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LUÍS TÔRRES BARROS

POLÍTICA HABITACIONAL EM GOIÁS:

do Mutirão ao Cheque-Moradia

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


do Programa de Pós-Graduação em Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em
Planejamento Urbano e Regional.

Orientador: Prof. Dr. Adauto Lúcio Cardoso

Rio de Janeiro
2011
B277p Barros, Luís Tôrres.
Política habitacional em Goiás : do mutirão ao cheque-
moradia / Luís Tôrres Barros. – 2011.
189 f. : il. color. ; 30 cm.

Orientador: Adauto Lucio Cardoso.


Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional, 2011.
Bibliografia: f. 172-178.

1. Política habitacional - Goiás. 2. Habitações populares


- Goiás. I. Cardoso, Adauto Lucio. II. Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional. III. Título.

CDD: 363.5
LUÍS TÔRRES BARROS

POLÍTICA HABITACIONAL EM GOIÁS:

do Mutirão ao Cheque-Moradia

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


do Programa de Pós-Graduação em Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em
Planejamento Urbano e Regional.

Orientador: Prof. Dr. Adauto Lúcio Cardoso

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________
Prof. Dr. Adauto Lúcio Cardoso (orientador)
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ

______________________________________________
Profª. Drª. Luciana Corrêa do Lago
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ

______________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Cesar Leão Marques
Departamento de Ciência Política – USP
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço aos meus queridos familiares – minha


mãe Andréa, meu pai Paulo e minha irmã Bibi, pelo amor, carinho, apoio e torcida de
sempre. Estendo esse agradecimento a minha Tia Marília, sempre disposta a me
receber nas vezes em que passava por Belo Horizonte.
Ao meu primo Pedro Paulo, agradeço pela amizade e pelas várias
conversas, pessoalmente e por telefone, enquanto eu estava no Rio e ele ainda em
Minas – condição que se inverteu no início deste ano.
Agradeço aos meus amigos Bruno Guimarães, pelo importante apoio
no meu segundo ano no Rio e por me fazer enxergar as vantagens de estudar uma
realidade outra que não a do meu estado; Luiz Gonzaga, pelas idas a Desterro do
Melo e por seu jeito sempre pra cima; e Bruno Sharley, pela companhia na reta final
da dissertação em Timóteo.
Também agradeço ao Flávio Carvalhaes, pela companhia mineira no
Rio e pelas ajudas em metodologia, e ao Gustavo Rabello, pela companhia carioca e
pelas trocas intelectuais após as disciplinas que cursávamos.
Um agradecimento especial àqueles que me acolheram em sua
república em Goiânia – Diogo Paixão, Simone Rosa, Edinardo Lucas, Laila Loddi,
Ísis Cardoso e Guilhermina Ferreira. Fica a lembrança de um acolhimento no sentido
mais forte do termo e de uma amizade muito agradável. Reforço meu muito obrigado
ao Diogo Paixão, apoio crucial para minhas incursões a campo, além de um grande
amigo em Goiás.
Agradeço também ao Olmo Xavier e ao Juliano Rodrigues, que
muito me ajudaram nas primeiras vezes em que estive em Goiânia; ao Juciano
Rodrigues e ao Marcelo Ribeiro, goianos com quem mantive contato no IPPUR e
que me apoiaram na feitura deste trabalho; à Elcilene Borges, pela disposição,
desde o início, para ajudar na minha dissertação; à Maria Conceição Padial e ao
Gledson Nascimento, pelos materiais que, com a maior boa vontade, me passaram;
e à Débora Cunha e à Caroline Ferreira, pelo companheirismo no trabalho na
AGEHAB.
Agradeço aos meus amigos e colegas de trabalho no IBAM, com os
quais passei praticamente um ano inteiro junto e muito aprendi – Cláudia Serpa,
Ricardo Moraes, Cristina Baratta, Thêmis Aragão, Alexandre Santos, Eliana
Junqueira, Flávia Lopes e Will Robson. Foi esta oportunidade que, além de uma
importante experiência pessoal e profissional, trouxe empiria para o que eu
pretendia estudar e possibilitou o contato com Goiás, fazendo deste o meu recorte
espacial.
Agradeço aos meus colegas e amigos de mestrado no Rio e peço
desculpas pela ausência em alguns momentos – Raquel Gonzalo, Bárbara Marguti,
Luiz Felipe Thomaz, Eduardo Campbell, Filipe Corrêa, Bianca Gighino, Ana Carola,
Virgínia Totti, Natalia Velloso e Igor Pantoja.
Também deixo registrado meu agradecimento a todos entrevistados,
que disponibilizaram parte preciosa de seu tempo, tornando possível a reconstrução
histórica por mim realizada da trajetória da política habitacional goiana – Álvaro
Lourenço, Ana Cristina Rodovalho, André Luiz Tavares, Flávio Peixoto, Jadir
Mendonça, Jossivani Oliveira, Leidimar Ribeiro, Lúcia Moraes, Luiz Antônio
Bretones, Luiz Carlos das Dores, Maracy Cardoso, Maria Rita Cardoso, Nilza
Bonfim, Ronnie Barbosa, Silmara Vieira e Vidal Barbosa.
Por fim, agradeço aos professores do IPPUR-UFRJ, em especial ao
Helion Póvoa, Jorge Natal, Carlos Vainer e Luciana Lago; ao meu orientador Adauto
Lúcio Cardoso, pela precisão nos momentos de orientação; e ao CNPq, cuja bolsa
de pesquisa foi fundamental para que eu pudesse cursar o mestrado e escrever a
dissertação.
RESUMO

Nesta dissertação, tem-se como foco a reconstrução histórica da trajetória político-


institucional da política pública de habitação popular levada a cabo pelo governo do
Estado de Goiás desde 1983, quando se inicia o Mutirão da Moradia, passando por
vários outros programas, até chegar a 2010, decorridos nove anos de
implementação do Cheque-Moradia. Após uma discussão inicial com respeito à
emergência, na esteira da desarticulação financeira e institucional do sistema
BNH/SFH em meados da década de 1980, do problema do lugar dos estados na
política nacional de habitação, procede-se a esta reconstrução. Divide-se a
exposição em dois períodos, o primeiro deles referido ao ciclo de hegemonia do
PMDB e o outro ao ciclo de hegemonia do PSDB/PP na política estadual,
procurando-se analisar os sucessivos governos e seus respectivos programas
habitacionais e as alterações por que foi passando a estrutura do setor habitacional
no âmbito da administração pública estadual. Ao fazê-lo, atenta-se para as relações
mantidas entre a trajetória que se pretende reconstruir e, de um lado, os
condicionantes da política nacional de habitação e, de outro, o movimento por
moradia goiano e goianiense.

Palavras-chave: Política habitacional. Trajetória político-institucional. Governo


estadual. Movimento por moradia.
ABSTRACT

The center of attention of this work lies on the historical reconstruction of the political-
institutional trajectory of the social housing policy carried out by Goiás State
Government from 1983, when Mutirão da Moradia begins, going through several
other programs, until 2010, nine years after the implementation of Cheque-Moradia.
After a discussion regarding the emergence, in the wake of the financial and
institutional disintegration of BNH/SFH system in mid 1980, of the question of the role
of state governments in the national housing policy, we proceed to this
reconstruction. The exposition is divided into two periods, referred to the PMDB and
PSDB/PP cycles of hegemony in state politics, seeking to analyze, within the scope
of state public administrative, the successive governments and their respective
housing programs and the structural changes in the housing department. In doing so,
we pay attention to the relationships between the trajectory we intend to reconstruct
and, on one hand, the national housing policy restrictions and, on the other hand, the
goiano and goianiense housing movements.

Key words: Housing policy. Political-institutional trajectory. State government.


Housing movement.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Esquemas

Esquema 1 – Setor habitacional no Governo Íris (1983-1986) e mudanças no Governo


Santillo (1987-1990) ..................................................................................................... 73
Esquema 2 – Setor habitacional no Governo Santillo (1987-1990) e mudanças no Governo
Íris (1991-1994) ........................................................................................................... 80
Esquema 3 – Setor habitacional no Governo Íris (1991-1994) e mudanças no Governo
Maguito (1995-1998) .................................................................................................... 89
Esquema 4 – Setor habitacional no Governo Maguito (1995-1998) e mudanças nos
Governos Marconi/ Alcides (1999-2010) ........................................................................ 95
Esquema 5 – Setor habitacional nos Governos Marconi/ Alcides (1999-2010) ................. 114

Figuras

Figura 1 – Cheque-Moradia – Fluxograma ................................................................... 122


Figura 2 – Cheque-Moradia – Anverso do cheque ........................................................ 123
Figura 3 – Cheque-Moradia – Custo da unidade habitacional ........................................ 125

Gráficos

Gráfico 1 – Cheque-Moradia – Série histórica: número de benefícios por modalidade – 2001-


2010 ......................................................................................................................... 131
Gráfico 2 – Cheque-Moradia – Série histórica: valores em reais e número de benefícios –
2001-2010................................................................................................................. 132
Gráfico 3 – Cheque-Moradia – Série histórica: municípios beneficiados – 2001-2010 ...... 133
Gráfico 4 – Programas habitacionais federais – Série histórica: valores em reais – 2003-
2010 ......................................................................................................................... 134
Gráfico 5 – Crédito Solidário e MCMV Entidades – Unidades habitacionais contratadas por
unidade da federação................................................................................................. 157
Gráfico 6 – Crédito Solidário e MCMV Entidades – Unidades habitacionais contratadas por
microrregião .............................................................................................................. 158
Quadros

Quadro 1 – Condicionantes federais das políticas habitacionais estaduais ........................ 43


Quadro 2 – AGEHAB/Planejamento participativo – Tipologia de municípios .................... 147

Tabelas

Tabela 1 – Programa Mutirão da Moradia – 1983-1986 ................................................... 51


Tabela 2 – Interiorização do Mutirão da Moradia ............................................................ 52
Tabela 3 – Interiorização do Mutirão da Moradia – Fonte de recursos (previsão) ............... 57
Tabela 4 – Programa Habitacional Comunitário – 1987-1990 ........................................... 77
Tabela 5 – Programa Mutirão Permanente da Moradia – 1991-1994 ................................ 86
Tabela 6 – Programa Meu Lote, Minha Casa – 1996-1998 .............................................. 94
Tabela 7 – Programa Cheque-Moradia – 2001-2010 ..................................................... 129
Tabela 8 – Estimativa de custos do Cheque-Construção/ loteamento da prefeitura .......... 135
Tabela 9 – Cheque-Construção e déficit: distribuição espacial ....................................... 137
Tabela 10 – Cheque-Reforma e inadequação: distribuição espacial ............................... 138
LISTA DE SIGLAS

ABC Associação Brasileiras de COHABs e Órgãos Assemelhados


ADEMI Associação dos Dirigentes das Empresas do Mercado Imobiliário
AGDR Agência Goiana de Desenvolvimento Regional
AGEHAB Agência Goiana de Habitação
AGH Agência Goiana de Habitação
AHDM Associação Habitacional em Defesa da Moradia e do Meio Ambiente
ALGO Assembléia Legislativa do Estado de Goiás
ANSUR Articulação Nacional do Solo Urbano
APG Associação dos Posseiros de Goiânia
ARENA Aliança Renovadora Nacional
BEG Banco do Estado de Goiás S/A
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNH Banco Nacional da Habitação
CAIXEGO Caixa Econômica do Estado de Goiás
CCAB Conselho Consultivo das Associações de Bairro
CCFGTS Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
CDH Companhia de Desenvolvimento Habitacional
CDHU Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
CEF Caixa Econômica Federal
CELG Centrais Elétricas de Goiás
CGFNHIS Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
CHEGO Companhia de Habitação do Estado de Goiás
CMP Central de Movimentos Populares
CNM Confederação Nacional dos Mutuários
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
CODEG Companhia de Desenvolvimento do Estado de Goiás
COHAB Companhia de Habitação
COHAB-GO Companhia de Habitação de Goiás
COHAB-Goiânia Companhia de Habitação Popular do Município de Goiânia
COHPOG Cooperativa Habitacional Popular de Goiânia
COMOB Companhia Municipal de Obras e Habitação do Município de Goiânia
CONAM Confederação Nacional das Associações de Moradores
CPF Cadastro de Pessoa Física
CPG Centro de Professores de Goiás
CPT Comissão Pastoral da Terra
CPU Comissão de Posseiros Urbanos
CRISA Consórcio Rodoviário Intermunicipal S.A.
CUT Central Única dos Trabalhadores
EMCIDEC Empresa de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico-Social
EMOP Empresa Estadual de Obras Públicas
FAR Fundo de Arrendamento Residencial
FDS Fundo de Desenvolvimento Social
FEBEM Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – FEBEM
FEGAM Federação Goiana das Associações de Moradores
FEGIP Federação Goiana de Inquilinos e Posseiros
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FICAM Programa de Financiamento da Construção, Aquisição ou Melhoria da
Habitação de Interesse Social
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FINSOCIAL Fundo de Investimento Social
FJP Fundação João Pinheiro
FLEBES Fundação Legionárias do Bem-Estar Social
FMI Fundo Monetário Internacional
FNHIS Fundo Nacional de Habitaão de Interesse Social
FNM Fundo Nacional de Moradia Popular
FOMENTAR Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás
ICM Imposto sobre Circulação de Mercadorias
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços
IDH-M Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
LEG Loteria do Estado de Goiás
LRF Lei de Responsabilidade Social
MA Ministério da Agricultura
MARE Ministério da Administração e Reforma do Estado
MAS Ministério da Ação Social
MBES Ministério da Habitação e do Bem-Estar
MCIDADES Ministério das Cidades
MCMV Minha Casa, Minha Vida
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MDC Movimento das Donas de Casa e Consumidores
MDU Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente
MHU Ministério da Habitação, Urbanismo e Desenvolvimento Urbano
MLCP Movimento de Luta pela Casa Própria
MLM Movimento Luta e Moradia
MNLM Movimento Nacional de Luta pela Moradia
MPO Ministério do Planejamento e Orçamento
OGU Orçamento Geral da União
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PAFC Programa de Atenção às Famílias Carentes
PC do B Partido Comunista do Brasil
PCS Programa Crédito Solidário
PDS Partido Democrático Social
PDT Partido Democrático Trabalhista
PEHIS-GO Plano Estadual de Habitação de Interesse Social do Estado de Goiás
PFL Partido da Frente Liberal
PHP-E Programa Habitacional Popular Entidades (MCMV Entidades)
PIB Produto Interno Bruto
PLANHAB Plano Nacional de Habitação
PM Polícia Militar
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMHIS Plano Municipal de Habitação de Interesse Social
PNHR Programa Nacional de Habitação Rural
PNHU Programa Nacional de Habitação Urbano
PP Partido Progressista
PPB Partido Progressista Brasileiro
PRODUZIR Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás
PROHASP Programa Habitacional para os Servidores Públicos
PROHEMP Programa Habitacional Empresa
PRÓ-MORADIA Programa de Atendimento Habitacional através do Poder Público
PROMORAR Programa de Erradicação de Sub-habitações
PROSINDI Programa Nacional de Habitação para o Trabalhador Sindicalizado de
Baixa Renda
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PSH Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
SAC Secretaria de Assuntos Comunitários
SANEAGO Saneamento de Goiás
SBPE Sociedade Brasileira de Poupança e Empréstimo
SEAC Secretaria Especial de Ação Comunitária
SEAST Secretaria de Ação Social e Trabalho
SEDU Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano
SEFAZ Secretaria da Fazenda
SEPIN Superintendência de Pesquisa e Informação
SEPLAN Secretaria de Planejamento
SEPURB Secretaria de Política Urbana
SESH Secretaria Especial de Solidariedade Humana
SFH Sistema Financeiro da Habitação
SHC Sociedade Habitacional Comunitária
SICAT Sistema de Controle de Atendimentos do Cheque-Moradia
SINTEGO Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás
SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
SSPJ Secretaria de Segurança Pública e Justiça
UCG Universidade Católica de Goiás
UEMP-GO União Estadual por Moradia Popular
UFG Universidade Federal de Goiás
UI União das Invasões
UMIS União por Moradia de Interesse Social
UMM-SP União de Movimentos de Moradia de São Paulo
UNMP União Nacional dos Movimentos por Moradia
UPG União dos Posseiros de Goiânia
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 16

2 POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO PÓS-BNH: O PROBLEMA DO

LUGAR DOS ESTADOS........................................................................................... 21

2.1 DESARTICULAÇÃO FINANCEIRA E INSTITUCIONAL DO SISTEMA

BNH/SFH................................................................................................................... 21

2.1.1 O lugar dos estados enquanto problema ....................................................... 28

2.2 GOVERNO FHC: PERSISTÊNCIA DO PROBLEMA...................................... 33

2.3 GOVERNO LULA: RESOLUÇÃO DO PROBLEMA? ...................................... 37

3 POLÍTICA HABITACIONAL EM GOIÁS SOB OS GOVERNOS DO

PMDB....................................... ................................................................................. 44

3.1 MEADOS DOS ANOS 80 – REDEMOCRATIZAÇÃO E POLÍTICA

HABITACIONAL ESTADUAL .................................................................................... 44

3.2 MUTIRÃO DA MORADIA (1983-1986) ........................................................... 49

3.3 CODEG x COHAB-GO ................................................................................... 62

3.4 COMISSÃO DE POSSEIROS URBANOS (CPU) E MOVIMENTO POR

MORADIA.................................................................................................................. 68

3.5 DEMAIS PROGRAMAS DE PRODUÇÃO HABITACIONAL ........................... 73

3.5.1 Programa Habitacional Comunitário (1987-1990) .......................................... 74

3.5.2 Mutirão Permanente da Moradia (1991-1994) ............................................... 80

3.5.3 Meu Lote, Minha Casa (1995-1998)............................................................... 90


3.6 DESARTICULAÇÃO FINANCEIRA E INSTITUCIONAL DA COHAB-GO ...... 96

3.7 INFLEXÃO DO MOVIMENTO POR MORADIA ............................................ 100

4 POLÍTICA HABITACIONAL EM GOIÁS SOB OS GOVERNOS DO

PSDB/PP..................................................................................................................107

4.1 FINAL DOS ANOS 90 – REFORMA GERENCIAL E REORIENTAÇÃO DAS

POLÍTICAS SOCIAIS .............................................................................................. 107

4.2 REATIVAÇÃO DA COHAB-GO E SUA TRANSFORMAÇÃO EM AGEHAB 112

4.3 CHEQUE-MORADIA (2001-...) ..................................................................... 115

4.4 OPERAÇÃO DO PROGRAMA E LIMITAÇÕES ........................................... 129

4.5 INICIATIVAS DE MUDANÇA NO TRIÊNIO 2008/2010 ................................ 140

4.6 PRODUÇÃO AUTOGESTIONÁRIA E MOVIMENTO POR MORADIA ......... 151

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 163

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 173

APÊNDICES ........................................................................................................... 180

APÊNDICE A – Legislação estadual sistematizada ............................................ 181

APÊNDICE B – Entrevistas realizadas ................................................................. 189


16

1 INTRODUÇÃO

O estado de Goiás passa por transformações de vulto a partir do final


da década de 1960, quando se inicia a modernização agropecuária do cerrado
brasileiro. Este processo, implicando incorporação de progresso técnico à agricultura
e aumento da concentração fundiária, se gera crescimento econômico, provoca, ao
mesmo tempo, a expulsão e o deslocamento massivos de trabalhadores do campo
para as cidades. O resultado é uma sociedade cada vez mais urbana e complexa,
concentrada espacialmente em torno da capital Goiânia e de outros centros urbanos
de maior porte e, sobretudo nestas localidades, marcada pela segregação periférica
dos trabalhadores recém-chegados do campo e pela expansão insuficiente e
desigual dos meios de consumo coletivos, aí incluída a moradia.
Na década de 1980, a reabertura democrática possibilita a vocalização
política das demandas das classes trabalhadoras, abrindo espaço para seu
adensamento associativo, e faz com que o destino político dos governantes e
parlamentares passe a depender da atenção que prestassem às condições de
reprodução daquelas. É nesta mesma década, contudo, que, na esteira da crise do
nacional-desenvolvimentismo, o sistema nacionalmente estruturado de provisão de
serviços urbanos e habitacionais articulado sob o BNH entra em crise e é extinto.
Como resultado, se urgia oferecer respostas à problemática da reprodução urbana
das classes trabalhadoras, em um contexto de progressiva ausência do governo
federal, esta tarefa passa a caber cada vez mais aos níveis subnacionais de
governo.
É a partir daí que se instala uma tendência à autonomização das bases
de formulação e implementação das políticas habitacionais estaduais (ARRETCHE,
1996a), passando os governos dos estados a seguir estratégias institucionais as
mais variadas, com distintos graus de institucionalização e encaminhamentos para
as empresas públicas de habitação herdadas do regime militar. O Mutirão da
Moradia, notabilizando-se pelo feito das “mil casas em um dia” na capital Goiânia em
1983, é um dos marcos iniciais desse processo de “descentralização por ausência”.
(CARDOSO; RIBEIRO, 2000). É marco inicial também, cumpre acrescentar, da
trajetória político-institucional da política pública de habitação levada a cabo pelo
governo do Estado de Goiás, às voltas, como decorrência da modernização iniciada
17

no final da década de 1960 das estruturas produtivas regionais, com uma sociedade
cada vez mais urbana e complexa.
Nesta dissertação, tem-se como foco a reconstrução histórica desta
trajetória, tomando-se por base o período compreendido entre os anos de 1983 e
2010, que, abrindo-se com o Mutirão da Moradia, passa por diversos programas
habitacionais até chegar no Cheque-Moradia, desde 2001 o principal meio de
intervenção do governo do Estado na área habitacional. Dois sub-períodos são
levados em consideração, o primeiro deles referido ao ciclo de hegemonia do PMDB
e o outro ao ciclo de hegemonia do PSDB/PP na política estadual. Objetiva-se,
assim, proceder à análise do desenvolvimento da política pública de habitação
popular do Estado de Goiás, acompanhando-se os sucessivos governos e seus
respectivos programas habitacionais e as alterações por que foi passando a
estrutura do setor habitacional no âmbito da administração pública estadual. Ao
fazê-lo, procura-se atentar para as relações mantidas entre a trajetória que se
pretende reconstruir e, de um lado, os condicionantes da política nacional de
habitação e, de outro, o movimento por moradia goiano e goianiense.
Este trabalho encontra-se, talvez, na fronteira entre a ciência política,
os estudos urbanos e a história política. Face às dificuldades resultantes da
inexistência de literatura a respeito e do fato de que os documentos públicos
necessários nem sempre existem, estão disponíveis e são de fácil acesso, procurou-
se mais abrir um campo de investigação que proceder a uma análise exaustiva da
trajetória em tela. No que diz respeito aos programas habitacionais que a
compuseram, considerando-se as três linhas de abordagem de políticas públicas
citadas por Arretche, pode-se dizer que foi realizada uma “avaliação política” e uma
“análise de política pública”, mas não uma “avaliação de política pública”. São
apresentados os “produtos” dos programas habitacionais adotados e por vezes sua
relação face às metas estipuladas, mas não se avaliam os “resultados” alcançados
sobre a realidade habitacional do estado. Centra-se o foco, assim, no exame dos
fundamentos políticos destes programas e se procuram reconstituir em um todo
coerente e compreensível seus atributos operacionais básicos. (ARRETCHE, 1998).
Para a realização deste trabalho, consultou-se a bibliografia existente
sobre a política nacional de habitação; o processo de ocupação territorial e a
dinâmica demográfica centroestinas e goianas; a formação social e econômica do
estado de Goiás; e o processo de urbanização do estado e de Goiânia. Procedeu-se
18

também à leitura de algumas das dissertações e artigos científicos já escritos sobre


Estado, política e políticas públicas em Goiás. Dessa maneira, tornou-se possível
contextualizar e dar substância ao tratamento da reconstrução histórica que se
procurava realizar, de modo a não perder de vista as relações da política
habitacional levada a cabo pelo governo do Estado com a política habitacional
conduzida pelo governo federal, com as transformações sócio-econômicas por que
passava o estado de Goiás e com as mudanças que foram se operando no Estado,
na política e nos demais setores de política pública em Goiás.
Para além desse esforço de revisão bibliográfica, utilizaram-se três
recursos metodológicos, estes sim, diferentemente daquele, diretamente
relacionados ao objeto desta dissertação, qual seja, a trajetória da política
habitacional do Estado de Goiás. O primeiro deles foi a observação participante.
Como fiz parte, entre fevereiro e dezembro de 2010, da assessoria técnica prestada
pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM à Agência Goiana de
Habitação – AGEHAB no planejamento habitacional recente do Estado de Goiás,
pude presenciar, dentre outras coisas, os processos de elaboração do Plano
Estadual de Habitação de Interesse Social – PEHIS e capacitação técnica para
elaboração dos Planos Municipais de Habitação de Interesse Social – PMHIS e, em
certa medida, também o cotidiano da operação, internamente à agência, de um dos
programas desta trajetória, a saber, o Cheque-Moradia.
O segundo recurso metodológico utilizado disse respeito à entrevista
oral e semi-estruturada com informantes-chave da trajetória da política habitacional
estadual. Entrevistei em Goiânia, ao todo, 16 pessoas, diferentemente situadas
nesta trajetória, seja no que concerne ao momento em que nela se inseriram seja no
que tange a sua filiação institucional, dentro e fora do Estado: 1 funcionário da
AGEHAB/COHAB-GO, parte de seu corpo burocrático desde o final da década de
1970; 1 ex-secretário de planejamento e coordenação e ex-ministro do MDU; 1 ex-
diretor da CODEG e da EMCIDEC; 1 ex-funcionária da COHAB-GO; 2 ex-
funcionárias da Comissão de Posseiros Urbanos; 1 ex-secretário da SAC; 1 ex-
funcionário da SESH; 4 membros do movimento por moradia local, sendo 2 da
UEMP-GO, 1 da CONAM e 1 do MDC; 1 militante do PT e ex-diretor de habitação da
COMOB; 2 ex-presidentes da AGEHAB; e 1 professora universitária.
O terceiro recurso metodológico consistiu na análise documental.
Acessei os seguintes documentos oficiais: plano de governo do primeiro governo Íris
19

e documento propaganda do Mutirão da Moradia; balanço das realizações do


governo Santillo; comparativo das ações e metas do segundo governo Íris e
documentos técnicos sobre o Mutirão Permanente da Moradia; fragmento do
relatório das realizações governamentais da SESH no triênio 1995-1997; relatório de
gestão governamental de 2009 e 2010; e sistematização das transformações na
estrutura organizacional do poder executivo entre 1961 e 2002. Além destes
documentos, sistematizei e analisei: a legislação estadual sobre habitação; notícias,
reportagens e análises de conjuntura política em blogs, revistas e jornais, antigos e
atuais; e informações presentes em sítios eletrônicos. Por fim, analisei: dados do
Ministério das Cidades sobre os programas habitacionais federais em Goiás; dados
sobre emissão de Cheque-Moradia da divisão de informática da AGEHAB; dados
compilados por um dos entrevistados a respeito do Mutirão da Moradia; dados
obtidos junto a uma prefeitura do estado a respeito de convênio realizado no
Cheque-Moradia; e, para casos específicos, dados eleitorais do TRE-GO e dados
sócio-econômicos e demográficos do IBGE, do SEPIN-SEPLAN e do PNUD.
O interesse por esta pesquisa, embora tenha partido da experiência
que tive na assessoria técnica prestada pelo IBAM à AGEHAB, consolidou-se na
medida em que fui me dando conta de sua relevância. No curso da trajetória da
política habitacional do Estado de Goiás: dois programas tiveram ampla repercussão
fora do estado, quais sejam, o Mutirão da Moradia e o Cheque-Moradia, aquele
sendo um dos marcos iniciais da tendência de autonomização das políticas
habitacionais estaduais e este se difundindo enquanto prática viável de política
pública para várias outras unidades da federação; o movimento por moradia local
logrou se inscrever com destaque nas articulações levadas a cabo com vistas à
constituição dos movimentos por moradia nacionais; e, recentemente, no que diz
respeito à produção habitacional seja empresarial seja autogestionária com recursos
federais, o estado de Goiás apresentou um dos melhores desempenhos
quantitativos.
No segundo capítulo da dissertação, discorre-se sobre a desarticulação
financeira e institucional do sistema BNH/SFH, demonstrando-se como, na esteira
da mesma, emerge o problema do lugar dos estados na federação brasileira no que
diz respeito à política nacional de habitação. (GONÇALVES, 2009). Embora
centrado no período que se estende do início da década de 1980 até a primeira
metade da década de 1990, este capítulo contém considerações com respeito ao
20

modo como, nos governos Fernando Henrique Cardoso – PSDB (1995-2002) e Luiz
Inácio Lula da Silva – PT (2003-2010), aquele problema foi coordenado.
Apresentam-se, ademais, os fatores que, marcando presença na trajetória da
política nacional de habitação, impactam as trajetórias estaduais. Nos capítulos
dedicados à discussão da trajetória da política habitacional em Goiás, estes fatores,
sempre quando oportuno, são retomados.
É nos capítulos terceiro e quarto que se aborda a trajetória político-
institucional da política pública de habitação popular do Estado de Goiás. No terceiro
capítulo, acompanham-se os programas habitacionais adotados pelos governos do
PMDB, desde o Mutirão da Moradia, no primeiro governo Íris Rezende (1983-1986),
passando pelo Programa Habitacional Comunitário, no governo Henrique Santillo
(1987-1990), e pelo Mutirão Permanente da Moradia, no segundo governo Íris
(1991-1994), até chegar no Meu Lote, Minha Casa, no governo Maguito Vilela (1995-
1998). No quarto capítulo, discute-se o programa habitacional implementado pelos
governos do PSDB e do PP, qual seja, o Cheque-Moradia, adotado no primeiro e
segundo governo Marconi Perillo (1999-2002 e 2003-2006), no governo Alcides
Rodrigues (2006-2010) e, também a partir de 2011, no terceiro e recém iniciado
governo Marconi (2011-2014).
Reservam-se tópicos para tratar especificamente do movimento por
moradia: no terceiro capítulo, nos tópicos 4 e 7, discutem-se, respectivamente, o
surgimento do movimento moradia local na década de 1980, quando surge e se
afirma a FEGIP, e a inflexão por que o mesmo passa na década de 1990, quando,
de um lado, assiste-se à criação do MLCP e, de outro, observa-se a desarticulação
daquela; no quarto capítulo, no tópico 6, discorre-se sobre as reconfigurações do
movimento por moradia local na década de 2000, em decorrência, dentre outras
coisas, do Cheque-Moradia e, sobretudo, dos programas federais destinados à auto-
gestão.
Na conclusão, retoma-se a trajetória da política pública de habitação
popular do Estado de Goiás. Procura-se traçar seu eixo básico de desenvolvimento,
captando as características distintivas de cada governo e programa habitacional e os
elementos que, a despeito dessas diferenças, dão unidade a essa mesma trajetória,
requerendo ações tanto do poder público quanto do movimento por moradia com
vistas ao aprimoramento e ampliação do escopo da política habitacional estadual.
21

2 POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO PÓS-BNH: O

PROBLEMA DO LUGAR DOS ESTADOS

2.1 DESARTICULAÇÃO FINANCEIRA E INSTITUCIONAL DO

SISTEMA BNH/SFH

Em meados da década de 1980, em meio à crise do ciclo


desenvolvimentista que marcou a sociedade brasileira desde a década de 1930,
todo o modelo de intervenção pública no mercado habitacional representado pelo
BNH passa a apresentar visíveis sinais de desarticulação. Observa-se, por um lado,
o esgotamento do seu padrão de financiamento. Sendo sua arrecadação bruta
diretamente dependente do comportamento da massa salarial e tendo parte de seus
recursos vinculados a compensar situações de risco no âmbito do mercado de
trabalho, o FGTS, com a crise econômica, vê sua arrecadação líquida sensivelmente
diminuída, o que restringe as possibilidades de financiamento dos programas
habitacionais. (MELO, 1989; ARRETCHE, 1996b).
Ao mesmo tempo, a recessão econômica, resultando numa queda dos
salários reais, gera um descolamento entre os reajustes das prestações e os
salários1. A política salarial praticada no período 1981-83 implicou perdas reais de
mais de 30% para os assalariados de alta e média renda, fazendo com que,
sobretudo nessa faixa, os índices de inadimplência voltassem a subir, e de modo
espetacular. As perdas salariais foram pouco expressivas para os segmentos de
baixa renda, sendo aí menor a inadimplência, de modo que a política de habitação
popular não foi afetada na mesma escala que o SBPE. O comprometimento de
recursos do FGTS, já em trajetória descendente, para compensar a crise do SBPE,
contudo, levou à paralisia do sistema como um todo. (MELO, 1989).
Como decorrência desse quadro, o volume de recursos do FGTS
aplicado na área habitacional sofre queda acentuada e contínua, de modo que, em
1990, passa a corresponder a 19% do verificado em 1980. Embora paralelamente

1
De 1965 até 1972, os reajustes das prestações acompanharam as variações do salário mínimo e,
de 1973 até 1982, as prestações foram indexadas abaixo da correção do salário mínimo. Em 1983,
pela primeira vez na história do BNH, as prestações subiram acima do salário mínimo. (AZEVEDO,
1988).
22

tenha ocorrido um incremento significativo do gasto de origem orçamentária, este


não compensa a queda em questão. No montante global do gasto federal, que inclui
tanto os recursos do FGTS como do Tesouro, o FGTS persiste como o principal
instrumento financeiro da política nacional de habitação, ficando sua participação
quase sempre acima de 83%. É assim que o referido montante sofre o mesmo
movimento descendente: em 1990, não passa de 22% do verificado em 1980.
(ARRETCHE, 1996a, 1996b: tabela 4).
Por outro lado, observa-se um acelerado processo de fragmentação
institucional e paralisia decisória no setor habitacional. (ARRETCHE, 2000; MELO,
1989). Tudo isso em meio aos marcos político-institucionais redefinidos a partir de
1982, quando tem início a retomada da competição eleitoral e do federalismo
(ARRETCHE, 2000), e da conjuntura política da Nova República, em que o ímpeto
reformista inicial, atrelado ao comando de um núcleo hegemônico comprometido
com uma estratégia de mudanças mais profundas, cede lugar gradativamente, à
medida que se desintegra a coalizão de governo, a uma política de acomodação de
interesses setoriais e, por conseqüência, a uma “banalização” das políticas sociais.
(MELO, 1989, 1993).
A política setorial de habitacão vivencia de maneira particularmente
intensa tais determinantes. De uma questão central da agenda reformista, converte-
se, ao fim e ao cabo, em um non-issue e, assim, no principal “fiasco” dentre as
políticas sociais incluídas nessa agenda. (MELO, 1993). O ímpeto reformista tem
início com a criação do Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente –
MDU em 1985, com o que se sinaliza forte prioridade à questão. Para a direção do
mesmo, foi convidado o Secretário de Planejamento e Coordenação do governo do
Estado de Goiás, que havia se notabilizado pela construção, junto ao governador Íris
Rezende – PMDB, do conjunto habitacional Vila Mutirão, primeiro empreendimento
do programa estadual Mutirão da Moradia. De início, já um abalo para os setores
reformistas, uma vez que assume o ministério recém-criado um técnico até então
estranho a eles. (MELO, 1993; MINISTRO, abr./jun.1985).
Ao mesmo tempo, o ímpeto em questão assume o formato de um
amplo debate nacional sobre o Sistema Financeiro da Habitação. Ocorre que a onda
de escândalos financeiros no SFH durante o governo Figueiredo (1979-1985) e a
crise de grandes proporções já referida que envolveu os mutuários do BNH acabam
por empobrecer a agenda de reformas. As diversas recomendações resultantes do
23

controvertido processo de discussão levado a cabo no Grupo de Trabalho do SFH e


nos debates regionais organizados pelo IAB, assim como os pontos levantados
anteriormente, em 1983, com o abortado Projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano
acabam por ser desconsiderados. (MELO, 1993).
A Coordenação Nacional dos Mutuários – CNM orientava suas
reivindicações no sentido da resolução de um conflito pontual, relativo à controvérsia
dos reajustes, não podendo se constituir em veículo de demandas universalistas de
amplos setores da população, capazes de reformar toda uma política setorial.
(MELO, 1993). O pleito dos mutuários foi atendido no essencial, sendo a solução
encontrada o reajuste das prestações em 114%, num contexto em que a inflação
chegava a 246%. Ao se conceder um subsídio dessa magnitude, sem nenhuma
medida compensatória de receita, agravou-se o processo já em curso de
esgotamento do padrão de financiamento do SFH. Ademais, como a maioria dos
mutuários era composta por famílias de renda média e alta, verificou-se, na prática,
uma “política de redistribuição de renda às avessas”. (AZEVEDO, 1990).
A partir das recomendações do GT do SFH e dos debates organizados
pelo IAB, a burocracia do BNH formula uma proposta compreensiva para a
habitação e a política urbana. Após intervenções do ministro do desenvolvimento
urbano, esta se transforma num projeto de criação de um Banco Nacional de
Desenvolvimento Urbano, descentralizado e regionalizado, que ampliasse a faixa de
atuação do BNH. Entretanto, eram históricas as dissensões entre o BNH e as
autoridades monetárias (Banco Central, Ministério da Fazendo e Secretaria do
Planejamento) em torno da disputa pela gestão do SFH. A crise econômica e, a
partir de então, também institucional exacerba tais dissensões e facilita a
ascendência das autoridades referidas sobre a política habitacional, desde sempre
interessadas nos recursos do SFH, seja por sua magnitude, seja por sua dimensão
estratégica para a regulação macroeconômica. (ARRETCHE, 2000; MELO, 1989).
A proposta de criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Urbano
acaba sendo descartada. Ao mesmo tempo, em novembro de 1986, decreta-se, de
maneira abrupta e sem margem a contrapropostas, a extinção do BNH. Esta decisão
e a forma como foi tomada chocam-se com as declarações de intenções e
encaminhamentos até então realizados pelo governo, causando surpresa entre as
entidades envolvidas na reformulação do SFH. A pulverização da burocracia do BNH
e a absorção de suas funções pela Caixa Econômica Federal – CEF representam
24

um duro golpe para a manutenção ou reestruturação da oferta habitacional pública,


fazendo com que a questão urbana e habitacional passasse a depender de uma
instituição em que estes temas, embora importantes, são objetivos setoriais.
(AZEVEDO, 1988).
Na segunda metade da década de 1980, testemunha-se uma
verdadeira “via-crúcis” quanto ao espaço institucional de formulação e gestão dos
programas habitacionais de baixa renda. Ainda no governo Sarney, o MDU
transforma-se em 1987 em Ministério da Habitação, Urbanismo e Desenvolvimento
Urbano – MHU, passando a CEF, substituta do BNH, a estar vinculada ao mesmo.
Em 1988, o MHU é transformado em Ministério da Habitação e do Bem-Estar –
MBES. Em março de 1989, este é extinto, ficando as instituições vinculadas à
política habitacional subordinadas ao Ministério do Interior e a CEF, ao Ministério da
Fazenda. Em 1990, já no governo Collor, é criado o Ministério da Ação Social –
MAS, que se transforma em Ministério do Bem-Estar Social – MBES no governo
Itamar. (ARRETCHE, 1996a).
Com a extinção do BNH e a crise dela decorrente, então, a autoridade
sobre a alocação dos recursos do FGTS permanece no governo federal, mas é
transferida para a CEF e a administração direta, portanto, para uma burocracia
fragilmente insulada e envolvida num processo continuado de fragmentação
institucional e instabilidade ministerial. A isso, soma-se a retomada da competição
eleitoral e das bases federativas do Estado brasileiro, o que implica dentre outras
coisas o fim das nomeações dos governadores pelo poder central e, assim, da
integração verticalizada que caracterizou a política habitacional levada a cabo no
regime militar. Como conseqüência, redefinem-se os canais até então prevalecentes
de intermediação de interesses e acesso aos recursos federais. (ARRETCHE, 2000).
Dada a ampliação e fragmentação da arena decisória, a explosão de
demandas setoriais e a necessidade de obter lealdade política dos executivos
estaduais e municipais, o ímpeto reformista do início da Nova República vai sendo
cada vez mais engolido e suplantado por uma lógica de acomodação de interesses,
marcada pela necessidade da barganha federativa para o acesso aos recursos
federais e pelo atendimento ad hoc às demandas locais. A agenda de reforma da
política habitacional vai se aproximando cada vez mais, dessa maneira, da condição
de um verdadeiro “fiasco”. (ARRETCHE, 2000; MELO, 1989).
25

Ao mesmo tempo, prosseguia o esgotamento do padrão de


financiamento do SFH, expressando-se na forte crise por que passavam as
COHABs e, em um nível mais abrangente, conjugando-se à crise fiscal do Estado
brasileiro. Como resposta a esse quadro e como parte da política praticada pelo
governo com vistas ao corte do gasto público, em 1988, as Resoluções nº 1.464 e
1.479 do Banco Central e a Circular Normativa nº 58 da CEF resultam em um corte
de 83% dos créditos já contratados com as COHABs e assemelhadas e transferem à
iniciativa privada os créditos para a habitação popular2, fazendo com que os custos
com os terrenos e infra-estrutura tenham que ser assumidos pelos mutuários, o que
acaba por resultar em elitização da política de habitação popular ainda maior que
quando da vigência do BNH. Destituídas de seu papel de agentes promotores, as
COHABs transformam-se em simples órgãos assessores e os estados e municípios
vêem cada vez mais diminuída sua capacidade em disciplinar a questão
habitacional. (MELO, 1989; AZEVEDO, 1990; CONSELHO MONETÁRIO
NACIONAL, s/d).
Frente ao esgotamento do padrão de financiamento do SFH e ao
aprofundamento do caráter elitista de seus programas, os programas alternativos
(AZEVEDO, 1990; MELO, 1989) ou assistenciais (ARRETCHE, 1996a) adquirem
relevo na segunda metade da década de 1980. Sob a responsabilidade da
Secretaria Especial de Ação Comunitária – SEAC, o Programa Nacional de Mutirões
Habitacionais volta-se para famílias com renda mensal inferior a três salários
mínimos, apresentando pontos em comum com os programas alternativos levados a
cabo pelo BNH entre 1975 e 1986 com vistas ao atendimento da clientela excluída
dos programas tradicionais. Diferentemente destes, contudo, seguiu por fora do
SFH, contando com verba orçamentária a fundo perdido – OGU. (AZEVEDO, 1990).
O programa em questão alcançou dinamismo sem precedentes. Em
dois anos, 1987 e 1988, foram financiadas 550.000 unidades habitacionais,

2
Cardoso (s/d) resume bem os constrangimentos a que passa a estar sujeita a aplicação habitacional
com recursos do FGTS a partir da segunda metade da década de 1980: “Com o fim do BNH, em
1986, os recursos do FGTS passam a ser crescentemente objeto de disputa entre os grupos que
compunham o governo federal, oscilando entre as tendências a submetê-lo às diretrizes de política
econômica e as tendências a utilizá-lo como moeda de troca nas negociações clientelistas para a
manutenção da coalizão que dava suporte político à Nova República”. O FGTS, a despeito da
necessidade de retorno do capital aplicado e da redução de sua arrecadação líquida em função da
crise econômica, persiste, em meio a tais oscilações, como a principal fonte de recursos para a
habitação popular.
26

quantitativo muito superior ao número de casas financiadas pelo SFH nesse período
– 155.000 casas por meio de programas convencionais e 51.000 por meio de
programas alternativos – e pelo BNH/SFH através dos programas alternativos entre
1975 e 1986 – 369.221 unidades. Deve-se observar, contudo, que mais de um terço
das unidades financiadas acabaram por não ser construídas, o que se deveu ao
baixo valor unitário aliado à inflação galopante e à má utilização dos recursos.
(AZEVEDO, 1990).
Embora tenha sido este o principal programa de corte assistencial da
Nova República, outros, menos expressivos, também chegaram a ser
desenvolvidos: Mutirão da Moradia, como parte do Programa de Prioridades Sociais
– PPS, sob gestão do MDU e com recursos do FINSOCIAL (MELO, 1989), este
programa sendo uma tentativa, mal sucedida, de transplantar para o nível federal a
experiência ocorrida na cidade de Goiânia, capital de Goiás, no ano de 1983;
Programa Nacional de Apoio às Comunidades – Fala Favela, implementado pela
SEAC; Programa Orçamentário, executado a partir de 1990; e programas Morar-
Município e Habitar-Brasil, implementados em 1993. (ARRETCHE, 1996a).
A SEAC atuou não apenas na área habitacional como também nas
áreas de nutrição, saúde e assistência social em geral. Apresentando seus vários
programas um caráter marcadamente casuístico e provisório (AZEVEDO, 1990),
converteu-se em instrumento privilegiado do novo governo, num momento de
fragmentação da coalizão que viabilizou a transição democrática e de construção,
por parte do presidente Sarney, de uma base política independente em relação ao
PMDB, apoiada em uma estratégia de cooptação de políticos não-programáticos e
conservadores aglutinados no chamado Centrão. (MELO, 1993).
O Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, embora formatado
segundo alguns dos elementos preconizados pela agenda reformista, a saber,
incorporação de entidades não-governamentais, estímulo à participação popular e
descentralização, operou de maneira extremamente centralizada e clientelista,
resultando num mecanismo verticalizado e ágil de patronagem (MELO, 1993).
Ademais, esteve marcado pela instabilidade institucional que, à semelhança do que
ocorria no âmbito do SFH, marcou a SEAC, que, em seus poucos anos de vida,
migrou da Secretaria do Planejamento para a Casa Civil da Presidência da
República, depois para o Ministério do Bem-Estar Social, para o Ministério da
Previdência e, por fim, para o Ministério do Interior. (AZEVEDO, 1990).
27

Como os demais programas alternativos citados, o programa em


questão não surgiu de uma estratégia de complementaridade em relação aos
programas do SFH, no âmbito de uma mesma política nacional de habitação. Pelo
contrário, nasceu de sua desarticulação financeira e institucional, em uma estrutura
paralela à estrutura formal do SFH. (MELO, 1993). Estabelece-se, assim, uma
clivagem entre os programas operados pelas COHABs, envoltas em impasses de
ordem estrutural resultantes da desarticulação do SFH, onde os setores reformistas
e a burocracia ainda conservavam algum controle, e os programas alternativos
geridos por organizações formadas ad hoc e atravessados por arranjos
clientelísticos instáveis. (MELO, 1989).
No executivo federal, então, a desarticulação institucional no setor
habitacional é completa, estendendo-se para além do SFH. Neste sistema, verificou-
se a substituição de uma burocracia insulada (BNH) por outra mais suscetível a
pressões políticas e envolta em uma verdadeira “via-crúcis” ministerial (CEF e
ministério responsável pela política urbana e habitacional). Por fora dele,
presenciou-se a frágil institucionalização da Secretaria Especial de Ação
Comunitária, com programas marcadamente casuísticos e provisórios, sujeitos a
todo tipo de arranjos clientelistas. Por fim, assiste-se à ausência de
complementaridade entre as ações desta secretaria, vinculada a ministérios outros
que não o ministério urbano e habitacional da vez, e aquelas conduzidas pelos
órgãos incumbidos da gestão dos recursos do SFH.
A engenharia institucional daí resultante, por um lado, reitera uma
modalidade centralizada de gestão dos recursos para a habitação e, por outro,
fragmenta a decisão sobre a alocação dos mesmos em várias instituições, impondo-
se a necessidade, para a articulação de interesses corporativos e regionais, de
negociações com instâncias federais regidas por lógicas políticas, técnicas e
operacionais distintas. Soma-se a esse quadro o esgotamento do padrão de
financiamento dos programas do SFH, visível no declínio do volume de recursos do
FGTS aplicados em programas habitacionais, as restrições impostas à capacidade
de endividamento das COHABs pelas autoridades monetárias e, ademais, a
persistência desse mesmo fundo como o principal instrumento de financiamento da
política habitacional. (ARRETCHE, 1996a, 1996b).
No final da década de 1980, a partir das questões levantadas por um
Grupo de Trabalho Interministerial, revelou-se que, para além dos efeitos negativos
28

da crise econômica sobre as bases de financiamento do FGTS, havia graves


problemas nas formas de gestão dessa fonte de recursos, herdados do BNH e
acentuados pela CEF. Assim, com as Leis nº 7.839/89 e nº 8.036/09 e a partir de
resoluções do Conselho Curador do FGTS, que é reativado e reformulado, adotam-
se medidas para a racionalização dos mecanismos de arrecadação e do destino do
gasto. (ARRETCHE, 1996a). Se tais normatizações representaram êxito dos setores
reformistas (MELO, 1993), elas acabam sendo generalizadamente descumpridas no
governo Collor, uma vez que, em meio à intensa negociação que acompanhou o
processo de impeachment3, a concessão dos financiamentos deu-se a índices muito
superiores à disponibilidade do Fundo. Dessa maneira, entre meados de 1992 e
meados de 1995, para resgatar a saúde financeira do fundo, nenhum novo contrato
de empréstimo é firmado, sendo realizados desembolsos apenas para cumprir os
contratos até então firmados. (ARRETCHE, 2000).
Por fim, tem-se o “fiasco” dos esforços de reforma. Para além do não
aproveitamento das reivindicações e recomendações do GT do SFH e dos debates
regionais organizados pelo IAB, além dos pontos levantados pelo PL de
Desenvolvimento Urbano, na Constituição de 1988 a distribuição de competências
entre os entes federativos no que concerne à política habitacional acaba por ser
bastante genérica e imprecisa. Também em função da instabilidade institucional do
setor e da inexistência de uma aliança coesa em torno de uma proposta mais ampla
de reformas, deixa-se em aberto a necessidade de redesenhar o modelo
centralizado de formulação e gestão das políticas de desenvolvimento urbano e
habitação herdado do BNH. (ARRETCHE, 1996a, 2000; MELO, 1993).

2.1.1 O lugar dos estados enquanto problema

É na década de 1980, em meio ao quadro histórico que acaba de ser


descrito, que o lugar dos entes subnacionais e, em particular, dos estados no âmbito
da política nacional de habitação coloca-se enquanto problema. Num contexto
marcado pela desarticulação financeira e institucional do BNH e pelas tentativas
falidas de responder à mesma e reformar o setor habitacional, observa-se:

3
Além deste, outro caso igualmente emblemático do uso clientelístico dos recursos do FGTS é o
ocorrido no governo Sarney para a obtenção de apoio na Assembléia Constituinte.
29

[...] uma progressiva ausência do Governo federal, tanto no que concerne à


sua capacidade de manter os níveis anteriores de financiamento à
promoção pública de habitações, quanto à formulação e à implementação
de uma política capaz de reorganizar a produção habitacional no país. Em
síntese, o Governo federal foi progressivamente perdendo sua capacidade
de desempenhar as funções que lhe eram afetas no sistema anterior, sob a
égide do BNH. (ARRETCHE, 1996a, p. 112, grifo nosso).

Toda essa ausência federal no setor habitacional ocorre paralelamente,


por um lado, à retomada do mecanismo eleitoral nos estados e, por outro, sobretudo
nas grandes cidades, à reorganização dos movimentos sociais urbanos, em especial
o movimento por moradia. Os governos estaduais e das capitais brasileiras tornam-
se os principais alvos políticos de tais movimentos, sendo instados a oferecer, por si
próprios, respostas aos problemas habitacionais de sua população. Configura-se,
portanto, uma tendência à instituição de “[...] programas habitacionais de recorte,
mecanismos de financiamento e instrumentos legais e institucionais próprios”.
(ARRETCHE, 1996a).
De fato, à medida que o gasto federal na função “habitação e
urbanismo” diminui, chegando em 1990 a representar 22% do que foi em 1980, o
gasto de origem estadual tende a se elevar substancialmente, representando no final
do período em questão 137% do que foi no início. Essa elevação do gasto do
conjunto dos estados, contudo, não compensa a redução do gasto federal, já que
em 1980 era bem reduzido. Em 1990, a soma dos gastos de origem federal e
estadual na referida função não passa de 42% do gasto federal em 1980. Ademais,
resultando de um agregado para o conjunto dos estados, o dado do gasto de origem
estadual esconde a imensa heterogeneidade entre as distintas unidades da
federação no que diz respeito à parcela de cada uma no total. (ARRETCHE, 1996b:
tabela 11).
Ainda que não tenha revertido a tendência global de queda do gasto
federal na função “habitação e urbanismo”, a elevação do gasto de origem estadual
ao longo da década de 1980 é um dos sintomas de um processo que pode ser
entendido como uma progressiva autonomização das bases de formulação e
implementação da política social de habitação. (ARRETCHE, 1996a). Está-se diante,
então, de uma descentralização das funções de gestão da política habitacional, mas
esta descentralização, é preciso observar, não resulta de nem ocorre em meio à
adoção de estratégias de “coordenação federativa” (ABRUCIO, 2005) por parte do
30

governo federal. Trata-se, antes, de uma “descentralização por ausência”4.


(CARDOSO; RIBEIRO, 2000).
A ausência do governo federal é resultado não só da desarticulação
financeira mas também da desarticulação institucional em curso na política nacional
de habitação na década de 1980. E essa desarticulação institucional, implicando a
falta de uma coalizão coesa e de uma burocracia articulada capaz de conduzir as
reformas que se propunham para o setor habitacional, faz com que não se constitua,
seja por iniciativa ministerial seja no espaço propiciado pela Assembléia Nacional
Constituinte5, uma repactuação das atribuições de gestão da política habitacional
entre os entes federativos. (ARRETCHE, 2000). Na Constituição de 1988, cumpre
ressaltar, os avanços no sentido da descentralização fiscal não se fazem
acompanhar por tal repactuação (e não só na política habitacional, mas em outras
áreas de políticas sociais também), sendo esta imprecisão ainda maior no que diz
respeito ao lugar dos estados. (ALMEIDA, 2005).
A descentralização ocorre, então, face à ausência e ao
enfraquecimento do governo federal. De um lado, a redução da sua capacidade de
financiamento, manifesta na crise do FGTS, nas restrições impostas à obtenção de
empréstimos pelas COHABs e, posteriormente, entre 1992 e 1995, na interrupção
das contratações com recursos do FGTS. De outro lado, sua incapacidade em
conduzir reformas conducentes a um processo de “coordenação federativa”
(ABRUCIO, 2005). Como resultado, os estados e os municípios, premidos também
pela reorganização dos movimentos sociais urbanos e pelo reestabelecimento de
um sistema político competitivo, acabam instados a desenvolver por iniciativa própria
ações e programas habitacionais. Conforma-se, assim, um processo não-planejado
e difuso de transferência de atribuições de gestão, em que os níveis subnacionais de
governo passam a seguir uma enorme variedade de estratégias institucionais. Não
resulta daí efetiva reforma do modelo de provisão habitacional herdado do BNH e
em aguda crise desde meados da década de 1980, em outros termos, não há a

4
Embora tal conceito tenha sido formulado por Cardoso e Ribeiro (2000) em um estudo acerca da
municipalização das políticas habitacionais, considero perfeitamente possível a extensão de seu uso
para o caso dos estados.
5
Como observa Arretche (2000, p. 47), em “[...] Estados federativos, estados e municípios – porque
dotados de autonomia fiscal e financeira – assumem funções de gestão de políticas públicas ou por
iniciativa própria, ou por adesão a algum programa proposto por outro nível mais abrangente de
governo, ou ainda por expressa imposição constitucional”.
31

construção de um novo modelo de provisão habitacional de âmbito nacional e com


características descentralizadas6. (ARRETCHE, 2000).
Os estados, em particular, nessa busca por um lugar na federação
brasileira no que diz respeito às políticas habitacionais (GONÇALVES, 2009),
acabam por fazê-lo segundo dois cursos de ação, basicamente: institucionalização
de um sistema estadual, que é o caso paradigmático do estado de São Paulo; e
iniciativas de promoção públicas fortemente vinculadas a gestões governamentais,
apoiadas em fontes orçamentárias próprias e/ ou na dependência a recursos
federais. (ARRETCHE, 1996a, 2000).
Elemento central nesse contexto de “descentralização por ausência”
(CARDOSO; RIBEIRO, 2000) é o grau de institucionalização alcançado pelos
estados no que concerne à consolidação de sistemas estaduais de habitação. Tal
como define Arretche,

O grau de institucionalização de uma dada política está associado à


possibilidade da manutenção de uma oferta regular, ao longo do tempo, de
um fluxo continuado de serviços. Para tal, supõe-se que esta política conte
com um órgão encarregado de sua execução, uma burocracia especializada
nos serviços a serem oferecidos e uma fonte permanente de recursos
financeiros. (2000, p. 106).

O estado de São Paulo constitui, entre os estados brasileiros, o


exemplo maior de institucionalização de uma política estadual de habitação.
Fortemente penalizado pela crise do FGTS iniciada em meados da década de 1980,
presencia na década de 1980 o início de um processo sustentado de rompimento
com o padrão centralizador de decisão e recursos configurado no modelo BNH. Em
função das medidas tomadas pelas gestões 1983-86 e 1987-90, a Companhia de
Desenvolvimento Habitacional – CDH, posteriormente transformada em Companhia
de Desenvolvimento Habitacional e Urbano – CDHU, passa a operar
crescentemente com recursos estaduais, provenientes do Tesouro do Estado e da
Loteria da Habitação. (ARRETCHE; CARVALHO, 1990; ROYER, 2002).

6
Segundo Arretche (2000, p. 23), há “[...] uma larga distância entre, de um lado, a possível
emergência de programas sociais em um número – mesmo que seja expressivo – de localidades com
administrações mais diretamente sensíveis aos problemas populares e, de outro, a construção de um
novo modelo de prestação de serviços sociais de âmbito nacional com características
descentralizadas”.
32

Em 1989, é aprovada uma lei de iniciativa do executivo que eleva em


um 1% a alíquota do ICMS, vinculando estes recursos à habitação popular, sob
responsabilidade da CDHU. Desde então, por meio da sucessiva aprovação dessa
lei na Assembléia Legislativa, os valores advindos dessa fonte têm constituído um
fluxo permanente de recursos para a produção habitacional pública, consolidando-se
dessa maneira um Sistema Estadual de Habitação. Para isso, também contribui,
cabe acrescentar, a existência de uma empresa estadual – a CDHU, herdada de
uma política prévia e dotada de um corpo técnico capaz de formular e implementar
programas habitacionais, e a pressão política do empresariado da construção civil,
interessado na regularidade destes recursos. (ROYER, 2002; ARRETCHE, 1996a,
2000).
Entre os demais estados da federação, a tendência geral também foi o
apoio dos executivos estaduais na capacidade técnica herdada da política prévia –
ou seja, nas COHABs – para implementar suas políticas. Não se verificou, contudo,
a institucionalização de fontes permanentes de recursos, nada garantindo que os
programas habitacionais implementados, fortemente vinculados às gestões
governamentais que lhes deram origem, não fossem interrompidos tão logo iniciasse
a gestão seguinte. De um lado, houve estados que se valeram apenas ou
predominantemente de recursos orçamentários próprios, como o estado do Ceará,
que logrou uma oferta regular de serviços habitacionais, e o estado de Goiás, que se
constitui enquanto exceção à tendência geral de aproveitamento da capacidade
técnica herdada do modelo BNH.
De outro, houve estados, como Pernambuco, Bahia e Rio Grande do
Sul, que apostaram na dependência de recursos federais, correndo o risco
relacionado à escassez e inconstância dos mesmos e à necessidade de barganha
federativa para acessá-los. O Rio Grande do Sul, vale destacar, não obteve sucesso
com esta estratégia, entrando sua COHAB em falência. Por fim, houve estados que
se apoiaram simultaneamente em recursos federais e estaduais. É o caso do Pará e
do Paraná, tendo este último, assim como o Ceará, obtido uma oferta regular de
serviços habitacionais durante um período de tempo determinado. (ARRETCHE,
2000, 1996a).
Em suma, o problema do lugar dos estados na política nacional de
habitação, emergindo na década de 1980, vai sendo respondido, em meio à
ausência federal, pelos próprios estados. Instala-se uma tendência à ampliação do
33

papel desempenhado pelos estados no setor habitacional, havendo diversas


experiências a comprovar o esgotamento do período anterior, em que os estados
comportavam-se, por meio de suas COHABs, enquanto meros braços operacionais
do BNH. É o estado de São Paulo, contudo, que se notabiliza pelo grau de
institucionalização alcançado. Os demais estados, afora os casos do Ceará e do
Paraná, que obtiveram algum êxito, marcaram-se por fraca institucionalização.
Em geral, prevalecem respostas fracas ao problema, uma vez que não
acompanhadas da adoção de estratégias de “coordenação federativa” (ABRUCIO,
2005) ou, em termos mais específicos, de “políticas ativas de descentralização”
(ARRETCHE, 2000) por parte do governo federal. Dada a heterogeneidade entre as
unidades da federação, a “descentralização por ausência” mostra-se também
perversa na medida em que se acaba por condenar os estados mais pobres, com
menor volume de recursos administrativos, técnicos e financeiros, à virtual
inexistência de programas sociais de habitação (CARDOSO; RIBEIRO, 2000;
ARRETCHE, 1996a). Fica pendente uma efetiva reforma da política nacional de
habitação e, assim, uma repactuação quanto ao lugar que nela devem ocupar os
entes federativos, entre eles, os estados.

2.2 GOVERNO FHC: PERSISTÊNCIA DO PROBLEMA

Em 1995, assume o governo federal a coalizão articulada em torno de


Fernando Henrique Cardoso – PSDB, cuja candidatura, no ano anterior, fora
largamente impulsionada pelo sucesso do Plano Real na contenção da inflação e na
estabilização da economia. Na área urbana e habitacional, sinaliza-se, a partir do
diagnóstico oficial realizado e das medidas inicialmente tomadas, a adoção de uma
política sensível às análises técnicas e críticas feitas pela oposição ao SFH durante
décadas e, assim, às propostas de reforma que, retomando a agenda da década de
1980, em boa medida derrotada, vinham sendo feitas desde o início da década de
1990. (MARICATO, 1998).
Procedeu-se a uma ampla reorganização institucional, extinguindo-se o
MBES e criando, no âmbito do Ministério do Planejamento e Orçamento – MPO, a
Secretaria de Política Urbana – SEPURB, constituída por uma diretoria de habitação
e outra de saneamento. Esta estrutura apontava para a integração dos setores de
política urbana e, ademais, afastava o erro de se tratar a questão habitacional como
34

parte da assistência social, como ocorreu no governo Sarney, com a SEAC, e no


governo Collor, com o MAS. (MARICATO, 1998).
Avanços também houve com (a) a descentralização da autoridade
sobre a alocação dos recursos do FGTS; com a (b) nomeação para a Diretoria de
Habitação de um ex-representante da Central Única dos Trabalhadores – CUT no
Conselho Curador do FGTS, que tivera aí atuação destacada na passagem da
década de 1980 para a de 1990; e com a (c) redefinição do papel da CEF, que
passa a ter sua atuação limitada ao papel de agente operador dos recursos do
FGTS e agente financeiro do SFH, ao passo que à SEPURB, posteriormente
substituída pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano – SEDU, vinculada
à Presidência da República, passa a caber o papel de formulação e coordenação
das ações. (OLIVEIRA, 2000; MARICATO, 1998).
Foram criadas novas linhas de financiamento, diversificadas e dirigidas
ao consumidor, ao setor público e ao setor privado. O FGTS alocaria recursos nos
três casos, contemplando tanto a faixa de renda situada abaixo de três salários
mínimos, por meio do PRÓ-MORADIA, destinado a estados e municípios e voltado
prioritariamente à urbanização de áreas degradadas, quanto a faixa situada acima,
por meio seja do Carta de Crédito, com financiamento direto ao mutuário final e
passível de ser empregado em várias finalidades que não apenas a compra de
imóveis novos, seja do Apoio à Produção, voltado às construtoras. O OGU estaria
destinado apenas ao segundo caso e à faixa de renda abaixo de três salários
mínimos, através do Habitar-Brasil, com características similares ao PRÓ-
MORADIA. Os recursos próprios da CEF, por sua vez, estariam reservados somente
aos segmentos remediados da população. (OLIVEIRA, 2000).
Entretanto, de modo não muito diferente dos governos anteriores, os
investimentos habitacionais foram baseados em sua maior parte no SFH, sendo
diminutos os recursos não-onerosos, do OGU. (MARICATO, 1998). Nesta fonte,
ademais, diferentemente do avanço havido no que diz respeito ao FGTS, cuja
alocação passou a se dar mediante a observância de critérios técnicos de avaliação,
a concessão dos recursos tendeu a ocorrer de maneira mais frouxa, por meio de
emendas orçamentárias. Soma-se a este quadro outra limitação, de enorme
centralidade no governo Fernando Henrique. Trata-se das restrições
macroeconômicas resultantes do ajuste fiscal promovido pelo Plano Real,
35

causadoras de impactos desastrosos sobre as políticas sociais, em específico, sobre


a habitacional. (CARDOSO, 2002/03; VALENÇA; BONATES, 2010).
No primeiro mandato (1995-1998) do governo Fernando Henrique, tem-
se, de um lado, os reflexos do baixo dinamismo da economia sobre o FGTS. De
outro, em função de determinações do Banco Central e do Conselho Monetário
Nacional, os rígidos critérios estabelecidos pela CEF para o acesso aos
empréstimos federais, entre os quais a comprovação de capacidade de
endividamento pelos estados e municípios, medida constitutiva do ajuste fiscal em
curso. Em 1998, como conseqüência da crise econômica e financeira e do acordo
realizado com o Fundo Monetário Internacional – FMI, tais regras endurecem-se
ainda mais, sendo as exigências impostas por tal instituição normatizadas pela
Resolução nº 2.521 do Conselho Monetário Nacional, que suspendeu as operações
de crédito com recursos do FGTS para qualquer nível governamental. Radicalizam-
se no segundo mandato (1999-2002), então, as restrições macroenômicas à política
habitacional herdadas do primeiro, o que também se verifica no âmbito do OGU,
cujos recursos são reiteradamente contingenciados na busca pela realização de
superávits nas contas públicas. (CARDOSO, 2002/03).
Com o governo Fernando Henrique Cardoso, inicia-se um esforço com
vistas à “coordenação federativa” (ABRUCIO, 2005) da política nacional de
habitação, realizando-se encaminhamentos não sem importância para o problema
do lugar dos estados. É instituído um programa voltado para descentralização da
autoridade sobre a alocação dos recursos do FGTS. No curto espaço de quatro
meses, todos os estados brasileiros, inclusive o Distrito Federal, haviam instituído
sua instância colegiada, com representação paritária e amparada técnica e
administrativamente pelo governo estadual para o exercício de suas atividades.
Além de viabilizar o controle sobre um montante considerável de recursos, oferecia-
se aos governos estaduais simultaneamente a “cenoura”, dada a possibilidade de
obterem composição majoritária nas instâncias colegiadas a serem criadas, e o
“chicote”, dada a possibilidade de perda de 50% dos recursos em caso de não-
adesão. (ARRETCHE, 2000).
Mas essa descentralização da autoridade sobre a alocação dos
recursos do FGTS ocorreu em paralelo à estratégia de combate à inflação adotada
com o Plano Real, que tinha como componente central a negociação das dívidas
estaduais. Os termos desta mudam radicalmente no governo Fernando Henrique,
36

sendo impostas condições restritivas com vistas ao ajuste das contas estaduais:
metas de endividamento total, superávit primário, gasto com salários, arrecadação
de impostos e privatização de empresas estaduais. Em 2000, segue-se à
negociação das dívidas estaduais a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal –
LRF, uma resposta específica ao desafio de coordenar e disciplinar o
comportamento fiscal dos entes federados, sobretudo dos estados e municípios.
(ALMEIDA, 2005).
Dessa maneira, dividiam-se os governadores entre os que estavam ou
não fazendo seu “dever de casa”, em outros termos, entre os que estavam ou não
adotando medidas destinadas à contenção do déficit público. Ao mesmo tempo,
criavam-se incentivos para a reestruturação das COHABs e, para aquelas já
excessivamente endividadas com o governo federal, tais incentivos convertiam-se
em uma política de desfinanciamento. Como resultado, 12 das 44 COHABs
herdadas do modelo de política habitacional constituído no regime militar sob o BNH
decretaram falência ou diversificaram suas atividades, passando a operar como
institutos de desenvolvimento urbano e não mais como agências de promoção
pública de habitação de baixa renda. (ARRETCHE, 2002).
Após três anos sem concessão de empréstimos com recursos do
FGTS, como decorrência de deliberação feita por seu Conselho Curador em 1992,
as contratações voltam a ocorrer, mas sob medidas fortemente restritivas à
promoção pública, que combinavam análise da capacidade de pagamento e
endividamento do setor público, gestão seletiva das linhas de financiamento
(priorizando o Carta de Crédito em detrimento do PRÓ-MORADIA7) e política de
desfinanciamento das COHABs. Em 1998, em função de acordo realizado com o
FMI, todas essas medidas são radicalizadas, impedindo-se empréstimos do FGTS
para estados e municípios e, assim, para a rede de empresas públicas de habitação.
Se a descentralização ocorrida com a instituição das instâncias
colegiadas estaduais para alocação dos recursos do FGTS significou algum grau de
indução por parte do governo federal com vistas à redefinição de competências
entre os entes federados, a “coordenação federativa” (ABRUCIO, 2005) em questão
permaneceu restrita ao âmbito desta fonte de recursos, que, por si só, mesmo não

7
Em outros termos, privilegiando o financiamento ao consumo em detrimento do financiamento à
promoção pública.
37

estando sujeita a medidas de ajuste fiscal ou a uso clientelístico, impõe, em função


de seu caráter oneroso, constrangimentos ao atendimento à faixa de renda situada
abaixo de três salários mínimos. Se havia no governo Fernando Henrique uma
burocracia articulada e coesa em torno da descentralização e da reforma da política
nacional de habitação, esta descentralização e essa reforma, além de terem se
mostrado falhas no âmbito a que se restringiram, dadas as limitações
macroeconômicas já referidas, não se estenderam para além do SFH, no sentido da
constituição de um Sistema Nacional de Habitação.

2.3 GOVERNO LULA: RESOLUÇÃO DO PROBLEMA?

Em 2002, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva – PT para a


presidência, abrem-se expectativas para a institucionalização de uma nova política
habitacional e urbana, coerente com a agenda de reformas que desde a década de
1980 se procurava imprimir ao setor e, em especial, com as concepções que vinham
sendo debatidas por técnicos e acadêmicos progressistas e militantes de
movimentos sociais no âmbito do Fórum Nacional pela Reforma Urbana – FNRU. É
criado o Ministério das Cidades, a ele passando a estar vinculados os diversos
setores da política de desenvolvimento urbano, com a criação das secretarias de
habitação, saneamento ambiental e mobilidade urbana. É instituída, ademais, uma
quarta secretaria, dedicada especialmente ao planejamento territorial e à
regularização fundiária, temática que corta transversalmente todos os setores
aludidos. (MARICATO, 2006; BONDUKI, 2008a).
A criação do Ministério das Cidades é histórica, já que, por um lado, é o
mais importante órgão nacional responsável pela questão urbana e habitacional
desde a extinção do BNH e, por outro, sua concepção pressupõe uma ruptura com a
tradicional fragmentação que tem sido a regra no trato da questão urbana no âmbito
da gestão pública. (BONDUKI, 2008a). Ademais, cabe ressaltar o formato
participativo que o acompanha, conformado por conferências, como a Conferência
Nacional das Cidades, e conselhos, como o Conselho Nacional das Cidades e o
Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, instâncias
que tendem a se replicar nos níveis inferiores de governo, ou seja, nos estados e
municípios.
A despeito desses avanços no âmbito institucional, aí mesmo e
também no que diz respeito à questão financeira as limitações são grandes. De um
38

lado, a fraqueza institucional do Ministério das Cidades frente à CEF e face à política
de alianças do governo. De outro, exacerbando o (velho) conflito da equipe
ministerial com a CEF e, por extensão, com o Ministério da Fazenda e toda a área
econômica, tem-se a manutenção da política econômica ortodoxa do governo
Fernando Henrique Cardoso. (BONDUKI, 2008a, 2009).
Mesmo sob tais limitações e, em especial, sob as restrições dadas pelo
ajuste fiscal nos primeiros anos do governo Lula, os recursos destinados ao
financiamento residencial foram ampliados tanto para o mercado privado quanto
para a baixa renda a partir das mudanças concebidas em 2004 e 2005, em
consonância com uma das teses inscritas no Projeto Moradia, que, elaborado em
2001, compunha a proposta do novo governo para a política urbana e habitacional.
Tratava-se da necessidade de ampliar o mercado privado, restrito ao segmento de
luxo, em direção às classes médias, e concentrar os recursos públicos
(orçamentários) e semipúblicos (FGTS) na baixa renda, onde se concentra mais de
90% do déficit habitacional do país. (INSTITUTO CIDADANIA, 2000).
No primeiro caso, duas medidas foram adotadas – a Lei 10.931, de
2004, que conferiu maior segurança jurídica ao mercado privado, bastante
fragilizado pela alta inadimplência, e a Resolução 3.259 do Conselho Monetário
Nacional, de 2005, que obrigou os bancos a cumprirem a exigência legal (regra dos
65%) de investir em habitação os recursos da poupança. Como resultado, há uma
elevação de 2,2 para 27 bilhões, entre 2002 e 2008, no investimento em habitação
do SBPE. O mercado imobiliário, restrito desde a extinção do BNH ao segmento de
luxo, passa a se expandir continuamente. Em meio a um cenário macroeconômico
cada vez mais favorável, observa-se uma reestruturação do capital no setor, que
passa por movimentos de concentração e expansão geográfica, além de diversificar
sua atuação com o investimento em reserva fundiária e nos mercados de renda mais
baixa. (BONDUKI, 2009; CARDOSO; LEAL, 2009).
No segundo caso, desafiando-se a camisa de força do forte
contingenciamento nos gastos federais, são tomadas providências para ampliar os
financiamentos e os subsídios, com vistas ao atendimento da baixa renda. Destaca-
se a Resolução n° 460 do Conselho Curador do FGTS, de dezembro de 2004, que
determina que recursos auferidos pelas aplicações financeiras que excederem as
necessidades de remuneração básica do fundo deverão ser computados como
subsídios, a serem incluídos nas operações de crédito habitacional para a faixa de
39

renda de até 3 salários mínimos. Como resultado, em 2005, o governo federal


dispõe do maior orçamento desde início dos anos 80 para financiamento
habitacional, isso por meio de várias fontes (OGU, FAT, FAR e FDS) mas em
especial por meio do FGTS, em função de seu ótimo desempenho e da resolução
referida. Em 2006 e 2007, como será demonstrado, com o início da alocação de
recursos no FNHIS e com o lançamento do PAC, além das contrapartidas estaduais,
estes recursos são mais uma vez sensivelmente ampliados. (CARDOSO; LEAL,
2009; MARICATO, 2006; BONDUKI, 2008a; VALENÇA; BONATES, 2010).
Também digno de nota, entre as medidas tomadas para ampliar os
recursos para habitação mesmo em meio à austeridade da política econômica, é a
criação, em 2004, do Programa Crédito Solidário, destinado à produção por auto-
gestão. Contando com financiamento a juros zero, utiliza-se do Fundo de
Desenvolvimento Social – FDS, inoperante desde sua criação em meados da
década de 1990. Ainda que os recursos alocados no mesmo sejam pouco
significativos no quadro geral dos financiamentos e restrições burocráticas
excessivas e critérios bancários incompatíveis com a habitação popular marquem a
atuação da CEF, este programa representa um avanço por resultar, pela primeira
vez, na implantação em âmbito federal de um programa voltado para o movimento
por moradia. Em 2009, com o programa Minha Casa, Minha Vida, ampliam-se os
recursos do FDS, tornando-se o Crédito Solidário, já sob outro nome, uma de suas
linhas. Persistem muitas das suas limitações, contudo.
Em 2005, é sancionada a Lei 11.124, que regulamenta o Sistema
Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS e institui, como partes do
mesmo, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e seu
Conselho Gestor – CGFNHIS. Esta lei remonta à Iniciativa Popular de Lei,
posteriormente, Projeto de Lei, do Fundo Nacional de Moradia Popular – FNM,
lançada pelo movimento de moradia em meados da década de 1990. Todavia, nela
estavam impressas as restrições da equipe econômica do governo: eliminou-se a
possibilidade de se reunir num mesmo fundo recursos onerosos (FGTS) e não-
onerosos e se removeu a vinculação de receitas do OGU, de modo que a alocação
de recursos no FNHIS, iniciada em 2006, fica a depender de um compromisso
40

pessoal do presidente Lula8; o FNHIS acaba se constituindo não como um fundo


financeiro, mas meramente contábil; e o acesso direto das cooperativas de
habitação popular ao fundo, pelo menos inicialmente, é vetado. De qualquer forma,
tem-se aí avanço, passando a habitação a contar com subsídios diretos, elemento
indispensável para o atendimento da baixa renda. (BONDUKI, 2008a; SANTOS
JÚNIOR, 2009).
A despeito das dificuldades institucionais internas ao ministério,
agravadas a partir de 2007 com a desarticulação da equipe ministerial, as condições
econômicas tornam-se cada vez mais favoráveis, sendo alterada a rígida política de
contenção de despesa vigente desde o início do governo. Em 2007, é lançado o
Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, que, com grandes obras de infra-
estrutura, contempla investimentos também na área social e urbana e, assim, ações
dirigidas para a provisão habitacional, o desenvolvimento institucional e, sobretudo,
a urbanização de assentamentos precários. Recursos orçamentários inusitados são
destinados ao setor habitacional, de modo que entre 2002 e 2008 os recursos não-
onerosos para produção habitacional (OGU e subsídio do FGTS) multiplicam-se por
vinte. (BONDUKI, 2009).
No segundo semestre de 2008, instala-se a crise econômica
internacional, sendo o setor imobiliário, desde 2005 em pleno processo de
ampliação da produção, pego no contrafluxo. O pacote habitacional Minha Casa,
Minha Vida – MCMV, lançado em meados de 2009, tem origem nesse quadro,
sendo uma das medidas anticíclicas adotadas pelo governo com vistas a
contrarrestar os efeitos da crise sobre a economia brasileira. Maturado inicialmente
na Casa Civil e no Ministério do Planejamento e com a meta de 1 milhão de
unidades, tem como foco a dinamização da construção civil, por seus efeitos
multiplicadores e seu impacto positivo sobre o desemprego, ameaça concreta na
passagem de 2008 para 2009. (CARDOSO; LEAL, 2009; BONDUKI, 2009).
Os impactos sobre a economia e o mercado imobiliário foram
alcançados através do MCMV e, de resto, da manutenção do PAC e da continuidade

8
A PEC nº 285/2008, também conhecida como PEC Moradia Digna, propõe a obrigatoriedade
constitucional, durante trinta anos ou enquanto não for eliminado o déficit habitacional, da vinculação
de recursos orçamentários à política habitacional, nas porcentagens de 2% dos recursos do OGU e
1% dos recursos dos orçamentos dos estados e municípios. Até o momento, não se logrou êxito na
sua aprovação.
41

da expansão das fontes tradicionais de financiamento habitacional – FGTS e SBPE.


Ademais, como sustenta Bonduki (2009), ao prever a aplicação de R$ 26 bilhões em
subsídio, além do que estava previsto no PAC, o governo federal acaba por adotar,
na prática, o cenário mais otimista do Plano Nacional de Habitação – PlanHab, que
vinha sendo elaborado sob a coordenação do Ministério das Cidades. Mantendo-se
este patamar, o que não está previsto no programa, seria possível produzir um efeito
real no déficit.
A despeito dos avanços ocorridos no que diz respeito ao financiamento
e aos subsídios, o MCMV traz consigo retrocessos nos demais eixos do
Projeto Moradia e do PlanHab, sendo frágeis suas conexões com uma estratégia de
planejamento urbano-fundiário e institucional. O programa inverte a lógica até então
buscada e presente na base do SNHIS de fortalecimento da atuação do setor
público na promoção de moradias ao privilegiar a promoção privada e, correndo
seus recursos por canais outros que não o FNHIS, escapa aos mecanismos de
controle social criados, em específico, o ConCidades e o CGFNHIS, enfraquecendo
mais uma vez o SNHIS. Soma-se a isso: o foco na produção de unidades prontas,
em detrimento da adoção de alternativas outras que, a custos unitários mais
reduzidos, têm como potencial o atendimento a número maior de famílias; e o fato
de que a distribuição das unidades por faixa de renda, contrariamente à propaganda
oficial, é regressiva, apresentando baixa aderência ao perfil do déficit habitacional
acumulado. (BONDUKI, 2009; ROLNIK; NAKANO, 14 mar. 2009; CARDOSO; LEAL,
2009).
No governo Lula, desenvolvem-se medidas mais abrangentes no
sentido da “coordenação federativa” (ABRUCIO, 2005) da política habitacional. Com
o Ministério das Cidades e, em específico, com o SNHIS, como observa Gonçalves
et alli (2008), a União fortalece seu papel enquanto normatizadora e articuladora no
âmbito dessa política setorial, levando a cabo uma “política ativa de
descentralização” (ARRETCHE, 2000) com vistas à assunção ordenada de tarefas
de gestão pelos estados e municípios. A aplicação descentralizada dos recursos do
FNHIS fica a depender da replicação pelos estados e municípios da estrutura
institucional montada em nível federal, ou seja, de que os mesmos implementem
seus fundos, conselhos e planos de habitação de interesse social. (BRASIL, 2008).
Tal vem ocorrendo, contudo, com muito vagar. Isso porque, dentre outros fatores, a
estrutura de incentivos presente na estratégia de indução adotada acaba sendo
42

contaminada por elementos como a não vinculação de receitas no FNHIS e pelo fato
de programas de relevo como o Minha Casa, Minha Vida correrem por fora desse
fundo.
***
O lugar dos estados na política nacional de habitação coloca-se
enquanto problema na esteira da desarticulação financeira e institucional do sistema
BNH/SFH em meados da década de 1980. É a partir daí que se instala, como
observa Arretche (1996a), uma tendência à autonomização das bases de
formulação e implementação das políticas habitacionais estaduais, passando os
governos estaduais a seguir estratégias institucionais as mais variadas, com
distintos graus de institucionalização e encaminhamentos para as empresas públicas
de habitação herdadas do regime militar.
Nesse processo, ainda que se tenha rompido a integração verticalizada
característica do BNH e do período militar, os rumos seguidos pelas políticas
habitacionais estaduais, guardadas sua margem de autonomia, que se torna muito
maior, continuam a ser condicionados pelos rumos seguidos pela política
habitacional em nível federal. No governo Fernando Henrique (1995-2002) e,
sobretudo, no governo Lula (2003-2010) são levados a cabo alguns esforços com
vistas ao equacionamento do problema do lugar dos estados na política nacional de
habitação. A resolução deste problema, contudo, continua em aberto.
Passemos àquele que é o objeto central desta dissertação – a
reconstrução da trajetória político-institucional da política pública de habitação
popular levada a cabo pelo governo do Estado de Goiás, desde 1983 até 2010.
Levando em consideração os condicionantes advindos da política nacional de
habitação mas também e, sobretudo, a dinâmica interna da própria política
habitacional goiana, acompanhemos os sucessivos governos e programas
habitacionais adotados. Vejamos como uma determinada unidade da federação, o
Estado de Goiás, vem resolvendo o problema de seu lugar na política nacional de
habitação.
43

Quadro 1 – Condicionantes federais das políticas habitacionais estaduais


*Crise do padrão de financiamento - redução continuada dos recursos federais (FGTS + Tesouro) para
habitação, de modo que: em 1990, 22% do que eram em 1980.
*Ascendência das autoridades monetárias sobre o setor. Em 1986 - extinção do BNH e transferência para
CEF. Em 1988 - Resoluções nº 1.464 e 1.479 do BACEN: corte de 83% dos créditos já contratados com as
COHABs; Circular Normativa nº 58 da CEF: transferência para a iniciativa privada dos créditos para
1983-1995
habitação
Desarticulação *À popular.
crescente escassez de recursos, soma-se a imprevisibilidade decorrente da necessidade de barganha
financeira e federativa para acessá-los, em meio à fragmentação institucional do setor no âmbito federal (burocracia
institucional fragilmente insulada: CEF e 'via-crúcis' ministerial).

*Retomada do federalismo e da competição eleitoral. Ressurgimento dos movimentos sociais urbanos.


*Seja no espaço constituinte, seja por iniciativa do governo federal - não ocorre repactuação da
distribuição de competências entre os entes federados.
*1992-95: interrupção dos empréstimos com recursos do FGTS.
*Persistência do baixo dinamismo econômico e de seus efeitos sobre a arrecadação líquida do FGTS.
*Retomada dos empréstimos com recursos do FGTS, após interrupção durante três anos (1992 a 1995).
*Descentralização da autoridade sobre a alocação de recursos do FGTS - instituição por todos os estados
das instâncias colegiadas.
*Entretanto, em um ambiente de ajuste fiscal e mudança nos termos de renegociação das dívidas
estaduais - restrições à concessão de empréstimos às empresas públicas de habitação (Pró-Moradia):
necessidade de comprovação de capacidade de endividamento.
*Gestão seletiva das linhas de financiamento - prioridade ao Carta de Crédito (financiamento ao
1995-2002
consumo) em detrimento do Pró-Moradia (promoção pública).
Governo FHC
*Como resultado: incentivos à reestruturação das COHABs/ política desfinanciamento das COHABs.
*Em 1998 - acordo com FMI/ Resolução 2.521 do CMN: radicalização das restrições aludidas. Suspensão
das operações de crédito para as empresas públicas de habitação (Pró-Moradia).
*OGU: diferentemente do FGTS - ausência de critérios técnicos para alocação dos recursos. Parcos e
instáveis recursos. Emendas orçamentárias e necessidade de barganha federativa. Como no FGTS -
contingenciamento dos recursos.
*Disciplina fiscal exagerada - também implicou cortes nos orçamentos estaduais para habitação.
*Estratégia de coordenativa federativa restringe-se ao FGTS, sob fortes restrições a seu empréstimo ao
setor público. Não se avança no sentido da constituição de um sistema nacional que abarque também
recursos não-onerosos.
*A despeito da manutenção da política econômica ortodoxa do governo FHC, ocorre, progressivamente e
sobretudo após 2005 - ampliação do volume de recursos para financiamento e subsídio à promoção
habitacional.
*FGTS: ótimo desempenho, com a retomada do crescimento da economia. Ademais: Resolução 460 do
CCFGTS
*Crescimento dos recursos não-onerosos, tanto orçamentários quanto, em função da resolução acima,
do FGTS.- Lei 11.124/2005: dá início à institucionalização desse sistema e à estratégia de coordenação
*SNHIS
federativa que ele traz consigo. Aplicação descentralizada dos recursos do FNHIS - condicionada à
replicação pelos estados e municípios da estrutura institucional montada em nível federal (fundo,
2003-2010
conselho e plano
*PAC e MCMV: desó
não HIS).
confirmam como acentuam, aquele a partir de 2007 e este a partir de 2009, a
Governo Lula
tendência referida de crescimento dos recursos não-onerosos.
*MCMV, diferentemente da estratégia presente no SNHIS e no PAC - privilégio à promoção privada e não
à pública. de incentivos do SNHIS para adesão dos estados e municípios - contaminada por: (i) seu
*Estrutura
fundo, o FNHIS, não conta com vinculação orçamentária, o que gera incertezas quanto à continuidade da
alocação de recursos no mesmo; e (ii) os recursos do MCMV, principal programa federal atual, correm
por
*PECfora do FNHIS.
Moradia Digna - Não foi aprovada. Caso tivesse sido, teria significado importante avanço no sentido
da coordenação federativa e da institucionalização do SNHIS.
Fonte: Elaboração própria, a partir da bibliografia consultada para o capítulo 2 da dissertação.
44

3 POLÍTICA HABITACIONAL EM GOIÁS SOB OS GOVERNOS

DO PMDB

3.1 MEADOS DOS ANOS 80 – REDEMOCRATIZAÇÃO E POLÍTICA

HABITACIONAL ESTADUAL

Em meados da década de 1980, a população goiana, em geral, e


goianiense, em particular, vivencia, a um só tempo, os efeitos perversos do
desenvolvimento econômico por que passou o estado de Goiás nas décadas
anteriores e a possibilidade de vocalizar politicamente a insatisfação daí decorrente.
Somadas à progressiva ausência do governo federal no âmbito da política pública de
habitação, estas são, basicamente, as condições que estiveram na base da
reorientação havida na posição do executivo estadual no que diz respeito ao trato da
problemática habitacional. Vejamos com mais vagar esse cenário e, posteriormente,
passemos à apresentação dos seguidos esforços empreendidos pelo governo do
Estado de Goiás no sentido de a ele responder e, assim, constituir bases próprias
para a implementação da política setorial de habitação.
O estado de Goiás passa por profundas transformações em suas
estruturas produtivas a partir do final da década de 1960, para o que contribui
decisivamente a atuação do Estado nacional-desenvolvimentista, seja a partir de sua
esfera federal seja por meio de sua esfera estadual. Como decorrência de tais
transformações, assentadas na modernização agropecuária do cerrado brasileiro, a
sociedade goiana chega bem mais complexa e dinâmica à década de 1980,
marcando-se por processos de urbanização e metropolização acelerados. Coloca-
se, assim, com força cada vez maior, a necessidade de expansão dos meios de
consumo coletivos – habitação, saneamento, educação, saúde, etc. As
reivindicações veiculadas por movimentos sociais na cidade e no campo e a busca
dos governantes por legitimação política, em meio à reabertura democrática e à
emergência de uma sociedade mais pluralista, só fazem confirmar a relevância
dessa necessidade. (SILVA, 2003).
A população de Goiânia, de acordo com os dados do IBGE, cresceu
segundo taxas consideráveis nas décadas de 1960 e 1970, menores apenas que a
verificada na década de 1950, e teve seus maiores incrementos absolutos. Na
45

década de 1960, o incremento na população goianiense é de 230 mil habitantes e a


taxa de crescimento geométrico anual é de 10%. Na década de 1970, o incremento
é ainda maior, de 340 mil habitantes, e a taxa em tela é de 6,5%. Como resultado,
em 1980, a capital do estado de Goiás conta com 717.519 habitantes, quase o dobro
do que possuía em 1970. E na década de 1980, vale dizer, ganha força o processo
de desconcentração metropolitana, de modo que, se a taxa de crescimento de
Goiânia decresce de 6,5 para 2,3%, nos municípios vizinhos a mesma taxa sobe de
5,9 para 9,8%.
As razões desse dinamismo demográfico verificado na região
metropolitana de Goiânia e, de resto, em outros municípios de maior centralidade na
economia estadual vinculam-se ao processo de industrialização do campo iniciado
no final da década de 1960 no estado de Goiás e em outras áreas do cerrado
brasileiro. Este, provocando vigoroso crescimento agropecuário, contribui para que,
na década de 1970, enquanto o Brasil crescia a 10,1 e a 7,2% em seus dois
qüinqüênios, o estado de Goiás crescesse a taxas maiores, de 14,8 e 8,9%. (SILVA,
E. 2007). Por outro lado, realizando-se por meio da incorporação de progresso
técnico à agricultura e acarretando aumento da concentração fundiária, resulta em
expulsão e deslocamento massivos de trabalhadores do campo para as cidades,
pequenas, médias e grandes, constituindo-se Goiânia e sua periferia no caso mais
agudo de tal processo. (ESTEVAM, 2004; MUELLER, 1983; GUIMARÃES; LEME,
2002).
Também nas décadas de 1960 e 1970, simultaneamente à chegada,
acima referida, de migrantes expulsos do campo e, ademais, à adoção pelo regime
militar de uma política salarial que implicou a pauperização e o agravamento das
condições de reprodução da força de trabalho urbana, processava-se uma
redefinição das formas através das quais, até então, ocorria a produção e
apropriação do espaço urbano goianiense. Como decorrência da instituição e
operação do Sistema Financeiro da Habitação – SFH bem como em função da nova
regulamentação urbanística forjada em torno das leis n° 4.526/71 (municipal) e
6.766/79 (federal), constituem-se novas bases para o capital incorporador
imobiliário, que passa a atuar no sentido do produto acabado (terra mais casa), em
contraposição ao simples parcelamento, hegemônico no período 1950-1964.
(CHAVES, 1985; MARICATO, 1996).
46

Nesse novo estágio do processo de urbanização de Goiânia, o


parcelamento tradicional prossegue, porém à margem do mercado imobiliário
capitalista que então se viabilizava por meio do SBPE e do FGTS, verticalizando o
centro e expandindo a periferia por meio de conjuntos habitacionais. O parcelamento
tradicional, assim, ou era empurrado para os municípios periféricos, onde a
legislação urbanística, permissiva, tornava possível o loteamento sem infra-estrutura,
ou ocorria, embora de maneira menos expressiva, no próprio município pólo,
avançando ilegalmente, sob iniciativa seja particular seja do poder público, sobre o
que ainda restava de área rural. Ao mesmo tempo, as áreas de posse, que desde
muito cedo vinham crescendo em paralelo à cidade planejada, passam a representar
cada vez mais um empecilho ao circuito do capital imobiliário. (CHAVES, 1985;
MOYSÉS, 2004).
Na segunda metade da década de 1970, então, como decorrência da
valorização muito rápida dos terrenos e do conseqüente aumento da pressão para
expulsão dos moradores de áreas de posse, intensificam-se os conflitos fundiários
em Goiânia. Em 1979, este processo atinge seu clímax, com a ocupação, na região
noroeste da cidade, do Jardim Nova Esperança. Ocorrendo de maneira organizada e
coletivamente, esta ocupação impõe-se como um marco divisório da luta pela
moradia em Goiânia (CHAVES, 1985; MOYSÉS, 2004), que ganha contornos cada
vez mais nítidos ao longo da década de 1980 – novas ocupações coletivas ocorrem,
proliferam comissões e associações de moradores ao nível das áreas de posse e se
constituem instâncias federativas com vistas à articulação e coordenação dos
esforços reivindicatórios em curso na cidade. Conforma-se, assim, um vigoroso
movimento por moradia na capital goiana, que conta com o aporte e o agenciamento
(DOIMO, 1996) de instituições progressistas de peso da sociedade civil local e se
inscreve ativamente nas articulações para a criação dos movimentos por moradia
nacionais. (BARBOSA; CABANNES; MORAES, 1997).
Em 1982, com a volta das eleições para governador, após anos de
nomeação do mesmo pelo executivo federal, Íris Rezende – PMDB sai vitorioso,
substituindo no ano seguinte o governador “biônico” Ary Valadão – ARENA/PDS.
Retomando seu projeto de governar o Estado, abortado em 1969 com a cassação
47

do mandato de prefeito de Goiânia, Íris9 dá início a um longo ciclo de hegemonia do


PMDB na política estadual, que se estende até 199810. Seu governo, de estilo
marcadamente populista e com uma plataforma política que enfatizava a
participação, dá ênfase, no campo da política social e, em particular, no da política
habitacional, à construção de moradias em sistema de mutirão, com forte apelo
midiático e capacidade mobilizatória. Os mutirões tornam-se parte indissociável, uma
marca identitária de seus governos e de sua pessoa, além de poderoso trunfo
político-eleitoral, deitando raízes na memória da população goiana.
Na esteira da complexificação e urbanização da sociedade goiana e
goianiense, o crescimento das ocupações urbanas na capital e o caráter coletivo e
organizado que as mesmas adquirem a partir de 1979, de um lado, e o retorno do
mecanismo eleitoral em 1982, que vincula o destino político dos governadores à
atenção que os mesmos prestassem às condições de reprodução das classes de
baixa renda, de outro, impõem uma inflexão na posição do governo estadual no que
diz respeito à problemática habitacional. Se no governo Ary Valadão (1979-1992) já
se inicia esta inflexão, quando integrantes da ocupação do Jardim Boa Vista,

9
A trajetória política de Íris, conforme descreve Cunha (2008), remonta às décadas de 1950, no
movimento estudantil e no cargo de vereador em Goiânia, e de 1960, quanto este é eleito, em 1962, o
deputado estadual mais votado e, em seguida, em 1965, prefeito de Goiânia, notabilizando-se pelos
mutirões realizados para a construção de equipamentos públicos. Com a cassação de seu mandato
de prefeito e de seus direitos políticos pelo regime militar em 1969, Íris, sem nenhum cargo eletivo,
prossegue alimentando sua popularidade pelo estado à frente dos júris de que participou enquanto
advogado criminal na década de 1970. Engaja-se na tarefa de reorganização do MDB/PMDB, ao qual
retorna tão logo expira sua cassação em 1979. Símbolo das vítimas da ditadura, torna-se o candidato
natural do PMDB para o governo do Estado, vencendo na disputa interna com Mauro Borges, filho de
Pedro Ludovico Teixeira e governador entre 1960 e 1964, e Henrique Santillo, membro mais à
esquerda do partido e governador entre 1987 e 1990. Em 1982, assim, numa eleição entre o
“cassado” e o “cassador”, Íris vence Otávio Lage – PSD com larga vantagem, com 61% dos votos,
conforme dados apresentados por Moysés (2004). Em seu governo, confirma e amplia a imagem de
bom administrador público, dinâmico, “tocador de obras” e popular. Torna-se o sucessor do
“ludoviquismo” e o líder do seu grupo, abrindo um ciclo de hegemonia na política estadual que
perduraria até 1998 e que lhe renderia, para fora do estado, além do reconhecimento em função do
Programa Mutirão da Moradia e da projeção no movimento nacional pela redemocratização, o cargo
de Ministro da Agricultura (1986-1989), no governo Sarney, e de Ministro da Justiça (1997-1998), no
governo Fernando Henrique Cardoso. O “irismo” cai em 1998, com a vitória de Marconi Perillo –
PSDB para o governo estadual. É o início do “marconismo”.
10
Nas eleições desse período, ou seja, nas eleições de 1982, 1986, 1990 e 1994, conforme observa
Assis (1997), o PMDB elegeu, no estado de Goiás, todos os governadores, todos os senadores,
59,70% dos deputados federais e 49,69% dos deputados estaduais. As explicações para essa
hegemonia, para além das especulações em torno do eventual impacto do carisma de Íris Rezende,
de sua inegável capacidade de mobilização do eleitorado e do papel estruturante que as eleições
para governador cumprem na conformação dos resultados eleitorais em geral, adviriam, segundo
esse mesmo autor, do fato de que a fragmentação da ARENA/PDS ao longo dos anos 80 e a
ausência de partidos eleitoralmente relevantes à esquerda do MDB/PMDB no espectro ideológico
propiciaram o espaço para o êxito eleitoral desta agremiação.
48

também na região noroeste de Goiânia, são reassentados em terreno próximo, na


Vila FINSOCIAL, é com o governo Íris Rezende (1983-1986) que ela se confirma,
mantendo-se nos governos seguintes do PMDB.
Nos governos do PMDB, embora persista a atuação no sentido da
despolitização e do desmantelamento da luta coletiva pela posse da terra, a reação
truculenta e repressora que caracterizou os governos do PDS durante o regime
militar cede lugar a uma reação mais sutil e conciliadora, levada a cabo por meio da
estratégia da cooptação. Ao mesmo tempo, o executivo estadual, por meio de
programas habitacionais destinados à faixa de renda não atendida pelo SFH, passa
a se antecipar frente às reivindicações do movimento por moradia. Dessa maneira,
assume o protagonismo no assentamento e segregação espacial da população de
baixa renda, retirando de suas lideranças a hegemonia no processo de criação de
lugares. (MOYSÉS, 2004).
Em 16 de outubro 1983, com ampla cobertura da imprensa, forte
mobilização popular e repercussão inclusive internacional, o governo do Estado de
Goiás realiza o “mutirão das mil casas em um dia” em Goiânia, todas elas montadas
por meio de componentes pré-fabricados e sob regime de mutirão. Levando-se em
conta o processo, iniciado em meados da década de 1980, de progressiva ausência
do governo federal no que diz respeito à política de habitação (ARRETCHE, 1996a,
2000; MELO, 1989; CARDOSO; RIBEIRO, 2000), é possível dizer que, dentre os
inúmeros programas e ações estaduais surgidos no bojo do mesmo, o
empreendimento em tela se coloca como um dos marcos de referência iniciais mais
importantes. É o que registra a equipe técnica da FINEP em relatório feito à época,
destinado a inventariar a ação governamental brasileira no campo de política pública
em questão:

É interessante observar que, no momento em que o BNH, falindo, lançava


estes programas [programas habitacionais alternativos], a política de
urbanização de favelas e a intervenção governamental na autoconstrução e
mutirão já se consolidavam como práticas em grande número de municípios
e estados do país. Os exemplos são inúmeros; talvez o mais bombástico
pelo impacto político e cobertura por parte da mídia foi o ‘mutirão das mil
casas em um dia’, comandado em Goiânia pelo então governador do estado
de Goiás Íris Rezende, em outubro de 83. Mas mutirões organizados pelo
Estado muitas vezes envolvendo as próprias COHABs se disseminaram no
país inteiro (Mutirão Habitacional do Paraná – COHAPAR, Programa
Municipal de Habitação – São Paulo [CDHU/SP], Conjunto Vila Nova
Cachoeirinha – COHAB/SP, entre outros). (1988, p. 20, grifo nosso).
49

3.2 MUTIRÃO DA MORADIA (1983-1986)

A ação habitacional referida anteriormente é a primeira etapa da Vila


Mutirão em Goiânia e o primeiro empreendimento do Programa Mutirão da Moradia,
carro-chefe da política habitacional do governo Íris Rezende (1983-1986) e um de
seus programas prioritários11. Primeiro esforço no sentido de dotar o Estado de
Goiás de uma política de habitação própria, tal programa foi instituído em agosto de
1983 pela Lei nº 9.353, com a finalidade de atender as camadas da população não
atingidas pelo SFH, ou seja, a população situada na faixa de renda de 0 a 3 salários
mínimos.
Coube à Companhia de Desenvolvimento do Estado de Goiás –
CODEG, até então ocupada exclusivamente com projetos de desenvolvimento
econômico, a coordenação do Mutirão da Moradia. A COHAB-GO, empresa pública
herdada do sistema BNH/SFH e vocacionada para a questão urbana e habitacional,
é deixada em segundo plano, antecipando-se na política habitacional do Estado de
Goiás, como será demonstrado, a clivagem que se verificaria no plano federal entre
os programas operados pelas COHABs e os programas alternativos geridos pela
Secretaria Especial de Ação Comunitária – SEAC. (MELO, 1989).
O discurso oficial encampava claramente a defesa dos programas
habitacionais alternativos. De acordo com o documento propaganda do Mutirão da
Moradia e com o plano de trabalho do governo Íris, ambos elaborados após a
realização da primeira etapa da Vila Mutirão e antes das demais ações do programa,
as soluções até então oferecidas pelas intervenções governamentais no campo da
habitação desconheciam a “verdadeira natureza” do déficit da população de baixa
renda. Para este estrato sócio-econômico, tal como se lê nos documentos em tela,
estariam “dispensados os padrões modernos e acabados das propostas oficiais”,
sendo mais viável o desenvolvimento de “propostas mais flexíveis”, que busquem
“revitalizar e fortalecer a iniciativa individual e os mecanismos de ajuda mútua”.
(GOIÁS, 1983, 1984a, 1984b).

11
Conforme descrito no plano do trabalho do governo Íris Rezende, o Mutirão da Moradia
conformava, juntamente com o Mutirão da Terra, o Mutirão Governo Itinerante, o Comodato e as
Empresas Comunitárias, o conjunto de “programas especiais” previstos. (GOIÁS, 1984a).
50

Nessa defesa dos programas alternativos, sem fazer menção a John


Turner, um de seus principais ideólogos e difusores junto ao Banco Mundial, alude-
se àquelas funções que, segundo ele, seriam básicas em um ambiente habitacional
– como registrado naqueles documentos: “abrigo, segurança e acessibilidade”.
Esquece-se, contudo, de que, conforme seu raciocínio, se o abrigo é menos
importante para a baixa renda, ele o é face à acessibilidade, em outros termos, à
localização. (TURNER, 1986). Além de não ser esta a mensagem do documento
propaganda e do plano de trabalho referidos, não é o que se verificou na Vila
Mutirão em Goiânia, situada a 14 Km do centro da cidade (MARICATO; MORAES,
1986; MOYSÉS, 2004), nem nas vilas construídas posteriormente nos demais
municípios do estado, quase sempre nas proximidades de uma rodovia. (MORAES,
2006).
Nos documentos oficiais referidos, reconhecem-se as profundas
transformações demográficas por que passou a sociedade goiana na década de
1970 e se enxerga o déficit habitacional como resultante do descompasso entre, de
um lado, a inversão rural-urbana ocorrida e, de outro, a não expansão
correspondente da economia urbana e a manutenção de uma estrutura fundiária
urbana concentrada. Com esse diagnóstico, contudo, não se faz menção à estrutura
fundiária rural do estado, o que sugere ser tomado como natural o processo de
mecanização e concentração pelo qual a mesma passava. Se tal questão é
colocada ao se definirem as áreas de maior dinamismo demográfico do interior do
estado e, assim, propor a interiorização do Mutirão da Moradia (GOIÁS, 1983,
1984a, 1984b), ela o é de maneira muito vaga e imprecisa.
Os focos de intervenção do programa, então, para além da cidade de
Goiânia, seriam, ainda de acordo os mesmos documentos oficiais: o entorno de
Goiânia; os municípios situados ao longo da rodovia Belém-Brasília; as áreas de
intensificação da produção agropecuária; o entorno do Distrito Federal; os
municípios impactados pela construção da ponte sobre o rio Tocantins, em Porto
Nacional, que tornou mais fácil o acesso àquela rodovia12; e as áreas de mineração.
A decisão de localizar as ações do Mutirão da Moradia não apenas na capital mas
também nestas regiões cumpriria o objetivo de “fixar” o habitante no interior. Para

12
Vale ressaltar que no primeiro governo Íris o Estado de Tocantins ainda não havia sido criado. Tal
só ocorre no final do governo seguinte, ou seja, no final do governo Henrique Santillo (1987-1990).
51

tanto, além da unidade habitacional, estariam previstos “outros elementos fixadores


do homem no campo”, como a instalação de centros multifuncionais, nos casos em
que inexistissem equipamentos públicos nos bairros vizinhos às vilas mutirão
construídas, e o fomento a atividades geradoras de renda. (GOIÁS, 1983, 1984a,
1984b).
Ocorre que, sendo a migração rural-urbana um dado estrutural,
resultante tanto de “fatores de mudança” gerados no bojo da modernização
agropecuária à qual a sociedade goiana passa a estar submetida a partir do final da
década de 1960 quanto de “fatores de estagnação” presentes nas regiões ainda não
alcançadas por este mesmo processo (SINGER, 1973), não caberia esperar muito
da possibilidade de a interiorização do Mutirão da Moradia se impor como força
contrária. Isso também porque, ainda que na década de 1980, na esteira da crise do
nacional-desenvolvimentismo, diminuíssem os recursos federais para crédito
agrícola, regionalmente desenvolviam-se mecanismos compensatórios, entre os
quais o incentivo fiscal consubstanciado no FOMENTAR (SILVA, E. 2007).
Mantinha-se o Estado, dessa maneira, tal como vinha ocorrendo desde o final da
década de 1960, na posição de principal veículo da generalização das relações
capitalistas no campo. (ESTEVAM, 2004).

Tabela 1 – Programa Mutirão da Moradia – 1983-1986


Governador Ação/localidade Unidades habitacionais
Goiânia 1.561
Interior/68 municípios 2.981
Íris Rezende Anápolis 249
Interior/casas de zelador 250
Sub-total 5.041
Goiânia/Lotes 1.321
Onofre Quinan Casas de idosos 71
Sub-total 1.392
Total 6.433
Total no interior 3.550
Total na capital 2.883
Fonte: Arquivo pessoal de Jadir Mendonça de Lima, coordenador de projetos da CODEG no primeiro
governo Íris.

O Mutirão da Moradia, em todas as suas ações, segundo dados


compilados por Jadir Mendonça de Lima, à época coordenador de projetos da
CODEG, atendeu 6.433 famílias, sendo, de acordo com o tipo do benefício, 5.112
delas com unidades habitacionais e 1.392 com lotes urbanizados ou, de acordo com
52

a distribuição intra-estadual, 2.883 em Goiânia e 3.550 no interior. Uma vez


realizada em 16 de outubro de 1983 a primeira etapa da Vila Mutirão em Goiânia,
que contava com 1.000 unidades habitacionais, partiu-se, no ano seguinte, para a
interiorização do programa. Assim, em 22 de julho de 1984, ocorre o chamado
Mutirão do Interior, por meio do qual são montadas simultaneamente cerca de 3.000
casas em 68 municípios do interior do estado, e em 12 de setembro de 1984 são
erguidas 249 casas em Anápolis, à época segundo município mais populoso do
estado depois de Goiânia.

Tabela 2 – Interiorização do Mutirão da Moradia


Município U.H. Microrregião Município U.H. Microrregião Município U.H. Microrregião
Anápolis 249 Anápolis Carmo do Rio Verde 24 Ceres Goiatuba 96 Meia Ponte
Araçu 20 Anápolis Ceres 50 Ceres Itumbiara 150 Meia Ponte
Brazabrantes 20 Anápolis Itapaci 40 Ceres Joviânia 32 Meia Ponte
Caturaí 20 Anápolis Itapuranga 50 Ceres Mairipotaba 20 Meia Ponte
Heitoraí 26 Anápolis Rialma 27 Ceres Morrinhos 50 Meia Ponte
Inhumas 51 Anápolis Rubiataba 28 Ceres Piracanjuba 50 Meia Ponte
Itaberaí 50 Anápolis Uruana 50 Ceres Pontalina 20 Meia Ponte
Itaguaru 25 Anápolis Abadiânia 20 Entorno de Brasília Cristianópolis 36 Pires do Rio
Itauçu 30 Anápolis Pirenópolis 64 Entorno de Brasília Orizona 40 Pires do Rio
Jaraguá 50 Anápolis Aparecida de Goiânia 48 Goiânia Pires do Rio 50 Pires do Rio
Nova Veneza 30 Anápolis Bela Vista de Goiás 50 Goiânia Santa Cruz de Goiás 24 Pires do Rio
Petrolina de Goiás 30 Anápolis Goianápolis 20 Goiânia Silvânia 30 Pires do Rio
Taquaral de Goiás 20 Anápolis Goianira 26 Goiânia Vianópolis 20 Pires do Rio
Anicuns 56 Anicuns Hidrolândia 30 Goiânia Caçu 32 Quirinópolis
Aurilândia 31 Anicuns Leopoldo de Bulhões 30 Goiânia Jussara 50 Rio Vermelho
Sanclerlândia 30 Anicuns Nerópolis 30 Goiânia Jataí 80 Sudoeste de Goiás
Santa Bárbara de Goiás 30 Anicuns Trindade 100 Goiânia Rio Verde 150 Sudoeste de Goiás
São Luís de Montes Belos 100 Anicuns Moiporá 20 Iporá Santa Helena de Goiás 100 Sudoeste de Goiás
Anhanguera 20 Catalão Água Limpa 24 Meia Ponte Edéia 36 Vale do Rio dos Bois
Campo Alegre de Goiás 30 Catalão Bom Jesus de Goiás 100 Meia Ponte Jandaia 33 Vale do Rio dos Bois
Catalão 99 Catalão Buriti Alegre 38 Meia Ponte Palminópolis 30 Vale do Rio dos Bois
Cumari 30 Catalão Caldas Novas 50 Meia Ponte Paraúna 50 Vale do Rio dos Bois
Goiandira 30 Catalão Cromínia 20 Meia Ponte _ 35 _
Fonte: Arquivo pessoal de Jadir Mendonça de Lima, coordenador de projetos da CODEG no primeiro
governo Íris.
1 – Consideram-se as seguintes ações: Mutirão do Interior e o mutirão realizado em Anápolis, que somam
3.230 unidades.

Nessa interiorização do programa, pouco se respeitaram os focos de


intervenção previamente delimitados, chamando a atenção, entre outras coisas: na
porção do estado hoje correspondente ao Tocantins, nenhum município foi
contemplado, ficando desatendidos aqueles impactados seja pela Belém-Brasília
seja pela construção da ponte sobre o Rio Tocantins, além de Araguaíana, que é
citada como um dos municípios de intensificação da produção agropecuária; no
Entorno de Distrito Federal, os municípios cujo processo de urbanização decorre
diretamente da expansão periférica de Brasília ficaram sem atendimento, sendo
contempladas apenas Pirenópolis e Abadiânia, de economia mais voltada ao
turismo; e na região metropolitana de Goiânia, foram contemplados, por exemplo,
53

municípios como Goianápolis e Hidrolândia, pouco integrados ao município pólo,


deixando sem atendimento Senador Canedo e atendendo com poucas unidades
Aparecida de Goiânia, municípios mais diretamente afetados pela periferização do
município pólo.
Ainda dentro do Mutirão da Moradia, cabe aludir à segunda etapa A da
Vila Mutirão, em Goiânia, que resultou na montagem de 561 casas em 16 de outubro
de 1985, e à construção de 250 casas de zelador em escolas públicas do interior.
Três outras ações ocorreram no ano de 1986, já sob a condução do vice-governador
Onofre Quinan, uma vez que Íris Rezende havia se desincompatibilizado do cargo
para se incorporar ao ministério do presidente José Sarney: 71 casas de idosos,
sendo uma em Goiânia e as demais no interior; segunda etapa B da Vila Mutirão em
Goiânia, com 690 lotes urbanizados; e terceira etapa da Vila Mutirão em Goiânia,
com 631 lotes urbanizados13.
Na busca por uma alternativa de construção rápida, em grande escala,
de baixo custo e que envolvesse a co-participação da comunidade, opta-se, dentro
do Programa Mutirão da Moradia, por um processo construtivo que combinava o uso
de peças pré-moldadas, leves e de tamanhos menores, com o sistema de mutirão.
Este processo e os projetos arquitetônico e urbanístico, abaixo apresentados, foram
definidos por ocasião da primeira etapa da Vila Mutirão em Goiânia, sendo, a seguir,
utilizados com algumas modificações nas demais ações do programa, tanto no
interior como na capital do estado.
A unidade habitacional na primeira etapa da Vila Mutirão tinha 25,93
metros quadrados de área construída, com três cômodos (sala, quarto e cozinha),
sem canalização interna de água, uma vez que se adotou a solução de um chafariz
por cada quadra, e sem rede de esgoto, já que se optou por sanitário tipo fossa
negra e banheiro no fundo do lote, em caráter provisório. Os materiais utilizados
foram, basicamente: placas de concreto para as paredes, com 2,5 centímetros de
espessura; pilares de concreto, em três tamanhos diferentes, com seção quadrada
de 12 x 12 centímetros e com três ranhuras para o encaixe das placas; e telhas de
cimento-amianto para a cobertura, de 6 milímetros de espessura. (FREITAS, 2007).
No Mutirão do Interior, acrescentou-se um quarto ao projeto arquitetônico, o que

13
A CODEG também conduziu o Mutirão das Mil Salas de Aula, com o que foram construídas em
torno de 200 escolas no estado de Goiás. (Jadir Mendonça, 12.05.2011).
54

provocou um aumento da casa para 35 metros quadrados, adotou-se o atendimento


individualizado de água e se promoveram ajustes na estrutura do telhado e na
quantidade de placas e pilares utilizados. (MUTIRÃO, out. 1985; Jadir Mendonça,
12.05.2011).
O projeto urbanístico da primeira etapa da Vila Mutirão caracteriza-se
por um traçado dentro dos princípios modernistas, apresentando hierarquização das
vias, setorização das atividades e uso da habitação mínima. As vias, em malhas
paralelas ortogonais, distribuem-se pelo eixo principal, a Avenida do Povo. São 32
quadras, sendo 24 destinadas a residências, e os 1.008 lotes têm 250 metros
quadrados. (FREITAS, 2007). Tal projeto foi, obviamente, refeito para as demais
ações do programa, a partir das características do terreno e da quantidade de
unidades habitacionais a serem construídas nos municípios do interior ou na
segunda e terceira etapas da Vila Mutirão em Goiânia.
Uma vez recebida a “encomenda” em março de 1983 (Jadir Mendonça,
12.05.2011) para o “mutirão das mil casas em um dia”, a CODEG dispôs de tempo
exíguo para, além da definição dos projetos arquitetônico e urbanístico e do
processo construtivo para a construção em massa requerida, organizar todas as
demais atividades necessárias à execução do empreendimento. É assim que até
outubro14, mês para o qual estava previsto o evento da montagem, a CODEG teve
que também proceder à definição e aquisição da área; ao cadastro e seleção dos
beneficiários; ao parcelamento e à preparação mínima da infra-estrutura; à
contratação das empreiteiras que se encarregariam da fabricação das peças pré-
moldadas; e à mobilização das pessoas para participarem da montagem das casas.
(FREITAS, 2007).
A CODEG deveria ainda proceder à racionalização do canteiro e ao
recrutamento e treinamento da mão-de-obra, de modo que, no dia 16 de outubro, já
com as peças fabricadas pelas empreiteiras e com o loteamento e as obras de infra-
estrutura realizadas, estivessem devidamente alocados, simultaneamente, em cada
lote, os elementos construtivos necessários e a equipe encarregada da montagem.
(FREITAS, 2007). Em resumo, deveriam ser executadas previamente e em curto
período de tempo inúmeras tarefas, necessariamente complementares entre si, e, é

14
A previsão inicial era setembro, tendo sido prorrogada para o domingo de 16 de outubro, próximo à
data de aniversário de Goiânia (24 de outubro).
55

importante frisar, por atores os mais diversos e com lógicas e tempos de operação
nem sempre de fácil compatibilização recíproca. O sucesso e a repercussão
alcançados no dia da montagem demonstram ter o governo Íris obtido êxito na
coordenação das atividades preparatórias.
Conforme descrito por Freitas (2007), na primeira etapa da Vila
Mutirão, o Consórcio Rodoviário Intermunicipal S.A. – CRISA, a Centrais Elétricas de
Goiás – CELG e a Saneamento de Goiás – SANEAGO, mesmo em desacordo com
certas exigências técnicas, procederam, respectivamente, à abertura das ruas (sem
pavimentação), à eletrificação (somente nas ruas) e ao abastecimento de água (não
individualizado). Estas e outras agências públicas estaduais, entre as quais a
COHAB-GO, e do município de Goiânia, além das prefeituras do interior, ficaram
responsáveis, cada uma delas, por uma das 24 quadras do loteamento no dia da
montagem, sendo seus funcionários convocados, sob ameaça de punição, a doar
seu dia de descanso para o trabalho no mutirão. As empreiteiras contratadas, além
da fabricação das peças pré-moldadas, deveriam transportá-las até o local e
distribuí-las ordenadamente, atendendo a uma ordem seqüencial dos componentes
de cada casa, e, ademais, disponibilizar seus funcionários para participar no dia do
mutirão. Esta ordem seqüencial estava registrada em cartilhas e manuais
confeccionados pela CODEG, que também serviram de guia para o trabalho no dia
da montagem. Estas tarefas, assim como os atores por elas responsáveis, compõem
uma amostra do campo diverso sobre o qual deveria incidir o esforço de
coordenação da CODEG, da Secretaria de Planejamento e Coordenação e do
próprio governador Íris Rezende.
No Mutirão do Interior, um esforço de coordenação similar também teve
que ser realizado. Alguns encargos foram transferidos para as prefeituras, como
arregimentação de pessoal, consecução de ferramentas e equipamentos, etc., mas
a CODEG incumbiu-se, dentre outras coisas, de projetar os loteamentos e
supervisionar a marcação dos lotes nas áreas cedidas pelos municípios – ou mesmo
executar o loteamento, quando necessário. (MUTIRÃO, out. 1985). As agências
públicas estaduais, também compulsoriamente, ficaram responsáveis, cada uma
delas, pelo acompanhamento dos trabalhos em um município no dia da montagem,
conforme relatam os funcionários da COHAB-GO à época Ana Cristina Rodovalho
(06.05.2011) e Luiz Bretones (03.05.2011). Tudo isso devendo ser preparado para a
56

montagem, num mesmo e único dia, de quase 3.000 unidades habitacionais em 68


municípios do estado.
Referindo-se à Vila Mutirão e ao Mutirão da Moradia como um todo,
Flávio dos Rios Peixoto da Silveira (02.05.2011), Secretário de Planejamento e
Coordenação no governo Íris e primeiro Ministro do Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente – MDU, afirma: “era um processo espontâneo mas não tinha nada de
espontâneo”. Isso porque, por detrás da espontaneidade aparente do dia da
montagem, reforçada pela multidão que acompanhou o processo e pelas
características intrínsecas ao sistema de mutirão, havia “toda uma retaguarda”: de
um lado, uma “logística invejável” e, de outro, a “capacidade de mobilização do Íris”.
Aquela ficou a cargo da CODEG, que se comunicava de maneira praticamente direta
com o governador, e esta assentava-se no carisma de Íris Rezende e na simbiose
entre povo e governo que sua gestão parecia ensejar15.
Talvez esteja aí um dos fatores capazes de explicar o porquê de o
Mutirão da Moradia, a despeito de sua ampla repercussão, nacional e
internacionalmente, não ter se difundido, afora algumas experiências isoladas,
enquanto prática viável de política pública. Profundamente dependente da
capacidade de coordenação de um núcleo central de governo e da capacidade de
mobilização de sua liderança maior, mostrou-se pouco suscetível à
16
institucionalização e, da mesma forma, à replicação. Onofre Quinan, em 1986,
quando assume o governo do Estado de Goiás no lugar de Íris Rezende, optou pela
solução dos lotes urbanizados para concluir a Vila Mutirão em Goiânia. O próprio Íris
Rezende, quando governador pela segunda vez, entre 1991 e 1994, transforma o
programa em Mutirão Permanente da Moradia, não mais concentrando a tarefa da
montagem em um só dia. Flávio Peixoto, por sua vez, se procurou levar, em 1985,
para o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente a experiência goiana
do Mutirão da Moradia, acaba por não lograr êxito:

15
Segundo Flávio Peixoto (02.05.2011), “O primeiro governo foi um governo com uma simbiose
quase que absoluta entre povo e governo. Nós tínhamos acabado, era o primeiro governo eleito
desde 65. Então, havia muito uma relação estreita mesmo. Não houve, não precisamos muito desses
intermediários, não. Nós éramos o povo. Essa sensação, ela existia. O Íris era muito integrado com a
comunidade, muito mesmo”.
16
Dizer que o Mutirão da Moradia era fragilmente institucionalizado não implica negar que na base do
mesmo houvesse um esforço de coordenação e uma logística invejáveis.
57

Eu vejo uma coisa normal porque o Mutirão só existe com o Íris. Essa
relação é muito estreita. [...] nós tentamos, mas não conseguimos implantar
porque não havia a ponta, o pessoal não conseguia mobilizar. [...] é uma
ação política, não é pra qualquer governante. Era algo muito do Íris. Eu
nunca, mesmo no Ministério, eu nunca acreditei que a gente teria condições
de implantar o Mutirão, porque é uma ação que exige uma ação política
muito forte, de mobilização... da comunidade, e eu não sentia outros
governadores com a mesma capacidade do Íris. (Flávio Peixoto,
17
02.05.2011) .

No que diz respeito às fontes de recursos utilizadas, a primeira etapa


da Vila Mutirão em Goiânia foi construída integralmente com aporte do orçamento
estadual. Diante da repercussão alcançada por esta ação e da decisão de estender
o atendimento para os demais municípios do estado, o governador Íris Rezende,
conforme relatou um dos entrevistados, procura sensibilizar o BNH quanto à
viabilidade da experiência construtiva do programa, para o que conta, a despeito da
pouca atenção desde sempre dada pelo banco aos programas alternativos, com as
boas relações que mantinha com Nelson da Matta, seu presidente à época.

Tabela 3 – Interiorização do Mutirão da Moradia – Fonte de recursos (previsão)


Discriminação Prefeituras Estado União Total
Aquisição de áreas 78.717,41 _ _ 78.717,41
Melhorias Urbanas 3.975,63 265.041,78 _ 269.017,41
Construção de Moradiais (5.000) _ _ 1.028.206,40 1.028.206,40
Total 82.693,04 265.041,78 1.028.206,40 1.375.941,22
Total (%) 6,01 19,26 74,73 100,00
Fonte: GOIÁS. Plano Global de Trabalho: março 84/ março 87. Goiânia, Goiás, 1984.
1 – Em UPC Jan/Mar – 84.

No plano de trabalho do governo Íris, datado do início de 1984,


registra-se da seguinte maneira o que seria a “situação atual” do programa: “Em fase

17
Em seu discurso de posse como ministro, Flávio Peixoto dizia: “Trago, para a ministério recém-
instituído, a mais gratificante experiência de governo, nascida no seio do povo e fortalecida por um
processo de participação popular que, a par de não conhecer similar, se solidifica, se intensifica e se
valoriza a cada etapa percorrida”. (MINISTRO, abr./jun.1985). É assim que se institui no MDU, em
1985, conforme se depreende pela leitura de Melo (1989), o Programa Mutirão da Moradia, como
parte do Programa de Prioridades Sociais – PPS e com recursos do FINSOCIAL. Ocorre que, além
de não vingar a sistemática experimentada em Goiás, como fica claro a partir da entrevista com
Flávio Peixoto (02.05.2011), este programa tem expressão muito menor se comparado a outro,
também baseado no regime construtivo de mutirão mas não inspirado nesta sistemática – trata-se do
Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, implementado pela SEAC a partir de 1987. Da mesma
forma como os mutirões da SEAC, todavia, é bem provável que as ações do Mutirão da Moradia do
MDU (posteriormente, MHU e MBES) tenham integrado o quadro de “banalização” das políticas
sociais que caracterizou o governo Sarney, resultando, em meio à desintegração da coalizão
governista, num mecanismo verticalizado e ágil de patronagem. (MELO, 1993).
58

de encaminhamento ao BNH e de implantação dos loteamentos nos vários


municípios”. Em outra parte do mesmo documento, afirma-se: “A continuidade dessa
proposta será parcialmente garantida pela liberação de recursos provenientes do
Banco Nacional da Habitação – BNH”. Previa-se, assim, que, para o custeio da
construção de 5.000 casas no interior do estado, 3.000 numa primeira etapa e 2.000
numa segunda, enquanto o estado de Goiás arcaria com 19,3% e as prefeituras com
6%, a União/BNH responderia por 74,7% do montante de recursos necessários.
(GOIÁS, 1984a).
Não ficou claro, a partir das entrevistas realizadas e documentos
analisados para a feitura deste trabalho, a dimensão efetiva da participação do BNH
no financiamento ao Mutirão da Moradia, em outros termos, quais ações alcançou,
qual volume de recursos aportou e, ainda, quais foram as contrapartidas do Estado
de Goiás e das prefeituras. Entretanto, ainda que não tenha ocorrido o atendimento
a 5.000 famílias no interior do estado, mas a apenas 3.550, conforme já
demonstrado acima, não resta dúvidas de que o BNH participou no financiamento às
quase 3.000 casas construídas sob o Mutirão do Interior. É o que fica claro a partir
da leitura de um artigo do Jornal O Popular, de 3 de outubro de 1984, reproduzido
integralmente abaixo:

Por determinação do governador Íris Rezende Machado, a Companhia de


Habitação de Goiás passa agora a cuidar no processo da administração dos
conjuntos construídos dentro do Projeto Mutirão. Essas casas, segundo
informou hoje o diretor financeiro do órgão, Luiz Menegazzo, serão
financiadas pelo Sistema Financeiro da Habitação, e a COHAB ficará
responsável pela regularização dessas áreas e fará contratos juntos aos
mutuários.
Esses mutuários terão a cobertura de seguro em casos de acidentes,
invalidez ou morte, com a unidade quitada em benefício aos herdeiros.
Aliado a isso, terá também o desconto do valor correspondente ao benefício
fiscal, adiantou Menegazzo, afirmando que ‘é bom que se diga que nunca o
valor da prestação ultrapassará os 10% do salário mínimo’.
Como o financiamento será feito pelo Banco Nacional da Habitação, o valor
da prestação, hoje, é menor do que 10 por cento do salário mínimo, girando
em torno de 7.400 cruzeiros. A COHAB já está na fase de regularização das
casas construídas nos 68 municípios do interior do Estado.
Segundo Menegazzo, ‘mesmo que as demais prestações do SFH tenham
um reajuste maior, continuará sendo sempre 10% do salário mínimo o valor
das prestações das casas do mutirão’. (COHAB, 3 out. 1984).

A leitura do artigo acima apresenta-nos um elemento importante com


respeito ao papel que, em função do aporte de recursos do SFH para o Mutirão do
Interior, acaba sendo imposto à COHAB-GO, deixada em segundo plano na
administração pública estadual desde a decisão do governo Íris de alocar o
59

Programa Mutirão da Moradia na CODEG. Mais à frente, quando da discussão sobre


a clivagem já referida entre essas duas empresas públicas estaduais e sobre seus
efeitos sobre a crise financeira e institucional da COHAB-GO, esta questão será
analisada.
O governo federal aportou também recursos orçamentários para o
Mutirão da Moradia, como relata Jadir Mendonça de Lima (12.05.2011), que, após
atuar no governo Íris como coordenador de projetos da CODEG, torna-se seu diretor
de planejamento no curto período do governo Quinan. Tais recursos provieram do
recém-criado Ministério do Desenvolvimento Urbano – MDU e beneficiaram duas
ações do programa em tela, quais sejam, a das 71 casas de idosos e a segunda
etapa A da Vila Mutirão. Para tal, muito contribuiu a ligação direta com o ministro
Flávio Peixoto, ex-Secretário de Planejamento e Coordenação18 do governo Íris
Rezende, que, juntamente com o presidente Sarney, senadores e deputados,
representantes de outros estados e países, também esteve presente ao dia da
montagem das casas da segunda etapa A da Vila Mutirão. (FREITAS, 2007).
Mesmo que não dimensionada, em função de limitações relacionadas à
pesquisa que deu origem a este trabalho, é possível dizer que a participação do
BNH (recursos do SFH) e do MDU (recursos orçamentários) no Mutirão da Moradia
é parte do processo de desarticulação institucional a que passa a estar sujeito o
setor habitacional no plano federal em meados da década de 1980. Se o BNH ainda
não havia sido extinto, ele enfrentava séria crise financeira e institucional e o
princípio de integração verticalizada dos estados ao mesmo, com a retomada em
curso das bases federativas do Estado brasileiro e da competição eleitoral, já estava
abalado, o que resultava na redefinição dos canais de acesso aos recursos federais.
(ARRETCHE, 2000). Íris Rezende, com a repercussão alcançada pelo Mutirão da
Moradia e por compor a base de apoio do presidente José Sarney, inscreve-se com
vantagem nas barganhas políticas para o acesso a tais recursos, sendo a nomeação
de Flávio Peixoto para o MDU19 e a sua para o Ministério da Agricultura importantes
elementos a seu favor.

18
Era a esta secretaria que estava jurisdicionada a CODEG (GOIÁS, 2005), encarregada do Mutirão
da Moradia.
19
Flávio Peixoto permanece no MDU de abril de 1985 a fevereiro de 1986, tornando-se, com sua
substituição por Deni Shwartz, Diretor de Habitação e Hipoteca da CEF.
60

De acordo com a Lei nº 9.353/83, que institui o Programa Mutirão da


Moradia, as unidades habitacionais produzidas seriam vendidas à população
carente, a custos mensais reduzidos, de forma a se compatibilizarem com a
capacidade de pagamento dos beneficiários, e gravadas com cláusula de
inalienabilidade até sua final quitação, ressalvada a sucessão hereditária, na forma
da lei civil. Não foi o que se observou, contudo, mesmo no caso do Mutirão do
Interior, em que, como demonstrado, se utilizaram recursos onerosos. Em
consonância com a postura populista que marcou o governo Íris Rezende, as
unidades habitacionais foram simplesmente doadas aos beneficiários e, se foi
utilizada a cláusula de inalienabilidade prevista, a mesma não foi respeitada,
estando aí um dos fatores responsáveis pela enorme demanda reprimida por
regularização fundiária gerada pelas intervenções habitacionais do próprio poder
público no estado de Goiás.
É preciso atentar também para em que medida se tratou o Mutirão da
Moradia de um programa verdadeiramente participativo. Isso porque, pelo menos na
primeira etapa da Vila Mutirão, para a qual se têm mais informações (FREITAS,
2007): (a) não foram necessariamente os beneficiários do programa que
participaram do dia da montagem, dentre outras razões, porque ainda não haviam
sido devidamente cadastrados e selecionados, conforme sugere Lúcia Moraes
(11.05.2011), militante do movimento por moradia local e professora universitária; (b)
a participação voluntária foi demasiadamente pequena face, de um lado, à
participação compulsória exigida dos funcionários públicos dos órgãos estaduais e
do município de Goiânia e dos funcionários das empresas contratadas para a
fabricação dos pré-moldados20 e, de outro, à participação dos funcionários e
operários das prefeituras do interior, que, assim, expressavam a gratidão dos
respectivos prefeitos ao governador por terem sido eleitos em função do “voto

20
Quanto a este ponto, vale destacar o que relata Álvaro Lourenço (04.05.2011), presidente entre
1999 e 2008 da AGEHAB, agência na qual se transforma a COHAB-GO no final da década de 1990:
“Daquelas mil casas num dia, 250 casas ficaram sob a responsabilidade do DERGO que, de certa
forma, embutiu o custo de mão-de-obra em algumas empresas. Empreiteiras do DERGO foram
convocadas com a sua mão-de-obra pra assumir 250 casas e esse custo, desse pessoal durante um
final de semana, foi embutido em medições de empreiteira. Eu falo isso porque eu era empreiteiro do
DERGO, eu fui convocado e eu recebi para colocar essa mão-de-obra embutida em outros serviços
que não tinham nota e assim foi uma coisa discutida com as entidades”.
61

vinculado”; e, por fim, (c) voluntária, compulsória ou resultado de obrigações político-


eleitorais, a participação se resumiu ao dia da montagem21.
O sucesso obtido na montagem de mil casas em um dia, no caso da
primeira etapa da Vila Mutirão, e de três mil casas em um dia, no caso do Mutirão do
Interior, fizeram de ambos os eventos, intensamente acompanhados por campanhas
publicitárias e pela cobertura jornalística, um grande “teatro público” (Ronnie
Barbosa, 09.05.2011) e um grande “show” (Lúcia Moraes, 11.05.2011). Se há que
reconhecer a habilidade política e a capacidade de coordenação envolvidas na
consecução do programa, há também que atentar para sua instrumentalização22 no
sentido da promoção política de Íris Rezende e seu grupo. Além de ser elemento
central para a compreensão da persistência deste no comando da política estadual
até 1998, o Mutirão da Moradia coloca-se enquanto importante ingrediente da
projeção alcançada por Íris no plano nacional, o que lhe valeu, de imediato, o
Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente – MDU e o Ministério da
Agricultura – MA no governo Sarney23.

21
No plano de trabalho do governo Íris, elaborado posteriormente à primeira etapa da Vila Mutirão e
anteriormente ao Mutirão do Interior, enquanto num momento se diz que “A população participa da
fase de implementação do projeto, tomando parte, voluntariamente, do mutirão, que se desenvolve
em um só dia”, noutro momento já se diz que “O momento da participação da comunidade envolvida,
em especial junto ao governo, deve compreender todo o planejamento, fases de execução e
avaliação dos resultados obtidos”. (GOIÁS, 1984a, grifo nosso). Além da contradição entre as duas
frases, observa-se a menção em uma delas apenas à participação voluntária.
22
Vale reproduzir um dos tópicos presentes no manual elaborado para servir de guia à montagem
das casas na primeira etapa da Vila Mutirão: “Importante: se o serviço de alvenaria da latrina e do
banheiro não acabou até às 12h, ele deve ser abandonado e o pessoal ser deslocado para a casa,
que é o objetivo principal”. Não tive acesso ao manual como todo, mas apenas a este trecho, que me
foi mostrado por um dos entrevistados.
23
Ainda com respeito à projeção nacional alcançada por Íris Rezende, vale acrescentar, antes de
realizada a primeira ação do Mutirão da Moradia: (a) em abril de 1983, o lançamento oficial em
Goiânia de uma das mais importantes manifestações populares do país, a campanha do PMDB pelas
Diretas Já, com presença das principais lideranças dos partidos da oposição – além de Íris, Franco
Montoro, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães e Lula. E depois de realizada a primeira etapa da Vila
Mutirão: (b) em abril de 1984, um segundo comício, também na Praça Cívica, de proporções bem
maiores, com presença ainda mais significativa de líderes oposicionistas, tendo se tratado da
segunda maior manifestação do país, atrás apenas da ocorrida no Vale do Anhangabaú, em São
Paulo; (c) em outubro de 1985, a segunda etapa A da Vila Mutirão em Goiânia, evento que, com mais
publicidade e divulgação, contou com a presença do presidente José Sarney, de dois ministros (um
deles, Flávio Peixoto), de senadores e políticos federais, além de representantes de quatro países
(Chile, Colômbia, Peru e El Salvador) e de outros governos estaduais (São Paulo, Rio Grande do Sul,
Minas Gerais, Alagoas e Paraíba); (d) a disputa interna na convenção do PMDB entre Ulysses
Guimarães, Waldyr Pires, Álvaro Dias e Íris Rezende, este último apoiado pelo presidente Sarney,
pela condição de candidato do partido à presidência; (e) a nomeação para Ministro da Justiça no
governo de Fernando Henrique Cardoso, nos anos de 1997 e 1998; e (d) a indicação do goiano e
peemedebista Ovídio de Ângelis para ministro da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano –
SEDU nesse mesmo governo. (FREITAS, 2007; CUNHA, 2007; HORÁCIO, s/d).
62

Para finalizar, cumpre proceder a um breve balanço das intervenções e


do significado do Mutirão da Moradia. O principal problema da Vila Mutirão, segundo
Maricato e Moraes (1986), teria sido a localização, já que construída a 14 Km do
centro de Goiânia e em área rural, problema que também se verificou, como sugere
Moraes (2006), nas demais ações do programa realizadas no interior do estado.
Além da segregação sócio-espacial, cabe aludir: à irregularidade fundiária que
acaba por resultar das intervenções do programa, não só na capital como também
no interior; ao clientelismo e “primeiro- damismo” envolvidos no cadastramento e
seleção das famílias; ao baixo conforto térmico das unidades habitacionais,
elemento que recebeu fortes críticas da comunidade técnica (FREITAS, 2007); ao
escamoteamento dos vários reparos e intervenções tornados necessários e
silenciosamente realizados após o show do dia da montagem das casas; e, por fim,
ao fato de o custo final das habitações ter extrapolado em muito o que se anunciou
oficialmente à época, já que não se contabilizava o intenso trabalho prévio realizado
pela CODEG, os gastos com a infra-estrutura construída posteriormente para tornar
o lugar habitável e as despesas com a intensa campanha publicitária realizada
(MARICATO; MORAES, 1986).
De outro lado, a despeito das inúmeras críticas que se podem fazer ao
Mutirão da Moradia, é preciso enxergá-lo, no cenário nacional, como um importante
marco de referência inicial da busca dos estados por seu lugar na federação num
momento em que o governo federal ausentava-se progressivamente na condução da
política habitacional. (GONÇALVES, 2008). No estado de Goiás, deve ser visto
como o primeiro esforço de constituição de uma política habitacional própria,
cabendo ainda destacar as propostas ensejadas pelo mesmo de participação
popular, de emprego de tecnologia alternativa e de produção habitacional massiva e
rápida, ainda que truncadas e mais vinculadas ao marketing político que à
viabilização de uma moradia adequada e à efetiva integração do beneficiário na sua
construção.

3.3 CODEG X COHAB-GO

Para a coordenação e implementação do Mutirão da Moradia,


desprezou-se o legado organizacional do sistema BNH/SFH, não se aproveitando,
diferentemente do que se verificou em vários outros estados, da capacidade técnica
instalada na COHAB-GO. Enquanto um programa de grande centralidade na agenda
63

política do governo Íris Rezende, é o mesmo alocado na Companhia de


Desenvolvimento do Estado de Goiás – CODEG, empresa pública existente desde
1971 (GOIÁS, 2005) e até então ocupada unicamente com projetos de
desenvolvimento econômico, sendo estranha à mesma, portanto, a área urbana e
habitacional.
No governo Ary Valadão, as intervenções da CODEG estavam
centradas nos projetos Rio Formoso e Alto Paraíso, aquele de lavoura irrigada no
estado do Tocantins, à época norte goiano, e este voltado para o turismo e a
produção de frutas no que hoje se conhece como nordeste goiano. É com o governo
Íris, afirma Jadir Mendonça de Lima (12.05.2011), que a CODEG é redirecionada
para o “desenvolvimento social”, ficando de sobreaviso os projetos referidos e
recaindo o foco de sua atuação no Mutirão da Moradia e nas atividades
complementares ao mesmo.
Um fator que poderia ser aventado para explicar o porquê da opção do
governo Íris por alocar o programa em tela na CODEG e não na COHAB-GO é a
incapacidade das COHABs em atender a faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos,
que seria o foco do Mutirão da Moradia. Este fator, é preciso ressaltar, não explica a
referida escolha, ou, pelo menos, influi muito marginalmente para tal. Isso porque a
incapacidade mencionada decorria menos da estrutura organizacional das COHABs
que, dentre outras coisas, da fonte de recursos – o FGTS – com base na qual
operavam, tanto é que, no caso de outros estados, não se desprezou esse legado
organizacional, pelo contrário, utilizou-se o mesmo para a execução de políticas
habitacionais com base em recursos orçamentários próprios, como é o caso, por
exemplo, de São Paulo e do Ceará. (ARRETCHE, 2000). Ademais, mesmo quando
mantida esta fonte de recursos, houve COHABs que chegaram a atingir, por meio
dos programas alternativos, essa faixa de renda, ainda que o desempenho tenha
sido bem inferior àquele verificado com os programas tradicionais. (AZEVEDO,
1990).
Fator mais convincente para explicar a decisão pela CODEG como
órgão responsável pelo Mutirão da Moradia parece ser o grau de liberdade e
agilidade que o governo do Estado aí encontraria para o desenvolvimento de suas
ações. Flávio Peixoto, Secretário de Planejamento e Coordenação no governo Íris e
Ministro do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente no primeiro ano do governo
Sarney, afirma o seguinte:
64

Eu me lembro que, pra decidir sobre isso, conversando com o Íris, eu falei
‘olha, Íris... Juscelino Kubistchek foi um dos governos de mais sucesso
porque ele criou os grupos de trabalho. Ele teve os ministérios, teve a
estrutura toda: GEPOT, grupo de trabalho da indústria automobilística,
Brasília, NOVACAP. Montou uma estrutura paralela’. Porque ele tinha
consciência que uma burocracia não faria na velocidade que ele fez. Isso eu
sempre mostrei pro Íris. ‘Íris, não adianta, tem estruturas burocráticas que
você não consegue’, porque a burocracia é um ser vivo, ela tem vida.
(Flávio Peixoto, 02.05.2011, grifo nosso).

A montagem de uma “estrutura paralela” à COHAB justificava-se, para


o governo Íris, pela necessidade de vencer os entraves burocráticos inerentes à
atuação desta e de, assim, viabilizar uma alternativa de construção rápida e em
grande escala, capaz de, entre outras coisas, oferecer, de imediato, alguma
resposta ao cenário caótico que a cidade de Goiânia e outras áreas do estado com
alto dinamismo demográfico vivenciavam no que diz respeito ao problema da
moradia.
Em observação com respeito ao início da década de 1980 em Goiânia,
Vidal Barbosa (02.05.2011), militante histórico do movimento por moradia nesta
cidade e no estado como um todo, ajuda-nos nessa compreensão: “As pessoas
começaram a ocupar, o governo tinha que dar uma resposta. Qual era a forma de
dar uma resposta? Era produção, muita produção de moradia, rápida. O Íris sempre
teve uma tradição dos famosos mutirões”. É por meio de uma estrutura outra que
não a COHAB-GO que Íris Rezende lograria uma maior agilidade para a produção
massiva de moradia acima referida e uma maior liberdade para fazê-lo por meio dos
mutirões, prática que já havia utilizado quando prefeito de Goiânia, na segunda
metade da década de 1960.
Utilizando-se da CODEG, ademais, o governador conseguia uma
condução pessoal e um controle direto sobre o andamento e os resultados do
Mutirão da Moradia, contribuindo para tal a comunicação que se estabelece entre a
governadoria e a empresa: esta, além de já estar jurisdicionada à Secretaria de
Planejamento e Coordenação, dirigida por Flávio Peixoto, passa a ter como
presidente o engenheiro-arquiteto Eurico Calixto de Godói24, importante auxiliar de

24
Como deixa claro Íris em seus depoimentos (CUNHA, 2008), Eurico Calixto de Godói era de sua
extrema confiança e encontrava solução para todas suas idéias, entre as quais, o Parque Mutirama,
em 1969, e a Vila Mutirão, em 1983. O Parque Mutirama, nomeado a partir da combinação das
palavras “mutirão” e “autorama” e inspirado nos brinquedos da Disneylândia nos E.U.A., foi
65

Íris desde sua administração na prefeitura de Goiânia. Por fim, é com uma empresa
de menor porte, menos institucionalizada25 e, portanto, mais flexível que a COHAB-
GO que seria possível fazer das intervenções do Mutirão da Moradia a oportunidade
para um congraçamento político e uma mobilização popular similares ao ocorrido na
primeira etapa da Vila Mutirão e para a reprodução clientelista do agrupamento
político reunido em torno do governador e do PMDB.
No plano de trabalho do governo Íris previa-se a implementação tanto
dos programas e projetos do BNH26 como do programa especial Mutirão da Moradia
(GOIÁS, 1984a), ficando a impressão de que haveria uma atuação complementar e
combinada entre, respectivamente, a COHAB-GO e a CODEG. Não é o que ocorreu,
todavia. Na prática, antecipou-se no Estado de Goiás a clivagem verificada por Melo
(1989) no plano federal entre os programas operados pelas COHABs, envoltas em
impasses de ordem estrutural resultantes da desarticulação financeira do SFH, e os
programas alternativos geridos por organizações formadas ad hoc, entre as quais a
SEAC, e atravessadas por arranjos clientelísticos instáveis.
No Estado de Goiás, é preciso ressaltar, não apenas se antecipa tal
clivagem como ela acabou, rapidamente, cedendo lugar ao deslocamento quase
completo do pêndulo para um de seus pólos, qual seja, o da CODEG (e de suas
sucessoras27), de modo que, já na segunda metade da década de 1990, a COHAB-
GO entra em liquidação. Em outros termos, na trajetória da política pública de

construído sob a gestão de Íris na prefeitura de Goiânia. Íris, contudo, foi cassado poucos dias antes
da sua inauguração.
25
Ana Cristina Rodovalho Reis (06.05.2011), funcionária da COHAB-GO na década de 1980, afirma
que a COHAB-GO gozava de forte institucionalização desde seu nascedouro, dizendo-se à época
que, em função do modo como foi criada e formalizada, ela nunca acabaria. Acrescenta também que
na passagem da década de 1970 para 1980 a mesma encontrava-se inchada, com muitos
funcionários, o que, se por um lado mostra o porte da empresa, por outro já demonstra a ocorrência
de algum desvio em sua institucionalidade. Luiz Antônio Martins Bretones (03.05.2011), desde o final
da década de 1970 funcionário da empresa, hoje AGEHAB, afirma que é a partir da fusão das
companhias habitacionais de Goiânia e de Goiás – COHAB-Goiânia e CHEGO – no início da década
de 1970 que a COHAB-GO ganha mais força, passando a ter uma administração muito presente e
chegando a seu auge em termos de produção habitacional no final desta década, com cerca de 20
empreendimentos em andamento, enquanto a média era de, no mínimo, 6 a 8.
26
São citados os seguintes projetos e programas: Programa Aquisição de Terrenos, Programa
Pequenos Conjuntos, FICAM, PROMORAR, PLANHAP, PROSINDI, PROHEMP, PROHASP e João
de Barro.
27
A política habitacional fica a cago, no governo Henrique Santillo (1986-1990), da Secretaria
Especial de Assuntos Comunitários – SAC; no segundo governo Íris Rezende (1991-1994), da
Empresa Estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico-Social – EMCIDEC; e no
governo Maguito Vilela (1995-1998), da Secretaria Especial de Solidariedade Humana – SESH.
66

habitação goiana, a partir e em função, entre outros fatores, do Mutirão da Moradia,


o setor habitacional evolui de uma condição de conflito e superposição de tarefas
entre, de um lado, a CODEG e, de outro, a COHAB-GO para a quase supressão
desta empresa pelas instituições que sucedem aquela. O advérbio “quase” justifica-
se, como será demonstrado mais adiante, porque o processo de liquidação referido
acaba por não chegar a seu fim, sendo a COHAB-GO reativada e transformada em
Agência Goiana de Habitação – AGEHAB na passagem da década de 1990 para a
década de 2000.
Com o advento e operação do Programa Mutirão da Moradia, a
COHAB-GO acaba sendo marginalizada no âmbito da administração pública
estadual28. É o que descreve Luiz Antônio Martins Bretones, funcionário da COHAB-
GO, hoje AGEHAB, desde o final da década de 1970:

No primeiro governo Íris, nós ficamos totalmente neutralizados nas nossas


ações que precisávamos contar com a ajuda do governo do Estado. Porque
o governo voltou a atenção dele para o programa do Mutirão, com a
CODEG. E a COHAB então procurou concluir aquilo que já tinha, estava em
andamento, alguns processos, projetos que estavam já plantados procurou-
se dar sequência. Mas foi uma diminuição, um desgaste total. Porque nós
tínhamos que cobrar, o outro era de graça. Nesse paralelo a gente não
conseguia fazer concorrência. (Luiz Bretones, 03.05.2011).

Sintomático a esse respeito é o destino dado pelo governo do Estado a


duas experiências de projetos alternativos da COHAB-GO, uma desenvolvida
anteriormente ao Mutirão da Moradia, na esteira do que vinha realizando o BNH
para viabilizar o atendimento à clientela não atingida pelos programas tradicionais, e
a outra levada a cabo posteriormente ao início daquele programa, como resposta e
alternativa ao mesmo. A primeira experiência, como registrado por Freitas (2007), é
o “Projeto Laboratório – Processos Construtivos Não-Convencionais”, desde 1979
em curso na Divisão de Pesquisa e Testes de Materiais da COHAB-GO e que não
foi sequer aventada enquanto possibilidade para o Mutirão da Moradia.
A segunda experiência aludida, contemporânea ao Mutirão da Moradia,
diz respeito ao chamado Projeto Participação. Como relembra Luiz Bretones, “Se
era pra trabalhar naquele contexto, nós íamos buscar uma alternativa, mas uma

28
Enquanto a CODEG estava jurisdicionada à Secretaria de Planejamento e Coordenação, a
COHAB-GO, juntamente com a Loteria do Estado de Goiás – LEG e a Fundação Estadual do Bem-
Estar do Menor – FEBEM, estava vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Social. (GOIÁS, 2005).
67

alternativa consciente” (03.05.2011), “uma variável daquele mutirão sem técnica,


sem conforto ambiental, sem qualidade” (30.09.2010). Assim, para o
desenvolvimento do projeto em questão, buscou-se parceria com as universidades
federal e católica e assessoria com o arquiteto de Brasília João Figueiras Lima
(Lelé), que se notabilizava em seus trabalhos pela preocupação com a
industrialização da construção e pelas soluções relativas ao conforto térmico. O
Projeto Participação foi apresentado ao BNH, de modo que, após passar pela
agência de Goiânia, o presidente da COHAB-GO é convidado para sua exposição
na agência do Rio de Janeiro. O governador Íris Rezende, contudo, interveio na sua
tramitação, influindo para que a mesma fosse abortada, mais uma vez confirmando
a opção de seu governo pela CODEG em detrimento da COHAB-GO e, ademais,
por uma solução habitacional alternativa de baixa qualidade29.
Além de ver seus projetos alternativos sendo desconsiderados,
conforme descrito nos dois parágrafos anteriores, a COHAB-GO tem seu campo de
atuação reduzido à conclusão dos empreendimentos já iniciados nas gestões
anteriores, como ressalta Luiz Bretones no trecho de entrevista acima apresentado.
Para isso, contribuía o fato de que, se a obtenção de terreno era um dos principais
problemas vivenciados por esta empresa para a consecução de financiamento junto
ao BNH, tal não se colocava da mesma maneira para a CODEG, já que os
loteamentos foram feitos, na Vila Mutirão de Goiânia, em área rural e à revelia da
legislação municipal (MOYSÉS, 2004) e, no Mutirão do Interior, nos termos de um
dos entrevistados, “na marra” e “no mando do prefeito”, deixando para depois a
tarefa da regularização.
Por fim, a COHAB-GO acaba por assumir, compulsoriamente, alguns
dos ônus decorrentes da operação do Mutirão da Moradia. Um deles diz respeito à
convocação, sob ameaça de demissão, corte de ponto e outras sanções, dos
funcionários públicos do Estado para a coordenação da montagem das casas no dia
da primeira etapa da Vila Mutirão, em 1983, e do Mutirão do Interior, em 1984, cada

29
Com respeito ao Projeto Participação, afirma Luiz Bretones (30.09.2010): “No nosso programa já
era um programa de participação, porém mais lenta, mas ainda com a presença da família. Então,
nós íamos trabalhar, por exemplo, os montantes, os painéis, nós não poderíamos fugir desse foco
que foi dado desse programa do mutirão. E íamos trabalhar com um painel que não era um painel
daqueles só de encaixe, era um painel que ele tinha, de um lado, encaixe, mas, de outro, ele era
cavilhado e depois recebia uma camada de um revestimento que ele se tornava um painel trabalhável
em termo de prumo, nível, esquadro”.
68

órgão do Estado ficando responsável por um grupo de casas naquele e por um


município neste. A COHAB-GO e os demais órgãos do Estado, vale registrar, são
“chamados” para participar não da concepção e planejamento do programa, tarefas
a cargo da CODEG, mas de sua execução unicamente. A COHAB-GO, além disso,
embora assim envolvida em um programa habitacional, nele se inclui como qualquer
outra instância da administração pública estadual, o que, mais uma vez, reforça o
desprezo por sua capacidade técnica e estrutura organizacional.
O outro ônus compulsoriamente assumido pela COHAB-GO decorre do
fato de que, com o financiamento do SFH às casas do Mutirão do Interior, conforme
registrado no artigo de jornal reproduzido mais acima, aquela fica responsável, no
papel de agente financeiro, pela regularização dos conjuntos produzidos e pelo
recebimento das prestações e seu repasse ao BNH. Chegou a ser montada uma
comissão internamente à COHAB-GO para a condução deste trabalho, mas este
fracassa redondamente. Além das dificuldades encontradas para a regularização
dos loteamentos, feitos muitas vezes “na marra”, como sugeriu um dos
entrevistados, a COHAB-GO, nos termos de Luiz Bretones (03.05.2011), não tinha
“portas abertas” nos municípios para cobrar as prestações dos beneficiários30. A
comissão, ao fim e ao cabo, é dissolvida, restando à COHAB-GO a situação de
inadimplência com o BNH e, uma vez extinto este banco, com a CEF.

3.4 COMISSÃO DE POSSEIROS URBANOS (CPU) E MOVIMENTO

POR MORADIA

Conforme já referido, o ano de 1979, com o episódio do Jardim Nova


Esperança, coloca-se enquanto marco divisório da luta por moradia em Goiânia, que
passa a contar, a partir de então, com ocupações coletivas e organizadas. O ano de
1980 é marco da politização dessa mesma luta, como sugere Chaves (1985). Neste
ano, em assembléia organizada pela associação dos moradores do Jardim Nova
Esperança, constitui-se a União das Invasões – UI, instância voltada para a

30
Luiz Bretones (03.05.2011) tece as seguintes considerações a esse respeito: “Porque o município,
o prefeito doou o terreno, ajudou a firma a construir, montar as placas, fazer o material pré-moldado,
pagava parte do pessoal pra fazer as instalações elétricas, fez o arruamento e ao final chegava a
COHAB lá querendo cobrar uma prestação do beneficiário que foi ele que escolheu, o prefeito. Então,
nós não tínhamos portas abertas em nenhuma prefeitura. Ao ponto que chegou assim: nós fizemos
um relatório pedindo então que fosse dissolvido aquela comissão porque nós não tínhamos êxito”.
69

agregação e coordenação dos esforços reivindicatórios em curso na cidade. Ao


mesmo tempo, ao nível das áreas de posse, eram formalizadas comissões e
associações de bairro. Em 1984, a UI transforma-se em União dos Posseiros de
Goiânia – UPG e, em 1987, converte-se em Federação Goiana de Inquilinos e
Posseiros – FEGIP, estendendo-se para além da capital. (BARBOSA; CABANNES;
MORAES, 1997).
A Igreja é peça-chave nesse processo de evolução organizativa,
influindo, inclusive, na construção da identidade de “posseiro urbano”, formulada em
contraposição à de “invasor”, que, imposta preconceituosamente pelas camadas
conservadoras da sociedade goianiense, é abandonada pelo movimento com a
mudança no nome da organização. (CHAVES, 1985). Outros aportes institucionais e
agenciamentos (DOIMO, 1996), além do da Igreja de corte progressista, também se
fizeram presentes, potencializando a ação política do movimento, entre os quais, a
Universidade Católica de Goiás – UCG, a Universidade Federal de Goiás – UFG e
grupos de arquitetos, jornalistas e advogados de esquerda. (BARBOSA;
CABANNES; MORAES, 1997; CHAVES, 1985; DUARTE, 1999).
Tal como em outras capitais e cidades médias brasileiras, é nítida a
conformação e persistência ao longo da década de 1980 de um “campo ético-
político” referido ao popular (DOIMO, 1996) em Goiânia, orientado no sentido do
direito à terra urbana e à moradia. Aí, ademais, o movimento local teve participação
decisiva na constituição de movimentos nacionais como a Articulação Nacional do
Solo Urbano – ANSUR –, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM e a
Central de Movimentos Populares – CMP, tendo indicado os primeiros
coordenadores tanto da ANSUR31 quanto do MNLM32. (BARBOSA; CABANNES;
MORAES, 1997; Ronnie Barbosa, 09.05.2011; Lúcia Moraes, 04.05.2011; Vidal
Barbosa, 02.05.2011).

31
A ANSUR foi criada em 1984, havendo para tal apoio significativo da Igreja Católica, preocupada
em constituir na cidade uma instância de agregação semelhante à que se tinha no campo com a
Comissão Pastoral da Terra – CPT, criada em 1975 e desde então sediada em Goiás, na cidade que
leva o mesmo nome do estado. Embora com sede em São Paulo, a ANSUR acaba por ter um goiano
como seu primeiro coordenador – Ronnie Barbosa, uma das lideranças da então UPG.
32
O MNLM, inicialmente muito vinculado à ANSUR, que lhe dava assessoramento técnico, é criado
em 1990, em reunião realizada na capital do estado de Goiás em 1990, no Centro Pastoral da
Arquidiocese de Goiânia, hoje chamado de Centro Pastoral Dom Fernando em homenagem ao
arcebispo que presidiu a arquidiocese em tela de 1957 a 1985 e que pautou sua atuação pelos
princípios da Teologia da Libertação. Além de ter sua primeira sede em Goiânia, o primeiro
coordenador do MNLM é goiano – Maurício Beraldo, outra liderança da então FEGIP.
70

Além de promover ocupações coletivas e empunhar a defesa de uma


política pública de habitação voltada de fato à baixa renda, o movimento por moradia
local cobrava soluções para as áreas de posse de Goiânia, ou seja, reivindicava sua
regularização fundiária e urbanística e, assim, sua integração à cidade. Uma das
primeiras grandes conquistas da UI/UPG/FEGIP deu-se justamente nesse sentido,
com a instituição, pelo primeiro governo Íris, de uma comissão governamental
incumbida, nos termos do Decreto n° 2.324, de fevereiro de 1984, “de formular e
executar uma política de regularização dos assentamentos populacionais nas
denominadas ‘invasões’”. Trata-se da chamada Comissão de Posseiros Urbanos –
CPU.
Esta comissão tinha formato paritário, contando com representantes do
Estado e do movimento por moradia. Estava ligada diretamente ao gabinete do
governador e tinha a sua disposição um pequeno quadro técnico, conformado por
arquitetos, engenheiros e assistentes sociais. Inexistindo trabalho prévio, seja do
Estado seja da prefeitura, nas áreas de posse, a atuação da CPU começou
praticamente do zero33. Sabiam-se quais eram as áreas de posse, mas se
desconhecia seu perfil físico-territorial e sócio-econômico.
Como resultado dos trabalhos desta comissão, conforme recordam
Maracy Cardoso e Maria Rita (11.05.2011), integrantes do seu quadro técnico, foram
realizados os levantamentos topográfico e sócio-econômico de cerca de 100 áreas
de posse da Grande Goiânia. Destas, em torno de 30 áreas foram urbanizadas,
entendendo-se por isso apenas a consecução de um mínimo ordenamento espacial
no assentamento, já que as obras de saneamento básico ficaram para depois.
Destas 30, entre 10 e 15 áreas tiveram seu processo de regularização fundiária
concluído.
A maior parte das áreas de posse ficou com o processo de
regularização, tanto urbanística quanto fundiária, em aberto e nas poucas áreas em
que o referido processo se verificou, ele ocorreu de maneira incompleta. A despeito
disso, a CPU representou um avanço. Além de ter resultado no mapeamento e, por

33
Como ressalta Maria Rita (11.05.2011), que integrou o quadro técnico da CPU, havia tão-somente
o conhecimento técnico adquirido no PROMORAR, mas este, que tomaria como exemplo a aplicação
do programa em Recife, não passou da fase preparatória, tendo resultado apenas no levantamento
sócio-econômico de algumas áreas de posse.
71

conseqüência, no reconhecimento de praticamente todas as áreas de posse de


Goiânia à época, pautou-se em sua atuação pela perspectiva não da remoção mas
da permanência, conquistando legitimidade entre os moradores destes
assentamentos e os integrantes do movimento por moradia. Ronnie Barbosa
(09.05.2011), referindo-se ao processo de numeração das casas, que se dava com a
sigla “CPU”, afirma expressando a posição do movimento por moradia: “Nós
passamos é exigir que o CPU fosse feito em todas as áreas de posse de Goiânia.
Então, quando não fazia, o pau comia, o bicho pegava”. Da mesma forma, Maria
Rita diz o seguinte:

Depois, eles faziam até questão... Eles iam lá buscar a gente, pra gente ir
fazer a numeração, porque eles viram que, a partir do momento que a gente
começou o trabalho, evoluiu, não ficou daquele outro jeito, que o pessoal ia
e mexia nas áreas, depois ficava sem resultado nenhum. (Maria Rita,
11.05.2011).

Mas conflitos entre o Estado e o movimento por moradia ocorreram


tanto na criação da CPU quanto no transcurso de sua atuação. Na designação dos
integrantes da mesma, o governador Íris Rezende desconsiderou a legitimidade e
representatividade da então UPG na luta por moradia em Goiânia. Induziu a criação
de uma entidade paralela, a Associação dos Posseiros de Goiânia – APG, dela
retirando o representante da sociedade civil que integraria a CPU. Esta associação,
nos termos de Ronnie Barbosa (09.05.2011), não optava pelo enfrentamento, mas
pelo diálogo e conciliação e, em sua curta sobrevivência, trocou conquistas tópicas
junto ao governo do Estado por apoio político.
Embora fosse a criação da APG uma estratégia do governador para
dividir o movimento, tal não acaba por não ocorrer, prosseguindo a UPG no seu
processo de evolução organizativa e reivindicação pelo direito à moradia, conforme
contam as lideranças entrevistadas para a feitura deste trabalho. Ademais, a não
representatividade da UPG na CPU não implicou a inexistência de interlocução da
mesma com a comissão em tela. Os técnicos que a compunham acabavam sendo
sensíveis à UPG e esta, conforme afirma Ronnie Barbosa (09.05.2011), fazia
“reunião lá direto, mas assim, muito mais pra levar demanda e questionar uma ou
outra atividade”.
Outro conflito entre movimento por moradia e Estado deu-se em torno
do entendimento que tinha a CPU com respeito ao conceito de “posse urbana”. Para
a CPU e, conseqüentemente, para o Estado, enquadravam-se como tal apenas as
72

áreas ocupadas espontaneamente com mais de cinco anos de existência. Ou seja,


áreas ocupadas espontaneamente com menos de cinco anos e áreas cujo processo
de ocupação se deu coletivamente (o que tendeu a ser regra depois do Jardim Nova
Esperança) eram consideradas invasões, não podendo ser objeto de regularização
urbanística e fundiária. Outro era o entendimento do movimento por moradia, que
considerava todas essas áreas como posses urbanas, independentemente da data e
da forma da ocupação.
No governo Henrique Santillo (1986-1990), a CPU é elevada à
condição de superintendência34 da Secretaria de Assuntos Comunitárias – SAC, que
passa a ser responsável pela política estadual de habitação. Se tal mudança
resultou em mais recursos para a então Superintendência de Assuntos de Posses
Urbanas, esta começa a perder força à medida que se acentua o conflito Íris x
Santillo, que causa uma grande divisão no governo e no PMDB estadual. Isso se
soma à frágil institucionalização herdada da CPU, que não possuía nem dotação
orçamentária nem um quadro completo de funcionários, dependia da boa vontade
dos técnicos de outras agências do Estado para realizar suas intervenções, sendo
para tal muito importante sua ligação direta com o governador. A deserção de seu
quadro de pessoal por ocasião do conflito entre “iristas” e “santillistas” acaba por
implicar, assim, a descontinuidade e a interrupção praticamente dos trabalhos.

34
A despeito disso, a numeração das casas continua sendo feita com a sigla “CPU”, para não
desacreditar a população e manter a legitimidade conquistada.
73

Esquema 1 – Setor habitacional no Governo Íris (1983-1986) e mudanças no Governo


Santillo (1987-1990)

Gov. Íris Rezende (1983-86)

Sec. Planejamento Mutirão da


Moradia

CODEG

X
Gov. Henrique Santillo (1987-90)
Sec. Desenvolvimento Social

COHAB-GO SAC

FEBEM

LEG
X Sec. Desenv. Urbano
e Meio Ambiente

EMCIDEC

CPU EMOP

Fundação de
Promoção
Social

FLEBES
Sec. Trabalho
Sec. Trabalho

Fonte: Elaboração própria, a partir das entrevistas realizadas e bibliografia e documentos acessados.
1 – O “quadro bege” circunscreve as empresas e/ ou secretarias às quais o governo estadual delega a
condução do seu programa habitacional prioritário; o “balão rosa” circunscreve, dentre outras coisas, as
estruturas organizacionais que, embora vinculadas à habitação, gozam de inserção marginal na
administração pública estadual; e abaixo da linha pontilhada encontram-se órgãos e secretarias que não
participam de nenhuma ação habitacional, mas que no governo seguinte recebem redirecionamentos que
influem no curso da política habitacional estadual.
2 – O “quadro cinza”, no canto direito do esquema, refere-se ao governo seguinte, demonstrando as
mudanças que são operadas na estrutura administrativa herdada do governo anterior.

3.5 DEMAIS PROGRAMAS DE PRODUÇÃO HABITACIONAL

Após o fim do primeiro governo Íris (1983-1986), outros programas


habitacionais são implementados pelo governo do Estado de Goiás. No âmbito
federal, o quadro de desarticulação institucional e financeira do setor habitacional
permanece praticamente o mesmo, não se constituindo, seja por iniciativa ministerial
seja no espaço propiciado pela Assembléia Nacional Constituinte, uma repactuação
das atribuições de gestão da política habitacional entre os entes federativos.
(ARRETCHE, 2000). A ausência do nível federal de governo, como observam
Cardoso e Ribeiro (2000), prossegue se impondo como o parâmetro básico da
descentralização.
74

É assim que, contando quase que apenas com recursos próprios, dada
a escassez dos recursos federais e a imprevisibilidade decorrente da necessidade
de barganha federativa para acessá-los, implementam-se o Programa Habitacional
Comunitário, no governo Henrique Santillo (1987-1990), o Mutirão Permanente da
Moradia, no segundo governo Íris (1991-1994), e o Meu Lote, Minha Casa, no
governo Maguito Vilela (1995-1998). Embora seja o Mutirão da Moradia, no primeiro
governo Íris, o programa habitacional que mais marca o longo ciclo de hegemonia do
PMDB na política goiana, não é ele que logra maior desempenho quantitativo nem,
muito menos, uma base institucional mais sólida. Vejamos.

3.5.1 Programa Habitacional Comunitário (1987-1990)

No final de 1986, sob o embalo da popularidade conquistada pelo


PMDB estadual e o sucesso alcançado nacionalmente pelo Plano Cruzado,
Henrique Santillo vence as eleições para o governo do Estado de Goiás. Um dos
nomes cogitados para disputar as eleições de 1982 pelo PMDB, colocava-se à
esquerda de Íris Rezende no partido, apresentando perfil menos populista e mais
aberto a bandeiras progressistas de democratização do acesso às políticas públicas,
sendo sintomático a esse respeito a instituição, em seu governo, de uma pasta
especialmente voltada para as questões de gênero, intitulada Secretaria da
Condição Feminina. (RODRIGUES, 2009).
O governo Santillo acaba sendo comprometido em suas ações,
contudo, por fatores como a crise que marcou a economia brasileira na década de
1980. Inicia-se, assim, em 1987, sob o fracasso do plano que havia se constituído
enquanto importante impulso para sua eleição e sofre os efeitos de mais três planos,
quais sejam os planos Bresser, Verão e Collor. Somaram-se a isso, além das dívidas
herdadas do governo anterior: o acidente radioativo do Césio 137 (GOIÁS, 1991),
que gerou desgaste político e que, embora ocorrido em Goiânia, impactou a
produção agrícola e as exportações do estado em função das suspeitas de
contaminação; e os rebatimentos da convenção do PMDB para escolha de seu
75

candidato à presidência e da eleição de Collor sobre o PMDB estadual, cindido que


fica entre “iristas” e “santillistas”35.
Embora em meio a tais condicionantes, o governo Santillo logra
avanços na política estadual de habitação, ainda que sem a mesma repercussão
política alcançada por seu antecessor através do Mutirão da Moradia. De início, por
meio da reforma administrativa autorizada pelas leis n° 10.160, de abril de 1987, e
10.502, de maio de 1988, procede, de um lado, à instituição da Secretaria de
Assuntos Comunitários – SAC e da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente, passando a COHAB-GO a estar jurisdicionada a esta última; e, de outro,
à extinção da CODEG, havendo a assunção das partes remanescentes da mesma
pelas recém-criadas EMCIDEC e EMOP36. (GOIÁS, 2005).
Embora pela leitura da Lei n° 10.160/87 fique a impressão de que a
SAC teria entre suas atribuições não apenas a habitação mas também inúmeras
outras ações mais vinculadas à assistencial social, pelo exame do balanço das
realizações do governo Santillo, percebe-se que o foco da atuação daquela
secretaria restringiu-se à política habitacional (GOIÁS, 1991). Houve, assim, um
esforço no sentido de concentrar as ações assistenciais na Fundação de Promoção
Social, que fundiu secretaria e órgãos37 que, no governo Íris, trabalhavam em

35
A esse respeito, Adhemar Santillo, irmão de Henrique Santillo, secretário de seu governo e político
de Anápolis, apresenta-nos sua interpretação acerca do ocorrido. Sustenta que, na convenção do
PMDB para a escolha do candidato a presidente da República, o presidente Sarney intervém na
disputa com vistas a enfraquecer o nome de Ulysses Guimarães, dividindo seu grupo – o que ocorre
com o lançamento dos nomes de Waldir Pires e Álvaro Dias – e lançando o nome de Íris Rezende, ao
qual dava seu apoio. Henrique Santillo não teria concedido apoio explícito a Íris, posto que se
inclinava para o nome de Ulysses Guimarães. O presidente Sarney, dessa maneira, imputa a vitória
deste e a conseqüente derrota de Íris a Henrique Santillo. Com a ida de Lula e Collor para o segundo
turno, enquanto Santillo apóia Lula, Íris apóia Collor. Segundo Adhemar, em função desses
desencontros, além do conflito no âmbito estadual entre “iristas” e “santillistas”, teria havido
perseguição dos governos Sarney e Collor ao governador Santillo, seja interrompendo a liberação de
verba para o Programa de Pavimentação Municipal e não concedendo apoio no caso do episódio do
Césio 137, seja procedendo à liquidação extra-judicial da CAIXEGO. Henrique Santillo, vale dizer, já
no governo Itamar Franco, torna-se Ministro da Saúde. Disponível em:
http://blogdosantillo.blogspot.com/2010/11/quebra-da-unidade-peemedebista-em-goias. html. Acesso
em: 10 out. 2011.
36
Extinta a CODEG, sua Diretoria de Administração e Obras é transferida para a Empresa Estadual
de Obras Públicas – EMOP e as partes remanescentes à Empresa Estadual de Ciência, Tecnologia e
Desenvolvimento Econômico-Social – EMCIDEC. A constituição destas duas empresas é autorizada,
cabe registrar, pela mesma lei que extingue a CODEG (Lei n° 10.502/88). Como será demonstrado
mais à frente, Íris Rezende, com sua volta ao governo do Estado em 1991, aloca o Mutirão
Permanente da Moradia na EMCIDEC. (GOIÁS, s/d; Jadir Mendonça, 12.05.2011).
37
A Fundação de Promoção Social fundiu a Secretaria de Desenvolvimento Social, a Fundação
Legionárias do Bem-Estar Social – FLEBES e a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor –
76

paralelo e de maneira fragmentada. (VIEIRA JR., 2005). Por outro lado, o


paralelismo entre a Secretaria de Assuntos Comunitários e a Secretaria de
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente acabou perdendo força e resultando no
esvaziamento das funções desta no campo da habitação popular e, por
conseqüência, da COHAB-GO, reafirmando-se a marginalização herdada do
governo Íris desta empresa no âmbito da máquina pública estadual.
Recai sobre a Secretaria de Assuntos Comunitários, então, a
responsabilidade pela coordenação da política habitacional no governo Santillo. Se o
Mutirão da Moradia é extinto juntamente com o órgão que o geria, o trabalho
realizado dentro da CPU se mantém, sendo esta comissão, conforme relatam
Maracy Cardoso e Maria Rita (11.05.2011), técnicas da mesma à época,
transformada numa das três superintendências da SAC, intitulada Superintendência
para Assuntos de Posses Urbanas. As duas outras superintendências encarregam-
se da produção habitacional propriamente dita e do apoio às organizações
comunitárias, denominando-se, respectivamente, Superintendência de Programas,
Produção e Abastecimento Comunitários38 e Superintendência de Articulação com
Movimento Comunitário. (GOIÁS, 1991).
Em termos de produção habitacional, a marca do governo Santillo é a
opção pela solução alternativa de lotes urbanizados ou semi-urbanizados em
combinação com a cesta de material de construção, ainda que tenha realizado
atendimento habitacional também com unidades prontas. Por meio da redução de
custos em função do uso da autoconstrução, buscava-se o atendimento às famílias
com renda familiar de até 3 salários mínimos. O desempenho quantitativo foi maior
que o verificado no governo Íris, que beneficiou com o Mutirão da Moradia 6.433
famílias. O governo Santillo, apenas em Goiânia, com os cinco loteamentos
realizados na região noroeste da cidade, atendeu 5.555 famílias. Nessa mesma

FEBEM. A COHAB-GO, que, no governo Íris estava jurisdicionada à Secretaria de Desenvolvimento


Social, passa a integrar a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. (VIEIRA JR.,
2005; GOIÁS, 2005).
38
Com a Lei n° 10.160/1987, além de se instituir a SAC, criam-se quatro superintendências
internamente à mesma. Pela Lei n° 10.502/1988, duas destas quatro superintendências, quais sejam,
a Superintendência de Programas Comunitários e a Superintendência de Produção e Abastecimento
Comunitário, são fundidas numa única superintendência. A SAC fica, assim, com três
superintendências, coincidindo cada uma delas com as linhas de ação referidas. Parece haver aí um
caminho no sentido de opção pela habitação em detrimento de ações assistenciais que, a princípio,
também integrariam seu escopo de atuação.
77

região, Íris Rezende beneficiou 2.882 famílias na Vila Mutirão em suas três etapas
(1ª, 2ªA, 2ªB e 3ª). Ao todo, o governo Santillo beneficiou 26.214 famílias, sendo
12.359 com lotes e 13.855, um número um pouco maior, com casas.

Tabela 4 – Programa Habitacional Comunitário – 1987-1990


Tipo Localidade Especificação Unidades habitacionais
Lotes Goiânia 5 loteamentos 5.555
Casas Goiânia c/ a COHAB-GO 4.799
Grande Goiânia (Aparecida de Goiânia e Senador
Lotes Canedo) e Itumbiara 3 loteamentos 6.804
Casas Interior _ 9.056
Total 26.214
Total com lotes 12.359
Total com casas 13.855
Fonte: GOIÁS. Um documento para o futuro. Governo Santillo – 1987/1991. Goiânia, Goiás, 1991.

Além de imprimir maior qualidade à política habitacional, seja pela


criação de uma secretaria dedicada à questão, seja pelos números e pelo tipo de
atendimento habitacional realizado, o governo Santillo mostrou-se mais aberto ao
diálogo com o movimento por moradia, que, desde a segunda metade da década de
1970 e a ocupação do Jardim Nova Esperança em 1979, vinha passando por um
processo crescente de incremento de suas práticas reivindicativas e de evolução
organizativa. Conforme sustenta Ronnie Barbosa, militante histórico do PT e do
movimento por moradia de Goiânia e de Goiás:

Porque quem veio dialogar melhor com a gente, muito embora não nos
levou, foi o Santillo. O Santillo já teve um trato mais respeitoso e mais
político com o movimento social. Eu diria que, melhor do que o Santillo,
nesse aspecto, ainda não apareceu nenhum. [...]. Nós tínhamos uma
proposta muito objetiva – criar 10 mil moradias em Goiânia. E o Íris não
pautou essa conversa. Com a ascensão do Santillo, o Santillo cria a
secretaria de habitação e lança o desafio de construir 10 mil casas e chama
a gente pro diálogo. Nós queríamos criar uma comissão para acompanhar
esse processo e o Jossivani [Secretário de Assuntos Comunitários] resistiu.
Nós ocupamos a secretaria, dormimos lá, inclusive, o tiramos de dentro da
secretaria, o expulsamos de lá, ficamos lá dois dias. Aí o governador nos
atendeu, nos recebeu. (Ronnie Barbosa, 09.05.2011).

Integram essa relação mais democrática entre governo e movimento


por moradia as iniciativas tomadas pela SAC, particularmente por sua
Superintendência de Articulação com Movimento Comunitário, para a criação e
legalização de entidades comunitárias e para a orientação às entidades já existentes
sobre os diversos convênios existentes em órgãos federais, estaduais e municipais.
(GOIÁS, 1991). Parece estar aí um indicador da busca pelo fortalecimento dos
78

canais de comunicação do poder público com a sociedade civil, uma postura


diferente com relação àquela presente no governo Íris, que, nitidamente populista,
dispensava intermediários entre povo e governo.
Há ainda dois elementos dignos de nota com respeito à relação entre
governo e movimento por moradia no governo Santillo. Um deles diz respeito ao
modo como se deu o cadastramento das famílias beneficiárias do Jardim Curitiba39,
um dos cinco loteamentos realizados na região noroeste de Goiânia. Para parte das
famílias, conforme relatou Lúcia Moraes (11.05.2011), utilizou-se o cadastro da
União de Posseiros de Goiânia – UPG, um ganho do movimento que, ao se
posicionar em função deste pleito, tem sua reivindicação acatada pelo governo do
Estado.
O outro elemento aludido refere-se à resposta dada pelo governo do
Estado às ocupações do Jardim Dom Fernando I e do Parque Anhanguera, ambas
ocorridas em 1987. Em ambos os casos, não houve remoção. Naquele, por se tratar
de ocupação de terra da Igreja, o governador, mediante acordo com o Arcebispo de
Goiânia, procedeu à desapropriação da área. Neste, segunda maior ocupação de
Goiânia depois do Jardim Nova Esperança, conforme afirma Maria Rita, técnica à
época da Superintendência de Assuntos de Posses Urbanas:

Mas na época a opção do governador, que era o Henrique Santillo, era de


não retirar o pessoal, como não retirou. Pessoal ficou lá, eu não sei se foi
feito outro trabalho pra regularização lá, eu sei que nossa equipe não
entrou. A equipe que trabalhava com posse urbana não entrou. (Maria Rita,
11.05.2011).

Como esta superintendência, continuadora do trabalho da CPU, atuava


apenas nas áreas ocupadas há mais de cinco anos e que fossem resultado de
ocupação espontânea, o governador acaba não a utilizando para o encaminhamento
do impasse provocado pela ocupação do Parque Anhanguera. Entretanto, por outra
via que não esta, reconheceu o direito de permanência dos ocupantes.

39
Conforme afirmado mais acima, institui-se no MDU em 1985 o programa Mutirão da Moradia, que,
embora inicialmente inspirado na experiência goiana, acaba não sendo implementado enquanto tal. O
governo Santillo logrou estabelecer convênio no âmbito deste programa para a viabilização do Jardim
Curitiba, contando para tal, provavelmente, com o trânsito de Íris Rezende no governo Sarney e a
inserção de Flávio Peixoto na CEF, então diretor de habitação e hipoteca da mesma. (BRASIL, 1988;
Jossivani de Oliveira, 13.05.2011).
79

A despeito dos avanços ocorridos na política habitacional do Estado,


em boa medida impulsionados pela capacidade de pressão do movimento por
moradia, reunido desde 1987 sob a FEGIP, conforme pondera Ronnie Barbosa:

Passou dos 10 mil [unidades habitacionais em Goiânia]. Mas não impediu


as ocupações nem a resistência da polícia. O Santillo bateu menos mas não
deixou de botar a polícia pra reprimir. O Santillo imprimiu mais qualidade na
política de habitação, porque instituiu uma secretaria, pôs técnico pra
operar, botou infra-estrutura mais material de construção, mas não deixou
de afagar o capital imobiliário. (Ronnie Barbosa, 09.05.2011).

Com o governo Santillo, mantém-se, para o caso da cidade de Goiânia,


além do uso da força da polícia, a mesma lógica de segregação sócio-espacial
iniciada por Ary Valadão e Íris Rezende na região noroeste – aquele por meio da
Vila FINSOCIAL e este, da Vila Mutirão. Os Jardins Curitiba I, II, III e IV integram,
todos eles, esta região, que, além de separada da malha urbana à época por um
imenso vazio urbano, teve, segundo Moysés (2004), sua ocupação induzida pelo
poder público à revelia da legislação urbanística municipal e federal; está situada em
área eminentemente rural e de preservação ambiental, imprópria, portanto, para o
parcelamento que lhe foi imposto na década de 1980 e, como será demonstrado, no
início da década de 1990; e passou a concentrar o maior bolsão de miséria da
cidade de Goiânia.
Cabe registrar também que, a despeito da maior qualidade impressa
pelo governo Santillo à política habitacional estadual como um todo, o
empreendimento dos Jardins Curitiba, comparativamente aos loteamentos
anteriormente realizados na região noroeste, foi o que apresentou as piores
condições de habitabilidade e infra-estrutura. (MOYSÉS, 2004). Por fim, deve-se
fazer menção ao processo, já referido anteriormente, de desarticulação interna ao
qual acaba por se submeter a Superintendência de Assuntos de Posses Urbanas e,
por extensão, a Secretaria de Assuntos Comunitários. Muito contribuiu para tal a
acentuação dos conflitos internos ao governo entre “santillistas” e “iristas”, motivados
pelas disputas do PMDB pela indicação de candidato à presidência da república.
80

Esquema 2 – Setor habitacional no Governo Santillo (1987-1990) e mudanças no


Governo Íris (1991-1994)

Gov. Henrique Santillo (1987-90)

SAC Programa
Habitacional
Comunitário
Super. Programas, Prod.e Abast. Comunitários

Super. Articulação Mov. Comunitário

Super. Assuntos de Posses Urbanos

Sec. Desenv. Urbano e Meio Ambiente

COHAB-GO
X Gov. Íris Rezende (1991-94)

Sec. Planejamento

SANEAGO EMCIDEC

Sec. Ação Social


e Trabalho
X
Sec. COHAB-GO
Secretaria da Planejamento
Condição
Feminina
EMCIDEC Super. Assent. Urbanos
Fundação de
Promoção
EMOP Social Sec. Trabalho

Fonte: Elaboração própria, a partir das entrevistas realizadas e bibliografia e documentos acessados.
1 – O “quadro bege” circunscreve as empresas e/ ou secretarias às quais o governo estadual delega a
condução do seu programa habitacional prioritário; o “balão rosa” circunscreve, dentre outras coisas, as
estruturas organizacionais que, embora vinculadas à habitação, gozam de inserção marginal na
administração pública estadual; e abaixo da linha pontilhada encontram-se órgãos e secretarias que não
participam de nenhuma ação habitacional, mas que no governo seguinte recebem redirecionamentos que
influem no curso da política habitacional estadual.
2 – O “quadro cinza”, no canto direito do esquema, refere-se ao governo seguinte, demonstrando as
mudanças que são operadas na estrutura administrativa herdada do governo anterior.

3.5.2 Mutirão Permanente da Moradia (1991-1994)

O segundo governo Íris Rezende, conforme observa Vieira Júnior


(2004), inicia-se em contexto significativamente diverso do primeiro. Além da divisão
do estado ocorrida com a Constituição de 1988, esta mesma carta havia consumado
o processo de descentralização político-administrativa e fiscal em curso desde
meados da década de 1980, resultando em maior autonomia política e em maior
parcela dos recursos fiscais para os governos estaduais. Por outro lado, contudo,
persistia a crise econômica herdada do governo Sarney, em âmbito nacional, e do
governo Santillo, em âmbito estadual, tudo isso sendo agravado com o Plano Collor.
81

Diante desse contexto, de acordo com o discurso oficial, deveria ser


retomada, pelos seus baixos custos40, a prática do mutirão, e não apenas para o
âmbito da política habitacional como para outros setores de política pública. É o que
se sustenta no balanço das ações realizadas pelo governo entre 1991 e 1993:

Os problemas acumulados ao longo das décadas exigiam soluções


urgentes e de grande porte. Sem recursos, sem apoio significativo da esfera
federal e sem muitas condições de encontrar saídas, o caminho mais
prático a ser tomado para a reconstrução do Estado foi a volta dos mutirões:
a força do trabalho conjunto, enfrentando desafios e vencendo barreiras.
Assim, os mutirões se multiplicaram: mutirão da água, da luz rural, da
saúde, do cidadão, mutirão permanente da moradia. A transparência na
condução da administração pública possibilitou transformar em obras a crise
que aflige tudo e a todos. É justamente aí que reside o segredo goiano para
o milagre das obras multiplicadas. (GOIÁS, 1993).

Assim, se interrompido no governo Santillo, o Mutirão da Moradia


retorna, não sem modificações, no segundo governo Íris. Já sob a denominação de
Mutirão Permanente da Moradia, assume novo formato e sistemática e, pelo que
sugere a maior produção legislativa vinculada à questão no período e a maior
preocupação com a definição de procedimentos e fixação de papéis específicos para
cada um dos agentes integrantes (estado, município e comunidade) do programa,
passa a gozar de uma base institucional mais sólida. De outro lado, todavia, deixa
de ter a repercussão política que o caracterizou no primeiro governo Íris. É o que se
procura demonstrar a seguir.
A CODEG havia sido extinta pelo governo Santillo. Sua Diretoria de
Administração e Obras foi transferida para a EMOP, empresa que se volta para a
execução, de maneira mais ágil e menos burocratizada, de obras públicas não
distribuídas a outros órgãos da administração direta ou indireta. Já as partes
remanescentes foram incorporadas à EMCIDEC, que é responsabilizada pela
política científica e tecnológica, pela realização de pesquisas sócio-econômicas para
o desenvolvimento do estado, por atividades de processamento de dados e pela
articulação do Estado com os municípios.
Quando do início do governo Íris, então, tomada a decisão de retomar
o Mutirão da Moradia, tratava-se de definir qual órgão dele se encarregaria.

40
Como se verificou para o caso do primeiro governo Íris (1983-86), o Mutirão da Moradia não foi
uma prática tão barata assim, seja pela minuciosa preparação prévia realizada pela CODEG, seja
pela intensa campanha publicitária realizada, seja pelos reparos feitos e infra-estrutura implementada
depois do dia do mutirão. (MARICATO; MORAES, 1986).
82

Inicialmente, conforme relatou um dos entrevistados, cogitou-se fazer o Mutirão


Permanente da Moradia passar pela EMOP, o que acaba por não ocorrer. Para além
do fato de que esta empresa, de estrutura muito pequena, não comportaria o novo
programa, havia um segundo e mais importante fator: o Mutirão Permanente da
Moradia não era rentável para os empreiteiros que controlavam a EMOP. Devendo
obrigações políticas para com os mesmos, uma vez que haviam atuado no
financiamento a sua campanha eleitoral, Íris Rezende opta pela utilização da
estrutura da Empresa de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico-Social
– EMCIDEC. Eurico Calixto Godói, o mesmo que dirigiu a CODEG no primeiro
governo Íris, é escolhido para presidi-la, nela sendo instituída uma diretoria
específica para a coordenação e implementação do programa.
Sendo o retorno do Mutirão da Moradia e sua alocação na EMCIDEC a
opção tomada pelo novo governo, extingue-se a Secretaria de Assuntos
Comunitários. Seus quadros são incorporados, juntamente com a Fundação de
Promoção Social e a Secretaria do Trabalho, à Secretaria de Ação Social e Trabalho
– SEAST, criada pela reforma administrativa autorizada pela Lei n° 11.655, de
dezembro de 1991. (GOIÁS, 2005). Nesta secretaria, está a COHAB-GO, mais uma
vez em condição marginal na administração pública estadual, e a Superintendência
de Assentamentos Urbanos, que, embora de pouca relevância para a política de
habitação estadual, constitui-se enquanto importante espaço para a reprodução
política de um agrupamento recém-surgido do movimento por moradia local. A
Superintendência de Assuntos para Posses Urbanas, sucessora da CPU, é extinta
juntamente com a SAC, o que acaba por retirar do governo do Estado um importante
instrumento de que o mesmo dispunha, desde 1984, para a regularização de posses
urbanas.
A proposta do governo era ousada – viabilizar, sob a coordenação da
EMCIDEC, o Mutirão Permanente da Moradia em todos os municípios do estado de
Goiás. Como justificativa para tal, fazia-se menção, novamente, à necessidade de
fixar a população no interior e assim conter o inchaço dos grandes centros urbanos.
O programa, dessa maneira, nos termos do manual das diretrizes básicas, articularia
os aspectos habitacional e migratório, buscando combater o déficit habitacional do
estado em paralelo à criação de condições para a “fixação populacional nos locais
de origem”, para o que, também como no primeiro governo Íris, previam-se
intervenções complementares nas áreas da educação e do trabalho. (GOIÁS, s/d).
83

O programa Mutirão Permanente da Moradia tem por base normativa o


Decreto n° 3.669, de agosto de 1991, que regulamenta a Lei nº 9.353/1983, que
havia instituído o Mutirão da Moradia. Conforme se depreende pela leitura deste
decreto e pelo exame do manual já referido, persiste a destinação para a baixa
renda, ainda que para a faixa situada entre ½ e 3 salários mínimos. Da mesma
forma, é mantida a exigência de contrapartida financeira do beneficiário,
responsabilizando-se o mesmo pelo financiamento do preço do material de
construção e, eventualmente, quando fosse adquirido a título oneroso, do terreno. É
bem provável, contudo, que, tal como na primeira versão do programa, esta “relação
não paternalista entre Estado e beneficiário” (GOIÁS, s/d) não tenha se verificado na
prática.
Uma nova sistemática foi seguida: optou-se por não mais concentrar as
ações em um só dia, passando o mutirão a ser realizado de forma permanente41;
adotaram-se dois processos construtivos, um em alvenaria de tijolo (convencional) e
outro com pré-moldados (placas e pilares); e se adotou como solução definitiva a
cobertura das casas em telhas de barro. Dessa maneira, segundo o discurso oficial,
estaria assegurado, respectivamente: melhor qualidade construtiva e acabamento
aprimorado, além de maior integração do beneficiário com a construção e com seu
novo lugar de morar; maior adequação aos aspectos culturais das comunidades
beneficiadas; e melhor estética e maior conforto térmico (GOIÁS, s/d), este último
um ponto muito enfatizado pela comunidade científica em suas críticas à primeira
versão do programa.
No que diz respeito ao projeto arquitetônico, a área de construção
passa a ser de 25 metros quadrados, praticamente a mesma da primeira etapa da
Vila Mutirão de Goiânia e menor que a do Mutirão do Interior, que era de 35 metros
quadrados. Além das mudanças na cobertura e da possibilidade do uso do processo
convencional da alvenaria em tijolo, uma outra diferença em relação às ações do
primeiro governo Íris é a incorporação do banheiro à unidade habitacional. Vale
ressaltar também que, para o Mutirão Permanente da Moradia, já se fala em
“embrião” (GOIÁS, s/d), com o que o discurso oficial, em função das críticas
recebidas pela primeira versão do programa, sinaliza que a condição de “segunda

41
Em função disso e também por uma questão de marketing político, o programa passa a se chamar
Mutirão Permanente da Moradia.
84

categoria” da unidade produzida é apenas transitória, cabendo ao beneficiário a


responsabilidade de ampliá-la.
Segundo o manual das diretrizes do programa, a opção por não
concentrar as ações em um só dia devia-se à busca por melhor qualidade
construtiva e por maior integração da comunidade ao processo. Parece haver aí,
contudo, uma segunda explicação. Passada a irrupção carismática do Mutirão da
Moradia, tratava-se de racionalizar seus procedimentos e sua sistemática,
transformando-o em Mutirão Permanente da Moradia, este sim passível de
operacionalização numa conjuntura política outra que não a observada no primeiro
governo Íris. A viabilização das “mil casas em um dia” requereu, conforme já
demonstrado, um esforço tremendo de coordenação por parte do núcleo central de
governo e a capacidade de mobilização de sua liderança maior. No segundo
governo Íris, em contexto não mais embalado pela redemocratização e pela
“simbiose” (Flávio Peixoto, 02.05.2011) entre povo e governo verificada no primeiro
e já tendo sido extraídos da primeira versão do programa os dividendos político-
eleitorais esperados, opta-se por não mais incorrer nos riscos inerentes àquele
esforço de coordenação e à dependência da capacidade de mobilização de Íris
Rezende. Perde-se em expressividade, mas se ganha em rotina e na fixação de
procedimentos para a política de habitação.
No Mutirão Permanente da Moradia, para além dos elementos de
mudança face ao Mutirão da Moradia já apresentados, previa-se a criação, em cada
município ou povoado beneficiado, de uma “comissão organizadora”, que, “integrada
de forma representativa pelos diferentes segmentos organizados”, seria “o ponto de
referência tanto para o mutuário como para a EMCIDEC” (GOIÁS, s/d). Pelas
entrevistas realizadas, não se obtiveram informações com respeito a tais comissões
– se foram implementadas, se operaram, etc. De qualquer forma, não há dúvidas
que houve avanços na participação, antes restrita ao dia da montagem e, em sua
maior parte, compulsória. Conforme afirma Maracy Cardoso (11.05.2011), que, com
a extinção da Superintendência de Assuntos de Posses Urbanas, passa a integrar
os quadros da EMCIDEC:

Teve uma mudança aí, até na parte construtiva e na própria maneira de


execução do mutirão, que no primeiro foi feito em um dia entre aspas,
porque teve todo um trabalho técnico de suporte pra executar em um dia. E
o outro era permanente por quê? Porque era uma construção que tinha um
cronograma criado dentro da própria comunidade, dentro daquela vila ali
onde ia ser executado, disponibilidade do pessoal pra trabalhar só final de
85

semana, outros só... Então, assim, característica de cidade, de mão-de-obra


de cada local. [...]. Permanente é isso. Ele era permanente, não era um dia.
(Maracy Cardoso, 11.05.2011).

Também digna de nota é a política fundiária, que parece ter avançado


em relação à primeira versão do programa. De um lado, cabe fazer menção à
promulgação das leis n° 11.746, de julho de 1992, e 11.869, de dezembro de 1992,
que autorizavam o executivo a adquirir bens imóveis, por compra, desapropriação ou
doação onerosa, das empresas públicas ou dos municípios do estado e a doar estes
mesmos à EMCIDEC, que, operacionalizando o programa em questão, procederia à
transferências do domínio aos beneficiários finais. De outro, conforme relatado nas
entrevistas, houve maior cuidado na escolha de áreas que estivessem desimpedidas
juridicamente.
No Mutirão Permanente da Moradia, conforme relata Jadir Mendonça
(12.05.2011), havia uma divisão de tarefas segundo o recorte geográfico da
intervenção habitacional. Nos municípios e povoados do interior, seria utilizado o
regime de mutirão, em consonância com as diretrizes básicas do programa. Já na
Grande Goiânia, as obras seriam realizadas por empreiteiras, prevendo-se o
atendimento a Senador Canedo, com o conjunto habitacional que veio a ser
chamado Morada do Morro, e a Goiânia, na área da Fazenda São Domingos,
situada na região noroeste da cidade. Neste caso, contudo, o Mutirão Permanente
da Moradia acaba por não se realizar, convertendo-se em um programa de lotes
urbanizados. Tal se deveu, como será demonstrado mais à frente, a fatores relativos
à conjuntura política da época, envolvendo o governador Íris Rezende e um
agrupamento específico do movimento por moradia local.
O Mutirão Permanente da Moradia, segundo relatório de atividades
datado de dezembro de 1994, previa a construção de 21.251 unidades habitacionais
em 228 municípios e 68 povoados do estado. Passados os quatro anos de governo,
foram construídas 13.722 unidades, 64,6% do previsto, sendo atendidos 190
municípios e 17 povoados. A média de casas por povoado foi de 19,8, enquanto que
por município foi de 70,5. Caso desconsideremos os empreendimentos de Senador
86

Canedo e Anápolis42, que ultrapassaram 1.000 unidades, esta última média cai para
57,9. Os números mostram, assim, a pulverização do atendimento alcançado pelo
programa, uma interiorização certamente maior que a ocorrida com a versão do
primeiro governo Íris. (GOIÁS, 1994).

Tabela 5 – Programa Mutirão Permanente da Moradia – 1991-1994


Programação versus conclusão
Programação Conclusão
Unidades habitacionais 21.251 13.722
Municípios 228 190
Povoados 68 17
Conclusão

Unidades Média por localidade


Em qualquer localidade 13.722 66,29
Em Municípios 13.386 70,45
Em Municípios – Sen. Canedo e Anápolis 10.882 57,88
Em Povoados 336 19,76
Fonte: GOIÁS. EMCIDEC. Programa Mutirão Permanente da Moradia. Relatório de Atividades:
março de 1991 a dezembro de 1994. Posição das obras em 19/12/94.

Além das 13.722 unidades habitacionais construídas sob o Mutirão


Permanente da Moradia, devem ser contabilizados para o segundo governo Íris
Rezende os lotes urbanizados da Fazenda São Domingos na região noroeste de
Goiânia. Referindo-se ao que estava previsto para a Grande Goiânia no âmbito
daquele programa, Jadir Mendonça de Lima afirma:

Só que, na capital, além de Senador Canedo, onde saiu o conjunto com


1.500 casas, nós trabalhamos também nos projetos da Fazenda São
Domingos. Aqueles projetos, os lotes da Fazenda São Domingos, eram pra
ser conjuntos habitacionais feitos nos moldes do de Senador Canedo.
Então, nós tínhamos lá uns 8 a 10 mil lotes. [...]. Acontece que, antes de a
EMCIDEC arrumar recurso pra fazer as casas, que aí estava pleiteando
dinheiro federal, nesse período a invasão, uma invasão mais ou menos
consentida. (Jadir Mendonça, 12.05.2011, grifo nosso).

As origens do loteamento em tela, conforme relataram as lideranças do


movimento por moradia entrevistadas, remontam à aliança eleitoral ocorrida em
1990 entre o candidato ao governo do Estado Íris Rezende e o vereador de Goiânia
Euler Ivo, que à época integrava uma ramificação do PC do B e reunia um amplo

42
O Mutirão Permanente por Moradia realizou-se por empreitada global não apenas em Senador
Canedo, mas também em Anápolis. Naquele caso, foram construídas 1.504 unidades e neste, 1.000
unidades. (GOIÁS, 1994).
87

cadastro de famílias sem-teto em Goiânia. Euler Ivo e sua esposa, Isaura Lemos,
ambos com histórico na luta clandestina contra a ditadura militar, fundam em 1991 o
Movimento de Luta pela Casa Própria – MLCP, movimento à parte da Federação
Goiana de Inquilinos e Posseiros – FEGIP, que, como demonstrado, liderava desde
a ocupação do Jardim Nova Esperança o movimento por moradia local. O MLCP,
assim, embora de massas e com muita capacidade de agregação, desde muito cedo
tem sua estrutura organizativa fortemente centralizada sob as figuras políticas de
Euler Ivo e Isaura Lemos e está assentado sobre uma lógica clientelística de troca
de lotes por apoio e sustentação política.
O terreno prometido ao MLCP era a Fazenda São Domingos, situada,
como os demais parcelamentos realizados pelo poder público ao longo da década
de 1980, na região noroeste da cidade – em área, como já referido, rural e
ambientalmente frágil, próxima a uma estação de tratamento de água. Uma vez
efetuada a desapropriação e o loteamento, uma ação do Ministério Público exigindo
licença ambiental acaba por atrasar a construção das casas prevista pelo Mutirão
Permanente da Moradia. O movimento pressiona e, não resolvido o impasse em
tela, sob o consentimento do governador, ocupa a área. Como resultado, quase
10.000 lotes, em seis bairros43, são entregues aos cadastrados no MLCP, a partir de
então base de sustentação das carreiras políticas de seu casal fundador e, ademais,
partícipe de compromissos eleitorais outros, como o que ocorrerá no governo
Maguito Vilela (1994-1998).
O MLCP ocupou cargos na Superintendência de Assentamentos
Urbanos da SEAST, justamente o setor onde, em função da Lei nº 12.229, de
dezembro de 1993, seria realizado o cadastramento para a doação de lotes urbanos
de propriedade do Estado em loteamentos implantados para fins de assentamento
de famílias carentes. Ainda que nas entrevistas realizadas para a feitura deste
trabalho não tenha sido feita menção a esta lei, parece clara sua ligação com o

43
As cinco glebas da Fazenda São Domingos desdobraram-se nos seguintes bairros: Bairro da
Vitória, Bairro São Carlos, Bairro Floresta, Bairro Boa Vista e Bairro São Domingos. Além destes, há o
Jardim Primavera, resultante do loteamento de outra gleba, adquirida pelo Estado nas proximidades
da Fazenda São Domingos e que passou por processo de ocupação semelhante. Sintomático a
respeito do modo como se processou a ocupação dessas seis glebas, implicando o abandono da
pretensão de construir as casas, tal como previsto no Mutirão Permanente da Moradia, é a mudança
do nome de Conjunto Primavera para Jardim Primavera.
88

episódio referido da Fazenda São Domingos, ainda mais quando se lê o seguinte


trecho da mesma:

O Chefe do Poder Executivo fica autorizado ainda a conceder o uso: aos


seus atuais ocupantes, de lotes urbanos com características físicas já
definidas em Planta e Memorial descritivo, mas cuja aprovação está
pendente junto ao Poder Público Municipal; e às famílias previamente
selecionadas para assentamentos futuros, de terrenos urbanos situados em
loteamentos nas mesmas condições do inciso anterior.

Com os bairros da Fazenda São Domingos e o Jardim Primavera, dá-


se prosseguimento à segregação sócio-espacial44 dos pobres na região noroeste de
Goiânia. Mais uma vez, o governo estadual implanta loteamentos à revelia da
legislação e do poder público municipal, transferindo para este a responsabilidade
de produzir os mecanismos técnico-jurídicos para sua regularização. (MOYSÉS,
2004). A iniciativa privada, na esteira dos investimentos realizados na região em tela
pelo governo do Estado, procede ao parcelamento do vazio urbano deixado entre a
mesma e a malha urbana. A riqueza social investida pelo Estado é apropriada
privadamente e as despesas socializadas.
O segundo governo Íris, além das 13.722 casas/embriões construídas
pelo Mutirão Permanente da Moradia, distribuiu cerca de 10.000 lotes na capital.
Realizou-se o atendimento a 23.722 famílias, portanto, número quase 4 vezes
superior ao verificado no primeiro governo Íris e um pouco inferior ainda ao
verificado no governo Santillo, que chegou a 26.214 famílias. Persiste a prática de
segregação espacial adotada pelos governos anteriores (Ary Valadão, Íris Rezende
e Henrique Santillo) na cidade de Goiânia e, no que diz respeito ao trato com o
movimento por moradia, observa-se um retrocesso em relação ao governo Santillo.
Em termos de abrangência territorial das ações, esta é muito maior que nos
governos anteriores e no seguinte, tendo o Mutirão Permanente da Moradia

44
Segundo um dos entrevistados, três “cinturões” teriam sido construídos em Goiânia em função das
intervenções habitacionais levadas a cabo por Íris Rezende, induzindo a expansão periférica da
cidade: o primeiro remonta à gestão deste na prefeitura de Goiânia na segunda metade da década de
1960; o segundo diz respeito à região noroeste da cidade, onde implementou a Vila Mutirão, a
Fazenda São Domingos e o Jardim Primavera; e o terceiro, mais recente, compreende o Jardim do
Cerrado, implementado, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, após seu
retorno à prefeitura de Goiânia em 2005.
89

alcançado 190 dos 228 municípios goianos, ou seja, 83,3%45, de modo que, se não
se realiza o “show” das “mil casas em um dia”, tem-se por esta via um trunfo político
não desprezível46. Somando este atendimento àquele realizado pelo Mutirão da
Moradia47, no primeiro governo Íris, chega-se a 202 municípios, ou seja, 88,6% com
alguma intervenção habitacional com a “marca” do Mutirão.

Esquema 3 – Setor habitacional no Governo Íris (1991-1994) e mudanças no Governo


Maguito (1995-1998)

Gov. Íris Rezende (1991-94)

Mutirão
Sec. Planejamento
Permanente
da Moradia

EMCIDEC
Gov. Maguito Vilela (1995-98)

Sec. Ação Social e Trabalho

COHAB-GO
X SESH

X
COHAB-GO

Super. Assentamentos Urbanos

Sec. Trabalho

Fonte: Elaboração própria, a partir das entrevistas realizadas e bibliografia e documentos acessados.
1 – O “quadro bege” circunscreve as empresas e/ ou secretarias às quais o governo estadual delega a
condução do seu programa habitacional prioritário; o “balão rosa” circunscreve, dentre outras coisas, as
estruturas organizacionais que, embora vinculadas à habitação, gozam de inserção marginal na
administração pública estadual; e abaixo da linha pontilhada encontram-se órgãos e secretarias que não
participam de nenhuma ação habitacional, mas que no governo seguinte recebem redirecionamentos que
influem no curso da política habitacional estadual.
2 – O “quadro cinza”, no canto direito do esquema, refere-se ao governo seguinte, demonstrando as
mudanças que são operadas na estrutura administrativa herdada do governo anterior.

45
Contabilizando, além dos 190 municípios atendidos pelo Mutirão Permanente da Moradia, o
município de Goiânia, contemplado com os lotes urbanizados da Fazenda São Domingos e do Jardim
Primavera, o percentual em tela sobe para 83,7%.
46
Além do Mutirão Permanente da Moradia, foram realizados os mutirões da água, da luz rural, da
saúde e do cidadão. (GOIÁS, 1993).
47
Leva-se em consideração apenas o Mutirão do Interior, o mutirão realizado em Anápolis e as ações
em Goiânia.
90

3.5.3 Meu Lote, Minha Casa (1995-1998)

Em 1995, Maguito Vilela – PMDB assume o governo do Estado de


Goiás. Na esteira do programa de ajuste fiscal conduzido, em nível federal, pelo
governo Fernando Henrique Cardoso – PSDB e imposto pelas agências
internacionais, toma, por um lado, medidas orientadas à privatização de empresas
estatais e ao enxugamento da máquina pública, destacando-se a venda, em 1997,
da Usina de Cachoeira Dourada, principal ativo da CELG48; e, por outro, no campo
das políticas sociais, adota uma lógica de atuação alinhada com as mudanças então
em curso no sistema de proteção social brasileiro. Tais mudanças, vale dizer,
orientavam-se no sentido da desresponsabilização social do Estado, da focalização
dos gastos sociais na extrema pobreza e da despolitização da questão social,
materializando-se no âmbito do Estado de Goiás com a instituição da Secretaria
Especial da Solidariedade Humana – SESH e do Programa de Apoio às Famílias
Carentes – PAFC.
A SESH, instituída pela Lei n° 12.504, de dezembro de 1994, e
regulamentada pelo Decreto n° 4.378, de janeiro de 1995, voltava-se para a
implementação das políticas sociais e de assistência do governo do Estado, tendo
sob sua incumbência a operacionalização daquele que seria seu principal programa
– o PAFC, instituído pelo Decreto n° 4.379, também de janeiro de 1995. Este
programa, de caráter emergencial e destinado às famílias em condição de extrema
pobreza, tinha como finalidade, numa primeira etapa, combater a fome, por meio da
distribuição de alimentos e, numa segunda etapa, promover a integração ao
mercado de trabalho. (FARIA, 2005; VIEIRA JR., 2005).
Partindo-se do princípio de que, para a inserção no mercado de
trabalho, o carente deve, antes, alimentar-se e morar condignamente, o PAFC

48
Em meados de 2011, por ocasião da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI que investigou o
endividamento da CELG nos últimos 25 anos, Ovídio de Ângelis, que presidiu a mesma no segundo
governo Íris e o Conselho Estadual de Desestatização no governo Maguito, afirmou: “A privatização
não foi uma imposição do Governo federal, mas uma recomendação, que foi aceita pelos Estados.
Havia uma grande necessidade de geração de recursos ao Tesouro Estadual. Vender a usina de
Cachoeira Dourada – além da CELG como um todo [o que não ocorreu] – foi parte do acordo firmado
com a União como condição para concessão de empréstimo junto à Caixa Econômica Federal. O
acompanhamento dessa operação se dava via BNDES”. (CPI, 03 fev. 2010). Ovídio de Ângelis, no
segundo governo Fernando Henrique Cardoso, por indicação de Íris Rezende e Maguito Vilela, torna-
se ministro da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano – SEDU, mais uma vez o estado de
Goiás logrando emplacar um ministro na área.
91

estava constituído por dois componentes básicos – alimentação e moradia. Assim,


para as famílias com renda mensal inferior a um salário mínimo e residentes no
estado há mais de dois anos, previam-se cinco benefícios. Como parte do primeiro
componente: distribuição mensal de uma cesta básica de alimentos e distribuição
diária de um litro de leite e um pão a crianças na faixa de zero a seis anos de idade.
Como parte do segundo componente: doação de lotes semi-urbanizados,
acompanhados ou não por kits de material de construção, e isenção de tarifas de
energia elétrica para famílias que consumissem até 50Kwatts/hora por mês e de
água para famílias que consumissem até 5 mil litros de água por mês. (FARIA, 2005;
VIEIRA JR., 2005).
Todos os benefícios integrantes do PAFC, à exceção daquele referido
aos lotes semi-urbanizados, eram concedidos às famílias até o término de 12
meses49, podendo ser renovados, e com a condição de que houvesse o ingresso e a
manutenção das crianças na escola (0 a 14 anos) e de que o cartão de vacinação
estivesse atualizado (0 a 7 anos). O cadastramento era realizado por meio das
fichas de cadastro familiar, que, com informações sobre o chefe da família, a
composição familiar, as condições de habitação e os bens e utensílios domésticos,
eram digitalizadas e, assim, alimentavam um sistema próprio, o Sistema de Cadastro
de Apoio às Famílias Carentes, que seria o primeiro banco de dados informatizado,
ainda que acanhado, para programas sociais de Goiás50. (FARIA, 2005; VIEIRA JR.,
2005).
Previa-se, dentro do PAFC, a doação de 100 mil lotes semi-
urbanizados, destinados prioritariamente ao interior do estado, sob a mesma
justificativa utilizada nas duas versões do Mutirão da Moradia, qual seja, fixar as
famílias no seu local de origem e, assim, evitar sua migração para Goiânia e outras
cidades de maior porte. Esta meta seria alcançada, em sua maior parte, pelo Meu
Lote, Minha Casa, programa com o qual o Estado entraria com os materiais de
construção e com a assistência técnica, os municípios com os lotes semi-

49
O benefício dos lotes semi-urbanizados, por sua própria natureza, é concedido uma única vez,
diferentemente, por exemplo, da cesta básica, que é concedida todo mês.
50
Vale registrar, como o faz Faria (2005), que foi a EMCIDEC que elaborou, a pedido da SESH, o
banco de dados em questão.
92

urbanizados e o beneficiário com a mão-de-obra. A outra parcela, muito menor,


ficaria com o programa federal Habitar-Brasil.
Já em janeiro de 1995 inicia-se a isenção nas tarifas de água e
energia. Em maio desse mesmo ano, tem início a distribuição da cesta de alimentos,
com intensa propaganda oficial, e em outubro inicia-se a distribuição do pão e do
leite. (FARIA, 2005). Os lotes semi-urbanizados e os kits de materiais de construção,
elementos constitutivos do Meu Lote, Minha Casa, só começaram a ser distribuídos
mais tarde, contudo. Enquanto tal não ocorre, vale dizer, prosseguia o Mutirão
Permanente da Moradia, sob a coordenação não mais da EMCIDEC, mas da EMOP,
e sob nova regulamentação, conforme estabelecido pela Lei n° 12.613, de abril de
1995, e pelo Decreto n° 4.473, de junho de 1995. Procuravam-se terminar as obras
não concluídas no governo anterior.
Não sendo o Mutirão Permanente da Moradia a prioridade do novo
governo na área habitacional, aos poucos vão sendo tomados os encaminhamentos
para a viabilização do Meu Lote, Minha Casa e, assim, para a montagem de uma
estrutura institucional que dele se encarregasse. Nesse sentido, técnicos do
Consórcio Rodoviário Intermunicipal S.A. – CRISA são cedidos à SESH e, em
novembro de 1995, por meio da Lei n° 12.731, são transferidas para esta secretaria
a COHAB-GO e a Superintendência de Assentamentos Urbanos, até então,
vinculadas à Secretaria de Assistência Social e Trabalho – SEAST.
Em seguida, em abril de 1996, por meio da Lei n° 12.858, autoriza-se a
extinção da EMOP e a dissolução, liquidação e extinção da COHAB-GO. De um só
golpe, punha-se fim ao Mutirão Permanente da Moradia51, programa muito
identificado com o governo anterior, e se submetia à liquidação a COHAB-GO,
desde há muito em situação de crise financeira e institucional. Ficava clara, embora
tardiamente, a opção do governo Maguito Vilela pelo Meu Lote, Minha Casa. Este é,
então, lançado em setembro de 1996, decorrido mais de um ano e meio de governo
e sendo o último dos cinco benefícios do PAFC a deslanchar.
A estrutura dedicada ao referido programa no âmbito da SESH era
pequena. Compunha-se de 6 técnicos, entre arquitetos, engenheiros e assistentes
sociais. Segundo André Luiz Tavares (06.05.2011), um destes técnicos, enquanto os

51
Algumas obras restantes do Mutirão Permanente da Moradia passam da EMOP para o CRISA com
a extinção daquela empresa.
93

originários da COHAB-GO possuíam experiência com a questão urbana e


habitacional, o mesmo não se verificava com os cedidos pelo CRISA. Foi justamente
este órgão, contudo, que desenvolveu o projeto arquitetônico do embrião previsto
pelo programa – quarto-sala, cozinha e banheiro, totalizando 18 metros quadrados
de área construída, em um lote de 250 metros quadrados.
A SESH estabeleceu convênio com o CRISA, objetivando, para além
da composição do quadro técnico encarregado do Meu Lote, Minha Casa, viabilizar
a distribuição dos materiais de construção nos municípios do estado. Havia uma
comissão de licitação na SESH, que dividia em 17 lotes os componentes da cesta de
material de construção. Ocorrendo de maneira centralizada a compra dos materiais,
sua distribuição deveria ser conduzida por uma estrutura que gozasse de maior
capilaridade no território do estado, para o que foi utilizado o CRISA. Arcando o
Estado com o material de construção e assistência técnica, de acordo com a
sistemática do programa, as prefeituras se responsabilizariam pelo fornecimento do
lote semi-urbanizado e a população beneficiária pela mão-de-obra.
Inúmeros problemas ocorreram na operacionalização desta
sistemática. Para além da morosidade e das irregularidades no processo licitatório,
houve muita desorganização na distribuição, sendo aí os problemas, inclusive, muito
maiores que na compra, segundo André Luiz Tavares (06.05.2011): demora na
entrega das cestas, sobretudo nos casos em que empresas de outros estados
venciam a licitação; falta de entrosamento da central da SESH com as regionais do
CRISA, pouco interessadas no programa; ausência de sincronia na entrega dos
lotes de materiais de construção (a areia e o cimento eram entregues mas o tijolo
não, havia tijolo mas não madeira, etc), o que dificultava a composição da cesta;
entrega de materiais de baixa qualidade; problemas relativos à estocagem,
ocorrendo não raro perda do material, ou pelo desgaste do tempo ou por furto; etc.
Problemas similares, como mostra Faria (2005), ocorreram no componente
alimentação do PAFC, ou seja, na distribuição da cesta básica e do pão e do leite.
De outro lado, observa André Luiz Tavares (06.05.2011), o programa
era atravessado por problemas como: ausência de capacidade técnica por parte das
prefeituras; influência política na escolha dos municípios e dos beneficiários, a
despeito do cadastro utilizado, que, como já aludido, representou grande avanço
para a política social e habitacional do Estado; interferência dos interesses
vinculados à especulação imobiliária, em desrespeito a uma das condicionantes que
94

se colocava para os prefeitos, qual seja, a de que os loteamentos deveriam estar


inseridos na malha urbana ou serem contíguos a ela; doação de material sem
assistência técnica, o que se agrava na medida em se passa a trabalhar mais com
lotes isolados do que com loteamentos, etc.

Tabela 6 – Programa Meu Lote, Minha Casa – 1996-1998


1996/97 1998
Especificação do benefício
Concluído Previsto
Aquisição de lotes 5.255 41.966
Distribuição de Kits de materiais de construção 6.850 11. 675
Regularização de lotes 2.840 18.175
Regularização de lotes (em andamento) 29.959 _
Distribuição de tijolos (beneficiando 4.043 famílias) 4.853.000 6.500.000
Fonte: GOIÁS. SECRETARIA ESPECIAL DE SOLIDARIEDADE HUMANA. Relatório das principais
ações desenvolvidas pela SESH no triênio 1995-1997. Goiânia: Departamento de Acompanhamento e
Fiscalização. (fragmento). 1998.

De acordo com relatório da SESH referido ao triênio 1995-1997, nos


anos de 1996 e 1997 foram distribuídos 5.255 lotes e 6.850 kits de material de
construção, estando previstos para o ano de 1998 mais 41.996 lotes e 11.675 kits, o
que resultaria na elevação daqueles números para, respectivamente, 47.221 e
18.525. É bem provável, contudo, que estes números não tenham sido alcançados.
Conforme observa André Luiz Tavares (06.05.2011), o Meu Lote, Minha Casa, tendo
sido lançado no final de 1996, apresenta seu maior desempenho em 1997,
desconfigurando-se e declinando progressivamente em 1998, sob pressão da
dinâmica eleitoral, que acaba por se impor aos trabalhos da superintendência
encarregada do programa.
Assim como na Fazenda São Domingos no segundo governo Íris, o
Movimento de Luta pela Casa Própria – MLCP logra assentar famílias em
loteamento realizado pelo governo do Estado. Em função de obrigações político-
eleitorais mantidas com o governador Maguito Vilela e, ademais, da ascendência
política que tinha sobre a área responsável pela condução do Meu Lote, Minha Casa
na SESH – Superintendência de Assentamentos Urbanos, posteriormente, Diretoria
de Habitação e Assentamento Urbano52 –, o MLCP consegue assentar cerca de

52
A Superintendência de Assentamentos Urbanos foi transferida da Secretaria de Ação Social e
Trabalho – SEAST no segundo governo Íris para a Secretaria Especial de Solidariedade Humana –
SESH no governo Maguito, posteriormente se transformando em Diretoria de Habitação e
95

5.000 famílias nos loteamentos Madre Germana I e II, situados na divisa de


Aparecida de Goiânia com Goiânia, a sudoeste da capital. Houve também doação
de cerca de 5.000 kits de material de construção, de maneira descontrolada e
legitimando a irregularidade dos loteamentos em tela.

Esquema 4 – Setor habitacional no Governo Maguito (1995-1998) e mudanças nos


Governos Marconi/ Alcides (1999-2010)

Gov. Maguito Vilela (1995-98)

Meu Lote,
Minha Casa
SESH

Super. Assentamentos Urbanos / Diretoria


de Habitação e Assentamento Urbano
Gov. Marconi Perillo e Alcides
Rodrigues (1999-2010)

X
COHAB-GO
Sec. Cidades

AGEHAB
X

X
Sec. Trabalho AGDR

Sec. Cidadania
e Trabalho

Fonte: Elaboração própria, a partir das entrevistas realizadas e bibliografia e documentos acessados.
1 – O “quadro bege” circunscreve as empresas e/ ou secretarias às quais o governo estadual delega a
condução do seu programa habitacional prioritário; o “balão rosa” circunscreve, dentre outras coisas, as
estruturas organizacionais que, embora vinculadas à habitação, gozam de inserção marginal na
administração pública estadual; e abaixo da linha pontilhada encontram-se órgãos e secretarias que não
participam de nenhuma ação habitacional, mas que no governo seguinte recebem redirecionamentos que
influem no curso da política habitacional estadual.
2 – O “quadro cinza”, no canto direito do esquema, refere-se ao governo seguinte, demonstrando as
mudanças que são operadas na estrutura administrativa herdada do governo anterior.

Assentamento Urbano. A ascendência política do MLCP e suas lideranças sobre a política


habitacional do estado parece passar, nestes dois governos, pelo controle que tinham sobre a
superintendência/diretoria em tela.
96

3.6 DESARTICULAÇÃO FINANCEIRA E INSTITUCIONAL DA

COHAB-GO

Em meados da década de 1980, ao mesmo tempo em que era


implementado o Mutirão da Moradia no estado de Goiás, no plano federal esgotava-
se o padrão de financiamento do SFH e se iniciava um processo de fragmentação
institucional do BNH. (ARRETCHE, 2000; MELO, 1989). Como as demais empresas
públicas de habitação constituídas sob o sistema BNH/SFH, a COHAB-GO é
atingida pelos fatores que estiveram na base dessa desarticulação financeira e
institucional. No seu caso, contudo, a referida desarticulação é também resultado de
uma segunda ordem de fatores, específica ao plano estadual. Trata-se dos
rebatimentos, diretos e/ou indiretos, do Mutirão da Moradia e dos demais programas
habitacionais estaduais que o sucederam sobre a COHAB-GO.
Comecemos pela segunda ordem de fatores mencionada. O Mutirão da
Moradia, além de colocar a COHAB-GO em conflito com a CODEG e marginalizá-la
no âmbito da administração pública estadual, influiu na sua crise financeira.
Diretamente, como referido mais acima, ao não obter êxito no recebimento das
prestações junto aos beneficiários do Mutirão do Interior e, assim, por não repassá-
las ao BNH e, posteriormente, à CEF. Luiz Bretones esclarece-nos este ponto:

Então, era pra ser de graça. Mutirão era pra ser como em Goiânia, um
retrato de Goiânia: não cobrar prestação. Mas aí o prejuízo veio pra cá. Aí
não tinha como. [...] passamos a ser o devedor perante a então Caixa, mas
nós não tínhamos como receber do beneficiário. [...]. Esse aí foi realmente
um vetor que acabou empurrando a COHAB pra uma situação muito
complicada. Eu acho que pesou bastante, inclusive, na questão da
53
liquidação. (Luiz Bretones, 03.05. 2011) .

O Mutirão da Moradia também influiu indiretamente na desarticulação


da COHAB-GO, o mesmo se passando em decorrência dos demais programas
subsidiados do governo do Estado. O mesmo governo que cobrava prestação nos

53
No plano de trabalho do primeiro governo Íris, dizia-se o seguinte com respeito à interiorização do
Mutirão da Moradia: “A continuidade dessa proposta será parcialmente garantida pela liberação de
recursos provenientes do Banco Nacional da Habitação – BNH. O retorno dos recursos ao Banco
está garantido pela captação dos recursos provenientes das amortizações pagas pelos beneficiários
(10 a 15% do salário mínimo regional)”. (GOIÁS, 1984a).
97

conjuntos COHAB não o fazia nos conjuntos Mutirão ou Meu Lote, Minha Casa54, de
modo que essa desigualdade no atendimento, similar à verificava a nível federal
entre os programas da SEAC e do BNH (AZEVEDO, 1996), resultou na indisposição
dos mutuários da COHAB-GO em pagarem as prestações, tanto nos
empreendimentos que estavam sendo produzidos quanto naqueles em retorno55. Os
mutuários da COHAB-GO passam, dessa maneira, a exigir o mesmo tratamento
dispensado aos beneficiários do Mutirão da Moradia e, mais à frente, dos demais
programas subsidiados do governo do Estado, ficando muito arraigado “na nossa
cultura, pessoal de baixa renda, que aqui é o Estado que tem que prover as casas,
totalmente de graça”. (Luiz Bretones, 03.05.2011).
O engenheiro Álvaro Lourenço, presidente da AGEHAB, sucessora da
COHAB-GO, entre 1999 e 2008, deixa-nos claro esta situação:

Quer dizer, até onde que entra um programa desse subsidiado e até onde
que entra um programa financiado? Houve muitos problemas, porque em
alguns municípios o conjunto habitacional construído pelo Mutirão ficava ao
lado ou muito próximo do conjunto construído pela COHAB. Então, você
tinha famílias carentes, em choque dessa posição: uma não pagava nada e
a outra tinha que arcar [...]. (Álvaro Lourenço, 04.05. 2011).

Continuando, ao discorrer sobre as dificuldades e conflitos enfrentados


pela AGEHAB, já na passagem da década de 1990 para 2000, para a regularização
dos conjuntos produzidos pela COHAB-GO na década de 1970 e 1980, demonstra
que a desigualdade no atendimento em tela e seus efeitos se estenderam para além
do primeiro governo Íris, alcançando, tal como mostra, o governo Maguito Vilela
(1994-1998), quando é lançado o Meu Lote, Minha Casa:

Aquele pessoal que ‘ah, não tem que pagar, não tem que pagar’. ‘Gente...’.
‘Ah, mas o conjunto lá não paga nada’. ‘Mas aquele conjunto lá é do Mutirão
da Moradia, aquilo lá é do Meu Lote Minha Casa. Aqui não, aqui é dinheiro
do trabalhador. Tem um contrato, tem que refazer’. (Álvaro Lourenço,
04.05.2011).

Voltemos à primeira ordem de fatores, ou seja, aos efeitos da


desarticulação financeira e institucional do sistema BNH/SFH sobre a COHAB-GO.
De início, cabe fazer menção à desaceleração da economia brasileira no início da

54
Luiz Bretones (30.09.2010) ressalta que “[...] nosso produto era um produto financiado. Tinha
prestações a ser pagas. Como nós poderíamos concorrer com um programa que era de graça?”.
55
Luiz Bretones (03.05.2011), a esse respeito, afirma: “Estava numa fase de retorno tranqüila, aí
começa a ter uma inadimplência muito além, acima do que era considerado médio”.
98

década de 1980, que, implicando diminuição dos depósitos e aumento dos saques
no FGTS, compromete sua arrecadação líquida e, por conseqüência, restringe as
possibilidades de financiamento dos programas habitacionais operados pelas
COHABs. Ao mesmo tempo, a queda na renda real das famílias afeta o retorno dos
empréstimos e, por conseqüência, gera também inadimplência das COHABs para
com o BNH e, posteriormente, com a CEF. (MELO, 1989; ARRETCHE, 1996b).
Na COHAB-GO, em meio a tais determinantes, vale acrescentar,
desenvolveu-se, sob interferência política, o procedimento de majorar a renda dos
beneficiários de modo a incluí-los nos programas. É o que ocorreu no Conjunto Vera
Cruz, um dos maiores conjuntos habitacionais de Goiânia, conforme relatam Luiz
Carlos (10.05.2011), militante da Confederação Nacional das Associações de
Moradores – CONAM e do movimento por moradia local, e Álvaro Lourenço
(04.05.2011), presidente da AGEHAB entre 1999 e 2008. Como resultado, tem-se
mais um fator a implicar a inadimplência dos mutuários e, assim, a contribuir para a
inadimplência da COHAB-GO frente ao BNH.
A extinção do BNH e sua substituição pela CEF representam também
duro golpe para a COHAB-GO, sustentam Luiz Bretones (03.05.2011) e Ana Cristina
Rodovalho (06.05.2011), confirmando o que nos diz a esse respeito a literatura
especializada. De um banco de fomento, passa-se a um banco comercial, em que a
habitação, embora um objeto de atuação importante, não passa de um setor entre
vários outros. (AZEVEDO, 1988; 1996). Ao mesmo tempo, a autoridade sobre a
alocação dos recursos do FGTS é transferida para uma burocracia fragilmente
insulada e envolvida num processo continuado de fragmentação institucional e
instabilidade ministerial, o que, somado à retomada do federalismo e do mecanismo
eleitoral, provoca a redefinição dos canais de acesso aos recursos federais, entre os
quais o FGTS. (ARRETCHE, 2000).
Nesse cenário, ganha importância cada vez maior a barganha
federativa para o acesso aos recursos federais e, assim, o atendimento ad hoc às
demandas locais, saindo-se bem os governadores que participavam da base de
sustentação do governo Sarney e dos governos seguintes. (MELO, 1989, 1993;
ARRETCHE, 2000). Negociações de tal tipo ocorrem entre o governo do Estado de
Goiás e o governo federal, porém não em benefício da COHAB-GO, mas do Mutirão
da Moradia e, em certa medida, dos programas que o sucederam. Como afirma Luiz
Bretones:
99

Com a extinção do BNH, então, os primeiros momentos com a Caixa foram


muito difíceis. Porque não havia programa estruturado, dependia assim de
grandes negociações, que a gente não tinha condição de fazer aqui. E mais:
a nossa COHAB não era de muito interesse por parte do governo do Estado
nessas soluções de programa de habitação”. (Luiz Bretones, 03.05.2011).

Na passagem da década de 1980 para a seguinte, como resposta à


desarticulação financeira e institucional do setor habitacional federal, as autoridades
monetárias promovem corte brutal nos repasses das instituições financeiras para
empresas públicas, o que resulta na transferência para a iniciativa privada dos
créditos para a habitação popular. (MELO, 1989; AZEVEDO, 1990). Já nos anos
compreendidos entre 1992 e 1995, em função do fato de que no governo Collor a
concessão dos financiamentos do FGTS havia se dado a índices muito superiores à
sua disponibilidade, para resgatar sua saúde financeira, nenhum novo contrato de
empréstimo é firmado. (ARRETCHE, 2000).
Esses dois elementos, assim como os anteriores, incidem sobre os
rumos da COHAB-GO, tornando mais aguda sua crise e forçando a mesma, como
vinha fazendo já desde o Mutirão da Moradia, a buscar alternativas com vistas a
assegurar sua sobrevivência. Em linhas gerais, todas as alternativas seguidas pela
COHAB-GO fracassaram. São elas, segundo Luiz Bretones (30.09.2010,
03.05.2011): Projeto Participação, buscando oferecer um contraponto às casas de
placa e telha de fibrocimento do Mutirão da Moradia; diversificação da pauta de
atuação, procurando promover ações na área de desenvolvimento urbano;
conclusão dos empreendimentos nos estoques de terreno de que dispunha; e
parcerias com empresas no âmbito do Programa Habitacional Empresa –
PROHEMP.
Quanto a este último ponto, vale ressaltar o caso do Conjunto Parque
Atheneu Acalanto. A COHAB-GO, marginalizada no âmbito da máquina
administrativa estadual desde o começo do primeiro governo Íris Rezende, é
absorvida, durante o governo Henrique Santillo, pela Caixa Econômica do Estado de
Goiás – CAIXEGO. Esta, com sua caderneta de poupança, já havia realizado
investimentos na faixa acima daquela das COHABs, mas não tinha estrutura para
conduzir um empreendimento da natureza e tamanho deste. Assim, a COHAB-GO
participa do empreendimento na condição de agência promotora, enquanto a
CAIXEGO, na condição de agência financeira. Ocorre que, em função da alta
rotatividade dos policiais militares, segmento para o qual se destinava o
100

empreendimento, e da desigualdade de atendimento com o Mutirão da Moradia, não


se verifica o retorno das prestações. Se a CAIXEGO, na passagem da década de
1980 para a seguinte, entra em falência e é liquidada extrajudicialmente, a COHAB-
GO volta a sua condição anterior, não entrando em liquidação. Ocorre que,
fracassando esta e as demais alternativas tentadas, permanece estagnada,
restringindo sua atuação à administração da carteira habitacional.
O Mutirão da Moradia e a extinção do BNH pertencem, cada um dos
dois, a uma das duas ordens de fatores apresentadas, impondo-se enquanto marcos
iniciais da longa trajetória de desarticulação financeira e, cabe acrescentar,
institucional da COHAB-GO, que adentra a década de 1990 e chega a seu final na
segunda metade dessa mesma década. Desde estes dois marcos iniciais, a
COHAB-GO buscou alternativas para sua sobrevivência, não obtendo êxito com
nenhuma delas. No governo Fernando Henrique, o cenário em âmbito federal torna-
se ainda mais agressivo, fechando-se as possibilidades para a busca de
alternativas. No bojo das restrições macroeconômicas resultantes do ajuste fiscal
promovido pelo Plano Real, mudam radicalmente os termos de negociação das
dívidas estaduais, tornam-se mais rígidas as condições para o acesso de estados e
municípios a empréstimos federais e são tomadas medidas com vistas à
reestruturação e desfinanciamento das empresas públicas de habitação. (ALMEIDA,
2005; CARDOSO, 2002/03; ARRETCHE, 2002). É assim que, em 1996, no governo
Maguito Vilela, conforme já aludido, a COHAB-GO entra em liquidação56.

3.7 INFLEXÃO DO MOVIMENTO POR MORADIA

A moradia é tema que mobiliza toda a década de 1980 no estado de


Goiás, assinala em entrevista Ronnie Barbosa (09.05.2011). Para tal, contribuiu o
fato de que a população goiana, em geral, e goianiense, em particular, passava a
vivenciar, além dos efeitos perversos das transformações havidas nas estruturas
produtivas regionais nas décadas anteriores, a possibilidade de vocalizar

56
A partir de entrevista realizada com dirigente da Associação Brasileira de COHABs e Órgãos
Assemelhados – ABC, Arretche (2002) afirma que, na década de 1990, as COHABs de Alagoas,
Ceará, Rondônia, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás e Rio
Grande do Sul declararam falência e que as COHABs da Bahia, Distrito Federal e Rio de Janeiro
diversificaram suas atividades, transformando-se em agências de desenvolvimento urbano. Trata-se
de 12 COHABs num universo de 44.
101

politicamente a insatisfação daí decorrente. É assim que, de um lado, o governo


estadual empreende, com forte apelo midiático e capacidade mobilizatória, o
“mutirão das mil casas em um dia” e outras ações do Mutirão da Moradia e, de outro,
o movimento por moradia local é criado e passa por notável crescimento
organizativo, constituindo poder de pressão não desprezível na determinação dos
rumos da política habitacional estadual.
Por fora do movimento por moradia que assim se constitui, articulado
em torno da Federação Goiana de Inquilinos e Posseiros – FEGIP, surge em
meados da década de 1990 o Movimento de Luta pela Casa Própria – MLCP. Este,
embora de massas, desde muito cedo guarda vínculo estreito com duas figuras da
cena político-partidária local (Euler Ivo e Isaura Lemos) e marca forte presença nos
momentos de decisão eleitoral, tendo concedido seu apoio aos governadores Íris
Rezende e Maguito Vilela. Nascendo praticamente dentro do Estado, o MLCP aí
permanece, ocupando cargos nos dois governos em tela, o que lhe rendeu os
loteamentos da Fazenda São Domingos e do Madre Germana, ambos na periferia
de Goiânia. Fortalecido pela prática do clientelismo, o MLCP cresce e assegura a
reprodução política de suas duas lideranças. Ao mesmo tempo, mina as pretensões
da FEGIP de se afirmar como a principal porta-voz do movimento por moradia
goianiense e goiano.
Em meados da década de 1990, a FEGIP ainda colhe os frutos de sua
expansão e evolução organizativa na década anterior. Ocorre que, para além do
registrado no parágrafo acima, passa a vivenciar uma progressiva inversão dos
termos que, segundo Doimo (1996), conformam a “sociabilidade cambiante”
intrínseca aos movimentos sociais. Estes, dependendo das circunstâncias sob as
quais operam, desabrocham ora sua face “expressivo-mobilizadora” ora sua face
“integrativo-corporativa”. A assunção da prefeitura de Goiânia pelo Partido dos
Trabalhadores – PT em 1993 e outros fatores a seguir apresentados contribuem
para que haja um deslocamento na FEGIP daquela para esta face. Contaminando a
lógica “consensual-solidarística”, constituidora dos movimentos sociais, pela
“racional-competitiva”, inerente aos mecanismos de representação de interesses e
às disputas político-eleitorais, tais fatores conduzem a FEGIP a sua quase completa
desarticulação na segunda metade da década de 1990.
102

Importante segmento integrante da base social urbana57 do PT de


Goiás, a FEGIP tem parte de suas lideranças absorvidas pela administração
municipal de Darci Accorsi – PT (1993-1996) em Goiânia. Confundem-se os limites
entre governo e movimento, tornando-se tarefa nada simples para as lideranças e
militantes da FEGIP conciliar a condição de situação com a necessidade de oferecer
respostas ao problema da moradia. Ao mesmo tempo, perdia força o caráter
reivindicatório assumido e mantido pela organização em tela desde a ocupação do
Jardim Nova Esperança. A FEGIP passa a centrar suas ações não mais nas
ocupações urbanas, mas na defesa da produção autogestionária da moradia, a ser
viabilizada por meio de parcerias entre o poder público e o movimento por moradia.
Conforme assinala em monografia de conclusão de curso e em entrevista o
assistente social Leidimar de Souza Ribeiro (2006, 07.05.2011), a FEGIP, de um
perfil reivindicatório, transita para uma atuação cada vez mais propositiva.
Tal ocorre no Residencial Goiânia Viva, uma das marcas da gestão
Darci Accorsi – PT e sua principal intervenção habitacional. Em área adquirida pela
prefeitura por meio de acerto relativo ao pagamento de impostos atrasados devidos
por um grande especulador imobiliário, seriam construídas de forma participativa
2.500 unidades habitacionais populares. Vários projetos estavam previstos, cada um
deles correspondendo a um grupo de casas e programado para ser conduzido por
uma entidade da sociedade civil. Ocorreram conflitos entre as entidades
selecionadas, de modo que militantes históricos da FEGIP, compondo a Cooperativa
Habitacional Popular de Goiânia – COHPOG para levar a cabo a parte lhes cabia da
experiência do Goiânia Viva, acabam por se distanciar daquela.
Divergências internas ao PT, anteriores e contemporâneas ao
encaminhamento da sucessão do prefeito Darci Accorsi, também contribuíram para
a desarticulação da FEGIP. No primeiro caso, havia o conflito entre movimento
sindical e movimento popular, com os integrantes deste último, particularmente do

57
O PT de Goiás, conforme observam Ronnie Barbosa (09.05.2011), em entrevista realizada para
feitura deste trabalho, e Miranda (2008), contou com diversas forças sociais em sua constituição. Na
cidade, estruturou-se em torno do Centro de Professores de Goiás – CPG, posteriormente
transformado em Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás – SINTEGO, e do
movimento por moradia reunido sob a UI/UPG/FEGIP. Além disso, reuniu professores da UFG e da
UCG, com forte presença nas comunidades de base da Igreja Católica. Já no campo, onde estava
sua maior base social, articulou-se em torno do movimento sindical rural, contando para tal com o
apoio da CPT.
103

movimento por moradia, ressentindo-se da falta de representação parlamentar de


seu segmento. No segundo caso, os conflitos davam-se entre os que apoiavam
Pedro Wilson e aqueles, entre os quais o próprio prefeito Darci Accorsi, que
apostavam em Valdir Camárcio para a disputa das eleições de 1996. A FEGIP,
assim como o PT, fica dividida ao meio. Valdir Camárcio sai candidato, perdendo a
eleição.
Ao mesmo tempo, ocorria uma divisão no Movimento Nacional de Luta
pela Moradia – MNLM. A União de Movimentos de Moradia de São Paulo – UMM-SP
desvincula-se do mesmo, dando início ao processo que, contando também com a
participação de lideranças de outros estados, resulta na criação da União Nacional
dos Movimentos por Moradia – UNMP em encontro realizado em Minas Gerais em
1994. A FEGIP, já em processo de desarticulação e fragmentação internas, é
afetada por essa divisão ocorrida a nível nacional no MNLM. Os militantes
articulados em torno das lideranças Maurício Beraldo e Vidal Barbosa, em 1995,
abandonam a FEGIP e deixam o MNLM, passando a integrar a UNMP já em 1996.
Trata-se do mesmo grupo que havia criado a COHPOG, que se ressentia da falta de
representação parlamentar do movimento por moradia e que, quando da sucessão
de Darci Accorsi, apoiou, juntamente com o mesmo, a candidatura derrotada de
Valdir Camárcio.
Segmento mais ativo do movimento por moradia goianiense e goiano, a
FEGIP chega desarticulada ao final da década de 1990. Para tal, contribuíram
decisivamente os fatores acima mencionados, que resultaram na contaminação da
lógica “consensual-solidarística” constituidora dos movimentos sociais pela lógica
“racional-competitiva” (DOIMO, 1996) inerente às clivagens político-partidárias.
Contribuíram também, cabe acrescentar, as reorientações havidas naquelas
instituições que, mesmo não tendo a política como fundamento institucional, desde o
final da década de 1970, potencializavam a ação política do movimento que veio a
se afirmar através da FEGIP. A Arquidiocese de Goiânia, já na década de 1980,
começava a trilhar o “retrocesso conservador” que, na esteira da “ofensiva vaticana”,
vinha também sendo seguido pela Igreja Católica brasileira como um todo58. (DELLA

58
A partir de 1985, ano em que finda o ascebispado de Dom Fernando Gomes dos Santos, ou
mesmo a partir de antes, como sugere Chaves (1985), a Arquidiocese de Goiânia passa, cada vez
mais, a se distanciar da “opção preferencial pelos pobres” e a abandonar seus vínculos orgânicos
104

CAVA, 1985). A Universidade Católica de Goiás – UCG assiste à elitização do seu


Escritório Modelo, deixando de disponibilizar conhecimento e ciência para a luta
social, como ressalta Ronnie Barbosa (09.05.2011) em entrevista. Nestas
instituições, a FEGIP não mais encontraria o apoio com que contou e do qual muito
se nutriu na década de 1980.
Em 1997, impossibilitado de prosseguir com a COHPOG em função de
impasses de ordem política e jurídica por ela acumulados no âmbito do Residencial
Goiânia Viva, o grupo reunido em torno de Maurício Beraldo e Vidal Barbosa
constitui a Sociedade Habitacional Comunitária – SHC. Estas lideranças, recém-
saídas da FEGIP e do MNLM, passam a perseguir, por meio da associação criada,
uma estratégia de atuação mais assemelhada à experiência ensaiada naquele
conjunto habitacional e condizente com a agenda política da entidade nacional à
qual se filiam, a saber, a UNMP. Não mais centram o foco de suas ações nas
ocupações urbanas, como foi o caso na década de 1980, mas passam a priorizar
cada vez mais a produção habitacional por auto-gestão.
Os dois primeiros empreendimentos conduzidos pela SHC são o
Residencial Vale dos Sonhos e o Residencial Serra Azul, iniciados, respectivamente,
em 1997 e 1998. A entidade adquiriu as glebas de terra e, com o trabalho e
economia dos associados, procedeu ao parcelamento e à construção das casas.
Num caso, 14 alqueires de terra e 4.000 famílias. No outro, 4 alqueires e 700
famílias. Às dificuldades inerentes à condução, por auto-gestão, de um projeto de tal
natureza e magnitude, somaram-se no primeiro empreendimento referido os
impasses jurídicos que até hoje travam sua regularização. Impasses, cumpre
ressaltar, muito motivados por sua localização – nas proximidades do condomínio
horizontal fechado Aldeia do Vale e, mais do que isso, no meio de um terreno de
interesse de seus moradores para a construção de uma área de lazer59.

com a luta pela universalização do direito à moradia, fazendo coro com a Renovação Carismática
Católica.
59
Conforme registra Vidal Barbosa (05.05.2011): “Isso deu uma repercussão violenta. A prefeitura de
Goiânia, na gestão do professor Nion Albernaz [PSDB], não aceitava que a gente fosse pra aquela
área, até porque era uma área de interesse. A área do Vale dos Sonhos, eles criticaram demais mas
eles se esqueceram de contar: aqui nós temos um conjunto chamado Aldeia do Vale, é o condomínio
fechado mais caro de Goiânia, o metro quadrado [...]. Procuramos o proprietário e falamos assim:
‘olha, nós temos um grupo de famílias que olharam sua terra, gostaram da terra, você quer vender?’.
Ele falou assim: ‘olha, eu tenho uma proposta da Tropical, vocês me cobrem a proposta?’.
‘Cobrimos!’. ‘De que jeito vocês pagam?’. ‘Pagamos em duas vezes. Pagamos uma parte agora e
105

Com as eleições para governador em 1998, como será observado a


seguir, o quadro político muda substancialmente no estado de Goiás. O executivo
estadual, há 16 anos sob o comando do PMDB, passa para as mãos do PSDB com
a vitória de Marconi Perillo, que, sob o discuso do “tempo novo”, abre um novo ciclo
de hegemonia na política goiana. Nas eleições municipais de 2000, o PMDB ainda
elege o maior número de prefeitos – 25,6%, mas o declínio de sua força eleitoral é
visível face às eleições de 1996, quando havia alcançado um percentual de 44,6%.
De outro lado, o PSDB, deste pleito para aquele, sobe de 11,7% dos prefeitos eleitos
para 24,8%, praticamente se igualando ao PMDB, cabendo acrescentar a estes
24,8% os percentuais dos demais partidos da base aliada do governo Marconi: PFL
e PPB, ambos com 15%; e PTB, com 1,6%. (KRAUSE e PAIVA, s/d).
Na eleição para a prefeitura de Goiânia, como sustentam Krause e
Paiva (s/d), foi bastante tumultuado o processo de escolha das candidaturas no
âmbito tanto da coalizão governista estadual (PSDB, PFL, PPB e PTB) quanto do
principal partido de oposição à mesma (PMDB): aquela divide-se entre as
candidaturas de Darci Accorsi – PTB60, recém-filiado ao partido e com considerável
potencial eleitoral, e Lúcia Vânia – PSDB, que não conseguiu angariar apoio
unânime dos pefelistas e pepebistas; e este lança a candidatura de Mauro Miranda –
PMDB, que não é capaz de unificar a legenda e não conta com o engajamento de
suas principais lideranças. Em meio a este cenário, o candidato do PT Pedro Wilson,
desde o início contando com o consenso em torno de seu nome no partido e com os
menores índices de rejeição, sai vitorioso no primeiro e no segundo turno.
No movimento por moradia, os impactos destas redefinições na política
goiana e goianiense só fazem confirmar o processo em curso de desarticulação da
FEGIP. O segmento desta que, após deixar o MNLM e a própria FEGIP, cria a SHC,

uma parte daqui a noventa dias’. Pronto, compramos a terra. Só que nós não sabíamos desse
processo. [...]. Onde nós compramos, tudo estava embutido no projeto. [...]. O que que nós fizemos?
Nós entramos bem no meio do projeto, nós inviabilizamos o projeto. [...]. Aí nós arrumamos briga do
mercado imobiliário, briga dos ambientalistas, briga com o povo do PT, briga com o povo do PSDB e
briga de tudo quanto era lado. Foram 11 processos”.
60
Após sua gestão na prefeitura de Goiânia pelo PT entre 1993 e 1996, Darci Accorsi ingressa no
PSB. Perdendo as eleições para deputado estadual em 1998, filia-se ao PTB, avaliando que desta
forma potencializaria seus recursos políticos e eleitorais. (KRAUSE; PAIVA, s/d).
106

acaba por sair do PT em 1999. Juntamente com Darci Accorsi61, filia-se ao PTB,
avaliando que aí seriam maiores os recursos políticos e eleitorais para o lançamento
de candidatura própria, diretamente vinculada à causa da moradia. Maurício
Beraldo, então, sai candidato a vereador nas eleições de 2000 em Goiânia, sendo o
quarto mais votado entre os trinta e três que ingressam na câmara legislativa
naquele ano. O PT elege apenas 2 vereadores e o PTB, para o qual migra a
liderança em tela, elege 8. (KRAUSE e PAIVA, s/d; Vidal Barbosa, 05.05.2011).
O segmento do movimento por moradia local reunido em torno de
Maurício Beraldo inicia, assim, uma aproximação com o PSDB do governador
Marconi Perillo. Além de o PTB integrar a base de apoio do governo estadual, o
programa habitacional criado em 2001, qual seja, o Cheque-Moradia, possibilitaria
algum encaminhamento aos, ainda não terminados e com muitos problemas
jurídicos, conjuntos habitacionais Vale dos Sonhos e Serra Azul. A promessa feita
pelo governador à SHC de doação de um terreno contíguo àquele loteamento, com
o que ocorreria sua formatação legal e, ainda, a construção de cerca de 800
unidades habitacionais, é mais um entre os variadores fatores que, ao fim e ao cabo,
resultam na filiação do vereador Maurício Beraldo e seu grupo ao PSDB.

61
Conforme observado acima, o segmento em tela, quando do encaminhamento da sucessão na
prefeitura de Goiânia em 1996, apóia, de acordo com a decisão de Darci Accorsi, Valdir Camárcio e
não o candidato natural do PT, que seria Pedro Wilson.
107

4 POLÍTICA HABITACIONAL EM GOIÁS SOB OS GOVERNOS

DO PSDB/PP

4.1 FINAL DOS ANOS 90 – REFORMA GERENCIAL E

REORIENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS

No pleito eleitoral de 1998, as pesquisas de intenção de voto davam


como certa a continuidade do ciclo de hegemonia do PMDB na política goiana. Já no
primeiro turno, contudo, sai na frente o candidato da coligação capitaneada pelo
PSDB. Em disputa acirrada com Íris Rezende, que concorria ao cargo de governador
pela terceira vez, Marconi Perillo, sob o discurso da instauração de um “tempo novo”
na política e administração pública estaduais, vence também o segundo turno, com
53,3% contra 46,7% dos votos válidos, segundo dados do TRE-GO. Embora o
PMDB eleja para o senado o ex-governador Maguito Vilela e faça a maioria dos
deputados estaduais e federais, não resta dúvida quanto ao significado de seu
rebaixamento à oposição. A partir de então, é o PSDB que, comandando o executivo
estadual, passa a deter o controle sobre importantes recursos críticos, em outros
termos, sobre uma “verdadeira máquina de fazer política” (ABRUCIO, 1994)62,
mantendo-se na situação até os dias atuais63.
Quando da campanha eleitoral, se o candidato Marconi Perillo – PSDB
se compromete a manter o Programa de Apoio às Famílias Carentes (FARIA, 2005),

62
Embora Abrucio (1994) esteja se referindo ao período que se abre com a redemocratização e vai
até o governo Fernando Henrique Cardoso, marcado por um padrão de relações intergovernamentais
por ele caracterizado como “federalismo estadualista”, não resta dúvidas de que essa condição dos
executivos estaduais enquanto verdadeiras máquinas de fazer política persiste no período posterior.
De acordo com os dados apresentados mais acima (KRAUSE; PAIVA, s/d), das eleições municipais
de 1996 para as de 2000, o PMDB desce de 44,6 para 25,6% dos prefeitos eleitos e o PSDB sobe de
11,7 para 24,8%, praticamente se igualando ao PMDB. O comando do governo estadual pelo PSDB
é, certamente, um dos fatores explicativos dessa mudança.
63
Marconi Perillo é reeleito em 2002, vencendo as eleições sobre o candidato do PMDB Maguito
Vilela. Governa até 2006, quando, para se candidatar ao cargo de senador, deixa em seu lugar o vice
Alcides Rodrigues – PP. Este, em aliança com o PSDB, disputa as eleições de 2006 contra Maguito
Vilela, que novamente é derrotado. Durante seu governo, a aliança PP-PSDB vai sendo
progressivamente desfeita, rompendo-se por ocasião das eleições de 2010. Desta feita, Marconi
Perillo sai candidato a governador pela terceira vez, vencendo a disputa sobre Íris Rezende em
segundo turno.
108

muito em função da popularidade alcançada por Maguito Vilela com o mesmo64, seu
mote discursivo é a ruptura. Acusando Íris Rezende e os governos do PMDB em
geral de terem endividado o Estado e mantido sua operação em bases tradicionais e
clientelistas, definiu como prioridade a racionalização das atividades governamentais
por meio da reforma da máquina pública estadual a partir dos parâmetros gerenciais
propostos pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE e em
implementação pelo governo Fernando Henrique Cardoso – PSDB a nível federal.
Com o governo Marconi Perillo, tem-se uma revalorização do
planejamento no governo do Estado de Goiás, mas, como observa Silva (2003), sob
condicionantes inteiramente diversos daqueles que, em meio ao nacional-
desenvolvimentismo que marcou a sociedade brasileira das décadas de 1930 a
1970, informaram a primeira experiência efetiva de planejamento no Estado, qual
seja, a realizada na primeira metade da década de 1960 pelo governador Mauro
Borges. No Plano Plurianual 2000-2003 – Goiás para o século XXI, o primeiro PPA
elaborado no Estado desde que a Constituição de 1988 impôs a adoção de tal
instrumento65, levam-se em consideração os novos paradigmas de produção e
circulação do capitalismo globalizado e o acirramento das dificuldades financeiras
dos governos. É assim que se propõe a, dentre outras coisas, desenvolver e
fomentar a competitividade da economia goiana, para produzir segundo padrões de
eficiência em nível mundial, e transformar a estrutura do governo, modernizando-a
com vistas ao incremento da eficácia e da qualidade no atendimento ao cidadão.

64
Conforme transcrição do Programa Roda Vida, da TV Cultura, de 13 de janeiro de 1997, que tinha
o então governador Maguito Vilela como convidado, seu índice de aprovação popular em dezembro
de 1996 era de 72% entre ótimo e bom, o que o colocava na liderança da pesquisa Datafolha
realizada nos 12 principais estados brasileiros. Disponível em:
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/686/ entrevistados/maguito _vilela_1997.htm. Acesso em: 10
out. 2011.
65
Em dissertação com respeito a planejamento e regionalização nos PPAs elaborados pelo governo
do Estado de Goiás para os períodos 1999-2003, 2004-2006, 2007-2011, Salgado (2010) observa
que o modelo de planejamento consubstanciado no instrumento em tela, embora previsto na
Constituição de 1988 e nas constituições estaduais, só se efetiva no Brasil no final da década de
1990. Em 1998, decreto e portaria do Ministério do Planejamento e do Orçamento – MPO
estabelecem uma base conceitual e metodológica mais sólida para a elaboração dos PPAs, e em
2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, o não cumprimento do PPA torna-se passível de
punição. A partir de consulta às secretarias de planejamento de 22 estados brasileiros, Salgado
afirma que, enquanto 12 dos mesmos elaboraram seu primeiro PPA já em 1990, os 10 outros, aí
incluído Goiás, o fizeram apenas em 1999. De qualquer forma, completa a autora, os primeiros PPAs
tenderam a não passar de mero cumprimento de uma formalidade legal.
109

As reformas neoliberais, conforme sustentam Souza e Carvalho (1999),


tenderam a envolver duas gerações diferentes, a primeira delas referida à abertura
dos mercados, desregulamentação e privatização e a segunda, à tentativa de
construção e reconstrução das capacidades administrativas e institucionais do
Estado. Adotando este esquema para o caso de Goiás, como o faz Vieira Júnior
(2005), podemos dizer que o governo Marconi prossegue com a primeira geração de
reformas iniciada no governo Maguito e, ao mesmo tempo, agrega à mesma as
iniciativas integrantes da segunda geração. Dessa maneira, além de manter e
acelerar o programa de desestatização já iniciado, o novo governo procede a ampla
modificação na estrutura da máquina administrativa estadual com vistas a adequá-la
ao ajuste fiscal. (SILVA, 2003; SALGADO, 2010).
No governo Marconi, assim, realizam-se alterações em praticamente
toda a administração pública estadual. Iniciadas por meio da Lei n° 13.456, de abril
de 1999, estas tomam corpo mais definido com a Lei nº 13.550, de novembro do
mesmo ano (GOIÁS, 2005), resultando na adoção de novos conceitos de gestão
pública, pretensamente capazes de modernizar os mecanismos de ação estatal,
tornando-os mais ágeis, flexíveis e menos onerosos. De acordo com Silva (2003),
foram extintas nove secretarias, cinco fundações, onze empresas públicas e de
economia mista e criadas quatro autarquias. No total, o Estado passa de quarenta e
oito unidades administrativas para vinte e nove, sendo extintos dois mil cargos
comissionados. No lugar de algumas secretarias, fundações e empresas extintas,
surgem agências gestoras que passam a agregar as novas funções.
É à luz deste contexto de alinhamento do governo do Estado de Goiás
aos princípios da chamada “administração pública gerencial” que devem ser
pensados os novos encaminhamentos dados às políticas sociais. De início, antes de
passarmos ao setor destas que nos interessa, qual seja, o da política de habitação,
cumpre fazer menção à reestruturação por que passou o Programa de Apoio às
Famílias Carentes – PAFC, herdado do governo anterior, ao qual aquela política, por
meio do Meu Lote, Minha Casa, esteve vinculada. No governo Marconi, o PAFC é
substituído pelo Renda Cidadã e o Meu Lote, Minha Casa pelo Cheque-Moradia,
havendo similaridades entre as mudanças e continuidades ocorridas neste caso com
as verificadas naquele. Vejamos.
Com a Lei n° 13.456, de abril de 1999, extinguem-se a Secretaria
Especial de Solidariedade Humana e a Secretaria do Trabalho, sendo suas funções
110

transferidas para a recém-criada Secretaria de Cidadania e Trabalho – SECT.


Conforme prometido na campanha eleitoral, o PAFC prossegue, já sob a SECT,
sendo implementado no primeiro ano de governo, havendo uma pequena mudança
no seu nome, que passa de Programa de Apoio às Famílias Carentes para
Programa de Assistência às Famílias Carentes, e o acréscimo de um botijão de gás.
Contudo, o acompanhamento e as avaliações do programa apontavam problemas
em seu desenho: dificuldades no processo burocrático de licitação da cesta, no
armazenamento e no transporte da cesta e do botijão, no acesso dos beneficiários,
etc. (FARIA, 2005). Tais problemas, vale dizer, como referido mais acima,
acometiam também o sub-programa Meu Lote, Minha Casa.
Em março de 2000, por meio da Lei n° 13.605, aprova-se o Renda
Cidadã, em substituição ao PAFC. Assim, como observa Faria (2005), não mais
haveria distribuição de bens in natura, mas a transferência direta de uma renda
mínima mensal aos beneficiários. Acessando-a por meio de um cartão magnético,
estes teriam auxílio financeiro correspondente a 20% do salário mínimo para
aquisição de gêneros alimentícios de primeira necessidade e um botijão de gás e
auxílio financeiro correspondente a 13% do salário mínimo para nutrição infantil.
Além destes dois benefícios, haveria a isenção de tarifas de energia elétrica e água
para residências com consumo abaixo de 50Kws/mês e 5.000 litros/mês. Entre os
cinco programas de renda mínima implementados pelos governos estaduais
brasileiros entre 1995 e 1999, foi este o de maior abrangência. (Silva apud FARIA,
2005).
Cabe observar, contudo, que a estrutura de benefícios do Renda
Cidadã permanecia praticamente a mesma do PAFC – respectivamente, cesta
básica de alimentos, pão e leite, isenção de energia e isenção de água. Houve
apenas o acréscimo do botijão de gás e a retirada dos lotes semi-urbanizados, este
último benefício tornando-se parte da política habitacional que seria conduzida pela
Agência Goiana de Habitação – AGEHAB, como será demonstrado mais à frente.
Continuidades também se manifestaram no que diz respeito ao público-alvo, aos
critérios de elegibilidade e às condicionalidades – residência no estado há mais de 2
anos ininterruptos, renda familiar mensal de até 1 salário mínimo, cartão de
vacinação atualizado e freqüência escolar. Afora tais aspectos, cabe registrar a
manutenção do mesmo banco de dados informatizado e do tempo de 12 meses de
111

concessão dos benefícios, também com a possibilidade de ser renovado. (FARIA,


2005).
Tão importante quanto estes elementos de continuidade é a não
ampliação da cobertura do Renda Cidadã face ao PAFC, contrariamente ao que
seria esperado em função da redução de gastos administrativos resultante da
mudança operada na forma de concessão dos benefícios. Como deixam claro os
dados apresentados por Faria (2005), se o número de famílias com rendimentos de
até 1 salário mínimo no estado de Goiás cresceu 48,8% entre 1995 e 2002, o
número médio de famílias atendidas permanece praticamente o mesmo quando
comparamos o período 1995-1998 com o período 1999-2002. Como resultado, ainda
que se tenha mantido a cobertura em termos absolutos, a cobertura em termos
relativos decai – se no governo Maguito não esteve abaixo de 64,8%, no primeiro
governo Marconi não esteve acima de 53,2%.
O montante de recursos destinado ao Renda Cidadã,
comparativamente ao PAFC, também não aumenta na medida do crescimento das
receitas fiscais nem do desenvolvimento econômico do estado verificados durante o
período 1999-2002. Como observa Viera Júnior (2005), sendo as prioridades do
governo Marconi Perillo a política de desenvolvimento econômico e a política de
ajuste fiscal, objetivava-se, além do incremento da receita do governo estadual,
equilibrar as contas públicas e saldar os serviços da dívida pública junto à União. É
assim que, reduzindo-se os custos administrativos inerentes ao formato de
operacionalização do PAFC, ou se manteria o número de famílias beneficiadas mas
com um dispêndio de recursos menor ou, no máximo, seria mantido o mesmo
volume de recursos mas atendendo a mais famílias. A escolha do governo Marconi
Perillo parece ter recaído sobre a primeira opção.
O Renda Cidadã, assim como seu predecessor, o PAFC, é um
programa de intervenção focalizada na extrema pobreza. Ambos, na contramão da
reforma da seguridade social ocorrida com a Constituição de 1988 e em
consonância com as políticas de ajuste fiscal, não apontam para a afirmação de um
sistema de proteção social universalista, mas marcadamente residual. A principal
novidade do Renda Cidadã face ao PAFC está, então, como demonstrado, no
formato técnico utilizado para a operacionalização da distribuição dos benefícios. A
transferência direta de renda, em contraposição à distribuição in natura dos
benefícios, implica redução dos custos administrativos e, ademais, resulta em
112

dinamização da economia dos municípios, o que reverte para o Estado na forma de


impostos. O Renda Cidadã adota tais princípios e, guardadas as devidas diferenças,
o mesmo se verificará, no âmbito da política habitacional, com o Cheque-Moradia.
Antes de discorrer sobre tal programa, porém, debrucemo-nos sobre as
modificações institucionais que precederam sua criação.

4.2 REATIVAÇÃO DA COHAB-GO E SUA TRANSFORMAÇÃO EM

AGEHAB

Durante o governo Maguito Vilela (1995-1998), conforme já referido,


em meio aos rebatimentos das medidas de ajuste fiscal tomadas pelo governo
federal sobre a rede de empresas públicas de habitação, a COHAB-GO, há muito
em crise financeira e institucional, é submetida à condição de liquidação por meio da
Lei n° 12.858, de abril de 1996. As dívidas que esta empresa vinha acumulando
junto à CEF desde o Mutirão da Moradia e a extinção do BNH são assumidas pelo
governo do Estado, tornando-se a mesma sua devedora. Como o Estado devia ao
Banco do Estado de Goiás S/A – BEG, forja-se uma operação triangular – a
COHAB-GO pagava o Estado que, por sua vez, pagava o BEG. Dessa maneira, são
feitas dações em pagamento e a carteira habitacional é passada para este último66.
A mudança de governo e de partido, de Maguito Vilela – PMDB para
Marconi Perillo – PSDB, além da substituição do liquidante, abre possibilidade para
um novo encaminhamento para a crise financeira e institucional da COHAB-GO. Tal
como relata Luiz Bretones:

Quanto terminou o governo do PMDB, nós estávamos em liquidação. Veio o


primeiro governo Marconi, aí nós [corpo de funcionários da COHAB-GO]
fizemos aqui uma verdadeira confraria, manifestos e estudos, pra
demonstrar que a COHAB era viável. [...]. (Luiz Bretones, 30.09.2010). A
gente procurou abrir e plantar essa idéia nossa do que que é uma COHAB.
Procuramos muito apoio da própria ABC, que também estava muito
detonada na época, mas pra demonstrar que é um órgão que poderia vir a
servir ao Estado. [...]. A gente procurou se espelhar em outras COHABs, as
ações que elas desenvolviam, principalmente Minas Gerais, Paraná,
CDHU/São Paulo. E aí conseguimos sensibilizá-los pra que vissem com
outros olhos essa situação da COHAB. [...]. Isso já foi no governo Marconi,

66
Transcorrido este processo, resta à COHAB-GO o Parque Atheneu Acalanto e o Vera Cruz como
patrimônio de estoque e, em função da federalização e posterior privatização do BEG, já no início do
governo Marconi, a possibilidade de voltar a administrar a carteira habitacional, que retorna ao Estado
por determinação do Banco Central. Trata-se de fatores que facilitariam uma possível retomada das
atividades da COHAB-GO.
113

antes, na fase de campanha, a gente plantou isso demais. Ele foi eleito, e aí
começaram as atividades dele e veio outro liquidante. Então, esse outro
liquidante permitiu que a gente pudesse expor melhor, sendo ele o grande
vetor porque ele levava as idéias que a gente trabalhava, as opções, as
propostas, isso era levado a nível governamental. (Luiz Bretones,
03.05.2011).

Em outubro de 1999, por meio da Lei n° 13.532, a liquidação da


COHAB-GO é suspensa, sendo a mesma reativada e transformada em AGH –
Agência Goiana de Habitação, sigla que é trocada em 2001, com a Lei n° 13.831,
por AGEHAB. Como fica claro pela leitura do trecho acima, as articulações
realizadas pelo corpo de funcionários da empresa com vistas a demonstrar sua
viabilidade, muito motivadas pela pretensão de prosseguir no trabalho e cumprir o
tempo necessário para a aposentadoria, contribuíram para a suspensão da
liquidação. É possível supor, contudo, que este não tenha sido um fator decisivo,
afinal, um grupo reduzido de funcionários, em torno de 10 no final do governo
Maguito, não teria tanto poder de pressão para uma mudança de rumo como esta e,
ademais, o passivo a ser herdado pela sucessora da COHAB-GO era considerável,
resultado de toda a trajetória de crise financeira e institucional já descrita.
As entrevistas realizadas para a feitura deste trabalho não nos
permitem avançar quais teriam sido os demais fatores que estiveram na base da
reativação da COHAB-GO. De qualquer forma, sabe-se que tal ocorre no bojo da
reforma administrativa do governo Marconi, daí as cláusulas inscritas na primeira lei
supracitada trocando o termo “companhia” por “agência”, ainda que esta mudança
tenha se restringido à razão social, já que a constituição jurídica de economia mista
permaneceu, e determinando que a AGH/AGEHAB não expandiria seu quadro de
pessoal em um prazo de cinco anos, devendo terceirizar ao máximo suas
operações.
Para a presidência da recém-criada AGEHAB, é indicado Álvaro César
Lourenço, à época diretor presidente da Associação dos Dirigentes das Empresas
do Mercado Imobiliário – ADEMI. Tal indicação sugere, à primeira vista, a
ascendência, via “anéis burocráticos”, desse segmento sobre o setor habitacional do
Estado, elemento característico da trajetória de tal política pública no Brasil como um
todo. (Melo, 1988). A formulação e operação daquele que veio a se tornar o principal
meio de intervenção da AGEHAB, contudo, não autoriza esta conclusão, já que,
baseando-se, entre outras coisas, no princípio da autoconstrução, o Cheque-
Moradia não resultou na abertura de espaços para o mercado imobiliário dentro da
114

máquina pública. A indicação de um membro do mercado imobiliário para a


presidência da AGEHAB parece, assim, ter mais a ver com a reforma administrativa
em curso, que requeria a adoção de princípios gerenciais também no setor
habitacional, o que se materializa, em boa medida, com o Cheque-Moradia,
instrumento cuja operação, além de ágil, exige baixos custos administrativos e gera
benefícios fiscais consideráveis.

Esquema 5 – Setor habitacional nos Governos Marconi/ Alcides (1999-2010)

Gov. Marconi Perillo e Alcides


Rodrigues (1999-2010)

Sec. Cidades
Cheque-Moradia
X
AGEHAB

X AGDR

Sec.
Cidadania e
Trabalho

Fonte: Elaboração própria, a partir das entrevistas realizadas e bibliografia e documentos acessados.
1 – O “quadro bege” circunscreve as empresas e/ ou secretarias às quais o governo estadual delega a
condução do seu programa habitacional prioritário; o “balão rosa” circunscreve, dentre outras coisas, as
estruturas organizacionais que, embora vinculadas à habitação, gozam de inserção marginal na
administração pública estadual; e abaixo da linha pontilhada encontram-se órgãos e secretarias que não
participam de nenhuma ação habitacional, mas que no governo seguinte recebem redirecionamentos que
influem no curso da política habitacional estadual.

Com a suspensão da liquidação e reativação da COHAB-GO, a


AGEHAB acaba por herdar os problemas oriundos dos planos de financiamento
anteriormente utilizados, gerados, entre outras razões, pela desigualdade de
atendimento com os programas subsidiados do governo do Estado. Além destes,
herda também graves problemas trabalhistas e, ademais, uma estrutura física e
115

operacional deteriorada e já ultrapassada67. Por outro lado, em função da


federalização e posterior privatização do BEG, já no início do governo Marconi, a
carteira habitacional, por determinação do Banco Central, retorna ao Estado. A
AGEHAB assina um contrato com o mesmo para administrar a carteira, o que lhe
possibilita pagar suas despesas e a folha de pagamento, que estava atrasada. Tal
não se deu facilmente, contudo, já que a inadimplência da carteira era em torno de
97%, conforme relembra Álvaro Lourenço. (04.05.2011).
Desde o Mutirão da Moradia e a extinção do BNH em um processo
continuado de desarticulação financeira e institucional e há nove anos, cabe
acrescentar, sem realizar nenhum empreendimento, a COHAB-GO, agora sob o
nome de AGEHAB, volta a gozar de centralidade no âmbito da administração pública
estadual. Com o governo Marconi Perillo, a política habitacional deixa de estar a
cargo da Secretaria Especial de Solidariedade Humana, que é extinta, tornando-se
objeto da atuação da AGEHAB, que passa a estar jurisdicionada à Secretaria de
Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Habitação – convertida, em 2002, em
Secretaria de Habitação e Saneamento e, em 2005, em Secretaria das Cidades68. A
AGEHAB, dessa maneira, mesmo tendo que resolver pendências de sua história
institucional pregressa, passa a dispor de novas bases para sua operação. Tal
ocorre, como será demonstrado, com o Cheque-Moradia.

4.3 CHEQUE-MORADIA (2001-...)

Em maio de 2001, por meio da Lei nº 13.841, é instituído o Programa


Habitacional Morada Nova, cabendo a aprovação das especificações técnicas
daquele que seria seu instrumento básico de operacionalização, ou seja, o Cheque-
Moradia, à Instrução Normativa nº 498 da Secretaria da Fazenda – SEFAZ, datada
de agosto do mesmo ano. O Cheque-Moradia não é concebido enquanto um
programa, como se vê, mas como instrumento de um programa, do Morada Nova.

67
Havia na COHAB-GO apenas três computadores, de modelos antigos: dois deles 286 e um 386.
68
Cumpre observar que, contrariamente aos objetivos de racionalizar as ações da máquina pública
estadual, persistem superposições de funções de gestão na área habitacional nos governos Marconi
Perillo e Alcides Rodrigues. Há conflitos com a Secretaria das Cidades e com a Agência Goiana de
Desenvolvimento Regional – AGDR, que desenvolvem algumas ações habitacionais próprias, ainda
que uma atuação de pouco relevo se comparada à que ocorre através da AGEHAB. A AGDR, vale
destacar, tem atuação restrita às regiões do Entorno de Brasília e Norte e Nordeste Goianos, as que
possuem maiores índices de pobreza.
116

Ocorre que, em função tanto da popularidade que ganha quanto da centralidade que
adquire dentro deste, acaba sendo tratado como o próprio programa. Dessa
maneira, ora nos referiremos a ele como sendo um instrumento ora como sendo um
programa.
Uma vez instituído, o Cheque Moradia torna-se o principal programa e
fonte de recursos para ações habitacionais da AGEHAB. Regido pela instrução
normativa referida e, com a revogação da lei supracitada, pela Lei nº 14.542 e pelo
Decreto nº 5.834, ambos de 2003, opera, em resumo, por meio da transferência de
parte da arrecadação de impostos do Estado para famílias com renda de até três
salários mínimos, para construção, reforma ou ampliação de suas casas, em
loteamento realizado pela prefeitura conveniada ou em lote do próprio beneficiário,
havendo a contrapartida de que este doe sua mão-de-obra no processo construtivo.
As casas seguem, em linhas gerais, uma planta com dois dormitórios, uma sala,
uma cozinha e um banheiro, totalizando 40 m² de área construída e
aproximadamente 36 m² de área útil no centro de um terreno de 200 a 250 m².
Em entrevista para a feitura deste trabalho, Luiz Bretones apresenta-
nos os elementos que estiveram na base da gestação do Cheque-Moradia. São
eles: escassez crescente de recursos em âmbito federal; necessidade de recursos
próprios e constantes, para o que se colocava enquanto referência o caso da CDHU
de São Paulo; complicações inerentes a programas com dotações orçamentárias;
viabilidade do mecanismo do crédito outorgado de ICMS; e afirmação do Crédito
Material de Construção da CEF enquanto modelo a ser reproduzido. Vejamos:

Quando nós saímos daquela liquidação e nos tornamos AGEHAB, nós


precisávamos de ter uma forma de que o Estado nos ajudasse a viabilizar
os empreendimentos, até com prefeituras, entidades. Aí, a forma de fazer
esse aporte de recursos era uma dificuldade. Nós nos espelhamos muito,
por exemplo, São Paulo tem uma taxa, um percentual [...]. Então, a gente
queria alguma coisa assim, porque só com o programa CAIXA a gente não
faria nada. Programa federal, a não ser esses programas Habitar-Brasil,
Morar Melhor, todos eles muito insuficientes para fazer uma sustentação
política. Então a forma de como fazer o Estado participar disso: via dotação
orçamentária é muito complexo, é tanta burocracia que as coisas não
chegam a tempo e hora. Então, nós buscamos muito um espelho com
aquele programa do crédito material, da CAIXA. A CAIXA tem um programa,
não sei se ainda está ativo hoje, do crédito material [...]. Diversas vezes fui
lá, porque era um programa bem eficiente e simples. Então, a pessoa
buscava o financiamento na CAIXA, ele tinha um croqui, um projeto, viria a
engenharia, ‘isso é viável, pode fornecer esse e tal e tal...’. Então, ele ia
numa casa de construção que era conveniada com esse programa, adquiria
esse produto, mediante a confirmação e ateste de entrega desse produto no
local de aplicação, a nota fiscal vinha e aí a agência da CAIXA pagava.
Então, isso aí começou a ‘coçar’ uma idéia de como a gente poderia tomar
117

proveito disso, que já era uma postura diferente. [...]. Então, daí foi nesse
estudo, avaliando como seria. [...]. Na Secretaria da Fazenda, nós tínhamos
a questão dos créditos outorgados, então foi outra ferramenta que foi
trabalhada, esse crédito outorgado de ICMS. Então, ao final de um estudo
grande, começou-se a desenhar uma solução que acabou virando o
Cheque-Moradia, onde o recurso é do Estado, através do ICMS, ele é um
crédito outorgado de ICMS, em que o Estado confere aquele crédito a uma
pessoa física. Então, essa pessoa física, recebendo aquilo, pode-se dizer
que nós fizemos o papel da CAIXA. Aí, essa pessoa física com esse
Cheque-Moradia vai na loja de material e compra esse material e essa
empresa faz a baixa do cheque e tudo na Secretaria da Fazenda. (Luiz
Bretones, 30.09.2010, grifo nosso).

A criação do Cheque-Moradia coincide, no plano federal, com a


radicalização das restrições macroeconômicas à política habitacional herdadas do
primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. Em 1998, como resposta
à crise econômica e financeira e em função de acordo realizado com o FMI, são
suspensas as operações de crédito com recursos do FGTS para qualquer nível
governamental. Ao mesmo tempo, os recursos do OGU, já pouco volumosos e com
alocação sujeita a emendas parlamentares, passam a ser reiteradamente
contingenciados na busca pela realização de superávits nas contas públicas.
(CARDOSO, 2002/03). Ao longo do segundo mandato do governo Fernando
Henrique, assim, tornava-se ainda mais arriscado apostar na dependência de
recursos federais para a viabilização de intervenções habitacionais no estado.
Em meio a tais constrangimentos, colocava-se enquanto necessidade
para o governo do Estado de Goiás a institucionalização de uma fonte própria e
permanente de recursos financeiros para a habitação. Uma necessidade que se
reforçava pelo fato de que o governo recém-empossado, além de oferecer novas
respostas à problemática habitacional no estado, deveria constituir os meios para a
legitimação política da liderança de Marconi Perillo e do PSDB à frente do executivo
estadual, após 16 anos de governo do PMDB e de liderança de Íris Rezende. Não
havia em Goiás, contudo, as condições políticas e financeiras para um
encaminhamento da questão similar ao ocorrido no estado de São Paulo, onde,
desde a passagem da década de 1980 para a década de 1990, há uma vinculação
do adicional do ICMS à produção habitacional subsidiada. (ROYER, 2002;
ARRETCHE; CARVALHO, 1990).
Vislumbrou-se, então, na ferramenta do “crédito outorgado de ICMS”
um meio para a consecução de recursos próprios para a habitação no estado e,
assim, para a formatação do programa que viria ser o Cheque-Moradia. Essa forma
118

de renúncia de receita69, coerentemente com a reforma administrativa conduzida


pelo governo Marconi Perillo, orientada no sentido da adoção de princípios da
iniciativa privada pela administração pública, traria mais agilidade e eficiência que as
dotações orçamentárias à atuação do Estado no setor habitacional. Procuremos
entender essa vantagem do mecanismo do crédito outorgado de ICMS já a partir do
caso que nos interessa, qual seja, o do programa e instrumento Cheque-Moradia.
Em primeiro lugar, a liberação de recursos para a habitação via crédito
outorgado de ICMS e não via dotação orçamentária permite ao governo do Estado
escapar à morosidade resultante do cumprimento das regras normatizadoras de
licitações e contratos administrativos para a execução de obras e serviços da
administração pública. Em segundo lugar, a determinação do montante de crédito
outorgado de ICMS a ser liberado sob a forma de Cheque-Moradia depende
exclusivamente do executivo, em outros termos, do governador e da Secretaria da
Fazenda – SEFAZ. Sendo uma renúncia de receita, diz respeito a um recurso que é
utilizado antes de ser incorporado ao orçamento, não estando sujeito às votações na
Assembléia Legislativa de Goiás – ALGO70.
Em terceiro lugar, o crédito outorgado de ICMS concedido sob a forma
de Cheque-Moradia, tendo valor monetário apenas em empresas de materiais de
construção, favorece o controle do processo e coíbe o “vazamento”, constrangendo
o beneficiário a utilizar o subsídio apenas para a aquisição daqueles produtos. Caso
a opção fosse pelo recurso orçamentário, além das desvantagens referidas no
parágrafo anterior, tal controle não ocorreria automaticamente, tornando-se
necessária a estruturação de um aparato mais robusto e, portanto, mais oneroso de
fiscalização. Em quarto e último lugar, pelo fato de a apropriação do crédito
outorgado de ICMS pela empresa de material de construção depender de que a
mesma esteja adimplente com suas obrigações tributárias perante a receita

69
Na Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal,
estabelece-se de maneira mais pormenorizada que no texto constitucional o conjunto das renúncias
de receitas como sendo: anistia; remissão; subsídio; crédito presumido; concessão de isenção em
caráter não geral; alteração de alíquota ou base de cálculo: redução de tributo ou contribuição; e
benefício referente a tratamento diferenciado. No estado de Goiás, o crédito presumido é tratado
como crédito outorgado.
70
É importante observar que não há vínculo entre o que está destinado para a função “habitação” no
PPA, na LDO e na LOA e o que é liberado, via crédito outorgado de ICMS, para o Cheque-Moradia.
Naquela função, incluem-se gastos com ações mais pontuais operacionalizadas pela Secretaria das
Cidades.
119

estadual, o mecanismo em tela resulta em regularidade fiscal e, assim, em


incremento da arrecadação do Estado.
Passando à sistemática do Programa Habitacional Morada Nova, ou,
se quisermos, do programa Cheque-Moradia, é preciso ressaltar que a mesma toma
como referência o sub-programa Aquisição de Material de Construção do programa
Carta de Crédito FGTS71, mas vai além: opera não com financiamento mas com
subsídio, através do crédito outorgado de ICMS; estrutura-se a partir de uma
parceria do governo do Estado não apenas com o beneficiário, mas também com as
prefeituras, que se colocam como intervenientes entre ambos; e traz a possibilidade
de que a construção se dê, não apenas no lote do benefíciário, que é o que ocorre
também na reforma, mas em loteamento produzido pela prefeitura. Estas duas
últimas características, diferentemente do que ocorre naquele programa federal,
podem favorecer o exercício por parte dos municípios de seu papel constitucional de
controle do território urbano.
A Lei nº 14.542, de 2003, e as demais normatizações autorizam ao
chefe do poder executivo a concessão de crédito outorgado de ICMS ao contribuinte
do imposto estabelecido no estado de Goiás nas operações internas com materiais
de construção cuja destinação é o emprego direto na edificação de obras
amparadas pelo Programa Habitacional Morada Nova da Agência Goiana de
Habitação – AGEHAB. O valor do crédito outorgado de ICMS deve corresponder ao
valor do subsídio, expresso em talonários de Cheque-Moradia, concedido pelo
governo do Estado às famílias beneficiárias do programa, com renda, salvo algumas
exceções a seguir apresentadas, entre 0 a 3 salários mínimos, para a aquisição dos
materiais de construção.
O Cheque-Moradia é coordenado pela AGEHAB e opera através de
uma parceria entre Estado, prefeituras (ou entidades) e beneficiário, aqueles
assumindo a contrapartida financeira e este participando com a mão-de-obra. O
Estado responsabiliza-se pelo material de construção com a emissão do Cheque-
Moradia por meio da AGEHAB e, na maior parte dos casos, também se incumbe da

71
Por meio da Resolução n° 299, de agosto de 1998, o Conselho Curador do FGTS acrescentou a
modalidade operacional “aquisição de material de construção” ao programa Carta de Crédito. Trata-
se de uma linha de financiamento destinada a pessoa física para compra de material de construção
para construção ou reforma de imóvel residencial urbano.
120

construção das redes de água e energia elétrica por meio das concessionárias
SANEAGO e CELG72. As prefeituras conveniadas responsabilizam-se pelo terreno e
pelo loteamento, doando-os ao Estado, pelos alicerces, pela orientação da mão-de-
obra e pela execução de serviços complementares. Há também a possibilidade de
que o convênio seja feito pelo Estado não com prefeituras, mas com entidades
organizadas da sociedade civil, assumindo estas as responsabilidades que caberiam
àquelas. O beneficiário, por sua vez, participa da parceria com a mão-de-obra
necessária para a construção de sua casa a partir do alicerce, só recebendo seu lote
com escritura e registro consolidando a propriedade 8 anos após ter sido
contemplado pelo programa.
Toda a operação do programa está sujeita à programação anual
estabelecida pelo governo, seja no que diz respeito à disponibilidade de recursos
seja no que concerne à política de distribuição de benefícios. O governador e a
Secretaria da Fazenda estipulam uma previsão do montante de crédito outorgado de
ICMS que poderá ser concedido via Cheque-Moradia anualmente, definindo e
liberando, com base na mesma, as cotas mensais, que devem ser gerenciadas pela
AGEHAB. Da mesma forma, o governador e o presidente da AGEHAB, baseando-
se, entre outros critérios, em estimativas de déficit e demográficas, definem
anualmente uma estratégia de ação com os municípios a serem atendidos e a
quantidade de benefícios a ser concedido em cada um deles.
A iniciativa da abertura de convênio com a AGEHAB parte do próprio
município ou entidade interessada, que, comprovando cumprir ou estar apto para
cumprir as contrapartidas que lhe cabem, solicita o atendimento e, assim, um
determinado número de benefícios. A AGEHAB, então, atenta às exigências
técnicas inerentes ao programa e aos constrangimentos advindos da programação
anual acima referida, decide se firma ou não o convênio e, no caso de positiva a
decisão, estabelece a quantidade de benefícios a serem concedidos, em número
não necessariamente igual ao solicitado, posto que definido com base na solicitação
recebida mas também naquela programação.

72
A implementação das obras de infra-estrutura de água e energia elétrica pelo Estado não está
prevista no convênio que é firmado com a AGEHAB. Os municípios devem, portanto, “correr atrás”
das concessionárias CELG e SANEAGO para que as mesmas o façam. Caso contrário, devem eles
próprios arcar com os custos dessas infra-estruturas.
121

O cadastramento é responsabilidade exclusiva do conveniado e é


realizado a cada convênio, inexistindo, pelo menos até meados de 2009, um
cadastro permanente e unificado para o estado como um todo. A prefeitura ou a
entidade, informadas da quantidade de benefícios que irão receber, procedem ao
cadastramento por meio de um software disponibilizado pela AGEHAB. Cadastram
entre 10 e 30% famílias a mais do que o número de casas previsto no convênio
firmado, enviando para aquela os dados em arquivo digital e, para efeito de
comprovação futura, acompanhados pelas fichas preenchidas a mão e pela
documentação física correspondente.
Realizado o cadastramento e o envio dos dados gerados pelo
conveniado para a AGEHAB, esta procede ao processamento eletrônico dos
mesmos. Por meio do Sistema de Controle de Atendimentos do Cheque-Moradia –
SICAT73, seleciona as famílias com base em um esquema de pontuação
inversamente proporcional à vulnerabilidade social das mesmas. Essa seleção
ocorre segundo os grupos de casas a serem contempladas dentro do universo total
de beneficiados. Selecionam-se, por exemplo, 10 famílias, verificando-se a
veracidade dos dados digitalizados com a ficha preenchida a mão e com a
documentação física. Depois, selecionam-se mais 10 e se faz a mesma verificação...
Sucessivamente, no exemplo em tela, a seleção ocorre de 10 em 10, até atingir o
universo total. Mais à frente, volta-se a discorrer sobre a seleção dos municípios e o
cadastramento e seleção das famílias, demonstrando-se como critérios de ordem
política acabam por interferir nos resultados de tais processos.
Selecionadas as famílias beneficiadas, a AGEHAB emite os Cheques-
Moradia, gerenciando dessa maneira as cotas mensais de crédito outorgado de
ICMS que lhe são liberadas pela SEFAZ. Ao receber o cheque, o beneficiário tem
que, obrigatoriamente, trocá-lo por mercadorias numa empresa de material de
construção, seja ela indústria ou comércio, já que de outro modo o instrumento em

73
Conforme observa Faria (2005), houve avanços no Meu Lote, Minha Casa neste sentido, com a
constituição, no âmbito do Programa de Apoio às Famílias Carentes como um todo, do primeiro
banco de dados para programas sociais do Estado. Com o Cheque-Moradia, em meio ao processo de
informatização dos setores de documentação da administração pública estadual, os avanços são
ainda maiores. Além de a base de dados se desvincular da política de assistência social, ganha
novos procedimentos e maior segurança através do novo sistema criado, o SICAT.
122

tela não teria liquidez. Feita essa troca, a empresa referida poderá utilizar o cheque
para abater o ICMS devido ou como forma de pagamento aos fornecedores.

Figura 1 – Cheque-Moradia – Fluxograma

Fonte: Arquivo pessoal de Álvaro Lourenço, presidente da AGEHAB entre 1999 e 2008.

Há um controle informatizado de todo o circuito envolvido na circulação


da moeda/ instrumento Cheque-Moradia, o que mantém em comunicação
permanente a SEFAZ e a AGEHAB. Quando o cheque é emitido por esta, as
informações referentes ao beneficiário são repassadas automaticamente àquela.
Trata-se de informações, vale dizer, que são registradas no anverso (frente) do
cheque, como, dentre outras: número do documento; código do município fornecido
pelo IBGE; nome, CPF e código do beneficiário fornecido pela AGEHAB; e valor do
subsídio. Quando da compra do material de construção pelo beneficiário, o
empresário deve registrar no verso do cheque dados como o nome e a inscrição
estadual da sua empresa e dados relativos ao documento fiscal de venda da
mercadoria. Deve também, em dois campos para preenchimento deixados em
branco no anverso do cheque, colher a assinatura do beneficiário e anotar o número
de autorização obtido junto à SEFAZ ou à AGEHAB por telefone ou via internet.
Dessa maneira, o cheque é baixado e vinculado ao CNPJ do empresário, podendo o
mesmo proceder a sua apropriação. Caso haja transferência do cheque de uma
empresa para outra, a transação segue sendo monitorada pelo sistema
informatizado.
O Cheque-Moradia desdobrou-se em outras modalidades que não
apenas a construção de novas unidades habitacionais. Passou a contemplar
também a reforma ou ampliação de unidades habitacionais, incluindo-se a ligação às
redes de energia elétrica e de distribuição de água potável, e a construção, reforma
123

ou ampliação de equipamentos comunitários. Na modalidade construção de novas


unidades, vale dizer, há ainda possibilidade de o programa se realizar no lote do
beneficiário, tal como ocorre na reforma ou na ampliação. Enfim, as modalidades
abrangidas pelo Cheque-Moradia, tal como as tratam os funcionários da AGEHAB,
são: Cheque-Construção/loteamento da prefeitura; Cheque-Construção/lote do
beneficiário; Cheque-Reforma (ou ampliação); Cheque-Infra-estrutura; e Cheque-
Comunitário (construção, reforma ou ampliação).

Figura 2 – Cheque-Moradia – Anverso do cheque

Fonte: Arquivo pessoal de Álvaro Lourenço, presidente da AGEHAB entre 1999 e 2008.

Para a concessão do subsídio às pessoas físicas ou jurídicas


beneficiárias do programa, observam-se os valores que a seguir se apresentam,
com a incorporação da correção feita em 2005 por meio da Lei nº 15.083. Para as
famílias com renda mensal de até 3 salários-mínimos e os servidores públicos civis e
militares, da ativa, exceto comissionados e temporários, cuja renda mensal seja de
até 6 salários-mínimos, na construção de unidade habitacional, o subsídio é de até
R$ 5.000,00 (cinco mil reais); na reforma ou ampliação, o subsídio é de até R$
1.500,00 (um mil e quinhentos reais) por serviço, permitindo-se a soma de serviços
até o limite máximo de R$ 3.000,00 (três mil reais); e na construção ou implantação
de redes de energia elétrica ou de distribuição de água potável e reservatório desta,
para atendimento de unidade habitacional, o subsídio é de até R$ 600,00
(seiscentos reais).
Para o caso da construção, reforma ou ampliação de equipamentos
comunitários, tarefas executadas por pessoas jurídicas de direito público e pessoas
jurídicas de direito privado sem fins lucrativos e de interesse social, o subsídio fica a
depender do tipo da obra, podendo atingir no caso da construção até R$ 60.000,00
124

(sessenta mil reais) e no caso da reforma ou ampliação até R$ 16.000,00 (dezesseis


mil reais).
Para além destes casos, o Cheque-Moradia prevê uma atuação
complementar aos programas federais, realizados em parceria com a Caixa
Econômica Federal, nos quais a AGEHAB atua como entidade organizadora, como,
por exemplo, Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH,
programa do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e
Resolução n° 460 do CCFGTS74. É assim que, para o caso de famílias com renda
mensal de 03 a 06 salários mínimos e servidores púbicos civis e militares da ativa,
exceto comissionados e temporários, cuja renda mensal seja de 03 a 08 salários
mínimos, o subsídio concedido é de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais).
Por fim, é importante acrescentar três outros elementos constitutivos da
sistemática do Cheque-Moradia. O primeiro elemento diz respeito ao fato de que o
subsídio é concedido diretamente ao beneficiário. De acordo com Álvaro Lourenço,
primeiro presidente da AGEHAB e criador do programa, os subsídios devem ser
concedidos “na ponta”, já que, de outra maneira, “eles se perdem no meio do
caminho”. (Álvaro Lourenço, 04.05.2011). Assim, caso se adotasse, como
exemplifica o entrevistado, a desoneração tributária dos materiais de construção,
seria contemplada não apenas a clientela-alvo, mas todos aqueles que comprassem
tais produtos, e o subsídio não seria totalmente transferido para o beneficiário, uma
vez que as empresas de materiais de construção poderiam abocanhar parte do
mesmo.
O segundo elemento referido está relacionado ao fato de que o Estado,
diferentemente do que ocorria com o Meu Lote, Minha Casa, não mais efetua a

74
Apoiando-se não em recurso orçamentário mas em crédito outorgado de ICMS, o Cheque-Moradia
não poderia ser utilizado como contrapartida nos programas federais (não havia como demonstrar
orçamentariamente o valor aportado). O presidente da AGEHAB, já em 2001, consegue dar um
encaminhamento a esse impasse juntamente à então Secretaria Especial de Desenvolvimento
Urbano – SEDU, de modo que, nas regulamentações posteriores dos programas federais, passa a
haver a possibilidade de a contrapartida ser realizada também mediante materiais de construção, no
que se encaixa o Cheque-Moradia. (Álvaro Lourenço, 10.05.2011). Para a consecução dessa saída, é
provável que muito tenha contribuído o fato de o ministro da referida secretaria ser um goiano e, mais
do que isso, um político recém-convertido ao PSDB. Trata-se de Ovídio de Ângelis, que, indicado
para o cargo por Íris Rezende e Maguito Vilela, acaba por, em 2001, deixar o PMDB. Por ocasião da
disputa entre Maguito e Michel Temer para a sucessão na presidência nacional do PMDB, Maguito
rompe com Fernando Henrique Cardoso, que apoiava Temer. Ovídio é, então, intimado pelo PMDB a
deixar o governo. Não só não o faz como migra para o PSDB, tornando-se apoiador de Marconi
Perillo na política local. (HORÁCIO, s/d).
125

compra e a distribuição dos materiais de construção, eliminando os custos


administrativos e as dificuldades de ordem operacional daí decorrentes. Tal como
verificado na substituição do PAFC pelo Renda Cidadã no âmbito da política de
assistência social, opta-se pela transferência direta de renda, desta feita via crédito
outorgado de ICMS, para a família beneficiária. É ela que compra, de acordo com
suas necessidades e dentro do limite do subsídio que lhe é concedido pelo Estado,
os materiais de construção a serem utilizados na construção, reforma ou ampliação
de sua casa75. A compra passa a ser feita no próprio município (ou em municípios
próximos) onde reside a família, provocando a dinamização da economia local, o
que, somado ao incentivo à regularidade fiscal promovido pelo Cheque-Moradia,
resulta no recolhimento de mais impostos pelo Estado.

Figura 3 – Cheque-Moradia – Custo da unidade habitacional

Fonte: Arquivo pessoal de Álvaro Lourenço, presidente da AGEHAB entre 1999 e 2008.
1 – Não estão considerados os gastos com infra-estrutura e com o terreno;
2 – Não se obteve a informação da data dos valores registrados na tabela da figura. Supõe-se,
contudo, que a participação relativa dos itens listados no custo total é menos afetada pelo
comportamento do mercado da construção civil que seus valores absolutos.

O terceiro elemento refere-se à opção pelo princípio da autoconstrução


como meio para o barateamento do custo da unidade habitacional. Com base em
dados fornecidos por Álvaro Lourenço, elimina-se dessa maneira 53,3% do custo da
construção – mão-de-obra, encargos sociais, impostos, BDI e lucro da construtora.
Em outros termos e se desconsiderando os gastos com infra-estrutura e com o
terreno, a exigência da participação da família beneficiária resulta num menor
investimento por unidade. Os poderes públicos estadual e municipal, este com os

75
Um elemento adicional também favorável à transferência de poder de compra à família beneficiária
operada pelo Cheque-Moradia diz respeito ao fato de que, sendo um talão de cheque com folhas de
valores diferenciados, permite que os materiais sejam comprados no ritmo em que ocorre a
construção, evitando-se o problema do armazenamento.
126

materiais para o alicerce e aquele com os materiais, via crédito outorgado de ICMS,
para a construção a partir deste, gastam juntos apenas 46,7% do que seria gasto
caso houvesse contratação de empreiteira.
Estes três elementos e as diferenças anteriormente assinaladas do
crédito outorgado de ICMS face à dotação orçamentária conferem ao programa do
Cheque-Moradia uma modelagem mais aproximada à da iniciativa privada,
implicando maior agilidade e eficiência à atuação do poder público estadual no setor
habitacional. Tal se dá, cabe ressaltar, no bojo das medidas tomadas pelo governo
Marconi Perillo no sentido da adequação da máquina pública ao ajuste fiscal e,
assim, das reorientações levadas a cabo na área das políticas sociais. Para além da
redução dos custos que decorreriam da contratação de construtoras e da adoção de
um formato operacional similar àquele do Meu Lote, Minha Casa, o Cheque-
Moradia, incentivando a regularidade fiscal e dinamizando as economias dos
municípios conveniados, traz consigo benefícios fiscais consideráveis. Conforme
registra Álvaro Lourenço:

O cheque-moradia tem um benefício fiscal muito grande. Na realidade, o


desembolso dele para o Estado é em torno de 51% do valor nominal. De
cada 100 cheque-moradia, o efeito multiplicador dele é tão grande, de cada
R$100,00 do cheque-moradia, o Estado tira do bolso mesmo 51. (Álvaro
Lourenço, 04.05.2011).

Diferentemente do que se passou, no primeiro governo Íris, com o


Mutirão da Moradia, que, fragilmente institucionalizado, mostrou-se pouco suscetível
à replicação, a despeito mesmo da repercussão nacional e internacional alcançada,
o programa Cheque-Moradia, para além da popularidade e aceitação conquistadas
internamente ao estado de Goiás, logrou difundir-se enquanto “boa prática” por entre
as companhias de habitação e secretarias de habitação e desenvolvimento urbano
nos demais estados brasileiros, tendo, inclusive, recebido inúmeros prêmios de
reconhecimento a sua viabilidade e eficácia76.

76
O Cheque-Moradia, juntamente com outras ações correlatas desenvolvidos pela AGEHAB, obteve
reconhecimento da Associação Brasileira de COHABs e órgãos assemelhados – ABC em várias
ocasiões, por meio do chamado Selo de Mérito Habitacional, e foi uma das 20 experiências
inovadoras finalistas do Ciclo de Premiação de 2004 no âmbito do Programa Gestão Pública e
Cidadania desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas em parceria com a Fundação Ford e com o
apoio do BNDES. Também foi agraciado com premiação da Associação Nacional dos Comerciantes
de Material de Construção – ANAMACO, representante de segmento diretamente beneficiado pelo
127

À medida que se afirma a experiência goiana, programas similares, em


sua maior parte baseados no mecanismo do crédito outorgado de ICMS e não raro
com o mesmo nome, são progressivamente implementados em outros estados77. Tal
como registrado no Plano Nacional de Habitação – PlanHab, elaborado entre 2007 e
2009 sob coordenação do Ministério das Cidades:

Verifica-se que, além do desenvolvimento dos programas federais, alguns


estados têm lançado mão de recursos próprios para o desenvolvimento de
iniciativas exclusivas dos governos estaduais. Em Goiás, o Governo do
Estado, através da agência estadual de habitação, tem procurado combinar
recursos próprios, através do Programa Cheque Moradia, com o subsídio
federal do PSH.
Nessa linha, o programa conhecido como Cheque Moradia, Cheque
Reforma, SOS Moradia ou Cheque Casa, vem sendo bastante disseminado
entre os estados, podendo ser encontrado em estados como GO, RS, RN,
78
PB, PE, RJ e, em fase de implementação, em AL .
Embora com algumas variações entre os estados, em geral este programa
conta com recursos dos tesouros estaduais, uma vez que consiste na
doação de créditos de ICMS diretamente aos beneficiários para a aquisição
de materiais de construção de fornecedores estabelecidos nos estados. [...].
É interessante destacar que estes programas têm desenvolvido arranjos
institucionais envolvendo diversos agentes públicos, por meio de parcerias
estabelecidas entre diversas secretarias (como Habitação, Fazenda ou
Receita e às vezes outros órgãos da administração estadual), companhias e
agências estaduais e prefeituras, que desempenham diferentes atribuições.
(BRASIL, 2008).

O Cheque-Moradia goza, inegavelmente, de maior grau de


institucionalização (ARRETCHE, 2000) que os programas habitacionais
anteriormente implementados pelo governo do Estado de Goiás – Mutirão da
Moradia, Programa Habitacional Comunitário, Mutirão Permanente da Moradia e
Meu Lote, Minha Casa. Dispõe de uma burocracia especializada encarregada da

programa, e da Caixa Econômica Federal, intitulada Prêmio Caixa – Melhores Práticas em Gestão
Local 2005/2006.
77
Álvaro Lourenço acumulou seus dois últimos anos na AGEHAB com a presidência da ABC. Antes
disso, foi bastante atuante no âmbito desta, tendo sido vice-presidente e diretor. Para além das
características técnico-operacionais intrínsecas ao Cheque-Moradia, esta participação na ABC
também deve ser considerada para entendermos a difusão do programa por entre os demais estados
brasileiros.
78
Além destes, cabe acrescentar os estados de Tocantins e Pará e o Distrito Federal. Por meio de
pesquisa junto à legislação e outros documentos disponíveis nos sítios eletrônicos dos governos
estaduais, observou-se que: no Pará, o Cheque-Moradia é instituído em 2003, no governo Simão
Jatene – PSDB, como instrumento de operacionalização do Programa Nossa Casa. Em 2009, no
governo Ana Júlia – PT, o público-alvo do programa é ampliado, passando seu instrumento de
operacionalização a se denominar Credicasa; no Tocantins, o Programa Cheque-Moradia é instituído
no final de 2004, no governo Marcelo Miranda de Carvalho – PFL; na Paraíba, o Cheque-Moradia é
instituído em 2005, no governo de Cássio Cunha Lima – PSDB, tomando parte, juntamente com o
Cheque-Educação, do Programa de Subsídios à Educação e à Moradia; no Distrito Federal, o
Programa Cheque-Moradia é implementado em 2009, no governo José Roberto Arruda – DEM.
128

sua gestão, não sendo conduzido nem por uma empresa cuja pauta prévia de
atuação praticamente nada tinha a ver com a área habitacional (CODEG e
EMCIDEC) nem por uma secretaria de Estado cuja pauta de atuação repousa mais
na política de assistência social (SESH79); e conta com uma fonte própria de
recursos, lastreada no mecanismo do crédito outorgado de ICMS.
Enquanto os programas habitacionais anteriores restringiram-se a uma
gestão governamental apenas, o Cheque-Moradia já adentra a quarta80, ainda que
três delas sob o mesmo governador, ou seja, Marconi Perillo – PSDB. Essa
permanência no tempo e os elementos referidos no parágrafo anterior demonstram
ser o programa em discussão mais institucionalizado que os anteriores. Há
problemas, contudo, quanto à fonte de recursos em que o mesmo se apóia: o
volume do gasto, além de sempre ter se mostrado instável, oscilando para cima nos
anos eleitorais, vem decaindo desde 2006; e o poder de compra do subsídio
concedido não é reajustado desde 2005.
Afora tais problemas, que desautorizam ver no Cheque-Moradia um
alto grau de institucionalização, há outros também dignos de nota. A seguir,
discutem-se tais questões e são abordados os cursos de ação seguidos entre 2008
a 2010 com vistas a aprimorar a operação do programa e, ademais, incluí-lo numa
proposta mais abrangente de política habitacional.

79
Não se fez menção à Secretaria de Assuntos Comunitários – SAC, encarregada do Programa
Habitacional Comunitário no governo Henrique Santillo, porque, conforme observado, embora
inicialmente voltada também para ações assistenciais, acabou por restringir sua atuação à política
habitacional.
80
Conforme demonstra Marta Arretche (1996a, 2000), em meio à desarticulação financeira e
institucional do sistema BNH/SFH iniciada em meados da década de 1980, instala-se uma tendência
à autonomização das políticas habitacionais estaduais, podendo ser verificados, a partir de então,
dois cursos de ação, basicamente, por parte dos estados: institucionalização de um sistema estadual,
que é o caso paradigmático do estado de São Paulo; e iniciativas de promoção públicas fortemente
vinculadas às gestões governamentais que lhes deram origem, portanto, sujeitas ao desaparecimento
tão logo iniciasse a gestão seguinte. Na década de 2000, esse quadro geral das políticas
habitacionais estaduais traçado por Arretche complexifica-se, adequando-se ao novo cenário que se
afirma a nível federal – crescimento dos recursos e diversificação dos programas federais, sobretudo
a partir de 2005, e robustecimento do papel ordenador do governo federal no âmbito da política
nacional de habitação. O Cheque-Moradia, seja no estado de Goiás seja nos estados onde foi
replicado, é, certamente, um dos fatores componentes desse novo quadro, dada a difusão alcançada
no nível estadual. Em Goiás, tal programa tem seu início e afirmação anteriormente à consolidação
dessa nova fase das políticas habitacionais federais e, nos outros estados onde foi implementado,
chega já juntamente com a mesma. Em ambos os casos, contudo, o programa é utilizado também
como contrapartida em programas federais.
129

4.4 OPERAÇÃO DO PROGRAMA E LIMITAÇÕES

O programa do Cheque-Moradia, iniciando sua operação em 2001,


logra atender 26.139 famílias até o final do primeiro governo Marconi Perillo (1999-
2002), 8.155 delas com o Cheque-Construção e 17.984 com o Cheque-Reforma. No
segundo governo Marconi (2003-2006)81, o número de famílias atendidas sobe para
51.085, sendo 26.516 beneficiadas com a construção de novas unidades
habitacionais e 23.749 beneficiadas com reforma ou ampliação de suas casas. No
governo Alcides Rodrigues – PP (2007-2010), o total de famílias atendidas cai para
13.648, ficando ainda abaixo do alcançado no primeiro governo Marconi,
respondendo as modalidades do Cheque-Moradia em tela, respectivamente, por
7.294 e 6.057 famílias. O Cheque-Comunitário só aparece a partir do segundo
governo Marconi, distribuindo 820 benefícios neste e 297 no governo Alcides.

Tabela 7 – Programa Cheque-Moradia – 2001-2010


Modalidade
Gestão Total
Comunitário Construção Reforma
1999-2002 0 8.155 17.984 26.139
2003-2006 820 26.516 23.749 51.085
2007-2010 297 7.294 6.057 13.648
Total 1.117 41.965 47.790 90.872
Fonte: Divisão de Informática da AGEHAB, posição: agosto de 2010.
1 – Não se inclui a modalidade Cheque-Infra-estrutura.

O número de municípios contemplados pelo Cheque-Moradia subiu de


146 (59,45%) no primeiro governo Marconi para 232 (94,3%) no segundo, caindo, no
governo Alcides, para 129 (52,5%). Como demonstrado, foi o segundo governo Íris,
com o Mutirão Permanente da Moradia e com as ações em Goiânia, que,
alcançando à época 83,8% dos municípios do estado, apresentou maior
abrangência territorial no atendimento habitacional. Trata-se, como se vê, de número
superior ao verificado no primeiro governo Marconi e no governo Alcides, mas
inferior 10 pontos percentuais àquele do segundo governo Marconi. Considerando
todo o período compreendido entre 1999 e 2010, constata-se que, dos 246

81
Em 31 de março de 2006, o vice-governador Alcides Rodrigues – PP assume no lugar de Marconi
Perillo. Entretanto, os dados do Cheque-Moradia relativos a 2006, último ano da gestão 2003-2006,
estão sendo tratados como parte do governo Marconi a fim de facilitar as comparações que se fazem
a seguir com os governos do PMDB (1983-1998).
130

municípios do estado, apenas 8 (3,25%) não chegaram a receber nenhum benefício


do programa. Ou seja, o Cheque-Moradia deixou sua “marca” em 96,75% dos
municípios goianos, ao passo que o Mutirão da Moradia, em suas duas versões, o
fez em 88,6%82 deles.
Em termos de produção de novas unidades habitacionais, apenas o
segundo governo Marconi ultrapassa o desempenho quantitativo registrado pelo
segundo governo Íris (1991-1994) com o Mutirão Permanente da Moradia – em torno
de 23.000, e, assim, se iguala ao verificado no governo Santillo (1986-1990) com o
Programa Habitacional Comunitário – aproximadamente, 26.000. O primeiro governo
Marconi e o governo Alcides não chegam nem a 10.000 unidades, ficando, contudo,
um pouco acima do verificado no primeiro governo Íris Rezende (1983-1986) com o
Mutirão da Moradia – em torno de 6.000.
Mas é preciso somar, no caso dos três governos compreendidos entre
1998 e 2010, as unidades que passaram por melhorias habitacionais por meio do
Cheque-Reforma, já que assim se ataca parte do que se considera como
inadequação habitacional. Assim, no segundo governo Marconi, dos três o que
apresentou melhor desempenho quantitativo, são em torno de 51.000 unidades,
entre novas ou reformadas/ampliadas, número muito superior ao registrado pelo
governo Santillo. No primeiro governo Marconi e no governo Alcides, por outro lado,
mesmo somando-se o atendimento do Cheque-Reforma, não se ultrapassam os
números do governo Santillo.
Para além das comparações com o desempenho quantitativo dos
programas precedentes, é importante prosseguir, tendo em vista esta mesma
variável, no exame do próprio Cheque-Moradia ao longo do período que, iniciado em
2001, quando é criado, estende-se até 2010, último ano para o qual dispomos de
dados. Houve diferenças, conforme observado acima, no desempenho quantitativo
segundo o governo que o adotou. Os gráficos que se seguem deixam-nos claro o
comportamento do programa, em termos tanto de recursos aplicados quanto de
benefícios concedidos, saltando à vista, de imediato, duas conclusões: queda do

82
À época do Mutirão Permanente da Moradia, o estado de Goiás contava com 228 municípios e não
com os 246 de hoje. É preciso ressaltar que este programa também contemplou 17 povoados, parte
dos quais, é bem provável, deve ter se emancipado, transformando-se em município, ao longo da
década de 1990.
131

atendimento com o passar dos anos e oscilação para cima nos anos eleitorais.
Vejamos com mais clama esta questão e as razões que motivaram sua ocorrência.

Gráfico 1 – Cheque-Moradia – Série histórica: número de benefícios por modalidade –


2001-2010

30.000

25.000 25.547

20.000
17.814
Total
15.000 Construção
14.273
Reforma
Comunitário
10.000 10.203
8.795
7.998

5.000
1.702
2.676
592 1.272
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Fonte: Divisão de Informática da AGEHAB, posição: agosto de 2010.


1 – Não se inclui a modalidade Cheque-Infra-estrutura.

Examinando o fluxo de benefícios concedidos por meio do Cheque-


Moradia, podemos dizer que a tendência de queda acima referida inicia-se já partir
de 2002, quando, após subir de 592 para 25.547, não sem oscilar para cima nos
anos eleitorais, cai para 17.814 em 2004 e 7.998 em 2007, chegando em 2010 com
2.676. Mas essa análise está contaminada pelo Cheque-Reforma, que, muito
utilizado nos anos de 2002 e 2004, eleva o número de benefícios concedidos sem
aumentar na mesma proporção os recursos aplicados83. Mais proveitoso é observar
o fluxo destes últimos, portanto. O volume de crédito outorgado de ICMS aplicado no
programa sobe continuamente de 2001 até 2006, passando, em valores nominais,
de 1,2 milhão para 68,6 milhões de reais. De 2006 até 2010, por outro lado, a queda
é também contínua, chegando a 5,5 milhões neste último ano, montante superior
apenas ao verificado em 2001, ano de implantação do programa.

83
Conforme descrito acima, no Cheque-Construção, o subsídio é de até R$ 5.000,00 e, no Cheque-
Reforma, o subsídio é de até R$ 1.500,00 por serviço, permitindo-se a soma de serviços até o limite
máximo de R$ 3.000,00.
132

Gráfico 2 – Cheque-Moradia – Série histórica: valores em reais e número de benefícios


– 2001-2010

30.000 80,0

68,6 70,0
25.000

60,0

20.000
50,6 50,0

15.000 40,0 Unidades

31,7 31,9 32,9 Valor em


30,0 milhões (R$)
10.000 25,9
20,0
10,1
5.000
5,6 5,5 10,0
1,2
0 0,0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Fonte: Divisão de Informática da AGEHAB, posição: agosto de 2010.


1 – Não se inclui a modalidade Cheque-Infra-estrutura.
2 – Valores nominais.

Além da queda do desempenho do Cheque-Moradia a partir de 2006,


os gráficos demonstram com clareza a sensibilidade do programa face à dinâmica
eleitoral, o que se acentua no caso do Cheque-Reforma, já que, nesta modalidade,
com o mesmo volume de recurso empregado no Cheque-Construção, atingem-se
muito mais famílias, sendo, portanto, muito maiores os rendimentos político-
eleitorais84. Em conjunto, a tendência de queda e a oscilação para cima nos anos
eleitorais comprometem um dos elementos que, segundo Arretche (2000), é de
extrema importância para a institucionalização de sistemas estaduais de habitação.
Trata-se da existência de uma fonte própria e permanente de recursos próprios.
A tendência de queda observada a partir de 2006 no montante de
recursos aplicados na área habitacional por meio do Cheque-Moradia deve-se à
combinação de dois movimentos, tal como sustenta Silmara Viera da Silva
(12.05.2011), arquiteta que presidiu a AGEHAB de agosto de 2008 a dezembro de
2010. Por um lado, a crise financeira atravessada pelo governo do Estado de Goiás
na segunda metade da década, iniciando-se no final do segundo governo Marconi
Perillo e se estendendo por todo o governo Alcides Rodrigues, implicou redução de

84
Como observaram dois dos entrevistados, a modalidade reforma foi muito mal conduzida pela
AGEHAB. Ensejando um atendimento no varejo, marcou-se por graves problemas no que diz respeito
à triagem dos beneficiários, resultando em vários processos na justiça.
133

gastos em todos os programas sociais, aí incluído o programa em tela. Por outro


lado, o crescimento das alternativas de produção habitacional via governo federal,
como demonstra o gráfico 4, e a perda do poder de compra do cheque, em função
do não reajustamento dos valores desde 2005, como se pode ver pela tabela 8,
diminuem a atratividade do Cheque-Moradia, resultando na diminuição da demanda
por convênios por parte de prefeituras e entidades.

Gráfico 3 – Cheque-Moradia – Série histórica: municípios beneficiados – 2001-2010

200
175 189
180
168
160
146 134
140
120
Total
100
94 Construção
80
67 Reforma
60
36 Comunitário
40
7 33
20
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Fonte: Divisão de Informática da AGEHAB, posição: agosto de 2010.


1 – Não se inclui a modalidade Cheque-Infra-estrutura.

Embora com um maior grau de institucionalização que os programas


que o precederam, como sustentado mais acima, o Cheque-Moradia ainda possui
deficiências nesse sentido. Se adotado por sucessivos governos desde 2001, se
gerido por uma burocracia especializada e se apoiado numa fonte de recursos
próprios – essa mesma fonte de recursos, lastreada no crédito outorgado de ICMS,
não está constrangida por um patamar mínimo85 de gasto, ficando a depender o
montante de recursos liberado, dentre outras coisas, da programação financeira
negociada entre o governador do Estado, a Secretaria da Fazenda e o presidente da

85
O governo da Paraíba, que instituiu programa similar, conforme já referido, define um limite máximo
para a liberação de crédito outorgado de ICMS via Cheque-Moradia, mas não estipula um limite
mínimo. No “Manual de orientação aos contribuintes do ICMS – Programa de Subsídios à Educação e
à Moradia”, determina-se o seguinte: “Não se admitirá, em cada exercício financeiro, para o regime
de antecipação de ICMS definido na lei, valor superior a 3% (três por cento) do ICMS, quota estadual,
arrecadado no ano anterior”. (PARAÍBA, 2005).
134

AGEHAB. É assim que se mostra instável e, na esteira dos fatores apresentados no


parágrafo anterior, vem decaindo desde 2006.

Gráfico 4 – Programas habitacionais federais – Série histórica: valores em reais –


2003-2010

1.400.000.000

1.200.000.000

1.000.000.000

800.000.000

600.000.000

400.000.000

200.000.000

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Fonte: Ministério das Cidades, posição: setembro de 2010.


1 – Incluem-se os seguintes programas: Carta de Crédito FGTS; Carta de Crédito FGTS –
Subsídios; PSH; FNHIS/HIS; PAR; PCS/PHP-E e PNHR. Desconsideraram-se os programas
de urbanização de assentamentos precários e de desenvolvimento institucional. Os efeitos das
ações PAC (a partir de 2007) e MCMV (a partir de 2009) encontram-se embutidos nos
programas referidos.
2 – Valores nominais.

Cabe também discorrer sobre outros problemas do Cheque-Moradia.


Os valores do subsídio concedido não sofrem reajuste desde 2005. O Cheque-
Construção, por exemplo, de R$ 3.000,00 em 2001, passa para R$ 4.000 em 2004
e, finalmente, para R$ 5.000 em 200586, não sendo mais reajustado a partir de
então. Conforme observa Luiz Bretones em entrevista (12.05.2011), por volta do ano
de 2003, o Cheque-Moradia cobria na faixa de 80% do custo da cesta de material de
construção necessária para o erguimento de uma unidade habitacional, caindo esse
valor para aproximadamente 60% em 2007 e 2008 e para 30% no final de 2009.

86
Os valores citados foram definidos pelas seguintes leis: 14.038, de dezembro de 2001; 14.339, de
dezembro de 2002; e 15.083, de janeiro de 2005. Depois desta última, afora a lei do Cheque-
Complemento, de maio de 2009, nenhuma outra reajustou o poder de compra do Cheque-Moradia.
Mesmo assim, como será demonstrado, os efeitos desta lei tiveram caráter apenas temporário.
135

A perda de poder de compra do Cheque-Moradia87, particularmente na


modalidade Cheque-Construção/loteamento da prefeitura, compromete a parceria
com o conveniado, seja tornado-a menos atrativa, como mencionado acima, seja
resultando, quando se realiza, em maiores custos para ele, que se vê obrigado,
dentre outras coisas, a assumir a parcela dos materiais de construção que fica em
descoberto. A estimativa de custos abaixo apresentada, obtida junto a funcionário da
prefeitura do município de Itumbiara, demonstra-nos com clareza essa questão. A
prefeitura deste município, para além dos 700,00 reais utilizados na compra dos
materiais de construção do alicerce, o que lhe cabia em função do convênio firmado,
arca com 3.300 reais para a compra de materiais de construção do restante da
unidade habitacional. Isso porque os 5.000,00 reais do Estado de Goiás, concedidos
sob a forma de Cheque-Moradia por meio da AGEHAB, mostram-se insuficientes
para tal.

Tabela 8 – Estimativa de custos do Cheque-Construção/ loteamento da prefeitura


Item R$ % Responsável
Terreno 1.000,00 5,1 Município
Infra-estrutura 7.000,00 35,7 Município
Infra-estrutura (Padrão de água) 130,00 0,7 Estado/SANEAGO
Alicerce 700,00 3,6 Município
Material (Cheque-Construção) 5.000,00 25,5 Estado/AGEHAB
Material (Complemento de material) 3.300,00 16,8 Município
Mão de obra 2.500,00 12,7 Município
Total 19.630,00 100,0 _
Fonte: Informação obtida junto a funcionário da prefeitura de Itumbiara-GO.
1 – Estes dados referem-se a um conjunto de 180 casas (Conjunto Santa Helena). O convênio foi assinado
em meados de 2010 e as obras foram iniciadas no final deste mesmo ano. Agora, final de 2011, as mesmas
já se encontram em fase de conclusão.

Na parceria entre Estado e prefeitura, o desenho original do Cheque-


Moradia tende a se desfigurar também em outros aspectos, ainda que agora não
mais como decorrência da perda do poder de compra do subsídio concedido. Pela
estimativa de custos em tela, observa-se que a mão-de-obra não é assumida pelo
beneficiário, mas pelo próprio município, e a infra-estrutura praticamente completa
do loteamento é realizada pela prefeitura, não arcando a SANEAGO e CELG com as

87
Em 2009, ao ser adotado no Distrito Federal, o Cheque-Moradia já assume, desde o início, os
valores de R$ 15.000 para construção e R$ 6.000 para reforma. Álvaro Lourenço, à época já ex-
presidente da AGEHAB, atuou diretamente na implementação do programa.
136

redes de água e energia. Como resultado, para o caso de Itumbiara, na modalidade


Cheque-Construção/loteamento da prefeitura, enquanto o Estado responde por
26,1% dos custos, a prefeitura arca com 73,9%. Num cenário de recomposição do
valor do Cheque-Moradia, com o Cheque-Construção subindo para 8.300,00, a
repartição dos custos seria: Estado, 42,9%, e prefeitura, 57,1%.
As características sócio-econômicas e demográficas88 do município de
Itumbiara, além da capacidade administrativa do poder público municipal, diferem
bastante do que se verifica na maior parte dos municípios goianos. Deve-se ter
cuidado, portanto, com a generalização da análise feita a partir da estimativa de
custos apresentada anteriormente. De qualquer forma, com base nas entrevistas
realizadas e em conversas informais tidas com funcionários da AGEHAB, é possível
concluir que, implicando redefinições no desenho original do programa, em sua
modalidade construção/loteamento da prefeitura, a perda do poder de compra do
Cheque-Moradia tanto pode gerar desincentivos à assinatura do convênio pelo
município quanto pode, no caso de sua realização, resultar na assunção do ônus da
complementação do material de construção ou pela prefeitura, como é o caso de
Itumbiara e outros municípios com mais recursos e capacidade administrativa, ou
pelo próprio beneficiário, correndo-se o risco, neste último caso, de as obras não
serem terminadas89.
As infra-estruturas de água e energia, contrariamente ao ocorrido em
Itumbiara, tendem a ser assumidas pela CELG e pela SANEAGO. Deve-se ressaltar,
contudo, que esta participação das concessionárias estaduais, além de não constar
dos convênios do Cheque-Moradia, requer, para ocorrer, a capacidade de influência
política dos prefeitos municipais junto às mesmas. É freqüente a mão-de-obra não

88
Dos municípios do estado, Itumbiara é o 12° mais populoso (IBGE, 2010), o 8° com maior PIB
(SEPIN/SEPLAN, 2007) e o 26° com maior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M
(PNUD, 2000). Com respeito ao primeiro aspecto, em específico, cabe acrescentar: 80% dos
municípios goianos têm menos que 20.000 habitantes, 17,5% têm população situada na faixa entre
20.000 e 100.000 e, acima de 100.000, estão 3,5% dos municípios do estado. O município de
Itumbiara, com 92,9 mil habitantes, encontra-se no limite superior da segunda faixa.
89
Luiz Carlos, militante da CONAM em Goiás e Assessor de Comunicação e Mobilização Comunitária
na AGEHAB no triênio 2008-2010, afirma: “Tanto é que você viaja pelo estado hoje, e até nos
municípios onde houve parceria das prefeituras, Goiânia praticamente não entrou nessa onda, [...] o
que você vê de empreendimento não acabado, tem demais. Era uma grande frustração [...] a gente
viajar no interior e ver a demanda que tem, um monte de esqueletos de casas começadas, que não
terminam nem vão terminar nunca, porque a família com 5 mil não consegue terminar uma casa. Não
termina nunca e aí ficam essas obras inacabadas”. (Luiz Carlos, 10.05.2011).
137

ficar a cargo do beneficiário, como previsto no desenho original do programa. As


prefeituras, assim, tendo em vista obter ganhos de escala, assumem total ou
parcialmente os custos da mão-de-obra. As ligações de água e energia, por sua vez,
podem ocorrer por meio do Cheque-Infra-estrutura, o que não foi o caso de
Itumbiara, que conseguiu junto à SANEAGO o padrão de água e custeou com seus
próprios recursos o padrão de energia.
Passemos ao modo como se processa a distribuição de benefícios.
Esta, se orientada por mecanismos conducentes ao universalismo de
procedimentos, só o é parcialmente. O SICAT, sistema informatizado no qual se
apóia o programa do Cheque-Moradia, restringe-se ao cadastramento e à seleção
das famílias, deixando em descoberto a seleção dos municípios, caso em que o
espaço para a discricionariedade política é, assim, maior. Para além disso, contudo,
mesmo o cadastramento e a seleção das famílias mostram-se permissíveis às
relações de favorecimento político-eleitoral.

Tabela 9 – Cheque-Construção e déficit: distribuição espacial

Cheque-Construção Déficit habitacional


Microrregião Diferença
2001/2010 (%) básico - 2000 (%)

Anápolis 5,41 6,88 -1,46


Anicuns 4,91 1,32 3,59
Aragarças 1,33 1,60 -0,27
Catalão 3,19 1,63 1,56
Ceres 8,66 3,04 5,62
Chapada dos Veadeiros 0,96 1,91 -0,95
Entorno de Brasília 6,09 19,19 -13,10
Goiânia 22,15 35,40 -13,25
Iporá 1,61 0,94 0,67
Meia Ponte 9,64 4,30 5,35
Pires do Rio 1,80 1,12 0,68
Porangatu 3,35 5,45 -2,10
Quirinópolis 6,24 1,68 4,56
Rio Vermelho 2,48 2,00 0,47
São Miguel do Araguaia 2,95 1,96 0,99
Sudoeste de Goiás 11,95 7,10 4,85
Vale do Rio dos Bois 4,76 1,67 3,09
Vão do Paranã 2,53 2,81 -0,28
100,00 100,00
Fonte: Divisão de Informática da AGEHAB, posição: agosto de 2010; e FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO.
Déficit habitacional no Brasil: municípios selecionados e microrregiões geográficas. Belo Horizonte, 2005.
138

Não há critérios claros para a seleção dos municípios. A programação


anual estabelecida pelo governador e pelo presidente da AGEHAB, se baseada,
entre outros critérios, nas estimativas de déficit e demográficas, não resulta, no
plano das realizações, na vinculação da distribuição espacial dos benefícios à
distribuição espacial do déficit habitacional, como deixam claro as tabelas 9 e 10.
Pode-se argumentar, com base na sistemática do Cheque-Moradia, que, partindo
dos municípios a iniciativa do convênio, não é possível à AGEHAB assegurar aquela
vinculação, mas tão-somente induzi-la. Entretanto, deve-se levar em consideração
que, enquanto coordenadora de um programa de âmbito estadual, cabe a esta
empresa uma indução mais forte, de modo a adequar, de forma planejada e
segundo regras claras, o atendimento efetuado à realidade da problemática
habitacional no território goiano, não sendo isso o que se tem verificado desde 2001.

Tabela 10 – Cheque-Reforma e inadequação: distribuição espacial


Inadequação - Inadequação -
Cheque-Reforma
Microrregião Adensamento Diferença Sem Diferença
2001/2010 (%)
excessivo banheiro
Anápolis 9,11 7,29 1,82 7,88 1,23
Anicuns 3,04 1,05 1,99 2,47 0,57
Aragarças 0,31 0,86 -0,56 2,06 -1,76
Catalão 5,21 1,23 3,98 0,91 4,30
Ceres 7,62 2,98 4,64 7,08 0,54
Chapada dos Veadeiros 0,30 1,05 -0,75 1,95 -1,65
Entorno de Brasília 3,99 25,93 -21,94 14,83 -10,84
Goiânia 30,46 35,92 -5,45 24,72 5,74
Iporá 1,14 0,83 0,31 2,11 -0,97
Meia Ponte 9,36 4,87 4,49 3,93 5,43
Pires do Rio 2,41 0,97 1,44 0,92 1,49
Porangatu 2,54 3,77 -1,24 10,57 -8,04
Quirinópolis 1,66 1,02 0,64 1,65 0,01
Rio Vermelho 1,95 1,21 0,73 3,03 -1,08
São Miguel do Araguaia 1,29 1,20 0,09 3,63 -2,34
Sudoeste de Goiás 10,41 6,67 3,74 6,41 4,00
Vale do Rio dos Bois 6,53 1,43 5,11 2,35 4,18
Vão do Paranã 2,67 1,71 0,96 3,50 -0,83
100,00 100,00 100,00
Fonte: Divisão de Informática da AGEHAB, posição: agosto de 2010; e FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO.
Déficit habitacional no Brasil: municípios selecionados e microrregiões geográficas. Belo Horizonte, 2005.
1 – Foram utilizados os componentes da inadequação habitacional que indicam necessidade de melhorias na
unidade habitacional, ou seja, o adensamento excessivo e inexistência de banheiro.

O cadastramento das famílias no programa é realizado por convênio,


conduzido pelo conveniado e, segundo recomendação da AGEHAB, tende a não ser
139

aberto para todo o município, restringindo-se à área de intervenção, para evitar os


riscos de imigração. A prefeitura ou entidade conveniada, de acordo com a
sistemática do programa, delega a um coordenador local a responsabilidade pelo
cadastramento. Este coordenador, geralmente um agente político, acaba por
“organizar” a demanda, seja direcionando politicamente a base sobre a qual vai
incidir a seleção das famílias (cadastrando apenas abrigados políticos) seja
registrando informações não condizentes com as famílias (cadastrando informações
falsas ou incompletas).
A discricionariedade política, ocorrendo no cadastramento, acaba por,
indiretamente, contaminar a seleção das famílias. De maneira centralizada na
AGEHAB e contando com o sistema de pontuação do software já referido,
selecionam-se, dentre as famílias cadastradas, aquelas com maior vulnerabilidade
social, em outros termos, as que mais necessitam de moradia. Ocorre que o
conjunto das famílias cadastradas, ou seja, a base sobre a qual incide a seleção,
como descrito no parágrafo anterior, pode conter apenas os abrigados políticos do
conveniado e estar baseado em informações falsas ou incompletas, mesmo que o
arquivo digital, a ficha preenchida no papel e a documentação física estejam em
perfeita correspondência entre si.
Por detrás do universalismo de procedimentos assegurado pelo
sistema informatizado, esconde-se, portanto, o clientelismo político, seja no
cadastramento, que acaba comprometendo a seleção das famílias, seja na seleção
dos municípios. Nos anos eleitorais e com as emendas parlamentares, acentua-se a
discricionariedade política na determinação dos municípios e famílias a serem
beneficiadas. Embora haja cinco possibilidades para os deputados gastarem sua
cota de emendas, a maior parte deles tende a se utilizar do Cheque-Moradia90, em
especial do Cheque-Reforma, que, com o mesmo volume de recurso empregado no
Cheque-Construção, alcança muito mais famílias91. A pioneira nisso, cumpre

90
Caso o deputado, em sua cota da parcela do orçamento do Estado destinada a emendas
parlamentares, opte por se utilizar do Cheque-Moradia, a quantia assim despendida não é subtraída
do orçamento. Fica aí contingenciada e é concedida sob a forma de crédito outorgado de ICMS. O
montante de recursos destinados, via emendas parlamentares, ao Cheque-Moradia soma-se às cotas
mensais de crédito outorgado de ICMS liberadas pela SEFAZ para a AGEHAB, sendo a sistemática
do programa mantida.
91
Silmara Vieira tece a seguinte consideração a esse respeito: “E aí é outra loucura, [...] uma
ferramenta forte pra manter os vínculos da comunidade com o agente político, [...] você atende um
140

ressaltar, foi a deputada Isaura Lemos – PDT, fundadora, juntamente com Euler Ivo,
do Movimento de Luta pela Casa Própria – MLCP em meados da década de 1990.

4.5 INICIATIVAS DE MUDANÇA NO TRIÊNIO 2008/2010

Em agosto de 2008, é nomeada presidente da AGEHAB a arquiteta


Silmara Vieira da Silva, que havia se destacado na Superintendência de Programas
Urbanos da Secretaria das Cidades pela condução do Programa Cidade pra Gente,
voltado para o fortalecimento da gestão municipal e capacitação de 98 municípios na
elaboração de seus Planos Diretores. (SILVA, 2011; CUNHA; BORGES, 2011). A
situação financeira do Estado era, todavia, delicada, dificultando as pretensões de
mudança da nova gestão da agência. O governo Alcides Rodrigues (2006-2010)
havia herdado uma grave crise do governo Marconi, encontrando-se, também em
função do modo como a ela respondeu, paralisado em muitas de suas ações,
inclusive naquelas da área social.
Neste contexto, a AGEHAB era um dos órgãos que estava ameaçado
de fechar. Os problemas trabalhistas da empresa persistiam, a despeito dos
encaminhamentos realizados na gestão anterior. Mesmo já tendo passado os cinco
anos durante os quais a AGEHAB não poderia expandir seu quadro de pessoal, não
havia sido realizado ainda concurso público, o que resultava em ações do Ministério
Público. Somavam-se a isso denúncias de irregularidade no Cheque-Moradia e as
dificuldades para a captação de novos recursos junto ao governo federal, dadas as
dívidas trabalhistas da empresa. Por fim, desde 2006, na esteira da crise financeira
em tela, vinha caindo anualmente, como demonstrado, o montante de recursos
destinado para o Cheque-Moradia.
A visão institucional que guiou a nova gestão e, dessa maneira, as
iniciativas de mudança buscadas encontra-se expressa, em suas linhas gerais, no
trecho a seguir transcrito da entrevista realizada com Silmara Vieira para a feitura
deste trabalho. Inicialmente tratando do Che que-Moradia, esta afirma:

com 200, outro com 300, outro com 500, imagina quantas famílias você não vincula na sua... ‘olha, tô
aqui, atendi você, melhorei, te dei um cheque de 500 reais’. Há um imaginário da comunidade em
relação ao Cheque-Moradia, provocado por isso, que é muito diferente da realidade. Sem critério
nenhum: pra quem que vai? Qual é a condição dessa família ser atendida?”. (Silmara Vieira,
12.05.2011).
141

Mas em nenhum momento consigo identificar isso dentro de uma política de


habitação. Então, há uma visão de mercado, há uma visão das questões
econômicas e tributárias, mas não consigo visualizar no governo Marconi
uma visão para uma política habitacional, tanto que a ação habitacional
acaba ficando restrita à emissão dos cheques. [...]. Então é um
procedimento que tem uma inteligência em articular a questão dos
impostos, da arrecadação, e colocar isso como um mecanismo de acesso
ao material de construção, mas que ele está descolado de uma política. [...]
foi contributivo até o ponto em que pensou nesse procedimento que é ágil
dentro da estrutura pública, porque ela é sempre muito truncada, tem que
fazer licitação, passar por todos aqueles processos. Mas ela se torna
absolutamente pobre quando não consegue olhar o que é gestão pública.
Fica no lugar da iniciativa privada, ser dinâmico, ser rápido, para tratar as
coisas com pragmatismo, mas não consegue avançar a isso. (Silmara
Vieira, 12.05.2011).

Na leitura realizada pela nova gestão, assim, a “ferramenta” Cheque-


Moradia, embora “ágil dentro da estrutura pública” e com “uma inteligência que deve
ser observada”, operava “totalmente desconectada de uma proposta para a política
habitacional do Estado, para a gestão da habitação no estado”. (Silmara Vieira,
12.05.2011). Tratava-se, então, de superar as deficiências presentes em sua
dinâmica operacional e, mais do que isso, combiná-la a ações mais consistentes nas
demais dimensões da política urbana e habitacional.
Entre agosto de 2009 e março de 2010, procedeu-se à implementação
do Cadastro Eletrônico. Tornado público nos municípios do estado, a população
demandatária de moradia poderia, espontaneamente, cadastrar-se, fazendo-o pela
própria internet: em casa, na casa de parentes ou amigos, em lan houses ou em
postos de atendimento criados especificamente para tal. Diferentemente do cadastro
usualmente realizado na AGEHAB, não transcorreu por ocasião deste ou daquele
convênio nem, como conseqüência, sob a responsabilidade do conveniado, o que
reduzia em muito a possibilidade de a porta de entrada ser mediada por algum
agente político92.
O cadastro tradicional da AGEHAB, articulado ao já referido Sistema de
Controle de Atendimentos do Cheque-Moradia – SICAT, não deixou de ser utilizado.
O Cadastro Eletrônico é a ele justaposto, antecedendo-o da seguinte maneira:
quando da realização dos convênios, o conveniado procede ao cadastramento tal

92
Na sistemática do Cadastro Eletrônico, o prefeito, alguma liderança da cidade ou de bairro poderia
abrir um posto de atendimento, havendo, assim, a possibilidade de a porta de entrada continuar
sendo direcionada politicamente. Ocorre que, diante da publicidade dada ao processo e das
possibilidades de o cadastramento ser realizado pela internet em lan houses ou na casa de parentes
e amigos, este risco é muito menor que no cadastro tradicional.
142

como o fazia antes, mas na ordem previamente indicada pelo Cadastro Eletrônico.
Em outros termos, o coordenador local do programa não só não pode direcionar
quais famílias vai cadastrar como deve cadastrá-las segundo o Cadastro Eletrônico,
numa ordem inversamente proporcional à renda e outros atributos indicativos de
condição sócio-econômica declarados. O Cadastro Eletrônico reduz a margem de
discricionariedade política associada ao cadastramento tradicional e este, por sua
vez, cabe acrescentar, minimiza os erros possivelmente contidos naquele em função
de seu caráter espontâneo, auto-declaratório.
As mudanças realizadas no cadastramento resultaram em avanço no
modo como até então se processava a distribuição dos benefícios da AGEHAB,
ampliando, como se vê, as possibilidades de afirmação do universalismo de
procedimentos. Ocorre que, além de não ter sido regulamentado, o que possibilita à
gestão que se iniciou em 2011 simplesmente ignorar o Cadastro Eletrônico, nos
casos em que os recursos para o Cheque-Moradia provinham de emendas
parlamentares, não se logrou fazer valer este procedimento. A AGEHAB não se
mostrou capaz de contrarrestar o poder de influência política dos deputados, para os
quais a discricionariedade do coordenador local dos convênios é elemento
indispensável para a alimentação de suas redes de favorecimento político-eleitoral.
Para além destas debilidades do modo como ocorria a distribuição dos
benefícios, uma terceira, mais afeta à seleção dos municípios que das famílias,
também acaba por persistir. Não se obtém êxito na regulamentação dos critérios
que, a partir da nova gestão, vinculariam o atendimento da AGEHAB à (a) proporção
do déficit de cada município no déficit habitacional estadual, à (b) implementação
dos instrumentos de planejamento urbano e habitacional pelos municípios e a (c)
uma tipologia de municípios embasada em quatro recortes: região metropolitana de
Goiânia, Entorno do Distrito Federal, municípios pólos regionais e municípios com
alto índice de migração induzida por investimentos privados de grande parte
(mineração e sucro-alcooleiros, em especial). Parte desses critérios chegam a ser
implementados na rotina interna à AGEHAB, mas nenhum deles é regulamentado.
A regulamentação referida ocorreria mediante a aprovação da minuta
de lei do Cartão Casa Própria, que, para além do estabelecimento de critérios para
vincular a seleção dos municípios, propunha, entre outras coisas: a substituição do
cheque por um cartão magnético; a recomposição dos valores, com a modalidade
construção sendo reajustada de R$ 5.000 para R$ 12.000; e sua atualização
143

permanente conforme o comportamento do mercado. Esta minuta de lei não chegou


sequer a ser encaminhada à Assembléia Legislativa, retornando do gabinete civil
para a AGEHAB. Destino não muito diferente teve (ou, vem tendo) a minuta de lei
que estabeleceria novas diretrizes e procedimentos para a regularização fundiária e,
assim, resultaria na atualização da legislação estadual sobre a questão, até agora
regida pela Lei nº 16.269, de maio 2008.
A substituição do Cheque-Moradia pelo Cartão Casa Própria, é
importante acrescentar, não alteraria o desenho original daquele, o que reforça o
argumento segundo o qual alcançou grau de institucionalização maior que o
verificado nos programas habitacionais precedentes93. As mudanças ocorreriam no
nome e na mídia de operacionalização do programa, que passaria do cheque para o
cartão magnético, e nos procedimentos relacionados à seleção dos municípios e à
atualização dos valores dos subsídios concedidos. Não se obteve a informação se
na minuta de lei do Cartão Casa Própria previa-se o estabelecimento de um patamar
mínimo para o montante de crédito outorgado de ICMS anualmente liberado pelo
governador para o programa. Uma medida deste tipo, somada às anteriores,
resultaria num grau ainda maior de institucionalização do Cheque-Moradia/Cartão
Casa Própria, já que, para além de uma burocracia especializada, passaria a contar
com uma fonte de recursos não apenas própria (recursos estaduais), mas também
estável (recursos constantes). A minuta de lei em tela acabou sendo abortada pelo
governo do Estado, contudo. Assim, nenhuma das mudanças ocorreu e/ou foi
regulamentada.
Mas é preciso atentar para uma das propostas da minuta de lei do
Cartão Casa Própria. Trata-se da recomposição dos valores do Cheque-Moradia. Na
passagem de 2008 para 2009, a AGEHAB provocou a tramitação do Projeto de Lei
do chamado Cheque-Complemento na Assembléia Legislativa do Estado de Goiás.
Em maio de 2009, a Lei n° 16.559 é aprovada, autorizando-se a concessão de
subsídio complementar no valor de até R$ 15.000,00, expresso em Cheque-
Moradia, aos beneficiários de programas habitacionais realizados em parceria com a

93
Como ressaltado em uma nota rodapé anterior, no estado do Pará, o governo Ana Júlia – PT
manteve o desenho original do programa Cheque-Moradia, herdado do governo Simão Jatene –
PSDB, alterando-lhe o nome, que passa a ser Credicasa, e lhe ampliando o escopo. No estado de
Goiás, a intenção da gestão Silmara (2008-2010) à frente da AGEHAB era similar, mas tal acaba por
não ocorrer.
144

Caixa Econômica Federal, nos termos da Lei nº 14.542/0394, cujos convênios de


parceria ou contratos para realização de obra estivessem celebrados até 31 de
dezembro de 2009.
O Cheque-Complemento aparece como resposta da AGEHAB a um
caso específico, mas provocado por um fator de natureza geral. Explicando melhor:
no Residencial Real Conquista, conjunto do governo do Estado, com localização
periférica95 como os produzidos nos governos do PMDB, está previsto o
atendimento, em nove módulos, a 2.470 famílias. Resultado de parceria com a
prefeitura de Goiânia e com o governo federal, foi concebido para abrigar os sem-
teto da ocupação do Parque Oeste Industrial96, ocorrida em 2004. Embora com
conclusão prevista para o ano de 2008, tal acaba por não ocorrer, estando ainda
sendo entregues, em 2011, as casas do oitavo módulo. Como o poder de compra do
Cheque-Moradia, contrapartida do governo do Estado, vinha decaindo desde 2005,
quando se dá seu último reajustamento, a AGEHAB concede aos beneficiários, além
do Cheque-Construção, de 5.000 reais, dois Cheques-Reforma/Ampliação, cada um
de 1.500 reais. Ocorre que, não sendo estes 8.000 reais suficientes, acaba por
incorrer na seguinte irregularidade: emite Cheque-Construção no nome dos
beneficiários dos últimos módulos, mas os concede para os beneficiários do módulo
em curso97.
O Cheque-Complemento, com valor de até 15.000 reais, possibilitou
um melhor encaminhamento a estas questões no caso do Real Conquista e,
ademais, permitiu o ajuste de outros convênios também comprometidos pela
defasagem dos valores do Cheque-Moradia. Em função da lei que o criou, contudo,
restringia-se apenas a programas habitacionais realizados em parceria com a CEF e
cujos contratos de parceria estivessem firmados até o final de 2009. Tratava-se de
uma medida paliativa, enquanto não fosse aprovada a Lei do Cartão Casa Própria. A
validade daquela passou e esta não foi aprovada, todavia. Como resultado, o

94
Conforme já referido, esta lei, o Decreto nº 5.834/03 e a Instrução Normativa nº 498 da SEFAZ
constituem a base normativa do Cheque-Moradia.
95
Dos seus 30 alqueires, 22 eram pertencentes à área rural do município de Goiânia, situação que
exigia a inclusão dessa parte na zona de expansão urbana. (Silva, M. 2007).
96
No próximo tópico, quando se discute o movimento por moradia de Goiânia/Goiás na década de
2000, aborda-se a ocupação urbana do Parque Oeste Industrial e seus desdobramentos.
97
Assim, quando o empreendimento chegasse aos últimos módulos, seus beneficiários já figurariam
como contemplados no sistema de acompanhamento da AGEHAB e da CEF.
145

Cheque-Moradia permanece com os mesmos valores de 2005, sem haver


perspectivas para sua atualização.
Na gestão Silmara, buscou-se integrar o Cheque-Moradia a uma
proposta mais abrangente de política habitacional, em que aquele programa
interagisse com vários outros e com as várias dimensões da política urbana e
habitacional. As iniciativas de mudança referidas levadas a cabo no âmbito do
próprio Cheque-Moradia, embora não regulamentadas, já apontavam nessa direção.
Cabe mencionar outras iniciativas, mais externas a este programa: a realização de
concurso público; a articulação com os movimentos sociais98; a capacitação dos
municípios na elaboração de seus planos de habitação, para além do início da
elaboração do próprio plano estadual; e a parceria e articulação com o governo
federal e os municípios na viabilização de programas habitacionais federais.
Do levantamento da liquidação em 1999 até 2004, a AGEHAB esteve
impossibilitada de contratar novos funcionários, só utilizando pessoal próprio e
pessoal cedido pelo governo. A partir de 2004, este impedimento deixa de existir.
Ocorre que, a despeito das ações movidas pelo Ministério Público, o concurso
público não é aberto, de modo que, em meados de 2010, passados 6 anos, portanto,
em um quadro de 119 profissionais, a empresa contava com apenas 16 funcionários
efetivos. Nesse mesmo período, é aberto o concurso público. Importante ação para
o desenvolvimento institucional da AGEHAB, implicará a incorporação de 137 novos
funcionários ao quadro de efetivos da mesma, 79 dos quais contratados já no final
do ano de 2010.
Durante o ano de 2010, a AGEHAB99 conduziu um processo de
planejamento participativo com vistas à efetivação da integração do Estado de Goiás
e de seus municípios ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social –
SNHIS, que, instituído em nível federal pela Lei n° 11.124 em 2005, vem sendo
implementado nos três níveis da federação a partir da coordenação do Ministério
das Cidades. A AGEHAB não apenas deu início à elaboração do Plano Estadual de

98
A atuação recente da AGEHAB no que diz respeito a este ponto, em específico, será discutida no
próximo tópico.
99
Em uma nota de rodapé anterior, discorremos sobre a superposição de funções de gestão da
AGEHAB com a Secretaria das Cidades e a AGDR. Com o esforço de planejamento em tela, tem-se
mais um elemento neste sentido: a AGEHAB, formalmente voltada para a execução de programas
habitacionais, acaba se voltando também para o planejamento, que, em princípio, deveria estar a
cargo da Secretaria das Cidades.
146

Habitação de Interesse Social – PEHIS-GO como, diferenciando-se dos demais


estados, procedeu à capacitação de 170 dos 246 municípios do estado para a
elaboração dos seus Planos Municipais de Habitação de Interesse Social – PMHIS,
utilizando-se para tal de metodologia que combinava o aprendizado com o Programa
Cidade pra Gente na Secretaria das Cidades e as orientações daquele ministério.
Tratou-se, em suma, dentro de um mesmo esforço de planejamento participativo, de
duas frentes de trabalho: Elaboração do PEHIS-GO e Ciclo de Capacitação em
PMHIS.
No Ciclo de Capacitação, estava previsto apoio institucional e técnico a
115 dos 246 municípios do estado, dos quais 31 eram integrantes do programa
federal Territórios da Cidadania100 e 84 foram selecionados com base em critérios
vinculados ao dimensionamento do déficit habitacional e das características sócio-
econômicas e de inserção regional dos municípios101. A estes 115 municípios,
somaram-se outros 55, que solicitaram a entrada no processo. Previa-se também a
realização, em Goiânia, de 6 Oficinas de Capacitação ao longo de 2010, diretamente
articuladas às três etapas estipuladas pelo Ministério das Cidades para a elaboração
dos planos municipais (Proposta Metodológica, Diagnóstico Habitacional e Plano de
Ação). Nos períodos compreendidos entre as oficinas, um corpo de tutores técnicos
monitoraria à distância os trabalhos conduzidos nos próprios municípios. Os três
grupos de municípios referidos teriam participação diferenciada neste processo,
sendo que o primeiro (Territórios da Cidadania) contaria com a AGEHAB não
apenas na assessoria à elaboração mas também na própria elaboração de seus
PMHIS.
As atividades do planejamento participativo em questão, tanto no que
diz respeito à Elaboração do PEHIS-GO quanto no que tange ao Ciclo de
Capacitação, iniciaram-se em março de 2010. O Ciclo de Capacitação avançou
mais, ocorrendo até o fim deste mesmo ano cinco das seis Oficinas de Capacitação
previstas. Nestas, os representantes dos municípios conveniados eram agregados

100
Possuidores dos menores Índices de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M do estado e
integrantes de três dos quatro “territórios da cidadania” presentes em Goiás – Chapada dos
Veadeiros, Vão do Paranã e Vale do Rio Vermelho.
101
Foram utilizados os critérios déficit habitacional, regularidade no SNHIS e aprovação de Plano
Diretor e uma regionalização constituída por Região Metropolitana de Goiânia, Entorno de Brasília,
pólos regionais, áreas de impacto de grandes empreendimentos e área de influência da Ferrovia
Norte-Sul.
147

em 11 salas de aula, segundo um sistema de pontuação baseado em 13


variáveis102. Foram realizadas correções de rumo ao longo do processo, havendo
deserção de alguns municípios e inclusão de outros, remanejamento nas salas de
aulas, etc. Ao final de 2010, eram 161 os municípios participantes, com diferenças
de desempenho entre os mesmos no cumprimento das três etapas do PMHIS e
restando tarefas a concluir para a próxima gestão da AGEHAB.

Quadro 2 – AGEHAB/Planejamento participativo – Tipologia de municípios


Tipologia Sala Número de municípios
Alta Complexidade 1 9
Média Alta Complexidade (Entorno de Brasília) 2 13
Média Complexidade (Mineração/Sucro-alcooleiro) 3 10
Média Complexidade (Mineração/Sucro-alcooleiro) 4 11
Baixa Complexidade (Mineração/Sucro-alcooleiro) 6 9
Média Complexidade (Região Metropolitana de Goiânia e outros) 5 14
Baixa Complexidade (Arranjos Produtivos Locais) 7 9
Baixa Complexidade 8 11
Baixa Complexidade 9 53
Território da Cidadania 10 e 11 31
Total 170
Fonte: CUNHA, Débora Ferreira da; BORGES, Elcileni de Melo. Habitação planejada como elemento estruturados
das cidades: a experiência de Goiás. Anais do 14° Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro: ANPUR, 2011.

O saldo do processo é positivo. A AGEHAB compromete-se a realizar


em âmbito estadual o esforço que vem sendo levado a cabo, não sem
ambigüidades, em nível nacional pelo Ministério das Cidades. Trata-se do exercício
da “coordenação federativa” (Abrucio, 2005) pelo próprio governo do Estado de
Goiás, objetivando induzir a institucionalização nos municípios goianos de condições
técnicas para a implementação de tarefas de gestão relacionadas à política
habitacional. (Arretche, 2000). Esta atuação da AGEHAB alinha-se, de um lado, aos
preceitos do Plano Nacional de Habitação – PlanHab e se pauta, de outro, no
fortalecimento da gestão municipal, o que aponta para um reposicionamento do

102
As variáveis eram: população; IDH; IDEB; Índice GINI; Taxa de crescimento populacional
geométrico; densidade excessiva; saneamento básico; região de planejamento; receita municipal per
capita; pólos regionais; ferrovia norte-sul; sucro-alcooleiros/mineradora/indústria alimentícia/APL’s; e
déficit habitacional relativo. Cumpre observar que, com a tipologia resultante do sistema de
pontuação derivado dessas variáveis, antecipa-se um dos elementos que, conforme afirmado,
compunha o a minuta de Lei do Cartão Casa Própria.
148

Estado de Goiás no que diz respeito ao pacto federativo no âmbito das políticas
habitacionais.
A atuação do governo do Estado na viabilização de programas de
produção habitacional federais, considerando-se o período que se abre para a
política habitacional do Estado com a eleição de Marconi Perillo – PSDB em 1998,
inicia-se já nos primeiros anos do Cheque-Moradia. Conforme registra Luiz Bretones
(12.05.2011), foi bastante expressiva a participação da AGEHAB, entre 2002 e 2007,
nos programas PSH e Resolução n° 460, entrando a mesma como entidade
organizadora e construtora e se utilizando dos recursos do Cheque-Moradia como
contrapartida. A partir de então, a queda do poder de compra deste instrumento e,
ademais, a partir de 2009, a priorização da promoção privada pelo governo federal
com o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida acarretam a diminuição
das parcerias no âmbito daqueles dois programas.
A despeito disso, prossegue o alinhamento do governo do Estado de
Goiás à política de habitação conduzida pelo governo federal. Para além das
iniciativas levadas à cabo no âmbito do planejamento, acima referidas, é preciso
ressaltar o lugar que a AGEHAB passa a assumir também no âmbito do MCMV,
voltado para a promoção privada e, em menor grau, para a promoção pública não-
estatal. Conforme afirma Silmara Vieira:

Afora eles [MCMV Entidades e MCMV Abaixo de 50 mil], nós fizemos uma
articulação com a iniciativa privada, chamamos o sindicato da construção
civil, propusemos uma parceria com as empresas no sentido de ajudarmos
a interlocução. Porque tem uma coisa que ela é real: o empresário, ele
chega no município, se ele comprou a terra, é do seu jeito de conduzir, fazer
as coisas no território da cidade, ignorar o setor público. [...]. Então, o que
que a gente começou a provocar: uma interlocução. Nós chamávamos a
prefeitura: ‘prefeitura tem terreno?’ ‘Tem’. Aí, fazíamos a avaliação das
condições urbanísticas, provocávamos o empresário para fazer
investimento naquela área, articulávamos dentro do governo na parte de
saneamento para viabilizar as condições de saneamento na área, na parte
de energia elétrica, na parte de pavimentação, para poder agregar o poder
de ação e agilidade que a iniciativa privada tem no âmbito do MCMV ao
papel da prefeitura como gestora do território, porque a Constituição lhe
atribui essa responsabilidade, fazer cumprir a função social da cidade.
‘Então, espera aí: está produzindo na sua cidade. Vem cá que você precisa
conversar com esse sujeito aqui’. E a articulação desses dois agentes junto
à Caixa que é a contratante e a gestora dos recursos, que sempre foi um
ator criticado demais, tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada,
‘que é travada, que é isso...’. Então, a gente agiu como gestor de processo,
como articulador dos atores e como gestor do processo. Isso fez com que
vários empreendimentos fossem contratados com rapidez, com qualidade
do ponto de vista urbanístico, contribuímos com os projetos, às vezes os
empreendedores, as construtoras com menos estrutura, sem capacidade de
investimento em projetos. Então, chamávamos a prefeitura, fazíamos a
cessão do projeto arquitetônico, de engenharia, fazíamos o projeto
149

urbanístico pra ajudar aquilo ir pra frente. Então, nós tivemos um


protagonismo nessa articulação. Mais uma vez, na nossa avaliação, agindo
como o governo do Estado tem que agir, porque não tinha que: ‘ah, é
município, se vira, é a iniciativa privada, se vira’. [...] ‘existe um programa
federal, existe bastante recurso e vocês vão construir num lugar, que é num
município e esse município em geral não está sendo envolvido nessa
discussão e nem tem estrutura institucional e técnica pra fazer essa boa
interlocução, então a gente vai fazer essa grande articulação’. (Silmara
Vieira, 12.05.2011).

O estado103 de Goiás vem apresentando, recentemente, desempenho


quantitativo significativo nos programas habitacionais federais. Segundo informações
do Ministério das Cidades, é esta a unidade da federação que, no MCMV (em suas
modalidades de 0 a 3 salários e de até 10 salários mínimos), mais unidades
habitacionais contratou relativamente a sua meta104 e que, nos programas
destinados à produção autogestionária Crédito Solidário e MCMV Entidades, conta
com mais unidades habitacionais contratadas em termos absolutos105. Ainda não
estão suficientemente claros os fatores que o explicam. Se a atuação da AGEHAB
na articulação desse processo pode ser um deles, deve-se ter cautela na
determinação de sua importância. Obviamente, não foram poucos os
empreendimentos vinculados a estes programas que passaram por fora da
articulação realizada por aquela agência e, ademais, fatores como o preço da terra,
menor em Goiás que nos estados do sudeste, e capacidade organizativa e de
influência dos movimentos por moradia, não desprezível na região metropolitana de
Goiânia e sobretudo no entorno de Brasília, parecem ter maior capacidade
explicativa.
Para concluir, no período que se estende de agosto de 2008 ao final de
2010, quando, com o retorno de Marconi Perillo ao governo do Estado, novamente

103
Referimo-nos a estado enquanto território, não enquanto entidade político-administrativa.
104
No PMCMV, os recursos são distribuídos pelas unidades da federação de acordo com a estimativa
do déficit habitacional, cabendo ao estado de Goiás a meta de 27.613 unidades habitacionais, o que
representa 2,76% das 1.000.000 unidades previstas no programa. Segundo informações do Ministério
das Cidades para outubro de 2010, o estado de Goiás ultrapassou sua meta em 22,1%, tendo
contratado em suas diversas modalidades 33.718 unidades habitacionais. Vale observar que nesse
quantitativo encontram-se incluídas também as modalidades Programa Nacional de Habitação Rural
– PNHU, MCMV para municípios com menos de 50 mil habitantes e MCMV Entidades. Estas três
modalidades, contudo, representam parcela muito pequena quando comparada à parcela
correspondente às modalidades Recursos FAR (0 a 3 s.m.) e Programa Nacional de Habitação
Urbano – PNHU (3 a 10 s.m).
105
No tópico à seguir, dedicado à discussão da configuração do movimento por moradia goianiense e
goiano na década de 2000 e ao espaço que aí passa a ocupar a produção habitacional
autogestionária, os números referentes a estes dois programas serão apresentados.
150

ocorre uma troca na presidência da AGEHAB, várias iniciativas de mudança foram


levadas a cabo. Investiu-se no aprimoramento dos mecanismos através dos quais
ocorre a distribuição dos benefícios do Cheque-Moradia, seja no que diz respeito ao
cadastramento e seleção das famílias, seja no que diz respeito à seleção dos
municípios. Em ambos os casos, contudo, talvez ainda mais no segundo que no
primeiro, ficou faltando a regulamentação dos novos procedimentos, o que
compromete a continuidade dos mesmos.
As minutas de lei do Cartão Casa Própria e da Regularização Fundiária
Plena também não obtiveram sucesso em sua tramitação. Se houvesse sido
aprovada, aquela lei, além de vincular a distribuição dos benefícios do Cheque-
Moradia a critérios mais claros e condizentes com a realidade habitacional no
estado, implicaria o reajuste de seus valores e, mais do que isso, resultaria, a partir
de então, na sua atualização automática segundo o comportamento do mercado da
construção civil. A despeito da alteração de nome prevista para o programa, seu
desenho original seria mantido, acrescendo-se a ele procedimentos que
combateriam o clientelismo presente em sua operação, assegurariam maior
estabilidade em sua fonte de recursos e, por fim, trariam como conseqüência uma
institucionalização ainda maior do mesmo.
Houve avanços consideráveis no que diz respeito à relação com os
movimentos sociais, com o empresariado da construção civil e, no plano das
relações federativas, com os municípios e com a União. Atestam isso o
planejamento participativo conduzido, particularmente no que diz respeito à
transferência de saber técnico e capacidade administrativa para os municípios, e as
estratégias de articulação lideradas pela AGEHAB nos programas habitacionais
federais recentes, voltados seja para a produção empresarial (MCMV, nas
modalidades 0 a 3 e 3 a 10 salários mínimos) seja para a produção autogestionária
(Crédito Solidário e MCMV Entidades). Estas mudanças resultaram num
reposicionamento do governo do Estado no que diz respeito a seu papel no âmbito
da política habitacional.
As iniciativas de mudança levadas a cabo pela gestão Silmara Viera
(2008-2010), se orientadas por uma mudança qualitativa na compreensão conceitual
da política habitacional, acabaram por não ser regulamentadas. Determinante nesse
sentido foi o tempo reduzido de que dispôs a gestão para implementar aquelas
iniciativas e a instabilidade política e financeira que marcou o governo Alcides
151

Rodrigues (2006-2010). A crise financeira do Estado e os atritos na coalizão de


governo entre “alcidistas” e “marconistas”106 comprometeram as ações daquela
gestão frente à AGEHAB. Além de provocarem uma acentuada redução no
montante de recursos liberados via crédito outorgado de ICMS para o Cheque-
Moradia, que é extremamente baixo nos anos de 2008, 2009 e 2010, como se pode
ver pelos gráficos apresentando mais acima, não permitiram a regulamentação das
duas leis propostas, mas somente do Cheque-Complemento, que tinha caráter
apenas temporário.

4.6 PRODUÇÃO AUTOGESTIONÁRIA E MOVIMENTO POR

MORADIA

Na década de 1990, o movimento por moradia goianiense vivencia uma


inflexão significativa, conforme já demonstrado. De um lado, a FEGIP, que havia
marcado forte presença ao longo da década de 1980, passa por um processo
progressivo de desarticulação interna, que, iniciado por ocasião da administração
Darci Accorsi – PT em Goiânia, resulta, ao fim e ao cabo, na deserção de parte de
seus membros e na constituição da SHC pelos mesmos, cada vez mais aproximada
do PSDB. De outro lado, e por fora de todo esse processo, observa-se o surgimento
do MLCP, que, embora com muita capacidade de agregação, desde o início tem sua
estrutura organizativa fortemente centralizada sob duas importantes figuras da cena
político-partidária local e pauta sua atuação por uma lógica clientelística de troca de
lotes por apoio e sustentação política aos governadores do PMDB.
Na década de 2000, a configuração do movimento por moradia
herdada da década anterior complexifica-se, contribuindo para tal o impulso dado
pelo governo Lula às experiências autogestionárias de produção habitacional com a
criação dos programas Crédito Solidário, em 2004, Produção Social da Moradia, em
2007, e Minha Casa, Minha Vida Entidades, em 2009. Outros fatores também são
dignos de notas, como a ocupação do Parque Oeste Industrial, último grande
embate habitacional vivenciado pela cidade de Goiânia, e o surgimento e afirmação

106
Tais atritos motivaram-se, dentre outras coisas, pela disputa em torno da qualidade da gestão
financeira dos dois governos e pelo alinhamento a nível nacional do PP com o PT e não com o PSDB.
(CUNHA, 15 jun. 2009).
152

do Cheque-Moradia, que chega a ser utilizado em algumas daquelas experiências e


foi distribuído por meio de emendas parlamentares em benefício de um dos
segmentos do movimento por moradia local.
Comecemos pelo episódio do Parque Oeste Industrial. De acordo com
Silva (2007), em maio de 2004, em torno de 12 a 15.000 mil pessoas ocupam, na
região noroeste da cidade de Goiânia, uma vasta extensão de terra vazia, servida
por infra-estrutura básica e com débitos tributários que remontavam a 1957. A
despeito da decisão judicial tomada em setembro daquele ano favoravelmente à
reintegração de posse, o fortalecimento da organização da ocupação Sonho Real e
a proximidade das eleições acabaram por adiar seu cumprimento. O governador
Marconi Perillo – PSDB garantiu que não haveria ação por parte da polícia militar e,
no âmbito municipal, o prefeito Pedro Wilson – PT e o prefeito eleito Íris Resende –
PMDB defendiam a não retirada das famílias do local. Os proprietários, por sua vez,
sinalizavam com a intenção de dar à prefeitura parte da área como forma de
pagamento dos tributos em atraso.
Não foi o que ocorreu. O setor imobiliário pressiona os proprietários
para que não acatassem a permanência dos ocupantes no local e o Poder Judiciário
para que impusesse o respeito à decisão judicial tomada. O processo acaba se
radicalizando. Ofício é enviado por aquele poder à Secretaria de Segurança Pública
e Justiça – SSPJ e à Polícia Militar – PM, destacando que tais autoridades estavam
descumprindo a decisão judicial ao não proceder ao despejo dos sem-teto. Em 16
de fevereiro de 2005, então, o governo do Estado, por intermédio da SSPJ e
mediante robusto aparato militar, executa a desocupação. Trata-se da Operação
Triunfo, maior operação da PM em Goiás, que resultou em 2 mortes reconhecidas, 1
paraplégico, 3 feridos submetidos a cirurgia, 40 feridos por armas de fogo, 800
presos e cerca de 4000 famílias desabrigadas, além de desaparecidos. (SILVA, M.
2007).
Prefeitura e governo do Estado buscam um acampamento provisório e
uma área definitiva para receber as famílias, em ambos os casos reforçando-se,
face ao abandono das áreas de meio, reservadas para a especulação imobiliária, o
processo de crescimento da malha urbana goianiense. Após três meses nos
ginásios de esporte para os quais foram removidos após a desocupação, os sem-
teto desabrigados são direcionados para o Acampamento Grajaú, reproduzindo-se
aí as mesmas condições precárias presentes naqueles, o que, com a proliferação de
153

doenças e a demora na viabilização do conjunto habitacional prometido, resultou em


mais mortes. Em meados de 2007, quase dois anos após a desocupação, apenas
500 famílias haviam sido transferidas para o Residencial Real Conquista, que, com
previsão de atendimento de 2.470 famílias, seria construído pelo governo do Estado
em parceria com os governos federal e municipal107. (SILVA, M. 2007;
PLATAFORMA DHESCA BRASIL, 2009). Em agosto de 2011, em torno de 600
famílias ainda se encontravam desatendidas.
Em função do episódio do Parque Oeste Industrial e de seus
desdobramentos, organiza-se outro segmento dentro da luta pela moradia em
Goiânia. Américo Novais, ex-militante do movimento de transporte alternativo e
pastor evangélico pentecostal, torna-se sua liderança já durante a ocupação,
fundando, a partir de então, juntamente com os sem-teto, o Movimento Luta e
Moradia – MLM. Este movimento, contudo, desde o início dispensou maiores
vínculos com os demais segmentos do movimento por moradia goianiense e acabou
por, progressivamente, centralizar-se nas mãos daquela liderança, o que o distancia
de sua base original e debilita sua força organizativa.
No Acampamento Grajaú e no Residencial Real Conquista, tal como
registra Firmo (2008) a partir de relato etnográfico realizado naquela área, era
constante o trânsito de políticos, técnicos de governo e militantes, o que os tornavam
espaços particularmente propensos ao clientelismo. A isso, somava-se o fato de
que, tornando-se o coordenador local do Cheque-Moradia e interlocutor direto do
movimento junto à AGEHAB e ao governo do Estado, América Novais torna-se
quase um funcionário desta agência, o que deslegitima sua representatividade por
entre os moradores. Se em 2006 sai candidato a deputado estadual pelo PSOL, em
2010 faz o mesmo pelo PRTB, integrando a coalizão eleitoral capitaneada por
Marconi Perillo, o mesmo político que, prometendo não executar a desocupação do
Parque Oeste Industrial em novembro de 2004, o fez em fevereiro de 2005. Nas
duas disputas eleitorais, Américo não é eleito.

107
Das 2.470 casas, 1.200 destinavam-se para moradores do Acampamento Grajaú e 1.270 para
aqueles que, embora tenham participado da ocupação do Parque Oeste, não chegaram a ser
transferidos para aquele acampamento, tendo que encontrar outra solução provisória de moradia
enquanto não ficassem prontas as casas que lhes cabiam no Residencial Real Conquista. O custo da
obra estava orçado em R$45,2 milhões, entrando o governo federal com 57,3% (Resolução n° 460 do
CCFGTS), o estadual com 31,4% (Cheque-Moradia) e o municipal com 11,3% (terreno).
154

O MLM, então, tendo estado no centro da cena política por ocasião da


ocupação Sonho Real e de seus desdobramentos iniciais, acaba por, logo em
seguida, iniciar trajetória descendente, tanto mais intensa quanto mais freqüente
passa a ser sua interlocução com o Estado/AGEHAB. Os dois principais segmentos
do movimento por moradia local continuam a ser, portanto, aqueles agrupamentos
herdados da década de 1990, quais sejam, a Sociedade Habitacional Comunitária –
SHC e o Movimento de Luta pela Casa Própria – MLCP. Na década de 2000,
contudo, tais movimentos passam por redefinições importantes, motivadas, entre
outras coisas, pela possibilidade de, por meio do aporte de recursos federais,
proceder à produção habitacional por auto-gestão. O Movimento de Luta e Moradia
não chega a se aproveitar desta possibilidade.
A SHC constitui-se, no final da década de 1990, já em torno da
proposta da produção habitacional autogestionária, em contraponto, como referido, à
estratégia que havia marcado a atuação da FEGIP, focada nas ocupações urbanas,
na década de 1980. É, assim, que, ainda enquanto COHPOG, ensaia uma primeira
experiência no Residencial Goiânia Viva e, já enquanto SHC, leva a cabo os
empreendimentos Vale dos Sonhos e Serra Azul e, por meio de uma negociação
política108 com o governador Marconi Perillo – PSDB, dá início ao Residencial João
Paulo, em área próxima ao loteamento do Vale dos Sonhos. O lançamento dos
programas habitacionais federais voltados à produção por auto-gestão não só
confirma essa pauta de atuação da SHC como a amplia, levando à criação da União
Estadual por Moradia Popular – UEMP-GO.
As lideranças da SHC, um ano antes da sua criação, já haviam se
filiado à União Nacional por Moradia Popular – UNMP. A esta entidade nacional, da
mesma forma, filia-se a UEMP-GO, quando de sua constituição em meados da
década de 2000. Conforma afirma Vidal Barbosa, seu presidente:

A UEMP veio retraçar os outros movimentos, fazer uma política maior,


macro. E a SHC, ela tinha atuação somente em Goiânia e tem o objetivo

108
É bem provável que, dessa negociação entre o governador Marconi Perillo e Maurício Beraldo,
tenha resultado não apenas o terreno, a eletrificação e 114 Cheques-Construção para o João Paulo,
mas também os 400 Cheques-Construção conseguidos para o Vale dos Sonhos e os 100 Cheques-
Construção e 75 Cheques-Reforma para o Serra Azul. Estas quantidades, a mim informadas pelos
militantes da UEMP-GO entrevistados, são muito pequenas face aos empreendimentos aos quais se
destinaram, constituídos, respectiva e aproximadamente, por 800, 4.000 e 700 unidades
habitacionais. A filiação de Maurício Beraldo ao PSDB passa por esta negociação política.
155

dela, que é quase que única e exclusivamente trabalhar economia solidária.


Esse modelo de projeto, que é modelo novo, nós nunca tínhamos
trabalhado. Nós trabalhávamos em invadir a terra, ocupar a terra, mas
comprar a terra e assentar as famílias nós nunca tínhamos trabalhado, foi
uma experiência nova. A UEMP, ela hoje constrói essas casas no Crédito
Solidário, mas não é o objetivo dela. Não está no seu caráter de entidade
construir, mas de fazer a política, ajudar na assessoria de como elaborar o
projeto, encaminhar o projeto, ajudar nos encaminhamentos dos projetos
dentro da Caixa. A UEMP ela tem a política macro, então nós fazemos a
política para o estado inteiro. Hoje nós trabalhamos com regularização
fundiária, que é uma grande demanda das pessoas, ter o seu lote
regularizado. [...]. Nós temos outro papel de assessorar as entidades a
acessar o recurso pra produção de habitação. (Vidal Barbosa, 05.05.2011).

Com a criação da UEMP-GO, objetivava-se, num contexto de


crescimento dos recursos para a auto-gestão, estender a estratégia de atuação da
SHC para outras entidades do estado de Goiás, assessorando-as na captação e na
aplicação dos recursos federais e pautando, interna e externamente ao estado, as
discussões sobre a política urbana e habitacional. É neste sentido que a UEMP-GO,
valendo-se da experiência pregressa de suas lideranças e da inserção dos mesmos
no Ministério das Cidades e no Conselho Nacional das Cidades, auxiliou, com maior
ou menor intensidade, as entidades UMIS, ONG Pró-Moradia e MDC a contratarem
e/ ou executarem seus projetos habitacionais no âmbito do Crédito Solidário nos
municípios de Guapó, Senador Canedo e Aparecida de Goiânia. A UEMP-GO
também chegou a atuar como agente organizador109 de quatro outros
empreendimentos em Goiânia, três deles dentro daquele programa e o quarto,
dentro do MCMV Entidades. Indiretamente, naqueles casos mais acima, e
diretamente, nestes quatro últimos, a entidade federativa em tela participa de 7
empreendimentos no estado, todos eles na região metropolitana, o que totaliza 900
unidades habitacionais. (Vidal Barbosa, 05.05.2011; Nilza Bonfim, 11.05.201).
O Movimento de Luta pela Casa Própria – MLCP, desde sua criação no
início da década de 1990 um segmento isolado do movimento por moradia local,
sempre se utilizou dos recursos de poder obtidos junto ao Estado para a viabilização
de suas conquistas. Foi assim que, ocupando cargos nos segundo governo Íris e no
governo Maguito, assentou famílias na Fazenda São Domingos e no Madre

109
Nestes quatro empreendimentos, cada um deles uma etapa do Residencial Eldorado Oeste,
situado nas proximidades do Serra Azul, a UEMP-GO acaba descumprindo sua missão institucional
de atuar na assessoria e não na produção. Isso ocorre, como justifica Vidal Barbosa, porque a SHC
encontra-se ainda enredada em impedimentos jurídicos herdados do Residencial Vale dos Sonhos.
156

Germana. No governo Marconi Perillo, inexistindo a possibilidade da aliança com o


PMDB, passa a se valer do Cheque-Moradia. A deputada Isaura Lemos – PDT,
conforme afirmado, foi a pioneira na utilização das emendas parlamentares com
aquele instrumento, em especial, com a modalidade do Cheque-Reforma, portadora
de maiores rendimentos político-eleitorais que a modalidade do Cheque-Construção,
como já demonstrado.
O MLCP, com o surgimento do Crédito Solidário no âmbito federal,
também passa a atuar na produção habitacional autogestionária. Para tal, como,
diferentemente da UEMP-GO, não gozava de experiência prévia na área, rompe o
isolamento acima referido. Filia-se, então, à Confederação Nacional das
Associações de Moradores – CO NAM, conforme afirma Luiz Carlos, uma das
lideranças desta no estado de Goiás:

Hoje ele é filiado à CONAM. Filiou à CONAM, mas não filiou a nenhuma
entidade estadual aqui em Goiás. Por quê? Quando ele viu que nós, por
exemplo, conseguimos em Brasília verba pra fazer casa sem precisar de
governo estadual e municipal, como no caso nós fizemos esse condomínio
aqui, aí ele juntou com a gente. [...]. O Lula cria o Crédito Solidário e aí,
como eles perceberam que tinha isso e nós tínhamos uma maior facilidade
de acessar esses recursos, a gente sabia onde que estava, a gente podia
pressionar pra sair a verba, aí eles vieram e se filiaram à CONAM110. (Luiz
Carlos, 10.05.2011).

Tal como no Brasil como um todo, a história da CONAM no estado de


Goiás remonta à década de 1980, com o Conselho Consultivo das Associações de
Bairro – CCAB, de abrangência restrita à cidade de Goiânia, e com a Federação
Goiana das Associações de Moradores – FEGAM, de abrangência estadual. Estas
duas instituições, na linha da entidade nacional à qual estavam vinculadas, tinham
como foco a luta por realização de melhorias urbanas nos bairros já existentes e
mais consolidados, diferenciando-se da FEGIP, cuja pauta de atuação, na linha da
entidade à qual se vinculava nacionalmente, o MNLM, estava centrada nas
ocupações urbanas e na regularização das áreas de posse. Essa diferença de
estratégia (e, em certa medida, também de segmento social) não impediu que o

110
Euler Ivo e Isaura Lemos, desde a resistência à ditadura no PC do B, filiam-se em meados da
década de 1990 ao PDT, aí permanecendo durante o restante desta década e toda a década de
2000. No início de 2011, Euler Ivo retorna ao PDT. Isaura Lemos, deputada estadual, e a filha Tatiana
Lemos, vereadora em Goiânia, fazem o mesmo em outubro desse mesmo ano.
157

CCAB, conforme registra Luiz Carlos, apoiasse a FEGIP nas ocupações urbanas
que realizou.
O CCAB e a FEGAM perdem força nas décadas de 1990 e 2000. Nesta
última década, é a representação goiana na CONAM, não necessariamente
vinculada àquelas duas associações, que desempenha um papel importante,
conforme trecho transcrito acima da entrevista realizada com Luiz Carlos. Tal como
a UEMP-GO, vinculada nacionalmente à UNMP, assessora suas filiadas na
contratação e/ ou execução de projetos habitacionais dentro dos programas federais
destinados ao cooperativismo habitacional, mobilizando, da mesma forma, os
recursos resultantes da sua inserção no Conselho Nacional das Cidades e no
Ministério das Cidades. É em parte devido a esta assessoria que as entidades Morar
Bem e MLCP executam, em conjunto, o Residencial Lírios do Campo em Goiânia,
encarregando-se cada uma delas de uma de suas etapas, que somam 257
unidades, e que a entidade AHDM executa, no município de Jaraguá, situado na
microrregião de Anápolis, um conjunto beneficiando 70 famílias. (Luiz Carlos,
10.05.2011).

Gráfico 5 – Crédito Solidário e MCMV Entidades – Unidades habitacionais contratadas


por unidade da federação

3.500

3.000

2.500

2.000
Crédito
Solidário
1.500
MCMV
1.000 Entidades

500

0
PE
CE
RJ
RN
MG
SC
RS

MS

PA
SP

PI
PB

PR
MA

BA
GO

TO

SE
AL

ES
RO

Fonte: Ministério das Cidades, posição: abril de 2010 (Crédito Solidário); e Ministério das Cidades, posição:
janeiro de 2010 (MCMV Entidades).

Conforme já referido, dentre os estados brasileiros, Goiás é aquele


com melhor desempenho quantitativo nos programas habitacionais federais voltados
para a auto-gestão, estando à frente de estados onde o movimento por moradia
158

goza de forte tradição associativa, como Rio Grande do Sul e São Paulo. No
Programa Crédito Solidário, segundo informações do Ministério das Cidades para
abril de 2010, contratou 3.240 unidades, mais do que o Rio Grande do Sul (2.876) e
São Paulo (2.042), segundo e terceiro colocados. Já no MCMV Entidades, de acordo
com informações do mesmo ministério para janeiro de 2011, contratou 1.693
unidades, mais do que São Paulo (873), Bahia (780) e Rio Grande do Sul (735),
segundo, terceiro e quarto colocados.
A trajetória pregressa do movimento por moradia goianiense e a
capacidade organizativa e de influência que dela resulta é, certamente, um dos
fatores explicativos do êxito do estado de Goiás na contratação dos dois programas
habitacionais federais em tela. Deve-se observar, contudo, que, se os agrupamentos
que se afirmam em função daquela trajetória, a saber, a UEMP-GO e o MLCP, este
último associado à CONAM nos últimos anos, vêm estendendo seu alcance para
outras áreas do estado, a região metropolitana de Goiânia continua sendo seu
espaço privilegiado de atuação. Enquanto na microrregião de Goiânia estão 43,1 e
28,1% do total de unidades habitacionais contratadas pelo estado de Goiás no
Crédito Solidário e no MCMV Entidades, na microrregião do Entorno de Brasília as
porcentagem em questão são um pouco maiores – respectivamente, 49,9 e 48,3%.
Aí, são outros os movimentos e cooperativas atuantes e, mais do que isso, outras
entidades federativas que não a UEMP-GO e a CONAM.

Gráfico 6 – Crédito Solidário e MCMV Entidades – Unidades habitacionais contratadas


por microrregião

1.800
1.617
1.600
1.395
1.400
1.200
1.000
818 Crédito
800 Solidário

600 475 MCMV


Entidades
400
200
0
Anápolis Entorno de Goiânia São Miguel Porangatu Vão do
Brasília do Araguaia Paranã

Fonte: Ministério das Cidades, posição: abril de 2010 (Crédito Solidário); e Ministério das Cidades, posição:
janeiro de 2010 (MCMV Entidades).
159

Embora formalmente inscrita no território goiano, a microrregião do


Entorno de Brasília, particularmente do chamado Entorno Imediato (Caiado, 2005),
tem seu processo de ocupação e urbanização recente intimamente relacionado à
expansão periférica de Brasília111. A dinâmica do movimento por moradia aí
existente, da mesma forma, entrelaça-se pouco àquela do movimento por moradia
goiano em geral, que, como deve ter ficado claro a partir das discussões
desenvolvidas a respeito neste trabalho, teve e tem como epicentro a capital
Goiânia.
Os movimentos atuantes na região metropolitana de Brasília, e, assim,
nos municípios goianos do entorno, mais ainda que aqueles presentes na região
metropolitana de Goiânia, muito contribuíram para o alto desempenho quantitativo
do estado de Goiás nos programas habitacionais federais. Alguns fatores podem ter
contribuído para tal. Para além da capacidade organizativa do movimento, o que
também se verifica na UEMP-GO e no MLCP/CONAM, cabe acrescentar, ainda
enquanto hipótese: proximidade de Brasília, centro do poder político nacional e,
portanto, espaço privilegiado para o exercício da influência e superação dos
obstáculos de ordem burocrática que tanto travam os processos; desenho
institucional favorável às áreas metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte e Brasília, que contam com um valor de financiamento por unidade
habitacional maior (Vidal Barbosa, 05.05.2011)112; e, por fim, tendência à

111
A expansão periférica de Brasília (Região Administrativa I – Plano Piloto), iniciando-se na década
de 1960 em direção às cidades satélites (demais Regiões Administrativas), transpõe os limites do
Distrito Federal na década de 1970 e se afirma na década de 1980, quando ocorre em todo país o
fenômeno da desconcentração metropolitana, resultante no caso em tela, dentre outras coisas, da
continuidade do rígido controle imposto sobre o uso do solo e da redução da oferta de empregos
públicos em função da conclusão obras da transferência da capital. Essa expansão periférica atinge,
sobretudo, os municípios goianos situados nos limites sudoeste e nordeste do quadrilátero do DF,
que absorvem a população que trabalha no centro do Distrito Federal mas não consegue inserção em
seu mercado habitacional. Esta região seria o Entorno Imediato, constituindo-se o Entorno Distante,
diferentemente, pelos municípios que não sofreram/sofrem impacto direto do processo em questão,
marcando-se por base econômica agropecuária e taxas de crescimento e densidades demográficas
menores. É importante ressaltar que os municípios de Cidade Ocidental, Valparaíso de Goiás e Novo
Gama surgiram de três grandes conjuntos habitacionais produzidos pelo BNH (por outro agente que
não a COHAB-GO) na década de 1980 no município de Luziânia. (CAIADO, 2005; GUIA; CIDADE,
2010; PAVIANI, 1987).
112
Como observa Vidal Barbosa: “No Entorno de Brasília, o movimento é organizado, é mais
organizado que o nosso. E lá há muitas entidades. Eles têm uma entidade, uma espécie de uma
federação, que congrega 260 entidades. Todas essas entidades estavam produzindo. No Novo
Gama, na Cidade Ocidental, em Planaltina, em Formosa, eles produziram muito, muito mesmo. [...].
Eles são mais organizados e estão mais perto do poder do que nós. Então, têm um poder de pressão
muito maior. [mais próximos territorialmente?, perguntei]. Territorialmente. Porque o poder de
160

periferização dos conjuntos habitacionais, em função dos altos valores dos terrenos
em Brasília. (QUINTO, 2007).
O programa estadual Cheque-Moradia, em seu desenho original,
embora preveja a realização de convênios também com entidades, diferentemente
do que se passa com o Crédito Solidário e o MCMV Entidades, mostra-se muito
menos atrativo para o movimento por moradia, já que, para além da defasagem do
seu poder de compra, tende a exigir deste o mesmo que exige dos municípios. O
Cheque-Moradia, assim, chegou a ser utilizado na produção habitacional
autogestionária, mas apenas para a complementação dos recursos federais e,
mesmo assim, em poucos casos. A iniciativa mais importante da AGEHAB na
relação com os movimentos ocorre na gestão Silmara Viera (2008-2010), quando se
procura fortalecer os canais de interlocução com os mesmos e, ademais,
potencializar sua capacidade de produzir moradia com os recursos federais. Digno
de nota, neste aspecto, é o cadastramento de 63 entidades ligadas à moradia
realizado por esta agência, que, além de ter resultado no aumento de 5 para 21
entidades habilitadas junto à CEF, pode resultar na contratação de mais 10
empreendimentos dentro dos programas federais destinados à auto-gestão. (Luiz
Carlos, 10.05.2011).
Na década de 2000, em resumo, o movimento por moradia goianiense
e goiano em geral tende a reconfigurar suas estratégias de atuação. Por ocasião,
sobretudo, do surgimento e operação de programas federais como o Crédito
Solidário, o MCMV Entidades e, ainda, o Produção Social da Moradia, tende a, cada
vez mais, ocupar-se da produção de moradias pela via da auto-gestão. Nos termos,
talvez demasiadamente esquemáticos mas sem dúvida muito ilustrativos, de
Leidimar de Souza Ribeiro (07.05.2011), assistente social e militante da UEMP-GO,
o movimento, após passar de uma etapa “reivindicativa” na década de 1980 para

influência política, ele só funciona quando você tem mandato. Tipo eu e outros que não temos
mandato, não funciona. [...]. Eles estão mais próximos do poder, eles têm parlamentares ligados a
eles com mais força do que nós. [...]. O poder deles é tão grande que o secretário de habitação do
GDF é indicação deles. Eles são fortes. Eles não são tratados como entorno daquela região. Têm um
tratamento especial de RIDE. E aí [...] o tratamento deles é diferenciado, tanto é que o dinheiro pra
eles é mais: enquanto o dinheiro pra nós aqui é 24, pra eles é 30. [mas o tratamento para a RIDE é o
mesmo para a RMG, não?]. Não, é com um tratamento privilegiado. [...] Brasília, Belo Horizonte, Rio
de Janeiro e São Paulo têm tratamento diferenciado”. (Vidal Barbosa, 05.05.2011).
161

outra “propositiva” na década de 1990, transita em direção a uma etapa “executora”


na década de 2000.
O outro lado dessa reconfiguração do movimento por moradia local
parece estar na sua desarticulação e fragmentação internas, iniciadas, como vimos,
já na década de 1990. Conforma afirma Silmara Viera,

O tempo atual é de uma desarticulação, desagregação e despolitização dos


movimentos. No tempo que a gente assume [a AGEHAB], a gente começa a
perceber. Então, há uma disputa, sempre os movimentos vinculados a
agentes políticos, vereadores ou deputados, condicionados ao apoio para
reeleição desses.... (Silmara Viera, 12.05. 2011).

Na mesma linha, Ronnie Barbosa sustenta que o movimento por


moradia goiano, na década de 2000, se assemelharia a um conjunto de “fragmentos
de lutas muito especificadas nas suas necessidades de demandas de sobrevivência
cotidiana”. Inexistindo, assim, por entre estes mesmos fragmentos, uma “articulação
mais de cidade ou de região e muito menos de Brasil” (Ronnie Barbosa,
09.05.2011), torna-se cada vez menor a possibilidade de que, pressionando
politicamente o Estado, o movimento por moradia equilibre a competição desigual
desde sempre presente no mercado de terras das cidades brasileiras – hoje
aguçada em função do crescimento dos recursos federais para a produção
habitacional, sobretudo, empresarial113.
Como observa Lago (2011) e enfatiza Vidal Barbosa em entrevista
(05.05.2011), a liberação de vultosos recursos públicos pelo governo Lula para a
provisão da moradia não ocorre em paralelo, no âmbito municipal, a uma política de
reserva de terras urbanizadas para habitação popular, condição para o controle da
expansão urbana e da especulação fundiária. Assim, áreas com algum grau de
urbanização passam a ser disputadas por organização de moradores e por
construtoras, com consideráveis vantagens para o segundo agente. Dessa
competição desigual no mercado de terras, resulta o fechamento das áreas
urbanizadas aos movimentos sociais, restando aos mesmos as fronteiras da cidade.

113
É preciso observar que, tal como se depreende das considerações feitas pelos atores do
movimento por moradia goianiense com respeito ao período atual, a UEMP-GO, embora também
voltada predominantemente para a produção habitacional autogestionária com recursos federais,
muito em função de sua trajetória pregressa, tende a articular sua demanda por novas unidades e
regularização fundiária à pressão política pela aplicação dos instrumentos presentes no Plano Diretor,
o que não se verifica com o MLCP.
162

Não é outra a realidade, a título de exemplo, do Eldorado Oeste, do


Lírios do Campo e do Jardins dos Ipês, aqueles dois construídos pela UEMP-GO e
pelo MLCP/Morar Bem na periferia de Goiânia e este pelo MDC no município de
Aparecida de Goiânia. Para concluir, são alentadores os números alcançados pelo
movimento por moradia no estado de Goiás na contratação dos programas federais
vinculados à auto-gestão. Ocorre que, se assim tem-se um avanço considerável face
às décadas de 1980 e 1990, coloca-se como desafio para o movimento cuidar para
que o foco nessa nova estratégia de atuação não implique o abandono da luta por
uma política urbana mais inclusiva, que, combinando a política habitacional à política
fundiária (ZEIS, estoque de terras públicas, etc.), produza sim muitas unidades, mas
bem localizadas, bem inseridas na malha urbana.
163

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa dissertação, procurou-se proceder à reconstrução histórica da


trajetória político-institucional da política pública de habitação popular levada a cabo
pelo governo do Estado de Goiás desde 1983, quando se inicia o Mutirão da
Moradia, passando por vários outros programas, até chegar a 2010, decorridos nove
anos de implementação do Cheque-Moradia. Após uma discussão inicial com
respeito à emergência, na esteira da desarticulação financeira e institucional do
sistema BNH/SFH em meados da década de 1980, do problema do lugar dos
estados na política nacional de habitação, procedeu-se àquela reconstrução, referida
ao caso específico do estado de Goiás. Dividiu-se a exposição em dois capítulos, o
primeiro deles ocupado com o ciclo de hegemonia do PMDB e o outro com o ciclo de
hegemonia do PSDB/PP na política estadual.
Em meados da década de 1980, a população goiana, em geral, e
goianiense, em particular, vivencia, a um só tempo, os efeitos perversos do
desenvolvimento econômico por que passou o estado de Goiás nas décadas
anteriores, assentado em grande parte na modernização agropecuária do cerrado
brasileiro, e a possibilidade de vocalizar politicamente a insatisfação daí decorrente.
Somadas à progressiva ausência do governo federal no âmbito da política pública de
habitação, estas são, basicamente, as condições que estiveram na base da
reorientação havida na posição do executivo estadual no que diz respeito ao trato da
problemática habitacional das classes trabalhadoras. Iniciando pelo Mutirão da
Moradia, o governo do Estado passa a desenvolver seguidos esforços com vistas a
responder a tais condições e, assim, constituir bases próprias para a implementação
da política pública de habitação popular no estado de Goiás.
Cada um em meio a uma conjuntura específica, seja no que diz
respeito ao arranjo das forças políticas estaduais, aí incluída a política partidária e o
movimento por moradia, seja no que concerne ao transcurso da política nacional de
habitação, o Programa Habitacional Comunitário, o Mutirão Permanente da Moradia,
o Meu Lote, Minha Casa e, por fim, o Cheque-Moradia, são os outros programas
habitacionais integrantes da trajetória político-institucional da política habitacional do
governo do Estado de Goiás. Contando com recursos subsidiados e destinados à
faixa de renda situada abaixo dos três salários mínimos, diferenciam-se quanto ao
desenho operacional adotado e ao grau de institucionalização alcançado, sendo
164

possível visualizar no Cheque-Moradia avanços nesse sentido com relação aos


programas que o precederam. Assemelham-se, contudo, em muitos outros
aspectos, persistindo naquele muitos problemas e vícios que caracterizaram estes.
O Mutirão da Moradia, passando por fora da estrutura organizacional
herdada do sistema BNH/SFH, inaugura no Estado de Goiás uma clivagem entre
duas empresas públicas estaduais, a COHAB-GO e a CODEG, esta última
incumbida da operacionalização do programa. Não apenas se antecipa a clivagem
que, na segunda metade da década, seria verificada no plano federal entre os
programas da SEAC e o SFH como ela, durante os governos do PMDB (1983-1998),
acaba rapidamente cedendo lugar ao deslocamento quase completo do pêndulo
para um de seus pólos, qual seja, o da CODEG e de suas sucessoras, de modo que,
já na segunda metade da década de 1990, em meio às medidas de ajuste fiscal
adotadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, a COHAB-GO é submetida à
liquidação. De uma condição de conflito e superposição de tarefas entre, de um
lado, a CODEG e, de outro, a COHAB-GO, o setor habitacional do Estado de Goiás
evolui para a marginalização e quase supressão desta empresa pelas instituições
que sucedem aquela – “quase”, como demonstrado, porque a liquidação da COHAB-
GO é suspensa no ano de 1999.
No primeiro e segundo governo Íris Rezende (1983-1986 e 1991-1994),
a política habitacional no Estado fica a cargo de empresas públicas (CODEG e
EMCIDEC) cuja vocação institucional pouco ou nada tinha a ver com a questão
urbana e habitacional. No governo Maguito Vilela (1995-1998), da mesma forma, é
assumida por uma secretaria de Estado cuja pauta de atuação repousava na política
de assistência social (SESH), incluindo, dentro de um mesmo programa, benefícios
díspares como cesta básica de alimentos e lotes semi-urbanizados. No governo
Henrique Santillo (1986-1990), diferentemente, a política habitacional fica sob
responsabilidade de uma secretaria de Estado que, se dentre suas atribuições
formais constava também a assistencial social, na prática volta sua atuação quase
que exclusivamente para a política habitacional (SAC). A despeito deste avanço
organizacional, mantém-se, como nos demais governos, o quadro de marginalização
da COHAB-GO na administração pública estadual.
Quatro governos do PMDB, quatro programas habitacionais, nenhum
deles ultrapassando os limites de uma gestão governamental. O Mutirão da Moradia,
no primeiro governo Íris, a despeito da repercussão nacional e internacional
165

alcançada, foi o que apresentou menor desempenho quantitativo, restringindo-se a


ações pontuais e de impacto como, por exemplo, as mil casas em um dia da primeira
etapa da Vila Mutirão em Goiânia e as três mil casas em um dia do Mutirão do
Interior. Profundamente dependente do esforço de coordenação de um núcleo
central de governo e da capacidade de mobilização de sua liderança maior, mostrou-
se pouco suscetível à institucionalização e, da mesma forma, à replicação, não
sendo sua sistemática adotada nem mesmo por Flávio Peixoto, quando no MDU, e
por Íris Rezende, quando em seu segundo governo. Cabe citar ainda a ausência de
participação efetiva da população beneficiária no processo, a segregação espacial
implícita na localização dos conjuntos produzidos e a baixa qualidade construtiva e
conforto térmico.
Digno de nota no primeiro governo Íris é a instituição da CPU,
comissão governamental incumbida de proceder à regularização das áreas de posse
da capital Goiânia e do seu entorno. Uma conquista do movimento por moradia
reunido sob a UI/UPG/FEGIP, que atravessa em alta toda a década de 1980,
resulta, neste governo e no seguinte, quando é integrada à estrutura da Secretaria
de Assuntos Comunitários, no mapeamento de praticamente todas aquelas áreas à
época, implicando a adoção de uma linha de atuação que se pautava não pela
remoção mas pela permanência dos posseiros. A despeito desses avanços e de sua
continuidade para além do governo que a criou, a CPU acaba por perder força à
medida que, no governo Santillo, se acentua o conflito entre “iristas” e “santillistas”.
Fragilmente institucionalizada como o Mutirão da Moradia e os demais programas
habitacionais dos governos do PMDB, é extinta no segundo governo Íris, deixando
em aberto os processos de regularização, tanto urbanística quanto fundiária, da
maior parte das áreas de posse.
No governo Santillo, realizam-se avanços no que diz respeito à relação
entre movimento por moradia e poder público estadual, fortalecendo-se os canais de
comunicação entre ambos, numa postura diferente com relação àquela presente no
governo anterior, que, nitidamente populista, dispensava intermediários entre povo e
governo. O Programa Habitacional Comunitário foi o que apresentou maior
desempenho quantitativo dentre os programas adotados pelos governos do PMDB.
Além disso, estendendo a comparação para os governos do PSDB/PP e
considerando apenas as novas unidades construídas sob o Cheque-Moradia, tem
esse desempenho alcançado apenas pelo segundo governo Marconi. Parece haver
166

também uma organização institucional mais adequada à política habitacional,


reunindo numa mesma secretaria uma superintendência vinculada à produção
habitacional e outra, herdeira da CPU, voltada à regularização de áreas de posse.
Mantém-se, contudo, para além da marginalização da COHAB-GO, a mesma lógica
de segregação sócio-espacial iniciada por Ary Valadão e Íris Rezende na região
noroeste de Goiânia – aquele por meio da Vila FINSOCIAL e este, da Vila Mutirão. É
o caso dos Jardins Curitiba, o loteamento, cumpre ressaltar, menos infra-estruturado
dentre os produzidos pelo poder público estadual nessa região.
O setor habitacional no governo do Estado é novamente reconfigurado
no segundo governo Íris, o mesmo vindo a ocorrer, posteriormente, no governo
Maguito. A política habitacional volta a ser conduzida por uma empresa pública, não
mais pela CODEG, como no primeiro governo Íris, mas pela EMCIDEC, que havia
resultado da extinção daquela no governo Santillo. O Mutirão da Moradia retorna,
mas com profundas alterações, que se resultam na perda de sua expressividade
política, acarretam a racionalização de seus procedimentos e sistemática. Já sob a
denominação de Mutirão Permanente da Moradia, as ações deixam de ser
concentradas num único dia, prevendo-se, para o caso dos municípios do interior do
estado, uma maior integração da família beneficiária ao processo construtivo. No
caso de Senador Canedo e Anápolis, diferentemente, as obras são realizadas sob
regime de empreitada global, tal não ocorrendo em Goiânia pelo fato de que, uma
vez realizado o loteamento da Fazenda São Domingos, também na região noroeste
da cidade, o MLCP, agrupamento recém-surgido do movimento por moradia local e
com presença no Estado, ocupa a área com o consentimento do governador. O
segundo governo Íris marca-se por um desempenho quantitativo menor que o
verificado no Programa Habitacional Comunitária, mas muito maior que o alcançado
pelo Mutirão da Moradia. Em termos de abrangência territorial das ações, esta é
muito maior que nos governos anteriores. Já no que diz respeito ao trato com o
movimento por moradia, observa-se um retrocesso em relação ao governo Santillo.
Na esteira das mudanças em curso no sistema de proteção social
brasileiro, tendentes à desresponsabilização social do Estado, à focalização do
gasto na extrema pobreza e à despolitização da questão social, institui-se no
governo Maguito a Secretaria Especial da Solidariedade Humana. A política
habitacional passa a integrar a política de assistência social do Estado,
materializando-se, no essencial, a partir de um dos cinco benefícios componentes do
167

Programa de Apoio às Famílias Carentes. Trata-se dos lotes semi-urbanizados,


acompanhados ou não por kits de material de construção, constitutivos do que se
chamou Meu Lote, Minha Casa. Este sub-programa, o último daqueles benefícios a
deslanchar, acaba tendo sua força restrita ao ano de 1997, desconfigurando-se em
seguida por ocasião das eleições. Definiu-se atendimento prioritário ao interior do
estado, sob a mesma justificativa utilizada no Mutirão da Moradia e no Mutirão
Permanente da Moradia, qual seja, fixar as famílias no seu local de origem e, assim,
evitar sua migração para Goiânia e outras cidades de maior porte. É bem provável
que seu desempenho quantitativo tenha sido menor que o verificado no governo
Santillo e no segundo governo Íris, ainda que, certamente, maior que no primeiro
governo Íris. O MLCP, novamente gozando de inserção privilegiada no Estado e
mantendo obrigações político-eleitorais com o governador, logra assentar famílias na
região sudoeste de Goiânia, na divisa com o município de Aparecida de Goiânia,
com os loteamentos Madre Germana I e II.
Com as eleições para governador em 1998, o quadro político muda
substancialmente no estado de Goiás. O executivo estadual, há 16 anos sob o
comando do PMDB, passa para as mãos do PSDB, que, sob o discuso do “tempo
novo”, abre um novo ciclo de hegemonia na política goiana. Além da manutenção do
programa de desestatização iniciado no governo Maguito, o governo Marconi Perillo
(1999-2006) procede a ampla modificação na estrutura da máquina administrativa
estadual. Tratava-se de, na esteira das medidas de ajuste fiscal levadas a cabo pelo
governo Fernando Henrique Cardoso, adotar novos conceitos de gestão pública,
pretensamente capazes de modernizar, tornando-os mais ágeis, flexíveis e menos
onerosos, os mecanismos de ação estatal. Reduzem-se as unidades administrativas
do governo do Estado, sendo constituídas agências gestoras que, no lugar de
secretarias, fundações e empresas extintas, passam a agregar as novas funções.
Também dentro dos marcos dessa reforma gerencial, promovem-se alterações na
área das políticas sociais, reduzindo-se os custos administrativos dos programas por
meio, dentre outras coisas, da adoção de procedimentos conducentes à
transferência direta de renda para o cidadão-consumidor.
A COHAB-GO, seguindo trajetória de desarticulação financeira e
institucional desde o Mutirão da Moradia e a crise e extinção do BNH, é retirada da
condição de liquidação a que havia sido submetida no governo Maguito. Em 1999, é
reativada e transformada, ainda que se tenha mantido sua natureza de economia
168

mista, em AGEHAB. A política habitacional deixa de estar vinculada à política de


assistência social, tornando-se responsabilidade da agência recém-criada, que
passa a estar jurisdicionada à Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e
Habitação, desde 2005 Secretaria Estadual das Cidades. Em 2001, institui-se o
Cheque-Moradia, a partir de então principal meio de atuação da AGEHAB e principal
programa habitacional do governo do Estado. À semelhança do Renda Cidadã,
adotado no âmbito da política de assistência social em substituição ao PAFC, opera
por meio da transferência direta de poder de compra para a família beneficiária.
Assim, não incorre nos custos administrativos e dificuldades de ordem operacional
que caracterizavam o Meu Lote, Minha Casa – licitação da cesta de materiais de
construção, distribuição, armazenamento, acesso dos beneficiários, etc – e,
incentivando a regularidade fiscal e dinamizando as economias dos municípios
conveniados, traz consigo benefícios fiscais consideráveis. Estas vantagens
operacionais tornam-se ainda maiores pelo fato de contar não com recursos
orçamentários, mas com o mecanismo do crédito outorgado de ICMS.
O Cheque-Moradia, possivelmente por estas características e porque
traz consigo benefícios políticos também não desprezíveis, difunde-se por vários
outros estados da federação. No estado pioneiro, ou seja, em Goiás, goza,
inegavelmente, de maior grau de institucionalização que os programas habitacionais
que o precederam, já adentrando a quarta gestão governamental, ainda que três
delas sob o mesmo governador. Dispõe de uma burocracia especializada, não
sendo conduzido por empresas ou secretarias com fraco vínculo institucional com a
habitação, e conta com uma fonte própria de recursos, lastreada no mecanismo do
crédito outorgado de ICMS. Há problemas, contudo, quanto a este elemento: não
havendo um patamar mínimo anual de gasto, o volume de recursos despendidos
com o programa fica a depender tão-somente da programação financeira negociada
entre o governador do Estado, a Secretaria da Fazenda e o presidente da AGEHAB.
É assim que, além de sempre ter se mostrado instável, oscilando para cima nos
anos eleitorais, vem, ao sabor das injunções políticas e financeiras por que vem
passando o Estado, decaindo contínua e acentuadamente desde o ano de 2006.
Para além deste problema, que compromete o grau de
institucionalização alcançado, há outros, também dignos de nota. Desde 2005, não
se realiza a atualização dos valores dos subsídios concedidos, deteriorando-se o
poder de compra transferido ao beneficiário. Decorrem daí tanto desincentivos à
169

assinatura do convênio pelo município quanto, no caso de sua realização, a


desfiguração dos termos através dos quais o mesmo deveria se dar. O ônus da
complementação do material de construção, assim, é assumido ou pelo próprio
beneficiário, correndo-se o risco de as obras não serem terminadas, ou pela
prefeitura, como tende a ser o caso de municípios com mais recursos e capacidade
administrativa. A distribuição dos benefícios operada pela AGEHAB através do
Cheque-Moradia, se orientada por mecanismos conducentes ao universalismo de
procedimentos, só o é parcialmente. O SICAT restringe-se ao cadastramento e à
seleção das famílias, deixando em descoberto a seleção dos municípios, caso em
que o espaço para a discricionariedade política é maior. Soma-se a isso o fato de
que, mesmo aqueles dois processos, a despeito do nível de controle assegurado
pelo sistema citado, mostram-se permissíveis às relações de favorecimento político-
eleitoral, para o que é fundamental a atuação no nível dos municípios dos
coordenadores locais do programa, quase sempre vinculados a algum agente
político.
No triênio 2008-2010, são tomadas medidas com vistas ao
equacionamento das deficiências do Cheque-Moradia e a sua integração nos
marcos de uma proposta mais abrangente de política habitacional. Investiu-se no
aprimoramento dos mecanismos através dos quais ocorre a distribuição dos
benefícios do programa, tanto no cadastramento e na seleção das famílias, por meio
do Cadastro Eletrônico, quanto na seleção dos municípios, por meio de critérios
condizentes com a distribuição do déficit habitacional no território estadual. Em
ambos os casos, contudo, talvez ainda mais no segundo que no primeiro, fica
faltando a regulamentação dos novos procedimentos, o que compromete a sua
continuidade. Propõe-se a atualização automática dos valores dos subsídios
concedidos segundo o comportamento do mercado, o que também não vinga,
havendo apenas um reajuste temporário através do chamado Cheque-
Complemento. Houve avanços importantes no que diz respeito à relação com os
movimentos sociais, com o empresariado da construção civil e, no plano das
relações federativas, com os municípios e com a União. Atestam isso o
planejamento participativo conduzido, particularmente no que diz respeito à
transferência de saber técnico e capacidade administrativa para os municípios, e as
estratégias de articulação lideradas pela AGEHAB nos programas habitacionais
federais recentes, voltados seja para a produção empresarial seja para a produção
170

autogestionária. Trata-se de mudanças que, na esteira do crescimento dos recursos


federais para habitação com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, apontam para um
reposicionamento do governo do Estado no que diz respeito a seu papel no pacto
federativo no âmbito da política nacional de habitação.
Nessa longa trajetória da política pública de habitação popular do
governo do Estado de Goiás, alguns elementos a atravessam desde o Mutirão da
Moradia ao Cheque-Moradia. Os programas habitacionais adotados sempre
passaram por fora dos mecanismos tradicionais de implementação da política
habitacional ou das políticas sociais em geral. Nos governos do PMDB, nenhum dos
quatro programas é gerido pela COHAB-GO, mantida sempre à margem na
administração pública estadual, mas por secretarias ou empresas com fraco vínculo
institucional com a habitação. Nos governos do PSDB/PP, o programa Cheque-
Moradia, embora conduzido por aquela empresa, transformada em AGEHAB, apóia-
se no crédito outorgado de ICMS, que permite, dentre outras coisas, escapar à
morosidade resultante do cumprimento das regras normatizadoras de licitações e
contratos administrativos para a execução de obras e serviços da administração
pública. Outro elemento diz respeito à fragilidade dos critérios utilizados para a
distribuição dos benefícios, ou seja, para a seleção dos municípios e das famílias.
Houve avanços consideráveis nesse sentido ao longo da trajetória em tela, para o
que muito deve ter contribuído a informatização da administração pública estadual
no período recente. A despeito disso, mesmo os programas que mais foram por ela
atingidos, como o Meu Lote, Minha Casa – que se utilizava da base de dados do
PAFC, a primeira para programas sociais do Estado – e, sobretudo, o Cheque-
Moradia – que conta com um sistema de controle avançado, por meio do SICAT e
da comunicação permanente entre AGEHAB e SEFAZ – mostram-se ainda muito
vulneráveis às relações de favorecimento político-eleitoral.
Os dois elementos referidos potencializam-se mutuamente. Passando
por fora dos mecanismos tradicionais de implementação da política habitacional ou
das políticas sociais em geral, os programas habitacionais estudados, se logram
vencer mais facilmente os entraves burocráticos, podem também mais facilmente ser
instrumentalizados politicamente pelos governos, o que já ocorre em virtude da
fragilidade dos critérios utilizados para a distribuição dos benefícios. Alguns outros
elementos merecem destaque. Três deles: praticamente inexistiram estratégias de
articulação com o movimento por moradia não pautadas pela cooptação e voltadas
171

seja à produção por auto-gestão seja à assessoria técnica, restringindo-se as


iniciativas na área ao governo Santillo e ao triênio 2008-2010; fragilidade na
integração da política habitacional estadual com as demais dimensões da política
urbana, sobretudo com a política fundiária, seja por meio da constituição de um
banco de terras públicas seja através do incentivo à adoção pelos municípios de
instrumentos urbanísticos que viabilizem terra urbanizada bem localizada; e, embora
se tenha utilizado na maior parte das vezes recursos próprios, não se viabilizaram
recursos constantes para a política habitacional estadual, o que, no caso do
Cheque-Moradia, em operação já há 10 anos, vem comprometendo a regularidade
no atendimento às famílias de baixa renda, em queda contínua e acentuada desde
2006, ao que se soma a perda do poder de compra dos subsídios concedidos.
Um sexto elemento digno de nota diz respeito à frágil
institucionalização do setor habitacional no âmbito da administração pública
estadual, condição que não foge à regra do que caracteriza historicamente as
relações entre Estado e Sociedade no Brasil. Conforme ressalta Ribeiro (26 jan.
2011), no Brasil os setores do Estado diretamente vinculados aos interesses das
classes capitalistas modernizantes tenderam sempre a alcançar maior grau de
institucionalização, não raro revestindo-se pela gramática do “insulamento
burocrático”, e os setores cuja função é o atendimento às necessidades de
reprodução social tenderam a seguir trajetória oposta, errática e vulnerável à
gramática do “clientelismo”. (NUNES, 2010). O governo do Estado de Goiás,
observa Castillo (s/d), desde meados da década de 1980 mantém uma política
agressiva de fomento à industrialização, concedendo, seja sob o FOMENTAR (1984-
2000), seja sob o PRODUZIR (2000-...), incentivos tributários baseados no
ICM/ICMS em benefício, sobretudo, dos grandes grupos agroindustriais. Não se
verifica a mesma continuidade e estabilidade institucional na política habitacional
conduzida por este mesmo governo de Estado, como deve ter ficado claro ao longo
da dissertação. De meados da década de 1980 ao final da década de 1990, em cada
governo eram alterados não só os programas como as secretarias ou empresas
encarregadas da habitação no Estado. A reativação da COHAB-GO/AGEHAB e a
criação do Cheque-Moradia resultaram em avanços significativos neste sentido,
sendo esta a estrutura básica a operar já há dez anos. Persistem, todavia,
problemas como a não existência de um mecanismo de receita constante, em boa
medida na esteira das medidas de ajuste fiscal adotadas, e a superposição de
172

tarefas com outros órgãos do estado, além das deficiências internas ao próprio
Cheque-Moradia, da fraca articulação do mesmo com os demais setores da política
urbana e da ausência de planejamento.
O movimento por moradia no estado de Goiás, não apenas aquele cuja
atuação tem como epicentro a região metropolitana de Goiânia mas, é bem
provável, aquele articulado no Entorno de Brasília, passa por reconfigurações
importantes na década de 2000, por ocasião, sobretudo, do surgimento e operação
dos programas habitacionais federais voltados para a auto-gestão. Com a abertura
dessa possibilidade, antes inexistente, seus diversos segmentos tendem a, cada vez
mais, centrar o foco na produção de moradias. Coloca-se como desafio para o
movimento por moradia goiano e brasiliense cuidar para que a ênfase nessa nova
estratégia de atuação não implique, como vem ocorrendo desde a década de 1990 e
se acentuando na presente década, o abandono de estratégias mais amplas de
articulação. Tal é necessário, dentre outras coisas, porque a política habitacional do
governo do Estado de Goiás, além das municipais, prossegue padecendo de vícios
que há muito a acompanham, carecendo de reformulação e aprimoramento.
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Industrial em Goiânia/GO. Uma nova história de luta pelo direito à cidade. Dissertação
de Mestrado, UNB, 2007.

SILVA, Priscila Cavalcanti da. Participação popular no planejamento das cidades: o


programa Cidade pra Gente nos municípios de Goiatuba e Mineiros. Dissertação de
Mestrado. UNB, 2011.

SINGER, Paul. Migrações Internas: considerações teóricas sobre seu estudo. Economia
política da urbanização. São Paulo, Brasiliense, CEBRAP/1973.

SOUZA, Celina; CARVALHO, Inaiá M. M. de. Reforma do Estado, Descentralização e


Desigualdades. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 48: 187-212. 1999.

SOUZA, Leidimar Ribeiro de. Habitação popular: uma pedra no caminho da


especulação imobiliária? Monografia de Graduação. UCG, 2006.

TURNER, John. Habitação de baixa renda no Brasil: políticas atuais e oportunidades


futuras. Arquitetura, fevereiro de 1968.

VALENÇA, Márcio Moraes; e BONATES, Mariana Fialho. The trajectory of social housing
policy in Brazil: from the Nacional Housing Bank to the Ministry fo the Cities. Habitat
International.Vol. 34, p. 165-173, 2010.

VIEIRA JÚNIOR, Hélio. Política social num contexto de ajuste estrutural do estado:
Goiás no período 1995-2002. Dissertação de Mestrado. UFG, 2005.

Endereços eletrônicos consultados

Agência Goiana de Habitação – AGEHAB: agehab.go.gov.br/


179

Assembléia Legislativa de Goiás – ALGO: www.assembleia.go.gov.br/


Blog do Adhemar Santillo: blogdosantillo.blogspot.com/
Centro de Mídia Independente – CMI: www.midiaindependente.org/
Confederação Nacional das Associações de Moradores – CONAM:
www.conam.org.br/
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE: www.ibge.gov.br/
Isaura Lemos – PDT/PC do B: www.isauralemos.com.br/
Jornal X – Blog do Jornalista Eduardo Horácio: www.jornalx.com.br/
Ministério das Cidades: www.cidades.gov.br/
Programa Roda Viva/ TV Cultura: www.rodaviva.fapesp.br/
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD: www.pnud.org.br/
Secretaria de Planejamento do Estado de Goiás – SEPLAN-GO:
www.seplan.go.gov.br/
Tribunal Regional Eleitoral de Goiás – TRE-GO: www.tre-go.jus.br/internet/
União Nacional por Moradia Popular – UNMP: www.unmp.org.br/
180

APÊNDICES
181

APÊNDICE A – Legislação estadual sistematizada

Governo Íris Rezende – PMDB (1983-1986)

GOIÁS. LEI Nº 9.353, DE 30 DE AGOSTO DE 1983. Institui o Programa Mutirão da Moradia


e dá outras providências.

GOIÁS. DECRETO N° 2324, DE 22 DE FEVEREIRO DE 1984. Institui, junto ao gabinete do


governador, comissão incumbida de formulação e execução de política de regularização dos
assentamentos populacionais irregulares. Trata-se da chamada Comissão de Posseiros
Urbanos – CPU.

GOIÁS. LEI Nº 9.925, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1985. Dispõe sobre a doação de lotes


urbanos de propriedade do Estado situados no município de Goiânia, ocupados por
terceiros. Posse do imóvel deve ser anterior a 1984 e para 0 a 4 s.m. Revogada pela Lei nº
12.229, de 1993.

GOIÁS. DECRETO N° 2.545, DE 03 DE JANEIRO DE 1986. Dá nova redação ao art. 2° do


Decreto n° 2.324, de 22 de fevereiro de 1984.

Governo Henrique Santillo – PMDB (1987-1990)

GOIÁS. LEI Nº 10.160, DE 09 DE ABRIL DE 1987. Reforma administrativa. Como parte da


nova estrutura da administração estadual é criada e regulamentada, dentre outras
secretariais, a Secretaria de Assuntos Comunitários, conformada por: Superintendência de
Programas Comunitários; Superintendência de Articulação com Movimento Comunitário;
Superintendência para Assuntos de Posses Urbanas (antiga CPU); e Superintendência de
Produção e Abastecimento Comunitário. É também criada a Secretaria de Desenvolvimento
Urbano e Meio Ambiente, constituída por: Superintendência de Habitação Popular;
Superintendência de Política Urbana; Superintendência de Política Ambiental; e
Superintendência de Política de Saneamento Básico. A esta secretaria passa a estar
jurisdicionada a COHAB-GO.

GOIÁS. LEI Nº 10.502, DE 09 DE MAIO DE 1988. Reforma administrativa. Entre outras


medidas: cria a EMOP e a EMCIDEC, transferindo para as mesmas as partes da CODEG,
182

que é extinta; e procede à fusão, dentro da Secretaria de Assuntos Comunitários, da


Superintendência de Programas Comunitários com a Superintendência de Produção e
Abastecimento Comunitário, resultando na Superintendência de Programas, Produção e
Abastecimento Comunitários.

Governo Íris Rezende – PMDB (1991-1994)

GOIÁS. DECRETO Nº 3.669, DE 27 DE AGOSTO DE 1991. Regulamenta o Mutirão da


Moradia, criado pela Lei n° 9.353/83. Implantação e execução do programa: EMCIDEC –
Empresa Estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico-social.

GOIÁS. LEI Nº 11.655, DE 26 DE DEZEMBRO DE 1991. Reforma administrativa. Dentre


outras medidas, cria a Secretaria de Ação Social e Trabalho, que absorve as Secretarias de
Assuntos Comunitários e do Trabalho e a Fundação de Promoção Social. Uma das
superintendências desta secretaria é a Superintendência de Assentamentos Urbanos, sendo
as demais de cunho assistencial.

GOIÁS. LEI Nº 11.746, DE 01 DE JULHO DE 1992. Autoriza o Poder Executivo a adquirir


bens imóveis, por compra, desapropriação ou doação onerosa, das empresas públicas e
sociedades de economia mista, desde que não necessários ao cumprimento de suas
finalidades, ou dos municípios goianos, destinados à construção ou ampliação de prédios
públicos ou casas para a população de baixa renda, em regime de mutirão, com recursos
estaduais.

GOIÁS. LEI Nº 11.869, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1992. Autoriza a doação de áreas de


propriedade do Estado de Goiás à EMCIDEC, com a finalidade exclusiva de implantar
loteamentos, visando à construção de casas populares destinadas a famílias de baixa
renda, na forma do Programa Mutirão da Moradia. Compete à EMCIDEC promover o
parcelamento das áreas referidas, bem como coordenar a construção de casas populares
e efetuar a transferência de seu domínio aos beneficiários finais, inscritos e classificados
de acordo com as diretrizes e normas do programa.

GOIÁS. LEI Nº 12.229, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1993. Autoriza o Chefe do Poder


Executivo a doar lotes urbanos de propriedade do Estado, em loteamentos implantados para
fins de assentamento de famílias carentes, ocupados por estas ou a elas destinados, a partir
183

de cadastramento da Superintendência de Assentamentos Urbanos da Secretaria de Ação


Social e Trabalho. Revoga a Lei n. 9.925/85. O Chefe do Poder Executivo fica autorizado
ainda a conceder o uso: aos seus atuais ocupantes, de lotes urbanos com características
físicas já definidas em Planta e Memorial descritivo, mas cuja aprovação está pendente
junto ao Poder Público Municipal; e às famílias previamente selecionadas para
assentamentos futuros, de terrenos urbanos situados em loteamentos nas mesmas
condições do inciso anterior.

Governo Maguito Vilela – PMDB (1995-1998)

GOIÁS. LEI Nº 12.504, DE 22 DE DEZEMBRO DE 1994. Introduz alterações na Lei nº


11.655, de 26 de dezembro de 1991, instituindo a Secretaria Especial da Solidariedade
Humana.

GOIÁS. DECRETO Nº 4.378, DE 04 DE JANEIRO DE 1995. Aprova o regulamento da


Secretaria Especial de Solidariedade Humana.

GOIÁS. DECRETO Nº 4.379, DE 04 DE JANEIRO DE 1995. Institui o Programa de Apoio às


Famílias Carentes, no âmbito da Secretaria Especial da Solidariedade Humana. Neste
programa, além de ações vinculadas ao componente alimentação, há ações voltadas para o
componente moradia, incluindo-se aí: isenção de água e energia e doação de lotes semi-
urbanização, acompanhados ou não de kits de material de construção.

GOIÁS. LEI Nº 12.613, DE 17 DE ABRIL DE 1995. A gerência e a execução do Programa


Mutirão da Moradia passam para a responsabilidade da EMOP – Empresa Estadual de
Obras Públicas.

GOIÁS. DECRETO Nº 4.443, DE 27 DE ABRIL DE 1995. Designa a comissão para a


transição da EMCIDEC à EMOP.

GOIÁS. DECRETO Nº 4.473, DE 21 DE JUNHO DE 1995. Tendo em vista a Lei no 9.353,


de 30 de agosto de 1983, com as alterações introduzidas pela Lei n 12.613, de 17 de abril
de 1995, regulamenta o Mutirão da Moradia.

GOIÁS. DECRETO Nº 4.492, DE 10 DE JULHO DE 1995. Jurisdiciona a COHAB-GO à


Secretaria Especial da Solidariedade Humana.
184

GOIÁS. LEI Nº 12.731, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1995. Introduz alterações na Secretaria


de Ação Social e Trabalho, transformando-a em Secretaria do Trabalho. As
superintendências de Promoção Social, de Assentamentos Urbanos e de Idosos são
transferidas para a Secretaria Especial da Solidariedade Humana. A esta última secretaria,
ademais, passa a estar jurisdicionada a COHAB-GO.

GOIÁS. LEI Nº 12.858, DE 30 DE ABRIL DE 1996. Autorização para extinguir a EMOP e


para dissolver, liquidar e extinguir a COHAB-GO.

GOIÁS. LEI Nº 12.968, DE 19 DE NOVEMBRO DE 1996. Altera a lei nº 12.229, de 28 de


dezembro de 1993, definindo, entre outras coisas, que o cadastramento deve ser feito junto
à Superintendência de Assentamentos Urbanos da SESH e que, além dos lotes, haveria
doação de kit de material de construção para edificação do embrião de moradia em regime
de autoconstrução supervisionada para os beneficiários do Projeto “Meu Lote, Minha Casa”.

GOIÁS. LEI Nº 13.130, DE 16 DE JULHO DE 1997. Modifica a estrutura organizacional


básica da Secretaria Especial da Solidariedade Humana, procedendo, dentre outras
medidas, à transformação das Superintendências de Promoção Social e de Assentamento
Urbano em Diretorias de Assistência Social e Cidadania e de Habitação e Assentamento
Urbano.

GOIÁS. LEI Nº 13.144, DE 05 DE SETEMBRO DE 1997. Autoriza o chefe do Poder


Executivo a conceder à CASEGO (Empresa de Armazéns e Silos do Estado de Goiás S/A) e
à COHAB-GO, ambas em processo de liquidação ordinária, subvenções econômicas
destinadas à cobertura de déficits ocorrentes no pagamento de suas despesas de
manutenção durante o exercício de 1997. Incluem-se nos déficits mencionados as despesas
com pessoal e encargos sociais, inclusive as decorrentes de rescisões contratuais
trabalhistas e benefícios do Programa de Incentivo à Exoneração Voluntária, de que trata a
Lei nº 12.985, de 31 de dezembro de 1996.

Governo Marconi Perillo – PSDB (1999-2006)

GOIÁS. LEI Nº 13.456, DE 16 DE ABRIL DE 1999. Reforma administrativa. Dispõe sobre a


organização da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo e dá
outras providências. Dentre outras coisas, extingue a Secretaria Especial de Solidariedade
185

Humana e a Secretaria do Trabalho, transferindo suas funções para a Secretaria da


Cidadania e do Trabalho; e cria a Secretaria do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e
Habitação. Com esta lei, tem-se a primeira etapa da reforma administrativa empreendida
pelo governo Marconi Perillo.

GOIÁS. LEI Nº 13.550, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1999. Reforma administrativa. Modifica a


organização administrativa do Poder Executivo, e dá outras providências. Com esta lei,
completa-se a reforma administrativa.

GOIÁS. LEI Nº 13.532, DE 15 DE OUTUBRO DE 1999. A COHAB-GO é retirada do rol das


entidades paraestatais submetidas a processo de liquidação e, assim, reativada,
transformando-se em AGH – Agência Goiana de Habitação. Vale ressaltar: inclui-se cláusula
segundo a qual a AGH, em um prazo de 5 anos, não expandiria seu quadro de pessoal; e se
sustenta que a mesma deve terceirizar ao máximo suas operações.

GOIÁS. LEI Nº 13.831, DE 7 DE MAIO DE 2001. Alteração da denominação de AGH para


AGEHAB.

GOIÁS. LEI Nº 13.841, DE 15 DE MAIO DE 2001. Autoriza a concessão de crédito


outorgado na operação interna com mercadoria a ser empregada diretamente na
construção, reforma ou ampliação de unidade habitacional vinculada ao Programa
Habitacional Morada Nova. Revogada pela Lei nº 14.542, de 2003.

GOIÁS. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 498/01-GSF, DE 1 º DE AGOSTO DE 2001. Tendo


em vista o Regulamento do Código Tributário, de 1997, aprova a especificação técnica, o
modelo e os valores do documento Cheque Moradia, que é o instrumento operacional do
Programa Habitacional Morada Nova, nos termos da Lei n.º 13.841, de 15 de maio de 2001.

GOIÁS. LEI Nº 14.038, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2001. Introduz alterações na Lei nº


13.841. Valores – Cheque-Construção: até 3.000 reais; Cheque-Reforma: até 1.000 reais.
Estende o cheque também para servidores públicos e militares, não comissionados, e para
beneficiários dos programas PAR e Crédito Associativo, desde que possuam renda familiar
entre 3 (três) e 8 (oito) salários mínimos e o valor do subsídio não exceda a 1.500 reais.
Revogada pela Lei nº 14.542, de 2003.
186

GOIÁS. LEI Nº 14.141, DE 02 DE MAIO DE 2002. Institui o Programa de Regularização e


Quitação de Imóveis financiados aos mutuários da antiga Companhia de Habitação de
Goiás – COHAB-GO.

GOIÁS. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 575/02-GSF, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2002.


Estabelece permissão para cumprimento extemporâneo de obrigação acessória relativa ao
Cheque Moradia nas condições que especifica. Versa sobre a obtenção do número de
autorização gerado pelo sistema informatizado da SEFAZ, uma das condições para a
apropriação do crédito outorgado pelo fornecedor de mercadorias.

GOIÁS. LEI Nº 14.339, DE 02 DE DEZEMBRO DE 2002. Introduz alterações na Lei nº


13.841, de 15 de maio de 2001. Cria o Cheque-Infra-estrutura. Reajuste dos valores –
Cheque-Construção: até 4.000 reais; Cheque-Reforma: até 1.500 reais; e Cheque-Infra-
estrutura: até 500 reais. Revogada pela Lei nº 14.542, de 2003.

GOIÁS. LEI Nº 14.542, DE 30 DE SETEMBRO DE 2003. Revoga as Leis nºs 13.841, de 15


de maio de 2001, 14.038, de 21 de dezembro de 2001, e 14.339, de 02 de dezembro de
2002. Cria o Cheque-Comunitário. Juntamente com o Decreto nº 5.834, também de 2003, e
com a Instrução Normativa nº 498 da SEFAZ, de 2001 – base normativa do Cheque-
Moradia.

GOIÁS. DECRETO Nº 5.834, DE 30 DE SETEMBRO DE 2003. Altera o Decreto nº 4.852,


de 29 de dezembro de 1997 (Regulamento do Código Tributário do Estado de Goiás).
Regulamenta a Lei nº 14.542, também de 2003.

GOIÁS. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 667/04 - GSF, DE 4 DE JUNHO DE 2004. Altera a


Instrução Normativa nº 498/01-GSF, de 1º de agosto de 2001, que aprova a especificação
técnica, o modelo e os valores do Cheque Moradia, instrumento operacional do Programa
Habitacional Morada Nova, nos termos da Lei n.º 14.542, de 30 de setembro de 2003.

GOIÁS. LEI Nº 15.083, DE 28 DE JANEIRO DE 2005. Altera dispositivos da Lei nº 14.542,


de 30 de setembro de 2003, e dá outras providências. Reajuste dos valores – Cheque-
Construção – até 5.000 reais; Cheque-Reforma – até 1.500 reais por serviço, podendo o
subsídio chegar a 3.000; Cheque-Infra-estrutura – até 600 reais.

GOIÁS. LEI Nº 15.123, DE 11 DE FEVEREIRO DE 2005. A Secretaria de Habitação e


Saneamento passa a denominar-se Secretaria das Cidades, sendo instituída a
187

Superintendência de Programas Urbanos. A AGEHAB passa a estar jurisdicionada à


Secretaria das Cidades.

GOIÁS. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 714/05-GSF, DE 2 DE MARÇO DE 2005. Altera a


Instrução Normativa nº 498/01-GSF, que aprova a especificação técnica, o modelo e os
valores do Cheque Moradia.

Governo Alcides Rodrigues – PP (2006-2010)

GOIÁS. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 809/06-GSF, DE 14 DE JULHO DE 2006. Altera a


Instrução Normativa nº 498/01-GSF, que aprova a especificação técnica, o modelo e os
valores do Cheque Moradia.

GOIÁS. LEI Nº 15.896, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2006. Altera a Lei nº 14.542, de 30 de


setembro de 2003 e dá outras providências. Nova redação: para famílias com renda mensal
de 03 a 06 salários mínimos e servidores púbicos civis e militares, da ativa, exceto
comissionados e temporários, cuja renda mensal seja de 03 a 08 salários mínimos, para
execução de programas habitacionais realizados em parceria com a Caixa Econômica
Federal – CEF, sendo a AGEHAB a entidade organizadora, o subsídio será de R$ 1.500,00
(um mil e quinhentos reais).

GOIÁS. LEI Nº 16.188, DE 08 DE JANEIRO DE 2008. Institui o FEHIS e Conselho Gestor


desse mesmo fundo. Revogada pela Lei nº 17.155, de 2010.

GOIÁS. LEI Nº 16.269, DE 29 DE MAIO 2008. Dispõe sobre a regularização de ocupação


de imóveis urbanos de domínio do Estado de Goiás e dá outras providências.

GOIÁS. LEI Nº 16.559, DE 26 DE MAIO DE 2009. Autoriza a concessão de subsídio


complementar no valor de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais), expresso em "Cheque
Moradia", aos beneficiários de programas habitacionais realizados em parceria com a Caixa
Econômica Federal, nos termos da Lei nº 14.542, de 30 de setembro de 2003, cujos
convênios de parceria ou contratos para realização de obra estejam celebrados até 31 de
dezembro de 2009.

GOIÁS. DECRETO Nº 7.012, DE 23 DE OUTUBRO DE 2009. Em função da Lei nº 16.559,


de maio de 2009, altera o Anexo IX do Decreto nº 4.852, de 29 de dezembro de 1997,
Regulamento do Código Tributário do Estado de Goiás – RCTE.
188

GOIÁS. DECRETO Nº 7.086, DE 31 DE MARÇO DE 2010. Institui o Conselho das Cidades.

GOIÁS. LEI Nº 17.155, DE 17 DE SETEMBRO DE 2010. Institui o FEHIS e o Conselho


Gestor desse mesmo fundo. Dentre as alterações introduzidas relativamente à Lei nº
16.188, de 2008: a vice-presidência do conselho fica com a AGEHAB. Revoga a Lei nº
16.188, de 2008.
189

APÊNDICE B – Entrevistas realizadas

Entrevistados

Álvaro César Lourenço – Presidente da AGEHAB entre 1999 e 2008.


Dias 04/05/2011 e 10/05/2011.
Duração: 5h30min

Ana Cristina Rodovalho Reis – Arquiteta da COHAB-GO na década de 1980.


Dia 06/05/2011.
Duração: 1h40min

André Luiz Tavares de Brito – Arquiteto da SESH/ Meu Lote, Minha Casa.
Dia 06/05/2011.
Duração: 1h

Flávio dos Rios Peixoto da Silveira – Secretário de Planejamento no primeiro


governo Íris e ministro do MDU no governo Sarney.
Dia 02/05/2011.
Duração: 1h30min

Jadir Mendonça de Lima – Coordenador de projetos da CODEG/Mutirão da Moradia;


e coordenador na EMCIDEC do Mutirão Permanente da Moradia/Grande Goiânia.
Dia 11/05/2011.
Duração: 1h30min

Jossivani Oliveira – Secretário de Assuntos Comunitários – SAC do governo Santillo.


Dia 13/05/2011.
Duração: 35min

Leidimar de Souza Ribeiro – Militante da UEMP-GO.


Dia 07/05/2011.
Duração: 55min
190

Visita ao Vale dos Sonhos e ao João Paulo.

Lúcia Moraes – Professora universitária – UCG.


Dias 04/05/2011 e 11/05/2011.
Duração: 55min

Luiz Antônio Martins Bretones – Engenheiro da COHAB-GO/AGEHAB desde o final


da década de 1970.
Dias 30/09/2010, 03/05/2011 e 11/05/2011.
Duração: 3h40min

Luiz Carlos das Dores – Militante da CONAM.


Dia 10/05/2011.
Duração: 1h45min

Maria Rita Cardoso e Maracy Alves Cardoso – Arquitetas da CPU no primeiro


governo Íris e no governo Santillo.
Dia 11/05/2011.
Duração: 1h40min

Nilza Bonfim – Presidente do Movimento das Donas de Casa e Consumidores.


Dia 11/05/2011.
Duração: 1h10min

Ronnie Barbosa – Ex-coordenador da ANSUR e militante do PT.


Dia 09/05/2011.
Duração: 1h20min

Silmara Vieira da Silva – Presidente da AGEHAB entre 2008 e 2010.


Dia 11/05/2011.
Duração: 2h05min

Vidal Barbosa da Silva – Presidente da UEMP-GO.


Dias 02/05/2011 e 05/05/2011.
191

Duração: 2h30min
Visita ao Eldorado Oeste e ao Jardim do Cerrado.

Roteiro 1 (Estado)

1. Trajetória profissional no setor público e na política habitacional.


2. COHAB-GO/BNH nas décadas de 1970 e 1980: programas, faixa de renda e
política de localização; fases; insulamento e autonomia face ao governo do
Estado?; e Entorno de Brasília.
3. Mutirão da Moradia: contexto federal e estadual em meados da década de 1980;
período de vigência e ações; engenharia operacional, distribuição das unidades e
clientelismo político; padrões construtivo, arquitetônico e urbanístico (o mesmo da
Vila Mutirão?); relação com o movimento por moradia; relação com a difusão feita
por agências internacionais com respeito aos chamados programas alternativos
de habitação; adoção do programa por outros estados; e órgão encarregado de
sua execução e razões de sua escolha.
4. Relação COHAB-GO x CODEG: especialização de tarefas e complementaridade
ou competição e conflito?; administração pela COHAB-GO dos conjuntos
produzidos pela CODEG; busca de alternativas pela COHAB-GO; marginalização
e desarticulação financeira e institucional da COHAB-GO; e acesso aos instáveis
e escassos recursos federais (lembrando dos cargos conquistados por Íris no
governo Sarney).
5. Demais programas (governos Santillo, Íris e Maguito): secretaria (SAC e SESH)
ou empresa responsável (EMCIDEC); engenharia operacional, distribuição das
unidades e clientelismo político; padrões construtivo, arquitetônico e urbanístico;
relação com o movimento por moradia; condicionantes federais (resoluções das
autoridades monetárias, interrupção dos repasses do FGTS e estratégias de
desfinanciamento das empresas públicas); e condição reservada à COHAB-GO.
6. AGEHAB/Cheque-Moradia: contexto federal e estadual no final da década de
1990; liquidação e reativação da COHAB-GO (atores participantes); reforma
gerencial do governo Marconi; Cheque-Moradia e modelos tomados como
referência; engenharia operacional, distribuição das unidades e clientelismo
político; padrões construtivo, arquitetônico e urbanístico; relação com o
movimento por moradia; mecanismo do crédito outorgado de ICMS; adoção do
192

programa por outros estados; fluxo e fases da distribuição dos benefícios desde
2001 a 2010; e contrapartida em programas federais.
7. Problemas e iniciativas de mudança: procedimentos vinculados à distribuição dos
benefícios (seleção de municípios e cadastramento e seleção de famílias);
planejamento; relação com produção habitacional do movimento por moradia;
correção dos subsídios concedidos.

Roteiro 2 (Sociedade Civil/Movimento por moradia)

1. Trajetória de militância.
2. Década de 1980: contexto de surgimento; aportes institucionais (Igreja, CPT, PT,
academia e profissionais militantes, etc); evolução organizativa (UI, UPG e
FEGIP); participação nos movimentos nacionais; relação com governo Íris e
governo Santillo; CPU; e Mutirão da Moradia.
3. Década de 1990: Fazenda São Domingos e surgimento do MLCP; administração
municipal Darci Accorsi – PT; Goiânia Viva; movimentos nacionais; conflitos no
âmbito político-partidário; relação com governo Íris e governo Maguito;
desarticulação da FEGIP; e SHC.
4. Década de 2000: Cheque-Moradia; Ocupação Sonho Real; produção habitacional
autogestionária com recursos federais; redefinições no movimento por moradia
local.

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