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do Mutirão ao Cheque-Moradia
Rio de Janeiro
2011
B277p Barros, Luís Tôrres.
Política habitacional em Goiás : do mutirão ao cheque-
moradia / Luís Tôrres Barros. – 2011.
189 f. : il. color. ; 30 cm.
CDD: 363.5
LUÍS TÔRRES BARROS
do Mutirão ao Cheque-Moradia
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Dr. Adauto Lúcio Cardoso (orientador)
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ
______________________________________________
Profª. Drª. Luciana Corrêa do Lago
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ
______________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Cesar Leão Marques
Departamento de Ciência Política – USP
AGRADECIMENTOS
The center of attention of this work lies on the historical reconstruction of the political-
institutional trajectory of the social housing policy carried out by Goiás State
Government from 1983, when Mutirão da Moradia begins, going through several
other programs, until 2010, nine years after the implementation of Cheque-Moradia.
After a discussion regarding the emergence, in the wake of the financial and
institutional disintegration of BNH/SFH system in mid 1980, of the question of the role
of state governments in the national housing policy, we proceed to this
reconstruction. The exposition is divided into two periods, referred to the PMDB and
PSDB/PP cycles of hegemony in state politics, seeking to analyze, within the scope
of state public administrative, the successive governments and their respective
housing programs and the structural changes in the housing department. In doing so,
we pay attention to the relationships between the trajectory we intend to reconstruct
and, on one hand, the national housing policy restrictions and, on the other hand, the
goiano and goianiense housing movements.
Esquemas
Figuras
Gráficos
Tabelas
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 16
BNH/SFH................................................................................................................... 21
PMDB....................................... ................................................................................. 44
MORADIA.................................................................................................................. 68
PSDB/PP..................................................................................................................107
1 INTRODUÇÃO
no final da década de 1960 das estruturas produtivas regionais, com uma sociedade
cada vez mais urbana e complexa.
Nesta dissertação, tem-se como foco a reconstrução histórica desta
trajetória, tomando-se por base o período compreendido entre os anos de 1983 e
2010, que, abrindo-se com o Mutirão da Moradia, passa por diversos programas
habitacionais até chegar no Cheque-Moradia, desde 2001 o principal meio de
intervenção do governo do Estado na área habitacional. Dois sub-períodos são
levados em consideração, o primeiro deles referido ao ciclo de hegemonia do PMDB
e o outro ao ciclo de hegemonia do PSDB/PP na política estadual. Objetiva-se,
assim, proceder à análise do desenvolvimento da política pública de habitação
popular do Estado de Goiás, acompanhando-se os sucessivos governos e seus
respectivos programas habitacionais e as alterações por que foi passando a
estrutura do setor habitacional no âmbito da administração pública estadual. Ao
fazê-lo, procura-se atentar para as relações mantidas entre a trajetória que se
pretende reconstruir e, de um lado, os condicionantes da política nacional de
habitação e, de outro, o movimento por moradia goiano e goianiense.
Este trabalho encontra-se, talvez, na fronteira entre a ciência política,
os estudos urbanos e a história política. Face às dificuldades resultantes da
inexistência de literatura a respeito e do fato de que os documentos públicos
necessários nem sempre existem, estão disponíveis e são de fácil acesso, procurou-
se mais abrir um campo de investigação que proceder a uma análise exaustiva da
trajetória em tela. No que diz respeito aos programas habitacionais que a
compuseram, considerando-se as três linhas de abordagem de políticas públicas
citadas por Arretche, pode-se dizer que foi realizada uma “avaliação política” e uma
“análise de política pública”, mas não uma “avaliação de política pública”. São
apresentados os “produtos” dos programas habitacionais adotados e por vezes sua
relação face às metas estipuladas, mas não se avaliam os “resultados” alcançados
sobre a realidade habitacional do estado. Centra-se o foco, assim, no exame dos
fundamentos políticos destes programas e se procuram reconstituir em um todo
coerente e compreensível seus atributos operacionais básicos. (ARRETCHE, 1998).
Para a realização deste trabalho, consultou-se a bibliografia existente
sobre a política nacional de habitação; o processo de ocupação territorial e a
dinâmica demográfica centroestinas e goianas; a formação social e econômica do
estado de Goiás; e o processo de urbanização do estado e de Goiânia. Procedeu-se
18
modo como, nos governos Fernando Henrique Cardoso – PSDB (1995-2002) e Luiz
Inácio Lula da Silva – PT (2003-2010), aquele problema foi coordenado.
Apresentam-se, ademais, os fatores que, marcando presença na trajetória da
política nacional de habitação, impactam as trajetórias estaduais. Nos capítulos
dedicados à discussão da trajetória da política habitacional em Goiás, estes fatores,
sempre quando oportuno, são retomados.
É nos capítulos terceiro e quarto que se aborda a trajetória político-
institucional da política pública de habitação popular do Estado de Goiás. No terceiro
capítulo, acompanham-se os programas habitacionais adotados pelos governos do
PMDB, desde o Mutirão da Moradia, no primeiro governo Íris Rezende (1983-1986),
passando pelo Programa Habitacional Comunitário, no governo Henrique Santillo
(1987-1990), e pelo Mutirão Permanente da Moradia, no segundo governo Íris
(1991-1994), até chegar no Meu Lote, Minha Casa, no governo Maguito Vilela (1995-
1998). No quarto capítulo, discute-se o programa habitacional implementado pelos
governos do PSDB e do PP, qual seja, o Cheque-Moradia, adotado no primeiro e
segundo governo Marconi Perillo (1999-2002 e 2003-2006), no governo Alcides
Rodrigues (2006-2010) e, também a partir de 2011, no terceiro e recém iniciado
governo Marconi (2011-2014).
Reservam-se tópicos para tratar especificamente do movimento por
moradia: no terceiro capítulo, nos tópicos 4 e 7, discutem-se, respectivamente, o
surgimento do movimento moradia local na década de 1980, quando surge e se
afirma a FEGIP, e a inflexão por que o mesmo passa na década de 1990, quando,
de um lado, assiste-se à criação do MLCP e, de outro, observa-se a desarticulação
daquela; no quarto capítulo, no tópico 6, discorre-se sobre as reconfigurações do
movimento por moradia local na década de 2000, em decorrência, dentre outras
coisas, do Cheque-Moradia e, sobretudo, dos programas federais destinados à auto-
gestão.
Na conclusão, retoma-se a trajetória da política pública de habitação
popular do Estado de Goiás. Procura-se traçar seu eixo básico de desenvolvimento,
captando as características distintivas de cada governo e programa habitacional e os
elementos que, a despeito dessas diferenças, dão unidade a essa mesma trajetória,
requerendo ações tanto do poder público quanto do movimento por moradia com
vistas ao aprimoramento e ampliação do escopo da política habitacional estadual.
21
SISTEMA BNH/SFH
1
De 1965 até 1972, os reajustes das prestações acompanharam as variações do salário mínimo e,
de 1973 até 1982, as prestações foram indexadas abaixo da correção do salário mínimo. Em 1983,
pela primeira vez na história do BNH, as prestações subiram acima do salário mínimo. (AZEVEDO,
1988).
22
2
Cardoso (s/d) resume bem os constrangimentos a que passa a estar sujeita a aplicação habitacional
com recursos do FGTS a partir da segunda metade da década de 1980: “Com o fim do BNH, em
1986, os recursos do FGTS passam a ser crescentemente objeto de disputa entre os grupos que
compunham o governo federal, oscilando entre as tendências a submetê-lo às diretrizes de política
econômica e as tendências a utilizá-lo como moeda de troca nas negociações clientelistas para a
manutenção da coalizão que dava suporte político à Nova República”. O FGTS, a despeito da
necessidade de retorno do capital aplicado e da redução de sua arrecadação líquida em função da
crise econômica, persiste, em meio a tais oscilações, como a principal fonte de recursos para a
habitação popular.
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quantitativo muito superior ao número de casas financiadas pelo SFH nesse período
– 155.000 casas por meio de programas convencionais e 51.000 por meio de
programas alternativos – e pelo BNH/SFH através dos programas alternativos entre
1975 e 1986 – 369.221 unidades. Deve-se observar, contudo, que mais de um terço
das unidades financiadas acabaram por não ser construídas, o que se deveu ao
baixo valor unitário aliado à inflação galopante e à má utilização dos recursos.
(AZEVEDO, 1990).
Embora tenha sido este o principal programa de corte assistencial da
Nova República, outros, menos expressivos, também chegaram a ser
desenvolvidos: Mutirão da Moradia, como parte do Programa de Prioridades Sociais
– PPS, sob gestão do MDU e com recursos do FINSOCIAL (MELO, 1989), este
programa sendo uma tentativa, mal sucedida, de transplantar para o nível federal a
experiência ocorrida na cidade de Goiânia, capital de Goiás, no ano de 1983;
Programa Nacional de Apoio às Comunidades – Fala Favela, implementado pela
SEAC; Programa Orçamentário, executado a partir de 1990; e programas Morar-
Município e Habitar-Brasil, implementados em 1993. (ARRETCHE, 1996a).
A SEAC atuou não apenas na área habitacional como também nas
áreas de nutrição, saúde e assistência social em geral. Apresentando seus vários
programas um caráter marcadamente casuístico e provisório (AZEVEDO, 1990),
converteu-se em instrumento privilegiado do novo governo, num momento de
fragmentação da coalizão que viabilizou a transição democrática e de construção,
por parte do presidente Sarney, de uma base política independente em relação ao
PMDB, apoiada em uma estratégia de cooptação de políticos não-programáticos e
conservadores aglutinados no chamado Centrão. (MELO, 1993).
O Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, embora formatado
segundo alguns dos elementos preconizados pela agenda reformista, a saber,
incorporação de entidades não-governamentais, estímulo à participação popular e
descentralização, operou de maneira extremamente centralizada e clientelista,
resultando num mecanismo verticalizado e ágil de patronagem (MELO, 1993).
Ademais, esteve marcado pela instabilidade institucional que, à semelhança do que
ocorria no âmbito do SFH, marcou a SEAC, que, em seus poucos anos de vida,
migrou da Secretaria do Planejamento para a Casa Civil da Presidência da
República, depois para o Ministério do Bem-Estar Social, para o Ministério da
Previdência e, por fim, para o Ministério do Interior. (AZEVEDO, 1990).
27
3
Além deste, outro caso igualmente emblemático do uso clientelístico dos recursos do FGTS é o
ocorrido no governo Sarney para a obtenção de apoio na Assembléia Constituinte.
29
4
Embora tal conceito tenha sido formulado por Cardoso e Ribeiro (2000) em um estudo acerca da
municipalização das políticas habitacionais, considero perfeitamente possível a extensão de seu uso
para o caso dos estados.
5
Como observa Arretche (2000, p. 47), em “[...] Estados federativos, estados e municípios – porque
dotados de autonomia fiscal e financeira – assumem funções de gestão de políticas públicas ou por
iniciativa própria, ou por adesão a algum programa proposto por outro nível mais abrangente de
governo, ou ainda por expressa imposição constitucional”.
31
6
Segundo Arretche (2000, p. 23), há “[...] uma larga distância entre, de um lado, a possível
emergência de programas sociais em um número – mesmo que seja expressivo – de localidades com
administrações mais diretamente sensíveis aos problemas populares e, de outro, a construção de um
novo modelo de prestação de serviços sociais de âmbito nacional com características
descentralizadas”.
32
sendo impostas condições restritivas com vistas ao ajuste das contas estaduais:
metas de endividamento total, superávit primário, gasto com salários, arrecadação
de impostos e privatização de empresas estaduais. Em 2000, segue-se à
negociação das dívidas estaduais a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal –
LRF, uma resposta específica ao desafio de coordenar e disciplinar o
comportamento fiscal dos entes federados, sobretudo dos estados e municípios.
(ALMEIDA, 2005).
Dessa maneira, dividiam-se os governadores entre os que estavam ou
não fazendo seu “dever de casa”, em outros termos, entre os que estavam ou não
adotando medidas destinadas à contenção do déficit público. Ao mesmo tempo,
criavam-se incentivos para a reestruturação das COHABs e, para aquelas já
excessivamente endividadas com o governo federal, tais incentivos convertiam-se
em uma política de desfinanciamento. Como resultado, 12 das 44 COHABs
herdadas do modelo de política habitacional constituído no regime militar sob o BNH
decretaram falência ou diversificaram suas atividades, passando a operar como
institutos de desenvolvimento urbano e não mais como agências de promoção
pública de habitação de baixa renda. (ARRETCHE, 2002).
Após três anos sem concessão de empréstimos com recursos do
FGTS, como decorrência de deliberação feita por seu Conselho Curador em 1992,
as contratações voltam a ocorrer, mas sob medidas fortemente restritivas à
promoção pública, que combinavam análise da capacidade de pagamento e
endividamento do setor público, gestão seletiva das linhas de financiamento
(priorizando o Carta de Crédito em detrimento do PRÓ-MORADIA7) e política de
desfinanciamento das COHABs. Em 1998, em função de acordo realizado com o
FMI, todas essas medidas são radicalizadas, impedindo-se empréstimos do FGTS
para estados e municípios e, assim, para a rede de empresas públicas de habitação.
Se a descentralização ocorrida com a instituição das instâncias
colegiadas estaduais para alocação dos recursos do FGTS significou algum grau de
indução por parte do governo federal com vistas à redefinição de competências
entre os entes federados, a “coordenação federativa” (ABRUCIO, 2005) em questão
permaneceu restrita ao âmbito desta fonte de recursos, que, por si só, mesmo não
7
Em outros termos, privilegiando o financiamento ao consumo em detrimento do financiamento à
promoção pública.
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lado, a fraqueza institucional do Ministério das Cidades frente à CEF e face à política
de alianças do governo. De outro, exacerbando o (velho) conflito da equipe
ministerial com a CEF e, por extensão, com o Ministério da Fazenda e toda a área
econômica, tem-se a manutenção da política econômica ortodoxa do governo
Fernando Henrique Cardoso. (BONDUKI, 2008a, 2009).
Mesmo sob tais limitações e, em especial, sob as restrições dadas pelo
ajuste fiscal nos primeiros anos do governo Lula, os recursos destinados ao
financiamento residencial foram ampliados tanto para o mercado privado quanto
para a baixa renda a partir das mudanças concebidas em 2004 e 2005, em
consonância com uma das teses inscritas no Projeto Moradia, que, elaborado em
2001, compunha a proposta do novo governo para a política urbana e habitacional.
Tratava-se da necessidade de ampliar o mercado privado, restrito ao segmento de
luxo, em direção às classes médias, e concentrar os recursos públicos
(orçamentários) e semipúblicos (FGTS) na baixa renda, onde se concentra mais de
90% do déficit habitacional do país. (INSTITUTO CIDADANIA, 2000).
No primeiro caso, duas medidas foram adotadas – a Lei 10.931, de
2004, que conferiu maior segurança jurídica ao mercado privado, bastante
fragilizado pela alta inadimplência, e a Resolução 3.259 do Conselho Monetário
Nacional, de 2005, que obrigou os bancos a cumprirem a exigência legal (regra dos
65%) de investir em habitação os recursos da poupança. Como resultado, há uma
elevação de 2,2 para 27 bilhões, entre 2002 e 2008, no investimento em habitação
do SBPE. O mercado imobiliário, restrito desde a extinção do BNH ao segmento de
luxo, passa a se expandir continuamente. Em meio a um cenário macroeconômico
cada vez mais favorável, observa-se uma reestruturação do capital no setor, que
passa por movimentos de concentração e expansão geográfica, além de diversificar
sua atuação com o investimento em reserva fundiária e nos mercados de renda mais
baixa. (BONDUKI, 2009; CARDOSO; LEAL, 2009).
No segundo caso, desafiando-se a camisa de força do forte
contingenciamento nos gastos federais, são tomadas providências para ampliar os
financiamentos e os subsídios, com vistas ao atendimento da baixa renda. Destaca-
se a Resolução n° 460 do Conselho Curador do FGTS, de dezembro de 2004, que
determina que recursos auferidos pelas aplicações financeiras que excederem as
necessidades de remuneração básica do fundo deverão ser computados como
subsídios, a serem incluídos nas operações de crédito habitacional para a faixa de
39
8
A PEC nº 285/2008, também conhecida como PEC Moradia Digna, propõe a obrigatoriedade
constitucional, durante trinta anos ou enquanto não for eliminado o déficit habitacional, da vinculação
de recursos orçamentários à política habitacional, nas porcentagens de 2% dos recursos do OGU e
1% dos recursos dos orçamentos dos estados e municípios. Até o momento, não se logrou êxito na
sua aprovação.
41
contaminada por elementos como a não vinculação de receitas no FNHIS e pelo fato
de programas de relevo como o Minha Casa, Minha Vida correrem por fora desse
fundo.
***
O lugar dos estados na política nacional de habitação coloca-se
enquanto problema na esteira da desarticulação financeira e institucional do sistema
BNH/SFH em meados da década de 1980. É a partir daí que se instala, como
observa Arretche (1996a), uma tendência à autonomização das bases de
formulação e implementação das políticas habitacionais estaduais, passando os
governos estaduais a seguir estratégias institucionais as mais variadas, com
distintos graus de institucionalização e encaminhamentos para as empresas públicas
de habitação herdadas do regime militar.
Nesse processo, ainda que se tenha rompido a integração verticalizada
característica do BNH e do período militar, os rumos seguidos pelas políticas
habitacionais estaduais, guardadas sua margem de autonomia, que se torna muito
maior, continuam a ser condicionados pelos rumos seguidos pela política
habitacional em nível federal. No governo Fernando Henrique (1995-2002) e,
sobretudo, no governo Lula (2003-2010) são levados a cabo alguns esforços com
vistas ao equacionamento do problema do lugar dos estados na política nacional de
habitação. A resolução deste problema, contudo, continua em aberto.
Passemos àquele que é o objeto central desta dissertação – a
reconstrução da trajetória político-institucional da política pública de habitação
popular levada a cabo pelo governo do Estado de Goiás, desde 1983 até 2010.
Levando em consideração os condicionantes advindos da política nacional de
habitação mas também e, sobretudo, a dinâmica interna da própria política
habitacional goiana, acompanhemos os sucessivos governos e programas
habitacionais adotados. Vejamos como uma determinada unidade da federação, o
Estado de Goiás, vem resolvendo o problema de seu lugar na política nacional de
habitação.
43
DO PMDB
HABITACIONAL ESTADUAL
9
A trajetória política de Íris, conforme descreve Cunha (2008), remonta às décadas de 1950, no
movimento estudantil e no cargo de vereador em Goiânia, e de 1960, quanto este é eleito, em 1962, o
deputado estadual mais votado e, em seguida, em 1965, prefeito de Goiânia, notabilizando-se pelos
mutirões realizados para a construção de equipamentos públicos. Com a cassação de seu mandato
de prefeito e de seus direitos políticos pelo regime militar em 1969, Íris, sem nenhum cargo eletivo,
prossegue alimentando sua popularidade pelo estado à frente dos júris de que participou enquanto
advogado criminal na década de 1970. Engaja-se na tarefa de reorganização do MDB/PMDB, ao qual
retorna tão logo expira sua cassação em 1979. Símbolo das vítimas da ditadura, torna-se o candidato
natural do PMDB para o governo do Estado, vencendo na disputa interna com Mauro Borges, filho de
Pedro Ludovico Teixeira e governador entre 1960 e 1964, e Henrique Santillo, membro mais à
esquerda do partido e governador entre 1987 e 1990. Em 1982, assim, numa eleição entre o
“cassado” e o “cassador”, Íris vence Otávio Lage – PSD com larga vantagem, com 61% dos votos,
conforme dados apresentados por Moysés (2004). Em seu governo, confirma e amplia a imagem de
bom administrador público, dinâmico, “tocador de obras” e popular. Torna-se o sucessor do
“ludoviquismo” e o líder do seu grupo, abrindo um ciclo de hegemonia na política estadual que
perduraria até 1998 e que lhe renderia, para fora do estado, além do reconhecimento em função do
Programa Mutirão da Moradia e da projeção no movimento nacional pela redemocratização, o cargo
de Ministro da Agricultura (1986-1989), no governo Sarney, e de Ministro da Justiça (1997-1998), no
governo Fernando Henrique Cardoso. O “irismo” cai em 1998, com a vitória de Marconi Perillo –
PSDB para o governo estadual. É o início do “marconismo”.
10
Nas eleições desse período, ou seja, nas eleições de 1982, 1986, 1990 e 1994, conforme observa
Assis (1997), o PMDB elegeu, no estado de Goiás, todos os governadores, todos os senadores,
59,70% dos deputados federais e 49,69% dos deputados estaduais. As explicações para essa
hegemonia, para além das especulações em torno do eventual impacto do carisma de Íris Rezende,
de sua inegável capacidade de mobilização do eleitorado e do papel estruturante que as eleições
para governador cumprem na conformação dos resultados eleitorais em geral, adviriam, segundo
esse mesmo autor, do fato de que a fragmentação da ARENA/PDS ao longo dos anos 80 e a
ausência de partidos eleitoralmente relevantes à esquerda do MDB/PMDB no espectro ideológico
propiciaram o espaço para o êxito eleitoral desta agremiação.
48
11
Conforme descrito no plano do trabalho do governo Íris Rezende, o Mutirão da Moradia
conformava, juntamente com o Mutirão da Terra, o Mutirão Governo Itinerante, o Comodato e as
Empresas Comunitárias, o conjunto de “programas especiais” previstos. (GOIÁS, 1984a).
50
12
Vale ressaltar que no primeiro governo Íris o Estado de Tocantins ainda não havia sido criado. Tal
só ocorre no final do governo seguinte, ou seja, no final do governo Henrique Santillo (1987-1990).
51
13
A CODEG também conduziu o Mutirão das Mil Salas de Aula, com o que foram construídas em
torno de 200 escolas no estado de Goiás. (Jadir Mendonça, 12.05.2011).
54
14
A previsão inicial era setembro, tendo sido prorrogada para o domingo de 16 de outubro, próximo à
data de aniversário de Goiânia (24 de outubro).
55
importante frisar, por atores os mais diversos e com lógicas e tempos de operação
nem sempre de fácil compatibilização recíproca. O sucesso e a repercussão
alcançados no dia da montagem demonstram ter o governo Íris obtido êxito na
coordenação das atividades preparatórias.
Conforme descrito por Freitas (2007), na primeira etapa da Vila
Mutirão, o Consórcio Rodoviário Intermunicipal S.A. – CRISA, a Centrais Elétricas de
Goiás – CELG e a Saneamento de Goiás – SANEAGO, mesmo em desacordo com
certas exigências técnicas, procederam, respectivamente, à abertura das ruas (sem
pavimentação), à eletrificação (somente nas ruas) e ao abastecimento de água (não
individualizado). Estas e outras agências públicas estaduais, entre as quais a
COHAB-GO, e do município de Goiânia, além das prefeituras do interior, ficaram
responsáveis, cada uma delas, por uma das 24 quadras do loteamento no dia da
montagem, sendo seus funcionários convocados, sob ameaça de punição, a doar
seu dia de descanso para o trabalho no mutirão. As empreiteiras contratadas, além
da fabricação das peças pré-moldadas, deveriam transportá-las até o local e
distribuí-las ordenadamente, atendendo a uma ordem seqüencial dos componentes
de cada casa, e, ademais, disponibilizar seus funcionários para participar no dia do
mutirão. Esta ordem seqüencial estava registrada em cartilhas e manuais
confeccionados pela CODEG, que também serviram de guia para o trabalho no dia
da montagem. Estas tarefas, assim como os atores por elas responsáveis, compõem
uma amostra do campo diverso sobre o qual deveria incidir o esforço de
coordenação da CODEG, da Secretaria de Planejamento e Coordenação e do
próprio governador Íris Rezende.
No Mutirão do Interior, um esforço de coordenação similar também teve
que ser realizado. Alguns encargos foram transferidos para as prefeituras, como
arregimentação de pessoal, consecução de ferramentas e equipamentos, etc., mas
a CODEG incumbiu-se, dentre outras coisas, de projetar os loteamentos e
supervisionar a marcação dos lotes nas áreas cedidas pelos municípios – ou mesmo
executar o loteamento, quando necessário. (MUTIRÃO, out. 1985). As agências
públicas estaduais, também compulsoriamente, ficaram responsáveis, cada uma
delas, pelo acompanhamento dos trabalhos em um município no dia da montagem,
conforme relatam os funcionários da COHAB-GO à época Ana Cristina Rodovalho
(06.05.2011) e Luiz Bretones (03.05.2011). Tudo isso devendo ser preparado para a
56
15
Segundo Flávio Peixoto (02.05.2011), “O primeiro governo foi um governo com uma simbiose
quase que absoluta entre povo e governo. Nós tínhamos acabado, era o primeiro governo eleito
desde 65. Então, havia muito uma relação estreita mesmo. Não houve, não precisamos muito desses
intermediários, não. Nós éramos o povo. Essa sensação, ela existia. O Íris era muito integrado com a
comunidade, muito mesmo”.
16
Dizer que o Mutirão da Moradia era fragilmente institucionalizado não implica negar que na base do
mesmo houvesse um esforço de coordenação e uma logística invejáveis.
57
Eu vejo uma coisa normal porque o Mutirão só existe com o Íris. Essa
relação é muito estreita. [...] nós tentamos, mas não conseguimos implantar
porque não havia a ponta, o pessoal não conseguia mobilizar. [...] é uma
ação política, não é pra qualquer governante. Era algo muito do Íris. Eu
nunca, mesmo no Ministério, eu nunca acreditei que a gente teria condições
de implantar o Mutirão, porque é uma ação que exige uma ação política
muito forte, de mobilização... da comunidade, e eu não sentia outros
governadores com a mesma capacidade do Íris. (Flávio Peixoto,
17
02.05.2011) .
17
Em seu discurso de posse como ministro, Flávio Peixoto dizia: “Trago, para a ministério recém-
instituído, a mais gratificante experiência de governo, nascida no seio do povo e fortalecida por um
processo de participação popular que, a par de não conhecer similar, se solidifica, se intensifica e se
valoriza a cada etapa percorrida”. (MINISTRO, abr./jun.1985). É assim que se institui no MDU, em
1985, conforme se depreende pela leitura de Melo (1989), o Programa Mutirão da Moradia, como
parte do Programa de Prioridades Sociais – PPS e com recursos do FINSOCIAL. Ocorre que, além
de não vingar a sistemática experimentada em Goiás, como fica claro a partir da entrevista com
Flávio Peixoto (02.05.2011), este programa tem expressão muito menor se comparado a outro,
também baseado no regime construtivo de mutirão mas não inspirado nesta sistemática – trata-se do
Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, implementado pela SEAC a partir de 1987. Da mesma
forma como os mutirões da SEAC, todavia, é bem provável que as ações do Mutirão da Moradia do
MDU (posteriormente, MHU e MBES) tenham integrado o quadro de “banalização” das políticas
sociais que caracterizou o governo Sarney, resultando, em meio à desintegração da coalizão
governista, num mecanismo verticalizado e ágil de patronagem. (MELO, 1993).
58
18
Era a esta secretaria que estava jurisdicionada a CODEG (GOIÁS, 2005), encarregada do Mutirão
da Moradia.
19
Flávio Peixoto permanece no MDU de abril de 1985 a fevereiro de 1986, tornando-se, com sua
substituição por Deni Shwartz, Diretor de Habitação e Hipoteca da CEF.
60
20
Quanto a este ponto, vale destacar o que relata Álvaro Lourenço (04.05.2011), presidente entre
1999 e 2008 da AGEHAB, agência na qual se transforma a COHAB-GO no final da década de 1990:
“Daquelas mil casas num dia, 250 casas ficaram sob a responsabilidade do DERGO que, de certa
forma, embutiu o custo de mão-de-obra em algumas empresas. Empreiteiras do DERGO foram
convocadas com a sua mão-de-obra pra assumir 250 casas e esse custo, desse pessoal durante um
final de semana, foi embutido em medições de empreiteira. Eu falo isso porque eu era empreiteiro do
DERGO, eu fui convocado e eu recebi para colocar essa mão-de-obra embutida em outros serviços
que não tinham nota e assim foi uma coisa discutida com as entidades”.
61
21
No plano de trabalho do governo Íris, elaborado posteriormente à primeira etapa da Vila Mutirão e
anteriormente ao Mutirão do Interior, enquanto num momento se diz que “A população participa da
fase de implementação do projeto, tomando parte, voluntariamente, do mutirão, que se desenvolve
em um só dia”, noutro momento já se diz que “O momento da participação da comunidade envolvida,
em especial junto ao governo, deve compreender todo o planejamento, fases de execução e
avaliação dos resultados obtidos”. (GOIÁS, 1984a, grifo nosso). Além da contradição entre as duas
frases, observa-se a menção em uma delas apenas à participação voluntária.
22
Vale reproduzir um dos tópicos presentes no manual elaborado para servir de guia à montagem
das casas na primeira etapa da Vila Mutirão: “Importante: se o serviço de alvenaria da latrina e do
banheiro não acabou até às 12h, ele deve ser abandonado e o pessoal ser deslocado para a casa,
que é o objetivo principal”. Não tive acesso ao manual como todo, mas apenas a este trecho, que me
foi mostrado por um dos entrevistados.
23
Ainda com respeito à projeção nacional alcançada por Íris Rezende, vale acrescentar, antes de
realizada a primeira ação do Mutirão da Moradia: (a) em abril de 1983, o lançamento oficial em
Goiânia de uma das mais importantes manifestações populares do país, a campanha do PMDB pelas
Diretas Já, com presença das principais lideranças dos partidos da oposição – além de Íris, Franco
Montoro, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães e Lula. E depois de realizada a primeira etapa da Vila
Mutirão: (b) em abril de 1984, um segundo comício, também na Praça Cívica, de proporções bem
maiores, com presença ainda mais significativa de líderes oposicionistas, tendo se tratado da
segunda maior manifestação do país, atrás apenas da ocorrida no Vale do Anhangabaú, em São
Paulo; (c) em outubro de 1985, a segunda etapa A da Vila Mutirão em Goiânia, evento que, com mais
publicidade e divulgação, contou com a presença do presidente José Sarney, de dois ministros (um
deles, Flávio Peixoto), de senadores e políticos federais, além de representantes de quatro países
(Chile, Colômbia, Peru e El Salvador) e de outros governos estaduais (São Paulo, Rio Grande do Sul,
Minas Gerais, Alagoas e Paraíba); (d) a disputa interna na convenção do PMDB entre Ulysses
Guimarães, Waldyr Pires, Álvaro Dias e Íris Rezende, este último apoiado pelo presidente Sarney,
pela condição de candidato do partido à presidência; (e) a nomeação para Ministro da Justiça no
governo de Fernando Henrique Cardoso, nos anos de 1997 e 1998; e (d) a indicação do goiano e
peemedebista Ovídio de Ângelis para ministro da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano –
SEDU nesse mesmo governo. (FREITAS, 2007; CUNHA, 2007; HORÁCIO, s/d).
62
Eu me lembro que, pra decidir sobre isso, conversando com o Íris, eu falei
‘olha, Íris... Juscelino Kubistchek foi um dos governos de mais sucesso
porque ele criou os grupos de trabalho. Ele teve os ministérios, teve a
estrutura toda: GEPOT, grupo de trabalho da indústria automobilística,
Brasília, NOVACAP. Montou uma estrutura paralela’. Porque ele tinha
consciência que uma burocracia não faria na velocidade que ele fez. Isso eu
sempre mostrei pro Íris. ‘Íris, não adianta, tem estruturas burocráticas que
você não consegue’, porque a burocracia é um ser vivo, ela tem vida.
(Flávio Peixoto, 02.05.2011, grifo nosso).
24
Como deixa claro Íris em seus depoimentos (CUNHA, 2008), Eurico Calixto de Godói era de sua
extrema confiança e encontrava solução para todas suas idéias, entre as quais, o Parque Mutirama,
em 1969, e a Vila Mutirão, em 1983. O Parque Mutirama, nomeado a partir da combinação das
palavras “mutirão” e “autorama” e inspirado nos brinquedos da Disneylândia nos E.U.A., foi
65
Íris desde sua administração na prefeitura de Goiânia. Por fim, é com uma empresa
de menor porte, menos institucionalizada25 e, portanto, mais flexível que a COHAB-
GO que seria possível fazer das intervenções do Mutirão da Moradia a oportunidade
para um congraçamento político e uma mobilização popular similares ao ocorrido na
primeira etapa da Vila Mutirão e para a reprodução clientelista do agrupamento
político reunido em torno do governador e do PMDB.
No plano de trabalho do governo Íris previa-se a implementação tanto
dos programas e projetos do BNH26 como do programa especial Mutirão da Moradia
(GOIÁS, 1984a), ficando a impressão de que haveria uma atuação complementar e
combinada entre, respectivamente, a COHAB-GO e a CODEG. Não é o que ocorreu,
todavia. Na prática, antecipou-se no Estado de Goiás a clivagem verificada por Melo
(1989) no plano federal entre os programas operados pelas COHABs, envoltas em
impasses de ordem estrutural resultantes da desarticulação financeira do SFH, e os
programas alternativos geridos por organizações formadas ad hoc, entre as quais a
SEAC, e atravessadas por arranjos clientelísticos instáveis.
No Estado de Goiás, é preciso ressaltar, não apenas se antecipa tal
clivagem como ela acabou, rapidamente, cedendo lugar ao deslocamento quase
completo do pêndulo para um de seus pólos, qual seja, o da CODEG (e de suas
sucessoras27), de modo que, já na segunda metade da década de 1990, a COHAB-
GO entra em liquidação. Em outros termos, na trajetória da política pública de
construído sob a gestão de Íris na prefeitura de Goiânia. Íris, contudo, foi cassado poucos dias antes
da sua inauguração.
25
Ana Cristina Rodovalho Reis (06.05.2011), funcionária da COHAB-GO na década de 1980, afirma
que a COHAB-GO gozava de forte institucionalização desde seu nascedouro, dizendo-se à época
que, em função do modo como foi criada e formalizada, ela nunca acabaria. Acrescenta também que
na passagem da década de 1970 para 1980 a mesma encontrava-se inchada, com muitos
funcionários, o que, se por um lado mostra o porte da empresa, por outro já demonstra a ocorrência
de algum desvio em sua institucionalidade. Luiz Antônio Martins Bretones (03.05.2011), desde o final
da década de 1970 funcionário da empresa, hoje AGEHAB, afirma que é a partir da fusão das
companhias habitacionais de Goiânia e de Goiás – COHAB-Goiânia e CHEGO – no início da década
de 1970 que a COHAB-GO ganha mais força, passando a ter uma administração muito presente e
chegando a seu auge em termos de produção habitacional no final desta década, com cerca de 20
empreendimentos em andamento, enquanto a média era de, no mínimo, 6 a 8.
26
São citados os seguintes projetos e programas: Programa Aquisição de Terrenos, Programa
Pequenos Conjuntos, FICAM, PROMORAR, PLANHAP, PROSINDI, PROHEMP, PROHASP e João
de Barro.
27
A política habitacional fica a cago, no governo Henrique Santillo (1986-1990), da Secretaria
Especial de Assuntos Comunitários – SAC; no segundo governo Íris Rezende (1991-1994), da
Empresa Estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico-Social – EMCIDEC; e no
governo Maguito Vilela (1995-1998), da Secretaria Especial de Solidariedade Humana – SESH.
66
28
Enquanto a CODEG estava jurisdicionada à Secretaria de Planejamento e Coordenação, a
COHAB-GO, juntamente com a Loteria do Estado de Goiás – LEG e a Fundação Estadual do Bem-
Estar do Menor – FEBEM, estava vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Social. (GOIÁS, 2005).
67
29
Com respeito ao Projeto Participação, afirma Luiz Bretones (30.09.2010): “No nosso programa já
era um programa de participação, porém mais lenta, mas ainda com a presença da família. Então,
nós íamos trabalhar, por exemplo, os montantes, os painéis, nós não poderíamos fugir desse foco
que foi dado desse programa do mutirão. E íamos trabalhar com um painel que não era um painel
daqueles só de encaixe, era um painel que ele tinha, de um lado, encaixe, mas, de outro, ele era
cavilhado e depois recebia uma camada de um revestimento que ele se tornava um painel trabalhável
em termo de prumo, nível, esquadro”.
68
POR MORADIA
30
Luiz Bretones (03.05.2011) tece as seguintes considerações a esse respeito: “Porque o município,
o prefeito doou o terreno, ajudou a firma a construir, montar as placas, fazer o material pré-moldado,
pagava parte do pessoal pra fazer as instalações elétricas, fez o arruamento e ao final chegava a
COHAB lá querendo cobrar uma prestação do beneficiário que foi ele que escolheu, o prefeito. Então,
nós não tínhamos portas abertas em nenhuma prefeitura. Ao ponto que chegou assim: nós fizemos
um relatório pedindo então que fosse dissolvido aquela comissão porque nós não tínhamos êxito”.
69
31
A ANSUR foi criada em 1984, havendo para tal apoio significativo da Igreja Católica, preocupada
em constituir na cidade uma instância de agregação semelhante à que se tinha no campo com a
Comissão Pastoral da Terra – CPT, criada em 1975 e desde então sediada em Goiás, na cidade que
leva o mesmo nome do estado. Embora com sede em São Paulo, a ANSUR acaba por ter um goiano
como seu primeiro coordenador – Ronnie Barbosa, uma das lideranças da então UPG.
32
O MNLM, inicialmente muito vinculado à ANSUR, que lhe dava assessoramento técnico, é criado
em 1990, em reunião realizada na capital do estado de Goiás em 1990, no Centro Pastoral da
Arquidiocese de Goiânia, hoje chamado de Centro Pastoral Dom Fernando em homenagem ao
arcebispo que presidiu a arquidiocese em tela de 1957 a 1985 e que pautou sua atuação pelos
princípios da Teologia da Libertação. Além de ter sua primeira sede em Goiânia, o primeiro
coordenador do MNLM é goiano – Maurício Beraldo, outra liderança da então FEGIP.
70
33
Como ressalta Maria Rita (11.05.2011), que integrou o quadro técnico da CPU, havia tão-somente
o conhecimento técnico adquirido no PROMORAR, mas este, que tomaria como exemplo a aplicação
do programa em Recife, não passou da fase preparatória, tendo resultado apenas no levantamento
sócio-econômico de algumas áreas de posse.
71
Depois, eles faziam até questão... Eles iam lá buscar a gente, pra gente ir
fazer a numeração, porque eles viram que, a partir do momento que a gente
começou o trabalho, evoluiu, não ficou daquele outro jeito, que o pessoal ia
e mexia nas áreas, depois ficava sem resultado nenhum. (Maria Rita,
11.05.2011).
34
A despeito disso, a numeração das casas continua sendo feita com a sigla “CPU”, para não
desacreditar a população e manter a legitimidade conquistada.
73
CODEG
X
Gov. Henrique Santillo (1987-90)
Sec. Desenvolvimento Social
COHAB-GO SAC
FEBEM
LEG
X Sec. Desenv. Urbano
e Meio Ambiente
EMCIDEC
CPU EMOP
Fundação de
Promoção
Social
FLEBES
Sec. Trabalho
Sec. Trabalho
Fonte: Elaboração própria, a partir das entrevistas realizadas e bibliografia e documentos acessados.
1 – O “quadro bege” circunscreve as empresas e/ ou secretarias às quais o governo estadual delega a
condução do seu programa habitacional prioritário; o “balão rosa” circunscreve, dentre outras coisas, as
estruturas organizacionais que, embora vinculadas à habitação, gozam de inserção marginal na
administração pública estadual; e abaixo da linha pontilhada encontram-se órgãos e secretarias que não
participam de nenhuma ação habitacional, mas que no governo seguinte recebem redirecionamentos que
influem no curso da política habitacional estadual.
2 – O “quadro cinza”, no canto direito do esquema, refere-se ao governo seguinte, demonstrando as
mudanças que são operadas na estrutura administrativa herdada do governo anterior.
É assim que, contando quase que apenas com recursos próprios, dada
a escassez dos recursos federais e a imprevisibilidade decorrente da necessidade
de barganha federativa para acessá-los, implementam-se o Programa Habitacional
Comunitário, no governo Henrique Santillo (1987-1990), o Mutirão Permanente da
Moradia, no segundo governo Íris (1991-1994), e o Meu Lote, Minha Casa, no
governo Maguito Vilela (1995-1998). Embora seja o Mutirão da Moradia, no primeiro
governo Íris, o programa habitacional que mais marca o longo ciclo de hegemonia do
PMDB na política goiana, não é ele que logra maior desempenho quantitativo nem,
muito menos, uma base institucional mais sólida. Vejamos.
35
A esse respeito, Adhemar Santillo, irmão de Henrique Santillo, secretário de seu governo e político
de Anápolis, apresenta-nos sua interpretação acerca do ocorrido. Sustenta que, na convenção do
PMDB para a escolha do candidato a presidente da República, o presidente Sarney intervém na
disputa com vistas a enfraquecer o nome de Ulysses Guimarães, dividindo seu grupo – o que ocorre
com o lançamento dos nomes de Waldir Pires e Álvaro Dias – e lançando o nome de Íris Rezende, ao
qual dava seu apoio. Henrique Santillo não teria concedido apoio explícito a Íris, posto que se
inclinava para o nome de Ulysses Guimarães. O presidente Sarney, dessa maneira, imputa a vitória
deste e a conseqüente derrota de Íris a Henrique Santillo. Com a ida de Lula e Collor para o segundo
turno, enquanto Santillo apóia Lula, Íris apóia Collor. Segundo Adhemar, em função desses
desencontros, além do conflito no âmbito estadual entre “iristas” e “santillistas”, teria havido
perseguição dos governos Sarney e Collor ao governador Santillo, seja interrompendo a liberação de
verba para o Programa de Pavimentação Municipal e não concedendo apoio no caso do episódio do
Césio 137, seja procedendo à liquidação extra-judicial da CAIXEGO. Henrique Santillo, vale dizer, já
no governo Itamar Franco, torna-se Ministro da Saúde. Disponível em:
http://blogdosantillo.blogspot.com/2010/11/quebra-da-unidade-peemedebista-em-goias. html. Acesso
em: 10 out. 2011.
36
Extinta a CODEG, sua Diretoria de Administração e Obras é transferida para a Empresa Estadual
de Obras Públicas – EMOP e as partes remanescentes à Empresa Estadual de Ciência, Tecnologia e
Desenvolvimento Econômico-Social – EMCIDEC. A constituição destas duas empresas é autorizada,
cabe registrar, pela mesma lei que extingue a CODEG (Lei n° 10.502/88). Como será demonstrado
mais à frente, Íris Rezende, com sua volta ao governo do Estado em 1991, aloca o Mutirão
Permanente da Moradia na EMCIDEC. (GOIÁS, s/d; Jadir Mendonça, 12.05.2011).
37
A Fundação de Promoção Social fundiu a Secretaria de Desenvolvimento Social, a Fundação
Legionárias do Bem-Estar Social – FLEBES e a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor –
76
região, Íris Rezende beneficiou 2.882 famílias na Vila Mutirão em suas três etapas
(1ª, 2ªA, 2ªB e 3ª). Ao todo, o governo Santillo beneficiou 26.214 famílias, sendo
12.359 com lotes e 13.855, um número um pouco maior, com casas.
Porque quem veio dialogar melhor com a gente, muito embora não nos
levou, foi o Santillo. O Santillo já teve um trato mais respeitoso e mais
político com o movimento social. Eu diria que, melhor do que o Santillo,
nesse aspecto, ainda não apareceu nenhum. [...]. Nós tínhamos uma
proposta muito objetiva – criar 10 mil moradias em Goiânia. E o Íris não
pautou essa conversa. Com a ascensão do Santillo, o Santillo cria a
secretaria de habitação e lança o desafio de construir 10 mil casas e chama
a gente pro diálogo. Nós queríamos criar uma comissão para acompanhar
esse processo e o Jossivani [Secretário de Assuntos Comunitários] resistiu.
Nós ocupamos a secretaria, dormimos lá, inclusive, o tiramos de dentro da
secretaria, o expulsamos de lá, ficamos lá dois dias. Aí o governador nos
atendeu, nos recebeu. (Ronnie Barbosa, 09.05.2011).
39
Conforme afirmado mais acima, institui-se no MDU em 1985 o programa Mutirão da Moradia, que,
embora inicialmente inspirado na experiência goiana, acaba não sendo implementado enquanto tal. O
governo Santillo logrou estabelecer convênio no âmbito deste programa para a viabilização do Jardim
Curitiba, contando para tal, provavelmente, com o trânsito de Íris Rezende no governo Sarney e a
inserção de Flávio Peixoto na CEF, então diretor de habitação e hipoteca da mesma. (BRASIL, 1988;
Jossivani de Oliveira, 13.05.2011).
79
SAC Programa
Habitacional
Comunitário
Super. Programas, Prod.e Abast. Comunitários
COHAB-GO
X Gov. Íris Rezende (1991-94)
Sec. Planejamento
SANEAGO EMCIDEC
Fonte: Elaboração própria, a partir das entrevistas realizadas e bibliografia e documentos acessados.
1 – O “quadro bege” circunscreve as empresas e/ ou secretarias às quais o governo estadual delega a
condução do seu programa habitacional prioritário; o “balão rosa” circunscreve, dentre outras coisas, as
estruturas organizacionais que, embora vinculadas à habitação, gozam de inserção marginal na
administração pública estadual; e abaixo da linha pontilhada encontram-se órgãos e secretarias que não
participam de nenhuma ação habitacional, mas que no governo seguinte recebem redirecionamentos que
influem no curso da política habitacional estadual.
2 – O “quadro cinza”, no canto direito do esquema, refere-se ao governo seguinte, demonstrando as
mudanças que são operadas na estrutura administrativa herdada do governo anterior.
40
Como se verificou para o caso do primeiro governo Íris (1983-86), o Mutirão da Moradia não foi
uma prática tão barata assim, seja pela minuciosa preparação prévia realizada pela CODEG, seja
pela intensa campanha publicitária realizada, seja pelos reparos feitos e infra-estrutura implementada
depois do dia do mutirão. (MARICATO; MORAES, 1986).
82
41
Em função disso e também por uma questão de marketing político, o programa passa a se chamar
Mutirão Permanente da Moradia.
84
Canedo e Anápolis42, que ultrapassaram 1.000 unidades, esta última média cai para
57,9. Os números mostram, assim, a pulverização do atendimento alcançado pelo
programa, uma interiorização certamente maior que a ocorrida com a versão do
primeiro governo Íris. (GOIÁS, 1994).
42
O Mutirão Permanente por Moradia realizou-se por empreitada global não apenas em Senador
Canedo, mas também em Anápolis. Naquele caso, foram construídas 1.504 unidades e neste, 1.000
unidades. (GOIÁS, 1994).
87
cadastro de famílias sem-teto em Goiânia. Euler Ivo e sua esposa, Isaura Lemos,
ambos com histórico na luta clandestina contra a ditadura militar, fundam em 1991 o
Movimento de Luta pela Casa Própria – MLCP, movimento à parte da Federação
Goiana de Inquilinos e Posseiros – FEGIP, que, como demonstrado, liderava desde
a ocupação do Jardim Nova Esperança o movimento por moradia local. O MLCP,
assim, embora de massas e com muita capacidade de agregação, desde muito cedo
tem sua estrutura organizativa fortemente centralizada sob as figuras políticas de
Euler Ivo e Isaura Lemos e está assentado sobre uma lógica clientelística de troca
de lotes por apoio e sustentação política.
O terreno prometido ao MLCP era a Fazenda São Domingos, situada,
como os demais parcelamentos realizados pelo poder público ao longo da década
de 1980, na região noroeste da cidade – em área, como já referido, rural e
ambientalmente frágil, próxima a uma estação de tratamento de água. Uma vez
efetuada a desapropriação e o loteamento, uma ação do Ministério Público exigindo
licença ambiental acaba por atrasar a construção das casas prevista pelo Mutirão
Permanente da Moradia. O movimento pressiona e, não resolvido o impasse em
tela, sob o consentimento do governador, ocupa a área. Como resultado, quase
10.000 lotes, em seis bairros43, são entregues aos cadastrados no MLCP, a partir de
então base de sustentação das carreiras políticas de seu casal fundador e, ademais,
partícipe de compromissos eleitorais outros, como o que ocorrerá no governo
Maguito Vilela (1994-1998).
O MLCP ocupou cargos na Superintendência de Assentamentos
Urbanos da SEAST, justamente o setor onde, em função da Lei nº 12.229, de
dezembro de 1993, seria realizado o cadastramento para a doação de lotes urbanos
de propriedade do Estado em loteamentos implantados para fins de assentamento
de famílias carentes. Ainda que nas entrevistas realizadas para a feitura deste
trabalho não tenha sido feita menção a esta lei, parece clara sua ligação com o
43
As cinco glebas da Fazenda São Domingos desdobraram-se nos seguintes bairros: Bairro da
Vitória, Bairro São Carlos, Bairro Floresta, Bairro Boa Vista e Bairro São Domingos. Além destes, há o
Jardim Primavera, resultante do loteamento de outra gleba, adquirida pelo Estado nas proximidades
da Fazenda São Domingos e que passou por processo de ocupação semelhante. Sintomático a
respeito do modo como se processou a ocupação dessas seis glebas, implicando o abandono da
pretensão de construir as casas, tal como previsto no Mutirão Permanente da Moradia, é a mudança
do nome de Conjunto Primavera para Jardim Primavera.
88
44
Segundo um dos entrevistados, três “cinturões” teriam sido construídos em Goiânia em função das
intervenções habitacionais levadas a cabo por Íris Rezende, induzindo a expansão periférica da
cidade: o primeiro remonta à gestão deste na prefeitura de Goiânia na segunda metade da década de
1960; o segundo diz respeito à região noroeste da cidade, onde implementou a Vila Mutirão, a
Fazenda São Domingos e o Jardim Primavera; e o terceiro, mais recente, compreende o Jardim do
Cerrado, implementado, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, após seu
retorno à prefeitura de Goiânia em 2005.
89
alcançado 190 dos 228 municípios goianos, ou seja, 83,3%45, de modo que, se não
se realiza o “show” das “mil casas em um dia”, tem-se por esta via um trunfo político
não desprezível46. Somando este atendimento àquele realizado pelo Mutirão da
Moradia47, no primeiro governo Íris, chega-se a 202 municípios, ou seja, 88,6% com
alguma intervenção habitacional com a “marca” do Mutirão.
Mutirão
Sec. Planejamento
Permanente
da Moradia
EMCIDEC
Gov. Maguito Vilela (1995-98)
COHAB-GO
X SESH
X
COHAB-GO
Sec. Trabalho
Fonte: Elaboração própria, a partir das entrevistas realizadas e bibliografia e documentos acessados.
1 – O “quadro bege” circunscreve as empresas e/ ou secretarias às quais o governo estadual delega a
condução do seu programa habitacional prioritário; o “balão rosa” circunscreve, dentre outras coisas, as
estruturas organizacionais que, embora vinculadas à habitação, gozam de inserção marginal na
administração pública estadual; e abaixo da linha pontilhada encontram-se órgãos e secretarias que não
participam de nenhuma ação habitacional, mas que no governo seguinte recebem redirecionamentos que
influem no curso da política habitacional estadual.
2 – O “quadro cinza”, no canto direito do esquema, refere-se ao governo seguinte, demonstrando as
mudanças que são operadas na estrutura administrativa herdada do governo anterior.
45
Contabilizando, além dos 190 municípios atendidos pelo Mutirão Permanente da Moradia, o
município de Goiânia, contemplado com os lotes urbanizados da Fazenda São Domingos e do Jardim
Primavera, o percentual em tela sobe para 83,7%.
46
Além do Mutirão Permanente da Moradia, foram realizados os mutirões da água, da luz rural, da
saúde e do cidadão. (GOIÁS, 1993).
47
Leva-se em consideração apenas o Mutirão do Interior, o mutirão realizado em Anápolis e as ações
em Goiânia.
90
48
Em meados de 2011, por ocasião da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI que investigou o
endividamento da CELG nos últimos 25 anos, Ovídio de Ângelis, que presidiu a mesma no segundo
governo Íris e o Conselho Estadual de Desestatização no governo Maguito, afirmou: “A privatização
não foi uma imposição do Governo federal, mas uma recomendação, que foi aceita pelos Estados.
Havia uma grande necessidade de geração de recursos ao Tesouro Estadual. Vender a usina de
Cachoeira Dourada – além da CELG como um todo [o que não ocorreu] – foi parte do acordo firmado
com a União como condição para concessão de empréstimo junto à Caixa Econômica Federal. O
acompanhamento dessa operação se dava via BNDES”. (CPI, 03 fev. 2010). Ovídio de Ângelis, no
segundo governo Fernando Henrique Cardoso, por indicação de Íris Rezende e Maguito Vilela, torna-
se ministro da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano – SEDU, mais uma vez o estado de
Goiás logrando emplacar um ministro na área.
91
49
O benefício dos lotes semi-urbanizados, por sua própria natureza, é concedido uma única vez,
diferentemente, por exemplo, da cesta básica, que é concedida todo mês.
50
Vale registrar, como o faz Faria (2005), que foi a EMCIDEC que elaborou, a pedido da SESH, o
banco de dados em questão.
92
51
Algumas obras restantes do Mutirão Permanente da Moradia passam da EMOP para o CRISA com
a extinção daquela empresa.
93
52
A Superintendência de Assentamentos Urbanos foi transferida da Secretaria de Ação Social e
Trabalho – SEAST no segundo governo Íris para a Secretaria Especial de Solidariedade Humana –
SESH no governo Maguito, posteriormente se transformando em Diretoria de Habitação e
95
Meu Lote,
Minha Casa
SESH
X
COHAB-GO
Sec. Cidades
AGEHAB
X
X
Sec. Trabalho AGDR
Sec. Cidadania
e Trabalho
Fonte: Elaboração própria, a partir das entrevistas realizadas e bibliografia e documentos acessados.
1 – O “quadro bege” circunscreve as empresas e/ ou secretarias às quais o governo estadual delega a
condução do seu programa habitacional prioritário; o “balão rosa” circunscreve, dentre outras coisas, as
estruturas organizacionais que, embora vinculadas à habitação, gozam de inserção marginal na
administração pública estadual; e abaixo da linha pontilhada encontram-se órgãos e secretarias que não
participam de nenhuma ação habitacional, mas que no governo seguinte recebem redirecionamentos que
influem no curso da política habitacional estadual.
2 – O “quadro cinza”, no canto direito do esquema, refere-se ao governo seguinte, demonstrando as
mudanças que são operadas na estrutura administrativa herdada do governo anterior.
COHAB-GO
Então, era pra ser de graça. Mutirão era pra ser como em Goiânia, um
retrato de Goiânia: não cobrar prestação. Mas aí o prejuízo veio pra cá. Aí
não tinha como. [...] passamos a ser o devedor perante a então Caixa, mas
nós não tínhamos como receber do beneficiário. [...]. Esse aí foi realmente
um vetor que acabou empurrando a COHAB pra uma situação muito
complicada. Eu acho que pesou bastante, inclusive, na questão da
53
liquidação. (Luiz Bretones, 03.05. 2011) .
53
No plano de trabalho do primeiro governo Íris, dizia-se o seguinte com respeito à interiorização do
Mutirão da Moradia: “A continuidade dessa proposta será parcialmente garantida pela liberação de
recursos provenientes do Banco Nacional da Habitação – BNH. O retorno dos recursos ao Banco
está garantido pela captação dos recursos provenientes das amortizações pagas pelos beneficiários
(10 a 15% do salário mínimo regional)”. (GOIÁS, 1984a).
97
conjuntos COHAB não o fazia nos conjuntos Mutirão ou Meu Lote, Minha Casa54, de
modo que essa desigualdade no atendimento, similar à verificava a nível federal
entre os programas da SEAC e do BNH (AZEVEDO, 1996), resultou na indisposição
dos mutuários da COHAB-GO em pagarem as prestações, tanto nos
empreendimentos que estavam sendo produzidos quanto naqueles em retorno55. Os
mutuários da COHAB-GO passam, dessa maneira, a exigir o mesmo tratamento
dispensado aos beneficiários do Mutirão da Moradia e, mais à frente, dos demais
programas subsidiados do governo do Estado, ficando muito arraigado “na nossa
cultura, pessoal de baixa renda, que aqui é o Estado que tem que prover as casas,
totalmente de graça”. (Luiz Bretones, 03.05.2011).
O engenheiro Álvaro Lourenço, presidente da AGEHAB, sucessora da
COHAB-GO, entre 1999 e 2008, deixa-nos claro esta situação:
Quer dizer, até onde que entra um programa desse subsidiado e até onde
que entra um programa financiado? Houve muitos problemas, porque em
alguns municípios o conjunto habitacional construído pelo Mutirão ficava ao
lado ou muito próximo do conjunto construído pela COHAB. Então, você
tinha famílias carentes, em choque dessa posição: uma não pagava nada e
a outra tinha que arcar [...]. (Álvaro Lourenço, 04.05. 2011).
Aquele pessoal que ‘ah, não tem que pagar, não tem que pagar’. ‘Gente...’.
‘Ah, mas o conjunto lá não paga nada’. ‘Mas aquele conjunto lá é do Mutirão
da Moradia, aquilo lá é do Meu Lote Minha Casa. Aqui não, aqui é dinheiro
do trabalhador. Tem um contrato, tem que refazer’. (Álvaro Lourenço,
04.05.2011).
54
Luiz Bretones (30.09.2010) ressalta que “[...] nosso produto era um produto financiado. Tinha
prestações a ser pagas. Como nós poderíamos concorrer com um programa que era de graça?”.
55
Luiz Bretones (03.05.2011), a esse respeito, afirma: “Estava numa fase de retorno tranqüila, aí
começa a ter uma inadimplência muito além, acima do que era considerado médio”.
98
década de 1980, que, implicando diminuição dos depósitos e aumento dos saques
no FGTS, compromete sua arrecadação líquida e, por conseqüência, restringe as
possibilidades de financiamento dos programas habitacionais operados pelas
COHABs. Ao mesmo tempo, a queda na renda real das famílias afeta o retorno dos
empréstimos e, por conseqüência, gera também inadimplência das COHABs para
com o BNH e, posteriormente, com a CEF. (MELO, 1989; ARRETCHE, 1996b).
Na COHAB-GO, em meio a tais determinantes, vale acrescentar,
desenvolveu-se, sob interferência política, o procedimento de majorar a renda dos
beneficiários de modo a incluí-los nos programas. É o que ocorreu no Conjunto Vera
Cruz, um dos maiores conjuntos habitacionais de Goiânia, conforme relatam Luiz
Carlos (10.05.2011), militante da Confederação Nacional das Associações de
Moradores – CONAM e do movimento por moradia local, e Álvaro Lourenço
(04.05.2011), presidente da AGEHAB entre 1999 e 2008. Como resultado, tem-se
mais um fator a implicar a inadimplência dos mutuários e, assim, a contribuir para a
inadimplência da COHAB-GO frente ao BNH.
A extinção do BNH e sua substituição pela CEF representam também
duro golpe para a COHAB-GO, sustentam Luiz Bretones (03.05.2011) e Ana Cristina
Rodovalho (06.05.2011), confirmando o que nos diz a esse respeito a literatura
especializada. De um banco de fomento, passa-se a um banco comercial, em que a
habitação, embora um objeto de atuação importante, não passa de um setor entre
vários outros. (AZEVEDO, 1988; 1996). Ao mesmo tempo, a autoridade sobre a
alocação dos recursos do FGTS é transferida para uma burocracia fragilmente
insulada e envolvida num processo continuado de fragmentação institucional e
instabilidade ministerial, o que, somado à retomada do federalismo e do mecanismo
eleitoral, provoca a redefinição dos canais de acesso aos recursos federais, entre os
quais o FGTS. (ARRETCHE, 2000).
Nesse cenário, ganha importância cada vez maior a barganha
federativa para o acesso aos recursos federais e, assim, o atendimento ad hoc às
demandas locais, saindo-se bem os governadores que participavam da base de
sustentação do governo Sarney e dos governos seguintes. (MELO, 1989, 1993;
ARRETCHE, 2000). Negociações de tal tipo ocorrem entre o governo do Estado de
Goiás e o governo federal, porém não em benefício da COHAB-GO, mas do Mutirão
da Moradia e, em certa medida, dos programas que o sucederam. Como afirma Luiz
Bretones:
99
56
A partir de entrevista realizada com dirigente da Associação Brasileira de COHABs e Órgãos
Assemelhados – ABC, Arretche (2002) afirma que, na década de 1990, as COHABs de Alagoas,
Ceará, Rondônia, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás e Rio
Grande do Sul declararam falência e que as COHABs da Bahia, Distrito Federal e Rio de Janeiro
diversificaram suas atividades, transformando-se em agências de desenvolvimento urbano. Trata-se
de 12 COHABs num universo de 44.
101
57
O PT de Goiás, conforme observam Ronnie Barbosa (09.05.2011), em entrevista realizada para
feitura deste trabalho, e Miranda (2008), contou com diversas forças sociais em sua constituição. Na
cidade, estruturou-se em torno do Centro de Professores de Goiás – CPG, posteriormente
transformado em Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás – SINTEGO, e do
movimento por moradia reunido sob a UI/UPG/FEGIP. Além disso, reuniu professores da UFG e da
UCG, com forte presença nas comunidades de base da Igreja Católica. Já no campo, onde estava
sua maior base social, articulou-se em torno do movimento sindical rural, contando para tal com o
apoio da CPT.
103
58
A partir de 1985, ano em que finda o ascebispado de Dom Fernando Gomes dos Santos, ou
mesmo a partir de antes, como sugere Chaves (1985), a Arquidiocese de Goiânia passa, cada vez
mais, a se distanciar da “opção preferencial pelos pobres” e a abandonar seus vínculos orgânicos
104
com a luta pela universalização do direito à moradia, fazendo coro com a Renovação Carismática
Católica.
59
Conforme registra Vidal Barbosa (05.05.2011): “Isso deu uma repercussão violenta. A prefeitura de
Goiânia, na gestão do professor Nion Albernaz [PSDB], não aceitava que a gente fosse pra aquela
área, até porque era uma área de interesse. A área do Vale dos Sonhos, eles criticaram demais mas
eles se esqueceram de contar: aqui nós temos um conjunto chamado Aldeia do Vale, é o condomínio
fechado mais caro de Goiânia, o metro quadrado [...]. Procuramos o proprietário e falamos assim:
‘olha, nós temos um grupo de famílias que olharam sua terra, gostaram da terra, você quer vender?’.
Ele falou assim: ‘olha, eu tenho uma proposta da Tropical, vocês me cobrem a proposta?’.
‘Cobrimos!’. ‘De que jeito vocês pagam?’. ‘Pagamos em duas vezes. Pagamos uma parte agora e
105
uma parte daqui a noventa dias’. Pronto, compramos a terra. Só que nós não sabíamos desse
processo. [...]. Onde nós compramos, tudo estava embutido no projeto. [...]. O que que nós fizemos?
Nós entramos bem no meio do projeto, nós inviabilizamos o projeto. [...]. Aí nós arrumamos briga do
mercado imobiliário, briga dos ambientalistas, briga com o povo do PT, briga com o povo do PSDB e
briga de tudo quanto era lado. Foram 11 processos”.
60
Após sua gestão na prefeitura de Goiânia pelo PT entre 1993 e 1996, Darci Accorsi ingressa no
PSB. Perdendo as eleições para deputado estadual em 1998, filia-se ao PTB, avaliando que desta
forma potencializaria seus recursos políticos e eleitorais. (KRAUSE; PAIVA, s/d).
106
acaba por sair do PT em 1999. Juntamente com Darci Accorsi61, filia-se ao PTB,
avaliando que aí seriam maiores os recursos políticos e eleitorais para o lançamento
de candidatura própria, diretamente vinculada à causa da moradia. Maurício
Beraldo, então, sai candidato a vereador nas eleições de 2000 em Goiânia, sendo o
quarto mais votado entre os trinta e três que ingressam na câmara legislativa
naquele ano. O PT elege apenas 2 vereadores e o PTB, para o qual migra a
liderança em tela, elege 8. (KRAUSE e PAIVA, s/d; Vidal Barbosa, 05.05.2011).
O segmento do movimento por moradia local reunido em torno de
Maurício Beraldo inicia, assim, uma aproximação com o PSDB do governador
Marconi Perillo. Além de o PTB integrar a base de apoio do governo estadual, o
programa habitacional criado em 2001, qual seja, o Cheque-Moradia, possibilitaria
algum encaminhamento aos, ainda não terminados e com muitos problemas
jurídicos, conjuntos habitacionais Vale dos Sonhos e Serra Azul. A promessa feita
pelo governador à SHC de doação de um terreno contíguo àquele loteamento, com
o que ocorreria sua formatação legal e, ainda, a construção de cerca de 800
unidades habitacionais, é mais um entre os variadores fatores que, ao fim e ao cabo,
resultam na filiação do vereador Maurício Beraldo e seu grupo ao PSDB.
61
Conforme observado acima, o segmento em tela, quando do encaminhamento da sucessão na
prefeitura de Goiânia em 1996, apóia, de acordo com a decisão de Darci Accorsi, Valdir Camárcio e
não o candidato natural do PT, que seria Pedro Wilson.
107
DO PSDB/PP
62
Embora Abrucio (1994) esteja se referindo ao período que se abre com a redemocratização e vai
até o governo Fernando Henrique Cardoso, marcado por um padrão de relações intergovernamentais
por ele caracterizado como “federalismo estadualista”, não resta dúvidas de que essa condição dos
executivos estaduais enquanto verdadeiras máquinas de fazer política persiste no período posterior.
De acordo com os dados apresentados mais acima (KRAUSE; PAIVA, s/d), das eleições municipais
de 1996 para as de 2000, o PMDB desce de 44,6 para 25,6% dos prefeitos eleitos e o PSDB sobe de
11,7 para 24,8%, praticamente se igualando ao PMDB. O comando do governo estadual pelo PSDB
é, certamente, um dos fatores explicativos dessa mudança.
63
Marconi Perillo é reeleito em 2002, vencendo as eleições sobre o candidato do PMDB Maguito
Vilela. Governa até 2006, quando, para se candidatar ao cargo de senador, deixa em seu lugar o vice
Alcides Rodrigues – PP. Este, em aliança com o PSDB, disputa as eleições de 2006 contra Maguito
Vilela, que novamente é derrotado. Durante seu governo, a aliança PP-PSDB vai sendo
progressivamente desfeita, rompendo-se por ocasião das eleições de 2010. Desta feita, Marconi
Perillo sai candidato a governador pela terceira vez, vencendo a disputa sobre Íris Rezende em
segundo turno.
108
muito em função da popularidade alcançada por Maguito Vilela com o mesmo64, seu
mote discursivo é a ruptura. Acusando Íris Rezende e os governos do PMDB em
geral de terem endividado o Estado e mantido sua operação em bases tradicionais e
clientelistas, definiu como prioridade a racionalização das atividades governamentais
por meio da reforma da máquina pública estadual a partir dos parâmetros gerenciais
propostos pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE e em
implementação pelo governo Fernando Henrique Cardoso – PSDB a nível federal.
Com o governo Marconi Perillo, tem-se uma revalorização do
planejamento no governo do Estado de Goiás, mas, como observa Silva (2003), sob
condicionantes inteiramente diversos daqueles que, em meio ao nacional-
desenvolvimentismo que marcou a sociedade brasileira das décadas de 1930 a
1970, informaram a primeira experiência efetiva de planejamento no Estado, qual
seja, a realizada na primeira metade da década de 1960 pelo governador Mauro
Borges. No Plano Plurianual 2000-2003 – Goiás para o século XXI, o primeiro PPA
elaborado no Estado desde que a Constituição de 1988 impôs a adoção de tal
instrumento65, levam-se em consideração os novos paradigmas de produção e
circulação do capitalismo globalizado e o acirramento das dificuldades financeiras
dos governos. É assim que se propõe a, dentre outras coisas, desenvolver e
fomentar a competitividade da economia goiana, para produzir segundo padrões de
eficiência em nível mundial, e transformar a estrutura do governo, modernizando-a
com vistas ao incremento da eficácia e da qualidade no atendimento ao cidadão.
64
Conforme transcrição do Programa Roda Vida, da TV Cultura, de 13 de janeiro de 1997, que tinha
o então governador Maguito Vilela como convidado, seu índice de aprovação popular em dezembro
de 1996 era de 72% entre ótimo e bom, o que o colocava na liderança da pesquisa Datafolha
realizada nos 12 principais estados brasileiros. Disponível em:
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/686/ entrevistados/maguito _vilela_1997.htm. Acesso em: 10
out. 2011.
65
Em dissertação com respeito a planejamento e regionalização nos PPAs elaborados pelo governo
do Estado de Goiás para os períodos 1999-2003, 2004-2006, 2007-2011, Salgado (2010) observa
que o modelo de planejamento consubstanciado no instrumento em tela, embora previsto na
Constituição de 1988 e nas constituições estaduais, só se efetiva no Brasil no final da década de
1990. Em 1998, decreto e portaria do Ministério do Planejamento e do Orçamento – MPO
estabelecem uma base conceitual e metodológica mais sólida para a elaboração dos PPAs, e em
2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, o não cumprimento do PPA torna-se passível de
punição. A partir de consulta às secretarias de planejamento de 22 estados brasileiros, Salgado
afirma que, enquanto 12 dos mesmos elaboraram seu primeiro PPA já em 1990, os 10 outros, aí
incluído Goiás, o fizeram apenas em 1999. De qualquer forma, completa a autora, os primeiros PPAs
tenderam a não passar de mero cumprimento de uma formalidade legal.
109
AGEHAB
66
Transcorrido este processo, resta à COHAB-GO o Parque Atheneu Acalanto e o Vera Cruz como
patrimônio de estoque e, em função da federalização e posterior privatização do BEG, já no início do
governo Marconi, a possibilidade de voltar a administrar a carteira habitacional, que retorna ao Estado
por determinação do Banco Central. Trata-se de fatores que facilitariam uma possível retomada das
atividades da COHAB-GO.
113
antes, na fase de campanha, a gente plantou isso demais. Ele foi eleito, e aí
começaram as atividades dele e veio outro liquidante. Então, esse outro
liquidante permitiu que a gente pudesse expor melhor, sendo ele o grande
vetor porque ele levava as idéias que a gente trabalhava, as opções, as
propostas, isso era levado a nível governamental. (Luiz Bretones,
03.05.2011).
Sec. Cidades
Cheque-Moradia
X
AGEHAB
X AGDR
Sec.
Cidadania e
Trabalho
Fonte: Elaboração própria, a partir das entrevistas realizadas e bibliografia e documentos acessados.
1 – O “quadro bege” circunscreve as empresas e/ ou secretarias às quais o governo estadual delega a
condução do seu programa habitacional prioritário; o “balão rosa” circunscreve, dentre outras coisas, as
estruturas organizacionais que, embora vinculadas à habitação, gozam de inserção marginal na
administração pública estadual; e abaixo da linha pontilhada encontram-se órgãos e secretarias que não
participam de nenhuma ação habitacional, mas que no governo seguinte recebem redirecionamentos que
influem no curso da política habitacional estadual.
67
Havia na COHAB-GO apenas três computadores, de modelos antigos: dois deles 286 e um 386.
68
Cumpre observar que, contrariamente aos objetivos de racionalizar as ações da máquina pública
estadual, persistem superposições de funções de gestão na área habitacional nos governos Marconi
Perillo e Alcides Rodrigues. Há conflitos com a Secretaria das Cidades e com a Agência Goiana de
Desenvolvimento Regional – AGDR, que desenvolvem algumas ações habitacionais próprias, ainda
que uma atuação de pouco relevo se comparada à que ocorre através da AGEHAB. A AGDR, vale
destacar, tem atuação restrita às regiões do Entorno de Brasília e Norte e Nordeste Goianos, as que
possuem maiores índices de pobreza.
116
Ocorre que, em função tanto da popularidade que ganha quanto da centralidade que
adquire dentro deste, acaba sendo tratado como o próprio programa. Dessa
maneira, ora nos referiremos a ele como sendo um instrumento ora como sendo um
programa.
Uma vez instituído, o Cheque Moradia torna-se o principal programa e
fonte de recursos para ações habitacionais da AGEHAB. Regido pela instrução
normativa referida e, com a revogação da lei supracitada, pela Lei nº 14.542 e pelo
Decreto nº 5.834, ambos de 2003, opera, em resumo, por meio da transferência de
parte da arrecadação de impostos do Estado para famílias com renda de até três
salários mínimos, para construção, reforma ou ampliação de suas casas, em
loteamento realizado pela prefeitura conveniada ou em lote do próprio beneficiário,
havendo a contrapartida de que este doe sua mão-de-obra no processo construtivo.
As casas seguem, em linhas gerais, uma planta com dois dormitórios, uma sala,
uma cozinha e um banheiro, totalizando 40 m² de área construída e
aproximadamente 36 m² de área útil no centro de um terreno de 200 a 250 m².
Em entrevista para a feitura deste trabalho, Luiz Bretones apresenta-
nos os elementos que estiveram na base da gestação do Cheque-Moradia. São
eles: escassez crescente de recursos em âmbito federal; necessidade de recursos
próprios e constantes, para o que se colocava enquanto referência o caso da CDHU
de São Paulo; complicações inerentes a programas com dotações orçamentárias;
viabilidade do mecanismo do crédito outorgado de ICMS; e afirmação do Crédito
Material de Construção da CEF enquanto modelo a ser reproduzido. Vejamos:
proveito disso, que já era uma postura diferente. [...]. Então, daí foi nesse
estudo, avaliando como seria. [...]. Na Secretaria da Fazenda, nós tínhamos
a questão dos créditos outorgados, então foi outra ferramenta que foi
trabalhada, esse crédito outorgado de ICMS. Então, ao final de um estudo
grande, começou-se a desenhar uma solução que acabou virando o
Cheque-Moradia, onde o recurso é do Estado, através do ICMS, ele é um
crédito outorgado de ICMS, em que o Estado confere aquele crédito a uma
pessoa física. Então, essa pessoa física, recebendo aquilo, pode-se dizer
que nós fizemos o papel da CAIXA. Aí, essa pessoa física com esse
Cheque-Moradia vai na loja de material e compra esse material e essa
empresa faz a baixa do cheque e tudo na Secretaria da Fazenda. (Luiz
Bretones, 30.09.2010, grifo nosso).
69
Na Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal,
estabelece-se de maneira mais pormenorizada que no texto constitucional o conjunto das renúncias
de receitas como sendo: anistia; remissão; subsídio; crédito presumido; concessão de isenção em
caráter não geral; alteração de alíquota ou base de cálculo: redução de tributo ou contribuição; e
benefício referente a tratamento diferenciado. No estado de Goiás, o crédito presumido é tratado
como crédito outorgado.
70
É importante observar que não há vínculo entre o que está destinado para a função “habitação” no
PPA, na LDO e na LOA e o que é liberado, via crédito outorgado de ICMS, para o Cheque-Moradia.
Naquela função, incluem-se gastos com ações mais pontuais operacionalizadas pela Secretaria das
Cidades.
119
71
Por meio da Resolução n° 299, de agosto de 1998, o Conselho Curador do FGTS acrescentou a
modalidade operacional “aquisição de material de construção” ao programa Carta de Crédito. Trata-
se de uma linha de financiamento destinada a pessoa física para compra de material de construção
para construção ou reforma de imóvel residencial urbano.
120
construção das redes de água e energia elétrica por meio das concessionárias
SANEAGO e CELG72. As prefeituras conveniadas responsabilizam-se pelo terreno e
pelo loteamento, doando-os ao Estado, pelos alicerces, pela orientação da mão-de-
obra e pela execução de serviços complementares. Há também a possibilidade de
que o convênio seja feito pelo Estado não com prefeituras, mas com entidades
organizadas da sociedade civil, assumindo estas as responsabilidades que caberiam
àquelas. O beneficiário, por sua vez, participa da parceria com a mão-de-obra
necessária para a construção de sua casa a partir do alicerce, só recebendo seu lote
com escritura e registro consolidando a propriedade 8 anos após ter sido
contemplado pelo programa.
Toda a operação do programa está sujeita à programação anual
estabelecida pelo governo, seja no que diz respeito à disponibilidade de recursos
seja no que concerne à política de distribuição de benefícios. O governador e a
Secretaria da Fazenda estipulam uma previsão do montante de crédito outorgado de
ICMS que poderá ser concedido via Cheque-Moradia anualmente, definindo e
liberando, com base na mesma, as cotas mensais, que devem ser gerenciadas pela
AGEHAB. Da mesma forma, o governador e o presidente da AGEHAB, baseando-
se, entre outros critérios, em estimativas de déficit e demográficas, definem
anualmente uma estratégia de ação com os municípios a serem atendidos e a
quantidade de benefícios a ser concedido em cada um deles.
A iniciativa da abertura de convênio com a AGEHAB parte do próprio
município ou entidade interessada, que, comprovando cumprir ou estar apto para
cumprir as contrapartidas que lhe cabem, solicita o atendimento e, assim, um
determinado número de benefícios. A AGEHAB, então, atenta às exigências
técnicas inerentes ao programa e aos constrangimentos advindos da programação
anual acima referida, decide se firma ou não o convênio e, no caso de positiva a
decisão, estabelece a quantidade de benefícios a serem concedidos, em número
não necessariamente igual ao solicitado, posto que definido com base na solicitação
recebida mas também naquela programação.
72
A implementação das obras de infra-estrutura de água e energia elétrica pelo Estado não está
prevista no convênio que é firmado com a AGEHAB. Os municípios devem, portanto, “correr atrás”
das concessionárias CELG e SANEAGO para que as mesmas o façam. Caso contrário, devem eles
próprios arcar com os custos dessas infra-estruturas.
121
73
Conforme observa Faria (2005), houve avanços no Meu Lote, Minha Casa neste sentido, com a
constituição, no âmbito do Programa de Apoio às Famílias Carentes como um todo, do primeiro
banco de dados para programas sociais do Estado. Com o Cheque-Moradia, em meio ao processo de
informatização dos setores de documentação da administração pública estadual, os avanços são
ainda maiores. Além de a base de dados se desvincular da política de assistência social, ganha
novos procedimentos e maior segurança através do novo sistema criado, o SICAT.
122
tela não teria liquidez. Feita essa troca, a empresa referida poderá utilizar o cheque
para abater o ICMS devido ou como forma de pagamento aos fornecedores.
Fonte: Arquivo pessoal de Álvaro Lourenço, presidente da AGEHAB entre 1999 e 2008.
Fonte: Arquivo pessoal de Álvaro Lourenço, presidente da AGEHAB entre 1999 e 2008.
74
Apoiando-se não em recurso orçamentário mas em crédito outorgado de ICMS, o Cheque-Moradia
não poderia ser utilizado como contrapartida nos programas federais (não havia como demonstrar
orçamentariamente o valor aportado). O presidente da AGEHAB, já em 2001, consegue dar um
encaminhamento a esse impasse juntamente à então Secretaria Especial de Desenvolvimento
Urbano – SEDU, de modo que, nas regulamentações posteriores dos programas federais, passa a
haver a possibilidade de a contrapartida ser realizada também mediante materiais de construção, no
que se encaixa o Cheque-Moradia. (Álvaro Lourenço, 10.05.2011). Para a consecução dessa saída, é
provável que muito tenha contribuído o fato de o ministro da referida secretaria ser um goiano e, mais
do que isso, um político recém-convertido ao PSDB. Trata-se de Ovídio de Ângelis, que, indicado
para o cargo por Íris Rezende e Maguito Vilela, acaba por, em 2001, deixar o PMDB. Por ocasião da
disputa entre Maguito e Michel Temer para a sucessão na presidência nacional do PMDB, Maguito
rompe com Fernando Henrique Cardoso, que apoiava Temer. Ovídio é, então, intimado pelo PMDB a
deixar o governo. Não só não o faz como migra para o PSDB, tornando-se apoiador de Marconi
Perillo na política local. (HORÁCIO, s/d).
125
Fonte: Arquivo pessoal de Álvaro Lourenço, presidente da AGEHAB entre 1999 e 2008.
1 – Não estão considerados os gastos com infra-estrutura e com o terreno;
2 – Não se obteve a informação da data dos valores registrados na tabela da figura. Supõe-se,
contudo, que a participação relativa dos itens listados no custo total é menos afetada pelo
comportamento do mercado da construção civil que seus valores absolutos.
75
Um elemento adicional também favorável à transferência de poder de compra à família beneficiária
operada pelo Cheque-Moradia diz respeito ao fato de que, sendo um talão de cheque com folhas de
valores diferenciados, permite que os materiais sejam comprados no ritmo em que ocorre a
construção, evitando-se o problema do armazenamento.
126
materiais para o alicerce e aquele com os materiais, via crédito outorgado de ICMS,
para a construção a partir deste, gastam juntos apenas 46,7% do que seria gasto
caso houvesse contratação de empreiteira.
Estes três elementos e as diferenças anteriormente assinaladas do
crédito outorgado de ICMS face à dotação orçamentária conferem ao programa do
Cheque-Moradia uma modelagem mais aproximada à da iniciativa privada,
implicando maior agilidade e eficiência à atuação do poder público estadual no setor
habitacional. Tal se dá, cabe ressaltar, no bojo das medidas tomadas pelo governo
Marconi Perillo no sentido da adequação da máquina pública ao ajuste fiscal e,
assim, das reorientações levadas a cabo na área das políticas sociais. Para além da
redução dos custos que decorreriam da contratação de construtoras e da adoção de
um formato operacional similar àquele do Meu Lote, Minha Casa, o Cheque-
Moradia, incentivando a regularidade fiscal e dinamizando as economias dos
municípios conveniados, traz consigo benefícios fiscais consideráveis. Conforme
registra Álvaro Lourenço:
76
O Cheque-Moradia, juntamente com outras ações correlatas desenvolvidos pela AGEHAB, obteve
reconhecimento da Associação Brasileira de COHABs e órgãos assemelhados – ABC em várias
ocasiões, por meio do chamado Selo de Mérito Habitacional, e foi uma das 20 experiências
inovadoras finalistas do Ciclo de Premiação de 2004 no âmbito do Programa Gestão Pública e
Cidadania desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas em parceria com a Fundação Ford e com o
apoio do BNDES. Também foi agraciado com premiação da Associação Nacional dos Comerciantes
de Material de Construção – ANAMACO, representante de segmento diretamente beneficiado pelo
127
programa, e da Caixa Econômica Federal, intitulada Prêmio Caixa – Melhores Práticas em Gestão
Local 2005/2006.
77
Álvaro Lourenço acumulou seus dois últimos anos na AGEHAB com a presidência da ABC. Antes
disso, foi bastante atuante no âmbito desta, tendo sido vice-presidente e diretor. Para além das
características técnico-operacionais intrínsecas ao Cheque-Moradia, esta participação na ABC
também deve ser considerada para entendermos a difusão do programa por entre os demais estados
brasileiros.
78
Além destes, cabe acrescentar os estados de Tocantins e Pará e o Distrito Federal. Por meio de
pesquisa junto à legislação e outros documentos disponíveis nos sítios eletrônicos dos governos
estaduais, observou-se que: no Pará, o Cheque-Moradia é instituído em 2003, no governo Simão
Jatene – PSDB, como instrumento de operacionalização do Programa Nossa Casa. Em 2009, no
governo Ana Júlia – PT, o público-alvo do programa é ampliado, passando seu instrumento de
operacionalização a se denominar Credicasa; no Tocantins, o Programa Cheque-Moradia é instituído
no final de 2004, no governo Marcelo Miranda de Carvalho – PFL; na Paraíba, o Cheque-Moradia é
instituído em 2005, no governo de Cássio Cunha Lima – PSDB, tomando parte, juntamente com o
Cheque-Educação, do Programa de Subsídios à Educação e à Moradia; no Distrito Federal, o
Programa Cheque-Moradia é implementado em 2009, no governo José Roberto Arruda – DEM.
128
sua gestão, não sendo conduzido nem por uma empresa cuja pauta prévia de
atuação praticamente nada tinha a ver com a área habitacional (CODEG e
EMCIDEC) nem por uma secretaria de Estado cuja pauta de atuação repousa mais
na política de assistência social (SESH79); e conta com uma fonte própria de
recursos, lastreada no mecanismo do crédito outorgado de ICMS.
Enquanto os programas habitacionais anteriores restringiram-se a uma
gestão governamental apenas, o Cheque-Moradia já adentra a quarta80, ainda que
três delas sob o mesmo governador, ou seja, Marconi Perillo – PSDB. Essa
permanência no tempo e os elementos referidos no parágrafo anterior demonstram
ser o programa em discussão mais institucionalizado que os anteriores. Há
problemas, contudo, quanto à fonte de recursos em que o mesmo se apóia: o
volume do gasto, além de sempre ter se mostrado instável, oscilando para cima nos
anos eleitorais, vem decaindo desde 2006; e o poder de compra do subsídio
concedido não é reajustado desde 2005.
Afora tais problemas, que desautorizam ver no Cheque-Moradia um
alto grau de institucionalização, há outros também dignos de nota. A seguir,
discutem-se tais questões e são abordados os cursos de ação seguidos entre 2008
a 2010 com vistas a aprimorar a operação do programa e, ademais, incluí-lo numa
proposta mais abrangente de política habitacional.
79
Não se fez menção à Secretaria de Assuntos Comunitários – SAC, encarregada do Programa
Habitacional Comunitário no governo Henrique Santillo, porque, conforme observado, embora
inicialmente voltada também para ações assistenciais, acabou por restringir sua atuação à política
habitacional.
80
Conforme demonstra Marta Arretche (1996a, 2000), em meio à desarticulação financeira e
institucional do sistema BNH/SFH iniciada em meados da década de 1980, instala-se uma tendência
à autonomização das políticas habitacionais estaduais, podendo ser verificados, a partir de então,
dois cursos de ação, basicamente, por parte dos estados: institucionalização de um sistema estadual,
que é o caso paradigmático do estado de São Paulo; e iniciativas de promoção públicas fortemente
vinculadas às gestões governamentais que lhes deram origem, portanto, sujeitas ao desaparecimento
tão logo iniciasse a gestão seguinte. Na década de 2000, esse quadro geral das políticas
habitacionais estaduais traçado por Arretche complexifica-se, adequando-se ao novo cenário que se
afirma a nível federal – crescimento dos recursos e diversificação dos programas federais, sobretudo
a partir de 2005, e robustecimento do papel ordenador do governo federal no âmbito da política
nacional de habitação. O Cheque-Moradia, seja no estado de Goiás seja nos estados onde foi
replicado, é, certamente, um dos fatores componentes desse novo quadro, dada a difusão alcançada
no nível estadual. Em Goiás, tal programa tem seu início e afirmação anteriormente à consolidação
dessa nova fase das políticas habitacionais federais e, nos outros estados onde foi implementado,
chega já juntamente com a mesma. Em ambos os casos, contudo, o programa é utilizado também
como contrapartida em programas federais.
129
81
Em 31 de março de 2006, o vice-governador Alcides Rodrigues – PP assume no lugar de Marconi
Perillo. Entretanto, os dados do Cheque-Moradia relativos a 2006, último ano da gestão 2003-2006,
estão sendo tratados como parte do governo Marconi a fim de facilitar as comparações que se fazem
a seguir com os governos do PMDB (1983-1998).
130
82
À época do Mutirão Permanente da Moradia, o estado de Goiás contava com 228 municípios e não
com os 246 de hoje. É preciso ressaltar que este programa também contemplou 17 povoados, parte
dos quais, é bem provável, deve ter se emancipado, transformando-se em município, ao longo da
década de 1990.
131
atendimento com o passar dos anos e oscilação para cima nos anos eleitorais.
Vejamos com mais clama esta questão e as razões que motivaram sua ocorrência.
30.000
25.000 25.547
20.000
17.814
Total
15.000 Construção
14.273
Reforma
Comunitário
10.000 10.203
8.795
7.998
5.000
1.702
2.676
592 1.272
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
83
Conforme descrito acima, no Cheque-Construção, o subsídio é de até R$ 5.000,00 e, no Cheque-
Reforma, o subsídio é de até R$ 1.500,00 por serviço, permitindo-se a soma de serviços até o limite
máximo de R$ 3.000,00.
132
30.000 80,0
68,6 70,0
25.000
60,0
20.000
50,6 50,0
84
Como observaram dois dos entrevistados, a modalidade reforma foi muito mal conduzida pela
AGEHAB. Ensejando um atendimento no varejo, marcou-se por graves problemas no que diz respeito
à triagem dos beneficiários, resultando em vários processos na justiça.
133
200
175 189
180
168
160
146 134
140
120
Total
100
94 Construção
80
67 Reforma
60
36 Comunitário
40
7 33
20
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
85
O governo da Paraíba, que instituiu programa similar, conforme já referido, define um limite máximo
para a liberação de crédito outorgado de ICMS via Cheque-Moradia, mas não estipula um limite
mínimo. No “Manual de orientação aos contribuintes do ICMS – Programa de Subsídios à Educação e
à Moradia”, determina-se o seguinte: “Não se admitirá, em cada exercício financeiro, para o regime
de antecipação de ICMS definido na lei, valor superior a 3% (três por cento) do ICMS, quota estadual,
arrecadado no ano anterior”. (PARAÍBA, 2005).
134
1.400.000.000
1.200.000.000
1.000.000.000
800.000.000
600.000.000
400.000.000
200.000.000
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
86
Os valores citados foram definidos pelas seguintes leis: 14.038, de dezembro de 2001; 14.339, de
dezembro de 2002; e 15.083, de janeiro de 2005. Depois desta última, afora a lei do Cheque-
Complemento, de maio de 2009, nenhuma outra reajustou o poder de compra do Cheque-Moradia.
Mesmo assim, como será demonstrado, os efeitos desta lei tiveram caráter apenas temporário.
135
87
Em 2009, ao ser adotado no Distrito Federal, o Cheque-Moradia já assume, desde o início, os
valores de R$ 15.000 para construção e R$ 6.000 para reforma. Álvaro Lourenço, à época já ex-
presidente da AGEHAB, atuou diretamente na implementação do programa.
136
88
Dos municípios do estado, Itumbiara é o 12° mais populoso (IBGE, 2010), o 8° com maior PIB
(SEPIN/SEPLAN, 2007) e o 26° com maior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M
(PNUD, 2000). Com respeito ao primeiro aspecto, em específico, cabe acrescentar: 80% dos
municípios goianos têm menos que 20.000 habitantes, 17,5% têm população situada na faixa entre
20.000 e 100.000 e, acima de 100.000, estão 3,5% dos municípios do estado. O município de
Itumbiara, com 92,9 mil habitantes, encontra-se no limite superior da segunda faixa.
89
Luiz Carlos, militante da CONAM em Goiás e Assessor de Comunicação e Mobilização Comunitária
na AGEHAB no triênio 2008-2010, afirma: “Tanto é que você viaja pelo estado hoje, e até nos
municípios onde houve parceria das prefeituras, Goiânia praticamente não entrou nessa onda, [...] o
que você vê de empreendimento não acabado, tem demais. Era uma grande frustração [...] a gente
viajar no interior e ver a demanda que tem, um monte de esqueletos de casas começadas, que não
terminam nem vão terminar nunca, porque a família com 5 mil não consegue terminar uma casa. Não
termina nunca e aí ficam essas obras inacabadas”. (Luiz Carlos, 10.05.2011).
137
90
Caso o deputado, em sua cota da parcela do orçamento do Estado destinada a emendas
parlamentares, opte por se utilizar do Cheque-Moradia, a quantia assim despendida não é subtraída
do orçamento. Fica aí contingenciada e é concedida sob a forma de crédito outorgado de ICMS. O
montante de recursos destinados, via emendas parlamentares, ao Cheque-Moradia soma-se às cotas
mensais de crédito outorgado de ICMS liberadas pela SEFAZ para a AGEHAB, sendo a sistemática
do programa mantida.
91
Silmara Vieira tece a seguinte consideração a esse respeito: “E aí é outra loucura, [...] uma
ferramenta forte pra manter os vínculos da comunidade com o agente político, [...] você atende um
140
ressaltar, foi a deputada Isaura Lemos – PDT, fundadora, juntamente com Euler Ivo,
do Movimento de Luta pela Casa Própria – MLCP em meados da década de 1990.
com 200, outro com 300, outro com 500, imagina quantas famílias você não vincula na sua... ‘olha, tô
aqui, atendi você, melhorei, te dei um cheque de 500 reais’. Há um imaginário da comunidade em
relação ao Cheque-Moradia, provocado por isso, que é muito diferente da realidade. Sem critério
nenhum: pra quem que vai? Qual é a condição dessa família ser atendida?”. (Silmara Vieira,
12.05.2011).
141
92
Na sistemática do Cadastro Eletrônico, o prefeito, alguma liderança da cidade ou de bairro poderia
abrir um posto de atendimento, havendo, assim, a possibilidade de a porta de entrada continuar
sendo direcionada politicamente. Ocorre que, diante da publicidade dada ao processo e das
possibilidades de o cadastramento ser realizado pela internet em lan houses ou na casa de parentes
e amigos, este risco é muito menor que no cadastro tradicional.
142
como o fazia antes, mas na ordem previamente indicada pelo Cadastro Eletrônico.
Em outros termos, o coordenador local do programa não só não pode direcionar
quais famílias vai cadastrar como deve cadastrá-las segundo o Cadastro Eletrônico,
numa ordem inversamente proporcional à renda e outros atributos indicativos de
condição sócio-econômica declarados. O Cadastro Eletrônico reduz a margem de
discricionariedade política associada ao cadastramento tradicional e este, por sua
vez, cabe acrescentar, minimiza os erros possivelmente contidos naquele em função
de seu caráter espontâneo, auto-declaratório.
As mudanças realizadas no cadastramento resultaram em avanço no
modo como até então se processava a distribuição dos benefícios da AGEHAB,
ampliando, como se vê, as possibilidades de afirmação do universalismo de
procedimentos. Ocorre que, além de não ter sido regulamentado, o que possibilita à
gestão que se iniciou em 2011 simplesmente ignorar o Cadastro Eletrônico, nos
casos em que os recursos para o Cheque-Moradia provinham de emendas
parlamentares, não se logrou fazer valer este procedimento. A AGEHAB não se
mostrou capaz de contrarrestar o poder de influência política dos deputados, para os
quais a discricionariedade do coordenador local dos convênios é elemento
indispensável para a alimentação de suas redes de favorecimento político-eleitoral.
Para além destas debilidades do modo como ocorria a distribuição dos
benefícios, uma terceira, mais afeta à seleção dos municípios que das famílias,
também acaba por persistir. Não se obtém êxito na regulamentação dos critérios
que, a partir da nova gestão, vinculariam o atendimento da AGEHAB à (a) proporção
do déficit de cada município no déficit habitacional estadual, à (b) implementação
dos instrumentos de planejamento urbano e habitacional pelos municípios e a (c)
uma tipologia de municípios embasada em quatro recortes: região metropolitana de
Goiânia, Entorno do Distrito Federal, municípios pólos regionais e municípios com
alto índice de migração induzida por investimentos privados de grande parte
(mineração e sucro-alcooleiros, em especial). Parte desses critérios chegam a ser
implementados na rotina interna à AGEHAB, mas nenhum deles é regulamentado.
A regulamentação referida ocorreria mediante a aprovação da minuta
de lei do Cartão Casa Própria, que, para além do estabelecimento de critérios para
vincular a seleção dos municípios, propunha, entre outras coisas: a substituição do
cheque por um cartão magnético; a recomposição dos valores, com a modalidade
construção sendo reajustada de R$ 5.000 para R$ 12.000; e sua atualização
143
93
Como ressaltado em uma nota rodapé anterior, no estado do Pará, o governo Ana Júlia – PT
manteve o desenho original do programa Cheque-Moradia, herdado do governo Simão Jatene –
PSDB, alterando-lhe o nome, que passa a ser Credicasa, e lhe ampliando o escopo. No estado de
Goiás, a intenção da gestão Silmara (2008-2010) à frente da AGEHAB era similar, mas tal acaba por
não ocorrer.
144
94
Conforme já referido, esta lei, o Decreto nº 5.834/03 e a Instrução Normativa nº 498 da SEFAZ
constituem a base normativa do Cheque-Moradia.
95
Dos seus 30 alqueires, 22 eram pertencentes à área rural do município de Goiânia, situação que
exigia a inclusão dessa parte na zona de expansão urbana. (Silva, M. 2007).
96
No próximo tópico, quando se discute o movimento por moradia de Goiânia/Goiás na década de
2000, aborda-se a ocupação urbana do Parque Oeste Industrial e seus desdobramentos.
97
Assim, quando o empreendimento chegasse aos últimos módulos, seus beneficiários já figurariam
como contemplados no sistema de acompanhamento da AGEHAB e da CEF.
145
98
A atuação recente da AGEHAB no que diz respeito a este ponto, em específico, será discutida no
próximo tópico.
99
Em uma nota de rodapé anterior, discorremos sobre a superposição de funções de gestão da
AGEHAB com a Secretaria das Cidades e a AGDR. Com o esforço de planejamento em tela, tem-se
mais um elemento neste sentido: a AGEHAB, formalmente voltada para a execução de programas
habitacionais, acaba se voltando também para o planejamento, que, em princípio, deveria estar a
cargo da Secretaria das Cidades.
146
100
Possuidores dos menores Índices de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M do estado e
integrantes de três dos quatro “territórios da cidadania” presentes em Goiás – Chapada dos
Veadeiros, Vão do Paranã e Vale do Rio Vermelho.
101
Foram utilizados os critérios déficit habitacional, regularidade no SNHIS e aprovação de Plano
Diretor e uma regionalização constituída por Região Metropolitana de Goiânia, Entorno de Brasília,
pólos regionais, áreas de impacto de grandes empreendimentos e área de influência da Ferrovia
Norte-Sul.
147
102
As variáveis eram: população; IDH; IDEB; Índice GINI; Taxa de crescimento populacional
geométrico; densidade excessiva; saneamento básico; região de planejamento; receita municipal per
capita; pólos regionais; ferrovia norte-sul; sucro-alcooleiros/mineradora/indústria alimentícia/APL’s; e
déficit habitacional relativo. Cumpre observar que, com a tipologia resultante do sistema de
pontuação derivado dessas variáveis, antecipa-se um dos elementos que, conforme afirmado,
compunha o a minuta de Lei do Cartão Casa Própria.
148
Estado de Goiás no que diz respeito ao pacto federativo no âmbito das políticas
habitacionais.
A atuação do governo do Estado na viabilização de programas de
produção habitacional federais, considerando-se o período que se abre para a
política habitacional do Estado com a eleição de Marconi Perillo – PSDB em 1998,
inicia-se já nos primeiros anos do Cheque-Moradia. Conforme registra Luiz Bretones
(12.05.2011), foi bastante expressiva a participação da AGEHAB, entre 2002 e 2007,
nos programas PSH e Resolução n° 460, entrando a mesma como entidade
organizadora e construtora e se utilizando dos recursos do Cheque-Moradia como
contrapartida. A partir de então, a queda do poder de compra deste instrumento e,
ademais, a partir de 2009, a priorização da promoção privada pelo governo federal
com o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida acarretam a diminuição
das parcerias no âmbito daqueles dois programas.
A despeito disso, prossegue o alinhamento do governo do Estado de
Goiás à política de habitação conduzida pelo governo federal. Para além das
iniciativas levadas à cabo no âmbito do planejamento, acima referidas, é preciso
ressaltar o lugar que a AGEHAB passa a assumir também no âmbito do MCMV,
voltado para a promoção privada e, em menor grau, para a promoção pública não-
estatal. Conforme afirma Silmara Vieira:
Afora eles [MCMV Entidades e MCMV Abaixo de 50 mil], nós fizemos uma
articulação com a iniciativa privada, chamamos o sindicato da construção
civil, propusemos uma parceria com as empresas no sentido de ajudarmos
a interlocução. Porque tem uma coisa que ela é real: o empresário, ele
chega no município, se ele comprou a terra, é do seu jeito de conduzir, fazer
as coisas no território da cidade, ignorar o setor público. [...]. Então, o que
que a gente começou a provocar: uma interlocução. Nós chamávamos a
prefeitura: ‘prefeitura tem terreno?’ ‘Tem’. Aí, fazíamos a avaliação das
condições urbanísticas, provocávamos o empresário para fazer
investimento naquela área, articulávamos dentro do governo na parte de
saneamento para viabilizar as condições de saneamento na área, na parte
de energia elétrica, na parte de pavimentação, para poder agregar o poder
de ação e agilidade que a iniciativa privada tem no âmbito do MCMV ao
papel da prefeitura como gestora do território, porque a Constituição lhe
atribui essa responsabilidade, fazer cumprir a função social da cidade.
‘Então, espera aí: está produzindo na sua cidade. Vem cá que você precisa
conversar com esse sujeito aqui’. E a articulação desses dois agentes junto
à Caixa que é a contratante e a gestora dos recursos, que sempre foi um
ator criticado demais, tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada,
‘que é travada, que é isso...’. Então, a gente agiu como gestor de processo,
como articulador dos atores e como gestor do processo. Isso fez com que
vários empreendimentos fossem contratados com rapidez, com qualidade
do ponto de vista urbanístico, contribuímos com os projetos, às vezes os
empreendedores, as construtoras com menos estrutura, sem capacidade de
investimento em projetos. Então, chamávamos a prefeitura, fazíamos a
cessão do projeto arquitetônico, de engenharia, fazíamos o projeto
149
103
Referimo-nos a estado enquanto território, não enquanto entidade político-administrativa.
104
No PMCMV, os recursos são distribuídos pelas unidades da federação de acordo com a estimativa
do déficit habitacional, cabendo ao estado de Goiás a meta de 27.613 unidades habitacionais, o que
representa 2,76% das 1.000.000 unidades previstas no programa. Segundo informações do Ministério
das Cidades para outubro de 2010, o estado de Goiás ultrapassou sua meta em 22,1%, tendo
contratado em suas diversas modalidades 33.718 unidades habitacionais. Vale observar que nesse
quantitativo encontram-se incluídas também as modalidades Programa Nacional de Habitação Rural
– PNHU, MCMV para municípios com menos de 50 mil habitantes e MCMV Entidades. Estas três
modalidades, contudo, representam parcela muito pequena quando comparada à parcela
correspondente às modalidades Recursos FAR (0 a 3 s.m.) e Programa Nacional de Habitação
Urbano – PNHU (3 a 10 s.m).
105
No tópico à seguir, dedicado à discussão da configuração do movimento por moradia goianiense e
goiano na década de 2000 e ao espaço que aí passa a ocupar a produção habitacional
autogestionária, os números referentes a estes dois programas serão apresentados.
150
MORADIA
106
Tais atritos motivaram-se, dentre outras coisas, pela disputa em torno da qualidade da gestão
financeira dos dois governos e pelo alinhamento a nível nacional do PP com o PT e não com o PSDB.
(CUNHA, 15 jun. 2009).
152
107
Das 2.470 casas, 1.200 destinavam-se para moradores do Acampamento Grajaú e 1.270 para
aqueles que, embora tenham participado da ocupação do Parque Oeste, não chegaram a ser
transferidos para aquele acampamento, tendo que encontrar outra solução provisória de moradia
enquanto não ficassem prontas as casas que lhes cabiam no Residencial Real Conquista. O custo da
obra estava orçado em R$45,2 milhões, entrando o governo federal com 57,3% (Resolução n° 460 do
CCFGTS), o estadual com 31,4% (Cheque-Moradia) e o municipal com 11,3% (terreno).
154
108
É bem provável que, dessa negociação entre o governador Marconi Perillo e Maurício Beraldo,
tenha resultado não apenas o terreno, a eletrificação e 114 Cheques-Construção para o João Paulo,
mas também os 400 Cheques-Construção conseguidos para o Vale dos Sonhos e os 100 Cheques-
Construção e 75 Cheques-Reforma para o Serra Azul. Estas quantidades, a mim informadas pelos
militantes da UEMP-GO entrevistados, são muito pequenas face aos empreendimentos aos quais se
destinaram, constituídos, respectiva e aproximadamente, por 800, 4.000 e 700 unidades
habitacionais. A filiação de Maurício Beraldo ao PSDB passa por esta negociação política.
155
109
Nestes quatro empreendimentos, cada um deles uma etapa do Residencial Eldorado Oeste,
situado nas proximidades do Serra Azul, a UEMP-GO acaba descumprindo sua missão institucional
de atuar na assessoria e não na produção. Isso ocorre, como justifica Vidal Barbosa, porque a SHC
encontra-se ainda enredada em impedimentos jurídicos herdados do Residencial Vale dos Sonhos.
156
Hoje ele é filiado à CONAM. Filiou à CONAM, mas não filiou a nenhuma
entidade estadual aqui em Goiás. Por quê? Quando ele viu que nós, por
exemplo, conseguimos em Brasília verba pra fazer casa sem precisar de
governo estadual e municipal, como no caso nós fizemos esse condomínio
aqui, aí ele juntou com a gente. [...]. O Lula cria o Crédito Solidário e aí,
como eles perceberam que tinha isso e nós tínhamos uma maior facilidade
de acessar esses recursos, a gente sabia onde que estava, a gente podia
pressionar pra sair a verba, aí eles vieram e se filiaram à CONAM110. (Luiz
Carlos, 10.05.2011).
110
Euler Ivo e Isaura Lemos, desde a resistência à ditadura no PC do B, filiam-se em meados da
década de 1990 ao PDT, aí permanecendo durante o restante desta década e toda a década de
2000. No início de 2011, Euler Ivo retorna ao PDT. Isaura Lemos, deputada estadual, e a filha Tatiana
Lemos, vereadora em Goiânia, fazem o mesmo em outubro desse mesmo ano.
157
CCAB, conforme registra Luiz Carlos, apoiasse a FEGIP nas ocupações urbanas
que realizou.
O CCAB e a FEGAM perdem força nas décadas de 1990 e 2000. Nesta
última década, é a representação goiana na CONAM, não necessariamente
vinculada àquelas duas associações, que desempenha um papel importante,
conforme trecho transcrito acima da entrevista realizada com Luiz Carlos. Tal como
a UEMP-GO, vinculada nacionalmente à UNMP, assessora suas filiadas na
contratação e/ ou execução de projetos habitacionais dentro dos programas federais
destinados ao cooperativismo habitacional, mobilizando, da mesma forma, os
recursos resultantes da sua inserção no Conselho Nacional das Cidades e no
Ministério das Cidades. É em parte devido a esta assessoria que as entidades Morar
Bem e MLCP executam, em conjunto, o Residencial Lírios do Campo em Goiânia,
encarregando-se cada uma delas de uma de suas etapas, que somam 257
unidades, e que a entidade AHDM executa, no município de Jaraguá, situado na
microrregião de Anápolis, um conjunto beneficiando 70 famílias. (Luiz Carlos,
10.05.2011).
3.500
3.000
2.500
2.000
Crédito
Solidário
1.500
MCMV
1.000 Entidades
500
0
PE
CE
RJ
RN
MG
SC
RS
MS
PA
SP
PI
PB
PR
MA
BA
GO
TO
SE
AL
ES
RO
Fonte: Ministério das Cidades, posição: abril de 2010 (Crédito Solidário); e Ministério das Cidades, posição:
janeiro de 2010 (MCMV Entidades).
goza de forte tradição associativa, como Rio Grande do Sul e São Paulo. No
Programa Crédito Solidário, segundo informações do Ministério das Cidades para
abril de 2010, contratou 3.240 unidades, mais do que o Rio Grande do Sul (2.876) e
São Paulo (2.042), segundo e terceiro colocados. Já no MCMV Entidades, de acordo
com informações do mesmo ministério para janeiro de 2011, contratou 1.693
unidades, mais do que São Paulo (873), Bahia (780) e Rio Grande do Sul (735),
segundo, terceiro e quarto colocados.
A trajetória pregressa do movimento por moradia goianiense e a
capacidade organizativa e de influência que dela resulta é, certamente, um dos
fatores explicativos do êxito do estado de Goiás na contratação dos dois programas
habitacionais federais em tela. Deve-se observar, contudo, que, se os agrupamentos
que se afirmam em função daquela trajetória, a saber, a UEMP-GO e o MLCP, este
último associado à CONAM nos últimos anos, vêm estendendo seu alcance para
outras áreas do estado, a região metropolitana de Goiânia continua sendo seu
espaço privilegiado de atuação. Enquanto na microrregião de Goiânia estão 43,1 e
28,1% do total de unidades habitacionais contratadas pelo estado de Goiás no
Crédito Solidário e no MCMV Entidades, na microrregião do Entorno de Brasília as
porcentagem em questão são um pouco maiores – respectivamente, 49,9 e 48,3%.
Aí, são outros os movimentos e cooperativas atuantes e, mais do que isso, outras
entidades federativas que não a UEMP-GO e a CONAM.
1.800
1.617
1.600
1.395
1.400
1.200
1.000
818 Crédito
800 Solidário
Fonte: Ministério das Cidades, posição: abril de 2010 (Crédito Solidário); e Ministério das Cidades, posição:
janeiro de 2010 (MCMV Entidades).
159
111
A expansão periférica de Brasília (Região Administrativa I – Plano Piloto), iniciando-se na década
de 1960 em direção às cidades satélites (demais Regiões Administrativas), transpõe os limites do
Distrito Federal na década de 1970 e se afirma na década de 1980, quando ocorre em todo país o
fenômeno da desconcentração metropolitana, resultante no caso em tela, dentre outras coisas, da
continuidade do rígido controle imposto sobre o uso do solo e da redução da oferta de empregos
públicos em função da conclusão obras da transferência da capital. Essa expansão periférica atinge,
sobretudo, os municípios goianos situados nos limites sudoeste e nordeste do quadrilátero do DF,
que absorvem a população que trabalha no centro do Distrito Federal mas não consegue inserção em
seu mercado habitacional. Esta região seria o Entorno Imediato, constituindo-se o Entorno Distante,
diferentemente, pelos municípios que não sofreram/sofrem impacto direto do processo em questão,
marcando-se por base econômica agropecuária e taxas de crescimento e densidades demográficas
menores. É importante ressaltar que os municípios de Cidade Ocidental, Valparaíso de Goiás e Novo
Gama surgiram de três grandes conjuntos habitacionais produzidos pelo BNH (por outro agente que
não a COHAB-GO) na década de 1980 no município de Luziânia. (CAIADO, 2005; GUIA; CIDADE,
2010; PAVIANI, 1987).
112
Como observa Vidal Barbosa: “No Entorno de Brasília, o movimento é organizado, é mais
organizado que o nosso. E lá há muitas entidades. Eles têm uma entidade, uma espécie de uma
federação, que congrega 260 entidades. Todas essas entidades estavam produzindo. No Novo
Gama, na Cidade Ocidental, em Planaltina, em Formosa, eles produziram muito, muito mesmo. [...].
Eles são mais organizados e estão mais perto do poder do que nós. Então, têm um poder de pressão
muito maior. [mais próximos territorialmente?, perguntei]. Territorialmente. Porque o poder de
160
periferização dos conjuntos habitacionais, em função dos altos valores dos terrenos
em Brasília. (QUINTO, 2007).
O programa estadual Cheque-Moradia, em seu desenho original,
embora preveja a realização de convênios também com entidades, diferentemente
do que se passa com o Crédito Solidário e o MCMV Entidades, mostra-se muito
menos atrativo para o movimento por moradia, já que, para além da defasagem do
seu poder de compra, tende a exigir deste o mesmo que exige dos municípios. O
Cheque-Moradia, assim, chegou a ser utilizado na produção habitacional
autogestionária, mas apenas para a complementação dos recursos federais e,
mesmo assim, em poucos casos. A iniciativa mais importante da AGEHAB na
relação com os movimentos ocorre na gestão Silmara Viera (2008-2010), quando se
procura fortalecer os canais de interlocução com os mesmos e, ademais,
potencializar sua capacidade de produzir moradia com os recursos federais. Digno
de nota, neste aspecto, é o cadastramento de 63 entidades ligadas à moradia
realizado por esta agência, que, além de ter resultado no aumento de 5 para 21
entidades habilitadas junto à CEF, pode resultar na contratação de mais 10
empreendimentos dentro dos programas federais destinados à auto-gestão. (Luiz
Carlos, 10.05.2011).
Na década de 2000, em resumo, o movimento por moradia goianiense
e goiano em geral tende a reconfigurar suas estratégias de atuação. Por ocasião,
sobretudo, do surgimento e operação de programas federais como o Crédito
Solidário, o MCMV Entidades e, ainda, o Produção Social da Moradia, tende a, cada
vez mais, ocupar-se da produção de moradias pela via da auto-gestão. Nos termos,
talvez demasiadamente esquemáticos mas sem dúvida muito ilustrativos, de
Leidimar de Souza Ribeiro (07.05.2011), assistente social e militante da UEMP-GO,
o movimento, após passar de uma etapa “reivindicativa” na década de 1980 para
influência política, ele só funciona quando você tem mandato. Tipo eu e outros que não temos
mandato, não funciona. [...]. Eles estão mais próximos do poder, eles têm parlamentares ligados a
eles com mais força do que nós. [...]. O poder deles é tão grande que o secretário de habitação do
GDF é indicação deles. Eles são fortes. Eles não são tratados como entorno daquela região. Têm um
tratamento especial de RIDE. E aí [...] o tratamento deles é diferenciado, tanto é que o dinheiro pra
eles é mais: enquanto o dinheiro pra nós aqui é 24, pra eles é 30. [mas o tratamento para a RIDE é o
mesmo para a RMG, não?]. Não, é com um tratamento privilegiado. [...] Brasília, Belo Horizonte, Rio
de Janeiro e São Paulo têm tratamento diferenciado”. (Vidal Barbosa, 05.05.2011).
161
113
É preciso observar que, tal como se depreende das considerações feitas pelos atores do
movimento por moradia goianiense com respeito ao período atual, a UEMP-GO, embora também
voltada predominantemente para a produção habitacional autogestionária com recursos federais,
muito em função de sua trajetória pregressa, tende a articular sua demanda por novas unidades e
regularização fundiária à pressão política pela aplicação dos instrumentos presentes no Plano Diretor,
o que não se verifica com o MLCP.
162
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
tarefas com outros órgãos do estado, além das deficiências internas ao próprio
Cheque-Moradia, da fraca articulação do mesmo com os demais setores da política
urbana e da ausência de planejamento.
O movimento por moradia no estado de Goiás, não apenas aquele cuja
atuação tem como epicentro a região metropolitana de Goiânia mas, é bem
provável, aquele articulado no Entorno de Brasília, passa por reconfigurações
importantes na década de 2000, por ocasião, sobretudo, do surgimento e operação
dos programas habitacionais federais voltados para a auto-gestão. Com a abertura
dessa possibilidade, antes inexistente, seus diversos segmentos tendem a, cada vez
mais, centrar o foco na produção de moradias. Coloca-se como desafio para o
movimento por moradia goiano e brasiliense cuidar para que a ênfase nessa nova
estratégia de atuação não implique, como vem ocorrendo desde a década de 1990 e
se acentuando na presente década, o abandono de estratégias mais amplas de
articulação. Tal é necessário, dentre outras coisas, porque a política habitacional do
governo do Estado de Goiás, além das municipais, prossegue padecendo de vícios
que há muito a acompanham, carecendo de reformulação e aprimoramento.
173
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APÊNDICES
181
Entrevistados
André Luiz Tavares de Brito – Arquiteto da SESH/ Meu Lote, Minha Casa.
Dia 06/05/2011.
Duração: 1h
Duração: 2h30min
Visita ao Eldorado Oeste e ao Jardim do Cerrado.
Roteiro 1 (Estado)
programa por outros estados; fluxo e fases da distribuição dos benefícios desde
2001 a 2010; e contrapartida em programas federais.
7. Problemas e iniciativas de mudança: procedimentos vinculados à distribuição dos
benefícios (seleção de municípios e cadastramento e seleção de famílias);
planejamento; relação com produção habitacional do movimento por moradia;
correção dos subsídios concedidos.
1. Trajetória de militância.
2. Década de 1980: contexto de surgimento; aportes institucionais (Igreja, CPT, PT,
academia e profissionais militantes, etc); evolução organizativa (UI, UPG e
FEGIP); participação nos movimentos nacionais; relação com governo Íris e
governo Santillo; CPU; e Mutirão da Moradia.
3. Década de 1990: Fazenda São Domingos e surgimento do MLCP; administração
municipal Darci Accorsi – PT; Goiânia Viva; movimentos nacionais; conflitos no
âmbito político-partidário; relação com governo Íris e governo Maguito;
desarticulação da FEGIP; e SHC.
4. Década de 2000: Cheque-Moradia; Ocupação Sonho Real; produção habitacional
autogestionária com recursos federais; redefinições no movimento por moradia
local.