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O’DWYER, Eliane Cantarino; SILVA, Katiane.

Anthropological practices, inter-group


conflicts and shared colonial experiences in a regional context of the Lower Amazon. Vibrant,
v. 17, 2020. http://www.vibrant.org.br/lastest-issue-v-17-2020/
Original em português do artigo traduzido para publicação em inglês.

PRÁTICAS ANTROPOLÓGICAS, CONFLITOS INTERGRUPOS E EXPERIÊNCIA


COLONIAL COMPARTILHADA EM UM CONTEXTO REGIONAL DO BAIXO
AMAZONAS
Eliane Cantarino O’Dwyeri
Katiane Silvaii
Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar novas reflexões sobre pesquisas etnográficas realizadas
no Baixo Amazonas, em situações sociais investigadas em condições de trabalho de campo ao
longo de duas décadas e meia, nas quais são implementados projetos desenvolvimentistas de
construção da nação promovidos por empreendimentos capitalistas e o estado modernizante,
considerados como os dois mais importantes poderes que organizam o espaço hoje. É nesse
contexto de políticas desenvolvimentistas hegemônicas que são produzidas narrativas
relacionadas aos direitos territoriais e culturais, que contam igualmente com a contribuição
dos antropólogos mediante pesquisas acadêmicas e na elaboração de relatórios e laudos
antropológicos como novos gêneros narrativos.

Palavras-chave: Práticas Antropológicas, Quilombolas, Munduruku do Planalto, Direitos


Territoriais, Relações de Poder

Introdução

O objetivo deste artigo é apresentar novas reflexões sobre pesquisas etnográficas em


curso no Baixo Amazonas, mediante situações sociais investigadas em condições de trabalho
de campo ao longo de duas décadas e meia1, nas quais são implementados projetos
desenvolvimentistas de construção da nação promovidos por empreendimentos capitalistas e o
estado modernizante, considerados como os dois mais importantes poderes que organizam o
espaço hoje (ASAD 1993). Este projeto modernizador de construção do Estado-nação
brasileiro não envolve apenas os governantes que tentam implementá-lo, mas também aqueles
que lutam contra seus efeitos negativos em espaços políticos legais estabelecidos. Assim,

1
Projetos coordenados por Eliane Cantarino O’Dwyer: Provárzea: Situação Sócio-Econômica: Diagnóstico dos
Tipos de Assentamentos, Demografia e Atividade Econômica (2002-2005); Projeto de Regularização de
Territórios Quilombolas do Oeste do Pará, Fundação Ford (2008-2010); Etnicidade, práticas culturais e formas
de organização social em um contexto regional do baixo Amazonas, CNPq (2010-Atual), Capes-Fapespa (2016-
2018); Interseções de conhecimentos etnográficos e arqueológicos em contextos do Baixo Amazonas: o caso do
território do Aiaiá em Santarém, Pará, Edital Universal CNPq (2014-2017). Os Quilombos do Trombetas e
Erepecuru-Cuminá, Grupo de Estudos e Trabalho de Campo na Amazônia-Proex-UFF (1992-2000).
1
juntamente com o projeto modernizador são configuradas novas formas de fazer história,
principalmente após a Constituição Federal de 1988, mediante o reconhecimento das terras
tradicionalmente ocupadas por indígenas, quilombolas e outras categorias de povos
tradicionais.
É nesse contexto de políticas desenvolvimentistas hegemônicas que são produzidas
narrativas relacionadas aos direitos territoriais e culturais, que contam igualmente com a
contribuição dos antropólogos mediante pesquisas acadêmicas e na produção de “novos
gêneros narrativos (como laudos, relatórios de identificação, estudos de impacto ambiental)”.
(OLIVEIRA, 2013: 48)
Deste modo, identidades sociais como quilombolas, indígenas e outras categorias de
povos tradicionais - ribeirinhos, pescadores, agricultores familiares - são acionadas como
formas de resistência aos efeitos desse tipo de “modernização conservadora”2 que nega, na
prática, direitos “originários” e de posse sobre áreas de ocupação tradicional, os quais são,
contudo, assegurados pela Constituição Federal de 1988, já que, pelo arcabouço jurídico
civilista, o conceito de propriedade privada da terra tem sido até então prevalente sobre outras
formas de dominialidade (DUPRAT, 2012). É nesse quadro institucional que exercemos o
fazer antropológico de observar e descrever tais encontros/embates entre a implementação de
projetos ditos desenvolvimentistas e as formas locais de adaptação, cooperação e/ou
resistência diante da atuação desses poderes econômico e político hegemônicos.
Os processos de mudança e transformação ao longo, sobretudo, das duas últimas
décadas, observados nas experiências continuadas de pesquisa, trazem novas configurações
identitárias, formas organizacionais e conflitos socioambientais em uma escala sem
precedente.
É nesse contexto regional do Baixo Amazonas que as práticas antropológicas têm
observado e registrado a hegemonia de forças econômicas empresariais e ações de estado que
se impõem em nome do “progresso” diante do qual as formas culturais tradicionais só têm
sido reconhecidas mediante categorias jurídicas como indígenas, quilombolas e o uso do
termo mais ambíguo e generalista de povos tradicionais (Decreto Presidencial nº6.040 de
07/02/2007). Tais povos tradicionais são considerados contrastivos à modernidade em relação
a qual a denominação “tradicional” assinala a sujeição da vida desses grupos às mudanças que

2
A expressão “modernização conservadora” é utilizada para se referir à modernização da agricultura, “que se fez
sem que a estrutura da propriedade rural fosse alterada” e nos seus “efeitos perversos”: “concentração da
propriedade”, “disparidades de renda”, “êxodo rural”, o “aumento da taxa de exploração da força de trabalho nas
atividades agrícolas” e “piora na qualidade de vida da população trabalhadora do campo” (PALMEIRA, 1989,
p.1)
2
se pretendem modernizadoras e são consideradas fontes de salvação da economia, da política
e do Estado-nação.
O conhecimento antropológico produzido nesse contexto regional do Baixo Amazonas
tem observado e descrito tais processos de mudança, mediante produção acadêmica
propriamente dita, mas também na expertise antropológica utilizada para o reconhecimento de
direitos territoriais de indígenas e quilombolas3.
O discurso legal de reconhecimento de direitos territoriais participa na construção de
processos de criação de realidades “modernas” que configuram novas relações sociais em
termos de direitos legais, os quais, em algumas situações etnográficas observadas, têm
também contribuído para dividir grupos autoidentificados como indígenas, quilombolas e
outras categorias de povos tradicionais, como no caso observado entre comunidades
quilombolas, no lago do Maicá, e seus vizinhos Munduruku, no Planalto Santareno.
As noções de etnogênese e de emergência étnica quando servem de quadros
explicativos para descrever essa nova configuração social e política no Baixo Amazonas
(IORIS, 2019; VAZ, 2010)4, ao produzir conhecimento relevante sobre a construção
identitária atualizada de grupos indígenas e quilombolas, trazem o risco de apenas inverter
com sinal positivo a narrativa historiográfica regional sobre o desaparecimento e apagamento
dos povos indígenas nessa região de fronteira amazônica, “substantivando um processo que é
histórico”, a partir do uso de “metáforas naturalizantes” (PACHECO DE OLIVEIRA, 1998,
p. 62). Tais metáforas são igualmente tributárias de “uma outra classificação frequente [que] é
a do atributo da invisibilidade”, (...) [que] “continua a ser caudatária de uma etnologia das
perdas e das ausências culturais”. (Idem)
Assim, a partir das situações etnográficas procuramos refletir sobre os riscos da
reprodução acrítica do discurso administrativo legal pelos antropólogos (ASAD, 1991), no
caso em questão, pela divisão de grupos e comunidades que entretém relações ancestrais e de
dominialidade comum reduzidas às categorias legais administrativas que impõem a divisão do
território como único meio de defesa ao avanço dos interesses econômicos do agronegócio e

3
No caso, por exemplo, das comunidades de quilombo em Santarém (Pará) através de relatórios antropológicos
elaborados para o Incra/Sr-30 e acompanhados, em condições de trabalho de campo, pelos membros das
associações quilombolas e da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS).
4
A produção mais recente sobre o processo de organização do movimento indígena no Baixo Tapajós e o Baixo
Arapiuns tem sido abordada nos trabalhos de Ioris (2014, 2018), Vaz (2013), Lima (2015, 2019). Essas
publicações descortinam a possibilidade de um exercício de comparação contrastiva entre os processos sociais e
políticos nessa região do Baixo Tapajós e os da região do Ituqui-Maicá, Planalto Santareno. Contudo, isso foge
ao escopo do presente artigo.
3
dos projetos de construção de barragens e portos de escoamento da soja do Centro-Oeste,
como no caso da proposta de construção do porto de Maicá.
No contexto ecológico do baixo Amazonas, os campos de atividades conectadas entre
a pesca, agricultura e criatório de gado, congregam grupos domésticos em um meio ambiente
definido por um sistema integrado de lagos que abrange as comunidades de várzea e planalto.
Deste modo, essa nova configuração da modernidade que tem garantido direitos territoriais de
povos e comunidades tradicionais, igualmente, vem suscitando disputas intergrupos sobre
limites espaciais em unidades ecológicas de grande escala, formadas por rios, igarapés e
lagos, sobretudo, na região que abrange as comunidades de várzea do Ituqui-Maicá – território
do Aiaiá, assim como dos Munduruku do Planalto, que ocupam o território localizado entre o
lago do Maicá e a rodovia PA 370 (Santarém-Curuá-Una).
É nesse contexto regional que compreende as áreas de várzea e terra-firme do Ituqui-
Maicá e parte do planalto santareno, que são abordadas situações sociais, nas quais “os fatos
observados” e os “comportamentos registrados” em condições de trabalho de campo
etnográfico constituem parte das relações e experiências acumuladas entre pessoas e grupos,
as quais configuram processos sociais, históricos e políticos (BENSA, 1998, p. 46), em uma
variação de escalas a partir do nível local.
Diante das mudanças advindas pela implementação de projetos desenvolvimentistas de
exploração de commodities, sobretudo a soja, que atinge todas as comunidades do Ituqui-
Maicá e planalto santareno; assim como do acionamento de identidades étnicas indígenas e
quilombolas para fins de reconhecimento dos territórios de ocupação tradicional, o sentimento
prevalente ainda é de continuidade das formas socioculturais de organização familiar e
comunitária traduzido nos direitos étnicos e territoriais.
As novas narrativas dos direitos são comunicadas contextualmente entre lideranças e
grupos visando superar divisões e disputas recentemente introduzidas sobre áreas de uso
comum e compartilhado, o que levanta a questão se no contexto hegemônico da modernidade
indivíduos e grupos podem traçar suas vidas livres de uma visão colonialista de
desenvolvimento que torna (in) sustentável a sustentabilidade de suas existências.
É nesses contextos de lutas pelo reconhecimento dos direitos constitucionais (CF
1988) nos quais o “domínio do social tem sido reestruturado e/ou constituído” (ASAD, 1991)
que se torna necessário problematizar oposições entre o moderno e o tradicional mediante o
foco nas interações sociais em uma perspectiva histórica dos poderes hegemônicos, inclusive
das relações coloniais locais envolvidas nessa nova moldagem da modernidade (VAN DER

4
VEER, 2001). Tal abordagem proveniente das margens pretende destacar campos de interação
e encontros históricos, mesmo que fragmentários, como no caso da fazenda Taperinha e dos
relatos de viajantes que assinalam a existência de mão de obra indígena e escrava na
exploração econômica da região do Aiaiá.
Atualmente, as diferenças atualizadas e produzidas no contexto de aplicação dos
direitos constitucionais entre indígenas, quilombolas e outras categorias de povos tradicionais
não se constituem como essências culturais, mas são resultados de relações de poder herdadas,
inclusive, do período colonial5, como no caso da Fazenda Taperinha, sobretudo a partir da
situação etnográfica de disputa por limites territoriais entre os Munduruku do planalto
santareno e os quilombolas do Maicá, os quais, contudo, entretém relações de parentesco
inclusive entre suas lideranças.
Por conseguinte, tratam-se não só de formas organizacionais diferenciadas, mas de
redes de interação histórica, o que nos obriga a problematizar as próprias categorias com as
quais costumamos estudar esses grupos e povos ditos tradicionais. Assim, procura-se explorar
modos alternativos de analisar problemas e materiais etnográficos a partir de novas narrativas
que se apresentam como alternativas construídas pelos próprios atores sociais – “viver do
modo que sempre vivemos” – para configurar modos de interação e relações que possam ser
por eles, na prática, vividos.

Território do Aiaiá e Fazenda Taperinha: experiência colonial compartilhada

No município de Santarém, Pará, uma das principais propriedades escravistas era o


engenho Taperinha, pertencente a um português com a insígnia de Barão de Santarém, ao qual
se associou o norte-americano Rhome, radicado naquela região, juntamente com outros que
por ali imigraram, a partir de 1867, logo após o término da guerra civil nos EUA, em 1865.
Uma das evidências etnográficas desta relação escravocrata inscrita no espaço
territorial são os cavados, que compreendem escavações realizadas pela mão de obra
escravizada. Estes cavados ainda hoje permitem os fluxos de água entre o rio Ituqui e o
paraná do Maicá, possibilitando o transporte de barcos e de mercadorias na região. Para os

5
O conceito de “colonialidade do poder” se refere a um novo padrão de poder mundial, baseado na
“classificação social da população de acordo com a ideia de raça (...), que expressa a experiencia básica da
dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundial, incluindo sua
racionalidade específica, o eurocentrismo. Esse eixo tem, portanto, origem e caráter colonial, mas provou ser
mais duradouro e estável que o colonialismo em cuja matriz foi estabelecido. Implica, consequentemente, num
elemento de colonialidade no padrão de poder hoje hegemônico”. (QUIJANO, 2005, p.117)
5
quilombolas do Ituqui, os cavados, simbólica e significativamente condensam o “sacrifício”
do trabalho ancestral e demarcam a relação desses grupos com o território. A produção dessa
paisagem incorporada às relações sociais, desde o tempo da escravidão, é conhecida como
território do Aiaiá (PAPAVERO e OVERAL, 2011) nas narrativas dos naturalistas viajantes
que por lá passaram no século XIX e início do século XX
Segundo os relatos atuais dos moradores das comunidades quilombolas do Ituqui, um
desses cavados é atualmente denominado “cavado do Darlan” – nome de um fazendeiro que
se afirma como descendente da família Riker, pertencente aos antigos Confederados em
Santarém. Tal cavado encontra-se localizado na margem direita do rio Ituqui em área de
várzea, citada pelas fontes historiográficas como “assessória” à fazenda Taperinha ainda no
tempo da escravidão. Deste modo, o cavado pode ser considerado uma evidência etnográfica
do processo de ocupação que compõe a memória social das formas de relações estabelecidas.
A referência a este cavado encontra-se também nas fontes historiográficas, como no
relato do naturalista Barbosa Rodrigues sobre a visita que fez à Taperinha em 1871: “depois
de ter atravessado o Cavado penetrei no rio Ayayá [Maicá], onde está situado o engenho do
Exm. Sr. Barão de Santarém [e após] algumas horas de viagem por este rio, cheguei ao
referido engenho [Taperinha] pelas duas horas da madrugada”. O “engenho Taperinha” é
considerado pelo naturalista como “o primeiro do município”, dirigido pela “ativa
administração” do norte-americano Rhome (p. 121-122). No livro Taperinha (Papavero e
Overal, 2011), em nota sobre o cavado, consta ainda a seguinte explicação: trata-se de um
“canal artificial, segundo a tradição mandado fazer por escravos pelo Barão de Santarém, na
parte oeste da Ilha de Ituqui, para reduzir o tempo de navegação. Seria uma espécie de ‘furo’
artificial, ligando o Paraná de Ituqui ao Paraná de Maicá ou do Aiaiá” (p. 126).

Figura 1: Fazenda Taperinha. Fonte: (Santarém.pa.gov.br)

6
No século XIX, a fazenda Taperinha foi palco de intensas atividades ligadas tanto à
exploração dos recursos da várzea e terra firme, quanto às pesquisas científicas. Por sua vez,
este período foi registrado por visitantes, comumente chamados de naturalistas, e no caso da
região em estudo, os registros são profundamente marcados por algumas personalidades,
dentre os mais importantes, temos Joseph B. Steere (1870-1871), Charles F. Hartt (1870-
1871), João Barbosa Rodrigues (1871) e Herbert Huntingdon Smith (1875). Constam nas
fontes consultadas que esses pesquisadores foram acolhidos pela família americana Rhome,
sendo que em Taperinha e arredores foram coletados diversos espécimes de fauna e flora que
se tornaram holótipos em diversas coleções brasileiras e estrangeiras. Os registros assinalam a
presença na Fazenda Taperinha de integrantes da família de Romulus Rhome e da mão de
obra de escravos e índios, conforme os termos usados na época, e a descrevem como um local
próspero, onde era cultivado tabaco e cana-de-açúcar, além de praticada a colheita do cacau
(Papavero e Overal, 2011).
Nessa região do Aiaiá, assim denominada tanto por moradores ribeirinhos quanto por
fazendeiros de Santarém, as comunidades remanescentes de quilombo que formam o
Território Quilombola Maria Valentina diferenciam-se e invocam seus direitos constitucionais
usando, como critério prevalente de pertencimento, a descendência presumida dos membros
do grupo com uma ancestral comum chamada Maria Valentina Ramos, que vivia nas
imediações da Fazenda Taperinha. Segundo conta Tia Gó (88 anos), neta da Maria Valentina,
que nos recebeu em 2010 na sua casa, nas margens do rio Ituqui e disse para os pesquisadores
-"sou quilombola", sua avó era uma velha brava, capaz de enfrentar inclusive os homens. Na
casa dela, onde foi criada, havia muita plantação, variedade de frutas e ao fundo do terreno
ficava o gado. Portanto, a memória social refere-se à Maria Valentina como uma escrava
liberta pela sua resistência e valentia.
No contexto do trabalho de campo, nas reuniões de apresentação da equipe de
antropólogos, como no caso das comunidades de São Raimundo, São José e Nova Vista, que
formam o Território da Valentina, os membros das comunidades presentes se disseram
receosos que, devido ao processo de miscigenação racial entre eles, sobretudo após a
Cabanagem (Salles, 1971), os pesquisadores colocassem em questão o uso de termos como
quilombo e a autodefinição de quilombola, frequentemente relacionados às pessoas de origem
escrava negra.
Contudo, nesse campo de aplicação dos direitos constitucionais, os pesquisadores
reunidos na Associação Brasileira de Antropologia têm questionado a utilização de formas de

7
identificação e classificação estranhas aos próprios atores sociais, baseadas em critérios
“historiográficos”, “arqueológicos”, “raciais” e/ou “culturais”, em busca do “sentido”
considerado “correto”, “válido” e “verdadeiro”, ao insistir na compreensão dos novos
significados que o uso de termos, como “remanescentes de quilombos”, adquire nas ações
sociais orientadas pela existência do dispositivo constitucional (O’DWYER, 2011).
Deste modo, a existência legal de um grupo depende das ações e dos significados que
são produzidos no campo de reconhecimento dos direitos diferenciados de cidadania, os quais
só podem ser interpretados “quando se encontram situados em uma organização social e em
uma práxis de comunicação” (Barth, 1989: 85). Ao orientar suas ações e produzir significados
nestes contextos, indivíduos e grupos são movidos por visões de mundo, representações e
relações sociais que configuram e filtram suas experiências (idem).
Na perspectiva antropológica, a raça existe como uma “construção cultural” e as
“noções nativas de raça são (consideradas) cruciais para compreensão da etnicidade [...], e
podem ser importantes na extensão que informam as ações das pessoas” (Eriksen 2010: 6-7).
A etnicidade, como sentimento e condição de pertencer a um grupo étnico, pode assim
assumir muitas formas, e ideologias étnicas tendem a acentuar descendência comum entre
seus membros. Este é o caso das comunidades de quilombos que formam o Território Maria
Valentina.
Durante o trabalho etnográfico realizado em 2010 ouvimos, através da memória social
– cuja importância é fundamental na pesquisa antropológica, pois “poder compartilhar do
passado do outro é poder participar da sua vida presente” (Fabian, 2010:19) –, relatos nos
quais a origem comum dos membros das comunidades da região do Ituqui, autoidentificados
como descendentes de Maria Valentina, fundamenta pelo parentesco, mais do que o fenótipo
caracterizado pela cor da pele, a reivindicação de um território coletivo.
De acordo com os relatos, Maria Valentina manteve relações com muitos homens e
com eles teve diversos filhos, inclusive em termos de cor, sendo esse fato acionado
constantemente na construção da origem comum e do pertencimento étnico. Mas a relativa
diversidade “étnica” (leia-se fenotípica) do contexto em questão foi também relacionada a
fatos históricos ocorridos na região, principalmente o movimento da cabanagem 6, nos anos

6
A Cabanagem foi uma rebelião que ocorreu na província do Pará, de 1835 a 1840. Embora por causas
diferentes, os cabanos (índios e mestiços, na maioria) e os integrantes da elite local (comerciantes e fazendeiros)
se uniram contra o governo regencial nesta revolta. O objetivo principal era a conquista da independência da
província do Grão-Pará, durante um período de ruptura e pós-independência do Brasil. Os cabanos pretendiam
obter melhores condições de vida, já os fazendeiros e comerciantes, que lideraram a revolta, pretendiam obter
maior participação nas decisões administrativas e políticas da província. Segundo Harris (2017), os líderes do
movimento se denominavam como “defensores da pátria e da liberdade”.
8
trinta do século XIX.
A grande diversificação encontrada entre os integrantes do movimento, denominados
cabanos, envolvia indivíduos considerados ‘brancos’ – de origem europeia, ‘negros’, de
origem africana, trazidos como escravos, indígenas, e outros considerados mestiços,
‘caboclos’ (mestiços de branco com índio), ‘cafuzos’ (mestiços de índios e negros), ‘mulatos’
(mestiços de branco com negros) (Salles, 1971).
A discussão sobre a construção da identidade quilombola na situação de trabalho de
campo é compreendida e referenciada a esta origem histórica das comunidades e a
descendência comum de Maria Valentina, uma mulher considerada ‘valente’ e ‘braba’ como
os insurgentes cabanos.
Essa teoria nativa da miscigenação pode dialogar com o pensamento social brasileiro,
como no livro O Negro no Pará de Vicente Salles (1971), segundo o qual a miscigenação se
processou intensamente na Amazônia e na capitania7 do Pará, onde a massa da população
escrava não mais será exclusivamente negra em meados do século XIX, com exceção dos
africanos natos, apresentando o ‘crioulo’, termo utilizado no Brasil para se referir a qualquer
pessoa negra, múltiplas combinações étnicas. Os mestiços que formavam a chamada
“população de cor” também eram escravos, conforme anúncio publicado na imprensa da
capitania do Pará sobre a fuga de um “mulato atapuiado”, isto é, com características fenótipas
também indígenas (idem).
A mestiçagem não significou a eliminação do preconceito, que foi considerado uma
das causas “que colocou a massa ‘cabocla’ em pé de guerra durante a cabanagem contra os
reinóis” (Salles, 1971:138), assim chamados os naturais do reino português, designação esta
que se estende também aos não especificamente portugueses, “que se identificaram através de
interesses econômicos e posições sociais comuns” (idem). Alguns autores chegaram a
identificar a “cabanagem como uma espécie de luta racial” contra o preconceito (ibid.: 138).
Ainda de acordo com Vicente Salles, na cabanagem “o negro que até então fugia para
os mocambos [refúgio geralmente no mato de escravos fugidos] distantes, aderiu em massa ao
movimento, pretendendo alcançar a liberdade” (ibid.: 212). Mas esta não lhe foi concedida e
após a cabanagem os mocambos se multiplicaram em quase toda a Amazônia.
Atualmente, os estudos sobre formação de identidades políticas têm sido
característicos de “sociedades modernas”. Segundo Eriksen (2010, p. 85):

7
As capitanias são divisões administrativas dos antigos territórios ultramarinos do Império Espanhol e do
Império Português.
9
Enquanto muitos historiadores tendem a tentar descobrir o que realmente aconteceu
– alguns até distinguir entre tradições "inventadas" e tradições "reais" (Hobsbawm,
1983; cf. capítulo 5) - a maioria dos antropólogos concentra-se em mostrar as
maneiras pelas quais relatos históricos são usados como ferramentas na criação
contemporânea de identidades políticas. Antropólogos enfatizariam que a história
não é um produto do passado, mas uma resposta aos requisitos do presente. Por esse
motivo, essa discussão da história não se refere ao passado, mas ao presente.

De acordo com relatos coligidos em trabalho de campo, Maria Valentina chegou a ser
escrava na infância e o levantamento genealógico indica seu nascimento entre os anos de
1860-1865, sendo ela contemporânea da chegada dos Confederados depois da guerra civil
americana em Santarém. No livro O Sul mais distante, de Gerald Horne (2010), sobre os
Confederados no Brasil, em 1867, dois anos depois do término da Guerra Civil americana, foi
noticiado no New York Times que vários fazendeiros sulistas se mudaram para o Brasil e aí se
estabeleceram. A persistência da escravidão africana na América Latina, principalmente no
Brasil, mesmo depois de extinta na América do Norte, continuou a oferecer uma base para os
Descendentes dos Confederados do sul escravista e seus aliados.
Em 1885, três anos antes da Abolição da Escravatura em 1888, o cônsul dos EUA no
Pará tinha notado a desilusão dos seus antigos compatriotas com a miscigenação no Brasil. O
projeto dos Confederados no Brasil foi considerado uma desgraça devido, justamente, às
relações inter-raciais prevalentes no trópico. Assim, muitos Confederados americanos
defensores da ideologia da segregação voltaram a viver nos EUA (Horne, 2010).

Figura 2: morador das margens do Maicá. Fonte: Elisa Cotta de Araújo, 2010.

Os quilombolas que se autoidentificam como descendentes de Maria Valentina


atualmente constroem o projeto político de titulação coletiva dos territórios que ocupam como

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meio de luta pela autonomia dos modos de fazer, criar e viver, contra outros modelos de
organização do espaço e exercício do poder.
Essa narrativa etnográfica sobre os quilombolas do Ituqui-Maicá, território do Aiaiá,
tem outra variante empírica no caso dos quilombos do Trombetas e Erepecuru-Cuminã, os
quais utilizam eventos presentes na memória social relacionados com lendas heroicas e
narrativas míticas sobre a cobra grande do Barracão de Pedra, nos contextos de afirmação de
sua identidade de sujeitos históricos procedentes dos quilombos (O’DWYER, 2000).
Deste modo, os grupos autoidentificados como remanescentes de quilombos nas
relações que estabelecem com o Estado brasileiro criam modos diversos de pertencimento à
Nação, enquanto comunidade imaginada, como no caso em questão, que reconfiguram
identidades étnicas ao associar gênero e etnicidade aos processos de construção da Nação. Na
situação etnográfica do território quilombola Maria Valentina, o sinal diacrítico referenciado
ao gênero feminino pela miscigenação promovida por uma mulher negra que tem muitos
filhos a partir das relações sexuais que entretêm com muitos homens de várias procedências
étnicas e nacionais, produz uma imagem invertida do papel de mulher e mãe simbolicamente
atribuídos pelo Estado-Nação, a qual subverte estruturas de dominação que historicamente
lhes são impingidas. (O’DWYER, 2016).

Os Munduruku do Planalto: luta pelo reconhecimento territorial no contexto da


expansão do agronegócio em Santarém

Os Munduruku do Planalto8, segundo autodenominação, estão localizados em uma


área do Planalto Santareno, que abrange em seus limites o lago do Maicá. A área que ocupam
está situada entre a rodovia estadual Santarém-Curuá-Una, PA 370, e às margens do Maicá.
Esse território é constituído por quatro aldeias: Açaizal, Ipaupixuna, São Francisco da Cavada
e Amparador, onde desenvolvem as atividades de agricultura, pesca, criação de animais e
prestam serviços em fazendas dos arredores.
A região também é habitada por comunidades autoidentificadas como quilombolas,
sendo que algumas possuem laços de parentesco e afinidade com os Munduruku, com os
quais estabelecem relações marcadas por alianças e conflitos intergrupos, muitas vezes
fomentados por uma história colonial compartilhada e suas estruturas de poder presente ao
8
O etnônimo Munduruku recobre grupos autoidentificados como indígenas em vários contextos de interação,
como nos casos dos Munduruku do Médio e do Alto Tapajós (LOURES, 2018) e dos Munduruku do Planalto.
Este etnônimo do período colonial é atualizado na reivindicação de direitos territoriais e culturais frente ao
Estado brasileiro. Sobre os diferentes significados étnico-sociais de um etnônimo, ver BAZIN (2017).
11
longo da história local. Deste modo, produzir material etnográfico sobre as mudanças sociais
e as lutas dos coletivos indígenas, quilombolas e povos tradicionais num contexto circunscrito
pelo avanço de várias frentes de colonização e exploração de recursos naturais, implica no
cuidado com as informações e atenção para problematizar as diversas circunstâncias nas quais
essas estruturas de poder se rearranjam nos mais diversos segmentos sociais envolvidos nas
situações.
Os conflitos territoriais prevalentes, tanto para os Munduruku do Planalto, quanto para
os quilombolas às margens do Ituqui-Maicá, estão relacionados à expansão do cultivo da soja
ao longo da rodovia Cuiabá-Santarém, BR-163, e do projeto de construção do Porto do Maicá
para escoamento das commodities. Com uma narrativa embasada na ideia de
“desenvolvimento”, de “civilização” da região e de “trazer o progresso”, esses novos agentes
econômico-empresariais forçam, por meio de uma expropriação continuada, uma
reorganização das relações sociais, com a intensificação das tensões entre e intergrupos e dos
conflitos socioambientais, pela exploração e apropriação dos recursos ambientais renováveis.
Trata-se de uma frente de expansão do agronegócio sobre os territórios de ocupação
tradicional, reivindicados como terras indígenas e quilombolas pelos sujeitos coletivos que
lutam pelo seu reconhecimento, demarcação e titulação junto ao Estado brasileiro.
Em junho de 2018, durante viagem de trabalho de campo realizada no Planalto
Santareno9, foi possível entrevistar algumas lideranças Munduruku que lutam pela
demarcação de uma terra indígena em contraposição ao processo de esbulho territorial
forçado pelo agronegócio, que avança sobre seus espaços de ocupação tradicional. As
lideranças trouxeram à discussão um quadro geral desses enfrentamentos, sinteticamente
categorizados aqui em três aspectos interconectados: a) a urgência da regularização fundiária
e da demarcação de uma Terra Indígena, demandada pelos Munduruku do Planalto; b) os
danos causados pelo avanço do cultivo da soja à saúde dos indígenas, quilombolas e ao meio
ambiente; c) sobreposições territoriais em terras tradicionalmente ocupadas por indígenas e
quilombolas – neste caso, as sobreposições entre a terra indígena pleiteada e os territórios
quilombolas de Murumuru, Murumurutuba e Tinigu, em processo de titulação.
Entre os anos de 2010 e 2015, as lideranças Munduruku, em parceria com o Projeto
Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA) e com a Comissão Pastoral da Terra (CPT),
realizaram um estudo de autodemarcação, dando origem a um fascículo com um mapa que

9
No âmbito do Projeto Etnicidade, Práticas Culturais e Formas de Organização Social em um Contexto Regional
do Baixo Amazonas, coordenado pela pesquisadora Eliane Cantarino O’Dwyer, desenvolvido entre 2016 e 2018,
com financiamento concedido pelo Edital 005/2015, CAPES-FAPESPA.
12
aponta para as principais dificuldades e conflitos engendrados na região, a partir da chegada
do agronegócio (ALMEIDA et alli, 2015). O território que circunscreve a autodemarcação
está, em sua maior parte, sobreposto à Gleba Federal Ituqui e, em menor proporção, à Gleba
Federal10 Concessão de Belterra A. Apenas a primeira está integralmente bloqueada para fins
de regularização fundiária, graças à solicitação dirigida pela Fundação Nacional do Índio
(Funai) ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e ao extinto Programa
Terra Legal, em função da demanda de demarcação de uma terra indígena no local. O
bloqueio impede a titulação da área enquanto a Funai não concluir o processo de identificação
e delimitação da terra, mas isto não significa que os conflitos estejam congelados.
Desde a primeira metade dos anos 2000 os Munduruku vêm fazendo um movimento
de reconhecimento de sua identidade étnica, provocando a Funai para a realização dos estudos
de identificação do território indígena. Em 2012, a Funai realizou um primeiro estudo, a
qualificação preliminar, do território demandado, mas não agilizou as providências
necessárias a um estudo mais aprofundado sobre a situação histórica e social da região.
Em um dos documentos produzidos pelos Munduruku, encaminhado ao MPF em
outubro de 2012, e utilizado para embasar a Ação Civil Pública do Ministério Público, de 29
de maio de 2018, foram constatadas as seguintes ameaças ao território: assoreamento e
contaminação (por agrotóxicos utilizados no cultivo da soja) do igarapé Açaizal;
contaminação e morte de animais; contaminação do ar (mediante pulverização de venenos dos
agrotóxicos); pressão de fazendeiros, por meio do assédio para compra de terras e grilagem
mediante o “cercamento das aldeias”; desmatamento para plantio da soja; impedimento da
mobilidade espacial e obstrução do direito de ir e vir por meio da construção de cercas e
vigilância dos limites arbitrados; bem como sistemática destruição das áreas consideradas
sítios arqueológicos (MPF, 2018).
Segundo relatos dos indígenas, há ocasiões em que a discriminação ocorre no âmbito
institucional, como no caso de alguns funcionários da SESAI que se recusam a atendê-los
porque não são “índios regularizados” e não fazem parte de um território demarcado pelo
Estado.
Além dessas discriminações, um dos grandes problemas que chama a atenção dos
Munduruku é o uso indiscriminado de agrotóxicos na região. Eles denunciaram o uso de
agrotóxicos, proibidos no Brasil, que têm causado problemas de insuficiência respiratória.

10
A definição de gleba (rural ou urbana) está relacionada a parcelas de terra que ainda não foram loteadas ou
divididas e destinadas (Lago 2017). Sobre as noções de terra, território e povos tradicionais, ver respectivamente,
Almeida (2008), Pacheco de Oliveira (2012), O'Dwyer (2013).
13
Segundo os indígenas, um representante do Polo Base do Distrito Sanitário Especial Indígena
Guamá-Tocantins, no qual são atendidos, verificou entre crianças e adultos indígenas a
prevalência de problemas respiratórios e crises alérgicas, além de outros problemas, tais
como, diarreia, doenças intestinais e surtos de leishmaniose.
A expansão da fronteira agrícola é bastante lembrada pelos interlocutores a partir da
instalação do porto da empresa Cargill, entre 2001 e 2002, cujo escoamento de grãos ocorre
via este porto e a rodovia BR-163. Desde então, há mais ou menos 10 anos, os diversos
grupos e os territórios tradicionalmente ocupados no Planalto têm sido pressionados pelos
empresários do agronegócio. Essas pressões se concretizam, por exemplo, em casos onde
indígenas, quilombolas, agricultores familiares, bem como outras categorias de povos
tradicionais, são mobilizados por fazendeiros a servirem como mão de obra em troca da
permanência no local.
Um dos grandes empreendimentos que representa ameaça aos indígenas e aos
quilombolas é a pressão para a construção do Porto do Maicá, a ser localizado no lago de
mesmo nome. A Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps) capitaneou este
processo e desde 2013 vêm travando embates com as lideranças locais para a execução da
construção desse outro empreendimento. No primeiro momento, a Embraps contratou a
Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp) para a elaboração do Estudo
de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
No ano seguinte, a Embraps é considerada apta pela agência reguladora e pela Agencia
Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), que habilita a construção do porto do Maicá.
Em 2015, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) publicou o
EIA/RIMA favorável à construção deste porto. Em contraposição a esta decisão, em 2016, a
Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) questionou o Ministério
Público Federal e a SEMAS a respeito dos estudos ambientais realizados pela Fadesp. Assim,
pressionada pelos movimentos sociais, em março de 2016, a Semas realizou uma reunião para
informar as comunidades envolvidas sobre o projeto do Terminal de Uso Privado no lago do
Maicá. Diante das investidas dos empresários, vários grupos sociais se manifestaram
contrariamente ao avanço da construção, dentre essas manifestações se destacou o coletivo de
mulheres indígenas e quilombolas mobilizadas contra a construção do porto. Mais tarde, a
Justiça Federal ordenou a paralisação do licenciamento do porto do Maicá e o TRF1 negou o
recurso da Embraps (DEL ARCO, 2017).

14
Conforme os indígenas da aldeia Açaizal, a organização e mobilização dos grupos
domésticos da região, sejam indígenas ou quilombolas, é uma forma de resistência ao “projeto
colonizador” da Amazônia, que vem se conformando com base na violência, tanto física
quanto simbólica, enquanto elementos constituintes da "domesticação" e exploração da região
estudada.
Ao traçar um panorama geral sobre as transformações locais, ligadas a um projeto
global de exploração da Amazônia, os Munduruku destacam que antes dos anos 2000 não
havia entre os indígenas uma preocupação com a destruição iminente da floresta, pois a área
do Planalto era ocupada por “nós e alguns proprietários”. No entanto, a partir do momento em
que “os grandes sojeiros passaram a ocupar e se apossar do nosso território, eles passaram a
nos impedir do uso desse território que sempre foi nosso”.
Conforme os Munduruku, o processo de mudança da paisagem local, com a
substituição das matas nativas por soja e milho, tem uma implicação concreta e imediata em
suas vidas: “porque aquilo que era natural da gente usar (o território) passa a ser restrito. (...)
Aí a gente começa a perceber que alguma coisa está errada, o uso que era nosso, que sempre
foi nosso, por algum motivo acaba sendo restringido da nossa vida”. Para estes indígenas, a
“única saída”, a única forma de frear ou combater as investidas dos fazendeiros é por meio da
organização social:

A gente começa a criar as nossas associações de povos indígenas porque a gente via
que a pressão tava vindo e a gente tinha que se defender de alguma maneira. No
decorrer desses anos a gente teve grandes embates, confrontos mesmo: paramos
trator, denunciamos as irregularidades e destruição de sítios arqueológicos,
assoreamento de igarapés... tudo isso, a pressão vem muito rapidamente e a gente
acaba tendo que fazer alguma coisa, senão a gente acaba sendo sufocado por essa
ação e pisoteado por esses grandes empreendimentos. (Entrevista com liderança
Munduruku, em junho de 2018)

Ainda conforme os relatos dos Munduruku durante o trabalho de campo etnográfico:


Até que com os nossos parentes e irmãos quilombolas nós tínhamos um conflito e
acabamos resolvendo depois de conversas, porque havia uma sobreposição. A gente
chegou num consenso e agora são irmãos de luta que podem nos ajudar e a gente
pode ajudar eles. Enquanto nós estávamos discutindo entre nós, os sojeiros se
aproveitavam e acabavam infiltrando ideias (contrárias à demarcação) dentro do
nosso povo. A gente sabe que somos irmãos, mas que juridicamente precisa dessa
delimitação. E hoje a gente assume que tá tudo junto e na hora que o quilombola
precisar do nosso apoio a gente tá aí, e quando a gente precisar deles eles estão aí
pra nos apoiar. (Entrevista com liderança indígena da aldeia Açaizal, em junho de
2018).

As lideranças Munduruku relataram que os conflitos entre a comunidade quilombola


do Murumuru e a aldeia indígena de Amparador, bem como entre as aldeias Ipaupixuna,

15
Açaizal e a comunidade quilombola Tiningu foram em parte solucionados. Graças aos
acordos, foram publicados os Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID) de
Tiningu e Murumuru. Ainda restam pendentes negociações entre a comunidade quilombola
Murumurutuba e a aldeia São Francisco da Cavada, mas destacam que a proposta tem
avançado.
Embora as lideranças indígenas tenham alegado que não foram devidamente
comunicadas sobre o início do processo de reconhecimento territorial das comunidades
quilombolas, anterior a 2010, a partir das negociações no período de contestação dos estudos
de reconhecimento das terras de quilombo foi possível compreender que se tratam em parte de
territórios de uso comum, atualmente em disputa pela demarcação.
Tais conflitos intergrupos também contribuíram para o avanço da grilagem, conforme
reconhecem algumas lideranças Munduruku. A tentativa de incorporação dos indígenas e
quilombolas em lógicas de dominação patronal fortaleceu o preconceito e o racismo contra os
próprios indígenas e quilombolas e facilitou o processo de expropriação territorial.
As negociações sobre a divisão desses territórios de ocupação tradicional avançaram
entre as partes e em 2015 o MPF recomenda “ao Presidente da Fundação Nacional do Índio-
FUNAI que adote, no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, as providências
necessárias para constituir o Grupo Técnico (GT) multidisciplinar que realizará estudos de
identificação e delimitação do território indígena Munduruku do Planalto Santareno”.
(OFÍCIO/PRM/STM Nº, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2015).
Em entrevista com uma liderança indígena da aldeia Ipaupixuna, é possível observar a
necessidade de urgência na criação do GT:

A gente está com 11 anos nessa luta. Nesse período desses 11 anos, a gente vem
sofrendo grandes ameaças, e a desmatação, ela continua. E agora, com essa situação
toda, isso não vai ter fim. Não é também só com os sojeiros. Na área dos lagos
também tem muito essa questão da pesca predatória. (...)
A gente vê por aí que não tem assim um mínimo de respeito com a nossa própria
etnia. Isso sempre existe, esse negócio de: ‘ah, não existe índio, não existe
quilombola’. Eu acho que o que não deveria existir dentro dessa área era gaúcho11.
Porque a terra deles é muito longe daqui. Então, a gente vive dentro dessa
conjuntura, desse momento muito difícil, porque existe uma preocupação muito
grande. (...) A intimidação leva a assassinatos e a gente precisa sim desse grupo de
trabalho. (Entrevista com liderança Munduruku em junho de 2018).

11
Este termo de designação é muito utilizado pelas populações locais amazônicas para se referir aos migrantes
do Sul do país, que se instalaram nas margens das rodovias federais e estaduais implantadas a partir dos anos de
1970. A designação de gaucho não assinala apenas uma distância geográfica entre o norte e o sul do Brasil, mas
práticas culturais muito diferentes na apropriação e uso do território.
16
As categorias sojeiro e gaúcho muitas vezes representam o mesmo grupo: os grandes
proprietários de terras, que plantam soja e que, para os indígenas, acarretam a destruição do
meio ambiente e a consequente produção de um sofrimento social, concretizado em ameaças.
As intimidações sofridas por indígenas e quilombolas ocorrem em diversos espaços. O ano de
2018 foi extremamente conturbado para esses coletivos por conta das eleições presidenciais,
pois os grandes produtores de soja se alinharam a um dos candidatos à presidência que
afirmou publicamente que “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou
para quilombola”, em discurso pré-campanha eleitoral.
Em janeiro de 2018, foi realizada uma reunião na aldeia Açaizal, organizada pelo
Ministério Público Federal, para discutir a questão da regularização fundiária e crimes
ambientais. Segundo relatos dos indígenas, o presidente do Sindicato Rural de Santarém e
diversos aliados compareceram no local da reunião e criaram tumulto. Na ocasião, um
advogado dos sojeiros proferiu a seguinte afirmação: “eu reconheço vocês como cidadãos
brasileiros, mas indígenas vocês vão ter que me provar! Isso lá é índio? ”
Os Munduruku, já reconhecidos pelos naturalistas viajantes ao descreverem a
paisagem do território do Aiaiá, atualmente sofrem preconceito de duas formas: por um lado,
pela sua condição étnica de indígenas; e por outro, são acusados de serem “falsos índios”
porque não falam mais a língua Munduruku. Contudo, essa “competência absoluta” há tempo
tem sido reconhecida por linguistas como “mito ou falácia” (Figueiredo, 2011, p.68),
sobretudo no contexto regional do Baixo Amazonas imerso em relações de poder herdadas do
período colonial.

Redes de Interações Históricas

A presença de confederados americanos em Santarém, a partir do caso da fazenda


Taperinha, permite “destacar campos de interação e encontros históricos mesmo que
fragmentários” (Van der Veer, 2001), como no caso das distinções entre as categorias étnicas
índios e escravos que emergem nos relatos dos naturalistas viajantes sobre a mão de obra da
fazenda Taperinha. Segundo as cartas escritas pelo naturalista J. B. Steere em 1871:

17
A mão de obra, índios e escravos, estava limpando os troncos e a galharia da terra
desbravada e plantando tabaco; o modo perfeito com o qual faziam seu trabalho
mostrava que seu senhor fora treinado em uma escola de plantio mais perfeita a que
se encontrava nesta região. (STEERE, 1871 apud PAPAVERO e OVERAL, 2011, p.
88)

Ainda conforme este naturalista viajante, índios e escravos eram igualmente


destinados a execução de tarefas específicas, como no caso dos índios, “coletando as
diferentes espécies” de madeiras e procedendo a coleta de castanhas levadas para Santarém ao
longo do rio “de onde eram embarcadas para Belém e para os portos estrangeiros”.
(STEERE, 1871 apud PAPAVERO e OVERAL, 2011, p. 93)
Alguns anos depois, em 1879, outro naturalista viajante, Herbert Huntingdon Smith,
ao visitar a fazenda Taperinha, “propriedade conjunta do Sr. Rhome e do Barão de Santarém”,
descreve o trabalho de “meia dúzia de negros atléticos [que se] ocupam em ‘alimentar’ a
moenda e em retirar o bagaço” (SMITH, 1879, apud PAPAVERO e OVERAL, 2011, p.140).
Ambos relatos desses naturalistas parecem pressupor certo tipo de especialização de
habilidades, entre índios e negros, na produção agrícola comercial no circuito mercantil
escravista, ao qual se associaram no Brasil Império “colônias Confederadas”, como no caso
de Santarém, visando a “recriação da sociedade sulista” (SILVA, 2011) em uma região da
Amazônia.
O trabalho familiar nas lavouras mediante divisão das tarefas por gênero e classe de
idade é descrito, ainda, por Smith, ao mencionar as atividades observadas:

Quinze ou vinte homens e mulheres ocupam-se aqui em preparar o fumo pelo


processo amazônico (...) as folhas são apanhadas uma a uma, à medida que alcançam
tamanho; deixam-nas secar durante um ou dois dias, sob um abrigo, e depois
transportam-nas à casa [sede da fazenda] em grandes balaios. Aí, meninos e
mulheres removem a nervura central e as folhas – duas, quatro ou oito fibras de cada
vez – são espalhadas em camadas umas sobre as outras e enroladas e amarradas com
embira. Em seguida, o molho é enrolado apertadamente com um cordel forte, da
mesma maneira que a linha é enrolada num carretel; os homens mais fortes são
escolhidos para essa parte do processo e cada um pode enrolar no máximo quinze ou
dezesseis molhos por dia, torcendo o rolo com as mãos enquanto a corda de fumo é
passada em torno de um poste e mantida esticada com os pés. Dessa maneira, o
fumo é fortemente comprimido. (SMITH, 1879, apud PAPAVERO e OVERAL,
2011, p.142)

Na última etapa de fabricação do fumo, algumas páginas adiante, Smith, com os


estigmas raciais característicos da perspectiva escravocrata, observa:

18
Uma dúzia ou mais de mulheres, preparando tabaco no alpendre, forma um grupo
que seria impossível reproduzir no Norte [Estados Unidos]; todavia, não posso
analisar a cena, assim como não posso descrever um dos coqueiros lá fora; vejo aqui
somente um certo número de caras decididamente feias e braços negros ou pardos,
com batas ou saias. (SMITH, 1879, apud PAPAVERO e OVERAL, 2011, p.145)

Nessas narrativas históricas fragmentadas sobre a Taperinha, merecem destaque ainda


duas passagens escritas por Smith sobre o cotidiano observado na fazenda:

Uma noite, a Sra. Rhome promove uma dança rústica para o pessoal. Começa de
maneira ortodoxa amazônica, com uma reunião de preces cantadas na pequena
capela para a qual os devotos são chamados pela batida monótona de um grande
tambor. Então, quando o Pai-Nosso de encerramento é cantado, e depois de beijada a
faixa do santo, o ministro transforma-se em mestre de cerimônias e seguem-se
danças indescritíveis que somente poderiam originar-se do cérebro fértil de um
negro. Há uma mistura incrível do estranho e do cômico na cena: as faces e braços
negros, sobressaindo pela alvura das roupas; um negro octogenário batendo o seu
tamborim com mão trêmula; as crianças semi-nuas caindo em meio aos pés dos
dançarinos; as lamparinas embaçadas e piscantes meio iluminando, meio
obscurecendo as figuras que se movem. Sentamo-nos e observamo-los até a meia
noite; e depois vamos embora como que saindo de um teatro, caindo de uma vida de
sonho na rua escura. (SMITH, 1879, apud PAPAVERO e OVERAL, 2011, p. 146-
147)

De acordo, ainda, com Smith, assim como na festa de santo e danças com batuque, o
Sr. Rhome atuou como cicerone da “vida diária em Taperinha [que] tem o seu toque das
coisas da floresta”, pois foi ele quem a propósito apresentou ao viajante a fauna regional, ao
perguntar: “você já viu uma anta? ” – Animal que fora morto na véspera e servidos pedaços
de sua carne no almoço. Assim, “os índios trazem veados, algumas vezes, e porcos do mato e
cotias e pacas; o Sr. Rhome mostra-nos as peles de onças e suçuaranas mortas na
propriedade”. Segundo o comentário do autor viajante:

Poder-se-ia inferir apressadamente que a floresta seja abarrotada de caças (...); mas,
na verdade, os caçadores frequentemente procuram durante horas, sem sequer ver
um macaco ou um esquilo. As dispensas os lagos e canais da várzea. Podemos sair
qualquer noite com os pescadores; que suprem não somente a mesa do proprietário,
mas de todo o pessoal da fazenda. (SMITH, 1879, apud PAPAVERO e OVERAL,
2011, p. 147)

Essa “história colonial compartilhada” na dicotomização entre índios e negros na


fazenda Taperinha, em contexto escravocrata, especializados uns e outros, respectivamente,
nas tarefas extrativistas no corte da madeira e na caça e pesca; assim como nas lavouras de
tabaco, cana de açúcar e o trabalho nas moendas e alambiques, parecem ser atualizadas no

19
presente mediante a divisão dos territórios de ocupação tradicional, reconhecidos pelo Estado
como terras indígenas e/ou quilombolas.
O processo atual de reconhecimento de terras Munduruku e de quilombos pelo Estado
brasileiro tem provocado, igualmente, conflitos intergrupos mediante sobreposições parciais
entre os territórios das comunidades de quilombo às margens do Maicá e das aldeias
Munduruku do Planalto, os quais foram pontualmente negociados, sobretudo na situação
envolvendo a aldeia Ipaupixuna dos Munduruku e a comunidade quilombola do Tiningu.
Ambos topônimos mantêm continuidade com os nomes de lugares existentes no século
XIX na fazenda Taperinha e imediações. Ao descrever pela primeira vez sobre o sítio
arqueológico da serra da Taperinha, Hartt (1870), na seção intitulada “Taperinha e os sítios
dos moradores dos altos”, em seu trabalho de 1885, menciona a fertilidade das terras altas:

Os índios civilizados que têm cultivado a terra preta de Taperinha e Pá-Pixuna


[Ipaupixuna atual], estabeleceram as suas residências ao pé da escarpa, por ser local
conveniente, especialmente para o suprimento de água, como era de se supor, estes
antigos sítios foram cultivados em época recente [1870]. (...) O Sr. Rhome me
informou que num lugar chamado Tiningu-grande [Tiningu atual], cerca de uma
légua acima do sítio do Sr. Wallace, existem sinais de uma povoação muito grande
(...). No engenho da Taperinha fui informado por um índio que existe a tradição de
que os moradores dos altos foram os mais bravios do país, que, não tendo canoas,
atravessaram o Ayayá em troncos de árvores. (...) [. Assim], pode-se perguntar se os
moradores dos altos eram os Mundurucus [do século XIX]. (HARTT, 1870, apud
PAPAVERO e OVERAL, 2011, p. 108)

A experiência colonial compartilhada entre Munduruku e quilombolas como mão-de-


obra cativa da fazenda Taperinha e a resistência por eles protagonizada às margens do poder
escravocrata e agroexportador, resulta em uma autonomia relativa desses grupos na ocupação
de territórios, inclusive com áreas comuns compartilhadas no antigo entorno da fazenda
Taperinha na região do Maicá-Ituqui, conhecida também como território do Aiaiá.
Por conseguinte, sobre a formação, consciente ou não, dessas identidades coletivas na
atualidade, como a de remanescentes de quilombo ou quilombolas e indígenas que
reivindicam a titulação coletiva de suas terras, podemos dizer, segundo Eriksen (2001: 66),
“que nada surge do nada”. Por isso, de nada adianta situar essas identidades políticas em um
constructo universalista, pois elas mudam historicamente e variam geograficamente; nem tão
pouco adianta situá-las na soberania do Estado pela imposição de categorias étnicas, mas sim
na vida social onde indivíduos e grupos atribuem significado ao mundo.
Assim, o agenciamento das identidades étnicas, indígenas e quilombolas, definidas a
partir da experiência colonial compartilhada por regras impostas pelo regime escravocrata são

20
revertidas e reapropriadas pelos atores sociais no presente, criando “novos espaços de
liberdade” (FASSIN, 2010, p.284)12 no contexto regional do baixo Amazonas.

Identidades étnicas e novas relações de poder

No tempo presente, a reconfiguração política das identidades étnicas – indígenas e


quilombolas – como coletividades territoriais que resistem ao avanço da exploração
econômica sobre os recursos ambientais renováveis em territórios de ocupação tradicional,
tem gerado intensos conflitos, alguns deles inscritos no espaço público e na ação política
local, como nos casos da comunidade quilombola do Tiningu, às margens do lago Maicá e das
aldeias indígenas Munduruku do Planalto. Ambos conflitos se impõem como evidências
empíricas de um contexto político mais amplo de resistência à expansão do agronegócio em
escala regional no qual estão situados.
Sobretudo após a eleição presidencial de 2018, precedida de um contexto de incertezas
e enfrentamentos políticos com desfecho no impeachment da presidente Dilma Rousseff. O
resultado das últimas eleições acarreta uma paralisia das políticas de reconhecimento de terras
indígenas e quilombolas com constantes violações dos direitos culturais protegidos pela
Constituição Federal de 1988. Atualmente, observa-se a flexibilização da legislação e do
controle ambiental, além do incentivo político autorizado, em uma escala sem precedentes,
aos desmatamentos, grilagens de terras e destruição de ecossistemas, mediante o avanço do
agronegócio sobre áreas florestais e sistemas fluviais amazônicos.
Assim, os dois casos a seguir apresentados permitem relacionar uma variação de
escala de análise entre o local e o nacional, e igualmente problematizar categorias
essencializadas ao focalizar experiências sociais e políticas provenientes das margens em uma
“perspectiva interativa” e histórica.

1. Assassinato de liderança quilombola do Tiningu

Tais processos de expropriação dos territórios de ocupação tradicional aparecem


encarnados na situação de conflito territorial na comunidade do Tiningu, iniciado em 2017,
mediante desmatamento de áreas, impedimento de acesso a água, destruição de plantações e

12
Sobre a subjetivação política, ver Fassin (2010).
21
contaminação por agrotóxico, com trágico desfecho no assassinato de um quilombola em 29
de setembro de 2018.
Nos antecedentes desse conflito, várias ações foram ajuizadas no MPF, MPE e
denúncias feitas ao INCRA, sendo que em fevereiro de 2018 a Vara Agrária deferiu a liminar
pela proibição de fechamento do sistema de abastecimento de água da comunidade; e
proibição de derrubada de árvores ou vegetação de qualquer tipo que implique na devastação
ambiental na área. Apesar dessas determinações, o conflito continuou a se intensificar e sete
meses depois a liderança quilombola é assassinada.
Na visão dos quilombolas, esse assassinato é a sinalização do avanço da violência em
territórios quilombolas no Oeste do Pará e da crescente pressão de empresários e fazendeiros
sobre os territórios de ocupação tradicional.
Tiningu é um dos doze quilombos de Santarém e teve seu Relatório Técnico de
Identificação e Delimitação publicado em 2015 pelo INCRA. Contudo, esse assassinato não é
um fato isolado. No mesmo período, outra liderança quilombola foi assassinada no município
de Óbidos e outras ainda se encontram ameaçadas.
Em matéria publicada em site de um jornal local, é questionada a identidade
quilombola da vítima e o debate público é deslocado da violência do assassinato para fraudes
no reconhecimento pelo INCRA do “suposto” quilombo do Tiningu, conforme o site.
O questionamento de “fraudes étnicas” vem sendo encampado pelo Sindicato Rural
de Santarém (SIRSAN), que representa grandes proprietários locais e empresários do
agronegócio. No texto publicado no site aparecem ainda os termos “conversão etnogênica” e
“engenharia social etnicizante” como responsável pela “transformação de população mestiça
em autodeclarados grupos indígenas ou quilombolas”. Na perspectiva do SIRSAN, a política
de reconhecimento das terras indígenas e de quilombo, tem por objetivo atingir
empreendimentos ditos produtivos e áreas de “propriedades privadas” na região do baixo
Amazonas.
Em resposta, a Federação Quilombola de Santarém – FOQS – publica nota de repúdio
das comunidades quilombolas, “vindo a público expressar sua profunda indignação”. Nesta
nota, reafirmam a existência histórica dos quilombos de Santarém ao dizer que “quem chega
depois são fazendeiros e empresários que não vivem nos territórios, exploram a natureza e
promovem a devastação de nossas matas, mediante desmatamentos, destruição de igapós,
plantio extensivo de soja, poluição por agrotóxicos, criação indevida de gado e de búfalo em
área de várzea”. Argumentam ainda que, “em nossa agricultura tradicional, preservamos a

22
natureza e nosso território. Quilombolas, indígenas e os povos tradicionais, são os verdadeiros
grupos que preservam a natureza”.
As acusações de “fraudes étnicas” contra indígenas e quilombolas, que reivindicam o
reconhecimento do direito territorial frente ao Estado brasileiro, são usadas no debate político
desde o período da CPI da Funai e do INCRA, instituída em novembro de 2015 no Congresso
Nacional e conduzida pela Frente Parlamentar da Agropecuária contra os processos de
demarcação das terras tradicionalmente ocupadas.
O uso da expressão “fraudes étnicas” relacionado à mestiçagem se refere a uma
problemática teórica cientificamente já superada, marcada pela biologia do século XIX, que
ao vincular os grupos às suas origens supostas não escapa ao racismo (AMSELLE, 2001). Ao
invés de enfocar em uma produção histórica das identidades e de sociedades dotadas de uma
agency quanto a circulação e a reapropriação de enunciados, ao reivindicar categorias como
indígenas e quilombolas na produção das etnicidades e dos pertencimentos étnicos e sociais
para defender direitos culturais e territoriais13.
Essa suposta antropologia cientifica racialista do século XIX é herdeira do
empreendimento colonial, ao impor uma lógica classificatória procedente de uma divisão
étnico-colonial, seguindo uma política das raças imposta, como no caso da fazenda Taperinha
em Santarém, que dividia a mão de obra em índios e negros para fins de trabalho forçado.

2. Visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos à aldeia Açaizal dos


Munduruku do Planalto

Com o objetivo de “observar a situação dos direitos humanos no país”, os membros da


Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) visitaram diversas cidades e
comunidades brasileiras, a convite do próprio Estado brasileiro em 2017. A Comissão, em seu
relatório final, destacou ter recebido “extensa informação dos povos indígenas do Açaizal, em
Santarém, no Estado do Pará, sobre a poluição de rios, águas e aquíferos subterrâneos por
conta do uso indiscriminado de pesticidas e outros produtos químicos” (CIDH, 2018, p.7).
Essas informações foram constatadas in loco. A reunião com indígenas e quilombolas de
Santarém foi realizada em novembro de 2018 na aldeia Açaizal, do Planalto Santareno, com o
propósito de ouvir os testemunhos e registrar as situações conflituosas ocorridas na região.

13
“A colonialidade do poder baseada na imposição da ideia de raça [tem sido utilizada] como instrumento de
dominação... (sendo considerada) um fator limitante destes processos de construção do Estado-nação”
(QUIJANO, 2005, p. 136)
23
No dia do encontro na aldeia Açaizal, antes mesmo do seu início, os integrantes da
Comissão (CIDH), as lideranças presentes, membros das comunidades indígenas e
quilombolas de Santarém e de organizações não governamentais foram surpreendidos com a
chegada de um grupo do Sindicato Rural de Santarém (SIRSAN), que passou a interpelar os
membros da Comissão. O propósito dos representantes dos sojeiros, segundo relatos, era
impedir a realização da reunião. Para tanto, conforme um vídeo divulgado sobre a visita,
fizeram toda sorte de intimidações: fotografando as placas dos veículos estacionados
próximos ao barracão da aldeia e questionando a presença da Comissão Interamericana,
mediante um interrogatório simulado, como que investidos de autoridade policial. Em
seguida, abordaram um dos membros da Comissão argumentando que a Convenção 169 da
OIT era um equívoco e, mais uma vez, fizeram acusações aos indígenas, alegando que ali
“não existia índio”.
Os presentes reagiram à chegada dos sojeiros exigindo que se retirassem do local da
reunião. Um dos momentos mais conflituosos deste episódio foi a agressão sofrida por uma
mulher indígena, que estava registrando a situação com vídeo de celular. Somente com a
chegada da polícia, o grupo de sojeiros enfim se retirou e foi iniciada a programação do
encontro. Após os debates, o intérprete da Comissão Interamericana finalizou as discussões
reafirmando o compromisso da CIDH no acompanhamento das situações de violação dos
Direitos Humanos. Destacou ainda a perplexidade dos membros ao também protagonizarem
uma situação conflituosa: “a gente conseguiu ver pessoalmente o tipo de ameaças e
intimidações que vocês sofrem. (...) A gente vai formular um relatório que vai conter o que a
gente viu. (...) Esse relatório traz recomendações ao Estado brasileiro para que cumpra com as
obrigações internacionais que ele tem”. Outro destaque no discurso foi a respeito das
obrigações do Brasil com a efetivação dos Direitos Humanos, enquanto país membro da
Organização dos Estados Americanos: “essas recomendações são para o Estado brasileiro
como um todo. Deste modo, mude o governo ou não, tem que cumprir com as obrigações
internacionais que foram assumidas”.
Ambas situações registram a ocorrência de violações de direitos humanos, mediante
ameaças, assassinatos e crimes ambientais, caracterizados igualmente pela devastação de
áreas de mata e poluição de recursos hídricos pelo uso indiscriminado de agrotóxico. Esses
diferentes aspectos de deterioração do meio ambiente e das relações sociais, observados e
denunciados por indígenas e quilombolas no tempo presente, representa um risco à

24
reprodução de suas práticas culturais e modos de fazer, criar e viver próprios dos povos
tradicionais.

Considerações finais: o risco de entropia

Transcorrido menos de um ano da visita da Comissão Interamericana dos Direitos


Humanos à Santarém, incêndios florestais de grandes proporções na Amazônia são
registrados no noticiário nacional e internacional. Na BR 163, principal via de escoamento da
soja do Centro-Oeste aos portos de Miritituba e Santarém no Pará, que atravessa uma das
regiões consideradas mais ricas do país em recursos naturais, ocorre uma explosão de focos de
incêndio registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Os incêndios
florestais de origem criminosa, segundo denúncias da imprensa, foram orquestrados em
Altamira, na Transamazônica, e em Novo Progresso, na BR 163, por “produtores rurais,
comerciantes e grileiros”14, visando a abertura de novas áreas para o avanço das commodities.
A destruição sistemática da Amazônia, considerada “uma das últimas fronteiras entre a
humanidade e um planeta inabitável” (Ryan Grim, 2019)15, soa como um sinal catastrófico.
Segundo a matéria:

Desde a ditadura militar, quando o agronegócio se tornou integralmente fortalecido,


até meados dos anos 2000, aproximadamente 20% da floresta já havia sido
destruído. Se a Amazônia perder mais um quinto de sua massa, existe o risco de que
se atinja um ponto sem volta, um ciclo vicioso chamado dieback, em que a floresta
se torna tão seca que acaba, como descreve Zaitchick, “além do alcance de qualquer
intervenção ou arrependimento humano”.

Nesse cenário apocalíptico, a noção de “cativeiro da Besta-fera”, elaborada por Velho


(1995) a partir de experiência de pesquisa de campo na Amazônia, iniciada na década de
1970, toma como referência a noção de cativeiro, salientando a origem bíblica da noção16, e
pode servir de inspiração para pensar as alternativas construídas pelos próprios grupos étnicos
e sociais, diante do avanço hegemônico do agronegócio, na garantia dos modos próprios de
fazer, criar e viver contra outros modelos de ocupação do espaço e exercício do poder.

14
Conforme matéria veiculada no site da Revista Globo Rural, em 25 de agosto de 2019. Fonte:
https://revistagloborural.globo.com/Noticias/noticia/2019/08/grupo-usou-whatsapp-para-convocar-dia-do-fogo-
no-para.html
15
The Intercept Brasil, fonte: https://theintercept.com/2019/08/28/steve-schwarzman-apoiador-de-donald-trump-
impulsiona-o-desmatamento-na-amazonia/
16
Ver também Oliveira (1996).
25
Contudo, o risco de entropia no contexto político atual17 é real e atinge os recursos
florestais e aquíferos renováveis, mas também a existência social de povos tradicionais e o
reconhecimento das diferenças culturais (PEREIRA, 2002), garantido pelo Estado brasileiro
na Constituição Federal de 1988.
O processo de destruição sistemática da floresta Amazônica é vivido como um risco
iminente, por indígenas, quilombolas e outras categorias de povos tradicionais, de “tornar-se
nada”, mediante a gradual precarização dos seus modos de vida e pela ameaça da perda de
conhecimentos ou tradições culturais.
Por fim, nos ventos do autoritarismo soprados de fora e comemorados de dentro da
sociedade nacional, como eles, e inclusive nós, podemos resistir para viver a vida que possa
na prática ser vivida.

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17
O risco de entropia pode ser expresso igualmente pelos conceitos de etnocídio e genocídio, como segue: “É
admissível falar de etnocídio, entendido como processo político imposto a uma ou a diversas etnias e que
compreende a “desintegração” cultural e linguística que, não necessariamente, implica em destruição física e se
desenvolve em contextos de extrema violência ou de suposta cordialidade. O processo de etnocídio pode assumir
contornos mais graves, os quais podem se configurar em genocídio, tomado como ódio racial e étnico cometido
contra grupos específicos, configurando-se como ação que corrói as relações interétnicas e conduz ao extermínio
físico conhecido como genocídio” (Beltrão 2013: 10).
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i
Eliane Cantarino O’Dwyer
Universidade Federal Fluminense (UFF) Professora aposentada
Universidade Federal do Pará (UFPA) Professora Visitante Sênior
https://orcid.org/0000-0003-0523-188X
E-mail: elianeantropologia@gmail.com
ii
Katiane Silva
Universidade Federal do Pará (UFPA) Professora Adjunta
https://orcid.org/0000-0002-1938-9373
E-mail: katiane.mars@gmail.com

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