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INSTITUTO PAULO LOCKMANN

HISTÓRIA DO CRISTIANISMO IIIAtividade II: Resumo


PROFESSOR: Pr. Ewander Ferreira De MacedoSEMINARISTA: Roberto Andrade Barcelos
A Teologia e a Vida Espiritual na Baixa Idade Média
Uma època de Ansiedade
A baixa Idade Média em geral é descrita sobretudo sob o aspecto do declínio, da
desintegração e da decadência. Havia umacrise moral nas vésperas da Reforma. Morte, culpa e
perda de sentido ressoam em marcante dissonância na literatura, na arte e na teologia desse
período. Esses três temas emergem vividamente na luta de Lutero por encontrar um Deus
misericordioso. Amedrontado por uma tempestade e receando a morte iminente, Lutero fez o voto de
tornar-se monge. Já no mosteiro, foi assaltado por uma esmagadora sensação de culpa. Mais
terríveis eram os ataques de medo e desespero, as Anfechtungen, como Lutero os chamava,
quando ele vacilou e quase sofreu um colapso.
Mesmo sendo a peleja de Lutero algo pessoal, ela é a epítome dos medos e das
esperanças de sua época. Era, poderíamos dizer, simplesmente como todos os outros, talvez
apenas algo mais. Além disso, sua doutrina da justificação e sua teologia da igreja, que se
desenvolveu a partir dela, falaram poderosamente às concepções principais de seu tempo. Nesse
aspecto, a teologia dos reformadores foi uma resposta específica à ansiedade especial da época.
Um desassossego mórbido com o sofrimento e a morte impregnou a Europa na baixa Idade
Média. Na raiz dessa experiência, estavam os fenômenos geminados da fome e da peste. No início
do século xiv, a crise agrária era tão intensa, que alguns recorreram ao canibalismo: em 1319,
noticiou-se que cadáveres de criminosos eram tirados das forcas e comidos pelos pobres na Polônia
e na Silésia. Acrescente-se a tal catástrofe a destruição provocada pela peste bubônicaou peste
negra, que atingiu o ápice na Inglaterra por volta de 1349 e arrasou pelo menos um terço da
população de toda a Europa. E,posteriromente, a sífilis tornou-se a nova peste. Além desses
desastres “naturais”, a invenção do canhão de pólvora transformou a guerra numa nova selvageria.
A morte era iminente na vida de todos, sem sepração de raça, cor ou classe. Tornou-se o
tema principal nos sermões dos grandes pregadores.Teodoro Beza, que sucedeu João Calvino
como reformador de Genebra, relembra que uma grave doença e o medo da morte ocasionaram sua
conversão à religião reformada. Afirmando que a doença foi para ele o começo da verdadeira saude.
De fato, a morte era uma realidade sempre presente para homens e mulheres na véspera
da Reforma. A íntima relação entre morte e culpa é percebida nesta declaração de Calvino: “De
onde vem a morte, senão da ira de Deus contra o pecado? Daí surge o estado de servidão ao longo
de toda a vida, que é a ansiedade constante na qual as almas infelizes estão aprisionadas”. A
ansiedade moral, que Tillich entendeu ser o tema dominante da época, surgiu do fato de que a morte
implicava julgamento, e o julgamento colocava o pecador face a face com um Deus santo e irado. A
amostra mais terrível dessa situação é vista na cena freqüentemente retratada do leito de morte,
onde anjos e demônios lutam igualmente pela posse da alma do moribundo.
A pressão para se purificar de todo pecado, incluindo-se os motivos interiores e, às vezes,
irreconhecíveis, colocava um peso insuportável sobre o penitente. Depois de tal confissão ser feita,
ainda era preciso realizar obras de reparação, antes que a absolvição pudesse ser solicitada. Daí o
ativismo febril da religião no fim da Idade Média: a construção de novas igrejas, o comércio de
indulgências, o esforço incessante para obter méritos.
Além de tudo isso, claro, assomava o espectro do purgatório e do inferno, cujos tormentos
eram retratados em detalhes aterradores na arte, na escultura e na pregação daqueles dias. Jean
Gerson, importante reformador do início do século XV, descreveu a índole religiosa de sua época
como imaginatio melancholia, “uma imaginação melancólica.
Os temas da morte e da culpa estão relacionados ao que era talvez a ansiedade dominante na
sociedade da baixa Idade Média, uma crise de sentido. Em todas as áreas da vida, as antigas
fronteiras estáticas vinham sendo transgredidas. As viagens de Colombo, Vespúcio e Magalhães
despedaçaram a antiga geografia e ampliaram imensamente a esfera de influência européia.Ao
mesmo tempo, os cálculos de Copérnico, mais tarde confirmados pelas observações de Galileu e
Kepler, estenderam amplamente as fronteiras do universo removendo a terra — e a humanidade —
do centro da realidade criada. As fronteiras políticas entre as nações estavam literalmente prontas
para ser capturadas, como indicam a Guerra dos Cem Anos, entre Inglaterra e França, e a incursão
de Carlos vm à Itália (1494). Do outro lado da escala social, os camponeses lutavam por livrar-se
das correntes do feudalismo mediante protestos e súplicas, quando possível, e mediante revoltas
sanguinárias, quando necessário.
Todas essas situações levantaram questões novas e radicais para a cultura da baixa Idade
Média. A cosmovisão de um universo ordenado, organizado num sistema fixo de hierarquias
celestiais, perfeitamente refletido numa sociedade harmoniosa na terra, tornou-se cada vez menos
sustentável.
Vimos que, longe de ser um período de declínio, a baixa Idade Média estava viva, repleta
de todos os tipos de vitalidades espirituais. Conforme Lucien Febvre a descreveu, era uma época de
“imenso apetite pelo divino”. A sede de Deus / às vezes era refletida em padrões bizarros de
espiritualidade: zurrar na missa em homenagem ao jumento que Maria montou, tatuar o nome de
Jesus no peito, sobre o coração, venerar hóstias sangrentas. A maior realização da Reforma foi ter
sido capaz de redefinir essas ansiedades sob o aspecto de novas certezas, ou melhor, ylhas
certezas redescobertas. O mal-estar espiritual da baixa Idade Média não foi a causa da Reforma,
mas certamente constituiu seu pré- requisito.
Dissemos muito pouco sobre as famigeradas contravenções da igreja pré- reformada:
simonia, nepotismo, mau uso dos benefícios, concubinato.clerical, etc. Todos os reformadores, quer
católicos, quer protestantes, quer radicais, opuseram- se de maneira extrema a essas práticas.
Entretanto, alguns entre eles também perceberam que era necessário haver algo mais do que um
pôr a casa em ordem. Não seria de nenhuma utilidade varrer as teias de aranha se os alicerces
estavam podres. O que se precisava era de uma nova definição da igreja, baseada numa
compreensão renovada do evangelho.
A Busca pela Verdadeira Igreja
Intimamente relacionada com a ansiedade que marcou todos os aspectos da vida na baixa
Idade Média estava uma crise de confiança na identidade e na autoridade da igreja. Ao contrário das
doutrinas da trindade e da cristologia, que foram objeto de definições conciliares oficiais na igreja
primitiva, a doutrina da igreja nunca recebeu tal condição dogmática.
A reforma deixa,não uma cristandade dividida, mas sim, uma pruralidade de formas e
doutrinas eclesiais.Os reformadores protestantes, como veremos, também divergiam entre si a
respeito da natureza e da função da igreja e de seu ministério. A reforma do século XVI, portanto, foi
uma continuação da busca pela igreja verdadeira que havia começado muito antes que Lutero,
Calvino ou os padres de Trento entrassem na lista. Examinemos brevemente cinco modelos
conflitantes da igreja na baixa Idade Média:
O Curialismo
Nos tempos medievais, a Curia Romana referia-se à corte papal, incluindo-se todos os
oficiais e funcionários que assistiam o papa em seu governo da igreja. O curialismo, portanto, era
uma teoria de governo eclesiástico que investia de suprema autoridade, tanto temporal quanto
espiritual, as mãos do papado.O Papa Gregório vn, no clímax da controvérsia das investiduras em
1075, lançou seu famoso Dictatus Papae, uma lista de 27 afirmações sobre o poder papal. Ele
reivindicava, por exemplo, que o papa “é o único que deveria ter os pés beijados por todos os
príncipes”, que o papa podia depor imperadores, convocar sínodos e absolver os súditos das
obrigações feudais. Mais ainda, ele insistia que “a Igreja Romana nunca errou, nem nunca, pelo
testemunho das Escrituras, errará por toda a eternidade”. O papa que esteve mais perto de colocar
em prática os “Ditames” de Gregório foi Inocêncio m (1198-1216), que reinou sobre um vasto
império. Ele acreditava que, na hierarquia do ser, o papa ocupava uma posição intermediária entre o
divino e o humano — “inferior a Deus, porém superior ao homem”. Ele comparava-se à “luz maior”
que Deus colocara no firmamento da igreja universal, em face da qual todas as outras autoridades
(i.e., o Imperador) não passavam de pálidos reflexos. Baseado na obra de seus predecessores, o
Papa Bonifácio vm anunciou as mais extravagantes alegações da soberania papal em sua bula
Unam Sanctam (1302). Como houve uma única arca, guiada por apenas um timoneiro, assim
também havia “uma única santa, católica e apostólica igreja”, presidida por um supremo poder
espiritual, o papa, que podia ser julgado apenas por Deus, não pelos homens. Dessa forma, elel
concluiu: “Declaramos, estabelecemos, definimos e pronunciamos que, para aJf' salvação, é
necessário que toda criatura humana esteja sujeita ao Pontífice Romano”. Posição Curialista que
trouxe duras consequências,haja visto, a dualidade de governo assumido pela igreja.
O Conciliarismo
No início do século XV, a demanda por uma reformatio in capite et in membris— reforma na
cabeça e nos membros — ecoou por toda a Europa.
O espectro do corpo de Cristo dividido em obediência a três papas, cada um proferindo
anátemas e interditos aos outros dois, tornou urgente o apelo por uma reforma. Dessa crise, surgiu a
visão conciliar da igreja, que afirmava a superioridade dos concílios ecumênicos sobre o papa no
governo e na reforma da igreja.
No âmago da teoria conciliar, havia a distinção fundamental entre a igreja universal
(representativamente composta num concílio geral) e a Igreja Romana (consistindo no papa e nos
cardeais). Na lei canônica já se apresentara um escape à doutrina de que o papa estava acima do
julgamento humano na oração — nisi deprehendatur a fide devius, “a menos que se desvie da fé”.33
Esse desvio era interpretado não apenas como heresia manifesta, mas também como atos que
ameaçassem a integridade da igreja.
A pergunta ainda persistia: no caso de um cisma múltiplo, quem estaria qualificado para
manter os papas responsáveis? Guilherme de Occam declarou que qualquer cristão, mesmo uma
mulher, poderia conclamar um concílio geral num momento de emergência. Depois de várias
tentativas malsucedidas de resolver a crise (e.g., por renúncia forçada e negociação), o Concílio de
Constança, convocado pelo Imperador Sigismundo, reuniu-se em 1414. Os três papas foram
destituídos. Um novo papa, Martinho V, foi eleito, e o Grande Cisma Ocidental foi sanado. O papado
fora salvo — pelo concílio!
A Teoria conciliar visava relegar o Papa ao seu verdadeiro papel e a reconhecer que a
plenitude do poder residia somente em Deus. Os conciliaristas advogavam um papa, uma igreja
indivisível e um programa de reforma moral com base no exemplo da igreja primitiva. Tal programa,
se tivesse sido executado, teria reduzido em muito a imensa riqueza da cúria, eliminando muitas
fontes de sua renda: isenções, desobrigações, benefícios, indulgências plenárias e assim por diante.
O fracasso do movimento conciliar contribuiu em parte para o sucesso da revolta protestante contra
Roma, como também os contínuos pedidos por reforma dos muitos que permaneceram fiéis a
Roma.
Mesmo tendo o Concílio de Constança aprovado dois decretos, o Sacrosancta (1415),
afirmando a supremacia conciliar, e o Frequens (1417), ordenando que futuros concílios fossem
convocados em intervalos regulares, o final do século XV assistiu ao ressurgimento da monarquia
papal e à extinção do movimento conciliar.
Além de dar fim ao Grande Cisma, o Concílio de Constança também declarou heréticos os ensinos
do teólogo inglês João Wycliffe (m. 1384) e ordenou que seus ossos fossem exumados da terra e
queimados. Depois, voltaram-se para condenar à morte na fogueira o expoente principal das
concepções de Wycliffe, o reformador boêmio João Hus (m. 1415). Tanto Wycliffe, “a Estrela d’Alva
da Reforma”, quanto Hus são freqüentemente referidos como precursores da Reforma. De fato, o
tratado de Hus, De Ecclesia, teve um papel importante na ruptura posterior de Lutero com o papado.
Em certo momento, Lutero foi forçado a confessar: “Somos todos hussitas agora”. Mais tarde, ele
percebeu que sua afinidade com Wycliffe e Hus era apenas provisória; nenhum deles se aproximou
de sua compreensão radical da justificação somente pela fé. Entretanto, suas próprias eclesiologias
radicais contribuíram significativamente para o desenvolvimento da doutrina de Lutero.
O estridente anticlericalismo de Wycliffe surgiu de sua definição da igreja como o corpo
predestinado dos eleitos. Mais tarde, Hus fez ecoar a idéia de Wycliffe: “A unidade da Igreja Católica
reside no vínculo da predestinação, visto que cada um de seus membros está unido ao outro pela
predestinação, e na meta da bênção, visto que todos os seus filhos estão, no fundo, unidos em
bênção”.38 A igreja universal não era, conforme os conciliaristas haviam sustentado, a congregação
dos fiéis espalhados pela terra, mas sim o grupo dos eleitos estendidos através do tempo.
Se a correlação que Wycliffe fazia entre a predestinação e a eclesiologia mostrou-se uma
desmoralização para a supremacia papal na Inglaterra, ela ateou um movimento reformista na
Boêmia, com o ímpeto do martírio de Hus. Hus não repetia simplesmente a doutrina de Wycliffe,
mas permanecia na tradição dos reformadores checos que sublinhavam a pregação, o estudo das
Escrituras e a eliminação dos abusos clericais.O que Hus pedia não era a abolição da igreja
institucional, nem ainda a separação entre o sagrado e o impuro (conforme creram os hussitas
posteriores), mas a reforma da igreja baseada no exemplo de Cristo e na simplicidade apostólica.
Tanto Wycliffe quanto Hus foram reformadores essencialmente morais, tendo usado o
conceito de predestinação para minar as reivindicações eclesiásticas de uma hierarquia corrupta.
Eles legaram aos reformadores doséculo XVI a tensão não-resolvida entre um moralismo rígido e a
verdadeira igreja dos eleitos.
Os Fransciscanos Espirituais
Uma das maiores forças dissidentes da baixa Idade Média foi o ramo radical da ordem
franciscana, os espirituais, como se autodenominavam, opondo-se aos conventuais transigentes. O
poder de seus apelos brotou de duas fontes: o ideal de Francisco da pobreza absoluta e a filosofia
da história apresentada por (Joaquim Fiore (m. 1202), que eles aplicaram à sua própria ordem e
época. Combinados, esses elementos resultaram numa crítica explosiva à igreja da época.
Francisco, que desejava consertar a igreja, deu à luz um movimento que, sendo fiel a seu
ideal, desintegrou-a gravemente. Dessa forma, “o conceito de Cristo como homem tornou-se o mais
poderoso desafio a uma igreja divina”.Outra ironia é que Pedro João Oliva, um dos primeiros líderes
dos franciscanos espirituais, asseverava que certos decretos papais que defendiam a doutrina de
pobreza dos espirituais (principalmente a bula Exiit qui seminat, 1279) eram inerrantes e infalíveis!
Esse argumento era dirigido precisamente contra as tentativas papais posteriores de evitar o ensino
anterior.No final da Idade Média, a intensidade das expectativas e dos cálculos escatológicos
aumentou. Essa “busca do milênio” continuou até a Reforma, especialmente entre os reformadores
radicais que, a esse respeito, eram (herdei roseto legado de Joaquim e dos franciscanos espirituais.
Os valdenses
Enquanto os espirituais esperavam ansiosamente a igreja da nova era vindoura, os
valdenses, destituídos de fervor apocalíptico, voltaram em busca da ecclesia primitiva, modelando
suas congregações pela simplicidade da igreja primitiva. Os valdenses remontavam sua origem a
um Valdès ou Valdo (mais tarde chamado “Pedro”, para mostrar seu vínculo com o apóstolo Pedro),
que abandonou sua carreira de rico mercador por uma vida de pregador mendicante.
A visão dos valdenses acerca da igreja era caracterizada por uma tendência fortemente
perfeccionista e uma predisposição anti-sacerdotal. Eles acreditavam que a Igreja Romana havia
perdido toda sua autoridade espiritual quando o Papa Silvestre I, no século IV, recebeu por dádiva
uma propriedade e poder terreno do Imperador Constantino.46 Apenas os sacerdotes valdenses,
conhecidos por perfecti, poderiam ouvir uma confissão ou dar absolvição, já que somente eles eram
limpos de pecado. Os valdenses, portanto, muito mais do que Wycliffe ou Hus, ligavam a eficácia
dos sacramentos à qualidade moral dos sacerdotes.A afinidade manifesta que tinham com o
movimento protestante tornou-os os candidatos principais à conversão. De fato, na Reforma, muitos
dos valdenses uniram-se à Igreja Reformada sem perder a própria identidade.47 Eles continuaram a
florescer como a Chiesa Evangélica Valdese até hoje.
Teologias em Constante Mudança
A igreja, nas vésperas da Reforma, encontrava-se cercada de diversos modelos de
espiritualidade e de comunidade cristã. A antiga idéia de que a Reforma destruiu completamente a
imperturbável unidade de uma cristandade indivisível deve ser descartada, levando- se em conta o
que um historiador chamou de “a pluralidade fértil” dos séculos XIV e XV. Cada um dos quatro
reformadores que examinaremos neste livro foi moldado pelas contracorrentes que caracterizaram o
desenvolvimento teológico desde a morte de Tomás de Aquino (1274) até a de Gabriel Biel
(1495).As principais tendências com as quais, Lutero, Zuínglio, Calvino e Menno tiveram de lutar.
O Escolaticismo
O termo escolasticismo refere-se à teologia das escolas (scholae). Nos séculos desde a
tomada de Jerusalém pelos invasores islâmicos (638) até sua retomada pelos cruzados cristãos
(1099), a teologia era basicamente trabalho dos monges, cujo estudo da Bíblia, dos pais da igreja e
da literatura clássica fazia parte de sua devoção à vida contemplativa. Anselmo da Cantuária (1033-
1109) foi chamado de “o ápice do gênio escolástico primitivo e o fruto mais maduro das escolas
monásticas”. O equilíbrio apropriado entre a fé e a razão, de um lado, e entre a natureza e a graça,
do outro, viria a ser a hesitante preocupação da teologia escolástica desde a época de Anselmo até
a Reforma.
A tentativa de aplicar os instrumentos da razão aos dados da revelação avançou
significativamente com Pedro Abelardo (m. 1142) e seu pupilo, Pedro Lombardo (m. 1160), cujos
Quatro Livros de Sentenças tornaram-se o padrão para o estudo teológico avançado durante os
quatro séculos seguintes. Esse desenvolvimento atingiu seu ápice no século XIII, com o surgimento
da grande summae escolástica e dos esforços de teólogos brilhantes como Alexandre de Hales,
Alberto Magno e, acima de todos, Tomás de Aquino, por harmonizar a recém-redescoberta filosofia
de Aristóteles com o consenso patrístico, conforme tinha sido infiltrado e transmitido desde
Agostinho.
Em qualquer aspecto, o sucesso de Aquino foi extraordinário. No prólogo à Summa
Theologica, prometeu “seguir o que concerne à doutrina sagrada com tanta brevidade e clareza
quanto a matéria permita. A existência de Deus pode ser provada pela razão natural, não, como
pensava Anselmo, por uma análise do próprio conceito de Deus, mas sim pela observação dos
efeitos de Deus no mundo visível. Esse é o fundamento das famosas cinco provas——^ de
movimento, de causa, de contingência, de grau e de desígnio — que constituem o argumento
cosmológico de^qümõ~ã~favor da existência de Deus. Pela razão tão-somente, pode-se saber que
Deus é, mas não o que Deus é. A maior parte da Summa relaciona-se com esse último. Aqui, Tomás
baseou-se na revelação divina, isto é, as Escrituras interpretadas mediante a tradição, para fornecer
o material de sua exposição da Trindade, da encarnação, dos sacramentos e assim por diante. Em
1879, o Papa Leão XIII declarou que o ensino de Tomás seria a filosofia oficial da Igreja Católica
Romana. Ainda assim, a vitória final do tomismo não pode obscurecer o fato de que a baixa Idade
Média estava longe de uma unanimidade na aceitação da teologia de Tomás.
Podemos apontar três mudanças básicas que tiveram conseqüências significativas para o
desenvolvimento da teologia durante o período da Renascença e da Reforma: 1) a da existência
para a vontade, como a metáfora básica para a compreensão de Deus; 2) a da metafísica para a
meta-história, como meio de entendimento da relação entre Deus e o universo criado e 3) a do
discurso ontológico para o lógico, como método de fazer teologia.
O Misticismo
No início do século XV, Jean Gerson, reitor da Universidade de Paris e um dos líderes do
movimento conciliar, distinguiu três caminhos para o conhecimento de Deus. O primeiro, o da
teologia natural, discernia a obra de Deus na criação e • buscava entender o Criador aplicando o uso
da razão humana ao mundo finito. O segundo, o da teologia dogmática, investigava as fontes da
revelação especial de Deus nas Escrituras, nos credos e na tradição da igreja. O terceiro caminho
era a teologia mística. Por esse meio, a alma era, por assim dizer, “arrebatada para além de si
mesma” e recebia uma experiência de Deus intuitiva e às vezes extática.
Os estudiosos identificaram pelo menos duas tradições da teologia mística na Idade Média.
A primeira é o misticismo voluntarista. Aqui, a ênfase é na conformidade da vontade humana com a
vontade de Deus, mediante os sucessivos estágios de purgação, iluminação e contemplação.Uma
linha mais mordaz, o misticismo ontológico, enfatizava muito mais intensamente a desconexão entre
Deus e a alma.De uma forma ou de outra, as tradições místicas da baixa Idade Média continuaram
sendo fonte vital de vida espiritual e de reflexão teológica até a Reforma e, na verdade, também
durante esse período.
O Humanismo
Se o misticismo era uma “teologia de todo o mundo”, que estendeu a possibilidade de união
íntima com Deus a clérigos e leigos, príncipes e camponeses, homens e mulheres, indistintamente,
o humanismo, por sua vez, foi um movimento de reforma que se originou com a elite intelectual da
Europa, tendo sido dominado por ela. O próprio termo humanismo, hoje tão livremente jogado de um
lado para outro, referia-se nos séculos XV e XVI não tanto a uma filosofia universal de vida quanto a
um método particular de aprendizado com base na redescoberta e no estudo das fontes clássicas da
antigüidade, tanto pagã, isto é, romana e grega, quanto cristã. Dessa forma, o humanismo do
período da Renascença e da Reforma estava muito mais próximo do que entendemos por
humanidades atualmente. Ad fontes! — de volta às fontes! — era o mote dos estudiosos
humanistas, cujo trabalho abriu novas perspectivas na história, na literatura e na teologia. A colheita
humanista de fontes clássicas levou a uma crítica radical das instituições eclesiais e da teologia
tradicional.
Talvez a contribuição mais positiva dos eruditos humanistas à renovação religiosa do
século XVI tenha sido a série de edições críticas da Bíblia e dos pais da igreja, amplamente
disseminadas graças ao sucesso fenomenal da imprensa. O pai da igreja favorito de Erasmo era
Jerônimo, mas a fonte patrística mais influente para a teologia reformada sem dúvida foi Agostinho.
De fato, nos séculos imediatamente anteriores à Reforma, houve algo como uma “renascença
agostiniana”, gerada em parte por um renovado interesse na teologia de Agostinho dentro da própria
Ordem Agostiniana e pela atração que Agostinho provocava nos primeiros humanistas, tais como
Petrarca, que foi atraído especialmente pelas Confissões. Sempre que lia essa obra, ele dizia:
“Parece-me que não estou lendo a história de outra pessoa, mas o relato de minha própria
peregrinação”.
A despeito da importância do humanismo como uma preparação para a Reforma, a
maioria dos humanistas, e principalmente Erasmo entre eles, nunca alcançou nem a gravidade da
condição humana, nem o triunfo da graça divina, o que marcou a teologia dos reformadores. O
humanismo, assim como o misticismo, foi parte da estrutura que possibilitou aos reformadores
questionar certas suposições da tradição recebida, mas que em si mesma não era suficiente para
fornecer uma resposta duradoura às obsessivas perguntas da época.
Referência Bibliografica
Georg, T. (1988). Teologia dos Reformadores. 1st ed. São Paulo: Vida Nova, pp.25-51.

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