos .expreſamēte,& temas prometudo, & promet
tenos adita Contulé Mathilele muffa ſenhora que cotra as fobreditascouſasqu algái
dellas náā viremos em tēpo algizwias como afima estan expreſſasas procuramis lõppi",
pelo juramento acudebatdenos corporalmente frz.E eu Ghalibero dei dirta loan.
unha mulher aktioiicdade, & (utorga parafazer todas as couſasſobrecitas,Pelo 4etcl
a Cond
DELREY D. AFONSO TERCEIRO. 33
Condeſfa Mathilde, & eu Gualthero,& eu loanna fobreditos temos pedi
do, & pedimos & requeremos ao ſenhor Rey de Frāça,& ao ſenhor Code
de Artores, q elles confirmem o legado ſobredito feito ao Códe de Bolo
nha, & a todos os mais acima ditos,& fação q ſejão avidos por firmes & va
lioſos, & ğanòs & a noſſos herdeiros,fe perventura(o q Deos não permit
ta)cótra algúas couzas dasſobredicas vielſeinos,nos copellão ao comprir,&
firineniente guardar alli aquelle legado & doação,como todas as mais coul
zas ſobreditas, per aquella maneira que acima ſe contem .Para o que renun
ciamos a todo outro tribunal,juriſdição, & foro eccleſiaſtico, ou ſecular, &
quaeſquer couzas que ſobre as couzas acima ditas a nós, & a noſſosherdei
ros competem , & podem competir no futuro, com juramento que fizemos
corporalmente,excepta a corte do dito ſenhor Rey, & a do ſenhor Codede
Antores,feu irmão,querendo nòs ſem embargo de tudo,que o dito ſenhor
luy,& o dito ſenhor Conde de Artores nos compellão,a nòs, & a noſſos
herdeiros per noſſos bens guardar a dita renunciação per nòs feita como a
cima he declarado . E para q todo o ſobredito permaneça firme, & contra
elle ſe não mova algúa couza per nòs,ou per noſſos herdeiros quizemos fir
mariſto con noſſos ſellos,que aqui mandamos pôr.Feito no anno do Se
nisor de 1 241. no mes de Março.
Per eſte teſtamento ſe ve manifeſtamente como a Códefla Mathilde não
tinha filho outro algum mais que a dita Ioana. Porque não ſendo ſua filha
a que fin avia ella de confirmar o teſtamento alheyo? ou como avia ella
de confirmar & não ſeu irmão Roberto , agora Frácezes inventaraó ? E ſe
Gualthero era herdeiro per ſua peſſoa q neceſſidade avia do conſentiméto
de Ioana ſua molher, para pagaros legados & doações pecuniarias da teſ
tadora? Pelo que eſta manifeſto q Gualthero ſuccedeo pela peſſoa de loan
na, & não Joana pela de Gualthero : & que ella não tinha mais algum ou
tro irmão.E 7 Joananão foſſe filha do Infante D. Afonſo alfaz manifeſto 1

ſeve das palavras cófirmatorias do teſtaméto, onde Gualthero & Joanalhe


não chamarao pai nem ſenhor feu ,coino chamarão a Mathilde.A iſto ſe a
junta , como Mathilde não tinhamais filha7 Joana ,& efla cazada,que lhe
fuccedia ab inteftato, não fallou em herdar,nem deslerdar ,nem fez menção
della.Pelo q não deu tutor nem curador a filho algum ,nem o encomendou
ao Códe.Diſto he aſſas manifeſta prova,mádar Mathilde húexéplar authe
tico de ſeu teſtaméto ao carthorio dos Reis de Portugal ,onde oje eſtà. Porn
a como nele ficava ao Códe tao grăde legado,& elle & Matilde receaffe,
Joana deſpois de feita ſenhora da terra per morte de ſua mãy ,encobriſle o
teſtamento,em odio do padraſto,por ſe liurar de tamanho encargo, quiſe
raõ que ſe guardaſſe em o lugarmais ſeguro, & favoravel ao Conde , que
pudeſſe fer, como era o Töbo Real do Reyno em que elle naſcera, & aon
de muitos Princepes mandavão láçar por ſua ſegurāça ſeus teſtamentos ,&
cfcripturas de importancia,gle nelle oje em dia vein. Da qual cautela não
N3 OUVC
+

CHRONICA
Çuverão de uſar, fe a Condeſſa tivera filho'varão feu & do Infante Doin
Afonſo como falſamente dizem . Porque não tinha entam o Conde de Bo
lonha de quem ſe temer.A iſto ajuda muyto, que deixando ao Conde ſen
marido tam groffo legado, primeiro quenenhuma outra couza, & fendo a
peſloa a que ella tantoconfeſſava amar, o nãodeixou por teſtamenteiro
& executor de ſua ultima vontade,deixando outras peltoas grandes, co
mo foi Roberto Biſpo de Beauvois,& outros ſeus parentes. Porque eſtava
certo que ſendo elle filho de hum Rey,não avia de ficar em terra fujeita a
outrem,& de queja elle fora ſenhor. O que não ouvera de fer ſe os her
deirosforað ſeusfilhos. Porque entam ficara honradamente governando
por elles,& com elles.
Com aquelle teſtamento concorda huma ſupplicaçam , cujo exemplar
ęſta no meſmo archivo Real em hum livro antiquiſſimo, que contem as
couzas do dito Rey Dom Afonſo Conde de Bolonha. Na qualo Arce
biſpo de Braga & todos osBiſpos de Portugal, ſendo naquelles dias mora
ta Mathilde, pediam ao Papa Vrbano. IV . levantaíle o interdi&o que el
tava poſto em Portugal; & diſpenſalle com elRey-Dom Afonſo, & com a
Rainha Dona Beatriz , que tomara por molher, ſendo a Condeſla Mathil
de viva, & os declaraſſe por ligitimamente cazados, & dous meninos que
ja tinham porlegitimos, cujotheor he eſte
Suppli
Super
Prela
clefia Summo Pontifici,eiusque fratrum reverendo Collegio. M.eiufdem permiſ
dos de fione Archiepifcopus BracharenſisE.Tudenſis Vicentius Portuenſis Egeas Colimbio
Portù . enfis. M. Elboren. R. Egitanem M. Vijen . P. Lamacen ,Eccleſiarum miniftribumia
gal,em les & capitula carundem ,& capitulum Viixbonen. terram coram veftrispedibus ofculto
pedem a tur. Sinclitatis vestræ clementiæ intimitetur,quòd olan Alfonſus Rex Portugallia ila
oPapi
diſpen
lu$tris in principio regiminisfui,propter gravia Sevidientia,quæfibi imminebant, &
Regno pericula, evitanda,nobili muliere Comitiffa Boloniæ uxore eius fuperftite, nobia
façao19. lem Dominam Beatricem natam Sereniffimi,D.Alfonſi Regis Castelce & Legionis
zaméto adhuc infra annos nubiles conſtituam, & quarta fibiconfanguinitatis linea attinentem
del Rey de facho iluxit uxorenr,ex qua iam geminam prolem noſcitur ſuſcepifle.Vnde cùm pri
D. Afon
fo . pter hoc loca,ad quæ ipfos devenirecontingit,non abſque gravi animarum rerum I
cleri, & populi detrmento & fcandalo,authoritate lanétæ memorie Alexandri Pape
prædecefforis vestrinfpofita fint eccleſiaſtico interdiéto procurātes(ut dicitur)Comitiſ
A falla. Et ea iam fublata de medio, Rex idemcitra cercum ſui & Regnipericulum..
giultorum firagen ,confortium præfata nobilis non valeut declinare, pietatem vestram
flexzsgenibusoramus, quatenus ad tuntum malum bi nc inde vitandum, & utilitate ,
non folum Regis Regura prædictorum, fed etiam totius regni procurandam peru,
& tam communem ,tamque evidenteniem utilitatem,dignemini diſpenſare cimirfis, ti
poffint licite & in-coniugali coprilaremanere,&fimiliter cum spjorumprolefufcepta, es
criam fufcipicuela,il ip/is ante diſpenſationem obtentam, ut ad fucceffionem Rronipost
moriein
DEL -REY D. AFONSO TERCEIRO. | 74
mortem patris, & ad quoslibet actus,deincepslegitimi habeantur.Speramus enim, &
certum } ubemus, quod hac erit vobis meritorium apud Deum ,& Ecclefiæ Dei,ac clero,
univerſis populis Regnihuius,admodum fructuofum. Datum Brachar« Menje Mayo
Anno Dominii 262.

O ſantiſſimo Padre & ſenhorVrbano pela divina providencia Sum


Ados Cardeaes.
mo Pontifice da fan & a Igreja de Roma, & ao Reverendo Collegio
Martinho por permiſſao do meſmo Senhor Arcebiſpo de:
Braga. Egas Biſpo de Tui,VicenteBiſpo do Porto, Egas Biſpo de Coim
bra,Martinho Biſpo de Evora,Rodrigo Biſpo da Guarda, Martinho Biſpo
de Viſeu,Pedro Biſpo de Lamego,humildesminiſtros da Igreja, & os Ca
bidos de noſſas Igrejas, & o Cabido de Lisboa,Beijamos a terra ante voſſos
pès. Fazſe ſaber á clemencia de voſſaSan&tidade pelas preſentes letras, ģ
o Illuſtre Rey de Portugal D. Afonſo nos tempos paſlados,por evitar os
graves & evidentes perigos,que a elle, & aoReyno ſe lhe armávaó , ſendo
viva a nobre Condeſſa de Bolonha ſua mulher,defeito cážou com a nobre
ſenhora D. Beatriz filha do ſereniffimo D. Afonſo Rey de Caſtella & de
Liao,nao ſendo ella ainda em idade pera cazar, & ſendo ſua parenta no
quarto grao de conſanguinidade. Da qual fabemos ja ter dous filhos.Pela
qual razaő ,os lugares aonde ſuccede elles irem,eſtão ſujeitos ao Eccleſiaf
tico interdicto ,por authoridade do Papa Alexádre de ſancta memoria voſ
fo antecellor, nao ſem grave detrimento & eſcandalo das almas, da clereſia,
do povo , & de ſuas couſas procurandoo,como dizem, a dita Condeſa. E
ſendo ella agora morta,o meſino Rey ſem certo perigo ſeu , & do Reyno,&
deſtruiçaõ de muytos,naő pode deixar o conſorcio da dita fenhora : pedi
mos humildemente a voſſa piedade, para evitar tanto mal,de húa parte &
outra, & para procurar o proveito nað fòmente dos ditos Rey,& Rainha,
mas de todo oReyno, & tam cómum & evidente uitlidade, aja por bem
diſpenſar com elles,que poſlao licitamente permanecer na copula conju
gal, & da meſma maneira,difpenfecom ſeusfilhos ja avidos, & os que ou
verem ,antes de impetrar adiſpenſaçað, para que ſejao avidos por legiti
mos para a ſucceſlao do Reyno deſpois da morte de feu Pay,& para quael
quer outros autos. Porque eſperamos& temos por certo, que iſto ſerá a
voffa Santidade meritorio para că Deos, & de muyto fruto para ſua Igre
ja, & para a Clereſia , & todos os povos do Reyno,Dada em Braga, no mez
de Mayo do anno do Senhor de 1 262 .
Delta fupplicaçam ſe collige neceſſariamente, que eley D. Afonſo
não ouve filhos de ſua molher Mathilde.Porque nem o San &to Padre, que
a diſpenſação & legitimaçao concedeo ouvera de mudar & perverter os
direitos divino & humano,para que os filhos legitimamente naſcidos do
primeiro matrimonio( ſe os ouvera)foſſem de peor condiçaó, que os adul
lcrinos & inceſtuoſos,como aquelles eraõ,nem a petiçam daqnelles Pre
N4 lados
CHRONICA
lados avia de ſer tam injufta & temeraria,que torvada a ordem da nature
za em prejuizo dos filhosmayores &legitimos,ſem delles fazerein men
ção, aviao de pedir, que ſe legitimaſſem os menores, & concebidos em
peccado .
Alem deſtas eſcripturas tam authenticas & publicas,& poſtas em lugar
que todos as podem ver,pelasmeſmas hiſtorias de Flandres & França,&
caza de Bolonha, conſta iſto manifeſtamente. Porque deixado' o que os
hiſtoriadores ſobre iſto dizem , & Iacob Meyero eſcriptor grave das couzas
de Flandres loam Neſtor hiſtoriador Frances homem do & o, & de grande
diligencia nos livros q fezem lingoa Frācezaſobre a genealogia da Rainha
de França Catherina deMedicis afli por parte dos Medices, de q era o Du
que de Vrbino ſeu pay,coino da caza de Bolonha de que era ſua máy, que
ſe eſtampàraó em Paris no anno de 1564. & os dedicou â dita Rainha, af
Mathil
firma ,a Condeſſa Mathilde não parir do Infante Dom Afonſo , & tómente
de não parir Ioanna de ſeu primeiro marido Felippe,que falleceo antes da may.
pario do Cujas palavras referì na meſma lingoa Franceza em as céluras, queem lin
Infante goa Latina eſcrevi contra huma falſa genealogia dos Reys de Portugal
Dom A- queAem
fonſo .
França Mathilde
Condella ſe fabricou. Mas tornadas em
ou Maria,molher de Portugues
Felippe dedizem aſſi., filho
França
delRey Felippe Auguſto,foi humaſenhora mui virtuóza. Ella fundou tres
cappellas na Igreja de nofla Senhora de Bolonha,& huma no hoſpital da
dita cidade. Alguns tem para fi, ella morreo fem filhos, & que Roberto
ſeu ſobrinho filho de ſua irmãa lhe ſuccedeo no Condado de Bolonha. O
que aſli paſſa naverdade. Mas não he para dizer quenão teve em ſua vi
da algum filho. Porque os annaes de Flandres affirmão, que de Felippe &
della naſceo húa filha, q ſe chamou loána ſ morreo antes de ſua máy,co
mo ſe pode ver per algúaseſcripturas do anno de 1250.em q eſtavaó eſcri
tas per a dita Mathilde eſtas palavras:Ioanaminha filha,& herdeira. E em ou
tra eſcriptura do anno de 1256.eſtão inſertas eſtas palavras: De Ioanna mi
riha filla defunéia.Algus dize, 5 pario de Felippe hū filho macho per nome
Roberto, que foi Condede Bolonha apos ſuamáy,& ý cazou com Iolan
da filha de Ioam de Aveſna Conde de Henao. Da qual dizem que não ou
ve filhos, & que femelles morreo. E que per eſſamaneira veyo o Core
dado de Bolonha a Roberto Conde de Alvernia,ſeu parente. Mas amais
recebida opinião he , que de Felippe & de Mathilde não naſceo mais fi
Iho que a dita Ioanna. E que per morte da meſma Ioanna, & deſpois da
de Mathilde o Condado de Bolonha veyo ao de Alvernia: o Conde Fe
lippe fallecco no anno de 1 234. & Mathilde ſua molher cazou ſegunda
vez no annode 1235.com Afonſo ou Aufroi,filho delRey de Portugal,
do qualnão ouve filho algum lío meſmo afiirma outro deligente auchor
Frances. F. de Bellafloreſta, que accreſcentou os annaes de França de N
colao Gile. O qual na genealogia queeſcreveo da Rainha Catherina
Medi
de
=

1
I
1
1
DEL-REY D, AFONSO TERCEIRO. 75
bank Medices por parte dafamilia de Bolonha,moſtrao Infante D. Afonſo de
ndelak. Portugal,queheo Rey de que tratamos, que caſou com a Codefa Mathil.
106, mm de, não aver della filho algum . E lómente aver tido a dita Condeſfa húa
filhaper nomeJoanna, de Filippe ſeu primeiro marido , que cażou com
ca.pe
Flandresdi Gualchero de Caſtilhom, neto de Hugo de Caſtilhom Conde deBles,&
quemorreo a dita Madama Joanna fuamolher, fem delles ficar filho , nem
tedeixando filha. Aſli diz que ficou extincta a linha de Mathilde, dando a entender
āprot goi que o Condado de Bolonha permorte de Mathilde paſou a outros pa
ndodok jentes tranſverſaes,quena verdade foy Roberto filho de ſua irmāa Aliſa .
genealogia Ainda que eſtas tam authenticas eſcrituras não ouvera ; ha para iſto ta
edere,di tas,& tam urgentes conjecturas, que ſe não podia ter o contrario. Porque
gaecakt: teMathilde por o titulo , & direito de ſeu matrimonio, ſe queixou ao Sá
a Breto Padre,& perſua ſentença foi declarada por molher legitima delRey
Acis Dom Afonſo, & feus filhos por avidos legitimamente, porque razão eſſe
lec:dat Roberto, ſe ſeu filho primogenito era como dizem) ſe não queixava por
Cursu a eſperança,& fucceſlao dehum Reyno, & da legitimidade que lhe foy
Revit julgada? E porque ſe não poſerao tam graves cenfuras & interdictos por
esita a ſuccellam do filho, como ouve ſobre o matrimonioda mãy? £ manifefe
de fic to he que ſobre o Reyno de Portugal'não ouve querela, nemlitigio algum,
.Elli E quem ouvera crer que Roberto, ou qualquer outro,que fora filho dele
nanel Rey Dom Afonſo , & de Mathilde,avia de deixar com ſilencio eſcureter
o le feu direito,que ao menos não proteſtára que o Reino de Portugal lhe per- ,
codes tencia?Porque couza muy uzada he acerca de todos os Princepes & ſenho
O leiti res, a que o direito de algum citado dizem pertencer,não ſomente proteſ
vede ! tar por elle,mas accreſcentalo a ſeus titulos, como ſe o eſtiveſſem poffum
‫ܐ܂‬ indo . Ali os Reys de Napoles ſe chamão de Jeruſalem , & per outra para
te os de Sicilia, os de Inglaterra,de França,os Duques de Saboya de Chi
pre, & outros muytos de terras; que eſtao em poder de infieis, & alguns de
48 .
cidades deſtruidas, de que ſe não ſabe o lugaronde forað. Peloque poſto
que eſſe filho de Mathilde fora deſpojado do eitado,ao menos o nome vão
‫ا‬،
quem lho tolhia? E nunqua até agora ſe vio que algum fucceffor de Bolo
nha,ouparente feu ſe chamaſſe de Portugal.
6
Sendo alem diſſo os homens naturalmente tam cobiçoſos de honra , &
de nobreza, que ſe vem cada dia fallamente enxerir em familias de que
DAT nao ſao, que fazam àvia para eſte Roberto ( ſe o ouvera) ſendo primoge
,
pito de hum Rey, ſe não chamar Infante, ou filho de Rey como era ? Ou
rol
porque nem elle ,nem ſeus deſcendentes trouxeraõ as armas Reaes de Por
Lear
ngal em ſeus eſcudos & bandeiras, queſó a elle mais que a ninguem ou.
trem , pertencião? E ja que como herdeiro do eſtado de Bolonha as não
el trouxelle puras,como as não trazia juntamente com as outras? Porque cf
liti tar deſpojado da dignidade o nome, & titulo, & as inſignias , main Inas
ha
tolhia ninguem.Chamavale o meſmo Rey D.Afonſo CondedeBolonha,
depois
CHRONICA
depois da morte da Condeffa Mathilde,ſendo elle Rey de Portugal,& el
tando Bolonha em mão de outros poſſuidores,não lhe pretencendo ja o
eſtado, nem o titulo,queera da molher que repudiàra,& não ſe chamára
Roberto Infante de Portugal , pertendindolhe per direito ſeo fora?
Nem era pequena conje & ura o nome de Roberto tam frequentado de
Francezes,& tam eſtranho em Heſpanha, que não ſabemos homem que
deffe nome ſe chamaſie. A mui veriſimil era, que a hum filho de hú l'rin
cipe,como o Infante Dom Afonfo, fe poria o nome de algum dos Reys de
Portugal, Caſtella,ou Aragam ſeus avós,ao coſtume de todas as naçoens,
mayormente entre gente,onde ha mayores peſſoas, que repreſentar, & de
que ſe honrar,comodam teſtemunho tantos Ptolomeus no Egypto,tantos
Carlos , & Luiſes em França , tantos Afonſos em Heſpanha , Duar
tes & Henriques em Inglaterra, & Amadeus & Manueis em Saboya.Na
quelles meſinos temposproximos ao Infante Dom Afonſo , elRey Luis
VIII. de França cazara com Dona Branca filha delRey Dom Afonſo VIII
de Caſtella,& por reſpeito do ſogro a ſeu filho terceiro, que foi o Conde
de Poictiers, The chamou Afonſo , nome que até entam ſe não ouvira em
França. E por memoria da meſina Rainha Branca ſeu filho elRey Sam Lu
is chamou Branca a ſua filha mais velha,que cazou com o Infante D. Fer
nando de Lacerda,primogenito de Caſtella. Nem eſta cojectura do nome,
onde ha coſtume,he tað fraca,que não eſcreva o Evangeliſta S. Lucas, que
tratandoſe de pôr nome ao filho de Zacharias, que foi Sam loao Baptiſta,
ſe cſpantàvao ſeus parentes & amigos, de o chamar Ioanne , não avendo
homem de tal nome em ſua linhagem . Iſto tem natural razão. Porque co
mo o principal fim dos homes em ſeus matrimonios, & na procrcaçam de
ſeus filhos, ſeja per elles reviveſcorem, & fe perpetuarem , inventāram
nomes, & cognomes, para que a geraçãm de cadahú ſe reconheceſſe fein
pre,& ſe nãoconfundiſſe com as dosoutros: & para com aquellesnomes
ſuſcitarem tambem as memorias de ſeus antepaliados. Sendo pois iſto tă
to mais coſtumado entre os Heſpanhoes,que ſó por a obrigarem a reter os
cognomes, & appellidos, inventārao mòrgados, mais que outras naçoens ,
como o Infante Dom Afonſo Conde de Bolonha, poria a ſeu filho nome
que não foſſe de Reys ſeus avós,de que mais ſe podia honrər? Nem ſe po
de dizer, que quis que levafle onome de algum avô materno. Porq em to
da a geração dos Condes de Bolonha antes de Mathilde não ouve ſenhor
daquella caza, que Roberto ſe chamaſſe.Havia muitos annos que a caza de
Bolonha andava em femeas, até chegar a Euſtachio IJ, como acima fi
ca dito,& os maridos deſſas forão Regnaldo avô de Roberto,Matthco El
facio viſavô ,Stephano Conde de Bles treſavô. Deſtes para cima até che
gar a Ligel de Altamira,em que começou o Condado,ha 1116 arnos,não
ie acharà, que algum Conde de Bolonha ſe chamafe Roberto como pela
arvore de ſua linhagem , que compoz o meſmo Joim Neſtor ſe pode ver,
INO
A DEL-REY D.AFONSO TERCEIRO . 76
leleplete lio fui porque Roberto era cabeça deoutra familia , & tomou o nome de
olheprettie [cusavós os Codes de Claramonte & de Alvernia,dondepela linha patera
Ciao,&ni sa procedia, como tambem ſeus ſucceſſores tomàraõ delle. Porque, como
er direito est omeſino loam Neſtor eſcreve ,eſte Roberto filho do Conde de Claramó.
rto tantra: te,& Alvernia,que a Mathilde fua tia ſuccedeo, teve hum filho,que tam
dolabermaliai bém ſe chamou Roberto, cujas eſcrituras diz que vio do anno de 1270.8
ahumih . que no anno de13 20. avia em Bolonha oucro Conde Roberto à quem >

de dealia. Succederão no Condado outrostres Robertos ſeus deſcendentes hunsapoz


e de cidade outro. Dos quaes ſe ve muita invençam nos annaes de França. Peloque
que respet não avendo em ſua deſcendencia algum , que tomaſſe nome de tantos no
meus no Es, bres Reys,coito os de Portugal, Caſtella, & Aragão, nem trouxeffe fuas
im Helpe" infignias, nem couza; per ſ moftraſſe deſcender delles,manifeſtaprova he
kuris cal fer fabula queRoberto foi filho do Infante D.Afonſo, & ter parenteſco
Afonſo, d. em Portugal.
ev Dunia Moſtrada alli a verdade da geração,& fucceffaó da Condeffa Mathilde,
tro, que foi & como elRey Don Afonſo dellanão ouve filhos, & Roberto que fuc
cam kena cedeo fer ſeu ſobrinho,para que não fique couza algúa ein duvida , reſta
Elho de ſatisfazer ás fabulas da gente popular, que ficaraó por hiſtoria de mão ein
Do Inic mão, & que o chroniſta Fernão Lopez conta na vida do dito Rey,não fa
cónfra bendo o que ſeguiffe,nem o que fugiffe, por a pouca informação que da
elita S.L. quelles temposrudes pode alcançar,& poro pouco diſcurſo que elle nif
Sanki ſo podia fazer porfalta da noticia das hiſtorias eſtrangeiras. Primeiramen
arne, te diz, quepaſſados alguns annos depois de o Infante Dom Afonfo partir
razia: de Bolonha, ſoube a Condeſſa ſua mulher, comoelRey Dom Sancho era
falleſcido, & oo Conde Dom Afonfo ſeu marido levantado por Rey. E que
137), não ſabendo,fer elle cazado, armou huma frôta, em que veyo a eſte Rey
econki no. E que apportando em Caſcaes, ſoube do cazamento de ſeu marido
naquele com a filha delRey de Caſtella, & eſtar com ella recreandoſe na aldeya de
?xy,pol Friellas, cerino de Lisboa. E que fazendolhe ſaber de ſua vinda , & reque
igueur rendolhe a recebeſſe a ella, & fe apartaffe daquclla molher com que eſtava
ein peccado ,elRey lhe mandou,que ſe foſſe fora de feu Reyno. Contão
mais,que a Condeſſa ſe tornou para França, deixandolhe hum filho que 1

sit trazia, ſegundo a opinião de alguns;& outros dizião que o tornou a levar 1

90 & de la o mandou depois a Portugal . Ifto contem em ſi muitos erros , &


32:25 he mèra fabula.Por quedo tempo dachegada do Conde de Bolonha a eſte
Reyno,atèelle fer Rey (como diſſemos na vida delRey Dom Sancho ſeu 며

irmãos ) ouve poucos mezes. E não era veriſimil , que depois de levantado
por Rey ,o não ſoubeſſe a Condeſſa ſua molher,le não dahi a algus annos. .

E que nelles não ouveſſe quem lhe levaſſe tão boas novas,como craó fer el
la liainha de Portugal. O que aquelle Autor eſcreveo com pouco dif
curſo , & incöſideradamente. Porque não attentou as circunſtancias das pel
foas, & couzas de que fallava, que era dę hum Rey , & huma Condeffa de
Bolo
CHRONICA
Bolonha marido & molher que ſe queriáo grande bem ,& que allipor ef
ſa razão ,comopor o coſtume dos Princepes, quc uſao de ſeus devidos com
primentos,cadadia aviao de ſabernovas hum do outro , mayormente no
principio da vinda do Infante a eſteReyno, onde achou muytas contra
diçoens. Nem conſiderou que eſtas novas avião aindade ſer maisfrequě
tadas entre eles Princepes,poroReyno de Portugal eſtar eſtendido ao ló
go domarOceano,donde cada dia ſe navegavaa França, & a Condeſſa
reſidir em Bolonha lugar maritimo, & em vezinhança de portos muy fre
quentados de Portuguezes, principalmente naquelles tempos onde fua
principal & ſó navegação era a França,& a Flandres,por não terem ainda
commercio com outras terras,que depois ſe deſcobriraó. Peloque necef
ſariamente avia de ſaber a meùde novas de feu marido, ainda que não quia
ſeſſe. Ajuntavaſe a ilto a circultancia das peſſoas dos Reys de Caſtella,&
Portugal tam celebrados pelo mundo, & a maneira per que o Rey de Por
tugal cazou com filha de tão grande Rey, ſendo viva fualegitima molher
tam nobre, & tão aparentada ,& tão benemerita delle. Perque ſe ſoube
logo da femjuſtiça daquelle cazo em toda a Chriſtandade, quanto mais
na cortede França & em Bolonha ,onde a parte offendida habitava, & de
1 que elRey Dom Afonſo fora ſenhor,& fe chamava ainda Conde.
Tambem não era couza para ſe dizer, nem crer, que huma Princeza co
mo a Condeſſa de Bolonha, deſcendéte de tantos Princepes, & noraĝfo
ra dos Reys de França,& Portugal,& que ja per direito era Rainha, viela
ſe a ſeu novo Reyno de ſubito,ſem ſeu marido a mandar buſcar, & o faber
para ella vir com majeſtade, & apparato com que as novas Rainbas fe re
cebem . E mais abſurdo & contra a razão dos tempos he dizer, que guan.
do chegou a Caſcaes ſoube que elRey era cazado, & que eſtava com ſua
nova molher em Friellas. Que ſe ajuntarem o tempo em que a Condella
ſoube do alevantamento de ſeu marido em Rey, & o cazamento com a Ra
inha Dona Beatriz,fica impoſſivel. Porque o tempo em que a Condeſla
neceſſariamente avia de ſaber do reinado deſeu marido , era no anno de
1 246. & quando elle podia trazer Dona Beatriz para caza,ſeria para o an.
no de 1260. que foidahi a 14.annos. Porque notorio he, que elRey D.
Afonſo de Caſtella,com cuja filha o de Portugal cazou, começou a reinar
no principio do mes de lunio de 1252 , comona vida delRey Dom San
cho IJ.moſtramos, & qelRey de Portugal não cazou com ſua filha baſtar
da, quando elle era Infante,& eſtava debaxo do poder de ſeu pay,masque
cazou em tempo que era ja Rey,& lhe podia daro grande dote que dizem
que lhe deu. Peloque do anno de 1246. em que o Conde de Bolonha
veyo lur Rey de Portugal, & a Condeſſa ſoube de ſeu cazamento , até o
principio do reinado delRey de Caſtella paffáraó ſeis annos. E alli confa
pela ſupplicação acima dita dos Prelados de Portugal,que quando o Co
de de Bolonha concertou cazamento com a Rainha Dona Beatris, era ella
menina
DELREY D. AFONSO TERCEIRO, 77
menina, & não de idade para cazar,& ſeu pay era ja Rey.Pelo q aos dico: 6
annos ſe avião de ajuntar os annos que ella eſperou em Caſtella atê fer de
idade para a entregarem a ſeu marido,& vir a Portugal.O q não foi pouco
tempo. Iſto ſe prova pelo primeiro pacto da Rainha D.Beatriz. Porque o
Infante Dom Diniz primogenito naſceo no anno de 1261,& o Infante D.
Afonſo logo no anno ſeguinte,quando ja a Condeſſaera fallecida. Porque
& i as differenças que entre elle & o Infante D.Diniz avia,naſceraõ de ter pas
intos. Ia fi o Infante Dom Afonſo, quea ſucceſſaõ do Reyno per morte de feu
pay pertecia a elle,por naſcer filho legitimo delRey,& D. Diniz fer adula
2.0
terino,como naſcido em vida da Códella Mathilde, & q em ſeu perjuizo
não podia fer legitimado .A que por parte de D.Diniz tábem ſe opunha ý
por elRey DomAfonſo , & a Rainha D.Beatriz fere parentes, & cazaré em
" e .. vida deMathilde,tinha o Infante D Afonſo neceſlidade de ſer diſpelado
pelo S. Padre. Eſte naſcimento dos Infantes ſer naquelle tempo que dize- .
mos ſe prova pela petição dos Prelados acima referimos. Porg fallecen
IC do a Condeſſa aquelle anno de 1262.dizião o Papa que a Rainha D. Bea
triz ſe ſabiaja ter dous filhos. O que era por fer entãorecem naſcido o In
fante D.Afonſo ſegūdo genito. Peloquehe grade arguméto, ſendo a Ra
inha molher que não tardava em parir,viria para ſeu maridoa Portugal no
anno de 1260.por diante,poſto que algus annos antes eſtiveſſe concertado
O cazamento,pois pario hum filho em húanno, & outro logo no ſeguinte.
Diſo tudo hemaimui mais baſtáte prova a carta do Papa Alexádro III ].
para o meſmo Rey D. Afonfo de Portugal,em go adhorta,a ir com os mais
Princepes Chriſtãos á guerra contra os Tartaros que pretendião occtipara
a Terra Sancta. A qualcarta paſſou no anno fexto de ſeu Pontificado , era
o de 1260.& com palavras como a Princepe Pio,& filho obediente á Igre
ja, & com a coſtumada ſaudação da Apoſtolica benção,que ſe não manda
aos excomungados.De que ſe ſegue, que nem a excomunhañ era acabada
pois a Cõdeſta era viva neſſe tëpo,nem começada,mas q naquelle tempo
logo ſe ſeguira o cazamento,& 'a excomunhão , & duraria até o anno de
1 262.em ở osPrelados do Reyno pedirao ao Papa Vibano. IIIJ. & logo
fuccedeo ,que lha levantaſſe, por então morrer a Condeſſa de Bolonha.Do
que ſe täbem ſegue,qo interdicto que ſe poreſte cazopoz no Peyno, não
duroy 12 annos comoos antigos dizião,ſenão dous.Iſto le diſſe tátoaolo
go,para moſtrar pela computaçãodos annos,que he demonſtração certa, g
como fica ſendo impoſſivel,que a Condeſia vieſle a Lisboa,& achaſſe que
Cat
eſtava elRey em Friellas com a Rainha Dona Beatriz, alli he falſo tudo o
mais que fundado neſta fabula ſe reconta.
E para ſa gente vulgar,ý não ſe moue tanto por ratocns, quanto pelos
feiitidosdeviſta,& ouvida,fe fatisfaça, he neceffario declararſe, que ſe
Poltura era a de Sam DomingosdeLisboa, em queavia fama no povo,que
eſtava enterrado hum menino filho da Condeſſa Mathilde,& de Rey Di
0 Afor
CHRONICA
Afonſo feu marido , que diziao q era o que trouxera conſigo, ou mandára
de França. Eſta era húa fepultura que agora ha 20 annos fe desfez para def
pejo docruzeiro onde eſtava.O tamanho della era grande, nao para hua
Sepultu mienino,que elles diziað alli jazer . Mas para qualquer homem de grande
Domin- corpo. A caxa era demarmore branco, eſculpida aoredorde arvoredo, &
ços de montaria de porcos, & cães,ou por quem alli jazia ſer inclinado à caça,ou
Lisboa por inſignia de jazer alli peſſoa de alto lugar , & nobre, de que era proprio
não era aquelle exercicio. As letras que eſtavão na cobertura da caxa eraõ Gorli
de filho
algú de cas,que eu muytas vezes lij,& fegūdo lembrançade peſſoasgraves, & Re
Mathil. ligioſos de grande authoridade daquella caza, diziáo jazer alli o Infante D
de. Afonſo filho delRey D.Afonſo Conde de Bolonha, & da Rainha D. Bea
triz ſua mulher.O qual era aquelle ſegundo genito, q acima diſſemos ąco
el Rey D. Diniz ſeu irmão trouxe differenças, & foi ſenhor de Portalegre,
Caſtello da vide,deMarvaó,de Arronches, & de outros lugares, & que
deixou muytas filhas cazadas com grandes ſenhores de Caſtella,como a di
ante ſe dirá.Com aquelle epità fio ,que naquella ſepultura eltava, confor
me Fernão Lopez chroniſta antigo,que a chronica delRey D. Diniz eſcre
veo,que afirma eſtar alli ſepultado o meſmoInfante D.Afonſo, filho del
Rey D.Afonſo III.& da Rainha Dona Beatriz. E per viſta de olhos conf
tou nao eſtar alli ſepultado moço algum depouca idade. Porque queredo
o Prior deſpejar o cruzeiro,ou por nam ler aquellas letras, por queconſta
va jazer alli hum filho do Rey que fundou aquella caſa,ou porcuidargie
ria algú menino,mandou tirar a ſepultura daquelle lugar,& paffar os ollos
a outra ſepultura pequena, & fem letras,g oje ſe vê na parede do meſmo
cruzeiro. Pelo q abrindoſe a ſepultura grande achàrað hú grande corpo de
homem groſſo , moſtrava ſer de idade grande.O corpo eſtava inteiro, &
favillimo com toda ſua carne,tiradoa cabeça ,& pernas, de q tinha a carne
comida,envolto em hú pano de feda amarela ,& cingido pelacinta có hua
corda de linho,tudo taoſao & inteiro ,comoſe le puſera aquella hora. Pelo
ý por o corpo ſer mayor do q cuidavko, & a fepultura a q le paſſava ſer tai
pequena,parecco neceffario ,desfazer o corpo ,& incurvalo , & fazelo ca
ber na menor ſepulcura. A qual ſe ſe não desfizera ,fora grande teſtemunha
da errada opinião q andava na gente vulgar . Por aquelle epitafio tiráta
toda a duvida.Da qual abertura de ſepultura, & invenção do corpo, q nel
la eſtava, q eu andava inveſtigando,medeu hum eſcrito de ſua mão o P.M
Frei Bartholomeu Ferreira ,Deputàdo da fan & a Inquiſiçao , & Revedor
dos livros, affinado pelo meſmo architecto, que abrio a ſepultura , & mu
dou o corpo que dizia o acima dito . O qual corpo depois ſe tirou da
caxa de pedra em que eſtava, pera o paſſar a outro lugar, onde agora ef
tà junto a Cappella de Santo Andre ,& eu o vi em companhia de D. Frey
Antonio de Souſa ,g foi Biſpo deViſeu ,& D. Fr.loao de lasCuevas cófeflor
do Princepe ArceduqueAlberto , depois foi Biſpo deAvila.O qual era de
huin
DELREY D. AFONSO TERCEIRO , 78
lum homem alto & apeffoado demuytascatnes,conforme ao que acima dil
3 fe. E alli foi viſto pormuytas peſſoas na Sancriſtia onde eſteve muytos dias
antes de o torgarem a ſua ſepultura. Demaneira que a fama de alli eltar hū
menino filho de Mathilde ,era falla & váa,& era certo eſtar alli o Infante D.
Afonſo irmão inteiro delRey Dom Diniz,que morreo de grande idade coin
muy tos filhos, & netos. pu..da
É para que não fique couſa a que ſe nãoreſ ,outra hiſtoria como el
ta andava entre as velhas,& gente popular,porque contavão que quando a
Condeſſa veyo a Caſcaes, & foideſenganada delRey ſeu marido,que a nain

Ecoduoda
avia de recolher ,tornandofe para França,eſtando ja para dar à vélla , lhe dei

MUSIC
xou dous filhos,dizendo: que deixaſſem a elRey , que tomaffe lá ſeus cachos

onoodocuito
abdodondis
pois,& que por iſſo le chamou Cachopos aquelle lugar do mar, onde os dei
xou nao entendendo aquella gente vulgar,que cachopos he palavra Portu- Cacho
gueſa de homens ruſticos,porque chamão aos moços de pouca idade , & que pos
mar no
de
a Condeſſa Mathilde Franceſa da Gallia Belgica nao podia fallar por aquel Lisboa
les termos da lingoa Portugueſa,que nam ſabia,& que aquelle lugar da Barn döde fe
ra de Lisboa de penedia, & bancos,que vão por debaxo da agoa, onde as nào dizei .
os perigao,ſediz cachopos,corrupto o vocabulo Latino Scopulus,como ſe cor
romperaó pela ſucceſſao dos Godos, & dos Mouros outros infinitos vocabu
los que temos da lingoa Latina,dondea noſſa tema origem. Iſto he couſa de
graça, & indigna de ſe recontar em hiſtoria, queſeja grave. Mas opinioens
taoantiguas,com que os homés ſe criáraó,ſao tao maisde arrancar, que todos
os meyos ſað neceffarios para as desfazer.
Pelo que nað ſe deve ter por ſobeja & seſcuſa da eſtainveſtigaçao, & meú.
o oria
da relaçã , queſe fez, porque nas hiſt cuberto m o
deſ o
hu err le cira mui Erro dos
tos, que della depende ,& averigoadahúa verdade, ſe deſcobré outras muitas, que oul
per outros antes de nos eſtivera feita eſta deligécia ,ſobre a Códeſſa Ma- Rainha
E ſede não ſe ouvira
thil nos noſſos dias no juizo da ſucceſlaõ deſte Reyno de de Frans
Portugala Rainha de França Catherina de Medices ,como deſcendente del . ça na
là , & delRey Dom Afonſo Conde deBolonha ,que pretendia ſer admittida cauſa da
como oppoente, ſe a cauza procedera, & fe lhe reſpondera pelos pretenfo- de Por
res doReyno com outra melhor defeſa, que a dapreſcripçam ,pois conftava tugal,
per eſcripturas dePortugal, & pelas meſmas hiſtorias de França, que nam
deſcendia dos Reys de Portugal, nem podia por via algúa , ſer parte naquel
o . anda na hiſtoria delRey Dom Afonfo ſobre a cauſa do tepu
Ourttrenoſaerro
la pe
dio da Condeſſa ſua mulher. Porque por ſer notorio em França, o amor que
entre elles avia,& o muyto que ſe elRey prezava de ſer Conde de Bolonha ,
arrribuem deixar a Condeſſa por as terras, que lhe ſeu ſogro dava em dote,
com que ſe ampliava o Reyno de Portugal . Ao que accreſcentavað, que fen
do elRey reprendido de hum feu privado , por deixar a Condeſſa, ſendo
tain virtuoſa , & tam benemerita delle,& com quem eſtava ligado per fé, & fa
02 Sramen
CHRONICA

cramento,em quanto viveſſe,& fe cazar com outra mulher, reſpondera que a


o outro dia cazaria outra vez ſe lhe deſſem outra tanta terra ,com que alargal
ſe os termos de Portugal.Efta cauſa do repudio que elRey fez he falfa,& nia
ElRey
de Caste
is falla a reſpoſta, que dizem que elle deu.Porque a verdade he,que nenhuas
lla não terras lhe derao em dote com a Rainha D. Beatris,poſto q lhe deſſem muyto
deu cm dinheiro , & muytas joyas.Porq ſe o dize por as villas de Moura, Serpa,Moll
dotc tcr- raó,& Noudar,Citas no Reynode Caſtella alem de Guadiana, que accreſce
ras algu- raó a Portugal,eſſas deu elRey D.Afonſo de Caſtella à dita Rainha D. Bea
asao Có triz ſua filha ſendo ja viuva , tendoa conſigo em Sevilha fem antes Ihaster
de de Bo
lonha. prometidas. E no tempo delRey D.Dinis, ſe fez a entrega dellas no anno de
1297. ſendo ja morto elRey Dom Afonſo X.& elRey Dom Sancho feu fi
Tho , & reynando feu neto elRey Dom Fernando o IV.A qual entrega ſe naó
fez na vida de D. Afonſo de Caſtella, por ſerem aquelles lugares da Ordery
do Hoſpital de S.loað,a que ſe aviao de daroutrasem eſcambio, como a di
i ante ſe dirà, na vida deiRey Dom Dinis. E ſe o entendem por as villas de
Campo Mayor Ouguella,Olivença,& S.Felicesdos Gallegos, que tamben
erao de Caſtella, & ſe ſoltàraõ a Portugal , iſſo foi muito deſpois no tempo
do dito Rey D Fernando IV que fez ſatisfação com ellas a elRey Dó Dinis,
por as villas de Arouche, & Aracena,& ſuas rendas de muytos annos,'que os
Reys paſlados de Caſtella trouxerao uſurpadas.Menos o podem dizer pelas
terras de Riba de Coa.l.Sabugal,Alfayates, CaſtelRodrigo, & os mais luga
res . Porque da meſma maneira ſe alargâraó a elRey D.Dinispor outras ter
ras,& por outras razoens,de que ſe tambem em ſua vida farâ mençao . Menos
o poderao dizer por as terras do Algarve, que elRey de Caſtella as defie en
dote a ſua filha . Porquemuitotempo deſpois de cazada,& tendo ja filhos,foi
a dita Rainha D Beatriz a Caſtella,pedilas a ſeu pay, que lhas concedeo com
as condiçoens que abaixo ſe diraó. De todas asmais terras outras do Reyno
eſtava elRey D.Afonfo em pacifica poſſe, ſem ja aver algúa por cobrar dos
Mouros.E lòmente eſtas terras ſe paſſarao de Caitella ao dominio dos Reis
de l'ortugal deſpois do cazamento da Rainha Dona Tareja com o Conde D.
Henrique.Pelo queheerro'manifeſto dizer, que por reſpeito de accrefcen
tar terras a Portugal,deixava elRey ſua legitima mulher. Nem era veriſimil
que por duas villas deſpovoadascomo naquelle tempo eſtavam cobradas de
pouco dos Mouros,deixaſſe elRey Dom Afonſo o Condado de Bolonha, de
que tanto ſe prezava.
A cauſa de feito que pareceo ao mundo todo tað feyo, & injuſto , & indige
no de hum Rey Chriſtão,como foi contra as leys divinas & humanas deixar
fiva legitima mulher, & tao benemerita, per que elRey D. Afonſo hoje em
dia he taðnotado,foi verſe em idadedequarenta annos,& fem ter filho,nem
herdeiro da caſa Real, & que a Condella ſua mulher nao parira nunqua
1 delle, nem eſtava em idade para o poder eſperar. Pelo que deſejava de ter
filhos,que lhie fuccedeſfem ,& ſe nam extinguiſleo Reyno de Portugal,cfta
quera
DELREY D. AFONSO TERCEIRO: 75
diava'e'm pêrigo de ſe unir o Reyno de Lião,donde avia pouco que pro
t'i cedera. Alem diflo pejavaſe de trazer a Portugal a Condeſſa, onde The pa*
krecia que avia de ſer mal recebida do povo , & fua vida poſta em muito rin
be co. Porque ſabia quam mal os Portuguezes avião de tomar, não tendo elle
į filles,trazer lhe hũa Rainha velha a caza ,onde tão pouco avia tirarão a el
Rey D.Sancho ſeu irmão per força a Rainha D. Micia ſua molher moça .
fermoza,& de real ſangue,pornão parir,nem fer filha de Rey,& lha levaa
fão fora do Reyno,donde núnqua mais tornou.
Eſa CondeſaMathilde foſſe de idade grade,& para ja não parir,quă Côdella
do o Conde feu marido a repudiou ,ſe pode averigoar pela computação de Bolog
dos annos,q he a mais certa prova,gha Porã ſegundo lacobo Meyeroel nha ja
critor grave das couzas de Flandres , & da Gallia Bélgica,a Condella Ma- velha
thilde cazou com Felipe ſeu primeiro marido no no anno de 1216. Porã quando
a batalha de Bovinas ein gelRey Felipe Auguſto de França prendeo feu dfcumar
o veyoi
pay o Conde de Dampmartim ,foi no anno de 1214. como ſe ve per to a Portus
dos authores
os daquelle Reyno. E morrendo elle na priſao & logo apos gali
elle a Codeſſa Ida ſua molner,ſenhora proprietaria do eſtado de Bolonha
chey Felipeordenou o dito cazameto de Felipe ſeu filho com a dita Ma
thilde nova Codeſla.Pelog cotando daquelle anno de 1216.atè o anno de
1246. em que elRey D. Afonſo começou a reinar, fam 30. annos. A eſtes
fe hao de ajuntar os annos de que ſeria Mathilde quando cazou , que a
não ſer de mais que de 20 até 25. annos, que he hum meyo entre cazar
tarde,& cazar cedo, ficava ſendo de cincoenta annos até cincoenta & cin
co. E fe fe cătar até que elRey cazou em Caſtella,que he quando con ef
fecto a repudiou ,que ſeria poucomais,ou menos 10 anno de 1260, ficava
fendo de 64.annos, ſe cazou de 20, ou de 59. ſe cazou de 25. Ao que
ajuda o que acima moſtramos,que no anno dc 1 241. quando a Condeſſa
fez ſeu teftamento, tinha ja cazada ſua filha Ioanná com Gualthcro de Ca
filhom . O qual cazamento diz F. de Bellafloreſta de Cominges,que ac
creſcentou os ditos annats de França de Nicolao Gilè , que foi no anno
dic 1236. per que ſe moſtra,que avia cinco annos que era cazada.Peloque
propondo elRey o dezejo de ter filhos,e lhe ſuccedeſſem no Reyno , & o
respeito publico ao anjor particular da Condeſa, & por ſatisfazer a ſeus
vallallos ,le determinou em não trazer a Condeſſa ao Reyno; & cazarſe de
feito cum outra, & fe cötratou com a filha delRey de Caſtella ſen vezinlo
& paréte ,& mui poderoſo,com quélhe covinha a elle & ao Reino ter pa
2ts.Ajuntavale a iſto aamizade & vezinhāça, & parēteſco cinha com el
Rey de Caſtella,cócuja liāça percazaméto a ſeu Reino viriao muitos pro
veitos,& por a condição do dito Rey;que alein de ſero mais liberal & gră
ciczo de ſeu tempo, amavatenramente ſua filha Dona Beatriz , mais que
todos ſeus filhos , como ſe vio das doaçoens que lhe fez, & a ſeu marido
& filhos,por ſua contemplação, & do que ſobre ella diſpos em ſeu teſia
03 mento
Ć HRÔNICA
mento,que ſe veemfua chronica, & em a ter emCaſtella conſigo atè mor
te.E porque Dona Beatriz, com quem propunha de cazar, eraainda me
nina, & não em idade para conſumar matrimonio , nem era tempo de ſe
contratar tazamento, entretinha elRey a Condeſfa com as diffimulaçoens
neceffarias, que não faltariam , por ella eſtat governando ſeus vallallos,
& eſtado ,
Eſta foi a cauza verdadeira,porque elRey Dom Afonſo deixou a Con
defla Mathilde ſua molher, & fe cazou ſendo ella viva.E omais que ſe diz
vulgarmente fað fabulas, & patranhas, que per ſiſeeſtam desfazendo, &
encontrando. Porque não he para crer,que porduas pobres villas deixal
hum Rey fua legitimamolher, & hum eſtadotão grande, & de que elle
era contente. E muito menos era para dizer que com a molher engeitaſſe
os filhos proprios. Porque ja que a molher por outra deixafle, & trocaſie
hum amor accidental por outro,ou o converteſſe em odio, como avia com
a molher de repudiar tábem os filhos?Cujo amorcomo natural não ſe po
diamudar,nem eſquecer, pois aos meſmos brutos animaes enſina a natu
reza criar, & fomentar os filhos, que procreáraó, & foſtentalos & defen
delos.Peloque não ha duvida,ſe não que feelRey daCondeſſa tivera filhos,
os não deixàra eſtar huma hora em França, nem os Portugueſes Tho con
fentirao: pois nelles tinhão os ſucceſſores,que dezejavão. E muito menos
he para crer, que elReyDom Afonſo de Caſtella, a que chamávão o Sa
bio, & Magnanimo, foſle tam imprudente & de eſpiritos tam baxos, que
a riſco de ficar ſua filha, que tanto amava, por manceba delRey de Portu
gal( cuja molher era viva) a cazaſſe com elle,ſefilho tivera, que per direi
to pormais velho& legitimo aviadereinar, & precedera ſeus netos. E
muito mais abſurdo que tudo he dizer,que vindo aCondeſſa a Portugal,
por não ſer recolhida,deixaſſe na braveza dos cachopos hum menino na
idade tain tenro, natural herdeiro de Portugal em terra alheia, em poder
de hum pai tam deſpiadoſo , & huma madraſta tam poderoſa, que não avia
de confentir ver vivo o filho ligitimo de ſeu marido, & de outra inolher,
que eſtava viva , de que os ſeus filhosaviaõ de ſer vaſſallos.E natural cou
za he, que as māys temem ſempre nos filhos mayores perigos dos que lle
podem acontecer . Tudo iſto forað fabulas, que no vulgo achou quena
vida deſte Rey Dom Afonſo eſcreveo ,& asſeguio por não ter outra mais
certa informação ,de que lançar mão, & eſcrever em tempo delRey Dom
Duarte,o que acontecera em tempo delRey Dom Afonſo III. que avia
Jozentos annos inteiros que paſſara , & por não fazer o diſcurſo,& a com
putaçam dos tempos, & diligencias, jos hiſtoriadores convem fazer.
Tornando pois ao reinado delRey D. Afonſo, eſcrevefe que como el
le veyo de França, para emendar as lemjuſtiças, & abuſos, que avia em
Portugal, a priineira couza em que ſe empregov,foi em a limpar o Reyno
de malfeitores & homiziados,que do tempo delRey Dom Sancho o eldiani:
gava
DEL -REY D. AFONSO TERCEIRO . 80
gavam. Peloque os queas mãos ouve caſtigou com mortes, & defterros,&
alitros com medo ſe abſentàrao, & ſe forao de Portugal. E como a paz
em que eſtava lhe dava lugar,povoou muitos lugares,comofoi a villade
Efremoz. Outros reformou de muros & edificios publicos, & entre elles
a cidade de Beja, tirando agrande torre, que edificou ſeu filho elRey D.
Dinis. E afli deu foraes a muitos lugares do Reyno, & fez muitas orde. ElRey
D.Aló
naçoens utiles á Républica. E dificou muytas cazasde oraçao ,& moſteiros; fo dà fo
& entre elles S. Domingos de Lisboa, & o moſteiro da cidade de Elvas raes ao
da ordem dos Prègadores, & o moſteiro de San&a Clara de Sanctarem . É Reyno ,
paraque asterras ſe ennobreceſſem , & foſſem providas dascouzasde que ElRey
eraó mais faltas, & para que os homens tiveſſem commercio entre ſi & D.Ată
com osReynos vezinhos ordenou muitas feiras pelos lugares do Reyno fo. III.
com privilegios & franquezas & ſegurança para os que a ellas vielfem . muito
edificou
s
Poz preço ao ouro, prata, & outros metaes, ás mercadorias, mantimentos, templos,
& jornaes, & a rodas mais couzas por o grande execeſſo que avia nos pré
ços dellas . ElRey
Correndo o anno de 1248. quefoio ſegundo do reinado delRey D. D.Af ó
ſo . III .
Afonſo ,elRey Dom Fernando o III.de Caſtella & Lião ſeu primo com ordena
irmão avendo tomado dos Mouros muitos lugares importantes, de que foi muitas
hum a cidade de Cordova, ganhou dos Mouros Sevilha Cidade Metropo- feiras.
litana da Betica , & dasmais antigas de Heſpanha, que dizem ſe denominar
de Hiſpalo antiquiſſimo Rey della.Na qual empreza ſe acharaő muytos
fidalgos Portuguezes,que ao coſtume daquelle tempo, não tendo noRei
no que fazer por cauza da paz, hiáo per os outros Reinos eſtranhos provar
ſuas peſſoas , & ganhar honra pelas armas,quando as delicias ,& jogos & mâ
inſtituição, com que ſe neſtes tempos crião os nobres, os não occupavam .
Os nomes de alguns daquelles Portuguezes ,de que ſe acha feita mençam ,
ſam eſtes: D . Payo Soarez Correa ,Dom Fernão Pirez de Guimaraens, Dó
Reimão Viégas de Sequeira , Dom Afonſo Pirez Ribeiro ,D.Egas Henri
ques de Porto Carreiro,Dom Mem Rodriguez de Tougues, D. Ramiro
Quartella, Dom Pero Novaes,D.Pero Soarez Eſcaldado, Dom Lourenço
Fernandez da Cunha,D. Lourenço Gomes Maceira,Dom Gonçalo Pirez
de Belmir,D Goterre Aldaire,Dom Eſtevão Pirez de Tavares,D.Eſtevão
Mendez Petit,Dom Gonçalo Dias, D. Pero Fernandez do Valle, Dom
Ioam Pirez de Vaſconcellos,D.Mem Pàez Mogudo de Sandim , D. Egas
Gomes Barroſo,Dom Gueda Gomez ſeu irmão,D.Martim Fernandez de
Novaes,D. Rui Nunez das Aſturias, D.Ermigio Mendez. Eſtes fiJalgos,
& os mais que não ficaraó em memoria,fizeraõ tátas proezas contraMou
ros, & deraõ tanta moſtra deſeu esforço na tomada da dita cidade de Se
vilha,que dizia elRey Dom Fernando de Caſtella por elles,que com muy
ta razão ſe podiáo comparar aos 12 pares de França .
Eſando alguns annos elRey Dom Afonſo ſem filhoherdeiro, & como
04 homem
CHRONICA 1 ?
homem não cazado, & ſabendo todos delle , que não traria à Porruğal a
Condeſſa ſua idollier, por ſua idade,& eſterilidade, determinouſe em ca
zar, por as razoens que acima temos dito com a filha delRey Dom Afon
fode Caſtella,que era entam o mais celebrado Rey queavia na Chriſtan
dade, por ſua fabedoria & liberalidade, 'perque de todosera amado,&
per que vagandooImperio de Alemanha pela privaçao que le delle fez
: 10 Empera dor Federico IJ. foi electo Emperador Tinha elRey grande
amor a Dona Maria Guilhelm, inui nobre ; & fermoza, filha de Dom Pe
6 .
dro de Guzmão fidalgo principal,a qual deu muitas tetras , & trazia em
eſtado de Rainha, & tam affeiçoado lhe era, que em a propria carta de do
ação de certas villas que lhe deu, que oje eſtá na torre do Tombo de Por
tugal, dizia quelhas dava poro amor que lhe tinha, & por os filhos que
della ouvera,& poros que eſperava aver. Delta Dona Maria ouve a De
na Beatriz, que elRey amava,& eſtimava mais, que a todos os filhos que
tinba . Peloque movido do amor da filha,que dezejava ver Rainha, a deu
por molher a elRey Dom Afonſo de Portugal,que da Condeſſa não tinha
filhos , à cuſta da conſciencia de ambos , & com grande eſpanto de to
dos os que o ouvião: por ſerem Reys,& de tanta authoridade, & de que
fe fabião muytas virtudes. E muito mais eſpanto avia naquelles tempos,
onde os Sutomos Pontifices, por mui pequenos impedimentos, que elles
podiam diſpenſar, ſeparavão cazamentos de grandes Reys comoforaő as
filhas dos Reys Dom Afonſo Henriquez de Portugal, & delRey Dom Sa
cho ſeu filho cazadascom Peys de Caſtella , & de Lião , que deſpois de
cohabitarem muytosannos , & terem filhos, os apartárão, fem os quere
rem mais difpenlar, ſeguindoſe mais eſpanto da leparação,que do mati
monio,porſerem filhas de taes Reys,& não ſer o exceſſo em mais, que no
parenteſco diſpenſavel. Pelo que a todos parecia, que matrimonio cun
trahido per tam feya maneira,ſe não diſpenſaria,ainda que a Condeſſa fal
leceffe.
Vìndo tempo de ſe publicar o cazamento delRey com a Rainha Dona
Beatriz, que foi com grande eſcandalo de todo o mundo, & com immen
ſo ſentimento da Condeſſa ſua legitima molher,ella lhe mandou ſeus em
baxadores com cartas,& requerimentos neceſſarios, em tam grave & de
facoſtumado cazo. A qual mais ſentia a ingratidão delRey,& a mudança
tamanho amor, como entre elles avia,quea perda de deixar de ſer Rå
inha de Portugal com muitas cartas hora de branduras & humildade, hora
de queixumes & exprobração dos beneficios que della recebera, lhe re
queria a não deixafe,& que foſſe ſeu marido na fortuna proſpera,em que
ſe agora via ,como fora na niediocre,& na adverſa.Lembravalhe,que as in
jurias & deſhonras queos homens fazião a ſuas legitimas molheres , não
crach co.no as que le fazião às amigas. Porque todas ficavam carregando
ſobie elles meſmos.E que aſliclle entre todos os homens & Reys damun
do fi
DEL-REY D. AFONSO TERCEIRO. 81
co ficaria,infamado. Rogavalhe que lhe lembraſſe, que ſendo elle hum
bum Infante ſem terras,que não tinha mais que o valorde ſua peſſoa,& o
Realſangue, de que naſcera, ella o fizera ſenhor de ſuas terras & eſtado, &
de ſeus theſouros, & muito mais de ſua vontade. E como elle ſendo del
herdado, ſe honrava do titulo de Conde de Bolonha, que ainda não dei
xava ſendo Rey,era fraqueza, & ingratidão não querer, quando veyo a ſeu
Keyno,que ſe chamaſſe ella Rainha de Portugal,como per direito o era. E
que em quanto o mundo doraſſe,lhe feria mui eſtranhado, & ſeria avido
por hum perpetuo & notavel exemplo de ingratidão & pouca fé. Por
que em a deixar,nem fazia juſtiça como Rey ,nem guardara ſua fé como
cavalleiro, nem fencia dos Sacramentos como Chriſtão,nē compria com as
leis de bom companheiro, que era as perdas & os ganhos ſerem communs,
nem ainda com as de alguns animaes feros, quereconhefcem as peſſoas,
de querecebem beneficios como elle recebera della.Muytos queixumes
outros lhe vierão, aſſi da Condeſſa, como delRey de França, & de outros
Princepesſeus parentes, a que elRey não tinha repoſta que dar, que foſſe
digna de Rey,nem defidalgo.Finalmente nenhűas razões o poderað tirar
de ſua determinação.
A eſta fea, & exorbitante injuria, que elRey Dom Afonſo de Caſtella Infortu
nios que
ajudou fazer à Condeſſa, per que lhe foi tirado o marido, & o eſtado , & elRey
titulo da Rainha de Portugal,imputàrað naquelles tempos os grandes inDom A
fortunios, queao dito Rey acontecerao.Porque ſendo elle o mais proſpe- fonfo Sa
ro,& celebrado Rey que ouvera em Heſpanha, & a que mais felicemente bio ' pa
fuccediaó ſeus negocios,afli na paz,como na guerra,veyo a eſtado, que os deceo
que o tinhaó electo por Emperador de Alemanha,lhefaltàraő, & fizeram naquelle
outro ,& feu filho herdeiro do Reyno lhe morreo, & o ſegundo genito fe tempo.
The levantou com o Reyno ,& ſe vio como homem privado deſpojado do
eſtado,& deſamparado dosirmãos,& dos amigos,& parentes, a quem mais
beneficios fizera,afli como a Condeſſa ficou deſpojada do Reyno, & offen
dida da peſſoa,que lhe mais devia,
Vendo pois a Condeſſa ,que nenhum remedio lhe ficava, recorreoſe ao
l'apa Alexandre IV. que entaó governava a Igreja de Deos, & com ella Condeſ
mnicos Princepes & ſenhores de França ſeus parentes,pedindolhe obrigaf- fa Matil
feaelRey Dom Afonfo apartaſedaRainha Dona Beatriz, pois era fua de,& có. '
concubina & recolhefe a Condella ſua legitima molher.O Papa movido ella mui
de tain eſcandaloſofeito, per ſeu Breveo eſtranhoumuyto a elRey,& lhe tos Prin
mandou que logo ſe apartaffe da Rainha Dona Beatriz, & recolheſſe ſua França
legitima molher , & fizeſſe coni ella vida como Deos mandava. E porque ſe quei
elRey não fatisfez a ſuas amoeſtaçoens ,o Papa mandou commiſſao ao Ar-xatm
ao Papa.
cebiſpo de Santiago ,paraoutra vez requerer & anoeſtar a elRey , & que .
fendo revel,o citaffe, & emprazaſſe para dentro de quatro mezes appare
ser peffoalinente na Corte de Roma,para ſer ouvido com a Condella. O
Arces
CHRONICA
Arcebiſpo fez ſeu officio , & elRey não foi a Rom.E ſendo fulminada pro
ceffo foi dadaſentença contra elRey, per que a Condeſſa foi julgada por
ſua legitima molher, & mādado a elRey que apartaſſe de ſi Dona Beatris.
E por elRey, & aRainha não obedecerem á ſentença,forað poftas cenfuras
& interdicto ambulatorio ein todos os lugares do Reyno ,aonde elRey, &
a Rainha hiáo. O qual durou em quanto a Condeſſa viveo.
ANNO Vindo o anno de 1261 em dia de Sam Dinis 9 de O&ubro, a Rainis
1 261 , Dona Beatriz veyo parida do Infante Dom Dinis ſeu primogenito, & no
anno ſeguinte de 1262. falleceo a Condeſſa Mathilde. E logo a poz
Naſci- feu fallecimento naſceo o Infante Dom Afonſo . A nova da morte da
méro do
Infante Condeſſa foy de todo o Reyno muy bem recebida, pella cauza principa!
D.Diniz do interdi&o que ja ceſſava, & por verem elRey , & a Rainha em eſta
do de poderem viver com Ap oſtolica diſpenſaçao fora de peccado, & con
fucceflor do Reyno. Peloque o Arcebiſpo de Braga, & os Biſpos do Rei
no mandàrao a Roma aquella fupplica, que acima ſerellatou.0 Papa com
deſcendeo a ella com muita difficuldade.Mas com muito mayor à legiti
mação doInfante D. Dinis, por nalcer vivendo a Condeſſa, & fer porel a
razão adulterino.Cuja diſpenſação(ſegundo ſe acha eſcrito ) elRey impe
trou , com llie cuſtar muito de ſeus thelouros. :
Da Rainha D. Beatriz ouve elRey tres filhos, & duas filhas.f. o Infan
te Dom Dinis, que lhe ſuccedeo noReyno: & o InfanteDom Afonſo, ý
foi ſenhor de Portalegre ,de Caſtello de Vide de Arronches , de Marvão,
& de outros lugares,& cazou com Dona Violante, filha do Infante Dom
Manuel filho delRey Dom Fernando IIJ. de Caſtella, de quem ouve D
Afonſo,que foi ſenhor de Leiria, & falleceo fem gèraçao, & as filhas de
que ſe farà menção na vida delRey Dom Dinis.Houve tambew elReyo
Infante Infante Dom Fernando, que morreo menino de ponca idade em Lisboa,
D.Bráca & jaz em Alcobaça. As filhas que elRey ouve,forao a Infante Dona Brää
Abbade- ca que foi ſenhora do moſteiro de Lorvão , donde foi mandada para Ab
ça das
badeſſa do moſteiro das Holgas de Burgos que he o mais nobre , & mais
Holgas rico Moſteiro de Freiras, que ha em Heſpanha. Eſta ſenhora foi muyto
gos, & rica . Porque alem das terras, que lhe eldiey Dom Afonſo de Caſtella ſeu
fenhora avò den , teve neſte Reino a villa de Monteinôr o Velho,que lhe deu feu
de muy, pay, & a villa de Campo Mayor, que lhe deu elRey Dom Dinis feu ir
tas terrasmão, afora a grande quantia de dinheiro, q lhe os ditos Reys, feu pay, &
& dia
nheiro. avó deixàrao em ſeus teftamentos.Cö eſta Infáte teve amores bú cavallci
ro que ſe chamava Pero Eſteves Carpentos, ſegudo o q eſcreveo a chroni
ca delRey Dom Afonſo XI. de Caſtella,ou Carpenteiro, ſegundo Frani
ciſco Radesna chronica de Calatrava,do qual pario hum filho,queſe cha
mou loain Nunez do Prado, que foi Craveiro da ordem de Calatrava, &
depois Meſtre della quando o Meſtre Dom Garſia Fernandez de Padilha
foi privado do Meſtrado por ſeus erros.E chegando o dito loao Nunez ans
tempos
DEL -REY D. AFONSO TERCEIRO. 82
tempos delRey Dom Pedro,foi degolado per ſeu mādado, para dar o Me
1 (trado a hum irmão de Dona Maria de Padilha ſua amiga . A outra filha Infante
fegunda,queelRey ouve da Rainha Dona Beatriz,foi a Infante Dona Co- D .Con
fiança,que morreo emSevilha moça de pouca idade, quando ſua máy foi ſtanga,
a Caſtella verſe com ſeu pay, no tempo que elle andava perſeguido do
Infante D. Sancho feu filho , & dos Infantes ſeus irmãos.E de Sevilha foi
trazida ao moſteiro de Alcobaça,onde jaz ſepultada.
Fora do matrimonio ouve e Rey Dom Afonſo hum filho, que ſe cha . dFernamAforo
i mou Fernan d'Afonſo ,que foi cavalleiro da ordem de Templo.O qual ja fil' ho ba
zendo em Lisboa no adro da Igreja de Sam Bras que entao era da ordem ſtardo
EN do Templo, & agora he da de Sam Joam do Hoſpital da banda de fora, del-Rey
em huma pequena caxa de pedra ,em lugar não honrado, foi tirado dahi , D.Afon
& paſſado dentro da Igreja .Houve outro filho per nome Gil Afonſo , que fo III
foipay de Lourenço Gil Bailio , da comenda dameſma Igreja de Sao Bras Gil Afo
como ſe ve no Epitafio da ſepultura do dito Lourenço Gil, que eſtá na lo filho
meſma Igreja. Houve mais outro que ſe chamou Afonfo Diniz, que ca- delRey
1
zou com Dona Maria de Ribeira , de que naſcerao Pedro Afonſo, Rodri- D.Aforo
go Afonfo , & Diogo Afonſo , & Dom Garſia Mendez Prior da Alcaceva
de Santarem ,& outro filho per nome Gonçalo Mendez ,de quenão ficou
geração. Do Diogo Afonſo ,que cazou com Violante Lopez filha de
Lopo Fernandez ſenhor de Ferreira , & de Dona Maria Gomez Taveira ,
naſcerao Alvaro Diaz , & Lopo Diaz. Do qual Lopo Diaz deſcendem
osSouzas ,queagora chamão Diabos . Houve mais de huma molher Mou
riſca outro filho, que ſe chamou Martim Afonfo Chichorro , de que der
cendem osfidalgos daquelle appellido. O qual alguns erradamente dizi
am , fer filho delRey Dom Afonſo II. Houvemais huma filha per nome D.
Llanor de Portugal,quefoi cazada com o Conde D. Garſia de Souza , que
foi homem de grande eſtado.
E porque a principal couza que elRey Dom Afonfo fez,foi accreſcen Martim
tar ao Reyno de Portugal o Reyno do Algarve,parece neceffario contar o Afonſo
meyo per que o veyo a acquirir.Florecia em tempo delRey Dom Fernan Chichor
coolII. de Caſtella na orden de Santigo, Meſtre Dom Payo Pirez Cor- ro filho
rea, Portugues,filho de Pero Páez Correa , & de Dona Dordia Pirez de A- baſtardo
guiar, neto de Payo Correa,& de Dona Maria Mendez da Sylva, homem delRey,
de grandeesforço,&de muita authoridade, que ſendoConiendadorde Nouriſ
& dehua
Portugal, fora eleitoMeſtre em Merida no anno de 1242. Efte Payo Cor са .

rea entre a tomada de Còrdova,& Seuilha, ondeſe ouve valeroſamente,


fendo Comendador,& deſpoisMeſtre de Vcles,reinando ainda em Portu
gale!Rey Dom Sancho Capello, por ferfronteirona Andaluzia, fazia
guerra aosMourosde ſua frontaria,& entrou pela Luſitania, & per força
Mertola, que com
dearmaselle da conquiſta dores,lhes
eraõ ſeuscomenda tomou
de Portugal. Asquaesper Aljuſtrel,&
as villasdemandado del
Rey
CHRONICA
Rey DoniFernando de Caſtella foraó entregues a elRey Dom Sancho
que lhas requeria por pertencerem a ſeu Reino. Os quaes lugares elRey
Dom Sancho,aſlipor ſua devaçao,como por as almas de ſeu pay , & de fua
máy,como elle diziaem ſua doação, deu logo à ordem deSantiago, & por
gratificar ao Meſtre Dom Payo Correa,que era muyto ſervidor ſeu,& as
ganhara
Cobradas alli eſtas duas villas, deſejādo o Meſtre de ganhar os lugares do
Algarve,que confinavão com Portugal,aconſelhouſe com ſeus cavalleiros,
nos quaes achou differentes pareceres, por os inconvenientes que ſe lles
repreſentavaõ,de a terra ſer mui povoada, & os Mouros terem certo o foc
rode Africa per inar, a que o perigo ficava commum .Maso Meſtre a que
Deos inſpirava o bom ſucceſſo ,decerminou ,de proſeguir fua empreza.Ha
Garfia
Roiz
via hum mercador Portuguez bom homem,& abaſtado, per nome Garfia
merca
Rodriguez, que continuava com os Mouros do Algarve com fua recova,
dor per que levava,& trazia . Com eſte homem como experto na terra dos Moir
fuadea ros communicou ,o Meſtre em ſegredo, como ſeus dezejos erao, por for
D.Payo viço de Deos cobrar dos Mouros as terras do Algarve. Para o que então
proſiga a cuidava que avia boa occaſião, por as differenças que avia entre os que as
guerra
contra
ſenhoreauão . Mas que o não commettia por não ſaber as entradas, & os
cami nlios. E que por elle os ſaber, & ſer bom homem & Chriſtão, conf
Mouros
eſte ſegredo delle, & lhepedia ſeu parecer. Garſia Rodriguez que era ho
mem de bons eſpiritos, lhe deu tam bom parecer, & esforço ,que o Meſtre
ſem mais dilaçao determinou de entrar pela terra, & apartou certos corre
dores para que foſſem diante. Eſtes partirao de Aljuſtrel, & paffaraó pela
Torre de Ourique, & andàraõ de noute, por os Mouros os não fentiren,
O primeiro lugar a que chegaraõ,foià Torre de Eſtombar, que por eſtar
deſapercebida, & fem algum receyo de Chriſtãos, lemn muita difficuldade,
perigo a tomáraó ,dondelogo mandarað recado ao Meſtre, o qual com
muyta alegria,& preſteza,com os ſeus que pos em ordem ,partio com ſuas
guias que levava, & chegou à Torre,que era tomada. Dahi ſem muy :a
dilação,tomou o lugar de Alvor,quehe entre Sylves,& Lagos. Deſtes lu
gares ambos depois de ſerem de Chriſtãos,le fazia grande guerra aos Mou
rosde Sylves, & dos outros lugares comarcãos.
Vendoſe os Mouros do Algarve aſli perſeguidos do Meſtre fazendo en
tre ſi conſultas, lhe cometterao partido, que lhe darião o lugar de Cacella
junto de Tavila,por os lugares de Stombar,& Alvor, que lhes tinhatoma
do.O cõſelho ã os Mouros niſto tinhaõ,era que dos lugares que o Mele
lhes tomou,por eſtarem no meyo do Reyno, & perto do Cabo de Sao Vi.
cente onde a terra era mais puvoada, lhes podião fazer, & fazião mais da&
no, do quepodião fazer de Cacella,queeſtava mais no fim da terra ,
junto com Tavila, lugar forte , & de grande povoação, cujos moradores,
& os Mouros vizinhos, podiaõ mais facilmente lançar fora os ChriDeſtão
lic
DELREY D. AFONSO TERCEIRO, 83
Deſte partido approuve aoMeſtre, & logo entregou aos Mouros os luga
res,& cobrou para ſi-Cacella, que era lugar forte, & bom .
Como o Meſtre ſe vio em Cacella,logo ſe fez preſtes, & falio para to
mar Paderne. E poſto que os Mouros atè alli eraõ entre ſi diſcordes & ini
migos,como a amizade era accidental, & a contra os Chriſtãos natural ,a nee
celidade & perigo em q todos eſtavio, & o odio cótra os Chriſtãos osfez
logo amigos,& concordes para defenderem ſuas peſſoas, & terras.Pelo o ſa
bendo osMouros de Faro , & Tavila,& dos outros lugares circūvezinhos,
como o Meſtre era fora de Cacella,para correr, & guerrear ſuas terras, de
fa6 aviſo aos de Loulè ,para todos no dia ſeguinte terem o pallo ao Mcítrez
& pelejarem cõ elle. Os quaes ſobre eſte acordo ſe ajuntàrao ao outro dia,
& forao dormir contra a ſerra a hum lugar,quedizem o Desbarato,
O Meſtre que da conſulta,& junta dos Mouros não ſabia, paſſou ſecte
tamente por Loulè, ſem ſer ſentido. E ſeguindo ſeu direito caminho, ğ vai
fara Tavila, porqueas eſcuitas que mandàra diante, ſentirao os Mouros
naquelle lugar,onde jazião,nam quiz mais abalar, & alli ſe deteve de noi
tu. Ao outro dia como foi manhia, com ſua acoſtumada deſtreza, & fci
encia militar, ordenou ſua gente em batalhas , & guiados de ſua bana
deira , que levavão tendida, nãoandarao muytos paſſos, que naðoua
vellen viſta dos Mouros, que jaziao em hum valle eſcuro . Os Mou
tos vendo a pouca gente dos Chriſtãos, em comparação da muita qué
elles tinhão,forað mui alegres, tendo por certa a victoria . O Meſtre feu
fazer detença, chamando por Sátiago, deu logo sijo nelles,nos quais a
choumuito esforço, & mui perigoſa reſiſtēcia. Pelog entre todos cuve liūa
crua,& bem ferida batalha,em ģ avitoria por grande eſpaço elieve ein ba
lança. Mas em fim ,não podendo osMouros reſiſtir aos Chriſtãos,volvarziu
fie as coſtas,& poſeraðle em fugida,querendo cada hū ſalvar a vida. Arita
batalha forao dos Mouros muitos mortos, & feridos, & os q e capáraö koa
colherao a hú lugar,q chamão o Furadouro, qvai do lugar da peleta, cuma
nho da fonte,q agora chamão do Biſpo.Mas os Chriſtãos pelo trabalo da
peleja,& grande afronta,não ficaraó fem algum davo. E tảin cantados li da
chàrao,q não poderao ſeguir o alcance, & le recolhcrað,
Por aquelle desbarato,& deſtroço,ficàrað os Mouros unui triſtes, eſpecia
alinente os de Tavila,porterem os inimigos taõ à porta,& jà fe arrependi.
25 da troca q ſe fizera. E juntos em hum conſelho determinarao , le luge
dar nos Chriſtãos:porq os tomarião deſcuidados, & deſapercebidos, por a
vitoria do dia de antes . O Mefire no dia meſmo ſeguinte, depois da pele
3a,em que lc eita determinaçani tomou , nao fabeudo do propoíica dos
Mouros,partio do lugar,onde foy a batalina, para Cacella . E vindo pot feu
caminho direito jà tarde ,chegou ao lugar q chiamão o Almargem , jūto do
qual os Mouros eſtàvað preſtes,co determinação de os faltearem . O Mefire
rão trazia jà roda fua gente,queſalvara
P
da peleja, poro algúa deixou no
Dionte
CHRONICA
monte,onde agora he Caſtro Marim, para dahi recolherem algūs ſeus,que
pallavað pela ribeira.Porém em chegando ao lugar do ſalto onde os Mou
jos o eſperavao,foi delles acomettido de ſubito com tantas grittas, & ala
ridos,& tanta força, que poſerao ao Meſtre em grande afronta, & perigo,
por aſli ſer tomado de improviſo, & namter cuidado aquelle cazo . Pela
que a elle, & aos ſeus conveyo per força ſe recolherem a hum monte alto,
G he junto de Tavila, a quepor aquelle caſo, ficou por nome atègora Cai
beça do Meſtre, onde por a fortalezado lugar ſe defenderao dos Mouros
melhor, & os offenderam com mais ventagem . Os Mouros com tudo nam
afroxávao aos Chriſtãos,mas com todas as forças trabalhavao por cobrar o
monte em que ſe falvaram . E com tanto impeto afrontavam ao Meſtre , ý
ſe ſe nam ſobreviera a noite 4 os apartou, elle,& os ſeus eſtavam em mora
tal perigo. Os Mouros apartados do cobate, lançáraó -ſe ao pé do monte,
alongados da viſta dos Chriſtãos,com determinação, de logo ao outro dia
tornarem à peleja Mas não perſeveràrao naquelle propoſito, Porã lançado
conta nas gentes que logo podião vir ao Meſtre,em ſeu ſoccorro , & OPP
rigo q elles corriao,levantaraõſe,& foraõſe com grande triſteza para os lu
gares donde vieraõ, lem o Meſtre os ver,nem ſaber de ſua ida. O qual na
noite paſlada, tinha ja aviſado fua gente, que deixava em Cacella,paraa
o vieſſem logo ſoccorrer, como vierao,com tēçao de dar batalha aosMou
ros,feo eſperaffem .E quando ſoybe,que erão partidos, alègre, & a ſeu fala
vo ſe foi para Cacella.
Vendoſe aſſi os Mouros de Tavila, & dos lugares de ſua comarca tao mal
tratados do Meſtre,ouveraó entre ſi conſelho ,que por quanto eſtavaó jà
junto do mez de lunio,em que avião de recolher ſeus pães, & dahi a pou:
co le chegava o tempo de ſeu Alacir, que he o em que leccao, & aprovei
tão ſuas pallas, & frutas,era bem,ĝ procuraſſem aſſentar trègoas co o Meſtre
até o fim de Setembro,que vinha, no qual tempo terião acabado de reco
lher ſuas novidades, & dahi por diante terião melhor diſpoſiçao para lhe
fazer guerra,& o lançar fora da terra. O Meſtre ſuccedeo ao partido das
trégoas de boa mente allipor aos ſeus dar algum deſcanço ſobre os traba
Thos paſlados, como para neſſe meyo tempo ſe aperceber degentes, 9 para
o fim delejava,lheserão neceffarias.
Sendo ſeguros de húa parte & da outra, os Mouros,& os Chrftãos,como
he natural aos homens,depoisdos trabalhos, inclinaremſe a algúa couſa,
que lhes c'è deleytaçam , Dom Pedro Rodriguez Comendador mor de
Santiago, que vinhanacompanhia do Meſtre, diſſe a outros cavalleiros,
que pois eſtavam em tregoas com os Mouros, foſſem ao lugar das Antas, a
caçar com ſuas aves,que era no termo de Tavila, & diſtava do lugar onde
cliavão tres legoas. O Meſtre como homem em quem avia prudencia
& experiencia, lhes diſſe, que eſcuzaffem em tal tempo ſua ida . Porque
os Mouros naturalmente de ſua condiçam eram ciolos,das mulheres, & das
tortas
DELREY D. AFONSO TERCEIRO . 84
terras, & que com qualquer paixão deſtas ſendo homés fem fe, & fem vere
dade,lhespoderiaó fazer dano.O Comendador lhe replicou , que pois ef
tavaó com os Mouros em tregoa deſejada, & procurada delles,nao avía ra
zam para delles ſe recear.E para ſua ſegurança, iriáo á caça de paz, & de
guerra.Com eſta confiança, o Comendador môr, & cinco cavalleiros da
Ordem com elle,le partirão de Cacella.E levando caminho direito a Ta
villa, paſſarão pela ponte, & entraráo, & ſeguiram pelo meyo da praça del
la,& chegàrão àsAntas húa legoa da villa,junto da ribeira, onde começão
rama caçar, ſem ſuſpeita algumado triſte cazo, que depois lhe aconte
CCO .

Os Mouros de Tavila vendo daquella maneira paſſar aquellesChriſtãos,


tomando que era em gráde ſeu deſprezo ,receberaõ em ſeus coraçoes gran
de dor: porque ſe lhes repreſentáraõ as mortes & males, que delles muitas
vezes avião recebido, & ainquietação em queog poſerão vindoſe metter
entre elles. E diziáo huns aosoutros, que homes que ſofrião tanta afionta,
& deſpejo,quanto aquelles Chriſtãos lhe faziáo,erão mais que mortos, &
não tinhão coração,nem vergonha. Porque afli paſſavão ja aquelles ſeus
inigos por ſua terra, como ſe elles foſſem cativos,& os Chriſtãos ſenhores
da villa. Com eſtas palavras,que huns diziáo,ſe ſeguiotamanha murmura
ção & indignação nos outros,queſe determinârao,em logo ir muy à preſſa
fobre os Comendadores. Os quaes andando à caça , quando virao tantos
Mouros, & a preſſa cõ q os hião demandarainda ý de longe,entenderað o
mào propoſito que levavão,Pelo que deixadas asaves ſe encomendarað a
Deos, & fe fizerað preſtes animandoſehuns a outros, a morrerem honrada
mente. Co iſto mandárão logo recado ao Meſtre,pera q os foccorreffe có
preffa, ſe ſoccorro le podia dar em huin aſialto tam repentino, & partido
deſigoal. E para ſe defenderem , ou ao menos para dilatárein, com muyta
preſteza fizerão hum palanque de paos de figueira velhos em q ſe recolher
rão . Os Mourosforao em hum iſtante com eiles, & com grande esforço, &
valentia le defendião, Eſtando naquella prelli,antes de osMouros chega
rem aos Cavalleiros ,acertou de paffar o mercador Garſia Rodriguez, que
ao Meſtreaconſelhara a vindaao Algarve: o qualhia de Fàro para Tavila
com ſuas mercadorias, & recova coſtumada. E quando attétou pelo deſaf
foflego daquelles Mouros,& tamanho ajuntamento,ſegui-os pata ſaber o
que era.E achando os Coinendadores,& vendo a peleja, & o riſco em que
citavão deixando a fazenda que levava a ſeuscriados, como quem bia a
morrer , fe lançou no palanque,& ajudou aquellesCavalleiros, quanto po
de.Os Comedadores, & omercador fe defenderaõ hum grande cipaço,
slando , & recebendo muitas feridas,atè lhe faltarem as forças, & opalan
quc fer entrado. E pelejando acabàrão todos ſete valeroſamente,de q os
muito corpos dos Mouros dj reacharão mortos derão teſtemunho.
Em quanto durava a peleja dos Comendadores,chegou ſeu recado ao
Pa Meltre
CHRONICA
Meſtre que eſtava em Cacella, que com grande preſa logo partio , cui
dando de os poder ſoccorrer ſeguindo o caminho que elles levarað.E fen
contradiçaó algúa entrou pela praça de Tavila, mas tam occupado no de
feio de fuccorrer aos ſeus Comendadores, q nao lhe lembroui, quando pal
ſavà pela villa,queffa vez & fem perigo a podêra tomar,ſe quižera: Quan
do o Meltre chegou ás Antas, & achou ſeus cavalleiros mortos, anojado ,&
indignado por tað feyo & cruel feito,ouve com os Mouros, ainda achou,
húa muy crua peleja,onde matou grade numéro delles, & aos q fugiaõ,ſvi
no alcance, fazendo nelles grande eſtrago atè a villa:cujas portas os Mor
sus acharaó fechadas,porque agente quenella ficou, quando vio paſſar o
Meſtre ao ſoccorso dos cavalleiros, entendendo qual ſeria fua determina
ção,como fouteſle do cazo,as ceiràrao demaneira, ğ as nað quizeraŭ abrir
aos ſeus, vinhaó fogindo,ſomente lhes abriraó hum poſtigo pequeno &
efculo, eſtà contra a Mouraria,ſobre o qual deu o Meſtre, & os ferio tam
rijoğnão téJo elles acordo,pera ſe defender nein cerrar a porta, entrouo
Meſtre porella de volta com os outros, & ſe apoderou da villa. Meſtre,
& os ſeus,fi eraõ nos Mouros grande deſtruiçaó .Eranaquelle répo ſenhor
de Tavilla hú Mouro, ý chamavao Aben Falula, q ſenao ſabe,ſe morred
nagllas pelejas,ou fe ficou nolugar como outros ficàrað. A morte daglles
cavalleiros,&a tomada da villa foi aos g.dias de lulho do annò de i 242:
Como o Meſtre foi apoderado da villa, & a deixou ſegura , con algúk
gente de armas,tornou às Antas,onde os cavalleiros inortos jazião, & chos
Tando por elles muitas lagrymas,osmandou apartarde entre os corpos dos
Mouros, ellesmatàrao,& osſez levar à villa & na Meſquita della;5 logo
mandou contagrar ein Igreja da invocaçaõ de M.Senhorá, mandou fazer
hú grande muimento de pedra em ğ ſe eſculpirað ſete eſcudos com vitiras
de Santiago , & nelle mandou ſepultar os ſeis cavalleiros & Garſia Rocri
guez.Dos Comendadores etað eſtes os nomes: D. Pero Rodriguez Come
dador mór,Mem do Valle,Duraõ Vàż, Alvaro Garſia, Eſtevão Váz,Beltraó
deCaya,cijos corpos forað depois tidos em muyta veneração, como de ho
mens que inorrerão martyres.
O Meſtre D.Payo como ſe vio ſenhor de Tavilla,queerà aprincipal vil
la &cabeça do Algarve,& que lhe hia ſuccedendo a conquiſta , como elle
deſejava, não quiz perder tempo.Masdeixando naquella villa boa guarda,
foi ſobre Salir, & o tomou , & logo fobre Alvor,& o cobrou outra vez.Da
hi ſe paſſou acercar Paderne,que era hũ caſtello muy forte, q eſtà entre fil
bufeira, & a ferra ,& he lugar deboa comarca. Dahi do cerco em gefta v?,
apartou algua de fua gente, & a mandou ao termo de Sylves,perá lhe to
marem outra vez a Torre de Stóbar; có Alvor foltàra por Cácella,à qua?
logo tomarað .Aben Afan ģera Rey daquella terra,q eſtava entao em Sy?
ves,quando ſoube da tomada de Eſtombar;crendo queeſtava a hio Mel
freyajuntou as mais gentes y pode,& ſahio co propoſito de vis, fobre elle,
&i dar
DELREY D. AFONSO TERCEIRO. 85
& darlhe batalha. Da qual couſa ſendo logo o Meſtre aviſado, levantou o
cerco que tinha ſobre Paderne , & por caminho deſviado ſe veyo lançar
fubre Sylves. Aben Afan indo para Eſtombar,vendo que na terra nao avia
outra gente,ſenaõ a que tomara Eltombar, & o defendia, teceándoſe de ala
gü ardil do Meſtre,tornouſe logo à preſla á cidade de Sylves,ondeo Meſtre
The tinha armada cilada,ſabendo, q de neceſſidade Aben Afati ſe avia de
recolher a ella . Peloque lhe tomou todas as portas da cidade, em cada hūá
das quaes poè gente aſfaz, queas guardaffe. Quando Aben Afan fe quit
recolher, & achou impedimento & reſiſtencia na entrada de cada portaj
cómetteo de entrar por hūa , 4 chamão da Azoya; ý lhé parece mais deſ
pejada q todas as outras.Nella ſe encontrou coin o meſino Meſtre, q tinha
deforà a guarda deila. E em hú campo junto da Villa,em q eſtà a Igreja de
S.Maria dosMartyres,ouverao ambos háa cria peleja,ein go Melire pela
pouca gente a crazia,ſe vio em grande a fronta, & perigo.Porg os Mouros
eraõ muitos,& punhão grandes forças por cobrar a entrada da porta; queo
Meſtre defendia, & procuravão de ſe meter por debaxo da Torre,g chama
vão da Azoya peraſ os Mouros de cima os defendeffem .Masnão o podes
rað fazer,porq os Mouros de dentro,quando virao ſeu Rey à porta,cô tati
to excello de gente ſobre o Meſtre, ſairaõ algus fora ,cuidando de os met
ter & ſalvar por ella, & ao recolherſe foraõ tað apertados dos Chriſtãos, 9
de volta ſe metiaõ pela porta com elles,que tiveraó húa brava peleja, em ģ
de húa parte & outra ouve muitos mortos.E cunca da parte dos Chriſtãos
morrerað tátos em nenhú lugar do Algarve,qo Meſtre tomaſſe,comoalli.
ElRey Aben Afan, vendo que a cidade era jà por aquella parte entrada
and on a cavallo em torno della tentando todos os lugares por onde pode
sia ſair.Quando não achou remedio,lançouſe por hűa porta da traição do
Alcacere,q era ſeu apoſento.E porque o achou impedido,comettco outra
porta ,em 7 poſto que tambem achaſle reſiſtencia , como deſeſperado ferio
das eſporas feu cavallo, &fugio. E paſſando há pègo do jio feafogou nela
le ;onde o achàrao morto.E por aquelle caſo chamáraõ àquelle lugar o pê
go do Aben Afan. Os Moutos q na cidade ficàraő vivos; ſe acolhera ) ao
Alcacere,& poferao ſuas forças em o defender: Mcftre os não quis co
bater, inas lhes mandou ſeguro, q viveſſem na Villa,ſe quizeſſe; & aproveia
taffein ſuas herdades, & lhereconheceffem aquella obediêcia , q conhecião
a ſeus Reys Mouros,& como a elles lhe pagaſſem ſeus tributos.OsMouros
foraő contentes do partido,porq alem de os nað lançarem de ſuas caſas, 8 :
terras, em q nafceraőlhes parecia,q ficavão mais ſeguros fendo ſujeitos aos
Chriſtãos, de 9 pela vizinhaça em õja eſtavão cõelles, ſabião q avião de
ſer inquietados cadadia. E a meſma maneira teve o Meſtre có outros lugaa
res ø tomou,cujos Caféllos naő combatia,pera & as Villas fe naõ deſpo
yoaffem , & as terras fofein melhor aproveitadas.
Não tardou muyto q nefta Cidade fe fundaſie Sé Cathedral a que foy
P3 dada
-
CHRONICA
dada a juriſdiçam eccleſiaſtica daquelle Reyno. A qual Igreja fuccedeo a
a antigaie Ollonata, de gos Cócilios actigos dos tépos dos Godos faze
menção.Era Oſlonoba húa cidade,ondeagora eſtà Eſóbar,a os Mouros
chamavão Exuba ,de que ainda apparecem os veſtigios,& ruinas, que era
cidade Cathedral da provincia doAlgarve. Delle lemos que foy Vicen
tio Biſpo ao Concilio Illiberitano no anno de 335. de Conſtantino Mage
no . E Belito ao Concilio Toledano I),que ſe celebrou debaixo do rei
nado delRey Flavio Ervigio.Anno 674. E Saturnino q mandou ſeu Vin
gario,& procurador ao Concilio primeiro que celebrou na meſina Cida.
de de Toledo elRey Recceſuindo no anno de 655.E Pedro que foi ao
Concilio que ajuntou elRey Flavio Ricaredo no anno 589. Agrippağ no
tépo delRey Flavio Egica mandou ſeu Vigario ao Concilio XV. ſe celc
brou em Toledo no anno de 688. & ao Concilio XVI. no anno de 693.
A Cidade de Sylves(como diſſemos) foi tomada em tempo delRcyD.
Fernando . Mas a Igreja Cathedral, que ſe nella aſſentou, foi em tempo
deRey Don Afonſo X. ſeu filho,quefez primeiro Biſpo della a D. Frey
Roberto,ſegundo conſtava perhuma doação,queo dito Rey Dom Afon
fo fez no anno 1262.a0 Biſpo Dom Garſia, que era o terceiro em ordem ,
em que lhe doava tudo aquillo que dera a Dom Frey Roberto , que fora
o primeiro Biſpo, ſegundo vi pela copia da meſma doação,que com o Ca
talogo dos Bilpos,& outras antigualhas daquella Cidade,me mandou D.
Franciſco Cano meritillino Biſpo della, queDeos temem Gloria, de que
aqui poreio Catalogo.
Dom Frey Roberto,D.Gonçalo,Dom Garſia,D.Frey Bartolameu, Do
Frey Domingos,Dom Joao Soarez,D.Afonſe Eanes, Dom Pedro,D.Frey
Alvaro Pelagio, o que efcreveo de planétu Ecclefia,Dom Vaſco ,D.Ioam II
Dom Martinho,D. Pedro II.DomPayo de Meira, Dom Alvaro Il Dom
Martinho. II. que depois foi Biſpo de Lisboa,o que foi lançado da Torre
da Sé abaixo nas alteraçoens ſobre a ſucceſſao doReyno entre elRey D.
loam I. de Caſtella , & Dom loamn Meſtre de Avis ſendo defenſor de Poi
tugal, Dom Rodrigo, Dom Fernando,Dom Luis,Dom Gonçalo II.Dom
Alvaro.III.quedepois foi Biſpo de Evora,Dom Joam de Mello. III. Dom
Joam IV .de alcunha,Madureira,aliás Camelo,que trocou o Biſpado por
o de Lamego,Dom FernandoCoutinho,quefoi Regedor da caza da Sup
plicação ,Dom Manuel de Souza que foi Arcebiſpo de Braga,Dom Mar
tinho de Portugal,que antes era Arcebiſpo de Funchal, & Primaz das In
dias,& morreo antesde lhe virem as letras do Biſpado de Sylves,Dom 19
am de Mello, que depois foi Arcebiſpo de Evora,Don Ieronymo de O
foujo, Dom Afonſo de Caftelbranco,que agora he Biſpo de Coimbra,Dá
Jeronimo Barretto IJ Dom Franciſco Cano,Dom Fernáo Martijs Mazcă
renhas, que oje governa.
Cobrada a Cidade de Sylves,o Meſtre ſe determinou em tornar acepôr
rco
DEL -REY D. AFONSO TERCEIRO. 86
cerco ſobre Paderne,para o que deixou na cidade gente, que a guardaſſe,
& defendeffe, & a balteceo de mantimentos, & couzas neceſſarias. Poſto o
cerco, porque os Mouros ſe logo não quizeram dar a bom partido,que lhe
mandou commetter,elle os combateo ,& per força tomou a villa & oal.
cacere,ſem querer aceitar nenhum partido,dos que os Mouros l'ie depois
commetiao pedindolhe miſericordia . Mas indignado por a morte de
dous bons cavalleiros de ſua Ordem,que no combate lhe matáraó , man
dou que todos Mouros andaſſem á eſpada. Eſtavilla ſe desfez deſpois de
!
que oje parecem as ruinasde grandes edificios, & dizem que a gente ſe
madára à villa de Albufeira,que º Meſtre de Aviz deſpois tomou , como
adiante ſe dirà .
Tomados eſtes lugares do Reyno do Algarvé, como elRey Dom Fer
nando de Caſtella andava occupado em guerra contra Mouros,de que ga
nhou muitos lugares principaes, como a Cidade de Córdova,o Reyno de
Murcia, a Cidade de Iaem ,Alcalà de Guadaira, Gelues, & depois a Cida
de de Sevilha, & o Meſtre era tam grande,& esforçado Capitão,& de cu
jo esforço, & conſelho ſe muito valeo na conquiſta das ditas Cidades, &
villas,mandou- o para iſſo chamar,no tempo que commetteo aquellas em
prezas: nas quaes todas ſe achou com os cavalleiros de ſua Ordem o qual
deixou os lugares do Algarve com a guarda,& defenſa q compria, com a
ſempre forao ſeguros.
Sendo pois ja cazado elRey Dom Afonſo com a Rainha Dona Beatriz,
& tendo ja dous filhos naſcidos comoſeus dezejos principaes foſſem fazer
guerra aos Mouros,queja não avia na conquiſta de Portugal: & que para
a fazer a outros em Heſpanha não podia fer, ſenão pelo Algarve, deque
ja eſtavão tomados aquelles lugares pelo Meſtre Dom Payo Correa,que a
cima diſſemos, communicou eſte dezejo com ſua molher a Rainha Dona
Beatriz.Porque confiava elRey do grande amor que elRey de Caſtella ſeu
pay The a ella tinha, & de ſua liberalidade,queſeria facil couza, impetrar
delle aquelles lugares, & a conquiſa dos que eſtavam por ganhar. Pelo
que vendo , quanto importava aver aquellasterras, com que alargavam
ſeu Reyno poreſtar tam conjuntas a elle,determinaramſe, em que a Rai
nha as foſſe pedir a ſeu pay. Para o que ella acompanhada de inuicos Pre
Jados , & grandes do Reyno, & com o apparato que a fua peſſoa Realcon
vinba , foi à CortedelReý ſeu pay,que eſtava ein Toledo. ElRey a rece
beo com grande alegria,& feſtas,porſer a couſa que elle mais amava . E co
mo a Rainha vio tempo, & lugar,em nome de ſeu marido , & ſeu, lhe pe
dio,que deſſe a elles, & a ſeus netos,quelhe creſciam aquellas terras do Al
garve,que ja tinha ganhadas,& as mais que eftavaópor conquiſtar.ElRey
Dom Afonſo, a que tudo o que dava , ou lhe pedião parecia pouco , &
que tam affeiçoado era a ſua filha, que detam longe lhe hia a pedir , lho
concedeo ſem nenhuma dilação. Do que logo P
lhe mandou dar ſua carta
A ſellada
CHRONICA .
ſellada de feu ſello. Pela qual fez firme doação a elRey Dom Afonſo feu
genro, & aoInfante Dom Diniz ſeu neto,& a todos os filhos,& filhas que
delles deſcendeſſem para ſempre, do Reyno do Algarve com todo ſeu ſe
nhorio , & com todos os lugares que ja eraõ ganhados, & por ganhar, com
condição que os foros,queelle tinha dadosaos moradores do Algarve,&
a repartiçaõ das terras, queelle, & ſeu pay fizerað ficaſſem como eſtavão,
fem as elRey ſeu genro ,nem ſeusdeſcendentespoderem mudar. E que
as appellaçoens dos feitos foſſem a Corte delle Rey de Caſtella.E que fof
ſe obrigado elle Rey Don Af nfo de Portugal, & ſeus filhos,de o ajuda
rem com cincoenta homens de cavallo ,& elle Rey D. Afonſo de Caſtella
em ſua vida ſomente ,& nåo aos mais Reys,quando lhos requereſſe, contra
quaclquer Reysde Heſpanha . Alem deſta carta mandou fazer outras para
o Meſtre de San & iago Dom Payo Correa , & para os cavalleiros , per que
lhes notificou aquella doação , & mandou que entregaſſe a elRey de Por
tugal as fortalezas. O que o Meſtre fez de muy boa vontade por ſer gran
de ſervidor delRey de Portugal . E porque elRey de Caſtella folgava
muyto com a converſação da Rainha Dona Beatriz ſua filha, lhe não deux
lugar que logo ſe tornaſſe, & a deteve conſigo muitos dias. E mandando
ella as cartas de doaçam a ſeu marido ,ſe intitulou logo Rey de Portugal ,
& do Algarve, & accreſcentou ás quinas de ſeu eſcudo Realos Caſtellos
de ouro em campo vermelho ,por os lugares daquelle Reyno , queeram to
mados dos Mouros, & por os que eſperava tomar com eſpargimento de
ſangue delles.
Tanto queelRey foi ſenhor do Algarve,como a principal razão pora
que o pertendia era cobrar dos Mouros os lugares;que occupavað nelle,
que jaforaó de Chriſtãos;apercebeo a gente com diligencia,& tomou ở
caminho direico atè Fåro, que era do ſenhorio de Miramolim de Marro
cos. Por elle eſtavað ein Faro hum Alcaide que chamavão Aben Barran,
& hum Almoxarife ſeu per nome Aloandro. Eftes tinhão a villaprovida
demuita gente de armas, & mantimentos, & tudo o que para defenſam
della era neceſario. E para darem avizo a ſeu Rey, & mandarlhe pedie
ſoccorro ,& ajuda ,quando lhe compriſfe, tinhaó no Alcacere da villa huma
fuſta, que per hum atco, que era feito no muro a lançavam, quando que
riam ,em que mandavão ſeus recados. Por eſta cauza, & por a villa ſer mui
forte ,os Mouros della eſtavaó esforçados, & com pouco medo dos Chrifo
tãos.E antes que clRey chegaſſe â villa de Selir entre Loulè, & Almodo
var o veyo esperar oMeſtre de Santiago DomPayo Correa, que per co
ſentimento delRey de Caſtella era vaſſallo delRey de Portugal. O Meftre
The bcijou a mão. & fez a reverécia como a feu Rey,& elRey lhe fez mui
ta honra , & gazalhado,com ſinal de grande amor. Dalli com ſuas genees
poſtas em ordem forao cercar a villa de Faro, ſobre a cual puzeram fuas
Stancias, & ordenàraõ ſous combates. O primeiro combate, tomou el
Tier
DEL-REY D, AFONSO TERCEIRO. 87
ſev para li,no Alcacere em hum lanço de muro da villa ante aporta, ģ
agora dizem dos Freyres. O ſegundo combate foi do Meſtre de Santiago
com toda ſua gente, da porta dos Freyres com hum lanço do muro até a
porta da villa, E a hum bom cavalleiro,& rico homem ,que avia nomé Pero
Scaço,deu elRey outro laço de muro até hűa Torre, ý chamarao depois de
loao de Avoim .E a eſte loão deAvoim ,qera homé de grāde qualidade foi
dådo outro lanço deſta Torre de ſeu nome, até o Alcacere,onde'era o con
bate delRey.Com elRey eſtavão muitaspeſſoas principaes do Reyno. Dus
qudes era hú D. Fernão Lopez Prior do Hoſpital de Sað loað;o Meſtre de
Aviz,o Chaceller mòr D.Ioao de Avinhao, Mem Soares,João Soares,Egas
Coelho,& outros.E por eltes lugares,& laços mādou elRey cóbater a villa
E tað aturadamenteo fizerað ĝ de dia , & de noite nunca os combates cer
a.
favao.È peráque os Mouros perdeſlem a eſperança de ſoccorro pormar,
mandou lua frotta de navios groſſos eſtar no rio,& ordenou, que no canal
fe atraveſaſſem outros navios fortes bem armados, & forrados de couro da
banda da ayoa,para que ſe por ventura algúas galés contrárias de Mouros
vielem , & entraſſem no rio ,que ellas com fogo, ou com outros engenhos
I nam fizeſſem dano aos navios dos ChriſtãosiÁlli ficou o lugar cercado por
mar, & por rerra.
Como os Mouros viraó o mar impedido, em quem tinhaő toda ſua eſ
ju perança de ſoccorro,& não podendo jà tolerar o contino trabalho dos có
bareso Alcaide & Almoxarife ſahiraó fora com licença delRey , & The
cometterao partido. Andando neſte trato ſem os do arrayal ſaberem, que
era acabado, elRey foi fallando com os Mouros a tèo Alcacere, onde por
: concerto jà entre elles praticado, foi elRey recolhido no Caltello com os
que elle quiz,que forao ſomente dez cavalleiros. E como elRey no Caf
tello entrou,logo os Mouros ſe faitað fôra comoera acordado, & fe forað
pera a Villa . E pera mais ſegurança, o Alcacere foi logo buſcado & def
Tejado, nað ficando nelle mais que os ditos Alcaide,& Almoxarife.È por
que elRey para comprir com os Mouros ſua verdade,& te fazer o trato cô
mais foſſego, nað deu conta ao Meſtre de Santiago, nem aosoutros caval
leiros do que paſſava.Osquaes achandomenosa ElRey que catdava, fa
bendo que entrará no Alcacere, & nað ſendo certos de ſua vida, anteste
ccando quecontra ſuavõtade o retinhão osMouros,foraő muý aniojados,
& ouve no arrayal grande alvoroço. Peloqué poſpoſto todo o perigo,de
terminarað de combater a Villa. E fem embarĝo da muýta reſiſtencia que
com feitas & pédrasosMouros fazi.ozſe chegarao aos muros, & trouxe
taó muyta lenha & materiaes,pera queimar asportas da Villa,& entrarem
por ellas. E por eſte deſconcerto , de fe ñað fáber , onde elRey eſtava,
morrerað muitos Chriſtáoš neſtes acomettimentos que ſe puderao eſcuſar.
El-Rey como ſoubea cauſa daquelle rumor ; & deſaſſoſſego do arrayal;
com grande preſla ſefobio a húa Torre, & dandoſe a conhecer; alçou
bigo o
? CHRONICA
braço direito, & na mão moſtrou as chaves do alcacere, que ja tinha a ſeu
ſerviço , & mandou ao Meſtre, & aos outros Capitães, que logo ceſlaffem
de ſeus combates,que jà eſtava avindo com os Mouros.O Alcaide ſahio cia
villa,& diſſe aos ſeus, que não fizeſſem mal algum aos Chriſtãos. Com iſto
ficàrað todos quietos.O concerto que elRey com os Mouros fez, foi, que
elles lhe pagaffem todos aquelles foros, & tributos,que pagavao a feuRey
o Miramolim,& que aos Mouros ficaſſem todas ſuas caſas, vinhas, &her
dades,aſi como dantes as tinhão , & que elRey os amparafle, & defendeffe,
allide Mouros,como de quaeſquer outras naçoes e que os que ſe quizeſ.
fem ir para alguns lugares de Mouros, livremente ſe podeſſem ir con to
das fuas couſas. E que os cavalleiros Mouros ficaſſem por ſeus vaſſallos, &
andafjem com elRey, quando lhes compriffe, & quelhe fizeſſe elRey por
iſlomerce. Por eſta maneira ganhou elRey a villade Faro,
1. Tanto que Faro foi tomado, logo dahi a poucos diase Rey & o Meſtre
de Santiago foraó com ſuas gētes cercar a villa de Loulè , & em breve tem
po ainda que com algum dano dos Chriſtãos,a cobraraó .DeLoule ſahioo
Meſtre a correr a terra dosMouroscontra o Cabo de S.Vicente, & teve
aviſo,que muytos Mouros juntos hiáo caminho de Aljezur,a hũa voda,pas
ra que eraõ convidados, & os de Aljezur fahiraó a receber aquellesMous
ros do Cabo.E todos vinham mais de feſta que em penſamento de peleja.
E dando o Meſtre nelles matou & cativou os que quiz. E os que ſe quize
rao ſalvar na villa,a que hião fugindo perſeguidos do Meſtre, nað le lem
bràrao de fechar as portas. Pelo queentrando os Chriſtãos de volta com
elles tomàraõ a villa fem mais partido. A villa de Albufeira tomou neſte
meſino tempo o Meſtre de Aviz D.Lourenço Afonſo, a quem elRey adeu
para ſua Ordem, cuja oje em dia he.
Ć Por eſtes lugares fe acabou de tirar da mão dos Mouros o Reyno do Al
gatve,quechamáo de aquem do mar,na parte que he da Luſitania. Porque
o Reyno dos Algarves ambos daquem & dealem do mar da maneira que
antigamente andavão unidos em hum sô ſenhorio ,era muy grande eſtado,
que da banda de Heſpanba que eſtá fronteira a Africa, começava no Cx
to que agora ſe chama de Sam Vicente, & acabava na cidade de Almeria,
quehe no Reyno de Granada,em que entravao da partecorreſpondente á
Luſitanja, Sagres, Lagos,Alvor,Villa-Nova de Portimão ,Eſtombar,Albu
feira,Faro,Mocarapacho, Tavila,Sylves,Loulè,Aljezur,Alcoutim , Caftro
Marim ,& outros mais. E enrrando pelo Reyno de Caſtella na parteda
Bètica, Ayamonte,Cartaya,S.Miguel,Holva,Palos,Moguer,Figueira, Sam
Lucar,Chipiona,Rota,Porto de S. Maria, Porto Real,Conil,Barbate,Bei
lona, Tarifa,Aljezira, Gibaltar,Etapona,Marbella, Fongirona, Malaga,
Bezmelliana,Vellez Malaga,Almunhecar,Salobrenha, Motril, Caſtel de
Ferro,Bunhol,Berja,Adra,Roquetas,Almería. E nam ſomente eraõ ferhoo
jes os Reys do Algarve de aquem domar deſtes lugares que hião aodalongo
comum
DEL-REY D. AFONSO TERCEIRO. 88
da coſta,mas deoutros, q ao longo deſtes entravam no ſertao,que cſtavão
na planicie. Donde procedeo eſte nome Algarve,que dizem quer dizer ter
ra cháa.O Algarve de alem mar,he aquella terra, que eſtà da outra banda
domar,na parte de Africa, fronteira a Heſpanha, que corre da bocca do
Eſtreito atè Tremecem ,em que entra o Reyno deFez,Septa, Tangere, 5
antigamente chamavao Reyno de Benamarim. E por iſſo ſe charão os Re
ys de Portugal em ſeu ticulo,Reys dos Algarves de áquem, & de alem mar
ein Africa, por as cidades & lugares que em Africa tem .
Deſpois deſta doação que elRey de Caſtella fez a elRey de Portugal
ſeu genro,dos lugares do Algarve,lhe remittio no anno de 1264. algúas
condiçoens das com que lhas deu Das quaes a principal que era, de o aju
dar com cincoenta homés de cavallo,ficou exceptuada. E lhe alargou que
elle poteſſe dar os foraes, que quizeſſe aos moradores do Algarve, & igoa
in lalosnosbens & poſſeſſoens que lhe elRey de Caſtella dera, & que elhey
dePortugal tiveſſe livre alçada nas couſas dosdiros moradores , & a elle
li foſſem as appellaçoens.Mas o foro dos 50.Cavalleiros em a vida ſó do dito
". Rey de Caſtella,foi avido por tað pequeno & deſproporcionado, a tantas
terras, de que ſe pode fazer hum Reyno, que entre outras razoens, porque
civerað osCaſtelhanos por prodigo ſeu Rey,& que governava mal foi ef
fa.Peloque querendoelRey de Caſtella ir à mão a eſtas murmuraçoens, &
calumnias,porque naoprocedeſſem mais avante,cuidando quepor hi com
e. pria com elles, quiz fazer grandes ſeguridades, em couſa que importava
pouco. Para o que mandou o Infante D.Luis ſeu irmão a Portugal co pro
curaçað. Vindo o Infarte,aſentou com elRey, que as fortalezas todas do
Algarve,foſſem entregues a Joao de Avoim,& a Pedreanes de Portel ſeu
filho,fidalgos principaes , & de grande caſa, & vallallos delRey de Portu
gal.Para que por elRey ostiveſſem em fidelidade & homenagem. Os
quaes fizerão juramento, que quando elRey de Portugal nam compriſſe
com a condiçam ,dedar aquelles cincoenta cavalleiros em vida delRey D.
Afonſo de Castella,que elles com ſuas peſſoas, & com as dicas villas,& fuas
fortalezas ſerviſlem a elRey de Caſtella,& compriffem todo, o que elRey
de Portugalera obrigado comprir.
El- Rey D. Afonfo de Portugal com aquelle rigor,& ſequeſtro das villas
& com outras differenças,que entre elle,& ſeu ſogro ouve,lobre a partição
stos termos de ambos os Reynos,vieraó a eſtar deſavindos,dar.dole porem
por mais aggravado elRey de Caſtella. Mas a Rainha D. Beatriz, a quem
elley feu pay tinha muyto reſpeito , & affeiçao,mettendoſe niſſo, fez com
que elle mandou por embasadores a Portugal o Meſtre de Santiago Dom
Payo Correa,Dom Martim Nunez Meſtre da cavallaria do Templo , nos
Reynos de Heſpanha, & D.Afonſo Garlia, Adiantado mòr do Reyno de
Marcia. Os quaes poſeraó entre os Reys tal concordia,com que tornaraó
a ficar a nigos, & tudo foi em favor del Rey de Portugal. Porque lhe tor
naraó
CHRONICA
náraõ a ficar amigos,& tudo foi em favor delRey de Portugal.Porque ltis
tornàrab a entregar as fortalezas, como antes tinha.E que ſomente ficalle
obrigado a comprir a obrigaçaõ dos cincoenta cavalleiros. E tornados os
Embaxadores a Badajoz,onde a corte eſtava,elRey mandou logo fua car
ta,per queo confirmou.
Naó erað pallados muitos dias depois deſta concordia,quandoelley
determinou,demandar o Infante Dom Diniz ſeu primogenito a Caſteira,
a viſitar elRey feu avó,& recebeo de ſua mão à ordem de cavalleria, para
tentar ,fe por eſte meyo, podia impetrar delle o relevamento daquella con
diçaõ das cincoenta lanças, que lhe a elle fendo levepareciamuigrave,
por ſer couſa de ſojeiçam , & vaſſalage. Era o Infante entao de ſeis an
nos inuy gentil homem ,& aviſado para aquella idade. Pelo que inſtruhi
do, doque avia de dizer a ſeu Avò , acompanhado de feu Ayo , que
era hum homem principal do Reyno , & muy prudente , & de muytos
homens nobres,o mandou a Sevilha, onde elRey ſeu avó eſtava com fua
corte. ElRey recebeo ſeu neto com muytas feſtas , & grande ſinal de amor,,
& o armou cavalleiro com muita ſolennidade, & cótentamento da indole,
que nelle via. Porą alem de ſer feu neto,por ſua peſſoa, & por ſer filho da
ſua filba mais amada,o amava mais. Quando o Infante vio tempo ſendo
inſtruido de ſeu ayo,pedio afeu avó,lhe fizeſſe merce a ſeu pay,& a elle,&
aosoutros deſcendentes de lhe quitar aquella obrigaçaõ dos cincoenta ca
valleiros,& de outra qualquer que ao Reyno do Algarve tocaffe. ElRey
eſtava tao contente de ſeu neto, & cra da condiçaõ tam liberal, que logo
lho concedera,ſe lhe nao parecera,que era mais firme fazelo com parecer
dos do ſeu conſelho. Peloque chamando elRey ao outro dia a conſelho
o Infante D.Manoel,& aos Infantes D. Fadrique, & D.Philippe ſeus lí •
mãos, & a D.Nuno Gonçalves de Lara,filho do Conde D. Gonçalo, Dom
Lopo Diaz de Haro, & Dom Eſtevam de Caſtro, & outros ricos ho
mens,& cavalleiros, quena Corte eſtavao,mandou vir ao Infante D.Dinia
& fazendoo aſſentar em ſeu eſtrado entre os Infantes,lhediſſe, que propu.
zelle alli naquelle conſelho, o que lhe a elle pedira em particular. E por
elle fer tað moço,mandou a ſeu Ayo, que fallarſe por elle. O Ayo lhe dil
fe: que o Infante D.Diniz ſeu neto era vindo a ſua Corte, para o ver, por
ſer eíla a couſa que mais deſejava, & parade ſua mão,como do mais nobre
Rey domundo,receber a Ordem da cavalleria,quejà delle recebera.E por
que muitos Infantes & Principes outros, com ameſma honra de de caval
leria ,receberaõ de ſua Altezamuytashonras & merces,eſperava o Infante
por o parenteſco que com elle tinha,a elle fizeſſe mayores, & mais notories
honras, & merces,que a todos. E que a que lhe pedia era, lhe quitaſſe a [ !
Hey ſeu pay ,& a clle, & a quaclquer outros deſcendentes a condiçaõ de o
forvirem por as terras do Algarve,com cincoenta de cavallo, ein vida de S.
Alacza,& quc como com ſeu pay fora liberal na doação das terras, aliin
folleo
DELREY D, AFONSO TERCEIRO. 89
folie naquelle acceſſorio. E g per hi ſe veria o amor, quetinha ao Infante.
E que aquella quita de poucas lanças forçadas, feria cauſa de elRey, & o
Infante o ajudarem com muitas voluntarias,quando lhe compriſſem . Ditas
pelo Ayo eſtas palavras,elRey mandou aos Infantes, & ricos homés do ſeu
Conſelho,que ahi eſtavão,lhe diſſeſfem o que deviafazer. Os Infantes, & os
inais le calárað todos,ſem fallarem palavra algúa . E perguntandoos elRey
outra vez,porquenão reſpondião,ſe moſtrou iràdo contra todos, & muyto
maiscontra D.Nuno, contra os outros.Pelo que D. Nuno diſſe a elRey,a
, elle ſe detivéra em dar ſeu parecer,porq os Infantes ſeus Irmãos eſtavað a
bi,& D. Lopo Diaz de Haro, & D. Eſtevão, mas pois era fervido que elle
...: fallafle, feu parecer era,que ſua Alteza nao concedeſſe tal couſa ao Infante.
Que era muyta razão por o devido ý có elle tinha, & por os merecimentos
delRey ſeu pay, & ſeus, & por vir a ſua Corte,lhe fizeſſe muytas , & grandes
merces.Mas que do que tocava á Coroa do Reyno, & a ſua honra, o nam
podia nem devia fazer. E que o reſpeito publico ſe avia de antepor ao
particular. ElRey como eſtava deſejoſo demandar contente ſeu neto, &
de ſua natureza não ſabia negar o ý lhe pediáo outros mais eſtranhos, fez
mo ſemblante as palavras de D.Nuno de Lara. E jūtamente dizem algúas
historias antigas de Caſtella,qo InfanteD. Diniz, como quem jà naquella
tenra idade começáva ſer util a ſeu Reyno, chorou no meſmo Conſelho,
quando vio q D.Nuno de Lara lhe encontrava,o q elle vinha buſcar. Peloq
movido o Avô das lagrymas do neto,ſe moſtrou mais deſcontente. Os Ins
fantes, & os do Coſelho,quádo virão a tenção de Rey ,& q pouco aprovei
taría contradizerlho, poſto qtodos foſſem do parecer de D.Nuno, aconſe
lharaólhe,que outorgaſſe ao Infante o que lhepedia, pois era ſeu neto, &
vièra a ſua Corte, Andando o Infante com ſeu Avônelte requerimento,foi
com elle a Jaem,donde o mádou a Portugal, armado cavalleiro de ſua mão,
có muitas joyas & dadivas,g lhe deu,& co ſua carta patente ſellada de feu
fello,pela qual levantàva a elRey ſeu pay,& a elle, & a todos ſeus defcen
dentes toda a obrigação,a que pelo Reyno do Algarve eraõ obrigados. E
de Jaem a eſte Reyno o mandou acõpanhado de algus grandes de Caſtel
la. Dos quaes era hum o Meſtre de Santiago D.Payo Correa.
Eſta ida do Infante D.Diniz a Caſtella, & o relevamento q lhe feu avô
lez,contañ os Chroniſtas Caſtelhanos de outra maneira, & fora da verda
hle,porqueaffirmão,queo Infance foi pedir a ſeu Avó o relevamento, &
quitação da obrigação antiga,em que dizem q eſtava o Condado de Portu
pal,quando ſe deu em dote ao Conde D.Henrique, de Tervir cõ trezentas
lanças a elRey de Lião,& de ir a luas Cortes,quando foſſe chamado, & ģ
ilto heo q lhe elRey D.Afonſo ſeu Avò concedeo.O q he erro manifeſto
porque como jà temos dito na vida do Conde D.Henrique, tal obrigaçam
não ouve,nem entre os Reys de Portugal, & Lião ouve memoria dillo ,nem
differença, naõ ſomente no tempo delRey D. Afonſo Henriquez, que foy
Q feito
CHRONICA
feito Rey,& confirmado pelo Papa.Mas nem em tempo do Cõde ſeu pay,
a que o Condado ſe deu em dote,le leo,nem ouvio, elle foſſe às Cortos
delRey de Liao. Mas antes o meſmo Conde D.Henrique lhe tomou a Ci
dade de Aſtorga, & muitas terras outrās q depois pelo tépo os Reys de Por
tugal alargáraó. Nem a promeſſa,que elRey D. Afonſo Henriques dizer
fazer a elkey D.Fernando feu genro,quando por quebrar a peina o pren
dev ,a comprio :por cujo relpeito núqua mais cavalgou em cavallo,atê que
morreo.Peloque ſendo paſſados tátos annos,& tátos Reys, & ſendo o Rey
no de Portugal ja feito mayor,com ter tomado dos Mouros,tudoo q avia
até o mar, não avia neceſſidade de ſe livrarem da obrigaçao,deqelles nu
qua forao devedores. Nem os Reys de Lião em algum tempo lhe tal pe di
são. E que ſómente foſſe a exempçaõ que o Infante Dom Diniz impetru
de feu avó das cinquoenta lanças por o Reyno do Algarve, ſe ve pela
carta propria que elRey de Caſtella ſobre iſſo fez, que eu vi , & lij ,& cita
no Carthorio hical da Torre do Tombo. De que o teor em Portugues, he
eſte meſmo.

Aibaõnquantos eſta carta virem ,como eu Dom Afonfopelagraça de Deos, Ro)


de Castella,de Toledo,de Liao,de Galiza,de Sevilla deCordova,de Murcia, so
de Iač,quito jurafimi re a vôs D. Afonfo pereſſa meſmagraça Rey de Portugal, e do
Algarve a bomenagēnýfactes a miper carta,ou per cartas, & a D. Luis meu irmãoen
meu nome,para fazer a mi cõprir os preitos,& poſturas, & as cõvenças poſtas entremi
& vos ,& D. Diniz , & os outros voſos filhos , & voljos herdeiros,por razão dos cin
' coenta cavalleiros, a mim divia ſer feita em meus dias,por o Algarve. A qualujud ,
& os quaes preitos,pofturas,S homenagēs em qualquer maneira i foné feitas affim per
cartas,comofē cartas,eu quito pera jēprea vos , & a D. Dinis,& aos outrosvollos filiis
& herdeiros, nüqua por iſſo a mim ,nē a outrē por num ,vòs,nem elles,nē outrē pordos
në por ebles Jejaes ynë jejaõ teúdos de nenbita couza,por razão dos castellos,nē ierra da
Alga;ve ý,vos dei. E outorgo, j ſealgúa carta,ou cartas pareceſſe,ou pareceßlē Jobie :
homenagē,ou humenagés,ou ſobre preitos,ou posturas ,ou cõvenças,cu fibre oJerviço.sk
ajuda,g,a mim derej]e ſer feito,ou feitapor caſtellos,oupor a terra do Algarve sa dá
qui emdimte nüqua valla, & ſejaā caſſadas, & nüqua ajaõ firmidãoalgia. E rent in
& quito todo direito,& toda demāda,g eu averia,ou aver poderia,por eſſa carta,ol der
eſſas cartas côtravos ou contra D. Dmiz, ou cõtra os outrosvoſſosfillios,ou vollos hiva
deiros,ou cõtra os cavalleiros,ĝ tiveraõ,ou tiveſſem os caſtellos do Algarve,em tal12:
neira,g, nüqua a mimeſſa carta ou cartasposja,nê poſao prestar,nem a outrem por n..?
ně a vós,nē a D. Diniz ,nem a voſſos filhos,nēa voſsos herdeiros,nē aosfobreditos cat :
leiros õpeça. E em teſtemuño daſobredita couſa dou a vòs fobredito Ro de Portugil,
do Algarve ejta minha carta aberta,ſellada de meufello de chumbo,que tenhaes em tė
ſtemunko. Feita a carta em Iaem pernoßomandado.Sabbado ſetedias andados do mun
de Mayo.Era de Cejar de 1305.annos. E eu Milham Terez a fiz firever.
0
DELREY D. AFONSO TERCEIRO 90
O que moveo aos Chroniſtas de Caſtella a crerem , que a quita da obri
gaçað era dos trezentos de cavallo ,que ao Conde D. Henrique ſe impo
feraó,foi verem que elRey D. Afonſo,de que tratamos,mandou a elRcy de
Caſtella ſeu ſogro,no tempo em que andava em differenças com o Infante
D.Sácho ſeu filho,ajuda de trezentos homés de cavallo. A qual ajuda que
folle mandada por amizade, & nao por obrigaçao,eſtá claro, por a razam
dos tempos.Porque a quitaçao, & revelamento do foro ,que elRey de Caf
tella fez aſeu neto D.Diniz,foi no anno.de 1267.como ſe da carta vio, no
qual tempo elRey D.Afonſo de Caſtella eſtava em ſua proſperidade. Por
que no anno de 1275.hia elle com grande apparato caminho de Alema
şi nha,tomar poſſe do Imperio. E ſe tornou do caminho aſli por ſer outro ele
) ; ão,como por a morte do Infante D.Fernādo ſeu primogenito. E o ſoccor
lo que elRey de Portugal lhe mandou dos trezentos de cavallo,foi dahi a
muitos annos quando o Infante D.Sancho ja era levantado com o Reyno,
& elle Rey Dom Afonſo eſtava em ſūma afliçao,arrincoada em Sevilha,q
fô lhe deixáraõ para ſe retrair, & deſpojado do governo do Reyno,por a ſé
tença,que contra elle deu o Infante D.Manuel ſeu irmão,& outros gran
des,que os procuradores dos povos approvårao.Da qual ſentença hůdos
fundamentos foi,que elRey era prodigo, & diffipava a fazenda do Reyno,
& da Coroa, como fora dar cincoenta quintaesde prata, para o reſgate do
Emperador de Coſtatinopla, & fazer doaçaõ a elRey de Portugal doRey
no do Algarve,& deſpoisquitarlhe o foro das lanças,com q era obrigado
ajudalo por reconheciméto do meſino Reyno,Peloq,vēdoſe o infeliceRey
falto de amigos,vaſſallos,ſe ſoccorreo a elRey de Portugal (cugéro.O qual
por as muitas obrigaçoes em que lhe era,de parete,& genrolhe mádou a
quelles trezentos de cavallo,para o ajudarem cötra o Infante D. Sancho:
como tambem o veyo ajudar,paſſando o mar Aben Juçaph (eu amigoRey
de Marrocos,aquem o meſmo Rey D. Afonſo mādou em hűa Gallétinca de
negro, & co as vellas negras por otriſte eſtado em q eſtava,pedirlhe foccor
19. O qual foccorro delRey de Portugal foi nos derradeiros dias do meſ
mo Rey.Porque depois de elle morto pedio elRey de Caſtella ſoccorro a
feu neto el Rey D.Diniz no principio defeu reinado, que lhe não deu, por
favorecer ao tio D.Sancho Do que ſe elkey ſeu avô muito queixacm leu
teftaméto ,não como divida de vallallo,ſenão como de neto, ſera ſeui, & q
delle feu avô recebera beneficios,porque fora avido por prodigo, & indi
gno de reinar.E ainda q a dita quitação não fora,não era para crer, que a
vaflallagem , o Conde D.Henrique,& os ſeus ſucceffores não reconhe
ceraõ aos Reys de Lião,ſendo proſperos, & grandes,& ý ſe chamavão Em
peradores,reconheceſſe elRey D. Afonſo ao ſogro eſtando privado do Rci
no,pobre,& desfavorecido,& de Reynão tinha ja mais que o nome.Nem
menos era de crer, que quem nãoſofria a obrigaçao de ajudar com cin
quoenca lanças em vida de hum ſó Rey, & velhopor o Regno do Algarve
doada
L.
Q_2
CHRONICA
doado com eſſa condiçaõ ſofreſſe foro ,ou feudo de trezentos cavalleiros
no Reyno de Portugal, que herdou de ſeus avós,livre & exempto de to
da a obrigaçað.
Vindo elRey D. Afonſo aos derradeirosannos de ſua vida, foi muyen
ferino, & vendule ja muy canſado,para authorizar mais a peſſoa de ſeu fi
lho D. Diniz, lhe deugrande caſaantes que falleceſſe nove meſes,ſendo o
İnfante de i6.annos . E quando veyo aos 20. de Março do anno de 1373,
feito ſeu teſtamento, & recebidos os Sacramentos como Catholico Prin.
cipe,falleceo em Lisboa, & foi ſepultado no Moſteiro de S. Domingos,
que elle de novo fundou.E deſpois dahi a dez annos foi ſeu corpo trasla
dado ao Moſteiro de Alcobaça,onde tambem jaz a Rainha Dona Beatriz
fua mulher
Foi elRey D. Afonſo homem de tam grande eſtatura, que aos que llo
neſtes tépos viraoo corpo,mádando elRey D.Sebaſtião abrirlhe a ſepul
tura,fez espăto. Eſte grande corpo acompanhava muito esforço do animo,
de quedeu teſtemunho a muita reputação em que era tido em França,
& a Bulla da Cruzada,que lhe o Papa concedeo para a conquiſta da Terra
Sancta a que elle comoGeneral determinava paſſar coin muytas gentes de
Fraça, & de outras Provincias,ſenão fora a eleição que o Papa depoisdel
le fez,para virgovernår os Reynos de ſeu irmão, que ſe perdiaó.Foi de ſua
condição mui liberal,como ſe oje ve no Tombo do Reyno per muitas car
tas de doaçoens,que fez de villas & caſtellos,& heranças da Coroa Real.
Governou ſeus Reynos com muita prudencia. E ſobre tudo foi mvi Catho
lico , & religioſo ,& em que avia muitas couſas que louvar,ſe não fora
a ingratidão,que com ſua mulher a Condeſſa ufou. Nos derradei
ros annos de ſua vida foi doënte de gotta.E parà mitigaf as
dores de ſua infirmidade,dizem , que andava arrimado
ao bordaó de Sain Frey Gil,Religioſo da Or
dem de Sam Domingos,que foi na
quelle tempo,a q elRey era muy
affeiçoado, & muito feu de
voto por ſua fanéta
vida, & grade eru
dição.
F IM .

' CHRO
gi
CHRONICA
DEL - R E Y DOM DINI Z.

E dos Reys de Portugal o VI.

Reformada pelo Licenciado DV ARTE NVNES DO LIAM ,


Deſembargador da Caſada Supplicação.

O tempo que elRey D. Afonſo IIJ.falleceo, era o Infante


D.Diniz ſeu filho primogenito de XVII.annos. Pelo que
А tanto que foi jurado, & levantado por Rey , tomou logo o
governo dos Reynos abſolutamente, como homein de les
gitimaidade, 4 pelo coſtume de Heſpanha para iſſo tinha.
Mas a Rainha D.Beatriz ſua máy, que era mulher muy ba
ftante & prudente, oli porý por ſua induſtria; & contemplação , ſe acreſce
tárað ao Reyno de Portugal , os lugares do Reynodo Algarve, & os de
alea de Guadiana , de que na vida delRey Dom Afonſo ſe fez mençam,
ou por elRey ſeu filho ſer muy liberal, & de idade, em que os homens
ſað vehementes, a qualquer parteque ſe inclinao, quiżera ellagovernar
com elle juntamente riaquelles principios de feu Reynado. E como os
Reys,naturalmente ſağ impacientes de parçaria na juriſdiçao & mando,
o nao confentia . Do que entre elles ſuccedeo grande delavença , pela
qual a Rainha ſe foi a Caſtella ,coin pretexto de hir viſitar ſeu pay, com o
qual eſteve atë ſeu fallecimento, & ao fazer de ſeu teſtamento ,como ſe vè
delle,que foi húa das teſtemunhas,que o affinarað.Sendo pois elRey Dom
Afonſo deſcontente,por a diſcordia que avia entre ſua filha, & neto, que
rendo acordalos, ſe veyo á cidade de Badajoz,lugar do eſtremo de Caſtella,
& dahi mandou pedir a elRey D.Diniz ſeu neto,quizeffe ir tambem a El
vas,lugar do eſtremo de Portugal,que diſta tres legoas de Badajoz . Vindo
dkey D.Diniz, elRey de Caſtella feu Avô lhe mandou a Elvas os Infan
tes D.Sancho,D .Pedro,& D. Jaymes ſeus filhos, & o Infante D. Manoel
feu irmão,pedindolhe por elles, ſe quizeſſe ver com elle em Badajoz. El
Rey D. Diniz deteve ſeus tios conſigo tres dias, & deſpedindoos lhe diſſe,
que logo ſe hia a poz elles. E eſtando elRey D. Afonſo muy alvoroçado,
eſperando pelo neto, elle o nao quiz irver,receando quecom rogos o qui
zellemecer em poder, & arbitrio de ſua mãy. E dahi ſe foi logo a Lisboa,
parecendolhe quemenos aggravo fazia a feu avô, em não ir verſe có elle,
que em negarlhe o q lhe pediſſe, tendo delle recebidos tantos beneficios,
com a exempçao do Reyno do Algarve. Pelo que elRey Dom Afonſo
Q3 decon
CHRONIC A.
deſcontente, & muy ſentido de ſeu neto,ſe tornou para Sevilha: 1 .
ANNO Vindo o anno de 1281 ,& ſendo elRey D. Diniz de idade de 20 annos,
1 28 1. lhe pediraõ ſeus povos,quizeſſe tomarmulher.Pelo que tendo elle grades
informaçoens daInfante DonaIſabel filha delRey D.Pedro III de Aragio
Caſamé & da Rainha Dona Coſtança, filha delRey Manfredo de Napoles & Sici
to del lia ,a mandou pedir a ſeu pai por ſeus embaxadores que forao Ioao Velho,
Rey D. VaſcoPirez, & loaoMartinz fidalgos de ſeu conſelho. Do qual requeri
a Rai- mento ſendo elRey de Aragao muy contente,como quem grandemente o
nha Sãta deſejava, Ioao Velho, que como principal peſſoa para iſſo levava eſpecial
Ilabel. poder,recebeo a Infante em nome de ReyD.Diniz.A qual àquelle tempo
era de onze annos, & de eſtremada fermoſura, & ornada de grandes virtu
des,porque veyo ſer Santa,& venerada como tal. ElRey ſeu pay a trouxe
are o eſtremo deCaſtella,& Aragao,& deſpedindoſe della com muytasla
grimas & faudade,afli por ſua bondade & manſidaő, como por ſer taó mo
ça , & que elle muyto amava, a entregou ao Biſpo de Valença, & a outros
grandes do Reyno de Aragão ý a trouxeraõ a Portugal. Quando a Rainha
por Caſtella entrou, o Infante D. Sancho,que era feu primo co irmão por
ſer filho da Rainha D.Violante irmáa delRey D.Pedro ,a veyo ao caminho
receber, & mandou fazer a ella & a luas gentes grandes gazalhados. E por
elle ſeroccupado nas guerras ein que andava, a quelhe era neceſſario fer
preſente,mandou có ella o Infante D. Jaymes ſeu Irmão, 4 a acópanhou
atè Bragança,onde foi a entrega. Em Bragança eſtava o Infante D.Afonſo
irmão delRey D. Diniz,& o Conde D. Gonçalo ſeu cunhado,cazado com
Dona Lianor ſua irmáa baſtarda, & muytos ricos homens,& Prelados, que
trouxeraó a Rainha a Tracoſo ,onde eRey D. Diniz a eſtava eſperando,&
a recebeo, & fe fizerao as vodas com grandes feſtas, & apparato.
Da Rainha Dona Iſabel ſua mulher ouve elRey D. Diniz a Infante D.
Fil hos Conſtança,quefoi Rainha de Caſtella,mulher delRey D. Fernando o IV.
delRey que morreo emprazado,& o InfanteD. Afonſo que Íhe ſuccedeo no Rey
D.Diniz no.Fora do matrimonio ouve ſeis filhos de diverſas máys .f. de húa Aldó
legiti
mos. ça Rodriguez ouve Afonſo Sanchez,que ſe chamou deAlbuquerque,mòr
domo môr delRey ſeu pay, & a quemelle muyto quiz . Do que naſceoa
diſcordia & deſobediencia do Infante D.Afonſo contra ſeu pay.Eſte Afo
ſo Sanchez foi cazado com Dona Tareja Martinz, ou ſegundo outros, de
Meneſes, filha de D.Ioað Afonſo de Albuquerque, & de Dona Tareja Sá
chez, filha baſtarda delRey Dom Sancho o IV.de Caſtella, de quem naſ.
ceo Dom Joao Afonſo ſenhor de Albuquerque,Alferez delRey D. Afon
ſo XI. de Caſtella,o qual foi grande ſenhor.Porque alem de ſeu eſtado de
Albuquerque,Medelhim ,& outras villas, foi ſenhor de Meneſes, Monta
legre,Villalva, & outros lugares, que ouve em dote com Dona Iſabel de
Meneles ſua mulher,que foi filha de Dom Tello neto do Infante D.Afon
ſo de Molina, & de D.Maria filha do Infante Dom Afonſo irmão delRey
Dom
DELREY D. AFONSO TERCEIRO
92
Dom Diniz. Efte he o Dom Joam Afonſo de Albuquerque que chamañ
do Ataúde . Porque por elRey Dom Pedro de Caſtella nao querer fazer
vida com a Rainha Dona Branca de Borbon ſua legitima mulher, alguns
grandes de Caſtella,de que foi hum Dom loam Afonſo,lhe faziao guerra.
O qual como vieſle a ponto de morte de peçonha ,que lhe elRey Dom
Pedro mandou dar,por elle ſer a principal cabeça daquella conjuragam ,
mandou aos cavalleiros, que o ſeguiam naquella empreza ,o não enterraf
fem até a acabar, & o trouxeſſem conſigo em hum ataúde,& aſli o trouxe
raó muitos dias, De Dom loam Afonſo naſceo Dom Martim Gil Senhor
de Albuquerque, & de Meneſes, Adiantado mòr de Murcia , a que tam
bem elRey Dom Pedro mandou matar com peçonha, & por morrer ſem
filhos ,ficàrao ſuas terras à coroa .
De huma Dona Garlia ,de que oje ha memoria,& herdades, & huma ri.
beira de ſeunome entre Lisboa, & Sintra,ouve Dom Pedro ,que foi Con
de de Barcellos, & cazado com Dona Branca filha de Pedro Annes de Por
: rel,filho de Dom Ioam de Avoim , & de Dona Coſtança Mendez, filha de
Dom Mem Garſia de Souza. E ſegunda vez,com Dona Maria Ximenez
: Cornel,Aragoela, irmáa de Dom Ximeno Cornel, filhade hum Senhor
de Alfajarim . Eſte foi Conde de Barcellos, & esforçado cavalleiro. O
qual por ſer affeiçoado às letras & curiozo,eſcreveo da genealogia dos no
bres de Portugal,que por ſer fà o que ſe acha daquella materia ,hemui els
timada ſua eſcritura.
Houve tambem de outra máy Dom Joam Afonſo,& de outras D. Fer
não Sanches.Dona Maria que cazou com D. Ioam de Lacerda, & outra D.
Maria, que foi freira no Moſteiro de Odivellas. Algus dizem que teve el
Pey D.Diniz outrofilho baſtardo pernometambem D.Pedro.E que eſte
que não foi Conde,he oq cazou coin D.Branca filha do Senhor de Portel.
Masoq achei per hũa lembrança antiga,& parece mais veriſimil, he, ý ſó
foilum Dom Pedro cazado duas vezes,humacmn Portugal , & outra em
Aragam.
Foi elRey D.Diniz ſendo mancebo mui dado a molheres. E ſegundo
parece não converſou poucas. Porque todos ſeus filhos baſtardos forao de
diverſas mäys ,não reſpeitado o muito que devia as virtudes, & grande fer
moſura da fancta Rainha ſua molher. A qual por fua grade honeſtidade, &
manGdão,não moſtrava das ſolturas, & apartamétos delRey,receber aquel.
la pena de ciùmes, & eſcandalo, he natural a todas asmolheres.Mas o que
era mais duro de fazer, & de crer,ella de ſua caza mandava veſtir as 'amas,
ģcriavão os filhos baſtardos delRey,& os mandava enſinar, & procurava
merces para os ayos, os doutrinavão. E o deſgoſto q ſó ella ſentia,era ver
q el Reypeccava mortalméte. Peloſ envergonhadoelRey deſta grāde vir
tude,&paciencia heroica,ſe veyo apartar do caminho,que levava, & com
grande leveridade eſtranhar aquelle vicio,em q elle eſtivera engolfado.
Q4 No
CHRONICA
ANNO No anno de 1283.a 26 deDezembro ſendo elRey D.Diniz de idade
1 28 3 . de 22.annos per conſelho de alguns homens prudentes, que o amavam ,
fez huma geral revogaçao de todas as doaçoens,quitas, & promeſſas, que
EIRcy fizera desde que começou a reinar até entam , dizendo que ſendo elle mo
D.Diniz ço per conſelho , & induzimento de muitos,de que ouvera de receber avia
revogaas 10,& deſengano, foi enganado, & lhes dera,& promettera, o que não de
todas
doaçoés via. Peloquemandava, quetudo o que paſſara,foſſe nullo, & de nenhum
& pro effeito, & tudo o que ja dera, lhe folle reſtituido. A qual revogaçao não
meſlas, ģ fizera,ſe as razoens dosdo ſeu conſelho o não obrigáraó . Porque ſe en
fez tédo contrava ſua liberalidade, & conſtancia . O que todos os Principes , que
moço forçados, enganados, ou mal informados, derao o que não devião , nu
fer Rey. aquem não devia),ouveraõde imitarnasmerces,ou promeſſas, que fizeran,
& aproveitarſe do dito de Ageſlao Rey dos Lacedemonios , que aper
tando hum comelle, que lhe compriſſe huma promeſſa, que lhe fizera,ref
pondeo, que o que ſe promettia injuſtamente, juſtamente ſe negava .
Havendo ſeis annos que elRey Dom Diniz reinava, veyo a ter grandes
Difeor. differanças, & defavença, com o Infante Dom Afonfo ſeu irmão. E a ra
dia del. zão da diſcordia era não querer conſentir elkey, que elle podeſſe nomear
Rey Do nas villas de Portalegre,Marvão,Caſtello da Vide, Arronches, & outras
Liniz có
1euire
terras, que lhe ſeu pay dera a ſuas filhas que tinha cazadas em Caftella:por
mão Dó ſeu filho ſer defunto ſem geraçao. Porque o Infante Dom Afonſo foi ca
Afonſo . zado em vida de ſeu pay,com a Infante Dona Violante filha do Infante
Dom Manuel, filho delReyDom Fernando o III.de Caltella, & de Do
naCoſtança filha de Dom Iaimes o I. Rey de Aragao,de que ouve hum
filho que chamou Dom Afonſo, que foi ſenhor de Leiria ; & falleceo
Calamé.
to , & de ſem filhos, & Dona Iſabel,que cazou com o Infante Dom Joam o Torto
cendécia Senhor de Vizcaya,filho do Infante Dom Joam, que ſe chamou Rey de
do Intă. Liao, que morreo na Veiga de Granada,& de Dona Maria ſua molher fi
te Dom lha do Conde Dom Lopo Senhor de Vizcaía.E ouve Dona Coſtança que
Afonlo .
cazou com Nuno Gonçalves de Lara,quechamáraó oBom .Item ouve
Dona Maria, que cazou com Dom Tello neto do Infante Dom Afon
ſo de Molina, de que naſceo Dona Izabel, que como eſtà dito cazou com
Dom Joao Afonſo de Albuquerque o do ataúde,de que acima ſe fez mě
çao,o qual ſendo ja grande fenhor, herdou com a dita ſua mulher as villas
de Tedra,Montalegre,Sam Romao. Peloque por os genios ſerem homens
tam poderoſos,& do Reyno de Caſtella,os não queria elRey habilitar, pa
sa ſuccederem nas villas, & ca ſtellos de Portugal. Nem a ſanda Rainha
Dona Iſabel lua molher tal conſentia. Mas ella, & o Infante Dom Afon
ſo ſeu filho, & herdeiro, fizerað muitas proteſtaçoens publicas para tal ha
bilitaçao ſe não fazer. Porque alem da diminuiçao do patrimonio Real,
avia ſe receo do Infante, que publicamente dizia,que o Reyno de Por
tugal lhe pertencia a elle por naſcer depois da morte daCondeſla Mathile
de de
REDES DELR D. AFON TERC . 93
EY SO EIRO
bento,mas de de Bolonha primeira mulher delRey ſeu pay,& que Dom Diniz naf
nica,& ceo , ſendo ella viva; peloque era adulterino, & incapaz para a ſuccef
endogui, faó do R eyno. E iſto le podia temer mais,& tendo ſeus genros aquelles
aumada caſtellos do eſtremo dos Reynos.Pelaqual rażao,o Infante por lhe elRey
Mertensnão conceder ſeu requerimento, lhe não obedecia. Mas antes com ofavor
Penal,é de ſeus gentos, & com ſuas gentes de Caſtella fazia muito dano em Portu
a gure gal. O meſmo fazião em Caſtella contra elRey Dom Sancho ; por elle
traé !matar em Alfaro o Code D.Lopo Senhor de Vizcaya, &D.Diogo Lopez
osorti de Cápós,& prēder aoInfante D.Joao ſeu irmao, cujo filho eraD.João o
que Dios Torto géro deſte Ínfáte D. Aforo Pela qual razao ouve grădes guerras em
lonel Caſtella. Mas depois no anno de 1 297. ſegúdo viper huma carta na Torre
MOD do Tombo, & elRey Dom Diniz legitimou os filhos, & filhas do Infante
d, quod
Dom Afonſo ſeu irmão,& de Dona Violante,& diſpenſou com elles,para Doaçao
lentel aver as honras;& herança de ſeu pay,ſem declarar a razao , porque erað il- delRey
grande
2, 12:04 legitimos . Do que ſe colligie que não era para ſupplir algum defeito D. Diniz
feu deſuanaſcença,pois eraõ filhas de tal máy,& cazadascom tam grandes ſe- afeu fo .
el'eçok nhores, & de tam alto ſangue.Mas que a inhabilidade ſeria,por ſerem mo- brinho fi
irond's radores em outro Reyno,& vaſſallos deoutro Rey. E alli ſe ve no meſmo lho do
lugar outra carta feita no anno de 1315 tempo em que o Infante D.A: Infante
fonſo parece ja era fallecido, per que
elReyD.Diniz fez doaçao a D.Iza- foD.Afons
.
Doma bel ſua ſobrinha filha do dito Infante,das villas de Penella;&Miranda do
e flu
ге
Biſpado deCoimbra, & de Alvito, Villanova,Vidigueyra,Malcabrao,Vila
altel , lalva,Villarviva,Sam Cocovado, Agoa dos Pexes,Bonalbergue no Biſpa
di qe do de Evora,com os padroados dasIgrejas dellas. E per outra carta lhe fez
Leita
merce no ineſmo anno da villa de Sintra em ſua vidacom todos ſeus pa
om droados.
cha
Vendo pois elRey de Caftella os deſaffoflegos, que ſe aparelhavão.En
ta 'tre elle,& os de ſeu Reyno coin elRey de Portugal. E aquelles grandes,
Bonak eraõ genros do InfanteDom Afonſo,determinou de fe liar com elRey de toContra
dos
Sem Portugal com novo parenteſco. Peloquéordenou verſe com elle , & nas Reys
je u viſtas tratàrað cazamento de ſeus filhos,ainda que foſſem moçospequenos Diniz;D.&
dib.f. que o Infante D. Afonſo filho herdeiro del Rey Dom Dinis cażaſſe com D.San
ali Dona Beatriz filha delRey Dom Sancho :& que o Infante Dom Fernan- cho ſobre
u dofilhoherdeito
En delRey Dom Diniz de.Rey Dom Sancho,cazalle
E promettendo com Dona
de effectuarem Coſtança filha
eſtescażamientos caſamen
,co . tosde ſe.
us filhos,
Rey mo fetis filhos
riros
tiveffem idade ſe tornarão ambios a ſeus Reynos. Mas com
diencias
Zal mo os ge do Infante Dom Afonfo fazião muitas deſobe a ela .
Forte Rey de Caſtell aſeacolhiaố aoscaſtellos de ſeu ſogro em Portugal, elRey
bli de Caſtella le mandouqueixar aelReyde Portugal,pedindolhe que aco
bedelle licençaparaentrarem
Diniz mandou 20 Infante Dom Portugal,afatisfaze
Afonſo ,tal não fizeſle EiRey le:
, nem . conſenti
rfedelles
Cố que
CHRONICA .
ao que elle não obedecia.Mas dava a entender a elRey, quelhe não devia
ſubjeiçao.Peloque elRey ajuntou gente no anno de1290.& poz cerco ao
Infante em Portalegre,& mandou cercar Arronches, & Marvão. Porque
Caſtello
da Vide
Caſtello da Vide naquelle tempo era lugar chao,& termo de Marvao. Du
termo de rādo eſte cercoſe fez dano de húa parte,& da outra. Mas por parte da Ra
Marvaó, inha,cuja condiçað era entre muitas heroicas virtudes procurar paz, & a
mizade,& arredar eſcandalos, & odios,aindaque de ſua fazendaThe cuſtala
ſe muito ,veyo o Infante Dom Afonſo a entregar as villas de Marvão , &
Portalegre co ſeus caſtellos a Aires Cabral, que as teve ein fidelidade, atè
que no anno de 1300.deu elRey por ellas ao Infante as villas de Sintra,
& Ourem,com outros lugares chãos,na comarca de Lisboa.O que parece
foi por o arredarda arraya do Reyno,em que lhe podia fazer dano,& ao
Infante ficarao Caſtello da Vide,& Alegrete.
Entre tanto elRey Dom Sancho eſquecido da amizade, & parenteſco,
que com elReyDom Diniz tinha,queera ſeu tio irmão de ſuamáy,& priti
mo com irmão da Rainha Dona Izabel,& da convença ,& liança, que
nha feita com elle per cazamento dos filhos,ufoụ có elle como uſára com
ſeu proprio pay ,aqué perſeguio, &deſpojou do feu.Porque ao tempo que
contratou oscazamentos de ſeus filhos,ficou aſſentado, que elRey Dom
Sancho poſelle em fidelidade de Portugueſes,comologo entam poz,Bada
joz,Moura,Serpa,Carceres,Trugilho,Alhariz,Aguiar de Neiva, com tal
condiçaõ que ſe elRey Dom Sancho,& a Rainha Dona Maria ſua mulher,
ou os que o Infante Dom Fernando tiveſſem em poder, não compriſiem,
ou eſtorvaffem aquelles cazamentos,ou o meſmo Infante Dom Fernando
não quizeſſe cazar com a Infanta Dona Coſtança,ou lhe não deſſem cerca
quantia de maravedijs de ouro,& a quelles caſtellos ficaſſem proprios del
Rey de Portugal, & os Portugueſes lhos entregaſſem . E pela meſma ma
neira,poz elliey Dom Diniz oscaſtellos da cidade da Guarda, & da villa
de Pinhel,paraquenão entregando elle a Infanta DonaCoſtāça ao tem
po limitado,os perdeſſe para elRey de Caſtella, & a elle foſſem entregues.
ElRey de Caſtella contra o que tinha aſſentado, & a fé que tinha dada,
arrependido do cazamento, ſem cauza alguma,rompeo a amizade com el
Rey Dom Diniz, & veyo ſobre as villas, que puſera em mão,& fidelidade
dos fidalgos Portugueſes,& as tomou com morte de alguns delles. O que
elRey Dom Dinizmuitofentio,Porque alem do agravo naſcer de peſſoa
tam conjunta como era ſeu tio,perque ficava mayor , como elle excedia
a todos os Princepes de ſeu tempo em tratar verdade,de que muito ſe pre
zou , & não caberem ſeu animo baixeza, ſentio ( como he natural fazcrein
lhe; o quc elle não faria.E accreſcentando elRey Dom Sancho hum erro
a outro mandou Embaixadores,a Felipe o Bello Rey de França,pedindo
The huma filha para o Infante Dom Fernando ſeu filho.O que lhe elRey
San
Felipe outorgou. E com eſta liança,& novo parentesco,elRey D. cho
DELREY D. DINIZ 94
cho desfez a paz com elRey Dom Diniz,fazendolhe faber do cazamen
to, que tinha concertado em França.E logo mandou huma grande frotta
de naos,& galès contra o Reyno do Algarve ,que permar, & per terra, fi
fic
zeraõ muito dano affim nos Chriſtãos,como nos Mouros forros, que na
quelle Reyno avia,de que levarao grande numero de captivos, por cujo
reſgate,ouveraõ muyto dinheiro. E pela parte do Reyno de Liao entra
rao em Portugal muytos Caſtelhanos,que fizera 7 outro tanto,matando ,&
roubando tudo o que podiao .
ElRey Dom Diniz,muy peſaroſo ,com o rompimento da paz, & ami
zade com ſeu tio,& por nao virem a outro mayor,em dano dos Reynos de
ambos, lhe mandou por Embaxadores,o Biſpo de Lisboa,& Joam Simão
Meirinho mòr requerendolhea entrega dos lugares quecontra direito lhe
tinha tomados,& a ſatisfaçao dosdanos, & perdas,que em ſeus Reynos co
tra o aſſento das pazes tinha feito, & cõpriile com o cazaméto de ſeu filho
com a Infante Dona Coſtança. ElRey Dom Sancho,porque ſobre o ca
zamento de ſeu filho ,eſtava delavindo com elRey de França , & via quę
lhe convinha acordaſe com elRey Dom Diniz, & fazerlhe a emenda dos
danos que lhe pedia,mandou a Portugal por Embaxador Dom Moninho,
Biſpo de Palencia,dizendo que ſua vontade,era concordarſe com elle , &
que para iſſo mandaſſe apontamentos do que quiſeſſe a ſeus Embaxadores,
que ainda em ſua Corte deCaſtella andavao,& que com elles trataria o
negocio. ElRey D.Diniz ſatisfez com ſeus apontamentos. Mas os ſeus Em
baxadores,quando viraó que elRey de Caſtella andava com elles em dila
çoens,ſe vieraõ ſem deſpacho.
No tempo deſtas deſavenças andavao em Portugal em ſerviço delRey
Dom Diniz o Infante Dom Joam ſeu tio irmão de ſua may, & outros com
elle. E acertando de correr a terra de C,amora acharaő Dom Joam Nunez
de Lara,que foi filho de Nuno Gonçalves de Lara,a que chamavao o Bom
o qual andava deſavindo delRey Dom Sancho,por certas terras que lhe ti
nha uſurpadas. E poſto que conſigo trazia poucos para pelejar, os eſpe
rou, & napeleja que ouverao,foiprezo, & trazido a Portugala elRey D.
Diniz. E como ElRey Dom Sanchoſoube da ſua priſao, mandou pedir a
elRey Dom Diniz pelo Biſpo de Palencia,lhe quizeſſe ſoltar, & mandar.
Porão queria recolher, & honrar,& tornarlhe ſuas terras,q lhe tinha toma
das não como a deſleal,ſenaó porque lançara da parte delRey Dom Afon
(o ſeu pay.ElRey Dom Diniz conio era de ſua natureza magnanimo, & li. Іоаб
beral, depois de lhe fazer muitas merces,o mãdou a Caſtella,acompanhadoNunez
demuitos fidalgos, & cavalleiros de ſua caza . Dom Joam Nunez que era de Lara
fazle
valeroſo, & agradeſcido,ficou por vaſſallo delRey Dom Diniz, & nunquavallallo
mais ſe lhenegou.Peloque por em Caitella não comprir elRey Dom San del Rey
cho com elle,fe paſſou a França,donde tornou de guerra, como adiante Dom
fe dirà . Diniz
El
CHRONICA
ElRey Dom Diniz, como vio que clRey de Caſtella não compria fua
palavra,& que em lhe ſofrer tanto, diminuía de ſua honra ,& reputaçam ,
Morte
determinou faze lhe guerra,atè ſe ſatisfazer, & o mandou deſafiar a elle,&
a feu Reyno, Mas naquelles dias,elRey Dom Sancho, ſendo ainda maii
delicko cebo,veyo a fallecer naCidade de Toledo,ſendoo anno de 1295. cuja
de Cali anticipada morte todos attribuiao a deſobediencia, que a feu pay tivera,
cclla. & mao tratamento que lhe dera,deſpojando-o de ſua dignidade .E como
eRey ſe vio chegado à morte, fez ſeu teſtamento, & nelle encomendou
ANNO a ſeus teſtamenteiros ,& tutores de ſeu filho,queeraõ a Rainha Dona Ma
1 295. tia ,ſua mulher, & o Infante Domn Henrique ſeu tio,aquelle que por cau
za do Emperador Conradino, que elle favoreceo,fendo Senador em Ro
ma , foi prezo em Italia,per elRey de Napoles, compriſlem com eRey D.
Diniz,como o elle tinha conceitado, afſi no cazamento dos filhos , como
na entrega das villas de Moura , & Serpa,quea elRey de Portugal perten
ciao,per eſta mancira. No tempo que a bainha Dona Beatriz ſe foi a Ca
Itella como enviuvou , por a celàvença de ſeu filho elRey Dom Diniz,luc
cedeo o levantamento do lofante Dom Sancho ſeu irmão · por ella fer
muyto obediente a ſeu pay,& feu pay a ella muy affeiçoado ſe deteve có
elle em Sevilha no tempo de ſua adverſidade,parao conſolar, & o foccor
rer com ſeu dinheiro, & joyas ,& gentes,que pode aver, & o acompanhou
até a morte. Peloque ſeu pay naquelle tempo, que conſigo a teve, por
Doaçao
lhe ſatisfazer as boas obras,que della recebera,& o muyto amor, que fem
delRey pre lhe teve,lhe fez doaçaõ no anno de 1 283. da villa de Neblá na Anda
D.Afon- luzia,com todo ſeu Condado.f. Gibraleon,Saltes,Huelva,Ayamonte , Al
fo X. a fajar de Late, com todos os outros lugares, o que depois confirmou em
ſúa filha ſeu teſtamento, onde lhe mais deixou as rendas da Cidade de Badajoz, ein
triz Raz. ſua vida. E lhe confirmou asvillas de Moura,Serpa,Mourao, & Noudar,
nha de que ſao na ribeira de Guadiana,per huma carta feita em Sevilha, a 4 de
Portu. Março de 1283.E por quanto as villas de Serpa,Moura,& Mouraó , erað
gal. da Ordem do Hoſpital de Sam Joam de Caſtella, o dito Rey Dom Afon
fo, para mais livremente poder dar as ditas villas, à Rainha lua filha, antes
algum tempo, com tenção de fazer dellas a dita doaçaõ per authoridade
do Gram Meſtre de Rhodes. E per conſentiméto do Prior, & Freires da di
ta Religiaõ em Caſtella ,fez eſcaimbo dellas com a Ordem , & lhe deu em
Caſtella,a villa de Covilhasde Douro. E a Igreja de Santa Maria de Caf
tel da Veiga com todos os direitos que tinha em Quiroga, & outras cou
zas mais. A qualtroca ſe fez per huma carta que eu vi na Torre do Tom
bo Real,dada em Sancto Eſtevao de Gormaz a 11.de Março de 1281. Por
virtude da qual doaçao,ſe acquirio direito a elRey Dom Diniz, que lhe
cRey Dom Sancho impedia,de que elle mandava no teſtamento , ſe lhe
fizelle Real entrega .
Morto elRcy Dom Sancho,logo elRey Dom Diniz, mandou requerer
ad 110
DELREY D.DINIZ
95
ao novo Rey D.Fernando, & à Rainha Dona Maria ſua mãy, & ao Infante
D.Henrique ſeus tutores, quiſeſſem comprir o que eſtava tratado ſobre os
cazamentos,& entrega daquelles lugares:o queelles dilatavaõ executar. E
nas cartas da repoſta fechamava elRey de Caſtella ſenhor da Guarda ,& de
Pinhel,do que elRey D.Diniz ſe afrontou muito. Peloque mandou por
embaxadores a Caſtella Joanne AnesRedodo, & Mem Rodrigez Rebolim
peſſoas principaes,os quaes perante a Rainha Dona Maria , & o Infante
Dom Henrique tutores delRey, & os do conſelho de Caſtella, diſleraó a
elRey D. Fernando, para juſtificaçao delRey D. Diniz,os muitos benefi
cios,& ajudas elle tinha dado a elRey D. Sácho,o qual prometera de fa
zer entrega da quelles lugares que a Portugal pertenciao,& individamente
lhe tinha forçados.E q em lugar diſſo, com mão armada,per mar , & per
terra ,lhefizera muito dano a ſeus Reynos, & vaſſallos. Pela qual razão pou
co tempo antes de ſeu fallecimeto ,e Rey D.Diniz o mandara deſafiar. E
q depois de ſuamorte ,como que deſejavapaz, & amizade, mādara reque
rer elle Rey D.Fernádo,& rogar como filho , & acõfelhar como amigo ,qui
ſeſſe coprir o q eſtava aflétado, & cótratado. O qelle não quiſera fazer,an
tes o eſcádalizara ,chamádoſe nas cartas q lhe eſcrevia,ſenhor das terras ģ
erao de Portugal.E que portāto,poſto que fazerlhe guerra lhe era muito
caro, pelo paréteſco ý cõelle tinha,& pelo a eſperava de ter como de pay
a filho,porſercouſa 9 ja a ſua hõra tocava,lhe engeitava ſua amizade,& o Ceſafio
deſafiava como a inimigo:& q ſe fizeſſe preſtes,porõ contra elle viria muy del Rey
cedo. Os q ouviraõ eſte deſafio,ficàraomaravilhados.Mas os Embaixado D.Diniz
res eſperando algúa repoſta vierão fem ella.Peloque elRey D. Diniz, do- feito a
brada a cauza de lua indignaçao,ajuntou muitas gentes,& ſefoi aCidade nho
feu ſobri
D.
da Guarda,para dahi entrar em Caſtella. Ferná,
Indo ja elRey comſuas gentes cótra Caſtella,veyo o Infante D.Henri- do Rey
que ao caminho falarlhe, & tantas razoēs lhe deu a acabou com elle , que de Caſte
por então deſiſtiſſe de ſua entrada com armas em Caftella, & q ambos fol- lla.
fem a Cidade Rodrigo,onde eſtava a Rainha Dona Maria com elRey D.
Fernando ſeu filho , & ahi ſe acordarião entre elles os cazamentos,para ſe Viſtas
fazerē ao tépo limitado,& fe deſpachou a entrega de Serpa, &Moura , & delRey
Mourão ,& das outras villas da riba de Guadiana,eſcrevendo elRey D.Fer- D.Diniz
nādo a Eſtevao Perez Adiantado mòr do Reyno deLião,q tinha as ditas có elRei
villas ,& as entregaſſe a hum porteiro da Camara delReyDom Diniz , para las & fus
que eſte as entregaſſe,como de feito entregou a Fernão Cogominho fidal máy .
go delRey Dom Diniz, que porelle poz logo Alcaides.Com eſta concor
dia, que foi firmada a20. deOâubro de 1295.& ſellada com tres fellos ANNO
.f. delRey ,da Rainha,& do Infante Dom Henrique,ſe tornou elRey Dom 1 295.
Diniz a leu Reyno.
Vindo o tempo limitado,em que elRey D. Fernando avia de receber a
Infante Dona Coſtança , & comprir outras couzas, que aſſentàraó em
R Cidade
CHRONICA .
Cidade Rodrigo,elRey D.Diniz, por ſeu meſſageiro mandou requerer ao
Rey de Caſtella. E porque da repoſta que mandou,ſe collegia mais negar
o que ficara entre elles aſſentado que querer comprilo,elRey D.Diniz in
dignado de tantas ſemrazoēs,que não reſpondião à moderação & fofrimen.
to, que elle tivera nas paſſadas,ajuntou muita gente,pera entrar em Caftel
la, & fazer o dano que pudeſſe.E naquella jornada o acompanhàraó oln
fante Dom Joam deCaſtella, que ſe chamava Rey de Liao, filhodelRey
Dom Afonſo X.& tio delRey Dom Diniz,& Dom Ioam Nunez de Lara,
aquelle q elRey D.Diniz mandou a Caſtella folto, & livre, & honradamé
te acompanhado. E eſtando juntos na Comarcada Beyra, perto daraya,
para entrar em Caſtella,veyo a elle a Infante D. Margarida, que foi filha
do Conde de Narbona, & mulher do Infante D Pedro filho delRey Dom
Afonſo X.& com ella D.Sancho de Ledeſma ſeu filho. O qual por anda !
aggravado delRey D.Fernando,pedio a elRey D.Diniz,o quizelle aceita ?
por ſeu vaſſallo.O que elRey lhe concedeo, & lhe deu logo grande affen
tamento ,comoa homem de taleſtado, & ſeu primo coirmão, & lhe fez ou , 1

tras merces,para ſe aperceber para o ſervir.Mas D.Sancho, cótra as leys da


fidalguia,ou porque nað veyo a mais, a provar a liberalidade delRey, ou
porque achou em Caſtella melhor partido, não tornou a ſervir elRey Dó
Diniz,mas antes com o dinheiro 4 delle ouve,ajudou a elRey D. Fernan
do . O qual como ſoube que elRey D.Diniz eſtava para entrar em Caſtel
la,juntou em Sevilha húa groſa armada de galès, & outros navios, & a
mandoucontra Portugal, co muitagente,& entrou no porto de Lisboa,&
tomou algúas náos de Portugal,q eſtavaó carregadas de inercadorias.Maso
Almiră.
te dePor
Almirāte dePortugal q ſe ahi achou ,armou á prefla certas galès paracobrar
tugal ha a preza ğ Caſtelhanos tomàrað,& vingar o dano q era feito. E indo a poz
Vitoria a frotta dos Caſtelhanos,a alcançou no mar,onde ouveraő hűa grande pe
dos Ca. leja.E emfimo Almirante de Portugal ficou com a victoria. Porque tomou
ſtelhas
nos.
aos Caſtelhanosas galès,& nàos que trazião,& a preza que levaváo das não
os de Portugal,& tudo trouxe a Lisboa.
Entre tanto elRey D.Diniz andava pelas comarcas de Cidade Rodrigo;
& Ledeſma, & tomou por força hum Caſtello fronteiro 7 chamão Torres,
& morreraö todos os que nelle ſe achárao. Dahi entrou por Caftella ſem
reſiſtencia,quarenta legoas,atè a villa de Simancas,ſhe duas legoas de Va
liadolid ,ondeelRey D.Fernádo eſtava,ao qual não quiz cercar.Mas dahi
ſe tornou a hū Caſtello ſchamão Pofaldes ,& o tomou, no qual os Portu
gueſes fizerað muitos exceſſos. Porg fem medo,nem reverécia contra o co.
fume da ſua nação zelofiffima da Religião,entràrao na Igreja, & a roubà.
tao,& có muita cruezamaràrað todos os ő a ella ſe acolheraő , fem perdoar
a idade,nem a ſexo. Porã os Caſtelhanos nao o fazião menos, quãdo entra
vão em Portugal. Entre tanto algús ſenhores de Caſtella ,dosquaes era D.
Afonſo Perez de Gazmão , na frontaria de Guadiana, entràraó com ge ??
tes de
DELREY D.DINIZ 96
tes de Andaluzia,& matàrao,& cativarao muitos,& fizeraõ muitas cruezas,
A eſtes falo ao encontro o Meſtre de Avis com a gente q pode ajuntar,&
ouve entre elles mui crua peleja ,em q ſuccederaomuitasmortes,& danos
de hũa,& outra parte.E comoa gente do Meſtre era muito menos,ao fim
foi věcido, & muitos dos Portugueſes mortos, & novecentos cativos, que
os Caſtelhanos reſgatavaõ por pouco preço.Porque de hūa parte affitra
tayao os da outra como infieis. Mas como a géte Caſtelhana na crueza ex
cede a Portugueſa,algus tomavaó a Portugueſes,& os punhao atados co- D.San
cho de
mo barreiras , & alvo a q atiravao , & cruelméte osaſſeteavaó. Pelog aſlian Leder
davað hús, & outros endurecidos no odio, & ira,qa nada perdoavão ,do 5 ma in
podiao matar, queimar, ou aſſolar,como fizeraõ no Caſtello de Torres os grato a
Caſtelhanos quando dahi a poucos dias o tornàrao cobrar, nenhũ dos q elRey
o guardavao ficou,qa ferro nao morreſſe.Peloque movido elRey D. Di D.Diniz
niz de grande indignaçaõ por feito taó crù , entrou pelos lugares da Co
marca de Salamāca , onde andava ,& fez nelles grande eſtrago nos Caſte
Thanos a tomava ,não lhes valédo as Igrejas ,nem altares ,a que ſe acolhião
nem deixava homem nem mulher, que não foſſem roubados, mortos, ou
cativos .
Em quanto osReys de Portugal,& Caſtella niſto andavao,vendo elRey Entrada
de Granada fua occupaçao ,& boa occaſiao, ýſe lhe offerecia, pornað aver del Rey
que lhe reſiſtiffe,entrou per Andaluzia , & tomou as fortalezas deQueſada, D.Diniz
& Alcaudete có mais 13 caſtellos, & entrou nos arrabaldes de Jaem . Mas em Cara
nem por iſſo elRey D. Fernando ,& a Rainha Dona Maria ,& o Infante fe- tella.
us tutores queriao comprir com ElRey D.Diniz,crendo ,que o canſariao ,
& que ráo poderia ſofrer muito tempo tamanhas deſpezas. Mas vědo de
pois que cada dia lhe creſciao as forças, & que a tençao delRey D. Diniz
era contraria a ſeu deſejo , & q os de ſeus Reynos padeciaõ tátos danos, &
mortes ,acordàraó de fazer da neceſlidade,virtude,& fatisfazer a elkey og
juſtamente requeria.Peloq andando ellefazendolhes guerra em Caltella
The mandàrao pedir ceſſalle della , & quiſeſſe paz, & concordia, que ſe faa
ria , como elle quiſeſle .E com iſto lhe mandarað taesarrefes de que elRey
D. Diniz ſe aflegurou , & mādou que ſe não fizeſſe mais dano aos Caſtelha
nos. Elogo tornou ao Reyno per riba de Coa onde ouve a fuas mãos per
força de armas todos os lugares daquella comarca, agora lao dePortugal,
& eraõ entao de D. Sancho de Ledeſma, que ſe fizera ſeu vaſſallo & odei
sara , & lhe ajudara a fazer guerra . Por os quaes elRey de Caſtella deu boa
fatisfaçao a D. Sancho ,para que podeſſe delles fazer eſcaimbo entre Pora
tugal , & Caſtella,como ſe fez.
Eſtando aſſi os Reys concertados para osaſſentos, & capitulacoens das
pazes ſe fazerem com mais firmneza,& authoridade,mandou elRey de Ca
Itella ajuntar Cortes dos eſtados do Reyno na Cidade de C ,amora.Perel
les foi acordado que as pazes ſe fizeſſen com elRey D.Fernando cazarem
!
Ra Portu
CHRONICA '
Portugal,& o Infante D.Afofo em Caſtella,como eſtava ordenado. E lo
goelRey enviou a Portugal por feu Embaixador, & Procurador Afonſo
Perez de Guzmaó, per que mandava pedir a elRey D.Diniz ſe viſſem ro
ANNO
dos na villa de Alcanhizes em Caſtella,para öde os Reys partirao , & fe ajú
târaó em Setembro de 1297. Com clRey D. Fernando foi a Rainha ſua
1 297. mấy, & o Infante D.Henrique ſeututor,& outros muitos ſenhores.Comel
Rey D.Diniz hia a Rainha D.Izabelſuamulher, quelevouconſigo a In
fante D.Coſtança ſua filha,moça de muipouca idade,& o Infante D. A
fonſo irmao deRey D.Diniz,D.Martinho Arcebiſpo de Braga,D. Joam ,
Biſpo de Lisboa,D.Sancho,Biſpo do Porto ,D.Vaſco, Biſpo de Lamego,
o Meſtredo Templo,o Meſtre deAvis,D.Martim Gil Alferez môr,D.Ja
am Rodriguez de Briteiros,D.Pedreanes de Portel, Lourenço Martijzde
Valladares,Martim Afonſo,Joam Fernandez de Lima, Joao Mendez,Mar
tim Pirez de Barboſa,todosricos homens, & D.Joao Simão Meirinho mòr
delRey,& outros muitosfidalgos. O Infante Dom Afonſo filho delRey
ficou em Portugal na villa de Trancoſo .
Capitu : (aflento que os Reys fizeraõ entre ſi,foi, que entre elles, & ſeus Rey.
laçoens nos,& ſenhorios ouveſſe paz por 40 annos.E que ſe algúa peſſoa de qual
daspazes quer eſtado, & condiçaõ q foſſe durando o dito tēpo,fizeſſe guerra,ou dano
entre els de hũ Reyno a outro,foffe entregue ao Reyno offédido,para ſe delle fazer
Caffella pura juſtiça conforme à qualidade do crime. E porą os cazamentos ſenão
& el Rey aviaõ de celebrar,até os eſcaimbos, & trocas das villas,& lugares de hum
D.Dinis. Reyno a outro ſe fazere,foilogo cötratada cõcordia per carta feita em Al
canhizes aos 12.de Setembro de 1297.que oje ſe ve na Torre do Tomba
Villas ſellada com os ſellos de ambosos Reys , & da Rainha , & do Infante
de Oli
vença ,
D.Henrique. Na qual ſe continha, que conhecendo elRey Dom Fernando
Campo Rey de Caſtella,que as villas de Arronches,& Aracena com todos ſeus ter
mayor mos, & perterças, & direitos eraõ de direito do Reyno de Portugal, & as
& Saó ouvera elRey D. Afonſo o X. feu avó contra vontade delRey D. Afonio
Felizes
como
pay delRey D.Diniz,& aſli o poſſuira clRey D.Sancho pay delle Rey D.
vicraó Fernádo ,que elle lhe dava por eſſas villas,& caftellos,& por ſeus termos,&
a clRey pelas rendas,que delles ouveraö osditos Reys,& elle,as villas de Oliveça
de Por Campo-mayor, & Sam Felizes dos Gallegos,có todos ſeus termos para lé
tugal. pre,& os tirava do ſenhorio de Caſtella,& Liao.E q aſli meſmo mettia em
Lnga Portugal a villa de Ouguella; hejunto deCapo-mayorcom ſeus termos
res deri- para ſépre,ſalvo os direitos, herdades, & Igrejasde Ouguella,q averia o Bif
ba de po de Badajoz,ate que elle Rey de Caſtella tudo ſoltaſie.Item 9 por quż
Coa que to elRey D. Diniz tinha direito nas villas doSabugal, Alfayates,CaftelRo
ficàraó
com el,
drigo,Villa-mayor,Caſtel Bom, Almeida,Caſtel-milhor,Móforte,& em ou
tros lugaresderiba de Coa,de őja eſtava de poſſe q elle Rey de Caſtella lhe
de
Portu ." alargava o direito , a contra elle podia ter ſobre algús dos ditos lugares , &
gal. Thos foltava todos porquanto em eſcaimbo diſſo lhe elRey Dom Diniz
alarga
DELREY D.DINIZ 97
alargava , como alargou todo o direito, que tinha nas villas de Valença,
Ferreira, & Eſparragal, que entao tinha o Meſtrado de Alcantara, & 'da
villa de Ayamonte,& outros lugares do Reyno de Lião, & de Galliza.Et
ta carta firinàrao os Reys com muytas ſtipulaçoens ſolennes,homenagés, &
tii juramentos feus , & dasRainhas,& Infantes,& com penas,de ſeo nao com
i priſfem ,& en tregaſſem aquellas villas,ſerem avidos por perjuros, & traidos
0h , res,
res . Alem deſtas cartas paſſarað os Reys outras, para os lugares, q ſe aviam

in de entregar,per virtude das quaes elRey D.Diniz mandou tomar as poſſes,


Puid que ſe fizeraõ ſolenemente co deſnaturamentos dos vaſſallos de Caſtella. E
|--! pelas villas de riba deCoa,por acòrdo dos procuradores das Cortesde C ,a
môra,deu elRey D.Fernando a D. Sanchode Ledeſma, & à Infante Dona
Tü". Margarida ſua máy as villas de Galiſteu ,Granada,& Miranda em Caſtella.
. E todos aquelles lugares,q có Olivença,Cápomayor, & Ougella ſe deram
o em eſcaimbo por Aracena,ficarað atè agora com os Reys de Portugal,tiran
do S.Felizes dos Gallegos.Porq eſtando elRey D.Diniz de poſſe delle, &
tendolhe feito o caſtello , & fortaleza qoje tem ,fez doação da dita villa a
& Afonſo Sanchez ſeu filho baſtardo, & feu Mórdomo mór. O qualco licēça
delRey ſeu pay a deu có mais certa foma de dinheiro a D. Afonſo filho do
Infante D. Afonſo de Molina, por ametade da villa de Albuquerque, de 9
afie D.Afonſo Sanchez foi ſenhor.È por que o Infante D. Afonſo primogenito
ADET delRey D. Diniz em vida de ſeu payteve grande competencia, & imiza
de com eſte feu irmão baitardo, porceùmes, que tomou por lhe elRey ſer
muy affeiçoado,logo como reynou ,o deſterrou de Portugal. Pelo que Do
Afonſo Sanchez ſe foi para Caſtella,onde ſe fez vaffallo delRey D.Ferná
do. lhe deu Medelhin ,& outros lugares,como adiāte mais largo ſe dirá.
E deſta maneira ficou S.Felizes em Caſtella pelo dito eſcaimbo, & Albu
querque täbem pelo deſterro de D. Afonſo Sanchez. Por eſte modo fe con
Fores cluío o cazamento da Infante D.Coſtança cõ elRey D. Fernando, dando
erl elle a elRey D.Diniz em lugar de eſperar dote com ſua mulher,as villas de
Olivença,Campomayor, & Ougella.
Como o affentodas pazes foifeito, logo clRey D.Fernando recehco Cazane
por palavras de prezente a Infante D.Coſtança, & por ferem parentes, fez to del
folenne prometimento, & juramento juntamente com a Rainha ſua máy, Rcy Do
Fernan
de nunca deixar a Infante .Acabado iſto ,elRey D. Diniz deixando ſua ti dodic
Tha em Caſtella ,trouxe conſigo a Infante D. Beatriz irmãa delRey D.Fer- Callclia
nando ,ſendo ainda muy moça ,por eſpoſa do Infaute D. Afonfo fcu filho , có Donz
que a recebeo em Coimbra . A lua nora deu elRey D. Diniz muytas rodas, Coſtāça
& lugares com ſua juriſdiçao , & caſa muy honrada de peſſoas de authori- filhay del
hil Re D.
dade , a ferviao ,como foi o Arcebiſpo de Braga D.Martinho ,o Code D. Diniz
Martim Gil de Souſa Alferez mór,& outroshomens principaes do Reyno.
E ao Infante D.Afonſo,como em Lisboa recebeo a Infante ſua mulher deu
elRey alem do ordenado, ýlhe ja aſsetara,as villas deViana,Terena,Ourē,
R3 & a teks
CHRONICA,
& a terra de Armamar junto com Lainego.
Afentada apaz coin Portugal,nao ficou elRey de Caſtella em paz com
ontros Reys. Mas entre elle, & elRey Dom Jaymes de Aragaó irmao da
Differé- Rainha Dona Izabel de Portugal,ouveguerras, & differenças ſobre o Rey
ças del
Rey Do no de Murcia , & com o Infante Dom Afonſo de Lacerda ſeu primo con
Fenádo irmão,queſe chamavaRey de Caſtella, & pertendia fer elle o legitimo
de Car herdeiro, & fucceſſor do Reyno per morte delRey D. Afonſo X. feu avó.
tella, có E tambem com o Infante Dom Joam ſeu tio ,que ſe chamava Rey de Li
Prince- ac,os quaes Principes contrarios, erao ajudados & favorecidos de muitos
pes ſeus
grandes de Caſtella. Peloque elkey Dom Fernando era poſto em muitos
& a caula cuidados, & padecia muitas afrontas, & neceſſidades: nas quaes ſe ſoccorreo
dellas. a elRey D. Diniz ſeu ſogro, com quem ſe vio em Fonte Guinaldo, junto
do Sabugal, & em Badajoz,o qual com muitas gentes arinadas o ajudou,a
tè que per ſua propria peſſoa o poz em paz com todos ſeus adverſarius, E
alem das gentes,com que o ajudou lhe deu muito dinheiro, que ſó nas vi
ſtas de Badajoz,ſe acha que lhe deu hum milhaõ de maravedijs Leone,
fes, & lhe deu mais hũa riquiſfima copa toda de húa ſó eſmeralda,que na
Socorro quelle tempo de pouco dinheiro, & pouco luxo foi avaliada em onze mil,
delRcy
D. Diniz
& tantas dobras de ouro,que neſte tempo fora de preço ineſtimavil.As
a clRey cauzas das differenças entre eſtes Principes eraõ, que Dom Afonſo de La
de Cat cerda,queſe chamava Rey de Caſtella,era filho primogenito do Tofante
tella feuDom Fernando,outro ſi primogenito, & herdeiro delRey Do Afonſo X.
genro . que em vida de ſeu pay, foi juradoper fucceffor dos Reynos de Caſtella.
O qual Infante Dom Fernando falleceo tendo ja filhos.f.efie D. Afonto
de Lacerda, & outro per nome Dom Fernando,os quaes ouve de ſua mu
Ther Dona Branca filha delRey S.Luis de França.Sendo vivo elReyDom
Afonſo X.& tendo eſtesnetos de ſeu filho mayor defunto,ſe levátoucom
o Reyno oInfante Dom Sancho feu filho ſegundo,ſendoſeu pay auſente
por cauza do Imperio de Alemanha,para que fora eleito,poſto quea elei
çao nao ouve effeito.Peloque Dom Afonſo de Lacerda, que per direito
ouvera de herdar os Reynos de Caſtella, & de Liao ,ſe foi a Aragao intitu
landoſe Rey dos Reynos de Caſtella,que ſeu tio individamente poſſuja,
porque o titulo do Reyno de Lião,o deu ,& alargou ao Infante Dom Jo.
am ſeu tio,porqueo ajudaſſe contra Dom Sancho. E por D. Afonfo de
Lacerda tinha o Reyno de Murcia,que elRey Dom Afonſo ſeu avô lhe
dera quando o ganhou aos Mouros a que tambem Dom Sancho ſeu tio
lhe punha contradiçao ,porque elRey Dom Jaymesſeu tio o ajudaſſe con
tra el Rey de Caſtella The cedeo, & deu o titulo delle,& que para ſi o ou
veſle. Peloque durando a tutoria delRey Dom Fernando, em quanto foi
moço ,elRey Dom Jaymes conquiſtou o Reyno de Murcia,& ouveo a feu
poder, ſobre o qual tinhaó guerra,
TinhaelReyDom Fernando guerra com o Infante Dom Joan feu tio
pelo
DELREY D. DINIZ 98
pelo Reyno de Liao, que lhe Dom Afonſo de Lacerda cedera,porque o
ajudaſſe ,de que le o Infante intitulava Rey.Ao Infante Dom Juam aju
dava Dom Joan Nunez de Lara,queera ſenhor de muitas terras , & Je
muita gente,o qual andava deſavindo, & deſcontente da Rainha Dona
Maria ,& do Infante Dom Henrique, por não comprirem com elle, o que
elRey Dom Sancho lhe promettera,quando elRey Dom Diniz o folcou
da priſao ,em que o tinha.Peloque elle deixando a recado ſuas fortalezas,
que em Caftella tinha, ſe foi a França . Donde depois tornando per Ara
gao , &Navarra,trouxe conſigo muyta gente com que fez muito dano em
Caftella,eſpecialmente nas terras de Dom Joam de Alfaro ,que correo, &
eſtragou por tres dias: acabo dos quaes , o Dom Joam de Alfaro com mui
ta gente delReyDom Fernando,que conſigo tinha, veyo buſcar a Joam
Nunez. O qual confiado nos Aragoeſes, & Navarros, que lhe prometted'
raõ lhe não falcariam eſperou a batalha. Mas nos primeiros encontros to
dos fogiraő , & elle ficou tómente com 26 cavalleiros de ſua caza, que co
mo bons, & leaes todos morreraõ ante elle,& elle foi preſo, ſendo muyto
ferido. Mas nem por iſſo os que tinhao ſuas fortalezas, deixàraó de fazer
ſempre guerra como de antes.PeloqueelRey Dom Fernando, & elle vie
raó a tal concordia,que elReyo mandaſſe foltar, & que defe Dona Joana
Nunez ſua irmãa, a que chamavaố a Pombinha,por mulher ao Infante D.
Henrique tio & tutor delRey, & que elle cazalle com Dona Maria filha
de D.Diogo ſenhor de Vizcaya, com que lhe elRey acreſcentou o affen
tamento, & maravediš que delle tinha.Táto era o valor de Ioao Nunez,&
tanto poder era o ſeu em Caſtella,que como elle foi concorde com elRey ,
logo o Infante Dom Joam deixou o titulo de Rey de Caſtella, & Lião, &
quebrou os ſellos que trazia daquelle Reyno, & veyo beijar a maó a el
Rey Dom Fernando,ficando a ſua obediencia, & vaſſallagem. E Dom A
fonſo de Lacerda da meſmamaneira,quando vio Joam Nunez de Lara,
de que ſoia ſer ajudado, & ſoccorrido em ſerviço delRey Dom Fernando,
não ſeatreveo perſeverar na téçaõ quetrazia, de fe chamar, & ter por Rey
deCaſtella, & fe foi a Aragao,& veyo a ſucceder deſpois ao arbitramento
delRey Dom Diniz,que ſe ao diante dirá.
Havendo pois eſtas differenças, & guerras entre elRey de Aragao,& D.
Afonſo de Lacerda contra elRey de Caſtella, que inquietavão toda Hef
panha, & de quecada dia ſuccediaõ muitas mortes,roubos, & deſerviços
de Deos,o Papa Benedi&to.XLlhes enviou hum Nuncio com ſeus breves,
encomendandolhes quiſeſfem vir a paz , & concordia , & nao quiſeſſem ,
que tanto fangue de Chriſtíos ſe derramaſſe com huma guerra, que ſe
podia chamar civil,pois era entre parentes tami conjunctos, & que ſe lou:
valem em algú bom juiz ,que entre elles fizeſſe amizade, & qelle ajudaria
a comprir ſua ſentença . Os Reys de Caſtella, & Aragao,& Dom Afonſo
de Lacerda obedecendo ao Sancto Padre, ſe acordârao, & lhe mandaraó
Ꭱ Ꮞ dizer
CHRONICA
dizer, qu e entre elles não podia aver inelhorjuiz,que elReyDom Diniz.
Porque alem de ſua grande inteireza, juſtiça,& claro entendimento, con
corria ſer conjunto em ſangue a todos elles, por ſer primocom irmao, &
fogro delRey deCaſtella,& primo, & cunhado delRey de Aragað,& pri
mo com irmão de Dom Afonſod e Lacerda, que pediaó a ſua San & idade,
llo quiſeſſe encomendar. O Papa eſcreveo logo a elRey Dom Diniz, pe
dindolhe com inuita efficacia, quiſeſſe ſer em couſa tam pia, & de tanto
bem da Républica de roda Heſpanha,de que elle não ficava ſem parte.El
Rey aſli por obedecer ao Sancto Padre, como por comprazer á Rainha ſua
mulher,cuja natureza era procurar paz entre os eſtranhos, a qual lho pe
dia com muitos rogos,pora razaõ que com todos eſtes Principes ella tam
bem tinha aceitou o arbitramento. OsReys que eraõ partes,fe concordá .
raó,quena cauza,que tocava a elReyDom Fernando com elRey Dom
Jaymes,ſobreo Reyno de Murcia,foffem juizes elRey Dom Diniz, & o
Infante Dom loam, & Dom Ximeno de Luna,Biſpo de C ,aragoça. E na
cauza entre o meſmo Rey Dom Fernando , & Dom Afonſo de Lacerda,
foſſem juizes,elRey Dom Diniz,& elRey Dom Jaymes ſomente. E logo
fizeraõ ſeus compromiſſos, & os acordàraó em o mez de Mayo de 1304.
Para ſegurança de elRey de Aragaðeltar pela ſentença,poz em arrefens os
caſtellos de Hariſa,Verdejo, Somet,Borja,Malon.ElRey de Caſtella por
Alfaro ,Cervera,OtonSancto Ettevão, & Atiença.
Feitos os compromiſſos,mandâraõ pedir a elRey Dom Diniz, quiſeſſe
logo ir em peſſoa, por quanto o tempo limitado era atè noſſa Senhora de
QDORS

Agoſto . ElRey ſe fez preſtes,& entrou em Caſtella per Cidade Rodrigo


no mez de Junho,levando conſigo a Rainha Dona Izabel ſua mulher, &
Infante Dom Afonſo ſeu irmão ,o Conde Dom Joam Afonſo , & Dom
Pedro Afonſo ſeus filhos baſtardos,com muitos Prelados, & ricos homens
Rey D.
& fidalgos,que faziao numero de mil,afora outras muitas gentes.Na Cida
Diniz le de da Gua rda appurou eRey fua gente, & da mais nobre, & luzida levou
vava a
a
que lhe pareceo, que foi oni concertada de ſuas peſſoas, cavallos,arreos,
Caſtella & veſtidos,qual convinha a hum Rey tam magnifico , & liberal, que hia às
entre viſtas deReys,& Reynos eſtranhos. E eſtando ainda elRey na Guarda,che
prelados
&ricos gou a elle Don Diogo Garſia de Toledo Môrdomo môr da Rainha Do
homens, na Coſtança ſua filha, que era grande privado delRey Dom Fernando , &
&fidal Chanceller do ſello da puridade,comdous eſcudeiros ſeus,que traziam as
gosmil faldras das cappas cheasde chaves daquellas villas, & caſtellos , per onde
homens. pareceo a elReyDom Fernando,que elRey Dom Diniz pallaria para nel
las lhe fazer preſtes as pouſadas, & mantimentos, & da parte de ſeu Rey,
The difle,que lhe mandava as chaves daquelles caſtellos,para delles fe fer
vir,& diſpor como de couſa ſua.ElReyDom Diniz mandou agradeſcer a
ſeu genro a offerta das villas, & mantimentos ,& pedirlhe ouveſſe tudo por
cſcuſado,porque por não aver boliços,nem,brigas entre ſuas gentes, & aq
de Cal
DELREY D.DINIZ 99
de Caſtella, determinava denað entrar em lugares povoados, mas aloa:
garſe delles,o mais que podeſſe. E que para iſſo hia provido de muitas
tendas. Mas lançando conta às jornadas,queaviao de fazer,atè Aragam,
& por onde; acordou,que Dom Diogo Garſia foſſe dous, & tres dias ſem .
pre diante delle,fazendo preſtes os mantimentos,& couſas neceſſarias,que
elRey manda va pagar liberalmente. Peloque ſempre os teve em abaſtar
ça. Chegando elRey Dom Diniz a villa de Cuelhar,o veyo a receber el
Rey Don Fernando,& com elle o Infante Dom Joam , & muytos gran
des de Caſtella. E depois de praticarem , ſe partio cadahum per ſeu cami
nho ,poſto que não muy along ados para terem maisfacil a proviſao para
ſuas gentes. E em Soria ſe deſpediraõ elRey Dom Diniz, & a Rainha, &
o Infante Dom Joam,que comelles hia delRey Dom Fernando , & fe paf
faraó a Agreda derradeiro lugar de Gaſtella fronteiro de Aragað. E' em
Torrelhas lugar freſco nas faldras de Moncayo eſtremo do Reyno ,que he
entre Agreda, & Taraçona,com muitos,& nobres cavalleiros, & donas de
Aragaõ ,os veyo receber elRey Dom Jaymes, & a Rainha Dona Branca
ſua mulher. Ao outro dia furao os Reys de Aragao , & o Infante Dom
Joam convidados delRey Dom Diniz,que os banqueteou com grande, &
Real aparato de baixellas de ouro,& prata, & ricos ornamētos. Acabado de
comer, ſetornou elRey de Aragao com a Rainha ſua mulher, a Taraçona.
ElRey Dom Diniz,& a Rainhaſua mulher, & o Infante Dom Joam, ao
outro dia ſe foraó a meſma cidade, onde eſtava aſſentado, que todos ſe a
juntaſſem , tirando elRey de Caſtella,em cujolugar eſtava o Infante Dom
Joam ſeu tio, como ſeu procurador ſufficiente que era.
Sendo eſtes Principes em Taraçona,parafazerem ſeu officio , ouvirao
as partes,& ſeus procuradores ſobre o que a cada hum tocava. E pratica
do , & examinado entre fio direito de cada hum ,acordàrao,o que aviaõ de
arbitrar. E aos 8. dias de Agoſto no lugar de Torrelhas junto com Tara
çona ſobre a contenda do Reyno de Murcia,derao, & publicàrao elRey
Dom Diniz,o Infante Dom Joam , & Dom Ximeno Biſpo de C ,aragoça,
eſta ſenteça :Que CartagenaGuardamar, Alicăte, Elche,com ſeu porto de
mar,& com todos ſeus termos, & tudo o que lhe podia pertencer,aſli como
talha a agoa de Segura entre o Reyno de Valença,& entre o mais alto ca
bo do termo de Vilhena, tirandodiſto a Cidade de Murcia, & Molina,&
ſeus termos,todos os outros ditos lugares foſſem ſempre delRey de Ara
gam,& de feu Senhorio. E que a propriedade, & Senhorio de Vilhena,
tambem foſſe do Senhorio de Aragao:masque a villa ficaſſe a Dom Jo
am Manuel,como a tinha. E quea Cidade de Murcia, Molina, Monta
gudo,Lorca, Alfama,com ſeus terinos, & todos os outros mais lugares, que
ſao do Reyno de Murcia,tirando os ſobreditos,ficaſſem a elRey de Caſtel
la. E queſe ſoltaſſem os priſioneirosde parte,a parte , & afli qualquer ar
refens, & ſeguranças,dadas per elles. Item que elRey Dom Fernando ju
raſle
CHRONICA
Talle aquelle arbitramento, & o fizeſſe jurar aos Meſtres de Vcles,Calatra
va do Templo,& do Hoſpital, & a todos os grandes, & conſelhos das Ci
dades, & villas de ſeus Reynos. Ao publicar deſta ſentença, quecontinha
outrasmaisclauſulas,quenão fazem á razao da hiſtoria,foram preſentes el
Rey Dom Jaymes de Aragao. E por parte delRey Dom Fernando, Fer
nao Gomez feu Chanceller ,& Notario mayor do Reyno de Toledo , &
Dom Diogo Garfia Chanceller do ſello da puridade,que todos confen
tirao na ſentença,afora muitos ſenhores de Portugal,Caſtella, & Aragao,
que le achàrao preſentes, & na ſentença eſtaõ nomeados. .
Logo no meſino dia ,& lugar elRey Dom Diniz,& elRey Dom Jay
Sentēça mes ſobre a contenda entre elRey Dom Fernando, & Dom Afonto de
dos Reis Lacerda feu primo, que ſe chamava Rey de Caſtella, derao, & pronun
D.Diniz ciàrað outra ſentença .f. Que o dito Dom Afonſo de Lacerda ouvelle
& D. Iay
mes , na para f nos Reynos de Caſtella,livres para ſempre eſtas couſas ſeguintes.l.
cauſa del Alva de Tormes,Bejar,Val de Corneja,o Realde Mançanares, Gibrale
Rey D. am ,Algava, & os montesde Greda,deMagam,a Povoa de Sarria com ſeu
Fernádo alfoz, & a terra de Lemos,& Rabaina, que he no Axaraffe, & ametade da
de Caf.
tella có Tonaria,a Alfadra , & os Moinhos,& herdades de Fornachuelos, & a Ru
D. Afolo çaffa , & os Moinhos de Córdova,& os Moinhos,& Ilha de Sevilha, que
de La forao de Joam Matte. E qodito D.Afonſo de Lacerda entregaſſe certos
cerda . caftellos, que tinha de Caſtella, a elRey D. Fernando. E que deixafle
para ſempre o titulo, & fello que tinha de Rey de Caſtella , & não po
deffe trazer as armas Reaes de Caftella , & Liao a quarteis.Mas que as dif
ferençaſſe como as trazia) os filhos, & netos dos Reys, legitimos foffen
com outras muitas ſeguranças de juramentos, & de Caſtellos, que elRey
Dom Fernando poz em arrefens ate 30. annos. A eſta ſentença não quis
eſtar preſente Dom Afonſo de Lacerda, por vergonha de tao pequena
compenſaçaó,portaes & taõ grandes Reynos como ſoltava,poſto que nel
la conſentio , & approvou ,como faz quem mais não pode.
Feita eſta concordia, porque ſeaquietou toda Heſpanha, os Reys de
Portugal, & de Aragao com as Rainhas ſuas mulheres,partirao de Tara
çona,& ſe vierað todos a Agreda,onde elRey de Caſtella com a Rainha
ſua máy os ſairao a receber grandemente acompanhados,com todos os ſe
us eſtados. E os Reys de Portugal, & de Aragao comerao aquelle dia co
elRey deCaſtella,& as RainhasDona Izabel de Portugal,& DonaBranca
deAragaocom a Rainha DonaMariade Caſtella máy delRey. Alli veyo
chamado delRey Dom Diniz,Dom Fernando de Lacerda , irmão menor
de Dom Afonſo, & trazido de Almacam,onde eſtava,per Dom l'edro fin
lho delRey Dom Diniz baſtardo,ao qual deu muitas joyas de preço,& ou
tras dadivás,& o fez ficar vaffallo delRey Dom Fernando que lhe fez mui
ta honra, & accreſcentamento , & o cazou com Dona Joana Nunez de La
sa, que fora mulher do Infante Dom Henrique ſeu tio. E alli em Agreda
firma.
DELREY DE DINIZ 100
firmarað os Reys, & o Infante Dom Joam amizades,& lianças, para dahi
em diante elle,& ſeus ſucceſſores ſerem amigosde amigos, & inimigos de
įnimigos. E muy alegres,& contentes ſe deſpedirað,elRey de Aragað pa
ra Taraçona, & elRey Dom Diniz para Soria,onde eſperou a elRey Dom
Fernando feugenro. E ambos por delvairados caminhos ſe vierað a Va
Thadolid,onde eſtava a Rainha Dona Coſtança . De Valhadolid ſe deſpe
dio elRey. Dom Diniz delRey,& das Rainhas, & Infantes, & ſe tornou a
ſeu Reyno, onde entrou meado Setembro ſendo entam de idade de qua
renta,& tres annos.
Acabada a guerra domeſtica de Heſpanha,comoelhey Dom Fernan Socor ro
do era Catholico, & valleroſo,quisconverteras armas contra infieis, & có ſ deu els
quiſtar o Reyno de Granada,fe podeffe,& o fez ſabera elRey Dom Diniz Rey Do
ſeu fogro , & lhe pedio o quiſeffc ajudar com gentede ſeu Reyno,& em- Diniz a
preſtarlhe algum dinheiro de ſeu thefouro. O que elRey Dom Diniz lou- elRey
de Car
vou, & lhe mandou o Conde Dom Martim Gil de Souza ſeu Alferez môr, tella feu
com ſetecentos homens de cavallo bem concertados, & lhe empreſtou de géro , de
zaſeis mil, & ſeiscentos marcos de prata,& por os treze mil delles lhe deu gére, &
em penhor a Cidade de Badajoz co feu Alcacere,& com todos ſeuscaſtel de di
los,termos, & rendas,& direitos ſeculares,& eccleſiaſticos,que a ella per nheiro ,
tencião ,& elRey nella avia. E com condição que durando o dito ape
nhamento elRey de Caſtella não lançaffe nia dita Cidade,nem em ſeus ter
mos peitas ,nem ſerviços,nem ſe fizeſſe juſtiça porelle, mas por elRey D.
Diniz , & ſeus ſucceſſores,osquais poriaõ as juſtiças. Nem ſerviriaõ na guer
ra,nem na paz ,a elRey de Caſtella,mas ao meſmo Rey Dom Diniz. O qual
apen haiento ſe fez per huma carta feita em Valhadolid no anno de 1 309.
E pelos tres mil, & feiſcentos marcos de prata o dito Rey D. Fernádo deu
à penhora as villas de Alcochel ,& Burguilhos co ſeus termos rendas,& ju
stiça , & ferviço de gente ,com as meſmas clauſulas do apenhamento de Bau
dajoz per outra carta feita no meſmo dia.
ElRey Dom Fernando foi ſobre Aljezira, & à teve em cerco algum Morte
tempo,noqual Dom Joam Nunez de Lara,o que ſe fez vaſſallo delŘeỳ delRey
Dom Diniz tomou Gibaltar. E poraelRey de Caſtella faltarem os man- D.Ferná
do de
timentos levantou o cerco de Aljezira ,& ſe tornou para Caſtella, onde à- Caſtella
vendo 15 annos que reinava falleceo fendo deidade de 24.annos empra
mpra
zado per dans cavalleiros da familia dos Carvajales, que no lugar deMar- zado
tos mandou deſpenhar, inais por ira,que com juſtiça,nem razão. Peloque por dous
não lhesvalendo ſua deſculpa,nem lagrimas , nem lhe querendo ouvir a fidalgos
e'cfenſao de ſua innocencia ,o emprazaraó para ante o Divino Tribunal ğ man
dentro de trinta dias dar conta da femjuſtiça , que lhe fizera . O qual ao dou ma
derradeiro dia do prazo ,que lhe foi aſſinalado,morreo fubitamente em Ja- tar mal .
cm ,onde avia dado a ſentença . Parece que quis Deos moſtrar neſte cazo
ſeu divino juizo,para que os Principes de que não ha appellação,ſenaõ pa.
ra o
CHRONICA
ta o meſmo Deos,ſe guardarem de fazer agravos a ſeus fubditos, & os não
façao injuſtamente padecer,pois tem outro ſenhor mais ſoberano , alite
quem nenhuma couſa ſe encobre,& a que hao de dar corta,& reſidencia,
do mal,que fizerem .Per morte delRey Dom Fernando,ficou ſeu herdeiro
elRey Dom Afonſo.XI.ſeu filho em idade de hum anno,& 20. dias,poral
gunspeccados daquelle Reyno. Por quea hum Rey que fuccedeo moço
de poucos annos deu outro fucceffor menino de poucos mezes . Peloque
entre os grandes ouve muytos deſaſoſſegos, & entre os pequenos muitos
danos , & vexaçoens.
Efiando elRey Dom Diniz quieto da guerra de fora,não pode fugir a
de caza,& da peſſoa deque menos a deviaeſperar, & que o mais podia eli
triſtecer,que era do Infante Do Afonſo ſeu filho,que foi o mayor períe
guidor,quc elle na vida teve, ſendo o filho de que elle mais merccia amor
& obediencia,que outro nenhum pay de ſeus filhos,poro muito amor,que
The ſempre moſtrou , & grandes beneficios que lhe fez. Peloque o Infante
Dom Afonſo era reputado de todos entre os filhos mais ingratos,& dein
bedientes, que no mundo avia.E tanto o mais vituperavão, quanto à hu
manidade delRey Don Diniz ſeu pay,& a ſantidade da Rainha ſua máy,
eraõ mayores, & mais notorias. A cauſa deſta deſobediencia eraõ aquel
las duas perturbaçoens,que aos mais homens abalaő,avareza, & ambiçaõ.
Porque como elRey Dom Diniz era mui rico, & tinha grandes theſouros,
não ſe contentando o Infante de os herdar,quando a idade , & o tempo
lhos deflem ,quis havelos ante tempo,não ja inquirindo(como diz hum po
eta ſobre os annos deſeu pay , mas abreviando -os com deſgoſto . Alem
diſlo faziafelhe de mal,ſendo ſeu pay prudéte,& excellente Rey, eſtar el
le ocioſo olhando como governaua, eſperando quando lhe avia de ſucces
der. E como eſtes vicios trazem outros conſigo,faziafelhe muy caro l'er,
que ſeu pay tinha amor, & affeiçaõ a Dom Afonſo Sanches, & ao Conde
Dom Joam Afonſoſeus filhos baſtardos, por lhe ſerem muyobedientes,
& de lua vontade. Peloque os ceùmes que diſto tomava, o faziam calir
em muitos deſconcertos indignos de ſua peſſoa Real. E todo o atnor, que
elRey a aquelles filhos moſtrava, & as merces que lhes fazia,cuidava o In
fante que ſe tiravao delle. Peloque o primeiro combate , que a leu pay
deu ,foiver ſe podia tirarlhe a obediencia, & apartar delle os dicos ſeus ir •
mãos baſtardos.O que não acabando com D.Afonſo Sanchez, nem como
Conde D.Joað Afonſo ,acabou com o Conde D.Pedro,que o tirou do ſer
viço, & obediencia de ſeu pay, & o recolheo aſy. A outra via perque o
Infante tentou ſeu pay,foi requererlhe,que lhe largaſſe o governo dajua
ſtiça do Reyno. E porque niſto o naõ ſatisfazia ſeu pay, por conſelho de
hum ſeu criado pornome Lourenço Vogado,filho de hum Carpinteiro de
Beja,homem liſongeiro ,quaes faó muitos que andao juntos com os Reys,
mórmente le tem baixo fundamento teve o Infante tal meyo com a Rai
nha

!
DELREY D. DINIZ IOI

inha D.Maria de Caſtella ſua ſogra,que ella mandou pedir a elReyDom


Diniz,ouveſſe por bem , por quanto ella deſejava de ver ſua filha, & feu
genro com ſeus netos,lhes deffe licença para a irem ver a Caſtella . E pora
elRey ſabia, que aquellas viſtas nað erað para bom fim , antes para törva
çao da Républica,& inquietaçao ſua,chamou o Infante,& lhe rogou , tal
nao quizeſſe fazer, mas por ſua bençað ſe eſcuzaſſe ,por nao ſer honraſua,
nem proveito, mas danomanifeſto.O Infante como tirha negociado a ida,
nao curoudas razões de ſeu pay, nem deſiſtio deſeu propoſito. E cõtra ſeu
mandado levou a Infante Dona Beatriz ſua mulher a Caſtella. E em Cida
de Rodrigo conſultou com ſua fogracouſas, que nao eraõ ſerviço de Deos
:
nem delRey feu pay, & logo ſe tornou para Portugal.
Não ſendo paſſados muitos dias depois da tornada do Infante,veyo a el
Rey D. Diniz per mandado da Rainha Dona Maria,hủ Ouvidor da caza
delkey D.Fernando ſeu filho ,pernome Pero Rēdel.& da ſua parte lhe re
quereo,com grāde inſtancia q por algúas razões apparétes,& nað verdeiras
apontou,largaſſe ao Infante ſeu filho o regimento da juſtiça do Reyno.
Do qualdeſoneſto requerimento ,elRey ſe eſcuzou,maravilhandoſe muito
da prudencia,& bondade da Rainha,requerer couſa tað injuſta,& cótraria
a toda honeſtidade.Dizendomais 7 poſto q elle por velhice,ou outro im
pediméto ý tivera,requerera ao Infante ſeu filho,paratomar tal regimēto,
ainda elle como filho obediéte,por ſer ſeu pay vivo ,fe ouvera de eſcuzar,
i quanto mais querer forçalo eſtando elle emidadepara bem governar ſeus
Reynos.Deſta repoſta delReyfe anojou muito o Infáre,qa ella eſtava pre
: fété, & ſe deſpedio. E dahi em diáte fecomeçou apartar de ſeu pay.E como
as couſas humanas ſao tað varias, & as vontades dos homēs taó diverſas, &
deſſemelhantes,quáco ſao os vultos,& pareceres,o Infante D.laymes pri
mogenito de Aragao, & primo co irmão do meſmo Infante D.Afonſo pri
mogenito de Portugal,andava em outras delavenças com elRey D. Jaymes
ſeu pay muito differentes deſta. Porque queria o Infante D. Jaymes renu
ciar aſuceſſað do Reyno deAragão,& direito daprimogenitura,não que
rëdo ſer Rey.O que ſeu pay tinha por grăde infelicidade,& por divertir o
filho daquelle propoſito, lhelargava oReynologo deſejádode em ſua vi
da ver ſeu filho Rey.E elle reſiſtio tanto ,que renunciou o direito,& eſpe
rāça, q no Reyno tinha , &podia ter,& tomou o habito da Orde de S. Joao
de Jeruſalé, em fez profiſlao, & depois o da Orde de Mõteſa ,de que foi
Mettre,nao por devaçao algúa,nem para ſe dar a contemplaçao ,mas a vi
cios , & boa vida,tomando por carga governar povos. Eo Infante Dom
Afonſo pelo contrario todos os meyos buſcava,poſto que illicitos, & ver
gonhoſos para ſer Rey em vida de ſeu pay,& o ter por fubdito, em vez de
The obedecer.
A tanto chegou a cobiça deſordenada de mandar no peito do Infante,
& os celmes do amor que elRey tinha a Afonſo Sanchez,quecötra o des
S coro
CHRONICA
Coro de ſua peſſoa, & detão alto ſangue como o ſeu,fabricou hum engano,
Teſte- & teſtemunho fallo mal fingido,como de homem aq enveja, & ira trazian
munho cego,com qou elle com achaque mataſſe o irmão ,ou elRey o defterafle do
falto & a Reyno. Para iſto fallou o Infanteſecretaméte cõ hū Pero Guilhelme, & có
traiçoa Pero Gonçalvez , viviao com elle,& de muito fiava, & lhes mandou ģ
do do
Intante foflem fora do Reyno,& que de là trouxeſſem eſcrituras com ſinaes, & mo
D.Afon ſtras de ſerem publicas,& verdadeiras,per que claraměte cóſtaſſe, que elles
to cótra de mandado do Infante foraó buſcar, & chamar homés,a que Dom Afonſo
Afonſo Sanchez peitara,porquedeſſem tal peçonha aelleInfante D.Afonſo,değ
Sanitacz tirao . Eites dousſeus criados, paſſadoalgútempo,depoisquepar
logo morrefle
do Reyno,tornàrao a elle,& trouxerao ao Infáte, que eſtava em Co
mão.
imbra,inſtrumentos publicos eſcritos em Caſtelhano,que perante os juizes
de Coimbra foraő logo authorizados, & tomados delles traſlados em pii
blica forma.Dos quaes a ſubſtancia era,que aos 21 diasde Novembro do
anno de 1318. ante a porta de Santa Maria de Magazella,perante Joam
Perez,queaquelle anno era Alguazil ,& Diogo Diaz, & Vaſco Fernandez
Alcaides,& Joao Preto Taballiaõ do lugar, & nove vatqueiros q vinhaó
per ſi nomeados,cõ outros vacqueiros de Rui Sächez de Avila, trouxeraő
preſos ao dito lugar de Magazella cinco homës do Reyno de Portugal,en
tre os quaes vinha bű homă de cavallo , parecia homë de bo entendimen
to. E q os vacqueiros diſſerao ,que no lugar, ý chama6 Agoa Mà termo de
Magazella, aquelle homě Portugues,ſ tinha feiçao de eſcudeiro,brådando
dizia:Homés do Senhorio de Caſtella accorreime, g Portugueſes me levaó
preſo para em ſua terra me matarem . E que a eſtes brados os ditos vacquei
ros acodiraó querédo livrar aquelle homem Portugues daquelles homes
outro ſi Portugueſes,q o levavao preſo. E ſo dito homé de cavallo dillera
apreſſadamente aos ſeus depè:Matai elletrèdor,para ý não fique com vi
da. E q hum homem delles lhe dera hūa lançada perhú braço,& qode ca
vallo ſobre iſſo lhe arremeſſara a lança ſtrazia,& o atrevellara por detras
até os peitos. E que os vacqueirosvendolhe fazer tal crime,lançáraó logo
mão de quatro homės ſeus. E que o de cavallo querédolhos tirar, & defen
der,hum dos vacqueiros lhe arremeſſou hum dardo, & oferio. E que o el
cudeiro quando vira ſeus homés preſos,diſſera aos vacqueiros que não ti
nháo razao de prender,nem de fazer mal a elle,& aos ſeus,pois não fazião
mais mal matar ſeu imigo.E q para veré que elle tinha razao no que dizia,
que o deixaflem , & qelle era contente de ir a cavallo perante os juizes de
Magazella. E q ellesdepoisde o ouvirë,mādariao og fofle juſtiça.E q an
tes de irem para o dito lugar, o dito cavalleiro rogou aos vacqueiros,q pa
ra certidaõ do que dizia,chegaſſem a aquelle lugar, onde jazia o ferido
Portugues.Osquaes chegando a elle o de cavallo diſſera ao ferido: Ami
go eu ſou Pero Gonçalvez eſcrivao do Infante Dom Afonſo de Portu
gal.E vós ſabeis bem a maldade,& traiçao ,que tendes feita com Garſia de
Alverca
DELREY D. DINIZ 102
Alverca,queeu fiz matar na mancha de Aragao,por ambos buſcardes, &
ordenardes peçonha para matardes o Infáte meu ſenhor.E agora lébrovos
5 eſtacs em tempo de arrepediméto, & de dizerdes a verdade,pornão per
derdes a alma,poisja perdeſtes o corpo. E q o ferido reſpondia ở tudo era
verdade.E que por iſto que elle tinha tratado , & buſcado contra o Infan
te aquelles Portugueſes o traziao preſo.o qual logo fallecera.E ſobre iſſo
em chegando aos Alcaides do lugar o dito Pero Gonçalvez moſtrara húa
carta aberta patente do Infante,perggeralmente fazia ſaber que elle man
dava o dito Pero Gonçalves contra algus,que procuravao fazer cötra elle.
E por tanto o encomendava às juſtiças,para lhedarem a ajuda,& favor,
que elle requereſſe. E que alem diſſo o dito Pero Gonçalvez requererama
is aos ditos juizes, perguntaſſem aos ditos vacqueiros,o que o dito morto
confeſſara ,os quaes differaó tudo o q acima he dico.E q em querédo mor
rer differa :Eu naſci em mà hora entre todos os homes da terra,de q fou na
tural,& aſſim aquelle por cujo cöſelho iſto fiz.Porque certo he “ Garfia de
Alverca, & euco outrosbuſcamos, & cópoſemos peçonha,para matar o In
fante. Mas quis ſua boa ventura, per ella ſenaõ obrou.E q diſſera mais,
o Infante ſe guardaſſe.E a perguntando o ferido,pelo nome daquelle do
ſangue do Infante,por cujomandado a peçonha ſe ordenara,refpondera
para q era perguntar o que todo o mundo ſabia, & que o mais não diria:&
que com iſto pedira confiflam . E em lhetirando a lança, que tinha atra
veſſada,logo morrera: Peloque o dito Alguazil , & Alcaides viſto iſto
mandàrao,que o Pero Gonçalvez, & os ſeus ſe foſſem livres, & em paz.
E lhe mandàrao dar de tudo inſtrumentos com muitas teſtemunhas , que
ſobre iſſo pedio
Sendo aquelles inſtrumētos apreletados, & publicados em Coimbra , de
ſ todos ſe maravilháraó,mádou o Infante o traſlado delles aelRey ſeu pay
per Nuno Martijs Barreto, & Ruì Garſia do Caſal, & pedialhe q logo deſſe
à Afonſo Sanchez a emenda, & caſtigo,quepor cam feyo cazo merecia. El
Rey ficou eſpātado de tamanha,& nao cuidada novidade, & mui triſte,po
ſto q ſe lhe repreſentou q tudo eraõ invençoens malicioſas do Infante . E
logo lhe mandou per Fernaó Roiz Bugalho,& Lopo Eſtevez de Alvarega
dizer o nojo 4 daquelle cazo tinhaque era tal, q ſeacontera fazerle cotra
o mais pequeno vafſallo feu ,o caſtigara graveméte, quanto mais cótra el
le ſendo feu filho,que tanto amava.E q foſſe certo, que ſe outro ſeu irmão
legitimo (ſe o elle tivera contra elle comettera tal traição, ſem alguma pi
edade lhe mandara tirar o coração pelas eſpadoas,como ao mais vil home
do mundo. E que lhe rogava,queos proprios originaesdos inſtrumétos de
♡ lhe enviara os traſlados lhe mädaſſe,para ſe be informar da verdade,& fa
ber quaes erao os participătes,para tudo caſtigar,como cópria. Infấte lhe
reſpondeo,que ſe eſpantava muito delRey feu pay,querer pôr em juizo
couſa tam clara,no qual elle nao poria ſua vida,& honra,que o cazoſofria
nam
S2
CHRONICA .
ſofria tantas delongas. E que os originaes por ſerem eſcritos em papel,lhe
não mandava,porle não perderem , que quando foſſe neceſſario , lhos
moſtraria. E que ſobre iſſo mais ſe avia de fazer, como homem que a
meaçava .
Com eſia denegaçao de papeis do Infáte,creſceo a elRey aſuſpeita da
fallidade, & machinaçao do Infante.Pelog para tirar a coula a limpo, ma.
dou húa carta de rogo aosjuizes de Magazella encomendadolhes, ğ do caſo
de q nos inſtrumētos do Infante ſe faziamécao,lhemandaffem dizer a ver
dade,& q tudo vielle per todos authorizado. Os juizes jūtos em ſeu cöfil
torio ,ſe maravilharao daquelle caſo ,& eſcreverao a elRey D.Diniz ,q ne
nhúa couſa daquellas paſſara.E q na villa de Magazella nunqua ouvera ca
es homës,que foſſem juizes,nem tal tabaliao,nem ouvetaesvacqueiros, në
memoria que tal feito como aquelle acoteceſſe naquella villa, nem em ſeu
termo,nem em toda aquella comarca. Para iſto fizerað todas as Hiligécias,
de q mandárað a elRey luas certidoēs authenticas ſelladas com o ſello do
concelho.O meſmo certificárað per ſuascertidoes,D.DiogoMoniz Meſtre
de San&tiago de Caſtella, & os Comendadores de Segura , & Alhábra. Có
eſta repoſta ainda q elRey ficou por parte de ſeu filho Aföſo Sáchez & de
ſua innocencia contente,ficou mui anojado,porver que aquella falſidade
do Infante tað apaixonada,& cegamente feita, era começo para deſcuber
taméte o deſobedecer.E logo à ſua camara mādou chamar D. Joao Medez
de Briteiros,Martim Afonſo de Souza, Gonçaleanes Berredo,D.Pedro Ef
taço Meſtre de Sá&tiago,D.GilMartijs Meſtre de Chriſto,D.Vaſco Mel
tre de Avis,Vaſco Pereira, & outros homës grades de ſeu Conſelho.E pera
te elles fez ler a carta ,ğlhe viera de Magazella. E acabada de ler lhes diſti:
Queisu. Bem quiſera encubrir de vós(te pudera)meus deſgoſtos,ſe quem mos då,
mesőel quiſera q foraŭ ſecretos.Masvieraó a ſer tantos,& taðnotorios,q mecupre
Rey Dó dizervolos,não para me deſculpar a mito,nem para colpar meu filho: mas
Pasnimcus para vos pedir conſelho,& ajuda para os remediar,ou ao menos para mais
fidalgos co paciencia os ſofrer. E referir ante vôs os beneficios q o Infáte meu filho
defeu fio de mi recebeo ,alédaquelles per ýos filhoseſtao obrigados a ſeus pays,a ý
lho o In- depois de Deos não podem refpöder,nem ſatisfazer,fora eſcuſado.Masco
fante D.
Afonſo . mo cõvoſco fallo tábé paradeſabafar de meus nojos,ja q eis de ouvir me
us aggravos ouvi a cauſadelles.Bem ſabeis quáo tenramente amei meu fi
lho,pela qualcauſa ante tëpo,& fóra do coſtume dos Reys meus anteceſ -
tes,não ſendo elle ainda de ſeis annos,lhe dei caza, & muita rēda,& muitos
hörados vaffallos, & criados.Porqſendo cazados, & tédo ja filhos traziaó
os Reys paſlados ſeus filhos herdeiros do Reyno em ſua caza,ſem teré fer
vidores,nem vaſſallos apartados.ElRey D. A főſo meu avô ſédo ja cazado
com a Infante D.Vrraca,& tendo filhos,andava em caza delRey D. Sau
cho ſou pay. E ſe elRey meu ſenhor me deu ami caza,ſēdo ſolteiro,foiem
tempo, que eu era ja de 18 annos,& avia 14 que elle eſtava em cama, fem
ſe poder
DELREY D.DINIZ 105
ſe poder levantar,nemreger bem ſeus vaſſallos. De maneira que depois ģ
meapartou caza, nao viveo mais que nove meſes. Tambem ſabeis pois os
paffaltes comigo,osgrandes trabalhos,& perigos,que paſſei, & guerrasē fis
por ſe effe& uar ſeu cazamento com aInfanteDona Beatriz, por o deixar
1
por minha morte pacifico, & quieto. E ſendo elle per razão natural, & po
Titica obrigado a me ſervir, & obedecer,todosos meyos,7 pode, buſcou,pa
ra me anojar, & offender.E poſto & outros mais graves exceflus fez contra
ini,q os que vos quero contar,direi,os q mais me magoàrao. Primeiramen
te deſpedindoſe de mi, & de meu ſerviço o Conde D.Martim Gil,pela co
tenda,queentre elle, & D. Afonſo Sanchez avia ſobreas partilhas de feu ſo
gro, por ſerem ambos cazados com duas irmãas,poſto q meu filho foi def
terrado , & mal-tratado,eu fui muito favoravel ao Códe por amor do Infá
te meu filho por fer ſeu.E à cuſta de muito dinheiro ,ő per cöpoſição dei
ao dito Afonſo Sáchez,os cócordei . E ſendo o Conde meu vallallo , & meu
Alferez mór,& Mordomo mòr do Infante,eſquecido dos beneficios q de
mim recebera, & de ſer eu feu Rey,& ſenhor,fe foi fazer vaſſallo delRey de
Caſtella , & lhe fez preito ,& homenage,ſob pena de trèdorą o ſerveria co
trami,quádo lho elle mädaffe,induzindo iobre iſſoalgūs vaſſallos meus,Ğ
foſſem contra meu ſerviço. E avendo o Infante per lei natural, & Divina,
de defamar que me fazia traição,por ſer ſeu pay,& por elle aver de ſer ſuc
ceffor da Coroa de meus Reynos, favoreceoao Code,& lhe fez merces, &
eſcreveo cartas de grăde favor.També ſabeis, eſtádo concertado D.Afó
ſo Sanchez meu filho com D.Izabel ſobre o efcaimbo de Medelhim por
Aguiar, & eſta ndo aſſinado certo dia para ſe fazer , ſob pena de dousmil
marcos de prata ,indo a iſſo per meu conſentimento, & mandado , o In
fante fajo a elle para o matar. E mandandolhe eu dizer per Joam Rodri
guez de Vaſconcellos,que lhe não fizeſſe mal,que per meu madado hia ,elle
o não quis fazer, & me mandou ſem nenhum ,pejo dizer que o que tinha
começado avia de acabar.Pelog por atalhar o muito mal que ſe apparelha
va acodia iſſo em peſſoa, & vòs que me ouvis comigo. E não ſe pacificou a
couza,ſenão com o dano,7 viſtes. Outro fi Vaſco Påez de Azevedo , q em
Caitella cotra mim,&meu ſerviço diſſe algúas couzas,q não devia, querēdo
fe dellas alimpar perāte mim ,poz a culpa a Martim Raimõdo. E porq Afo
fo Martijz Raimodo ſeu ſobrinho, q eſtava preſente lhe diſſe que feu tio
nunqua tal diſſera,& que lho defenderia pelas armas, & lhefaria cõfeffar, ý
não dizia verdade,o Infante tomou a parte de Vaſco Paes,& fallou por el
le palavras mal atécadas . E querendo Vaſco Martijz diſculpar, & eſcuzar
feu tio ,os do Infante o quiſerað logo matar.E perante mim ſem nenhum
acatamento de minha peſſoa o ferirao,ſem meu filho querertornar por if
fo,conſentindo em tamanha offenſa,como ſe me fez.Alem diſto dous fobri
nhos do Biſpo de Lisboa,confiados que pelo favor, que eu fazia a ſeu tio,
poderiao aver perdaõ de qualquer maleficio,eſtando eu,& a Rainha , &
meus filhos em Lisboa , elles ſobre ſegurança Real matàram publi
S3 Came
CHRONICA,
camente na metade da hora do dia, hum filho do bom cavalleiro Eſtevão
Eneves,& por a fealdade do cazo os mandei logo publicamente juſtiçar.
Peloque o Biſpo ſeu tio,fe foi a Roma,onde per todas as vias , que pode
mc defervio.Pela qual razaõ oInfante lhe fez honra ,& merce, & o favore
ce,por faber que niſſo me anoja. Alem deſtas couſas me tem feitas outras
muitas ſes razoens,quelhe ſofri,eſperando que com o creſcimento dos
dias,da honra, & do eltado,que tinha,le emendafle,& me tiraffe a occaſião
de dizer mal de meu fangue, & de quem me ha de ſucceder no nome,& n0
Reyno. Mas por que vejo,que cada dia accreſcenta mal a mal, & que em
-lugar de le cmendar,fe empeora, vos dou conta ,diffo para que me deis re
medio ,ou ao menos Conſelho como amigos.
Eſtas palavras que elRey diſſe com grande magoa,& que nos eſtranhos
que as ouviao moverað os affectos que não fizeraõ a ſeu filho,lhes fizerać
' vir as lagrimas aos olhos,& todos ſe offerefcerañ a elRey, com as vidas,&
fazendas para o quetocaiſe a paz,& concordia fuia com ſeu filho. O in
fante vendo como lhe não ſuccedera,o que fingira ,para Dom Afonſo San
-ches ſer morto, nem deſterrado,ordenou em Coimbra , onde elle eſtava,
que ſe difefie publicamente,per muitos dos ſeus,& alfi em San &tarem, or
7 de a Corte eſtava, que elReyleu pay mandará cartas ao Papa felladas com
" os ſellos de 32. Cidades,& villas principaes doReyno,per que certificava
que o Infante Dom Afonſo por falta de juizo natural, & muitos defeitos,
que tinha, não era apto para governar o Reyno,nem ſua meſma peſſoa. E
que como parvo;& deſaſizado ,andava tirado as aranhas das paredes. E que
por tanto pedia a lua Santidade, legitimaſſe a ſeu filho D. Afonſo Sáchez,
para lhe ſucceder no Reyno,por ſer muy fufficiente para iſſo . E que cas
rendas do Reyno ſoſtentaria ao Infante ſeu irmão em ſua vida.Vindo iſto
à noticia delKey,tomou diſſo grande ſentimento .E logo mandou Loure
ço Anes Redondo,& Pero Eſtevez ſeus vaſſallos,ao Infante,a quem dille
sað o nojo,que elRey recebera de osdo Infante diffamarem ſem cauza de
ſua bondade, & conſciencia,& da lealdade das Cidades, & naturaes de le
us Reynos, & muito mais, de elle os nao caſtigar,per onde parecia bem ,que
em tudo conſentia. E que para conſtar da verdade diſſo, & que tal couſa
per elle,nem per ſeus vallallos foi cuidada, que elle daria por ſi taes peſſoas
queper deſafio ,& rapto poſeſſem as mãos àquelles que tal aſſacavao, &
per ſuas boccas,lhes faria confeſſar, que erao falſos, & trèdores. E que pa
ra mais juſtificaçao ſua,eſcreveria ao San &to l'adre, que per fuas letras pa
tentes com outorga, & approvaçaõ dos Cardeaes,mädafle ſeu teſtemunho,
ſe tal couza paſſara . O Infante reſpondeo,que tal couſa nao fabia , nem
ouvira Mas elRey o notificou ás Cidades,& villas de ſeusReynos,q logo
manı'àrao publicos inſtrumentos de muita lealdade,affirmando cada povo
per fi,que combateriaó em campo a quaesquer que contra elRey ,& con
fra ſeus vaſſallos taes traiçoeus fabricàrao,que nunqua paffàraū, vem elles
per
DELREY D. DINIZ 106
por ſuas lealdades as confentirao
Como o Infante andava tain cego do odio,& fôra do ſerviço de Deos,
& de ſeu pay,não fazia hum ſó mal,nem ſe contentava com os que elle fa
zia,mas trazia conſigo muitos homiziados,& delinquentes homens facino
Facinos
roſos,que com ſeu favor ſe atreviao a fazer muitos inſultos, por não te roſos fei
merem a pena,quç porellesmereciam. Entre eſtes andava hum Eſtevam tos dos g
Gonçalves Leitað vafallo do Infante, que com hum ſeu irmão, & outros o Infan
de ſua companhia em hum caminho,matáraó ſem cauſa a Eſtevam Fernan- te trazia
dez, vaſſallo delRey, & Gonçalo Fernandez vaſſallo de Fernão Sanchez, cóſigo
filho baſtardo delRey,osquaes o Infante,ſendorequerido delReylhos não ſfourbed
eu pay .
quis entregarpara delles fazer juſtiça.E hú Joao Pirezde Portel,q vivendo
có o Infáte,co outros foi roubar o moſteiro doMarmelalde quãto tinha, &
elles,& os ſeus forçàrað muitas mulheres virgës,& cazadas, q achavao pela
terra, & quiſerað matar ao Comendador do lugar,ſe ſe lhe nao eſcondera,
& cheyos de roubos vieraõ parao Infante,queos recolheo , & amparou. E
Afonſo Novaes,& Nuno Martijz Barreto,& vaſſallos do Infante, & mo
radores de ſua caza,com homens de cavallo, & de pé armados, foram fem
cauza matar a Dom Giraldo Biſpo de Evora ,que era do Conſelho delRey D. Giral
& vivia com elle. E hum Payo deMeira,& Joain Coelho , vaſſallos do dedo Biſpo
Euo .
Infante, vindo a ter inimizade,ajuntáraó cada hum de ſua parte muyta ramorto
gente de cavallo,& de pè , & ouveraõ huma grande peleja , em que polos fa
morrerað muytos fiomens,entre os quaes foi hum Lopo Gonçalves de A- cinorof
breu , que era homem valeroſo , & dos melhores cavalleiros de ſua linha- fos ſequa
gem . Peloqual caſo elRey os mandou deſterrar do Reyno . Mas dahi a zes do
poucos dias,ſem temor delRey elles ſe tornarað para o Infante, & achàrao Infante
nellefavor, &bomacolhimento. E poſto que elRey requereſſe aoInfan. P, Afó
te, que lançaſſe de ſi eſtes homens, que a Deos, & a elle fazia tanto deſer
viço, & ao Infante traziao tanta delhonra,o nao quis fazer. Peloque el
Rey notificou ao Papa Joam XXII.as deſobediencias que ſeu filho com
elle uſava ,& a falla fama que por ſeu reſpeito ſe deitara de fupplicar a ſua
Sancridade pelalegitimaçaõ de Afonſo Sanchez,para reynar, & inhabili
| taro Infante. Sobre o que o Papa mandou Bulla patente,em que dava
teſtemunho d'aquellas diffamaçoens ſerem fallas, & que nunqua tal noti
ficaçaú lhe fora feita, nem caes proviſoens ſepaffaraó em ſeu tempo , nem
nos teinpos dos Papas Bonifacio VIII.Bcnedi& o XI.Clemente V. & feus
predeceſſores: cujos regiſtos, para mayor juſtificaçao mandou buſcar . E
a todos encomendava,procuraflem paz, & concordia,doendoſe, & eſpan
tandoſe da deſobediencia do Infante. Eſta Bulla mandou elRey por ſua
limpeza moſtrar ao Infante, & publicar em ſua caza,& em todos os luga
res principaesdo Reyno , a que os povos reſpondiam conforme a verda
de,de que ſe tiràrao inſtrumentos,porlimpeza delRey, & do Reyno.
Dando o Infante pouco por as amoeitaçoens
S
do Papa, & por as préga
4 çocns
CHRONICA
çoens de homens letrados, & Religioſos , & proſeguindo ſua danada ten
çao ,ajuntou grande copia de homens malfeitores, & degradados, & com
elles ſe partio deCoimbra caminho de Leiria,fingindo que hia a Lishua
em Romaria a Sam Vicentc,que agora chamaõ de fora ,que era entam lue
gar mui viſitado.Mas ſua tençao era ir tomar Lisboa . ElRey eſtando em
Santarem ,foicercificado do propoſito do Infante,de que ficou muy ano
jado por tamanho deſprezo ,como era ſem temor nem pejo delle, trazer
lhe oshomiziados ante os olhos. E como elRey era moderado temperou
o impero que tinha, de logo os acometer,& mandou dizer ao Infante per
Pero Eſtevez,& Gomezeanes ſeus vaſſallos, que lançaſſe aquellesmalfeico
res de ſua companhia, que aquillo era mais gente para ir fazer almogava
ria a terra de inimigos, para ir a romaria na ſua terra. A iſto nao obedeces
o Infante. Peloque elRey fe foi caminho deLisboa, & a Rainha com el
le, & em chegando ao Lumiar,que he huma legoa de Lisboa, foube, co
mo o Infante coin medo ſe fora a Sintra,que diſta dahi cinco legoas . E
porque a Rainha o não ſoubeſſe, que logo aviſava ao Infante, elRey par
tiomui cedo para lâ. Mas ella como ſentio tam cedo tanto rumor,& preſ
fa de gente, & apparelhos de arınas,& cavallos,mandou ſecretamente dar
aviſo ao Infante. O qual como vio o pendaó delRey , & ſuas gentes , ar
moute,& mandou armar os ſeus. E os pozem dous lugares , moſtrando
querer eſperar a elRey para a peleja. Mas elle o naõ cſperou, & ſe foi.E
podendo elRey ir em ſeu alcance,& tomalo,o nao quis fazer, tomando por
ſatisfaçaõ não o querer eſperar ſeu filho. E chegando elRey ao lugar de
Bemfica,ſoube que o Infante eſtava dahi a outra legoa , onde chamão as
Alvogas,& lhe mandou dizer que o eſperaſſe.Mas nem ahi o eſperou ſem
embargo ,que com perſuafao daquelleshomens encartados, que conſigo
trazia,determinavade vir à peleja com ſeu pay, & fe tornou a Coimbra.
Para iſſo levou logo a Infante Dona Beatriz ſua mulher,& ſeus filhos ao
lugar deAlcanhizes,quehe em Caftella, & deixando -os ahi acompanha
dos de alguns dos ſeus ſe tornou a Coimbra, paraonde fez chamar ſeus
vaffallos, & ſervidores,dizendolhes,que o ſoccorreſſem , que elRey ſeu pay
o queria vir deſtroir, & matar. E ſobre iſto lhes eſcreveo cartas de muitas
promeſſas, & de palavras queos pudeſſe mover a piedade,& comiſeraçaos.
ElRey ſabia,que tudo era a fim de ſeu filho delle ſe vingar, & vir ſobre
elle. Peloque eſcreveo aos povos,que os não enganaſſem as palavras fallas
do Infante, porque o ajuntaméto,que queria fazer,era para lhe fazer guer
ra. Com iſto mandou elRey publicar por trèdores todos aquelles que pas
ra o Infante vieſiem ,poito que ſeus vaſſallos foſſem ,contra os quaes pro
cederiacomo contra aquelles, que tomavao armas, & commettiain traiçaó
contra ſeu Rey,& fenhor. E mandou a todas as juſtiças queos mataffeni
onde quer que os achaffem ſem pena. E defendeo que em nenhuma villa
nem caftello acolheſſem o Infante,nem lhedeſſem mantimentos , nem aos
feus
DELREY D. DINIZ
107
ſeus,mas os trataſſem como amigos delRey. E para fazer ſecretamente ſuas
couſas ,tirou elRey de li a Rainha ,& a mandou a Alanquer, paraque não
avilalle ao Infante.
Vindo neſte tempoelRey ſaber que os de Leiria derao entrada ao In
fante , & tinha o Caſtello, foiſe para là mui irado,com tençao de queimar
todos aquelles,que foraõ culpados na entrada.E quando chegou a Alco
baça,achou ahi os mais delles, que ſe forao acolher ao moſteiro. ElRey
poſpoſto todo o acatamento dos altares, & ſepulturas dos Reys, com que
1
fe elles abraçavão os mandou tirar para os juſtiçar. A eſte tempo lhe veyo
recado,que o Infante entrara per força o Alcacere de Santarem . Mas o
Infante receando a ira,& potencia delRey ,ſe foidahi para Torres- Nouas,
onde ſe diz,que foi ao enterramento de Afonſo Vàz Pimentel, queera hum
fi Jalgo ſeu privado. Tanto que elRey chegou a Santarem ,logo mandou
Lourenço Anes Redondo , que ja eſtava por elle no Alcacere de Leiria ,
que logo decepaffe, & mataife todoso,sque conſentiraõ darſe a villa ao
Infante. Peloque elle decepou, & queimou noue homens dos mais prina
cipaes da villa. E elRey mandou tornar à Igreja,os que prendera em Al
cobaça,movido da Religiao daquella caza ,de que elle era muidevoto. O
Infante partio de TorresNovas,para Tomar,onde naő achádomantimen
to,nem ferragem , ſe foi dahi a Coimbra,& ſe apoderou do Caſtello , &
logo do de Montemôr o Velho. Dahi mandou o Infante chamar o Con
de Dom Pedro ſeu irmao baſtardo,que andava em Caſtella deſterrado, que
ſe vieſſe à Cidade do Porto ,porque elle hia para là:& indo o Infante ao
Porto de caminho tomou o Caſtello da Feira,queera em terra de Sancta
Maria, de que era Alcaide .por elRey Gonçalo Rodriguez de Macedo.
Dahi tomou o caſtello de Gaya,de que era Alcaide Gonçalo Pirez Ri
beiro. E logo foi ao Porto ,& o tomou,onde o Conde Dom Pedro veyo
ter com elle, & de ahi em diante ſempre o acompanhou . Do Porto foy
ter á villa de Guimaraens, & perſuadido de hum Martim Anes de Britei
sos cercou a villa,porlhe dizer que tinha inteligencias dentro com que lha
firia entregar. Mas dentro da villa achou por defenfor della a Mem Roiz
de Vaſconcellos que conſigo tinha boa gente. E poſtoque o Infante o
tentou com muitas palavras brandas, & promeſſas grandes ,& merces, &
depois com medos da morte,& outras penas,elle como homem valeroſo,
& leal,que era,lhe não quis entregar o caſtello, & lhe reſpondeo , queem
quanto elRey ſeu pay foſſe vivo a quem elle fizera homenagem , lhe não
entregaria a villa,& que ſobre lho defender, morreria .
ElRey ſabendo como o Infante tinha em cerco Guimaraens com mui
ta gente, que ajuntou da Eſtremadura,ſe veyo lançar ſobre Coimbra, que
eſtava poro Infante, & lhe poz cerco. O Infante avendo dez dias que ef
tava no dito cerco,o deixou,& veyo ſoccorrer a Coimbra , & antes que
chegaſſe á Cidade,fe concertou com elRey, queſe levantaſſe, como logo
levans
CHRONICA
levantou,& que ſe foſſe a Sao Martinho do Biſpo. Infante veyo à Cida
de,& pouſou em San &ta Cruz.Mas vendo elRey,queo Infante dilatava a
concordia,ſe veyo para Sam Franciſco ,ondeſe fez muito dano,& eſtrago
no arrabalde,& nos olivaes.E alli ſe acharão de huma parte, & da outraos
mais dos fidalgos de Portugal. Entre huma parte, & a outra avia repairos,
de que eſcaramuçavao ,& morria muita gente,ondeàs vezes como ſe faz
em guerra civil,como eſta era,os pays matavao aos filhos, & os irmãos aos
irmåos. A Sanda RainhaDona Izabel vendoſe em tanto aperto , & del
goſto, como eraver ſeu marido, & filho em armas com tamanha offenfa de
Deos, & receando a victoria de algum delles , porque nao podia fer fem
perigo da couſa,que mais amava,ſem licença delRey ſe partio de Alan
quer,ondeeſtava para Coimbra, aver ſeos podia acordar,mettendo por
terceiros ſuaslagrimas,& rogos. E depois de fa llar com elRey, & com o
Infante,fallou per ſi com todos os homens grandes de huma parte, & ou
tra,negociando entre todos paz,& amizade.Peloque aſſentou com elRey,
& como Infante,que ſe foſſem dahi a outros lugares, & que ſe veriaõ as ra :
zoens, & requerimentos do Infante,per peſſoas ſem ſuſpeita, & as que fof
fem juſtas, & honeſtas,ſe lhe concederiaó. ElRey como pay era o mais
contente de partido. Peloque ſe foi logo a Leiria, & a Rainha com o In.
fante a Pombal. Alli concertáraó ,que elRey deſſe ao Infante , Coimbra,
Montemòr o Velho com ſeus caſtellos, & a fortaleza da Sé do Porto: por
que a Cidade ainda nao era cercada. E quepor aquelles caſtellos, fizeſſe
o Infante homenagem a elRey,para delles fazer guerra,& manter paz co
mo ellemandaffe. Item que elRey accreſcentaſſe ao Infante mais quar
tia dedinheiro, & pannos do que tinha. Afſentado iſto elRey perdoou
ao Infante,& aos ſeus todo o paſſado, & o Infante aos delRey. E a rogo
do Infante foi perdoado o Conde Dom Pedro , & reſtituído a tudo, o que
tinha. O Infante moſtrou com muitas palavras o contentamento que ti
nha de tornar en graça com ſeu pay,& das merces que delle recebia, & no
altar de Sam Martinho de Pombal,perante a Rainha, & muitos nobres,
jurou ſobpena de trédor, & de encorrer na maldiçaõ de Deos , & de ſeu
pay,de ſempre o ſervir, & obedecer, & de conſigo nað trazer mais malfci
tores,mas de prender os que podeſſe, & os entregar a elRey . E que os que
trazia, lançaria de ſi logo.O meſmo juramento , & homenagem fezo Con
de Dom Pedro ſeu irmão,Martim Annes de Souſa,Gonçaleanes de Britci
ros, Afonfo Tellez,Gonçaleanes de Berredo, Lopo Fernandez Pacheco,
Payo de Meira,todos ricos homens de Portugal,& outros homens nobres,
ſeus vaſſallos. É á Rainha pedio o Infante quiſeſſe por elle fazer eſte meſ
mo jurainento , & ella o fez comoos outros. E elRey para ſatisfaçaõ do
Infante, & de todos fez no altar da cappella de Sam Symao de Leiria, ou
tro tal juramento, de comprir ao Infante tudo o que lhe promettera . 0
que tudo foi no anno de 1323. E logo elRey, Rainha, & Infante ,fe fo
raoa
DELREY D. DINIZ 106
raó a Listoa ,donde o Infante dahi a poucos dias ſe foi às terras, que lhe
elRey dera .
Atrâz fica dito como elRey Dom Fernando de Caſtella falleceo no ano
1 no de 1310, demorte ſubitanea, & por ſua morte ficou por ſeu herdeiro,
& ſucceſſor do Reyno o Infante Dom Afonſo ſeu filho ſendo de hum an
no,& 21.dias. O qual ficou em poder de lua máy a Rainha Dona Cof
tança filha de ReyDom Diniz. Mas porque a Rainha Dona Coſtança
falleceo dahi a poucos annos,ficou em poder da Rainha Dona Maria ſua
avó. E ſobre as tutorias duve muytas differenças, diſſençoens, & gran
des eſtragos nos Reynos de Caſtella, & aquellas miſerias que as Eſcripru
fas Sanctas dizem que ha em tempos deReys meninos. Porque como a ex
periencia muytas vezes o moſtrou,aquelle he o tempo, em que a cobiça, .
& a ambiçam andað ſem freyo,as leys ſem execuçao,as virtudes ſem prc
mio,& os vicios ſem caſtigo,a juſtiça ſem ordem,os bons opprimidos,& oś
maos levantados. Peloque depois de muytas competencias , & boliços,
que no Reyno ouve,ſe acordàraó, queos Infantes Dom Pedro filho del
Rey Dom Sancho, & Dom Joam , queſe chamou Rey de Liao, filho del
Rey Dom Afonſo X. juntamente com a Rainha Dona Maria, foffem tu
tores delRey . E confiando a Rainha das muytas virtudes delRey Dom
Diniz,& defeu poder,& por a tažaó que tinha com o Rey pupillo ,que es
sa ſeu neto,deſejou communicar com elle coužas, que compriao ao eſtado
do Reyno,& pedirlhe ajuda, & conſelho. Peloque lhe mandou pedir,que
fe viffem em Fonte Guinaldo lugar do Eſtremo, a onde aRainha trouxe
o Reymenino . E depoisde tratarem ſuas couzas,pedio a Rainha a elRey
Dom Diniz,quiſeffeajudar aquelle menino neto de ambos,pois tanta o
brigaçao tinha elle de o fazer,como ella de lho pedir por a razao do fan
gue ſer igoal. ElRey ſe offereces a tudo. E dahi a poucos dias, peloque
a Rainha,& elle praticàrað,os Infantes Dom Joam ,& Dom Pedro junta
mente, & com grande poder entrarao na Veiga de Granada levando con
figo os Meſtres deSandiago, Calatrava, & Alcantara, & o Arcebiſpo de
Toledo, & outros grandesdeCaſtella, para comarem alguns lugares dos
Mouros,de que ja os Infantes muitas vezes ouverað victoria em batalhas,
que lhes deraó. Na qual jornada ſuccedeo aos Infantes ambos juntamen
te a morte por o mais novo cazo que ſe achou em memoria de homens.
Porque tendo elles entrado pelaterra dos Mouros, & tomados alguns Ca
ſtellos entre os quaes foy o de 11hora, & avendo eſtado á viſta de Grana
da o tempo,que convinha,dando volta para o Reyno, & vindo em boa
ordem caminhando,o Infante Dom Pedro na avanguarda , & o Infante
Dom Joam na-retraguarda,carregou tanta multidao de Mouros, queſe
aviam ajuntado ſobre a batalha,quetrazia o Infante Dom Joan , que lhe
foi neceffario mandar dizer ao Infante Dom Pedro ,que o vieſſe ſoccorrer.
O qual querendo elle fazercom grande vontade, & animo,achou ſua gen
te tain
CHRONICA
te tam deſanimada, & covarde, que ſe começou a deſordenar , & de ne
nhuma maneira,a pode fazer tornar contra os Mouros. Do que recebeo
tanta alteraçao,& nojo,quequerendo outra vez fazer tornar a gente de
cavallo,& de pé,& nao o podendo acabar ,arrancou da eſpada, para ferir
alguns delles,para que com o temor os fizeſſe obedecer a ſeu mandado. E
foi tam exceflivo o pezarque tomou de ver ſua gente tam pufillanime, &
Morte fraca, & de nao poder ſoccorrer a ſeu tio,& amigo,que ſem poder mane
de dous ar a elpada perdeo logo a falla, & ſentido,& caio do cavallo,em terra mor
Infantcs
de Caf
to,ſem mais bullir ,nem fallar palavra,nem dar alguma moſtra de homen
tella por vivo. Viſto iſto pelos que alli eſtavaó, fizeramno ſaber ao Infante Dom
hun no- Joam que andava envolto pelejando com os Mouros. E ſabido per ello
vo,& ad -tain triſte cazo, & entendendo que a cauza da morte de ſeu ſobrinho, fora
miravel a vergonha de lhe não poder ſoccorrer, foy tanta a alteraçao , que rece
caſo . beo , & o peſar,que logo ſubitamente perdeo o ſentido , & a falla, & fe to
Theo de todos os membros,demaneira,que ſe não pode mais bullir. E al
ſi o tiverað ſuas gentes fem ſe mais mover d'alli deſdo meyo dia a
té quaſi horas de Veſpora. Os Mouros vendo os Chriſtãos eſtar quedos,
& parar,crendo que ſe ajuntavao para tornar a pelejar de propoſito, ſe
começàraõ a temer,& fe apartàrao dos Chriſtãos. Dahi a pouco eſpaço
querendo as batalhas caminhar, levando aſſim ,ſem ſentido,ao Infante Dö
Ioao,& o corpo do Infante D. Pedro atraveſſado em hum cavallo, a muy
poucos paſſos o Infante D.Ioaõ expirou. Couſa nunca viſta , nem ouvida,
que dous cavalleiros tam esforçados, dentro de tað pouco eſpaço, ſem fe
rida,nem quèda,nem outra couſa exterior, sô de indignaçam morreſſem
ambos .
Por amorte dos Infantes foi elRey Dom Diniz mui anojado, aſli por a
novidade do cazo ,como por o muito parenteſco,que com ellestinha, por
queDom Joam era ſeu tio , & Dom Pedro primo com irmao. E logo ſe
mandou offerecer à Rainha,& eſcreveo ao Papa o perigoſo eſtado das
couzas delRey de Caſtella,ſeu neto,pedindolheo favoreceffe, & que elle
eſtava preſtes parao ajudar. E ficando a Rainha ſó no governo do Reyno,
& da peſſoa de ſeu neto ,fobre as tutorias(como foe acontecer) ouve no
vas differenças,& diſcençoens. PorqueDom Joam o Torto filho do In
fante Dom Joam , & Dom Joam Manuelfilho do Infante Dom Manuel,
& o Infante Dom Felipe tio delRey,& filho da Rainha tutora, queriat
ſer tutores, de que ſe cauſavao grandes males:porque cada hum regia a para
te do Reyno, que podia. Dos quaes o Infante Dom Felipe,contra vonta
de da Rainha lua máy,ſubjugando,& mandando a parte,que queria, foy
pôr cerco a Badajoz,para o que a Rainha ſe mandou ſoccorrera elRey D.
Diniz,& elle cometeo o cargo de defender a cidade ao Infante Dom A
fonſo ſeu filho. () Infante mandou dizer ao lofante Dom Felipe, nao fi
zelle dano aos de Badajoz,& levantaſſe o cerco que tinha poſto, & que le
o fize .
DELREY D. DINIZ
107
o fizeſſelho agradeceria muito, & qnão o fazendo,elle em peſſoa lho iria
deféder.E porą a iſto reſpódeo o Infante D.Felippe,menos brādo do que
o Infante D. Afonſo quiſera,pareceo a elRey D.Diniz,nao defiftiria, Pe
loque mandou muita gente a ſeu filho com que foi a Badajoz.Mas o Infan
te D. Felippe ſabendo o poder o Infante D.Afonſo levava, levantou o
cerco , & fe foipara Sevilha. O Infante concordadas algúatoma
s duvidas, que
os de Elvas tinhao com os de Badajos ſobre ſeus termos, & dias,ſc tor
non a Santarem .
Havendo ja húanno,& fete meſes, queo Infante D.Afonſo eſtava acor
dado co elRey ſeu paypor algúas couzas , allegou ,de fe fazer pouca juf
tiça,& lhe parecer , avia algūas couſas, quetinhao neceſſidade de emenda
pedia a ſeu pay, quiſeſſe ajūtar cortes.ElReipara juſtificar aos povos os ag
gravos ý do Infáte recebera, depois de ſua concordia quis fazelas em Lis
boa. Para o şchamou os povos. E o dia em q ſe avia de fazer falla publica,
& proporemſe as couzasdo ajuntamento, elRey mandou ao Infante, que
vielle eſtaç a aquelle auto ,como era decente,& neceſſario,pois eſtava na ci
dade , & era o herdeiro do Reyno. Infante ſe eſcuzou fazelo, & de tátas
delongas, & fem razočs, que uſou, elRey começou as cortes dem elle.E por
que elRey via,que o Conde D. Pedro tinha muito credito com o Infante
feu irmão,porque ja via algúa moſtra de alevantamentos, lhe diffe, que ſe
leinbraſſe da homenagem , que tinha feita em Pombal, & que nao foſte có
tra feu ſerviço. Ao que o Conde reſpondeo, que tal nað faria , porque ente
dia mui bem o muito,que lhe devia.E ſobre eſta ſegurança, lhe pedio lie
cença para acompanhar o Infante até Santarem,& que logo tornaria pa
ra elle, & afli o fez.
Acabadas as cortes,ſoube elRey em Lisboa,ondeainda eſtava, o Infá
te de Santarem o queria vir ver. E porque ſoube q vinhade mào propoſito,
The mandou dizer ,9 10bpena de ſua benção,não quiſeſſe entao vir, pois ģ
ſua vinda lhe não importava nada :antes della ſe podia cauſar mal. Ó Infate
The refpódco ,quenão ſabia a cauſa ,porq fendo elle ſeufilho,lhe peſalle de
o elle ir a ver,& fervir, & que não avia de deixar de vir. ElRey que con
tra o Infante tomou grande indignaçao,& ira, ſabendo que vinha, & que
eſtava ja no Lumiar,meya legoa da Cidade,faío cötra elle cö ſua gentear
mada , & lhe mandou, logo ſe tornaffe per onde viera por bé,& fenao,a
o faria tornar per mal . O Infante o nao quis fazer ,mas abalou,& fe poz jú
to cõelRey , queredo cótra ſua võtade entrar em Lisboa.OsdelRey ſe po
ſeraó em orde de lhe deféder a entrada,& de húa parte , & outra foraö or
denadas ſuas batalhas, & nellas levantadas hūas meſmas bandeiras das Qui
nas Reaes,contrarias , & tocadas as trombetas,& anafijs, que traziao.E em
fe começando húa rotura entre homes de pé de ambas as partes morrerao
algūs de dardos,& pedras queſe arremeſſavaö.
Quando a Rainha ſoube taó mà nova, com grande preſſa cavalgou em
T huma
CHRONICA .
húa mula, & fő fem eſperar por os ſeus,ſem peſſoa algúa paſſou pero mero
das batalhas, fem recear perigo,& chegando onde o Infante eſtava, lhe e
tranhou muito tamanho atrevimento, & quebra da homenagem , & jura
mento, q fizera em Pombal,& lhe rogou ;ğ ſe tornaffe , & nað anojafle a el
Rey em tátascouſas. E 9 ao menos o fizeſſe,por amor dellają por elle & a
fey'rogo,tinha feito o juraméto, & promeffas ģ ſabia, os quaes poſpoſta
toda a coſciencia,& honeſtidade elle avia quebrado. E logoſe foi aelRey
cuja ita téperou com ſuas palavras, & lagrimas demaneira,ģosacordou, &
poz'em paz.Aqui dizë q feitaetta concordia,o Infante ſo co ſeis de caval
lo,veyo fallar a ſeu pay,& pedir lhe perdaó, & qelRey o mandou ir a San
tarem ,dizendolhe,qfe outra vez lhe deſobedecia ,o iria tomar pela gargă
ta,onde quer,que eſtiveſle.
Pallado eſte alvoroço ,indo elRey de Lisboa para Sátarem, ſoube no ca
minho, q os moradores da villa per mādado do Infante,q ahi eſtava, deter
minavao,naő o acolher.Mas elRey,poſto q entao chovia muito, nao dei
xou de proſeguir feu caminho, & foi pouſar a húas cazas, ğ forao de Rodri
go Afonfo Redodo,& os ſeus ſe agaſalháraó em mui eſtreito lugar, q os
do Infante deixarao.E ſobre o comer por cauſa das razões,ĝos do Infante
com osdelRey ouveram, ſe levantou hum grande, & perigoſo arrondo,a
elRey ,& qInfante acodiram , & cada hum a ſeu bando apartado. Mas de
pois de alguns mortos, & muitos feridos,de ambas as partes, foi poſta tre
goa, ſobre a carde,entreelRey, &o Infante, & os ſeus E querendo alguns
ſenhores tratar concordia entre elles,elRey o nao conſentio ,dizendo, que
era abatimento ſeu ,& que queria caſtigar o Infante,comomerecia, & co
mo ſeu imigo capital.Mastanto trabalhou D. Afonſo Sanchez,a que o In
fante omal pagou,queelRey veyo a ſucceder niſſo. Os eſcudeiros,gelRey
alli tinha, erao 340. & os do Infante 320. Deſtes ſe eſcolheram 12 de ca
da parte para fazere o cócerto,& cópofiçao entre elRey,& o Infante , & le
guardar inteiramente, & ſe ouveſſe deſvairo,logo apontàrao outras peſſoas
9 dentro de 60 dias concordalſem tudo,com toda ſuperioridade.E qual
quer dos delRey,ou do Infante, contra iſſo foſſe,por o meſino cazo caille
em cazo de traiçao,& nað ſe podeſſe della livrar,ſe nao pondo ſeu corpo a
quatro cavalleiros, lho quiſeſſem combater,& naš o fazendo ,que ficafie
Petiçaó
injuita
encartado, & bannido,& qualquer povo o podeſſe matarſem pena. Alli
do Infa pedio o Infante a elRey por grandemerce,tiraſſe a D.Afonſo Sanchez ſeu
te Dom filho as terras, & as quantias de maravedijs,que delle tinha,& afli o officio
Afonfo de ſeu Mordomo mòr. A iſto reſpondeo elRey, que era couza injuſia
a ſeu pai dar pena , aquem nao tinha culpa,& fazer mà obra, a quem lhe merecia
honra, & inerce. E que fazendoo ,nao ſabia que conta daria a Deos,&
ao mundo, & ao ufficio de Rey q era fazer juſtiça , & arredar aggravos,&
ſein razoés. Tam cançado, & corrido eſtava elRey,dos deſacatos, & deſafo
ros de ſeu filho,que por o ver fora de tam errados caminhos,& o affoflegar,
para
DELREY D. DINIZ 108
para ſatisfazer ao filho deſobediente, quisaggravar ao obediente,& que
muito amava,& lhe concedeo o que lhe pedia cótra Afonſo Sanches,poſto
que com grande deſconſolaçað ſua.Pelo D.Afonſo Sanchez ſe foi'a Al- Deſtera
buquerque q era ſeu , & ficou vaſſallo delRey de Caſtella,deixádo de o fer ro deA
de ſeu pay .Tambéſeaſſentou nas capitulacoens da paz,que foſſem per- ches pa
doados todos os que ſeguirao qualquer das partes delRey, & do Infante, & ra Caſtel
ſe fizeſſe entrega das comadias, ğ ſe fizerao na peleja.Item que ſe o Infante la fem
D.Pedro filho do Infante D. Afonſo vieſſe a tal idade,q laindo do madado cauſa.
de ſeu pay,quiſeſſe vir cótra elReyſeu avô ,o Infante ſeu pay foſſe fem
pre cõrra o filho, por elRey ſeu pay.E q elRey deſſe mais quácia de dinhei
ro ao Infante D. Afonſo. E q nüqua lhe podeſſe mais pedir,nem elRey dar
lho.E 7 para ſegurança de tudo,ſe poſefrem de cada parte dous Caſtellos.
Para o que o Infantepozos caſtellosdeGaya, & da Feira,& elRey o ca
ſtello de Celourico da Beira,& o de Faria.E foraó aſſinados quatro juizes
logo nomeados ſe revogaçao,para determinaré todas as duvidas,& debates
q entre elRey ,& o Infante ouveſſe.Os quaes não poderiaõ eſtar né eltari
ao nos lugares,ondeſe taes juizos ouveſſem de fazer.E q a parte deſobedi
ente pagálle mais dozėtas mil livras de pena.As quaes repartiſſem os juizes
&fidalgos do Reyno entre ſi. E a cobpena de traiçaõ,as fizeſſem pagar in
teiraměte a qualquer das partes, q eſta concordia quebrafle.E qlob a dita
pena,logo elles ſe vieſſem ,& ſerviſſem a elRey,ou ao Infāte,qualquer del
les q às determinaçoens dos juizes foſſe obediente. A qual convença ſe fez ANNO
em Santarem a 25.de Fevereiro do anno de 1324. 1324
Eſtas, & outras muitas perſeguiçoes padecco eſte bom Rey até a morte,
per q o filho de todo o múdo era vituperado,poras fazer a ſeu pay,& pay
tao cleméte ,& benemerito,& de caminho deſcontětar,& entriſtecer huma
máy tao ſua amiga, & de tað heroicas virtudes.Por entre todos os Reys,
entao avia na Chriſtādade, era elRey D. Diniz celebrado,pelo maishuma
no, & benigno,ſendo muy esforçado , & magnanimo . E a Rainha D.Izabel
ſua mulher húa dasRainhas de feu tēpo de mayor ſantidade, & humildade,
per a mereceo depois de Deos moſtrar por ella em vida, & morte muitos
milagres, & ſer venerada, & nomeada por Santa,&rezarſe della nasIgrejas
de Portugal.Cuja vida ſe pode ver mais largo na Chronica de S. Frāciſco,
eſcreveo D.Frey Marcos de Lisboa Biſpo do Porto,no tempo q era Reli
gioſo da Ordem de S. Franciſco,em cujo habito a Rainha acabou.
Deſdo começo de feu reinado até o fim ,foielRey D. Diniz conhecido,
& eſtimado entre todos os Principes do mundo por tres virtudes aſſina- Virtu
ladas,queentre outras muitas nelle avia.l.verdade juſtiça,& liberalidade, des del
Era tao inteiro em guardar o que prometcia, que nunqua da verdade, & Diniz.
Rey D.
fé que deſſe faltou a ninguem ,nem avia couſa que o mais offendeſſe, que
faltaremlhe da promeſſa,quelhe fizeſſem.Nunqua prometteo couſa, que
nao compriffe,nem quebrou contrato ,que fizeſſe, nem paffou dous alvaràs
T2 hum
CHRONICA
hum contra outro .Eratam zeloſo de fazer juſtiça,quecomo por ſua benig.
nidade,era amado dos bons,aſlipor ſua juſtiça,era temido dos maos. Porą
allicomo era largo em remunerar virtudes,aſli era ſevero em caſtigar os de
t Rey D. lictos.Mas nūqua eſta ſeveridadefoi tal,que o caſtigo nao ficaſſe igoal,cu
Diniz menor que as culpas.Peloque muitos malfeitores, que do tempo de leu
largo em pay, & avô ficàrab,os extirpou, & fecomeçou a caminhar ſeguro noſeu cé
remune- po, o que antes nað era pelas eſtradas,quede ſalteadores erao frequenta
rar virtu das,como entao eraõ as ſerras da Mendiga,as matas do Açor, & Alpedroz.
vero em Mandava fazer grādes diligencias, & propunha grădes premios,a quem to
des,&fc
caſtigar mafle ladroes,ou falteadores.Sualiberalidade era tao celebrada, q como ne
delitos. ſte tempo ſe diz por refrao ,liberal comu hũ Alexandre,diziao entao, libe
jalcomo hum D. Diniz.Pela qual virtude,como he a “ mais coraçoes ga
nha,foi amado de todos os homens,ainda que eſtranhos,& que de ſualibe
ralidade nao participavao,como acontece aos de animo liberal,& genero
fo.Peloque muitos homens nobres de diverſas naçoens o vinhao ver à fua
Corte,& elle os honrava, & tratava de maneira,que achavaõ a fama era
eſcaſſa para o que nelle viao E a todos os que a elle ſe chegavao a pedir
foccorro,ou amparo, nunqua lho negou,como foi ao Infante D.Joað ſeu
tio, & a D.Raimon de Cardona, que hūdo Reyno de Caſtella , & outro do
de Aragað eraõ deſterrados, & Joao Nunez de Lara, tendo-o em priſao,
o ſoltou, & mandou com muitas dadivas,& merces,per que ſempre ſe cha
mou ſeu vallallo,nao o querédo ſer delRey de Caſtella. Na jornada q fez a
Caſtella,& a Aragao, quãdo foi com a Rainha ſuamulher,a fer juiz arbitro
entre os Reys,& D.Afonſo de Lacerda,pedindolheelRey D.Jaymes feu
cunhado empreſtadas dez mil dobras de ouro ſobre penhor dc algus caſte
los, elle lhe nao aceitou o empreſtimo, & lhe fez graça,& doaçao devinte
mil dobras, q foi outro tanto mais,q lhe logo mandou entregar.E á Rainha
D.Branca mulher do dito Rey,deu muitas joyasde ouro , & pedraria,& o
melmo fez a muitos ſenhores da Corte de Aragao,a q deu muitas peças de
ouro, & feda.E ſendo hoſpede delRey de Aragao nenhúa couſa quis co
mar delle,ſalvo comeo có elle algúas vezes ſendo delle cóvidado . O mel
mo genero de liberalidade uſou em Caſtella com ſeu genro ,& com a Raie
nha D.Coſtança ſua filha, & com os Infantes D. Joao,& D. Pedro ,a q deu
joyas riquiſſimas. E nao ſomente iſto fazia aos grades,& nobres,g na Cor
te andavao.Mas a algus auſentes mandou dadivas,& fez merces. È ficando
eſquecido hum fidalgo honrado,ſem participar das merces, quea todos fa
zia,parecendolhe,q fe lhe fazia afronta,fe aggravou a elle, quando ja v
nha para Portugal,com palavras corteſaás. Ealcançado elRey lhe deu hua
rica meſa de prata, em ở cſtava comendo,que era a mais grotia peça, lhe
ficara,diſculpandoſe,que nao viera a ſua noticia,& que elle ſe acordara tar
de ,de lho lembrar.
Outrasmuitascouſas fez elRey D.Diniz, per que ſe pode com razam
chamar
DELREY D. DINIZ 109
chamar pay da patria,pelasmuitas utilidadesque a ſeu Reyno cauſou.Por
que fez romper muitas terras,& cultivalas,& favoreceo muito aos lavrado ,
res, a chamava nervos da Républica. Peloque em ſeu tempo ouve menos
pobres.Porą todos trabalhavao.E aos q trabalhar nao podiaó, fuftentava
elle do ſeu.Em ſua fazenda foi tam provido, ý fendo o Rey ,que mais dex,
foi o Rey, que inais deixou. Porque acquirio muitos theſouros ſem prejui-·
zo de ſeus povos,&com ſeu exemplo fez,que ouveſſeem ſeu tempomui
tos homés ricos em Portugal.
Fez inuitas leys juſtas , & proveitoſas,goje ſe uſað neſte Reyno , & an
dão enxeridas nos cinco livros das Ordenaçoes. De glam eſtas húas dels
las. * Que ninguem faça contra& os,ou diſtractos,em que ponha juramento,
ou boa fé. * Dos contractos,ou obrigaçoensque fazem os preſos na pri
fam . Do que prometteofazer eſcriptura dealgum contra& o,& depois ſe
arrependeo. Como o filho piam herda a herança de ſeu pay. * Que
a taverneira,padeira, & carniceiro, ſejam crijdosper ſeu juramento, do
que lhe for devido . * Da filha que caza fem authoridade de ſeu pay.
* Do que mata ,ou manda inatar. *Do que caza, ou dorme com paren
ta, ou criada daquelle, com quem vive. *Do que caza com mulher vir
gem , ou viuva , que eſtà em poder de ſeu pay, máy, avó, ou tutor. *Do
Official de juſtiça, que dorme com mulher, que perante elle requerer.
* Do que matou ſua mulher pora achar em adulterio. * Do homem que
caza com duas mulheres, ou mulher com dous maridos. *Dos que que,
relam malicioſamente. *Dos que falfaó ſinaes delRey. *Do que diz fal
ſo teſtemunho, & do quelho faz dizer. *Dos que jogam com dados fal
fos, ou chumbados. * Dos que acha) aves, & as nao tornaó. * Dos que
arrenegao de Deos , ou dos San & os. *Dos que encobrem malfeitores.
* Dos excomungados appellados. * Que nao ſeja,dadoſobre fiança preſo
por feito crime. E aſli as antigas comoas que de novo fez, reduzio alivros,
& a methodo . E a ordem do juizo mudou em tal modo, per que as de- Pater
mandas correſſem melhor,& fe acabaſſem mais em breve. E oje em dia Noſter
ha nas audiencias,huma piadoſa lembrança delRey Dom Diniz . Porque diencias
todo homem , que he tam pobre,que nao tem os no vecentos reaes,que na da Cor
Chancellaria pagao,osque ſe aggravao de algúas ſentenças,per ordem de- te fe re
fte Rey,ſe lhe remittem ,jurando,que os nao tem , & rêzam oje em dia na za pela
meſina audiencia de giolhos hum Pater nofter por ſua alma.Demaneira a alma del
Rey D.
nos eſtrepitos das audiencias,em q ſe arriſcaõ muitas alınas,acha Tuffragio, Diniz.
& lembrança a delRey D. Diniz.
Per aſſento que tomou em húas cortes que fez em Guimaraens mandou
tirar inquiriçoens devaſſas ſobre as fidalguias, & honras, que algus uſurpa
vaó entre Douro,& Minho para o quemandou com poderes Joao Cefar
ſeu fidalgo, & vaffallo,deq vem eſte appellido deCeſar,“ haainda neſte
Reyno, que tornou a reviveſcer neſte tëpo em Vaſco Fernandez Ceſar , &
T3 feug
CHRONICA
ſeusdeſcendentes .
E para que em ſeu Reyno nao floreceſſem menos as letras queas armas,
fendo tempo em que em Heſpanha andavaő tam apagadas inſtituio de no
yo a Vniverſidade de Coimbra, & a ella trouxe letrados de fora do Rey
no que leſſem todas as ſciencias.'A qual depois em tempo delRey D. A
fonſo.IIII.ſeu filho fe paſſou a Lisboa, & de Lisboa tornou a meſma Cida
de de Coimbra em tempo delRey D.Joam III.onde oje florece, & hc hứa
das inſignes,Vniverſidades de Europa,em rendas, & numero de eſtudantes
& na doéttina,que nella ſe aprende, & nos letrados,que della ſairão, & ncl
la reſidem ,
Ordem Sendo a Ordem de San & iago de Portugal até o tempo delRey Dom
deSan- Diniz ſubjeita ao Meſtre de Sanctiago de Caſtella,cujo Convento,& ca
Etiago heça era Vcles,de que recebia ) muitos aggravos, & vexaçočs,ſendo cha
exemp : mados muitas vezes ſem neceſſidade a capitulo,& pondoemelles por le
tada de
Caſtella ves cauſas,penas de excomunhao, como elRey Dom Dinizſempre procu
per elrou exempçao, & liberdade de ſeus Reynos, ſupplicou ao Papa Nicolau.
ReyD. IV.cöcedeſſe aos Freires,& Comendadores de Portugal,podeſſem entre ſi
Diniz. eleger Meſtre de ſua Ordem ,q de todo foſſe exempto doMeſtre deVcles,
O Papa lho concedeo,&lhe mandou diſſo Bullas,pelas quaes os Freires
elegerað o primeiro Meſtre de Portugal D.Lourenço Anes.Maso Meſtre,
& Freires de Vcles,morto dahi a pouco těpo o Papa Nicolao, fupplicáraó
ao Papa Celeſtino V.que lhe fuccedeo, & delle impetràrað hum refcripto
ſubrepticio,com clauſulas revocatorias das conceſſoens paſſadas,per que a
nulava a eleiçao do Meſtre de Portugal, procedendo os juizes execu
tores per cēſuras, & interdicto. Mas ſendo devoluto no cazo da apellaçað
o feito a Roma,achouſe o refcripto de Caſtella ſubrepticio ,& o Papa Ce
leſtino confirmou a exempçað feita pelo Papa Nicolao. E que o Meitre de
San &tiago de Portugal nãoreconheceſſe dutro ſuperior, ſenao ao Papa, &
aos Reys de Portugal. O primeiro Convento que ouve daquella Ordem ,
foi emålcacere do Sal,na Igreja, chamão noſſa Senhora dos Martyres,
& dahi ſe paſſou a Palmella,onde agora eſtá.
Inſtituìo també elRey D.Diniz a Ordem de Chriſto,cujo principio foy
o fim da Ordem dos Templarios. E porque a ſentença,per que aquella
Ordem foi reprovada, & extin &ta,foihuma das mais notaveis, que fe no
mūdo deraó,afli por a cauſa porq ſe deu,como por a condenaça ofer de tã.
to numero de cavalleiros auſentes,& derratadosportantas provincias,ſem
ferem ouvidos,não parecerà fora de propoſitoreferir neſte lugar,o que da
quelle cazo ſe cõta.E como a cerca daquella ſenteça,ſer juſta,ouinjuſta,ha
diverſas opinioens, & aflicontao as cauſas della por differentes maneiras,
direio que parece mais veriſimil,& eſcrevem os mais hiſtoriàdores, & mais
graves,dos quaes he hum Santo Antonino Arcebiſpo de Florença em ſua
hiſtoria . Sendo pois per morte do Papa Benedi&o XI, entre os Cardeacs
da para
DELREY D. DINIZ IIO

da parcialidade Franceſa, & os Italianos tanta diſcordia na eleiçao do fu .


turo Papa,que tinha paſſado hum anno,fem poderem convir em húa pel
ſoa, & vieraó ao fim concluir,que os Italianos eſcolheſlem tres Franceſes,
& que os eleytores da meſma naçao Franceſa, dos tres, eſcolheſlem hum ,
para o que lhes dèraó quarenta dias, para deliberar qual tomariao; os.Ita
lianos eſcolheraõ tres Franceſes,que ſabiao eſtar malcomſeu Rey,parece
dolhes ,que deſta maneira, teriaó Papade ſua parte. Deſtesuce, era hum
Raymundo GothoArcebiſpo deBurdeos,queem ſua Igreja refidia.Peloq
os Franceſes, que aſtutamente pedirao tamlongo tempopara deliberar, á
preſla aviſaraó a elRey de França,que era Philippe o Bello, ſe fizeſſe ani
go com hú dos tres eleytos, & os avizaſſe logo qual era ,para eſſe nomeare.
ElRey Philippe,que ſetemia devir com o futuro Papa aos trabalhos,
paſſou com Bonifacio VIII. que faó muy notorios , ſe foi ver a hum certo
llugar com o Raymundo,dizendolhe queo faria ſer Papa,ſe lhe prometeſſe
certas couſas. As quaes tudas eraõ muy graves,& injuſtaspara conceder. E
como elRey era de ſua condiçao avaro,& o Arcebiſpo ambiciolo,facilme
te ſe acordăraó com grandes ftipulaçoes, & juramentos. Deſtas condiçoes
era húa,que ſendo feito Papa,ſeavia de coroar em França,& paraella avia Injuſtas
de mudar de Roma a Sè Apoſtolica.Outra era,que avia de annullar todas condiçó
es có ý
as couſas,que em ſeu tempo fizera o Papa Benifacio, ſeu contrario, & que elRey
The avia de mandar queimar os oſſos ,como de homem , que nao fora legiti Felippe
ino Pontifice,fenaó violento ,& intruſo, por enganar a Celeſtino, homem Bello
Santo ,& ſimplez, a quem perfraude fizera renunciar o Pontificado.Outra deFran
Condiçao foi, que lhe avía de conceder as dizimas das Igrejas de França , ça fezel ,
por cinco annos . A outra(ſegundo muytos eſcrevem , &ſe vio pelo effei- lege
Papar ..
110 ,)foi,que avia de desfazer a Ordem dos Templarios, & condenalos por
homens facinorofos, & impios,& adjudicarlhe a elleas rendas, & terras, a
fofſuhião em o Reyno de França . Tanto pois,que Raymundo foi nomeá
do Papa, querendo comprir o que a elRey promettera, & nao podendo al
lazer, por eſtar em ſua terra,mandou vir a Corte à Cidade de Lião de Frã
$ a,para nella ſecoroar,com grande ſentimento dos Cardeaes,poſto que a
inda nað entendiaó ,queera mudança cotal da Igreja.E apertando apoz iſſo
Rey de França aoPapa,que procedeſſe contra amemoria de Bonifacio,
Ex lhe mandaſſe queimar os oſſos, o Papa, que ſe lhe fazia duro executar
couſa tam eſcandaloſa,buſcando occaſioensde dilatar, lhe concedeo o dos
Templarios,ou foſſe por lho ter prometcido,ou por a occafiaó,que entam
naſceo.Porque aconteceo naquella fazão, que hum cavalleiro do Templo
homem mào , & facinorofo, que era Prior em Toloſa, de húa caſa daquella
Ordem ,chamada Monte Falcão,foi prezo em Paris, por mandadodo ſeu
gram Meſtre,por deli&tos,que avia feito. E ſuccedeo,que tambem foi pre
zo naquelle tempo , & no meſmo carcere,outro cavalleiro Templario Flo
rentim ,por outros delictos graves. E como elles por a graveza de ſuas cul
7
T4 pas,
CHRONICA.
pas,naõ tinhaõeſperança de ſoltura,quizeraõ tentar,ſe comettendo outras
mayores,fe podião melhorar,como muitas vezes acontece. Peloque entre
fy comunicàrab,& concertàram ,deinporem ao ſeu Meſtre, & a toda a Ora
dem graviſſimos deli& os.E da prizaoonde eſtàvão, o derao por alvitre
alguns officiacs da fazenda delRey , dizendo queelles ſabiać taes couzas
do Meſtre ,& da Ordem dos Templarios , porque mereciaó perder as vje
das,& os bens, & fer a Ordem deſtrohida.Sendo aviſado diſto elRey, que
ovua couſa naõ procurava , tomandomais informaçao daquelles prezos,
pedio aoPapa com mais inſtancia ,deſtrohiſſe a Ordem toda dos Templa
fios juſtificando ſua petiçao ,com o teſtemunho dos cavalleiros prezos. O
Papa , ou por ſe livrar da petiçaó contra Bonifacio ,ou por comprazer a el
Rey,ſem outra inveſtigaçað,nem prova fufficiente, paſſou cartas fecretas.
para toda a Chriſtandade,para emhum dia com grande ſegredo ,ferem pre
zos todos osTemplarios , & ſeus bensſequeſtrados.No meſmo dia mandou
prender em Parizo Gram Meſtre da Ordem , era Frei Jacobo,Borgonhão
de naçao,homem de grande linhagem , que naquella cidade eſtava entao
com ſeſſenta cavalleiros Templarios que com elle ſe achàrao. E fendolhes
impoſtos graves deli& os, & indignos decrer,& de ſe referir,fezproceſſo co
tra elles,& feita a prova,proteſtandoelles, & clamando, queeraő falſamé
te accuſados ,& negando tudo o que ſe lhes impunha,forao todos condena
dos. E tirados a hum campo ( excepto o Gram Meſtre, & tres cavalleiros
de grande lugar ,cabeças da Ordem em França, que guardarað para outro
tempo forao poſtos ſobre hum cadafalſo ,onde lhe foi poſto fogo mança ,
a fim quenaquelle grande tormento, confeffafſem os delictos de que erao
accuſados ,ou alguns delles. E para que iſto fizeſſem , lhes prometterão a via
da ,& que ſeriáo perdoados.Porque como o intento delRey era desfazer a
Ordem ,& averlhes os bens,naõ buſcava mais, queesforçar a prova, nam
aviapara ſe ſeguir condenaçað. Eftes cavalleiros ſendo por ſeus amigos,
& parentes aconſelhados, queconfeffafſem , ainda que nao ouveſſem delin
quido, para evadir aquella cruel pena,elles nunca deixarao de negar, chas
mando porDeos, & por noſſa Senhora ,dizendo, que injuſtamente padeci
að , & com grande esforço , & contriçaõ de outros ſeus peccados, acabáram
naquelle tormento .
Feitaa execuçao naquelles cavalleiros,mandàrað o Papa, & elRey de
França,levaro Gram Meſtre, & a frei Hugo, & frei Delphino , & outro a
Putiers ,onde entam ambos eſtava6.E da parte de ambos, lhes forao feitas
muytas promeſſas,porqueconfeſſaſſem as culpas,quelhes impunham. Alli
dizemque confeflaram algúacouſa do que lhe pediaó, por induzimentos,
que lhes fizerao , & cuidando elles que lhes dariao as vidas. Feita eſta con
fiffaö,de que aquelles Princepes nao ſe contentaraõ,forão tornados a Paris,
para là ſerem juſtiçados,aonde o Papamandou dous Cardeaes por lega
dos,que mandárað fazer hum ſollenne, & publico auto , no qual em hum
pulpia
‫܀‬
DELREY D. DINIZ III

puſpitoſe leo ſeu proceſſo,& fentença,em que o Papa condenou ao Graó


Melire, & a todaſua orden. Eſtando neſte auto tam ſolenne, & perante
húainnumeravelinulcidaõ de gente,o Meſtre ſe levantou,& em voz mui
alca diffe:que elle mereciaa morte, que lhe queriaõ dar,poroutros pecca
dos muytos,mas por aquelle de que elle era accuſado com ſua Ordem , era
ſem culpa,& que era maldade,& mentira, pelo pallo em que eſtava, & 9
2
a Ordem dos Templarios era ſanta,& boa. E que fealgúa couſa avia có:
feflado, era por viver,& por perſuaçao, & rogo do Papa, quequizera juſti,
ficar o que fizera,porcomprazer a elRey. Eque oque agora dizia,era ver
dade.O meſmo diſſe FreiDelfino,hum dos cavalleiros,homem de ſangue
lluftre, irmão do Delphim de Vianna,que entao era hum eſtado que nam
andavaannexo â coroa Real,até aquelle tempo.O qual querendo paſſar a
1
diante com mais palavras,lhe derao depreſſa o fogo, o qual lhe pożeram
brando, & lento aos pès,para ſe queimarem pouco & pouco vivospara ý
o tormento foſſe mayor,ou confeſſarem o que não cometterað . No qual
tormento morrerão chamando por o Nome de JESV,& de noſſa Senhora
com grande animo, & devação ,que a todos,os que os viraó, fez eſpanto, &
terror. Outro cavalleiro Frei Hugo,com outro companheiro, por eſcapar
com a vidaquelhes foi outorgada, tornáraó a confirmar,o que contraly
differao ,ante o Papa.Mas depois viveraó poucos dias. E aſſim acabàrao os
dous cavalleiros, que forað inventores do negocio. Porquehum mor
reo enforcado, & outro a ferro.O que pareceo juizo de Deos.Pelo que os
mais dos homens de eſtado,letras,ou entendimento, tiveraó por injuſta a
quella ſentença do Papa . lito affirmão Santo Antonino, & Marco Antonio
Sabellico, & antes delle, João Boccacio , ğ diz ouvir a ſeu payğachädoſe
naquelle tēpo na corte do Papa, & del-Rey de França, quando ſefez ağl
· la execuçao do Meſtre do Templo, & ſeuscavalleiros, era famapublica,ģ
o Papa dera aquella ſenteça,portyrania, & cobiça do dico Rey Philipe, &
aſli o dà a entender Paulo Emylio eſcriptor grave,& não Frances,nos An
naes de França,na vida do meſmo Rey Philipe.O 4parece ſe covence por
grades demonſtraçoes & indicios.Porq ſe eſcreve,ſ levando a queimarhú
dos cavalleiros Templarios em Burdeos,paſſando pelas caſas do Papa, on
de elle ,& elRey Philippe eſtavão a hűa janella,ſendo viſtos do padecen
te,elle deu hum grandebrado,& folcando muitas palavras contra o Papa, Morte
per que lhe deu em roſto com a ſem juſtiça que uſava contra toda huma do Papa
& del
Religião,& pedindo a Deos juſtiça delle, diſſe: que appellava de ſua ſen Rey de
tença para Jesv Chriſto juſto Juiz ,& o emprazou a elle ,& aelRey Philip França
pe, que o induzira a tamanha crueldade,para que dentro de hum anno ap- dentro
pareceſſem ante o Divino Tribunal,a eſtar a direito com elle.E aſſim acó do anno
tecco , que no meſmo anno morreo o Papa de mà maneira , & quaſi de fu- do cm
bito ,com grandes dores ,& nelle meſmo , elRey Philippe com ſuſpeita de praza .
mento ,
poçonha, que lhe dizião dar Pedro Litigniano Biſpo de Xalons. O que
parece
CHRONICA
Caval- parece tambem juizo divino,quemorreſſe àmão dehum miniſtro da Igre
leirosdo ja,quem tanto offendeo a Igreja,& ſeusminiſtros. Outro mayor indicio
Templo foi que elRey D.Dinis Principe zeloziſlimo da juſtiça, & da Religião, &
não con. obedientiflimo à Igreja Apoſtolica,nao obedeceo aosmandados do Papa,
fentio
eRey D
nem paſſou á execufſao delles, prendendo algum cavalleiro do Templo,
Dinis, a rem menos elRey D.Jaymeso II. de Aragão,nem elRey D. Afonſo X.de
de pren- Caſtella Principes Chriſtianiſſimos. Mas reſcrevendo ao Papa da boa, &
deſfem fanta vida dos Templarios,o Papa reſervoua cauſa dos cavalleiros defla
emſeu
Reyno.
ordem de Portugal,Caſtella,Aragão,& Malhorca á diſpoſiçao da fanta Só
Apoſtolica,porhúa ſentença que em privado conſiſtorio publicou em 23
ANNO de Março do anno de 1310.em prezença delRey Philippe de França, &
1310 de feu filho Luis Vitin Rey de Navarra.Mas quanto à extinçaõda Ordem
& condenaçao de ſeu patrimonio, por a ſentença geral que eſtava dada,
contra os cavalleiros, & pelo ódio, que com muitos vieraó ,aſſim por a meſ
ma ſentença ,como por elles ſerem envejados,pelasmuytas terras, & rédag
que poſſuiáo, & porſernatural arreveſſar quem comemuytojos cavallei.
ros ficárað privados,& a Ordem extin & a,aſſim nos Reynosde Heſpanha,
como em França, & em as mais Provincias : o que não fora,ſe a Ordem ſe
contentàra com menos.
Sendo alliextin &ta a Ordem dos Templarios, dos bens que em França
tinhão, que eraõ grandes terras, & rendas, deu o Papa a elRey Philippe
todos osque quiz,para os applicar a ſua coroa, & os outros com os das ma
is Provincias adjudicouaoscavalleiros do Hoſpital de S.Joao . Mas pelos
Embaxadores delRey de Portugal,Caſtella,& Aragão,foiimpedido, apli
caremſe mais bens à dita Ordem do Hoſpital em ſeus Reynos, dizendo
entre outras razoés queos cavalleiros della, pelas muitas terras, & caſtel
los,que tinhão dos Reys em cada húa das ditas Provincias,& nos eſtremos
dellas,acreſcentandolhes ainda as muitas terras,caſtellos, & herdades, que
os Templarios tinhão ,feriað tao poderoſos quenao ficariaó os Reys ſegui
ros com elles,mas fariaõ o que quizeſſem , & ſe levantaria) contra ſeus fu
periores,comoos Templarios faziao em Aragao. Antes de ſe iſto cóclu
ir,fəlleceo o Papa Clemente V.& ſuccedeolhe Joanne 22 Segundo Onu
frio ,XXIII, ſegundo Platina. Ao qual elRey D.Dinis mandou ſeus Ein
&
baxadores,para lhemoſtrar, que elle não contrariava,aplicarem -ſe os bens
daquella Ordem à de S. Joao,por algúa cobiça,de os aver para ſy. Mas os
queria para ſerviço de Deos,&de ſua Igreja, & para defenſao da Religião
Chriſtáa.Porque elletinha no Reyno do Algarve hum caſtello muy forte,
que fe dizia Caſtro Marim,que era na frotaria dos Mouros de Heſpanha,
de Africa. E que ſuatençað era,fundar nelle húa nova milicia, & Religi
ão de cavalleiros de Jesy Chriſto , que pelejaſſem por ſua Fé . E que ele
lhes dava aquella villa,& fortaleza,para o que ſua Santidade devia querme
applicar os bens dos Templarios. Pareceo ao Papa muy bem a tençao del
Rey
1 : DELREY D. DINIZ II2

Ricy, & lho concedeo.Peloque a nova Ordem de Chriſto applicou todos


os hens daquellaordem extin &ta, & que os Freires fizeſſem ſua profiſſam
polos eſtatutos,& Regra da ordem de Calatrava, & o Abbade de Alcoba
ça os viſitaſſe. Peloque eſtando elRey em Santarem no anno de 1320, ef- ANNO
tabcleceo,& declarou a nova ordemde Chriſto. E o primeiro Meſtre del- 1 3 2 0
la foi Frei Gil Martinz ,que entao era Meſtre de Avis.Demaneira, que ſen
do deſtruida a Ordem dos Templarios,pelacobiça ,& impiedade delRey
Philippe de França,foi a de Chriſto inſtituida pela liberalidade, & deva
çao delRey D.Diniz.O Convento ſe aſſentou em Caſtro Marim , & def. Convés
pois ſe paſſou a Tomar por elRey D.Afonſo IV.como em ſua vida ſe dirá. to pri
E paraque nao ficaſſe de todo extinta a memoriade hűa Ordem, em que da meiro
Ordé
ja ouve tantos homens valerofos, & que tanto ſerviaó a Deos, & aos Reys, de Chris
contra infieis, quiz elRey go habito da nova ordem de Chriſto,foffequafi fto em
o meſmo que o do Templo, que era habito branco com cruz vermelha da Caſtro
feiçam da bráca,que trazem os de S. Joao,ſenao quanto as pontas da Cruz Marim.
dos Templarios eraó mais obtuſas,& rombas, & os braços della nao ſe a
largavain tanto do meyo para as cabeças. E aos de Chriſto ordenou que
ſobre hábito branco trouxeſſem hũa cruz vermelha aberta pelo meyo. De
maneira,quefica o aberto fazendo hứa cruz delgada branca.Mas a branca,
& a verinelha,que a cèrca,com osbraços direitos & igoaes atè as pontas,
que faó agudas.E aſſim como elRey teve por injuſta a ſentença,que ſe deu
contra todos os cavalleiros, & contra a ordem em geral, por ſaber que
os de ſeu Reyno eraõ homens virtuofos,&que ſerviaő a Deos, por a qual
sazao pouco avia dèraia villa de PenaGarſia à ordem do Teplo ,& a Igreja
de S.Maria a grande de Portalegre, na nova Ordem de Chriſto agaſalhou
algunscavalleiros Templarios, & aoMeſtredo Templo, que ſe chamava
Vaſco Fernandez ,deu a Comendade Caſtel-Novo . ?
Por eſte meſimo tempo,elRey D.Jaymes o II.de Aragao ,nao conſentin
do a união que ſe queria fazer,dos bens dos Templarius,com osdaOrde
de S.Joam ,eſtando ſuſpenſa adeterminaçað diſſo,a imitaçaó delRey Dó
Diniz,ſupplicou ao meſmo Papa Joam,& o impetrou delle, que os bens Ordem
que os Templarios tiphaó no Reyno de Valença, com a Igreja Paroquial da Mó
de Montela da Dioceſe de Valença,ſefundaſſe húa nova ordem de caval- teſano
leiros, para reſiſtir aos Mouros de Granada,& Berberia, que com ſuas ar- Rcyno
madas infeltavao asfróceirasdaquelleReyno. E que ſe fundaſſe hum Mo- de Valé
dciro,& Convento no Caſtello da ditavilla de Monteſa,& que nellereli- ça,dóde
Biffem Freires,& Cavalleiros da Ordem de Calatrava, a cujo Meſtre deuo gem,
l'apa a viſitaçãodanovaordem ,affiſtindo com elleo AbbadedeSantas
Cruzes,ou o deValdina da Ordem de Ciſtel. E em todos os mais bens
03 Templarios tinham noReyno & ſenhorios de Aragao,com as rendas,
& cenſos,que poflujaona cidade deValença, & meyalegoa ao redor,&
a villa de Torrent,ſeuniraó com a Ordem doHoſpitalde S.Joaó,com ficou
CHRONICA
ficou em Aragão, & no eſtado de Catalunha muy rica, & accreſcentada,
Alem delte beneficio ,que as Ordens delRey D. Diniz receberaó , lhes
fez muytas doaçoensdeterras & de Igrejas,porquem ſe pode dizer , que
quaſi as fez de novo. E a meſma liberalidade, queuſava com as peſſoas c
culares no temporal, ufava com as Igrejas no eſpiritual. Porque à Ordeu
Doaço
é que
de Avis deu as villas de Paderne, & de Noudar,ſendo Meſtre D. Louren
s
elRey ço Afonſo. E à meſına ordem deu o Padroado de Santa Maria do Caltello
D Dinizde Portalegre ;& o Padroado de Santa Maria de Alcanhede, & da Igreja
fez ao de Santo Illefonfo de Monte Argil,& o Padroado de Santa Maria de Oli
Mcſtra vença , & das Igrejas de Serpa,Moura,& Mourao, & o Padroado de Villa
do de
Avis .
Viçoſa,com todas as mais Igrejas,que ſe ahi fizeſſem .
Deu a villa de Cacella á Ordem de Santiago, affim no temporal como
Doações no eſpiritual,quehe no Reyno do Algarve, & lhe deu as villas de Alma
delRey douvar,Ourique,Aljezur,& Monchique,poras quaes Dom Joao de Olom
D.Dinizrez,Meſtre deSantiago de Caſtella,queainda entao governava a Ordem
á ordem
de Sãtia
de Portugal,lhe largou a villa de Almada,tirando os Padroados & Igrejas.
go .
E aſſim largou a Igreja de Santa Marinha do Outeiro na Cidade de Lisa
boa ,que eraõ da dita Ordem,& afſim lhe deu mais a Igreja de S. Louren
ço de Portalegre . E ao meſmo Meſtre, & à ſua ordem fez doação das Igre
jas que fizeſſe em Alcoutim,que então mandava povoar. Item ,a Igreja de
Santo Illefonſo de Almodouvar.Alem da villa de Pena Gracia,& da Igrs.
ja de Santa Maria de Portalegre, que deu à ordem do Templo,como atraz
Doaço- fica dito, deu a Igreja do Mogadouro , & à ordem de S.Joam do Hoſpi
es del tal de Jeruſalem deu os Padroados das Igrejas da cidade da Guarda , & da
Rey D. Igreja de S. Pedro de Abacas no Arcebiſpado de Braga, & da Igreja de S.
Diniz à
ordédo Eſtevao de Vreiro.
Hoſpi Ao Arcebiſpo de Braga fez doação das Igrejas da villa do Prado . Ao
tal . Biſpo de Lisboa deu os Padroados das Igrejas de S.Lourenço de Santarë,
de Santiago de Alenquer,da Igreja das Abitureiras,das Igrejas de S.Cruz,
S.Eyria, S.Martinho,S.Joao de Pernes de Santarem , de S. Eftevaõ de Al
fama de Lisboa, da Igreja de Salvaterra de Magos,da Igreja de Almonda
termo de Santarem . E ao Cabido da Sé de Lisboa os Padroados de S. Juli,
ão de Lisboa, & Santiago de Torres Vedras.
Deixou à Sè de Evora as Igrejas de Serpa, & Moura. Ao Biſpo de La
mego a Igreja de S.Joaõ de Cedavim , & a de S.Martinho de Valdigem ,&
a de S.Maria de Nomão. Ao Biſpo do Porto a Igreja de S. Maria de Vil.
lanova, Ao Biſpo de Viſeu ,o Padroado da Igreja de Pennaverde,& a Igre
ja de S.Pedro do Sul . Ao Biſpo, & Cabido daGuarda, o Padroado das
Igrejas de S. Pedro de Penna macor,de Santa Maria de Villa de Rey.Itein
as Igrejas de S.Maria do Mercado da meſina cidade, & de S. Julião de Pu
nhettc,& de S. Eſtevaõ de Pennamacor, & de Santiago da Sovereira Fera
moſa. Ao Biſpo de Tui o Padroado da Igreja de S. Salvador de Vianna.
Αο
DELREY D. DINIZ 113
Ao Molteiro de S. Clara de Villado Conde deu a Igreja de Santiago de
Murça,& as Igrejas deS. Vicente de VillaCháa, & de S. Cruz de Lamas
de Orelháa. Ao Moſteiro de Pombeiro a Igreja de S.Diniz de Villa Real.
ht
ho Moſteiro de Caſtrode Avellaas o Padroado da Igreja de S.Joao de Su
fufil. Ao Moſteiro de S. Diniz de Odivellas,em que elle jaz enterrado, deu
o Padroado de S. Joao do Lumiar,& de S. Julião de Friclas. E a fora eſtas
all ! Igrejas,quea minha noticia vieraõ,deu outras muytas.
E porque do tempo dos Mouros avîa em Portugal muitos lugares des
habicados,& ermos,outrosarruinados & ſem muros, & defenſao, os ermos
povoou de novo, &nelles fez lugares,&lhes deu foros, & os caídos,oumal Villas&
care: murados refez,& fortaleceo ein grandeornaméto & utilidade do Reyno. los, que
Porą elle levantou quaſi de fundamétos os Caſtellos de riba de Guadiana elRey D
TO S.Serpa,Moura,Mourao,Olivença,Campo mayor, Ouguella,q fað grădes Diniz
fortalezas. E na Comarca de entre Tejo & Guadiana fez os Caftellosde fez do
Móforte,Arroches,Portalegre,Marvão,Alegrete,Caſtel da Vide,Villa Vi- novo.
çoſa,Borba,Arrayolos,Evorairionte,Veiros,Landroal, Monçaraz, Noudar
Jaremenha, & a grande torre,& alcacere de Beja,& de novo fundou oRe
136. dondo, & o Açumar,Monte Argil Fez Villa o lugar de Vianna, & lhe deu
do
por termo os lugares de Alvito,que agora he húa hõradaVilla caſtelláda.
Villa nova, Villa ruiva,Malcabraó ,Bonalbergue,Ouriola,q agora ſao Vil.
ni las,& julgados per fi, & ordenou ý todos vieſſem ao julgado de Vianna.E
aos moradores deſta Villa deu mil livras, para ajuda de fazerem quatrocé
I... tas braças de muro,a 4 os obrigou por contrato. Na Comarca de Riba de
Coafoz de novo os Caſtellos de Sabugal, Alfayates,CaſtelRodrigo,Villar
eli mayor,CaftelB6,Caftel-mendo,Caſtelmelhor,Almeida,S.Felizes dosGal
legos,q agora he de Caſtella. També fez Pinheldenovo, & ſeu Caſtello .
Nas Comarcas d'entre Douro, & Minho , & Traloſinotes cercou Guimarã
a es da cerca agora tem ,Braga,Miradado Douro ,Moção,Caſtro Leborei
361 ro.Povoou de novo, & fez aos Caſtellos de Vinhaes,VillaFlor, Alfidega,
* Mirandella, mudoupara o lugar onde agora eſtà , q ſe chamavaantiga
$ mente Cabeças de S.Miguel.Fez os Caſtellos de Freixo d'Eſpada cinta, Edificie
Villa Nova de Cerveira. E de primeiro fundaméto fez Villa Real. E cm osq el
Rey D.
Riba Tejo fundou as Villas deMoja, Salvaterra , a Atalaya , a Ceiceira. Diniz
Em Lisboafez muitos edificios, & entre elles a rua nova dos ferros, &os fez .
Paços da Alcaceva. E no termo da ineſına cidade, o gráde,& nobre Mo
ſeiro de Sao Diniz de Odivellas,deFreiras da Ordein de Ciſtel, que ele
geo para ſua ſepultura, no qual então avia 80. Freirasde cogulla com
voto de encerramento . E á liberalidade, & magnificencia delRey
9
Dom Diniz, ſe devem tambem attribuir os Moſteiros, & caſas de Ora . Moſte i
çao, que a Rainha Santa Dona Iſabel ſuamulher edificou, que fo- ros que a
raó moitos, dos quaes he hum delles o notavel Moſteiro de S. Clara Sára fez.
de Coimbra,onde eſtà ſepultada,rico demuytas rendas,& herdades: mas
V muito .
CHRONICA'
muyto mais com o corpo de tamanha Santa. O qual de virtudes, Reli
giao, & nobreza das Religioſas, que nelle ſe recolhem , he hum dos ma
is honrados de Heſpanha . Do qual Moſteiro foi a primeira Abbadella
Dona Iſabel de Cardona Aragoeſa , filha de D. Raymon de Cardona,S
de hüa irmãa baſtarda da Rainha mulher de ſanta vida.
Sobre eſtas grandes virtudes tinha eRey Dom Diniz outra, pela quaf
era dos ſeus muy amado, que foi ſer muy humano, & converlavel, ſem
perder nada da Majeſtade de Rey, & grande Poëta, & quaſi oprimeiro, ý
na lingoa Portugueſa fabemos eſcrever verſos, o que elle, & os daque !!
tempo começàrao fazer à imitaçam dos Aruernos, & Provençaes: ſegundo
vimos por hum cancioneiro feu , que em Roma fe achou, em tempo de
elRey Dom Joao IIJ . & por outro que eſtà na Torre do Tombo, de lou
vores da Virgem notla Senhora.
Sendo chegado o tempo, em que o Deos quiz levar para ſi,ſendo elle
ja velho & mal diſpoſto,indo de Lisboa para Santarem , junto de hum lu
gar,que chamão Villa Nova da Rainha,ſe ſentio mal. E o Infante, que el
tava ein Leiria, aviſado da Rainha, o veyo ver,& ambos acordàrao de ole
var em andas,& collos de homěs a Santarem ,onde eſtevedočte algú tépo.
Teſta . No qual a Rainha o curava com ſuasmãos,comoamais ſimplex ,& dilige
mento te mulher do múdo,q não tiuera molheres,q a ferviſſem . ElRey vendo q
del Rey ſe chegava o ſeu ultimo dia,proveo feu teſtamento .No qualmandouğſeu
D. Dinis corpo foſſe ſepultado no Moſteiro de Sam Diniz de Odivellas. No tefta
mento apartou para deſcargo de ſua alma 140 mil maravedis de ouro,que
reis deſte tempo. E eſta ſommaman
reſpondem as moedas de quinhentostheſouro
dou, que ſe tiraſle da Torre deſeu de Lisboa , que agora do
Tombo, & ſe entregaſſe a ſeus teſtamenteiros , dos quaes o principal foi
a Rainha ſua mulher. Eſtes mandou, que tiveſſem eſte dinheiro de ſua
mão no theſouro da Sè da dita cidade , & que delle tiveſſe cada hum ſua
chave. Ao Moſteiro de Odivellas deixou toda ſua Capella ; & toda a
mais fazenda,hayxèllasde ouro, & pratajoyas, collares,pedraria,pannes
de ouro,& feda,deixou ao Infante ſeu filho,& herdeiro . E deſtes i40mil
maravedis ordenou muitas eſinollas, repartidas por todos os Moſteiros
Hoſpitaes, & Caſas pias do Reyno, & certa ſomma para cazamentos de or.
faás,& criação de meninos engeitados. Tambem ordenou que hum caval.
leiro de boa vida,foſſe ſervir na guerra da Terra Santa contra infieis dous
ANNO annos por
elle,para o que lhe deixou tres mil livras, que erað mil & duzé.
tos cruzados de ouro. E que outro bom homem eſtiveſſe em Roma por el.
1 3 25 le duas quarentenas com millivras.E toinados com muita devação os Sa
Morte cramétos fallecco em Sátarem aos 7.dias de Janeiro de 1325.em idade de
delRey 64 annos.Dos quaes reynou 46.E concertado o corpo del-Rey, como de
D.Diniz via , co muitas tochas, & acöpanhado da Rainha, do Infante,' & do Code D.
Pedro,& D. João Afonſo ſeus filhos, & muytos Prelados, & Ricos homens
doRy
DELREY D. DINIZ 114
do Reyno ,que ahieram juntos, & de muytos Clerigos,& Religioſos, foi
levado aoMoſteiro de Sain Diniz , onde com muyto pranto de toda a
gente, por ſer de todos muy amado,foiſepultado em huma grande fea
pulcura de Alabaſtro, que eſtà no meyo da Igreja, cercada de
hữas grades de ferro . Por cuja morte foi em todo o Reyno
hūa geral triſteza, como ſe cada hum perdera hứa ſua
couſa muy amada, por a muyta benignidade, &
igualdade, com que governou ſeus Reynos,
& por outras muytas virtudes de
lua Real Peſſoa.

FI M.

V2 CHROA

:
! TIS

CHRONICA
DEL-RE Y DOM AFONSO OIV .
E dos Reys de Portugal o VIJ.

Reformada pelo Licenciado DVARTE NVNES DO LIAM ,


Deſembargador da Caſada Supplicação.

Vando elRey D.Diniz falleceo , achou ſeu filho oInfan


te D.Afonſo o Reyno proſpero de riquezas de ſeus vaf
fallos, & theſouros,que lhe feu pay deixou, & pacifico. -
Porque com nenhum PrincipeChriſtao tinha o defunto
Rey guerra,nem differença em ſua velhice, mais que a ģ
eſte Infante ſeu filho lhe quiz fazer ſem cauſa ,nao que
rendo eſperar , o que o tempo, & a idade de ſeu pay
The eſtavaó promettendo. Era o Infante ao tempo que começou a reynar
de 35 annos. E nos começos de ſeu reynado, como elle era muyto incli
nado àcaça,& ao monte,& o cargo de governar tao trabalhoſo, deſcuida
vaſe algum tapto do governo, &de ouvir as partes, deque avia algumas
queixas. Pelo que indo elRey de Lisboa ao termo de Sintra à caça,onde
efteve perto de hum mez,a tempo que ſe tratavão em Conſelho negocios
de importancia ſobre o regimento do Reyno; vendo os do Cõſelho quam
inal ſe avia naquelles começos, por húa liviandade, quando veyo, & tor
nou ao Conſelho, deſpois que elle fallou o que paſſara na caça,hum dos
Conſelheiros,por acordo de todos lhe diffe: Senhor, deveis de emendar a
ordem que levais, & lembrarvos,que nos fois dado por Rey,para nos reger
des, & por iſo vos dainos noſſos tributos, & mantemos na honra em que
cítais, & vôs tomais a caça por officio , & o governo de voſſo Reyno por
pallatépo,ſendo certo, que Deos nao vos ba de pedir conta dos porcos,ou
veados,que nao mataſtes,ſenao das partes,q nað ouviſtes, & dos negocios
de volla obrigaçao , que nao deſpachaftes,como agora fizeſtes, que eſtan
do no meyo de couſa tað importante à Républica, deixaſtes o Conſelho,
em que ereis tam neceſſario , & foſtes à caça per tantos dias,& nós aqui o
cioſos, eſperando por vós,Levai outro caminho, & ſenaő. ElRey que de
ſua condiçaõ era agaſtado, & bravo,como tinha por ſobrenome, ouvindo
palavra tao inſolente reſpondeo muy indignado :Senaő?Ao que todos os
do Conſelho reſponderað :Senaő buſcaremos Rey, que nos governe em
juſtiça, & nao deixe de governar ſeus vaſſallos,por andar apoz as belias
feras. A iſto reſpondeoelRey mais indignado: Os meus, me hão de dizer
V3 a mim
CHRONICA
. a mim Senað?amim Senao ?Avos(diſſeraõ elles)todas as vezes,quefizerdes
o que não deveis.EiRey fe falo do Conſelho mui irado , & ſuſpenſo do que
fajia.Mascuidando depois quelho diziao por ſeu ſerviço, & por o ſ lhe
convinha teveospor bos ſervidores.Deſta maneira uſavao os Cóſelheiros
daquelles tempos paílados,livres da avareza,& ambiçao, & luxo dos tem
pos preſentes. Porque ſe contentavao com húa vida fimplez, & fanta ſobria
edade . Peloque como comião,veſtião,& edificavão com pouco,não tinhão
neceſidade demuyto:nem trazião com ſeus Reys continuos requerimen
tos,per que perdeſſem a liberdade,que he o fundamento , & alma dos Co
felhos.Comajuda de taes miniſtros,elRey deixou a caça,& começou re
ger feu Reyno, & fazer juſtiça ſem queixume de ninguem . E os malfeitores
que contrafeu pay ajuntara ,& favorecera caſtigava com rigor, & os pro
curava a ver à mão ,
Mas como o odio ,onde faz raizes,hemao de arrancar,& o delRey D.A.
fonſo,contra ſeu irmão D. Afonſo Sanchez, era tam antigo, & capital,tan
to que foi Rey ,quis vingar a malquerença de quando era lofante, não fe
guindo o que alguns Principes valerofos fizeraõ,g as injurias, que recebe
tão ſendo privados,não quiſerão vingar ſendo Reys.Peloque ſendo feu ir
mão fem culpa algúa,mandou logo fazer proceſſo contra elle,em que poz
Sentēça
injufta as meſmas diflamaçoens falſas,que diſlenos na vida delRey Dom Diniz.
del Rey, E como para o que os Reys querem ,logo achão prova,& razoens, & letra
córra ieu dos,que lhes digão,que he juſtiça, o quemaiscontra ella he, deuſé fenten
irmão .
ça contra o dito Afonfo Sanches,que fofle deſterrado do Reyno de Portu
gal,& perdeſſe todos os officios,honras, & terras,que nelle tinha, quelhe lo
goelRey mandou tomar. D.Afonſo ſe foi a Caſtella,donde mandou pedir
a elRey, pois elle não comettera couſa,per que aſli mereceſſe ſer condena
do a deſterro ,& a confiſcação de ſeus bens, lhe reſtituiſſe ſua honra , & fa
zenda ,& que elle o ſerviria ſempre,como a feu Rey,& ſenhor. O qlhe cl
Rey não quis ouvir .E como em Caſtella ,aſli por ſangue,como por amiza
desD.Afonfo eſtava liado com muitos grandes, & naquelles Reynos tinha
muitas villas,& caftellos,ajuntou muitas gentes de Caſtella , & de Lião,
per terra de Bragança entrou em Portugal, & queimou ,& roubon muitas
lugares, & fez nelles grande eſtrago.E outra ſua gente que tinha em Me
Afonſo delhim , & Albuquerque,de que era ſenhor,mádou, que entraſſe per riba de
Sanchez
entra cm
Guadiana,onde fizerað outro tanto .Depois veyo D.Afonſo a Albuquer
Portu que,para continuar guerra contra elRey ſeu irmão. E cótra Albuquerque
galfizé, inandou elRey D.Gonçalo VázMeitre de Avis, eſtavapor fronteiro em
do gran- Ouguella.Contra o qual ſaîo de Albuquerque D. Afonſo Sanches,& ou
de eſtra- ' verão ambos peleja,em que o Meſtre foi des baratado ,& os ſeus maltrata
0. dos, & D.Afonſo recolhido em Medelhim ,com húa febre quartãa,q lhe lo
breveyo. EIRey D. Afonſo ſentido diſto juntou gente,& foi cercar o cal
tello da Codellcira de Albuquerque, tambem era de D.Afonſo Sanches.
Sobre
DELREX D.DINIZ 116
>

Sobre o qual eſteve tanto, até que o Alcayde lho deu, & derribado o Caf
tello, ſe tornou a Portugal.
E porque as mais delavenças que elRey D. Afonſo teve com ſeu fobrie
5. nho elRey D.Afonſo XI.de Caſtella, foraó ſobre o cazamento de ſeu fi
BU lho o Infante D.l'edro herdeiro doReyno,com D. Coſtança, filha de D.
João Manuel, por os grandes eſtórvos, a iſſo deo,& ſobre o cazamento da
the intante Dona Maria lua filha com o dito Rey de Caſtella, poro mào tra
wa samento, que lhe fazia por cauſa dos amoresde Dona Lianor Nunez de
Cuzmão ſua amiga,he necefferio para noticia das hiſtorias de Portugal,fa
a zer dellas digreſlaó , & recontar algúas de Caſtella.Poró como eſtesReye
Le nos ſao tað vifinhos , & os Reys tantas vezes liados por cazamentos, & de
todas boa ; ,& más fortunas participantes,& as couſas de hú Reyno taó co
núis ao outro ,pois hūas,& outras tratao dos meſmos negocios, & das mef
mas peſſoas,as hiſtorias de Portugal,não ſe podem ſaber ſem as deCaſtella,
renas de Caſtella,ſem as de Portugal.
Tanto pois,que elRey D.Afonſo XI. de Caſtella ſaio de poder de ſeus
tutores,& lhe foi entregue o governo de ſeu Reyno ,os que o governavao ,
& fazião tudo, eraõ dous do ſeu Conſelho mais privados. l. Garcilaſſo da
Veyga , & Alvaro Nunez Oſorio,natural de Lião,homeaftuto, & fabedor.
Mas que para ſe fazer grande teve mais induſtria ,que prudencia para ſe
; .
conſervar. E entre os grandes que na Corte andavão,os mais nobres em
:‫ ܝܰܙ‬.
ſangue, & potencia,erão D.João o Torto, filho do Infante D. Joam, que
ole antes ſe chamava Rey de Lião, quemorreo na Veyga de Granada, & fora
filho de Rey D Afonſo. X. & D.Joam Manuel. Do qual como de varão
ude !
tao illuſtre, & notavel, & de que tanta mençaõ adiante avemos de fazer,
pareceo neceſſario dar inteira noticia.Foi D.João Manuel filho do Infan
tc D. Manuel,cujo pay foi elRey Dom Fernádo o III.de Caſtella,que cha
máraó o Sancto, & ganhou dos Mouros Sevilla, & Córdova. Sua may foy
5,6
D Coſtança,ſegundo Philiberto Pingonio,na genealogia dos Duques de
Saboya ,filha de Amadeu III.Conde de Saboya,a qo epicáfio da fepulcura
do dito D.Joao Manuel, eſtà em oMoſteiro de S.Domingos de Penafi
el chama Beatriz ,o qual erro(le erro he cauſaria não ſer o epità fio do tem
1!.
po damorte de D.Joao Manuel,mas muitos annos depois; poisnelle ſe faz
inenção de elle ſer avó delRey D. João I.queainda não era naſcido,quan
do elle morreo . Chamouſe per alcunha Manuel,ao cuſtume daquelle tem
po pelo nome de ſeu pay.O qual Infante D. Manuel,com os mais feus ir
mãos filhos do dito Rey D.Afonſo X.ſe chamarão dos nomes de ſeus avós
maternos,comoo Infante D.Fadrique,por o Emperador Fadrique Barba
roxa ſeu bis avô, & o Infante Dom Felippe pero Emperador Felippe feu
avo,pay da Rainha D. Beatriz ſua máy. E affi D. Manuel por memoria de .

Manuel Emperador de Coſtantinopla,de que ſeu bisavó o Emperador


Angelo llacio deſcendia,pera Emperatriz Maria,ſua avô mulher do Em
V4 pera ,
CHRONICA
perador Felippe ſer filha do dito Ifacio.E por eſſa razaő, como uiza .
çalo Argote de Molina, gentil-homem Sevilhano, & curioſo de antigu:
dades,o dito Infante D.Manuel,tomou por armas em lugar das de Caltel
la húa aza com húa mão ,& hua eſpada,alludindoaonome de Angelo,que
com as armas do Reyno de Lião ,deixou a ſeus deſcendentes. o Titolo
que D.Joao tinha, era Duque de Penafiel, Marquez de Vilhena,ſenhorde
Eſcalona, & de outras terras; Adiantado môr da fronteira do Reyno de
Murcia. Nas armasfoi o mais valerofo homem , que em ſeus tempos only
em Caſtella ,como ſe ve pelos feitos de que nas chronicas delRey D. F :
nando IV.& Afonſo XI.ſe faz mençao, & o mayor corteſao, & eloquer.de
na lingoa Caftelhana,em que eſcreveo muytas obras, que oje em dia eſtan
no Moſteiro de S.Domingosde Penafiel,que elle fundou, & onde jaz en
terrado. Foi caſado duas vezes,a priineira com a Infante D.Coſtança, filia
de D.Jaymes I JRey de Aragao, & da Rainha D. Branca filha de Carlos
IJ Rey de Napoles,de que ouve a D. Coſtança, que cazou com o Infance
D.Pedro, primogenito de Portugal, & deſpois de ſeu pay foi Rey, & foi
máy delRey D.Fernando,como a diante ſe dirà .A ſegunda vez,cazou con
D.Branca de Lacerda,filhado Infante D.Fernandode Lacerda,& de Do
na Joana de Lara.O qual D. Fernando fora filho do Infante D. Fernando
de Lacerda,filho primogenito delRey D Afonſo X.de Caſtella , & de Ma
dama Branca,filha delRey S. Luis de França . Deſte ſegundo matrimonio
ouve o dito D.Joað a D.Fernando Manuel de Vilhena, Adiantado moi
do Reyno de Murcia,& fenhor de Vilhena, de quem tomarao o appelli
do,elle,& feus deſcendentes. E afli ouve D.Joanna Manuel, que foi Rai
nha de Caſtella,porcazar com D. Henrique Condede Traſtainàra,q def
pois foi Rey de Caſtella,pormorte delRey D.Pedro feu irmão, da qual os
Reys de Caſtella, & Portugal oje deſcendem . Ouve tambem D. Henri
que Manuel,que vindo a Portugal com fua irináa a Infante D. Coſtança,
foi cà Conde de Sintra,& fenhor de Caſcaes.E paſſandoſe deſpois a Ca
Nella,pelasrevoluçoens que ouve em Portugal,o fez elRey D. Joao o pri
meiro de Caſtella ſeu ſobrinho ,filho da dita D.Joanna ſua irmáa, Conde
de Moutalegre, & fenhor da villa de Meneſes . A caſa de D. Joao Mani
el ſe extinguio ,por nao deixar filhos baroens,& fua neta D, Branca filha
de D.Joannade Aragão,filhade D. Raimon Berenguer Infante de Ara
gão,& da Infante Deſpina,filha do Deſpoto de Romania, fallecer ſem fi
Thos ; peloque porlua morte ſe inveſtio elRey D. Pedro de ſuas terras.
Sendo pois D. Joao Manuel, & D.Joað o Torto, tao grandes ſenhores,
& ſendo muy parentes, & aliados,tinhao ſuſpeitas, q elRey tratava de os
mandarmatar.Pelog ſe partiraõ delle como deſavindos. E como D. Joam
1 o Torto eſtava viuvo de D.Iſabel filha do Infante D. Afonſo de Portugal,
filho delRey D. Afonſo o II J.& irmã delR
o ey D. Dini
z ,que he o meſmo
que jaz no Cruzeiro de S, Domingos de Lisboa determinou de cazar com
elle
DELREY D, AFONSO QVARTO 117 ។

elle ſua filha Dona Coſtança, que ainda era mui moça,para que ſendo af
fi ambos liados,ſe podeſſem valer contra as offenças delRey, de que ſe
temiam .
Vindo à noticia delRey de Caſtella da liança, & concordia daquelles
dous grandes ,& vendo quanto deſaffoflego lhepodião cauſar, por ſua mui
ta potencia,principalmente por ſer vivo Dom Afonſo de Lacerda,que ja
ſe intitulata ReydeCaſtella,& o pertendera fer, que ſe poderia ajudar
delles,por conſelho de AlvaroNunez de Oforio ſeu privado, mandoule
cretainente hum meſſageiro a Dom JoãoManuel,perque Ihe rogava, que
ſe não apartaffe de ſeu ſerviço. Porque lhe deſejava fazer merce, &telo
conſigo,& darlhe parte dos officios,& governo de ſeus Reynos. É que a
Jem diſſo lhe apprazia cazar com ſua filha Dona Coſtança. E como Dom
Joam foi tentado de cobiça,& ambição,affectos que levão os homens a
poz fy,foi mui alegre, & com algumas diffimulacoens,que não faltaráo, le D. Ioad
apartou logo de Dom Joamo Torto,feu parente,& amigo , & ſe foia Pe. Manuel
nafiel, onde per procuraçoens baſtantes delRey ſe contratou o ſeu caza- do inte
mento com Dona Coſtança, & fe derão ſeguridades de caſtellos,que ſe pue relle a
ſerão em mão do meſmo Dom João Manuel. E para vir Dona Coſtança partaſc
a poder delRey,forãopor ella o Infante Dom Felippe tio delRey,& a In• da ami
fante ſua mulher, & muitos Senhores,que a trouxerão a Valhadolid, com zade de
D. Ioam
a qual tambem vinha D.Joãoſeu pay. E em Valladolid ſe celebrarão os o Torto
eſpoſorios com muitas feſtas, & folennidade.E porque Dona Coſtança e
ramui moça,fem a elRey tocar,foi entregue a Dona Tareja fua aya, que Deſpo
a criaſſe.E a D. João Manuel fez elRey Adiantado mòr das fronteiras de forios
Andaluzia , & do Reyno de Murcia. del Rey
de Caſte
Dom Joam o Torto , ſabendo o que paſſava,fe ouve por enganado, & lla , com
logo ſe fez vaſſallo delRey Dom Afonſo de Portugal , para delle aver a Dona
quantia de dinheiro, queo Infante Dom Joam feu pay ouvera delRey D. Coſtāça
Diniz ,que era mui grande,parecendolhe,que niſſo deſagradava a elRey filha de
de Caſtella. Peloque elRey lhe tomou inayor odio, & muito mais quan D.Ioam
lo ſoube, que Dom Joam Manuel lhe mandara dizer, que ſem embargo Manuel.
do cazanento de ſua filha,elle meſmo o ajudaria contra elRey, ſe dano,ou
aggravo lhe quiſeſſe fazer, como com elle tinha concertado, & jurado. E
a

per qualquer via,quepodeſſe ſer,deſejava elRey de aver ás mãos a Dom


Joam , para o matar,& fer fóra de ſuſpeitas. E para miniſtro do engano, &
promeſſas fingidas,com que o quis tentar,chamou a Alvaro Nunez de O.
forio ſeu privado, que ja fizera ſeu Camareiro môr, & luſtiça mayor de
(ua Corte,& que depois foi Conde de Traſtamara,de Lemos, & de Sarria,
com que communicou ſua tenção.Eſte vindo verſe com Dom João de pare
te delRey,o induzio com promeſſas ,& ſeguridades,que lhe fallamente pro
metteo, & de o cazar elRey com a Infante Dona Lianor ſua irmãa, & o
levou á cidade de Touro,ondeeRey eſtava.O qual por o aſſegurar mais,
& mors
CHRONICA
& moſtrar de o honrar,o ſahio a receber fora da Cidade com toda aCorte,
D.Ioam & o levou à pouſada,onde o convidou para ooutro dia.Indo Don Joam
o Torto
morto
ao outro dia ſeguinte comer com elRey,ſobre a ſegurança,que per Álva
to Nunez lhe mádara dar,o mandou matar a elle, & a dous fidalgos vaifal
fcyamé, losſeus. E logo perante muitosfez declaração dos erros, queDomJoão
Rey de comettera contra ſua Peſſoa Real, & o julgou por treidor,& lhe contiſcou
Caſtella para a Coroa todosſeus bens,em que entravam mais de 80. villas, & cal
& per tellos. Per morte deſte Dom Joao ficou huma fó filha per nome Dona Mla
engano. ria de pouca idade,queſua ama lalvou,& levou a Bayona de Burdeos do
eſtado de Inglaterra.
Dom Joam Manuel,anojado da morte de Dom Joam o Torto ,& recen
ſo da ſua,da frontaria dos Mouros,onde eſtava,ſe foi logo ao Reyno de
Murcia,onde tinha terras,com propoſito de não ir mais à guerra dosMou
ros,nem a ſerviço delRey,accuſando em publico,& commuito feyas pali
vras a Àlvaro Nunez,como ſabedor, & coadjutor da morte de Dom Joan.
Alvaro Nunez,queeſtava confiado,que Dom Joam Manuel o favoreceria
ſempre,por elle fer author de el Rey cazar com Dona Coſtança ſua filha,
quando vio que era pelo contrario ,trabalhou com elRey,poro deſviar de
Cóluios cazar com Dona Coſtança,dizendolhe que não ganhava honra,nem liançı
de Alva
em cazar com filha de hum homem quenão eraRey,nem filho de Rey, & }
ro Nuo afli
nesOlo .
por eſſa razão,como porque Dom Joam,& outros que o quizeſſemd:
rio. ſervir,não ſe liaffem com Portugal,devia de cazar com a Infante D. Ma
ria ſua prima,filha delRey Dom Afonſo de Portugal, & mandala pedir, &
para mais liança ,tratar cazamento do Infante Dom Pedro ſeu filho com
a Infante Dona Branca,filha do Infante D.Pedro de Caſtella ſeu tio,a que
muito devia,por morrer em ſeu ſerviço na Veiga de Granada. A elRey
de Caſtellapareceo bem o conſelho de AlvaroNunez, & mádou ſeus Emi
baxadores a Coimbra a elRey Dom Afonſo , & ſe concertàraó ſobre oca
zamento. Para ſegurança do qual elRey de Caſtella poz em mão de fidal
gos Portugueſes Trugilho,Plazencia,Feria,Burguilhos, & elRey de Pc -
tugal em poder de outros fidalgos Caſtelhanos,Arronches,Caſtelda Vida
Portalegre,Monforte. E porgelRey de Caſtella fe receava,que quando ),
João Manuel ſoubeffede ſeu cazamento com aInfante de Portugal, pro
curaria de levar ſua filha D.Coftança de Valhadolid, onde eſtava,depois
que ſe deſpoſou com ella,& ordenaria della algúa couſa,com que o deler
viſſe,mādou aos que a tinhão em poder,a levaſſem à Cidade de Touro,ona
de foi poſta em guarda no caſtello.
Depois de elRey Dom Afonfo de Portugal,ter concertado o cazamen
to de ſua filha com elRey de Caſtella ,quis fazer comprimento com elRey
i Dom Jaymes de Aragão ſeu tio, & mandou a ſua Corte por Embaixador
Lourenço Gomez deAbreu,per que lhe fez ſaber do cazo muitas razoens
per que elRey de Aragão,o avia de aver por bem,& que elle não conſer
tII14

i
DELREY D. AFONSO QVARTO 118
tiria em tal cazamento,nem faria couza algúa contra vontade, & parecer
Celle. El Rey de Aragão reſpondeo ,que tinha a elRey feu ſobrinho por
tio prudente, & attentado,queentendiria , que não podia elle de tal cou
za levar contentamento, Porque niſſo ſe fazia grande offenla a Deos, &
a ſua neta a Rainha Dona Coſtança, & grande afronta á caza de Aragam,
de que a elle como tana chegado divedo tocava ſua parte.E q de tal coufá
nan podia deixar de aver muito eſcandalo. E que nam devia elle como
Rev , como cavalleiro, & como parente, q tamanha injuria ſe fizeſſe a huma
mulber das qualidades daRainha Dona Coſtança, & a tantos,& taes Prin
cipes,a queaquella offenſa tocava,principalmente ſendo as coužas, per
que elRey de Caſtella juſtificava o divorcio,tao fracas. Sobre iſſo man
Jou elRey de Aragão a elRey de Portugal a Boshon Ximenez juiz de ſua
Corte. Mas tudo aproveitou potico , porque elRey de Caſtella ſe deter
ininou em effe&tuar o cazamento de Portugal, & deixar Dona Coſtança.
Como Dom Joam Manuelſoube do divorcio de ſua filha, fe mandou
per ſeu procurador deſnaturalizar,& deſpedir delRey ,& logo ſe cõcertou
com elRey de Granada,paravir contra Caſtella. Tambem femandou quei
xar a elRey Dom Afonſo de Aragão ſeu cunhado, por aver fido cazado
com a Infante Dona Coſtança ſua irmãa. Peloque Dom Joam per dentro
do Reyno,ondetinha muytas villas, & caſtellos,& elRey de Grariada pe
bo eſtremo de huma parte, & os Capitaens delRey de Aragão per outra,
fazião grandes danos per todoo Reyno de Caſtella.ElRey porque da vil
la de Eſcalona,q era de Dom Joam Manuel, lhe fazião muito dano, veyo
a lhe pôr cerco, onde confirmou, & jurou o cazamento com a Infante D. ANNO
Maria, que foi no anno de 1328. E porque elle não podia ir receber a In- 1 328
fante,ao tempo que contratara,poro embaraço das guerras,em que anda
va, inandou pela Infante Dona Lianor ſua irmáa ,que eſtava em Valhado- Cazamé
to del
lid,para ella irà raya de Portugal eſperar a Infante D. Maria. Mas os da Rey D.
villa a não deixàrao ſair della,porquecrião,que a mandava elRey levar, Afonſo
para contra ſua honra,& eſtado a cazar com ſeu privado Don Alvaro Nu- XI. de
nez de Oſorio,queja era Conde de Traſtamara ,de Lemos, & de Sarria, Caſtella.
Camareiro mòr,& Mordomo mòr delRey, & Adiantado Mayor da fron Titulos
teira , & Portigueiro mòr da terra de Sanctiago , que era Juſtiça mayor: de Alva
finalmente o mayor Senhor de Caſtella, & que a governava toda. E re ro Nu
ceavão ,que depois de cazada,ordenafſea morte delRey,para elle por reſ- nesOlo
peito da Infante ficarRey de Caſtella, por não aver outro herdeiro , le- rio.
não ella.
Por eſtes boliços,& outros, que começaváo moverſe, elRey levantou o
cerco de Eſcalona, & fe foi a Valhadolid, onde por cauza do Conde Dom
Alvaro Nunez,que de todos era muy malquiſto, não quiſerað recolher a
« Rey, & lhe fechàrão as portas. ElRey por os males,& tiranias, que do
Conde lhe contáraó,& por aſſoſſego de ſeus vaſſallos, o lançou de ſua ca.O
za.
CHRONICA
fa. O Conde aggravado do disfavor delRey, que elle não eſperava, at
chandoſe poderoſo ,& ſendo indignado moveo contra elle muitos tratos
com Mouros, & Chriſtãos,& fez muito dano em muitas partes do Rey
no. Mas como ſempre faó perigoſos, & poucas vezes ſuccedem bem os
acommertimentos dos vaſſalloscontra osſenhores, & das mayores privar .
ças , de que mal uſao os privados,vem cair em mayores odios,o Conde foi
morto per mandado delReyper hum Ramiro Flores de Guzmáo, & de
Morte pois queimado, & julgado portrèdor,& ſeusbens confiſcados. E logo ſe
de Dom partio elRey de Valhadolid,com a Infante Dona Lianorſuairmã a,acor
Alvaro
Nunez. panhada de Condeſſas, & grandes ſenhoras, & fe forão â Cidade Rodrigo,
Qlorio . & dahi a Infante Dona Lianor fe foi diante ao Sabugal, villa do Eſtremo
de Portugal, onde eſtava elRey Dom Afonſo com a Sanda Rainha Dona
Ifabel lua máy, & coma RainhaDona Beatriz ſua mulher,que traziam a
Infante Dona Maria,dos quaes foi a Infante Dona Lianor grandemente
recebida ,& feſtejada, & com muitas moſtras de amor por ſer ſobrinha del
Rey, & da Rainha Dona Beatriz,& neta da Rainha Dona Iſabel. E de
pois de ahi eſtarem alguns dias,ſe forão à villa de Alfayates, que tambem
' he de Portugal,aonde veyo,elRey de Caſtella, & ahi ſe fizerão ſuas VQ
das com grandes feſtas, & folenidade. Acabadas as vodas, ſe forão a Fon
te Guinaldo, que he de Caſtella , & ahi concordàrão o cazamento do In
fante Dom l'edro ,herdeiro de Portugal,com a Infante Dona Branca, fi
lha do Infante Dom Pedro de Caſtella tia delRey. E feitas as ſegurida
des de caſtellos que ſe avião de dar,elRey de Portugal ſe tornou para ſeu
Reyno, & elRey deCaſtella com a Rainha ſua mulher, & a Infante Do
na Lianor para Cidade Rodrigo, aonde tambem foi a Rainha Dona Be
atriz de Portugal,máy da Rainha noiva. E dahi ſe tornou ao Reyno. Nel
tas viſtas dos Reys,fe concordou o cazamento da Infante Dona Lianor,
com elRey Dom Afonſo de Aragão,o que chamárão Piedoſo, que ja fcia
cazado primeira vez com Dona Tareja de Entença,Condeſſa proprieta
ria de Vrgel, de que ouve o Infante Dom Pedro,que no Reyno lhe ſucce.
deo. A qual Condeſſa inorreo quatro dias antes que ſeu marido foffe Rey.
Deſta Infante Dona Lianor de Caſtella naſceo o Infante Dom Fernando
Marquez de Tortoſa, & ſenhor de Albarrazin ,que na Cidade de Evora
cazou com a Infanta D. Maria, filha delRey Dom Pedro. Depois no an
no ſeguinte ſe tornarão ver elRey de Portugal,& o de Caſtella em Fonte
Guinaldo,& alli aſſentárão,que asfortalezas, que erão dadas em ſegurança,
ſe mudaſſem em outras, & fe deſſem aos meſmos fidalgos de hum Reyno,
& outro, ſob as meſmas homenagens, que erão feitas. E a eſtas viſtas trou
xe elRey de Caſtella a Infante Dona Branca ſua prima, & a entregou a
elRey Dom Afonſo, que a trouxe a Portugal, & a criava como filha, atè
ſer de idade para cazar com o Infante Dom Pedro.
Havendo dous annos que elRey Dom Afonſo de Caſtella era cazado
COD
DELREY D. AFONSO QVARTO . 119
com a Rainha Dona Maria,& tendo della ainda filhos, ſe veyo a namorar
de hũa mulher moça & viuva mui fermofa, & de grande linhagem , & ri
ca ,per nome D. Lianor Nunez de Guzmáo, filha de D. Pedro Nunez de
Guzmão,& que fora mulher de D.João de Velaſco. A qual elRey vira ein
caſa de hũa ſua irmãa cazada com Dom Henrique Henriques. É vindo a
converſar,ouve della per tempu muytos filhos, & lhe foi affeiçoado de ma
neira que atrazia conſigo publicaméte coino Rainha com todas as honras
poffiveis,tratando com grandesdisfavores a Rainha ſua mulher. A Sancta
Rainha Dona Iſabel mulher delRey D.Diniz, ainda era viva, por ſer avô Rainha
delRey,& da Rainha de Caſtella,dojaſe do peccado, & deshõrado neto, & Sá ta Ifa .
bel vai a
da mà vida da neta.Peloque,para atalhar eſte fogo no começo , foi a Car Caſtella .
tella verſe com elRey feu neto em Xerez de Badajoz,onde lhe fez aquel
las amoeſtaçoens,que ſua ſantidade, & parenteſco requerião , a que elRey
ſatisfez com promeſſas,que não comprio . Mas como he natural dos que
amão,crelcia nelle o amor, quanto mais lho defendião .
Entre tanto D.João Manuel como eſtava aggravado delRey de Portu
gal,por eſtorvarocazamentode D.Coſtança,& cazar com elRey de Caſtel
la ſua filha Dona Maria,buſcavamaneiras para no meſmo cazo ſe vingar
delle,tratando tambem de caminho ſegurança de ſeu eſtado,deq eſtava du
vidoſo ſabendo,que tudo ſe fazia per vontadede D. Lianor Nunez, Pelo
que lhe mandou hum měſageiro ſecreto,per q a induzia, fizeſſe com elRey
que deixaſſe a Rainha D.Maria,com que não podia ſer cazado,porſer ſua
prima coirmãa,& cazaſſe com ella,& que elle a ajudariacom todas ſuas for
ças,& com elle ſerião todos os grandes doReyno.Dona Lianor, a não era
inenos diſcreta que fermoſa,entendendo que aquillo era por reſpeitos mais
que per vontade,lhemandou eſtranhar muito o accometimento,mádando
aos menſageiros,que lho tiveſſem em ſegredo , & a D.João ſe mandou of
ferecer ,para o reconciliar com elRey.A tenção de D.João não era, coprir
o que promettia a D.Lianor,mas ſomente metter odio entre os Reys ſo
gro,& genro,para elle fazer melhor ſeus negocios,tendo elRey deCaſtella,
que fazer em outra parte.
Per eſte tempo eſtava na Corte de Caſtella D. Fernão Roiz de Valboa
Prior de S.João ,doConſelho delRey, & feu muito aceito,& Chanceller da
Rainha D.Maria.E porque elle eraleal ſervidor da Rainha,lhe era elRey
de Portugal mui affeiçoado. Eſte Prior de São João era grande amigo de
D. João Manuel. E porq o deſejava ſervir,ſem deſervir a elRey de Caſtel
la tratou ſecretainente com elRey de Portugal,que desfizeſſe o cazamento
que tinha concertado entre o Infante D.Pedro ſeu filho, & a Infante D.
Branca,alli por muitas razoés legitimas q lhe para iſſo dava,comopor o In
fante D. Pedro não ſer contente della, por ſer ethica, & doente de doença,
que The torvava o entendimento. Etambé fez entender a elRey D.Afonſo
que lhe era neceſſaria a liança com D. João,para a diſcordia, que ja fe co
х meçava
: CHRONICA
meçava entre elle,& elRey de Caſtella feu genro,ſobre o mào tratamento
q dava à Rainha,por reſpeito de Dona Lianor,& que devia de cazar o Itin
fante D. Pedro feu filho com Dona Coſtança filha do dito D. Joao. Eſte
tratado ſobre o cazamento de Dona Coſtança ,eſteve encuberto, até q de
pois ſe veyo effeituar.E avendo já cinco annos, que elRey D. Afonſo de
Portugal trouxera,a Infante D.Branca a ſua caſa,& a criava como propria
filha,por ella ſer doente de paileſia, & quaſi ethica,o Infante D. Pedro ef
tava deſcontente,& deſcobrio a ſeu pay, que nao avíade cazar con ella,
pedindolhe,quenem com ella, nem com outra o fizeſſe cazar contra fuá
vontade. ElRey D. Afonſo fez ſaber a elRey de Caſtella as doenças da In
fante,pelas quaes não era para cazar.E que para juſtificação de todos , má
dalle a Portugal peſſoas de quem fiafle, & que o bem entendeffem , para fa
zerem experiencia, & ſegundo o que delles ſoubeſſe, ordenaffe o que lhe
pareceffe.ElRey de Caſtella mandou ſeus Embaxadores,& com elles Fin
cos, que achârað fer verdade,a Infante não ſer para cazar. Do que a elkey
deCaltella muito pezou.Mas a Infante eſtevedepois muito tempo em caía
delRey de Portugal ſeu tio, em muita honra, & eſtima, atè que o Infance
cazou com Dona Coſtança.
El-Rey de Caſtella cego com o amor de D.Lianor,cada dia hia em mas
dens de yorperdição,& chegou a tanto ſua diſſolução, & pouco reſpeito das gétes,
Rey de & de feu decoro,queſendo coſtume, & enſinandoo aſſim a razão , que os
Caſtella Reys fação ſeus conſelhos,ondeas Rainhas,& ſeus filhoseſtão, elRey eſtá
por o a. do'a Rainha no meſmo lugar,hia fazer tudo em caſa de D.Lianor,como ſe
mor de fora ſua legitima mulher.E quãdo elRey hia fora do Reyno ,ou pelo Rey,
D. Lia
nor Nu no, os officiaes da juſtiça,& dachancellaria ficaváo com ella ,como ſenhoja
nez. do eſtado de Caſtella, & fazião, o que ella mandava.E ſe ſe ella movia de
hum lugar para outro,era pelos caminhos acöpanhada, & fervida, & à en
trada dos lugares recebida,co prociffoes & ceremonias, & co tanto eſtado,
como ſe fora verdadeira & mui eſtimada Rainha.E quádo elRey tornava ,
comia publicamente, & abitava com ella,& em ſua caſa fazia confelho, &
deſpachiava.E como as mais das mulheres ſao naturalmente vaas, & ambi
ciofas, mórmente as daquelle eſtado de vida errada ,affi dava a mão a beijar
como lenhora proprietaria do Reyno de Caſtella. E veyo o deſpejo dcl
Mào tra Rey ſer tamanho,q ſendoneceſſario aRainha ſuamulher,falarlhe couſasq
tamento lhe cõpriáo,indo aiſſo a Burgos,onde elReyco D.Lianor eſtava,lhe pedio
6 elRey audiécia que lhe elle nao quiz dar, ſenão em caſa da meſma Dona Lianor,
de Car:' que niſſo conſentia. O que a Rainha aceitou com grande dor ,& triſteza,
tella fu- & em ſua caſa foi ouvida,& deſpachada.E para mais a batimento, & def
zia aſua conſolação da Rainha, The tirou elRey os melhores , & mais honrados
mulher ,
por cau -officiaes ,que tinha em ſua Caſa, como foy Ruy Diaz de Rojas, que era
fa da má feu Meyrinho Mòr, Dom Rodrigo Alvarez das Aſturias, ſeu Mordomo
ceba. Mayor, Afonſo Fernandez ſeu Repoſteiro Mayor, & Pero Rodriguez de
C ,amora,
DELREY D. AFONSO QVARTO. 120

C,amora q a ſervia de toalha, RuiDiasRajaez, que cortava ante ella,Gõ


çalo Vàz deMoura Ouvidor de ſua caſa, &meſtre Afonſo feu Fiſico. E
deſtes deu alguns porofficiaes aos filhos de Dona Lianor Nunez.Aosqua
es,como naſcião,fazia doação demuitas villas, &terras da Coroa, & digni
BE:) dades,como fez ao primeiro filho por nome Dom Pedro ,a que deu Agui
ar do Campo, Lievana,Pernia,& muitas terras na fronteira de Aragão,que
foráo do Infante Dom Pedro ſeu tio,& outras muitas rendas. Eâ meſma
D.Lianor Nunez dava as terras,que erão proprias da Rainha Deſtes aggra
k vos tamanhos ,& fem razões nunqua poderão acabarco a Rainhaq ſe quei
la d xaffe a elRey de Portugal ſeu pay:mas tudo ſofria com gráde manſidão , &
paciécia. E porque deſtas diſſoluçoes,&peccado,em q elRey eſtava,ſe cau
Llor ſavão muitas deſordens en todas as couſas da juſtiça, & fazenda do Rey
no,alguns homens de Caſtella,aosquaespareceo que elRey de Portugal,
aqueiſto tocava, como ſogro, & tio delRey, & que com ſua authoridade
e lhe poderia por remedio,lhe pediráo, quizeſle prover no y compria ao ef
Litli. tado de ſeu gero, & filha a fe perdia.Aosquaes elRey reſpõdeo, que elles
3
a que mais tocava, por ſerem ſeus naturaes,& do ſeu cõſelho,diceflem húa
vez,& muitas a elRey, 4 elle não podia remediar iſſo. Peloque tomando al
aw guns atrevimento deo dizer a elRey,lhe faio mal. Porga hūs deſterrou ,&
a outros tirou os officios, & afli ſe não achava quem a elRey quizeſſe mais
41 ? fallar no que tanto lhe convinha, & importava.ElRey Do Afonſo de Por
St.
tugal,eſtando em propoſito de cazar ſeu filho com Dona Coſtança,deter
DLS minou de o propor nas Cortes,que ajuntou em Santarem . O que a todos
pareceo bem . E antes que eſcreveſſe a D.João Manuel , o quiz fazer ſa
them ber a elRey de Caſtella feu genro, por quanto o cazamento avîa de ſer em
ſua terra, & com filha de ſeu vaſſallo ,& co quem elle ja fora eſpoſado. Por
as quaes razoés,podia pezarlhe do cazaměto, & lhe mandou hũa carta ,per Carta
que lhe dizia:Que elle determinara de pedir a D.João Manuel ſua filha D. delRey
Coſtança,paracazar com o Infante D.Pedro ſeu filho, & ý o não quizeraD. Afó
cometer,fem primeiro lho fazerſaber,como tambéfizera, ainda q D. Joao fead.
não fora ſeu vaffallo,nem ſua filha eſtivera em ſeu Reyno, pela razãoģti- Caſtella
nha para comunicar ſuas couſas com elle, & porą folgaria de em nada lhe feu géro.
deſprazer. Com a carta ficou elRey muy triſte, ainda q aosmenſageiros o
nað moftraſſe. E naquelle tempo o ſentio mais,por eſtar mal com D. Joam
Manuel,& lhe ter grande odio,aſſim por nas Cortes eſtranhar muito a ſub
jeição em andava co D.Lianor Nunes, & ſeus parentescomo por D.João
Nunes de Lara, elle tratava de deſtroir, & D.João Manuel defender. E
vendo, pois D.João Manuel sô com ſua valia, & forças, lhe podia reſiſtir,
ý melhor o faria ſendo liado co elRey de Portugal, trabalhou per modos
encubertos, & enganofos,deſviar eſte cazamento,poſto per palavrasmo
ſtrava o contrario.E deſpedindo os menſageiros cõ bom roſto, lhe deu pa
ra elRey ſeu ſogro hũa carta. A qual para ſeſaber o eſtylo, & cõceitos dos
X2 antigos
CHRONICA
antiguos, & os modos que nos negocios deſte cazamento ,& outros, uſou
aquelle Rey com D.Joao Manuel,& ſua condição quiz relatar affimcomo
a eſcreveo,& as palavras eraõ eſtas:
Dom Afonſo,por graça de Deos Rey deCaſtella, & de Lião &c.ao tea
Rcpoſta mído Varão,& poderoſo Princepe E !Rey de Portugal, & do Algarve,ſe
del Rey
deCab encomenda em fua graça,& verdadeira amizade, A ſlim como a qualquer
tella á he alegre couſa conhecer a vontade dos amigos,affiin não he menos a ſua
carta de propria declarar a elles.E porquevós me pediſtes conſelho no cazaméro
ſeu fo
que quereis mover da filha deD.João Manuel,com voflo filho, vos digo
gro. em verdade,queſe vos aconſelhar como eu nelle quiz ſer aconſelhado,eile
nao cazará com ella. E poſſovos jurar na minha verdade, & fé Real, que
depois que della fui apartado, & quite, nunca mediſſo arrependi. E o
trabalho que todo mundo ſabe que levei por me della quitar, moſtra cla
ramente que me pezava ,& arrependia de fer com ella cazado. Mas porą
nos cazamentus ha diverſos, & voluntarios contentamentos, ſerà poſlivel,
que a mim poderia deſprazer,o de que vos,& voſſofilho ſereis muy conté
tes. Porque na verdade ella he fermoſa,& de grande linhagem, & ſegun
do ſeu nome, & bons coſtumes merece fer Rainha de toda a terra , fe vol
ſo filho ſe della contentar . Porque até qui eu nam ſaberia affinar couſa,
porý do cazamento de voſſo filho com ella, muyto me naő prouveſſe . E
ſe Dom Joao,ainda que comigo viva,naõ tivera agora ſua vontade contra
mim alterada por cauſa de Dom Joao Nunez, & de outras couſas em que
elle he culpado,& eu ſem culpa,eu omandaria chamar por amorde vôs,
& cö elle ordenaría como em tudo cópriile voſſa võtade. Mas a mim pare
ce q por agora fareis bệ calarvos, & ſobreſtardes neſte cazamento,poig en
tendo,qelle vos cometrerá , & entao podeis cö elle fazer cõcerto co mais
voſſo proveito,& vantagein.E iſto não creais q digo, por me pezar de fer
voſſo filho cazado co lua filha, & de lhes ver filhos, & com os meus ſejain
primos coirmãos, antes por iſſo o deſejo mais, por perhi depois de noſſas
mortes a veria mais paz,& mayor ſegurança, em Heſpanha, & alli em noſa
fos Reynos, & vaſſallos. E por iſlo concluo; neſte cazamento , a mim me
apraz,o q a vòsaprouvèr,& q ſe voſſo filho della ſe contentar,que vòs nað
deveis ſer deſcontente.
Tanto q elRey deCaſtella deſpedio osmenſageirosde Portugal,quea
carta levarao, porğ ſabia, como D.João foſſe cometido do cazamento de
ſua filha com o Infante D. Pedro de Portugal,avia de fer muy contente , &
darſe por honrado ; deſejando de o deſviar,por qualquer maneira ở puder
ſe, & ver ſe podia prender pela palavra a D.Joao Manuel,lhe eſcreveodi
zendolhe, que tinha que'fallar com elle couſas ,que muyto lhe compriav a
ſua hora , & proveito que ſe não podião fiar de papel,nem de peſſoa alguia,
que lhe encomendava,que ſeguramente vieſſe à elle, para ambos as con
municarein . Dom Joam foy a elRey , que o recebeo com muita kora,
boil)
DELREY D. AFONSO QVARTO . 121

ti bom roſto. E paſſados dous dias, que ſe gaſtàrão em feſtas, & viſitaçoens,el.
Rey o apartou em húa camara,& lhediſſe, que a muita razão,& parenteſco Aſtucià
que entre elles avia,fazia ý não pareceſſem erros,nem exceſſos,o q contra delRey
elle tinha comettido,& que por eſſa cauza não ſomente lhe tinha tirado to. de Car
tela para
i do odio ,& mà vontade, que algúa hora lhe tivera ,mas deſejava de tomar
-3 ſeus cuidados ſobre ſi, & ajudalo a deſcançar, ja que ſua ventura, & maos impedir
осаха
' Conſelheiros o deſviàrao do bom propoſito, que tinha de cazar com ſua méto de
filba ,& por iſſo deſejava de a ella pagar a divida , em ā lhe eſtava,de a D.Cor.
1 bem cazar.E q elRey de Navarra tinha ſeu filho herdeiro porcazar,q de- tança.
terminou de lhe fallar para ella ,& q eſperava de o acabar. E q ſe lhe pare
ceſe,como era razão,avia defer co condição, lhe avia de prometter, de
104 co outrem ningué cazar ſua filha,fem ſeu cõſentimento ,& mandado.Porg
não ſendo iſto affi aſſentado entre ambos,poderia ſer q tendo elle concer
todo com elRey de Navarra , elle D. João a poderia ter cazada em outra
parte,deſelle ficaria em falta. D. João depois de não aceitar perdão del
Bicy dizendo, lhe nao tinha errado,masſervido, lhe teve em merce , o cui
ham dado do cazamento de ſua filha, & o favor, & lhe pedio tempo para o co
municar con ella, & ſaber ſe tinha feito algum voto contrario ao caza
mento ,

ElRey de Portugal,como teve o parecer dos q ſe ajuntàrao nas Cortes,


& carta delRey de Caſtella,que nao tinha pejo do cazamento, mandou a
lo
D João Manuel D.Gonçalo VazMeſtre de A viz,avendo dousdias que D.
CH
João chegàra de Caſtella, onde lhe elRey fallàra no Infante de Navarra.
O Meſtre foi de D.João recebido com muita feſta , & gaſalhado,como qué
de ſua embaxada recebeo grăde contentamento,por ſer ſobre couza de tā
ta ſua honra. E antesde D.João fallar aoMeſtre,recebeo húa carta delRey
DOK
de Caſtella,em que lhe eſtranhava muito ter em ſua caſa o Meſtre de Avis,
G fem ſeu ſalvo conducto entrara em ſeu Reyno . Por por vir co muita ge
te,lhe poderia fazer dano,como ja tinha feito.Peloq lhe mandou,que lo
go o prendeſſe, & recadaſſe de maneira, que pudeffe fazer delle, o que por
bem tiveſſe.Dom João ficou eſpantado,de quam em breve elRey loubera
da vinda do Meſtre, & muito mais triſte, por lhe eſtranhar ſua entrada, &
The mandar, que o prendeſſe.E logo moſtrou a carta ao Meſtre em ſegre
do.O Meſtre com roſto mui ſeguro lhe diſſe,que não levaſſe deſgoſto por
cauza em que não avia deshonra,nem perigo.Porque elle,& qualquer Por
3. tugueſes,que a Caſtella quizeſſem ir,tinhão falvo conducto pelas capitula
çoens de ambos os Reynos,perque ſe aſſentou , os moradores de hú Reya
no, podeſſem livremente ir ao outro,& ahi eſtar quáto quizeſſem . E qalem
diſlo,avia hum mes,& meyo,que elRey de Portugal mádara dizer ao de Ca
ſtella, que ſe elle não levafle deſprazer, queria mandar fallar a elle Do Jo
ão no cazamento de ſua filha.E que elRey de Caſtella reſpondera,que lhe
aprazia ,& que iſto baſtava por ſalvo conducto. E que aquella invenção
X3 delRey
CHRONICA
delRey era malicia,& cautela .
Dom João, quando ouvio ,que elRey de Caſtella ja ſabia do cazamen
to,per carta del Rey de Portugal, & que ſobre lhe ter dado parecer, & con
ſentimento, fe entremettera a lhe fallar no cazamento de Navarra, enten
deo, que a elle lhe peſava de ſua filha cazar com o Infante Dom Pedro,
do que foi mui anojado, Mas tudo diſfimulou por então.E ao Meſtre pe
dio lhe aconſelhafte, o que faria ſobre a carta delRey.O Meſtre lhe diffe,
que o que elle'avia de fazer,antes de ſe tornar a Portugal,era ir pela Cor
te de Caſtella , & appreſentarſe a elRey,para depois que o ouviffe, fazer
delle o que ſeu ſerviço foſſe.Mas porque ſua detença alli era danoſa a to
dos,o deſpachaſſe logo,para fem demora ir a elRey, & que ſe o impedile
eſcreveria a elRey feu ſenhor . Dom João lhe reſpondeo, que elle era con
tente, & ſe tinha por bemaventurado em dar ſua filhapor mulher ao In
fante Dom Pedro , & que com ella lhe daria em dote trezentas mil dobras
de ouro . E poſto que ellemais merecia , lhe dava o que podia.E que quă
to às lianças , & amizade , o ajudaria em todas as couzas de razão, para que
o requerelle, com tanto, que não foſſe contra o Papa,nem conta elRey de
Caſtella feu ſenhor ,por não ir contra as homenagens, que lhe tinha feitas.
Salvo quando de ſua parte lhe foſſe feito tal aggravo , per que per direito
develſe fazer o contrario . E que elle mandaria ao Infante ſua filha com
aquella honra, que a ella convinha ,& com ella lhe entregaria em Portu
gal todo ſeu do te, com cinco condiçoens quelhe elRey ,& o Infante feu
filho com homenagem , & juramento primeiro avião de prometter. A pri
meira,que ſua filha Dona Coſtança avia de fer livremente ſenhora das ter
sas, que lhe deſem , alſi como era a Rainha Dona Beatriz māy do Infante.
A ſegunda, que o Infantenão tomaſſe manceba, emquanto e lla fofle de
idade, para poder emprenhar,ſalvo,ſe ella foſſe de ſua natureza maninka.
A terceira que foſſe o Infante ſeu amigo,parao ajudar, como elle faria ao
Infante, quando lho requereſſe . A quarta,que ſe a elle approuveſſe ir ver
ſua filha, queo Infante o deixaffe eſtar em ſua terra,& viſitala , & folgar
com ella todo o tempo , que quizeſſe ,gaſtando porem do ſeu, & não do de
ſeu genro. A quinta ,que ſe algum filho ouvelle depois do primogenito, &
lho elle feu avo requereſſe,para depois de ſua morte lhe herdar luas terras
que lho enviaſſe , quando o pediſſe.E não avendo tal ſegundo filho ,que en
táo o Infante ,ou ſeu filho lígitimo foſſe herdar as terras depois delle , &
as não deixafle poſſuir à Coroa do Reyno de Caſtella .
Com eſta repoſta, & com ſua cartadeſpedio D.Joao o Meſtre, que ſe
logo foi caminho de Burgos, onde elRey eſtava.ElRey o recebeo co mui
ta honra, & gaſalhado ,& fem algúa moſtra de lhe pezar de vir a tua terra .
i Mas o Meſtre buſcado tempo para iſſo,diſſe a elRey a cauſa forçada de ſua
vinda a elle,& da carta para D.João,porque o mandava prender, referin
dolhe as razoos da ſegurança,que avia,para ſem ſalvo conducto poderem
entrar
DELREY D. AFONSO QVARTO 122
entrar,& fair de hum Reyno para outro,quanto mais que elle deraexpreſ
to conſentimento,quandoper ſua cartacertificàra a elRey feu Senhor,que
não avia por mal o cazamento de Dona Coſtança,pedindolhe em conclu
o de laó a razão,que tivera,parao mandar prender. ElRey querendo encobrir
o que mal fizera,lhereſpondeo,que o fizera por ſer informado ao contra
nic ' sio do que deſpois o foi. Porque lhe fora dito, que elle entrâra em ſeus
1:0. Reynos com grande poder degente,& que,por onde ſe achava,dizia mal
togale delRey de Portugal ſeu tio. E que fazia forças por onde paſſava, & que
CUS
fora contra a gente que mādàra,para cercar a Joao Nunes de Lara, & ma- Defcul
hal tàra alguns. E quepor iſſo mandàra aquella cartaa Dom Joaó, de que ſe elRey
pas ý dá
irquei arrependera deſpois,quando ſoubera a verdade. Ao queo Meſtre reſpo de Car
deo,queelRey feu ſenhor era tam prudente,que nao trazia em ſeu ſerviço cella ao
porn homens, que diffeſfem mal delle,nem elle,nem outra peſſoa do mundo co Meſtre
fazão o podia dizer. E que o que fizera contra a gente, que eſtava no cer- de Aviz
Thepp co de João Nunes,o fizera forçado, porque fora acomecido de ſincoenta por que O man.
side homens.E paſſando com elles boas razoēs,& dizendo, quem era, onão qui dava
Dema . " zera õ conhecer,mas tentàrão de o matar a elle & aos ſeus, & defeito feri préder.
pa raó a feu irmãomal,& a elle tratàrão de maneira;que lheromperao o ma
pics to de fua Ordem , que trazia veſtido.Peloque em ſua defenſao, ſendo elles
fós dezaſete de cavallo,& doze de pè, matàrão quatro dos Caſtelhanos,
ſalvo ſe dos feridos morrera algum deſpois. ElRey ſe ouve por ſatisfeito
do Meſtre, & o deſpedio com moſtras de benevolencia.
pina
Naquelle tempo meſmo em que D.Gonçalo Vaz Meſtre da Ordem de
ko Aviz hia de caſa de D.João Manuel para a Corte delRey D. Afonſo de
2
Caſtella , & teve o encontro com ſua gente,que o cometteo, vinha em ſua
companhia hum fidalgo Portuguez muy principal , por nome Gonçalo
Rodriguez Ribeiro, que acazo o encontràra nocaminho,tornádo da Cor
COLE
te delRey de França,aonde com cavallos, & armas ao coſtume daquelles
afant
tempos forão ,& às Cortes de outros Princepes para moſtrar o valor de ſu
ás peſſoas,& por razão de ganhar honra em feitos de armas, & reſidira tres
opis
annos, & trazia por companheiros outros dous fidalgos tambem Portu
guezes bons cavalleiros,que forão aomeſino. Dos quaes o Gonçalo Ro-.
u
driguez Ribeiro , porque a ida que fizera a França por aquella Corte de
Caſtella, ganhàra opreço de melhor juſtador ,& ſeus companheiros muy
ta honra em húas juſtas Reaes,que o meſmo Rey D. Afonſo tivera em Li
ão,tornavão per hi, & encontrando o Meſtre o acompanhàrao , & ajudaram
a defender no inſulto, que lhe fizeraó aquelles cincoenta homes de armas.
Peloque hum Martim Gil Catina fidalgo honrado,& bom cavalleiro, que
morava no eſtremo de Caſtella contra Aragão,ſe queixou a elRey de Ca
ftella de Gonçalo Rodriguez, que preſente eſtava,dizendo: que naquelle
re contro do Meſtre de Aviz,lhe matàra mal, & fem cauſa hum ſeu irmão,
que era bom cavalleiro,que lhe fizeſſe dellejuſtiça,ou lhe delle campo có
X4 elle.
CHRONICA
elle.ElRey eſcuſou a Gonçalo Rodriguez com muitas boas razocns,de
que Martim Gilſe não deupor ſatisfeito.Mas Gonçalo Rodriguez, poſto
que daquella morte era innocente, & aſſi o quizera provar, vendo, que ſe
não fahia ao deſafio, não compria com ſua honra, & boa fama,pozſe de gi
olhos ante elRey ,& lhe pedio com grande efficacia,lhe deſſe o campo. E
depois de algumas eſcuſas, & debates,elRey lho outorgou para o dia fes
guinte
Ao outro dia a hora de terça ,entrou Gonçalo Rodriguez em campo co
Martim Gil,ſendo elRey preſente com os padrinhos, & 12. bons cavallei.
ros,por feguradores do campo,& ſeus officiaes de armas,ſegundo coſtume.
Oscavalleirosſendo ambos juntos,apé armados de todas as armas, con :2
çàrão de ſe ferir muy duramente.E ſein muita tardança, Gonçalo Rodri
guez,per força de ſua eſpada,fez fair do campo a Martim Gil, & no alcáce
lhe deu por cima do elmo tão grăde golpe,q deu com elle morto em terra,
& ficandolhe na mão a eſpada quebrada pelo meyo, lançando- a de fino
cháo ,aſſi como eſtava armado de todas as armas,deu com gráde deſenvolcu
ra hum tão grande falto em alto, atodos fezmaravilhar.E logo ſevejo a
elRey alhe beijar a mão:o qual lhe louvou a boa maneira,com a defende
ra ſua honra.E poſto emgiolhos ante elle,Gonçalo Rodriguez lhe diſſe, 4
coſtume era nas Cortes dos Reys,& Principes,per onde andara,que todo
cavalleiro que venceffe campo em preſença de algum Rey,lhe era outor
gada qualquer merce, que lhe pediſſe. E que porque ſua Alteza era hů dos
Principes do mundo,em que mais valor nas armas, & nobreza avia,lhe de
via outorgar aque lhe queria pedir.ElRey algum táto ſuſpenſo lhe reſpć
deo , que pediſle o que quizele, tudo o quefoſſe poſſivel, & honeſto,lie
concedenia.Gonçalo Rodriguez depois de por iſſo beijar a mão a elkev;
lhe pedio quizeſſe ordenar humas juſtas Reaes,ou torneos, ou tudo jurta
mente,em que elle,& ſeus companheiros podeſfem ſer,antesque ſe foſlem
para Portugal.ElRey moſtrando goſto do que lhe pedia, diffe, que lhe ap
prazia, & que para a feſta da Paſcoa daReſurreição, q dahi a poucos dias
era ,ordenaria juſta, & torneo, em que elle meſmo entraria. Chegado o
tempo da feſta, por fama de Gonçalo Ribeiro, ſe achârão na Corte muitas
gentes, & muitos, & bons cavalleiros de Caſtella, & de Aragão. Entre elles
veyo Dom Martim de Lara o baſtardo, que elRey pouco avia fizera Vis
conde , & que era homem de grande linhagem , & mui esforçado, aquelle
que em outro tempo, dizem ,fora namorado de Dona Lianor Nunez a ami
ga delRey. Chegado o dia da juſta, Gonçalo Ribeiro, & os dous caval
leiros ſeus companheiros,que erão mui deſtros, ſe armárão, & vierão a el
la. E correndo Gonçalo Rioiz a primeira carreira com Dom Martinho, ti
derribado em terra do encontro de Dom Martinho.O qual correndo a le
gunda carreira com Vaſqu’Anes Collaço ,foiD.Martinho rijamente en
contrado, quecaio em terra,& o cavallo ſobre elle. Göçalo Rodriguez de
pos
DELREY D. AFONSO QVARTO 123
pois de ſelevantar,& cobrar outro cavallo,peſoulhemuito de D. Martie
nho não eſtar em diſpoſição para tornar à jufta,& felo eſſe dia com gran
at
de vantagem de todos, & finalmente ouve de juſtar com Vaſco Anes feu
companheiro,porque derribara a Dom Martinho,& caio Vaſco Anes da
177
quelle encontro, & foi ferido: doque Gonçalo Rodriguez ouve tanto pe
lar, que logo ſe deſceo ,& não quiz juſtar mais. Mas foilhe todavia dado
o preço da juſta. EelRey lhe fez merce de huma copa de ouro, & de hú
?!
elmo dourado, & do mais fermoſo cavallo, que então avia em Heſpanha.
No dia ſeguinte, que era a primeira octava da Paſcoa, ſe ordenou o tor
neo ,em que elRey tambem entrou, & tomou da ſua parte a Gonçalo Ro
driguez, & ſeus companheiros. Gonçalo Rodriguez veyo muy bem arma
do naquelle cavallo fermoſo que lhe elRey dera. Sendo o torneo trava
do bravamente,de huma parte,& da outra,Dom Martim de Lara ſeguia
... muito
av
a Gonçalo Rodriguez, & procurava,denaquelle torneo levar del
ar
lele a vantagem
a
, quelhe levara na juſta.E para o melhor fazer,diz que trazia
em ſua ajuda douscavalleiros ja apercebidos, que o favoreceſſem , & aju
E daſſem ;Gonçalo Ribeiro, que aquillo entendeo, diſſe em vòz alta a ſeus
2. companheiros,que olhailem porelles,& com iſto arremetteo a Dom Mar
tinho de Lara ,& com tanta força lhe deu hum golpe per cima de hum bra
D
ço armado, que com quanto ſua eſpada como as dos outros per condição
do torneo, era bota,& ſem gume, lhe quebrou todos os oſſos de dentro.
Diſto peſou muito a elRey,& a todos os que o virão. E alguns que não
fabiáo bem as leys dos torneos,ou lhes peſava de o Portugues levar a me
Thor, lho eſtranhàrão, & dizião que Gonçalo Ribeiro o fizera mal,& por
illo merecia pena. O que mais iſto accuſava era hum homem fidalgo crin
dado de Dom Martinho de Lara, queſobre iſſo pedio a elRey campo com
19 : / Gonçalo Rodriguez. O qual depois de dar perante elRey ſuas eſcuſas, &
que ſegundo o coſtume dos torneos,elle não errara em dar aquelle golpe,
& outros muito mayores. Emfim per conſentimento delRey aceitou o de
fafio , & por iſſo lhe beijou amão .Ao outro diaentrârão ambos no campo,
4
prelente elRey; que deu bons juizes,& ſeguradores. A peleja durou per
bom eſpaço, & demaneira,quehora a melhoria eſtava de huma parte, ho
ra da outra.E porque a eſpadaquebrou a Gonçalo Rodrigues,elle porque
era rijo, & de bom corpo, eſcolhendo iſto por remedio de ſua vida,& hon
ra , ajuntouſe com ſeu contrario, & luctando com elle, lhe armou a perna 3

com que cahio ſobre elle em terra.E começadolhe a deſenlaçar o elmo pa


ra lhe cortar a cabeça com hũa adaga talhante, q trazia,elRey mandou aos
juizes,que lho tolheſſem , & o não deixaſſem matar.E agravadoſe diſſo Gó
çalo Ribeiro,elRey lhe diſſe que a morte daquelle homem ,não lhe impor
tava para ſua honra,mas a ganhava mais em lhe dar a vida,& que daquelle
Cazo o avia por livre,& lhe julgava o preço da juſta, & do torneo,& do de
lafio,que fizera,O Viſconde D. Martim de Lara,dahi a poucos dias mor
teo da.
CHRONICA
seo daquella ferida. ElRey de Caſtella mandou eſcrever, & pôr em me
moria,o paſou Gonçalo Rodriguezem ſua Corte,& muito mais o gran
de falto que lhe vio dar, eſtando todo armado, & cançado da victoria, &
morte deſeu contrario.E deſpedio aquelles cavalleiros Portugueſes com
muita höra,& merces,que lhesfez, & lhes deu húacarta para elRey de Por
tugal,em que recontava as proezas delles,pedindolhe os tiveſſe na conta,
elles merecião.Eſtes eção os exercicios dos homens mancebos nobres da
quella idade,em que occupavão ſeu tempo intentos a levar do contrario
vencido não o dinheiro pelos dados, & pelas cartas ,mas o preço da pellca
pelas armas.
ElRey de Caſtella, como fervia nelle o deſgoſto de ver Dona Coſtança
cazada,& mais em Portugal,não imaginava ſenão como com arte, & ens
gano eſtorvaſſe feu cazamento:no que uſou de muitos ardijs, indignos de
ſua peſſoa Real. Porque eſcreveo a elRey Dom Afonſo , que lhe parecia
bem fazerſe o cazamento ,comoo Meſtre de Avis lhe recontara.Mas a lie
aconſelhava ,q na concluſão delle uſaſſe mais de delonga,& encarecimen
tos que preffa. Porque ſabia,que Dom Joam por ſer mui rico, & deſejar
)
muito de cazar honradamente ſua filha,alem do que lhe tinha prometti
do,lhe daria mais quanto lhe pediffe. E per outra via eſcrevia a Dom Jo.
am Manuel, que lhe diſſerão, que elle promettera trezentasmil dobras
com ſua filha,que era affaz grande dote,que ſe lhe mais pediſſe,o não del
fe, & que as razoens lhe daria a elle em peſſoa ,ſe as quizeſſe ſaber. O quie
Dom Joam eſcuzou. l'er outra via eſcreveo elRey huma carta a Dona Co«
Carta ſtança ſecretamente,chea de arrependimentos, & de amoroſas palavras,
delRey
Cala dando culpa ,de nãocazar com ella,a maos Conſelheiros,que não ſentião
tella fe o grande amor, que lhe elle tinha. O que ſe ſe fizera, ellerecebera gran
creta ade gloria, & que lhe pedia,que pois huma vez fora fua , que não quizcfle
D.Cof- fer de outrem , promettendolhe, que elle ordenaria,com que ſe quitaſie das
tança. quella mulher com quem contra ſua võtade cazara, & ſatisfizelle a feu de
fejo,tomando a ella por mulher. E que lhe não pareceſſe iſto impoffivel,
que por menores cauzas ſe jà fizera muitas vezes.E que foſſe certa,ý quan
do ella porvontade aſſim não quizeſſe, elle trabalharia de por força, a
aver,& poſſuir. Dona Coſtança ficou maravilhada daquella carta , & pes
ella entendeo,a màtenção delRey,que pela deſviar da couza de ſua hon
ra, que ſe movia ,o fazia.E moſtrando a carta a ſeu pay Dom João,per feu
conſelho ,& nota ,lhe mandou della a repoſta .E porque D. João Manuel,
Carta era avido pelo mais aviſado cortezão ,& eloquente daquelle tempo , para
de D. ſe verem os conceitos de então, a quiz referir, & era deſte teor.
Coſtáva Muito poderoſo ,& excellente Senhor,a que Deos proveo de grandes
a elRey virtudes, & a fortunalargamente dotou deſeus doens,& proſperidades,D.
de Cal.
tella, Afonſo muito temido Senhor, & de grande poder,Rey de Caſtella, & de
Lião,voſſa ſervidora Dona CoſtançaManuel ,a quem voſſas eſquivanças
muitas
DELREY D. AFONSO QVARTO 124
muitas vezes fizerão triſte,& não menos voſſos deſarazoados aggravos,
poſerão outras em perigoſa deſeſperação,poſto que tenha razão, & dele
jode ver devos femelhante vingança , não me eſquece porem por huma
natural obediencia,& devida ſubjeição, que vos devo ,enviar beijar vollas
mãos,& encomendarme muito em voffamerce. Muito poderoſo, & alto
Senhor,o deſagradecimento , & verdadeiro amor, tem entre ſi tam grande
inimizade, que a natureza com todo ſeu poder,os não pode nunca trazer a
.
perfeita concordia. Bem ſabeis Senhor, q não conhecendo eu voſios amo
res, que diverão ſer os proprios,nem outros alheios,vos com palavras che
as de enganos, & com razoensem todo fingidas, & taes, que com a verda
de,que deveis,não tinhão ſemelhança,nemparenteſco,afagaſtes afli minha
nova idade, que foi induzida a vos querer o grande bem, que a honeſtida
de me enſinava. E porque as couzas que na tenra mocidade acontecem,
duráð ſempre na memoria em todas aspartes da vida,por iſſo me lembra
bem o propoſito,& fim de voſſas fingidas razočs,nasquaes não eſcarneceis
fó:nente de mim , de cuja innocencia, quando não quiſereis ter piedade,
: devereis de rer vergonha. Mas niſto muito mais eſcarneceis de voſſa hon
ra,& de voſia fama, & ainda deDeos,& da San &ta Igreja, pois cazaſtes, &
delcazaſtes,pediſtes, & revogaftes fua diſpenſação,ſendo niſſo ſobre todos
deſagradecido a mim ,que para o fim ,que de vôs eſperava,vos tinha aquel
- le grande amor,& mui fiel,que era razão. O que todo converteſtes con
tra inim einmuito deſamor, & deſgoſto, & a verdade diſſo ſe vio melhor
: em voſſas obras. Pelo qual tam grande deſagradecimento, cuja principal
morada era voſſo coração,não poderião longamente durar com amor, que
do meſmo coração procede. E eſte,que novamentemoſtraes, queme ten
des,por ier fingido,como he,não poderiáo ambos caber, nem ſofrerſe em
vós juntamente. E pois vedes, queeu iſto entendo,ſeja v. m. de não era
crever palavras,dasquaes não ſendo trazidas ao fim de vos prometido, ſe
feguia quebra de voſſa verdade ,& mingoa de voſſo cſtado Real. O que
por nenhuma couza deveis querer.E as vezes, que vi voſſa carta, por cujo
reſpeito vos eſta envio, por vir em tal tempo, ſempre ſuſpeitei o quecreo,
que vos peſava de qualquer bemaventurança, que me podeffe vir, & que
riáo quereis, que ſe diſſeffe,nem foſſe verdade, que em cazo,que me deixàs
reis, que nem por iſſo fallecera outro Principe, que dignamente mereça
trazer Real Coroa como vôs,& que pelo voſſo preço me romaſſe. Ou por
ventura fazeis iſto contra mim, receandovos,& não ſendo ſeguro do bem
de alguem,para voſſo ſerviço ,cuidando erradamente, que vos não amava ,
E ſe he porDom Joam meu pay,& meu Senhor, elle certamente vos he
mais leal amigo , & fervidor, que os que ſão ricos por voſſos dinheiros, &
poſſuem ſem fề voſſas fortalezas, & tão arcas,& eſcripturas de voſſas puri.
dades ,& fað taes, que por baxos não merecem viver com o mais peque
ro de ſua linhagem . Faço eſtas comparaçoens, porque crendovos yòs por
taes
CHRONICA
tacs conſelheiros,como dizeis,quefizeſtes, erraſtes contra mim graveme32
te,& mais fizettes de vos conhecer ao mundo que a mais ſe eſtendem voimas
palavras, do quepodem chegar voſſas obras. E os direitos outorgão, que
não ſe preſuma ſer bom , quem bumavez for mào, até que per obras, &
per fama ſe veja o contrario. E vòs não o foſtes huma vez contra mim,
mas muitas, eſcrevendome com engano deſtes eſcriptoš aſfaz, ſem algum
delles quererdes comprir. Porque voſſa vontade oscontrariava, & por iſ.
fo não tem culpa,quem em meu cazo vola der, nem merece pena, o que
não der fé a couza que digaes.E diſtoque he paſſado não crendo nada,
quero agora crer o que vejo. Eo que ſei que fazeis,no mao trato,que da
es a tam virtuoſa Princeſa, como he a Rainha Dona Maria volla mulher.
E iſto he feito per LianorNunez,que fete annos antes que naſcelle, jà
era guarrida. E ſe o ſiſo me não foge, ja vòs de tal fama a tomaſtes nas
feſtas de Lião. Que não fem razão ſua may ſe queixava della, & de Mar
tim de Lara o Baſtardo. Nem he de preſumir,que elle foſſe o primeiro,
que lhe diſſeſſe amores. Porque Fernão Gonçalves de Ayala fora ſeu na
morado. E eſta inquirição, per que ſoube eſta verdade,não me fizerão ti
Tar ceùmes, mas hum leal ainor, que em vôs perdi, & me nunca mereceſ
tes. E conforteime, ainda que foſſe com perda alhea, ſaber que mayores
juras,& promeſſas fizeſtesà Rainha Dona Maria,as quaes todas quebraſ
ies. E vejo,que não fui ſó, mas que ja em humacompanhia fomos duas;
as que com palavras enganaſtes. E louvo muito a Deos, porque a mim
não coube em forte o captiveiro, & padecimentos,em que ella fem cul.
pa atègora vive,mas a juſtiça de Deos,a que nada ſe eſconde de todo o
que contra ella ,& contra mim commeteſtes, nos darà Deos juſta vingan
ça per meyo de outra mulher , que ſerà Lianor Nunez, E de me mais
niſto não tocardes, por ſenão perder tempo, me fareis grande merce. Por
que em caſo, queperdendoſe toda a razam,& direito, &poder, me forceis
o corpo(como dizeis )ſabei, que minha alma, & meu eſpirito, de vòs , &
de volas couzas ſempre ficarão livres,& ſem ſubjeicam .
Com eſta carta foielRey de Caſtella mui triſte, & poſto em cuidado,
porque vio que ſuas cautelas não ſuccedião a ſua tenção. E pera não fi
car couza, que não experimentaffe,para o cazamento de Dona Coſtan, a
ſe não fazer,deſejou com qualquer achaque alguma rotura de pazes cori
o Reyno de Portugal, & ter com elle guerra,aindaque foſſe fein cauza. E
a effe fim eſcreveo ſecretamente ao Meſtre de Alcantara, & a hum Gone
çalo Martijs de Caſilhas, & a outros homens principaes do eſtreno , que
fizeſſem aos Portugueſes vizinhos da raya,algumas taesſem razoens,& t*
madias,per que lhes fofle neceſſario tornarſe vingar per armas , pard ( "*
ouveſſe entre Portugal, & Caſtella alguns começos de guerra. Iſto fiz.a
porque ſabia,que elRey Dom Afonſo de Portugal era de condição
azedo,& mal ſofrido ,que não podia deixar de lhe eſcrever taus 6053S,
DELREY D. AFONSO QVARTO , 125
que moſtrandoas elle em ſeu conſelho,ſeria de neceſſidade aconſelhado a
mover guerra a Portugal , & ella inovida,não ſe faria o cazamento de D.
Coſtança,como era ſeu intéto.Mas iſto não ouve effeito,poia com o caza
mento do Infante D.Pedro celebrado,& liança feita com D.João Manuel ,
de que elRey de Caſtella foi ſabedor,não ſe attreveo. Porquecomo elRey
de Portugal foi certificado pelo Meſtre de Avis,da vontade de D.João ,&
da mà tenção delRey de Caſtella,mandou logo a D.João por menlageiros,
& procuradores,Gonçalo Vàs de Goes ſeu vaſſallo , & Gonçalo Vâs tlies
Loureiro de Viſeu .Osquaes com Doin João firmarão o cazainento na vil .
la de Caſtilho no mez de Janeiro do anno de 1336. E como os menſageid
ros forão deſpedidos,mandou D.Joãologo no mez ſeguinte com procu
ração ſua, & de ſua filha a Fernão Garſia Deão de Cueca ,& Lopo Garſia a
elRey de Portugal.Osquaes em Eſtremoz,onde elRey eſtava concertárão
com elle ſobre a vinda de D.Coſtança ,q ſeria no mez de Junio ſeguinte, &
fobre a maneira per que ſe avia de pagar,& legurar o dote.Dalli le foi el
Rey a Evora,ondenos paços de São Franciſco,ſendo elle preſente, & a Ra
inha D.Beatriz ,& o Infante ſeu filho , & muitos Prelados,& ricos homés ,o
Deão de Cuenca,como procurador de D. Coſtança, recebeo ao Infante
D. Pedro,& o Infante Dom l'edro per ſua peſſoa recebeo Dona Coſtança
com juramento,para o mandar ratificarem peſſoa da dita ſua eſpoſa. E logo
elley mandou a D.João por procuradores do Infante ſeu filho os mef
mos Gonçalo Vás de Goes & GonçaloVàs Theſoureiro de Viſeu , & Frey
Diogo feu Confeſſor,para receberem D. Coſtança em nome do Infante
Dom Pedro. E dizendo Miſſa em Pontifical o Biſpo de Cuenca,& avendo
ſobre o caſo Sermão ,elle recebeo a Gonçalo Vaz de Goes,como procura
dor do Infante com D.Coſtança, queo recebeo por marido com juramen
to, & o meſmo juramento de o comprir,fez D. Joað.
Feitos os eſpoſorios do Infante co grande folénidade & feſta, elRey de
Caſtella o ſoube, & mandou ao Meltre de Alcantara , & aos mais, que fu
breſtiveſſem ,no que lhe tinha mandado fazercontra os Portugueſes. Porq
The pareceo , queda guerra lhe podia a elle reſultar mais mal que bem . Ale
diffo,os embaxadores de Portugal ,q tornavao de caſa deD.Joao,chegàram
a Valhadolid,ondeeRey eſtava, & lhe pedirão alviſſaras do cazamento q
deixavão feito.O qual com alegria fingida,mas com nojo ,& triſteza ver
dadeira ,lhes deu a cada hum tres mil dobras de ouro, & cavallos, & peças
de ſeda, que lhes mandou á pouſada.Os quaestornādo agradecer a elley
as merces lies fizera,elRey com roſto alegre lhes diffe , que a alviſſara fo
sa mui pequena,para o contentamento, que recebera,do cazamento do In
fante ſeu primo,poſto que D.João Manuel lhe não dera conta delle.E que
diſleſſem a elRey ſeu tio , depois delle,& de D.João,ninguem levara dif
fo inais contentamento. E logo ordenou grandes feſtas de canas, & tou
ios ,& danças.E em os embaxadores delle deſpedindo, mandou ſuas en
Y comcn
CHRONICA
comendadas a elRey ſeu tio, & 'ao Infante ſeu primo,& a cada hum delles
duas peças de brocado mui rico, & cartas em que ſe offerecia a fi, & a feu
Reyno,para tudo o que lhes compriſe,dando graças a Deos por ver fun
damento de paz,& affoífego derodaHeſpanha,&por a occaſião,que fe of.
fereciacontra Mouros. ElRey de Portugal foi muicontěte,de ſaber do ca
zamento de ſeu filho,& ſe fizerão por illo peloReyno muitas feſtas.E por
que ſabia q elRey de Caſtella tinha ſobre aquelle cazamento a tenção mui
differente das palavras,quiz darlho a entěder,& mandoulhe Martim Lopes
Machado, dandolhe agradecimetos do contentamento que moſtrara ,& of
ferecimětos a lhe fazia,dizendo que ranto então o obrigavão mais, quanto
mais elle trabalhara por eſtorvar aquelle cażamento em outro tempo. Re.
contandolhe alem diffo como ſoubera da carta, elleeſcrevera a D.Coſta
ça, em lhe dizia a tomaria perforça . E q tudo aquillo paſſadolhe re
contava então, para crer que tudo o q então lhe dizia elle Rey de Caſtella
era de coração, & fem fingimento algum. E que lhe'rogava, que quanto lhe
ja deſaprouvera daquelle cazamento, tanto folgaſſe de preſente porque
ſeu filho ſeria ſempre ſeu amigo verdadeiro.
Por eſte tempo chegarão à Corte delRey de Caſtella Embaxadores del
Rey de França,& de alguns ſenhores de Alemanha, que lhe trazião ftras
cartas,em que lhe davão a entender queelles determinavão de ir em pel
ſoa conquiſtar a Terra Sancta,& o adhortavão ,quizeſſe ſer nella. Dizens
do mais queelRey de Aragão,percuja Corte paſfárão, & a quem trazião
o meſmo recado,reſpondera,queſem eſcuſa faria tudo o queelRey de Ca
ſtella niſſo fizeſſe. ElRey depois de louvar aos Embaxadores tam ſan
&a,& honrada tenção daquelles Principes,remetted a repoſta às Cortes,
que então queria fazer. Mas logo antesde outra couſa,mandou pedir a el
Reyde Portugal ſeu parecer,dizendo quenão queria em tal cazo reſpoder
couſa,q a elle não aprouvelle. ElRey de Portugal avendo primeiro con
lho com o Infante ſeu filho,& homens grandes de ſua Corte, reſpondeo a
elley de Caſtella per hũa carta deſtas palavras, que agora parecerão rudes.
Mas que moſtrão bem a colera,& bravura,que lhe era natural.
Dom Afonſo per graça de Deos, Rey de Portugal,& do Algarve, aj
Carta muito poderoſo, & alto Principe D.Afonſo Rey de Caſtella, & de Lião,
delRey Senhor vimos voſſa carta , & entendidas as razoens della , ſem embargo
D.A főlo do que vos aqui dixermos, & contradixermos, finalmente deliberamos,
a feu gé fazer neſte cazo todo o que vôs quiſerdes. E porém a nos parece , que
a ida å quando ſemelhante trabalho , & mortal perigo a noſſos corpos ouver
guerra mos de dar,que em couſa de mayor razão, & a nòs mais neceſſaria nos
Sancta. deviamos de fundar. Ao menos porque aquelles queo loubeſſem, & cui
viffem mais dignamente, nos podeſſem louvar, quando ſemelhantes tra
talhos,& perigos emprendeſſemos,por ganharmos mayor horra, & mais
proveito.Se he verdade,o que dizem,& affirmão elRey de Fraça,& os qu:0
C0: 27
DELREY D. AFONSO QVARTO . 126
com elle fað liados.f.que ſalvamos fem duvida noſſas almas, em irmos
contra os Mouros, & fazermos contra elles eſſa guerra, & conquiſta, tu
du iſto podemos fazer na propria terra, em que eſtamos, de que a nôs ſe
ſeguem dousgrandes intereſſes de proveito ,& louvor. O primeiro ſera
ganhar dos infieis terra, que depois de nos herdem noſſos filhos, & o
ſegundo fairmos da mingoa, & vituperio, em que per todos os Chriſ
tãos nós, & noſſos anteceſſores ſomos culpados, por conſentirmos entre
nos Mouros, & deixarmos a inimigos noſſos, & de noſſa Fé terem em nof
fa terra ſenhorio. Donde ſe ſeguiria, que os que nos viſſem , per tão lon
gas viagens ir buſcar guerra,com gente em todo igoala eſta,que temos às
portas,com razão nos poderião chamar homens ſem liſo, & diſcrição, & em
todo mingoados,pois iriamos perder noſſas gentes & fazendaspor conqui
ſtar as terras eſtranhas , para ficarem a filhos alheyos,podendo com ſiſo ga
nhar outras, que noſſos filhos direitamente poſſuiſſem.E ſeriamos co razão
reprehendidos como aquelles queprocuraõ de apagar o fumo das caſas a
Theas,& deyxao arder de todo as ſuas. Epor tantoſe tal fizeſſemos, fe.
riamos eſtimados por homens ſem fiſo. Nem poderia muito errar, quem
poriſſo nos eſcreveſſe nos livros dos loucos. É porempois neſtecazo me
pedis conſelho,a mim me parece, por não metter eſte feito em altercação
dos voſſos, & alheyos, & por não aver nelle opinioens contrarias, que he
bem reſponderdes logo a eſſesEmbaxadores, ſem remetterdes, nemeſpec
rardes a determinação de voſſas Cortes. E dizeilhe quevos appraz de ir
des contra os inimigos da Fè, & de os deſtroir, & tirar da terra, até on
de chegarem voſſas forças, & poder, como requerem,& que para iſſo não
eſtimareis honra, vida, gente, nem riquezas. Mas que de todo iſto de boa
vontade diſporeis com todo trabalho,& perigo. E que todo o que ſe nillo
gaſtar, & perder,o avereis por bem empregado, & deſpezo.Mas porą a vós,
& aos outrosReys de Heſpanha voſſos irmãos,& praceiros,por terdes mui
ta gece,& grăde poder foîtesja muicas vezes praſmados, & tidos na Chri
ſtandade em pequena cota ,por deixardes entre vos viver eſta amaldiçoada
gente , com a linhagem dos que as ſerras do Reyno de Granada povoão,
& aſli por não guerreardes os infieis, que ſabem Benamarim ,que he ter
sa a vôs comarcía,& conquiſta dos Reys de Heſpanha, que por tanto lhe
rogaes, que pois a empreſa deſtes, & dos outros da Aſia todo he hum,
&o merecimento o meſmo,lhes apraza, começar aquiprimeiro ſua guer
ra. contra eſtes infieis,até ferem deſtroidos.E que ſe aſfi o fizerem , que a
vós prazerà,ſeguirlogo a outra conquiſta,para que vos convidão. Que em
outra maneira parecia mui ſem razão buſcar, para guerrear Mouros em
terras alheas , deixando-os em paz nas noſſas proprias . E porém ſem
embargo deſte meu conſelho, vos niſto eſcolhei, & determinai, o que voſ
ſa diſcreta vontade vos aconſelhar, & eu vos ſeguirei.Cuidando primeira
mentemui bem como prudente em todas as couſas, que ſe vos podem
Y2 ſeguir
'CHRONICA
ſeguir, para que cumpre grande reſguardo. E com tudo em qualquer
couſa,que determinardes, eu prazendo a Deos ſerei convoſco . Porque
eſta ſaya, que me deixou meu pay, poſto que ja ſeja muito uſada, ſede cer
to que ainda não he rota.Mas pois ſe ha de romper ,tanto me dà, que ſeja
cedo,como tarde.E ſe niſto que digo, & no que eſſes homens requeren,
vòs , & os outros dixerdes que ſi,confunda Deos quem diſſer de não. A
quelle Deos por cuja honra,& ſerviço, nós ſomos neſte feito requeridos,
ordene de nos aquella couſa,per que entender, que ſerà de nos, & de to
dos melhor fervido,& feu nome mais exalçado.
Eſta carta ſe deu a elRey eſtando em Sevilha para começar ſuas Cortes
& como a vio,aprovou em tudo o Cöſelho delRey ſeu tio,por as boas razo.
ens, que lhe dava.E logo mandou chamar os Embaxadores,& lhes deu a
repoſta conforme a ella.Deſpedidos os Embaxadores, vierão proſeguindo
feu caminho a Portugal,onde propoſerão a meſma embaxada,& ouverão
a meſma reporta.Osquaes tornando a França,acharão elRey fallecido,com
que aquella fan &ta empreſa então ceſlou.
Sendo chegado o tempo em que D.Coſtança avia de vir para ſeu mari
do a Portugal, & tendo ſeu pay D.João Manuel preſtes ſeus ſervidores, &
amigos, & tudo mais,pareceo bem a todos que ſe fizeſſe primeiro ſaber a
elRey de Caſtella. Peloque elRey D. Afonſo lhe eſcreveo,que por quanto
à honra de ſeu filho,& da Infante D. Coſtança copria q affi de Caſtelhanos
como de Portugueſes vieſſe bem acompanhada,lhe rogava , lhe mandaſie
dizer per qual parte ſeria mais ſua vontade, que ella vieffe . E que ás
peſſoas, que com ella vieſſem , mandaſſe que lhe deſſem pouſadas, &
mantimentosporſeus dinheiros.O meſmo lhe eſcreveo Dom Joam Ma
nuel: El Rey de Caſtella lhes reſpondeo, que levaflem a Infante em boa
hora,per qualquer parte de ſeu Reyno,quemaisquizeſſem , & per onde lhes
melhor foffe ,que diſſo folgaria.Tudo iſto erão palavras fingidas, & muy
contrarias a ſua vontade.Porque elle tinha grandes ceùmes, & deſprazer,
de ver a Infante D.Coſtança cazada com outrem . E porque não tinha cali “
fa
Impedi para
deſcubertamente o eſtorvar,buſcava todos os achaques, que po
métos ý dia,para quenão ouveſſe effeito. E porque a Infante não podia vir iein
elRey Dom Joain feu pay ,& ſem Joam Nunez de Lara,a que el Rey queria gia
de Car- de mal, & fabiaque pelas terras de ambos, & de ſeus amigos avia de fer
tella pro feſtejada, para que o não podeſſem fazer , mandou chamar Joam Nu
curou pe
ra D. Co nez à Corte ſob pretexto, que queria ſervirſe delle na guerra dos Mou
ſtança fos, para ſe vieſſe o prender, & matar, & ſe não vieſſe, o ir cercar como
não vir deffeal, como defeito cercoú na villa de Lerma, ao tempo que a Infac
a Portu- te avia de vir. E porque Dom Joam não podeſſe ſair com ſua filha de
gal. ſuas terras, nem dar foccorro a Joam Nunez, mandou Dom Vaſco Rio
driguez de Cornado Meſtre de Sanctiago, & Dom Joam Nunez do Pra
do Meſtre de Alcantara, que com mil de cavallo pagos à cuſta da Ora
dens,
DELREY D. AFONSO QVARTO , 127
i dens,eſtiveſſem por fronteiros dos Caſtellos de Garſia Munhoz, & de A
IC
larcam ,& de outros lugares de Dom Joam Manuel daquella Comarca,
em que elle eſtava. Ao qual omeſmo Rey eſcreveo huma carta,declaran
doo por inimigo, & referindolhe as couſas em que o deſervia, elpecial
ti mente,queeſcrevera a clRey de Aragảo, que erràra em fazer pazes com
) elle: & a elRey de Granada, que lhe não pagaſſe as parias, que lhe era o
brigado: & aelRey de Portugal eſcrevera o mào tratamento da Rainha
Dona Maria ſua filha: & que tinha ſuamancebaLianor Nunez coin ef
tàdo exceſſivo, & fora da medida. E ſobre tudo eſcreveo a Dom Joam
C. grandes ameaças de caſtigo. Quando Dom Joam Manuel vio o odio, &
tençao delRey, & o impedimento dos Meſtres de Santiago , & Alcanta
bra, & o cerco deJoam Nunes de Lara,foimuy anojado, & antesde outra
extenſo, pedindolhe
couſa fazer, eſcreveo a elRey de Portugal tudo por
conſelho , & remedio.
Pir Eſtava àquelle tempo elRey doenteem a Cidade de Viſeu, & com a
quellas novas, que pela carta de Dom Joao ſoube, ouve grande deſpra
zer, pela falta delRey de Caſtella, & defcuberta rotura da amizade . Mas
‫انت‬ porque via, que contra vontade delle, nam podia vir a Infante ſua nora,
ſem grande perigo, & trabalho de todos, eſcreveo a Dom Joam Manuel,
que reſpondefie a ElRey de Caſtella com muyta temperança, pedindolhe
pelas penas,em que encorria, lhe deixaffe levar ſua filha a Portugal, com
outrasrazoés que pudeſſe. A qual temperança elRey nam teve, porque
F
logo mandou a elRey de Caſtella por Alvaro de Souſa , hum mancebo
fidalgo principal ſeu pagem , & a quem queria grande bem , huma carta
Chop fora da temperança, que aconſelhava a D.Joao.O qual Embaxador che Morte
ir gando a Valhadolid,em hum jogo de tavolas, foi morto ſem razão ás pu- de Alva
; :.I
nhaladas,por huns homens de pequena conta ſobre palavras, de lhes elle rode
BE rogar,que lhe nað fallaffem no ſeu jogo. Seu Ayo ,que conſigo levava, de- Souſa
pois de o fazer enterrar,cuberto de burel, & cingido de hia corda ſeguio page
ſeu caminho, para comprir com a menſagem, queſeu criado levava.E che- de delRey
Por
‫ܐ‬ 12.5 gando a Toledo onde elRey eſtava, anojado , & encerrado por cauſa de tugalper
high húa doença perigoſa, em que Dona Lianor Nunes ſua amiga eſtava, foy hûsCats
ao paço. E emoelRey vendo , lhe perguntou, por quem trazia tamanho telhanos
Libu do?Ao q elle reſpondeo : que por ſeu ſenhor,& feu criado, que lhe matá- ſem caus
fa.
ram em Valhadolid. E perguntandolhe elRey, quem lho matàra, difle o
L Eſcudeiro, que diria primeiro o principal a que vinha ,que tocáva ao fer
‫ܬܝ ܐ܂‬ viço de ſeu Rey, & ao eſtado publico, & effoutro lhe nam eſqueceria.
cie,0 Entam lhe deu a carta del-Rey, & depois lhe contou com muytas lagry
☺ mas, o cazo da morte de Alvaro de Souſa,' & da pouca diligencia, que as
hotel juſtiças fizerão por prender o malfeitor. ElRey depois de conſolar o eſcu
al deiro, & lhe prometter caſtigo dos culpados, leo a carta, aqual era de
ſtas meſmas palavras.
Y3 Muito
CHRONICA
Carta Muito alto,& poderoſo Principe Dom Afonſo Rey de Caſtella, & de
d’c !Rey Lião, elRey de Portugalvoſſo tio,que em todas as couſas vos queriamara
D. A for- ter leal amizade,deſejandovos honra com longa vida,& eſpiritual boa an
ſo de Por dança,vos envia muito faudar, & me encomendo em voſſa graça. Quando
tugal, a meu filho de todo concertou ſeu cazamento, vôspor voſſa carta me fizeſtes
elRey
de Cåt ſaber,que diſſo per muitas razoēs vos prazia muito dizendo ainda por ma
tella. is accreſcentamento de amor,quepor quanto as couſas dos taes cazamen
tos eraõ cuſtoſas, & de grande trabalho, & defpeza, que para ſe fazerein
tað honradamente,comomerecião,merogaveis,que nenhỏa couſa do vol
fo,que pera ellas foſſe neceffario, quizeſſe eſcuſar,nem ainda voſſa peſſoa,
fe compriile.Depois vos eſcrevim, que minha vontade era fazer yodasa meu
filho ette Mayo paſſado,& vos roguei,que quizeſſes dizer, por qual parte,
& Comarca de voſſos Reynos averieis por melhor que a lofante vielle, &
aflim para as gentes que com ella avião de vir , lhe mandafleis em voſos
Reynos dar pouſadas, & mantimentos por ſeusdinheiros. Entað me reſpo
deles taes couſas,a que agora ſei; que voſſa vontade era de todo contraria.
Porque de dous caminhos que avia, huin impediſtes com a frontaria dos
Meſtres de Santiago , & Calatrava , & do Conde de Nebla, que contra D.
João Manuel pozeſtes, & deſta companhia era hum dos mais principaes, &
outro o cerco de João Nunes de Lara.E ſe iſto fizeſtes por deshonra & a
batimento de D. João,fabei,que diſſo cabe muita parte, a quem volo nain
ha de ſofrer. Mas o ha tambem de vingar, como Deos vingou a morte de
ſeu Filho. Eſo vos digo,porque vos falle mais claro,& com mayor deſen
gano, doque ſempre fizeſtes a mim ,por tal ,que jà agora cuideis o que vos
cumpre, & mo eſcrevais logo,fem encuberta.Porque prazendo a Deos, el
péro de ver minha nora em meus Reynos,aſſim bein honradamente,como
ella merece, & ſerà com prazer de quem lhe aprouver, & com pezar, & da
no, & deftroiçaõ de quem o contrariar. Alem deſtas palavras, lhe eſcreveo
elRey na melina carta certas comparaçoes, & exemplos deshoneſtos,& per
palavras obſcenas, que naquelle tempo parece ſe lofriao, & paſſaria) por
graça ,que nos tempos de agora faó indecentes dizer qualquerhomem ,que
poriſſo ſe deixão . As quaes todas eraõ a fim de encarecer a ouſadia dos
Portugueſes,queſe nao podia refrear.
Elliey de Caſtella como vio a carta delRey de Portugal tam reſoluta,
quam preſtes eſtava para todo rompimento, moſtrou -a a ſua manceba D.
Lianor ,& lhe pedio conſelho acerca da repoſta,que a taõ duras ,& arroga .
tes palavras daria: dizendo mais, que lhe pezava do nojo , que dava a feu
tio.Mas que nao podia ſofrer bem a honra que D. João ganhava daquelle
cazamento.D.Lianor lhe aconſelhou,que não curaſſe de rompimento có
Portugal queDom João tinha muita razão de ſe queixar,de lhe elle que
brar a palavra. O meſmo lhe aconſelhou hum homem principal de Caf
tella, com quem communicou eſta couſa. Peloque contra ſua vontade el
CEICO
DELREY D. AFONSO QVARTO 128
Charles
CALE
crevco a elRey de Portugal huma carta de diſculpas, dizendo nella, que D. Lia
os fronteiros,que poſera na terra de Dom Joam Manuel, & os do cerco norNu
har defoamNunez,nãoerãoparaimpedira vinda daInfante. Mas quedeo lunezadedila
fizera,para caſtigara Joam Nunez,que o tinhamuitodeſervido.E que elRey
19 . Dom Joam Manuel te não fiava, nem das muitas gentes que ajuntava , de
fi za para vir com ſua filha . E que aquella gente, que mandara ajuntar na brarque.ſua
fronteira das terras de Dom Joam Manuel,com os Meſtres de Sanctiago, palavra,
& mo .
que & de Alcantara, fora para atlegurar a terra. E que a Infante vieſſe quan
do quizelle. Com eſta carta ficou elRey mui defcontente. Porque nem ver guer
comida el Rey de Caſtella lhe tirava os fronteiros a Dom Joam Manuel,nem del: raa feu
o cercava Dom Joao Nunez de Lara , ſem os quaes a Infante não podia,nem
con devia vir. E como hum nojo raramente vem ſó, ſe accreſcentou a elRey
lak outro, & foi,quemandando elle a Eſtevão Vàz de Barbuda feu Almiran
te com tres galès, & cinco navios, contra certos coſſarios, que na coſta de
in:( Portugal fizerão alguns roubos,o Almirante com força de tormenta, en
crati trou no porto de Calez,onde eſtava por capitão de huma armada Dom
mei Gonçalo Ponce de Marchena.O qual ſem cauſa algúaveyo com ſua arma
ada ſobre as galés, & navios de Portugal,naquelle tempo, & caſo fortuito,
onde as ouvera de ajudar, & os tomou , & uſou de tanta crueza, & pouco
7
primor,que fez ſaltar a mais da gente no mar,onde ſe perdeo. ElRey de
6,2 Portugal,antes que niſto fizeſſe alguma couza, o fez ſaber a Dom Joam
Manuel. Dom Joam como teve ſeu recado, mandou a elRey de Caſtella
hum menſageiro ,pedindolhe,tiraffe o impedimento, que punha na livre
12 "
paſſagem de ſua filha, & por elle não reſponder a propoſito, o menſagei
so lhe diffe,que pois aſli era,que Dom Joam ſeu ſenhor ſe avia por deſpe
on !. dido de ſeu ſerviço, & por deſnatural de ſeus Reynos,para o deſervir no ģ
pudeſſe.E como D.João ſoube do menſageiro o quepaſſava, o fez ſaber a
elRey de Portugal. O qual eſcrevendo a elRey de Caſtella, não ouve Oll
22
tra repoſta melhor,que a paſſada.
Como elRey de Portugal vio, qo de Caſtella lhe faltàra tantas vezes
da palavra,mandou dizer aos Alcaydes Portuguezes, q tinhão as fortalezas
em arrefens,que lhas entregaffem ,pois elRey de Caſtella nao compria og
The ficàra.Os Alcaydes eraõ Pedro Afonſo ,que tinha Villa Viçoſa ,Martim
Lourenço, que tinha Sortelha, Fernād'Afonſo de Cambra, Celourico,Rui
Vàz Ribeiro,PennaMacor ,D.Frey EſtevãoGonçalves Meſtre de Chriſto,
Caſtel Mendo, E aſli o notificou a todalas Cidades, & Villas de Caſtella,
em que tambem tocou no mào tratamento q elRey dava à Rainha ſua fi
lha.Os Alcaydes que tinhão os ditos Caſtellos ,mandàraó a elRey de Ca
ſtella por procurador de todos,Pedro Afonſo Alcayde de Villa Viçoſa, 7
The notificou o requerimento delRey dePortugal, & todolos eſcandalos,
& fem razoés,quedelle tinha recebidos,ſendo ſeu amigo,ſeu ſogro, & feu
tio. ElRey de Caſtella lhes reſpondeo, quetaes Caſtellos nao entregar
Y4 fem ,
CHRONICA
ſem ,porque doutra maneira caìriaó contra a homenagem ,que lhes tinham
feita E que ſoubeſſem ,que a João Nunes nao defcercaria, até que lhe cor
taſſe a cabeça . ta
Com a repoſ que elRey de Caſtella mandou aos Alcaides mòres da
quellas fortalezas,foielRey de Portugal mui anojado , & indignado , &
antes queſobre iſſo tentaſſe couža alguma,aconteceo, que elRey de Caf
tella foi mui reprendindo pelos grandes , & pelos Prelados de ſeus Rey.
nos ſobre o cerco de Lerma ,que tinha poſto a Joam Nunez.E alem dito
vendo elle,que o caſtello de Lerma era muiforte, & baſtecido ,para mui
to tempo ,aſſi de gente de armas,como de mantimentos, & que o não po
dia tomar tam facilmente como elle cuidava , por huna parte lhe parecia
neceffario levantar o cerco ,master de ſua propria vontade, & não per in
terceffaó de peſſoa algūa, parecialhe afronta.Peloque acordou de eſcrever
à Rainha ſuamulher,que per Gonçalo Váz de Moura ſeu Ouvidor , que
ainda com ella vivia,fizeſſe ſaber a elRey ſeu pay,que por ſeu reſpeito, &
rogo, ſe iho elle pediſſe , defcercaria elle ſeumarido , a Joam Nunez.
Vendo elRey de Portugal huma carta da Rainha ſua filha, em que lhe pe
dia foſſe terceiro per João Nunez ,& que eſtava certo quelhe valeria ,foi
mui alegre , & agradecendo aſua filha o aviſo, o pedio aelRey ſeu genro,
promettendolhe,quecomo João Nunez trouxelle a Infante Dona Cola
tança a Portugal, elle o reduziria a ſeu ſerviço , & obediencia . Com a car
ta de ſcu pay foi a Rainha mui alegre ao arrayal,onde elRey ſeu marido
eſtava,pedindolhe,que por reſpeito de ſeu pay, quizeſſe deſcercar João
Nunez, co mo tinha promettido. Da petição da Rainha, ou execução do
que elle fabricou, não curou elRey de Caltella ,antes com roſto triſte, &
carregado,diſſeà Rainha,que João Nunez era ſeu inimigo, & que per ne
nhuma carta que ville, lhe levantaria o cerco, em que o tinha, até lhe não
dar a cabeça nas mãos,ou fe ſometter ao que quizeſſe fazer delle. A Rai
nha confuſa , & afrontada, por o queeſcreveraa ſeu pay, ſem lhe aprovei
tarem rogos, ou lagrimas,ſe foi alojar fora do cerco, & dahi a Burgos. E
eſcreveo tudo a ſeu pay ,com a mais moderação,& menos eſcandalo, que
pode . Os fenhores de Caſtella,queeſtavão com elRey no cerco, ficarão
tam eſcandalizados, da ſemrazão , elle ufara com a Rainha, que eſtiverão
para ſalvar a João Nunez, & tiralo fora de Lerma.MaselRey,ſendolhe ice
velado , o proveo
Cauſas Era elRey Dom Afonſo de Portugal de animo mui esforçado, & fem
po rõ cl- medo,& mui colerico ,& agaſtado , & que por ſer feroz ( como eſtà dito)
Rey D. ganhou o nome de Bravo .Peloque muitos ſe eſpantavão do ſofrimento
Afonſo de tamanhas offenſas. E a razão de ſua diſinulação, & paciencia era,que
ganhou amava elle mui tenramente a Rainha ſua filha, a qualcomo era tão desia
o nome
deBra- vorecida de ſeu marido, ' & mal tratada, temia quç movendolhe guerra,
vo a trataſſe peor. Alem diſſo como elRey de Caſtella era filho de ſua irmás,
& malia
DELREY D. AFONSO ' QVARTO 129
& mancebo,lofriao como pay,eſperando, que com a idade ſe emenda
ria.Mas vendo elle ,que com o tempo ſe depravava mais, & creſcia o as
mor que tinha a ſua amiga Dona Lianor( queſe accreſcentava com os fi
lhos, que della hia tendo)não podendo ja ſofrer tamanhas ſem razoens, &
quebras de fé, & palavras,determinou de tomar vingança delle, & mos
verlhe guerra,jaque com brandura,& rogos não pudera. E avido Con
felho,com os principaes do Reyno, a que propož o mào tratamento de
tua filha, & que por não tornar por iſſo os grandes de Caftella o tinhão
en pouco, approvárão, & louvarão a tenção delRey, & que a guerra ſe
fizeſſe per mar,& per terra . Como iſto aſſentou, mandou a Caſtella hum
fidalgo de ſua caſa deſafiar a elRey ſeu genro, referindo muitas cauſas,
porque o fazia,das quaes era humao mào tratamento que dava à Rainha
fua mulher,da qualpublicàra muitas vezes,que ſe queria apartar. E que Deſafio
: fora couſa mui notoria ,que ao tempo que elle fe coroara em Burgos , tra- delRey
tou de coroar juntamente a Dona Lianor Nunez de Guzmão , & tomaia de Por
por mulher. O que de feito fizera,ſe ſe não ſoubera então que a Rainha tugalacl
era prenhe. Por a qual razão lho eſtorvarão algumas peſſoas. E que de Caſtella
pois quando morrera em Touro ,o Infante Dom Fernando, que naſcera ſeu géro.
da quelle parto, ſe tratara entre alguns do Conſelho, que juraſſem por
Principe herdeiro Dom Pedro feu filho,& da dita Dona Lianor Nunez.
O que tambem eſteve em ponto de ſe fazer, fe ſenão eſtorvara per outros,
a que pareceo mal feito. E que em prejuizo do Infante Dom Pedro feu
ligitimo filho , & da Rainha ſua mulher,dera aos filhosda dita Dona Lia
nor muitas terras,& caſtellos,mandandolhes fazer delles homenagens , co
mo de ſua propria herança, por cuja ligitimação tinha mandado ao Papa.
E a principal cauſa do deſafio ,era não deixar vir a Infante Dona Coſtan
ça a Portugal, para o Infante Dom Pedro ſeu filho.
Tanto que elRey Dom Afonſo mandou deſafiar o de Caſtella mandou
aperceber os caſtellos de armas, & mantimentos, & gentes , & nas partes
maritimas armar ſuas naos,& galès. E como teve alguma gente junta, poz
cerco a Badajoz. E pelas comarcas ao redor mandou Capitaens a deſtro
ir lugares de Caſtella, & em Arouche, Arácena, & Cortegana queima-
tão os arrabaldes,& matàrão muicos, & captivarao outros, & ouverão mui
to deſpojo de roubos,que fizerão. E por Badajoz eſtar force, & bem pro
vido,que ſe não podia comar em breve, partioſe dahi elRey, deixando
gente no cerco,& entrou em peſſoa pela terra contra Sevilha,com deſejos
ce ſe encontrar com elRey de Caſtella, & darlhe batalha. O que a elRey
de Caſtella não era poſſivel,por eſtar ſobre Lerma, & não ter gente junta
para ſe encontrar com o poder delRey de Portugal,que per muitas par
jes o accomettia. Porque o Conde Dom Pedro irmão delRey entrou per
Galliza com muitas gentes da comarca de entre Douro , & Minho, & de
Tras os montes,onde fez muito dano de roubos,mortes, & captiveiros, &
ganhou
CHRONICA
ganhou muita honra,porque achou muitos recontros, & refillécias no Are
cebiſpo de San &tiago, & ein outros grandes daquellas partes . Das quaes
huns desbaratou,outrospoz em fugida, & com outros fez partidos, conio
quiz. ElRey per outra parte fez muito dano na Ordem de Sanctiago, don
de ſe tornou ao cerco de Badajoz.
ElRey de Caſtella,eſtando inda no cerco de Lerma, ſoube como elRey
de Portugal eſtava ſobre Badajoz.E porque os Caſtellos de João Nunez
erão ja quaſi todos rendidos, & a gente que eſtava dentro em Lerma, po?
to que mui boa,& esforçada,era ja poita em tanta neceſſidade de fome,
fede,& doenças,que eſtavāo para ſerendercada hora,não quiz levantar o
cerco, & mandou prover Badajoz. E eſcreveo a Dom Pero Fernandez de
Caftro, que chamavão da guerra,grandefenhor em Galliza , que foſſe loc
ci correr a Badajoz,& o meſmo mandou a Dom Alvaro Perez de Guzmão,
Dom Henrique Henriquez, & a Dom Rui Perez Maldonado Meſtre de
Alcantara , & aos Concelhos de Sevilha,Côrdova,Caceres , Trugilho,Pla.
zencia,Còria, & de outros lugares de Andaluzia, & Eftremadura,que jun
tos com Dom Pedro Fernandez de Caſtro o foſſem ajudar,& o obedeceſ
ſem,como a ſua propria peſſoa. Era Dom Pero Fernandez ſenhor de Le
mos, & de muitas terras no Reyno de Galliza, que ſervia a elRey no ccre
co de Lerma com oitocentos homens de cavallo ſeus, & vaſſallos delRey,
com os quaes vinha ao cerco de Badajoz. Mas ſua gente o fez tam mal,
que ſe detiverão no caminho, roubando o que achavão, & ſe deſconcer
tàrão de maneira que por não chegarem a tempo,Dom Henrique Henri
quez, que veyo primeiro,ſe poz por fronteiro em Villa Nova de Barcaro
ta,donde aos Portugueſes do arrayal,que ſahião à herva,& lenha, & a ou
tras couſas,fazia todo o mal, & reſiſtencia que podia. ElRey anojado do
dano,queos ſeus recebião dos Caſtelhanos, mandou a Pedro Afonſo je
Souſa Rico homem ſobre elle com muita gente. E porque não pode lo
go tomar a villa eſtando elle em huma eſtancia forte perto do lugar, che
gàrão de Andaluzia Dom João Afonſo de Guzmão, ſenhor de Medina
Sydonia, & de São Lucar, & Dom Pero Ponce ſenhor de Marchena,&i a
gente da Cidadede Sevilha. Os quaes querendoſe recolher em Villa Nu.
va com Dom Henrique Henriquez, não ſabendo nada do cerco, em que
Pedro Afonſo de Souſa os tinha poſto,encontràrãoſe com elle, & ouve
D. João rão huma crua peleja,naqual Pedro Afonſo foi vencido, & ſua gente pa
Manu clita em fugida, & no alcance della muitos mortos,& preſos, principalmen
paflou a te dos de pè . Com o deſtroço, & perda deſta gente, & por a Cidade de
saragão, Badajoz eltar muiforte, & apercebida para ſofrer muito tempo o CCICO,
onde
não a conveyo a elRey levantalo, & deſcontente tornou a Portugal.
1
chou ſoc Dom João Manuel, que eſtava em Peñafiel,ſabendo o ſucceſſo delRey
corro. de Portugal,& que elle eſtava em riſco de ſer tambem cercado para o que
ja não eſperava loccorro de alguem ,deixando em ſuas fortalezas poi Al
caicks
DELREY D. AFONSO QVARTO 130

1
czydes homens de confiança,le paſſou a Valença ,a caſa delley D.Pedro
de Aragao,de quem foi bem agaſalhado,mas mal ſoccorrido com a ajuda
que lhe pedio.
Por outra parte João Nunez de Lara,que cſtava com ſua mulher cerca
do em Lerma,& poſto ja em muyta neceſſidade de mantimentos, & de a
goa,& outra vez cercado com húa cerća nova, que elRey lhe mandàra fa
zer em torno,per que lhe não podia entrar ſoccorro,nem ſair fora, ſalvo á
merce delRey,que moſtrava claro quelhe naő daria a vida ; por meyo dos
grandes ſeus parentes , & amigos queno cerco eſtavaő,mandou pedir a el
Key pormerce,lhe perdoafle, & deſuas terras fizeſſe o que quizeſſe. El D. Ioam
11
Rey o ſegurou ,& a todos os ſeus,ſalvoa certos,de que elle tinha eſpecial Nunez
deſgoſto. Mas eſtes em habitos diſfimulados,forao poſtos emſalvo. A fe- cercado
gurança foi com condição, queo caſtello de Lerma foffe derribado, & affi comette

certoscaſtellosoutros,queelRey declararia. Eque João Nunez de Lara lhe partido


tiv folle obediente,& ficaffe feu Alferez môr como antes era. Ioam Nunez em de
a elRey
Caſte
.. final de obediencia leuantou em Lerma o pendam Real. Ao quoal elRey la.
mandou hum cavallo ricamente ajaezado, em que João Nunez ſaio , &
com elle ſua mulher.Os quais foi receber, & em lhe beijando à mão, nam
quiz que lhe deſſem deſculpas de maneira algúa.Mas os recebeo com grá. D.Ioam
Nunez
de honra,& moſtras dealegria,que elRey fabia fingir, quando queria; & recebido
com João Nunez ſe veyo a Valhadolid.E eſtando ahi elRey chegou Do delRey
4 na Joanna māy de João Nunez,& ſogra de D.João Manuel, pela qual de com hó
Aragão,ondeandava ,mandou D.João Manuel dizer a elRey,que ſe que- ra.
1 : ria vir a ſeu ſerviço,& lhe perdoalfe,& perdeffe oodio, que lhe tinha, &
que para ſeguridade diſto D. João poria em arrefens Eſcalona, & Carta
i gena,com ſeus Alcaceres, & hum dos Caſtellos de Peñafiel, & que elle fi
caſſe Adiantado,& Fronteiro do Reyno de Murcia ,como de antes era, El
Rey o aceitou,& D.Joanna ſe foi ao Caſtello de Garſia Munhoz,onde ef 1

tava aInfante D.Coitança,nao por ſer ſua nora ,como o Chroniſta de Por 1

tugal inadvertidamente diz. Porque D.Coſtança ouve D. João Manuel da 2

primeira mulher, que foi D.Coſtança , Infante de Aragão, filha delRey


Dom Jaymes,& de Dona Branca filha delRey Carlos de Napoles. E da
quelle lugaraviſou D.Joanna a ſeu genro,que podia vir ao Reyno ſegu
ramente. ElRey de Caſtella acompanhado dos Meſtres das Ordens , &
demuyros ſenhoresdo Reyno,que para a entrada de Portugal tinha aper
cebidos,partio caminho de Badajoz,ondeſetodos ajuntàrão. E porque o
biſpo da Cidade era Portuguez,foi lançado fora, & tomadas ſuas rendas.
A Rainha D.Beatriz de Portugal,vendo tantos aparelhos de guerra , &
riſco dos Reys ambos,que tanto The tocavão ,& das gentes de hum Reyno
& outro, queella tinha por naturaes,parecendolhe,quecom ſua peſſoa po
deria trazellos a paz, & concordia,& movida do amor do marido, da filha,
& do ſobrinho,de cujas vidas,& eſtado ſe tratava,não podendo allofregar,
fem
CHRONICA
fem conſentimento delRey feu marido ,queſegundo era altivo da cordi.
ção, lho não conſentira,determinou de ſe ver com elley de Caſtella itu
fobrinho, & genro, queera o movedor deſtas differenças, & diſcordias, &
pondo-o em effeito,fe foia Badajoz.ElRey com toda ſua gente a fahio a
receber com grande ceremonia, & acatamento de máy. E eſtando con
elle apartada,dizem lhe fallou deſta maneira: Senhor filho, nao creacs, ģ
deſconfiança algúa delRey meu fenhor, ſe não poder reſtituir das muytus
offenſas que de vos tem recebidas,& tanto tempo diſſimuladas, me fazen
a mim vir priineiro pedirvos paz, ſendo vós o que lha ouvereis de pedir
s i a elle,por amuyta razão que tem de ſempre vos fazerguerra. Porque nem
poder,nem juſtiça lhe falcão para iſſo. Mas cuidando eu o muytoque on
todos vós me vai, & a grande razão ,queentre nos todos ha, comomulher,
que a tamanha dor pòde menos reſiſtir,quiz viravós, não tanto a pedir
vos paz, quanto a acoymarvos a guerra, que cauſais mais que civil,pois cl
Reymeu ſenhor,he pay da Rainha voſſa mulher, & irmão de voſſa máy,
& eu máy deffa infelice mulher, & irmáa de voſſopay,& que no amorvers
fui ſempre māy,& grande amiga. Peloque aqualquer parte, que a vicia
ria deſta voſſa differença fe incline,ſemprehei de fer magoada. Porque fe
elRey meu ſenhor algúa boa andança contravós ouver, como eſtà mai;
6 certo,pois tem tam juſta cauſa depelejar,& tanta, & boa gente, quepor
elle fe offerece a morrer,nao poſſo deixar de ſer muy anojada,pois ferà au
vida contra meu ſangue, & contra os vaſſallos que forao de meu pay, co
quem me criei, & contra a terra em que naſci, & contra a filha que eu pari,
& contra vós ſenhor,que eu como filho ſempre amey . Peloque attenta a
tanta razão, & às leves cauſas perque vos moveis, & os grandes,& tama
nhos divedos de ſangue,de que vos não lembrais, quiz eu meſina em pel
Ioa,não com pequeno riſco da honra delRey meu ſenhor, virvos lembrar
quem fois , & o que nos fois, & a afronta,que a vós, & a nós fazeis, pois to
mais armas ſem cauſa contra voſſo tio,contra voſſo pay, & contra hú Rey
voſſo viſinho,com quem per tantos contratos, & juramentos fois liado.
Porque ſendo a culpa toda voſſa,a gente do povo de hum Reyno, & cutro
& dos eſtranhos,como inal informada,a faz cómum a nôs, por verem , que
ſendo na idade inais velhos, & no grao do ſangue ſuperiores, tomamos al
mas contra vòs. Peloque vos peço ſenhor, que olheis o que deveis a Deos,
& àobrigação que tendes de Rey, que hefazer juſtiça, & razão, & à ida
de delRey meu lenhor, & o reſpeito de pay,que por tantas razoés lhe de
veis,& àsoffenſas que lhe tendes feitas. Baftem as magoas dos disfavores,
que à Rainha voſſa mulher fazeis, & a cauſa porque lhos fazeis, até que o
grande ſentimento, que ella diſſo tem ,lhe traga o fim de o fentir. Ifto q cu
comettico amor de máy, ouvereis vos de cometer co reſpeito, & ohrie
ção de fillo. Mas as perturbaçoens do amor,da 7 ouvereis de avorrecer, S
do odio da que ouvereis da amar , vos tem tam occupado, que volodeixnaino
DELREY D. AFONSO QVARTO . 131
deixão bem ver. Não fallo na ſem razão tão eſtranhada de todo eſtado de
homés queuſaes,em quererdes deſcazar a Infante D.Coſtança de meu fi
lho, avendo vòs per todos os direitos divinos,& humanos ſer,o que os ou
vereis de ajuntar aſli por a razão, que com ambos tendes, como por a obria
gação em que fois à Infante por a proineſſa do cazamento, quenem a ella,
I nem aa ſeu pay compriſtes.Não refreſqueisa memoria, doque vòs por vol:
ſa honra ouvereis de encobrir, & tirarvos Senhor de boccadas gentes.Não
queiraes ennegrecer voffa boa fama, & feitos honroſos com feito tão eſcan
daloſo , como he tolherdes cazaměto a húa mulher,com a não quiſeſtes ca
zar,tendolho promettido, & não volo merecédo ella,&fazer guerra âquel
w les por quem ouvereis de tomar as armas, ſe outrem lhafizera. E já que
ne eu moví ſem conſentimento delRey meu Senhor, & de todo ſeu con
elho, a vos vir fallar, & ſer interceffora da paz, que Deos tanto ama, &
encomenda,peçovosSenhor,que não ſeja minha vinda ſem fructo , & em
vão: & queretrahindo vosdo propofito,em que eſtaes,façaeso que deve
isa vós, & a voſſo eſtado, & o que deveis a nòs. E que para iſto vos não
jeis de outro terceiro ſenão demim . Porque a nenhuma peſſoa toca ma
is,o que a voſſa honra,& proveito cumpre.Aquia cabou a Rainha com al
zúas lagrimas,7 lhe a piedade, & amor do marido,da filha, & do fobrinho
noverão,queella com ſuaauthoridade Real,& gravidade natural,não po
de encobrir.ElRey ouvindo tudo com muita attenção, lhe reſpondeo com Repoſta
nuico acatamento. Mas a reſolução foi, que elle fazia guerra provocado delRey
das injurias delRey feu tio,q lhe entrara em ſuas terras, & lhe cercara aquel de Cal
a Cidade,ſó por querer favorecer D. João Manuel,& João Nunez de La -tella à
Rainha
ra,de que elle quiſeratomar ſatisfação . E que elle cairia em grande falta de Pore :
com omundo,ſe por iſſo não tornaſle.Porem que pelo acatamento, & ref-tugalſua
peito della,a quem elle amava,& venerava como máy , que ſe elRey feu ſogra.
: io em facisfação dos danos,& eſtrago, tinha feito em ſuas terras, lhe lar
gaſſe as villas, 4 elle tinha naquellacomarca na ribeira deGuadiana.ſ.Ser
pa,Moura, Mourão,Noudar,& as mais,que elRey D. Diniz, & D. Afonſo
i leupay ouverão por eſcaimbo, que ceſſaria da guerra. Não dizia el-Rey
... iſto por lheparecer, que el Reyde Portugal outorguaria, em lhe foltár
aquellas villas, mas diffeo porſe eſcufar da Rainha ſua tia com aquel
larepoſta, & não lhe negar deſcubertamente a paz, que lhe pedia, a
fim de ver ſe ſe podia encontrar com elRey ſeu tio em campo. E por
que a Rainha vio, que aquillo era mais negar a paz , & concordia , que
outracouſa, pois pedia couſas tam injuſtas,ſe tornou deſcontente,& arre
pendida para Portugal, como fazem os mais dos Principes, que vão a ca
za de outros .
Em ſe a Rainha deſpedindo, el-Rey de Caſtella , que nãoera de muitos
primores,não lhe guardando a corteſia, que à fua Real Peſſoa devia, foi
logo nas coſtas della fem algúa demora com ſuas gentes ſobre Elvas, onde
Z7 elteve
CHRONICA
eſteve dous dias,nos quaes deſtroio os arrabaldes,& eſtragou os oli vaes,&
as hortas. E per outra parte mandou ſeus corredores por toda a terra com
inarcía, donde trazião muyto gado, & homens cativos. Dalli foi ſobre a
villa de Arronches,& querendoa cercar,lhe aconſelháraó, que inais dar.o
faria andando pelo Reyno de Portugal,que eſtar em cerco. Alli ſoube ci
Rey como o de Portugal era entrado a correr a terra de Xerez, Badairiz,
Burguil hos, & Alconchel , & ſem mais detença o foy buſcar, para lie
dar batalha , & chegou a Veyros, onde lhe tambem diziam , que arda.
va , & dahi com grande trabalho feu, & deſuas gentes, foi en hum cia
de Arronches ao lugar de Chellez, por lhe dizerem , que era ahi chega:
do, nam ſendo aſſim . E pondo cerco a Olivença, deſiſtio delle , por a.
doecer de tercaās, ſendo o fim deJunio,dondeſe foi curar a Sevilha. Mas
ordenou a ſeus Fronteiros, que por todas as partes de Portugal fizeſſem
guerra , & deixou por Capitães deGalliza a Dom Fernam Rodriguez
de Caſtro, & Dom Joam de Caſtro ſeu irmão , que com muyta gente
entràrao em Porîugal por Viana de Caminha. E ſem alguma relihen a
chegàraõ â Cidade do Porto,matando, & roubando, & fazendo todo o mal
que podiáo . E ſendo na dita Cidade juntos Dom Frey Eſtevão Gonçala
vez Meſtre da Ordem de Chriſto,D.Gonçalo Pereira Arcebilpo de Bia
ga ,& o biſpo do Porto,refizerão de gente, entre de cavallo, & de pè, n:i!
& quatrocentos homens com os quaes oscontrarios nao quizerão pelejat ,
>
& le foram recolhendo com grandes roubos,& muitos prezos, que leva
vão .E pela terra fer muito fragoſa,receberão dos Portugueſes muyto da
Morte "no,& iaó deixando pouco & pouco muita parte daquella preza. E ao pal
de Dom fardehum ribeiro,duas legoas & meya de Braga, ouve entre todos grar.de
loão de
Caſtro peleja ,em que D.João de Caſtro foi morto ,& com elle trezentos dos teus
com tre. & por força lhes fizerão deixar todo o roubo,& prezos,que levavão, & al
zentos
dos ſeus.
ſim desbaratados,ſe tornàrão os Caſtelhanos para Galliza.
EiRey de Portugal entre tanto mandava por mar contra Caſtella,& ar.
mou 20.galés, & navios, & fez Capitão delles D. Gonçalo Camelo co do.
us mil homens de peleja,& de Lisboa forão dar conſigo em Lepe, na An
daluzia,onde eſtava por Capitão D.Nuno Portocarreiro; & porto ao t'i
tiverão difficuldadeos Portugueſes,entràrão a villa per força, & arouba
rão, & talharão ao redor. Dahi forão a Gibraleon,& por não acharéboa ii
ida , tornàrão outra ver a Lepe. E ſaindo a por fogoa húas vinhas,ſe encom
trou cõ elles D Nuno co a gente da villa,& outrosô cô elle le ajuntárzó,
& ouverão co os Portugueles húa brava,& crua peleja,de q fairão mortc?
8o Caſtelhanos; & 27 Portugueſes, & de huma parte & outra mustos
feridos, & entre elles Dom Nuno Portocarreiro , que ao terceiro diamer
reo . E retrahidos a ſeu lugar cada hum, os Portugueles levarão preſos a
GilGorerrez de Carmona,& Marcim de Aguilar,fidalgos de grande con
ta.E os Caſtelhanos levárão o Capitão D.Gonçalo Camclo, que o dèra.
por
--
DELREY D. AFONSO QVARTO . 132
por aquelles dousfidalgos preſós, & por o corpode D. Nuno.Para vingă
ça dagurelle feito,mandou logo elRey de Caſtella armar em Sevilha qua
renta velas; & nellas cincomil,& quatrocentoshomens de peleja, de que
hia por Capitão feu Almirante D.Jufre Tenorio,nos quaes deu cal tor
menta,que ſe derramarão,& perderáo,ſem fazer couſa algúa, o que tam
bem tocou à armada de Portugal,que recebeo muita perda.
Em quanto andava aquella armada del Rey de Portúgal na Andaluzia,
niandou elle outra contra Galliza,de que foi Capitão feu Almirante Mef
ſer Manuel Peſſano fidalgo Genoes.O qualſem contradição fahia em qual
quer parte quequeria, & deftruia,matava,& roubava.E depois de eſtragaré
toda aquella colta,ſe tornarão os Portugueles vićturioſos com grädes rou
bos, & muitos priſioneiros a Lisboa.ElRey deCaftellamandou logorefor
mar em Sevilha a armada, ſe lhe perdeo,& fazela muito mayor . A qual
correo a coſta do Algarve,fazendo o mais dano 9 podia . Pelog elRey de
Portugal mandou ao dito Almiráte Manuel Peſiano, & Carlos Peffano ſeu
filho ,z co a armada q eſtava ein Lisboa,acodiſſe ao Algarve,& pelejaſſe có
a armada de Caſtella.E indo elles co muito alvoroço em buſca do Almira
te de Caſtella ,elle vinha co o meſmo deſejo em buſca do de Portugal, de a
ja tinha novas, & ſe encontràrão ambos no Cabo de S.Vicente,cada hūcó
eſperança de victoria,& cõ grandes gritas ſe chegárão hús aos outros, & ſe
11
aferrarão. A peleja ſe travou có grande animo de hús, & outros. Nove das Gales de
galés dos Caſtelhanos forão logoentradas, & desbaratadas. Mas a fortuna Portu
cótraria ſe volveo cótra os Portugueſes, & aſli pelosventos q ſe mudàram galdes -
em favor das galèsCaſtelhanas,como pela grande efficacia co q elles aquel- barata
la hora pelejàrão por ſua falvação,& vingança, vendo q os Portugueſes os das pe
levavãojà de vencida,as galés de Portugal todas tornarão a ſer vécidas, & Caftella.
desbaratâdas:das quais algúas forão alagadas; & dos Portugueſes muytos
mortos, & feridos.Asgalės “ ficarão forão tomadas, & preſos nellas o Al
mirante & ſeu filho,co todos os Portugueſes, pelo Almirante de Caſtel
la forão levados a S. Lucar,& dahi a Sevilha,onde eRey eſtava doente, a
fõ grande alegria os foi receber. Alem deſta perda do mar, hũ Fernão Ar
jaez,9 por Caſtella tinha a frontaria da terra do Algarve,entrou có muita
gente pela terra delRey de Portugal,& veyo correra Caſtro Marim , & em
hữa cilada que lançou,acertouſe,que dosmoradoresque fem reſguardo a
eile ſairao,matou 180.& prendeo 70,que levou a Caſtella cativos.
El-Rey de Portugal não perdendo o animo com eſtas perdas,nem avó- Entrada
tade de ſe vingar,ajuntou muyta gente de cavallo, & depé,& fe foi à Co- delRey
marca de Riba deMinho,& entrou em Galliza , onde eſtava por Frontei- dePor
ro Dom Pedro Fernádez deCaſtro,com muytas gentes do meſino Reyno,tugalcın
& de Caſtella. E deixando cerco poſto ſobre Salvaterra, ſe foi elRey ſein Galliza,
contradição a Orenſe,queimando, & roubando,& eſtragando a terra , &
dahi ſe tornou com muytos roubos, & captivosa Portugal, deixando a
22 quella
CHRONICA
quella terra toda erma,& deſtroida,fem D.Pedro de Caſtro lhe refiftir, o
qual tinha conſigo tanta gente com que pudera dar batalha a elRey.Antes
ſe afaſtou delle dizendo aos queo reprendião por iſſo, por nenhua nia
neira tomaria armas contra elRéy D.Afonſo de Portugal. Porque elRey
D. Diniz ſeu pay o criara em ſeu Reyno, & de ambos recebera muitas hó
tas,& merces.
Sabendo el Reyde Caſtella do grande eſtrago que elRey de Portugal 3
fizera em Galiza,ajuntou dezmilhomes de cayallo ,& muita gente de pe,
& veyo pela ribeira de Guadiana,onde corre por Alcoutim ,lugar do Rey.
no do Algarve,& por pontes que mandou lançar lobre barcas, & galès, a
para iſſo mandou trazer,paſſou todas ſuas gentes em hūdia, & veyo ſobre
Caſtro Marim ,Fortalezaonde então eſtava o Cóvēto da Orde de Chriſto.
E poſto q fortemente o cõbateo, o nao pode tomar. Porque os que deine 1
tro eſtavam ,erão homens esforçados,& fe defenderao com grande animo, 3
E pela afronta em que ſe aqui virio aſſentàram , que o Convento fe mu
dafle para outra parte, porque tinha o ſoccorro alongado, & ſe mudou
Cóuen- deſpois para a Villa de Tomar, onde fobia eſtar o Convento dos Tem .
to de Ca plarios.De Caſtro Marim ſe foi elRey de Caſtella a Tavira, & fe apoſen
ftro Ma
tou no Moſteiro de S.Franciſco.E em tres dias que ſobre a Cidade eſteve,
tim mu-
dado a mandou talhar hortas,vinhas,& figueiras, & queimar a Taracena,que eſtaw
Tomar, va
fora da cidade. E entre tanto correrão ſuas gentes a Faro, Loulé, & os
mais lugares da coſta do Algarve,onde fizeraõ grandeeſtrago, & levaram
muito gado,& homens prezos. E porque os mantimentos lhes faltavão, ſe
tornou elRey a Alcoutim , & dahi paſſou a Sevilha,
Eſtas differenças & guerras,que entre os Reys logro, & genro ſe accen
diaó, que de todos erað muy eſtranhadas, por a cauſa dellas, & fe efpe
Papa rava virem a mais, ſentiao muyto o Santo Padre Benedicto XIJ . que ella.
Bencdi- va em A vinhão. Peloque lhes mandou por Legado Bernardo Biſpo de
cto XII. Rbodes, homem douto, & eloquente, que depois foi Cardeal, para
trata pa
tratar paz entre elles.
Zes en E antes que elRey de Caſtella partiſſe de Sevilha,
tre os para vir ſobre o Algarve, veyo a elle . Ao qual propoz ſua Embayxa
Reys de da, per que com muytasrazoens moſtrou os danos,que à Republica Chri
Portugal ftaa podiam reſultar de ſua diſcordia, porque alem da guerra, em que an
& Car- dàvão, ſer mais que civil, pois era entre Principes Chriſtãos, & entre pay,
tella .
& filho, & parentes contra parentes, podia ſer occaſiao de osMouros le a.
proveitarem de ſuas diſſençoens, & entrarem em Heſpanha, & a defui
rem, & ſe aproveitarem della,comojà fizeraó. Nomeſmo tempo cle
gou à Corte de Caſtella Joanne Arcebiſpo de Rems Embayxador de
Philippe V) . Rey de França, para em ſeu nome ſer terceiro entre cfies
dous Principes, & os acordar. O. qual por muytas palavras tracov v
meſmo, diſſuadindo a elRey de Caſtella a guerra que fazia, dizendo mais,
que porque parecia culpa , & negligencia dos Reys Chriſtãos nam ata
Tharco
i DELREY D. AFONSO QVARTO . 125
&albarem guerra tam fea entre taes dous Princepes ,& taố parentes, alem do 1

reth parenteſco, que com ambos tinha, ſe movera elRey deFrança ao man
Mi daraelles. E'inſtando ambos eſtes Prelados, que elRey de Caſtella nam
0
entrålſe em Portugal, elle o nam quiz fazer,pora outra entrada, que el
o Rey de Portugal fizera em Galliza , querendo que ficaſſem tal portal.
E dille aos Embayxadores, que antes de com elle tratarem de pazes, fof
del jem a elRey de Portugal. Porquepor elle ſer o primeiro que rompeo a
guerra, avia de ſer primeiro em pedir paz, & que conforme a repoſta,que
e delle,daria elle a ſua.
!: OBiſpo Legado,poſto que tambem vinha dirigido a Portugal, por ſer
Inverno , & o tempo muy chuvoſo, & elRey eſtar entre Douro & Mi
requererbrevidade, pareceo
senho, que era parte muy diſtante, & o caſo ſua
Proclhe,que baſtava notificar a elRey tudo por carta . Pelo lhe eſcreo
que
200 veo,pedindolheoutorga ,& conſentimento para o caſo da paz,& que pará
of iſlo apontaſſe osmeyos, quelhe bem pareceſſem . ElRey fe anojou com a
carta , por o Legado nam vir em peſſoa a elle, aſſim como lhe fora man
dado pelo Papa,& iſto ſó lhe reſpondeo,ſem fallar na materia das pazes.
O Legado achandoſe alcançado,lemn embargo da longura do caminho, &
aſpereza do tempo,foia Braga,onde elRey entaðeſtava. E depois de fer
recebido com muyta honra,aſlina entrada do Reyno, como da Corte aos
20 de Outubro de 1337.foi a elRey, & perante o Arcebiſpo de Braga, & ANNO
outros grandes lhedeu hũ Breve do Papa cerrado,em q com fantas amoe 1337
ſtaçoes The perſuadia a paz,& fe remetria em o mais ao Biſpo feu Legado.
Como elRey vio o Breve,diſle, por virtude da crença,q nelle vinha,dif
feffe,o que per ſua Santidade lhe era mandado. O qual logo moſtrou ſuas
f inſtrucçoes ſobreo tratar das pazes, & apreſentou hum poder para quitar
to!
homenagés, & abſolver de juramentos, que foſſem feitos,que podeffem
prejudicar,& para pôr penas de excõmunhão ein ambos os Reys, & ſeus
Reynos, quando aos bons meyos de paz,ou trégoas naõ quizeſſem obede
cer. E ſobre iſſo fez a elRey hum grande razoamento, para o provocar aRepoſta
paz ,& concordia,pedindolhe ſobre todoaccerca diſſorepoſta. ElReyque delRey
de ſua natureza era livre,& agaſtado,lhe reſpondeo,que o Papa com toda de Por
ſua fan &tidade,não era Deos,masera ſeu Vigario. E que ſe Deos portugal ao
ſua bondade, & juſtiça não mandaria couſa,quenão foſſe juſta, &razoada, Legado
muito menos o devia o Papa de fazer. E quando per ſua vontade oman do Papas
daſſe ,nem elle,nem outro algum era obrigado a obedeſcer a ſeu mandado.
E que nem por iſſo ſe poderia chamar deſobediente á Santa Madre Igre
ja.E que aquillo dizia,porque elRey deCaitella lhe tinha feitas tantasſem
razoens,& faltara tantas vezes de ſua palavra em couſas honeſtas, que lhe
promettera , que Deos com igual juſtiça não lhe podia mandar, que ti
veſſe paz com elle, & muito menos o Papa. Peloque as cenſuras, & pe
nas entre Reys, & em taes cazos erão deſneceſſarias .O Biſpo vendo elRey
anha
23 all
CHRONICA
aſſanhado,como homem muy prudente q era, & muy exercitado em ne
gocios arduos, lhe replicou tam catholicamente, & com tanta ſuavidade,
como ſe requeria para o negocio que hia a fazer,pedindo aelRey quizcſ
fe abrandar ſua ira. Porque elle faria comelRey de Caſtella, que ſe arre
pendeffe dos erros paſſados, & einmendaſſe todos os males, que erão fci
tos,tirandomortes, & talhas,em que ja nað avia remedio. ElRey convco
cido algum tanto de ſuas palavras,dilatou a repoſta para dahi a algūs dias.
Paflados quatro dias,niandou elkey chamaro Biſpo , & perante os do
ſeu conſelho recontou todas as couſas, de que delRey de Caſtella eſtara
ſentido, & os eſcandalos que delle tinha, da pouca verdade que com elle
tratara,& dos modos falſos & encubertos, queſempre ufara para não com
prir com elle,o que tinha tratado,& o mào tratamento que ſempre dera
á Rainhaſua mulher,por tratar como Rainha ſuamanceba,não ſe pejan
do delle,ſendo ſeu ſogro, & tio. E que a tudo tivera ſufrimento, ainda
que com grandequebradeſua honra,por não quebrar com elle. Mas que
como vaſilha chea,que ja não podia levar mais, & por parecer que de ſua
paciencia vinha a elRey de Caſtella ſua audacia, & atrevimento, eſtava
em propoſito de não ceſſar,atè per armas delle tomar vingança, & emen
da de tantos danos. E que com rudo,poſto que deſiſtir de guerra tam ji:
fta, & tanto de ſua honra, lhe foſſe afronta, que elle como devoto filho
da Igreja Apoftolica da maneira,que ſeus anteceſſores ſempre o forão, lhe
apprazia obedecer ao Papa no tratado da paz, com tanto, que ſe fizetre
com honra ſua, & bem de leus vaſallos. O Biſpo lhe refpondeo, que lhe
Jouvava muito o deſejo, & propoſito da paz. Mas que ſua repoſta era mui
geral,quelhe avia de dar apontamentosparticulares,& que para iſſo lhe
pedia quizeſſe mandar ſeus Procuradores para com elRey de Caſtella af
fentarem ſuas capitulacoens. ElRey diſle, q cuidaria o que niſſo faria. L
paſlados alguns dias, foi chamado o Biſpo, & ſem elRey fer preſente, Pe .
to do Sem feu Chanceller mòr The diffe, que para o aſſento das pazes ,
elRey avia por bem de nomear Procuradores , & que eſtes erão Don
Gonçalo Pereira Arcebiſpo de Braga, Payo de Meira ſeu Meirinho môr,
& elle meſmo ſeu Chanceller mòr,& que elRey de Caſtella nomealſe 01
tros,que a certo dia, & lugar foſſem juntos. Deſte meyo foi o Biſpo mri
contente. Sômente pedio a elRey, quelogo conſentiſſe em tregua de al
gum tempo,dentro do qual tratarião apaz. ElRey o conſentio com con
dição, que elle não foſſe obrigado a guardar a tregoa, falvo depois de ter
certificado,que elReyde Caſtella a conſentia,
Com eſta reſolução ſe partio o Legado para Mérida, onde eRey de
Caftella eſtava,a que deu conta de tudo o que paſſava. E depois de mui
tas altercaçoens,& encarecimentos que elRey de Calella fez, finalmente
diffe,que por reverencia do Papa ,& reſpeito delRey de França, que qui
zerão ler terceiros de ſua concordia, conſentia na tregoa, que de 27. dias
de De

!
DELREY D. AFONSO QVARTO 134
de Dezembro duraria atè a feſta deSão Miguel deMayo ſeguinte, den
tro dos quaes ceſſaria todaa guerra,ſalvo que a Infante Dona Coſtança
fem ſeu conſentimento delle não foſſe levada a Portugal. E para o al
fentodatregoa eſcreveo o Biſpo a elRey de Portugal, mandaffe feu Pro
curador baſtante ao termo do lugar de Caſtro deLadroens, onde avia de
ir outro tal delRey de Caſtella. Ao qual lugar ſendo preſente o Biſpo,
veyo Lopo Fernandes Pacheco Senhor de Ferreira de Aves,& por elRey
de Caſtella Fernão Roiz de Villalobos. O qual diſſe,que não podia fim
plezmente aſſentar a dita tregoa,como eſtava praticado. Mas que avia de
ſer ſob certas condiçoens,que logo apontou. As quaes por todas ſerem
contra razão, Lopo Fernandez Pacheco ſe tornou a Portugal, & o Biſpo
de Rhodes,& Fernão Roiz de Villalobos a elRey de Caſtella. A quem o
Biſpo ſe aggravou muito ,por ſeu Procurador vir com novidades , contra
o que eſtava affentado. E depois de muitos debates, contentio elRey de
Caſtella na tregoa. A qual o Procurador delRey deCaſtella, & o Biſpo
de Rhodes vierão affencar com elRey de Portugal a Coimbra no mez de
Agoſto por hum anno. E concordàrão mais, que elRey de Portugal den
tro daquelle anno em certo tempo aſſinado, mandaſſe a Caſtella ſeus em
baxadores para entenderem na paz. Os quaes nomeou elRey, que ferião
o Conde Dom Pedro de Barcellos ſeu irmão baſtardo, & o Arcebiſpo de
Braga Dom Gonçalo. E com eſta concluſaő tornou o Legado a elRey de
Caſtella,do qual ouve licença,para em quanto vinha o tempo em que os
Procuradores ſobre as pazes ſe avião de ajuntar,elle ir,como foi, ao Papa
a lhe dar conta das couſas de Heſpanha.E o meſmo fez o Arcebiſpo de
Rems a elRey de França .
Da relaçao que o Biſpo Legado deu ao Papa, mandou muitas graças a
elRey de Portugal, & lhe deu muitos louvores por quam juſta lhe pare
çeo a cauſa de ſua indignação,& lhe encomendou muito a paz. E chega
do o tempo em que os Embaixadoresavião de ſer em Alcalá, onde era
aſlinado que ſe ajuntaſiem , foi o Arcebiſpo de Braga, & não o Conde D.
Pedro,pora eſſe tempo ſerdoente.E ahi ſe ajuntaraő tambem para o mel
mo negocio outros procuradores delRey de Caſtella , que capitulàrão a
paz com taó deſarazoadas condiçoes, que o Arcebiſpo de Braga,‫ و‬eſcanda
lizado dellas, diſſe,que para ſe não perder tempo, apontaſſem couſas que
foffem para conſentir,ſenão que não eſtaria alli mais. E para emenda do
paſſado ,os Procuradores de Caſtella trouxerað outros apontamentos, que
eraðmais para rir, que para outorgar .S.queelRey de Portugal entregaſſe
as villas de Riba de Guadiana, & de Riba de Coa, que forao de Caſtella
todas perſi nomeadas com ſuas rendas,que dos Reysde Portugal tinham
Tendidas deſdo tempo que as poſſuhião, & as villas de Portugal, que por
arrefens eraõ poſtas em terçaria,dequeatraz ſe fez menção. Alem diſſo,q
ſem embargode o InfanteD. Pedro ſerjâZ
cazado com a Infante D. Cor
A tança ,
CHRONICA
tança,queſe a Infante D.Branca eſtiveſe em diſpoſição para cazar,quefi.
cafle no Reyno de Portugal,por mulher do Infante D. Pedro. E que por
as deſpezas da guerra, que elRey de Portugal obrigàra fazer aelReyde
Caſtella,lhe delle dez cătos da moeda Caftelhana.Deſtas coolas,& apõta
mentos tam fora de propoſito, aviſou o Arcebiſpo a ElRey. O qual dhe
mandou ,quedeixado tudo,ſem mais fallar em nada,ſevieſſe a Portugal.
Ao tempo que o Arcebiſpo deBraga partio da Corte de Caſtella, che
gou a ella de Avinhão, o Biſpo de Rhodes, & hum Arcediago irmão do
Arcebiſpo de Rems, da parte delRey de França. E achando as couſas da
paz deſatadas, perguntando a elRcy de Caſtella a cauſa, porque lhe reſo
pondco, que por culpa do Arcebiſpo de Braga, que não quizera outorgar
couſa algúa,das que lhe forao apontadas. Os Embaixadores do Papa, &
delRey de Fraça,vierão logo a Portugal,& elRey lhes diſſe em ſeuCóſc
Tho,como a culpa fora toda delRey deCaſtella, & dos apontamentos ver
gonhoſos, & fora de propoſito, que lhe fizera, mais com tenção de negar
a
a paz,que de aoutorgar. E que porque iſto ja era abatimento ſeu,mandara,
viro Arcebiſpo.E que com propoſito defazer guerra a elRey de Caſtella,
tinha ja feita ligacom elRey Dom Pedro de Aragão , que com elRey
de Caſtella tinha guerra, por tambem lhe falcar da verdade, para am
bos por mar & por terra, ſe ajudarem hum a outro contra elle, quando
a cada hum compriſſe. E que neſta liga para que muitas vezes fora reque
rido,ſempreſobreſtivera atê entao, E que por tanto dahi avante não avia
mais de mandar a Caſtella a couſa nenhua, que tocafle à paz. Mas queria
proſeguir a guerra ,que tinha começada . Porem, que por não parecer que
era contumaz,que elle punha ſua cauſa nasmoas do Papa,& que fua Sáti
dade determinaſſe entre elles,o que lhe pareceſſe juſtiça , & razão,& queil
to fizeſſem ſaber ao Papa,& a elRey de França .
Com aquella repoſta delRey de Portugalforão os Embaxadores mui
contentes.E porque lhe derão certa eſperança,que elRey de Caſtella con
ſentiria tambem no juizo do Papa,lhe pedirão ,que para aſſentar o mais
tempo da tregoa, que ſe requeria, & paranos negocios da paz, conſentir
na ſentença do Papa, mandaſſe com elles ſeu Procurador. ÈlRey mandou
com elles Lourenço Gomez de Abreu fidalgo de authoridade,& bom fa
ber.Osquaes chegarao a Talavera onde eſtava elRey de Caſtella,& ahi
concordou a tregoa, & comprometteraõ no Papa,perante quem aſſinaram
tempo cerco para irem os Embaixadores que os Reys logo mandàrao. Ma
antes que o Santo Padre algúa couſa determinaffe,elRey de Caſtella ven-s
do que a guerra, quecontra Portugal ſuſtentava, era fem juftas cauſas, &
por sò appetite,& temendo a liga, que elRey de Portugal fizera comel
Rey de Aragão, & húa conjuração,queos grandes de Caſtella contra elle
tentavão, querendoſe ajuntar com elRey de Portugal, & temendo Abome
lic filho del-Rey Hali-Boacen de Marrocos,que ja to mara Gibaltar,& apa
telha
DELREY D. AFONSO QVARTO 135
relhava grande exercito para paſſar de Africa a Heſpanha, & © o primei
To encontro avia de ſer com elle,& em ſeusReynos, aos quaes perigos el
le não podia reſiſtir,ouve por mais faó cõſelho,fazeras pazes per filem di
lação,antesque pelo Papa, nem por outros arbitros eſtranhos. Peloque
fein moſtra de neceſlidade alguma, eſcreveo a elRey de Portugal,que lhe
mandaffe ſeus Embaxadores, & Procuradores, & que a paz com a graça
de Deos le faria entre elles,com toda ſua honra , & contentamento. E
porque o mayor nojo,que elRey de Portugal tinha deſta guerra com ſeu
fobrinho era , quenão ſe podia fazer ſem dano de todos, & offença de al
por a grande razão que entreellesavia,aprouve
guns,queelle não queria,
The do que elRey de Caſtella cometteo .E para iſſo eſtando em Santarem
aos 30. dias de Mayo do anno de 1340,mandou a Caſtella por ſeus emba
xadores com procuração baſtante Gonçalo Vàs de Moura ſeu Guarda mór
& Gonçalo Vàs Theſoureiro da Sé de Viſeu , & Gonçalo Eſtevez de Ta
vares,que erão homens mui prudentes.
Tanto que os Embaxadores chegàrão a elRey de Caſtella, que então
eſtava em Sevilha,fez logo ſeus Procuradores a Martim Fernandez Porto
carreiro feu Camareiro mòr,& Fernão Sanchez de Valhadolid, Notario
mòr de Caſtella, & Chanceller do ſello da puridade. Os quaes todos de
pois de bem praticadas todas as duvidas ,ao primeiro dia de Julio do di
to anno,concordarão paz perpetua entre ambos os Reys deſta maneira:
Que ouveffe perdão geral de parte a parte de todasas mortes, & roubos Pazes
coin entregas das fortalezas,villas,& Cidades,quefoffem tomadas, & com entre os
livre ſoltura de todos os preſos ſem reſgaſte algum, & que ſem conſenci- Caſt
Reysde
ella ,
mento do outro não podeſſe nenhum delles Reys fazer tregoa, nem paz & Pors
com elRey de Benamarim . Item que a Infance Dona Coſtança , que atè tugal.
entam fora deteùda por elRey de Caſtella,podeſſe livremente vir a Por
tugal,& fer entregue ao Infante Dom Pedro leu marido. E que Dom Jo
ão Manuel ſeu pay,& quaeſqueroutros vaſſallos, & naturaesde Caſtella,
livremete em ſuas peſſoas,podeſſem vir com ella.E que a Infante D.Brana
ca ,de que o Infante Dom Pedro por ſuas indiſpoſicoens ſe quitara, folle
logo entregue em Caſtella com todo o ſeu que tinha. E que todas poſturas,
eſcaimbos,& firmezas,que atè então erão feitas entre os Reys de Portugal,
& Castella, ficaſſem firmes.
E alevantàrão as homenagens,& arrefens,que para ſeguridade de ſuas
couſas poſerão.E elRey de Caſtella prometteo de hi em diante tratar a
Rainha D.Maria ſua mulher,como devia ,& que não traria conſigo D.Li
anor Nunez,como trazia em lugar de ſua mulher.E por bem deſta paz fo
são logo ſoltoso Almirante Manuel Peſſano,& ſeu filho, & reſtituidos a
Portugal.Eſtas pazes firmàrão os Reys, & entre elles não ouve mais guer
ra,poſto a pela partedelRey de Caftella, que era de ſua condição, não fal
tallem alguns achaques.
Tan
CHRONICA
- Tanto que as pazes forão feitas , & juradas,eſtando elRey de Cafidlla
em ſeus paços,& lendo preſentes a Rainha Dona Maria ſua mulher,& D.
João Manuel, & D.João de Albuquerque,primo com irmão da Rainha,&
neto delRey Dom Diniz,& outrosſenhores,logo GonçaloVàs de Mou
ra Embaxador delRey de Portugal pedio a elRey de Caſtella , que alum
do que era capitulado, elle pormais abaſtança,& mòr moſtra de ſua vona
{ ade defle alli licença a Dom JoãoManuel,que per ſi levalle a Infante luz
filha a Portugal,para a entregar aſeu marido. O que a elRey aprouve,cl
cuſandole primeiro commuitas palavras da detença paſſada, não ſer por
ſua culpa. E Dom João Manuel não contente com aquella licença,por
quanto ſobre iſſo lhe tinha feita homenagem ,elle por mayor feu deſca:
go, & limpeza,para ſaber ſeera aſſim ,o perguntou a elRey tres vezes, eit:
pulando o perante todos, & elRey dizendo filho outorgou. Dom João
The beijou por iſſo a mão,& os Embaixadores de Portugal lho tiveram
em merce, & aflim ſe deſpedirão de Caſtella. ElRey de Portugal man
dou logo a Caſtella muitos homens nobres, & principaes do Reyno, os
quaes juntos com Dom João Manuel,& com muitos ſenhores de Canel
la pelo inez de Agoſto daquclle anno trouxerão a Infante Dona Coſtan
ça a Lisboa ,onde foi recebida com grande ſolennidade, & feſtas. Ali for
logo entregue a Infante Dona Branca a Martim Fernandez Portocarreiro
Camareiro môrdel Rey de Caſtella, com tudo o que ella tinha em Por
1
tugal.A qual acompanhada de muitos homens nobres Portugueſes, foy
entregue em Caſtella,ondeſe metteo Freira, no Molteiro das Holgas de
Burgos, & ahiacabou a vida.
EIRey de Caſtella,poſto que pelas capitulacoens das pazes promette
de tratar bem a Rainha ſua mulher, como a ſeu eſtado compria; & que le
POLOSURDOUS

apartaria de Dona Lianor Nunez ſua manceba, elle o não comprio allin
Mas como de ſua condição natural era inconſtante, & ſobre tudo mal dil
fimulado, & livre,confeſſava a quem lho queria ouvir, que não podia vt
a Rainha , & que eſtava para a mandar a Portugal. E affi por o odio, que
Odio rinha á Rainha, como por os ceúmes, que avia de ver a Infante Dona Cc
elRcy ſtança em poder do Infante Dom Pedro, dizia que todos os Portugueſes
D.Afon- The avorrecião, & que nenhum mal lhes veria, com que não folgaffe. E
fofcideCa
la ti ali ſe vio pela obra.
Porque depois das pazes lhe forão muitos Portugue
nha a fes pedir emenda de danos, que lhes erão feitos, aos quaes elle nem oli
fua mu vir queria. Peloque elRey de Portugal lhe eſcreveo muitas vezes aſperis
lher, & amoeſtaçoens,affirmandolhe,queſe lhemandafie a Rainha ſua filla a Puiu
aosPor- togal,quc elle a receberia . Mas que elle em ſua peſſoa,& com a lealgrn
tugucſes tede ſeus Reynos em que a elle lhe pezaſſe,a iria metter de poffe das Rer
ros de Caftella,em que ella tinha igual parte. E que para iflo não avia
miſter deſafio ,ſe não hum ſó acenno. Porque não era neceſario aperce
bimento de ſeus vaſſallos,mas o dia que osmandava,erão preſtes. Nem ti
nha ne
DELREY D. AFONSO QVARTO 136
nha neceſſidadede alimpar as armas, Porque os Portagueſes com as fer
sugentas folgavão de ferir, para mayor dộr dos inimigos. Com iſto lhe
tocava o mao tratamento da Rainha ,deque ſe não emendara, nem com
prira ſua palavrade lançar de ſi a Dona Lianor, como promettera. A iſto
reſpondeo elRey de Caſtella com eſcuſas,& palavras temperadas, & fin
gidas,como coſtumava. E para ſatisfazer a ſeu ſogro alguns dias continu
ou a caſa da Rainha,& tinha com ella algúa moſtra decóverſação, & apar
tou per algumas jornadas Lianor Nunez . Com a qual mudança todos fe
us vaſſallos forão mui alegres,& rogavão a Deos o conſervaſſe naquelle
bom propoſito, & melhoreſtado. Mas como o amor, que elle tinha a
... Lianor Nunez,era tam grande, com a auſencia, & ſaudades della, creſcia
mais,& o não podia ſofrer. E confeſſava que le ſentia morrer, porque a
não via , & que a não deixaria por nenhuma couſa da vida. Peloque ela
le a recolheo, & tratou a Rainha tam mal , como de antes toda a vida,
que viveo ,
Eſtando as couſas delRey de Caſtella em perigoſo eſtado por a vinda
de Hali- Boacen Rey de Marrocos,& delRey de Granada, que com poder
infinito de gentes dos Mouros de Africa, & Heſpanha tinhão cercado Ta
rifa, & ameaçavão a ruina de toda Heſpanha, foi aconſelhado dos ſeus, que
pediſſe ſoccorro aosReys de Portugal, & Aragão. E querendo elle em
peffoa vir a Portugal,lhoe ſtorvárão os ſeus,por o inconueniente, que era
alongarſe elle da frontaria dos Mouros em tal tempo. Peloque parecen
dolhe, que a Rainhao acabaria melhor com ſeu pay, fez com ella que vief
ſe a Portugal. O que ella fez com grande preſſa, & indo primeiro em ro
maria a Terena,ſe veyo á Cidade de Evora,onde elRey ſeu pay,& a Rai
nha ſua máy a forão eſperar. E como a miſeria,em que os pais vem a ſeus
filhos,faz,que os amem mais,por ſe ajuntaremdous affectos,amor, & com
miſeração,que fazem mais força,foi a Rainha de ſeu pay, & máy recebida
com muitas moſtras de amor,& mimos,poraffi a verem desfavorecida, &
deſcontente. Ella com palavras de muita efficacia, & lagrimas, pedio a
ſeu pay ajudaſſe a elRey ſeu marido neſta preſſa, que a todos tocava, não
fómente como parente,& pay,mas comoChriſtão, & como vizinho,a que
o perigo ficava comum ,& que o ajudaſſe com ſua peſſoa, & com ſuas gen
tes , & com ſeus theſouros. E que com a ajuda de ſuaReal peſſoa elRey
ſeu marido tinha tal confiança,quetodo o receo perderia,& cobraria gran
de eſperança de victoria. ElRey lhe reſpondeo, que doaque lhe pedia,
m
era
couſa demuito perigo, & importancia. Mas que ain que fora ayor,
o fizera facilmente, por ella ſer a menſageira. E que alli offerecia o cor
po , & a vida para aquella jornada. A Rainha com tam boa repoſta
foimuy alegre ,& tentou de lhe beijar as mãos , que lhe ſeu pay não
quiz dar.
ElRey querendo que a ajuda,que fizeſſe a ſeu genro,foſſe com parecer
dos fe
CHRONICA
dos feus, fez conſelho, & per todos lhe foi dito, que devia de eſcuſar a
ida a Caſtella em ſua peſſoa tam em breve,por não ter gentes preftes,nem
cavallos,nem outros apercebimentos,que lhe erão neceſſarios, para ir de
fua terra a Reyno alheo, & contra tamanho poder de Mouros. ElRey os
não quiz ouvir, por aquelle conſelho ſer contrario a ſeu propoſito, & a
ſua promeſſa. Mas mui animoſamente lhes reſpondeo muitas palavras de
confiança, dizendo que o bom Portugues per obras, & coração ſeguia
feu Rey, onde quer que eſtiveſſe, & muito mais indo contra inimigos da
Fé , & por defenſaó da terra dos Chriſtãos. E logo eſcreveo a todos de
ſeus Reynos, que o ſeguiffem , & foſſem apos elle a Badajoz , & ſe o ahi
não achaffem , a Sevilha. A Rainha Dona Maria eſcreveo tudo a feu ma
rido,& lhe aconſelhou , que pois o caminho era tão curto, que em toda a
maneira antes que elRey ſeu pay moveſſe de Portugal, á preſſa ſe vielle
ver com elle, porque ſerviria de muitas couſas. ElRey de Caſtella o fez
Rey D. aflim ,& com poucagente veyode Sevilha a Badajoz , & dahi a Oliven
Afonfo ça . Peloque ſabendo elRey de Portugal da vinda de ſeu genro, com as
XI. de Rainhas ambas,& com o Infante Dom Pedro o foi eſperar a Jerumenha
Caſtella ultimo lugar de Portugal, que parte com Caſtella, & ahi ſe virão todos
véa Por com muito amor , ſem lem
brança de couſas paſſadas. Os Reys apartados
tugal pe tratàrão ſósſuas couſas. E elRey de Portugal tornou fazer ao de Caſtella
dir foc
corro. a offerta, que fizera a ſua filha. E mui alegre elRey de Caſtella,ſe partio
a feu fo- logo a Badajoz,& dahi para Sevilha. E deixando elRey de Portugala
gro. Rainha ſua mulher, & com ella o Infante Dom Pedro ,fe partio com a Ra
Rey D. inha de Caſtella ſua filha para Elvas, & dahi entrarão em Caſtella,ondeel
Afonso Rey era recebido,& feſtejado da maneira que os Reys novos faó recebi
de Por dos em ſuas terras, porque aſſim o mandou ſeu genro.
tugal re- Quando elhey de Portugal veyo a Sevilha,elRey de Caſtella com to
cebido dos os grandes Senhores do Reyno, quena Corte eltaváo, o fairão a rece
com fef- ber fora da Cidade , & da meſma maneira o receberão os Prelados , &
tas, &
có ícle Clereſia com todas ſanctas reliquias, que na Cidade avia, que não era em
nidade memoria,que para outro algumRey foſſem tiradas,poſtos todos em huna
em Sevi folenne prociſſaó,em que o levârão. E alli fizerão todas as mais peſſoas da
Jha.
Cidade de todo eſtado, ſexo, & idade,tam alegres por ſua vinda , como
fe virão hum homem, que os vinha remir de todos os perigos, que recca
vão ,eſpantadosda grande moltidão dos Mouros, que era entrada, can
tando todos, Benedictus qui venit in nomine Domini. E eſtando os Reys am
bos em conſelho com todos os Senhores de ambos osReynos,queerão jun
tos, ſobre o modo que terião no feito de Tarifa:alguns aconſelhavam, o
que ja tinhão dito a elRey de Caſtella, que Tarifa ſe deſſe aos Mouros,
com condição, queſe tornaſſem logo para ſuas terras, & que para iſſo po
ſafſem arrefens, & ſeguranças. A eſte conſelho foi elRey de Caſtella co
trario a principio,poras muitas difficuldades, que lhe forão apontadas.
Mas

---
DELREY D.AFONSO QVARTO . 137
Mas depois já lhe parecia melhor conſelho perder aquella villa, que por
em riſco todas as outras, com o perigo de fuaspeſſoas, & dos que com
elle ſeriam na defenſam della. A eſte conſelho foi elRey de Portugal mui
contrario, & com animo,& roſto mui ſeguro, diſſe: que elle namn ſaira de
ſeu Reyno para conſentir, que cidade alguma,villa, nem Caſtello em ter
ra de Chriſtãos,onde elle jà eſtava,ſe perdeſſe, & deſſe aMouros, nem tal
conſentiria por ſua honra. E queeſtava preites para offerecer ſeu corpo Rey de
àmorte,aſſim como noſſo Senhor Jesv CHRISTO,cuja aquella terra era, o Portu
fizera pelo genero humano. E que porſe não perder Tarifa faria, como galnam
conſen
pela principal Cidade de ſeus Reynos. E que não cria que algum dos Por tio g ſc
tugueſes,quealli tinha approvaria outra couſa.Quando elRey deCaſtella, largafe
& os ſeus virão o voto & determinação delRey de Portugal huns por ver- Tarifa a
gonha de o contradizerem , por não parecerem covardos, outros porque os Mou
os perſuadio, aceytáram aquelle conſelho pormais honroſo & útil . E ros.
para ſerem aviſados da gente, affento , & ordenança, que os Reys de
Marrocos, & Granada tinhao, & o fundamento que faziam , concertas
ram com hum Chriſtao homem aviſado,queinduziſſe humMouro de pre
ço,para fugirem ambos para o arrayal dosMouros, onde ſem ſuſpeitapo
deria ver livremente cudo o que compria, & aviſar aos Reys. Por aquella
eſpia ſouberaó,como os Reys de Mouros eſtavaomuy poderoſos, & fabiao
queos Reys Chriſtãos eraõ vindos a loccorrer Tarifa . E tambem foram
certificados como os cercados de Tarifa ſe defendiam com muyto esfora
ço, & queos Reys Mouros ſe apercebiam para dar, & eſperar batalha.
E para os Reysos mais confirmarem em ſeu propoſito , lhes mandàram
dous cavallosfermoſillinos, & ricamente ajaezados, cada Rey o ſeu para
cada hum dos Reys Mouros, & com elles ſuas cartas, pelas quaes lhes ro
gayão largaſſem o cerco, & foſſem para ſuas terras , para eſcuſarem dera
ramar tanto ſangue, quanto por ſua cauſa ſe apparelhava, & que viver
fem em paz ou tiegoas, como elles mais quizeſſem.E que nao ſe querendo
ir, ſe nao eſcuſava dar batalha. E que pois eraó Reys tam grandes, & vi
nhao tam poderoſos quelhes ſeria grande vergonha como medroſos que
rerem pelejar entre ferras. E que por iſſo os deſafiavão para a batalha no
campo de Albufeira,junto de Barbate,que era campo comprido, & chaő.
E que a peleja ſeria igoal. E que alli moſtraria Deos,qual era a ley,em
ſe os homensmelhor podião ſalvar.
Para reſponder amenſagem dos Reys Chriſtãos,quizeram os Reys Cófelho
Mouros primeiro aver conſelho, & hum Mouro velho da Berberia Le- i hum
trado, & de muyta authoridade entre elles, lhes aconſelhou, que levan- Mouro
taſſem o cerco por aquella vez. Porquepor ſer inverno , naö ſe podia velho &
muyto ſofrer,& que osReysMourosſe foſſem para Aljezira,& para algus dois
lugares do Reyno de Granada . E que para a entrada do verao , tornari- Miramo
am a pôr o cerco, & proſeguir ſua conquiſta. Porque poſto caſo, osReys lim ,
Аа Chrif
CHRONICA
Chriſtãos entretanto baſteceflem a villapor algum tempo,não ſe podião
cada dia aſli ajuntar para ſoccorro,como agora eſtavão. A eſte conſelho;
era bom ,como de homem docto, & velho,quaesdevem ſer os Conſelheiros
dosReys,muitos fe inclinavão. Mas elRey de Granada, como homem or
gulhoſo,queera, & a queDeoscegava,como faz aos que quer caſtigar,
que lhes tirao bomconſelho,& ſeguem o peor,ſe levantou,& diſſea elRey
cbr.: de Marrocos, quc elle ſó ſem o poder de toda Africa, quealli eſtava,deraja
batalhas aos Reys de Caſtella, & de Lião,em que os vencera, & lhes mata
ra em hỏa dous Infantes. E que aſli o fizerão ſeus avós. E que a hú tao po
deroſo Rey como era o de Marrocos,feriagrande vergonha, & afrontade
ſua ley ,vindo para fazer fugir os Chriſtãos,& os deſtroir,ir fugindo de'ls,
& ſer desbaratado no alcance.O qual ouvera de ſer ao contrario.E que ſe
lembraſle,que vencendo aquelles Reys,ficaria ſenhor de toda Heſpanha,ą
lhes os Chriſtãos tinhão ufurpada,ſendo patrimonio de ſeus avós.E quádo
Deos permitiffe ,q elles foſſem vēcidos, não ficavão deſonrados,pois erző
vencidos de tao nobres lieys, & bős cavalleiros.E lhe não lembraſſe pe
rigo, q elle iria contra elRey de Portugal, & que elRey de Marrocos folie
contra o de Caſtella. ElRey Hali -Boacen depois de ouvira elRey de Grao
nada, diſſe aos do ſeu conſelho, & aos grandes,queeſtava corrido,deelRey
de Granada, os ter em tað pouca conta,que lhes acoimaſſe a covardia de
levantarem o cerco, & nam aver algum delles, que lhe atalhaſſe o que
fallava, & moſtraſſe que nam tinham menos esforço os Africanos de alem
do mar, que osde aquem . Com eſtas difTe outras palavras,com que os inci
tou, & pe iſuadio a ſeguir o conſelho delRey de Granada.
Era elRey Hali-Boacen cazado com a Rainha Fatema Tunecia filia
delRey de Túnez,a que chamavão a Forra,quequerdizer Rainha, porſer
Cóſelho a principal de ſuas mulheres livres. A qual por a nobreza de fua linha
da Rai- gem , que entre os Mouros he a mayor de todolos Reys,tinha Hali- Boace
nha Fa- grande acatamento, & por ſer muy prudente ſe aconſelhava com ella. El
tema ao calhe fez húa falla,ein que em fomma lhe diſſe, que poſto que ella por ſer
Miramo
Jim feu mulher parecia couſa indecente fallar nas couſasda guerra, toda via, por
marido. o amor que lhe tinha, & por oque lhe ſeu eſpirito revelava naquelle fei
to, era conſtrangida dizerlhe ſeu parecer, que era ſeguir o conſelho da.
quelle yelho enſinado vias revoluçoens do Ceo' . Porque em confirma
çam do que lhe elle diſſera , ella vira tantas viſoens em ſonhos,que acon.
teciam naquelle arrayal contrarias á honra delRey , & tam perigolas as
vidas de ſeus cavalleiros,quecria, que ſe elle commettelle a batalha coin
os Reys Chriſtãos,quealli eſtavam , nam podia eſcuſar ſua perdiçain, &
a della , com morte & capriveiro de ſeus filhos , & das mais gentes que
o vieram ſervir. E que por tanto deixaſſe paſſar aquelle tempo triſte. &
de maos prognoſticos, & fe guardaſſe para outro melhor afortunado. Fl
Rey delprezandoo conſelhodaRainha,lhe reſpondeo, ğ a coula taðсоліlereд
DELREY D.AFONSO QVARTO , 133
of
como fað ſonhos,não ſe dava credito ſenão per homés levés, & ſuperſti
cioſos, pois cada dia ſe via,q osque ſonhavão,q erão ricos, & bemandan
tes, fe achavão pobres quando deſpertavão, & o erão toda a vida.
12 01
Com a determinação, que tomaram os Reys Mouros reſponderam aos
1 * Reys Chriſtãos,que elles por abatimento do nomeChriſtão, tinhani cer
dicul cado Tarifa, & quenão avião de deſiſtir até a tomarem : E que outro
cle
1 tanto avião logo de fazer a Xeres, que em qualquer inaneira, que vieſ
IC fem alli os achariam .' Com aquella repoſta foram os Reys mui ledos, prin
Ex : cipalmente o de Caſtella, quereceava aconteceſſe, o que o Mouro fa
bio diſſera no Conſelho, de fe irem os Mouros invernar a Aljezira , ou a
Ronda, & tornarem depois de eRey de Portugal ido, & elle não ter foc
mote corro a tempo. Peloque teve por divino conlelho dar aquella batalha.
Com eſte propoſito le partiram logo osReys Chriſtão de Sevilha. E fo
kiwi ram alojar huma legoa alem de Alcalà de Guadaira , & a outro dia em
Verera. E faziam as jornadaspequenas, por eſperarem ſuas gentes,queſe
Teil ficavam apercebendo, & outras que vinham .Peloque ao outro dia, nam
foram mais,que àsCabeças de Sam Joam,& dahi a Covas de Tojos , &
. dabi ao rio Salado, que he húa legoa a travez de Xeres. Dalli partiram os
Reys, & foram alojarſe alem de Guadalette. Onde fazendo de neceſſi
dade algum aſſento, chegaram a elRey de Portugal muitas gentes,& bem Gente
1 concertadas de ſeus Reynos, com que elRey foy muy alegre, & afim dePor
ji os do arrayal. Alli chegou a elRey de Caſtella Dom Pedro de Moncada tugal, ģ
elRey.
Almirante de Aragam com nova das galés, que deixava no citreito fo- D. Afon
bre Tarifa. Daquelle lugar foram osReys aſſentar ſeu exercito à ferra ſo veyo.
T.
de Medina'Sydonia,onde dizem o Barroco.Ao feguinte dia foram ao rio
2:11 Barbate, & dahi a Alinodouvar , & Domingo 27. de Octubro daquelle
anno de 1340, chegårão á Penna do Cervo,dondeos eſpantoſos arrayaes
dos Mouros ja apparecião ſobre Tarifa.
Os ReysMouros,comolouberão a ida dos Reys Chriſtãos, mandi
rão logo levantar osarrayaes, que tinham ſobre Tarifa, & queimar os en
genhos,quetinhão feitos, & a madeira,que tinhão para fazer outros.E Ha $

liBoacen mandou armar ſua tenda em hum cerco alto, afaſtado da villa
contra o mar, & ao redor as tendas dos ſeus. E elRey de Granada aſſentou
a fua,& as dos ſeus nas faldras da montanha . Depois dos Reys Chriſtios
aſſentarem ſeus arrayaes na Penna do Cervo, logo no meſmo Domingo
tiveram feu conſelho ſobre a ordenança,& repartição de ſuas batalhas, pa
C
ja o outro dia accometterem aos inimigos, & lhes darem batalha. E a
cordàrão que elRey de Caſtella foſſe com ſuas batalhas contra elRey de Portu.
Rey de
Marrocos, que eſtava ao longo do mar. E que contra elRey de Gra gal cótra
nada,queeſtava da banda da ferra, foffe elRey de Portugal. Com o qual CIRcy
eſtavão eltes vaſſallos principaes.D . Gonçalo Pereira Arcebiſpo de Braga , de Gina
D.Alvaro Gonçalvez Pereira Prior do Crato feu filho, D. Gil Fernandez nada.
Аа 2 de Cara
CHRONICA
de Carvalho,Meſtre de San&tiago,Dom Eſtevão Gonçalvez Leitāc , Më
ſtreda Ordein de Aviz ,Ruì Gonçalvez de Caſtel-branco ,Lopo Fernádız
Pacheco Senhor de Ferreira de Aves,Fernão Gonçalves Cogominho, Pa
yo de Meira , Gonçalo Gonçalvez de Souſa, & o Alferez da Bandeira
Real Gonçalo Correa,neto do Meſtre de San &tiago Dom Payo Correa,&
outros muitos Senhores, & Prelados,entreos quaes fe achou Eftephano de
Napoli filho do Infante D.Joam Principe da Morea, & neto delRey Car
los II. de Napoles,q veyo fervir a elReyde Portugal neſta jornada coino
feu primo terceiro que era.O qual Eſtephano de Napoli ficou neſte Rey
no, & cazou nelle. As batalhas delRey de Portugal forão accreſcentañ
do maisdo Reyno de Caſtella o Pendão do Infante Dom Pedro (eu nero
Gentes filho herdeiro delRey de Caſtella, que levava Dom Nuno Fernandez
de Caf- de Canilho , & com elle ſeus vaſſallos, que erão juntos, Dom Pedro Fer
tella ğa-nandez de Caſtro o da Guerra primo com irmão delRey de Caſtella,Dom
crcfccn
târão o Joam Afonſo de Albuquerque, & Dom Joam Nunez do Prado Meſtre
exercito de Calatrava ſobrinhos delRey de Portugal, que andavão em Caſtella, D.
delRey Nuno Chamiço Meſtre de Alcantara,Dom Diogo de Haro, D. Gonçalo
de Por- Rodriguez Girao ,D.Gonçalo Nunez de Aça, & asgentes dos Conſelhos
tugal. , de Salamanca,Cidade Rodrigo, Badajoz, & de outras villas comarcáas. Os
quaes todos que alli fe accreſcentàraõ às gentes delRey de Portugal, fazi
ão o numero de tres mil de cavallo.
El-Fey de Caſtella ordenou por bandeira principal de feu exercito, a
da Cruzada, que com as graças, & indulgencias da guerra de ultramar,con
cedeo o Papa para aquella guerra co asdizimas & terças das Igrejas do
Reyno por certos annos . Eſta bandeira levava D. Hugo fidalgo Frances
Exerci- principal. A poz eſta bandeira hia aReal, & com ella mandou elRey que
to del- foſſem os Pendoés de quatro ſeus filhos baſtardos.f. D.Henrique, que de
Rey de pois foi Rey de Caſtella,Dom Fadrique,D.Fernando,Dom Tello,& com
Caſtella elles o Pendaó de ſeu ſobrinho, o Infante Dom Fernando Marquez de
na ba ta
lha do Tortoſa,filho delRey Dom Afonſo de Aragao,& alios Pendões dosMe
Sala do. ſtres das Ordens, Prelados, & grandes Senhores de Caſtella, & de Liiv.
A dianteira deu a Dom Joam Manuel , que moſtrandoſe por iſſo muy
alegre, & com eſperança de victoria convidou a ambos os Reys, para o
dia da batalha comerem com elle na tenda de Hali Boacen. Allioure
com deſejos de ſe allinalarem , & ganharem honra, muitos cavalleiros
de preço aventureiros de Portugal, & de Caſtella, fazerem muytos to
tos, galantes, & de primor ao coſtume daquelle tempo. E por quanto
os cercados ja eſtavão tam à vontade, que ſem muita contradiçaõ podió
de refreſco recebergente de armas, acordásão os Reys, que ao terpo la
batalha ſaillem da villa, & feriflem nos Mouros: & para iſſo lhes main
darão mil homens de cavallo , & quatro mil de pè eſcolhidos. E (2.59
do cſta gente foi para paſſar o rio Salado achárão dous mil de cavallo, com
CUR
DELREY D. AFONSO QVARTO .
139
que hum Mouro guardava o paſſo do rio,com o qualouverão peleja.Mas
elles a pezar dos Mouros,& com muito feu dano, paffärão, & entrarão na
villa com morte ſó de tres cayalleiros, cujas cabeças logo os Mouros levá
rão a Hali -Boacen. Os quaes por encobrir ſua fraqueza,não diſſerão a el.
Rey a paſſagem dos Chriſtãos aTarifa ,de que os Mouros receberão mui
to dano ao tempo da batalha.
: Ao outro dia ſeguinte, que era ſegunda feira 28. de O &tubro logo an
te manháa os Reys em ſuas tendaś feconfeſſárão , & ouvirão Miffa,& nella
comarão o Sando Sacramento: & omeſmo fizerão todos os do exercito.
A Miffa diſle Dom Gil Arcebiſpo de Toledo,& fez hum ſermão, que mo
veo a muitas lagrimas,& deſejos de morrer por a Fé. E no fim depois de
muitas oraçoens endereçadas â piedade de Deos, concedeo as indulgen
cias da Bulla da Cruzada, que nas mãos tinha. Acabada a Miſſa,todos to
marão a refeição corporal,que lhes era neceffaria para a affronta,em que
ſe eſperavao achar: & feita cada hum ſe recolheo a ſua bandeira. ElRey
de Portugal armou então per ſua mão muitos cavalleiros. E como os da viſ
la virão as batalhas dos Chriſtãos poſtas em ordenança, ſe poſerão elles .
tambem em ſuas batalhas concertadas,do que Hali-Boacen fe achou muito
alcançado.Porque fez ſua ordenança,não ſabendo delles,nem crendo, que
T
avia mais que os cercados.
Os Reys como paſſarão a Penna do Cervo, logo virão as muitas, & gră
des batalhas dos Reys Mouros,em que avia tantas, & deſvairadas gentes,
que parecia,queestava alli toda Africa, & Aſia.E muitos dos Chriſtãos, ſ Grande
vião a olhos tendidos, todos os montes, ſerras, & valles cubertos delles, multi
não podiam crer, ſenão q per encantamentos, que os Mouros ſabião, ſe dão de
faziãoparecer tantos.MuitosdosMouroseſtavão poſtos ao longo do rio, Mouros
para defenderem o paſſo delle aos Chriſtãos,eſpecialmente contra a parte q vierão
domar quea elRey deCaſtella era ordenada, & onde eſtava Hali -Boa- &batalha
cen. Porqueentre amontanha, & o campo,per onde elRey de Portugal do
do.
Sala
hia contra elRey de Granada,aopaſſar do rio,que alli era mais alto , não
ouve tamanha contradição.
ElRey de Portugal,hum pouco antes quea batalha ſe rompelle,fez aos
ſeus Portugueſes hũa breve falla, adhortando-os para a peleja,& encome
dandolhes,que o bom nome,que com tantas proezas,& feitos honradosti
nhão ganhado,tomando as terras em que vivião àquelles Mouros , nað
perdeſſem agora, onde elles lhes vinhão tomar as terras, & as caſas, & as
mulheres,& os filhos. E que nao deixaffem das mãos a occaſiao de tanta
honra, como ſe lhes offerecia. E que não receaſfem aquella multidam
de Mouros. Porque aquelles erão os meſinos, que muitas vezes vence
rão. E que lhes certificava, que a elle lhe pezava de não ver alli quan
tos avia no mundo, para naquelle dia ſe acabar ſeu nome.Porque el
le com ajuda de Deoseſtava tão confiado da victoria,como ſe ja a tivera
1129
А аз
CHRONICA
nas mãos. E logo mandou 20 Prior do Crato 'Dom Alvaro Gonçalvez
Pereira,que antes de ſe encontrarem com os inimigos, moſtraſſe a todos o
Len'o da Sanaa vera Cruz, que levara do Marmelal, que hehŭa grafi
Lenho. de reliquia. O qual trouxe hum Clerigo reveſtido , poſto em huma hal
da vera
Crus era tea,levantado como bandeira. Depois quea Cruz foi delRey, & de to
abädci. dos adorada, a tomarão diante por guia,& apoz ella vinha a Bandeira Re
ra del- al. Os Portugueſes,à hora da prima invocandocom grande devação, &
Rcy de repetindo muitas vezes o nome de JE s V commetterão logo per a parte
Portu, eſquerda contra a ſerra as batalhas delRey deGranada, que eſtavão mui
gal.
bem ordenadas, & que com muito esforço, & deftreza receberão , & er
contrárão os Chriſtãos,perquede huma parte , & da outra ſe travou huma
brava ,& perigoſa batalha,que fem ceſſar da hora de terça, em que ſe co
meçarão a combater, durou até veſpera. De ambas as partes labião tan
tas gritas,& alaridos, & tantoseſtrondos de trombetas, atabales, & ana
fijs, & de outros inſtrumentos, que parecia que a montanha, & os valles
tremião,& fe arrancavão de ſeuslugares. Foy eſta batalha tam cruamen
te ferida, que as armas , & o chão,& as hervas delle, & as pedras era tudo
tinto em ſangue. ElRey de Portugal,& osdaſua capitania, que primei
ro romperão pora muita gente, & a maisesforçada, com que contendião,
que erão os cavalleiros de Granada,eſtavão poſtos em grande aperto, de
maneira,que por o grande trabalho, & canſacio, parecia ja,que as forças
lhes faltavão. A eſte trabalho ajudou, que a Sancta Cruz, que diante tra
zião, & em cujo favor pelejavão,lhes deſappareceo . Peloque vendo iſto
o Prior do Crato,mandou a tres cavalleirosdosſeus, que a foſlem buſcar,
& dentro das mais travadas batalhas veyo o Clerigo feu Alferez, que fem
receber dano a trazia levantada,& com ſua viſta, & com as palavras de
Proezas esforço, quecom ella ſe diſſerão,elRey,& os Portugueſes, como refocil
dos Por- lados de hum grande,&novo favor, levandoa outra vez diante de ſi, co
tugueſes metterão tam rijamente os Mouros, que logo ſe mudou a ventura aos
lha bata-
na do Chriſtãos, que dantes parecia contraria. Peloque não podendo as hota
Selado . lhas dos delRey de Granada ſofrer osgolpes dos Chriſtãos, que não pa
recião ſer dados per mãos,nem forças humanas, volverão primeiro as col
tas,& vencidos ja de todo, por ſalvarem as vidas, começarão a fugir,& fe
acolher contra Aljezira quanto podião. E ſeguindolhes os Portugueſcs
o alcance,matarão delles grandemultidão,ſendo elRey neſta batalha em
tudo o primeiro, & o quemereceo per ſeu braço mais louvor.
ElRey de Caſtella entre tanto mandou commeter os Mouros da parte
direita,pela ourela do rio,& ao paſſar delle achàrão grande reſiſtencia nos
Mouros, principalmente as batalhas de Dom Joam Manuel, que hia na
dianteira. Mas com morte de muitos Mouros paflárão. No que Dom lo
am Manuel, & os ſeus ganharão nome de mui 'esforçados cavalleiros. E
rompendo per muitosbarbaros,forão ferir em outras batalhas mayores,
gue
DELREY D. AFONSO QVARTO. 136
que ſe lhes offerecerão. Neſta dianteira não hia elRey de Caſtella, pora
que ficou com ſua grande batalha na retaguarda, & com elle o Arcebiſ
po de Toledo, para dallimandar ſoccorrer aos ſeus, quando compriſſe.
A primeira rota, que os Capitaens, & Caſtelhanos fizerão, foi nas grans
des batalhas dos Mouros, quejunto com Tarifa guardavão o arrayal, & af
fim nas tendas,em que eſtava a Rainha Fatema, mulher principal de Hali
Boacen , & outras fuas mulheres,& filhos. No que ajudàrao muito os ca
valleiros,que ſairão de Tarifa, que nos Mouros fizerão grande mortanda
de . A qual nam podendo elles ſofrer,receando ſerem ſeguidos dos Portu
gueſes, que ja adiante hiáo victorioſos,forão todos desbaratados, & huns
fugindo ſe acolhião a Aljezira,outros ſe deſcião ao mar,onde eſtava elRey
Hali-Boacen,có a mayor força da gente. O qualvendo,qja elRey de Gra
nada,hiafogindo delRey de Portugal,anojado por iſſo,masnaó deſconfia
do,volvendole aos ſeus,em altas vozesdizia:Olhai aquelle covardo delRey
de Granada, que vai fugindo delRey de Portugal . E animandoos lhes die
zia ,que Deos paramais ſua honra,quizera que foſſe aſſim , para outrem não
levar a gloria da vi& oria,ſenão os ſeus, que naſcerão para ſempre vence
rem , como dava teſtemunho o ſenhorio de toda Africa,
El-Rey de Caſtella, como vio elRey de Granada vencido, com gran
de alvoroço paſſou o rio, jà ſem contradição , & moſtrandoſe a todos
com o roſto deſcuberto, dizia: Eu ſou voſſo Rey . E repetindo muytas Rey D.
vezes o appellido de Caſtella, & Lião,quiz ſer o primeiro , que romperle Afonto
nas batalhas delRey Hali-Boacen ,que côtra elle as endereçava. Mas o Ar. de Caf
tcllatocóa
cebiſpo de Toledo,tendoo rijo pelas redeas do cavallo, lhe diſſe,que nam mui
aventuraſſe naquelle dia Caſtella & Lião, com perda de ſua peſſoa, que ja pimo a
os Mouros eraõ vencidos. Com tudo a batalha entre eſtes dous Reys foy comette
mui crua,& a victoria della eſtava duvidoſa, a qual das partes pendia. Mas os Mous
os Chriſtãos das batalhas delRey de Caſtella , que tinhão desbaratadas as ros.
tendas de ſeu arrayal,deſcendo da ſerra victorioſos vierão dar nas coſtas
de Hali - Boacen . É aſſim ſe dobrou entre elles a faria da peleja , que dos Lamēta
Mouros foi feito hum grande eſtrago. Hali Boacen vendo, que não lhe çoens de
fuccedia bem a ſeus defejos,mas que a couſa ſe hia inclinando a ſua per- Halibo
dição ,ja como deſeſperado ſe pozem meyo dos ſeus,que ainda erão mui- acen vé
tos: a que em altas vozes fez huma falla ,accuſando ſua fortuna, & maldi- do hia
zendo ſua velhice , chamandolhe deshonrada , & mais que de nenhum vencido
outro homem abatida,arrancando com iſto muitos cabellos de ſua gran
de , & branca barba ,& ferindo com bofetadas ſeu roſto cheo de Real au
thoridade para inais animar os ſeus.
Eſtava naquelle tempo junto com Hali-Boacen hum velho Turco de
nação por nome Alcarc,esforçado capitão queo viera ajudar naquella jor
nada com grande poder de gente ſua. Eſte tinha a feu modo feitas duas
hatalhas demuyta gente com repairo de paos ferrados , & muy fortes
Aa4 ao re
CHRONICA
ao redor,hija dellas feita a modo de cunha,& outra redonda a modo de fú
curral Neſtas podião entrar os feridos ſem torvação,nem impedimento, &
fair os faós de refreſco,a ſoccorrer a outros, quando compriſe. Vendo eſte
Alcarc a HaliBoacen com tamanha deſeſperação,lhe diſſe, que não era té
po de prantear comomulher,mas de remediar a fy, & aos ſeus, como Rey,
& capitão,g contra a irade Deos não avia forças,nem ſaber. E que porque
ſua vida era tão neceſſaria aos ſeus,na qual conſiſtia a eſperança detornar
vingar a perda prezente ,ſeacolheſſe com cedo àquella batalha do curral,
em que avia nove mil homens com que ſe poderia ſalvar em Aljezira.Ef
tes nove mil homens mandou Hali-Boacen fair, não como os ſeus cuydà
vão ,para ſe acolher,mas para comelles tornar à batalha, & experimentar
lua fortuna atè a morte, & com palavras os esforçava, lembrandolhe alem
da honra que perderião , & o bom nome que ſempre tiverão, o deſemparo
das mulheres & filhos que alli traziáo,quedeixarião a arbitrio, & vontade
de tam infeſtos vencedores inimigos de ſua linhagem,& de ſua ley, & as
principaes riquezas 7 alli tinhão,deq os deixariáo ricos. E com iſto, ſen
do clle oque primeiro queria arremeter aos Chriſtãos,foi deteúdo por o
Turco Alcarc,& por o Infante Bazain feu filho,o qual per força o tomou,
& levou âquelle cerco,que ainda eſtava muy forte,a que o Turco Alcara
tambem ſe acolheo. ElRey Hali-Boacen muy ſentido fe queixava delle,
por lhe não conſentir fornar â peleja,& eſteve para lhe corcar a cabeça. E
como deſeſperado, lembrandofe de ſuas mulheres, & de ſeus filhos, & de
quantas gentes alli trouxera ,& das riquezas& grandes thefouros fem coii
to, dizem que ſe deſceo do cavallo, & de piolhos com o Alcorão nas mãos,
& com os olhos cheos de lagrymas poſtos no Ceo,com grandes vozes, que
todos ouvião,ſe queixava a Mafamede com grandes lamentaçoens, que
defendendo elle aquella ſua ley,& vindo pelejar contra os inimigos della,
o deſemparara, & deixara cahir em deſonra, com tanta perda ,& cativeiro
de tantas gences,foſpirando pela morte, de quena batalha eſcapara, & ac
cuſando Alcarc,que Iha eſtorvara. E confolandou os ſeus, que poder tinha
elle,para ſe bem vingar,quando quizeffe,& ajuntarmais gente, que a que
alli trouxera, & q traz hum ruim tempo vinha outro bom ,fogindo em húa
egoa ligeira ,ſe ſalvou em Aljezira:& de Aljezira cõ receo de cerco,fe paf
ſou a Gibaltar,& dahi a Septa . Alguns davão a culpa de aſſim ſe ſalvar
Eſtrago HaliBoacen,ao Almirante de Aragão,que não quizaquella noite guardar
ģosReo
is fizerão
eſtreito galès,como lho tinha mandado elReyde Caſtella
Vencidoscomos asReysMouros,os ReysChriſtãosambos lhe ſeguirão. o al
nesMou cance duas legoas atè o rio que ſe diz Britabotelhas,onde o arrayal delRey
ros indo de Granada eſtava aſſentado, que logo foi deſtroido. E dahi leguirző os
no alcan
1 ccdelles. Mouros até o outro rio que ſe chama Guadamicil,que he quafi húa legoa
de Aljezira , fazendo nelles grandiſſimo eſtrago, até de cançados nam pu
derem ſeguir mais adiante,nem fe poderem mover,tanto os de cavallo,co
mocs
1
DELREY D.AFONSO QVARTO . 141
mo os de pé. E ainda amortandade;quenos Mouros ſe fez,foramayor,ſe
os inais dos Chriſtãos não ficarão roubandolhes as tendas de infinitas ri
quezas ,que nellas deixarão,& cativandolhes ſuas mulheres, filhas, & filhos
pequenos. Aqui foia Rainha Fatema morta , & feita pedaços, por mãos Morte
de alguns homens baixos do que aosReys Chriſtãos pezou muito,aſſi por da Rai
ſer mulher, & Painha,& pela honra de a terem cativa, como pelo muito nha Fa
reſgate decativos,ou dinheiro,que ſe por ella podéradar , & pelo freyo temamu
que era para Hali-Boaćen. Tambem matára asoutras mulheres do meſ lher do
mo Rey . E nas batalhas delRey de Portugal foi cativo o Infante Alboha. Miramo
mar ſeu filho, que foi entregue a elRey de Caſtella , & outros dous Infan- lin,
tes moços ainda pequenos forãomortos. Foi tambem cativo por elRey
de Portugal, outro Infante Mouro pornome Abohamo filho de Albo
5
hali Rey de Sejulmença,irmão de Hali-Boacen ,que configo trouxe a eſte
Reyno. Depois do desbarate dosMouros,forãologo osReys ſobre as té Cativos
das, que eſtavão ao redor de Tarifa , & achâraõ doze mil de homens prin del Rey
cipaes,afora as outras comuns, que erão cento, em que ſe acharão grandes de Por
theſouros de ouro,prata ,& ricas joyas de pedraria de grande preço,muitos tugal.
pannos de ouro,ſeda,& láa,& linho, tecidos demuitas maneiras, & mui ri
cas baixellas de ouro & prata de grande lavor, & valia, & muitos, & mui
ricos jaezes, & grande numero de cavallos,camelos,& outras couſas, que ſe
não podião contar. Porque como elles vinhão confiados, & perſuadidos, ģ
daquella vez avião de ganhar Heſpanha,trazião tudo o que tinhão, como
homens que mudavão ſua caſa, & vinhão a morar, & não como quem ſo ,
mente vinha guerrear.
A gente que os eſcriptores Caſtelhanos dizem queneſta batalha mor
reo dos Mouros,forão quatrocentos & cincoenta mil, & que ſe ſoube pe
los livros das apuraçoēs, & matricula dos que a guerra vierão . Diſto dão
por teſtemunho hum Genoves, que deAfrica veyo a Heſpanha, & que a
elRey de Caſtella o affirmou aſlim.E dizein ,quealem dagente, que ſe ap
purou para a guerra,vinhão mais cem mil calaes,com ſuas molheres, & fi.
Thos para ficarem em Heſpanha, & habitarein as cidades & terras,que Ha
liboacen lhe jà tinha promettidas.Tambem dizem ,que ſe achou por cer
to,queeſta gente eſteve cinco meſes continuos em paflar o eſtreito em 60 Exerci
galé ,& a que ſe ſalvoa, & tornou a Africa,pallou em doze galês em eſpa- todos
Mouros
ço de quinze dias. Mas iſto não heveriſimil,nem he baſtante prova o di a vicrão
to de hum mercador ſó,que queria liſongear hum ley. Porque nem podia ao cerco
matarſe tanta gente em tao poucas horas ainda que forão ovelhas metidas de Tari
em hum curral . Nem ſe podia ſaber o numero certo de tamanha mulci- fa.
dio,como então paſſou a Heſpanha. Peloque a verdade he, que a gente
foi tanta que não ſe lhe foube conto, nem podia aver delles livros de apa
puraçočs,nem matricula,porvirem a diverſos portos de mar embarcarſe,&
de diverſas Provincias, com mulheres ,& filhos , como quem vinha povoar
Her
3 C : CHRONICA
Heſpanha.. Por a qual razão não avia para que ſe affentarem em livro
gentes,que nað vinhão a foldo, nem erão todos da peleja, mas que vi
nhão muitos delles ganhar a terra para a habitarem , por ſer melhor, que
a de Africa , & que ja fora de ſeus avós. Peloque mais credito ſe deve dat
a humamemoria de húa grande pedra marmore,que eſtà na Sè de Eva
ra junto aCapella mòr, que ſe eſcreveo naquelle tempo meſmo, per in
formaçam de cem homens de cavallo, & mil de fé,que da meſma Cida
de forão com elRey D.Afonſo aquella batalha do Salado,pera qual ſe ve,
não ſe ſaber o certo numero dos Mouros vindos,nem dos mortos, & ou
tras couſas em que os Eſcritores diſcrepavão, cujas palavras ſao eſtas meſo
mas, & daquela lingoa antiga.
Era 1378. annos Rey Abenamarim Senhor de alem do mar, confiada
de fi, & do ſeu grande aver, & poder, paſſou aquem do mar com a For
ra filha de Rey de Tunez, para perſeguir, & deſtroir os Chriſtãos. Cer
Memo . cou Tarifa , & oleu poder era tanto , que ſenão pode ſommar. E pois
zia daba Rey Dom Afonſo de Caſtella vio,quenão pode ſer certo, ouve receyo,
talha do & perfi veyo a Portugal demandar ajuda aoquarto Afonſo Rey de Por
Salado q -tugal ſeu ſogro. A el prouge muito de lha fazer com ſeu corpo, & com
eſtà el ſeu poder. Logo ſemtardança compeçou o caminho para a fronteira, &
crita em
hú mar mandou que os ſeusſe foſſem em poz el. De Evora levou cent cavallei
more na ros,& mil peõs . Gonçalo Eſtevez Carvoeiro foi por Alferez. Lidară
Sède E. com osMouros , & Rey de Portugal entendeu en Rey de Graada, &
vora .
Rey de Caſtella en Rey Abenamarim . Etmerce foi de Deus, que nun
qua Mouro tornou roſtro. E morrerão delles tantos, a que non poderó
dar conta. Rey Abenamarim , & Rey de Graada fugirom . No arrayal
de Abenamariin acharom grande ayer em ouro, & prata, & ouveo Rey
de Caſtella.Matàrom hi a Forra,& muitas ricas Mouras, & outras Mouras
muitas,& meninos enfijndos . Captivàrom hum filho deAbenamarim ,& hū
feu ſobrinho, & hũa ſua neta.Deus ſeja para todo ſempre bento por tar
tamerce,quanta fez aos Chriſtãos. Amen .
Finalmente o numero dos Mouros mortos foi grandiſſimo, & o dos mor
tos Chriſtãos cão pouco, que parecera increivel,o que ſe eſcreve diſſo,ſea
quella pedra,a que ſe deve de dar muito credito,não diſſera,que os Mou
ros não volverão roſto,nem fizerão algūa reſiſtencia,
Os Reys Chriſtáos, como a gente ſe afloſſegou do alvoroço da vi
Etoria, elles com os Prelados, &com a mais gente de ſeus campos, dan.
do muitas graças a Deos, & cantando o hymno Te Deum laudamus , ic
recolherão a ſuas tendas, que deixaram na Penna do Cervo , onde re
pouſaram do muito trabalho da batalha . E como baſteceram a villa
1
de Tarifa de Capitam , & de gentes, & do neceſſario , para muyto tem
po, & deixaram ordenado, que ſe repairaſſe dos dannificamentos, que os
Monros nella fizeram , os Reys com ſeus exercitos ſe vierão a Xerezda,&
hi
DELREY D. AFONSO QVARTO . 142
dahi a Sevilha. . .,
Como os Reys chegarão à Cidade, comgrandes alegrias forão re
cebidas de todo eſtado de homens, & em ſolenne prociſſão os forão ef
perar o Arcebiſpo , & Clereſia , trazendo elles diante de ſy , os pen
doens dosReys Mouros aoshombros dos captivos mais princicipais,
& forão deſcer a Santa Maria del Pilar , onde depois de darem muy
tas graças a Deos, & â BemaventuradaVirgem Maria lua Madre, ſe forão
apoſentar na Cidade. E nos ſeis dias que os Reys ambos eſtiverão em Se
vilha,mandarao ao Papa Benedicto, que eſtava em Avinhão,novas deſta
victoria ,& as bandeiras Reaysdeambos os Reys, com 24 bandeiras,quea Preſente
deMous
os Mouros tomarao,com a Píeal delRey de Marrocos,& hum grande pre- ros cati
ſente de cavallos ajaezados ricamente,cadahum com hũa eſpada no arção, uos, &
& húa adarga,& muytos Mouros captivos honrados,de que levavaõ algus bandei
aos ombros as ſuas bandeiras baixas, & arraſtando . O que o Papa rece ras os
Reys
: beo.com muyta alegria . E ao dia ſeguinte ſaio a dizer Miſſa,trazendo di mandas
ante de fy,mui baixas aquellas bandeiras captivas, & as dos Reys vencedo- rão oa
ses levantadas,começando o meſmo Papa perſyo Hymno: Vexilla Regis Papa Be
prodeunt, que os Cardeaes com elle devotamente acabárað . O melino Pa- nedicto,
pa diſſe Miffa & prègou hum Sermãode grandes louvores daquelles Re
ys,a quem refpondeo com Breves de muitas graças.
Chegandoſe odia,em que ſe elRey de Portugal avia de deſpedir,elRey
de Caſtella ,fez ajuntar nas ſalas de ſeus Paços as couſasmais ricas do deſ
pojo,cada háas per ſy apartadas,& no terreiro todos os Mouros, & Mou
sas captivos, & tudo per ly moſtrou a elRey de Portugal, a quem pedio de
tudotomaſle o que quizeſſe, & lhe melhor pareceíle, pois a elle ſe devia
tudo . ElRey de Portugal,com roſto alegre ſe eſcuſou, dizendolhe, quan
do deſeus Reynos viera em ſua ajuda,fora por ſervir a Deos, & porhora
delle Rey de Caſtella, & por defenderlhe fuaterra,& não có téção de elle, Rey de
Portu
nein os ſeus tornarem ricos,fenaő honrados, & victorioſos, como pela gra
ça de Deos tornavão . E q por táto nao queria de tudo outra couſa,ſenão ao galnaó
quelle Infante filho delRey de Sejulmença ; que elle captivara,& as cinco fua par
bådeiras dos Mouros, 9 elle tomou, As quaes quando veyo a Portugal poz te do
na Sé de Lisboa.Alēdiſto tomou algúas eſpadas ricas, & algusjaezes, para deſpojo
grandille
cavallos que lhe parecerað bem . E affirmaſe que tanto foi o ouro & prata mo dos
que por deſvairadas gentes daquelles exercitosdos Chriſtãos ſe roubou, Mouros
no Reyno de Aragão,em Paris,& Avinhão ,onde a Corte do Papa eſtava,
& emmuytas outras partes abaterão aquelles dousmetaes a fexra parte,
do em que antes eſtavaó. ElRey de Portugal ſe deſpedio da Rainha ſua
filha, & do Infante Dom Pedro ſeu neto. De Sevilha o acompanhou el
Rey deCaſtella até Caçalha ,& dahi ſe veyo a Olivença ,& de Olivença a
Eſtremoz ,onde a Rainha D.Beatriz , & o lifance D.Pedro eſtavað, & ahi
foi recebido com muytas feſtas, & alegria.
Corren
1
CHRONICA
ANNO Correndo o annode 1342. aconteceo hum cazo, dos que os antiga
1342 .
chamavam façanha, que não he para deixar,porſerem caula delle as guer
ras, que elRey Don Afonſo de Portugal trazia com elRey de Caſtella
ſeu genro, & por ſer couſa notavel, para ſe fazer ſemelhante juizo, quan »
Repto do eſte cazo acontecer. Eſtando elRey de Caſtella en Valhadolid, diſ
entre do
us caval .
ſe perante elle hum fidalgo per nome Rui Paez de Viedma, que outro
leiros Ca fidalgo per nome Payo Rodriguez era traidor. Porque lendo natural do
ftclha- Reyno deCaſtella , & vaſſallo delRey , & não ſe avendo deſnaturado
stOS,
primeiro do Reyno no tempo, que elRey de Portugal lhe fazia guerra,
entrara com o meſmo Rey de Portugal em Caftella, & o ſervira na guer
ra,& combatera villas,& caſtellos, & fizera o mais como em terra de ini
gos. E que por iſſo lhe chamava traidor, & daria de tudo larga prova, &
per teſtemunhas . & pelas mãos Iho provaria, & per toda outra mancia
sa de provaque foſſe abrigado. E que ſobre iſto o deſafiava, & empra
zava. Era a iſto auſente Payo Rodriguez, & quando veyo a ſya noticia,
& foi emprazado, eſcreveo a elRey humacarta, em que lhe dizia, nam
ſer obrigado a reſponder: porque dizia que Rui Pàes de Viedma era trai
dor, porque avia tratado, & procurado dematar ao proprio Rey, & que
iſto lhe provaria pelas māus, &que para iſſo o deſafiava, & emprazava.
E que poiseſte repto,que elle fazia ao Rui Páes,era mayor, & tocante à
Peſſoa Real, que pedia por merce a eRey lhe mandaſſe dar ſua carta
de ſeguro, para poder vir ante elle para lho provar pelas mãos , & com
feu corpo.ElRey foi poſto em duvida,& nao fabia determinar , qual era
o reptador, & qual o reptado, vendo que Rui Paez avia reptado pri
meiro, & que o outro o accuſava de couſa mais grave. E avendo ſobre
iſſo conſelho, determinou,que avia de mandar ſeguro a Payo Roiz, cara
que pudeſſe vir ſeguramente a elle, & reptar,demandar a Rui Paes ſobre
o quedizia, que avia procurado a morte delRey . Vindo Payo Rodii
guez ante elRey , emſua preſença deſafiou ao Řui Paez , ſobre a cauſa
ja dita,& lhe diſſe, que era traidor. Rui Paez de Viedma lhe reſpondeo,
que mentia,& que fobre iſſo lhe poria as mãos. Sendo o campo afina.
lado, & ſegurado per elRey, & poſto prazo para a batalha,o Rui Paez de
Viedma adoeceo, & o prazo fe lhe alargou por noventa dias. Pallado eſe
te tempo,& eſtando elRey na Cidade de Xerez; quando hia pôr cerco a
Aljezira,vierão ahi osditos cavalleiros do deſafio . E guardadas as coliu
madas ſolennidades,elRey os metteo no campo. E fazendo nelle cada
hum o que pode por vencer ſeu inimigo,& avendo dadas , & recebidas
algumas feridas,veyo a noite, ſem que hum podeſſe vencer , nem render
o outro. Ao outro dia forão mettidos outra vez no campo , onde cada
hum trabalhou por ſe melhorar de feu contrario, & fazendo o poſſível
derão algumas feridas,mas não taes, que lhe tiraſſem as forças. É ali ba
talhando,gaſtàrão todo aquelle ſegundo dia, ſem ſepoderconhecer ver
tagem
DELREY D. AFONSO QVARTO , 147
cagem de hů a outro. E da meſmamaneira forað tirados do campo outra
vez igoaes,cô grande eſpanto, & pezar dos 4 vião dous tão esforçados ca
valleiros eſtarem'a perigo de morrer , ſcon ſua morte trazer algum fruto à
Républica. Tornados o melhor que puderað o terceiro dia á ſua batalha,e
começarão de novo có grande esforço, poſto q não có tantas forças, como
e primeiro dia,poras feridas, q ambos tinhão.E andando na mayor porfia,
que nunca a fim de ſe poder vencer hum a outro.E ſendo já horas de ver
pera, pareceo a elRey , a não devia de perder taes dous cavalleiros,& que
melhor eraempregar a fortaleza daquelles braços contra Mouros . E porą
eſtavãoja taes, q ſe eſperava amortede ambos.Pelog entrando em ſua pel
c. ſoa no capo,lhes mandou ,geſtiveſſem quedos, & ſoltaſſem as armas das mā:
os,& lhes diffe: Que vendo elle q era mais ſeu ſerviço, G elles não morrefe
fem,& faiſſem vivos docãpo ,para o lervirem naquella guerra contra Mou
s dava entre elles ſeu juizo, & fentença : Que porquanto Payo Rodri :
TOS,
..guez de Avila reptador, aviafeito quanto pode naquelles tres dèas,por
matar,ou vencer a Rui Paez de Vicdma, & porque elle era feitura fua , &
homem de q ſempre tivera muita confiança,como tābem osReys paſlados
tiverão daquelles,de ý Rui paez deViedma reptado deſcendia, elle nam
i cria , elle fallaffe,nem trataffe ſobre ſuamorte,nem o quizeſſe matar, &
en prova diſſo,tinha feito o que devia no campo, por ſalvar ſua verdade,
pelejando esforçadamente tres dias arreyo,ſem ſenelle ver fraqueza, nem
moſtra de culpado, quepor tanto o dava por bom,& por leal, & por livre
da accuſação, & repro, ğ Payo Roiz lhe avia feito, & q afti o dava por ſena
tença ,& qne a ambos dava por bons, & leaes cavalleiros. Dito iſto, elkey
I meſmo os tirou ambos igoalmente do campo. E todoslouvarao o juizo,&
fentença delRey,& tiverão em memoria aquella façanha, para ſe praticar,
quando ſemelhante cazo aconteceſſe.
OF E porqo fimda hiſtoria não he fomente dele& açao que danarração das
econd couſas ſe toma . Mas a utilidade & exemplo, que della ſe tira, para doutrie
na dos que a lemn ,peloque dos antigos com muyta razão ſe chamou Mèſ
2.
tra da vida,poiscaye em menção deſta palavra façanha, de que as leys de
ſte Reyno & as eſcrituras antigas fazem menção queeu não vi entender a
algumLetrado deſte tempo, parece que pelo pouco coſtuine, que ago
sa ha de ſe fazerem façanhas,menosinconveniente me pareceo fazer eſta nFaça.
ba que
digreffaó, que ignorarſemais,que direito he façanha. He pois façanha, direito
hum juizo,fobre algum feito notavel& duvidoſo, que por authoridade, he,se
de quem o fez , & dos que o approvarão, & louvarão, ficou delle hum porá se
direico incroduzido para ſeimitar,& ſeguir como ley, quando outra vez diz álli.
aconteceſſe. Tal foi eſte cazo de Ruy Paez, & Payo Rodriguez, onde ſe
duvidou,qual era o reptado,& qual o reptador,por o reptado deſafiar por
cazo mayor:& o q fe faria,quando dous cöbatenteschegaffem a termos de
em tanto tempo ſe nao poderem macar,ou tender hum a outro. Peloque
Bb ſendo
CHRONICA .
Cendo louvada aqlla ſenteça delReyde Caſtella, & aprovada pelo povo,
dahi emdiante de decederia por ella outro tal cafo . E por iſſo le chamou
façanha,ağlle direito della reſultou,pelo feito notavelsfobre ğ fe det,co
mofe tåbe chama coſtume,o direito q reſulta do g en hū lugarſecokura
fazer: E para mais declaração porei outrosexéplos deCaftella, & Portugal
Na batalha de Najara q elRey D.Pedro de Caſtella véceo,foiprezo Njof
ſen: Beltrão de Gufçlim ,Marichal de Fraça,pelo Princepe de Gales prino
genito delRey de Inglaterra,aqué elle promerera,ſendo outravez ſeu sii
conciro em húabatalha de Piteus, em qelRey João de França tambė foi
preſo, q ſob pena detraidor, ſe não foſſeem copanhia delRey de Fraça,ou
co algu da lua linhage da Flor de Lis,ſe não armaria cötra elRey de Ingi:
terra,né cõtra ellePrincipe deGales,até feu reſgate naõ ſer pago. Peloğvé
do o Principe deGalesa eſte Marichal preſo,lhe chamou traidor,& femeti
do,& q merecia a morte,a q ſe obrigàra porſua promeſſa.Porq não lhe të.
do pagoſeu reſgate,né ſendo em copanhia deRey de Fraça,ně cõ algú de
fua linhage,tomara armas cötra elle. O Marichal lhe reſpodeo , oPrincipe
era filho dehey,& não lhe reſpödia como poderia naợlle caſo.Mas gelie
não era femérido ne traidor. O Principe diffe, queria eſtar a juizo de Ca
valleiros,& q lho provaria. O Marichal cõfentio , & forão juizes i 2.Caval.
leiros de varias naçoés,ante os quaes o Principe diſſe a promeſſa , & a culpa
do Marichal acima dica.E cuidado todos, ſo Marichal tinha mão feito,&
ĝ de morte fe não eſcuſava,o Principe diſſe ao Marichal,q ſeguraméte dil
Jeffe tudo o q entēdeſſe,por defender ſua hora.Porq iſto era feito de guci.
ta entre cavalleiros.O Marichal reſpondeo ,q verdade era tudo o qoPrins
cipe dizia . Mas ģelle ſe não armara cotra elle ,como capitão daqlla batalla.
PorgelRey D. Pedro era ſenhor della ,a cujas gajes como ſoldado o l'rin
cipe era’alivindo. E ý poiso Principe não era capitão,& vinha aſſoldada
do,elle não errâra,ně ſe podia dizer q ſe armára cótra o Principe de Gales,
ſenão cótra elRey D. Pedro,cuja era a requeſta daglla batalha.Os juizes
Faça. differað.ao Principe,goMarichal refpóderamui bė,& có direito, & nde
Martim rão por livre da acuſação,q ſe lhe fazia.E foi notada ağlla repoſta de ma
Vaſquez neira, gpor aglla façanha ſe livráraõ depois muitos caſos ſemelhates,quá
da Cu- do acontecião na guerra. E porý não paſſemos pelas de Portugal de que
nhaperá as Ordenaçoés doReyno fazem menção,poreieſta sò, ſ em eſcrituras211
caliello tigas achei.TendoMartim Vaſquez da Cunha o velho, Caſtello de Ce
de Ce:lourico de Baſto pela Rainba D.Beatriz mulher delRey D. Afonſo III. Ý
louricó The fora dado porſuas arrhas,veyo a querer largalo à Rainha, & defencar
a elRcy. regarſe delle . A qual lhe diſſe, q o defle a elRey D.Diniż ſeu filho , & que
ella lhe largava a homenage ,dandoo a elle.ElRey D.Dinis,a qué Marcin
Vaz requereo muytas vezes, que lhe aceitafle o Caſtello,o nam quiz fazer,
7
por deſprazer que do Martim Vaz tinha,porelle injuriar a Dom Domina
gos Jardo biſpo de Lisboa, feu Chanceller mör, & grande feu Privada,
que
DELREY D.AFONSO QVARTO . 144
que he aquelle que jaz enterrado no Moſteiro de Santo Eloy deLisboa,
que ellecomeçou edificar.Peloque vendoMartim Vazquez,que ſe'não poi
dia ver deſobrigado do Caſtello,foiſe às Cortes de todos os Reys de Hel
panha, & dosde França,& Inglaterra,& 'dę Sicilia,ſegundo dizem , & á do
Emperador a Alemanha,&'deoutros Principes,& a todos aquelles Reys,
& Principes perguntou como a falvo de ſua honra poderia deixar aquelle
infup... Caſtello .E por codos foi acordado,que entraſſe no meſino caſtello,& nel 1

her le metreffe hum gallo , & huma galinha,& hum gato, & hum cão, & fal,via
nagregazeite,pam ,farinha,vinho,agoa,carne,peſcado, cebolas, ferraduras,
12
. cravos, ſettas,eſcudo,lança, capacete, ferro,baraços,lenha, môs; atilhos,
ceſto, cutello,ou eſpada, carvam , folles de ferreiro, iſca,fozil, & peder
neira, & pédras por cima do muro. E quepozeſſe fogo a hõa das cazas
v . demaneira, queelle ſe faille a falvo, & que depois diſto pozeſſe fora do
06 Caſtello todosos que nelle eſtavão, & que ficaſſe elle dentro, & cerraſſe
Tips as portas & as tapaſſe por dentro, & que deſpoisſe ſubiſſe ao muro, &
lok que atafle huin baraço decima das ameyas, & fe faille pello baraço em
ku hum ceſto. E que ataſſe depois no cabo do baraço hűapedra com hum
que
", cepo de maneiras quetornáſleo baraço por cima do muro.L que logo ſo
0:19 C. biſſe em hum cavallo,& foſſe dizendo por tres fregueſias: Acodi ào Caf
PROMA tello del Rey,que ſe perde: Accorrei ao caſtello delRey que ſe perde. E Q
qnando folle pelastres fregueſiasdizendo aquillo, nainparaffe, nem tor
nalle atraz. Deſte conſelho lhe deu cada hum Rey hum eſcrito aſinado
0.14 porſuas mãos, em que diziam ;que ſe elRey de Portugal diſſeſſe a Martim
Vaſquez ,que não fazia naquillo o que devia, cada hum delles lho defen
deria pelas armas.O meſmo diſſerão os Senhores, & Cavalleiros daquellas
.
Cortes aos ſenhores,& grandes do meſmo Reyno de Portugal, & os fidal
gos, & cavalleiros aos fidalgos, & cavalleiras do meſino Reyno, por iſtru
mentos allinados pelos Notarios publicos das t'erras. Deſta maneira e fez
Martim Vaſquez como lhe foi aconſelhado, & deixou o Caſtello de Ce .
lourico,pela qual maneira dahi em diante ſe deixàrão os caſtellos. Da qual
façanha parece ſe tirou a ley da partida do Reyno de Caſtella, que poem
eſta maneira de deyxar os Caftellos,quando os Reys nao querem aceitar.
Dos quaesexemplosſe collige,que façanhas faõ as de que fallað as Orde
raçoes de Portugal, & de Caſtella.
i
Vindo depois o anno de 1347,receandoſe elRey Dom Pedro o IV. de
Aragão delRey de Caſtella por aviſos ſecretos, que lhe deu Dom João ANNO
Manuel,querendo conſeruara amizade delReydePortugal,concertou ca 1347 .
zamento com a Infante Dona Lianor ſua filha,para oquemandou a Portit-
gal Lopo de Vrrea feu Camareiro, & Pero Guilhem de Eſtaimbos,fidalgo
de Ruiſelhon,o qual ſe tratou por meyo de D. João Manuel ,& da Infante
D.Coſtança fua filha,mulher do Infante D.Pedro, & por meyo de D.Ma
ria Ximenez Cornel ,irmãa de D. XiBme
b2
no Cornel,Condeſia deBarccllos ,
inulher
CHRONICA
mulher ſegunda do Conde D.Pedro dePortugal, filho baſtardo delRey
Dom Diniz,queera tia de D.Pedro Cornel Senhor de Alfajarim. Intervi.
erão tambem niſto dous fidalgos mui principaes do Conſelho delRey de
Portugal,que erão Fernão Gonçalvez Cogominho feu Copeiro mór, &
ſeu privado , & Lopo Fernandez Pacheco, Senhor de Ferreira Mordomo
mórdo Infante D. Pedro .Eſte matrimonio procurou de eſtorvar el-Rey
de Caſtella, porque quiſera que cazara a Infante Dona Lianot com o In
fante D. Fernando feu ſobrinho irmão delRey de Aragao. E ſendo man
dados a Caſtella per elRey de Aragam Mattheus Mercer, & Joam Ef
crivà ,para entender o que ſe intentava pelos Infantes feus irmãos com cor
de informar a elRey de Caſtella do que paſſava,ſobre a declaraçao da fuc
ceſſao de ſeus Reynos, chegárão a Tordelaguna, onde elRey eſtava,para
verſe com a Rainha D.Lianor ſua irmáa.E alli diſſe elRey de Caſtella ae
ſtes Embaxadores,que elle à ipſtancia delReyde Aragao,avia movido ca
zamento da Infante de Portugal,& do Infante D.Fernando.E ſobre illo
avia mandado feu Embaxador.E q ſe agora ſe pedia para elRey,pareceria
couſa deshoneſta ,avendoſe movido per inſtancia ſua, q ſe pediſſe para ſeu
irmão. E fubre iſlo mandou a elRey de Aragao Fernão Sanches de Val'a
dolid,a pedirlhe,que por honra ſua, & por moſtrar q amava o Infante ſea
irmão,defiftiſle deſte matrimonio.E qafio mandava pedir a elRey de Por
tugal muiencarecidaméte . A iſto reſponderað os Embaxadores, ao efia
do delRey feu Senhor cõvinha cazarſe.E quando elle pediffe por mulher
a
filha deRey de Portugal,mui ſem filo feria ſeu pay,ſenão ſoubeffe efco.
lher .E q não ſe devia elRey.de Caſtella de maravilhar ſe aſli o fizeſſem , pois
elle avia feito omeſmo,que quiz antes dar ſua irmãa a elRey D. Afonio
de Aragão, quenão ao Infante Dom Pedro ſeu irmão, com quem eſtava
tratado de cazala . Deſta pertenção del-Rey de Caſtella ſe entendia , que
o não fazia tanto por fazer bem ao Infante feu ſobrinho , quanto por in
pedir, que osReys de Aragão , & Portugal, não ſe confederaſſem .
Inútir.do elRey de Caſtella de deſviar aquelle cazamento,mandou a el
Rey de Aragão Fernão Perez de Ayala,para que de ſua parte lhe rogaſle,
que deſſe lugar ao matrimonio do Infante ſeu irmão com a Infante de Por
tugal, & não quizeſſe embaraçalo. E ſobre o meſmo mandou a Portega!
D.JoãoAfoſo de Albuquerque feu grande privado,& grande Senhor,lo.
brinho delRey de Portugal, filho de Afonſo Sanchez ſeu irmão baſtardo,
de que no principio deſte livro fe faz menção,crendo que com a muita au
thoridade q tinha,poderia eſtorvar o cazamento . Declarou ſe maiselRey
de Caſtella,porq eſtando Lopo de Vrrea, & Pedro Guilhem de Eſtain bos
em Badajoz,para paſſar a Portugal,tratou de lhes embaraçar o paíſo, & de
telos, & tomaraólhe ſuas cavalgaduras, & elles eſcondidamente le para
ſaraó a Elvas , que he o primeiro lugar de Portugal. Dahi fciam a hum
lugar,que chamão Monteargil, onde acharão elRey Dom Afonfo ,Inf&an:0
DEL REY D.AFONSO QVARTO . 145
1

Infante Dom Pedro, queeraõidos a montear. E explicada ſua embaixa


da no meſmo lugar , moſtrarað pay & filho grande contentamento deſte
cazamento. E reſpondeo elRey ,que folgava muyto de dar ſua filha a el
Rey de Aragam, & que ſe foſſem a Santarein ,onde eſtava a Rainha Do
na Beatriz,& aInfante Dona Coſtança ſua nora, & que elle, & o Infante
ſeriáo abi dentro de tres dias,& tratarião eſte negocio.
Entrarão em Santarem eſtes Embaxadores húa ſegunda feira,quatro de Caza
Junio,& foram mui bem recebidos, & elRey, & o Infante commetteram da mento
Infá .
a concluſao do negocio ao Biſpo da Guarda, & a outro do ſeu conſelho, te Dona
& eſtiverão mui differentes ſobre o dote.Porque elRey de Portugal dizia, Lianor
que acaza de Portugal não era coſtumada de dar,nem receber dote, ſenão com cl
fora elRey de Caſtella, que entam reinava, a que ſe deu dote com a Rai- Rey D.
nha Dona Maria ſua mulher por certa razam . E que a Rainha Dona Pedro
Iſabel máy delle Rey de Portugal, que foi da caſa de Aragao, nao avia quanto
dc Araz
trazido dote.Os Embaxadores dizião, que ja não ſe coſtumava de cazarem gão
os Reys ſem dore. E offerecerão de parte delRey de Portugal de dar vinte
cinco mil dobras de ouro , & os Embaxadores pedião cento, & cincoen
tamil livras. Eſta quantidade parecco mui demaſiada . E querendoſe
partir os Embaxadores, aInfante Dona Coſtança, que deſejava muito,
que eſte cazamento ſe effe& uaffe, por o parenteſco que tinha com elRey
de Aragam ,ſe fez terceira entre elRey leu ſogro , & os Embayxadores ,
& fez com elRey que deſſe ein dotecom ſua filha outra tanta quantia, co
mo ſe avia dadoa elRey de Caſtellla, que chegava a trinta & fete mil
livras barceloneſas . E a Rainha ſe offereceo , para dar comprimento
a cincoenta mil. Os Embayxadores ſuccederam nillo , por o muyto
que elRey de Aragam deſejava, que eſte cazamento ſe effectuaſie , por
fer em competencia, & contradiçam delhey de Caſtella , de quem ſe
tinha grande receyo , por o muito favor, que dava aos Infantes de A
ragam , & porque a Infante eramuifermoſa , de gentil diſpoſiçam , &
grande peſſoa, & de muy excellentes virtudes . Peloque os Embayxa
cores huma ſegunda feira. 11. do mez de Junio contratàrão o cazamento
per palavras de preſente. Dous dias antes que ſe effe& uaſſe, chegou á Cora
te del-Rey de Portugal Dom Joam Afonfo de Albuquerque , & tra
balhou quanto pode,por eſtorvalo, publicando, que elRey de Aragað ef
tava em grandiflima diſſenção com ſeus ſubditos, & moſtrou certos tras
lados dehŭas letras de citação, que ſe avião feito aos Infantes D. Fernan
do , & D.}y .- per os Aragoeſes,para que ſe ajuntaſſem com oReyno para
hir à mão a elRey,no que avia intentado contra o lofante D. Jaymes,ou
tro ſi feu irmão, & fe repairaſſem os deſaforos, & aggravos, que avia feito,
& diffo fallavaö as gentes muito naquellas partes.Mas ſem embargo dif
fo, elRey de Portugal concluio o cazamento, &mandou Embayxador,
para que le concertaſſe a ida da Rainhaſua filha,E por o perigo que avia,
Bb 3 ( e forte
CHRONICA
ſe foſſe per Caſtella, ſe concertou, que foſſe per mar a Barcelona.
No anno ſeguinte de 1348. mandou elRey ſua filha muy acompanha.
Anno da a Barcelona per mar , onde a eſtavão eſperando per mandado del
1 3 4 8 Rey de Aragao , os InfantesDom Pedro, & Dom Ramon Berenguer le
us tios, & Hugo Vizconde de Cardona, Dom Ramon Roger Conde de
Pallás, & o Almirante Dorn Pedro de Moncada,Dom Pedro de Fenollar
Vizconde de Ilha , Dom Pedro de Quiralt , Dom Ramon de Angleſola,
para a receberem , & aos que com ella vinham. O meſmo mandou aosBif
pos de Vic , de Tortoſa , de Elna, & Lerida, & aos Abbades de Ripol,
Sandtaſcreus. E às Cidades, & villas de Catalunha, Roffelhon , & Ma
lhorca mandou que vieſſem ſeusmenſageiros, como era cuſtume, para que
ſe achafium nas feſtas, que ſe aviao de fazer. Mas quando a Rainha veyo,
foi recebida fem feſta, porque neſſe dia, que ſua armada chegou ao por
to de Barcelona,morreo na meſma Cidade o Infante Dom Jaymes irm.io
delRey , poſto que onojo delRey foi pouco , porqueera omayorcon
trario quetinha, & fobre que o Reyno de Aragao andava alvoroçado,
& coja morte elle deſejava tanto quedizem alguns Eſcriptores de Ara.
gað , que foi morto de peçonha, que lhe elRey meſmo mandou dar.Mas
quando a Rainha no inez de Abril ſeguinte entrou em Valença, ſe lhe faz
a mayor feſta, & recebimento, q nunca no Reyno de Aragao ſe fez a Ra.
inha, que novamente entraſſe.
Neſte anno começou aquella grande,& memoravel peſte geral, de que
nas hiſtorias de todas as naçoens ſe faz mençao, a qual nunca dizem, quc
aconteceo deſde a criaçam do mundo. Peloque com razam ſe podia cha
mar o ſegundo diluvio. A origem della eſcrevem huns ſer na Scythia,cii
tros na Perſia,onde dizem que com os grandes, & gèraes terremotos, que
ouve per muitas partes do mundo, que naturalmente precedem ás pelice
Peſte u ſe abrio hum grande fojo , & que delle fahio hum tam horrendo,& abom
niverſal navel vapor, que corrompendo com ſeu fedor, & veneno o ár proximo,&
per todo aquelle outro, & alli os mais per ſucceſlao, com grandes ventos, que cuir
mundo
que có .
farao ,veyo a correr, & inficionar todo o mundo . Principalmente para
fumio a as partes do Occidente, & paſſou o mar a Inglaterra, & a todas as mais
mayor Ilhas. O tempo que duron,foraõ tres annos. Franciſco Petrarcha, & Jcio
parte Boccacio Authores graves , que naquelle tempo vivião, & viram pelo
dasgen- olho aquelle mal, affirmão, que na Cidade de Florença dos muros aderi
tes delle tro, deſde Março,em que começou atè Julio, morrerão cem mil pefoss,
De que veyo ficarem muitas caſas nobiliflimas, & muitas propriedade ,
vagas,a quem as quiz occupar,porſe lhe nao achar ſucceflor legitimo. E
dos lugares pequenos, & aldeas eſcrevem , queficárað tað ermos, que nem
1
avia quem colheſſe as novidades,nem guardalle o gado, & outros animacs,
& ficáraó em ſua natural liberdade. E Marco Antonio Sabellico conta,
depois de muy grandes terremotos,que quinze dias ouve em Vencza, ia
guc
DELREY D. AFONSO QVARTO . 146
que caíráð os principais edificios, & torres, & todas as mulheres que eram
Frenhes moveraó, fuccedeo tam grande peſte, quede cem homensa pe
nas eícapava hum, pelo quevindo a ſer a cidadevazia de ſeus cidadãos,
pozerão os Senadores edi&tos publicos que todo homem que com ſua mu
iher, & filhos vieſſe a Veneza, & perleveraſie dous annos, o averia) por ci
dadão , & aſſim ficou povoada de outras gentes. Finalmente todos os Ef
: criptores concordão,que por todo o univerſo mundo de toda a gente que
era viva,quando começou aquella peſte,ficou hũa minima parte.
Deſta peſte, que foi gèral em todo mundo , & que andou em toda Her
panha,pelapouca curioſidade, & muyta rudeza da gente, ſe não acha feita
menção,mais que na Chronica delRey D.Afonſo XI.de Caſtella, em que !

o Authordella diz, que morreo o dito Rey eſtando no cerco de Gibaltar


de péſte,de quemorria muyta gente, que fora reliquia da outra grande, ý
andara em França,Inglaterra ,& Italia,& Heſpanha toda, a que chamavao
a grande mortandade. Peloque he de crer,que Fernão Lopes,que eſcreveo
a Chronica delRey D. Sancho primeiro, como quem eſcrevia por infor
maçoés, & couſas que paſſarað avia muytos tempos, attribuìo eſta peſte
grande ao tempo do dito Rey D.Sancho , como ſe attribuirão outras mui
tas couſas que diſlemos,a outras peſſoas, & a outros tempos,em que nað a
contecerão. Pelo que quando diz que ouve tao grande peſte, principal
mente na terra de Santa Maria ,& da Feira,que ouve povoaçoens em que
não ficaraõ tres peſſoas vivas,he veroſimil,quefoſſe a pette que depois foi
no dito anno de 1 348.
Eſtando elReyD. Afonſo quiero avia algunsannosdas guerras de fo
sa ,não lhe faltàraó deſgoſtos, & diſcordia domeſtica com ſeu filho o In
fante D. Pedro. O que parece foi permiffaó Divina,para que elle ſentiſſe,
& pagaſſe parte das deſobediencias, quea elRey D Diniz ſeu pay fizera,&
os deſgoſtos que lhe dera,ſendo tam clemente,& benigno pay.Iſto fe cau
ſou por vir a ſua noticia,que o Infante era cazado com D.Inez de Caſtro,
que foi hum deſgoſto em que elle acabou a vida . Sendo pois fallecida a
Infante D. Coſtança,que morreo moça , & ficando o Infante em idade de
34 annos,foirequerido, aſſim por elRey ſeu pay, como pelos grandes do
Reyno, quecazaſſe. O que elle recuſava fazer,pelos amores de D. Inez de D.Incz
Caſtro. Eſta era húa Donzella de alta,& Real linhagem, poſto que baſ- de Caf
tarda,porqueera filha de D.Pedro Fernandez de Caſtro , que differão da tro, &
lua linha
Guerra,primo com irmão do meſmo Infante D.Pedro . Porque D. Fernão gem.
Roiz de Caſtro ſeu pay foi cazado com D. Violante Sanchez filha baſtarda
del Rey D. Sancho o Bravo,irmão da Rainha D. Beatriz de Portugal. O
qual foi Camareiro mòr delRey D.Afonſo X I.de Caſtella,de que atraz ſe
fez menção,& grande Senhor em Galliza, & morreo no cerco de Aljezi
ra . Ele D.Pedro Fernandez de Caſtro foi cazado com D.Iſabel Ponce, fi
lha de D.Ponce, & de D. Sancha Gil,de que ouve dous filhos.f. o Conde
Bb 4 Dom
CHRONICA
Dom Fernando de Caſtro,que deſterrado de Caſtella,& Portugal, por ſe
guir as pajtes de D. Henrique,contra elRey D. Pedro ſeu irmão, morreu
em Inglaterra,& húa filha por nome D.Joanna de Caitro, que cazou com
D.Diogo ſenhor de Vizcaya, & ſendo viuva cazou com ella elRey Dom
Pedro ,deſquitandoſe injuſtamente de Dona Branca de Borbon. Mas dela
vindore della a deixou logo. Peloque ſe chamou a dita D.Joanna em quá
to viveo,Rainha de Caſtella. Ouve mais D. Pedro Fernández de Caſtro
dous filhos baſtardos.f.D . Alvaro Pirez de Caſtro, & Dona Inez de Caſtro
de búa donzella que andava em caſa de ſua mulher, que ſe chamava Do
na Beringuella Lourenço,filha de D.Lourenço Soarez de Valladares, &
de ſua mulher D. Sancha Nunez. Os quais marido,& mulher erão peſſoas
de muy nobre geração. Alvaro Pirez de Caſtro vindo a eſte Reyno, fry
Condiſtavel,& o primeiro Conde de Arrayolos, & Alcayde môr de Lis
boa , & ſenhor de muytas terras,como na vida delRey D.Fernando ſe dirà,
com cuja neta cazou D.Fernando Marquez de Villaviçoſa,quedepois foy
ſegundo Duque de Bargança,& ſegundo Conde de Arrayolos.Dona Inez
Amores andava em caſa da Infante D.Coſtança por donzella, & parenta . E ſenio
do In : dotada de eſtremada graça,gentileza,& diſpoſiçao ,porque lhe chamavaó
fante D. collo de Garça, veyo o Infante D.Pedro a namorarle della. E por a Infan
Pedro
com D.
te Dona Coſtança o entender,naſcendoihe o primeiro filho, que ſe cha
Inez de mou o Infante Dom Luis, a tomou porſua comadre, para quecom illo le
Caſtro. evitafle o Infante de proceder na affeição, que elle moſtrava. Mas creſcen
do o amor com eſſa invenção,& nao mingoando,morta D.Coſtança,o In
fante a ouve, & pario delle os filhos, que a diante na vida delRey Dom
Pedro ſe dirão.
Tanto que a Infante D.Coſtança falleceo,ſegundo o Infante confeſſou
depois ſendo Rey,por ſetirar de peccado mortal, ſecretamente a recebro,
ou fingio tela recebida. Deſte cazamento não ſabendo elRey, mas rece
andoque vieſſe ſer ſegundo via o Infante engolfado nos amores de Dona
Inez,importunavao,que cazafle, por apartàlo da vida eſcandaloſa que fz
zia ;eliando aſlim embaraçado. E muytasvezes requereo ao Infante, lhe
deſcobriſſe,ſe era com D.Inez cazado,porque ſe o foſſe, a honraria cono
ſua mulher,a que era neceſſario dar authoridade, & honra como a pelloa,
que avia de fer Rainha. O Infante nunca confeſſou fer com ella cazado:
mas naõ queriacazar comquem ſeu pay lhe apontava,dando as eſcuzas y
lhe o amor de D.Inez enſinava. E o que parecia a todos era ,que o Infan
te naó queria declarar fer cazado com D.Inez em vida de ſeu pay,porque
fe pejava delle,por ella ſer baſtarda. Mas os grandes do Reyno, ou ſulpei
tando que ſeria cazado,ou que o viria a ſer aconlelhávað a clRey, que ci
:
apertaſſe com o Infante quecazaffe, & nað tiveſſe no Reyno D. Inez, c'
1ha mandaſſe matar. Para que por ſua morte,que era jà muyto velho,namı
ficafic ella viva, Porque por D. Fernando de Caſtro, & D. Alvaro Pirez
Tous
DELREY D. AFONSO QVARTO . 147
ſeus ir mãos ferem grandes Senhores em Caſtella, & começarem ter mui
ca parte em Portugal, fe podia recear,que ordenaffeni a morte ao Infan
te Dom Fernando filho herdeiro do Infante Dom Pedro ', para cada
hum de ſeus fobrinhos filhos de Dona Inezſucceder no Reyno. A Rai
nha, & o.Atcebiſpo de Braga Dom Gonçalo Pereira, & muitos Prelados, Aviſos,
& Senhores aconſelhárão ao Infante D.Pedro que cazaſſe, declarandolhe a fe de
as rão ao ,
conſultas,que ſefaziáocontinuamente ſobre a mortedeDona Inez,pa- Infáted
ra que a ſeguraſſe em tal lugar, que ſua vida não correſſe riſco. E
pare
cendo ao Infante que tudo erão terrores, & ameaças vias , que ninguem Pedro .
ſe atreueria a executar,núca quiz confeffar,como era cazado,nem aſſegu
rar Dona Inez.
Eſtava elRey por eſte cazo poſto em varios penſamentos , Porque por
huma parte via o perigo em que ficava ſeu neto primogenito , & ade
ſtruiçam do Reyno,tendo Dona Inez tantos parentes,queo avião de uſur
par. De outra parte via, quam cruel feito ſeria,matar humamulher, & in
nocente,por culpa alhea,& agoraao cabo da vidaem que ja eſtava, em
que avia de trabalhar,de ter a Deos propicio , & não macular de fan
gue as mãos com aquelle homicidio , quemuytos teriam por parricidio.
Mas inſtigado dos ſeus , eſtando em Montemòr o Velho , no anno de
1355. determinouſe em matar Dona Inez , & acompanhado de muyta
gente armada, fe veyo a Coimbra , onde ella eſtava nos paços de San
eta Clara, a tempo que o Infante era ido à caça . Quando Dona Inez
foube da ida, & tenção delRey contra ella, falteada de fenão poder ſal
var per alguma via, o veyo receber à porta,com o roſto de mulher, que
via a morte preſente. E para ver ſe achava em elRey alguma piedade,
trazia ante ſi os tres innocentes Iofantes ſeus filhos netos delRey , me
ninosdepouca idade , & mui fermoſos, com os quaes , & com muy
tas lagrimas,& palavras piedoſas pedio a elRey perdão , & miſericor
dia . ElRey poſto que de ſua condição duro , & pelas perſuaçoens dos
leus riguroſo, vendo aquelle eſpe& aculo tam laſtimoſo , de tam fermos
fa mulher, & innocente , & tam fermoſos meninos, com que ſe abra
çava , & que comava por eſcudo , & valia,ſevolvia ja,& a deixava, para
não morrer. Mas alguns cavalleiros, que com elRey hião para a morte
della ', principalmente Alvaro Gonçalvez Meirinho mòr , Pero Coe
Tho , & Diogo Lopez Pacheco Senhor de Ferreira , quando aſſiin virão
fahir elRey,comoque ja revogava ſua ſentença , aggravados delle , por
a publica determinação com que alli os trouxera , & por o grande o
dio , & perigo em que dahi em diante com ella , & com o Infante Dom Morte
de Dona
Pedro os deixava , lhes fizerão que per elles a mandaſſe matar . Dos Inez de
quaes algunsentrando a ella a matarão cruelmente , como carniceiros. Caſtro .
Eſte feito foy attribuido a elRey a grande crueza, pelos homens em que
a via humanidade , & entendimento . Porque dizião , que antes ſe oue
vera ó
CHRONICA
verão de eſperar os ſucceſſos, queeſtavão por vir, & erão incertos, que
i
peccar de preſente,tirando hum inconveniente com outro mayor,como
cra matar huma innocente , que ao parecer de muitos não lhe falcava
-mais paramerecerfer Rainha , queſer recebido feu pay com fua máy.
(2 ) . (Porque per linhagem
, & qualidadede ſua peſſoa o merecia ſer. O cora
v pode Dona Inez foilogo enterrado em Sancta Clara , até que elRzy
V Dom Pedroa paſſou aAlcobaça, a huma Real ſepultura , como en la
. :: vida fe dirà. 'n
07 ! Pela morte de Dona Inez foy o Infante poſto em tanto nojo ,que
cuidárão , que, vielie a perder o fiſo. Porque alem da grande faúdz.
de , que della avia , porö muito que lhe queria , lembravalhe , que por
ſua canía a matàrão ſem culpa della , & que fendo aviſado damorte,
Derobe
que lhe avião de dar,o não crco , nem a poz em falvo. Peloque todini
dieneia
os meyos buſcou para deſervir a el-Rey ſeu pay , & deſtroitlhe o Reyno,
do Intá & tomar vingança daquelles matadores. E com gente ſua , que tiulia
teD.Pe- no Reyno , & muita mais de Dom Fernando de Caſtro, & Dom Alvaro
dro afeu -Pirez Ironãos de DonaInez , & de ſeus parentes , & valias entrásão to
pay por dos pelas comarcas de entre Douro , & Minho, & Tralofmontes. E ros
amorte lugares que erão delley fazião todosos roubos, mortes, & danos, que
Iuez . podião. E vindo com grande poder para tomar a Cidade do Porto met
teoſe nellacom muyta gente Dom Gonçalo Pereira Arcebiſpo de bra
ga, a quem foy encomendada. E por que a Cidade ainda não era cerca
da de todo , como agora he, o Arcebiſpo para melhor'defenſao , a cer
cou com vellas de navios , & ſe determinou de morrer, antes que en
tregar à Cidade. O Infante queria grande bem ao Arcebiſpo , & llu
tinha muita reverencia , & por lhe não pôr avida, & honra a riſco , &
por ſaber, queel-Rey era ja em Guimaraens, que o vinha loccorrer, defi
itio diffo, & fe foi arrependendole ja da deſobediencia, em que anda
ya com ſeu pay, & por fe (fallar em concordia por parte de alguns mi
dianeiros,
Aos.5. de Agoſto daquelle anno meſmo, ſe veyo ao lugar deCanave
fes,onde logo foi a Rainha Dona Beatriz ſua máy ,& per meyo do Arce
biſpo, & de outras peſſoas, que nillo intervierão, elRey, & o Infante fo
Concor rão concordes neſta maneira : Que o Infante perdoalle a todos aquel
dia do les, que de conſelho, & defeito forão culpadosnamorte de Dona Inez
Infante & elRey a todos osque o deſervirão por cauſa do Infante.E que o Infan
D.Pedre te de hi em diante fölſe obediente a elRey ſeu pay, como a ' bom filka,
comfeu & a boin vaſlállo convinha, & que lançaſſe deſua caza , & terras todo.
pay..
os malfeitores, que conſigo trazia. E que de hi em diante em todos os
lugares do Reyno, per onde andaſle, & eſtiveſſe , uſaſſe de toda jurifdi
ção, & poderalto , & baxo, & que as fentenças, & cartas que deſle,pai
faffem em nome doInfarite.E que elletrariaconſigo Ouvidores,que tel
fein fe
DELREY D.AFONSO QVARTO , 143
ſem ſeus, & ſe chamaffem por elle.Os quaes entenderiáo ſobre os Cora
regedores, & quaeſquer outros JuizesdelRey. E porèm que em tudo
guardarjão ſuas leys,& Ordenaçoens. Eą nos cazos das mortes, & con
denaçõens de perdas de grandes officios, & de terras de ſeus vaſſallos,
ante da execuçao da ſentença; o fizeſſe ſaber a elRey , para ſobre iſſo
måndar, o que ouvelle por bem: E que quando o Infante mandalſe fa
zer juſtiça,ospregoeiros diſfeſſemt Juſtiçaque manda fazer o Infante per
mandado delRey ſéu pay, & em ſeu nome. De todo eſte aſſento ſe fize
rão eſcripturas authenticas, que forão firmadas com juramentos ſolennes;
& per homenagensquederão,& per cavalleiros de hũa parte, & da outra
ajuramécados,que ficarão por aſſeguradores,em que tambem a Rainha jus
rou , & deu homenagem .
Como elRey,& o Infante forão concordes, veyo elRey a Lisboa, ona
de adoeceo de mortal doença , ſendo o Infante a montear á ribeira
de Canha. E ſentindofe e Rey chegado à morte , mandou chamar Die
ogo Lopez Pacheco, Alvaro Gonçalvez, & Pero Coelho, a que queria
bem , & que namorte de Dona Inez forão os principaes conſelheiros,
& executores , & de que o Infante, ſem embargo de ſeus juramentos;
tinha grande deſejo de fe vingar. E perante Alvaro Gonçalvez Perei-.
ra Prior do Crato,lhes diſle a todos, que por quanto depois de ſua mor
te, que ſe appreſſava, não lhe dava inteira ſeguridade do Infante ſeu Morte
filho , por o que delle fentia, lhes aconſelhaya,que logo ſe foſſem fóra D.delRey
Afon .
do lieyno,& falvaſſem ſuas peſſoas, o mais preſtes quepodeſſem . E que
das fazendas que não podellem levar , não fizellem conta algúa. Elles toso , a quat
que o bem entendião o fizerað alim. Mas Alvaro Gonçalvez , & Pes
ro Coelho , não ſe poderão eſcuſar de morrerein , como ſe na vida de
Dom Pedró dirà . EiRey Dom Afonſo procedendo em fua doença , veyo
fallecer em Lisboa nomez de Mayo de 1357. em idade de 67 annos, ANNO
dos quaes reynou ží annos. 5. meſes, & 20 dias. Jaz fepultado na ! 357 .
Cappella mòr da Sé da dita Cidade , com a Rainha Dona Beatriz fuis
mulher, em que ambos inſtituírão Cappellaens , & merceeiros , pard
o que doràrão muitas rendas , villas , & jurídicoens, como a villa de
Vianna de apar de Evora , & Alverca ,
Houve elRey Dom Afonſo da dita Rainha Dona Beatriz , que foi fi
lha delRey Dom Sancho o Bravo de Caſtella; & da Rainha Dona Maria lilhos
filha do Infante Dam Afonfo deMolina,ao Infante Dom Afono, que D.Afone
ſendo moço,falleceo em Penella , & foi ſepultado no moſteiro de Sam ſo IIII.
Domingos de Santarem. O Infante Dom Diniz , que naſceo , & mor- dePors
jeo em Santarem de idade de hum anno ; & jaz ſepultado em Alcobaça tugal.
Cappella dos Reys,aospés delRey Dom Afonſo III . ſeu biſavo, 'E
o Infante Dom Joam , que tambem falleceo moço , & jaz ſepultado no
moſteiro de Odivellas, junto com elkey Dom Diniz ſeu avô, & a In
fante,
CHRONICA
C Dona Maria, que foiRainha de Caſtella,mulher de Rey D.Afor?
10 , Y I. que ſendo viuva falleceo em Evora, & dahi foi levada a Sevilha
pt leu filho elRey D. Pedro , & enterrada na Cappella dos Reys.E ouve
o Infante D. Pedro, que apoz elle reinou , o'qual naſceo em Coimbra no
anno de 1320. & a Infante Dona Lianor,que cazou com elRey D.Pe
dro o IIII.de Aragam ſendo viuvo da Rainha Dona Maria ſua mulher,
filha delRey de Navarra. Eſta Infante Dona Lianor falleceo mui moça.
Della ficou a Infance Dona Beatriz, que foi trazida a Portugal, & cian
doa a Rainha Dona Beatriz ſua avó, falleceo depois delRey feu avô, cu
jos oſſos a Rainha Dona Beatriz mandou metter com os ſeus der.tro de
ſua ſepultura,
Foy el Rey Dom Afonfo Cavalleiro mui esforçado amigo de Deos , &
prudente, & mui zelador da juſtiça. Fez emſeu tempo muytas leys utiles
à Républica, ſobre couſas, que os antigos não tinhão provido, as quaes
temos oje infertas no corpo das Ordenaçoés do Reyno.Deque fam elas.
Leisuti * Quenenhum penhoreſeu devedor ſem authoridade da juſtiça.*Das viuvas que dese
lcsá fez baratãoſeus bens, ou usalheão comonão devem. * Dasufùras ccmofaõ defeſas, ü
elRey quandoſepodem levar.* Que todo homem bivreposſa viver com quem quizer. *Do
D.Afon- criado quevive a bem fazer, & le vai doſenhorcontraſua vontade.* Quenão foi
fo Quar- o criado demandar alóldada, ſenão até tres annos.* Dos que vivem a bem fazer,is
to, a oje
eſtão em depois demandão a ſatisfação do ſerviço. * Do vaſſallo delRey, que obriga armas,ch
ſeu vi cavallo.* Do que confeſſa aver recebido alguma couſa, & depois a neya.* Comoſe 1.50
gor. de fazer as partiçoensentre os irmãos.* Dos quefazem moeda falſa.* Damulherque
he forçada,& como ſe deve provar a força * Doque dorme commulher cazad.sper fua
vontade. * Doğ,dorme comoça virgem ,ou viuva por ſua vontade. * Das alcouiteras,
& alcouces. * De ý, dorme com moça virgem ,ou viuva, eſtà em poder de feu pay,m ),
avò,ou titor.* Dos que cornettem peccado de fodomia.*Das officiaes delRey ,que
tomão ſerviços,ou peitas, & dos que diffamão delles. * Que emfeito de força feriáo
guarde ordem ,nemfigura de juizo.* Que nãojoguem dados, nem aja tavolagens,*
Que couſasſenão levarão fora doReyno.* Que os Prelados, 01 fidalgos,não content
malfeitoresem ſeus coutos, & honras. * Que as injurias verbaes ſe demandem emca
mara;* Do Alcayde, queſoltapreſoſem mandado dojulgador.* Dos que tollem per
nhores aos porteiros.* Dos Alcaydes que entrão em caſas dos bons,fingindo que buty
são malfeitores.* Dos que levantam volta em juizo. * Do que he ferido, ou roubada
de noite.* Se o quereloſo deſempara a accuſação, a cuja custaſe farà.
Finalmente não avia em elRey D. Afonſo que reprehender, ſenão ma
culara ſuamocidade com as deſobediencias contra ſeu pay,& velhice co.?
o ſangue da innocente Dona Inez. Porque em muitas couſas le pareceo
com elRey Dom Diniz feu pay, tirando a liberalidade, em que foi delle
mui deſſemelhante,

CIR
149
ht
1

CHRONICA
ou 2
DEL-RE Y DOM PEDRO,
E dos Reys de Portugal o VIIJ.
Hea File
Reformada pelo Licenciado DVARTE NUNES DO LIAM ,
Deſembargador da Caſa da Supplicação.

R A El Rey D. Pedro já de idade de trinta & ſete an


abend nos, quando a ſeu pay ſuccedeo no Reyno, & cazado, co
E mo largamente ſe diſſe na vida delRey Dom Aforfo ſeu Filhos
pay. E de ſua mulher a Infante D. Coſtança ouve tres fi- delRey
lhos.f. D Luis, que falleceo de idade de oito dias,o Infan- D.Pedro
e tij
te D.Fernando ,que lhe ſuccedeo no Reyno, & a Infance
Dona Maria, que foy cazada com o Infante Dom Fernando de Aragam
** Marquez de Tortoſa, & Senhor de Albarrazin ,filho delRey Dom Afon
foo Quarto de Aragão, & de ſua ſegunda mulher a Rainha Dona Liza
nor irmãa del-Rey Dom Afonſo XI. de Caſtella, perque o marido, & a
mulher ficavão ſendo netos del-Rey Dom Diniz . O qual Infante pou
co tempo depois que cazou, foi morto por elRey Dom Pedro de Aragão
o Cru leu irmão no Caſtello de Buriana â trayçam , & fem cauſa, ſendoſeu Morte
convidado. Eſta Infante depois de alguns annos, tornou a Portugalpara da Infá
ſuas terras,que no Almoxarifado de Aveiro lhe forao dadas em dote. Do te D. Co
parto deſta filha falleceo a Infante Dona Coſtança, ſendo ainda muy mo ſtança.
ça,a qual jaz ſepultada noCoro de Sam Franciſco de Santarem ,onde tao
bem jaz elRey D.Fernando ſeu filho.
Morta Dona Coltança, como tambem fica dito da vida delRey Dom
Afonſo ſeu ſogro, veyo elRey D.Pedro a converſar Dona Inez de Caſtro,
a quem ja era affeiçoado em vida da Infante, & della ouve outros tres fi Filhos
Thos.f.os Infantes Dom Afonſo,que morreo minino,Dom João,D.Diniz, delRey
& húa filha por nome Dona Beatriz. Dos quaes, porque morreraõ em D.Pedro
Caftella , & de ſua deſcendencia ſe tem neſte Reyno pouca noticia , nam &de D.
parece improprio dizer alguma couſa delles. O Infante Dom João, que Caltro.
por as detavenças q com elRey Dom Fernando teve, ſe paſſou a Caſtella
aEl-Rey DomHenrique , como ſe a diante na vidado dito Rey Dom
Fernando verà : foy cazado em Portugal, poſto que encubertamente,
com Dona Maria Tellez de Meneſes irmãa da Rainha Dona Lianor, de
que ouve Dom Fernando de Eça. O qual foi aſſim chamado, porque
foi Senhor da villa de Eça,q he no Reyno de Galliza ,por lha dar em ten.
Сс ça &
CHRONICA
ça & preſtimo o Duque de Arjona ſeu parente. Efte Dom Fernando de
Eça deixou ampliffima geração do appellido de Eça, aflim neſte Reyno,
como fora delle.Porque foi cazado coin muitas mulheres,recebendo búas
D.Fer- fendo vivas outras,porniſſo ( ſegundo dizem) ter elle larga a conſciencia.
nando
Deça ou
Qué eſtas mulheres forao,nao ſabemos ſó ſe fabe, q a derradeira,em cuia
ue qua poder falleceo, foi Dona Iſabel de Avalos, filha quedizião fer de Don
renta & Pero Lopez de Avalos Adiantado de Murcia, filho do Condeſtabre de
dous fi- Caſtella Dom Rui Lopez deAvalos. Das quaes mulheres todas dizem ,
Ilios.
que ouve quarenta & dous filhos & filhas: de que alguns morreram pe
quenos .
Morta Dona Maria,cazou o Infante Dom João em Caſtella com Do
na Coſtança filha baſtarda delRey D.Henrique,de 7 ouve tres filhas .I.D .
Maria de Portugal , que cazou com Martim Vaſquezda Cunha, por cuio
cazamento veyo fer Conde de Valença,de quem agora vem os Duques de
Najara,& Dona Maria,que cazou com o Conde Dom Pero Ninho . Ea
terceira,com Lopo Vaſquez da Cunha Senhor de Bondia,de quem nam
ou ve filhos. Fora do matrimonio ouve o Infante D.João a D.Afonſo de
Filhos Caſcaes,D.Pedro da Guerra ,& D.Fernando Senhor de Bragança. D. A fő
baltare fo de Cáſcaes ſe chamou aſſim , por cazar com D.Branca da Cunha, filha
dos do do Doutor Joam das Regras, & de Dona Lianor da Cunha, filha de
D. Ioaó. Martim Vaiquez da Cunha, que diſſemos quefoiConde de Valença. A
qual Dona Branca foi ſenhora das villas deCaſcaes, & da Lourinhãa,& dos
Mòrgados de S. Mattheus, & de Saó Itrope de Lisboa, & do Rugučgode
apar de Oeiras,que aJoão das Regras ſeu pay foi dado de juro per elRey
D.Joam.Do qualcazamento naſceo DonaIſabel da Cunha, que foi mili
Ther de Dom Alvaro de Caſtro Conde de Monſanto , & Senhor de Cafe
tel Mendo, & da Povoa, & de muitas terras, Alcaide môr de Lisboa, &
da Covilhãa, & Camareiro mor delRey D. Afonſo o V. que foi grande
ſenhor,& valeroſo , & esforçado cavalleiro ,a cuja caza ſeajuntou a da Có
della Dona Iſabel da Cunha ſua mulher. Per morte de Dona Branca,tor
nou D.Afonſo cazar outra vez com Dona Maria de Vaſconcellos, filha
herdeira de Joanne Mendez de Vaſconcellos,de que ouveD. Fernádo de
Vaſconcellos quemorreo em Caſtella,ſeguindo a Rainha Dona Lianor,
O qual cazando com Dona Iſabel filha de D. Pedro de Meneſes Code de
Vianna,primeiro Capitão de Septa,ouve D.Afonſo de Meneſes primei
ro Conde de Penella,quecazou com Dona Iſabel da Sylva,filhade Dom
Lopo de Almeida primeiro Conde de Abrantes, de que ouve Dom Jo
am de Vaſconcellos de Meneſes,herdeiro do Condado de Penella Dom
Fernádo de Meneſes,Arcebiſpode Lisboa,& Dona Beatriz da Sylva Có
deſſa da Atouguia, Dona Maria da Sylva mulher de Joam Freire Senhor
de Bobadella, & Dona Joanna da Sylva,mulher de Alvaro Pirez de Ta“
vora Senhor do Mogadouro,
Dom
DELREY DOM PEDRO. 151
Dom Pedro da Guerra ſegundo filhobaſtardo do Infante Dom Joam,
ſe chamou aſſim ,por memoriadel-Rey Dom Pedro, & dePero Fernan
dez de Caſtro da Guerra ſeu biſavô.O qual foi cazado com Dona Tareja,
filha do Conde Dom João Fernandez Andeiro. Da qual,ou deoutra mu
lher ouve Dom Fernando Arcebiſpo de Braga,primeiro Regedor da Ca
fa da Supplicação , & Chancellermòr doReyno , Dom Luis Biſpo da
Guarda , & Dona Inez da Guerra, ſegunda mulher de Alvaro Pirez de
Tavora o Velho, Senhor do Mogadouro . O terceirofilho do Infante,foy
D. Fernando Senhor de Bragança,& do Caſtello do Outeiro,q cazou coin
D.Lianor Coutinha filha de Vaſco Fernandez Coutinho,& de D. Beatriz
Gonçalvez de Moura,de que ouve hum filho per nome D.Duarte, q tam
bem foi Senhor de Bragança, de quem não ficou géração.
Foy o Infante D.João na compoſição de ſua peſſoa ferinoſiſlino, & de
gentil diſpoſição ,& dotado detodas as graças, que em hum Princepe fe
podem deſejar: grande cavalgador da gineta, & brida, & tam deſtro , q co
mo ſe eſcreve do grande Alexandre,oscavallos indomitos,que outrosnão
podião domar,affim os manejava como os mais manſos, & enſinados. Nas
juſtas,& torneos,em q muytas vezes entrava, quaſiſempre os preços eram
ſeus. Foi grande monteiro,& q com uſpos, & pòrcos monteſes lhe aconte
cerão grandescaſos.Da condição era liberaliſlino, & tað benigno, & lua
ve na converſação, quem húa vez o converſava,não ſabia mais viver ſem
elle . De que veyo, que em Caſtella,onde vivia deſterrado, & nam era
tam herdado, comoaſua Peſſoa convinha, foi ſempre ſervido de muytos
grandes, que tinhão tanta, & mais renda queelle, queo acompanhavam
continuamente, como ſeus acoſtados. Peloque ſe em Portugal ſe achàra
ao tempo da morte del Rey Dom Fernando ſeu irmão, ninguem fora Rey
fenam elle, ſe pela vontade do povo fora. E por tanto ofez logo pren
der elRey de Caſtella, temendoſe diffo. Finalmente nam ouve no Infan
te Dom Joam couſa, que ſe lhe pudeſſe reprehender, ſenam matar mal,&
ſem caută Dona Maria ſua mulher, inſtigado de cobiça de reynar . Das
terras que em Portugal tinha, nam tivemosmais noticia, que das que con
fta per huma doação,quelhe elRey Dom Pedro ſeu pay fez no anno de Doaço:
1360. pe la qual lhe deu para elle, & para ſeus deſcendentes, as villas de coens de
Porto de Mós,& Sea, com ſuas terras, as terras , & julgadode Lafoens, elReyD.
terras &
de Gulfar, de C ,aatão,de Penalva,deRio deMoinhos de Beſteiros,de Se Pedro
ver,de Fontearcada,de Benviver,de Muymenta,de Armamar,de Panha,de fez afeu
Riba de Viſella, de Figueiredo , de Aguiar da Beira, de Adeganha, dos filho o
preſtimos de Cerquijs, de Oliveira do Conde de Oliveira do Bairro,com Infante
luas juriſdiçočs, &rendas. E elRey D. Fernando ſeu irmão lhe deu a villa D.Ioaó,
de Gouvea. Iſto deixou por ſe paſſar a Caſtella, onde lhe elRey D. Hen•
rique deu em dote com ſua filha D. Coſtança,o Condado de Valença, &
outras Villas.
Cca O In
CHRONICA
O Infante D. Diniz;quefoi outro ſi dotadode muitas , & boas qualida
Infante des, ſe paſſou a Caſtella,antesdo Infante D. João, como ſe adiante di
D.Dinis rá; por não beijar a mão â Rainha Dona Lianor Tellez, porque lhe elRey
&cenden
lua de Dom Fernando ſeu irmão tinha odio, & o quiſera matar. E em Castella
cia.
o cazou el Rey Dom Henrique com outra ſua filha baſtarda, & lhe deu cm
dote as villas de Alva de Tormes, Eſcalona, & Cifuentes( ſegundo dizem )
&outras. Houvehum filho, queſe chamou Dom Pedro. Ao qual,porque
vivia em hum ſeu lugar, que ſe chamava Colmenarejo,junto com Eſcalca
na, lhe chamavão Dom João de Colmenarejo. Teve outro filho, que le
chamou Dom Fernando de Portugal , que foi Comendador de Oreja,
que cazou duas vezes,a primeira com DonaMaria de Torres de Jaem, ti.
Tha de Dom João de Torres, de que naſceo Dona Aldonça Clara de Po:
tugal, mulher de Dom Luis de Calataiudo, Senhor de Probencio. Efte
D.Fernando de Portugal dizem,que deixando as Quinas de Portugal, to
mou por armas cinco Torres em campo vermelho , & o ſobrenome de Tore
res por ſua máy có o apelido de Portugal, per cuja via elle,& ſeus deſcen
dentes, ouverão o mòrgado, & Senhorio de Vilhardon Pardo. A ſegunda
vez cazou D. Fernando com Dona Tareja de Guzmão,filha de Valco de
Guzmão, & de Dona Guiomar de Mendoça,de que ficou muita , & nobre
geração.Teve tambem o Infante D. Diniz hũa filha mui nobre, & de al
tos eſpiritos, a que chamárão Dona Beatriz, que nunca cazou, & a tinha
em ſua caza a RainhaDona Maria mulher delRey Dom Joao oII de Caf
tella. E deſdeque a Rainha falleceo,viveo em Tordeſilhas, onde deixou
per ſua morte hum honrado Hoſpital. E eſta he a Dona Beatriz, que Fer
não Perez de Guzmão na Chronica delRey Dom João II.deCaſtella diz,
que foi madrinhanasvodas do Principe Dom Henrique de Caſtella com
Dona Branca filha delRey de Navarra,a quem erradamente chama
filha delRey D. Diniz, que avia perto de cento,& 20. annos q era morto.
Hum neto teve oInfante Dom Diniz, que ſe chamou Dom Diniz de Por
tugal, homemvaleroſo, que não ſabemos de que filho procedeo. O qual
fervia a Dom Pedro Condeſtabre de Portugal, eleito Rey de Aragão,pe
los Catalaens nas guerras contra elRey Dom Joam II. de Aragão, & era
Capitão da gente dearmas,com o qual morto Dom Pedro ſe concertou
elRey de Aragão, porque deixalle a parte dos rebeldes, & tornaſſe a feu
feruico, & lhe deu de juro as villas de Carreal,& Cambrils,& lhe fez pro
meſa de o fazerMordomomôr delRey Dom Fernando de Sicilia ſeu fi
lho. E ſe ganhaſſe os caſtellos de Momagattre, & Peramola, tirandoos de
poder dos rebeldes,lhe fazia merce delles.Ao Infante Dom Diniz tinha
ſeu pay concertado de cazar com a Infante Dona Izabel,filha legitima del
Rey Dom Pedro de Caſtella, a que depois cazou em Inglaterra com Eg.
mondo de Langley Conde de Cábrix,filhodelRey Duarte de Inglaterra,
o que veyo a Portugal. Mas não ſe effectuou o cazamento ,eſtando ja ospasair
1
DELREY DOM PEDRO . 151
cs ir receber com procuração,o Conde D.JoãoAfonſo de Barcellos. As Terras
terras que eſte Infante teve em Portugal,que à minha noticia vierač,forao queerr
a villa do Prado junto com Braga,as terras,& julgado deMurça,de Nales, Portu
de Zurata,de Sam João de Rey , de Santo Eſtevão de Jaraz , de Riba de otalInfan
teves
Lima, & de Valdevez, de Preſelhar, deSanta Cruz de Riba de Tama te Dom
ga, da Maya com ſuasrendas, & juriſdiçam . Jaz o lufante Dom Diniz Diniz,
no Moſteiro de noſſa Senhora de Gadalupe na Sancriſtia coin fua inulher
em húa ſepultura de marmore,& não em S.Eſtevão de Salamanca, como
erradamente diz Garibay.
A Infante D. Beatriz ' fui Princeſa de muyto preço, & que eſteve con
certada em vida de ſeu pay no anno de 1365.para cazar com elRey Dons
| Pedro de Caſtella,cujo matrimonio ſe nao affectuou, & veyo a cazar em
tempo delRey D.Fernando ſeu irmão, com Dom Sancho Conde de Al
buquerque,filho baſtardo delRey D. Afonſo XI. & de Dona Lianor Nu- Infante
D.Bea
nez de Guzmão,& irmão do dico Rey D. Pedro. O qual morrendo por triz filha
deſaſtre dahi a pouco tempo ,apartandohum arroido, & ficando a Infante delRey
prenhe, pario húa filhaper nome D. Vrraca , que depois mudou em Lia- D. Pe
nor. A qual por ſer Condeſſa de Albuquerque, & de Montalvão, & Se- dro, &
nhora das cinco villas do Infantado, & das villas de Haro,Briones,Cerezo, de D.I
Vilhorado,Ledeſma,Codeſera,Zagala,AlconchelM, edelhim , Alcaronet- Caftro.
ta ,& das villas de Villalon,& Vruenha ,que lhe elRey D. João ſeu primo & fua
déra a troco de outras terras que ella tinha, porque lhe chainavam Rica nobre
Femea ,& por ſer dotada de muytas virtudes & merecimentos, veyo a ſer deſcene
Rainha de Aragam ,& de Sicilia,cazando com o Infante Domfernando de dencia.
Caſtella, o que chainão de Antequera , & máy dos Infantes de Aragam
tam celebrados , dos quaes os dous forão os mais valeroſos Reys daquelles
tempos.f .Dom Afonſo de Aragão,& Sicilia o Magnanimo, que ganhou
o Reyno de Napoles,& D.João II de Aragão,& de Navarra. Foi tambem
máy de duas filhas Rainhas.f.de D.Maria de Caſtella mulher delRey D.
João II.&de D.Lianor de Portugal,mulher delRey D.Duarte.Depois da
morte de D.Inez de Caſtro ,ouve elRey D. Pedro de huma Tareja Lourē
ço natural de Galliza,a D. Joam , que lhe naſceo ſendo ja Rey , & depois
foi Meſtre de Avis, & hum dos mais valeroſos Reys de Portugal.
Foi elRey D. Pedro de ſua natureza cruel,poſto queos eſcriptores,por Rey Do
liſongearem os Reys ſeus ſucceffores,lhe chamaſſem Juſticeiro: o que el Pedro
le não foi. Porque examinada a couſa , tudo o que na puniçam dos ho- dava te
més fazia,era mais contra as leys & regras da juſtiça,quepor ellas. Porque tença s
( cm ous
as mais das vezes condenava,ſein ouvir as partes, & dava as penas mayores
por delitos nao provados,que asque por os bem provados eraõ ordenadas part
vir esas .
a va
por direito ,& por nenhum caſoasremetti ,ou modera , mas deleitava fe
em as executar. E poſto que não falcaffem algozes , pois ſempre trazia hű
conſigo,elle por ſua mão açoutava ,& dava ostormentos,& na cinta trazia
Cc 3 ſempre
CHRONICA
---- fempre o açoute, pornão aver dilação em o buſcar. Porque ſem mais
prova, nem querer ouvir deſculpa, começava o juizo pela execuçam,
Mas como fomos movidos de algum effecto de intereſſe, ou ambição,me
do, ou eſperança,& as virtudeseſtão em meyo de dous eſtremos vicioſos,
affeiçoamos os vicios,& virtudes, & os chegamos á parte que queremos,
?

& chamamos ao q he prodigo liberal, & ao avaro temperado, aocruel juf


to, & ao temerariovalente,& esforçado. E pelo contrario querendo desa
fazer nas virtudes,chamamos hypocrita ao Sando, & Religioſo, & ao pru.
dente covardo, & ao modeſto, para pouco. E nenhuns homens ven es
niſto mais peccar,que os que vidas de Principes eſcrevem ,onde em lugar de
pintarem ao natural ſua vida, & ſeus cuſtumes para exemplo, & doutrina
de outros, não ſe contentão decalar os males, que obrarão, mas fingen
os bens ,que não fizerão. E os juſtos, ou injuſtos todos vão per hum igo
al . Mas ſenão ha quem galardoe, ou quem vingue os bens,ou males, que
recontão, ahi dizem o que lhes melhor vem. Diſto he boa teſtemunha a
liberdade, & foltura, com que os Portugueſes eſcreverão as couſas del
Rey Dom Fernando de Portugal , & da Rainha Dona Lianor ſua
mulher, & os Caſtelhanos as de Rey Dom Pedro , elRey Dom Hen
rique o Quarto , & da Rainha Dona Joanna , porque não deixaram
herdeiros,que os vingaſſem , mas ſucceſſores, que em ſeus defeitos cors
ſentiſſem .
Era pois elRey Dom Pedro azedo , & terrivel de fua condição ein
Tres punir os delinquentes,ou que ſe lhe antolhava que o erão. É era couſa de
em notar,queem Caſtella avia outro
dros Pc
Reys Rey Dom Pedro, & outro Rey Dom
Hefpa
Pedro em Aragão, & hum Rey Carlos II. en Navarra tam ſemelhantes na
nha em alpereza , & crueldade, que parece, eſtavão contratados, & á falla nas
hũmcf- obras que fazião. E entre as couſas que contra-juſtiça fez elRey Dom
mo tépo Pedro, foi a morte de Alvaro Gonçalvez , & Pero Coelho , & a que a
Diogo Lopez Pacheco quiſera dar. Porque tendo elle perdoado ,pelo
crucis. contrato
Carlos que fez com elRey D.Afonſo ſeu pay,aos que matarão a Dona
II.Rey Inez de Caſtro,ou aconſelharão ſua morte, & tendo ſobreiſſo feito jura
de Na- mento ſolenne elle, & a Rainha ſua máy, & muitos cavalleiros, que elle
varra
trouxe por aſſeguradores,que jurárão com elle,tanto que veyo reinar,deu:
tcruel
épo dno
os contra
Dos
elles ſentença,julgandoos por trèdores,& lhes confilcou ſeus bens.
Pedros quaes os de Pero Coelho,que erão muitos,fez elRey doação de juro,
de Hel: & de herdade a Vaſco Martijz de Souſa rico homem ſeu vafſallo, & Chan
panha. celler mór do Reyno.
Naquelle melmo tempo , em que aquelles cavalleiros ſe forão para
Caſtella, com medo delRey de Portugal, vierão temendoſe delRey Dom
Pedro fogidos de Caſtella a eſte Reyno, Dom Pero Nunez de Guzmás
Adiantado mor de Lião, Mem Rodriguez Tenorio , Fernão Gudiel de
Tuledo , & Fortum Sanchez Caldeirão. Os quaes elRey de rePortugal
colhco
DEL-REY DOM PEDRO, 152
secolheo,como o de Caſtella recolhera Pero Coelho , Diogo Lopez Padi
checo, & Alvaro Gonçalves, que là forão. Peloque deſejando avellos ás
mãos para os matar , & fabendo que elRey Dom Pedro de Caſtella era de
feu humor, que ſenão 'afrontaria de tal commettimento; offereceofe, a
entregar aelRey de Caſtella os fidalgos Caſtelhanos acima ditos, que a
Portugal vierão,para que elle lhe entregaſſe aquelles tres Portugueſes,que
em Caſtella andavao por a morte de Dona Inez de Caſtro . El-Rey de Ca
ſtella, que não deſejava outra couſa, fez logo ſecretamente com elle eſta
avença, & que hum ao outro mandaſſe de preſente os fidalgos,que deba
xodeſua proteição eſtavão ſeguros, para ſe delles fazer juſtiça. Peloque
ordenàrão, quetodos foſſem preſos a hum certo dia, para quea priſao de
huns, não foſſe aviſo dos outros. E que aquelles que levaſſem os Caſte- Troca
Thanos ao eſtremo, receberião preſos os Portugueſes, que vieſſem de Ca- cruel ģ
ſtella. O dia que forão preſos em Caſtella Pero Coelho, & Alvaro Gon- osReys
çalvez para ferem caſtigados, como os juizos de Deos faõ tam occultos, gal,&
Diogo Lopez Pacheco ,a que Deos guardava para melhor fortuna, & pa- Caſtella
ra o fazer a elle, & aos ſeustam grandes, que ſe podem chamar patriar- fizeram
chas de muytas gétes, cuja familia comprehéde todas as cazas grandes, que dos fidal
gos que
oje ha em Heſpanha, acertou eſſe diade ſer ido à caça. Peloque os que o a elles ic
hiáo prender, cerràrão logo as portas da villa, para que ninguem o pudeſ acolhe.
fe aviſar, & o tomaſſem à tornada, quando ſe recolheffe . Hum homem rão.
pobre, a que cada dia davão eſinola em caſa de Diogo Lopez Pacheco,
& por eſſa razão lhe era familiar, & fallava comelle, vendo o que paſſava,
& como Diogo Lopez fora buſcado, & a villa ſe cerrara, chegou aos guar
das para que o deixaſſem ir fora. Os quaes daquelle pedinte nada fuf
peitando,abriráolhe aporta, & deixarão o hir. Eſte com grande preſſa
foi dar aviſo a Diogo Lopez,o qual não ſabendo o que fizeſſe, o meſmo
pobre lheaconſelhou ,quefe veſtiſſe em ſeus pannos rotos, & que affim
apė ſe foſſe à eſtrada que hia para Aragão, & que com os primeiros almo
creves ſe metelle por ſoldada. Elle o fez alim , & eſcapou, & foi ter a A
ragão, & dahi a França para o Conde Dom Henriquede Traſtamara, que
láandava.Do que eſRey de Caſtella foy muy anojado,pornão ficar bom
pagador.
Como elRey Dom Pedro de Portugal ſoube da prilað dos Portugue
fes, logo mandou levar os preſos Caſtelhanos a Sevilha, onde forão juf
tiçados. Alvaro Gonçalvez, & Pero Coelho forão trazidos a Santarem , Tormé.
onde elReyos recebeo muy contente, poſto que per outra parte peſaro- to, &
fo, por lheDiogo Lopez Pacheco eſcapar, & não vir na companhia. El. morte
Rey os fez logometter a tormento,para confeffarem os mais que forão de Pero
Coelho,
culpados na morte de Dona Inez, & que erao que ſeu pay tratava, quan & Alva.
do com elle andava deſavindo . Ao que nenhum delles reſpondeo couſa, roGócal
que a elRey facisfizeſſe. Peloque dando no roſto hum grande açoute a vez.
Cc4 Pero
CHRONICA
Pero Coelho dizem, que elle foltou contra elRey muitas palavras de in
juria,chainandolhe trésor per juro, algoz, & carniceiro dos homens. El
Rey illudindo o miſero eſtado de Pero Coelho,dando a entender, que o
avia de mandar queimar, diſſe que lhe trouxeſſemcebolla, & vinagre para
aquelle Coelho.Finalmente depois de mandar fazer naquelles dous caval
leiros cruezas nunca viſtas, mandoulhes tirar os coraçoens a Pero Coelho
pelos peitos, & a Alvaro Gonçalues pelas eſpadoas. Depois diſſo os man
dou queimar ambos ante os paços.E eſtando comendo à meſa mandou fa
zer, & vio aquella dura execução. E com aquellas mortes ſe acabou a tra
gedia de Dona Inez de Caſtro.
Ela durcza delRey não era ſomente em vingar as couſas proprias, mas
tambem as alheas em muitoscaſos, em que precipitadamente fez juſtiça
de deli &os, de que lhe não conſtava como, nein como a julgador, ſenão
como a homem lómente, & por não ſufficientes informaçoens, como foi,
que vindo elle à Cidade do Porto, ouvio dizer no caminho, que o Biſpo
ci daquella Cidade, que era hum Prelado honrado, & de grande autho
ridade , tinha faina de dormir com huma mulher de certo Cidadão, &
ies que ſeu marido com medo delle , ſenão ouſava queixar. ElRey ſo por
ouvir iſto, ſem outra mais inveſtigação , tanto que chegou à Cidade,
& acabou de comer , fez vir perante ſi o Biſpo, & mandou aos portei
ros, que como elle entraſſe em ſua camara lançaſſem fora do paco todos os
criados que conſigo trazia, & toda a mais gente, que ahi eſtiveſſe: & que
ſe algum do ſeu conſelho vieſſe, o mandaffem ir para a pouſada, dizen
do, que alim o mandava elle. Vindo o Biſpo, & deſpejado o paço, elRey
vendoſe ſó com a preya nas mãos, ſe deſpio ,ficando em huin pelote de
eſcarlata, & per fua mão tirou ao Biſpo todas ſuas veſtiduras, & com hum
Biſpodo açoute namão brandindo-o para lhe dar,lhe diſſe confeffaffe fua culpa
Por to a-Os criados do Biſpo ſabendoa condição delRey, &vendo que os deita
çoutado vão fora, ſuſpeitàrão, que não hia bem ao Biſpo, & forãoſe ao Conde de
per mão
delRey Barcellos, & ao Meſtre de Chriſto, pedirlhe lhe foſſem valer. Vindo elles,
D. Pc & entrando com o Eſcrivam da Puridade com achaque,detrazer a elley
dro fem humas cartas,lhe não podião tirar o Biſpo das mãos , lembrádolhe quan
cauſa tos innocentes erão cada dia accuſados falſamente, & com medo do tor
provada mento, confeſſaváo, o que nunca commetterão, & quammal feito cra,
por míos cm hum Pontifice, & que pelo Papa lhe ſeria eſtranhado. Dos
Clerigos, & dos Frades aſſim fazia juſtiça como dos leigos, & fe lhe pe
dião que os mandaſſe entregar a ſeus Prelados , & Vigarios, dizia que os
pufeſiem húa vez na forca, & que affim ficarião entregues a JESV Chriſ
to, que era ſeu verdadeiro vigario,& faria delles juſtiça no outro mundo
A hum eſcudeiro dos mais honrados de entre todo Douro, & Minho
mui aparentado,mandou cortar a cabeça,ſem lhe poder valer toda a Cor
tę,por lhe dizerem que cortara os arcos de huma pipa com vinho alavra
hum
DEL-REY DOM PEDRO, 153
lavrador pobre. Ao Eſcrivam do ſeu theſouro mandou enforcar, porque
recebeo fem o theſoureiro onzelivras, & meya, que era huma muy pe
quena, ouminima quartia,fem lhe valer Beatriz Diaz amiga del-Rey,
que por elle rogou,nem o Conde de Barcellos. E ja naquelle dia enfor
cara elRey 12 .
Ouvindo hum dia elRey nomear húa mulher, que ſe chamava Maria
Roulada,quequeria dizernalingoa de entam forçada, a mandou chamar,
& lheperguntou a cauſa do nome. E dizendolhe ella, que ſe chamava Senteça
del Rey
aſſim ,porqueſendo moça dormira com ella ſeu marido per força, & que Dompe
por não vir em publico,a recebeo por mulher. Sem embargo de ſer bem dro con
cazada com ſeu marido, & ter delle filhos , & aver muycos annos, que o
o cazo paſſara,o mandou enforcar,naſcendo mais eſcandalo da pena, do rido que
que reſulta da culpa . forçara
Quando elRey vinha a Lisboa, ao coſtume daquelles tempos, em lhe
ſuar mu.
de
que não avia tanta vaidade , & ambição , & os homens viviam mais á pois de
ley natural, fohiáo os Mercadores, &Cidadãos juſtar com os da Corte fer caza
por feſta . Eeſtando em huma vinda delRey juſtando na Rua Nova hum do,& ter
Mercador honrado per nome Afonlo Andre , lembrouſe elrReye, que ou- filhos
muitos.
vira dizer , que ſua mulher lhe commettia adulterio . E po lThh e parecer,
que entam era tempo, de a acolher no peccado , per eſpias foy tomada Sentēça
com o adultero , em quanto omarido juſtava , & mandou degollar a el- da mora
le, & queimar a ella com tanta brevidade, que nem para ſe arrepende- te de fo.
rem de ſeus peccados lhes deu lugar . Quando Afonſo Andre acabou a go con
juſta, & lhe diſſerão que ſua mulher era queimada, por lhe não ſaber cul- trmulher
a húa
pa , hiaſe queixar a elRey , o qual ſe anticipou pedindolhe alviçaras, die que leu
zendo , ğ ja o vingara da aleivoſa de ſua mulher,& do que lhe punha os marido
cornos , que melhor ſabia ,quem ella era, que elle Afonſo Andre , que era não acu
ſeu marido . fava por
Eſtando elReyem Evora, veyo a elle huma mulherdeSantarem quei. rio adulte,
.
xarſe, que hum Clerigo honrado, & rico da meſina villa, lhe matara ſem
cauſa algumaſeu marido; à qual elle difle, que como elle foſſe a Santa. Sentens
sem lholembraſſe. Indo elReya Sancarem a mulher lho lembrou. E ven • çacon
do elRey ettar hum mancebo pedreiro trabalhando, que parecia homem tra hum
valente,omandou chamar, & fhe diſſe ſe conhecia aquelle dito Clerigo, Clerigo
& dizendo elle que ſi, lheencarregou go mataffe, & que trabalhaſſe por ſe abſolvi
ſalvar, que ſenão deixafle prender. O mancebo vendo o Clerigo ein hu do pelo
ma prociſſað o matou , & não ſe podendo acolher,foi preſo, & elRey má. Eccleſi
dou, que ſenão deſpachaſſe feu feito, ſenão perante elle. É á mulher do aſtico
inorto mandou, que deffe de comer ao preſo. E que para iſſo pediffe di- porhum
nheiro ao ſeu eſmoler.Vindo o proceſſo afer concluſo,os patentes do Cle- dio .
rigo, que accuſavão,importunavão a elRey por deſpacho. ElRey mandou
vir o feito perante li, & juntosos Deſembargadores, foi lido de verbo a
verbo
'CHRONICA
verbo, não conſtando per elle do homem ,que oClerigo matára. Elrey
fazendo que o ignorava, perguntou ſe aquelle Clerigo era brigoſo, ou le
rinha feito algum deli& o,per onde ſe pudeſſe preſumir fira morte: porque
não podia crer, que aquelle homem o mataſſe fem alguma cauſa. Os de
ſembargadores reſponderão,que avia dias, que aquelle Clerigo matàra
bum homem ,de que jaera livre.Então perguntou elRey,que pena lhe for
ra dada por aquelle homicidio,& dizendolhe,que pelo Ecclefiaftico fora
condenado, que não diſeffemais Miſſa,nem uſaſſede ſuas Ordens, elRey
mandou ,que ſe pozeſſe perſentença: Que viſto como ao dito Clerigo por
matar a hum ſecular, lhe não fora dada mais pena no Juizo Eccleſiaſtico
que privalo do officio de Sacerdote, condenava no ſeu juizo fecular a
quelle Reo,que fobpena de morte, não uſaſſe mais do officio de pedreiro,
& que logo fofle ſolto. Depois o mandou elRey chamar, & o cazou
com aquella viuva, & lhe fezmerceper onde viveſſe ſem uſar do officio
de pedreiro .
Tambem ſeaffirma que em Santarem avia hum homem honrado, & vi
co, que como elRey ahi eſtava ſempre o fervia com frutas de ſuas herdades,
por as ter boas , & via muitas vezes a elRey mui familiarmente, como hum
amigo ve aoutro. Sendo elRey fora de Santarem muito tempo, & tor
nando depois,como eſte ſeu familiar o não viſitava, cuidou que era mor
to, & perguntando por elle, lhe diſſerão, que vivo era,mas que avia mui
tos dias,que não fahia fora de caza de anojado, por hũa cutillada pelo
roſtro ,que lhe dera ſeu proprio filho, & quepor iſſo nãoiria ver ſua Al
teza.ElRey peſaroſo do cazo , & maravilhado, mandou dizer àquelle ho
mem, que o foſſe ver. E indo elRey lhe perguntou por ſeu deſaſtre,&
elle lho contou com muitas lagrimas, attribuindo tudo a ſeus peccados.
ElRey o conſolou commuitas palavras,& lhe diſſe, que lhe mandaſſe la
ſua mulher, que a queria ver. A mulher acompanhada daquelle feu filho
foi ao paço, & eRey a recebeo cortesmente, & a apartou a huma cama
ra,& apertou muito com ella, que lhe deſcobriſſe,cujo era aquelle filho,
porque não podia crer,que foſſe de ſeu marido,que ſe o fora,não levanta
ra mão para elle.A mulher vendoſe apertada deſcobrio a elRey,que hum
certo Religiofo forçoſamente dormira com ella,& a emprenhara daquel
le filho. O queella calàra por ſua honra, & de ſeu marido. ElRey deſpe
dindo a eſta mulher, mandou a hum Corregedor, foſſe apoz ella, & que
como aquelle mancebo a pozeſſe em caza, o prendeflem . Ao outro dia di
zem ,que foi elRey ao moſteiro,onde o frade eſtava,a ouvir Milfa. A qual
acabada perguntou por elle, & o fez vir ante fi, & o mandou metter en
hum cortiço ,quepara iſſoſe buſcou, &o mandou ferrar pelo meyo. E 298
que lhe eſtranhaváo tal feito, por aquelle homem ſer Religioſo, reſpon
deo, que elle não mandava ſerrar o Frade, ſenão o cortiço. E ao man
cebo,porque ferio, quem cuidava, queera ſeu pay, o degradou para to
do ſem
DELREY DOM PEDRO. 154
do ſempre.
E a hum homem ſeu criado muito manhoſo, a que era affeiçoado, por
vir ſaber,que dormia com a mulher do feu Corregedor da Corte, ſem o
ziinguem accuſar,o mandou vir ante ſi, & cortarlhe eerce aquella parte do
corpo, perque era homem .
E fendo eRey homem ,que converſava mulheres, & que per fer Rey
neceffariamente as avia de aver por terceiros , era tam pouco juſtificado
nas culpas alheyas, quea huma mulher, que alcovicou outra para o Almi
rante Lançarote Peffano , mandoua queimar , & ao Almirante manda
va degolar , fe lhe não fugira. E poſto que todos os do Conſelho del
Rey terçàrão por elle , & a Senhoria de Genova lhe eſcreveo ſobre iſſo
huma carta de muitos rogos, pedindollie a vida do Almirante de merce,
não lhe quiz perdoar, ſenão per grande diſtancia de tempo, em que an
dou abſente.
Na comarca de entre Douro , & Minho , dizem que avia huin fidal
go ſenhor de vaſſallos, & ſabendo quehum lavrador ſeu ſudito tinha duas
ou tres taças de prata, lhas pedio empreſtadas para luma feſta. A qual a
cabada, porqueo fidalgo lhas não tornava , o lavrador lhas pedio humil
mente. E vendoſe elle importunado do lavrador, o mandou eſpancar, &
lhe diſſe muitas injurias . O lavrador ſe foi a elRey, & ſe queixou da
quella femrazão.EiRey lhe mandou, que ſenão folle da Corte, & que co
meffe, & folgafle,que ſeu eſmoler lhe daria o neceffario. E logo eſcreveo
ao fidalgo, queſobpena de caſo mayor dentro de hum breve termo, fofle
em ſua Corte.O fidalgo veyo,& querendo beijar a mão a elRey, elle lha
não deu ,de que ficou aſfaz triſte, & com temor de algum afpero caſtigo.
Outro dia commetendo outra vez a lhe beijar a mão,eley fez outro tan
to . Finalmente aſſim o trouxe desfavorecido hum anno,ſem o querer ver.
Acabado o anno,lhe diſſe que foſſe ao efioler, que elle lhe diria o para
que era chamado,Indo a caza do eſinoler, elle lhe diſſe, que era neceflario
para ſeu final deſpacho,mādar vir alli ſua prata, queo avia aſſim elRey por
bem :a qual logo mandou vir. E fendo juntos o fidalgo, & o lavrador em
caza do eſinoler,perguntou ao lavrador, quanta era ſua prata , & por cada
hum marco lhe mandou dar nove,que era a pena,que antigamente ſe dava
aos ladroes,que pagavão anoveado,o que furtavão E alli The mandou dar .
o que o lavrador comeo aquelle anno, andando na Corte. E tomando o
eſmoler ao lavrador pela mão,o entregou ao fidalgo dizendo, que elRey
lho avia por entregue , & o deſſe vino, & faõ, cada vez , que lho el
le pediſſe. E volvendoſe para o lavrador lhe diffe , que elRey jurava
pelosoſſos de ſeu pay,que ſe lhe daquelle dinheiro tornava alguma couſa
ao fidalgo, que o avia de mandar enforcar.E alli caſtigou ao fidalgo pelos
termos, que elle vexou ao lavrador.
E a hum homem honrado, que morava em Avis, ſobrinho de Joam
Lourens
CHRONICA
Lourenço de Bubal do ſeu Conſelho, & Alcaide môr de Lis boa grande
ſeu privado, porque a hum porteiro, que o hia penhorar, deu huna pu
nhada, & lhe depenou as barbas, de que o porteiro ſe veyo queixar a ela
Pey ,eſtando em Abrantes,deue Rey hum grito ,dizendo para o Correge
dor, que ahi eſtava : Acodime Corregedor, que me deráo húa punhada,
& me depenàrão as barbas.E mandou que lho trouxeſſem â preſſa, & o
tiraffem da Igreja ,& trazido a Abrantes, o mandou degollar.Outras mui
tas ſentençasdeu deſta qualidade contra as regras de direito, paſſando a:
penas por as culpas, & moſtrando mais goſto em punir, que ſentimento
por fe peccar. Mas como nos tempos antigos os grandes, & nobres do
Reyno erão mais foltos que agora,poras guerras em que os Reys de Heſpa
nha andavão,que erão continuas,& perque hūs dos outros ſe temião para
o que os Reysos favorecião os nobres, os pequenos muitas vezes pade
ciao as femrazoés dos grandes. Peloque comoelRey Dom Pedro lhes não
perdoava, & era delles mui temido ,ficava do povo amado,& daväolhe no
me de juſticeiro
Alein deſtes caſtigos que elRey dava, fez algumas leys riguroſas,& far
Leys ri- guinolentas, mas quedo pouo forão bem tomadas, Mandou que todo Jul
guroſas gador, que tomalle peita de algumadaspartes morreffe por ello, & per
delRey deſſe osbens para a Coroa. Eſtaley fez,porque achou que hum ſeu De
D.Pedro ſembargador,de que muito confiava,tomou peita de huma daspartes ,pc
ſto que era da que tinha juſtiça :por o qual o privou do officio,& que nun.
ca mais ouveſſe outro, & o degradou forada Corte dez legoas para fem
pre. Mandou aos Julgadores, que deſpachaſſem os feitos brevemente,fob
Deten
pena de os caftigar nas peſſoas, & nas fazendas. Sendo informado, que
avia avogados , que dilatavão os feitos, & fazião por ambas as partes,&
deo ou davão occaſião a
não que malicioſas demandas , mandou , queem ſeu Reyno os nio
veſſe em ouvefle, & aſſim ſe uſou em todo o tempo de ſeu reynado . Aos lavià
ſcu Rei- dores, que não empalheiraſlem toda ſua palha, poz pena pela primeira
no avo- vez ,de açoutes,& cortamento de orelhas, & pela ſegunda os mandava en
gados. forcar. Aos barregueiros cazados , que cahião em culpa terceira vez,
mandava açoutar com as mancebas. A os requerentes da Corte mandava
deſpachar logo : & aos que ſendo deſpachados, ſe detinhão mais nella,
mandavaos açoutar, ſendo piaens, & ſendo de mayor condição, pagaváo
grandes penas de dinheiro . Alem deſtas leys fez outras utiles, que andao
infertasnasOrdenaçoés, de que faðeſtas. * Daviuva que caza antes do an
no, & dia. *Como o marido, & a mulher ſuccedem hum ao outro. * Das car
tas de ſegurança,que ſe dão aos malfeitores. * Dos tormentos, & em que
cazos ſerão dados aos fidalgos, & cavalleiros. * Que não mettão alguen a
tormento ſem appellação : & outras.
Fora deſta inclinação, & rigor que tinha ſobre as couſas da juſtiça, não
ſabemos que mandaffe matar peſſoa alguma , tirando Alvaro Gonçalvez,
& te
DEL-REY DOM PEDRO . 155
& Pero Coelho ,por o amor que a D. Inez tivera, & pela crueza que cötra
ella uſarão. Nem fua afpereza foi acompanhada de algúa eſpecie deavare
za,como pela mayor parte foe andar.Nem ſe vio,que em couſa algúa ye
xaile ſeu povo,ou lhe fizeſſeextorfoens.Maslembrandolhe hum ſeu priva. Rey D.
do, que ajuntaſſe algum dinheiro, para acreſcentar o theſouro, que lhe Pedro
ficâra de ſeu pay,& avos, como então coſtumavao, & tinham por hon- nunca
vexou o
ra, reſpondeo, que nam fazia pouco o Rey, que conſervando o que lhe povo có
deixarað , ſe fuftentava com as rendas do Reyno, fem fazer aggravo ao po- peitas.
vo,nem lhe tomar o feu.E era de fua condição rão liberal, & tanto goſto
levava em dar , que muytas vezes lhe ouvirão dizer, que o dia que o Rey
não dava,nað fe podia com razão chamar Rey . E querendo encarecer o
guſto que levava em dar,dizia aos ſeus que lhe afroxaſſem a cinta para le
Thie alargar o corpo, & poder eſtender a mão para dar, dando a entender,
que o Rey não avia de ſer da condição eſtreito. Mandava lavrar peças, &
joyas de ouro,& prata,para dar quando quizeſſe. Aos fidalgos, & morado
res de ſua caſa mandou accreſcentar as moradias, alem do que dos Reys
pallados tinhão elles, & feus avós. Foi grande galardoador dos ſerviços
que recebia. E não ſómente dos que a elle erão feitos, mas dos que a ſeu
pay fizerão,ſem diminuir couſa das que elle doou,ou concedeo.Nosban
quetes que davaaos fidalgos daſua Corte, quando andavão com elle pe
lo Reyno, que elle viſitava, & corria, como faz hum Corregedorem ſua
Comarca,eram eſplendidos,& em muyca abaſtança,ſendo muy continuos.
O meſmo era nas caças, & montarias,que elle frequentava, & a que era mui
inclinado,para o q tinha muitos caçadores , & moços de monte, & grande
côpia de cães,& aves de toda a ſorte.
Elte meſmo Rey, queno caſtigo era tão fora de medida riguroſo, & af Roy D
pero ,era tão facil dacondição,& apprazivel,que entre os homens graves, Pedro a
perdia muito deſua authoridade,& reputação. Leſe delle queera tam in- migo de
clinado a bailar, que publicamente, & pelas ruas o fazia, como os outros danças,
& teftas.
follicēs,o que tambem nelle parecia vea,como tinha por deleitação açou
tar por ſua imão aos malfeitores. Peloque muitas vezes mandava fazer dan
ças & feſtas,em que elle de dia ,& de noite andava dançando. As danças e
rão ao ſom de húas trombetas longas de prata, que elle para iſſo tinha, &
de que muyto goſtava. E poſto que lhetrouxeſſem outros inſtrumentos,
não os queria ouvir.E quando elle vinha à Cidade, ao coſtume de entain
fahiao- o a receber os Cidadãos, & o povo com danças, & feſtas.E elRey
fahia do batel,& meriaſe nas danças com elles, & affim hia ao paço.E húa
noite não podendo dormir,mandou vir os ſeus tronbeteiros, & fazendo
accender tochas,tahio pela cidade metendoſe na dança com outros, acor
dando a gente. E depois de gaſtar grande parte da noite, tornouſe ao paço
dançando com os meſmos, & pedio vinho & frutta, que era a collaçam
cos antigos,ainda que Reys,antes que a delicioſaambiçam dos açucares,
Dd & con
CHRONICA
& confervas ſe vieſſem introduzir com as terras novamente achadas. E alls
hião parar em dançar & bailar,todas as feſtas que fazia ,como húa mui grå
deg fez quando criou Conde,& armou Cavalleiro a D João Afonſo Tel
lo, quefoia mayor que naquelles tempos ſe fez em femelhante acto. Para a
qual mandou lavrar grande ſomma de arrobas de cera , de que ſe fizera.n
cinco mil tochas,& cirios. E para os terem nas mãos a noite que o Conde
velava as armas,mandou vir do termo de Lisboa cinco mil homens.E qui
do veyoo tempo em que ſe avião de velar,ordenou, que deſdo Moſteiro de
S. Domingos de Lisboa,ondeſe aquelle acto fezaté os paços da Alcaçe
va eſtiveſſem quedos em ordem aquelles homens todos cada hum com fel
cirio ou tocha aceſos, que davam grande lume. ElRey com muytos fidal
gos, & cavalleiros,que tambem bailavão, porque elRey o fazia, andavain
por entre elles dançando , & feſtejando, & allim deſpenderam grande
parte da noite . No ſeguinte dia eſtiveram muytas, & grandes tendas ar
madas no Rocio, onde avia grandes montesde pão cozido, & muytas ti
nas cheyas de vinho, & valos preſtes para todos beberem . E fora eſtavão
muytas vaccas inteiras, que ſe aſſavam em eſpetos, & affim eſteve aque!
le publico banquete a quantos querião em todo o tempo da feſta, em que
forão armados outros muytos cavalleiros. Eſtas tam deſvairadas maneiras
& coſtumes delRey Dom Pedro fe contàram , porque raramente ſe acha
Thcfou . riam em hum meſmo homem, & muyto menos ſendo Rey. Das feiçoć
rocl de ſua peſſoa nam ſabemos mais, ſenam que era muy gago. Com toda
Rey D. fua liberalidade governavaſe de maneira, que fem vexaçam algúa que a
Pedro a- ſeu povo deſſe, ou peitas que deitafle,acquirio muyto dinheiro, com que
juntou
ſem ve
accreſcentou os theſourosde ſeus paſſados, & os deixou a clRey D5 Fer
nando ſeu filho. O que os antigos tinhaó por couſa tam honroſa , que
do povo quando ſe fazia publico pranto por morte de algum Rey deſtesReyno ,
& lhe recontavam feus louvores, & como os mantevėra em juſtiça, ci
ziam que puzeram na torre de ſeu theſouro tantos marcos de ouro , &
tantos deprata: & com razao , porque a pobreza do Rey hea vexaçzua
do povo. Em ſeu tempo mandou lavrar muyta ſomma de moeda deou.
1
ro, & prata . As dobras erão de ouro de 24 quilates, das quaes cincoer.cz
fazião hum marco . E outras meyas dobras, quetinhão ametade . As mo.
edas de prata erão Torneſes,dosquaes 65 fazião humi marco, & outros ineo
yos Torneſes.
No anno de 1360.determinandoſe elRey de Aragam , & fazendoſe pre
ſtes para fazer guerra a elRey Dom Pedro de Caſtella dentro em ſeu Rey
no, & tendo ſuas gentes a ponto com as quaes eſtava acordado , que ens
traſle em Caſtella o Infante Dom Fernando como general, & com elle D.
Bernardo de Cabreira,mandou elRey D. Pedro de Portugal a C ,aragoça
dous fidalgos por Embaxadores, ſe chamavão Alvaro Vaſquez da Pedra
Alçada,& Gonçalo Anes de Beja. Os quaes por virtude da carta de cric?
Guir
DELREY DOM PEDRO, 156
que levavão, diferão à elRey de Aragão, que elRey de Portugal ſeu Sex
nhor folgaria de ſer terceiro, & tratarpaz entre elle,& elRey de Caſtella
ſeu ſobrinho , & pedirão a elRey quizeſſe dar lugar a iffo.Mas elRey reſpo
deo a eſta embaxada,com ſentimento,& queixumes delRey de Portugal,
dizendo, que bem ſabião elles queſendo elle parente,& amigo delRey de
Portugal, & eſtando em paz com elle, feni o ter deſafiado, ſe avia confede .
rado, & junto com elRey de Caſtella, para lhe fazerem guerra nas coſtas
de feus Reynos. O que não ſe ſohia coſtumar entre Reys, mórmente os
que tinhão asrazoens de langue, & liança,queentreelles avia. E que ens
tendeſſe elRey de Portugal , que elle não podia dar lugar ao tratoda paz,
. ſem vontade, & conſentiinento do Infante Dom Fernando ſeu irmão, &
do Conde Dom Henrique de Traſtamara. E queo Conde eſtava ja na
fronteira, & tinha aſſentado, que o Infante entraſſe no Reyno de Caſtella
poderoſamente, para fazer guerra a feu inimigo, & que com elle avia de
ir D. Bernardo de Cabreira.E que poſto, que per meyo delRey de Portu
gal,não divera dar lugar , que fe moveſſealgúa pratica de concordia, po
rem por o parenteſco de ſangue, & amizade antiga,queavia entre ſuas ca
zas,& por o amor, & benevolencia, que elRey Dom Afonſo de Portui
gal lhe teve,aquem avia tido en conta de pay, ſeria diffo contente, ten
do o reſpeito, que ſe devia ter ao Padre Sancto, que avia mandado o Care
deal de Bolonha por ſeu Legado, para tratar de paz. E guardada a hon
ra do Legado, ſe lhe pareceffe, quando o Infante Dom Fernando eſtiveſ
ſe en Caſtella, podia mandar ſeus Embayxadores, pois eſtaria là Dom
Bernardo de Cabreira. E que ſe o Infante, & o Conde de Tratamara o
ou velem por bem , ouvirião o que de ſua parte ſe moveria. E comillo ſe
defpedirão os Embayxadores,ainda que em ſecreto tratou de confederar
ſe contra elRey de Caſtella.O qual ſeavia movido pelo Infante D. Fer
nando de Aragio. E por eſta cauſa,foidepois mandado ao Reynode Pore
tugal Pedro de Boil Baile, Geral do Reyno de Valença, para aſſentarem ANNO
liga, & confederação entre elles.
Vindo o anno de 1361. & avendoja quatro annos,que elRey D.Pen1361 .
dro reinava,não ſe elquecendo do amor de Dona Inez de Caſtro, & da
morte,que por amor delle paffara,tendo determinado de a publicar por Reyn.
ſua mulher, & eſtandona villa de Cantanhede, & com elle preſente Dom Podro
· Joam Afonſo Conde de Barcellos, ſeu Mordomo môr, & Vaſco Martiju D. dcclaraģ
Inez
de Souſa ſeu Chanceller ,Meſtre João das Leys,& João Eſtevez ,ſeus priva de Car
dos,Martim Vaſquez Senhor de Goes,GöçaloMendez de Vaſcocellos,loão tro fora
Mendez de Vaſconcellos,feu irmão,Alvaro Pereira,Gonçalo Pereira, Di- fia leg:
ogo Gomez,Vaſco Gomez de Abreu ,&outros muitos fez elRey vir hum timaiu
Taballiko, & perante todos jurou aos SátosEvägelhos,q corporalměte to - lher.
cou, queaveria ſeis ,ou ſete annos ,que eſtando elle em Bragança ,não ſe a
cordava o dia ,nem omez , recebera por ſua mulher legitima per palavras
Dd 2 de pre
CHRONICA
de preſente a Dona Inez de Caftro filha de D. Pedro Fernandez de Cala
tro ,ſegundomandamento da fanta Madre Igreja, & Dona Inez recebera a
elle por marido ,por ſemelhantes palavras. E que depois do dito recchi
mento,a tivera ſempre por ſuamulher,até o tempo de ſua morte,vivendo
ambosjuntamentecomo marido,& mulher, &7 por quanto aquelle rece
bimento então não fora.publicado em vida delRey D.Afonfo ſeu pay,por
temor que delle tinha porcazar contra ſua vontade, q elle agora pordela
cargo de ſua conſciencia, & poro dito cazamento não vir em duvida,aosg
delle não ſabião,ou o não crião,queelle dava de fy fé, & teſtemunho, que
allim pafara de feito,como lhes dizia.E mandou aquelle Taballião q dina
deſſe inſtrumentos,a quaclquer peſſoas,õlhos requereſlem .
Inquiri Sendo paſlados tresdias depois deſta declaração,queelRey Fez,chega
ção q ſe rão a Coimbra o Conde de Bracellos,Vaſco Martinz deSouſa, Meſtre A
tirou do fonſo das Leys, & na caſa dos eſtudos,onde entam ſe liaš os Canones, pe
cafamé- rante hum Taballião, vierai Dom Gil Biſpo da Guarda, Eſtevão Loba
to del
Rey D. to guarda roupa del-Rey: os quaes forão perguntados por juramento
Pedro por ſerem referidos por elRey.E o Biſpo depoz, que andando elle com els
com D. Rey,ſendo ainda ſeu pay vivo, & ſendo elle teſtemunha Deam da Guara
Inez de da, & eſtando na Cidade de Bragança,o dito Senhor o mandára chamar
Caſtro .
a ſua camara,ſendo D.Inez de Caliro preſente,& ý lhediſſera, que aque
ria receber por ſua inulher. E quelogo ſemmais detença o Infante puze
ra as mãos ein as ſuas mãos delle Biſpo , & iſſo meſmo a dita D. Inez, & que
os recebera ambos por palavras de preſente, como manda a Santa Madre
Igreja.E que depois viveraõ como cazados.E q iſtopodia aver fete annos
pouco mais ou menos. Mas q ſe nam lembrava do dia, nem do mez, em
fora. Eſtevão Lobato, diſſe q lendo elRey Infante, & eſtando em Bragan
ça , o mādàra chamar a ſua camara, & lhe differa, que era para ſer teſtemu
nha de ſeu cazamento com Dona Inez de Caſtro, que preſente eſtava.F
que o Deão da Guarda, que ahi eſtava, tomara ao Infante por hứa mão, &
a D.Inez por outra, & que os recebera a ambos por aquellas palavras,que
ſe coſtuma dizer, ſegundo ordem da Santa Igreja deRoma. E que ifto
fora em hum primeiro dia deJaneiro , podia averſeis annos, pouco mais
ou menos. E que depois daquelle recebimento , vira o Infante viver
com a dita Dona Inez , como marido,& mulher.
Notifi Tanto que aquellas teſtemunhas forão perguntadas,logo ſe ajuntaram
cação fei D.Lourenço Bilpo de Lisboa,D.Afonſo Biſpo do Porto , Dom João Bil
ta ao po- pode Viſeu ,Dom Afonſo Priorde Santa Cruz, & os fidalgos atraz nome
vo
famdoca
éto ados,com muytos outros, & o Vigario , & Clereſia da cidade,& muyto ou
tro povo,aſli eccleſiaſtico como ſecular,que para eſte auto alli ſe ajuntou.
de Rcy . E feito ſilencio ,começou a dizer o Conde Dom Joao Afonfo: Que lhes
com D.
Inez. fazia ſaber,que elRey Dom Pedro ſendo Infante, avia ſete annos, na Ci
dade de Bragança,ſendo clRey D. Afonſo ſeu pay vivo, recebera muporlhfuz
er
DEL REY DOM PEDRO. 157
mulher legitima,per palavras de preſente,a Dona Inez de Caſtro filha de
D. Pero Fernandez de Caſtro, & ella recebera a elle.E depois de recebi.
da, a tivera por ſua mulher,fazendo com ella vida marital,atè o tempo de
ſua morte. E porque o tal cazamento não fora publicado por medo, queo
Infante tinhade feu pay,porcazar ſem ſeu conſentimento,agora por def
cargo de ſua conſciencia, por não vir em duvida,elRey jurara aos Sandos
Evangelhos, que a dita Dona Inez fora ſua mulher, & que diſſo ſe fizera
hum publico inſtrumento per Gonçalo Pirez Taballião , ğ ahi eſtava pre
ſente, & que tambem ahi erão preſentes o Biſpo da Guarda, & Eſtevão
Lobato, que forão teſtemunhas do cazamento. E logo o Conde fez, que
E o Taballião lefle o inſtrumento, & teſtemunhas. E lido o Conde proſe
guio feu razoamento, dizendo ,que porque a vontade delReyera, que as
quelle cazamento não foſſe maisencuberto,masvieſſe à noticia de todos,
Ú. para mais não aver duvidas, que ſobre elle podião recreſcer, lhe mandara
a elle Conde,que a todos o notificaſſe. E para que não diffeſſe alguem , que
ainda , que o cazamento ſe fizeſſe nãobaſtava, pois ſenão ouve diſpen
{ação do Sancto Padre,por Dona Inez ſer ſobrinha delRey, filha de feu
primo com irmão , lhe mandava elRey, que os certificaſſe detudo, & lhes
moſtraſſe a Bulla, queſendo Infante ouvera do Papa Joan XXII. per que
diſpenſoucoin elle,para poder cazarcom qualquermulher,poſto que che
gada lhe foſſe em parenteſco ,tanto, & mais como Dona Inez era a elle.
È logo o Conde ahi fez ler a Bulla propria,& lida diſſe,que elle para per
petua memoria daquelle negocio, & em nome dos Infantes Dom Joam ,
Dom Diniz,& Dona Beatriz filhos delRey Dom Pedro , & de Dona Inez
de Caſtro,pedia para cada hum ſeu inſtrumento, & quantos lhe comprif
ſem. Os que aquellas razoens ouvirão derão varios juizos, ſegundo o en
tendião. A hús pareceo que ſeria verdade,o que elRey mandava notificar.
A outros ſegundo os pareceres dos homés faó differentes parecia fingido,
& que nunca elRey recebera a Dona Inez. Porque ſe o fizera, & o enco
biira, por medo, ou reverencia de ſeu pay,tanto que morreo, ouvera de
deſcobrir o que agora fez, pois ninguem lho impedia. Faziafelhes tam
bem duro crer,que húa couſa tão notavel,como he cazar hum homem her
deiro de dous Reynos, & a furto de ſeu pay,& contra vontade de todos
ſeus vallallos, não ſe lembraſſe o dia, em que cazou, ſendo tain aſfinalas
do dia o primeiro de Janeiro,ſe entam foy,como dizia huma das teſtemu
nhas. A outros parecia, que ſe fingido fora, & as teſtemunhas foram fals
fas, que todos vierão concordes no dia, & tempo, que elRey quizera.
1
Feita eſta notificação, como elRey Dom Pedro honrou o nome de D.
Inez , com a publicar por mulher, aſſim lhe quiz honrar ſua memoria ,
pois lheja outro beneficio não podia fazer.E porque elle ſe avia de ſepul
tar no moſteiro de Alcobaça , mandou nelle fazer huma rica ſepultura
de marmore branco, com o vulto de Dona Inez enlevado com ſua coroa
. ,.
Dd3 na ca
CHRONICA
na cabeça como Rainha. E de Santa Clara de Coimbra onde jazia, mali
dou o maishonradamente, que pode ſer.O.corpo de D.Inez de Caſtro via
nha em búas andas cubertas dehum pano de ouro ,muy bem guarnecidas,
& acompanhada de muytos Grandes, & fidalgos, & de Donas,& Donzel
Trasla las das mais nobres,& de muytos Prelados, & Clereſia. De Coimbra atè
Alcobaça,que faõ deſaſete legoas,eſtavam tantos mil homens .com cirios
docor- nas mãos,de hűa parte & outra do caininho,quetodasaquellas legoas foy
po de D. ſempre o corpo por entrecirios aceſos. Chegada ao Moſteiro, foi enter
Inez de rada com muyta ſolennidade . Junto da fepultura de Dona Inez ,man !
Caftro
Alcoba
a cou elRey fazer outra tal para li,para quando morrefie, o lançarem nella,
ça. & aſlim eſtam ambos juntos, & DonaInez em figura de Rainha:Dos qua:
es ambos deſcenderaõ muytos Reys, & Emperadores.
E porque avendo tantas differençasnos tempos paffados entre os Reys
de Portugal, & os de Caſtella, parecia aver mayor occaſiao neſtes dois
Reys,queentam reynavão em ambos os Reynos,porſua aſpereza, he ne
ceffario dizerem -ſe as coaſas, porque ouve tanta conformidade entre elles.
E a primeira, & principal cauſa foi a guerra que muyto tempo trouxe el
Rey de Caſtella com o de Aragão . A outra por a meſma razão de eRey
Dom Pedro de Caſtella ſer tam terrivel,que alem da amizade, que ſe gé
ra entre os homens ſemelhantes nas condiçoens,ou exercicios, como com
ſeus irmãos todos,& com ſeus parentes,teve tanto que fazer das portas a
dentro, & com ſuasmolheres que era húa guerra civil,& continua,de que
'fuccederað tantas tragedias,não tinha tempo para a guerra de fora. Alem
diſto por ter feitas pazes com Portugal . Porque tanto que elRey Dom
Pedro de Portugal começou reynar, mandou a elRey de Caſtella Ayres
Gomez da Sylva,& Gonçaleanes de Beja,& elRey de Caſtella mandou a
Portugal Fernão Lopez de Ehunhiga,para tratarem novas pazes,a fora as
que já pelos Reys paſſados eraõ feitas.
Depois deltas pazes dahi a annoseſtando elRey Dom Pedro em Evo 1
ra vierão a elle por menſageiros delRey de Caſtella Dom Samuel Levi
ſeu Thefoureiro môr,& Garſia Goterrez Telo Alguazil mòr de Sevilha,
& Gomez Fernandez de Soria,& tratárão entre os Reys ambos outras pa
zes, & novas lianças. E alem diffo affentàrão , que o Infante Dom Fer•
nandoprimogenito delRey de Portugal cazalle com a Infante Dona Be
atriz , filha mayor delRey Dom Pedro de Caſtella, & as Infantes Dona
Coſtança , & Dona Iſabel cazaffem com os Infantes Dom Joam , & D.Di
niz, & que foſſem amigos de amigos, & inimigos de inimigos, & que am
bós os Reys ajudaſſem hum ao outro per mar, & per terra, cada vez, que
requeridos fofiem . E que com elRey deAragão, nem com outro algun
Rey, ou Senhor,não fizeffe elRey de Portugal pazes, fem o fazer faber a
elRey de Caſtella . Item que para aquella guerra em que entam elRey
de Caſtella andava com elRey de Aragão, lhe deſſe ajuda. ElRey de Por;
tugal
DEL -REY DOM PEDRO, 158
tugal ſem embargo de ſeu pay,& avó terem feitos tratos de pazes muy
firmes com os Reys de Aragão, & ſabendo,que ſendo elRey Dom Afon
ſo de Caſtella feu genro, & fobrinho,nuncaajudou contra Aragão, elle
fuccedeo contra as pazes feitas, & parenteſco tam chegado. E defeito
per mar ajudou a elRey de Caſtella contra elRey de Aragam duas vezes
com ro galés pagas à ſua cuſta por tres meſes.
Depois que elkey Dom Pedro de Caſtella fez tantas cruezas , & ma
tou tantos irmãos, & grandes do Reyno, que o Conde Dom Henrique ſeu
irmão veyo de França com muitas gentes, & ſe chamou Rey de Caſtella,
paſſandoſe os mais do Reyno a elle reconhecendo-o por Senhor. Ven
doſe elRey Dom Pedro deſoccorido, como acontece aos quenão ganhão
amigos na proſperidade, que os não achão no tempo da tribulação, &
poſto em grande penſamento, mandou pedir ſoccorro a elRey de Portu
gal ſeu tio ,como amais chegado parente,& mais vizinho.E para o mais o
brigar,mandoulhe ſua filha a Infante Dona Beatriz com o dote que ao Ia• Rey Do
fante Dom Fernando ſeu filho tinha prometido, & que Dona Beatriz fi- de
Pedro
Car
caſſe herdeira de Caſtella, & de Lião. E ſendo ja partida a Infante de Se tella ma
vilha para Portugal,como elRey ſeu pay ſoube, que elRey Do Henrique daſua fi
vinhade Toledo, a Sevilha, em ſua buſca, acordou de mandar buſcar o lha Do
theſouro,que tinha no Caſtello de Almodouvar, & feż armar hũa galé em na Bca
triza
que pozo theſouro, que conſigo tinha em Sevilha, & a galé entregou a Portu
Martim Anes ſeu theſoureiromór, que entam era,& lhe mandou que com gal com
ella foſſe a Tavira Cidade do Reyno do Algarve, & que ahi o eſperáffe. ſeu the
Mandou tambem carregar muytas azemelas de feu thelouro , & conſigo fouro.
levava grande quantidade deouro, pedraria, &pèrolas,que feamente,&
violando o direito da hoſpitalidade,roubára a elRey Vermelho de Grana
da ,& a os ſe us tendoos em ſua caſa por hoſpedes,ondeo matou a elle cru
clmente , & a trinta & fete cavalleiros,que conſigo trazia, & aſſim levava
outro muyto ouro,que elle tinha junto,& a mais prata que pode levar.
Eſtando elRey Dom Pedro para ſe partir de Sevilha,teve novas, que os
da Cidade ſe alvoroçavao contra elle,& o queriaõ roubar. Peloque com
grande temor ,que ouve,& à preſſa partio para Portugal,levando conſigo
as Infantes D.Coſtança, & DonaIſabel fuas filhas. Alguns dizem que co
mo elRey Dom Pedro partio de Sevilha, que osmeſmos, a quem encarre
gára as azemélas do theſouro,vendo como elle hia fugindo do Reyno, fe
tornáraõ à cidade com ellas,& outros lhe fairão a roubar parte do que el Thelou,
le levava. E Meffer Gil Bocca negra Genovez ſeu Almirante, armou em ro del
Sevilha hūa galè,& certos navios,& tomou no Rio de Guadalquibir a galé Pedro
Rey Dó
que Martin Anes levava a Tavira, porque não partio logo, em que le a
cháram trinta & feis quintais de ouro , & muytas joyas, de que elRey Do roubado
Henrique depois ouve a mayor parte. ElRey D. Pedro parcio tam depreſs
la de ſeu Reyno,nam fazendo demora em algum lugar, queantes de a In
D d4 fante
CHRONICA
Infante Dona Beatriz chegar à Corte de Portugal,achou ainda no cami.
nho. De Serpa veyo a Coruche,por ſaber que elRey Dom Pedro de Por
tugal eſtavaem Santarem nos paçosda Vallada.E de Coruche lhe fez fao
ber,como vinha pedirlhe ajuda,& foccorro,quelhe delle muito compria,
& a effe & uar o cazamento de fua filha a Infante Dona Beatriz, com o In
fante Dom Fernando.
Rey D. Quando elRey Dom Pedro dePortugal foube da vinda delRey de Cai
Pedro ſtellaa ſeus Reynos,ficou mui enfadado , & deſcontente, & poſto em gran
deCaf- de confuſão ,não ſabendo, como ſe com elle ouvelle. Peloque lhe man
tella
doa vin. dou dizer, que não foſſe mais adiante, & que em Coruche eſtiviſſe até ver
Portu feu recado. E chamando a Conſelho os grandes, ſobre o recolhimento
gal não delRey deCaſtella, ouve differentes pareceres, como couſa em que por
he rece- huma, & outra parte avia muitas razoens, & em que ſe encontrava o util,
bido de com o honelto. Huns dizião,que o viſſe,& recolheſſe atè cobrar ſua ter
feu tio.
ra. Porque mal pareceria ,vir a ellehum ſeu ſobrinho, filho de ſua irmãa
deſocorrido, & com ſuas filhas mulheres , fugindo de ſeu inimigo, &
Opini não
oensdo o recolher, & muito mais lendo Rey, como elle, ſeu vizinho, & ami
Conſe-
lho de
go,& irmão em armas,per tantoscontractos,& lianças,& com o recente
Portu
concerto de cazamento de ſeus filhos, que ou pareceria deshumanidade,
gal ſe le
que entre Chriſtãos, & Principes não devia aver, ou pareceria medo do
recebe Rey,que com o Reyno ſe levantara. Outros que tinhão mais reſpeito ao
ria, ouutil,dizião que el Rey não podia recolhelo ſem grandes gaſtos, trabalhos,
nãoel. & dano univerlal doReyno todo. E o que peor era, que não avia eſpes
Rey D. rança,que o trabalho que ſe por elle tomaſle, teria bom fim . Porque ele
Pedro
de Car Rey Dom Henrique ſeu irmão tinha jа a ſua obediencia todo o Reyno,
tella ner
& que ſeu nome era de todos tambem quiſto, quanto o delRey Dom Pe
te Rey , dro era odioſo, a grandes, & pequenos, decujascruezas eſtaváo cícanda
no vin- lizados, que nem ouvirnomealo querião. E que era neceſſario grande po
doſe re- der a quem ouveſſede lançar de Caſtella a elRey Dom Henrique, eſtan
colhera
elle.
do em pacifica poſſe do Reyno poderoſo, & mai amado de todos. E que
não ſuccedendo bem a pertenſaõ delRey Dom Pedro,como eſtava certo;
ficava elRey de Portugal em grande odio, & guerra comelRey Dom Here
rique, & mettia ſeus Reynos em trabalho porcobrar os alheyos. E que re
cebendo a elRey Dom Pedro em ſua caſa,& em ſua terra, & não o ajudá
do,parecia couſá feya.E que ſe lhe fallaffe,não ſe poderia eſcuſar diſſo. Fi
nalmente quemenos feyo ſeria não o recolher,que recolhido deitalo fora,
ou não lhe valer. Peloqueſe acordou,que o mais faó conſelho era, que elas
Rey o náo viſſe,nem o Infante ſeu filho, & que buſcaffem algúas sazoen
còradas, para eſcuſar.
Eſtando elRey de Caſtella eſperando pela repoſta delRey ſeu tio,cui
dando ,que o mandaria apoſentar em Santarem ,mandou ao Conde Dom
Joam Tello, que foſſe aCoruche,& diffeſſe a elRey ſeu ſobrinho, quele el.
via
DELREY DOM PEDRO . 1592
le vira ſeu recado,& ſoubera a maneira de ſua vinda. Que elle o recebe
ta demuito boa vontade em ſeu Reyno, & o ajudara a cobrarſuas terras
como era razão: mas que por entamnão eſtavaem tempode o poder fas
zer, como compria. Porque daquellasvezes queo elle ajudou,affim per
mar,como perterra,osfidalgosde ſeu Reyno,vierão delle,& defuasgen
tes muy mal contentes,& eſcandalizados. E que em ſua companhia tra
zia alguns, com que os ſeus fidalgos tiverão brigas, & ficarão em odio.Pe
loqueneceſſariamente devia averentre elles grandes arroidos,o que a fer
viço de ambos não compria. Alem diſto , que bem ſabia como o Infante
Dom Fernando ſeu filho era ſobrinho de Dona Joanna, que entam entra
va em Caſtella porRainha,irmãade fuamáy aInfanteDonaCoſtança.E Indigna
que não acabaria com elle, que conſentiſſe em tal ajuda. Com eſtas ra- ção dela
zoens, & com outras eſcuſou o Condea elRey feu Senhor,quenaquelle Řeyde
tempo não podia ajudalo, nem velo. Deſta eſcuſa ouve elRey Dom Pe. Caſtella
dro grande deſgoſto. E comoo Condefefoipara a pouſada, ficou muy Reyde
triſte,& indignado, & com torvado ſemblante lançou per cima de hum Portugal
telhado das cazas, en que pouſava, certas moedas de ouro, que tinha na onão
mão. Hum fidalgo ſeu que iſto vio, lhe diſſe forindoſe, porque deicava querer
aquellas moedas ?Que melhor fora dalasa algum dos ſeus, a que apro recolher
yeitàram . ElRey lhe reſpondeo , que não curaffe diffo, que quem as as
gora ſemeava, as veria depois colher, dandoa entender , que ainda eſpea
rava vingarſe.
Entam ou ve elRey Dom Pedro de Caſtella feu acordo de fe hic a Al
buquerque, & deixar ahi as filhas, & todas ſuascargas. E chegando ao lu
gar, não o quiſerão nelle recolher, antes ſe lançàrão dentro alguns dos
que levava em ſua companhia. E vendo elle, como ſuas couſas hião para
peor,mandou dizer a elRey Dom Pedro ſeu tio,que pois outra ajuda lhe
nãoqueria dar, lhe mandaſſe ſalvoconducto,paraque pudeſſe paſſar per
ſeu Reyno. Iſto fazia elle, temendoſe do Infante Dom Fernando, como
fobrinho da mulher delRey Dom Henrique. Mandou entam elRey ao
Conde Dom Joam Afonſo, & a Alvaro Pirez de Caſtro, que ſe foſſem
com elRey Dom Pedro pelo Reyno, & o pozeffem em falvoem Galliza.
Elles ſe forãopara elRey , & começarão de hir com elle ſeu caminho . E
quando chegaráo á Guarda, contão alguns,que alli lhe differão , que ſe
queriáo tornar, & não ſe atrevião hir mais avante com elle, por ſe receae
sem do Infante D. Fernando, que os mandara ameaçar, por irem em ſua
companhia. E que elRey Dom Pedro, então lhes deu ſeis mil dobras,&
certas peças, porque foſſem com elle até Gilliza. O que ſe aſſim foi era
fingido. Porque o Infante não tinha razão de lhe tal vedar: porque com
ſeu parecerſeaffentou, que o acompanhaffem até fora do Reyno. E di
zern , que com elRey chegarão ſomente atè Lamego, & mais não.E á par .
tida lhe furtou o Condede Barcellos huma filha deRey Dom Henrique
de ida
3 CHRONICA
de idade de 14 antos,que elReyDom Pedro levava preſa, que'chama?
vão Dona Lianor dos Lioens . A cauza deſte nome foi, porque el-Picy
Dom Pedro por deſgoſto, que tinha de ſeu pay della, ſendo eſta moč
Ziaſcida dc poucos mezes, amandou tomar a ſua ama , & com grande
crueldade deitar deſpida em camiſa ahuns Lioens esfaimados, no mef
mo curral em que andavão. Mas os Lioens, que para aquella menina
foram inenos feros, que aquelle fero tio, vieramſe à moça, & fem lhe fa
zer algum mal , della ſenão apartáram , como ſe dellaouverão pieda
de. Sendo iſto dito a elRey, a mandou ti rar, & entregar aos que a cria.
váo, & pozſe em tal guarda, que nunca mais ſeu pay a pode aver. O
Conde aptrouxe a elRey, & depois foy entregue a el-Rey Dom Henris
que feu ay.
ElRey Dom Pedro ſó, & delemparado, & fem guia, por o Conde
de Barcellos o deixar, partio de Lamego não levando ja em ſua compa.
nhia, & de fuas filhas,mais que duz entos de cavallo. Serdo em Galliza
ouve conſelho de ſe hir para Inglaterra. Mas antesde paſſar o mar, em lu
gar de fazer a Deos propicio, mandou matar ao Arcebiſpo de Sanátiago
na meſma ſua Sé, & lhe tomou (cu theſouro . E tambem matou ao Deão
Queixa da meſma Sè homem prudente , & muito letrado. DelRey de Portugal
mes del- feu tio hia muito ſentido ,& eſcandalizado ,poro máo gaſalhado, que as
Rey D.
Pepro chou nelle,vindo a ſeu Reyno ,eſperando elle o cótrario.E a todos ſe quei
de Caf- xava , & muito mais ao Principe deGales,dizendo quemais o ſentira pela
tellacó- pouca honra que fez a ſuas filhas.E com iſto ſoltava palavras de hoinen ,
tra clRci que deſejava vingarſe.
de Portu
gal ſcu Sendo elRey de Portugal certo dos queixumes, queelRey feu fobri
tio . nho delle fazia, & que alguns podia perſuadir , & conhecendo tambem
ſua mà condição, determinou de fe mandar deſculpar, & juſtificar, ante o
Deſcul- Principe de Gales. Peloque mandou a Bayona de Inglaterra, onde entác
pas que
deu el elRey, & o Principe eſtavao,o Biſpo de Evora, & Gomez Lourenço da i

Rey D. Avellal. Os quaes ante o Principe diſlerão a elRey Dom Pedro, que a
Pedro elRey de Portugal ſeu Senhor fora dito,que elle ſe queixava do mão ga
dePor- falhado,quc achara em ſeu Reyno, recontando todos os queixumes del
tugal Rey.Eque elles erão allivindos para moſtrarem ,como el-Rey era fem cul
ao Prin
cipe de pa. ElRey de Caſtella reſpondeo, que era verdade, que elle differa tudo
Gallez aquillo, & agora o tornava a dizer.E que ſe ſentia mui aggravado delRey
por não de Portugal, porque fendo ſeu tio irmão de ſua máy, não o hoſpedara,
recolher nemo vira, nem o conſolara, nem ainda o aconſelhara, & o que mais era,
aelRcy
D.Pedro
que nemver o quizera, vendo-o em tal fortuna. E que muito mais fena
dc Cara tira,não lhe querer agaſalhar ſuas filhas,queúzar de tanta deshumanidade,
tclla, como uzou, por ſerem mulheres, & tam deſoccorridas. Porque fe el-hey
ſeu tio as deixará eſtar em ſua terra, com o theſouro, que levavão, elle
ficara deſaliviado, & tornára a cobrar feu Reyno.Porque muitos vaſentlhearleio
1
DEL REY DOM PEDRO. бо
yantaram ,poro não verem prezente. Mas por o pejo que tinha das filhas,
que nað ſabia lugar onde as ſeguramente poder ter, as levava peregris
nando conſigo. Sobre iſto paffarao tantaspalavras entre elRey ,& osEm
baxadores, que elles pediram aoPrincipe por merce , perguntaſſe aelRey
fe àquelle tempo, em que elle eſcrevera a ſeu tio, queeraem ſeu Reyno,
* felbe fizera ſaber porſua carta, que lhe queria deixar ſuas filhas,& o the
ſouro que com ellas & conſigo traziało Principe lho perguntou,& elRey
reſpondeo,quenão fallara nada dasfilhas,nem do thelouro, que com ellas
trazia. A iſto diſſe o Principe,que elRey de Portugal não podia adevinhar
1. O que elle tinha em ſua mente. Entao récontàrão os Embaxadores as aju
das que elRey ſeu Senhor lhe mandara de ſeus fidalgos, & o mío tratame
to que elRey Dom Pedro,& os ſeus lhe fizerao. E quepor temor das dif
ferenças, & atroidos,que podião recreſcer, parecera melhor conſelho, que
ſe não villein . Principede Gales conhecendo a razão delRey de Portul ..
gal,o deu por deſculpado.
FlRey Dom Henrique como veyo a Sevilha eſcreveo a elRey Dě Pe Avéças
dro de Portugal, como queria aſſentar pazes com elle, & que para iſſo dos Reis
mandaffe ſeus Embayxadores ao eſtremo , & que elle mandaria outros. D.Pedro
3. Os de Caſtella foram Dom Joam Biſpo de Badajoz, & Dom Gomez de dePor
Toledo . ElRey de Portugal mandou Dom Joain Biſpo de Evora, & tugal, &
Dom Alvaro Gonçalvez Pereira Prior do Hoſpital. E juntos na Ribey- rique de
fa da Caya,traráram amizadeentre ambos Reys, & que elRey de Caſtella Camella,
Erabalharſe a todo ſeu poder, que elReyde Aragain foſſe amigo delRey
de Portugal , pela maneira que o foraó antes. E queelRey de Aragam
deixaſſe vir a Portugal, a Infante Dona Maria filha delReyDom Pedro,
que fora mulher do Infante Dom Fernando Marquez de Tortoſa com to
do o ſeu ,ou a deixaſſe la viver,qual ella mais quizeſſe . E aprovarão as a
venças,queem Agreda forão feitas entre clRey D. Fernando, & elRey
D.Diniz ſeus avós.
Vindo o anno de 1366. fendo andados vinte dous dias do mez de Ou ANNO
tubro tres mezes antes do fallecimento delRey Dom Pedro , fe fez no Ceo
movimeonto de eſtrellas,qualraosnçho
a
mens não viráo,bem ouvirão . Peloque. 366 .
he dign de ſe pôr em lemb i, e ſde
. E fo qu de a me noiya te porrdi Elpáro
ante, correrio todas as eſtrellas do Leváte para o Poéte, & acabado de ſerë cos finais
juntas começarão a corer hűas para húa parte, & outras para outra . E de- & ollue
pois deſcerão do ceo tantas & tão eſpeſas,que tanto que forão bazas no ar, 10
watcCeo
s da
parecião grandes fogueiras, & que o ceo & o ar ardião,& que a meſma ter moite
sa queria arder.O ceo parecia partido em muitas partes, alli onde eſtrel deRey
las não eſtavão.E iſto durou por muyto eſpaço.Osque iſto vião,ouveram D.Pedro
cão grande medo & pavor que eſtavão como attonitos,& cuidavão todos
de fer mortos, & que era vinda a fim do mundo.
Eſtando elReyDom Pedro em Eſtremoz veyo a adoecer de lua ulcima
doen
CHRONICA
Morte doença, & lembrandoſe que depois da morte de Pero Coelho, & Alvaro
delRey Gonçalvez elle fora certo, que Diogo Lopez Pacheco não fora culpado
D.Pedro na morte de Dona Inez de Caſtro ,lhe perdoou todo o deſgoſto,qae delle
tinha,& mandou que lhe foſſem entregues todos feus bens, & affim o fer
feu filho elRey Dom Fernando,& alçou a ſentença que elRey ſeu pay ci
tra elle dera. E como elRey entendeo que morria, fez ſeu folenne teſtaa
mento em que mandou fazer mựitas obras pias, & entre ellas ordenou les
Cappellaés,quecadadia lhe cantaſſem hấaMiſſa até o fim do mundo,para
o que elRey D. Fernando ſeu filho, & berdeiro, fez doação ao Moficio
deAlcobaça do lugar de Paredes, junto da Cidade de Leiria,com todas as
rendas,& ſenhorio. E tendo feito todos os ados de Principe Catholico,
falleceo elRey D.l'edro hủa Segundafeira de madrugada 18 de Janeiro
do anno de 1 367. de idade de 47 annos,nove mezes , & oito dias ,ayendu
dez anpos, ſete mezes,& vinte dias que reynava.
Mandouſe logo levar a Alcobaça,& lançar em ſeu Moimento junto có
ANNO Dona Inez deCaſtro, E fem embargo de ſeusrigores, por não defpeitar
1367 feus vaſſallos, & ſer liberal, & apprazivel, & caftigaros grandes,que
naquelle tempo tinhão pouco freyo,por aver moitos Reys 1
em Heſpanha,em que achayão acolheita, dizião as 1

gentes do povo,que nað ouvera em Portugal


taes dez annos , como os que
elRey Dom Pedro
reynou,

CHRO
160

CHRONICA
DEL-RE Y DOM FERNANDO,
E dos Reys de Portugal o Nono.

Reformada pela Licenciado DVARTE NINES DO LIAM ,


Deſembargador da Caſa da Siupplicaçãão.

VCCEDEO elRey Dom Fernando a eiRey Dom Pedro feu


pay,no mais proſpero eſtado do Reyno, & de ſua peſſoa,
S que podia fer,ſe nelle ſe ſoubera conſervar. Porque a ida
de em que começou a reynar, era florecente de vinte fete
annos, & nelle concorrião todos os bens da fortuna,queſe
podiã o deſejar. Ostheſouros que ſeu pay lhe deixou,aſti
dos Reys paſſadescomoſeus, erão para aquelles tempos os mayores, que Rey Dá
nenhum Rey dos de Heſpanha deixou.Porque ſó tia Torre do Caltello de Fernan
Lisboa fe acharão per fua morte quantidade incrivel de moedas deſvaira- çdoou come
ſeu
das de ouro , & grande numero de quintaes de prata , que era riqueza in reinado
comparavel para então.afora outras muytas peças,& joyas de valor gran- proſpe
de. E affin ſeria nos Caſtellos de Santarem ,de Coimbra,& do Porto, pe- io, & ri
los quaes osReys tinhão divididosſeus theſouros. Com a paz que ouve quilliro
em todo o Reynado delRey Don Pedro cultivavaõſe as terras, & corrião
os tratos, & comercios,per que o Reynoeſtava muy rico.Mas como elRey
D. Fernando ſuccedeo,eſta tranquillidade & bonança durou pouco, & an
quellas grandes riquezas da Coroa, & do povo,ſeconſumirão nasguerras,
que elle quiz emprender ſem caula, & fem conſelho, com gentes de fora,
que ao Reyno vieram a ajudallo. Porque ſe entendeo, que nam heme
ros o danno, que os amigos fazem , quando vem ſoccorrer, do que fazem
os inimigos,que vem cercar,ou offender. A iſto ajudou tambem o caza
mento delRey,que adiante ſe verà, que como foi contra as leys divinas,
& humanas, & foi mais adulterio,quematrimonio, & a Rainha tinha tan
tos parentes,que quiz fazer grandes,como ſoe fer,quando os Reys cazam
com mulheresnaturaes,& de menoreſtado, o patrimonio Real ſe confu
mio, & fe começou a dividir. O começo dos trabalhos do Reyno , nafa
ceo da morte delRey Dom Pedro de Caſtella, que o Conde Dom Henri
que de Traſtamara ſeu irmão baſtardo, que com o Reyno ſe levantou,
matara por ſuas mãos em Montiel. Peloque, poſto que elRey Dom Pea
dio era por ſuas crueldades geralmente das gentes mal-quifto , & avor
recido, ou pela inconſtancia que ha nos homens, & variedade de enten
Ee diinen
CHRONICA
dimentos,ou por a avareza, & cobiça de honra, que no tempo das quer
ras achao mais em que ſe cevar,muytos que aquelle Rey não podião ver,
o determinarað vingar. E afaſtandoſe da parte del-Rey Dom Henrique,
ſe offerecerão a elRey Dom Fernando de Portugal , eſcrevendolhe, ſe os
quizeſſe aver por ſeus ſe chegarião a elle,& lhe darião ſuas Cidades, & vil
las,& o receberião por Senhor,
El-Rey Don Fernando,quede ſua condiçãoera inquieto, & cobiçoſo
de honra, & ſe achava mancebo, & profpero, foimay ledo com a offerta, &
aceitandoa, fe lhes offereceo agradecendolhe a vontade. Peloque lhes pro
metteo foccorro de gentes,& de ſua meſma peſſoa, quando foſſe neceſſa
rio. As Cidades & Villas per que foy requerido, & le lhe entregàran
foram , Zamora,Coria, Carmona, Cidade Rodrigo, Ledeſma, Alcantara,
Valença de Alcantara. No Reyno de Galiza as Cidades de Santiago, Tui,
Orenſe,Lugo, & as villas do Padrão,Rocha,Corunba, Salvaterra, Bayona,
Alhariz, Milmanda, Araujo, Riba de Avia . E aſſim como lhe dèram eſ:
Fidalgos tas Terras, aſſim ſe vieram logo para elle com ſuas gentes todos os fidal
de Cal gos,& cavalleiros, que eſtavão por elRey Dom Pedro, affim de Galliza,
tella quc como de Caſtella,afóra os que tomaraõvòz por Portugal. Dos quaes era
ſe vieráo hom ,Dom Afonſo Biſpo de Cidade Rodrigo,que deu a elRey Dom Fer
para el -nando os Caſtellos de Hinojoſa,& Lumbrules, o Conde Dom Fernando
Rey D.
Fernan de Caſtro, Dom Alvaro Pirez de Caſtro ſeu irmão baſtardo, Dom Melen
do. Soares Meſtre de Alcantara ,Fernádo Afonſo de Zamora, João Afonſo de
Baeça,João Afonſo deMoxica,João Afonſo de Zamora Soeyro Anes Je
Parada Adiantado de Galliza,Gonçalo Martinz de Caceres; Alvaro Men
des de Caceres, Afonſo Fernandez de Lacerda,João Peres da Novoa, Lo .
po Rodriguez de Aça, Fernando Rodrigues de Aça , irmãos , Aforro
Fernandes de Burgos, Mem Rodrigues de Seabra, Afonſo Lopes de Te
xeda, Afonſo Gomes Churrichão, Diogo Afonſo do Carvalhal, Gomes
Garſia de Foyos, Martin Garſia de Aljezira , Joam Fernandes Andeyran .

Pedro Afonſo Giron,Martim Lopez da Cidade, Afonſo Vaſquez de Va


monde,Afonſo Gomez de Lyra , Lopo Gomez de Lyra , Fernaő Cari
nha, & ſeus filhos, Diogo Afonſo de l'roamo,Fernað Goterres Tello, Dia
Sanchez Adiantado de Caçorla,Garſia Perez do Campo, Pero Dias Palos.
meque,Diogo Rodriguez de Gayofo, Fenand’Alvarez de Queiros, Gatlia
Prego de Monta5, Diogo Sanchez de Torres, Diogo Afonſo de Bola
nhos, Andre Fernandez de Vera , Alvaro Diaz Palaçuelo , Gonçalo
Fernandes de Valladares, Bernardo Aneś do Campo , Martim Chanor
so filho do Meſtre de Alcantara , Eſtes,& outros muytos vierão para el
Rey D. Fernando,dizendo:que affim como aquelles lugares ſe lhe dendur
aſin o farão os mais. E quemuy facil couſa lhe ſeria fer Rey de Cahul.
la, ou fazer Rey hum dos filhos delRey Dom Pedro,ſeusſobrinhos,q M ***
tim Lopes, que ſe chamava Meſtre de Calatrava tinha em Carmona. E
pad
DELREY DOM FERNANDO. 162
para o mais incitarem ,dizião-lhe,que ſeria feito notavel, & honrolo, vin
ar a morte delRey DomPedro ſeu primo.ElRey lhes reſpondeo, que de
Caſtella feria Rey quem Deos quizeſſe; mas que pela vingança da morte
de ſeu primo,elle trabalharia quanto pudeſſe.
Como elRey ſe determinou em proſeguir a empreſa, que ſe lhe offere
cia,por juſtificar o que fizeſſe contra elRey Dom Henrique, mandou fa
zer queixumes ao Papa,& a elRey de Inglaterra, & a ſeus filhos do dito
Dom Henrique,por matar a elRey D. Pedro ſeu irmão,& Senhor natural,
& levantarſelhe com o Reyno: ao que forão Dom Martim Gil Biſpo de
Evora, & o Almirante Meſſer Lançarote Peſſano. E nam querendoper
der a occaſiam , queſelhe offerecia, que a elle parecia a melhor, que ſer
podia, para ganhar honra , & accreſcentar ſeu eſtado , começouſe a ap
parelhar, ſemn cuydar o quepodia acontecer, & os contrarios, que niſlo
podia achar . E ſabendo, que elRey de Granada nam quizera aſſentar
pazes com elRey Dom Henrique, por aver ſido grande amigo del-Rey
Don Pedro, ſe acordou com elle, & fez pazes por cincoenta annos, fir
madas com juramento de ambos Reys. As condiçoens da paz erao queela
Rey de Granadanaő fizeſſe pazes, nem tregoas com elRey Dom Henri
que, & contra elle ajudaſſe a elRey Dom Fernando. E que as terras que
a elRey Dom Fernando vieſſem , foſſem ſeguras delRey de Granada, &
que as que tomaſſe elRey de Granada, foffem ſeguras delRey Dom Fer
nando. E que ſe gentes vieſſem do Reyno de Benamarim , ou de outras
partes, em ajuda delRey de Granada, elRey de Portugal , não foſſe obri
gado a lhe dar ſoldo algum . E que le em ajuda delRey D. Fernando vief
ſem Ingleſes,ou outras gentes,elRey de Granada da meſma maneira nam
foſſe obrigado a lhe pagar parte do ſoldo.
E como os Reys nas entradas dos Reynos novos ,a primeira couſa he ga. Doaçoes
nharem vontades à cuſta do feu, para elRey Dom Fernando ter firmes, & imméfas
conſtantes eſtes fidalgos Caſtelhanos, & Gallegos,quepara elle ſe vinhao, D.
delRcy
Ferná
para com ſeu exemplo attraher outros a ſeu ſerviço, & por de ſua condi do aos fi
çaõ ſer liberal , com larga mão deſpendeo com elles de ſeus theſouros, dalgos
& de ſuas terras & juriſdiçoens, que nam ouve algum a quem nam deſſe deCaſte
n uyto, em grande dano do patrimonio Real, & indignaçam de ſeus vaſ- la ofe.
fallos,que nam querião ſer ſujeytos, &reconliecer vallallagem a ſenhores guirão.
eſtrangeiros, como a Dom Fernando de Caſtro ,que fora Conde de Ca
ftro Xerez,cunhado delRey Dom Henrique , a quem deu a villa de Mi
randella ,& as terras de Aguiar, de Pena , de Serra dePeſo, de Sanguinhe
do,de Ferreiros ,de Convelinhos, de Bumaos , de Porto de Celleiros, de
Arcoas ,de Cerdes ,de Cativellez ,de Agoas Santas , do Caſtello da Comar
doa ,dos Codeſſais ,tudo de juro, & herdade. E a D. Alvaro Pirez de Car
tro irmão do meſmo Conde,deu as villas de Viana de Foz de Lima, & Can
minha de Riba de Minho , & as villas daCaſtanheira, Póvos Chelleyros,
Ee2 Cars
CHRONICA
Carvocira Aldea Gallega da Merceana em Riba Tejo, & Ferreira de A
ves, que tirou a Diogo Lopez Pacheco, por o deſervir, & lhe deu ma
is o Condado de Arrayolos, & o officio de Condeſtavel de Portugal.A
Fernand’Afonſo de Camora deu as Villas da Torre de Mem Corvo, Al
fandega, Sam Joam da Peſqueira , Cernancelhe, Cedavim, Freixo de
Nomão , a Horta, Villa Nova de Fazcoa, Val-Boy, & as Terras de Sani
Salvador de Monçam , de Neſpereira do Sul, de Queiroa, de Catam, de
Pena de Dono, dos lugares da Bempoſta, Penarroyas , Caitro Vicente,
Fonte Arcada, Armamar. A Mem Rodriguezde Seabra, fez doaçam da
Villa de Montalègre, da Feira de Santa Maria,daAldeya de Cabanho
es, & do julgado de Cainbra, & do Conſelho de Barqueiros,de juro para
ſempre. A Alvaro Mendez de Cacerez deu as Villasdas Sarzedas,dasMie
adas, da Povoa, & dos jułgados de Algodres, & Fornos, & do de Pen
Verde, A Afonſo Fernandez de Lacerda deu as Villas da Almendra, de
Sovereira Fermoſa, de Punhette, do Sardoal, da Gollegăa , da Batalha,&
Almicom . A Afonſo Gonçalvez de Val de Ràbanos, as terras de Casia,
& Val-Longo . A Joan Fernandez Andeiro,quandoVeyo para elle, as
Villas de Alvayazere & Rabaçal, & os dereitos da Charneca, & outras
couſas, & depois o fez Conde deOarem . A Joam Afonſo de Baeça, és
Villas de Alter do Chão, Villa Fermoſa, & Vimieiro . A Vaſco Pirez de
Canioens Geſtaço, as terras' & herdades, que a Infante Dona Beatriz
tinha em Eftremoz. A Pedro Afonſo Giron, a Villa de Meijão Frio, &
Caes, & Gondim . A Afonſo Pirez, Churruchão Pereira, Villa- nova de
Anços, & as Anhovergas. A Lopo Gomez de Lyra,as terras de Froião. A
Afonſo Lopez de Texeda de juro a terra de Penafiel de Souſa. A Lopo
Rodriguez de Aça a terra de Neiva entre Douro,& Minho. A Tello C.
çalvez de Aguillar a terra de Verinoim . A Sancho Rodriguez de Vilhe
gas as rendas dasVillas de Borba,& do Redondo. A Payo Rodriguez Ma
rinho a Villa de Ouguella de juro. A Sueiro Anes de Parada a Villa de
Vagos para ſempre. A Afonſo de Moxica a villa de Torres Vedras.E al
ſim deu a todos os mais fidalgos, & ſenhores,que o ſeguirão, outras terras,
& dadivas grandes de peças,& dinheiro , & tenças . E para os ter mais
ſeguros, & contentes, alem das muytas honras , & galalhado que lhes
fazia , rogava & mandava a ſeus valfallos, que com aquelles cavalleiros
eſtrangeiros uſaffem de muyta humanidade, & os honrallem muyto mais
que aos naturaes.
Entretanto,que ſe ElRey Dom Fernando fazia preſtes para a defen
fao das terras que lheentregavão:& para a conquiſta das outrasnos Key
nos deCaſtella,Lião,& Galliza,quejá tinhaa lua obediencia,uſava de to.
do poder & jurdição, como legitimo Rey dellas, & em muytos « aquel
les lugares mandou lavrar moeda dos cunhosde Portugal, & Caflella,
juntamēte co a inſcripção de ſeu nome,chamandoſe Rey de Caitell.n,& de
Por
DELPEY DOM FERNANDO, 763
Portugal,a qual corria naquellas partes, & em Portugal. E a muitas cida
des & villasdeu privilegios,que lhe pedião,eſpecialmente á cidade de São
tiago,& tenças,& graças a muitas peſſoas; & os bens dos que ſeguião ael
Rey Dom Henrique,dava aos que ſeguião a elle , como tambem elRcy
Dom Henrique fazia, que dava os bens dos que ſeguiao a parte delRey
Dom Fernando. E nað fómente diſpunha dos bens que tinhaó ' os Caſte
Thanos, dandoos a outros Caſtelhanos, mas a Portugueſes. E daqui viria,
chamarſe neſte Reyno Comendador mayor de Alcantara Ruy Vaz de Ca
Hello Branco fidalgo daquelle tempo,ou por lhe dar aquella Comenda el
Rey,que eſtava feito ſenhor de Alcantara,& de outros lugares da Ordem,
ou por lho dar o Meſtre Melem Soarez, que a elRey Dom Fernando de
Portugal ſeguia.
Para inais ſegurançade tamanha empreſa,como era querer elRey Dom
Fernando deſapofſar ElRey Dom Henrique dos Reynos de Caſtella, &
Lião, & ſeus ſenhorios, que tem contradiçam eſtava pofluindo, acordou có
os do ſeu Conſelho de pedir a elRey de Aragam a Infante Dona Lianoc
ſua filha por mulher , aquella que fora deſpoſada com o Infante Dom
Joam primogenito delRey Dom Henrique. l'orque com tal cazamento
teria de huma parte a clRey de Aragam, & da outra a elRey de Grana
da,com quem tinha feita liança , & amizade com os lugares de Caſtella,
que cadadia lhe vinham , per que acabaria mais facilınente ſua perten
çam . Peloque inandou a Aragam por ſeus menſageiros Balthazar de Ef
pinola, & Afonſo de Burgos, & Martim Garſia do ſeu Conſelho . A El
key Dom Pedro aprouve o cazamento, & mandou a Portugal por procu. Depo
clReybaſtante
rador Mollen
em Lisboa na Igreja de Sam
Joaode Ragut,parapor
VillaMartinho, fazer.
pouſar& nos
o tratar, E logo
paços dos
forios de
cRcy
Infantes , onde agora he o Limoeiro, recebeo por palavras de prelen. D. Fer
te a Infanta Dona Lianor . As condiçoens do dote forão, que cliey de nando
Aragão daria com ſua filha cem inil florins. E que faria guerra a elRey de Infante
com a
Caftella dous annos, & que elRey de Portugal lhe pagaria à ſua cula D.Lia
mil & quinhentas lanças por ſeismezes. E em ſeguridade dillo , avião vor filha
de ficar por arrefens em Aragam o Conde Dom Joam Afonſo de Bar- delRey
cellos, Martin Garſia ,& Balthafar de Eſpinola . E que elRey deAra- de Arz
gão entregaria o caſtello de Alicante em ſegurança do matrimonio de fua gão,
filha. E que o meſmo Rey de Aragão, & feus fucceffores intitulaffem a
Rey de Portugal Rey de Caſtella, & dos outros Reynos a Caſtella an
nexos, tirando o Reyno de Murcia ,& o ſenhorio de Molina , que avia de
ficar com elRey deAragað ,com os lugaresdeRequena,Otiel,Moya,Ca
nhette, Cuenca ,Medina Celi,Almaçan ,Soria,& Agreda ,com todas as vil
las ,& lugares,queeſtão entre eſtes lugares ,& os termos de Aragão, Valen
ça, & Murcia, que aviam de ficar ſeparados do Reyno de Caſtella. E
porque eſtas gentes aviam de aver ſeu pagamento por moéda corrente no
Ee 3 Reyno
CHRONIC A
Reyno de Aragão, obrigouſe elRey D.Fernando, mandar tanto ouro, &
fe là lavrar,que baſtable para ſeu pagamento.
El-Rey Dom Fernando entre tanto começou fazer guerra, & poz nos
lugares,quefe lhe derão,velas & guardas. E por aſſegurar os lugares, que
em Galliza por elle eſtavão,& outros, que ſe lhe queriáo dar, determinou
Rey Dó de ir lá em peſſoa. E indo à Corunha,os da villa o fairam a receber quan
Fernan do ſouberain de ſua vicda,& entre elles Joao Fernandez de Andeiro, que
do rcce- era o mais honrado dolugar.Porque os outros eraõ peſcadores, & gente
bido em de pouca conta . É porque Joao Fernandez ainda não vira elkey,
Galliza.
vinha entre os outros bràdando: Onde vem aqui elRey D.Fernando meu
fenhor?El-Rey deu de eſpôras ao cavallo, adiantandofe dos ſeus,dizendo:
Eu ſou ,eu fou. Entað lhe beijouJoað Fernandez a mão, & codos osmais
que com elle hião. Entre tanto o Conde D Fernando de Caſtro fe foi lan
çar ſobre Monte-Rey co noventa eícudeiros ſeus, Vaſco Fernandez Code
tinho com ſefienta. Joao Perez da Novoa com cento, Mem Rodriguez de
Scabra com oitenta,& aflim Fernão Rodriguez de Souſa,& outros fidalgos
com ſuas gentes, & alguns vaſſallos do Infante D. Joao, como Vaſco Mar.
tinz l'ortocarreiro, Gil Fernandez de Carvalho,Martim Ferreira,Ferna.it
Roiz do Vallc,& alguns eſcudeiros atè cento. E poſto que a villa ſe defen
delle bem com muitos combates, & engenhos, ſe tomou, & ficou por el
Rey Dom Fernandu.
Quando elRey Dom Henrique foube,queelRey de Portugal lhe fazia
guerra,& as cidades & villas que por elle eſtavão , & que como biſnete le .
gitimodelRey D.Sancho,pertendia ferem ſeus os Reynos de Caſtella, &
Lião,partio de Toledo,& Te foi a C , amora, que eſtava contra elle, & lhe
poz cerco. Mas por ſaber,que elRey D.Fernando andava em Galliza , de
quemuita parte era por elle, & ſe lhe hia entregando cada dia , partio pa
ra lá à prefla com todas fuas gentes, & com elleMoſlem Beltrao de Guer
clim com os ſeus Cavalleiros Bretóes. ElRey D. Fernando,que para a ba
talha não eſtava apercebido, porque nað hia maisque a receber entrega
das villas quete lhe davão,nam o eſperou. Mas deixou ſeus fronteiros nos
lugares que por elle eſtavão.f.na Corunha a Dom Nuno Freire Meftre de
Chriſto natural daquella comarca com 400 homens de cavallo,& Afonia
Gomez de Lyra em Tui ,& em Salvaterra, & outros lugares outros Capia
tåes.E a D. Alvaro Pirez de Caſtro mandou, que foſſe caminho de Portul.
gal por terra com mais gente, & elRey ſe meteo em húa galé, que levarit 1

Nuno Martinz, & fe veyo ncila ao Porto.


El- Rey D. Henrique, ſabendo ſer ido elRey D. Fernando, acordou coin
Moſlem Beltrão de Gueſclim , & o Conde D.Sancho ſeu irmão, & outros
Senhores, que com elle vinhaó, que entrallem em Portugal, para ver ſe po
dia vir a algú concerto com elRey D.Fernando, & eſcular com elle guer
ra , E deixando o caminho da Corunha,quetrazia,veyo por entre Tui,
Salsa
DELREY DOM FERNANDO . 164
Salvaterra,& paſſou a váo o Rio Minho,por ſer tempo de eftio.E entran
do por Portugal,fez muito dano.E antes que elRey D. Henrique chegaffe
a Braga,por o lugar ſer grande,& mal cercado,que não tinha então mais a
húa Torre, & em parte que ſervia de pouco,Lopo Gomez de Lyra ſe lan
çou dentro com dez de cavallo,& trinta homens de pè. E poſto queo mu
ro era baxo,& os de dentro mal armados,refiftirão com muyto esforço , &
dandalhe hum grande combate com hūa baſtida, que fizerao,morreraõ dos
de dentro 48 homens por falta de nam ſerem bem armados.E nem por iſſo
elReya pode tomar.Mas vendo os da cidade que a não podião defender,
fizerão partido com elle de ſe renderem ,ſe a certos dias ein que o fizeſſem
faber a elRey de Portugal,queeſtava em Coimbra ,os não ſoccorreſſe. Lo
po Gomez de Lyra vendo iſto fahiofe de noite antes do prazo acabado.A
Cidade não foi ſoccorrida ao tempo queconcertou , & fe deu a elRey D.
Henrique. E por fer mà de ſuſtentar, & a terra toda eſtar eſtragada, man
doulhe pôr o fogo, & paflou dahi a Guimaraes que faõ tres legoas; mas a
chou a villa maisdefenſavel,que Braga. Porque ſe lançàrað dentro muy
tos fidalgos daquella comarca, & entre elles Gonçalo Paez de Meira ca
valleiro de muita qualidade,com ſeus filhos Fernão Gonçalves,& Eſtevão
Gonçalves, que depois foi Meſtre de Santiago com quarenta de cavallo.
El- Rey D.Henrique cercou a villa, & a combateo muitos dias. E ſendo os
tiros dos engenhosmuy frequentados,& de grandes pèdras,a nenhia peſ
foa ofenderaó. Peloque hua bocca da noite entrou na villa hum Diogo
Gonçalves de Caſtro ,pay de Lopo Dias de Azevedo em veſtidos de bure!
dizendo,que era homem do termno, que hia a velar. E ſendo conhecido dos
da villa,foitomado, & fem mais tormentos , vendo que não eſcuſava de
morrer,confeffou,que elle tinhaconcertadocom clRey D.Henrique, que
entrando na villa,poria o fogo em & que em quanto os da
partes, &
em quatro partes,
villa o apagaifein ,trabalhalle elle pela entrar. Efie homein foi logo mora
to ,& deitado a comer aos cães.
Eſtando affimelRey D.Henrique fobre Guimarães,trazia conſigo pre
20 o Conde D.Fernando de Caſtro fcu cunhado,porſeguir contra elle as
partes delRey D. Pedro, com quem ſe achou em Montiel ao tempo que Códe D
fui morto.E ſendo prezo na tenda deMoſlem Beltrão de Gucíclim , o tra- Fernan
zia elRey D.Henrique ſempre conſigo,folto a fcu prazer, ſob a guarda de do deo
Cafir
hum Ramir Nunes das Covas,que o guardava.O qual ſegundo huns con como fc
tao,chegandoſe ao muro , fingio de querer fallar aos da villa, que vieſlem a paflou a
algum bom concerto com elRey de Caſtella, & que vindoo queo guiar- eRci de
dava com elle para ver o que fallavaö ,& por o não largar ,o Conde fe lan- Portugal
çou dentro na villa, & que o guarda quando iſto vio, felançou tambem co
elle. Outros dizem ,que hum dia faido Gonçalo Paez de Meira com ſeus
filhos ,& outra gente,derão no arrayal deiRey D. Henrique , & mataram
algūs dos Castelhanos, & que chegando a tenda onde o Conde eſtava pre
Ee4 70,0
CHRONICA
lo o tomirão per força, & o trouxerão para a villa, eſtando iſto afli concern
tado entre o Conde, & Payo de Meira.E que ja quando elRey D. Henri
que eſtava ſobre Braga,quizerao Conde lançarſe com os Portugueſes, &
por ver o lugar fraco, & pouco defenſavel,o deixàra de fazer,& que aguar
da fora de tudo ſabedor.
ElRey D. Fernando como a ſua noticia veyo, que elRey D. Henrique
fora ſobre Guimaraens,determinou de lhe ir appreſentar batalha, & com
muita prefila mandou fazerhuma ponte de Barcas no Douro ,peronde feu
exercico podeſſe em hum dia paſſar todo . Os da Cidade do Porto ledos
com eſte recado, fizerão logo huaponte ſobre barcas laſtradasde terra , &
de arca taõlarga, perque podião paſlar folgadamente juntos ſeis homés de
cavallo , & fe fizerão preſtes todos os homens de armas , & de pé com a ban
deira da Cidade, para ſe acharem na batalha. ElRey partio de Coimbra ,
Deſafio
& mandou deſafiar aeRey Dom Henrique. Maselle vendo, que o cer
Rey
del co de Guimaraens durava, ſem embargo deter prometido de o não levan
D.Fetar,antesde tomar a villa ſe partio dahi, & ſe foi per aquella comarca, &
nando a tomou Bragança, & Vinhaes, Cedavim , & o Outeiro de Miranda, pur le
elRey não poderem defender. E Miranda tomàrão os Caſtelhanos per engano
D.Hen-antes que elRey Dom Henrique chegaſſe a ella . Porque fingindo certos
rique, Caſtelhanos em habitos demudados, que erão almocreves Portugueſe ,
que avião miſter de comer por ſeu dinheiro, os da villa como mal atten 1
tados, llies derão lugar que entraſſem . E em entrando tiverão logo a &

porta, atè chegarem os que detraz vinhão, para lhes accorrer . E desta ina
neira a ganhàrão. Os de Cedavim le defenderam muy bem, mas foram
traidos per hum Vaſco Eſtevez, & outros do melino lugar. Os quaes com
promeſas que os do arrayal lhes fizeram de mérces, que receberiam del
Rey Dom Henrique, abrirão as portas, & metterão dentro os do arrayal.
Mas vindo os do lugar depois ſaber ifto, enforcàram ao Vaſco Eſtevez
author da traiçam . ElRey Dom Henrique deixandoguarda em Bragana
ça, ſe foi para Caſtella, ſem eſperar por elRey Dom Fernando, que o tie
nha deſafiado,por novas quelhe derão, que elRey de Granadavinha per
ſua peſſoa, & já tomára Aljezira, & a deſtroìra de todo. Peloque fe pal
fou à Cidade de Touro, & dahi repartio ſuas gentes pera a frontaria de
Granada ,& outras contra Zamora, & outros lugares,quedeixando a ells ,
cſtavão por elRey de Portugal.
Por eta partida delRey Dom Ilenrique, foy elRey Dom Fernando
muy anojado , & mandou ſuas gentes per diverſas partes.A entre Tejo , &
Guadiana mandou por fronteiros os Infantes Dom Joam ,& Dom Diniz
fens irmãos, & com elles o Meſtre de Sanctiago, & Do Frey Alvaro Gon
çalvez Prior do Hoſpital, Fernão Rodriguez de Aça, Fernão Gonçalıcz
de Meira,Vaſco Gil de Carvalho, Joam deBaeça, Gonçaleanes Pimentel,
Vaſco Martijz de Souſa ,& outros muitos. A Elvas foi por frontei: o Goa.
çain
DEL-REY DOM FERNANDO. 165
çalo Mendez de Vaſconcellos, & com elles gente de Lisboa, como Alvaro
Gil,Vaſco Eſteves de Moles, Efteveanes,Martim Afonſo Valente . A Er
tremoz Joanne Mendez de Vaſconcellos. A Olivença D.Fernando de O
livença. A Cidade Rodrigo foi Gomez Lourenço do Avellal, & com elle
Gonçalo Vaſques de Azevedo, Gonçalo Gomez da Sylva, Joao Gonçal
ves Teixeira, & outros. Em Carmona eſtava entamMartim Lopez , que
le chamava Meſtre de Calatrava. Em Monte Rey Alvaro Perez, Em Tui
Afonſo Gomez de Lyra. Em Milmanda Nuno Viegas o Velho.Em Arau
jo Rodrigo Anes. E aſlin mandou outros fidalgos a outros lugares. E dos
moradores de Bargança,& outros lugares que elRey de Caſtella tomou,
ouve elRey grande de prazer,por ſe nam defenderem melhor, & ſeus bens
dava a quem lhos pedia,como de homens que cahiraõ em mào cazo . Mas
elles,& todos os mais do Reyno murmuravao delRey,que queria empren
der tamanho feito, ſem ſe achar preſente, para esforçar & animar os ſeus,
& que pouco podia acabar,quem aſſim eſpalhava fuas gentes, perdendo á
honra, & a fazenda, & fazendo guerra pormãos alheas. E que todo ſeu fei
to era ir de Coimbra a Lisboa, & dahia Santarem, que veyo dar cauſa a ſe
dizer por elle,o que ficou depois em proverbio: Eilo vay eilo vein de Lis
boa a Santarem.
No tempo deſtas frontarias,em que cada hum trabalhava por fazer da
nos,& roubos a ſeus inimigos,aviaem Elvas hum Eſcudeiro muy mance
bo por nome Gil Fernădez, filho de humn Frenaõ Gil, & nero de hum Gil
Lourenço Prior que fora de Santa Maria. O qual era homem para muito,
& de grande esforço, & audàcia,de que le diraš muitas couſas adiante, &
na vida delRey D Joao I. Eſte antes que Gonçalo Mendez de Vaſconcel
los vieſſe a Elvas por fronteiro ,ajuntou de ſeus parentes, & amigos ſetéta
homens de armas, & quatrocentos de pè, & paſſando por Badajoz, foi cor
rer a terra de Medelhim, & fez húa groſſa preza de gados,beſtas,& priſio.
neiros,& era camanho o roubo,que apenas o podião trazer todosa Portu
gal. E parecialhes difficultoſo podelo defender a quem lho vieſſe tomar.
Os companheiros dizião a Gil Fernandez, que hum homem táo moço , &
não coſtumado á guerra,não ouvera de acometter couſa de tanto perigo, Ardilde
& metterſe tanto pela terra dos inimigos. Elle como era de grande esfor-Gil Fer
ço,atrevido,& manhoſo,dizialhes:que esforçaſſem ,& nam temeſlem. E q nandez
ſe alguns os cómetteffem ,fizeſſem como homens, & pelejaſlem ſem receo. contra
E affentou com hum tio feu,que ahi vinha,per nomeMartim Anes, que lhanos.
fingiffe ,que era o Infante D. João Fronteiro mór, & que elles o tratariam
como tal. E fez logo aos priſioneiros Caſtelhanos,que do ardil não ſabião,
que The beijaflem a mão como a Senhor, & o Martim Anes que o repre
fentava bem, mandou ſoltar algunsdaquelles Caſtelhanos, para deitarem
fama pela terra,que era o Infante.E allífoi,que os Caſtelhanos receando
ſeu nome, & poder,não ouíarão ſair a elle. E deſta maneira trouxeram ſua
preza
: CHRONICA
preza a ſalvo,queera tam grande que occupava em longo mais de huma
legoa
Corno GonçaloMendez,chegou a Elvas por Fronteiro, rogou a Gil
Fernandez, que foſſem correr Badajoz,elle o não recuſou, mas dizia ,que
na Cidade eltava tal gente, que não eſcuzaria a peleja. E que para iſſo le !

valle conſigo todos os da villa , & que a elle deſſe 40. de cavallo, para ir
correr contra Badajoz até ondechamão a Torre das Palombas, & que os .

fidalgos,que na Cidade eſtiveſſem ,fairião lugo a elle, & que affin osiria
tirando até o lugar, onde ouveſlem de vir às mãos. Gil Fernandes fahio
a correr, & da Cidade ſahia muita gente, que elle foi levando, & travan
do até lugar onde bem pudeſſem pelejar. E quando chegou a Gonçala
Mendez , começou em altas vozes animar os ſeus dizendo que aquelle era
o ſeu bom dia . O cavallo de Gil Fernandez trazia ja na teſta hum ferro
de lança com hum troço da haſtea, & aſlıın andou depois na peleja . Os
Portugueſes, & Caſtelhanos ſe encontràrão, & dos Caſtelhanos ficarão
muitosmortos,& Fernão Sanchez fidalgo principal de Badajoz, & ho.
mem de muito eſtado,morreo a mãos de hum carniceiro de Lisboa ho .
mem de pè,que chamavam o Lourencinho, que com huma almarcova,
que na mão trazia , lhe deu nos pès do cavallo, com que o cavallo, & cl .
le vierão a terra. E da meſma maneira matou outro fidalgo de Toledo.
Finalmente os Caſtelhanos ſe retirarão a Badajoz,& os Portugueſes lados
com a victoria tornarão a Elyas.
Entretanto o Infante Dom Joam ſe foi de Eſtremoz a combater Ba 1

dajoz, & do primeiro combate entrou a cerca primeira, & a gente ſe re


colleo à cerca velha, de maneira que não forão entrados, & os Portugue
fes pozeram fogo às cazas da primeira cerca, & derribarão parte do muro,
& ſe tornáram . Entretanto Gomez Lourenço do Avellal fronteiro de
Gidade Rodrigo, correndo a terra,tomou S. Felizes dos Gallegos, Hino
jola, & Cerralvo. E ficando por Fronteiro Joam Roiz Portocarreiro em
Sam Felizes com 24 de cavallo ,vierão a elle osdo Concelho de Ledeſina
com 8o tambem de Cavallo. Joam Roiz ſahio a pelejar com elles, & fo .
rão os de Ledelina vencidos, huns mortos,outrospreſos. Ela batalla foi
ANNO mui ſoada,porque os poucos vencerão aos muitos, que os vinhão buſcar.
Os Caſtelhanos não ſe deſcuidavão , & muitas couſasfazião contra os Por
1 369. rugueles,dehomens esforçados,&bonscavalleiros.
Incédio
das ruas Naquelle meſmo anno que era de 1369. ſe queimou em Lisboa a rua
da Fer- da ferraria,que agora he a confeitaria,& aver do peſo , & arderão todas as
raria, & cazas della, & mui gram parte da Rua Nova. O incendio durou muito, &
dos cófci fe perdeo, & furtoumuita fazenda.
tciros, & 1

qua nova
ElRey de Caſtella ſabendo como Gomez Lourenço do Avellal , & as H

deLif " gentes,que com elle eſtarão em Cidade Rodrigo,fazião grandes cavalga 1
boa. das, veyo de Touro a cercar àquella Cidade,& cõbatendo dous mezes, &
( 7 ) CYO ,
1
DEL-REY DOM FERNANDO. 166
meyo ſe partio para Medina del Campo, & dahi para Toledo, & Sevilha,
fem fazer nada,conſtrangido das muitas chuvas, perque não podiáo vir
The mantimentos, & tambem por acodir ao muito dano, que per diverſas
partes do Reyno ,ſe lhe fazia. Porque os Mouros fazião cada dia entradas
en terras dos Chriſtãos. Os de Carmona per outra parte. Dom Fernan
do de Caſtro em Galliza , que naquella Provincia fazia todo o mal que
podia, nos que tinhão por Caſtella. Per outra parte as galèsde Portugal,
que tinhão impedido o mar, por eſtarem no rio de Guadalquibir ,onde fo
ra melhor a elRey de Portugal ter toda ſuaarımada. Porque pouco antes
da vinda delRey de Caſtella do cerco de Cidade Rodrigo a 23 de Feve . ANNO
reiro do anno de 1370. deſda meya noite até o meyo dia,ouve tam gran . 137 0.
de tormenta em Lisboa , que as telhas dos telhados, que eſtaváo liadas, & Tormé.
cubertas de cal, aſſim as levava o vento, como ſe eſtiverão ſoltas, & cada ta grade
huma fora huma pena . E o poſtigo da porta principal da Sè foy arranca- & elpā
do, & o fecho quebrado ,& a tranca,que era muy groſſa, feita em pedaços, toſa em
& muycas oliveiras arrancadas. Peloque nas naos, & navios, que elRey Lisboa,
Dom Fernando tinha armados contra elRey de Caſtella,ſe fez grande de
ſtroiçaó , de que elRey foi muy anojado.
Entretanto elRey de Caſtella andavaſollicito, &trabalhava, por co
brar oslugares, que erão contra ſeu ſerviço per todas as vias. E a Rainha
Dona Joannaſua mulher como matrona baſtante, & de gram coração, &
que não degenerava de ſeu pay Dom Joam Manuel, ajudavao a cercar al
guns lugares , & entre elles cercou a Carmona, que tinha por elRey de
Portugal Afonſo Lopez de Texeda com ſeus irmãos, com quem eſtavam
muyt's fidalgos, & muyta gente outra. E tão apertado foi Afonſo Lo
pez ,que veyo a concerto com a Rainha, que ſe a certos dias lhe nao vieſle
foceorro,delleo lugar ſem mais detença. A Rainha outorgou no partido,
com condiçao, quelhe avia de dar dous filhos moçosque tinha conſigo em
arrefens,osquaes logo entregou, Paffado o termo, lhe não veyo foccorro
algum ,ſalvo Meffer Gregorio de Campo Morto,que ſe lançou dentro có
fctenta homens de armas ſem embargo de a Villa eſtar cercada.Mas pouco
The aproveitou tam pequena ajuda,que não era baſtante para ſe defender.
Como o termo paſlousAfonfo Lopez foi requerido, que deſſe o lugar, &
cile o não quiz fazer. A Rainha indignada de ſua pouca verdade,lhemă
dou dizer; que lhe jurava ſe lhe não entregava a villa,que ambos os filhos
The avia demandar degollar diante de ſeus ollos, ſe os elle quizeſſe ver.
Afonío Lopez com hũa animoſidade mais ambicioſa,& cruel,querazoada
nem honeſta reſpondeo á Rainha,que ſe lle mandaíle degollar ſeus filhos,
que ainda !heficavão a forja, & o martello com que ſe fizerão aquelles,
que affim faria outros. Os filhos forao trazidos à viſta do muro, & fendo
ſeu pay requerido,que deſſe a villa,comoconcertàra, ſenão que logo alli
os inatarião,elle refpondeo,que os mataffem . Os moços com muyras la
giymas
C'CHRONICA
grymas,& palavrasde grande magoa, rogavão a ſeu pay queporguardar
a Villa alhea ,naõ quizeſle perder ſuacarne propria, pois lhenão viera foc
corro,& nãocahiaem cazo de deshonra,tendo feito o poſſivel.E que viſſe
que em a não entregar fazia dous grandes males,hum matat feus filhos, &
outro macular ſua honra com não guardar ſua fé,no que prometera. Do
devafo. bravão os brados,& lagrymas, & as palavras laſtimoſas, que os que os ti
fo Lopes nháo prezos,lhesenſinavão,que movião a piedade aos verdugos, & não ao
de Texe pay.Os circunftantes todoscom rogos,& os algozes que dilatavão a exe
da mor- cucam ,moſtrandooscutèllos, ajudavão aquelles innocentes. Em fim per
tos àſua feverandoo pay em ſua pertinacia, os filhosforão degollados, com mais
vilta.
dor,& laſtima dos eſtranhos que os vião, quede ſeu pay, que os gerou, fi
cando aquella façanha julgada mais por de homem vão,& temerario, que
esforçado,nem prudente. Porque a villa eſtava mal provida, & não pode
foſtentar muyto tempo,que ſe não deſſe.
No principio deſta guerra, mandou elRey D.Fernando armar grande
fjotta de 28.galés ſuas, & quatro a ſoldo deMeſler Raynel Grimaldo Ge
novez,& de trinta Nàos groílas Portugueſas,de que fez Almirante Meffer
Lançarote Peſſano outrofiGenover, & Capitão hum João Focim , que a
elle ſe viera de Caſtella. Sua tenção era, mandar eſta armada a Sevilha,
para impedir quenão pudeſſe vir pelorio,nem ir navio algum,com merca
dorias nem mantimentos para a cidade, & para com parte dasgalès, & na
vios correrem a coſta, &ganharem dos inimigos,oque pudeſſem , tornan
do ſempre viſitar o rio. Naquella armada,que de Lisboa partio no mez
de Mayo, hia muy fermoſa gente, & chegaráo a hum lugar, que chamão
Berrameda.OsCaſtelhanos quando alli virão os Portugueſes,não folgárão
com iſſo. Mas zombavão delles ,dizendo quenunca forão ajudar a elRey
Dom Pedro ,quando era vivo, & que agora lhe hiam ajudar os oſſos . A
frota eſteve naquelle lugar algum tempo, & deftrohio toda a Ilha de Ca
lez, & fez muytos danos poraquella comarca,affim no mar,como na terra ,
Paſſado o verão começou a gente de adoecer,& osmantimentos a faltar,
& moriáo muytos decomerem couſas deſacoſtumadas. Porque poft
que de Portugal hiáo Navios a meúdo com mantimentos , era mais a
gente que a proviſao, & os mortos, & fugidos daarmada, erão logo fupri
dos com outros que elRey D Fernando mandava. Maspelo eſpaço, que
ſe detiverão ſer de hum anno & onze mezes,foi muita a gente, que ſegala
tou,& a muytos cahirão os dentes, & os pês, & as mãos de frio, & doenças,
que lhes ſobrevierão. . : 11

Quando elRey Dom Henrique chegou a Sevilha,vendo como eſtava a• )

tribulada com o cerco,em que a armada de Portugal a tinha, fez logo lan
çar vinte galés á agoa. E poſto que não tiveſſem os remos neceffarios, para
elRey Dom Pedro os mandar levar a Carmona,quando a fez baſtecer, itá.
don nellas embarcar muytos cavalleiros, & homens de armas,& beſteiros, &
outra
DELREY DOM FERNANDO . 167
outra gente,& partirão pelo rio abaixo, & elle por terra com muyta gen
te,para pelejar com a arınada de Portugal. Os Portugueſes ſabendo, que
a armadadeCaftella:vinha com gente folgada, & favorecida com a pre.
zençade ſeu Rey, que a vinha ajudar, & que tinhão ſoccorro taó per
to,como quemeſtava em ſua terra,& elles pelo contrario canſados, & frac
cos, & muitos doentes, & desfavorecidos ,ouverão porſeu conſelho lançar-.
fe ao mar largo, onde terrão ventagem das galés de Caftella, que là não
poderiáo ſer ſoccorridas como no rio.E de feito ſe pozerão as nios,& gas
lés no mar . Ao outro dia chegarão as galès de Callella a Sam Lucar, & 1

Sabendo, como as de Portugal ſe lançaram ao mar largº, nam ouſarain ir


mais por diante , pelos poucos remos que tinbão, porque cadahuma ga
lè levava muyto menos remosdo que avia miſter .E quando elRcychs
gou por terra com ſua gente, & vio a armada de Portugal no alto, & que
a fua lhe nain podia chegar, fez vir à preila fete galés das fuas, & nellas
mandou Meffer Ambroſio Boccanegra feu Almirante a Vizcaya, buſcar
remos, & mais náos, para pelejar,& com as treze galés ſe tornou a Sevis
Jha. Asnaos Portugueſas ſe tornaram a lançar na entrada do rio, onde ane
tes eſtavam, ao que elRey não pode refiftir, falvo eſperar as ſece galès,&
nàos, que por ellas mandou armar em Santander . As quaes como fo
raó armadas,vieram a Sevilha. E acontecco ,que quando vinhão, encons
trarão com huma nâo,que elRey D.Fernando mandava a Berrameda com
dinheiro para pagar aos da ſua frota, & tomàrão o dinheiro, & cativârão a
genre, & queimarão a nào.
Quando as galès que erão em Vizcaya tornarão com as nãos, pożeraõle
na entrada da Foz de maneira, que as ndos de Portugal não podião fahir
fem pelejarem , & querendo-o eſcuzaros Portugucles , pozerão fogo a
dous navios , que tinhão tomados aos Caſtelhanos carregados de azeite , &
deixàrão oshir ardendo pelo rio abaxo . O fogo era grande : peloque
quando os navios chegàrão à armada de Caſtella,foilhe forçado,dailhelu
gar, & deſordenaremſe. As galesde Portugal ſairão humas apoz as ou
tras , antes que ſe as nàos , & galés dos Caſtelhanos ajuntaſſen , & affim
ſe forão fem pelejar.Alguns dizem q no rio ficarão tres galés,quenão po
derão fair tão preſtes,& que forão tomadas pelas de Caſtella.Outros dizem
que nenhũa ficou.E eſtes dão hỏa razão veriſimil,quenos tratos das pazes
que ſe fizerão no anno ſeguinte, não ſe fez menção de ſe tornarem galès,
nem muniçoens , nem priſioneiros alguns fazendoſe menção de outras fe
melhantes reſtituiçoens. Em fim as galès ſe tornarão a Portugal, tirando
húa, que ſe perdeoem o Porto de San &ta Maria .Mascoin pouca honra, &
muito gaſto, poſto que a Sevilha ,& a ſua comarca fizeſſem dano.
ElRey Dom Fernando,querendo effe& uaro que affentara com elRey
de Aragam, mandou Dom Joam Afonſo Tello Conde de Barcellos a iť
fo , & com elle hia Afonſo Dominguez Barateiro Mercador principal de
Ff Lisboa
. CHRONICA ?
Lisljoa,quelevatæ defuito quintaes de ouro em diverfas moedas, para ſe
desfazerenza dellas lavrarem inoedas,das que comião no Reyno de Ara
güvm, & coniprareınprata para ſelà tambem lavras. Eporque o Condeera
gemirde Senhor;& homem de ſeller.ca annosg:de grande agthoridade, & o
inayor privado,queelkeytinha,mandavao a negociara guerra,q elRey de
Armida Arāgāvavís de fazer,& trazer a Infante D.Lianor tua elpola.Como com
ricame de mandou elkey fete galės, das quaeshúa, que era a fleal,hia ricamente
te guar-guarnecida de vèlas&, encarcea de feda, & os remeirosdas cores delRey,
necida, & todosos mais feus criados, & fidalgos muy eſplendidamente veſtidos
para vir para a infante lcvava liña coroa de ouro guarnecida de pedraria de muy
a Infáte
D. Lin to preço,& ancis, & outrasjoyas ricas,que ſe tiraram da torre da Caftello
nor de de Lisboa,& muitos veſtidos,& guarnimentos, quaes convinhaó mandar
Aragić. Jom Rey mancebo,rico,& liberal, a ſua eſpoſa, & aReyno eſtranho, O
Conde com o ouro ſe foi embarcar ao Algarve, & dahi foram todos a Bar 1

celona,ondeentão ekava a Corte. Os quaes foram delRey muy bem re


cebidos,aſſim por ſuas peſſoas, & melogem a que hião, como pela condi
çam da gente,que ſempre ſe faz mais gafalhado, aos que vão acompanha
dos de dinhciro. O ouro poz no Paço com a guarda, que pelo caminho
levou. Logo o Conde feznovas capitolaçoés ſobre a ordenança da guer
sa . E hứa dellas foi,que as mil & quinhentas lanças queel Rey D. Fernádo
avia de pagar por ſeis meſes, foflem tres mil pagas por tres meſes.
Atentado iſto aſli,ſe entendeo ſobre o lavrar da moeda, que começou
a fair, & fe fez pagamento de mer & mejo aos Capitães,ſegundo as lanças
com q ferviaö.Acabado aquelle tempo,fizeraõ outros pagamentos de ſeis
em fois ſemanas,atè fe cõſumirem tres meſes ſem ſe fater nada. E porque a
innovaçam queſe fez pelas novas capitalaçoens,avia deſer aprovadapor
clRey Dom Fernando,veyo o Conde comlicença delRey de Aragão a
Portugal,deixandocomiſlá a AfonoDomingues, quefizeſſe os pagame
t03,& gaſtos,que Meífer Balthaſar de Spinola, que ainda eſtava em Ara
gáo, mandalie. Mas o Conde trouxeconligo a coroa,& joyas, que elcy
Dom Fernando mandava a ſua eſpoſa. Porque fallando elRey de Ara
gam ao Conde ria vinda da Infante ſua filha a Portugal, dizia: que a nam
podia mandar encam , atè impetrar difpenfaçam do Santo Padre, & que
trabalharia pela a ver,omais em breve que pudeſe. Jeronymo Zurita hi
ſtoriador grave das couizas de Aragam , & que teve muytas informaçoens,
& muy certas, do que tocava ảs couſas daquelle Reyno, diz, que junta
mente com o Conde de Barcellos hião Dom João Biſpo de Evora, & Dá
JoãoBiſpo de Sylves, & Fr. Martinho Abbade de Alcobaça,para trazeren
a Infante a Portugal, & que o Diſpo de Evora a recebeo, em nome delu
Rey Don Fernando, porprocuraçam ,que para iſlo levava.O que he veri
ſmil pallar afii na verdade, aſli pelo coliume de os Rey's mandarem buſ
car ſuas eſpoſas a Pcynos eſtranhos por Piclados grades,& peſſoas eccleli
afticus,
DELREY DOM FERNANDO . 168
pſticas,como por naquellemėſmo tempo aver em oMoſteiro de Alcobaça
hom Abbade por nome Dom Martinho, ſegundo me confiou pelo Çarı
logo dos Abbades delle, Fr.Guilhelme da Paixão Abbade do ditoMo.
ſteiro me deu , em que achei fallecer o Abbade Dom Vicente Giraldes
em Fevereiro daera de Cefar,de 1407, & ſuccederlhe Dom Martinho,
que fallecco na era de 1419. pelo Mez de Outubro. Os quaes 'armos re
duzidos aos do Naſcimento de N.Senhor ficão na verdadeira conta do të
po,cm que ſe mandou buſcar a Infante.
A vinda do Conde a Portugal interpretavão huns, a lhe parecer fea a
Infante, & querer deſenganar a elhey.Outros a deſejar que elRey cazaſſe
com Dona Lianor Tellez ſua fobrinha,como depois cazou.Mas eſte juizo
foi temerario. Porque nem a Infante era fea,nem para a engeitar, como ſe
collige do muyto que elRey Dom Henrique de Caſtella eſtando em Ara
gam ,trabalhou pela ter por nòra , como depoisteve. Nem a elRey lem
brava a ſobrinha do Conde, que ainda nam tinha viſta , & eſtava na Bey .
ra com ſeu marido.
Entre tanto que o Conde eſtava em Portugal ,Meſfer Balthaſar, & Afo .
ſo Fernandez de Burgos procuradores delRey Dom Fernando, juntamen
te com a Infante Dona Maria ſua irmáa,molher que fora do Infante Dom
Fernando Marquez de Tortoſa , fizerão convença com elRey fobre a
gente da guerra, & o tempo em que avião de começar fazer entrada no
Řeyno de Caſtella.A qual foi approvada per ambos os Reys, & com pe
na de pagar vinte mil marcos de ouro a parte,quefaltaſſe. E para a confire
maçaõ mandou elRey de Aragao a Portugal por Embaixador Oberto de
Fenoliar com os poderes baſtantes, & para ſe obrigar & prometter em no
me delRey de Aragão,que tanto que ouveſſe diſpenſação para o cazamē
to de ſua filha,logo a mandaria a Portugal, & por ſegurança lhe dava em
arrefens o caſtello de Alicante.
Havendo hum anno & nove mezes que a guerra durava,começando o ANNO
anno de 1371. eſtavam os de Carinona muy conſtantes, em não entrega
sem a Cidade a elRey Dom Henrique, pela muyta confiança que tinham 137 1 .
cm elRey Don Fernando,cujas partes quizerað ſeguir, & que lhes pro ,
mettera,queſendo cercados os iria defcercar para o que lhes mandou hum
alvarà affinado de ſua mão. E quando Martin Lopez, & os da cidade fou
beraó,que elRey Dom Henrique queria ir ſobre elles , & porlhes cerco,
mandàrao á preſla hum Cavalleiro aelRey Dom Fernando, que lhe poz
diante o eſtado, & perigo em que eſtavaó, pedindolhe os foccorreſe. El
Rey lhe reſpondeo,que averia ſeu conſelho. E depois que o ouve por hű
feu privado lhe mandou dizer,que diſfeffe aquelles cavalleiros de Carmo
na,que o mandàrão,que trabalhaſſem de ſe defender comobös cavalleiros,
porque elle ao prezente nao podia foccorrellos,poreſtar embaraçado em
outras couſas ,lhe muito copriao, & qos do ſeu conſelho lho dizião afli.
Ffa E que
CHRONICA -
E que lhesperdoaſſem por então, que quando elle boamente os podelle
ajudar,o faria:O) cavalleiro ficou muy triſte por aquella repoſta, que nam
eſperaya,& não reſpondeo couſa algúa,a qứem aquellerecado lhe trouxe,
Mas aggardou ,que elRey fahiſſe à Miffa, & pondo os joelhos em terra, ef
Falla do tendeo Q alvará da promeſſa,que elRey avừamandado aos de Carmona, &
Emba
xador de em voz alta perante todos lhe diſſe:Que Sua Alceza ſabia bem, como pro
Carmo mettera aquelles nobres homens que eſtaváo em Carmona, & ſeguirað fu
na a El as partes,deos Soccorrer, & ajudar,ſe foſſem cercados,tanto que lho fizel
Rey Dólem ſaber,como ſe via por aquella carta affinada por ſua mão Real.E que
Fernádo agora lhofaziam ſaberpor elle, & que Sua Alteza lhe mandára reſpon
der, que os do ſeu Conſelho lhe diziam , que o nam podia por entam fa
zer, & que a Sua Alteza,queera Rey,nam dizia nada. Porque com tam
grande Senhor nam podia elle altercar ſobre iſſo . Mas que dizia , que
qualquer do ſeu Conſelho que lhe aquillo approvava, & aconſelhava, era
traydor, & falfo , & o nam aconſelhava bem , nem verdadeiramente, em
elle deixar perder tal lugar como aquelle com tantos homens nobres, co
mo nelle eſtavam , para ſeu ſerviço , & quebrar ſua verdade, & proineſla,
que lhes fizera, por nenhuma outra couſa, quetivera de fazer : E que
elle eſtava preltes, para fazer conhecer, a qualquer que foſſe, que o que
elle fallava eraverdade, & que elles fallamente o aconſelhavam . Por
que ſe os cavalleiros deCarmona ſouberam , que S. Alteza os nam avia de
foccorrer, elles ſeguráram ſuas vidas por outra maneira , & nam foram
poſtos em perigo demorte , & de deshonra, como eſtavam . E que el
les confiados em a promeſſa, que Sua Alceza lhes fez, lhe deram a Villa,
& le offereceram a morrer por ſeu ſerviço , nam curando dos partidos
honroſos , & de ſeu proveito, que lhes e Rey Dom Henrique fazia, que
agora lhes nám faria pela ira que delles tinha ElRey lhe reſpondeo,que
pois ja era aſlim determinado em ſeu conſelho,nam podia al fazer. O Ca.
valleiro fe foi bradando, & queixando a quantosachava da palavra, gel
Rey não guardaraE não quiz com aquella repoſta tornar a Carmona,mas
mandou a preſſa tirar ſua mulher, & filhos do lugar, antes que foſſe cer
cado. E depois lhe mandou a repoſta, quando jà elRey Dom Henrique
eſtava ſobre elles.
A razão porque Carmona, mais que nenhum outro lugar de melhor
vontade ſe entregou a elRey Dom Fernando, & receava vir à mão del
Rey Dom Henrique,era, que elRey Dom Pedro tinha alli ſeus filhos, &
ſeus theſouros encomendados a Martim Lopez de Cordova Meſtre de
Calatrava, que ja fora de Alcantara . Eſte lugar veyo cercar elRey Doni
Henrique com muita gente , affim por aver à mão os filhos delRey Dom
Pedro,como por aver osthefouros que ahi eſtavam . E ſubindo húa noi
te por húa baſtida aos muros quarenta homens esforçados criados del Rey,
& eſcolhidos por elle,foram ſentidos dos da villa,& acodindo a illo roveo
a alguns
DEL -REY DOM FERNANDO. 169
a alguns ſaltar para fora, & outros que tinhão cobrada hũa torre,foráo to
inados nella por força, & ſem ficar algum lhesmandou cortar as cabeças o
Meltre Martim Lopes, de cuja inorte a elRey Dom Henrique muito pe
zou,& tomou grande odio contra elle,porque tendoosprezos, os mandou
inatár,couſa qle não uſaentre cavalleiros. Emfim durando o cerco, & fal
tando mantimentos à villa, &nað tendoeſperança de ſoccorro de Portu
gal,nem de outras partes,foi forçado a Martim Lopes, & aos que eſtavam
em Carmona, daremſe a partido. E a convença foi, que ſe delle a villa,
& tudo o que ficou do theſouro delRey Do! Ped :0,& que lhe entregaſ
fem prezo Matheus Fernandez de Caceres Chanceller mór, que fora del
Rey D.Pedro.E que Martim Lopes foſſe poſto em ſalvoem outro Reyno,
ou ficaſſe em ſerviço delRey , ſe ficar quizelle . E deſte concerto foy
medianeiro D. Fernando Olores Meſtre de Santiago. O qual fez jurame
to folenne , qelRey guardaria eſte ſeguro. Martim Lopez cóprio tudo de
fija parte, & a elle,& aMatheus Fernandez,mandou elRey prezosa Sevi
1h3,& aos filhos delRey D. Pedro. Os quaes nãoeraõ legitimos filhos de
D.Maria de Padilha,mas baſtardos de outras mulheres. Hum delles fecha
mava D.Sancho , & outro Dom Fernando.Mis ao Meſtre Martim Lopez
mandou elRey mafar. Do que o Meſtre de Saņtiago le muyto queixou
delRey,por lhe quebrar a palavra,& juramento, que lhe mandava fazer.E
a el Rey Dom Fernando impucavão o caſo de Martim Lopez,que o aſſes
gurou , como aos mais de Carmona ,& não lhes valeo.
I
Em quanto os Reys de Portugal,& Caſtella perſeveràrað em ſuas guer
515,0 PapaGregorio XI.que entao preſidia na Igreja de Dcos, mandou a Papa
ambos os ReysdousBiſpos,de que era bú Agapito Coluna Biſpo de Bre- Grego
xa ,que ciiegarão a Sevilha,onde elRey D.Henrique eſtava, antes que co- trata de
maile Carmona.Os quaes fizerào tanto com elle, & comeRey Dom Fer- concor
hando, que os trouxeram a concordia . E para o affento della, fez elRey dar os
Dom Henrique feu Procurador Afonſo Peres de Guzmão Alguazil ma- Reys de
yor de Sevilha, & do feu Conſelho, & elRey Dom Fernando fez ao &Caſte lla,
Portu
Conde Dom João Afonſo de Barcellos,que eſtava jà preſtes para ſe tor- gal.
nar a Aragam .E juntos coin os Embaxadores do Papaem Alcoutim ,lugar
do Reyno do Algarve,firmarão pazes,& amizade entre os Reys.A eſta cā.
cordia veyo elRey D. Fernando com máo conſelho,fem primeiro ter com
primento com elRey de Aragam, com quem eſtava concertado,como pa
jente, & amigo,& logro, & em cujo poder tinhatanto theſouro, que por Condi
illo perdco.Ascondiçoes das pazes forão, 6 elles foſſem amigos verdadei- çoës das
10s, & ſeus fillos,& os povos a elles ſujeitos. E q hum Rey foſſeobrigado pazesen
a ajudar a outro. E que elRey de Portugal foſſe amigo delRey Carlos de tre os
Reys D.
França , & q cazaſſe co a Infante D.Lianor, filha delRey Dom Henrique , Fernádo
com a qual lhe daria ein dote Cidade Rodrigo,Valença de Alcantara ,com & D.He
todos ſeus termos, & as villas de Monte Rey, & Alhariz com todas ſuas rique.
Ff 3 forta
CHRONICA
Dote de fortalezas ; & Alfozes, & que aquelles lugares ficaſſem ſempre da Coroa
terras de
Caſtella de Portugal . E alem diſto lhe daria certa ſommade dinheiro, & que el
adrey Reypor
Ď .Hen- dos DomelRey
Fernando delleàdita
Dom Afonſo Infantetodos
ſeu avò oslugares,
àRainha Dona Beatrizqueforaoda.
por arrhas de
riqueda ſeu cazamento. E para eſte cazamento foi avida diſpenſação, que o biſpo
va ao de Agapito Columna Embaixador do Papa,publicouem Sevilha.Sobre iſto
avia outras muytas condiçoes, & reſtituiçoes de bens, & ſolturas, dos que
eraõ prezos na guerra, & perdoës,dos qandáraó em deſerviço de ambos os
Reystalvo os de Carmona,que aquelle tempo eſtavão por Portugal, que
forao exceptuados,poſto que elRey Dom Fernando trabalhou por entras
rem com osoutrosperdoados. Eſtas pazes foraő firmadas com jura mento
dos Procuradores,nas mãos dos Legados,com ſegurança de certos Caſtel
los, queſe pozerão em arrefens.ſ.da parte delRey Dom Fernando, Olive
ça,Campo Mayor, Noudar,& Marvão, que avia de ter Dom Frei Alvaro
Gonçalvez Pereira,Prior do Hoſpital.Da parte delRey D. Henrique, Al
buquerque,Badajoz,Xerez,Alconchel, & a Codeſfeira, que avia de ter o
dito Afonſo Perez de Guzmáo.
As pazes foram publicadas em Alcoutim ao derradeiro de Março do
ANNO dito anno de 1371. As quaes elRey Dom Fernando aosdous dias do le
1371 guinte mez jurou nas mãos do meſmo Legado na Cidade de Evora , que
elle depois mal guardou em grăde dano ſeu , & do Reyno,que com aquel
las terras puderaalargarficando em paz.E logo elRey mandou a Caſtella
Afonto Gomez da Sylva,& o DoutorGil do Sem ,para receberem delRey
Dom Henrique'o meſino juramento. Depois diſto foitambem a Caſtella
Diogo Lopez Pacheco,receber o meſmo juramentoda Rainha D.Joanna,
& do Infante Dom Joam ſeu filho primogenito delRey Dom Henrique,
& de alguns Condes,Prelados, & Ricos homens. E na Cidade de Touro
no Moſteiro de Sam Franciſco ,onde elRey eſtava, juràrao todos nas mãos
dos meſmos Legados.
Quando elRey de Aragao ſoube das pazes,que elRey Dom Fernando
fizera com elRey Dom Henrique,& como deixando ſua filha, com a pro
meſſa que lhe tinha feita,ſem mais comprimento,ſe cazava com a filha de
ſea contrario,quiz vingarſe no que pode, & mandou tomar a Afonſo Do
mingues Barateiro todo o ouro , & dinheiro,que tinha delRey Dom Fer
nando. Ao qual foraõ achados dous mil & vinte quatro marcos de ouro,
afora cento,& vinte ſete marcos,queao meſino Rey de Aragao lhe forar?
empreſtados logo, como o Conde de Barcellos a elle veyo. O que tudo fi
cou a elRey de Aragao ,ſem mais fe poder cobrar. E aflim ficou hum en
gano por outro. E vio contente elRey de Aragaó com aquelle o uro, mā
dou ainda tomar ao Theſoureiro AfonſoDomingues,húaarca chea de ria
cas armas, que aInfante Dona Maria mandava aelRey Dom Fernando
feu irmão. Meffer Balthaſar de Spinola não tornou mais ao Reyno. Aias
Pela
DELREY DOM FERNANDO . 770
pela cooverlaçaõ grande,quea Infante Dona Maria com elle teve, ouve
entre elles tal affeiçao,per queella ſe infamou , & elle ſe temeo, & paſſou a
Genova. Por eſte exeinplo fe vio, quanto ſe deve defender a mulheres,a
inda que de alto lugar,eſtreita converſaçao com homensde qualquer elta
do,porbaxo que ſeja,quanto mais neceſſario he nellas o recolhimento,
pelo exemplo que dellas ſe toma.
Com eſtas guerras,& deſconcertos delRey, forao os grandes theſouros
do Reyno,que os Reys paſſados ajuntàrão conſumidos com grande fenti
mento do povo,queſe temia vieſie elRey a aver miſter as fazendas de ſeus Dano ģ
vafillos,como em effeito foi.Porque mudou & desfez todas as moedas an- reſulta
tigas do Reyno,levantando as valias das novas de maneira,que moedas de altera.
Rèp. na
muyto pouco pezo, tinhaó tantavalia como as antigas de muyto. O que
cauſou vir grande copia de moeda cunhada de fora do Reyno furtadame moedas.
çkodas
te,pelo muytoque ſe niffo ganhava,& a troco demoedasde pouca valia,
levavað ouro & prata,& mercadorias de muyto preço. A qual vindoſe de
pois a bater,& reduzir ao que juſtamente devia valer,empobreceo muytos
dos que com aquellas moedas ſe acháraó. Como nos noſſos dias ſe fez ne
ite Reyno por outro tao mào conſelho. Aoutra perda notavel,que ſe ſe
guio da mudança,que elRey Dom Fernando fez foilevantaremſe os pre
ços das couſas,quehe couſa conſequente a ſemelhantes mudanças, & fei
tio de novas inoédas.
Tendo affim elRey Dom Fernándo tratado cazamento em Caſtella, &
correndo os cinco mezes em que lhe avia de vir fua eſpoſa, como eſtava
concertado aconteceo ,que elRey ſe namorou de D. Lianor Tellez mu
lher de Joao Lourenço da Cunha, Senhor do Morgado de Pombeiro , & Amores
delRey
chegado em ſangue á Caſa Real. Era D. Lianor filha de Martim Afonfo D. Fer
Tello, irmão de Dom João Afonſo Tello Conde de Ourem ,que tambem nando
fora de Bracellos,& teve por irmãos Dom Joao Afonſo Tello, que foi Cő- có D.Li
de de Barcellos,& Dom Gonçalo,que foi Conde de Neiva,& de Faria, & anor Tel
Dona Maria Tellez, que cazou com Alvaro Dias de Souſa. A occaſiam nafceráo
lez dóde
deſtes amores foi, queelRey trazia em ſua Caſa a Infante Dona Beatriz
ſua irmãa ,com grande companhia de Donas, & Donzellas de grande li
nhagem , por não aver entao outra Rainha,tiem Iņfante. A qual Infante el
Rey era tam affeiçoado, & tratava de maneiracomo que pertendera cazar
com ella ,coufa até aquelle tempo nunca viſta. De que alguns collegiam,
que não podia deixarde aver entre elles outra ſecreta & mais eſtreita con
verſação,pois a publica era cam ſolca. Eſtando pois elRey em Lisboa,ve
yo da terra da Beira a dica Dona Lianor Tellez ,a folgar com ſua irmaa D.
Maria, que andava em Caſa da Infante. ElRey que continuava muyto a
a Caſa da Infante ſua irmáa,vendo Dona Lianor Telles, que em eſtremo
grao era fermoſa, & de muita graça ,& aviſo,affim fe affeiçoou a ella, que
nam ficou ſenhor de ſy. E trazendo elle ſeus amores encubertos, nam tar
Ff 4 dou,
CHRONICA :
dou queſeu marido a mădaſſe buſcar,para que ſe tornaſſe para ello. Věda
fe elRcy por ſua ida em grande eſiremo, tomou por conſelho, fallar a ſua
irmãa Dona Maria Telles, rogandolhe, que inventaſſe algumacouta,cum
que ſua irmãa não ſe foſſe,ou ſe fizeſle doente, & tornalle a mădar os men
fageiros,ĝ a vinhão buſcar, & deſcobrindolhe ſeus péſamtros lbe diſle,a co
outra mulber não cazaria,ſenao com ſua irmãa D.Lianor.D . Maria, gera
muller aviſada,parecēdolhecouſa ardua deſcócertar elRey o cazamčtoda
Infáte de Caſtella, dózella,& filha de hũ Rey,ſendo fua irmās cazada, & co
Jū fidalgo honrado, & ſeu valfallo,& muito parěte trabalhou muito por lho
dilluadir. ElPey reſpondendo a tudo o mais,diſſe que quanto a ſer caza
da com Joam Lourenço da Cunha, que elle osfaria apartar, por razão de
cunhadio,que tinhão, porquenão podião ſer cazados. E replicandolhe
Dona Maria,que ainda que deſcazada foffe fua irmãa, não cuidafle, que
avia de ter por manceba; lhe prometteo, que antes que a ella chegaile a
receberia por mulher. Dona Maria importunada delRey fallou com ſua
irmaa, & ambas com o Conde feu tio,Emfim não podendo elles difiuadir
a elRey, fez com que ſe Dona Lianor apartaſſe de Joam Lourenço, por
tazão de affinidade, & ſe deſſe ſentença da ſeparação do matrimonio, fen
do verdade ſegundo alguns dizião, & eſtava preſumido, que para cazarem
tinbão havida diſpenſação. Mas Joam Lourenço,vendo que lhe não con
vinha defenderſe de tam grande competidor,deixouſe vencer na Cauld , &
para aſſegurar a vida,ſe paſſou a Caſtella. E affirmaſe, que antes que els
Rey chegaſſe a Dona Lianor, a recebeo por mulher.
Feito eſte cazamento, inda que não publicado ao povo,mandou elRey
Dom Fernando recado a elRey Dom Henrique, perquelho fez ſaber,di
zendo que fem embargo de não cazar com ſua filha ficaria ſeu amigo , &
guardaria os concertos de pazes, que entre elles erão feitos. Sabendo el
Rey Dom Henrique dadeſigoal troca, que elRey Dom Fernando fizera
da Infante ſua filha por Dona Lianor, foi mui anojado. E poſto que lle
pareceo cazo ,para mover guerra a Portugal,osgrandes dezejos que tinha,
de ſe ver pacifico poſſuidor de Caſtella, & de eRey Dom Fernando ihe
entregar os lugares,queo ſeguião, diſſimulou. E aos menſageiros, pora
que lhe mandou notificar ſeu cazamento, reſpondeo, que pois elle não
quizera cazar com ſua filha, que iſſo eſtimava em pouco. Porque não lhe
faltaria outro cazamento tam honrado: & que guardaſſe o mais, que nos
aflentos das pazes ſe acordara. E porque por eſte cazamento ſe desfazis, 1

era neceflario tratar de algumas duvidas, que recreſciam ſobre a entrega


das terras, & arrefens,mandou elRey Dom Fernando a elRey Dom Heit
rique leus Embaxadores. E chegados a Caftella, fizerão de novo allin
to, & renunciação de Cidade Rodrigo, & das villas de Valença de Al
cantara,Monte Rey, Alhariz com ſuas fortalezas,que elRey Dom Henri
que dava em cazamento com ſua filha, & as mais fortalezas de Canici ,
queil
DELREY DOM FERNANDO. 171
que eſtavão por elRey Dom Fernando , & ſobre a entrega,que elRey D.
Heprique avia de fazer da Cidade de Bragança,& outras villas conforme
ao aſſento de Alcoutim . E acordado tudo,elRey Dom Henrique jurou,
& com elle o Conde Dom Sancho feu irmão, & o Conde Dom Pedro de
Traſtamara ſeu ſobrinho , & outros fidalgos, & Prelados. E elRey Dom
Henrique mandou a Portugal por ſeus Embaxadores para receberem ou
tros taes juramentos, & homenagens dos lugares, & confirmaçoens das
capitulacoens,Dom Joam Garlia Manrique Biſpo de Orenſe, & Joam
Gonçalvez de Bacar, que elRey com o Infante Dom Diniz ſeu irmão, &
o Conde Dom Joam Afonfo Tello ,& outros ſenhores , & Prelados con
firmaráo.
Dos amores, & converſação que elRey tomara com Dona Lianor Tel
lez, & da fama de ſerem cazados ,forio todos os grandes , que amavam a
honra delRey, & os povos do Reyno muy anojados, & culpavão muyto
aos do conſelho que tal lhe conſentirao, não ſabendo o muyto que traba
Thárão por lhe eſtorvarem aquelle cazamento . E por aquelles primeiros
dias em todos os lugares do Reynos avia ajuntamentos dagente popular,
que não fallavão em al. Os que mais iſto eſtranhavão, erão os Cidadãos
de Lisboa; onde entam elRey eltava. Os quaes todos ſe concertárão de
o dizerem a el Rey, elegendo pata iſſo por ſeu Capitað, & lingoa, hum
homem plebeo deofficio alfayate, per noine Fernão Vaſquez, homem
naturalmente eloquente, & aviſado, & muy audaz. E parao acompanha
rem, ſe ajuntàrão tres mil homens do povo de todos os officios, & todos
com armas ſe forão aos paços, onde eRey pouſava, fazendo grande roi .
do, quando fallavão neſte cazamento. Como a elRey foi dito, da gen
te que alli eſtava, & a razão porque vinhão, mandoulhes perguntar per
hum ſeu privado, que era o para que alli eraõ vindos? Fernão Vaſquez
The reſpondeo, que vierão ,porque lhes era dico, que elRey tomara por Reque
ſua mulher Dona Lianor Telles, ſendo cazada com loam Lourenço da riméto
Cunha ſeu valfallo, que eravivo, & feu parente no quarto grao, que fa- dos cida
zião o adulterio,& inceſto ſerein mais graves. E por quanto iſto não era Lisboa a
ſua honra, mas fazia grande offenſa aDeos,& ànobreza ,& pôvos do Rey. elRey
no, que elles como bons Portugueſes, lhe vinhão dizer,que tomaſſe mu- ſobre
Ther filha de Rey, como convinha a ſeu eſtado. E quando filha de Rey ſeu caza
não quizeſſe, que cazalle com filha de hum fidalgo deſeu Reyno , qual mento ,
elle eſcolhelle ,deque ouveſſe filhos legitimos , que reinafſem depois del
le,& não tomaſſe a mulher alhea. Porque não lho avião de conſentir.
Nem elle lho avia de ter amal.Porque não querião perder tam bom Rey
como elle,por huma mulher, que o tinhaenfeitiçado. E poſto que iſto
propunha affim Fernão Vaſquez por todos, a gente que era muyca dizia
ifto perdeſvairadas maneiras , & per deshoneſtas palavras contra a Rai
nha, como faz gente de povo junto, que nenhuma couſa dizem , nem fa
zem,
you CHRONICA :
zem moderada.ElRey lhesmandou reſponder,que ſuas boas vontades lhes
H
agradecia muyco, & aquella vinda que alli fizerao,que tudo entendia, que
lhes naſcia de ſerem bons, & leaesPortugueſes. Mas que lhes fazia laber,
que elle naó era cazado com D. Lianor, nem Deos tal quereria que foffe.
Mas que por quanto elle logo não lhes podia tefponder em peſſoa, nem
ſatisfazer como era razam ,que ao outro dia ſeguinte foſiem todos ao Mol
teiro de S.Domingos,& que alli lhes fallaria ſobre aquillo , & averia ſeu
acordo com elles. Partiraóſe entao todos contentes da repoſta. Mas jurā
do,que fe el Rey nao apartava de fy Dona Lianor,quepor força lha avia.
de tomar, & fazer de maneira,que nunca mais a ville, & que ſe muytos vie
tao aquelle dia, que muytos mais viriam no outro,& mais armados.
Ao outro dia ſeguinte foi aquella gente junta, & outra muyta mais,no
alpendre de Sam Domingos, &entre elles todos os do Deſembargo del
Rey,eſperandoque elle vieſſe. Mas como elRey foube as razoés deſvay,
radas em que elles eſtavaõ, tao contrarias a ſeu apetite,& affeição,naó quiz
là ir,& partiofe da Cidade com Dona Lianor o mais ſecreto que pode, ca
Juſtiça minho deSantarem . Os que eſtavão aguardando emSam Domingosper
ģelRey elle,quanbo ſouberaõ queera partido,tiveraõſe por eſcarnecidos,& forač
D. Fer- ſe muy indignados para ſuas caſas,ſoltandomuytas palavras deshoneſtas
nando
mandou contra aquelle cazamento . Dona Lianor,quemais ſereceava daquelles a
fazer juntamentos, & praticas,mandava eſpiar,o que cada hun dizia contra el
dos que la, & fazia com elRey,que os mandalleprender, & fazer delles juſtiça. E
lhe re- foi prezo o dito Fernao Vaſquez, & outros foraõ decepados de pez,& ou «
prova- tros das mãos, & confiſcados ſeus bens,& outros ſe auſentarað.
raó ſeu
cazamé . ElRey andou folgando pelo Reyno alguns dias com Dona Lianor, atè
TO . que chegou a hum Moſteiro de entre Douro & Minho,quechamão Leça,
da Ordem do Hoſpital de Sam Joab,& alli determinou, de a receber em
... publico : & em hum dia aſſinalado daquelle anno de 1372. foi propoſto
que
aosque ſe ahi acharað ,como elRey deſejando de viver em eſtado de gra
ça,& deixar de ſigeraçaõ legitima, q no Reyno lhe ſuccedeſſe, tratára ca.
zamento com Dona Lianor Tellez filha de Martim Afonſo Tello, & de
Dona Aldonça de Vaſconcellos,por deſcender dos Reys, & por ter por
parentes os mayores ſenhores, & fidalgos do Reyno, os quaes ficariaó ma
is obrigados de o ſervirem , & ajudarem a defender a terra . E por tanto a
queria receber publicamente, & darlhe villas, & lugares,com que podel
ſé bem ſoftentar ſeu eſtado. Entam a recebeo publicamente, & mandou
notificar pelo Reyno,como era ſua mulher: do que os grandes, & peque
nos receberað muito deſcontentamento. E logo lhe elRey deu Villa 17
çola,Abrantes,Almada,Sintra, TorresVedras,Alanquer,Atouguia, Obi
dos, Aveiro,& os Reguengos de Sacauem ,Frielas,Vnhos,& a terra de Me
rèles em Riba do Douro ; & dahi em diante ſe chamou Rainha de Porte
gal. E por mandado delRey, lhe beijarão amão todosos grandesdoRei
i nogalin
DEL-REY DOM FERNANDO, 172
no,affim homens como mulheres, & todos os procuradores das Villas, &
Cidades,tirando o Infante Dom Diniz,que nunca lhe quiz beijar a mão.
Mas dizia,que lha beijaffe ella a elle. Pela qual razão, elRey lhe quizera
dar com búa aduga,fe não fora o Ayodo Infante, & Ayres Gomez da Syl.
va Ayo delRey, quelho impedirao,dizendolheelRey, quenão tinhaver
gonha vendo que Beijava a mão a Rainha ſua mulher o Infante D. João,
que eramais velho que elle,& Dom JoaoMeſtre de Aviz ſeus irmãos, &
4
todos os fidaigos do Reyno; elle fò o recuſava fazer. É aflim andou o In
fante Dom Diniz comohomiſiado da Corte, & o Infante Dom Joað muie
co na graça delRey, por fazer que com ſeu exemplo todos reconhecellem
Dona Lianor Tellez por Rainha,& ſenhora. Mas nem por iſſo deixavam
todos de ſer deſcontentes,& fallarem ro grande erro, que el Rey fizera.
S - A Rainha Dona Lianor alem de ſua grande & rara fermoſura, & graça,
tinha grande avizo,& brandura,& artificio para ganhar vontades, no quea
ajudava ſer de muy lêda converſação, & liberal. E como prudente q era,
porque ſabia que a toda agente do Reyno pezava deella ſer Rainha, tras
balhou por merces, & dadivas,cazamentos, & acreſcentamentos de peſſoas
deſualinhagem,& de outros,tera nobreza do Reyno per fi. Pelo que a
feu irmão mais velho Dom Joam Afonſo Tello , fez que foſſe Almirante,
& depois Conde de Barcellos.A Gonçallo Tellez, que foffe Conde de
Neiva, & de Faria. E de dous filhos deDom JoãoAfonſo Conde de Ou
rem ,hum que chamavão D. João, fez Conde de Viana,Senhorde Alvito,
& Villa Nova,& de outros lugares, & a Dom Afonſo Conde de Barcelo
Jos,a quem deu por Ayo,por ſermuy moço, hum Cavalleiro que chamae
vão Vaſco Pirez deCamočs Gallego A Dom Henrique Manuel irmão da
Infante Dona Coſtança máy delRey ,fezfazer Conde de Sea, Dom Alva
to Pirez de Caſtro Conde de Arrayolos. A Lopo Diaz ſeu ſobrinho filho
de Dona Maria Tellez ſua irmáa fez dar o Meſtrado de Chriſto,& o Mef
Crado de SantiagoaDom Fernando Afonſo de Albuquerque, que foi fi
lho de Dom João Afonſo de Albuquerque o queandou no ataúde, & ire
mão das mulheres dos Condes de Barcellos, & de Neiva ſeus irmãos.
As principais fortalezas do Reyno fez dar a honiens de ſua linhagem.E
porque Lisboa era a mais principal, & quem a tem por fy,tem a mayor
parte do Reyno fez Alcaide môrdella a ſeu irmão o Code D.João Afonſo
Tello, & que quantos grandes,& fidalgos avia na Cidade,foſſem ſeus vaf
falos,como eraõ,Martin AfonſoValente fidalgo muy principal, q em ſua
auſencia era Alcaide môr de Lisboa , Eſtevão VaſquezFellipe , Afonſo
Anes Nogueira, O Capitão Afonſo Furtado deMendoça, Afonfo Efte
vez da Azambuja,AntaðVafquez de Almada.Eſtes fidalgos,& muitos ca
valleiros, & eſcudeiros,que na Cidade avia muy honrados, todos eraó vaſ
falos do Conde Dom João. O qual nãotinha menor reputação naquelle
tempo, porſer irmão da Rainha,do q tinhão os Infantes por ſerem filhos,
ou ir
CHRONICA
ou irmãos do Rey. Peloqueaquelles fidalgos ſe não dedignavão de ſerein
feus vafallos,que era hum eſtado,& dignidadede homes,queagoranão ha
E altim comoa Rainha fazia dar officios,& dignidades aos ſeus, affim ca
zou miuytas parentas,& outras mulheres principacs , por ſe liar com osnos
bres, & os ter de ſua mão. Porque ahűafua irmãa baſtarda por nome D.
Joana,queera Comendadeira de Santos da Ordem de Santiago ( cujos efe
tatutos não tolhem cazamento ) cazou com Joao Afonſo Pimentel,' & lhe
Cazamé
fez dar em dote de juro a Cidade de Bragança. A Inez Dias Botelha ſua
Donzella,& parenta ,cazou com Pero Rodriguez de Foſeca, & lhe fez dar
tos 7 a
Rainlia muytas terras, & o Caſtello de Olivença,que naquelletempo era couſa de
D. Lia muyta confiança. A Martim Gonçalves de Taide cazou com Dona Mi
nor fez. cia Vaſquez Coutinha, filha de Vaſco Fernandez Coutinho , fenhor do
Couto de Leomil,& lhe deu o Caſtello de Chaves. E Fernão Gonçalvez
de Souſa fez cazar com Dona Tareja de Meira, & lhe deu o Cartelo de
Portel.Gonçalo Viegas de Taide com Beatriz Nunes,filha de Nuno Mar
tins de Goes,& Fernão Gonçalves de Meira coin húa filha de Dom Lou
renço Arcebiſpo de Braga. Gonçalo Vaſquez Coutinho com hũa filha de
Gonçalo Vaſques de Azevedo, Alvaro Göçalves, filho deſte Göçalo Val
ques de Azevedo.com búafilha de João Fernandez Andeiro, que foi Co
de de Ourem . E aſſim fez muitos acreſcentamentos, & cazamentos de peſ
ſoas grandes do Reyno, para ganhar ſua benevolencia. Alem diſto ,era de
ſua natureza tam amiga de fazer bem , que ninguem que a ella hia , torna
va deſcontente,nem com as mãos vazias.
Naquelle meſmo anno , em que elRey Dom Fernando 'recebeo Dona
Lianor, ſoube elRey Dom Henrique de alguns mareantes das Aſturias, &
da coſta de Vizcaya,como elle lhemandara tomar algúas naos no mar, &
antco porto de Lisboa, que fazia liança com Ingleſes, moſtrando q nam
queria eitarpelaspazes,que tinhao aſſentadas. Peloque mandou a Portu
gal Diogo Lopez Pacheco . O qualdepois de ter negociado comelRey
fallou com o Infante Dom Diniz,queachou deſcontente,pelos disfauores
que elRey lhe fazia , por não querer beijar a mão à Rainha, & venerala
comoa Senhora,& lhe perſuadio,queſe foſſea Caſtella. Porque eſtando
em Portugal, ou ſua vida corria riſco de a Rainha o mandar matar com
peçonha, porelle nam aſpirar á herança do Reyno, ou correria riſco íuu
honra, porque os parentesda Rainha aviao de ter toda a privança,& eſta
do. Como Diogo Lopez Pacheco foi em Caſtella, contou a elRey ,quario
pouco ſeu amigo elRey Dom Fernando era, & quam mal- quiſto pelo cao
zamento co Dona Lianor Tellez, & que o Infante Dom Diniz,& outros
Cavalleiros , eſtavam para ſe partir do Reyno,& virſe à fua Corte ao fer
vir . A cauſa porque Diogo Lopez Pacheco ſe tornou a Caſtella, ſendo
vindo de là por morte delRey Dom Pedro, & cobrando ſua fazenda, que
The fora confiſcada,foi,que ſendo elle hum,dosý mais eltorvavaó a elRey
Dom
.
DEL -REY DOM FERNANDO . 173
Dom Fernando cazar com Dona Lianor Tellez,receando o odio, que lhe
ella teria,fe foi com ſeus filhos para Caſtella,a viver com elRey D. Hen
rique,a quem muitos annos ſervira,aſlim na ida de França, como nas guer
tascom Aragão,& com elRey D. Pedro; & deixou a elRey D. Fernando,
cujo privado, & muy aceyto era , &que o fizera rico homem , de cujo con
felho ſe elRey D.Henrique muito ſervira.
El- Rey Dom Fernando, aflim comofora dito a elkey D. Henrique, an
dava tratando concertos, & amizade com João Duque de Lancaſtro filho
ſegundo delRcy Duarte o III.de Inglaterra, que eracazado ſegunda vez
com a Infante Dona Coſtança, filha mais velha delRey Dom Pedro de
Caftella, & pertendia por ſua mulher, ſer Rey de Caſtella, & de Liam ,&
affim ſe nomeava em ſeus titulos. Peloque o Duque mandou ſeus Embai 1

xadores a elRey Dom Fernando. Os quaes com elle firmarao ſuas avenças
por eſta maneira: Que ſe ajudaſſem hum ao outro por mar, & por terra
contra Dom Henrique,que ſe chamava Rey de Caſtella, & contra Dom Rey D.
Pedro Rey de Aragam. E queſe o Duque entraſſe por ſua peſſoa em ca- do faza
da hum dos ditos Reynos, tambem entraſſe elRey D.Fernando,& que as vença có
ajudas foſſem á culta, & defpeza do que as fizeſſe. E que toda a couſa que o Duq
elRey D Fernando tomaile do Reyno de Caſtella,que nað foſſe Villa, ou de Lacaſ
trocótra
Caſtello, foſſe ſua! E que o que ſe tomaſſe no Reyno de Aragão foſſé do elRci de
que a comafle,& outras taes capitulaçoens . E acordados alim mandou el Caftella.
Rey D.Fernando Vaſco Dominguez Chantre de Braga a Inglaterra , para
o Duque jurar, & firmar as ditas capitulacoens.
AclRey Dom Henrique peſava muito de aver guerra com Portugal,
& ſempre trabalhou por não vir a iſſo. E para mais juſtificação ſua, an
tes queentraſſe noReyno, mandou por Embayxador a elRey D. Fer
nando Dom João Garſia Manrique Biſpo de Siguença,o qual achou em
Salvaterra de Magos. Onde perante os do Conſelho deu muitas razoens
de homem prudente,que elle era ,perque elRey não avia de querer guer
ta com el Rey Don Henrique( que tanto deſejou ſua ainizade. E propoz
alom diſto muitos queixumes de couſas,queelRey Dom Fernando fizera,
& conſentira a ſeus vaſſallos, contra o aſſento que tinha feito, & jurado,
E refpondendo às eſcuzas del- Rey Dom Fernando, proteſtou, que a paz
le quebrava porſua culpa, do que a Deos fazia juiz.Sabendo elRey Dom
Henrique do Biſpo de Siguença, que lhe compria fazer guerra, acordou
de a mover. E tambem os do ſeu conſelho erão de parecer que a fizeſſe:
mas que a dilaraffe atè o verão ſeguinte, affim porque não tinha as gentes
preſtes, como por falta que de preſente tinhade dinheiro, & de outras
couſas neceffarias. E temendo que a elRey Dom Fernando vieſſe ajuda
de Ingreſes, quiz antés entrar em Portugal. E iſto meſmo lhe perſuadia
Diogo Lopez Pacheco,dizendolhe queentraffe logo em Portugal,& que
o primeiro lugar,queacommetteſle, foſſe Lisboa , que facilmente podia
Gg tomar.
CHRONICA
tomar. E que cobrandoaquella Cidade,entēdeſſe que tinha todo o Rey
no,& que per hi acabava ſua guerra. E logo elRey D. Henrique eſcrever
aos povos,que à preſſa ſe ajuntaſſem onde elle eſtiveſſe, & mandou a Mel
fer Ambroſio Bocca negra , ſeu Almirante, que armaſſe ,em Sevilha doze
galès , & que com ellasfolle a Lisboa, para ondeelle entam hia cami
nhando.
ANNO Sendo Setembro meado daquelle anno de 1372.partio elRey Dom
137 2. Henrique de Zamora para o eſtremo de Portugal, onde aguardou por ſuas
gentes. E entre tantotomou Almeida, Pinhel,Linhares, Celourico, & a
Cidade de Viſeu, que foi facil de aver, por nam ſer cercada de ma
Infante neira alguma. Eſtando elRey Dom Henrique naquella Comarca , ſe foi
D.Diniz para elle o Infante D.Diniz,irmão delReyde Portugal, como concertàra
como ſe com Diogo Lopez Pacheco,quando cà viera. O qual elRey D. Henrique
paſſou a recebeo co muita honra , &gaſalhado.E antes q ſe elRey dalli partiffe,fir
e/Reide be como era vindo a Caſtella hú Cardeal Legado da Sé Apoſtolica, que
Caſtella.
ſe chamava Guido de Bononia,Biſpo Portuenſe, peſſoa de grande autho
Cardeal ridade,& da linhagem dos Reys de França, para tratar paz entre elle, &
de Bolo-c1Rey de Portugal,de quem recebeo húa carta, em que lhe dizia a razam,
nha co- porque era vindo a ſeu Reyno, & onde elle mandava que foſſe. ElRey Ibe
moueyo mandou ſua repoſta, & que entre tanto ſe foſſe a Guadalajara, onde eſtava
a cócer.
tar os a Rainha ,& os Infantes, & que muy preſtes eſperava acabar o q tinha para
Rcys dc fazer em Portugal,& ſe tornaria a Caſtella,onde fallarião, o Cardeal en
Portugal tendendo pela carta delRey,que ſua tenção era proſeguir a guerra, & que
&la: Carte por illo dilatava everſe comelle ,ouve por bom conſelho ir a elRey, onde
quer que eſtiveſſ .
Eſtando elRey em Coimbra, ſoube como elRey Dom Henrique deter
minava em breve de lhe entrar no Reyno, nam crendo, que elle antici
pafle a guerra. E pož ſuas fronteiras pelas Comarcas. E logo mandou
chamar muyta gente de Riba de Guadiana, & da Eſtremadura, para lhe
impedir o caminho em hum grande,& eſpaçoſo campo, que eſtá leis lego
as de Coimbra, indo para Lisboa, que ſe chama o Chão do Couce, onde
todos lhe dizião ,queo devia de eſperar.Mas depois acordou , que era mc
lhor eſperalo em Santarem, & alli pelejar com elle. Porý quanto os Caſte
Thanos maisentraſſem pelo Reyno,tanto virião mais deſgarrados, & falcos
de mantimentos, & fe poderiáo melhor desbaratar.Com eſta tenção parcio
elRey de Coimbra,onde ficou ahi a Rainha,& algūs fidalgos cõ ella, & ve
yolea Santarem,& ahi mandou vir toda a gente,que fe apuraffe.
ElRey Dom Henrique como lhe vierão as gentes porque eſperava, ve
yoſe caminho de Coimbra,& ahi ſe ajuntàrão com elle o Meſtre de Santi
ago,& o Meſtre de Alcantara ,& a gente de Andaluzia, que entrara por a.
quella Comarca.ElRey D. Henrique ſe apoſentou em Tétugal. O Code
D.Sancho ſeu irmão,nos paços de Santa Clara, que eſtão no arrabalde da
Cidade
DEL-REY DOM FERNANDO .
Cidade.O Infante D. Diniz,Diogo Lopez Pacheco, & Lemoſim, ſe aloja.
sao em S.Franciſco ,Joam Roiz de Caſtanheda em Santa Anna , Pero Fer
nandez de Velaſco em Cernache ,& affim os outros por outros lugares ao
redor,& não cercàraó a Cidade, mas ouveraõ-ſe como quem hia de cami
nho. Poſto que na ponte da Cidadeouve hűa eſcaramuça, em que foram
prezos alguns Portugueſes. Naquelles dias que elRey de Caſtella eſteve
em Coimbra,pario a Rainha a Infante Dona Beatriz,que depois foi Rai- Narci
nlia de Caſtella. ElRey Dom Henrique partio de Coimbra, fem ſe def- mento
viar da eſtrada,como fizera, depois que entrou em Portugal. E em Toro da Info
res Novas ſoube comoelReyDom Fernandoeſtava em Santarem ,& que ficatriz
alli ſe avião de ajuntar os Senhores,& fidalgos, & o Concelho de Lisboa,
para The dar batalha. E em Torres Nouas eſteve elRey D.Henrique orde }

nando ſua batalha,cuidando que ſe não eſcuzaffe.E elRey Dom Fernan -


do mandou a todos os ſeus fidalgos, & vaſſallos, que eſtiveſſem preſtes, pa
ra quando viſlem ſeu recado.E muitos vendo que os não chamàvão ſendo
cRey de Caſtella entrado já no Reyno, eſcreveraó a elRey, que eſtavam
aparelhados, para o ſervir. Outros vieraõ pela poſta lembrarlhe, que ef
tando os inimigos tam perto,naõ compria tardar mais; mas que faille fora
a tomar o campo,& que foſſe afaſtado da villa antes que perto. ElRey os
mandou tornar, para onde eſtavað, & que não vieſſem até recado feu. o
meſmo mandou dizerao Meſtre de Avis ſeu Irmão , que eſtava em Torres
Novas, que como moço que era,& de grandes eſpiritos, deſejava de ſe ver
onde ganhaſſe honra , & receava que por ſua pouca idade, o deixaffe
elley em caſa,& rogava a ſeu Ayo, fizeſſe, com que nao ficaſſe elle . O
Concelho de Lisboa,que no ſerviço dos Reys ſempre foi o primeiro, eſta
va já na Azambuja,lugar diſtante de Santarem cinco legoas,a quem elRey
tambem mandou,que ſetornafle , & nao foſſe mais por diante. ElRey de
Caſtella quando iſto ſoube, caminhou para Santarem , & em huns Paços,
que chamam Alcanhães, foy certo, que elRey Dom Fernando nao que
sia pelejar com elle. Entam fc partio para Lisboa, ſeguindo o conſelho
que lhe dera Diogo Lopez Pacheco,ſendo defanove dias de Fevereiro do ANNO
anno de 1373. & o caminho fez pelos Feijoais, & pelasAbitureiras, fem 1373 ,
The ſer feito impedimento algum .ElRey D. Fernando quizera fair a elle,
com aquelles q conſigo tinha,vendo q ficava afrontado em o não fazer, &
que eſtando já armado,& a cavallo com muitos dos ſeus q hi eſtavão,lho
eſtorvavao o Conde D.Jõao Tello,& o Prior do Hoſpital,& fizeram defRey D.
cer, & deſarmar,dizendo :que nao convinha a ſua honra ſair com menos deFernádo
tres,ou quatro mil de cavallo.E diſto foraó mui notados o Conde ,& o Pri- notado
or, & ElRey cõ elles. Porque ſe dera de eſporas ao cavallo,todosos ſeus o de nam
ſeguirao, & morrerao por elle.Hum dos que mais iſto reprovârað, & afea-fair a cl
ram , foy Joam Sanchez,a quem chamavam Cavalleiro de Santa Cacheri- Rcy.D.
na, era daquelles que ſe vieraó deCaſtella para elReyDomFernando, Hérique
Gg 2 depois
CHRONICA
depois da morte delRey Dom Pedro por não ſervirem a elRey Dom Hen
rique.Dizia eſte cavalleiro,quemoſtrava elRey Dom Fernando muita co
vardia,em não ſahir a pelejar com elRey D.Henrique,& fallou niſto tātas
vezes, & tão em publico, queelRey o veyo ſaber, & diffe aos que ahi elta
vão,quenão curaſſem de ſuas palavras, que era villáo filho de hum aze
mel, que fora de ſeu pay. João Sanchez com a grande, & boa diſpoſição
que tinhado corpo, era de animomuy esforçado ,& audaz, & quando fou
be o que el Rey por elle diſſera, ſentio muito.E hum dia lhe diſſe em fu
blico Senhor a mim me diſſerão,que vòs dizieis, que eu ſou filho de huma
azemel de voſſo pay . Em verdade vos affirmo,que ſeo elle foi em algum
tempo,eu o não lei, & fe o foſſe, foi o dehum muy nobre Rey. Mas oque
eu ſei em certo he,queſe vôs tivereismuitos azemeis como eu , que vos
não paſſara elRey Dom Henrique pela porta,como paſſou , nem ganbara
convoſco tanta honra. ElRey ſe calou ,& não reſpondeo àquellas pala
vras. Mas os fidalgos, que ahi eſtavão, diſſeram a João Sanches, que não
curaffe daquellas razoens. E como he cuſtume,dos que tem algum grao
mais da nobreza de avòs,que da ſua propria, que he a verdadeira , & legi
tima nobreza,eſcarnecião,do que loão Sanches diſſera,algunsque não erão
para tanto como elle,
Deixando pois elRey Dom Fernando entrar tanto pelo Reyno a el
Rey Dom Henrique fem dar ordem,como os homens ſe avião de defen
Rey Dó der, entravão os Caſtelhanos pelos lugares achando as gentes deſcuida:
Henrių das,jantando,& ceando,que vião os inimigos á porta, & não o crião. Os de
comove-
yoa Lis
Lishoa,ſabendo comoelRey DomHenrique paſſara per Santarem ,ſem el
boa de Rey Dom Fernando Iho impedir,forão mui triſtes.I'orquea principal par
fubito te da Cidade, & da gente mais grolla eſtava fora do muro,que era a cer
ca velha, queagora corre da porta do Ferro atè a porta de Alfama, & do
Chafariz delRey , atè a porta de Martim Moniz ;, & tudo o mais ficava
devallo. Huns erão de parecer, que antes de ver o inimigo ein caza fofa
ſem eſperar a elRey de Caſtellaà ponte de Loures ,& que ahi morrefem
como homens. Outros dizião, que apalancaſſem asruas nas ſaidas da Cida
de, & qos Frades, & Clerigos tomaſſem armas, & afli ſe preparavão para a
defenſao. Entretăto chegou elRey D.Henrique mui de eſpaço aos 23 dias
de Fevereiro com ſeu exercito, & o Infante D. Diniz com elle, per cima
de Santo Antão,que agora he o Moſteiro da Anunciada, & dahi per Val
verde para ir pouſar no Moſteiro de Sam Franciſco. Os da Cidade vendo
tamanho poder, como trazia, não ouſàrão pelejarcom elle,& ſe metterão
da cerca para dentro com tanta preſſa, quanto foi o deſcuido,que tiverão
de em tempo ſe proverē.E levavão dentro as melhores peças,& couſas pre
cioſas, que tinhão com grande torvação,& perda de ſuas fazendas.Porque
as peças ricas, que inetião com a preſſa, deitavão no chão, para tornaren
por outras, & quando levavão as ſegundas,não achavão as primeiras.Por
que à
DEL -REY DOM FERNANDO . 575
quea gente popularſe aproveitava,do quemelhor lheparecía,
Quando elRey,vio, queo de Caſtella paſſava per Santarem , & hia fox
brc Lisboa,mandou o Conde Dom Alvaro Pirez de Caſtro , que era Al-,
caydemor daCidade,ſe vieſlę metter noCaſtello,paraſegurança, & guar
da delle & a Meſler Lançarote Peſſano ſeu Almirance, Vaſco Martins de
Mello, & João, Focim Capitão da Frota, que vieffem impedir as Nãos de
Caftella, que nam entrafiem ein Lisboa. E tendo armadas quatro galés,
querendo Joao Focim ſair com ellas, & com algúas Naos,que eſtavaõ pre- !
fies, a pelejar com as galesde Caſtella,quenão vinhão bem armadas,oAl.
mirante com grande covardia,nam quizconſentir niſſo: Peloque as galès
de Caſtella,que vinham com grande receyo, entràram, & ſe encheram
de gente, & vieram contra as galès de Portugal de maneira, que lhes con
veyo acolherem -ſe pelo Tejo acima, & meçerem -ſe em certas rias, onde
nao podeſfem receber dano. E quando os das galès,de Caſtella viráo, que
nam podião fazernojo às de Portugal, aferràrao logo com as Nãos; & co .
mo ellas eſtavam com pouca gente, tomarão algúas dellas, & ficou o mar
pelos Caſtelhanos. Pela qual razam elRey Dom Fernando tirou a Meſler
Lançarote o Almirantado, & odeu a D.Joam Afonſo Tello irmão da Raj.
nha. Porque nao ſomente deixou de cobrar as galès de Caſtella, inas deu
azo a ſe perderem as nàos de Portugal.
Einquanto elReyDom Henriqueeſtava ſobre Lisboa, como ſe fabia,
que Diogo Lopes Pacheco, o fizera vir, & avia fama, que o meſmo Dio
go Lopes tinhana Cidade muytos ſervidores, que dariaó azo,com que
elle a cobraffe, ouve grande alvoroço, por ſuſpeitas que tiveram de al
guns, que favorecião as partes delRey Dom Henrique , que creraó a
Cidade era vendidapor elles. Dos quaes era hum Lourenço Martins da
Praça,aquelle Cidadão que criou a Dom João Meitre de Aviz,que depo
is foi Rey ,& Martim Taveira,Afonſo Collaço,& Afonſo Peres , & outros
dos mais honradosda Cidade. E ſem mais detença foraő tomados,& mea
tidos a tormento. E ſem confeſſarem couſa nenhía, dillerað alguns q hum
criado de Lourenço Martins merecia ſer arraſtado. E prendendoo logo
ſem eſperar por beſta, o levarað com as mãos, arraſtando pela Cidade,& o
fizerao em poftas. Outro tomarao, & pozerão na funda de hum engenho,
que eſtava armado ſobre a porta da Sè, & quando desfechou,lançou-o por
cima da Igreja entre as torres dos ſinos, & cahio vivo. Entao o lançarào ou- ,
tra vez contra o mar,onde cahio, & afli acabou Osoutros que forão preſos
foltàrao, & pozeráo grande guarda na Cidade.E elRey D. Henrique, fa
bendo que os Frades do Moſteiro de S.Franciſco, em que elle pouzava,
tomárað armas para ir pelejar contra elle, quando ſe ſoube que vinha,
dile, que nam era bem eſtar elle entre ſeus inimigos , & mandou tomar
duas barcas, & meter os Frades nellas,& lançalosao mar ſem barqueiros,
q as governaffem ,para paſſarem alem do rio.E elles que ſabião remar,levâ
Gg3 tão as
OCHRON I CA.
rão as barcas da outrabanda do tio, & aflim ſe ſalvarao.E querendo ôs fi !
dados poreſta culpa dos Fradesroubarlhes a Sacriſtia; elRey lhodefen
deo , ..:: 09 cvet )
Como os Caſtelhanos eſtavam tamchegados aos murosda Cidade,que
pouzavâő por eſies Moſteiros, & caſas deſamparadas de feusdonos,com
iuytas alfayas,& fazenda dosſenhores dellas,avia cada dia eſcaramuças,
de que ſahião feridos, & erão prezos de hũa parte & da outra , como foi
Valco Martins de Mello,cuja era a guarda da porta do mar. O qual ſaindo
hum dia à eſcaramuçar com Joao Duque, tinha ahiperto nos açougues
ſua guarda,foi ferido, & derribado em terra,defendendoſefem aver quem
Ruano- lhe acodifie;porquecuidava que fahião com elle todos osde ſua parte, 5
Lisboa aquella hora lhe faltaram ,fendo o JoaoDuque acompanhado detodosos
queima ſeus. A iſto chegou Gonçalo Vaſquesſéufilho,& o 'defendeo,que o nam
dapelos mataſiem . E tanto eſtiverao hum ,& outrodefendendoſe, que foram am
Caitelha bos feridos,& prezos. E ao outro dia;vindo-osver Diogo Lopez Pache
nos, & a
melhor co á caſa de Joao Duque,teve VaſcoMartinsmáspalavras com elle , di
parte da zendothe,quepor ſua caufa,&
perfuaçao, fazia elRey Dom Henrique a
cidada. quella guerra, & le viera lançar ſobre Lisboa.O que não fora de bom Por
tüguez,fiem bom natural. E ſabendo elRey Dom Fernando,como Vaſco
Martins,& ſeu filho erao prezos,mandou a Sines por Pero Fernandes Ca
beça de Vacca,queforatomado naquelle lugar em hūa galè das de Caſtel
la,que fora dar á coſta com tormenta,quando pór alli pallavaó, & derao a
troca delle Vaſco Martins, & ſeu filho. ..
Andando aflim neſtas eſcaramuças, fairað huns Portugueſes pela porta
do Ferro,& tanto ſe eſquentarao na peleja, " que levar að os Caſtelhanos
pela RuaNova,bem atè a metàde della. ElRey Dom Henrique,que el.
tava vendo tudo a ſeu ſalvo do miradouro de S. Franciſco, onde pouſava,
louvando perante os ſeus o animo daquelles Portugueſes, recreſceraõ tan
tos Caſtelhanosem ajuda daquella eſcaramuça,que por força fizeraó reco
lher os da Cidade dentro da porta, nao fem granderiſco . E alli foi en
tam prezo Garcia Rodrigues Meyrinho mór delRey Dom Fernando, fem
aver outro prezo,nem morto. E os que prendiaõ, reſgatavaó a troco de
outros dos contrarios ,& ás vezes por ſeu dinheiro.
Entre tanto,foio Conde de Gijon, filho delRey Dom Henrique, com
quatrocentas lançasa hum lugar cinco legoas de Lisboa, que chamão Caſ
caes,quepor ſer o ultimo lugar, que eſtà na terra de Heſpanha, naquella
par te por onde entrao na barra de Lisboa, he muy conhecido de eſtrap
geiros. O qual ſe deu logo,por nao ter gente que o defendeffe, & roubou
o lugar, & prendeo os que quiz. E por nao achar defenſaó nos lugares, &
termo da Cidade, ſe eſtendiaõ os Capitaés a roubar, & traziao grande pre
za.E pela melinamaneira,talàvað as vinhas,olivaes, & pomares, & quei
mavao muytas quintas de nóbres edificios, padecendo o miſeravelpora as
culpas .
1
DELREY DOM FERNANDO . 176
culpas de feu Prey;& 'dosque o aconſelhaváo. 'E porque as cazás,queef
tàvád pogadas ao moto,faziao danoaosdedentro,porque dellaslhes tie
ravão os inimigosàsbèſtas,prdenarão de lhepor fogo,& por fenão eſcon
derem ali .. OsCártelhanos,quando iſto vijão,começárão de roubar todas
as cazas, & depois, queas deſpejárão, lhes pozeráo o fogo emmuytas par
tes, divendo,que pois os Portugueſes começarão , querião ellesajudalos
aqueimar a Cidade de verdade. E ardeo toda a Rua Nova, & a fregue”,
ſia da Madalena,& de São Giam ,& toda ajudiariacom a melhor parte da
Cidade. E pera memoria daquelle grande incendio,tomárão humas fer
moſasportas da AlfandegadaCidade, para levarem a Caſtella quando
ſe foſſem . E aſſim quizerão levar huns cavalleiros de bronze, muy bem
feitos, queeſtavão no chafariz, a que ficou o nome dos cavallos, per cujas
boccasſahiaaquella groffa agoa.Mas os Cidadaons prevenirão niſſo,&
os guardaram quelhosnain toinaſſem por let couſa publica, & que ſendo
levåda, o terião por afrontar Eftescavallos , que por o nome que derão
áquella fonte, & por aquella differença que os antigos tiverão ſobre el
les; os ouverão de conſervar os Governadores da Cidade, neſtes dias pro
ximos, como pouco curioſosdas antiguidades mandàrão ſem propoſito
tirar,donde tantos tempos eſtiverão,01.0i )

Entretanto queLisboa eſtava cercada, entrou entre Douro;& Minho,


Pero Rodriguez Sarmiento Adiantado deGalliza,& Joam Rodriguez de
Viedma, & outros fidalgos daquella Provincia,& chegàrão correndo a ter
ta atè Barcellos. E para pelejar com elles,ſe ajuntárão muytosdos l'ortu
gueſes,comofoiDom Henrique Manuel Conde de Sea, tio delRey,& ir
mão da Rainha de Caſtella,Dom Fernando,João Lourenço Bubal,Fer
nãoGonçalvez deMeira, Nuno Viegas o velho,& outros fidalgos, & os
Concelhos do Porto, & Guimaraens. Os fidalgos Caſtelhanos determinâ
tão de os eſperar, & lançar huma groſſa ciłada em ham lugar eſcuſo, &
começada a pelejalevavão os Portugueſes a melhoria. Mas ſaindo Joam
Roiz de Viedma da cilada, em que jazia com grande roìdo, por ſerem mui
tos,começou logo de fugir hum eſcudeiro,que trazia a bandeira, do Con
de Dom Henrique,& osoutros começarão a bradar: Vaiſe a bandeira.
Dom Henrique lhes diſſe, que não curaſſem dabandeira. que era hum pe
daço de pano, que ſe hia, mas curaſſem do ſeu corpo,queallieſtava,em G
deviam de ter mais esforço,que na bandeira, & que trabalhaſſem por ven
cer. Entao pelejarao atè que foram vencidos & desbaratados. Nuno Gó
çalves que tinha o caſtello de Fatia, quando vio ir os Portugueſes para ef
ta peleja, ſabio da Villa cõ alguns dos que tinha , cuidando dar de ſubito
nos inimigos, & que huns de húa parte, & outros da outra, os colheffem
no meyo. Os Caſtelhanos,que tinhão ja vencidos, & desbaratados os pri
meiros,voltáraó ſobre Nuno Gonçalves,& foi vencido, & prezo, & alli
morteo Joao Afonſo Bubal,& forao prezos Nuno Velho, & Eftevao Gó
Gg 4 çalves
CHRONICA :
çalves deMeira,& o CondeDom HenriqueManuel fugio para Ponte de
Lima, Dos homens de armas,& de pè førão preſos atė cento, & alguns
cidadãos do Porto: dos quaes foi bum Domingos Pirez das Eiras cidadão
principal, qual deu por ſi dereſgatedez mil Francos de ouro. E al 06
verão osCaſtelhanos, muyto dinheiro de reſgate de outros cavalleiros.
२. nenhum cuidado tinha ma.
Nuno Gonçalvez na priſao,em que eſtava, 1
1

yor que o do Caſtello de Faria, que lhe elRey entregara, & elle deixára
encomendado a hum ſeu filho, & cuidava aquillo que podia acontecer,
que eralevaremno ante o muro, &dandolhe algum tormento,ou amea
çandoo, queo filho vendoo averia piedade,& ſe moveria a darlhes o caf
tello. E porque não tinha maneira para o foſtentar, diſſe a Pero Rodri
griez Sarmento, que o mandaſſe levarao caſtello, & que elle diria a ſeu fi
Iho, que nelle ficava,que o entregaffe. Pero Rodriguez que difto foi mui
ledo,mandou que o levaflem logo. Chegando Nuno Gonçalves ao pè
domuro, chamou poro filho,o qualveyo à preſſa, & elle em vez de lhe
mandarque deſſe o caſtello aquellesque o levavão, diſſe ao filho, que
bem ſabia, como aquelle caſtello lhe fora dado por elRey, Dom Ternan
do, que o tiveſſe por elle, & lhe fizera por ella homenagem, & que por
fua delaventura ſaira delle, cuidando que niſſo ſervia a elRey. E agora 1

eſtava prezo empoder deſeus inimigos, os quaes otrazião alli para mair
dar a elle ſeu filho, que lhe entregalle ocaſtello. E porque iſto era cou 1
fa, queelle ſeu pay fazer não podia,nem devia, guardando ſua lealdade,
por tanto lhe mandava ſob pena de ſuabenção ,queo não fizeſſe, nem o
deſſe anenhuma peſſoa, ſenão a elRey feu Senhor,ou aquem ſua Alteza
lho mandaffe por ſeu certo recado. Os que o levavão prezo, quando
lhe aquillo ouvirão,ficarão eſpantados daquella ſua falla. E tendoſe por
eſcarnecidos, em preſença deſeu filho, matàrão aquelle bom varam de !
muy crueis feridas, que na fé, no esforço, & na conſtancia ſe podia igoa .
1
lar a Ateilio Regulo, que quiz perder a liberdade, & a vida por perſua
dir aos ſeus, que não entregaſſem os Carthagineſes captivos. Mas nem 1

por iſſo os Caſtelhanos ouverão aquella fortaleza. E porque aquella ter 1

ra era muy deſemparada,não podião todos caber no caſtello ,& alguns !


ſe acolhiáo entre o muro, & barbacảa em choças cubertas de colmo, que
alli fizeram , E ventando hum dia vento ſošo, tomou bum daquelles que 1
1

eſtavão fora hum colmeiro acceſo poſto em huma lança, & deitou-o en
cima das choças, & começarão de arder. Os do caſtello ficarão muy ano,
jados por a morte de Nuno Gonçalvez, que lhe aſſim viráo dar, não tive
rão cento no fogo, que deitarão eſtandomuito eſpantados das palavras,
que diſſera ao filho. O fogo era tam grande por cauſa do vento que ſenio
1
pode remediar,& arderão todas as choças com quanto nellas avia , &
muita gente com ellas. O filho de Nuno Gonçalvez manteve o caſtello, 1

como lheſeu pay mandou. Ao qual porque elegeo o eſtado Sacerdotal, .

deu el
DEL-REY DOM FERNANDO , 177
queManuela
prác prelieve deu elRey D.Fernando bum muy opulento beneficio . "
mingo Pierder O Cardeal de Bolonha, que partira da Cidade Rodrigo por fallar a

z no! Frascotas « Rey Dom Henrique,não pode vir a Lisboa, em cujo cerco eſtava, ſem
Pijet ផង piineiro paſſar per ondeeſtava elRey Dom Fernando,que era em Santa- ANNO
rem. Pelog chegou ahi o primeiro dia deMarço daquelle anno de 1373. 1 373.
va mahangaika
Rey ergeni xa.não Eavendo mais que nove dias, que elRey Dom Henrique por ahi palla
propondo da parte do Sancto Padre,que o mandara, muytas razoés
aquilo que pod para lue perſuadir paz,& concordia com elRey de Caſtella, por ambos
de algun vortice ferem dous defenſores da Fé na Heſpanha :elRey lhe refpondeo ,que aves
& temorela: ria ſeu conſelho,& lhe reſponderia. E porque elle tinha perdida a eſpe
akonea,n di rança das gentes, que mandara buſcar a Inglaterra, que eſtando preſtes a
tello, que via činco meſes por cauſa do tempo não vinhão,& ſeu Reyno entre tan
Rokaiguaqe topadeciamuito trabalho,& eſtrago, conſentio em vir a concordia com
O NeroC. el- Rey de Caſtella. O Cardeal muy contente fe partio para Lisboa. E
pre1, &eller dizendo elle outras taes razoens a el-Rey Dom Henrique , achou von
‫ز‬

cravão, dia tade nelle de querer vir a paz ,& amizade com elRey de Portugal , ſen
porelley Cia do acordados em certos apontamentos, que logo o Cardeal fez declarar,
hemengen,. & com elles ſe foia elRey Dom Fernando. O qual ordenou por ſeus
ſervia ela Procuradores,Dom Afonſo Biſpo da Guarda, & Ayres Gomez da Sylva
sotrazidoel teu ayo , que forao a Lisboa com o Cardeal. E de tal maneira andaram
Eparge tratando entre os Reys,que aos 19 dias do meſmo mez de Março forão
cardaibh is publicadas pazes perelRey Dom Fernando, & os do ſeu Conſelho .En.
DPO 120 tre outras condiçoens della era, que foſſem amigos entre fi, & juntamen
, ou aquar te com elRey de França,contra elRey de Inglaterra, & contra o Duque
de Lancaſtro,& ſuas gentes. E que elRey Dom Fernando foſſe obriga
# do a ajudar a elRey Dom Henrique tresannos,com 2 galés armadas à cuf
cucle bir ta do meſmo Rey Dom Henrique. E iſto tantas vezes, quantas el Rey
21.ca Dom Henrique armaffe ſeis galès, ou mais, contra Ingleſes. E que palia
dos os tres annos, que ſe avião de começar no mez de Mayo ſeguinte,
ud
aAuyli',s que dahiem diante não foſſe mais elRey Dom Fernando obrigado de
G
70CG Ihas fazer preſtes. E que acontecendo, que gente dos Ingleſes vieſſe a al
gum porto de Portugal , que elRey defendeſſe,que lhe não deſſem man
‫بھی ک‬ timentos, nem armas,nem favor,nem conſelho : Mas os lançaſſe de ſeu
Reyno, & terras, como ſeus capitaes inimigos. E que dentro de 30. dias
ſeguintes depois das pazes firmadas, lançaiſe de ſeu Reyno as peſſoas, que
para elle ſe vierão de Caſtella, o Conde Dom Fernando de Caſtro, Suei
1o Anes de Parada, Fernand’Afonſo de Zamora, os filhos de Alvaro Ro
driguez de Aça.ſ.Fernão Rodriguez de Aça , Alvaro Rodriguez, & Lopo
Rodriguez de Aça,Fernão Goterrez Tello, Diogo Afonſo do Carvalhal,
Diogo Sanches deTorres, Pedro Afonſo Girão, Joam Afonſo de Baé
ça,Gonçalo Martijz de Caceres,Alvaro Mendez de Carceres, Garſia Pe
rez do Campo,Garſia Malfeito , Gregorio, & Fhilippote Ingleſes, Payo
de Mei.
CHRONICA
de Meira,0 Deão de Cordova,Martin Garſia de Aljezira, Martim Lopez
de Cidade, NunoGarſia,Gomez de Foyos,Joam do Campo,Bernardo A
nez, João Fernandez de Andeiro, João Focim , Fernão Perez, & Afonſo
Gomes Churrichiáos. Eſtes 28 homens nomeava elRey,quefoſſem lança
dos de Portugal, ſegurando- os permar,& per terra, atê ſerem poſtos em
ſalvo. Foi mais allentado, que elRey Dom Fernando perdoaſfe ao In
fante Do Diniz ſeu irmão,& a Diogo Lopez Pacheco , & a quaeſquer oua
tras peſſoas, que em favor delRey Dom Henrique foráo. Aos quaes fem
embargo de quaeſquer ſentenças, & penas, ſeriáo tornados ſeus bens, &
couías. E aſſim meſino perdoafle a todos os lugares, que por Senhor o
receberão. Aſſentàrão mais ,que a Infante Dona Beatriz irmāa delRey
Dom Fernando, filha delRey Dom Pedro, & de Dona Inez de Caſtro, ca
zaſſe com Dom Sancho, Senhor de Albuquerque, irmão delRey Dom
Henrique, filho delRey Dom Afonſo XI, feu pay, & de Dona Lianor
Nunez de Guzmão. Eſtes capitulos, & outros forão firmados, & jura
dos per ambos os Reys, & per muitos Senhores,& fidalgos de cada hum
dos Reynos, & per 20 Cidades, & villas, que elles nomeàrão. E porque
elRey Dom Henrique ſe temia,que elRey Dom Fernando lhe guardalle
tam mal eſtas capitulacoens, como as de Alcoutim, pediolhe em arrefers
lugares,& peſſoas por tres annos. Os lugares forão,a Cidade de Viſeu, as
yillas de Miranda, Pinhel, Almeida, Celourico, Linhares, & Segura. As
peſſoas forão,Dom João Afonſo Tello irmão da Rainha,Dom João Con
de de Vianna, filho deDom João Afonſo Conde de Ourem , Nuno Frei
re, Rodrigo Alvarez Pereira filho do Prior do Crato,o Almirante Lança
rote Peſſano . O qual pedio a elRey Dom Henrique por andar em Por
tugal afrontado , por o cazo das galès, de que o priváram . Eftes nobres,
& outros pedio elRey de Caſtella, que lhe deſſem , & mais feis filhos
de Cidadaens de Lisboa, & quatro de Cidadaens do Porto, & quatro de
homens principaes de Santarem, quaes elle eſcolheffe, que conſigo levou.
Como as pazes forão confirmadas, foi aſſentado, que os Reys ſe viſe
ſem no rio do Tejo em bateis, para tratarem de algumas couſas, & firmi
rem outra ves as pazes, & capitvlaçoens dellas . E logo elRey Dom Hc.;
rique ſe partio caminho de Santarem com feu campo, tirando muycos,
que ſe forão nas galès, em que levavão o que roubarão na Cidade. Quan
do chegou a Santarem , poufou nos paços da Vallada, que fað meya le
goa da villa,em hum eſpaçoſo campo junto ao Tejo. o Cardeal fezz que
fe apparelhaflem tres bateis, dous em que foſſem os Reys, com certos que
conſigo avião de levar, ſem armas algumas, & o outro em que elle foſſe,
porque avia de fer fiel entre elles, & com elle os no tarios para darem fé
de tudo o que alli paffaſſem . ElRey de Caſtella, antes que vieſſe ao feu
barco,teveconſelho com os ſeus,ſe falaria elle primeiro a elRey de Pora
tugal quando ſe viſſem , ou ſe eſperaria que elRey de Portugal ſhefallaf
feaci
1

DELREY DOM FERNANDO. 178


fe a elle primeiro. Os do Conſelho lhe diſſerão ,que eſperaffe,que lhe fal
Jaſle a elle primeiro elRey Dom Fernando,porque elle era Rey de mayo
res Reynos,& mais antigos, deque o de Portugal procedera. E tambem
por elle eſtarnaterra delReyDom Fernando armado com todo ſeu po
der. ElRey Dom Henrique, que era modeſto, & mais confiado, que a
quelles ſeus Conſelheiros,lhes perguntou ,que deellefallarprimeiro a el
Rey Dom Fernando, ſe perdia per hi ſua honra? Elles reſponderão,que Duvida
a não perdía,masque o devia fazer, como lhe tinhão dito. Entam lhes ſobre
diffe elRey Dom Henrique, que pois de ſua honra não perdia nada, que- qual dos
Reysfa
ria uſar de corteſia,& fallarelle primeiro a aquelle Rey, como que não udaria
eſtivera armado, pois eſtava em ſua terra . Partio então el - Rey Dom primei
Henrique dos paços,em que eſtava com muytas gentes de armas, de ma- ro ao ou
neira que grande parte do campo era cheya, aſſim por defenfam del Rey tro.
como por ver a maneira, com que ſe os Reys fallavão. ElRey Dom Fer
4.
nando peroutra parte vinha de ſeus paços de Santarem acompanhado
]
de muita gente de armas, & chegando à Ribeira, onde chamão Alfange,
entrou em ſeu batel, & com elle o Infante Dom Joam, o Meſtre de San
tiago,Dom Joam Afonſo Conde de Ourem, & Aires Gomez daSylva,
que fora feu ayo . O Cardeal que tinha cargo de buſcar aquelles , que
avião de bir comos Reys, ſe levavão armas,achou aoInfante Dom João
huma adaga,& lhe pedio a não levaſſe dizendo que bem ſabia as conven
1
ças como forão entre os Reys, & alargou o Infante logo, & aſlin buſcou
ó Cardeal os Caſtelhanos ſem lhes achar arma alguma. Entam moverão
os baceis com osPeys em direitodo Cubello, queeſtá naagoa em Alfan
ge . E como forao juntos diſſe elRey Dom Henrique a elRey Dom Fer
nando, ao cuſtume das faûdaçoens antigas, que erão conformes à lei na
tural, & differentes das deſtes tempos improprias , & văas : Mantenhavos
Dens, ſenhor, muito me appraz de vosver, que he a couſa, que eu mais
deſejava.' ElRey Dom Fernando lhe reſpondeo per ſemelhantes pala
yras, & muy corteſes. O bacel do Cardeal eſtava em meyo entre os ba
teis dos Reys, &elle muy ledo por vero bom effeito de ſua embayxa . Rey Dó
da. E juradas alli as pazes pelos Reys,& tratadas algumas couſas, que Fernan
lhe comprião, fe deſpediráo hum do outro , & remarão os bateis cada dooma
lum para ſua parte. Forão muy contentes os Reys de ſe ver hum ao ou- is fermo
tro. E como elRey Dom Fernando era avido por mais fermoſo homem fodehome
ſeu
do ſeu tempo,& de mais Real preſença, & vinha ricamente veſtido, & tempo .
o que hia por arraez do batel era hum cavalleiro o mais gentil homem ,
& melhor diſpoſto, que avia na Corte, & que não hia menos ornadorno
veſtido, que o meſmo Rey ,& a barca hia riquiffimamente entapiçada,
como tambem hia a de el-Rey Dom Henrique, dizem, que diſfe o Rey
Dom Henrique para os ſeus como maravilhado: Fermozo Rey, fermoſa
barca,fermoſo arraez! Do qual arraez dizem, que ficou por appellido a
ſeus
! CHRONICA
ſeus deſcendentes os Arraezes ,que ainda hoje ha neſte Reyno. E chegado
a terra elRey D. Fernando,diſſe entre os ſeus com roſto ledo : Quanto cu!,
digovos,que venho Henricado. Iſto dizia elle, porque os que ſeguião as
partes de D.Henrique contra elRey D.Pedro, lhe chamavão então llen
ricados por mà analogia,dando elRey a entender, que vinha contente da
boa arte & modeftia , que vira em elRey Dom Henrique, & que ficava
feu amigo, & de fua parte. Ao qual na verdade muitos por ſuas boas par
tes crão affeiçoados.
Calamé
Como os Reys foraõ amigos,tratàrao defazer as vodas da Infante Do
to da In na Beatriz com o Conde Dom Sancho,ſegundo fora aſſentado, & aos dous
fante D. dias ſeguintes lhes forão feitas grandes feſtas, & juſtas, nas quaes juſtou o
Beatriz meſmo CondeDom Sancho,coin Martim Afonſo de Mello , & encontrou
com D. o Martim Afonſo de maneira, que deu com elle, & com o cavallo em ter
Sancho ra . Deſte Martim Afonſo de Mello,foifilho João de Mello, de que o Poc
irmão
del Rey
ta João de Mena faz menção,quede ſeu pay não degenerou, porque indo
D.Hen a Cortes de muitos Princepes fazer armas,ganhou muita honra na Corte
rique do Duque de Borgonha, & em Bafilea,& em outras muytas partes, per a
foi muy celebrado no ſeu tempo,como neſtas hiſtorias ſe farà menção. Ou
tro cazamento tratárão allios Reysde Dona Iſabel filha naturaldelRey
Dom Fernando ,que elle ouve ſendo moço , com Dom Afonſo Conde de
Gijom & Senhorde Noronha, filho outro ſi baſtardo delRey Don Hen
rique,lendo ella de nove annos, & elle de deſoito. E forão eſpoſados por
palavras de prezente pelo Cardeal de Bolonha,& fe fez outra grande fe
Calamé
fta ,como ſe fizera pelo cazamento dos lemãos dos Reys. Mas como eſte ca
tos força
Zamiento foi contra vontade do Conde,ouve nelle os deſgoſtos que ſóem
dos ou pela mayor parte ſucceder nos cazamentus,queſe fazem forçados, ou por
per von votade alhea,mòrmente entre moços de pouca idade. Porq como ſe acham
tadca- prezos, & obrigados, ſem ſe elles prenderem , & obrigarem,deſejão a liber
lhea não dade,que a todos he natural, & allim nunca entregãoas vontades. E aqui!
ſucedcm
bem . lo, que por ſua vontade lhes pudera contentar, ſe Iho offerecerão em tem
po,que ſe achaſſem livres,osdeſcontenta, quando o achaõ eſcolhido por
mão alhea . Alim aconteceo ao Conde Dom Afonſo,que depois que o re
ceberao com ſua eſpoſa Dona Iſabel,ſempremoſtrou por palavras, & por
obras quenão era contente daquelle cazamento. E aflim andou ella en
caſa delRey,atè que comprio os annos para cazar, como adiante ſe dià
Por eſte tempo teve principio em Heſpanha a Ordem de S. Jeronymo
Ordé de por eſta maneira : Eráo vindos avia algum tempo ao Reyno de Calielia
S. Icro- dous Ermitãos Italianos de nação , a quem fora revelado por hum Sar.co
nymo Religioſo ,que vindo a Heſpanha, fariáo hum grande ſerviço a Deos. Se
como
vcyo 2
ſe do aella vindos,fizerão ſuahabitação junto à Cidade de Toledo, em hum
inftituir. lugar Ermo. E correndo a fama da boa,& fanta vida que faziao , ſe chegi M
tão a ſua companhia muytos homens deſejoſos de ſervir a Deos,dos quar's
to
DEL -REY DOM FERNANDO . 179
foi hum Biſpo deJaem homem de ſanta vida,& algus homens nobres que
renunciarão ao mundo ,contentandoſe daquella vida follitaria; & afpe,
ra, a que os incitavão,a que aquelles ermitãos eſtrangeiros fazião. Viven.
do afim algunsannos em o ermo em choças, & em lapas, como entain
forecião as Ordensde Sam Franciſco, & Sam Domingos,erão tidos das
gentes em pouco, & mal recebidos, & ainda os perſeguião por dizerem
que vivião ſem ordem, nem regra approvada. Peloque vendoſe vexados
eſtes ſantos homens, determinarão de pedir ao Santo Padre Ordem, &
regra propria de viver. E eſcolherão para todos juntos viverem 'em
huma habitacam hum lugar ſolitario , duas legoas da Cidade de Guadas
lajara junto à villa de Lupiana, que he do Arcebiſpado de Toledo. Co
mo eſta Congregação hia ein augmento,pora boa vida que aquelles ermi
tios fazião, tendo ja ſemelhança demoſteiro , mandàrão a Roma alguns
Religioſosprincipaes de ſua companhia pedirao Papa Gregorio XI. Or.
dem ,& regra deviver,& confirmação della ſob a invocação deSam Jero
nymo,de que erão devotos. O Papa folgou de ouvir o lando zelo da
quelles homens,& ſe informou da vida,quefazião,lhes deu a regra de Sá
to Agoſtinho com o habito que hora trazem,& lha confirmou neſte an
no de 137 3. pelomesde Outubro. Confirmada a ordem ſe começou
a ennobrecer,& fe edificárão muitas cazas,de que a de Lupiana foi a pri
meira a ſegunda a de Santa Maria de Sisla, a terceira o Moſteiro de Sain
Guiſando junto com Sam Martim deVal de Igrejas, a quarta de noſſa Se
nhora deGuadalupe,a quinta a de Sao Jeronymo de Còrdova,que primeie
so ſe chamou Val de Paraiſo ,que fundou Frey Vaſco Portugues homem
nobre , & aflim outras muitas ein Heſpanha. Das quaes a primeira de Por
tugal ,foi a caza de Peralóga ,que fundou elRey D. JoãoI.no anno de 1400
à petição de hum Frey Fernando João ermitão,que alli naquelle feceſſo
fervia a Deos em húa ermida, em que fazia vida ſolitaria. Finalmente ſe
fundàr ão pelos Reys de Caſtella, & Portugal muitos Moſteiros dos mayo
ses 'em rendas, & edificios de toda Heſpanha ,como ſao os de noſſa Senho
ra de Guadalupe, & de Sam Lourenço do Eſcorial em Caſtella, & o de
noſſa Senhora de Belem em Portugal.
Eſta va avia muito tempo elRey Dom Fernando muy eſcandalizado,&
indignado contra elRey de Aragão,poro ouro, que para as deſpezas das
guerras lhe mandàra,com que ſe levantou,como acima eſtà dito. E ſe os
regocios de Caſtella o não torvárão, não deixara de ſe vingar no que pu
dera. E entre tanto deſejava de ſe confederar contra elle com algú Prin
cipe, que mais vizinho folle,porą como eſtavaCaftella no meyo,não po
dia per terra fazer guerra,fem conſentimento do Rey daquelleReyno, &
permar não ſe podia armar tam grande frota para acommeter hum Rey
no não ve zinho, ſem muita deſpeza, & ſegurança, & paz com ſeus vizi
nhos, elle não tinha, nem procurava.Peloque
Hh
eltandoo Infante D. Jay
sme de
;
CHRONICA
mes de Malhorca ſobrinho delRey de Aragão, filhode ſua irmãä, que en
tam era Rey de Napoles, por cazar com a Rainha Joanna, fazendo guerra
ao dito Rey de Aragão ſeu tio,porrazão do Reyno de Malhorca ,que di
zia,lhe pertencer permorte delRey D.Jaymes,quedelle fora Rey,& fora
privado do Reyno per o dito Rey D. Pedro ,ſabiaelRey de Caſtella,que
leus vaſſallos entraváo per algumas partes de Aragão, em ajuda do dia
Rey de Napoles ,& não lho eſtorvava dizendo queo fazião de ſeu proprio
moto, & não por lho elle mandar. No que moſtrava, que lhe não tinha
boa vontade . Doutra parte el- Rey Dom Fernando por as offenças;
que delle tinha recebido na tomada daquelle ouro, nenhuma couſa mais
deſejava , que achar maneira , & o accaſião para ſe delle vingar . Peloque
elRey de Caſtella mandou a Portugal Fernão Fernandez de Toar, fara
aſſentar novas convenças com elRey,alem daquellas, que nas pazes, de
q atrạz ſe faz menção,erão conteûdas.Ascondiçoens dellas forão, que os
Reys ambos ſe ajudaſſem contra el-Rey de Aragão, & feus herdeiros, &
ajudadores.E que elRey de Caſtella começaſſe fazer guerra à elRey de
Aragam ,per mar, & por terra deſde o dia que quatro galès del-Rey de
Portugal chegaſſem em ajuda del Rey de Caſtella, & entraſſem pelo
Rio de Guadalquibir; atè trinta dias primeiros ſeguintes, não avendo el
Rey Dom Henrique primeiro feito paz,ou tregoa com elRey de Aragio.
E que não alcaffe måo da dita guerra: ſalvo ſuccedendolhe tal necellida.
de,per que lhe comprifſe deixar fronteiros contra efle Reyno. Nas qua:
es galès elRey Dom Fernando avia de mandar o ſeu Capitão mór do
inar. E ſe antes, que eſtas quatro galės chegaſſem , elle não tiveſſe feitas
pazes com elRey de Aragão,queas não podeffe depois fazer, ſem conſer
timento delRey Dom Fernando, nem elRey D. Fernando, ſem conien
timento delle. E que em aquelle primeiro anno, que elRey de Caitella
começaſſe eſta guerra, que elRey Dom Fernando o ajudafle com 10. ga
lés bein armadas à ſua coſta,pagas deſdo dia, que chegaſſem ad rio de Se
vilha . E durando a guerra mais que aquelle primeiro anno, que elRey
Dom Fernando ó ajudaſſe cada anno com ſeis galéspor tres meſes. E pal
ſados os tres meſes,avendo ás elRey de Caſtella maismiſter, dahi em di
ante delle de foldo a cada huma galè por mes mil dobras cruzadas, pagan
doas no começo delle. E que no tempo que elRey de Portugal pagalie
ſuas galès,que qualquer couſa que ellas ganhafſem ſem companhia de oli
tras,ſe partille per todas igualmente. Eque quando foſſem pagas á cul
ta del-Rey de Caſtella, quanto ganhaſleni, fofle para elle. E le elRey D.
Henrique não quizefTe fazer guerra a elRey de Aragão ſenão per terra,
& el-Rey de Aragão lha quizeſſe fazer per mar,que então el- Rey de Ca.
ſtella The fizeſſe outra tal ajuda de galès com femelhantes condiçocas.
E armando el-Rey de Aragão tam grande frotta, que as galès de Caſtel
la com as de Portugal não ouſaſſem de pelejar com ella, que entam cada w

huin
DEL-REY DOM FERNANDO . 180
hum dos Keys que ouvelie de ajudar a outro,armaſle tamanha frota,que
com ſua melhoria podelle pelejar com ella. Eſtas, & outras condiçoens
forão poſtas nas avenças que el-Rey Dom Henrique mandou comerter
a elRey Dom Fernando.
ElRey Dom Henrique ſein embargo deſtas avenças,madou o propoſi
to de fazer guerra a elhey de Aragão ,aflim por acabar o cazamento de
1 :
feu filho com a Infante Dona Lianor filha do dito Rey de Aragão, com a
qual ja fora deſpoſado, & fenão effectuou o cazamento,porelfiey de Ara
gão ver a el-Rey Dom Henrique deſcaído na batalha de Najara. E tam
th
bem pertendia eſte cazamento,porque queria paz com elRey de Aragão,
para poder acodir a elRey de França , a queeſtava mui obrigado pelaaju
&; . da que nelle achou,com que cobrou o Reyno de Caſtella.Peloque mádou
pedir a eiRey D. Fernando,que em cazo que elle fizeſſe pazes,ou tregoas
com elRey de Aragão,antesque ſuas galès chegaſſem ao rio de Sevilha, o
não ouvelle por mal,porque effectuandofe a paz,ſua tenção era fer media
7

aneiro,para que elRey de Aragão emendaſſe o que contra elle fizera na


retenção do ouro,ğlhemandàra.E quemandaffe procuradorespara pode
rem negociar,o queniſſo compriſle,& que o ajudaſſe a elle com to galès
para contra Ingleſes em ajuda delRey de França. ElRey D. Fernando luca
cedeo aajudar a elRey D.Henrique com cinco galès por tres meſes arma
bi das á ſua cufta, & para o mais de Aragão, lhe mandou Gonçalo Vaſquez ANNO
de Azevedo ,& Lourenço Anes ſeus privados.
Quando veyo o anno de 1375.pora Condeſſa Dona Iſabel filha " 375 .
delRey Dom Fernando, que em caza delRey Dom Henrique feu ſogro Conde
andava , ſer de idade comprida para ſe fazerem as vodas, querendo el . de Gijó
Rey que ſe celebraſlem ,o Conde o recuſava, & ſobre iſſo paffarão tantas do
deſavin
couſas, & foi o Conde reprendido de ſeu pay com tanta aſpereza, que deſcu
receandoelle ſer preſo,fugio doReyno,& andouem França,& em Ati- paylas
here nhão, queixandoſe a elRey Carlos V.& ao Papa Gregorio XI. como ſeu querer
pay o cöſtrangia a cazar contra ſua vontade. ElRey vendo a deſobedien- receber
Das
3,
cia do filho,& apertinacia de não cazar com quem elle queria, lhe man- fua eſpa,
dou tomar as rendas,& as terras que tinha,de que deu algúas ao Duque D. fa.
Goud
Fadrique outro ſeu filho baſtardo, A Condeſla Dona Iſabel vendo iſto, pe
rante a Rainha Dona Joana,& outros muitos, reclamou os deſpoſorios,
que avia feito,dizendo que ella era á que não era contente de cazar com
19
o Conde Dom Afonſo , & tomou diſſo inſtrumentos. ElRey Dom Henri
que,que era bom Principe,ouve diſto grande deſprazer,& mandou dizer
ao filho, queſe logonão vieſſe a receber ſua mulher , o privaria de tudo
quanto tinha, & deixaria ſobpena de fua maldição a ſeu filho o Infante
Dom João, que nunca lheperdoalle, nem deſſe couſa alguma . Veyo en
tam o Conde à Corte, & mais com temor, que com vontade recebeo
ſua mulher. A qual o Conde não reculava
Hh ?
receber por nella não aver
grandes
CHRONICA
grandes partes,& de que elRey ſeu ſogro era mui contente.Maspor a af
pera condição delle,& por ſe ver cazado per inão de outrem.Com o qual
a Condeſla paſſou muitos infortunios, & deſterros,ſeguindoo a França,& a
outras partes,porelle andar deſterrado do Reyno,por ſua cõtumacia,& re
vellia cótra ſeus Reys,como mais largamente ſe verá nas hiſtorias de Cafe 1

tella,porque ſeus filhos não ouverão muitos eſtados, & reſidirão em Por
tugal. Porque delles nafcerão D.Pedro de Noronha, que foi Arcebiſpo
de Lisboa,& deixou muyra geração, Dom Joam de Noronha, Dom Fer
nando de Noronha, que foi Conde de Villa Real, & ſegundo Capitão
de Septa, de que vem a caza de Villa Real com o appellido de Meneſes,
nos primogenitos herdeiros da caza, por cazar elle com Dona Beatriz
de Meneſes filha herdeira de Dom Pedro de Meneſes Conde de Vianna
primeiro Capitão de Septa, & os Condes de Linhares com appellido de
Noronha . Item deixou Dom Sancho de Noronha,que foi Conde de O 4

demira,rle que deſcendem os herdeiros daquella caza, & Dena Cortan


ça de Noronha ſegunda mulher de Dom Afonſo primeiro Duque de Bra
gança,deque não ouve filhos. Emfim deſtes filhos do Conde Gijon,
Noro
& de Dona Iſabel filhos dos Reys Dom Henrique, & Dom Fernando,
Whos de procedea nobiliffima familia dos Noronhas de Portugal. A razam do
Portu- appellido de Noronha naſceo da villa de Noronha, de que era Senhor o
galorigé Conde Dom Afonſo de Gijon. Eſta villa he nas Aſturias, & ſendo em
de ſeu a- tempo del-Rey Dom Afonſo XI. de Caſtella Senhor della, & de muy
pellido. tas outras tetrás DomRodrigo Alvarez das Aſturias,& não tendo filhos
perfilhou a Dom Henrique, filho do dito Rey,& de Dona Lianor Nunez,
quando naſceo , & lhe deixou per ſua morte a villa de Noronha com os
mais bens.O qual ſendo Rey deu a meſna villa ao dito Dom Afonſo feu
filho natural ,
Querendo elRey Dom Henrique liarſe o mais que pudeſſe com elRey
ANNO de Portugal,que fora o mais duro adverſario,que tivera fobre a ſucceſſab
1376. do Reyno de Caſtella,q eſtava poſſuindo,tratou no fim do annode 1376
com elRey Dom Fernando, que D.Fadrique ſeu filho natural, & de huma
mulher nobre,que ſe chamava Dona Beatriz Ponce, cażaſſe com a Infan.
te Dona Beatriz primogenita,& herdeira delRey Dom Fernando. Para o
Delpolo que elRey ajuntou Cortes em Leiria pelo mez de Novembro , & nellas
rios de : foi recebida a Infante per procuraçãodelRey,& do Duque Dom Fadii
D. Fadri
que com que, per Fernão Perez deAndrade. E ao dia ſeguinte foi juradapor ſuc
a Infan- ceſfora dosReynos de Portugal, & do Algarve,& feito preito , & home
te D-Be- nagem , pelos eſtados do Reyno,en mãos de Dom Alvaro Gonçalvez Pri
atriz .
or do Crato, & de Dom Henrique Manuel tio delRey, & do Procurador
Ferio Perez,para que morrendo o dito Rey, fein deixar filho barão lesi
timo, obedeceffum por ſua Rainha à Infante Dona Beatriz, & ao Dus
que ſeu marido por Rey , quando ouvelle precedido entre elles co
pula.
DEL-REY DOM FERNANDO. 181
pula.E com os aſſentos que ſe tomáram ,mandou elRey Dom Fernando a
Caſtella Dom Pedro Tenorio Biſpo de Coimbra, & Ayres Gomez da Sil
va ſcu Alferez mòr. Os quais aſlentos elRey D. Henrique jurou em Cor- ANNO
dova a 19 de Janeiro do anno ſeguinte de 1377. 1377
O grande ſentimento que elRey Dom Fernando tinha de eRey de A
ragão,o fazia que nao cuidaffe em outra couſa ,ſenão como ſe poderia reſ- Concet,
tiruir .E quando vio que os eſpoſorios do Infante D.João primogenito de tos del
Caſtella le effeituarão com a filha do dito Rey de Aragão , & não a reſtitu Rey Do
ição do ouro ,a que Gonçalo Vaſquez , & Lourenço Anes Fogaça foram , com o
tratou amizade com Luis Duque de Anjou ,filho delRey de França , para Duque
ambos juntamente fazerem guerra a elRey de Aragão . E para iſto man- de An,
dou o Duque a Portugal por ſeus Embayxadores Roberto de Noyers Le- joul.
trado Juriſta ,& Ivo Gerval do ſeu Conſelho.Osquaes em Portugal, onde
elRey eſtava aſſentàrão ſuas capitulacoens. E para confirmação dellas , &
aſiento de outras , mandou elRey a França Lourenço Anes Fogaça , feu
Chanceller môr ,& João Gonçalves feu Secretario, & na Cidade de Pariz
fizerão ſeus concertos por eſta maneira : Que o Duque de Anjou fizeſſe
guerra a elRey de Aragam ,aflim pormàr,como por terra . E que a guerra
por terra ſe fizeſſe à cuſta do meſmo Duque ,& que na do mar puzeſle ela
Řey Dom Fernando a terça parte das galès,com tanto , que nam paſſaſſem
de quinze . E que ſegundo a deſpeza ở cada hum fizeſſe, ouvelle proveito
dos bens moveis, & deraiz ,que tomados foſſem do Reyno de Aragão , re
ſervando ſeu direito aos Capitaés,ſegundo coſtume da guerra . Item , que
todas as Cidades ,& fortalezas, que follem tomadas no Reyno de Malhor
ca,& ilhas de Menorca,& Iuiça, & no Condado de Roffelhon, & terras ao
redor, foffem entregues ao dito Duque. E que ſe elRey de Caſtella qui
zeſſe ſer neſta liga,fazendo guerra aoReyno de Aragão ,aſſim por már, co
mo por terra , ſegundo ja tinhaoutorgado ao Duque, que as fortalezas
quele tomaffem ein Murcia,& em terra deMolina,em que elRey de Caf
tella pretendia ter direito, queiſto meſmo lhe foſſem entregues.E que de
quaefquer outros lugares, que foſſem tomados,afora os acima ditos ElRey
D. Fernando foſſe primeiro entregue das duzentas & lincoenta mil dobras
de ouro, a que dizia ,elRey de Aragão lhe ſer obrigado. E depois que elle
foſſe pago, que todos os outros lugares foſſem partidos entre elles, fegun
do a deſpeza que cada hum fizeffe. Eftas & outras condiçoens forão,as que
puzeraõ em ſeu contrato de liga Mas ſe algúa couſa fizerão, nao ſe eſcre
ve. Porem ſabeſe, a não ſe effeituou,o ſ pertendião.
Neſtes tempos aconteceo, que o Infante D.João irmão delRey, fe veyo Amores
a namorar de D. Maria Tellez irmãa da Rainha D.Lianor, mulher que fo. do Infáte D. Jo
ra de Alvaro Diaz de Souſa fidalgo principal, & de muyta renda,quemor áo có D.
Tèo andando auſente deſte Reyno , por ſe temer delRey Dom Pedro, Maria
por dizerem que dormira com huma mulher, que o dito Rey converſava. Tellcz.
Hh 3 Era
CHRONICA
Era DonaMaria ainda moça ,& dotada de grande fermoſura, & gentile
za , & de muy boa fama, & condição generoſa, que ſuſtentava muytos fi
dalgos ſeus parentes. Porque alem de ſer rica demuitas rendas, adminif
trava ella o Meſtrado de Chriſto , que para ſeu filho Dom Lopo Dias The
· fora dado,& affim trazia grande caſa de Donas, & Donzellas, & officiaes, 1

como grande ſenhora. E vendo ella , que por ſua peſſoa não deſmerecia
de D. Lianor Tellez ſua irmáa,que alcançou ſer cazada com elRey D. Fer
nando , & ſendo ella mais moça,& ſem marido , & o Infante tam entregue,
Caſamé determinou de ſe aproveitar da occaſiao, & o mandou deſenganar,que ſe
to ocul com ella naõ cazaile, gaſtava em vão o tempo. O Infante vencido do 2
to do in mor de Dona Maria,& vendo que em tudo eſtava ella da ventagem de ſua
fante D. irmáa a Rainha,quando elRey a tomou por mulher, & que a culpa del
loão có Rey ficava deſculpando a ſua,& que Alvaro Dias de Souſa.com quem D.
D Maria Maria fora cazada,era de linhagem dos Reys,nam ſe atrevendo a mais di
Tellez ,
laçao ,a tomou por mulher,dizendolhe:que por entað o tiveſſe em {egre |
do. Eſtando aflim eſte cazamento oculto,veyo D.Maria a parir hum filho
encubertamente,que ſe chamou Dom Fernando de Eça.
A Rainha, a queſe eſte cażamento não pode eſconder, lhe peſca
muyto delle, & a quizera antesver cazada com hum ſimplez cavalleiro,
que com o InfanteDom Joam . Porque era Dona Maria ſua irmãa tam
bem quiſta de todos por ſuas virtudes , & boa condição, & o Tufarie
por ſuas grandes partes,& valor de ſua perioa, tam amado, & eſtimado
de todo o Reyno, que ſe temia, vendo quain inal-quiſta do povo ella
era,que ſe azaria couſa,perqueoInfante viria a fer Rey, & fua irmãa Rai
nha, & ella ficaria fora do Imperio, & mando. E tanto mais tenia if
to, quanto em mais creſcimento hia a mà diſpoſição delRey, que fe fizera
mui enfermo. E com a fagafidade, que a ella mais que a outras mulheres
era natural , dava a entender ao Infante,que do cażamento com ſua irmãa
Engano, não ſabia nada, & que folgaria de o ver cazado com ſua filha a Infante
& aſtu
cia da
Dona Beatriz . E para ordir eſte engano, induzio ao Conde Dom João
Rainha Afonſo Tello ſeu irmão, que comodefeu o deſcobriſſe ao Infante , & The
contra diſleſſe como ella o deſejava ,& dizia,que pois a Deos approuve, de não
ſua irmā ter filho varão, que herdaſſe o Reynodepois da morte de ſeu marido, que
D.Maria antes queria ver cazada ſua filha com elle,que com o Duque de Benaven
te. E que mais razão era,pofluireniamboso Reyno, que fora de ſeus a :
vôs, que não os da linhagem delRey Dom Henrique, de que Portugal
tanto dano avi a recebido. Mas que a ella lhe peſava do eſtorvo, que algus
dizião, queniſto avia, porque le ſoava,que elle era cazado com ſua imáa
Dona Maria.E que ſe allim era, que ſe não podia cumprir aquillo, que el
la tanto deſejava.
Eſta invenção da Rainha como foi diabolica, & naſcida da envej :,
que ella avia da boa fortuna de lụa irmãa, que não queria que foſſe gidila
de como
DELREY DOM FERNANDO. 182
de como ella, aſlım naſceo della mào frutto. Porque como a cobiça de
feinar, ou mandar he geral em todos, he muyto mayor naquelles, que
diſſo não eſtam longe, como os homens, que per ſangue, & parenteſ
co faõ chegados aos Reys. Peloque a ambição, & intereſſe lavràrão tan
to no peito do Infante,lendo Princepe muy benigno, & de ſuave con
dição, que não cuidava em al, ſenão como cazaria com a Infante, & ſe Tefter
quitaria deDona Maria per morte della, quando per outra via não pu- munho
delle. E para mais acendero Infante a Rainha,& o Conde, fallàrão com falſo ora
Diogo Afonſo de Figueiredo Vedor do Infante, & com Garlia Afonſo tra
didoDocó
do Sobrado comendador de Elvas,que era do ſeu Conſelho, & de entre na Ma .
todos não ſe ſabe de qual foi levantada húa grande calumnia, & teſtemu- riaTel
nho falſo, que em Dona Maria nunca coubera, porque era muy virtuoſa, lez,por
& affirmárão ao lofante que a podia matar com razão, porque avia faina, fua irmá
que ella dormia com outrem, ſendo cazada com elle. È dahi em diante a Rai
nunca mais o Infante tirou o ſentido de inatar a Dona Maria, & cażár com nha.
ſua ſobrinha a Infante Dona Beatriz.
Incitado o Infante de tam màos conſelheiros, como laöira, & am
hição, querendo pôr feus dezejos em execução, partio para a Cidade
de Coimbra , onde Dona Maria eſtava; fem querer použar em Tomar,
nem fazer demora com Dom Lopo Diaz de Souza Meſtre de Chriſto fi
lho de Dona Maria, que ao caminho lho mandou pedir. Do que oMe
ſtre collegio o mào propoſito, que o Infante conitra ſua mãy trazia, & à
mandou logo aviſar. Mas Dona Maria , que de ſi não ſabia culpa, nem
coin o aviſo de ſeu filho , nem de outros que lhe eſcreverão da Cortez.
o que do Infante lentião, ſe temeo de nada. Finalmente o Infante che: Morte
de Dona
gou ante manhãa a Coimbra ,& vindo áscazaszonde Dona Maria pouſáva, Maria
ácertou de ſe abrirem as portas, para fait huma ſervidora de caſa . Pelo- Tellez
que entrando pelas cazas, & robindo acima foi à porta da camarà ,ein que pormão
i
Dona Maria eliava. A qual jazia dormindo ; & em huma camara ;que tras do Intil
aquella eſtava,jazia huma ama, & camareirás ſuas com hum filho. Per te D. Io
ao ſeu
guntando o Infante ſe avia alguma entrada para aquella torre , & dizen marido .
dolhe os de caza que não,mandou quebrar as portas da camara. Dona Ma
ria acordarido fupitamente ,quando ſe vio entrada daquella maneira , le
vantoufe do leito tam eſpantada, & temeroſa,que ſe não podia ter em fix
E náo tendo acordo,nem tempo para tonar ſobre liveſtido alguin ,nem a
vendo quem lho deſſe, por que as mulheras que eſtavão dentro, eſtavão
defpidas, & attonitas com medo, & ſobreſalto,ſe emburilhou toda na col
cha, que na cama tinha. É conhecendo ao Infante, como entrou , cobrou
algum alento , & lhe perguntou, que vinda era aquella tam deſacuſtumas
da. Agora oſabereis( diſle o Infante :) Vòs andaites dizendo , que ereis
niinha mulher, & me exemplaftes , perque elRey o vejo a ſaber, & me
puzuſtes em riſco de perder a vida. E ſe minha molher lois, por iſſo me
Hli 4 receis
CHRONICA
receis vosinelhor a morte, porque me fizeſtes adulterio. Dona Maria ou
vindo taes palavras,lhe diſſe, queelle vinha mal aconſelhado, que per
doaffe Deos,a quem o aconſelhara, & que ſe apartaſſe hum pouco com
ella naquella camara,ou mandaſſe ir os ſeus fora,& que ella lhe moſtra
ria outro melhor conſelho, do que trazia. O Infante lhe reſpondeo, que
não vinha para eſtar com ella em razoens. Entam tirou rijo pela ponta da
colcha,em que eſtava envolta,& a derribou em terra. Peloque ficou qua
ſi nua, do que os circunſtantes com grande vergonha, & magoa volveráo
os roſtos,& não ſe podia ) ter com lagrimas. O Infante como a dirribou,
lhe deu com huma adaga pelos peitos junto do coração, & depois em
huma verilha , ao que ella
ella deu humas vozes
vozes muy doridas, chamando a
Deos, & a noſſa Senhora quea accoreffem , & ouveſſem miſericordia de
ſua alma, & com eſtas palavras acabou bofando muyto ſangue. A cala
foy chea de gritos, & alaridos de homens, & mulheres, a cujos brados a
codio toda a Cidade,& eltavao todos maravilhados por não ſaberem a
cauſa. E a virtude daquella innocente dama banhada de ſangue, de que
não avia fama ſenão de grandes virtudes, perque detodos era bem quiſ
ta,& louvada,os incitava a mais commiſeração. Ao arroido veyo Gonça.
lo Mendez de Vaſconcellos ſeu tio , & os ſeus que fizerão hum dor do
pranto ,quede todo o povo era ajudado. O Infante como acabou aquillo
porque viera ,cavalgou,& com os ſeus tornou pela ponte, & não ceſtou de
andar até chegar a San Payo,que ſaő dalli a ſeis legoas, & alli eſperou os
fcus,porg o nao aturarão mais que ſeis de cavallo.
Quando a Rainha que eſta tragedia ordio,ſoubeque ſua irmáa era mora
ta , fiugio grande ſentimento, como em tudo era altuta , & chea de artifi
cios,& poz por ella grande dô. E como a memoria diſto foi arrefecendo,
o lofante,que le foi retra hido à Beyra,& a lugares de Riba de Coa, perto
do eſtremo, mandou pedir perdão a elRey, & à Rainha, & que do utra
maneira ſe iria fora do Reyno,onde ſenão temeſſe . Porque como Dona
Maria era tam nobre, & tam aparentada, temiaſe o Infante de todos os
homens grandes do Reyno, tirando ſeu tio o Conde Dom Alvaro Pi
rez de Caſtro . E diziamlhe , que o Meſtre de Chriſto filho de Dona
Maria , & os Condes Dom Joam Afonſo, & Dom Gonçalo íeus irmãos,
& Dom Joam Conde de Vianna ſeu primo com irmão ſe ajuntavão,
para o hir buſcar. Enfin o Infante foy perdoado, & acompanhado de
cento, & cincoenta de cavallo veyo á Corte, onde foi recebido de to
dos os grandes, & dos Condes irmãos de Dona Maria.
i
E como os homens ſaõ promptos a crerem aquillo, que deſejão, vera
do o Infante o amor que elley, & a Rainha lhe moſtravão, eſperava
que lhe fallaffem no cazamento com a Infanta ſua filha. Mas a Rainha
por as razoens que atraz diſiemos, de governar o Reyno, em quanto vi.
veffe, queria ver ſua filha cazada en Caſtella. E fallando o Infante nil
10 .
DELREY DOM FERNANDO. 183
fo , & não lhe faindo elRey,nem a Rainha,como elle cuidava, achouſe fru
ſtrado do que eſperava, & ſaindoſe da Corte fe foi para entre Douro, &
Minho,& ahi fazia vida trifte,& ſolitaria, & chea de arrependimento, da
mal merecida morte que dera à innocente Dona Maria. E ainda depois
foi mais triſte, quando pelo tempo ſoube, que por elle matar Dona Ma
ria, & por eſla cauza ſe deſierrardo Reyno,deixou de ſer Rey de Portu
gal,permorte de ſeu irmão,pois eſtando deſterrado, & prezo,& avendoſe
antes moſtrado publico inimigo do Reyno, o pedião, & deſejavão para
Rey. E ſem duvida o elegerão,ſe não fora ſua priſaõ, como em ſeu lugar
fe dirà. Eſtando aflim o Infante lhe vierão novas,que o Meſtre de Ghrif.
to,& o Conde Dom Gonçalo hião buſcalo,para vingar a morte de ſua máy
& irmãa. Peloque ſe foi chegando mais para o eſtremo do Reyno. E fa
bendo que ao outro dia pela manháa ſerião com elle, ſó com leis homens
de cavallo partio de noite,& foi amanhecera Sam Felizes dos Gallegos
lugar de Caſtella,onde eſtava ſua irmaa a Infante Dona Beatriz,mulher do
Conde Dom Sancho,& alli eſteve, atè o tempo em queelRey Dom Hen
rique o mandou ir a ſua Corte,& o cazou com ſua filhaDona Coſtança,&
lhe deu aſſentamento , & terras,de que ſe foſtentaſſe.
Per eſte tempo ſendo jao anno de 1378. depois de muytas differen Creação
ças, que ouve em Roma entre os Cardeaes per morte do Papa Gregorio do Papa
XI. por elles,que quaſi todos erão Franceſes,quererem eleger Papa de ſua Vrbano
nação, & o Povo Romano o pedir com muyta inſtancia Italiano , com re- VI. & a
ciſma, &
ceyo , de a Sé Apoſtolica outra vez tornar a França,donde o Papa Grego - traba
rio a avia paſſado a Roma, enfadados da muyta competencia , que entre lho que
elles avia,ſobre de qual Provincia de França o elegirião, porque huns por ella
querião que foſſe Lemoſin, outros de outra parte , vicrão eleger Papa de fuccedc
fora do Collegio. Eſte foi Bartholomeu Perignano Arcebiſpo de Bari de rão.
nação Napolitano , que fechamou Vrbano. VI. E como neſte Pontifice
avia mais partes para ganhar o Ceo,quepara governar a terra , por ſerfe- ANNO
vero ,& mal diſimulado , partes contrarias ao Principe que ha de reger ,1378 .
não ſe lembrando queelle fora ele&o, por diſcordia, que ouve entre os
Cardeaes ,& não por concordia , de o quererem a elle por Pontifice: &
que cuſtumes envelhecidos não ſe podem tirar repentinamente ſem gran
de altercação , logo no começo de ſeu Pontificado ſe ouve com grande
rigor , & afpereża com os Cardeaes . Aos quaes tratou de ſubito tirar os
gaſtos eſp
,&apparat de criados,& cavallos,o luxo,& lendor comquevi-Papa
viã o , dizendolheso,que aquellas tobe jidoens erão melhores para os pobres, Vrbano
que em ſuas rendas ecclefiafticas tinhão parte , & quinbão. E que tiveſ-fevero &
ſem as inãos limpas de peitas,& fimonias , & trataſſem as couſas da Igreja, pouco
que erão fantas,fantamente. Defendialhes,que não ſubornaſſem , nem fe cauto.
entremetteſſem em negociaçoens illicitas ,& outras couſas que em fi erão
honeftas,& fantiſlimas,mas que não ouvera de mandar juntas , nem pu
1
bulicar
CHRONICA
blicar tam cédo.Vendo os Cardeaestamanho rigor noprincipio, onde ef
peravao agradecimentos do Papa,pela eleição que delle fizerão receando
que ao diantefoſſe mayor, tratàrað osda facçao Franceſa, de criar outro
Pontifice, & deixarem Vrbano. Para iſſo negociarão com a Rainha Joatia
na de Napoles ſecretamente, lhes deffe em ſeu Reyno lugar livre,& ſegu 0
10, para fazer ſeu negocio. E o pretexto que tomáraó para fairem de Ros
ma,foi por ſer verão, & hum , & hun pedio licença ao Papa, para ſe irein
recrear fora da Cidade. A qual avida,ſe vierão ajuntar em Anania , & da
hi em Fundi,ondea Rainha os eſperava. Ahi fizerão hum folenne Auto,
em que proteſtàrao ,quecom medo do Povo Romano, & ſoldados,que na
Se Vagante avia em Roma, elegerao a Vrbanofem ſua vontade, & por
força ,cuydando que elle o nao aceitafſe, por ſer homem Religiofo, & que
não era para o cargo ,& outras couſas mais. O meſmo mandarão notificar
a Vrbano. O Papa vendo ſua fugida, & ſua carta ,os mandou citar,para a
vieffem aparecer ante elle. Aos quaes não vindo privou dos Cardealadus,
& os Cardeaes a elle do Pontificado. E logo elegerão Ruberto Cardeal
de Gebenna,que dizião fer da linhagem dos ReysdeFrança,aque chamà
Clemen rão Clemente VII.&com elle ſe forão todosa Avinhão.Eſtefoi o princi
te VIJ . pio daquella grande Ciſma,que trinta & nove annos affligio a Igreja de
& Bene- Deos.i.quinze annos que durou o Papa Clemente, & vinte & quatro D.
dito An
Pedro de Luna Aragoes, que ſe chamou Benedicto. A qual foi tam má de
tipapas determinar,&julgar,ſegundoſe eſcreve,quemuitoshomensmuy dotros,
& de muita authoridade,não fabiao a qual parte ſe acoſtaffem .Masa mais
cómum opinião dos homes daquelle tempo foy,que o Papa Vrbano, foy
o verdadeiro Paſtor, & affim Clemente, & Benedicto, & outros competi
dores do Papado,ſe nam numèrão entre os Pontifices.A cauſa de eta Cir.
ma durar tanto, cauſaraõ tambem as bandorias dos Principes Chriſtãos, &
o muito que cada hum fazia por a parte que tomava. Por o Papa Vrbano
eſtavão o Emperador Venceslao,& elRey de Vngria, & o de Inglateria;
& outros Senhores. ElRey de França, que por ter a Sê Apoſtolica em dua
terra,& governarſe por Cardeaes Franceſes, pertendia tanto intereffe, pa
nha todas ſuas forças por o Papa Clemente,alem de ferFrances,& ter com
elle parenteſco. E para iſſo induzio a ElRey de Caſtella, & o de Caſtella
a elRey Dom Fernando de Portugal,contra conſelho de ſeus Letrados,
o melhor entenderão, & de todo o povo. E aflim teve por Clemente el;
Rey de Aragam.
ANNO Vindo o anno de 1379. eltando elRey Dom Henrique de Caſtella en
137 9. Sam Domingos da Calçada , ſe começou de achar mal de hũa indiſpoſição
de que aos 29 dias de Mayo veyo a fallecer. A cauſa de ſua morte dizein
quefoi de peçonha,que lhe derain em huns borzegins por ordem deler
Mahomad de Granada.Porque vendo elle,que elRey D.Henrique eſlava !
de paz com os Reys de Heſpanha ſeus viſinhos, & que podia emprender
guchia
DELREY DOM FERNANDO. 184
guerra contra elle,por ſer Princepe bellicoſo, &de que os Mouros ſe te
wião,determinoude matalo ::Pelo quefubornou hum feu Capitão, que
fingindo ir fugindo delle fe acolheſſe a elRey Dom Henrique.EneMou
ro entre muytas peças & joyas de eſtima que deu a elRey, foraő hűs bor
zeguins tao galantes,& louçãos, que moveſlem elRey aoscalçar. Eftes hi
ão banhados em peçonha, & contentando muyto a elRey, os calçou, &
logo le achou mal, ſem ſuſpeitar a cauſa. Porque pelas plantas dos pès
fizerão ſua operação,& em breve ſuccedeo ſua morte, cuydando alguns ā
era de gotta. Era elRey D. Henrique ao tempo que falleceo de idade de
quarenta & ſeis an nos,& ſinco mezes,de que reynou treze, & dous mezes, Morte
acuja morte,quedos ſeusfoi muyſentida,por ſer nobre Princepe, & hu delRey
mano, precedeo hum ecclypſe do Sol,que foitam grande, que aos q nam D.Heri
ſabiam ſer couſa natural,cuydavão,que vinhao fim do mundo. O Infante que de
D.João ſeu filho foi logo.naquelle dia acclamado Rey, ſendo de idade de peçonha
26 annos.No tempo que elRey D.Henrique morreo, eſtavão certas galès dapelos
delRey de Portugal'no porto de San & o' Ander com queelRey D.Ferná: Mouros.
do o ajudava,para irem com as ſuas a França em ajuda delRey Carlos co
tra Inglaterra. E como fouberão damorte delRey, ſe partirão ſem mais
comprimento para Portugal. :(
ElRey Dom Fernando por conſelho dos ſeus,mais que por võtade, que
tiveſſe de ter paz com o novo Rey Dom João de Caſtella, ſendo ja o an
no de1380. mandou a ſua Corte por Embayxadores ao Conde D. Joam Anno
Afonſo de Ourem,& Gonçalo Vaſquez deAzevedo ſenhor da Lourinháa 1 380.
para tratarem cazamento de ſua filha a Infante Dona Beatriz, com o In
fante Dom Fernando filho primogenito do dito Rey D. Joam,que entam
ſeria de hum anno, dizendo que para paz, & concordia de ambos os Rey
nos,ſe desfizeſſem os eſpoſorios da dita Infante com Dom Fadrique Du
que de Benavente ſeu irmão,com quem eſtava eſpoſada: pois que erãome
nores,& le podia fazer. ElRey de Caſtella;a quem muyto aprouve,o que
elRey Dom Fernando queria,mandou logo ſobre iſſo a Portugal D.Joam
Garſia Manrique Biſpo de Siguença ſeu Chanceller mòr, & Pero Gon
çalvez de Médoça ſeu Camareiromôr;& Inhego Ortiz de Stuniga, Guar Cócerto
da môr .E em Portalegre,onde entam elReyeſtava, tratárao com elle, que de caza
tanto que o Infante foſſe de ſete annos fizeſſe elRey ſeu pay, que ſe eſ- méto da
Infante
poſalle com a Infante Dona Beatriz,& como foſſe de 14 fizele ſuas vo
das. E que elRey de Caſtella, logonomez deSetembro ajuntaffe Cor. D :Bea
res, em que fizeſſe jurar o Infante ſeu filho , & a Infáte fua nora, & pediſſe
diſpenſação para poderem cazar.E que elRey de Caſtella daria logo a feu
filho Lara,& Vizcaya,com ſeus Condados. É vindo a Infante a fer Rai
nha,avia de aver as Cidades, & villas,que as Rainhas ſoiáo ter. que mor
rendo o Infante tendo ja avido copula entre elles, ouveſſe a Infante por
honra de ſua peſſoa Medina do Campo, Cuelhar, Madrigal, Olmedo,&
Arevalo .
CHRONICA
Arevalo.
E morrendo elRey Dom Fernando ſem deixar filho herdeiro, que
elRey de Caſtella ajudaſſe à dita Infante cobrar o Reyno, & manterſe em
fua honra. E por quanto el-Rey de Caſtella, & o de Portugal erão pria
mos com irmãos filhos de duas irmáas f. elRey de Caſtella da Rainha Do
na Joanna mulher del-Rey Dom Henrique, & elRey Dom Fernando de
Dona Coſtança mulher delRey Dom Pedro, ambasfilhas de Dom João
Manuel , ordenàrão os Reys entre ſi,que pois cada hum era a outro o ma
is chegado parente , que tinhão por parte dos pays, & das māys, que fuc 1

cedendo cazo, que da parte de ambos ſe não achaſſe deſcendente varam ,


ou femea legitimos, que el-Rey de Caſtella podeffe herdar os Reynos
de Portugal, ou elRey de Portugal os deCaſtella. E que para mais fire
meza deltas couſas, & de outras, que forão tratadas alem das eſcrip
turas, que ſobre iſto ſe fizeſſem , os Reys ſe viſſem peſſoalmente no
mez de Mayo ſeguinte. E para ſegurança das viſtas, elRey de Portu
gal defle em arrefens os caſtellos de Portalegre, & Olivença, os quaes
teria o dito Conde Dom Ioam , & Gonçalo Vaſquez, & elRey de
Caftella deſſe Albuquerque, & Valença de Alcantara, que teriam Pe
ro Gonçalvez de Mendoça, & Inhego Ortiz deEſtunhiga. Depois di
ſto chegáram à Cidade de Soria , Dom Afonſo Biſpo da Guarda, &
Dom Henrique Manuel de Vilhena, Senhor de Caſcaes, tio del-Rey,
& o Doutor Gil do Sem, & Rui Lourenço Deão de Coimbra requerer
a elRey de Caſtella, que fizelle Cortes, como eſtava aſſentado. O que
el-Rey logo poz em obra, & deu nellas procuradores a ſeu filho Pero
Gonçalvez de Mendoça, & Pero Lopez de Ayala ſeu Alferez mayor.
E nas Cortes ſe fizerão as homenagens, & confirmaçoens, do que os Reys
tinhảo aſſentado.E a Portugal vierão D. Gonçalo Biſpo de Calahorra ,& o
dito Inhego Ortiz de Eſtunhiga, & o Doutor Fernand'Afonſo ,para rece
berem outra tal confirmação, & homenagens em Cortes, que elRey Dom
Fernando fez.
Não obſtante a paz,que elRey Dom Fernando fizera com elRey Dom
Henrique, nein o novo parenteſco que com ſeu filho elRey Dom Joam
tratara pelo cazamento dos filhos de hum, & de outro, como eſtava eſcan
dalizado, dos partidos a que o elRey Dom Henrique trouxera, que lhe
parecia não forão muy honroſos à Coroa de Portugal,&por a entrada,que
o dico Rey lhefizeraem ſeu Reyno,& incendio de Lisboa, não perdeo
nunca a vontade de ſe vingar. Confiava quea dita, que com elRey
Dom Henrique não tivera,a podia ter com ſeu filho, attribuindo a vanta
gem que delle elRey Dom Henrique levara,maisà fortuna, que a outra
couſa, a qualpodia ſer que ſeu filho não herdaſſe delle como herdara o
Reyno. Peloque aos do ſeu conſelho perguntou como o poderia fazer,
os que alli eſtavão lhe derão muytas razoens, perque não devia de que
brar
1
DEL-REY DOM FERNANDO. 105
brar a paz,& contratoque tinha feito, & jurado, eſpantandoſe de o que
rercometter.E que poſto,que elle recebera delRey D. Henrique algum
nojo, já outros Reys grandes,como elle era,os receberao deoutros Reys
vezinhos, & fizeraõ pazesmenos honroſas,das que clicandutdra.rcluyur
devia de ceſſar de taes penſamentos. ElRey lhes replicou, que lhes nam
pedia conſelho,ſe faria guerra a Caſtella,que niſſo eſtava certo, mas a ma
neira como a melhor faria. E que pois elles lhe não davão conſelho,que
Deos lho daria .& elle faria a guerra.
Efte parecer que elRey pedia aos do feu conſelho ,era por comprimen
to,& para que ſe nao queixallem ,que lho nao fazia ſaber primeiro,& nao
para o tomar.Porque como ſe determinou de mover guerra aelRey Dom
Joao, logo cuydou a maneira, per que lha melhor faria. E foi aſſim , que
como eſtà dito atraz, hűa das capitulacoens, que ſe affentàram entre el
Rey Dom Fernando , & elRey Dom Henrique, era ,que elRey Dom Fer
nando deitaſſe de Portugal certos fidalgos de Caſtella, & ſeus Senhorios,
que ſe com elle lançaraó depois da morte delRey Dom Pedro de Caſtela
la . Dos quaes era hum Joam Fernandez de Andeiro , & indoſe do Rey
no no prazo ,quelhe elRey poz,ſe metteo naCorunha em huma náo, &
aportou em Inglaterra,onde foi bem agaſalhado, & acolhido do Duque Fernana
loão
Joao de Lancaſtro,& de Aymon Conde de Cambrix ſeu irmão. Peloque dez An
elRey Dom Fernando lheeſcreveofecrctamente,que trataſſe com o Du- deiro en
que,& com o Conde,que ſendolhe neceſſaria ſua ajuda, avendo elle guer- viado a
sa com Caſtella,o vieſfem ajudar per ſuas peſſoas com certas condiçoes, que Inglater
lhes mandou apontadas . Joam Fernandez tratou com aquelles Principes tar tra
ra aami
de maneira que elRey Dom Fernando ficou contente. E concertado co Zade có
mo avião de vir , & quando, & onumero da gente que aviam de trazer, Duque:
Joam Fernandez de Andeiro partio de Inglaterra, & chegou à Cidade do deLáca
Porto,& ahi deſembarcou o mais encubertamente que pode,paraque ſen- ftro con
do viſto,ſe não quebraſſem as pazes,& os contratos feitos enCaſtella an- tra el
tesde fer tempo.Edo Porto ſe foi a Eftremoz,onde elReyentam eſtava, Camella
tam ſecretamente ,que ninguem podeſſe ſaber delle com cuja vinda elRey
folgoumuyto pelas novas que lhe trouxe. Mas porque ſe nam ſoubeſſe
emCaftella, teve João Fernandez eſcondido em huina camara, de huma
grande torre,que ha no Caſtello daquelle lugar,onde elReycoſtumava ter
a féſta com a Rainhapara com elle de dia,& de noite poder fallar mais li .

que ſe todos hião,vinhaJoão Fernandez de outra ca. João


depois que
vremente. E depois
ſa, que hanaTorre, & fallava com elle ſendo preſente a Rainha. E alga- Fernan
as vezes ſe fahia elRey depois que dormia, &ficando a Rainha fó, vinha deze Ana
Joao Fernandez para ella,& fallavað no que lhe bem vinha,ſabendoo po- de'iropra
rem elRey, & nao tomando ſuſpeita algúa,como homem confiado. E por ticava
com a
ſò 1

taes fallas ſecretas, & continuas tomaram tanta amizade, que aquelles Rainha.
que o ſabiam,não tinhão delles boa preſunçao. Da qual coverlaçao fuccen
li dco,
CHRONICA
deo , o que a diante ſe dirà.
Depois que elRey fallou com João Fernădez tudo o que lhe comprio,
temendoſe,que ſe ſoubeſſe comoeſtava no Reyno, fez,que aflim como ve
yo do Portofecretamente ,affim ſe foſſe a Leiria, & ahi ſe deſcobriffe, &
moſtraffe,como quem vinha de caminho, & que elle como taes novas lhe
João defiem ,o mandaria prender. E como elRey fez que ſabia que elle era vin
Fernan. do a Leyria, mandou là a grande preſſa Gonçalo Vaſquez de Azevedo
dez An-grande feu privado, dizendolhe a maneira que tiveſſe F vojno wiegou
deiro
Leyria, ofoi prender ahoras,que o achou jà na cama, & o pož em reca
prczofi- do no Caſtello da Villa. João Fernandez quetambem eſtava prezo dos a
mente mores da Rainha , lhe mandou por Gonçalo Vaſquez beijar as mãos, con
pormā- hum rico gomil de cryſtal,guarnecido de duro. E dahi apoucos dias fin
dado de gio elRey;queo mādava ſoltar, para ſob pena de morte ſe it fora do Rey
ElRey. no. E afli ſe foià preſla,moſtrando que ſe hia com medo.
Como elRey Dom Fernando tratou em ſeu Conſelho, & publicou ,
avia de fazer guerra a Caſtella,logo elRey Dom João o ſoube em Medina !
Rcy D.do Campo,onde eſtava,& le veyochegandopara Portugal,& aſſentou em
Fernan- Salamanca. Ahi lhe veyo recado,como o Conde Aymon de Cambrix ſe
do detet fazia preftes,para paſſar a Portugal, em ajuda delRey Dom Fernando co
mina fa
tra elle, porfavorecer a cauſa do Duque de Lancaſtro ſeu irmão , que ſe
zer quel chamava Reyde Caſtella,& Lião,como cazado com a Infante Dona Co
Rey de ſtança filha de Rey Dom Pedro. E que elRey Dom Fernando fazia pref
Caſtella, ſtes galès, & punha fronteiros pelas Comarcas do Reyno. E era allim ,por
que elle armava muytas galès,& tinha poſtos por fronteiros em Olivença,
Vinda
Arronches, Campo Mayor,o Meſtre de Aviz ſeu irmão. Em Elvas o Có
do Con de Dom Alvaro Pireż de Caſtro. Em Porta- legre, Dom Pedro Alvarez
de de Pereira Priordo Crato. Em Beja, o Meſtre de Santiago Dom Fernando
Cábrix Gonçalvez. Em Villa-Viçoſa,o Conde de Vianna, & Fernan Gonçalvez
a Portu. de Souſa , & allim dutros em outros lugares daquella Comarca. El-Rey
· gal. de Caſtella, como iſto foube,mandou a Badajoz o Meſtre de Santiago D.
Fernando Oſorezcom muyta gente. É em Sevilha mandou armar fuas
galés. E porque lhe differao, que o Conde de Gijon ſeu irmão eſtava en
l'aredes de Nava, que era lugar ſeu, & que ahi tratava concertos com el
Rey Dom Fernando ſeu fogro , partio de Salamanca para Paredes. Do
que ſendo aviſado o Conde; fe foi para as Aſturias, & de là tratou ſuas
avenças com elRey ſeu irmão,& fe veyo para elle. E ſendo já a guerra a
pregoada,ſe foi elley D.João a C,ainora.
Tanto que ſe a guerra pregoou, começarað as gentes vezinhas de Cal
tella a ſe aperceberé para ſuadefençao,& recolherſe para as cercas, & Cafe
tellos com fuas couſas, & mantimentos . E em Evora onde eRey Dom
Fernando entam eſtava, lhe perſuadiram hum Vaſco Rodriguez Façanha,
& Lopo Rodriguez ſeu irmão, que mandaſſe derribar a cerca velha :!e:n
guid
DEL -REY DOM FERNANDO. 786
quella cidade,dando a entender,gos que dentro della moravão, eraõ af
feiçoados ao Infante D.Joao, que andava em Caſtella, & que vindo os ini
migos ſobre a cidade, que aquella cerca ſe poderia defender, & a nova
não.Efte conſelho era fundado em ſeu proveito,porque moravao fora da
quella cerca velha.ElRey com aquelle mào conſelho a mandou derribar, Muros
a qualera fortiſſima, & amayorantiguidade, & mais inteira,que na Eſpa- de Evor
nha avia de tempo dos Romanos,porque era feita por mandado de Sertà- rafimos
fortiſ
do
rio, que naquella cidade tinha feu aſſento, & domicilio,como em meyo da
Luſitania ,' & era toda de cantaria lavrada, & cercada de muytas torres doska
da meſma fabrica, de que oje em dia ha hūa grande torre inteira, junto manos
da qual eu naſci de bons Padres, aquem eu muyto devo, pela boa doutri- derriba
na em que me criaraó.E affim ha muitos veſtigios daquelles muros osqua dos por
mao con
es por ſerem daquella calidade, eſtiveram tres annos em ſe desfazer. Og felho.
todo o Reyno teve mal a elRey.
Entretanto o Meſtre de Santiago Dom Fernando Oſorez, que eſtava
por fronteiro em Badajoz, & com elle o Meſtre de Alcantara fizerað muy
tas entradas em Portugal,& roubaraó muyto gado, & fizeraõ grande dano
Das villas de Veiros, Souſel, & no Cano. Da meſma maneira que ſe fazia
elRey Dom Fernando preſtespor terra,fe fazia tambem por mar, &man
dou armar vinte húa galès,& hūa galeòta,& quatro náos . E para remei.
ros dellas mandou trazer do Reyno muitos homens la vradores, que vi
nhão forçados, & preſos, o que a todos parecia grande deſerviçode Deos,
& crueldade .A armada partio a 11. de Julho, & della hia por Almiran
te o Conde D. João Afonſo Tello irmão da Rainha.Os capitaens, de que
ſe ſouberão os nomes, forão Gonçalo Tenreiro ,Eſtevão Vaſquez Filip
pe,Gonçalo Vaſquez de Mello, João Alvarez, irmão de Nuno Alvarez
Pereira,Afonſo Eſtevez da Azumbuja,Afonſe’Anes das Leys,Gil Eftevez
Fariſeu ,Ruì Freire de Andrade,Alvaro Soares,Fernão de Meira,GilLou
renço do Porto. Sendo as galès Portugueſas no Algarve, ſouberão como
as galès de Caſtella andavão ja pelo mar. Peloque determinou o Conde
deas hir buſcar.O Capitão das galès de Caſtella,que era Fernão Sanchez
de Toar,ſe veyo para o Algarve,& quando foube que as galès de Portu
gal hião para là, poſto que elle foffe mui bom, & esforçado cavalleiro,
vendo a vantagem ,quelhe os Portugueſes levávão de cinco galès,& qua
tro naos,porque as ſuas erão 17. não os quiz eſperar, & ſe cornou. Os
Portugueſes quando ao Algarve chegaráo,hiãoja algumas das ſuas galés
faltas de agoa. E como ſouberão , que avia pouco ,que as galès de Caſtella
partirão por temor, que ouverão delles, differão, que ſe não detiveſſein
mais em tomar agoa,& logo as ſeguiſſem à preſſa.Foi iſto tam ſubito, que
não curârãode fallar primeiro, no que lhe compria antes da peleja, tam
confiados eſtavão de tomarem as galès. O que foi a principal cauſa de
aquelle dia ſe perderem . Acontecco
l 2
pois, que indo ellas compouco vento
i alguns
-
CHRONICA
alguns peſcadores, quenafrota hiáo,viráo a duas, & tres legoas boyas de
redes,queno mar jazião. E ſem pedir licença ad Almirante oito galės ba
xárað as vellas tomando oś remos, & fe forao para as redes.Dasoutras ā
aſſim híão com vento eſcaço,ficaram duas pouco.velleiras .f. a de Gonça
lo Vaſquez de Mello, & a de Gil Lourenço do Porto, De maneira que
as dozehiáo fem outra mais companhia denaos, nem galês. Sendo horas
de meyo dia,forað viſtos per Afonſe’Anes das Leys osmáſtos das galės de
Caſtella, que jazião longearvorados em hún lugar,que chamão Saltes.E
vendo elle, que osda galê Real em que oConde vinha, ſe armavam á
preſſa, para os commetter, diſſe ao Conde,que não ſe apreſſaſſe para pele
jar,mas queprimeiro fizeſſe chamar as galès que faltavão ,pelagaliota, que
ahi vinha,& que entre tanto mandaffe dar de beber á gente, que tempo tis
nha para ſe armar, & pelejar.
O Almirante de Caſtella,quando vio que aquellas doze galès fórnente
queriam pelejar com as ſuas,& que a melhoria,que lhe osPortugueſes an
tes tinhamn ,lhes tinha elle agora que era termais ſinco galès, foy muy lè
do, & os veyoreceber. De maneira que a ventagem que o Conde tinha
no numero das galès,& nàos,a quiz dar aſeus inimigos com deſordenada,
& temeraria cobiça de honra, que lhe ficou ao contrario. Finalmente a
peleja começou, & aferrando cada hum na ſua,as que ficavão de fora fobe
jas aos Caſtelhanos,ajudavão onde compria, de maneira, que ſe achavam
duas ahúa. E aſſim forað as galês de Portugal desbaratadas, ſem lhes va
ler defenderſemuy esforçadamente . E como huma era vencida, a dei
xavam ſobre ancora, & tornavam contra a outra. As oito galês que eraŭ
idas alevantar as redes, quando virão pelejar as outras galês, acodiram,
mas foy jà a tempo queeram desbaratadas, & aſſim o foram eſtas oito ma
is facilmente. E de todas não eſcapou dos inimigos, mais que a galè de
Gil Lourenço do Porto, que naõ quiz chegar, quando iſto vio , & fe for
caminho de Lisboa dar novas às naos, que ſe tornaſſem , & não foſſema
diante. A peleja começou a horas de veſpera, & durou até perto da noi .
te, naqual forão de húaparte,& da outramuitos feridos, & poucosmor
tos. E quãdo as galés de Portugal vencidas forão a Sevilha, fahio opo
vo a velas como as traziam com os pendoens, que vinham arraſtando pe
Galès de
la agoa, como he coſtume,moſtrando grandealegria por aquella viđoria.
Portugal Os priſioneiros foram entregues nas taracenas, aonde foram poſtos eil
desbara. ferros , tirando o Conde Almirante , & Gonçalo Tenreiro, que foram
tadas por levados a elRey. :
culpa de Quando a galê,que ſe veyo para aviſar as nàos, chegou a Lisboa, & le
jeu Alu
mirante . ſoube da perda dasgalès,foy hum grandepranto em toda a Cidade, casa
dando, que todos erao mortos. Mas elRey moftrou mais ſentimento que
ninguem ,aſſim porque a elle ſe'aviam de atrribuir todas as culpas daquel
le máo ſucceſſo,por fazer guerra contra parecer dos doſeu Cõi lho,cenia
for
DEL-REY DOM FERNANDO. 133
por a grande deshonra,quedaquella perda recebia, por elle ler o acomé
tedor da guerra, cuidando aver vingança das afrontas paſſadas , & ficar
entao com outra mayor afronta,a fora a perda de tanta gente,queerão fe.
is mil homens, que lhe erão neceſſarios para a guerra que tinha começada,
alem da falta de tantas galès . A Rainha que era aviſada, & livre, no que
queria dizer , quando vio elRey queixarſe, lhe diſſe, que nunca ella
eſperara outras novas daquella frota,ſenão aquellasmàs, que lhes vierão,
quando via vir preſos per cordas tantos lavradores, & officiaes, que trazião
forçados para as galès, & outros aggravos feitos ao povo .
Quando eſta nova chegou a elRey de Caſtella,eſtava ja em Portugal
fobre a villa de Almeida,quetinha cercada,de que elle foi muilèdo, pare
cendolhe que eſtava ſenhor do mar,& que os Ingleſes não ouſariáo vir a
Portugal, por a frota ſer perdida. Pela parte de Guadiana andava ja o
Infante Dom Joam ,& como ouvioa nova das galès,foiſe á preſſa a elRey
Dom Joam , pedirlhe licença para ir a Sevilha tratar com aquelles Ca
pitaens Portugueſes,queerão homens principaes, & de Lisboa, & nella
aparentados, & lhe podião dar a Cidade. E levando cartas delRey para
lhe darem o que pediſle,armou ſeis galès, & levou conſigo caminho de
Lisboa Eſtevão Vaſquez Felipe;Gonçalo Vaſquez de Mello, Afonſo A.
nes das Leys,Giral Martijz, Afonſo Eſtevez daAzambuja,GilEſtevez Fa
riſeu,& outros. A eſtes fez o Infante muitas promeſſas de honras, & mer
ces alemda liberdade, ſe fizeſſem entregar a Cidade a elRey Dom Hen
rique. Elles ſe eſcuzàrão,& diſſerão ſer impoſivel per muitas razoens, a
que o Infante reſpondeo.Mas enfim entrarão nas galés,& vierão aLisboa,
porque os forçou o Infante. Mas como forão no porto , & as galės fo
rão reconhecidas por de Caſtella, começarão os da Cidade a lhe fazer
muitos tiros de bombardas, & viratoens , & quizerão hir em navios ſobre
elles. Peloque ao Infante conveyo tornarſe para Sevilha com aquelles Ca
pitaens ſalvo Afonſo Anes das Leys,que lhe fugio em Almada dizendo
que o puzeffcm em terra hum pouco,que lhe fazia nojo o mar , & prome
tendo ao eſcudeiro, que o levava em guarda , quelhe daria hūa ſua irmãa
por mulher, & dote,com que viveſſe honradamente ,conſentio niffo , & alli
fugirão ambos .
Como João Fernandes Andeiro veyo de Inglaterra com o recado, que
eſtà dito atraz,logo elRey Don Fernando tornou a mandar Lourenço A
nes Fogaça leu Chancellermòr,parafazer ſeus concertos com Aimon Con
de de Cambrix,que erão que o vieffe ajudar com amais gente que pudel
ſe, & que trouxeſſe conſigo ſeu filho primogenito, q tinha de D.Ifabel In
fante de Caſtella filha delRey D.Pedro,para cazar com ſua filha a Infante
Dona Beatriz herdeira do Reyno. E eſtando elRey D.Fernando em San
tarem anojado da rota, queouvera o ſeu Almirante Rui Cravo ,hum eſcu
deiro honrado,que fora com Lourenço Anes a Inglaterra, & viera a Buar.
li 3 cos em
CHRONICA "
cos em hum barquete lhe trouxe nova, como a armada do Conde Ar
mon com ſua gente partira do Porto de Preamua , & muy cedo feria ein
Lisboa. E ao dia teguinte lhe vierão novas de Buarcos, como a armada
ANNO apparecia no inar, & logo ſe veyo a Lisboa,onde a meſma armada chegou
aos 19 dias de Julho do anno de 1381.ElRey foi logo à nao do Conde,
1381 . que vinha ricainente concertada,& o viſitou com grandes gaſalhados.
1

Conde OConde trazia conſigo a Infante ſua mulher com muytas Donas, & don
de Cam zellas, & feu filho Duarte de idade de ſeis annos, & hum filho baſtardo
brixcó del-Rey de Inglaterra,o Condeſtabre, Marichal, Meſtre do Campo, &
fua mu- Alferez do Duque deLancaſtro,& outros Senhores, & Capitaens.O nu
lher, &
mero da gente da peleja , que o Conde trazia , erão tres mil homens de
fillo pri- armas, & frecheiros.Comelle vinhão tambem alguns cavalleiros, dos
to vin que ſe forão de Portugal pelas capitulacoens das pazes, que os Reys
dos a Dom Fernando, & Dom Henrique fizerão, entre os quaes vinha Joan
Lisboa. Fernandez de Andeiro, Joam Afonſo de Baeça, Fernão Roiz de Aça,
Marcim Paulo ,Bernaldom ,& outros. Como elRey fallou ao Conde, & à
Condeffa,fairão em terra,onde os da Cidade, & da Corte os receberão
com muyto apparato,& do mår atè a Sè forão a pè, levando elRey a
Condeffa de braço, & à vinda vieraó a cavallo. El Rey levou a Condella
de redeagatè o Moſteiro de Sao Domingos, onde ordenou que použaſſem .
Recebis A Rainha Dona Lianor, que ficava em Santarem, partio com a Infante
méro do ſua filha, & com ella muytos Senhores,& todos os da Corte, & Cidade as
Code Ai vierað receber. E antes que ſe foſſe apear ao Paço,foi fazer oraçao a'nof
mon de ſa Senhora da Eſcada,que he no meſmo Moſteiro de S. Domingos,onde o
Cabriz,
& fuamu
Conde pouſava,& a Condeſſa lhe veyo à Igreja a fallar, a que a Rainha
lher em feſtejou muito,& dahi ſe veyo aos Paços. El-Rey convidou a comer o
Lisboa. Conde,& aos Senhores, & capitaens,& a Rainha à Condeſſa, & a luas Da
mas,& Donas, & lhes mandàrão muytas joyas,& preſentes a todos. Ou
tras muitas vezes convidou elRey o Conde,& elle,& a Rainha bião viï
tar a Condeſſa. E porque nas capitulacoens,que el-Rey, & o Conde fize
rão,era affentado, que el-Rey aviade dar cavalgaduras aquelles cavallei
ros todos á conta de ſeus foldos, fez Cortes, & acabadas,mandou trazer
todos os cavallos dos acontiados do Reyno,& quaeſquer outras bestas, que
foſſem achadas aſlim muares como cavallares para dar aos Ingleſes com el
perança de ſerem pagas,o que nunca forão atègora.
Mandou elReyà Condeſia 12. mulas para lerviço de ſua peſſoa muy
ricamente guarnecidas, & ao Conde 12 cavallos os melhores, que tinlia
ſellados,& enfrcados,& entre elles hum grande, & fermoſo cavallo, que
The el-Rey Dom Henrique mandára ,que era o melhor que avia em Hof
panha. Quando os Ingleſes vierão a Lisboa, como homens mais zelofas
da Fé Chriſtáa,do que ſeus pofteros agora fao, não queriáo ouvir Miſſa de
nenhum Clerigo,nem Frade Portugues,por eſtarem os Portugueſes na
bedi.
DELREY DOM FERNANDO. 184
bedienciado Papa Clemente,que elles tinhão por Ciſmatico. Peloque o
Conde diſle a elRey,que ſe queria que Deos o ajudafie em ſuas emprezas,
deſſe obediencia ao Santo PadredeRoma Vrbano, & que deſta maneira
Tho mandava elRey feu pay pedir , & todo o Conſelho de Inglaterra, por
quanto eſtavaõ certos, que aquelleera o verdadeiro Paſtor da Igreja do Rey D.
Senhor, & outro não . E elRey diſſe , queera contente de o fazer, & na Fernan
feſta da Degolaçao de Sam Joao Bautiſta, avendo maduro conſelho com do reco
o Arcebiſpo de Braga ,& Letrados de ſeu Reyno ajuramentados todos ſo- nhece a
Vrbaver
bre húa Hoftia conſagrada na Sé de Lisboa publicamente, perante todo o por no
povo ,declarou Vrbano VI. por verdadeiro Pontifice. E logo neſſe dia dadeiro
a

hora de Terça, eſpoſou elReyſua filha a Infante DonaBeatriz per pala. Pótifice.
vras de prezente,com Duarte filho do Conde de Cambrix ,ſendo hum, &
outro de pouca idade. E ao coſtume de Inglaterra, foraó ambos lançados
em húa cama , :

Deſpo
O Biſpo de Acres Ingles, & o Biſpo de Lisboa, & outros Preladosre* forios de
záraó ſobre elles,& os benzeráo. A camaem que os deitâram,era de eſta Duarte
do,& grande,& a mais rica que nenhum Princepe tinha. Porq o cobertor filho da
della era de hum pano de ſeda cuberto de duas grandes figuras, húa de hũ Conde
Rey, & outra de hũa Rainha poſtas no meyo do pano, todas fabricadas de brix,co
de Cama
aljofar,& pèrolas grandes,meás,& pequenas,ſegundo o lugar das figuras o Infante
queria. A bordadura,ou çanefas ao rodor erão cheas de archetes de aljo D.Beas
1 far, & dentro figuras tambem de aljofar,que repreſentavão muytos ſenho- triz.
res do Reyno com eſcudos de ſuas armas junto com elles. Eſte cazamento
aprováraó todos osgrandes ,& fidalgos, que preſentes ſe achàrao , porto
das as cidades,& villas do Reyno, & fizeram ſuas homenagens , prometen
do,de averem a Infante , & feu eſpoſo Duarte por Reys deite Reyno, fal
lecendo elRey Dom Fernando fem filho Varaó. E naquelles meſmos di
as ſe publicou naCorte hua Bulla do Papa Vrbano , em que privava de to
da a honra Eccleſiaſtica a Roberto ,que ſe chamava l'apa Clemente VII. &
aſſim meſmo todos os Cardeaes, & peſſoas leygas ,quelhe davao ajuda, &
favor ,& que nam podeſſem ſer abſoltos ,ſenam pelo meſmo Papa,ſalvo em
astigo de morte .
Notempo que os Ingleſes chegáraó a Lisboa,o Infante Dom Joam, &
os Meſtres de Santiago, & Calatrava , tinhao poſto cerco à Cidade de El
yas ,em que eſtava por fronteiro o Conde Dom Alvaro Pires de Caſtro. O
qual como ſoube a nova,inandou dizer ao Infante Dom Joam feu ſobri
nho, que o tinha cercado, que ſe tiveſſe neceſſidade de algúa mercadoria
de Inglaterra, quemandaſle aLisboa, onde eſtavam hūas poucas de naos
Ingleſas, que entam chegàram ,que ahi as acharia. Eſte recado ainda q foy
mandadodizer ao Conde à puridade,todavia, fecomeçou logo pelo ar
rayal a ſoar. E perguntando alguns cavalleiros a Pero Fernandez de Ve.
laſco , que novas eraõ aquellas,dille, que erað novas,que elRey D.Fernádo
li 4 avia
CHRONICA
avia mais de onze mezes, que era prenhe de Ingleſes, & que os parira a
gora em Lisboa,& os tinha conſigo. Então levantàrão o cerco, em que
eſtavão avia 25. dias por el-Rey os mandar chamar, & os querer ter
onde eſtava
Os Portugueſes que forão alegres com a vinda dos Ingleſes, por os
virem ajudar a vingar dos Caſtelhanos, começarão a entender os males,
que trazem as ajudas da gente da guerra, que ſe pede a eſtranhos. Porque
muyto mayor he o dano,que elles fazem do quefarião os inimigos. Por
que buſcandoſe por defenſores, ha miſter contra elles outra defenſaó. E
chania affim
Ingreſes os Ingleſes,tanto que forão apoſentados em Lisboa, não como ho
dos a mens, que vinhão defender a terra,mascomo homens, que erão chama
Portu . dos para offender, & deſtroir, & buſcar toda a deshonra aos moradores
gıl para della, começàrão a ſe eſtender pela Cidade,matando,& roubando, & for
odeftru
ajudar,
.
çandomulheres, & moſtrando tanto deſpreſo, & dominio contra os na .
jão tudo turaes, como ſe forão ſeuscapitaes inimigos. E o mayor mal de todos era
comoiz não terem ,aquem ſe queixar. Porque a elRey não o ouſavão fazer , por
nimigos. quanto tinha poſtas grandes penas, queninguem os anojalle. E quando
alguém fe lhe queixava ,dizia elleque foſſe ao Conde, o qual a iflo dava
mão remedio, & com iſto lhe parecia,queſatisfazia aos queixolos. Che
gou a couſa a tanto ,que o Conde mandou, que tiveſſem os homens das
quintas , & caſaes o pendão de ſua deviſa, que era hum Falcão branco
em campo vermelho, & o que o não tinha,era roubado. E o meſmo fa
Roubos zião aos lavradores,& peſſoas, que trazião beſtas com mantimentos, os
& mal
quaes ſe não moſtravão os pendoens,que lhes os Ingleſes vendião por cer
dades a
ta couſa, erão roubados. E não ſómente ſe attrevião com a gente do
os Ingre povo,mas
ſes fa com o meſmo Rey. Porque vindo hum dia ſuas azemelas de
zião. buſcar a agoa, lançàrão mão dellas, & as tomàrão dizendo, que el- Rey
lhes devia ſoldo,& que o querião penhorar,& feo Conde as não manda
ra córnar,lbe ficàrião. E chegando certos daquelles Ingleſes a caza de
hum João Vicente, jazendo elle ja na cama com ſua mulher, & hum feu
filho pequeno, que ainda era de mama,baterão â porta , que lhe abrille,
& não ouſando elle de o fazer, lha quebràrão,& entràrão dentro, & come.
çásão de ferir ao marido. A mulher com temor delles poz o menino an
Cruelda te ſi, por a não ferirem , & nos braços della o cortou hum pelo meyo com
viſta a eſpada, que velo foi hum cruel eſpectaculo. A máy levou aquelle me
de nun,
ca
de Ingre nino aſſim partido a el Rey. Mas elle não ouſou fazer naquelle cazo juu
ſes cha- ſtiça, & mandou queo levaſſe m ao Conde. Deſta maneira mandava el
mados Rey ao Conde muytas vezes fazer queixume, rogandolhe que não con
como
migos
a ſentiſſe aos ſeus deſtroir a terra, ao que elle acodia froxamente. Afim
lijað pelo termo de Lisboa,roubar,& matavao quem lhe reſiſtia. E eram
tam daninhos, que ſe a hum vinha vontade de comer huma lingoa de 1
huma vacca,matavão a vacca, & tirada a lingoà, deitavam o mais alonge,
& alin
1
DELREY DOM FERNANDO. 189
& aflim fazião ao vinho,& outrascouſas. Por a qual razão, aflim como
lhes hiáo dando cavallos,osmandava el-Rey a Riba de Guadiana ás fron
ceiras. Mas elles em vez de entrarem per Caſtella para o que forão cha
mados , volvião contra Portugal ſobre Riba Tejo a roubar quanto acha
vão.E aſſimfizerão muito dano em Villaviçoſa,onde matàrão alguns ho
mens,& delles forão alguns mortos, & combaterão Borba,Monſaraz,& A
viz,& elcalàrão o Redondo, & o meſmo tentàrão de fazer a Evora -Mon
te, le poderão.
Nos lugares perque paſſavão,fazião tanto dano nos paens, vinhas,&
gados,& aſſim atormentavão homens, para lhes deſcobrirem ,onde tinhão
os mantimentos, como ſe elles forão os Caſtelhanos, para cuja vingança
forão vindos a Portugal. Os inſultos, que fazião,erãotam grandes, que as
gentes ſe começarão avingar delles o mais fecretamente que podião. De
maneira que matàrão delles tantos, que de tres parces as duas forão mor
tos por ſuas culpas. Iſto ſe contou tam meúdamente, para ſe entender
quanto devem fugiros Principes,& Respublicas,de trazer a ſeus Reynos,
& cazas ajudas de eſtrangeiros,poisa guerra ; que cuidavão fazer aos ini
migos,fazem primeiro aos ſeus. Porque como a gente, que ſe poem a ſol
do para a guerra, he pela mayor parte mal acoſtumada, & de pouca conf
ciencia , pois ſe alugão para matar homens, & ſao homens neceſſitados,
que não tem officios,nem remedio de vida,ou ſe otem ,ſeguemn aquella vi Razão
da por mais ocioſa,ou vicioſa,não podemonde eſtão deixar de fazer ſeme porą os
lhantes inſultos, & violencias,mayormëte feos Capicaens com feveridade foldados
& boa diſciplina os não enfreão.Achegaſe a iſto eitarem juntos em hum ſab atre
corpo, que nem podem ſer caſtigados ,& tem attrevimento huns com ou- vidos,&
tros para tudo , & ſerem pela mayorparte homens de baxamaneira, & da crucis
féz do povo, cuja natureza propria he exercitarem crueldade. A qual
com menosdano,& perigo ſeu executáo nos amigos que os recolhem,que
nos inimigos quelhes reliítem .
Em quanto ſe aviavão cavallos para os Ingleſes,ſe deteve el-Rey em
Lisboa, & em Santarem, até o verão ſeguinte. E naquelle tempo falle
ceo Dom João Afonſo Tello ,Condede Ourem tio da Rainha,cujo Con
dado fez ameſmaRainha dar a Joio Fernandez Andeiro, & ſe chamou loão
dahi em diante Conde de Ourem . Eſte homem (como eſtà dito atraz) Fernan
era Gallego, & cazou em Galliza com huma Dona muy honrada, & de dez An
deiro fes
mejhor ſangue que elle, que fora mulher de hum Fernão Bezerra fidalgo el Rey
principal,deque João Fernandez ouve hum filho, & quatro filhas.O fi- Códe de
lho ſechamou Roi de Andeiro, que foi page mòr delRey Dom Joam de Ourem .
Caſtella. Das filhas a que ſe chamou Dona Sancha , cażou com Alvaro
Mulher
Gonçalves,filho de Gonçalo Vaſquez de Azevedo, como ja diſſemos. doCo de
Com a outra ,que foi Dona Tareja , cazou Dom Pedro da Guerra contra Andeiro
Dona quéera.
vontade de ſeu pay o Infante Dom João . Outra , que ſe chamou Iſabel
0; "CHRONICA
Izabel cazou per meyo delRey Dom João de Caſtella com FernandAl
varez Oſorio filho de Alvaro Perez Oſorio. A que ſe chamava Dona
Inez,morreo em Galliza ſendo ſolteira. Eſta mulher do Conde João
Fernandez,cujo nome eraDonaMayor, foy de muy bom parecer , &
mulher muy baſtante. E depois, que a Rainha veyo ſaber a mà fama,
que avia della com o Conde João Fernandez, fez com elle, que man
daffe trazer a mulher para eſte Reyno, cuidando, que por ahi ſe apaga.
ria, o que della dizião.E fazendoo elle aſſim ,a tinha pela mayor parte na
fua villa de Ourem, depois que foi Conde. E quando vinha à Corte a 1
Painha lhe fazia muitos gaſalhados,& muitas merces de peças,& joyas de
ouro,prata, & dinheiro. A Gallega,queera muy aviſada,moſtravale à Rai !

nha muy agradecida dasmerces, lhe fazia, & louvavaa muito em publico.
Mas em auſencia dizia della,o que húa mulher magoada foe dizer da ou
tra , que lhe tema ſeu marido .. .

Quando el-Rey partio de Lisboa para Santarem avendo novas como


ſe em Caſtella fazia grande armada, para vir ſobre aquella Cidade,deixou
por fronteiro della Gonçalo Mendez de Vaſconcellos,& ſeus filhos. Ef
An no tando aſlin chegàrão 80. vellas aos 20. de Março do anno de 1382 , que
1382.forão armadas em Vizcaya, em que vinha muita, & muyboa gente, allin
de homens de armas, como de pè. A gente da frotta ſahio em terra ,
querendo osda Cidade fahir areſiſtirlhe, Gonçalo Mendez enão confen
tio dizendo, que elRey lhe mandàra fómente, que guardaſſe a Cidade.
Mas ſem embargo diffo alguns ſahirão, & ouverão eſcaramuças, em que
ouve alguns feridos, & morreo Gomez Lourenço Fariſeu. E querendo
Armada fahir outros,lho impedia Gonçalo Mendez. Peloque os Vizcainhos to
del-Rcy marão attrevimento defairem , & queimarami muytas quintas, & fizeram
de Cal- inuyto dano. E daparte da terra queimárão huns paços del- Rey muy
tclla
danosqueapprazi
fa veis, que eſtavão junto com omar,onde chamão Xabregas, na en
zia em trada de hum valle muy freſco, que alli ha. Outros paços del-Rey quei
Lisboa márão em huma ribeira,que chamão Friellas.E indo oito legoas pelo Te
& fuas jo acima,queimárão outros em Villa-Nova da Rainha. E pel as Lezirias
comar- matárão muito gado, com que fazião ſuas carnagens.E por não aver quen
cas.
lho contradiſeſſe, forão pelo rio de Couna acima, que fað atravez da Ci
dade tres legoas, & queimarão o arrabaldede Palmella, que he do rio
duas legoas, & o arrabalde de Almada, & muytas cazas, & quintas por
aquella comarca. E ſendo dito a elRey o dano, que os da frotta fizerão
em Lis boa , fem Gonçalo Mendez a iſſo tornar como devia, ouve muyto
deſprazer, & tirou -o do carrego, & o deu ao Prior do Hoſpital Dom Pe
dro Alvarez Pereira , & a ſeus irmãos Rodrigo Alvarez , que chamavão
Olhinhos,Nuno Alvarez Pereira,Diogo Alvarez, Fernão Pereira, Joan
1
.
Alvarez, & Rui Pereira,& Alvaro Pereira, parentes do Prior, & a Gon
1
çalo Anes de Caſtel da Vide,que erão per todas duzentas lanças.
dia
DELREY DOM FERNANDO . 190
O dia que o Prior vindo de Santarem , avia de chegar á Cidade, para
tomar a defenſaõ della; teve novas como parte da gente da frotta era ida
a Sintra a roubar,& tomar gadospara trazer aos navios. Deſtas novas ſen
do o Prior muy ledo,& todos osque com elles vinhão,encaminhàrão para
aquella parte per onde os Caſtelhanos avião de vir. E porque a gente
era muyta, determinou o Prior de lhe lançar huma cilada & vindo elles
muy ſeguros com grande roubò, deu com ſua gente nelles, & como ho
mens deſaprecebidos não ſe poderão defender demaneira,que lhes apro
veitaffe, & começarão a fugir deixando à preža,que trazião. Mas a fugi
da, & largamentodo que levaváo, lhes não fervio de nada; porque os
da cilada derão nelles; & forão mortos, & preſos ; & tomado o que ainda
trazião. E quando os dafrota viráo,comoaquella gente de cavallo vinha
por guarda da Cidade, não ouſarão dahi em diante ſair tão foltamente,co
mo antes fazião. E ſe aigūs ſaião,pereſpias ģo Prior trazia,o ſabia logo,&
dava nelles de maneira,queao recolher dos bateis,ſe lançávão muitos das
barrocas abaixo. E deſde então começarão os da Cidade a lhe fazer mà
vezinhança.
Naquelle tempo ſendo Nuno Alvarez Pereiramancebo de 21. annos
ouve algunsencontros com os Caſtelhanos, em que ſempre levou delles
o melhor, & ganhou muita honra. E emhum dia fez hum feito, que pa
receria increivel,a quem não conhecefle ſua peſſoa,& grandeesforço. E foi
que tendo elle conſigo 24.homens de cavallo, & até 30.bèſteiros, & ho
mens de pê,tendo feito fugir, & lançarſe a agoa certos Caſtelhanos, que
fairão dos bateisa colher uvas, puſerãoſe em hum telo junto do moſteiro
de Sanctos o Velho, onde erão bem viitos dos da frotta; como correrão
apoz os ſeus,& os fizerão fugir, & lançar na agoa. E por o deſpecto del
les, de os ver tam poucos,cobrårão coração, & ſaíráo das naos atê duzen
tos, & cincoenta homës de arinas,com lanças compridas,& muitos bêſtei
ros,& piaens deſejoſos de pelejar; ſegundo depois pareceo. Nuno Al. Nuno
varez comoos vio folgou, como quem não deſejava outra couſa naquelle Pere
Alvarez
ira
tirocinio de ſua milicia ſenão experimentar ſuas forças. E com muytas co pou
palavras trabalhou de animar os ſeus,que então aproveitàrão pouco. Por cos aco
que vendo ſahir muita gente da froita; & que eſtavão muy pertodelles, mete grá
fendo elles poucos, começarão a retrairfe; não podendo ſofrer a viſta de me
de ronude
tantos inimigos.Nuno Alvarez vendo,que os ſeus o deſemparavão, & que Caſte
os inimigos ſe chegavão a elle, ſó ſem companheiro algum ſe lançou na Thanos.
mayor eſpeſſura delles, onde erão aquelles dožentos,& cincoenta homens
de armas, fazendo com a lança o primeiro encontro. Perdida logo à lan
ça, tornou á eſpada, & deu tað allinalados golpes a cada parte,que poſto 1

os Caſtelhanos foſſem tantos, fez grande terreiro entre elles. Mas elle
foi tam ſervido de lanças, pedras, & ſettas,queera milagre poder foſter
ſe. E aceitou, quenenhuma dellas lhe deu em lugar, que o feriſſe,porque
vinha
tip
CHRONICA
vinha bem armado. Mas dos golpes andava tam piſado, que lhe parecia
a'elle, que andava muy ferido . E o cavallo ferido de muytas lançada,
cahioem terra com elle. Em caindo, começou o cavallo a bulir rijamen.
te com os pès, & coin as mãos, & perneando,acertou o cavallo com hiç
ferradura de huma mão pegar de huma fivella das armas de Nuno Alva
rez, de maneira, que elle ſenão pude deſenvolver, nem tirar do cavallº ),
& alli cuidou de fer logo morto. Os ſeus, que ao lurige eſtavāavendo o
grande perigo, em que eſtava, conſtrangidos de dò, & vergonha, cor-
serão rijamente, & acodirāolhe o mais preſtes, que podia fer. E o que
primeiro a elle chegou , foyhum Clerigo, em cuja caſa ellc pouſava,
que hia em ſua companhia, & cortoulhe à preſſa o tecido,perque eſta P
va prezo, Nuno Alvarez como ſe vio folto, ſe levantou rijo, & tomou
huma lança de muytas,que ao redor delle eſtavão, & com esforço,& aju
da dos que ja com elle eſtavão , começou de ſeguir os Caſtelhanos.
Niſto chegàrão à preſſa Diogo Alvarez, & Fernão Pereira ſeus irmãos,
que do cazo ſouberão, & lhe forão bons companheiros, & todos ſegui
rão os iniinigos de maneira, que prenderão, & matárão muiros. Emôn
não podendo os Caſtelhanos mais ſofrer, ſe retiràrão aos bateis, & à
entrada com a preſſa morrerão alguns. Nuno Alvarez ſe tornou com
os feus pera a Cidade fem morrer nenhum deſua parte,poſto que alguns
forão mal feridos, & nove cavallos mortos. E quando o Prior o vio vir
com os priſioneiros queconſigo trazia, ouve gram prazer com elle, &
com os outros.
Per eſte tempo ſuccedeo huma couza,per que o Meſtre de Aviz foi
preſo, & ouvera de ſer morto,que foi deſta maneira. Eſtando elRey af
ſim ein Evora chegårão hum dia pela feſta á camara da Rainha o Conde
Dom Gonçalo ſeu irmão,& o Conde João Fernandez Andeiro com el
le , & por então fazer grande calma,hião elles fuados. E quando a Rainha
affin os vio, perguntoulhe ſe tinhão lenços, para ſe alimpar, & dizendo
elles que não, tomou a Rainha hum vèo , & o partio pelo meyo, & deu a
cada hum ſua parte, para ſe alimparem. O Conde João Fernandez , que
era homem folto, & favorecido, com aquelle vèo na mão ſe poz de gio
lhos ante a Rainha, & diſſe em vòs muibayxa: Senhora mais chegado, &
mais uſado queria eu de vôs o pano que me ouveſſeis de dar que eſte, que
me deftes. Eſtas palavras poſto que forão ditas muito manfo, ouvio Ines
Afonfo mulher de Gonçalo Vaſquez de Azevedo. E porque lhe paret :
ião muy inal,as contou a ſeu marido. Dahi a alguns dias, eſtando a Rai
nha fallando diverſas couzas,veyo louvar muyto o eſtylo dos Ingleſes, &
dos que com elles converſavão Gonçalo Vaſquez de Azevedo, que era
preſente,lhe reſpondeo ,que quanto a elle ſeus coſtumes nãolhe parecido
tambem , como a ella. E perguntando a Rainha quaes coſtumes dels
lhe parecião mal. GonçaloVaſquez reſpondeo, que não era bom colic
me ,n07
DELREY 'DOM FERNANDO . 191
me nem delouvar,o que muytos delles vſað ,que ſe hua Dona,ou Dózella
lhe dà algum véo,ou joya, elles ſe chegão aellasa orelha, & dizem -lhe,
que mais chegada, & mais uſada querião elles as joyas dellas que aquellas,
lhes dão. A Rainha fez que não attentava pelo que Gonçalo Vaſquez
lhe dizia. Mas chamandoo depois à parte, lhe diffe, que bem ſabia que
ſua mulher lhe contara aquillo, que lhe elle antes diſlera.Mas que lhe pro
metia,que ambos lho pagaſſem muy bem . Gonçalo Vaſquez ſe eſcuſou,
dizendo quede tal nao ſabia parte: o que a Rainha lhe não aceitou.Eſte
Gonçalo Vaſquez era primo ſegundo da Rainha, porque era filho do Pri
or de Santa Cruz de Coimbra,& Tareja Vaſquez de Azevedo Freyra do
Molteyro de Lorvao , filha de Vaſco Gomez de Azevedo Alferez del
Rey Dom Afonſo IV. a qual era prima com irmãa de Dona Aldonça de
Vaſconcellos molher de Martim Afonſo Tello ,may da dita Rainha Dona
Lianor Tellez,
Cuidando depoisa Rainha naquillo que Gonçalo Vaſquez lhe diſſera,
entendeo que por elle avia de ſerinfamada & deſcuberta , & que ſendo
ſabidos ſeus feitos, não ſómenté cahia em grande deshonra, masgrande
riſco de ſua vida ella,& o cavalleiro com quem a infamavão. E conſide
rando, que no Reyno não avia da linhagem delRey, quem aquillo vingaſſe
fenãoo Meſtre de Aviz,& que ſendo ellemorto, & cõ elle Gonçalo Val Cartas
OU
quez de Azevedo,ella ſeria de todo livre , & fegura, por quanto todos os falſas ça
outros grandes do Reyno erao ſeus parentes,ou poſtos em honra por ella, Rainha
lie
tratou de os fazer culpar em algúa couſa, per que elRey tiveſſe occaſiam fabricou
de os mandarmatar ambos.E para a Rainha effe& uar oque pertendia, di- em no
zem ,que fez fabricar cartas fallas em nome do Meſtre de Aviz, & de Gon- me do
çalo Vaſquez para elRey de Caſtella ,em que tratavão couſas dedeſerviço de Aviz
delRey,& de todo o Reyno. E fingirão os que ella para iſſo ſubornou, contra
lo que eſtas cartas forão mandadas ,& tomadas no eſtremo do Reyno , & que elRcy.
forão trazidas a elRey . Do que elRey ficou eſpantado , por nunca ter de
ſeu irmão má ſuſpeita, nem ſabia a cauſa, que o moveſſe . Viſtas as cartas
por elRey com a Rainha, & com o Conde João Fernandez, acordårao to
of dos, que foſſem prezos o Meſtre, & Gonçalo Vaſquez de Azevedo, & gra
vemente punidos,& que a prizao foffe logo.
Ao outro dia eſtando o eſtre,& Gonçalo Vaſquez com elRey,veyo â
porta do Paço Gonçalo Vaſquez Coutinho com duzentos homens de ar
mas que aparecião de hum eyràdo, onde elRey eſtava com o Meſtre , &
Gonçalo Vaſquez, lem o Meſtre cuydar, no para que aquella gente ſe ajū
taria. E comoelRey vio a gente de armas , mandou deſpejar todos, fin
cando o Meſtre, & Gonçalo Vaſquez. E recolhendoſe elRey , para hua
camara, chegou a elles Vaſco Martinz de Mello,& lhes diſſe ,que de huma
nova que lhes trazia ,lhe pezava muyto, que era mandalos elRey prender.
E perguntando elles porque?Não lho ſoube Vaſco Martinz dizer. E logo
Kk os fez
CHRONICA
os fez cavalgar em duas mulas, & com cada hum delles hum eſcudeiro de
Vaſco Martins,g ſe lhe poſerað nas ancas,os levou ao Caſtello. Indo pelo
caminho ſe chegou a Gonçalo Vaſquez de Azevedo Gonçalo Vaſquez
Coutinho Capitao daquella guarda,queera ſeu genro , & muyto manço,
que o eſcudeiro das ancas o nað ouviſſe, lhe perguntou ſe fabia, porq hia
prezo? E dizendolhe elle,que nao,o Coutinho lhe diſſe, que lhe parecia
bom conſelho nað ſe deixar prender que temia, que aquella prizaõ vieile
a muyco mal, que elle o poria em ſalvo ,& que depois elRey Tho perdoa
ria. E ſe lhe não perdoaſſe, que nao eſtimaria perder,quanto tinha , pelo
ſalvar de perigo. O ſogro nao conſentio,pelo riſco que corriao ambos, &
aftin chegaráo ao Caſtello.E eſtando jà dentro, em quanto a gente anda
va de búa parte para a outra, chegouſe ao Meſtre Afonſo Furtado, que
era Anadel mayor do Reyno , & perguntandolhe,fe fabia,porqueera
prezo? dizendolheo Meſtre, que o nao ſabia, diſſe Afonſo Furtado, que
os grandes como elle &os bons, quando erao prezos,nað era por pouco.E
que nað era bem que elle aguardaſſe pelo fim daquelle negocio, que elle
era feitura delRey D.Pedro ſeu pay, & delle recebera tudo, o q tinha, &
que eſtava obrigado a morrer por ſuas couſas,& muitomais por elle, que
era ſeu filho.E ñ por tanto,em quanto aquella porta eſtava aberta,ſe avi
aó de fahir ambos, & que como foſſem fora,ſe atrevia a polo em ſalvo, ain
da 7 perdeſſe, quanto tinha.O Meſtre lho agradeceo, & diffe, que lhe pare
cia bem ,tomandoſe pelas mãos, & fallando com diffimulação chegárað á
porta, quando o porteiro acabava de a fechar, & aſli ſe tornàraõ a voltar.
Parcida a gente toda ao Meſtre,& a Gonçalo Vaſquez forao deitadas nos
pès groffas adobas,& cadeas, & forao poſtos em caſa,deq nao podeílem
Repor fugir. E pelo temor que tiverao de ſermortos, mandaram pedir ao Con
ta do de deCainbrix , que eſtava em Villa Viçoſa, q os mandaſſe pedir a elRey,
Códe de & ſe lhos dar nao quizeſſe,aomenos ſoubeſſe a cauſa de ſua prizão, pois
Cábrix elles a nao ſabiao.o Condede Cambrix ruftica, & ſeccamente lhes reípo
ao Mel- deo,que ſe elles algúa couſa cometterao contra ſerviço delRey, era mi
trio pc bem que o pagaffem , & que ſobre ſua prizao nao entendia fazer couſa al
lhe fa- gua . E logo como o Meſtre foi prezo,lhe mandou elRey prender Lourée
uor. ço Martinz ſeu vèdor,que eſtava em Veiros,& tomarlhe quanto tinha, en
tendendo, que o qo Meſtre fizera,fora por ſeu conſelho
Alvarà
falſifica Tanto que o Meſtre , & Gonçalo Vaſquez forao prezos, ſe ſoube por
do todo o Reyno,& todos publicamente dizião,que por cauſa, & invençaõ da
Rainha Rainha fora ſua prizao, & ninguem podia ſuſpeitar delles culpa.E na met
fabricou ma noite,em que forao prezos ſe fez hum Alvarà fallo, que parecia affina
para de -do por mão delRey,no qual mandava a Vaſco Martinz de Mello, que os
golaro. tinha prezos,que tanto queaquelle viſſe,ſem outra mais detéça, os fize
ſe logo degollar.Alem do Alvará lhe deu hũ recado o meſſageiro có mwi
ta efficacia.Vaſco Martinz ſe eſpantou muito do alvarâ, & como era avi
fauo, &
DELREY DOM FERNANDO . 192
fado, & entendia,queaquella priſað viera pela Rainha, & fabendoo que
n uytos alvaràs fe parlavão em nome del Rey per aquella maneira ,diſſe ao
nenſageiro que elle compriria,o que lhe eramādado.E não tardou muito
que outro menſageiro em nome delRey veyo ſaber,ſe a execução era fei. Alvarà
ta.Edizendo VaicoMartinzque não,veyooutro comoutro alvará muito fegundo
fallo pa
mais apreſſado,em quemandava,quelogo lhes cortaſſe as cabeças, como ra o mer
The tinha mandado,eſtranhandolhemuyto a dilação que tivera. E porque mo..
o menſageiro ſe apreſſava muyto,& a VaſcoMartinz parecia a couza muy
duvidofa, lhe reſpondeo, que era ja alta noite,horas em que ſe não coſtua
mava fazer juſtiça, & que ſegundo elRey ſe apreſſava, devia de moverſe
com grande ira,de que podia fer que depois ſe arrependiria,como muitas Valco
vezes acontecera.E que por tanto determinava de os não matar até ou- Martins
tro dia pela manháa , & ſe ver primeiro com elRey.E que os prezos eſta- deMello
vão a bom recado,& não avião de fugir,& que muito mais compria, aflim porque
não com
tratandoſe de matar hum filho de hum Rey irmão de outro,& com elle hú prio o
fidalgo tão principal,& tão aceito a elRey. E que iſto entendia ſer mais manda
ſerviço de S.A. porque ſe foſſe erromatar aquelles preſos,era perda irrepa métodel
ravel.O menſageiro ſe foi com eſte recado,& não cornou. Ao outro dia matou
Rey néa
pela manháa muy cedo levantouſe Vaſco Marcinz, & foiſe a elRey, & mo os preſos
ſtroulhe os alvaràs, & contoulhe o que paflara, de que elRey ficou ef
pantado ,dizendo que de tal não ſabia parte,& quelhe agradecia muyto
3 o que fizera. E mandoulhe,queſe calaffe, & o não diffeſſe aninguem, per
o que ſe entendeo, que a Rainha o fabricara. Diſto ſe collige a fraqueza
delRey,& o atrevimento da Rainha. E alim ſe verificou o que diz hum
Poëta, que as mulheres tem grande animo nos feitos que fazem com tor
peza,como era aquelle parricidio em hum irmão delRey feu marido, & fi
Iho de outro Rey , & fem cauza. Rey D.
O Meſtre , & Gonçalo Vaſquez ſem ſaberem o officio,que ſe lhes man dFerna
cſ
o pá
n

dava fazer,eſtaváo muy temeroſos,de lhe tirarem as vidas.E quando veyo tado do
amanhãa alſim como batiáo á porta, ficavão fobreſaltados, cuidando ,que aRai
os vinhão buſcar ,para lhes dar morte.E a mayor confuſao do Meſtre era, nha fize
não faber de ſi cauſa,perque o elRey aſlım mádalſe prender.Gonçalo Val- ra por
quez dizia,que bem ſabia,porque oprenderão a elle,aindaque lhe deffem morre
Meſtre
ro
outro nome.E que amaior pena queſentiria morrendo mais que a propria ſeu ir.
morte ,era não ſe lhe dizer á cauſa della.Naquelle dia forão vilicados de to mão .
dos os Senhores da Corte,tirando o Conde João Fernandez de Andeiro,
foi outro grande indicio de ſerem prezos por ſua cauſa.
Neſte tempo partio ElRey de Évora para a villa do Vimieiro, ficando
a Rainha na Cidade.O que fez aoMeſtre, & a Gonçalo Vaſquezmais te
mor de morrerem.E quádo a Rainha vio,qſe não deu à execução,o q ella
dezejava,ne per outra via achava maneira de ſe vingar de Gonçalo Val
quez ,como era aftuta, quiz dar a entéderao mūdo,qellanão fora cauſadora
Kk 2 de
CHRONICA
Aſtucia de fua prizaő,& fez com o Condede Cambrix, que os pediſſe a elRey,
da Rai como que fizera ella niſſo , & o nao pudera acabar. E avendo jà vinte di he
nha para as que o Meſtre, & Gonçalo Vaſquez erao prezos, chamou a Rainha a
a não te- Vaſco Martinz de Mello, & lhe mandou que lhes tiraſle os ferros.
rem por Como os ferros forao tirados ao Meſtre, nað deixou de ficar em conſu.
culpada
fao,pois o naõ ſoltavao,& lhe diziaõ ſeus amigos, que a hum homem co
na priſaó
do Mel. moelle,nað o prendiaó por pouco:o que elle tambem tinha para fi.Eco

5
tre . mo foraó ſoltos,deulhes Vaſco Martinz lugar,que andaſſem pelo quintal L

do Caſtello com homens, que os guardaffem . O Meſtre depois que le


vio fem ferros, nao ſe tendo por ſeguro, pelo que lhe difTera Gonçala
Vafquez,cuydou coino fugiria. E hum diapela menhäa que fazia grande
frio, diſſe a hum filho de Vaſco Martinz de Mello ſeu guarda, que fubila
ſem ao muro, a aquentarſe ao Sol,& o moço ſe foi com elle,& os eſctideya
ros ,que o guardavao.E vendo o lugar mais baxo, & geitoſo,para ſe per hi
deitar,tentou de fugir por cordas, que para iſſo mandou buſcar,porhum
page feu,que com elle ineteraona prizao para o ſervir,a quem encarre
gou de lhas trazer,& hum cavallo ao pé do muro, quando lhe diffeſie que
era tempo. E hum dia antes da fugidaque elle determinava fazer,diſcihe
Soltura Gonçalo Vaſquez Coutinho, que lhe trazia boas novas, ģ a Rainha vinha
do Mer
tre, & de ouvir Miſſa að outro dia á Se,& que osmandava foltar, para que folia 1

Gonçalo ouvir Miſſa com ella . Elles foraó muy lèdos , & mandārao beijar as mãos
Váz de à Rainha por aquella merce,
Azeve.
do.
Ao outro dia veyo a Rainha ouvir Miffa à Sé, & eſtando ahi chegou
Vaſco Martinz de Mello com o Meſtre, & Gonçalo Vaſquez ,onde a Rai
nba eſtava, & ambos lhe beijàraő a mão,& fallàrað aos Senhores que ahi eu

eſtavao , & ao Conde Joao Fernandez com elles. Depois que fairao da
Millis, tomou o Conde â Rainha de braço, & o Meſtre à Infante D.Beatriz
& alliin vierað atè a porta da Sê , onde a Rainha entrou nas andas, em
fora por ſer prenhè, & o Conde hia junto com as andas fallando á Rais
nha, & o Meſtre levou a Infante de redea. Quando chegírač á porta do
O Mef- Paço,quizeraõſe oMeſtre, & Gonçalo Vaſquez deſpedirda Rainha, para
trc,& fe irem a ſuas pouſadas, & ella lhes diffe ,que ſe nam foffein ,mas que viele
Gonç
lo Vàz
a- ſein comer com ella. O Meſtre foi muy temeroſo do convite, cuydando +

Couti
que o queriað matar com peçonha, & bem o deixara, fe fe pudera eſcului
nho có: Vindo a hora de comer,as meſas ſe poſerað na camara da Rainha, & ella
vidados ſe aſſentou à ſua meſa,& o Meſtre na cabeceira da outra meſa,& apoz clle
da Rai- 0 Conde Joao Fernandez,& no cabo GonçaloVaſquez. Acabado de co
nha pa- mer fallou a Rainha em joyasq tinha,& no preço q cuſtarað. É o Colele
raremcome-
com
levantou da meſa ,ficando os outros ainda affentados, & foiſle para acami
ella . Tha da Rainha,em que ella eſtava aſſentada â meſa, & alli tirou ella huin
annel,que tinha no dedo de hum rubij, que dizia que era de grande pre
ço ,& eſtendendo a mão com elle diſſe ao Conde:Joanne tomaeſteOanire

1
DELREY DOM FERNANDO. 193
O Conde reſpondeo nao tomarei.E perguntandolhe a Rainha;potque?
lhediſſe elle,porque hey medo que digão de ambos.Toma o que te dou,
diffe a Rainha, &diga cada hüm o que quizer.Elle o tomou entao, & 6
metteo no dedo. Iſto parece que fez a Rainha como ſabida que era, para
dar a entender que a affeiçao,que ao Conde tinha,vinha de amizade, &
namn de amor, pois em publico o trataya daquella maneira. Mas ao Meſtre )

& aos que preſentes eſtavão,nam pareceram honeſtas aquellas razoés. E


entam ſe levantáram da meza. O Meſtre fe poz de giolhos ante a Rainha,
& lhe diſſe:queelRey ſeu ſenhor o mandàra prender, & que cuydando
porque podia fer, nunca ei ſi achàra caufa, nem de penſamento. E que
ſem embargo diſſo, lhe tinha a ella muyto em mercé ſua ſoltura. Mas
porqueentendia, que ellafabia a cauſadeſua prizão, lhe pedia pormer
de lha diffeſle, para outra hora ſe aviſar de não fazercouſacom que elRey
ſeu ſenhor ſe anojaſſe. A Rainha lhe tefpondeo; que a maldizentes nun
ca lhe faltava que dizer. E que alguns cavalleiros de ſua Ordem de Aviz
eſpecialmente o Comendador môr Vaſco Porcalho, fizera entender a El.
Rey, que elle ſe queria ir para Caſtella; ao Infante Dom Joam , em de- Caza
ſerviço ſeu , & de ſeu Reyno , affirmando iſto, com dizer; que o vira méto do
mandar vender o gado de ſuas Abegoarias, que trazia em Aviz . A iſto filho de
reſpondeo o Meſtre,quefora ſuſpeitamal tomada. Porque para couſas que Gonça lo
Valques
The compriaó, mandàra que lhe vendeſfem certo gado . Mas que Deoscom a fi .
lhedaria o galardam portal calumnia como aquella. E com iſto ſedellha do
pedio da Rainha. A qualcomoera fagaż, aftim o foi para dar a enten - Conde
der que na prizam do Meſtre , nem na de Gonçalo Vaſquez de Azevedo Andei
tinha culpa. E porğué Gonçalo Vaſquez cefiaſſe de dizer'mal della , mas ro.
o tiveſſe de ſua parte,& não encontraſſe ao Code João Fernandez de An
deiro ordenou como cazaſſe húa filha do meſmo Conde com Alvaro Gó
çalvez filho de Gonçalo Vaſquez.
Sendo paſſado iſto,o Meſtre ſe foi logo aö Vimieyro,onde achou elRey
maldiſpoſto em cama, & lhe beijou a mão por ſua foltura. E depois de
muytas palavras,perque o Meſtre moſtrou ſua innocencia, & bonis deſejos
de o ſervir,lhepedio por merce, lhe diſſeſſe a cauſa, porque o prendera.
Porque já podia ſer, que algúas couſas daquellas,em que elle cuydava
que lhe fazia ferviço& prazer, lhe podião dar deſprazer,& nojo, & Ham
ſendo elle avizado diſſo, o poderia deſervir como cria que fizera, pois o
mandàra prender. ElRey lhe reſpondeo, que de ſeus bons deſejoseſtava
certo , & que ſó o mandára prender; para lhe moſtrår, quanto era o ſeu
poder ſobre elle.O Meſtre lhe replicou,que depois que elle chegàra a ida
de, de o conhecer por ſeu Rey, & ſenhor,ſempre ſoubera o poder,que ti
nha fobre elle, & ſobre todos ſeus vaffallos. E que ſe por outra couſa não
foi ſua priſao,á por outra maneira pudera S. A. faber feavia nell e eſſe cos
nheciméco.Entãoſe deſpedio delle. Ekporao Meſtre ſer dito,9o Code de
kä Cama
-
ti :::CHRONICA :
Cambriz fora em ajuda de elle fer ſoleo,foia fuas pouſadas,&lheagrade
cena merce, que lhe fizera, & lhedifle, que por quanto a elle fora dito
que alguns differão delle couſas,quenão deviáo, quealli ante elle dizia,
queſe ouveſſe alguem , que diffefſe , queelle errara contra ſerviço del
Deſafio Key feuSenhor, que lhe faria per ſua peſſoa conhecer, & não dizia vero
do Meſ dade. Iſto diſſe o Meſtre, porque eſtavão com o Conde möytos cavallein
trea to
ros , dos que andavão com elRey Mas a iſto ninguem reſpondco. End
dos que tanrdiffe ao mefmo Conde de Cambrix Vaſco Martijz da Cunha o mo.
diffelsé ço; que hia com o Meſtre, que ainda que o Meſtre diffeſſe,o que era obrir
que eile
crrara
gado porfua honra,porque podia ſer quepor elle fer tam grande part
contra foa'em ſangue, & dignidade, ninguem quereria reſponderlhe,que por
que elle era hun cavalleiro
ferviço refponderião,dizia, de pequeno eſtado, a que de melhormente
del Rey. que eſtavapreſtes para fazer conhecer, que pão fala
lava verdade,quem diſſede que o Meſtre fizera,nem diſſera couſa alguma
contra ferviço delRey,per que mereceſſe ſer preſo.Iſto meſmo diſſerão ou
tros muitos dos queahi eſtavão. Ao que o Conde diſſe que bem cria, que
ii'aaffiera, Então fe foi o Conde para onde elRey pouſava, & o Meſtre com

elle, & dahi fe foi a Evora.


Como oMeſtre foi em Evora, fe deſpedio da Rainha, & foi ås tetrap
do ſeu Meſtrado. E ein Veiros achou ſolto Lourenço Martijz, feu Vèe
dor, mas não lhe era entregue' a fazenda, que lhe tomàrão. E comoo
Meſtre the contou,o que com a Rainha paſſara, & o que lhe diſſera de
Vafco Porcalho ,como quem a elle imputava a afronta do Meſtre, & a
fua, & a perda de ſua fazenda, pedio aoMeftre licença par a o matar, &
que a elle ſó deixaffe o cargo daquelle feito. O Meſtre que era de grans
de animo, & Principe delimpiffima conſciencia , & prudente,lho não con
fentìo dizendo, que alem do peccado,que era o mais, que naquelle ho
micidio ſe avia de recear, a Rainha era tão manhoſa,que porque não fl
dera execufar a màvontade que lhe tinha, quando o teve prezo, podia
fer que fingira aquelle conluio,para que elle com ira mataffe' o Comenda.
dormôr,& matandoo lhe foſſeneceſario deixar o Reyno, para ella ficar
ſem ter de quem ſe pejallernem era hora matar tal homem como aquelle.
Eſ ſeelle Lourenço Martins omataſſe,ſempre a Rainha avia de cuidar,
que elle lho mandára matar,por o que lhe ella deſcobrio. E que poderia
fer,que o fizeſſe ontra vez vir a prizão, & a morte, ou a deſterro queencio
em tempo de guerra não compria a elRey,nem ao Reyno,Peloqueſe avia
de eſcolher o caminho mais ſeguro.E aflim ceffou Lourenço Martins dia
quelle homicidio.
Eſtando o Meſtre em Veiros determinou Öcanon filho delRey de l..
glaterra,que vinha com o Conde de Cambrix com os Capitaens Olalec
de laTrava, & Moffen João Falconet,& outros de ſe ajūtarem en Arron
ches,que eſtà duas legoas do eſtremo, para entrarem por Caſtella, & faci
re
DELREY DOM FERNANDO . 194
rem alguma cavalgada. E indo para li humcavaleiro I ngles, que ſe dizia
Moſlen Robel,chegou a Veiros , & convidou para aquella empreſa ao
Meſtre, o que elle aceitou de boa vontade, & com duzentos de cavallo ,
& quatro mil de pè, que pode ajuntar, chegou a Arronches, onde os In
greſes eſtavão, & per todos ficário 800.lanças. Levàrão caminho de Ou.
guella, & aquella noite albergárão ein huma hermida, que ſe chama Sam
Salvador da Matança. Ao ſegundo dia chegàrão a humn caſtello, que ſe
chama Lobom , em que avia ſetenta homens, & o Ocanon foi o pri
meiro, que o começou a combater. Os que erão dentro ſe defendião
muy bem ,& lhe derão de cimahuma pedrada de maneira, que o lançàrão
no chão, & cuidàrão todos que era morto. Mas elle ſe levantou, & co
brou ſua força,& não com menos fervor, que antes, começou a combater
O caſtello foi entrado , & o primeiro, que entrou , foi Ocanon. Dos que
eſtavão no caltello.maràrão huns,& fugirão outros, & alguns le vârão ca
tivos. Dalli forão a outro caſtello, que chamão Cortijo,no qual eſtavão
200. homens de pê, & 30 eſcudeiros, entreosquaes eſtavão fete, que erão
Alcaides de fete Caſtelos, homens de grande esforço, & que ſe defende
rão muy bem. Os de fora combaterão o lugar, & puſerão fogo às portas.
Osdedentro ſe defenderão muy valentemente, & matàrão dous eſcudei
ros hum Portugues, & outro deMoffen João Falconet.Masnão lhe apro
yeitando fua defenſao, por os de fora ſerem tantos, ſe quiſerão dar a
partido das vidas. E os Ingleſes por a morte daquelle ſeu eſcudeiro o não
quizerão aceitar. Mas mais rijamente proſeguirão no combate. Os de
dentro,entendendo,que ſendo entrados,nenhum eſcaparia da morte,fize
rão com que os Sacerdotes reveſtidos com o Santo Sacramento nas mãos,
que moſtravão aos de fora, lhesrogavão por amor daquelleSenhor,ouvef
ſem delles miſericordia.Os Ingleſes com búabarbarafuria ſe acendiào ma
is,& lhes reſpódião,que ſe defendeffem .As frechas erão tantas que ſe tiram
vão ao muro,alli onde o corpo doSenhor eſtava,que fazião arredar os Sa
cerdotes. Enfin roto o muro entràrão dentro por elle, & pelas portas, que
forão queimadas, & matárão, quantos acharão, deixando lo as mulheres,
& meninos,& derribàrão o que puderão do lugar,& o ſaqucàrão, & aſli fé
tornàrão a Portugal
Tendo elRey Dom Fernando determinado de ir dar batalha a elRey
de Caſtella, partio do Vimieiro,onde eſtava,& aRainha de Evora, & fo
rão a Eſtremoż, & dahi a Borba. É de Villaviçoſa pártio o Conde de
Cambrix com a Infante ſua mulher ,& em Élvas ſe ajuntârão todos. On
de a Rainha que andava prenhe, pário hum filho, por cuja naſcēça moſtrou
elRey muyto contentamento. Mas o menino morreo dahi a quatro dias,
& por ſua morte tomarão os da Corte do de burel, como ſe fora de mais
idade,porfazerem a vontade a elRey. Neſte meſmo tempo criou elkey
duas dignidades,que até então não ouvera
Kk
neſte Reyno.f. Condeſtabre,&
Mari.
4
! CHRONICA
Marickal.E atè aquelle tempo o que depoisfez oCondeftabre, fazia ö Al
ferez mör,affin como fazia o Repofteito môr o officio de Camareiro môr, he
ta
que agora ha.E pela ineſına maneira fez então elRey de Caſtella primei Pin
ro Condeſtabre a D. Afonſo Marquez de Vilhena,& Condede Denia,& ti
a Fernand’Alvares de Toledo primeiro Marichal. Porque em Caſtella
não avia atê aquelle tempo taes officios. ,
Entretanto,queiſto pafſava em Portugal, elRey de Caſtella ajuncoi
ſuas gentes, & as mandou caminhar do' eſtremo de Portugal. Porqué fabia,
que como os Ingleſes foſſem cavalgados , avião de entrar per feu Reyno.
E da Cidade de Avila, em cuja comarca ajuntou muyta gente, ſe foi a [

Tordeſilhas, & dahi a Simancas. E ſabendo alli como o Conde Dom A


fonſo de Gijon ſeu irmão eſtava em Bragança tratando avençascom el
Rey Dom Fernando,lheeſcreveo para o attrahera fi. E poronão poder

s'
hat
mover,& lhe pedir em arrefens muycos caſtellos, & o Infante Dom Fér. 1

Gente ģ nando ſeu filho , & feis filhas de homens nobres de Caſtella, quaes apon
el Rey tafle, o deixou,& fe veyo a C,amora . Mas o Conde vendo como os ſeus
deCat- o deixaváo, & ſe bião para el-Rey,ſe foipara elle,tratando primeiro fuas
Stella ſeguranças. E de Zamora partio elRey Dom João para Badajos levando
trouxe
Portil
a conſigotodas ſuas gentes,que erão cinco mil homens de armas, & mil, &
os
gal em quinhent ginettes,
& muita gente de pé, & bèſteiros. E chegou à Ci
ſua aju dade,huma quinta feira o derradeiro dia de Julio ,daquelle anno de 138 2.
da. Ao dia ſeguinte que elRey de Caſtella chegou a Badajoz, começa
rão os ſeus de armar huma tenda na ribeira de Caya, que he o limite de
hum Reyno, & outro . E a elRey Dom Fernando derão novas, que os
Caſtelhanos armàvão ſuas tendas, & ordenavão fuas azes, para pelejar,
não ſendo aſſiin . E el hey, & o Conde de Cambrix fe partirão logo com
ſuasgentes, & forāoſeáquelle lugar de Caya. E quando os Caſtelhanos
os virão ir, deſarmàrão ſua tenda, & foršoſe para Badajoz. El-Rey de
Portugal tinha ſeismil lanças ſuas, & dosIngleſes, & muytos bèſteiros,
& homens de pè. Demaneira ,que cada hum dos Reys tinha muyta gen
Gête delte para pelejar.E ordenàrão ſua batalha eſtando na vanguarda o Con
Rey de de deCambriz, & el-Rey Dom Fernando na retaguarda com ſuas alas
Portu poftascomo compria. E eſtando em ordem eſperando a batalha, come
gal,& do çou elRey de fazer cavalleiros aſlim Ingleſes como Portugueſes.E de ſua
Conde
de Cam mão foi armado cavaleiro Ocanon filho del-Rey de Inglaterra, & outros
brix. Capitaens Ingleſes, & dos Portugueſes o Conde de Neiva Dom Gonçalo,
Fernam Gonçalvez de Souſa, Fernão Gonçalvez de Meira, Gonçalo l'iz .

de Taide, & outros,que faziáo numero de 24. E tendo ja feito el Rey


eſtes cavalleiros, & outros, lhe diſſerão que por elle não ſer feito caval
leiro ,poſto que Rey folle,não podia fazer cavalleiros . Entam o armou ca
valleiro o Conde Aymon de Cambriz, & fez elRey de novo os meſmos
ca valleiros,que tiuha feitos, & outros. Na batalha dos Ingleſes vinha o
Alferez
DEL-REY DOM FERNANDO. 195
Alferez do Duque de Lancaſtro,que ſe chamava Rey de Caftella, & Li
am , por cauſa da Infante Dona Coſtança ſua mulher. O qual trazia ſua
bandeira eſtendida, & bradávão todos os Ingleſes: Caſtella,& Lião por el
Rey D. João de Caſtella, & Lião filho delRey Duarte de Inglaterra.Com
eſte pendão trazião outro da Cruzada,quelhes o Papa Vrbano concedera
contra elRey de Caſtella,como Ciſmatico ,que lhe não obedecia, & tinha
por Clemente Antipapa.Neſta ordem, & com as bandeiras deſpregadas
eſtiverão grande eſpaço, atê depois do meyo dia,eſperando que elRey de
Caftella vieſſe a batalha. E vendo que não queria ſe tornou elRey D.Fer*
nando a Elvas;& o Conde a ſeu arrayal.
Eſtando os Reys de Portugal,& Caftella aſlim tam juntos,& armados Eſtando
& quaſi com igoalnumero decombatentes,& moſtrando cadahum grani: osReys
devontade de pelejat,inayormente elRey Dom Fernando,quetanto tra- de Cal
balhara por iſſo, & que fahio a eſperar a elRey de Caſtella no campo: tella, &
Vindo a fe concertarein,& tratarem amizade, era couſa que a muitos pa Portu .
receo digna de fe faber, quem começou apedila. E Fernão Lopeż Éc gal para
criptor daquelle tempo de muita diligencia, &Fè,no que eſcreve, & que lha fe via
como Guarda mòr, que era do Tombo, & Archivo Real, o podia melhor erão a
faber, & que nos ſeguimios, diz que o meyo perque ſe iſto tračou, era in- concer
certo, & que avia opinioens .Huns dizião,quevendo el- Rey Don Fer- tar ſem
faber
nando, como tendolle poſta batalha el- Rey de Caſtella não quiſera vir quem
a ella,eſtando tam perto delle,& que determinava de levar outro eſtýlo foioh
de guerra perlongada, que lhe a elle müýto deſcontentava; aſlim por os primci
Ingleſes, que trouxera a ſeu Reyno, com tanto cuſto; & deſgoſto ,que de ro pe
ſuaeſtadarecebia,& dano de ſeus vaſſallos,que età neceſſario ficarem com ze
diopas
s.
outro mayor danio,ou iremſe ſem o effeito para q vierão, como por ſe ver
tambem elle cada dia mais enfermo, que nåo poderia com os trabalhos da
I
guerra, cometteo elRey de Caſella,que pois não queria pelejar como
inimigo, quequizeſſe fer ſeuamigo. É que iſto lhe mandara commetter
em ſegredo, para que os Ingleſes o não ſoubeffem . Outros diz aquelle el
criptor,que o contavảo pelo contrario, & dizião, que vendo elRey de
Caſtella tanta gente a elRey Dom Ferrando, & tanta vontade de pelejar
nelle, & nosIngleſes,lembrandolhe,que el Rey Dom Henrique feu pay
fora delles vencido na batalha de Najara, & a pertenção que tražião dos
Reynos de Caſtella, & Liam pertercerem ao DuquedeLancaſtro , elle Opinio és ſobre
foi o que requereo a paz. O que parece trais veriſimil por as condiçoens qual dos
das pazes , que não forão tão horrofas para clRey de Caftella, como fo Reys pe
rão para o de Portugal . Outros dizião, que ouve peſſoas, que adhorta- dio paz.
são a ambos os Reys a paz ,& amizade, por ſerem primos com irmãos, &
que tratàrão entre ellesalguma maneira de convença. É que elRey de
Caſtella,como quem ſempre deſejou čer paz com Portugal , mandou ſeus
Embaxadores a iſto,& elRey de Portugal a elle . Mas de qualquer ma
neira,
CHRONICA
neira que ſeja,elRey deCaſtella foi muy tachado,de não darbatalha,vir:
do de propoſito para iſſo, & com tanta gente como tinha, & ſendo pro:
vocado por elRey de Portugal em campo. Para o trato das pazes, man
dou elRey de Caſtella Pero Sarmento ,& per outra vez Pero Fernandez
de Velaſco ſeu privado. ElRey Dom Fernando mandou a illo Don
Capicu . Alvaro Pirez de Caſtro Conde de Arrayolos,& Gonçalo Vaſquez de A
laçoés zevedo. Eitesbião ſempre de noite ao arrayal delRey de Caſtella, que
das pa- eſtava entre Elvas, & Badajoz,cada hum com ſeu eſcudeiro, & não mais,
zes entre
por os Ingleſes os não ſentirem . E tantas vezes forão, & vierão, 9:46
os Reys os Reys te acordárão. E a primeira capitulação foy huna,de que os la
do,& D. glefes não ſouberão parte.l. que a Infante Dona Beatriz filha del-Rey
Toam de Dom Fernando, que fora primeiro eſpoſada com o Duque Dom Fadri
Caftella que, & depois com o Infante Dom Henrique herdeiro dos Reynos de
: Caſtella, & depois que os Ingleſes vieráo,com Duarte filho do Conde de
Cambrix ,cazaſſe com o Infante Dom Fernando filho ſegundo delRay de
Caſtella. Porque iſto queria mais elRey D.Fernando,que cazar ſua filia
com o Infante D.Henrique,primogenito,& herdeiro do Reyno, porque
allin não ſe unia o Reyno de Portugal com o de Caſtella como ſe fazia
cazando coin Dom Henrique ,aoutra condição das pazes era, queelley
de Caſtella entregaſſe ao de Portugal os lugares de Almeida, & Miranda,
que lle tinha ganhados, & todas as galès que tambem lhe forão tomadas
na peleja de Saltes,com todas ſuas armas, & eſquipação. E que ſoltaſſe o
Conde D.João Afonſo Almirante de Portugal, & os mais Capitaens, &
priſioneiros, & que ſobre iſto ſe pozeilem certos arrefens. E que deſſe o
meſmo Rey de Caſtella de fua frotta tantas náos,& embarcaçoens aos in
gleſes,para ſe irem a Inglaterra, quantas lhes foffem neceffarias fem fre,
te algum .
Sendo eſcritas as capitulacoens,das pazes pellos meſmos o Conde
Dom Alvaro Pirez, & Gonçalo Vaſquez de Azevedo Embayxadores, fo
rão levadas a el-Rey de Caſtella. E a ſom de crombetas , as mandou a
pregoar, as quaesda gente de ſeu arrayal forão ouvidas com tanta ale
gria, que ſe punhão de giolhos a dar graças a Deos, & beijavão a terra . A
quelle dia forão convidados do Meſtre de San &tiago Dom Fernando Clo
rez,o Conde Dom Alvaro Pirez , & Gonçalo Vaſquez. Acabado de 03 .
mer forão a el -Rey, para aſſinar os tratos da paz. E para illo fez chamar
o feu Eſcrivão da Puridade, que lhos leſſe. È quando chegou aquelle ir
gar,onde ſe continha, que entregaſie as galès com todas ſuas eſquipaço
‫ما‬ ens, diſſe el -Rey, que tal couſa não faria,que ſómente daria o Almiran
te com a gente toda. O Conde , & Gonçalo Vaſquez , quando aquillo cui
virão ,ficàrão eſpantados, & diſſerão a elRey, que ſe maravilhavão de tran
dar pregoar as pazes,pois não tinha vontade de aſſinar o contraro dcl45,
coino tinha outorgado. El-Rey mandou ao Eſcrivão, que leſſe mais adi
anes , ຊີ
DEL -REY DOM FERNANDO. 196
ante,& diffe,que ſobre tudo o que duvidaſſe, queria aver conſelho. Tor
nando o eſcrivão a ler,quando chegou áquelle capitulo,onde fazia men. Rey Dá
ção,que elRey deſſe de ſua frottá tantas embarcaçoens aos Ingleſes, em loão de
que ſe foſſem a Inglaterra , quantas lhe foſſem neceſſarias ſem fretté al . Caſtella
gum, diſſe que aquillo não faria, porquanto intereſſe avia no mundo.Por recuſa
ſinar o
a
que não erarazão, metter elle ſúas naosem poder de ſeus inimigos, para concer
fazerem dellas o que quizeſſem , & fem frette,poſto que ſeguras foſſem . Ef to das pa
ta difficuldade de afinar as pazes,fingia elRey,porquecuidaffem ,que con- zes co
tra ſua vontadeoutorgava aquellas condiçoés,quenão erão deſua honra. mo pou
Maravilhados os Embayxadores da innovação, com que el-Rey vi- co hona
nha,lhepedisãoquizeſſe outorgar, o que eſtava acordado, ſenão quea elle
paz, queeraapregoada,ſe tornaria a revogar, & ſe apregoaria guerra. El
Rey Thès reſpondeo, que antes queria guerra ,que paz daquella manei
ra. Entam diſſerão os Embayxadores,quepois não queriaeſtar peloque
eſtava aſſentado, & contratado, que elRey Dom Fernando ſeu Senhor
dizia, que elle aſlinaffe hum lugar, qual ſhe mais contentaſſe, onde lhe
vieſſe dar batalha, & que naquelle dia , que aſſentalſe, lha appreſenta
ria de muy boa vontade. ElRey lhes reſpondeo forindoſe,que não cuida
, para tanto, Certamente( diſſe Gonçalo Vaſquez) não digo
elRey meu Senhor, que heRey poderoſo , para iſto fazer, mas o Con
de de Cambrix ſó com a gente,que traz, he baſtante, para vos dar ba
talha. Eſtando el-Rey neſtas palavras chegou o Meſtre de Sanctiago,
& lhe perguntou,que differençaserão aquellas em que eltava com os Em
baxa dores. Em que eſtamos?(diſſe Gonçalo Vaſquez )eſtamos na mais ver
gonhoſa couza ,que nunca paſſou entre dous Reys tão nobres. Porque ſen
do ja pregoadas as pazes, não quer ſua Alteza aſſinar as capitulacoens
dellas. Peloque he neceſſario que a paz ſe desfaça, & fique para ſempre húa
vergonhoſa memoria deſte feito. O Meſtre com muitas palavras repren
dendolhe aquella falta, & depois com graças, meteo a pena na mão a el
Rey.O qual como fingia aquillo,ſe deixou vencer,vendo os Portugueſes
tam determinados ,& affinou.
Como os Embayxadores chegàrão a elRey Dom Fernando com as
pazes confirmadas, as mandou logo publicar aquelle dia. Os Ingleſes, Indigna
quando as ouvirão apregoar cam de improviſo, forão muy indignados, 'ção dos
& com ira deitavão as armaduras da cabeça no chão, & lhe davão com Ingleſes
as fachas, dizendo que elRey osatreiçoara, & enganàra, fazendo-os vir quando
de ſuas terra s a pelejar com ſeuscontrarios, & agora âs eſcondidas del rão das
les, & contra ſua vontade, fazia pazes. O Condede Cambriz muy quei- pazesſe
xoſo dizia, que ſe el-Rey fizera pazes com os Caſtelhanos, que elle as rem fci
não fizera. E que ſe ſe elle achara com toda agente, que trouxera a Por tas
ellesfem
tugal, queſem embargo das pazes, elle dera batalha a elRey de Caſtel faberem .
la. Sobre iſto ouverão tantas rázoens, que alguns Ingleſes ſe ſoltárão em
palavras
CHRONICA
palavras deſcorteſes contra el Rey. El-Rey dille a Pero Lourenço de
Tavora , que reſpondeo porelle tudo o que compria, que não curafie
do que difféffem os Ingleſes, nem tornaſſe por iſſo. Porque eſtavão em
ſua terra ,& debaxo deſeu dominio, & que elle determinava de os con
tentar,& mandar a ſua terra honradamente, como vierão. E aſſim o fez.
Mas não fatisfez a todos, porque muycos ſe gaftâtão, & os mais delles 1

por ſua culpa, & infolencia. E querendo el-Rey pôr em execução as


pazes, ſe começárão a entregar os arrefensde homa parte a outra. f.buna
filha do Conde de Barcellos, & outra filha do Conde Dom Henrique
Manuel de Vilhena Conde de Sea , que ſe chamava Dona Branca de
Vilhena prima com irmãa dos Reys de Portugal, & de Caſtella, que veyo
cazar com Ruy Vaſquez Courinho, filhode Vaſco Fernandez Coutinho,
& de Dona Beatriz Gonçalvez de Moura, que depois foi camareira mór
da Rainha Dona Phelippa, mulher del Rey Dom Joam. E afim ſe
deu Dona Inez Tellez de Meneſes, filha do Conde Dom Gonçalo Tel
dez de Meneſes irmão da Rainha, que depois foi cazada com Joan Fer
nandez Pacheco . Item ſe derão tres mocos, hum filho de Gonçalo Val
quez de Azevedo, outro de Joam Gonçalvez Teixeira,& outro de Al
varo Gonçalvez de Moura. Da parte de Caſtella forão entregues aPor
tugal quatro . f. hum filho de Pero Fernandez de Velaſco Camareiro por
Conde del-Rey per rome Diogo Furtado de Mendoça,que depois foi Almiran
de Cam-,tede Caſtella; & Diogo Fernandez de Aguilar filho do Meſtre de Santia
brix def- go Dom Fernando Oſorez, & hum filho de Pero Rodriguez Sarmento
pedido Adiantado de Galiza, & outro de PeroGonçalvez de Mendoça Mordomo
com ſua môrdel Rey. Forão alem diſtofeitospreitos, & homenagens, peralguns
& filhos fidalgos; & cavalleiros de Portugal, & Caſtella por certas villas, & caſtel
muy a los. Feita eſta concordia, el-Rey Dom Fernando ſe tornou para dentro
frótado. do Rieyno, & deſpedio a gente de guerra,& tomou caminho de Rio Ma
yor para vir a Santarem. E no caminho ſe deſpedio delle o Conde de
Cambrix , & foi a Almada com ſua mulher, & filhos, & gente, ao prinei
ro de Setembro daquelle anno, para ſe embarcar nos navios de Caſtella,
en que os Caſtelhanos os recebião de muy má mente , avendoſe por
afrontados.
Eſtando ainda el Rey em Rio Mayor, veyo a elle o Cardeal D. Pedro
ElRey de Luna Aragoes, que depois fe chamou Papa Benedicto, enviado do i

nando Papa Clemente Septimo a pedir, que lhe deffe a obediencia, & tivelle
tornoua por ſua parte, como fazia antes,que vieſſem os Ingleſes. El-Rey que fa
dar obe- cilmente ſe mudava por ſua natural condição, mandou chamar a Lisboa
diencia algunsletrados, &entre elles o Doctor João das Regras, diſcipulo de
ao Papa Bartolo , que pouco avia viera deBolonha.Edepois que ouve ſeu corſe
Clcméte
Ino, tornou à obediencia de Clemente, reclamando porem alguns letra
dos, & mais que todos Joam dasRegras. O qual diſſe a elRey, que per
TAZOSOS
i
DEL-REY DOM FERNANDO: 197
razoens efficazes de dereito moſtraria, que nao era Clemente verdadeiro
Papa . Partido o Cardeal de Luna,mandou elRey em duas galès João Gó .
li
çalvez ſeu privado, & Dom Martinho Biſpo deLisboa dar obediencia ao
Papa Clemente, que eſtava em Avinhão.Neſte meſmo tempo mandou cl
Rey a Sevilha Lancarote Peſſano buſcar as galès, & gente,que lhe foi to
mada na batalha de Saltes ,
ElRey de Caſtella tanto que ſe as pazes fizerão, ſe partio de Badajoz
para o Reyno de Toledo. E eſtando docnte en Madrid, lhe vierão novas Morte
da Rai
que a Rainha Dona Lianor ſua mulher,queeſtava na villa de Cuellar, era nha D.
fallecida de parto de húa filha , que logo a posa máy morreo: por cuja
morte elRey foy muy anojado, por ſerPrinceſa muy virtuoſa , & bem de caca
coſtumada, & ter já della dous filhos. E como elRey D.Fernando era in- tella
conſtante,& ſe podia bern verificar nelle o proverbio de cazar a filha có
muytos genros,vendo a elRey de Caſtella viuvo, determinou de desfazer
o cazamento da Infante Dona Beatriz ſua filha com o Infante Dom Fer
nando,que ouvera de fer pelas capitulacoens de Elvas, & cazala quinta
vez com elRey ſeu pay, fe elle diſſo fofle contente . E para iſſo mandou
por Embayxador a elley o Conde de Ourem Dom Joam Fernandez de
Andeiro. O qual foi com grande caſa, & apparato , & cein homens de
mula conſigo, em que hiam fiJalgos muy honrados, aſli.n cavalleiros.co
mo eſcudeiros, & cntre elles Martim Gonçalvez de Taide , & Gonçalo
Rodriguez de Souſa, Pero Rodriguez da Fonſeca, Alvaro Gonçalvez de
Azevedo fidalgos muy principais, & outros: dos quaes os mais honrados
o ſervia o de officios de ſua caſa, & iela: tanto pode o intereſſe nos peya
tos humanos, & a valia de hum privado . De maneira que os Caſtelhanos
dizião,que aquelle homem parecia mais Rey, que Embaxador ElRey foy
muy lèdo com a embaixada,vendoſe mancebo, & viuvo, & com eſperan
çasde aver dous Reynos em dote dentro emHeſpanha,& em ſua veſinhá
ça ,com que ficaria tanto mais poderoſo. E logo mandou a Portugal pa
ra cõtratar ſeu cazainento, o Arcebiſpo de Santiago feu Chanceller môr.
E porque o cazamento da Infante Dona Beatriz com ſeu filho o Infante
Dom Fernando ſe avia de deſatar, fez curador do dito Infante ao Arce
biſpo,para ſoltar quaeſquer preitos,& homenagens, a que elRey,& os grá
des do Reyno eſtavam obrigados , por razaın do cazamento dos dicosIn ANNO
fantes. E eſtando elRey Dom Fernando em Salvaterra , lugar junto com
o Tejo ,no mez de Março do anno de 1383 ſabendo que vinha a elle o 1383
Arcebiſpode Santiago, o mandou receber à entrada do Reyno por Dom
Martinho Biſpo de Lisboa.
Depois que o Arcebiſpo de Santiago tratou com elRey as condiçoens Condi
do cazamento,forão notificadas a todos os grandes peranteelRey ,& foršo çoés do
eitas: Que o Arcebiſpo recebeſſe a Infante em nome del Rey de Caſtel- to.
cazané,
la ſeu Senhor, quando ouveſſe de partir,para logo a levarein a ſeu marido.
LI E que
}
CHRONICA
E que elRey vieffe para a receber por mulher ao eſtremo entre Elvas, &
Badajoz ,antes que lhe foſſe entregue , moſtrando diſpenſação doSanto
Padre pelo parenteſco que entre elles avia. E que poſto que ella nað ti
nha osdozeannos acabados,& lhe faltavão alguns dias, que foſſe julgada
.
por quem poder ouveſſe, que ella era pertencente para conſumar matri
monio. E que dallì a levafle elRey ſeu marido, para Badajoz, onde faria
ſuas vodas por palavras de preſente. E quanto ao dote, que elRey Dom
Fernando delle a elRey de Caſtella em dinheiro outro tanto, quanto fora
dado cm dote a elRey Dom Afonſo XJ. de Caſtella avô delle Rey Don
João contrahente,com a Rainha D.Maria tia delRey D. Fernando,pago
tudo en tres annos. E que elRey de Caſtella deſſe a ellatodas as villas,&
lugares, que a Rainha D.Joanna ſua máy tinha ao tempo de ſua morte, có .

certas condiçcés quando hum morreſſe primeiro que o outro. E quanto à


ſucceſlao do Reyno,o quena verdade contratàrao ,foi, que fallecendo el 1

Rey D. Fernando,deixando filho varað naſcido,ou poſthumo da Rainha


Dona Lianor,ou de outra qualquer mulher legitima, que a herança dos
Reynos de Portugal, & do Algarvefoffe do talfilho. E morrendo elRey
D. Fernando ſem deixar tal filho,ou feo deixaſſe,falleceſſe fem filhos, ou 1

deſcendentes legitimos,demaneiraſ a direita linha foſſe de todo extinc


ta,ğentao ficaſſe o Reyno à Infante D.Beatriz. E ã os naturaes do Reyno
fizeſſem todos homenagem, per que em tal cazo ouveſſem a ella por ſua
legitimaRainha, & Senhora. E morrendo ella primeiro ğ ieu marido, nað
ficando filho,ou neto a elRey D. Fernando ,demaneira, que a herança fi
caſſe vaga, ſem herdeiro delle ouda lofante,que entað os Povos de Portu
gal recebeſſein a elReyde Caſtella porſeu Rey, & Senhor,& que elle le
pudeſſe chamar Rey de Portugal, depois da morte delRey Dom Fernan
do,fallecendo ſem herdeiro. E acontecendo que falleceſſe a Infante D.
Beatriz fem filho,ou filha,que delRey ouveffe,ou outros legitimos deſcc
dendes por linhadireita,que os Reynos de Portugal ſe tornaſſem a algút
outra filha,ſea ElRey Dom Fernando ouveſſe da Rainha D. Lianor, ou
de outra ſua legitimamulher. E não avendo hi tal filha, ou outro herdei
ro algum ,dos que ditos ſao ,que entam morto elRey D.Fernando, & a fia
inhaDona Beatriz ,fem taes herdeiros , os Reynos de Portugal ficaſſem a
elRey D.João ſeu marido.E pela meſma maneira herdaſle elRey D. Fer
nando os Reynos de Caſtella,morrendo elRey D.João,& a Infante Dona
Lianor ſua irmáa,ſem legitimos herdeiros da linha direita. E ſe elRey D.
Fernandoouvellé outra filha,& a InfanteDona Beatriz reynaffe em Por
tugal,ou filho,ou filha ſeus, & de ſeu marido , que em tal cazo, elRey de
!
Caſtella foſſe obrigado de tornar a eſta ſegunda filha, para ſeu cazamiento
todo o dinheiro , & couſas que ouvelle com ſua mulher . Icem , que por
quanto a vontade delRey Dom Fernando era que os Reynos de Portugal
en quanto ſer pudelle,nunca foſſein juntos aos Reynosde Caſtella,fofantes
fen
DEL-REY DÖM FERNANDO . 793
foffein ſempre Reynos per fi como os poſſuirao ſeus avós, o que era gră*
de duvida, ſe elRey Dom João, & a Infante Dona Beatriz ouveſſem o re
gimento delles, mòrmente porque para tal governança compria de aver
peſſoas, que ſoubeſſem dascondiçoens dospovos, que por tanto outor
gavão, que em quanto elRey de Caſtella viveſſe, até que aInfante Dona
Beatriz ouvelle filho,& foſſe de idade de quatorze annos acabados , que o
Regimento dos ditos Reynos aſi na juſtiça como en todas as outras cou
fas,deſda mayor até a mais pequena ,que a regimento de hum Reyno per
tence,todo foſſe feito pela Rainha Dona Lianor may da dita Infante , &
b): por aquelles que ella eſcolheſſepara ſeu conſelho,aſſim como governado
fa dos ditos Reynos. E fallecendo em tanto a Rainha D.Lianor,' que ens
tao a governança ficaſſe todo aquelle tempo àquelles, que elRey D. Fer
nando,ou a Rainha D.Lianor ordenaffem em ſeus teſtamentos. É que fen
do a Infante Rainha de Caſtella durando o matrimonio com o dito Rey
D. João ſeu marido, ouveffem todas as rendas, & frutos dos ditos Reynos,
pagas primeiro as tenças dos Caſtellos, & quantias dos fidalgos, & todas
as outras couſas, que ſe coſtumavam de pagar em tempo delRey D. Fer
nando .Item ,que em caſo q a dita Infanteonveſlede herdar os ditos Reye
nos de Portugal, que quantos filhos pariſſe, do dia que nacellem até tres
mczes,todos foffem trazidos aos Reynos de Portugal,para nelles ſe criaré
Care ſob poder delRey ſeu avô,ou daquelles q deixaffem ordenados para iſſo
em ſeus teſtamentos.Item ,ĝoprimogenito varão ,ou femea, que do dito
Rey D.João,&da Infante naſcellem ,ou qualquer outro legitimoherdei
ro, tanto quea dita Infante entam Rainhamorreſſe, poſto que elRey de
Caſtella foſſe vivo, que logo ſe chamaſſe Rey ,ou Rainha de Portugal. E
que elRey de Caſtella dahi em diante não ſe chamaile mais Rey de Por
tugal, & fazendoo, que perdeſſe o dercito que avia neſſes Reynos, por
qualquer maneira que foſſe. Item ,que neſte Reyno avia de ſer deſembar
gada,poho que já a Infante Dona Beatriz reynaſſe, toda a juſtiça civel, &
cuime, & as appellaçoes até a môr alçada,perofficiaes Portugueſes poſtos
pela Rainha D.Lianor, que não ſerião aquelles que forão contra o Reyno
no tempo da guerra.Os quaes não avião de entrar em Portugal, nem aver
nelle honras , nem officios,nem herdades.Item , queos reptos entre quaeſ >

quer peſſoas avião de ſer deſpachados perante a Rainha Dona Lianor, &
os de ſeu conſelho. E que elRey de Caſtella nam poderia fazer moeda
em Portugal,ſalvo quando o ella ordenaſſe com ſeu conſelho, & não ou
tros,& que a moeda foſſe cunhada do cunho, & inſignias de Portugal, &
não de outra maneira Item , que nenhuns Portugueles avião de ſer chama .
dos per elRey de Caſtella a ſúas Cortes. E ſe foſſe neceſſario,de fe fazerem
Cortes, fe fizeſſem em Portugal, ſob a governança da Rainha D. Lianor,
& dos de feu Conſelho. Eitas capitulacoens,& outras muytas, ſe aſſentá
ram naquelle cazaměto,de que puz Ll
eſta2 ao largo, aſi por tocarem ao eſtà
do do
CHRONICA
do do Reyno,& ſer couſa quepode ſervir aospôſteros para exemplo,qu:e
he o fruto principal da hiſtoria, comoporqae per eſtes contratos,& jura
mentos,que ſobre ellesſefizerão, ſe juſtificaa reſiſtencia, que os Portu•
gueſes fizeraõ a elRey de Caſtella,poros não goardar.
Sendo eſtas capitulacoens publicadas na camara delRey perante Dom
Martinho Biſpo deLisboa , Dom João Biſpo de Coimbra,Dom Afonſo
Biſpo da Guarda, Fernão Perez Calvilho Deão da Taraçona,& Gonça
lo Roiz Arcediago de Toro, & Dom João Fernandez de Andeiro Con
Contra
de de Ourem , & Gonçalo Vaſquez de Azevedo , & outros fidalgos afim
tos do Portugueſes,como Caſtelhanos, jurou o Arcebiſpo de Santiago na alma S

cazamé. del-Rey feu Senhor aquellas capitulacoens, como procurador baſtante,


toda In- que moſtrou fer ſeu com muitas claufulas,& penas de cem marcos de ouro
fante D. cada vez que vieſſe contra ellas, & de ſe entregarem elRey de Portugal,
Beatriz & Teus ſucceſſores nas Cidades, & villas de Caſtella. E quicou mais a cl
jurados, Rey Dom Fernandoospreitos, & homenagens,que avia feito ael Rey
ys, & fe de Caſtella em nome do Infante D. Fernando ſeufilho.Feitas eſtas pro
us procu meſſas, & juramentos pelo dito Arcebiſpo, el-Rey Dom Fernando, & a
radores. Rainha Dona Lianor fizerãooutros taes pela meſma forma, & com as mel
mas penas.
Ao outro dia ſeguinte,que forão tres dias de Abril, eſtando elRey D.
Fernando em ſua camara,depoisque ouvio Miffa,& tendo Dom Afonſo
Bilpo da Guarda reveſtido em Pontifical o Corpo do Senhor confagrado
em ſuas mãos,ſobre humapatena, a Infante Dona Beatriz, que preſente
eſtava, pediolicença a el-Rey, & à Rainha ſeus pays, para renunciar tb
dos os eſpoſorios, que até então tinha feitos,que erão quatro, poſto que
alguns,por a idade em que os fez,nenhuma couža valeſſem . E fendolheda
da licença,diſſe que os avia todos por nenhuns,& renunciou quaeſquer je
ramentos, & obrigaçoens,que para iſſo fizera,ou outrem em ſeu nomeFei
Deſpo , to iſto, diſſe outra vez a e/ Rey ſeu pay,& à Rainha ſua máy, que por quato
forios da
Infante ſua vontadeera de cazar com elRey Dom João de Caſtella, lhes pedia
D.Bea- por merce, lhes deſſem licença, &authoridadapara poder fazer juramen
triz com to, & promerter de cazarcom elle, & elles lhe derão para iſſo licen
el Rey
de Car
ça. E beijandolhes ella por iſſo as mãos, jurou pelo Corpo de Deos con
tella cóſagrado, que corporalmente tocou nas mãos do dito Biſpo ,que ella caza
jurame ria com elRey D. João de Caſtella , & d averia por eſpoſo, & marido.E af
to de ſio jurou aquella horaelRey ,& cõ elle a Rainha, & todos Senhores, &
muitos. fidalgos,que erão preſentes, & afli meſmo o Arcebiſpo de Santiago, por
parte delRey de Caſtella feu Senhor.
Quando veyo o derradeiro dia d'aquelle mes de Abril, ſendo preſentes
na camara delRey os Senhores, & Prelados acima noineados, & D. Pedro
de Luna Cardeal de Aragão,& D. frei Afonſo Biſpo de Coria Dom Joan
Afonſo Tello Conde de Car cellos,Dom Gonçalo Conde de Neiva,Dom
Henri
DEL-REY DOM FERNANDO . ‫ وا‬،
6 Henrique Manuel de Vilhena Conde de Sea,João Afonſo Pimentel, Jo 1

Luna
aó Roiz Portocarreiro, Gonçalo Gomez de Figuciredo, Alvaro Gonçal
yez Vèdor da fazenda delRey,& outros muytos,o dito Arcebiſpo de Sá
tiago em nome de feu Rey,para confirmaçao do juramento, que fizera, &
effeito do cazamento, diſſe à Infante, quepreſente eſtava , eſtas palavras.
Eu Dom Joao Arcebiſpo de Santiago, Procurador que fou do muyto
alto Principe Don Joao Rey de Caſtella, & de Ljáo, em ſeu nome , &
pelo poder eſpecial que delle para iſto tenho, recebo por eſpoſa, & mu
.‫ا‬. lher legitima do dito Rey Dom João, a vós Senhora Infante Dona Bea
ti : triz de Portugal, filha legitima & herdeira do muito alto Principe D. Fer
nando Rey de Portugal, & do Algarve,& da mui nòbre Senhora D. Lia
nor Rainha dos ditos Reynos, ſegundo manda aS.Igreja de Roina . Entao
a Infante,pedindo primeiro a ſeu pay licença,diffe eſtas palavras : Eu D.
Beatriz Infante de Portugal, filha legitima & herdeira do muy alto Prin
cipe D.Fernádo Rey de Portugal, & do Algarve,& da muynobre Senhora Recebia
D.Lianor Rainha dos ditos Reynos,de conſentimento dos ditos Rey, & méto da
Rainha meu pay,&máy,que preſentes eſtao,recebo por eſpoſo,& marido Raynha
legitimo ,o dito D.João Rey de Caſtella,em peſſoa de vósD.Joao Arce- D. Bea
biſpo de Santiago,ſegundo manda a S.Igreja de Roma. E logo beijou as triz com
mãos a ſeu pay , & máy,que lhe jà faziao honra como Rainha. E acabadoIoa
Reim D.I.
1, &
‫ل‬: eſte acto,le fizerao as eſcripturas, & dahi em diante, ſe chamou a Infantede Caf-,
Seorang
D.Beatriz,Rainha de Caſtella. tella.
El Rey D.Fernando eſtava a eſte tempo muy enfermo, & nao podia a
charſe nas vodas de ſua filha. E porque nos concertos com elRey de Caf
tella ſe aſſentou , que do dia do recebimento a doze dias de Mayo primei
ro leguinte, a Infante lhe avia deſer entregue no eſtremo do Reyno ,dan
dandolhe os officiaes de ſua caſa,& Donzellas, a mandou co a Rainha ſua
māy, & cõ os mais dos Prelados do Reyno , & com elles o Meſtre de Aviz Senho
ſeu irmão, o Conde Dom Alvaro Pirez de Caſtro Condeſtavel de Portu- res, & fi
gal, D.Gonçalo Tellez Conde de Neiva , Dom João Conde de Vianna , de
dalgo
Pors
Ca Dom Joam Fernandez Conde de Ourem , D. Fernard'Afonſo de Albu tugal
Visits a
querque Meſtre de Santiago , D.Lopo Diaz Meſtre de Chriſto, Dofrey levaram
Pedralvarez Pereira Prior doHoſpital de S. Joao, Meſſer Lançarote Pella- as Rai
no Almirante,Fernao Gonçalvez de Souſa , Gonçalo Vaſques de Azeve- nhas a
do ,Gonçalo Mendez ,& Joanne Mendez de Vaſconcellos, Alvaro Göçal-Elvas.
vez de Moura , Alvaro Vaſquez de Goez ,& muytos outros fidalgos prin }
cipais, & chegou a Rainha co ſua filha a Eſtremoz , onde eſteve algus dias. 1

Vendo elRey Dom Fernando, que publicado o cazamento de ſua filha,


& fabido em Inglaterra,eſtava certo,queelRey,& o Duque de Lancaſtro
1,
& o Conde Aymon de Cambrix ſeu irmão o avião de ſentir muito, por
‫روی کار‬ fua filha eſtar deſpoſada com o Principe Duarte filho do dito Códe, más
kel dou a Inglaterra Rui Cravo ſeu eſcudeiro, 4jà fora àquellas partes, & por
L13 elle
‫میر‬
CHRONICA

El Rey elle ſe mandou diſculpar com aquelles Principes, dizendo que o cazamě .
D.Ferto de ſua filha com elRey de Caſtella, & as amizades q fizera,foraő muito
nando ſe contra ſua vontade, & por nam poder al fazer. Mas que os tratos & ami
manda
deſcul- zades,que com elles fizera,que osaveria ſempre por bons, & firmes. E que
par ao
cada vez que elles quizeſſem vir a Portugal,que elle folgaria de fazer tu
Duque do,o que a luas honras compriſſe. E ainda que ſoubeſſe que ſua filha a
dc Lan- via defer por iſſo degollada,nunca lhes falcaria.Quando elRey de Ingla
caftro & terra vio aquellas cartas de crença, & offertas contrarias á obra, que fize
Code de ra,começou a rirſe, como quem zombava do comprimento, que Te lhe fi
Cábrix
fobre o zera fora de tempo. Mas não deixou de eſcrever a el- Rey. O Conde de
cazame Cambrix nunca quiz ver aquelle menſageiro,nem ouvilo,nemo Principe
to deſua Duarte,com não ſer entam mais que de fete annos.
filha em ElRey de Caſtella como teve recado delRey Dom Fernando do dia
Caftella.
que podia fer a Rainha em Elvas,veyo a Badajoz, & com elle vinha o In
fante Dom Fernando ſeu filho, & o Infante Dom Carlos herdeiro de Na
varra feu cunhado. El-Rey de Armenia Leão V. que à Corte de Calel
la viera faindo do cativeiro de poder do Soldão de Babylonia, de que a
in fancia dos Reys de Caſtella,França,& Aragão,fora libertado.Dom Pe.
dro Arcebiſpo de Sevilha , Dom Diogo Biſpo de Avila,Dom frei Afon 1

ſo Biſpo de Coria,Dom Fernando Biſpo de Badajos,Dom João Biſpo de


Calahorra , Dom Pero Fernandez Cabeça de Vacca Meſtre de Santiago,
Dom Diogo Martins Meſtre de Alcantara , Dom Pedro Conde de Tral
tamara primo del- Rey, Dom Pero Nunezde Lara Conde de Mayorgas
filho de João Nunez de Lara Senhor de Vizcaya, Dom João Sanchez
Manuel Conde de Carrion, Dom João Tello primo del-Rey filho do
Conde Dom Tello irmão delRey Dom Henrique, Dom Gonçalo Fer
nandez Senhor de Aguilar,D. Afonſo Fernandez Senhor de Montera.
yor,Pero Lopez de Ayala, Diogo Gomez Sarmento, Afonſo Fernandez
Porto Carreiro,Lopo Fernandez de Padilha, & outros muitos homersno
bres.Vinha tambem a Rainha Dona Joannamáy delRey, com ſua filla a
Infante D. Lianor mulher do Infante Dom Carlos de Navarra , & muitas
Condeſſas, & grandes Donas,& Donzellas. .
Como a Rainha foi em Elvas, porque primeiro, que elRey recebilie
a Rainha Dona Beatriz, era neceſſario confirmar as capitulaçoens, foi o
Meſtre de Santiago com alguns fidalgos Portugueſes a Badajoz, para re
rema approvação,quefazia. E aos 13 dias de Mayo daquelle anno,el
tando el-Rey na Igreja Cathedral, jurou na mão do Biſpo da quella Cida
de, eſtando reveſtido em Pontifical , & com o corpo do Senhor nas mãos,
que elRey corporalmente tocou, os capitulos todos que hum , & hun lhe
forão lidos. E diſſe que aſſim como alli eſtavão,osconſentia, & contratou
com madura deliberação, & prometria de oscomprir , & affim o jurarão
muitos dos grades de Caſtella,que ahi eſtavão. E alli fizerão aquelles fida!
gos
P
DEL-REY DOM FERNANDO. 200
gos, & grandes de Caſtella com licença de feu Rey, as homenagens nas
mãos de Gonçalo Mendez de Vaſconcellos vaffallo delRey de Portu
gal,& fe ouverão por não naturaes com as inais folenidades, para que não
comprindo elRey de Caſtella ,elles lhe fazerem guerra, & eſtarem á obe
diencia delRey de Portugal,& não o fazêdo affi,caiſſem em máo cazo de
traição.E o meſino juramento fizerão perante elRey muitos fidalgos de
Portugal .
Ao outro dia partio el-Rey, & veyo caminho de Elvas ao Valle das
hortas à Ribeira de Chinches muyto perto das tendas dos Senhores
de Portugal, onde tinhão aſſentado grande numero de tendas. E antes
que a Rainha partiffe de Elvas com ſua filha para a trazer a humagranº Entrega
de, & rica tenda, que eſtava com a dos Portugueſes , lhe foy primeiro en- do Infan
tregue o Infante Dom Fernando, que era pouco mais de dous annos, te D.Fer
para o ter em arrefens. Entam partio a Rainha para o arrayal dos Portu- nādo cni
gueſes com ſua filha , mui ricamente veſtidas, & acompanhadas dos arrefens.
de ſua Corte. E indo aſſim achárão elRey de Caſtella, que as vinha rece
ber com os ſeus. E quando chegou em direito da Rainha Dona Beatriz
ſua eſpoſa,que hia diante de ſuamáy,inclinou a cabeça,fazendolhe reve:
rencia,& paſſou a receber a Rainha ſua ſogra àporta da cerca velha, que
eſtà junto ao Moſteiro caminho de Badajoz,& lhe fez grande corteſia, &
a levou de redea ,& começaraõ de caminhar para a tenda. A Rainha Do
na Lianor ;hia veſtida de panos de ouro riquiſſimos,ornada de muitas pe
rolas, & pedraria, & com tanta fermoſura,& graça no roſto, & nos olhos,
que fez maravilhar toda aquella gente de Caſtella, & todosa hűa voz lou:
vavão tamanho grao de beleza. E tanto que elRey chegou :â tenda
onde avião de ſer recebidos, o Cardeal de Aragão Dom Pedro de Lu
na moſtrou huma diſpenſação, & tomando a el-Rey, & a Rainha Dona
Beatriz pelas mãos os recebeo . E alli quicou el-Rey todas as homena
gens, que por o cazamento do Infante Dom Fernando lhe forão feitas,
& mandou, que ſe entregaſſem os arrefens, a quem tiveſſe poder para
os receber.
Naquelle dia era ordenada a fala,em que el-Rey, & a Rainha fuaSala que
mulher avião de comer, & gram parte dos fidalgos de Caſtella, & Por elRey
tugal. Na qual aviamuytas meſas,& tres dellas principaes .f. a del Reydeu a to
que eſtava em traveſſa mui levantada em degraos, & huma à mão direitados os
ſenhores
& outra à eſquerda. E entre os que erão affinados para comerem em hu de Car
ma das meſascom outros fidalgos, erão Nuno Alvarez Pereira, & feu ir- tella , &
mão Fernáo Pereira. E quando foi tempo de ſe aſſentarem ,elles pormo Portugal
deftia não ſe apreſſárão muyto. Peloque a meſa em que ſe avião de af
ſentar,acharão chea de Portugueſes, &Caſtelhanos, & elles ficârão por aſ
fentar, fein fazerem os outros dellesconta, poſto que foſſem tam conheci
dos. Vendo Nuno Alvarez, como lhes não ficava lugar ondeſe aflentar,
L14 difle
CHRONICA
EIRcy diffe indignado para ſeu irmão,que era afronta eſtar mais alli,que ſe for
deCaf- fem para aspouſadas. Mas queantes que ſe foffem ,queriaelle fazer, que
tella dilli aquelles que os pouco prezàrao, ficaffem zombados,& le riflem delles. E
mula o paffeandodiſſimuladamente, ſe chegou à meſa à viſta delRey,& com bung
Serio giolho derribou os pês dameſa,& deu com ellaem terra,com o que nel
no Alva.la eſtava. Os que afſentados eſtavaõ ficára ő eſpantados, & elle com ſeus
res Pc- irmão ſe ſabirao da ſala, & fe forað tao quietos,como ſe não fizerão nada.
reira, ElRey que aquillo vio,perguntou,que homens eraõ aquelles, & dizendo
The quem eraõ,& como ſendo convidados, para comer naquella meſa,out
tros lhe occupàrao o lugar, nao fazendo delles conta,nað lhe deixando em
que ſe aſſentaffem : Sei eudiſſeelRey)que ſeving arab elles muy bem, &
quem tal couſa cometteo neſte lugar, ſentindo tanto, o que lhe 'foi feito,
para muyto mais terā animo. E porque erao Portugueſes, diflimulou els
Rey aquelle excello
Aquelle dia depois de comer elRey com as Rainhas,tornou com a Rai
nha Dona Lianerpara Elvas,levandoa de redea atè aquelle lugar, donde
primeiramente a trouxera, & com a Rainha D. Beatriz ficou na tenda a
Rainha Dona Joanna de Caſtella ſua ſogra, & a Infante Dona Lianor fua
cunhada,& muitas Donas,& Donzellas principais de Caſtella, & querer
doſe el Rey deſpedir à porta da Cidade da Rainha ſua ſogra, lhe encome
dou com muitas lagrymas o bom tratamento de ſua filha,porque eramui
to moça . Dalli ſe partio elRey,& eſteve em ſeu arrayal atè a tarde, que
levantáraó ſuas tendas. Eſſe dia foi dormir a Badajoz, onde a Rainha D.
Beatriz foi recebida com muytas feſtas.Com ella foi o Meſtre de A viz ſcu
tio, & todos os Prelados, & muytos fidalgos principais de Portugal.
Aos delaſete dias daquelle mez ordenou elRey , como recebeffe outra
vez a Rainha em face de Igreja,para ſe lhe darem as bençoes, & fazerfelhe
ElRey feu officio ſolenne,como foi capitulado.Peloque à porta da Igreja Mayor
de Caf. eſtavao reveſtidos em capas com ſeus Bagos, & Mitras,Dom Pedro Aice.
cebefua biſpo de Sevilha, Dom Martinho BiſpodeLisboa, Dom Joao Biſpo de
mulher Coimbra,Dom Afonſo Biſpo daGuarda,Dom Diogo Biſpo deAvila,D.
cm face: Joao Biſpo de Calahorra,Dom Frey Afonſo Biſpo de Coria,Dom Fernan
de Igreja do Biſpo de Badajoz,& com elles muyta Clereſia com ricos ornamentos.
cm Bas
dajoz Eſtando todos aſſim preſtes,chegou elRey enlima de hum cavallo biar
co com ſua veſte Real,collar, & Coroa de ouro na cabeça, ornada de muy
rica pedraria, & com elle a Rainha veſtida de brocado, em hum palafren
outro ſi branco como hūa pomba,riquiſſimamente guarnecido com pard
mentos de pano de ouro, & outra tal coroa , & ambos debaixo dehum
pallio de brocado, que levavaõ quatro grandes Senhores.De húa parte la
vava a Rainha elRey de Armenia, & Ď. Joao Meſtre de Aviz irmão dcl
Rey Dom Fernando, & de outra parte,o Infante Dom Carlos de Navara,
& outro grande Senhor de Caſtella , & naquella companhia grande nure
rode
DELREY DOM FERNANDO . 201

19 de Senhores, & Meſtres dasOrdens, & outro grande numero de Con


deſas, & Senhoras, & Donzellas. Chegando a porta da Igreja o Arcebiſ
po de Sevilha lhe fez as bençoes. E entrando dentro ouvirao Miffa do
With
meſmo Arcebiſpo de hum rico eſtrado. Depois de comer ouve juſtas, &
torneyos, & touros, & elRey deu muytas peças, & joyas aos Senhores, &
fidalgos de Portugal.
A Terça feira leguinte,veyo elRey jantar as hortas de Elvas, onde an
tes tivera ſuas tendas, com todos os Condes,Meſtres,& Ricos homens de
Caſtella,& Portugal, & depois que comerão,levaraó a Rainha Dona Lia
nor ao Arrayaldos Portugueſes. Porque el-Rey nuncà entrou dentro da
cidade. Eſteve fallando com elhey grandeparte do dia. E depois q foy
tarde,tornouſe elRey para Badajoz.com todos os que comelle vierao, & a
Rainha para Elvas . A Quinta feira foi elRey á Sè,onde jà eſtava preſtes
o Arcebiſpo de Sevilha veſtido em Pontifical tendo o Corpo do Senhor
Colagrado nas mãos, & por mandado delRey o Conde de Nebla D.Jo
að Afonſode Guzmão , Dom Pero Nunez de Lara Conde de Mayorgas, decare
Dom Joao Biſpo de Cordova,Alvaro Gonçalvez de Albornoz,Pero Soaa tela jura
Tez Alcayde Mayor de Toledo,Joao Rodriguez de Viedma, & outros, fi- ontra
‫گا‬، ‫د اول‬ zeraõ juramentoſobre a Hoſtia Conſagrada, & preito, & homenagem nas vez as
mãos de Gonçalo Mendez de Vaſconcellos vafàllo delRey de Portugal, capitula
que elRey de Caſtella ſeu Senhor guardaria as capitulacoens, comonel corescó
las era comprehendido, & outro tal juramento fizerao nas mãos de Dom Fernan
1
Pero Fernandez Meſtre de Santiago de Caſtella, o Conde de Arrayolos do ſeu
Dom Alvaro Pirez de Caſtro , & Dom Gonçalo Tellez Conde de Neiva, ſogro.
del & todos os outros Condes,Meſtres,& Senhores de Portugal acima nome
O
TUTT ados,por mandado, & licença delRey Dom Fernando, que para iſſo ſemo
frou. A Segunda feira da Semana ſeguinte tornou elRey a jantar as hor
tas de Elvas,onde antes viera comer.E depois que ouve comido, foi por
a Rainha Dona Lianor acerca da villa , & a levou pera a tenda, onde jan
Kit
tára . E fallando com ella grande parte do dia,tornou com ella atè aquel
le lugar,donde a trouxera levandoa de redea, & alli ſe deſpediram ambos
de todo. Entao levou a Rainha a ſeus Paços o Cardeal de Aragao Dom
Pedro de Luna, a quem a Rainhaentregou o Infante Dom Fernando,que
eſtava em arrefens para o levar a elRey ſeu pay. Alli ſe deſpediraó del
123
Rey todos os Senhores, & fidalgos Portuguezes, & elle ſetornou a Bada
joz, & dahi ſe foi com a Rainha pelo ſeu Reyno à cidade de Liao. E em
todos os lugares por onde paſſavao,osrecebião com muytas feſtas, & ale
CITA
gria,por lhesparecer,que por aquelle matrimonio fe acabavão as guerras,
& males paſſàdos, ſendo aquelle matrimonio a cauſa de outros mayores
males, & danos ſeus; tam pouco comprehende dos cazos futuros o ſaber
humano .
Cza
A Rainha Dona Lianor depois da partida de ſua filha eſteve alguns
dias
!
CHRONICA
dias ein Elvas, & dahi foi para Almada, onde ElRey eſtava doente! E
como ella era mulher varonil,& demuytos eſpiritos,não eſtava muy con
tente da peſſoa delRey de Caſtella ſeu genro. E indo pelo caminho, per
3
guntou ao Meſtre de Aviz,que lhe pareceraſeu genro em ſeus geicos, & 1
maneiras: & reſpondendolhe o Meſtre que lhe parecera muy ben, & fe
1
ſudo , & modeſto em ſuas obras,diſſe a Rainha:Bem dizeis, mas digovos de
mim ,que queria que o homem foffe mais homem. 1

E porque nas capitulaçoes,que fizera ) com elRey de Caſtella,eſtava al


ſentado,que avião de ſer feitos juramentos & promeſſas por certas Cida
des ,& villas dos Reynos de Caſtella, & pelos fidalgos,& Prelados alem das
que foraõ feitas em Badajoz, & ifto em Cortes que elRey avia de fazer,
ordenou elkey D.Fernando,demandarſeu procurador, que recebelleen
feu nome, & da Rainha ſuamulher aquelles juramentos, & homenagés.E
para illomandou o meſmo Conde de Ourem ,que la fora,que foi com oli.
tro tanto apparato,como da outra vez. E nas Cortes que ſe fazião em V'a.
lhadolid na Capella delRey,ſe reveſtio Afonſo Anes Conego de Lisboa,
Cappellão mór da RainhaDona Beatriz,& dizendo Mišla tomou o Cor
i po do Senhor conſagrado nas mãos em húa patena, & em ſua preſença o
Conde de Ourem requereo a elRey deſſe licença aos que avião de fazer
os juramentos,o que elRey outorgou,& lhesmandou que juraflem de ci.
prir, & guardar os concertos, que tinha feitos com elRey de Portugal , &
com os de ſeus Reynos. E que para mayor firmeza de comprir tudo in
teiramente lhes dava licença aos fobreditos Prelados, Senhores, & Ricos
hoinens ,cavalleiros, eſcudeiros,& fidalgos, & aos procuradores das cidades
& villas,& de certas peſſoas auſentes,que ſe por vetura elle não guardaſſe
todas as capitulaçoes,qentreelle,& elRcy, & Rainha de Portugal forað
tratadas,& fumadas,& cada húa das couſas nellas côteùdas na forma, ma:
neira,& tempo, & com as condiçoens nellas expreffas,q os ſobreditos le
podellem delnaturar delle dito Rey de Caſtella , & tiveſſem a parte dos
Jurame-
to dos
ditos Rey,& Rainha de Portugal, quanto ao que pertencefíe, de lhe ſe.
grandes,
rem guardadas, & compridas asditas capitulacoens, & cada húa dellis.
& procu Dada eſta licença,& authoridade, logo os Prelados que naquellas Cortes
radores eſtavað,& os Senhores,Ricos homens,Cavalleiros, & fidalgos, & cada hi
de Cal- procurador das Cidades,& villas em nome dos Conſelhos cujos procurza
tellaide,
guardaré
dores eraõ,& de cada hum dos vizinhos, & moradores dos ditos lugares,
as capi com a licença que elRey lhes deu, fizeraõ preito, & homenagem húa, &
tulaçoés & duas ,& tres vezes,ao foro de Heſpanha,nas mãos do dito Code de Ou
comcl rem .E juráraó,& prometeraõ ao Corpo de Deos conſagrado,que ante el
Rey D. les eſtava, que ellesfariao a todo ſeu poder, que o dito Rey de Caſtella
Fernan-
do.
feu Senhor tivefle, & guardaſſe a elRey, & Rainha de Portugal, & atodes
os outros,a quem aquillo pertencia,ou podia pertencer,por qualquerma
neira que foſſe todos os capitulos dos tratos,& couſas em elles contenas.
DELREY DOM FERNANDO). 202

Os quais lhes alli todos foraõ lidos, & feita de cadahum cxpreffa mençao,
na forma, & maneiraem que forao prometidos, & jurados : E que cada
hum delles guardaſſe,& compriſſe todas asditas couſas,quanto a elles per
tencia,de comprir ,& guardar,aſſim em razão da ſucceſfaó dos Reynos, co
mo em todas as outrascouſas. E acontecendo, que elRey D. Fernando, &
a Rainha D.Lianor guardaſſem a elRey deCaſtella ſeu Senhor as ditas co
venças,& elle as nað guardaſſe,nem ascouſasnellas expreſſas, ou paſſaſſem
algúa dellas, q elles todos cada hum per fi, & os procuradores em nome da
quellesCõcelhos,cujos procuradoreseraõ,jurariao ,g elles ſe deſnaturariao,
& deſnaturárão, do dito Rey nelle cazo, & que cada hum delles lhe faria
guerra, & feriaõ contra ſeus Reynos, ſeguindo a parte dos ditos Rey,
Rainha de Portugal . E ſe aflim o nað guardaſſem , & compriſſem , que ca
iſſem naquelle cazo,em que caem aquelles que a traiçoað Caſtello ,ou ma
tao ſeu ſenhor. Os Senhores, & Prelados que jurarað faõ eſtes. Dom Pe
dro de Luna Arcebiſpo de Toledo,Dom Gonçalo Biſpo deBurgos,Dom
Hugo Biſpo de Segovia,Dom Garſia Biſpo Ovedo, Dom Joao Biſpo de
Palecia, Dom Lopo Biſpo de Siguença,Dom Frey Pedro Moniz de Go
doi Meſtre de Calatrava que dahi a pouco o foi de Santiago, Dom Frey
Pero Dias Prior de Sam João,Dom Afonſo Conde de Gijon , & Dom Fa
drique Duque de Benavente irmãos delRey, Dom Fernando Sanchez de
Toar Almirante de Caſtella, Dom Pero Ponce de LiaoSenhor de Mar
chena,Pero Rodriguez Sarmento Adiantado de Galliza, Pero Fernandez
de Velaſco Camareiro Mòr delRey, Pero Soarez de Avinhone Adiantado
de Lião,Joao Furtado de Mendoça Alferez Mòr delRey,Pero Gonçalves
de Mendoça ſeu Mordomo Mór,Joao Rodrigues de Caſtanheda,Joao A
fonſo de Lacerda, Ramiro Nunez deGuzmão ,Alvaro Perez de Oſorio fe
nhor de Villalobos, Diogo Gomez Manrique Adiantado Mòr de Cal
tella, Fernando Alvarez de Toledo, Gomez Mendez de Benavides, Fer
nao Perez de Andrada , Pero Gonçalvez de Baçan, Sancho Fernandez de
Toar,Diogo Furtado, filho de Pero Gonçalvezde Mendoça, Pero Diaz
de Sandoval, Joao Rodriguez de Villalobos, Joao Fernádez de Toar,filho
de Fernao Sanchez, João Nunez de Toledo, Göçalo Nunez de Guzmão,
Fernão Diaz de Médoça,RuiDiaz Cabeça de Vacca , Pero Nunez de To
i ledo, Pedralvares Oſorio,João Furtado de Mendoça, & outros afora eſtes.
As Cidades, que os Reys afſentàrao que jurafſemſuas avenças,forao eſtas,
Burgos,Lião, Toledo,Sevilha,Cordova,Murcia,Jaem , Cidade Rodrigo,
· Ovedo, Zamora, Avila,Cuenca,Palencia ,Plazencia,Segovia,Coria,Soria,
Baeça, Salamanca,Cartagena,Lugo,Calaorra,Sam Domingos da Calçada,
: Badajoz. As villas foraő Touro,Madrid,Xerez,Caceres , & outras muytas.
Acabados os juramentos em Caſtella, o Conde de Ourem ſe tornou ao
Reyno,& logo apoz elle veyo hum Arcebiſpo, & hum Cavalleiro,que ela
Rey de Caſtella mandou,pera em ſeu nome receberem delRey D.Fernan
do, &
CHRONICA
do,& dos ſeus outros taes juramentos.Para o q foraõ juntos em Santarem
todos os procuradores das cidades,& villas do Reyno, & Senhores, & Pre
lados. E no Moſteiro de Sam Domingos das Donas , aquelle Arcebiſpo
Caſtelhano, reveſtido em Pontifical, tendo huma Hoſtia conſagradaen
huma patena,lhe fizerao todos juramento pela maneira, & forma, que ſe
fizera em Caftella. Ele foi o mais jurado contrato que ſe vio, & o mais
acautelado,mas o peor guardado, como a diante ſe dirà. Depois de feito
Capilli- o juramento, & deixadas as procuraçoens que trazião,vendo oArcebiſpo,
laçoés que a couſa eſtava bem arrematada, nao ſe pode ter que logo naö diffel
dos Rcis le para os ſeus: Quanto agora vos digo que eſtá iſto muy bem para Caſtcl
D.foam ,
la, que muita perda nos dava eſte rincao de Portugal, Iſto dizia elle,alim
& D.For
nando pela firmeza das avenças que os Reys fizeraó, como por å doença grande
muito delRcy Dom Fernando, de que naõ avia eſperança de ter outros filhos,
juradas peloque eſtava certo por todas as vias vir o Reynoa elRey de Caſtella
& mal Mas elle ſe enganáva,que hum Rey,& outro erão de tal natureza,que le
guarda us contratos montavão pouco, quando mais firmes os fazião. Porqucel
das.
Rey Dom Fernando era muy inconſtante no que contratava, & com lhe
fucceder mal a guerra,não queria eſtar em paz. E ſe viuera, não ouvera de
eſtar muyto poraquelle contrato . Porquecomo elle eſcreveo a elRey de
Inglaterra, o fez forçado da neceſſidade. E aos Portugueſes de todo o ef
tado peſava muyto com a convença,que elRey Dom Fernando fez ſobre
a ſucceſlao do Reyno vir a Caſtella,tendo para fi,queſe vendia Portugal
naquelles contratos,que elles outorgarað forçados, por obedecerem a el
Rey.E clRey de Caſtella logo como cazou,& contratou,em nenhũa coula
tinha mais o olho , que em fallecendo clRey Dom Fernando, vir tomar
poſſe de Portugal contra ſeus contratos, & juramentos, como depois ten
tou. E allin como ſoube da doença delRey feu ſogro, que perfeverava,&
como que tinha pouca võtade de guardaroſ tam firmeměte juràra, mai
dou alguns,de q ſe fiava a Portugal, para verem o eſtado do Reyno,& fal
larem com alguns Portugueſes,quelhes nomeou,ſe morrendo elRey,acha
ria o Reyno a ſeu mandar, querendo vir a elle,
Indo a doença delRey Dom Fernando em crecimento ,mandou que dla
Villa de Almada onde eſtava,o levaſſem para Lisboa. E húa noite por naó
fer viſto,paſſou o rio, & veyo à Cidade, lançando pregoens, que ninguem
abrille porta,nem tiraſſe candeyas às janellas. Eſtava elRey muy gaſtado
das carnes,que não parecia,quem ſohia ſer. E ſentindo ſua morte apropin
quarſe, pedio lhe deffem o ſanto Sacramento . E quando lhe foi apreſen
tado , & lhe perguntava o Sacerdote , como he coſtume, ſe cria os Artigos
da Fe, & aquelle ſanto Sacramento,que pedia,diſſe que tudo cria como f
el Chriſtão,& mais cria,que Deos lhe dêra aquelles Reynos, para os man
ter em dereyto,& juſtiça, & elle por ſeus peccados, o fizera de maneira, i
lhe daria delles muy mà conta, E dizendo iſto, chorava com grande come
triçaill,
DELREY DOM FERNANDO. 203
triçam, & arrependimento de ſeus peccados, rogãdo a Deoslhe perdoaſſe,
& da meſma maneira chorauão todos os q o ouuião. E afficom muitasla- Morte
grimas, & eſtando veſtido no habito de S. Franciſco , recebeo o SanctoSa- delRey
cramento.E quando veyo aos vinte, & dois dias de Outubro daquelle an - D. Fer,
no 1383.começou de ſe agaſtar, & em breve eſpaço deu a alma a Deos de nando
Por
nos Paços da Alcaceva .Viveo eRey D.Fernando 43.annos, & dez mezes,tugal.
18.dias ,dos quais reynou 16 & nove meſes com grande trabalho feu, &
do ſeu povo ,por não amar a paz ,que Deos tanto ama,& encomenda .Ao
outro dia foi poſto em hűas andas cubertas de pano negro, & levado em
collos de frades ao Moſteiro de S.Franciſco ,onde ſe depoſitou , indo com
elle pouca gente . A Rainha não foi a ſeu enterramento como entao ſe co
ſtumava , por dizer que ſe achava mal,& nao podia ir. Outros dizem que
o fez,receando amurmuração dagente,que dellanam era muy contente,
& que ſe ſoltaſſem por verem elRey morto. Mas por nam ir, foi mais
murmurada. E as exequias delRey , ſe fizeram muy ſimplezmente . Seu
corpo foi trasladado ao Moſteiro de Sam Franciſco de Santarem ,onde jaz
no Coro alto, junto à ſepultura da Infante D.Coſtança ſua māy,conforme
ao ſeu teſtamento .
Foy elRey Dom Fernando da diſpoſição do corpo o mais fermoſo ho
mem ,que no ſeu tempo avia,& de tanta authoridade,& real preſença,queQualida
ſe eſcreve delle, que poſtoentre todos os homens domundo,parecia Rey, peſſoa
ainda que conhecido nao foſſe. Era de condiçaõ brando,& ſuave para ſe delRey
us vaſſallos, & nada cruel,nem vingativo, & em grande grao liberal. Porą D.Fer
dava amuytos, & não ſabia dar pouco. A hum fidalgo Caſtelhano por nando.
nome João Afonſo de Moxica,daquelles que a elle vieraõ de Caſtella,di
zem que mandou hum dia na Cidade de Evora 30 cavallos,& 20. mullas,
& trinta arneſes, & trinta mil livras em dinheiro, que crão mil & cento &
tantos marcos de prata,& quatro azemélas carregadas de camas,& tapeça
sias,& bun padrão per que lhe dava hūa villa honrada de juro. Nascou
ſas do governo do Reyno, foi remiffo , & pouco diligente, & notado de
não muy prudente. Porque ficando mais rico de theſouros, que nenhú
Rey defte Reyno,osdiffipou, & gaſtou indevidamente com guerras, em
ſe metteo,deſtroindo o Reyno proprio,por ganhar o alheo. Peloque todo
o tempo que reýnou, inquietou a ſy, & a ſeus povos,ſem nunca per armas
ganharem honra elle,nem os ſeus. Mas com tudo iſſo, dos povos nað era
malquiſto ,como pudera ſer outro Rey,que tam prejudicial lhes fora. Iſto
naſcia de ſua clemencia,& liberalidade, partes,que naturalmente ganham
os coraçoens dos homens. De ſua natureza era inconftante, & facilmente
rompia aamizade com os amigos,& ſe reconciliava com os inimigos. Eo
que ſe delle entendeo,lempre tivera guerra com Caftella,ſe os ſeus o nam
divertirão . Sendo dado a molheres, não era cioſo em ſua caſa,como foem
feros homens,que forao diſtraídos pelas alheas,mas mais deſcuidado do ý
Mm â fua
CHRONICA
a fua peſſoa, & eſtado convinha. De que veyo crerſe, que os filhos que a
i Rainha paria erao do Conde Joao Fernandez de Andeiro , nam ſenda
allim .
Ouve elRey Dom Fernando da Rainha Dona Lianor a Infante Dona
Beatriz Rainha de Caſtella,que osdeſafeiçoados à Rainha Dona Lianor,
& á uniao de Portugal com Caſtella, & affeiçoados a D. Joao Meſtre de
Rainha Aviz,querião falſamente fazer adulterina , & filha do dito Conde Joan
D. Bca- Fernandez,não ſendo poſſivel tal couſa . Porque a affeição que a Rainha
triz ver- com o Conde tomou,começou dahi a muyto tempo, poroccaſiao da pou
dadeira
méte foi ſada,quelhe elRey deu em Eſtremoz,natorre em que ella eſtava, com q
Gillia del,muytas vezes ſe achou só. O que foi no anno de 1380. fendo já a lofan
Rey D. te Dona Beatriz a eſſe tempo de oito annos. Porque naſceo em Coimbra
Fernan- no anno de 1372, no tempo que elRey Dom Henrique paſſava por a.
quella Cidade com ſeu exercito contra Lisboa . E a Rainha Dona Lia
nor ainda que ſe eſcreva della, que nas falas era mais deſenvolta, do que
à honeſtidade matronal, & Real convinha, nunca ſe della diffe, antes do
Conde Joað Fernandez de Andeiro,que tiveſſe amores com algum outro.
Foi a Rainha Dona Beatriz mulher honeftiffima, & de grandes virtudes,
& muyto alheya da folcura , & condiçam de ſuamáy . E ſendo ella húá
mulhermuyto deſemparadade parentes,afli em Caſtella, como em Portu
gal, aonde nam tinha pay, nein máy, nem irmãos , mas antes em hum
Reyno, & outro contrarios, & requerendoa por mulher alguns Princi
pes, nao quiz mais cazar, ſendo ainda muy moça. E no anno de 1409.,
mandandoa pedir o Duque de Auſtria à Rainha Dona Catherina máy
delRey Dom Jozo Segundo; que por ſeu filho governava os Reynos de
Caſtella, que Iha deſſe em cazamento, porelle tambem eſtar viuvo, a la
inha remeteo os Embayxadores a ella, que eſtava em Madrigal: aos qua
es a Rainha D. Beatriz reſpondeo, que as mulheres como ella, naõ cazavão
duas vezes.Fora do matrimonio ouve elRey D. Fernando ſendo folteiro
a Dona Iſabel,que foi cazada.com D. Afonſo Conde de Gijon, filho bal
tardo delRey D.Henrique,como eſtá dito atraz.
!
Fez elkey D.Fernando muytas leys proveitoſas, de que algúas vão in
Leysdel fertas nos cinco livros das Ordenaçoés,de que ſabeltas. * Dofidalgo, cu
Rey Di Clerigo,quecompra para vender. *Que as Igrejas, ou Ordens não con
muy uti- prem bens de raizſem licença delRey. * DasSeſmarias. * Que ninguem
Ics,infer poſſa fazer contadas,ſenam elRey. * Dos Mercadores eſtrangeiros como
tas nas hao de vender, & comprar ſuas mercadorias . E alem deſtas muytas prema
Ordena- ticas ſobre a agricultura ,& ordem de lavrar os campos,ſobre as apurações
çochs. de gente para a guerra,ſobre a navegaçam; ſobre os vadios, & ociofos, de
que porei algúas , que oje ſe ouverao com razam de tornar a aviventar ,&
guardar.
Vendo ý nos tempos paſſados eſte Reyno era hum dos mais abundătes
de Her
DELREY DOM FERNANDO. 204
de Heſpanha, de trigo ,cevada, & mantimentos, & por falta deordem , &
policia,era pelo contrario no ſeu tempo,em cortes que para iſſo ajunton,
fez algumas leys muy utiles á Républica, & àquelles tempos muy necef
farias. Primeiramente mandou, que todos os que tiveſſem herdades ſuas
proprias,ouemprazadas ,ou por outro qualquer titulo, foſſem conſtrangi
dos para as lavrar. E que ſe foſſem muitas ou em diverſas partes,lavraſſem
as que mais lhes approuvelle, & as outras fizeſſem lavrar per outrem, ou
dellern a lavradores de ſua mão .Demaneira,que todas herdades, que eram
para dar pão, todas fofſem de trigo,cevada,& milho.
Item ,mandou,que cada hum foſſe conſtrangido a ter tantos boys,quan
tos eraõ neceſſarios para as herdades que tinhão. E ſe aquelles que ouvef
ſem de ter eſtes boys, os nao pudeſſem aver, ſenaõ por grandes preços,
mandava , que lhos fizeſſem dar as juſtiças por preços juſtos, ſegundo o
3
eſtado da terra. E que foffe aſſinado tempo conveniente aos que ouver
ſem de lavrar,para começarem de aproveitar as terras, ſob certa pena. E
que quando os donos das herdades, as nao aproveitaffem , ou deſſem a a
proveitar, que as juſtiças as deſſem a quem as lavraſle, por certa couſa; a
qual ſeu dono nað ouveſſe, mas foſſe deſpeſa em proveito comum do lu
gar,onde a herdade eſtiveſſe.
Item,que todos os que erao ,ou foião ſer lavradores,& os filhos, & osne
tosdoslavradores,& quaefquer outros,que em villas,& Cidades, ou fora
dellas moraſfem ,uſando de officio , que não foſſe taő proveitoſo ao bem
comum,como erao da lavoura,que taescomoeſtes foſſem conſtrangidos a
lavrarem, ſalvo ſe ouveſſem de ſeu valia de quinhentas livras, que na
2.1 quelle tempo delRey Dom Fernando valiao cem dobras , que era gran
de ſommade dinheiro. E ſe nað tiveſſem herdades ſuas , que lhes fizef
ſem dar das outras, para as aproveitarem , ou viverem por foldadas , Em
cada hum lugar mandava, que ouveſſe dous homens bons, que viſſem as
herdades , para dar pam,& as fizeſſem aproveitara ſeus donos,por vonta
de, ou conſtrangidos, taxando entre os donos dellas, & os lavradores o
que juſto foſſe, que lhe deſſe de renda . E nao querendo o dono da her
dade convir em couſa razoada,que perdeſſe a herdade para ſempre, & foſſe
para o comum do lugar,em cujo termo eſtiveſſe.
Item ,mandou,que nenhúa peſſoa que lavrador nað foſſe, ou ſeu man
cebo trouxeſſe gado feu,nem alheyo.E ſe o outrem quizeſſe trazer,ſe avia
de obrigar lavrar certa terra, ſob pena de perder o gado,para o comum do
lugar ondefofle tomado.
Item , que porquanto para lavrar a terra,& para guardas dos gados, &
outras neceſidades da lavoura, eram neceffarios mancebos, & ſerviçaes;
que fe nao poderiaõ aver,pormuytosſe lançarem a pedir, por quererem
viver ociolos, & nam trabalhar, & porque a eſmola que aquelles ſe
dava , ſe tirava aos que della tinhao neceſſidade, mandou, que quaeſ
quer
CHRONICA
quer homens, que andaſſem pedindo, & não uſaſſem de officios, que fof
fem viſtos pelasjuſtiças de cada lugar. E fe fe achafſem que eraõ de taes
corpos,& idades que poderião ſervir em algum meſter, poſto que em al
guas partes do corpo tiveſſem aleijão, & com ellatodavia podeliem fazer !
algum ſerviço, que foſſem cõſtrangidos ſervir naquellas obras, em que o 1

fazer pudeſſem por ſuas ſoldadas,ſegundo lhes foſſem taxadas,aſſim no of 1

ficio da lavoura,como em qualquer outro .


Mandou, que todos que foſſem achados vàdios,chamándoſe eſcudeiros,
& criados delRey,ou da Rainha, Infantes, & outros Senhores, nao ſendo
lesen notoriamente conhecidosporſeus,ou moſtrandocertidão comoandavaó
Rey D.em ſerviço daquelles,cujosſe chamávão,foffem logo prezos pelas juſtiças
Fernan- dos lugares onde andaſſem , & conſtrangidos a ſervir na lavoura,ou em ou
do. tra couſa. E q quaeíquer q andaſſem em habitos de ermitáes,pedindo pela
terra,& não trabalhaſſem por ſuas mãos,em couſa porque viveſſem , que os
copelleſſem a fervir no meſter da lavoura,ou ſerviſſem aos lavradores. E d
os pedintes,ouerinitāes ociofos,ou criados q ſe chamaſſem delRey,ou se
nhores, ſervir não quizeſſem ,os açoutaſſem pela primeira vez, & todavia
os conſtrangeffem ,que lavraffem ,ou ſerviſſem . E ledem diante fazer nam
quizeſſem ,foffem outra vez açoutados com pregão, & deitados fora do
Reyno,Porõ queria elRey ,ī em ſeu Reyno ninguem viveſſe ociofo. Aos
velhos fracos,ou doentes,qnão podeſlem trabalhar, mandava ý deſſem al
varás,para ſeguramente pedir. E o q alvarà não trazia, avia a pena acima
dita de açoutes.E mandava aos Vintaneiros ſoubeſſem quantos na terra
avia,& os q vinhão de fora ,q homens erão,& de q maneira, & o fizeſſem
ſaber às juſtiças.E aos fidalgos q defendeſfem algum daquelles vadìos, da
va pena de quinhentas livras, & que foſſem degradados do lugar onde vi
veſſem , & donde elRey eſtiveſſe afeis legoas . E o que fidalgo nao folle,
pagaſſetrezentas livras,& ouveſſe o melmo degredo.
Nos lugares onde ſe coſtumaaver ganhadinheiros os ribeirinhos, que le
não podião eſcuſar,mandava que ordenaſſem numero certo,dosque fe não
podião eſcuſar, & os outros conſtrangeſſem a ſervir.
Iſto mandou guardar de maneira, a em pouco tempo ſe ſentio grande
abundancia de mantimentos,& as terras ſe aproveitarem , & não aver tan
tos máos feitos,como ſe fazem onde ha homens ocioſos.
Entre outras leys que fez para a gente de guerra,húadellas era, ý quá
do elle mandaffe aperceber ſuas gentes,para o que lhe compriffe,ninguem
ſe foſſe do ſenhor, ſ fervia ,para irvivercom outrem. Mas viveſſecom elle,
& o ſerviſle naquella guerra.Porq não era juſto manter o criado,& darihe
o ſeu no tempo da paz, & elle deſemparar o ſenhor no tempo daguerra.
Eğ ſe foſſe villáo o tal fizeſſe foſſe açoutado, & obrigado ſervir ſeu a
mo.E ſe foſſe fidalgo,tornaſſe o que recebera daquelle com quem vivia,
& entao ſe foſſe para quem quizeſſe.
E para
DEL REY DOM FERNANDO 205
E pera no Reyno aver copia de navios,& o trato & comercio ſe acref
centar, deu muitos privilegios & exempçoés , & ajudas aos que Leys del
fizeſiem Rey Dó
naos ,& navegaffem.E para que mais ſem perigo o fizeſſem ,inventou húa Fernádo
ordenança , & companhia das naos pera que quando algúa ſe perdeſſe , ſobre os
não ficaſſe tambem perdido o dono della . Para o gordenou háa bolſa, navegan
onde cótribuião todos que tinhão nos ou navios, & com elles navegâ- tes & per
vão,dando todos hũa pequena parte do ganho do q alcançávão ,de que cebiam
ſe refazião as perdas per muy boa maneira. A qual foi hìa ley muy hu- em fuas
mana , & util ,per que ninguem temia ficar perdido ,ainda que ſua nào ſe embarca
perdeſſe .Porque ſe lhe reſtituhia a perda per aquella invenção, ſem op. coés.
preiſaõ de ninguem .
E vendo elRey o grande dano, que os moradores de Lisboa tinham
recebido dos Caſtelhanos, & como a mayor parte, & mais rica da cidade,
foy ſaqueada & queimada, & feitas aos moradores dellas muitas violena
cias nas guerras paſſadas,porrazão de não ſer cercada toda :& como a ma
is rica & principal gente,por a vezinhança domar,morava fora da cerca
velha , & que todas as vezes que guerra ouveſſe,eitava ſujeita ás meſmas
injurias, & perigo,determinouſe em a cercar,porconſelho de loanne A.
nes de Alinada Vèdor de ſua fazenda. O qual lhe deu ordem, com que
aquella obra,que a todos parecia impoílivel,podela ver acabada os que a
viſiem começar,& que lhes parecia danofa,por a muita deſpeza, que ſe
avia de fazer à cuſta do povo , & ſe fizeſſe muy em breve, & com pouca
oppreſſão, Pelo que deixando elRey todos os inconvenientes,que lhe o Lisboa
ji punhão: ſeguindo o parecer de Joanne Anes,ordenou, quena obra da- & Evora
2.1 quella cerca ferviffem per ſeus corpos ,pera ſer em breve acabada,da par- cercadas
te do mar,osmoradoresde Almada,Cezimbra,Palmella ,Setuval,Couna em'mny brevetée
Benaxente,Zamora Correa, & todo Riba-Tejo. Da parte da terra,Sintra , po porel
Caſcaes,TorresVedras,Alanquer, Arruda, Atouguia,Lourinhãa,Chillei Rey Do
ros,Mafora,Povos,queentão chamâvão a Cornåga,Villa Franca, Aldeya Fernádo
Gallega ,alli os moradores das Villas ,como dos termos . E para ajuda de
ftes muros,deu elRey os reſiduos da Cidade, & ſeu termo. A obra ſe co
meçou ao primeiro de Setembro do anno de 1373. & fe acabou no anno
de 1375. E os que tinhão a elRey ein má conta,& murmuravão delle ,por
1 começar couſa , que parecia em cem annos não teria fim , & em que ſe avia
de gaſtar a fazenda dos vezinhos de Lisboa,o louvávão deſpois muyco,
& lhe davão graças.Naquelle melimo tempo,ſegundo ouvi aos antigos, a
o cuvirão de outros,foicercada a Cidade de Evora,pornandado do mel
mo Rey D. Fernando, dos muros,& Torresą agora tem ,fem ficar nenbúa
caſa fóra fazendo a cerca tão grande, ainda ha muytos lugares por en
cher,que foi outra obra muy nobre , & afli mandou reparar a Alcaceva de
Santarem de boa & fermola cerca, & outros lugares pelo Reyno.
Nn INDEX
..

27 39
201

INDEX DAS COVZAS E PESSOAS QVE .


ſe contem na primeira parte das Chronicas dos
Reys de Portugal.
i

A
B A ſuccedendo no Reyno de Vn- nor Tellez donde nafccrão. 170
Aincontinenci
gria morto pelos Vngaros
a.
por ſua
Fol.2.
Amores do Infante D. João com D. Maria
Tellez irmãa da Rainha. 181
Aboamofilho delRey deSofulmença, cati- Amores do Infante Dom Pedro com Dona
vodelRey de Portugal. 141. Inez de Caſtro . 146
Adverſidades queouve em Portugal em Andre , & Leventa chamados pelos Vnga
tempo del Rey D.Sancho. 52 ros pera ſeusReys.
Affeiçãoſobeja delRey D. Fernando a ſua Andre deſpojado porfeu irmão Bela . 3
irmãa D.Beatriz. 170 Andre deix1 dous filhos, Salomon , & Da
AfonſoJordão, filho do Conde de Toloſa vid. 2
AfonſoJordãomorreem
bautiſado no rio Jordão.Cefareade Pale Antiguidades & nobreza da Cidadede Es
vora . 41
tina. 8 Antioquia cercada, & ganháda pelos Chri
Alboamar filho de Aliboacem , cativo na Itãos. 13
batalha do Salado. 141 Aparáto do Conde Andeiro indo a Caſtellá
Albufeira tomada aos Mouros pelo Meſtre ſobre cazamento da Infante, 197
de Aviz D.Lourenço Afonto, 87 Appareciméto de N. Senhorpoſto naCruz
Alcacere do Sal tornado aos Mouros pelo a elRey D.Afonſo Henriquez . 8
Biſpo de Lisboa, & Eſtrangeiros. 59 Arcebiſpado deBraga erigido primeiro que
Alcacere do Sal cercado, & tomadopor el todosos de Helpanha deſpois da recupera
Rey de Sevilha. 51 ração della 17
Alarc Turco aconſelha ao Miramolím que Ardiỉde Fernão Roiz Pacheco per que el
ſe recolha. 136 Rey lhe levantou o cerco. 55
Alferez mòr antigamente fazia officio de Ardil de Gil Fernandez contra Caſtelha
Condeſtavel. 50 nos. 165
Algarve que quer dizer. 88 Armada de Eſtrangeiros que portou ein
Algarves de aquem,& de alem do mar, que Lisboa com tormenta, & ajudou tomar
lugares contém . 87 Alcacere do Sal. $8
Aljezur como foi tomado aosMouros. 87 Armada ricaméte guarnecidà pera vir a In
Almadas de Portugal deſcendentes de In fante de Aragão. 167
greſes. 39 Armada delRey de Caſtella que fez muyto
Almirante de Portugal ha victoria dos Ca- dano em Lisboa 89
Itelhanos. 95 Armas Reays de Portugal de cinco eſcudos
Alvarà falſo que aRainha D.Lianor Tellez donde tiverão origem. 29
fabricou pera degolarem ao Meſtre, & a Arinas Rcays do Algarve dos Caſtellos de
f Gonçalo Vaſquez de Azevedo. 191 ouro . 86
Alvará icgundo falſo pera o meſmo. 192 Arrayacs delRey D. Afonfo Henriquez, &
Alvaro Pirez de Caſtro priineiroCondeita- delRcy Ilmar jūtos em Caſtro Verde.28
vel de Portugal. 145 Arraezes deſte Reino donde tomárão o ap
Alvor como ſe tornou aos Mouros. 84 pellido. 178
Americo filho unico de Stephano Rey de Aironches ganhado per Dom Theotonio
Vngria morre virgem ,&Santo . 2 Prior de Santa Cruz. 30
Amizades & liançasantigas de Portugueſes Aſcendencia , & deícendencia dos Condes
com asCaſas de Franca 9 de Bolonha de Picardia.
Amocitaçoes do CondeDom Henrique a Aſtucia da Rainha Dorn Limar Tellcz pea
ſeu filho quando morria. 19 ra a não culpírem na prizam do Meſtre
Amores delRey D.Fernando com D. Lisa fol. iha
Nn2 Avenças
INDEX
Avenças delRey D. PedrodePortugal co treosReysde Portugal, & Caftella.173
clRey D.Henriquede Caſtela. 160. Cardeal D.Pedro deLuna impetra em Por
Avenças delRci D.Fernando& do Duque tugal obediencia do Antip.Cleméte. 196
de Lancaſtro contra Caſtella. 173 Carlos Rey deNavarracruel em tépo dos
Avenças delRey D.Fernando com o Códe Pedroscrueisde Heſpanha 151
Anjou contra Aragão. 181 Carta do Papa Gregorio IX.aelRey D.Sa
Aviſos que derao ao Infante ſobre a morte cho ſobre leu cazamento , & exccllos . 62
deDona Inez . 1474 Cartade quitação que elRey D.Afonſo X.
Avogados defendeo e !Rey D. Pedro,q nam de Caftella fez a elRey de Portugal do
ouveſſe em ſeu Reino . 154 foro do Algarve . 89
Cartas falſas que a Rainha D. Lianor Tem
B lez fez em nome do Meſtre de Avizcon.
Badajoz tomadoporelRey D, Afonſo tra elRey 191
42 Carta de Dona Coſtança filha de Dom jo
BatalhadelRey D.AfonſoHenriquiezcon- ão Manoel a elRey Dom Afonſo XI . de
tra elRey Ilmar. 29 Castella . 123
Batalha das Navas de Toloſa . 58 Carta delRey D.Afonſo IVde Portugal a
Batallia do Salado . 142 ſeu genro Rey de Caſtella.
Beja em tempo ſetomou aosMouros. 49 Carta delRey D.Afonſo XI. de Castella a
Beja cercada pelos Mouros, & deſcercada - ſeu ſogro Rey de Portugal. 128
pelo Infante D.Sancho. Carta delRey D.Afonfo a elReideCaftelka
Bela Rey de Vngria deixa filhos,Geyſa,La ſeugéro ſobre a ida águerra ſanta. 125
dislao ,& Lamberto . 2 Cala do civel aflentada a principio em Sar
Beneficios que os povos de Portugal reco 1. tarem 34
berabdelRey D.Afonſo III. 80 Cala do civel em que tempo ſe mudou do
Bilpado de Lisboa erigido. 36 Santarem pera Lisboa. 34
Biſpos de Evoraque ſe acharão nos Conci- Cazamento delRey D. Afonſo Henriquez
lios de Toledo . 41 com D.Mafalda Saboyana .. 34
Bilpos que ouve naCidade de Sylves até Cazamento delRey D.Sancho II. com Do61
gora. 85 na Micia Lopez de Haro.
Bilpos de Ofonoba deque ſefaz mençam Cazaméto delRey D. Diniz coma Rainha
nos Concilios de Toledo. 45 D.Ifabel filha delRey de Aragão. 91
Biſpo deEvora morto per hum homem fa- Cazamento da Infante D. Coſtança filha
cinorofo . 106 delRey D.Diniz,com Dom Fernando
Biſpo do Porto açoutado per mão delRey Rey de Caſtella. 97
D.Pedro. 152 Cazamento da Infante D. Maria Alhade.de
Braga não foierigida em Arcebiſpado pelo fonſo IV.com elRey de Caſtela. 118
Conde D.Henrique. 17 Cazamento da Infante D.Lianor, filha de
Burdino Frances Arcebiſpo de Braga, & Rey D.Afonto IV com elRey D. Pedro
Antipapa. 9 de Aragão . 145
Burdi no caftigado ignominioſamenteidem
Papa Caliſto II.
pelo Cazam entos de muitas peſtoasý a Rainhia
D.Lianor Tellez fez. 1-2
с Cazamento da Infante D.Beatriz irmáa del

C Achoposlugarnomarde Lisboa,dő-
78
Rcy D.Fernando ,com D.Sancho irmão
delRey D.Henrique. 1 -S
liſto Papa II.filho do Conde de Borgo .
Calnha,& Cazamento deD. Ilabel filha baftardadel
irmão Conde
do D. Raymundo Rcy D.Fernando, com o Conde de Gi
de Galliza . 8 jon baſtardo delRey de Caſtella. 1-8
Capitulacoens de pazes entre elRey D.Di- Cazamentosforçados poucas vezes fucccde
niz , & elRey de Caſtella . 96 bem . 2,8
Capitulaçoes delRey D.Fernando de Por- Ca mento occulto do Infante D.Iciccom
za
tugal có clReyDJoào dc Cartella. I95 D.Maria Tellez, 131
Cardeaes no tempo delRey D. Afonfo Hé- Couzamento da Infante D.Beatriz como lp .
riquez erão curas das Igrejas de Roma, fante D. Fernando de Caſtella, que nan
& nãoveſtiáo purpura. 23 ouve effeito . 1842
Cardcal de Bolonha vindo a fazer pazes en- Cazamento daInfante D. Beatriz coe'Rcy
Dom
204

INDEX
Dom João de Caſtella. 198 rente dos Emperadores de Conſtantino
Cazamento, & defcendencia do Infante D. pla 3
Afonſo irmão de Rey D.Diniz. 92 Conde D.Henrique caza com a Rainha D.
Caſtello de Vide era termo de Mourão . 93 Tareja comdote de Portugal. 6
Cavallos de Bronze do chafarix defendidos Conde Dom Henrique não foi ſobrinho do
per os deLisboa dos Caſtelhanos que os Conde de Tolofa. 8
queriáo levar. 176 Conde D.Henrique primo com irmão de
Cavalleirosą na batalha de Ourique mor- Raymundo Conde de Galliza. 8
rerão. 29 Conde D.Henrique foi natural de Beſan
Cavalleiros esforçados,q naguerra ſeguiam çon Cidade do Condadode Borgonha. 8
a Gonçalo Mendez o Licador. 47 Conde D.Henrique em que tempo veyo 2
Cavalleiros Templarios injuſtamente con Heſpanha , & a queveyo. II
denados . I10 Conde D. Henrique não foi a guerra de
Cavalleiros Templarios não cófentio elRei ultramar ,nem lhe erapoſſivel. 13
D.Diniz prenderéleem ſeu Reino. 111 CondeD.Henrique de Portugal quem fo
Cavalleiros Templarios agafalhou elRey rão ſeus pay &máy. 9
D.Diniz na Ordem de Chriſto. 112 Conde Dom Henrique não foi da Caſa de
Cavalleiros que elRey D.Fernando arinou Lorreina. 4
perſua mão. 194 Conde D.Henrique de Portugal não era o
Cauſas verdadeiras per qel Rey D. Afonio que chamavãode Limburg. 3
deixou ſua mulher a Condeſſa de Bolo. Conde de Limburg quem era naquelle
nha,& fc cazou em Castella. 79 tempo. 4
Cauſa frivolaq elRey D. Fernando deu a Conde deLimburg não deixou filhos. 4
feu irmão porque o prendera, 193 Conde de Toloſa companheiro do Conde
Cerco poſtoa Fernão Roiz Pacheco no ca- D.Henrique navindade Heſpanha.
Itello de Celourico . Gufo Conde de Toloſa & Conde de Ŝ. Gil he a
Cefar appellido de fidalgosantigos. 109 meſma peſoa. 7
ChildeRolim capitáo da frota dos Eſtran- Conde deTolofa,indo a guerra de ultramar
geiros, & ſua deſcendencia. 38 fe fez Conde de Tripol. 7
Cidades & villas de Caſtella ſe entregárão Conde de Toloſadonde procedeo . idem
a elRcy D.Fernando de Portugal. 161 Conde de Toloſa cazado com D. Elvira fie
Clemente VII.& Benedicto Antipapas. 183 lha delRey D.Afonſo. 7
Coimbra arruinadapor Almancor em té Conde de Toloſa falſamente dizemn cazar có
po de Ordonho I'll.de Lião, 17 D.Vrraca & delles naſcer elRev D. Afo
Coimbra tornáda a povoar pelos Mouros. fo VII.de Caſtella.
fol. 17 Conde de Toloſa grande fenhor em Fran
Coimbracercada por elRey D.Fernando o ça.
Magno de Lião. 17 Condes de Borgonha ſempre cazáram ſias
Coimbra ganhada em ſete meſes, & não ein filhas có Reys,ou grādes Principes 10
fete annos como os Autores Caſtelhanos Conde de Bolonhaeleyro pelo Papa para ir
dizem . 17 reger Portugal, por elk ey feu irmão.
Comendadores de Santiago que confiados fol. 62
ra trégoa morrerão a mãos de Mouros Conde D.Fernando de Caſtro como ſe pal
cuelmente . 84 fou a Portugal . 162
Conprimento honrado que os filhos de D. de
Con de Barc ello s man dad o ão
a Arag co
Garſia de Souſa fizeraó a elRey D. San- 18 quintais d'ouro. 167
cio indoſe defte Reyno . 63 Conde de Gijon defavindo com ſeu pay por
Concilio decretado pera S.João de Laterío não receber ſua eſpoſa. 180
nudado pera Lião de França. 62 Conde de Cambrix quer vir a Portugal por
Corcilio de Claramonte junto pelo Papa ſeu irmão o Duque de Lancaſtro . 185
Vrbano II. 12 Conde de Cambrix com ſua mulher , & fic
Corordia delRey Dom Fernando, como Thos apportão em Lisboa. 183
Conde de Anjou contra Aragão . 81 Conde de Cambrix ſe torna afrontarlo a In
Corde D. Henrique de Portugal era im- glaterra. 196
pffivel ſer filho deRey de Vngria. 3 Conde Andeiro , & a Rainha sfentão , que
Corle D.Henrique não foi Gregonem pa- ſe prenda o Meſtre de Aviz. 191
Nn3 Codella
INDEX
Condeffa Matildis,& ſua geração. 69 Crueldade & atrevimenroporque he natu
Condctia Mathildis era já velha quandoo ral nos ſoldados. 198
Condeveyo aPortugal. 79 D
Conde talresprimeirosdePortugal & Ca Ano que reſulta da alteraçan des mor
Stela quem foraó. 194 D edas. jer

Condi çoes
do de
de pazes entreelRey D. Ferná
Portugal,& o de Cattella. - Delho dc Rey D.Diniza elRey D. Súcho
169. i feu tio. 94
Condiçoesde pazes entre el Rey D. Ferná- Deſafio del Rey D.Diniz a elRey D. Fer
de & eRey D.Ioao . 105. nando de Caſtella feu ſobrinho. 95
Condiçoesdocaſamento da infante D. Bea- Delafio del Rey D.Fernando de Portugal 2
triz com elRey D.Ioan de Caſtella.197 · Rey D.Henrique de Caftella. 164
Çongregação da Ordem de Cifter,quando Defafia D.loãoMeſtrede Avis aquen uit?
krita ; & por quem 1. ferque elle errou contra elRey 193
Çonluyos de Dom Alvaro Nunez de Olo- Deſafio de Martim Vaſquez da Cunha
rio . 117 quemnão quizeſſe combarcríe com o
Conſelho que hum Mouro deu ao Mira- Meſtre. 193
molim parafuſpender a batalha do Sala- Delavenças entre elRey D. Afonio II. &
do . 137 ſuas irmáas. 57
Conlelho da Rainha Fatima ao Miramolim Deſavenças entre elReyD.Diniz, & Dom
ſeu marido fobre o meſmo. 137 Sancho Rey de Caftella ſobre cazamen
Coniclheiros liures, & deſentereſſados do tos de ſeus filhos. 94
tempo antigo. 115 Dchvenças delRey D. Fernando IV de
Conſelheiros devem ſer alheosde avereza, Caſtella com alguns Principes, & a cau
& ambiçam . idem . fa dellas. 67
Contaspara rezar quando , & por quem fo
ram inventadas
fo .
12.
Deſcendencia do Conde deGijon, & Dut
: Ilabel ſua mulher. ISO
Contrato delRey D.Diniz ,& elRey Dom Deſculpas delRey D. Pedro de Portugal
Sancho de Caitella ſobre os caſamentos por não receber
em ſeureyno a elRy
de ſeus filhos. 93 : D.Pedro de Caſtella teu sobrinho. 159
Contradiçam dos grandes de Caſtella ſobre Deſculpas delRey D. Fernandoao Corde
a remitíam do foro do Algarve. 89 de Cambrix por o calamento de ſua fiha
Convença entre elRey Don Afonſo II. & em Caiteila . 199
ſuas irmáas. 58 Deſculpa frivola delRey D.Fernando que
porque proce
Convento primeiro da Ordem de Chriſto dcu ao Meſtre ſeu irmão o
en Caftromarim . 112 dera.
Convento da Ordem de Chrifto mudado Deſobediécia do Infante D.Pedro a ſeu pay
de Caſtromarim para Tomar. 124 por a morte de D.Inez. 1.47
Cofrumes envelhecidos faó máos de arran- Delordens del Rey D. Afonſo de Cifu
car. 183 por amor de D. Lianor Nunez, 119
Cofiumes & qualidades da perioadelRcy Despedida doseitrangeiros que ajudamn :
D.Afonfo Henriquez, ; , 48 tomar Lisboa . 30
Coſtumes delRey D.Diniz. 108 Deſpołouros de Rey D.Afonſo XI. de Cal
Coſtumes & graças notaveis do Infante D. telia com D.Coitança. 117
loam filho de Rey D.Pedro . 151 Deipoſouros delRey D.Fernando de dire
Creaçom do PapaVrbano VI. & as ſciſmas tugal com filhadelRey de Arag1o. 163
que por ella luccederam . IS3 Defpofouros de D.Fadriquc filho bathere's
Crucidade de Rev D. Pedro de Caſtella rielRey D.Henrique com a Infused).
contra búa ſua fobrinha menina de POU Bcatriz herdeira de Portugal. 18%
cos incles. " 159 Detpoſouros da Infante D.Beatriz corD .
Crucidade de Caſtelhanos contra Portu- arte filho do Conde de Cambris. 104
guetes. 94 Deſterro de Afonſo Sanchez para Catch:
Crueldade do melino Rey D. Pedro contra fem cauſa . 13
elRey de Granada tendoo ein caſa por DiogoLopez Pacheco como cfcapou eit
hoſpede. 158 entregue a Portugal.
Crueldades & roubos dos ingrefes nunca Dittrico grande de Reiação ou parlazer
wiltos fendo chamados comoamigos. 188 to de Santarem em tépo de Rom . 54
lai
2011

INDEX
Doaçoes que a Rainha D.Tareja fez ſendo ces nem Vngaro.
viuva oito annosdeſpois da morte do Dom Egas Moniz fundou o Moſteiro de
Conde D.Henrique. 25 Paco de Souſa. C ',
21
Doaçoens delRcy D. Sancho a Dona Ma- Dom Egas Perez Cornel. 47
ria Paez de viila de Conde , & outros Dom EgasGomezde Souſa. 47
lugares. 56 Dom Fadrique filho natural delRey Dom
Doaçoens do Alguve que el Rey de Caf- Henrique deſpoſado com a Infante Dona
tella fez a ſeu genro, & netos. 108 Beatriz de Portugál. 184
Doação grande del cy D.Diniz aos filhos Dom Fernando Sanchez filho baſtardo del
do Infante feu irmão. 93 Rey D. Diniz . 92
Doaçoes delRey D. Diniz á Ordem do Dom Fernando de Eça filho do Infante D
I 12 loão teve quarenta & dous filhos. 150.
Hofpital .
Doaçoens deiRey D. Diniz á Ordem de Dom Fernando Mendez de Gundar. 47
Santiago I 12 Dom Fuas Roupinho desbarata a elRey
delRey D.Diniz a muytes Prela-
Doaçoens Gami em Porto de mòs. 45
dos,& Moſteiros. I 12 Dom Fuas Roupinho como desbaratou
Doaçoens de villas & Igrejas que elRey D. húa Armada de Mouros. 45
Diniz fez à Ordem ac Avize 112 Dom Fuas Roupinho indo aSepta forçado
Doaçõens que elRey D.Pedro fez a ſeu fi do vento foimorto & desbaratado pelos
Iho o Infante D.loam , 15+ Mouros. 45
Doaçãoque el Rey D.Afonſo X. fez a ſua Dom Giraldo Biſpode Evora morto pelos
filha Rainha de Portugal. 94 facinerofos que acompanhayão ao Infan
Doação de terras que elkey D. Fernando te D.Afonſo, 106
feżá Rainha D.Lianor Tellez, 171 Dom Godinho Fafes. 47
Dote de terras deCaftella que el Rey Dom Dom Gomez Paez da Sylva. 4.7
Henrique dava aclRey D. Fernando fe Dom Gomez Mendez Gedeão. 47
cazaile com ſua filha. 169 Dom Gonçalo Mendez de Amaya o lida
Don Henrique Conde de Portugalnatu- dor de 95 annos venceo duas batalhas em
ral do Condado de Borgonha. 9 hum dia. 40
Dom Henrique de Portugal filho do Code Dom loão Nunez de Lara fazſe vafallo de
Guido de Vernol,& da Condelià loanna elRey de Portugal. 130
filha do Duque de Borgonha. IT Dom loão o Torto morto por elRey de
Dom Pedro filho baſtardo do Conde Dom Caftella per engano 117
Henrique morre monge em Alcobaça. Dom loão Afonſo filho del Rey Dom Di
fol . 13 niz . i 92
Dom Pedro primeiro Arcebiſpo de Bra- Dom Ioam de Albuquerque ó do Ataude
ga,depois darecuperação de Lípanha: 17 fol. 92
Dom Afonio Henriquez naloc aleijado das Dom Ligel de Flandres . 39
pernas . 13 Dom Martin Gil de Soverofa. 55
Dom Afonſo Henriquez & fuas irmás fob a Dom Martim Gil. 92
adminiſtração de ſua máy . 25 Dom Martim de Lara. 123
Dom Afonfo Mendez filho baftardo del Dom Martin de Freitas que foftentou o
Rey D.Diniz. 92 cerco de Coimbra. 64
Dom Afonſo Conde de Gijoni cazado com Dom Mattheus Biſpo de Lisboa que to
filha battarda delRey D.Fernando. 178 mou Alcacere do Sal . 58
Dom Afonfo Conde de Penella , & fuader- Dom Mem Moniz filho de Dom Egas Mo
cendencia 150 nizmorto na batalha deOurique. 29
Dom Alvaro Nunez de ( forio . 117 Dom Mem Fernandez de Bragança, 47
Dom Alvaro Perez de Castro primeiro Co- Dom Mendo Souto grandefenhor, & bif
deltavei de Portugal. 176 neto delRey D.Afonio Henriquez. 63
Dom Alvaro Rodrigues de Guzmão. Dom Moço Viegas. 47
Dom Bernardo Arcebilpo de Toledo nao Dom Mendo Vicgas. 47
foi Primáz de Heſpanha. 16 Dom Nuno Soares. 44
Dom Diogo Gonçalvez Valente morto na Dom Nuno Porto Carreiro morto pelos
batalha deOurique. 30. Portugueſes. 131
Dom Egas Moniz Portuguez ,& naó Fran- Dom Payo Soarez Csapata . 47
Nn4 Dom
I N D E X
Dom Payo Godijz. 47 de Soula 8
Doni Payo Correa Portuguez Meſtre de Dona Lianor Nuncz de Guzmão tratada
Santiago, coino tomou aos Mouros os como Rainha 128
mais dos lugares do Algarve. 82 Dona Vrraca Sanchez baftarda delRey D.
Doin Payo Correa Meſtre de Santiago de Sanchol. 55
Caftella ſe faz vallallo delRey de Portu- Dona Incz de Caſtro & ſua linhagem . 146
gal. 86 Dona Lianor Tellez amada delRey Dom 1
Dom Pedro filho baſtardo do Conde Dom Fernando por ſua fermoſura. 170
Henrique morre monge em Alcobaça. Dona Lianor Telles feita Rainha de Pos
fol. II . tugal. 172
Dom Pedro Afonſo filho Baſtardo delRey Do queſe
D.Afonſo Henriquez. 32 file tomou na Corte na mortede hu
delRey D. Fernando naſcido de
Dom Pedro Arcebiſpo primeiro de Braga, quatro dias. 194
depois da recuperação deHefpanha. 15 Ducado de Lorre ina perque via vero a Go
Dom Reimão Garſia dePorto Carreiro.47 dofre Rey de Jeruſalem . 5
Dom Ruy Sanchez filho de Rey Dom Sa- Duvida ſobre qualdos Reys de Portugal l«
chol. 55 Caftella laudaria ao outro primeiro, 178
Dom Sancho de Ledeſma ingrato a elRey E
D.Diniz. 95 Eclypſe do Sol eſpantofo. 52
Dom Sancho Nunez. 47 Edificios que elRey D. Diniz fez. 113
Dom Sueiro Ayres de Valladares. 47 Elvas tomada per elRey D.Sanchol. 52
Doin: Ximena Nunezdc Guzmao may da Embaxadores de Portugal ao Concilio de
Rainha D.Tareja de Portugal. 6 Lião de França. 6:
DonaTareja filha legitimadelRey D.Afo- Erro de algus Autores q fazem ao Códe D.
ſo VI.de Caftella , & de Dona Ximena 1
Henrique da Caſa deLorreina.
Nunez. 7 Erro de Jeronymo Zorita.
Dona Vrraca herdeira de Caltella mulher Erro dos que dizem que por terras que de
de Raymundo de Borgonha. 6 raó ao Conde de Bolonha deixou tua ms
Dona Tareja Rainha de Portugal como le- lher Mathilde & fe cazou emCaſtell2.78
gitima que era,ſe chamava Infanta. 7 Erro dos que ouvirão a Rainha de France
Dona Vrraca, & D.Sancha filhas do Cón- na causa da ſucceſlão de Portugal. 78
de D.Henrique . II Esforço do Infante D.Sancho filho delRey
Dona Tareja Afonſo baſtarda delRey Dó D.Åfonfo Henriquez. 44
Afonſo Henriquez ,cazada com Sancho Eftrago que os Chriltáos fizerão nos Mowe
Nunez. 32 ros na batalha do Salado indo em feu al
Dona Maria Anes de Fornellos que fora 2 cance.

migadelRey D.Sancho I. caza com Gil Evora coino foi tomada per hum ardil, &
Vaz de Souſa. per quem . 40
Dona Maria Paez amiga del Rey D.Sancho Evora toi Municipio do dereito de Latio.
I.de que ouve quatro filhos. 55 fol. 41
Dona Tareja Sanchez filha baſtarda de Rei Evora domicilio & habitação de Quinto
D.Sancho I. cazada com D. Afonſo Tel- Sertorio . 47
lo,que povoou Albuquerque. 55 Evora ſempre gozou de Prelados illuſtres.
Dona Coitança Sanchez baitarda de Dom fol. 41
Sancho I. & dc D.Maria Paez ,fez o Mof- Evora cercada de muros per elRey Dera
teiro de S.Franciſco de Coimbra. 55 Fernando. 205
Dona Maria Pacz que fora Amiga deDom Euftachio Conde de Bolonha não morro
Sancho I.roubada per Lourenço Viegas, fem filhos como diz Damião de Gocs, 5
& levada ao Reyno de Lião. 55 Excellencias da inclyta Cidade de Lisboa.
Dona Maria Paez Ribeira cazou elRey D. fol. 36
Afonſo II.com João Fernandez de Li- Exercito que ſe ajuntou peri a conquis
ma 56 de ultramar. !+
Dona Berenguella Lopez irmãdaRainha Exercito delRey de Caſtella na batalha co
D.Micia grande ſenhora em Caitella. 61 Salado . 126
Do Lianor baltarda delRey D. Afonſo
na Exercito dos Mouros pera a batalha do Sa
Terceiro cazada com o Conde D. Garlia lado paflou o eſtreito em cinco me escán
tuos
L )

INDEX
titauos em feffenta galés. 139 Bolonha 82
Fidalgos Portugueſes que por moſtrarem
F ſuaspeſſoas ſervião a elRey D.Fernando
Fabula da prizam da Rainha Dona Tareja de Caſtella nas tomadas de Cordova , & i
confutada. 24 Sevilha. 80
Fabula do cerco que elRey de Caſtella poż Fidalgos Ingreſes de que hia porCapitão o
a Guimarães ,confurada. 24 Mettre de Aviz , o que fizerão em Cala
Fabula da homenagem que fez EgasMoniz tella .
193
aelR deCaſt
eycon
riquez ell. a por D. Atonio Hen-
futada 25
Fida
D.lg os deCaſtella que ſe vieraó a tlRc
Fernando. 16
y
Fabula fingida delRey de Caſtella, & dos Filhos delRey D Sancho o Primeiro . 55
ſeus ſete Condespreſos pelos Portugue. Filhos delRey D.Afonſo Henriquez. 31
jes,confutada. 24 Filhos delRey D.Afonſo II. 60
Fabula da ida de Egas Moniz a Caſtella cô Filhos delRey D.Diniz . 91
ſua mulher & filhos cingidos com bara- Filhos del Rey D.Afonfo IV . 148
ços,confutada. Filhos delRey D.Pedro, & de Dona Inet
Fabula do deſacato que elRey D. Afonſo de Caſtro , 140
fez ao Cardeal Legado,confutada. 25 Filhos do Infante D.João. 150
Fabula ridicula do Bispo de Coimbra negro Fome grandiflima que ouve em Portugal.
ordenado por elRey,confutada. 24 fol.
51
Fabulla da Condeila Mathilde vira Portu . Frades de S.Franciſco exécutores das Bul
gal em buſca de ſeu marido elRey Dom las que o Condede Bolonhatrazia . 54
Afonſo ,confutada. 77 Fraude da Rainha D.Lianor contra ſua ira
Façanha que direito he,& porque ſe diz al- máa D.Maria Tellez. 182
lim . 147 Frey Defiderio vem com o Conde de Bolo
Façanha de Martim Vaſquez da Cunha nha pera o meter de poſle do governo .
porque largou o Caſtello de Celourico fol. 60
queelRey lhe não queria afleitar. 147 Frotade Cavalleiros eſtrangeiros que apora
Façanha deMollem Beltrão de Gueſclim tárão a Lisboa , & a ajudárão a ganhar. 35
per que ſe livrou de ſer prejuro. 147 Furcados de Caſtella deſcendentes da
Façanha cruel de Afonſo Lopez de Texe Rainha D.Vrracapor hum parto furti
da. 166 VO ,
9
Façanha notavel deNuno Gonçalvez Al G
caide Mor de Faria.

Façanholoautodelealdade
de Freitas Alcaide mòr dodeCaſtello
D. Martinde G Alésde doPortugaldesbaratadas por 182
Coimbra. 65 Galés de Portugal desbaratadas pelas de
Facinorofos feitos dos que o Infante Dom Caſtella. 132
Afonſo trazia contra feu pay elRey Dom GarliaRoiz mercador; perſuade moverſe
Diniz.
Falla do Infante D. Sancho aos ſcus, antes
106 guerra contra osMouros do Algarve. 8z
Garlia Roiz offereceſle morte por defen
á
de dar batalha aelRey de Sevilha. 44 fào dos Comendadores. 84
Faro como ſe tomou por elRey D. Afonio, Gente de Portugal que ſeguio a elRey D.
& o Mestre D. Pavo Correa. 87 Afonfo IV.pera a batalha do Salado: 138
Fatima mulher do Miramolim prudentif- Gentede Caftella que acreſcentou o Cam
fima 137 po delRey de Portugal. 194
Feiçoes delRey D.Afonfo Henriquct. 48 Gentc delRey de Portugal, & do Conde
Feiçoes delRey Dom Afonſo Conde de de Cambrix pera dar batalha a elRey de
Bolonha. 90 Caftella: 194
Fermoſura de D.Inez de Caſtro. 146 Gil Sanchez filho baſtardo delRey D.San
Fermoſura da Rainha Dona Lianor Tel- cho I.& de D.Maria Paez. 85
Icz 190 Gil Afonſo baſtardo delRey Dom Afonſo
Fernão Rodriguez Pacheco, & ſua lealda- Conde de Bolonha. 82
de . 64 Gil Fernandez d'Elvas mancebo audiż &
Fernão Afonſo Cavalleiro do Templo filho esforçado. 165
batardo delRey D. Afonio Conde de Giraldo ſem pavor , & fou esforço. 4.0
Giralda
2

INDEX
Giraldo ſem pavor primeiro Capitão da ci- Incendio em Lisboa naruia nova, & radas
dade de Evora. 40 ferrarias. 165
Godofre de Bulhom eleyto pcra General Indio Bengalla ,que tendo Nuno da Curta
da guerra deultramar. 12 Governador da india era de trezentosä
Godofre de Bulhom vende a Cidade de trinta & cinco annos. 30
Metz,& o Condado de Bulhom pcra ir Infante D.Fernando filho delRey D. Sartu
á guerra fanta. 13 cho L.caza com a Condesade Flandres.
fol. 54
Godofre de Bulhom eleyto Rey de Joruſa
lein . 12 Infante D. Fernando Conde de Flandres
Godofre de Bulhom não aceita Coroa nem prezopor elReyPhilippede França ry
inſignia de Rey em Jeruſalem . 13 Infante Dom Fernando Conde de Fundrés
Godofre de Bulhó Balduino, & Euſtachio não morreo naprilaó como os Franceſes
- irmãos,filhos do Conde de Bolonha. 4 eſcreverão.
Gomez Lourenço Viegasmorto pelo rou- Infante D.Pedio filho delReyD.Sanchi
bo que fez de D.Maria Paez . 56 aggravado de feu irmão vai ao Mitano.
lim de Marrocos.
Gonçalo Vaſquez de Azevedo prezo coin 54
D.João Meſtre de Aviz. 191 Infante Don Pedro caza com a Conde:
Gonçalo Vaſquez de Azevedo parente da de Vrgel em Aragão.
Rainha. 132 Infante Do Pedro vem a ferfenhor da li
Gonçalo Vaſquez de Azevedo deſafia a cl de Malhorca. 64
Rey de Caſtella,por não aflitar as pazes Infante DomPedro ajuda a tomar a Ilha de
q com Portugal aflentou. 196 Eviça.
Grão Meſtre do Templo queimado ſem Infante D.Pedro trouxe a Portugalos ofius
culpa III dos cinco Frades Martyres que padeceu
Guilh elmedaLonga eſpada General dos ráo em Marrocos.
eſtrangeiros, que ajudou tomar Lisboa Infante D.Fernandode Serpå. 60
quem era . 37 Infante D. Afonſo de Molina vem em ajuda
Guilheline de Corni Frances Ruthor da A- delRey D.Sancho Capello. 61
touguia ,de quem deſcendem os Atou . Infante Dom Afonie de Molina, & fuadela
guiasdeſte Reyno. 39 cendencia.
Infante D.Diniz delcis annosvai a feu avd
H a Caſtella que o arme cavalleiro, & the
quiteo torodo Algarve.
porD
HAbitode Capalleirosde Chriftoqua Infante eDoigiztornaarmádəcavaliere
mão de feu dequi.
Henrique cavalleiro Alemão Sito,q mor- taçãodo foro ,& muytasjoyas. 81
reo no cerco de Lisboa. 36 Infante Dom Afonſo primogenito delRey
Heſpanhoes não forão águerra fanta por os D.Diniz.
Mouros que deixavão em cala. 14 Infante DomJoão filho delRey Don Tue
Hiſtoria dos Aragoetes fobre Arnaldo Be- dro,cazado com D. Cottançá filha dels
renguer livrar húa Emperatriz de Infa- Reyde Castella, 149
mnia reprovada. 38 Infante D.Dini z filho delRey D.Puding &
Hiſtoriadores raramente tratão as couſas de endencia
ſua deſc .
ſeus Reys,ou mayores com vcrdade. 151 Infante D.Diniz não reconhece D. Lar
Horas de N.Senhora quando fe começárão Tellez por Rainha
a rczar , & quem as introduzio. 14 Infante D.Diniz comoſe paſſou a Cilella.
Horas perenncs ſe cantáváo antigamente fol. 173
em todos os dias, & noites no Moſteiro Infante D.João fruſtrado deruas epara ass
de Alcobaça 48 vaiſe da Corte. 183
Infante D.Sancha filha delRey D.Sancho I
1 governadora de Lorvão. 53
Infante D.Sancha filha do meſmo Rey', il
DaddRey D.Sancho II. a Caſtella foi nhora deGuadelajara. si
тра
ein tempo delRey Dom Fernando 3. Infante D.Beréguclla filha do meſmo Rey
morre fem cazar.
ſcu primo . 66 22
Igreja Cathedralde Evora quando fe orde- Infante Dona Lianor cazada comelRurde
100 , & edificou. 41 Dacine
Tofino
2015

INDEX
Infante D.Branca filha delRey D.Afonſo fol.
Abbadeçadas Holgasde Burgos, & 'le: Leys delRey D. Fernando Tobre diverſas
nhora demuytastorras. 81 coufas utiliffimas. 203
Infante D.Branca Abbadeſſa das Holgasspa Lenho da véra Cruzerabandeira dos Pura
rio de hum certo cavalleiro a João Nunes tugueſes na batalha do Salado. 159
do Prado Meſtre de Alcantará. 81 Leventa fobrinho delRey Stephand cha
Infante D.Beatriz filha delRey D. Pedro mado pelos Vngarospera ſer Rcy.
& de Dona Inez de Castro, & fua nobre Levent'a mortefera filhos. 3
defcendencia. 151 Liberalidade del Rey D.Pedro , : 155
Ingreſesqueixofospor ſe fazerem pažesco
Galtella ás eſcondidas dellesi
Lisboa ſempre foi grande; &nobre. - 36
196 Lisboa tomada primeiro aosMouros por el
Ingreſes tratío as couſas dos Portugueles Rey Dom Afonsoo Cafto , & por Carlos
como de inimigos. 184 Magno. 36
Injuſtas condiçoescom que el Rey de Fras Lisboa tomada fegund a
vezp orelRey Do,
çafez elogero Papa Cleiñente. 116 Afonſo VI.de Caftella,&i
pelo Conde D
Inquiriçãoque ſe tirou fobre !o cazamento Henrique feu genro. 11
del Rey Dom Pedro com Dona Inez de Lisboa tanáda terceira vezpor elRey Dó
s Caſtro 156 Afonſo Henriquez, &pelos eftrangeiros
Infignias daCidade deEvora declaradas 4.1 da Armáda: idein
João Fernandez Anueito Gallego como le Lorreina dividida em ſuperior, & inferior.5
rego pera clRey D. Fernando . 163 Loulé, & Aljezurcomo os tomou elRey
João Fernandez Andeiro enviado a Ingla- D.Afonſo III 155.
terra tratar amizades como Duque de Louvores da inclyta, &Real cidade de Lisa
Lancaftio. 185 boa.
36
João Fernandez Andeiro vem ocultamente Lugares de Riba de Coi, que ficarão ael
per mandado del Rey, 185 Rey de Portugal. 96
João Fernandez Andeiro praticava coinà Lugares que elRey D. Afonſo deu aos ÉR
Rainhasó. 183 trangeiros,q quizerão ficar no Reyno.37
João Fernandez Andeiro feito Conde de Lugares qucelRey D. Afonſo Henriquez
Ourem 189 tomou aos Mouros na eſtremadura. . 39
foy:as que mandou clRey Dom Fernando a
'Aragão á Infánta fua eſpoſa quc tornário M
i atrazer 167
Jomiada delRey D.Afonſo Henriquez con
tra elRey Ilmar. ŽŽ M Alcfici
Sanchoosque osprivadosdelReyD.
Jornada do Infante D.Sancho contra elRey Rainha D.Micia Lopez. 61
de Sevilha 43 Martim Moniz filho de D.Egas Moniz inor
Ira;& ambição maos conſelheiros. 182 to na batalha de Ourique. 29
Juramentos dosgrandes de Caftella, & Por- Martim Afonſo Chichorro filho delRey D.
tugal,fobre as capitulaçoés,& cazanéto Afonſo III .& de hūà Mouriſca. 82
daInfante D. Beatriz . 201 Mathilde Códellade Bolonha não pario de
elRey D.Afonſo teu marido. 74
il Memoria da batalha do Salado, que está ein
hum marmore na Sé de Evora. 141

L Adislao irmão de Geyſa lhe fuccede Milagres


fol.
do Cavalleiro Henrique Alemão.
fendo eleyto pelos Vngaros. 3. 36
Ladifeinslao Rey
filhos.
de Vngria citonizado,toire Miramolim de Marrocos com 13. Reys vé
3 contra Santarem ērn buſca do Infante D.
Lamentaçoes de Aliboacem vendole ir de Sancho, 46
vencida. 136 Miramolim com ſeus 13. Reys desbarata
Lealdade de Portugueſes pera feu Rey D. dos por elRey D.Afonſo Henriquez. 46
Sancho fendo tam inhabil. 66 Miramolim de Marrocos torna fobre Syl
ves.
Lealdade & conſtancia façanhofa de Dom 51
tim
Mar s e
de Freita Alcaid mòr de Co- Miranda tomada dos Caſtelhanos por en
imbra. 65 gano . 164
Leiria tomada por Dom Afonſo Henriques Mosteiro de Carquere quando, & porque te
edifis
14
INDEX
edificon. ‫ ܪܐ܇‬II i dou matar. 159
Mosteirostrien. Egas Moriz , & fua mud Norte del Rei D. Pedro de Portugal. 165
lher fundárão . 27 Morte de Dona Maria Tellez per mão do
Mosteiro de S ; Vicente de Lisboa donde tea Infantc feu marido . 182
ve principio......... 1.- 35 zvíoncdelRei Dom Henrique de Calella
Mottchos de Santa Cruz & Alcobaça riž : . negociada per Mouros. 784
quiilimos & grandes. : : -48 Morte da Rainha Dona Lianor molherad
Moiteiros de San Diniz de Odivellas. Tij Rei Dom Icam de Castella .. 197
Mafteiro de Santa Clara de Coimbra. 113 Morte del Rei Dom Fernando de Portua
Molher do Conde Andeiro que era. 189 gal. 205
Morte de Godofre Rei de Ierusalem . 13 Moficm Beltrao de Guefclim como fede
More del Rei Dom Fernando oMagnode fondeo de nao cair em perjurio. 143
Liao. 11 Moura Serpa & Alconchel como foraótúa
Moitedo Conde D.Henriqué. ... den 29 madas, 41
NiortedaRainha Dona Tareja .' 1. ' ! . 22 Moura Serpa Mourao forað da ordem de s.
Morte de Dom Egas Monizi ''! 27 Ioam de Castella .' 94
Morte xle loã de Tapes Frances que viveó Mouras & Rolijs todos húa melnia gen
trezentos & fefenta annos; !ii . 30 te. 38
Morte dos Capitães Aliboazil & Alicama- Mouros q vieraõ a batalha do Salado. 159
45 Mozaraves queel Rei Dom Afonſo capti
Morte do Miramolim das feridas que hou. vou ,que deraócaufa a fc achar o co pode
ve em Santarem . 46 Sam Vicente. 29
Morte de Dom Gonçaio Mendez da Maia Muros d'Evora antigos do tempo cos Row
no dia que venceo duas batalhas contra manos derribados per mao confell:0,186
1
dous Reis Moaros fendo denoventa &
finco annos. 46. : N
Morte do Infante Don Fernando Conde
de Flandres. ,
molher riquet... ' 11

del Rey Dom Sanchol. 55 Nufcimento del Rei D. Sancho.l. 31


Morte del Rei D. Sancho I. 56 Nalemento do Infante Dom Diriz ca v
Morte reinado & fepultura del Rey Dom da da Condefia Mathilde. Si
Afonſo II . 60 Nafcimento da Infante Dona Beatriz tilbud
Morte del Rei Dom SanchoII. eni Toleto del Rei Don Fernando, Im
& em que tempo fuccedeo. 66 Naſcimento do Infante D. Aforfo derrous
Morte da Condcita Mathilde bem recebida da morte da Condcfia. Si

dos Portugueſes. 81 Nicca ganhada pelos Chriſtãos quando io


Morte del Rei D. Fernando de Caſtella em- raó ultra mar. 13
praza
mal.
do per dous fidalgosã mãdoumatar Nobreza dos Condes de Borgonha 10
100 Noronhas deſte reino & origem dekua182
Morte de dous Infantes de Caflella, per hú pellido .
novo & admiravel cafo . 106 Nouticaçao feita ao povo do calmente del
Morte do PapaClemente, & del Rei de Irá Rei Dom Pedro com Dona Ines de Ca
çaPhilippe dentro do anno em que forio ftro . 165
emprazados. III
Nuno Alverez Pereira em preſença de Rei
Morte fepultura & teftamento del Rey D. deCaftella derribou a méhen que indo
250
Diniz . 113 convidado o nao agafalhava ).
Morte de Dom Ioan de Caſtro com treze
tos dos ſeus . ་ 132 O
Morte de Dona Inez de Caſtro. 147
Morte del Rei D. Afonfo IV . 148 Dio que el Rei D. Afonſo XI.detin
Morte da Infante Dona Cottança. 14.9 O ftclla tinha a fua molher & & 0.Par
Morte cruel de Alvaro Gonçalvez & Pero tugucfes. 135
Coelho. 152 Odio da Rainha Dona Lianor Teller
Morte do Arcebiſpo & Deão de Sanctiago fua irmãa Dona Maria & o In .
que el Rei Dom Pedro de Caſtella mat · loam por fe caſarem . 191
Omás
.
2017

IN DE X
Opinioés do conſelho de Portugal fe fe rece Vltra mar. 12
beria no reino elRcy D. Pedro deCaftel- Peſte geral de todo o mundo que conſumio
ja vindoſe acolher a clle. 158 amaior parte delle. 145
Opinioés de qual dos Reys de Castella & Petiçaó
ſ pa
injuſta do Infante Dom Afonſo a
Portugal pedio ao outro pazes. 195 eu y: 107
Ordem dos Templarios & Tua origem . 25 Portugal ſe deu em dote fem obrigaçaó al
Ordem de S. loam do Hoſpital. 26 gúa devafiallagem ou tributo. IO
Ordem de S. Ioam do Hospital em quantas Portugueſes não conſentem que el Rey D.
lingoas &naçoés ſe divide. 27 Sancho I.va á guerra ſanta. 49
Ordem dos Ermitãos de S.Agoſtinho. 39 Practica dehum embaxador de Carmona a
Orden de Sam Bento que agora ſe chama el Rcy Dom Fernando. 168
de Avis . 47 Preços das coulas ſe levantaó com a mudan
Ordem de Avis mais antiga que todas as mi- ça das moedas. 170
litares de Heſpanha. 47 Prelados dePortugal queião a Aragão para
Ordem da Santíſſima Trindade inſtituida trazer a ſpoſa del Rey Dom Pedro. 167
per Dcos , 52 Prefagio daCondella de Bolonha,ſobre ſeus
Ordé de Sam Domingos, & fua inſtituiçaó filhos. 4
& confirmaçao. 52 Preiente de bandeiras & captivos da batalha
Ordem de Sain Franciſco & ſua inſtituiçað do Salado ,mandado ao Papa, 142
fol. 53 Principes & fenhores que fe offereceraó pa
Ordem de N.Senhora de Monte Carmelo , ra a conquiſta da terra fanta. 12
& fua origem 53 Prifaó da Rainha D. Tareja per ſeu filho foi
Ordnes de Santiago & Avis ampliadas por falſo teſteinunho : 23
el key D. Sancho. 49 Priſao de D.Ioam Meſtre de Avis & de Gó .
Ordnes do Templo & do Hoſpital amplia- çalo Vaſquez de Azevedo. 191
das pelo meſmo. 49 Privados del Rey Dom SanchoCapello de
Ordem de Santiago exempta de Caſtella ſtruem o reino com favor de Dona Micia
fol. 109 fol. 66
Ordem de Monteſa 110 reino deValença dó- Proezas dos Portugueſes na batalha do Sa
de tem origem . 112 lado. 139
Ordem de Sain Ieronymo quando ſe inſti- Promella del Rey D.Sancho Capello ao le
tuio , 178 gado do Papa que não cumprio. 62
Ofonoba cidade antiga do Algarve& igre- Promeſla de noflo Senhora elRey D.Afon
ja Cathedral que fe pallou a Sylves. 86 fo Henriquez delle apparecer. 28
Ouguella come ficou comelRey de Portu- Promeſſa delRey D.Fernando aos de Car
gal. 96 mona que não comprio. 168
Ouro & Prata queos chriſtãos houverao da
batalha do Salado. 142
Q
Р Validades da perloa del Rey Dó Fer
Almel la Cezimbra & Almada deſpo
Q nando .
Queixumes queos Prclados de Portugal fi
203
P voadas com medo dos Mouros. 51 zerað ao Papa fobre o caſamento delRey
Papa Gregorio XI.trata concordia entreos Dom Sancho II . 62
Reys de Portugal & Cafteila . 169 Queixumes del Rey D. Pedro de Caſtella
Papa VrbanoVI.ievero & poucocauto.183 contra ſeu tio Rey de Portugal. 159
Pater nofter que nas audiencias da corte fe Queixumes de Aliboacem a Mafamede por
reza pola alma del Rei D. Dinis, 109 o ſtado adverto em que ſe via. 136
Pazes entre os Rey de Castella & Portugal, Queixumes da Condella Mathilde & de al
fol. 135 güs Principes de França ao Papa ſobre o
Pazes entre Portugal & Caftella per meio Caſamento de ſeu marido. 81
do Cardcal de Bolonbia. 173 Queixumes que el Rey D. Dinis fez a ſeus
Pedro Rey de Vngria ſucceſſor dc Stepha- fidalgos doInfante ſeu filho. 102
no.

Pedro Ermitam perſuade fazerſe gucrra do


Oo Rainha
IN DE X
R Reys de Vngria deſdearno de oog.areo de
1095.9 não tiverão filho Henrique. 2
Dona Tareja fica em poſſe do
BRainhaAinha
reino per morte de feu marido.
Dona Tareja
25
Rey D. Afonfo VI. de Cattella comocalcu
tres filhas coin Raimundo Conde de Gas
infamada falſamente a liza,Henriquede Portugal, & Ramun
· calara com dous irmãos. -25 do de Tolola. 6
Rainha Dona Tareja não caſou maisở húá
23
Rey D.Afonſo VI.cafðu fete vezes.
Rey Dom Afonſo VII. de Castcilatiilote
vez .
Rainha Dona Mafalda fundou muitos mor Raymunde de Borgonha, & da Infante
teirosigrejas,& hoſpitaes. 48 Dona Vrraca. 9
Rainha Dona Mafalda filha delRey Dom Rey de Caſtella nem deLiao algir, fez co
Sancho I. ſeparada del ReyHenrique de memoraçao do tributo que !hec Rey de
Caftellaporparenteſco. 55 Portugal develſe. II

Rainha D.Tareja filha de D.Sancho 1.ſepa- Rey D.Afonſo Henriquez não teve filha
radadel Rey D. Afonſo deLiao. 55 fe chawafie Dona Mafalda 31
Rainha D. Micialevada per força per ho- Rey D. Afonio Henriquez offerece imeta
més Portugueſes. 62 de de Lisboa aos estrangeiros. 36
Rainha D. Beatriz vaia Toledo pedira feu Rey D. Afonfo Henriquez ferido de húa
pay asterras do Alguarve. 86 qucda & piclo por el Rey de Liao ſeu
Rainha S. Labc! vai a Caſtella a meter em genro . 42
paz ſeus netos. 119 Rey D. Afonſo Henriquez režava no coro
Rainha D. Maria'molher del Rey D.Afon. com osConegos deSanta Cruz.
fo XI.de Caſtella, vai fallar a leu marido Rey Dom Afonio II. cerca ſuas irmáas & el
em caſa da manceba. 119 Rey de Liao as ſoccorts. 57
Rainha D.Maria maltratada de ſeumarido Rey Dom Sancho II.porque ſe chancuCa
elRey D. Afonſo XI.de Caſtella. 119 pello. 6
Rainha D. Beatriz vai aCaſtella pedir pazes Rey D. Sancho deſcuidado & inhai-il para
a ſeu genro. 130 governar o reino.. 61
Rainha D.Lianor Tellez com palauras, & Rey D.Sanxho vai a Caſtella pedirſoCOCITU
com obras ganha a benevolencia de to- contra ſeu irmão. 60
dos. 172 Rey D. Sancho não recebeo dadiya algúa
Rainha D.Lianor Tellez com ninguéteve delRey de Caſtella no tempo que la afi
dou .
fama fenaó'coo Conde Andeiro . 203 66
Rainha D. Beatriz verdadeiramente foi fi Rey D.Afonſo X. de Carteita naő douto
Tha del Rey D. Fernando. 203 ras algías em dote as Coride de BO.
Rainha D. Beatriz filha del Rey D. Ferná nha. -8
do honeftiflima & de grandes virtudes, Rey D.'Afonſo Conde de Bolonii . 3914
fol. 203 zado para Romapor cazar com hlasito
Razoainento de Pedro o Ermitão ante op lheres. SI
pa Vrbano II. 12 Rey D. Diniz récula verſe com el Rey de
Razoamento delReyD.Afonſoaos ſeusan- Caſtellaícu avò cin Badajoz. 95
tes da batalha de Ourique. 29 Rey D. Dinis ciccto arbitro entre os Ros
Razoamento de D. Martim de Freitas aos de Caitella & Aragão. 28
ſeus eſtando em grande aperto . 65 Rey D. Diniz vaia Caſtella acomp shado
Razoamento da Rainha D. Beatriz de Por demuitosgrandes & prelados. OS
tugaloqdatezmeſa
a feuBarccl
gero Reyde Caſtelado.
la. 130.
38 Rey D.Dinizemlargo em rremun
Refrã onela deciar & fevero caſtiga os. virtuvjos
delicierar es
Recebimento delRey D. Fernando com Rey D. Diniz dos primeros queeſcreverão
D.Lianor Tellez. 171 metros aomodo dos Proēçaes.
Recebimento do Conde Cambrix em Lis- Rey D. Afonſo XI. de Caſtella faz os corſe
boa. 183 Thos & defpacha em caſa de lua anaga D.
Recebimnecto da Rainha D. Beatriz com el Lianor Nunez. 119
Rey Dom Joam de Caſtella per procu- Rey D.Afonſo IV.dePortugal faz muito da
raçao. 199 no em Galliza. 122
Recebimento dos meſmos per mão do Car- Rey D.Afonſo XI. de Caſtella vc a Pori
deal D.Pedro de Luna. 201 gal pedir locorto a leu ſogro. 536
Rey
219

INDEX
Rey D. Afonſo de Portugal não cóſente não dar batalha ao dePortugal. 195
le alargue Tarifa aos Mouros. 137 Rey de Caſtella recuſa de aſſinar os contra
Rey de Portugal contra el Rey de Granada ctos das pazes por lhe não ſerem honró .
na do Salado. 138 fas. jgt
Rey ina
de Portugal rompe primero a batal138 Joamrde Cast
Rey D.recebe ella com que ſenhores
contra el Rey de Granada. veo molher Portvgal
ſua a . 200
Rey de Portugal D. Afonío IV. & feu ef- Rey de Armenia Leão V. acompanha a el
forço com que desbaratou a el Rey de Rey de Caſtella, & leva aRainha de re :
Granada. 139 dea . 200
Rey de Caſtella & o dePortugal como fo- Rey de Caſtella diſimula o exceſo Nu
ráo recebidos emSevilha pola victoria do no Alvarez Pereira fez ante elle. 200
Salado. 141 Reys de Tunez niais nobres que os outros
Rey de Portugal não accepta parte do grã- Reys Mouros. 138
diffimo deſpojo dos Mouros. 142 Reyno de Portugal confirmado pelo Papa
Rey D. Afonſo como ia matar a D. Ines de Alexandre III .
Caſtro. 17 Relpoſteiro mor antigamente fazia o ofi-,
Rey D. Pedro dava fentenças fein ouvir as cio de Camareiro mor: 194
partes . 151 Reptò entreRuy Paéz de Viedma & Pero
Rey D. Pedro ſempre trazia conſigo hum Roiz Caſtelhanos. 142
algoz & na'cinta hum açoute. 151 Reſpoſta del Rey de Caſtella á Rainha de
Rey D. Pedro nunqua vexou o povo com Portugal iua togra. 131
peitas. 155 Reſpoſtadel Rey D.Pedro ás deſculpas de
ReyD.Pedro le não tinha por Rey odiaſ feu tio que o não recolheo em ſeu reino ,
fol.
não dava. 155 159
Rey D. Pedro grande remunerador defer- Reſpoſta del Rey D. Fernãdo aoscercados
viços. 151 de Carmona. 168
ReyD. Pedro ſobejamente amigo'dė dan: Reſpoſta ruſtica do Conde de Cambrix ad
ças & feſtas: 155 Meſtrepedindolhe favor. 191
Rey D. Pedro declara a D. Inez de Caitro Revogação queelRey Dom Diniz fez das
por ſua molher. 156
Rey D.Pedro deCaſtella vindo a Portugal doaç oés que fizera ſendo moço antes de
fer Rey . 92
não he recolhido de fcu tio: 158 Rotura da amizade entre el Rey D. Afonſo
Rey D. Fernando accepta vingar a morte Hériquez & elRey de Liãoleu gero. 43
delRey D.Pedro de Caſtella. 159 Roubos,& crueldades dos Ingreſes chamae
Rey D.Fernádo recebido em Galiza. 163 dos para ſoccorro. 184
Rey D.Fernando começou a reinar proſpe- Rua nova de Lisboa queimada pelosCartea
Thanos.
ro & riquiſſimo. 161 175.
Rey D. Fernando trata de caſar com Dona Rumor do povo ſobreo caſamento delRey
Lianor Tellez. 172 D.Fernádo com D.Lianor. 171
Rey D.Fernando remifo & a Rainha atre S
vida. 192
o In- nhores & fidalgos de Portugal. 200
fante de Caſtella com que eſtava concer- Sam Giraldo não foi o primeiro Arcebiſpo
tado por amor de D. L anor. 170 de Braga. i7
Rey D.Fernádo notado de não fair a ciRey Sain Giraldo não foi Deão de Toledo, nem
D.Henrique paſando perto delle. 174 faio de fua ordem . 16
Rey D.Hérique vaide tubito a Lisboa. 174 Sam Giraldo ſendo monge foi electo Arce
16
Rey D. Fernádo o mais gentil homem de biſpo de Braga .
ſeu tempo . 17+ SainGuilhelme Duquede Aquitania & fui
Rey D.Henrique de Caſtella entra en Por- converfao 39
tugal. 173 Santidade & milagres del Rey D. Afonſo
Rey D.Fernádo contra o contracto das pa- Henriquez 48
zes quer guerra com Caltella. 185 Santarein como ſetomou có pocos da mão
Rey D. Fernádo reconhece ao Papa Vrbá- de infinidos Mouros em eſpacio de humà
no VI. 18. hora. 33
Rey D. Henrique de Caſtella notado por Sátarem cómo ſe chamou antigamente dos
Qoz Rom
INDEX
Romanos & dos Mouros. 3+ contra D.Afonſo Sarchez lcuirnici
Santarem era húa das Relaçoés que havia Testemunho talio da Rainha Dona Llor
na Lufitania. 34 Teilcz contra fua irmãa. 12.
Samtarem húa das mais nobres villas dcHct
Thefouro que deixou Rei Dom Sancro ).
panha. 34 & cinque lugares ſe guardava. 56
Santarem nos autos das cortes ſe allenta 110 Theſouros que clRey D. Pedro de Pont
banco das maiores cidades do reino. 45 gal ajuntou ſem vexação do povo. 155
Sentença dos Reis Dom Diniz & Dom lai- The curo del Rey Dom Petrode Cate
mes na cauſa del Rei de Caftella & Dom roubado . 153
Afonſo de Lacerda . 99 Tomada de Sintra ' & Mofora.
Sentença contra el Rey Dom Afonſo emta Tomada de Moura,Serpa,& Alconciel 41
vor da Condefa de Bolonha. 81 Tomada de Cezimbra .
Sentença injuſta del Rey Dom Afonſo IV. Tomada de Seglir, & Alvor. $$
contra feu irmão . 115 Torménta grade & elpátolà em Lisboa.105
Sentenças injuftas & riguroſas del Rey D. Trasladação do corpo de D.Ines de Cali ?
Pedro . 153 a Alcobaça. 157
Sé de Sylves Cathedral em lugar dade Ol "Tregous queos Mouros do Algarvefi 20
finoba per el Rey D.Afonto o Sabio. 90 com o Meitre D. Paio . 5
SepulturadelRey D. Afonſo Heriqucz. 48 Tres Reys Pedros em Heipaaha onha
SepulturadelRey D. Diniz. 114 merino tempo crucis. 151
Sepultura del Rey D. Afonfo IV. 148 Troca cruel queos Reys Pedros de Periu
Sepultura de D. Ines de Caftlo com effigie gal & Caftella fizerão de fidalgos qite 2
de Runha. 157 cilcs fe acolherão. 152

Sepultura do Conde D.Henrique. 19 Troca das villas deMoura ,Serra, lloni


Sepultura del Rey D. Fernando. 205 · por outrasda ordem de Sam João de Cze
Sepultura del Rey D.Sácho em Toledo. 66 itclla.
Sinaes chpitoſos que houve no Ceo antes da V
mortedel Rey D. Pedro. 160
Soccoiro de a Ca
os aluaras del Reylluſpectos.
Soldados todos faó crueis, & atrevidos & Victoria del Rey D.Afónto Henriquezcom
porque . 184 tra Albojaque Rey de Sevilha. 43
Solennidade com que elReyD. Pedro fez Victoria do Infante Dom Sancho Conrad
cavalleiro ao Conde de Ourem. 155 Rey de Sevilha.
Spectaculo laſtimofo de D.Ines deCaftro & Villas deOlivença Campo mayor i San
ſc'us meninos com ella . 147 Felizes como vierlo a elRey de l'o!'
Supplicação dos prelados aoPapa ſobre a gal. ;;
difpcntação do Conde de Bolonha. 73 Villas & caftellos que el Rey D. Dinist's
Sylves cercada per el Rey D. Sancho i. & de novo ou reformou. 113
per húa frote ade eſtrangeiros. 50 Vingança que cl Rey de Aragãou !
Sylves em que tempo fe comou aos Mouros Rey D.Fernando por nio calar cítr...?
& como . 51 filha . !: ;?
T. Virtudes del Rey D.Dinis .

' T Avilacomofictomou polo Meſtic8.1


D. Viitasdel Rey D. Dinis com el Rei de W.
fila & fua máy.
Teinpo el Rey D.Sancho I.eſteve emas Viftas del Rey D.Fernando com ci Re D.
Alella não foi hum anno inteiro. 66 Henriquede Calella. 17

Tempeſtades & fomes q houve neíte reino Vniversidade de Coimbra inſtituida por el
ein rempo dci Roy D.Sancho I. 53 Rcy D. Dinis.
Terras de Galliza que el Rey D. Sanchol. Vniuerſidade de Coimbra mudida a Lisina
tomou ad Rey de Lião ... 52 por el Rey D. Afonío IV . 14
Teſtamento del Rey D.Sancho . 56 Voto que elRey D. Afonto Henrique
Teſtainēto de Mathilde rondeira de Bolo. a S.Bernardo ſe tomafic Santar 5+
nha. 70
Teftamento del Rey D.Dinis. 113
* T50 TIM
Teſtemunho falſo do Infante Dom Afono
TTEREDEEEEEETITAGாக
கழாக
கைப
ட்பாகcei.
பப்பா கலக்கல்ல. T
DRESSE

CEDRIC CHIVES 1994

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