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A POLÍTICA INDIGENISTA DO ESTADO DO AMAZONAS

Suzy Evelyn de Souza e Silva1


Jurandir Moura Dutra²

“O Estado do Amazonas detém o maior patrimônio vivo de diversidade étnica dos


povos indígenas e diversidade do Brasil, reconhecidos pelo Governo Federal. Aqui
estão localizadas 178 terras indígenas, que ocupam 29% do território amazonense,
dividido em 64 povos, dentre os quais 29 línguas são faladas. Tudo isso é resultado
da luta de caciques, lideranças de aldeias, comunidades, organizações, pajés,
parteiras, benzedores, curandeiros, mestres de artes, danças, músicas, professores,
agentes indígenas de saúde e demais apoiadores. Até hoje lutamos para dar
continuidade à vida dessa imensa realidade, pouco vista em outras partes do
mundo”. (Bonifácio José Baniwa)

RESUMO

O artigo pretende fazer uma reflexão sobre as políticas públicas do Governo do Amazonas
direcionadas aos povos indígenas a partir da premissa de que se trata do Estado Brasileiro
que possui características superlativas de natureza étnica e ambiental abrigadas na maior
floresta equatorial do planeta. A inserção das demandas originadas diretamente nas aldeias
e comunidades de base em respeito à autodeterminação dos povos indígenas sobre como
tradicionalmente pensam a utilização de seus territórios num diálogo com a gestão
administrativa, e sob a égide do etnodesenvolvimento, é o diferencial. Embora gestões
anteriores tenham desenvolvido o Programa Amazonas Indígena como o instrumento capaz
de contemplar as demandas da população indígena do Amazonas e direcionar a política
indigenista, avalia-se que para que as políticas públicas sejam de fato eficazes o assunto
precisa ser tratado como política de Estado, criando condições orçamentárias e
administrativas necessárias para satisfazer de forma contínua as necessidades originadas
nas bases para o exercício da cidadania dos povos indígenas do Amazonas.

Palavras chave: povos indígenas, políticas públicas, etnodesenvolvimento.

ABSTRACT

The article intends to reflect on the public policies of the government of Amazonas directed
at indigenous peoples based on the premise addressed by the Brazilian State, which has
superlatives characteristics of ethnic and environmental nature sheltered in the largest
equatorial forest on the planet. An insertion of the demands originated directly in the
villages and grassroots communities with respect to the self-determination of the
indigenous peoples on how to traditionally consider the use of their territories in a dialogue
with the administrative administration, and under the ethnodevelopment license, is the
differential. Although the previous gestures have developed the Amazonas Indigenous
Program, as the instrument capable of contemplating the demands of the indigenous

1
Advogada, Pós-graduanda do curso MBA em Gestão Pública – ESO/UEA. E-mail:
suzyevelyn@gmail.com
2. Administrador, Mestre em Clima e Meio Ambiente-INPA, Doutor em Ciências Ambientais e
Sustentabilidade da Amazônia-UFAM, Professor da Faculdade de Estudos Sociais-UFAM. E-mail:
jurandir@gmail.com
2

population of Amazonas and directing an indigenous policy, available to those who are
public as public policies, they are in fact considered the case study or issues of use human
as a State policy, creating the budgetary and requirements originated in the bases for the
exercise of citizenship of indigenous peoples of Amazonas.

Keywords: indigenous people; public administration; ethnodeveloptment.

INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende fazer uma análise da política do Governo do Amazonas
destinada aos povos indígenas circunscritos ao limite territorial do Estado do Amazonas.
Para tal objetivo partimos da análise de dados oficiais fornecidos pelo site da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI) de que no Amazonas há 163 registros de terras indígenas,
regularizadas ou em processo de regularização, que ocupam aproximadamente de 30% da
extensão territorial do Estado. De acordo com os dados oficiais do censo do IBGE, em
2010, a população indígena no Amazonas correspondia a 160.608 habitantes, à época,
dentre mais de 60 povos e falantes de 29 línguas. Atualmente, estima-se que sejam por
volta de 200.000 indígenas.
Tanta superlatividade naturalmente contida no Amazonas enquanto guardião de um
dos maiores patrimônios genéticos e biológicos do planeta faz com que o interesse das
grandes potências mundiais se volte para essa região a qual merece, ou deveria merecer,
uma deferência estatal para a proteção e desenvolvimento de sua população nativa aliada à
conservação desse capital econômico-ambiental numa tradução do que se pretende
enquanto desenvolvimento sustentável, privilegiando o equilíbrio entre o meio ambiente e a
necessidade econômica do Estado e de sua população.
Dessa forma, é importante conhecer o contexto das políticas públicas desenvolvidas
para os indígenas a partir de reivindicações apresentadas por movimentos sociais
representativos que lutam pela garantia de direitos constitucionalmente garantidos ante as
suas especificidades étnicas.
Reconhecer a efetividade e eficácia do que foi até então implementado; quais as
principais pautas indígenas e se elas encontram acolhida no aparato estatal para que ao final
haja a compreensão de como essa população está inserida no fazer da administração
pública do Amazonas; há política de Estado para os indígenas no Amazonas?
Apesar da relevância da temática, a produção literária sobre a política indigenista do
Amazonas ainda é restrita. Além de informações pontuais disponibilizadas no sítio
eletrônico da FUNAI, e em demais páginas de instituições indígenas ou indigenistas, o que
há são esparsas produções acadêmicas e matérias jornalísticas em mídias digitais. Sendo,
3

portanto, fundamental reunir elementos para uma leitura qualificada a fim de subsidiar os
interessados na elaboração de uma política indigenista consistente e eficaz.
Para tanto, busca-se fazer um sucinto apanhado do processo histórico da relação do
Estado com os povos indígenas e, em especial no Amazonas, destacando a importância do
movimento indígena e a criação de uma instância estatal específica aos povos indígenas
tendo por diretriz um programa próprio que apontava para uma gestão harmônica entre a
diversidade étnica e cultural dos povos locais e o desenvolvimento econômico e social.

O ESTADO BRASILEIRO E OS INDÍGENAS


Para contextualizar sobre o que atualmente garante os direitos indígenas na
legislação é essencial ao menos uma breve noção do panorama histórico para que se
perceba de que forma o Estado se relaciona com a sua população indígena. Conforme
disposto na Constituição Federal os indígenas são reconhecidos pelo Estado como povos
originários, o que significa dizer nativos que aqui, no Brasil, já viviam antes da
colonização.
O contato inicial dos povos nativos com o colonizador europeu teve impactos
negativos imensuráveis do ponto de vista do povo colonizado, uma vez que a exploração
das riquezas naturais aqui existentes era o principal motivo para a travessia entre os
continentes. A diplomacia entre o colonizador europeu e o nativo ameríndio colonizado não
foi observada, ao contrário, estes foram subjugados ao não terem sua humanidade
reconhecida. Sobre o assunto, a FUNAI menciona:
“Há cinco séculos, os Europeus portugueses chegaram à América, desembarcando
em solo brasileiro, e deram início a uma paulatina reorganização das terras que eram
ocupadas pelos povos indígenas. Esse processo de migração se estendeu até o início
do século XX e marcou o processo de formação sociopolítica e econômica de nosso
país.”
“O avanço da colonização implicou na extinção muitas sociedades indígenas que ali
viviam, em razão de conflitos bélicos, da disseminação das doenças trazidas pelos
europeus, e da adoção de táticas de “assimilação” dos índios à nova sociedade
implantada.” (Breve histórico da relação entre o Estado e os povos indígenas no
Brasil, p. 5, site Funai)

Corroborando, Nogueira (2016) descreve na sua tese de doutorado sobre o genocídio dos
povos indígenas, seja pela assimilação e ‘civilização’ dos gentios a este Estado, mas sempre com
caráter da destruição física e simbólica das sociedades culturalmente diferenciadas dos ideais
Europeus.
Com propriedade, o Doutor em Antropologia pela Universidade de Brasília, Gersen
Luciano, da etnia Baniwa, reafirma o histórico de atrocidades:
“De fato, a história é testemunha de que várias tragédias ocasionadas pelos
colonizadores aconteceram na vida dos povos originários dessas terras: escravidão,
guerras, doenças, massacres, genocídios, etnocídios e outros males que por pouco
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não eliminaram por completo seus habitantes. Não que esses povos não conhecessem
guerras, doença e outros males. A diferença é que nos anos da colonização
portuguesa eles faziam parte de um projeto ambicioso de dominação cultural,
econômica, política e militar do mundo, ou seja, um projeto político dos europeus,
que os povos indígenas não conheciam e não podiam adivinhar qual fosse. Eles não
eram capazes de entender a lógica das disputas territoriais como parte de um
processo político civilizatório, de caráter mundial e centralizador, uma vez que só
conheciam a experiência dos conflitos territoriais intertribais e interlocais.” (Índios
no Brasil, 2006).

Assim, seguindo o pesado histórico de colonização do território, o Estado brasileiro


vai ao longo do processo institucionalizando a integração do indígena. Em 1910, há a
criação do Serviço de Proteção ao Índio – SPI, conforme teor do histórico disponibilizado
na página eletrônica da FUNAI:
“Em 1910 foi criado o Serviço de Proteção ao Índio – SPI, órgão da Administração
Pública Federal que antecedeu a Funai, num momento histórico em que
predominavam, ainda, as antigas ideias evolucionistas sobre a humanidade e seu
desenvolvimento por estágios, baseadas em um ideologia etnocêntrica e nas teorias
raciais características da passagem do século XIX para o XX. Por isso, o
ordenamento jurídico vigente à época considerava os índios indivíduos
"relativamente incapazes", estabelecendo a figura jurídica da tutela, incorporando a
prática da assimilação destes povos à sociedade nacional, e desconsiderando o
conceito de garantia de sua reprodução física e cultural.”

Nos últimos 50 anos, entretanto, a política indigenista nacional tem sido atribuição
da Fundação Nacional do Índio que, ao longo dos anos de sua existência, acompanhando o
processo de conquista e garantia de direitos indígenas, passou a se modernizar transitando
da política integracionista/assistencialista e intentando um viés de proteção e promoção de
direitos.
A mencionada transitoriedade de um contexto integracionista, onde o indígena era
tutelado pelo Estado brasileiro por ser considerado relativamente capaz, sob um Estatuto do
Índio elaborado em 1946, para um cenário onde, pela primeira vez, o Estado, por meio da
Constituição Federal de 1988 reconhecia, de forma inovadora, os direitos originários dos
indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupadas (art. 231 da CF) e lhes garantia
autonomia civil (art. 232 da CF).
Além do capítulo específico na Constituição, outros direitos sociais foram
garantidos aos indígenas, como a saúde e a educação diferenciada, de forma que suas
especificidades étnicas fossem consideradas pelo Estado quando da aplicabilidade dos
serviços públicos.
Importa observar ainda que a transformação doméstica de modernização e
reconhecimento de direitos ocorria pari passu ao cenário latino-americano, onde as
mobilizações frente ao devastador processo colonizador também fomentavam novas
políticas em favor dos povos latinos, sendo a Convenção nº 169 da Organização
5

Internacional do Trabalho - OIT sobre povos indígenas e tribais, uma das principais
ferramentas legais amplamente utilizada pelos indígenas no enfrentamento à supressão de
direitos.
Na contramão, o atual governo federal, eleito em 2019, apesar das garantias
constitucionais, se posiciona publicamente contrário aos direitos indígenas, e tem como
projeto de desenvolvimento da Amazônia a exploração das terras indígenas, inclusive a
mineral, criando entre os indígenas, ambientalistas e outros agentes parceiros defensores de
direitos humanos e ambientais, um constante estado de alerta.
No âmbito regional, sobre os indígenas, a Constituição Estadual do Amazonas, no
seu Capítulo XIII – Da população ribeirinha e do povo da floresta, o qual será transcrito
ipsis literis considerando ser o Amazonas objeto deste trabalho, prevê o que segue:
Art. 249. O Estado e os Municípios suplementarão, se necessário, a assistência aos
grupos, comunidades e organizações indígenas, nos termos da Constituição da
República e da legislação própria, e atuarão cooperativamente na União com as
ações que visem à preservação de sua cultura.
Parágrafo único. O Estado destinará o mínimo de 0,5 (cinco décimos por cento) da
receita corrente líquida, exclusivamente para assistência, valorização da saúde,
educação e cultura, geração de renda, organização e promoção dos direitos dos povos
indígenas.
Art. 250. O Estado, através de prepostos designados ou indicados especialmente para
tal fim, acompanhará os processos de delimitação dos territórios indígenas,
colaborando para sua efetivação e agilização, atuando preventivamente à ocorrência
de contendas e conflitos com o propósito de resguardar, também, os direitos e meios
de sobrevivência das populações interioranas, atingidas em tais situações, que sejam
comprovadamente desassistidas.
Art. 251. É dever dos Estados e Municípios em reconhecimento ao trabalho de
preservação, ocupação e desbravamento do território prestado pelos grupos nativos,
notadamente aqueles que se ocupam de atividades extrativistas, assisti-los e ampará-
los, principalmente quanto aos seguintes aspectos:
I – efetividade dos direitos fundamentais do cidadão, trabalhistas ou de proteção ao
trabalho autônomo e previdenciários, previstos em lei;
II – organização em grupos como forma de fortalecimento e viabilização de
conquistas individuais ou coletivas, bem como de assistência e orientação, inclusive
preventiva, ao risco de vida e coexistência com graus de insalubridade;
III – alternativas de trabalho ou de ocupação produtiva permanentes;
IV – acesso ao mercado, inclusive de escoamento, para os produtos oriundos de
atividades extrativas, ressalvadas as restrições legais e de proteção a vegetais e
animais ameaçados de extinção;
V – as informações e orientações para que o desenvolvimento da atividade se
processe dentro da legalidade, em áreas previamente delimitadas para tal e de forma
não-predatória.
§1º. O Poder Executivo Estadual assistirá os Municípios na criação de organizarmos
ou instrumentos institucionais necessários à efetivação dos propósitos do caput deste
artigo, inclusive assumindo tal função, quando da incapacidade do Poder Municipal.
§2º. Ainda com esse propósito, deverão ser adotados mecanismos assistenciais para
possibilitar o acompanhamento do acesso pelos beneficiários aos direitos
estabelecidos pela Constituição da República, Art. 54, Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, bem como viabilizar o usufruto dos direitos de
assistência, saúde e previdência, em especial o previsto no art. 203, V, da
Constituição da República, pelos representantes de outras categorias extrativistas,
pela população ribeirinha e interiorana em geral.
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§3º. O Estado se incumbirá, ainda, da utilização permanente das atividades ou


categorias ocupacionais de caráter extrativista.

O texto da constituição amazonense, assim como a da República, faz deferência à


sua população nativa e não conflita com a redação federal. Propõe-se oferecer condições
administrativas para a aplicabilidade dos direitos previstos pela Constituição Federal. Dessa
forma, a instância estatal estadual tem o dever de desenvolver políticas públicas para a
melhoria da qualidade de vida dos povos indígenas do Amazonas. Sobre o parágrafo único
do art. 249, acrescido pela Emenda Constitucional nº102/2018, de 05 de dezembro de 2018,
faremos uma abordagem mais a frente.
A breve descrição para a compreensão histórica da importância do indígena no
cenário político estatal, como já mencionado, é condição para análise do que já foi
implementado e para o que se pretende enquanto política pública para os povos indígenas
no Amazonas.

MOVIMENTO INDÍGENA NO AMAZONAS


A conquista de direitos foram frutos de intensa mobilização social indígena. A
literatura que descreve o ativismo indígena indica os anos 70 como o momento em que
grupos étnicos distintos uniram-se, assumindo caráter organizacional pan-indígena, para
obter o reconhecimento legal do direito à diferença no Estado Nacional. A organização
burocrática desses movimentos se deu no final dos anos 80 com a criação de associações
regionais e locais, o que se reforçou na década seguinte. Ortolan Matos (2008) descreve
que tal evolução se deu num contexto político de abertura democrática, promulgação da
Constituição Federal e num cenário de valorização da Amazônia e sua diversidade étnico-
cultural, inclusive por organismos internacionais.
No Amazonas, a militância indígena tem importância histórica em nível nacional
por ser também precursora na luta pela defesa dos direitos indígenas e de organização
social, dela surgiram exponenciais lideranças de influência para elaboração das políticas
públicas destinadas aos povos indígenas, inclusive nas pautas de gênero.
O conhecimento sobre a trajetória política das representações indígenas do
Amazonas, inicialmente por lideranças natas e, posteriormente, por representantes de
organizações indígenas do interior, suas conquistas de espaços públicos institucionais é
alicerce para a compreensão do contexto político na luta pela afirmação dos direitos.
Organizações como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira (COIAB), Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN),
7

Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN), Coordenação dos
Povos Indígenas do Vale do Javari (CIVAJA) e outras criadas entre os anos 80 e 90,
passaram a ser referência na política indigenista do Amazonas. Elas se formaram a partir de
suas comunidades de origem trazendo para o espaço comum as demandas pelo coletivo
indígena de suas respectivas regiões, sendo representativas de regiões específicas do Estado
ou de determinadas etnias.
A defesa pelos direitos territoriais das terras tradicionalmente ocupadas aliada à luta
pela autodeterminação dos povos indígenas num enfrentamento às políticas integracionistas
até então praticadas pelo Estado passou a ser a pauta principal defendida pelo movimento
indígena no âmbito das lutas no contexto nacional, e contou com apoio técnico e financeiro
de organizações não governamentais (ONGs) e outras agências externas nacionais e
estrangeiras.
Paralelamente, as políticas de cunho social que até então se concentravam na
FUNAI, passaram a ser descentralizadas dentre as respectivas pastas dos ministérios, como
a saúde e a educação, cabendo à FUNAI os procedimentos relativos às políticas de
regularização fundiária em cumprimento ao previsto na Constituição Federal, as
assistenciais, a manutenção da tutela sobre os índios recém contatados e proteção das áreas
identificadas como de perambulação de índios isolados, além de outras ações relativas à
proteção e desenvolvimento das terras indígenas.
Os temas saúde indígena e educação indígena propiciam discussões específicas e
demandam uma análise mais acurada. Contudo, a Constituição Federal (art.198, CF) deu as
diretrizes para a adequação da legislação infra para recepcionar a questão indígena em
respeito às suas diversidades étnicas.
Assim, adequado ao Sistema Único de Saúde (SUS), houve a criação dos Distritos
Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), sob responsabilidade primeira do Ministério da
Saúde/FUNASA (Fundação Nacional de Saúde) e, posteriormente, vinculada à Secretaria
Especial de Saúde Indígena (SESAI). A prestação dos serviços é, em princípio, de
competência federal, se utilizando, contudo, do aparato estrutural da esfera estadual e
municipal.
Do mesmo modo, a educação escolar diferenciada fundamentada ministrada nas
escolas indígenas, também em cumprimento aos preceitos constitucionais (art.210, CF),
tem como instrumento orientador as Diretrizes para a Política Nacional de Educação
Indígena devendo o conhecimento ser transmitido na própria língua e no idioma português.
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A responsabilidade sobre a educação indígena é diluída entre os entes da Federação,


cabendo à União oferecer o apoio técnico e financeiro.
Regionalmente, também a educação, fortalecimento cultural, saúde e geração de
renda se tornaram pautas prioritárias para as comunidades indígenas no Amazonas
refletindo o exercício da autodeterminação. Outras temáticas relacionadas à habitação e
segurança reforçavam as reivindicações coletivas.
Nesse cenário, o Governo do Amazonas, na década de noventa, desenvolveu um
diálogo institucional com representações indígenas tendo a educação como mote principal
por meio do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena (CEEI), inserindo no âmbito
da Secretaria de Educação e Qualidade de Ensino (SEDUC) a Gerência de Educação
Escolar Indígena (GEEI). Concomitantemente, o Movimento dos Estudantes Indígenas do
Amazonas (MEIAM) se mobilizava para garantir o direito às cotas na Universidade do
Estado do Amazonas (UEA).

FUNDAÇÃO ESTADUAL DOS POVOS INDÍGENAS E O CONSELHO


Ante toda a consciência política e a necessidade de ocupar espaços na estrutura
político administrativa do Governo do Estado como forma de garantir direitos e definir o
exercício da cidadania indígena no Amazonas, agregada, à época, a um contexto de início
de implementação do Programa Zona Franca Verde (ZFV), que visava combinar a geração
de emprego e renda, a conservação da natureza e da diversidade cultural do Amazonas, e
precedido do Departamento Estadual de Política Indigenista (DEPI), os indígenas
conquistaram no início dos anos 2000 um espaço institucional com a criação da Fundação
Estadual dos Povos Indígenas (FEPI), por meio do Decreto Estadual nº22.040/2001.
O surgimento do órgão legitimava, desta forma, a demanda das comunidades para a
construção de políticas de desenvolvimento sustentável para e com os povos indígenas do
Amazonas, seguida pela celebração de uma Declaração de Princípios entre o Governador
do Estado, à época, e Organizações Indígenas, cujo ato contou com o referendo do
Ministério Público Federal e divulgação maciça no interior.
O governo estadual se propunha a dialogar diretamente com as representações
indígenas com o compromisso de iniciar o processo de uma nova perspectiva de atuação
indigenista de Estado na FEPI, contando, inclusive, com a participação de um indígena
para integrar a máquina administrativa na condução do novo processo proposto.
“Para implementar essa transformação na política estadual, começamos
incorporando as lideranças indígenas na formulação do Programa de Governo, por
meio de Oficinas e reuniões de trabalho. No período de transição convidamos o
movimento indígena, por meio da COIAB, para indicar uma lista de 6 nomes para a
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presidência da Fundação Estadual de Apoio aos Povos Indígenas (FEPI). Depois de


um longo e enriquecedor processo de diálogo, recebemos uma lista de 9 nomes,
encabeçados pelo líder Bonifácio José (Baniwa), que então dirigia a organização
indígena Yakinô. Essa foi uma etapa fundamental para as transformações que vêm
sendo implementadas pelo Governo do Estado, sob a coordenação da Secretaria do
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS).” (Programa Amazonas
Indígena, 2004)

Com o órgão formalmente existente e desenvolvendo suas atividades institucionais,


o Governo do Amazonas produziu, em 2004, o “ Programa Amazonas Indígena – Subsídios
para uma nova política estadual de etnodesenvolvimento dos povos indígenas do Amazonas”
contendo além do histórico, objetivos, diretrizes e eixos estratégicos de atuação da FEPI para
divulgação e amplo conhecimento dos indígenas no Estado.
Após revisão, o Programa “Amazonas Indígena – Povos Indígenas na Gestão
Pública”, já sob a égide da Lei Delegada nº115/2007, a FEPI reafirma a sua missão
“Orientar as ações do Governo do Estado do Amazonas implementando a política de
etnodesenvolvimento em defesa dos direitos constitucionais, respeitando e preservando os
valores culturais e históricos dos povos indígenas”.
O texto mais atualizado do programa (2008), além de reafirmar os objetivos, missão
e valores, destaca a experiência de duas Conferências Estaduais dos Povos Indígenas que
trouxeram contribuições para formulação das políticas estaduais, e a importância do
Conselho Estadual dos Povos Indígenas inserido no organograma da instituição indigenista.
Sobre o Conselho é o seguinte teor:
“O Conselho é um espaço reivindicado pelas lideranças de organizações, em que
participam os presidentes das principais organizações indígenas do Estado do
Amazonas. No Conselho são discutidas as proposições de ações do Programa
Amazonas Indígena e projetos do Governo voltados aos povos indígenas.
O trabalho do Conselho configura-se como um trabalho de construção, fiscalização
de ações e políticas desenvolvidas pelo poder público estadual e pela FEPI. Ao todo,
são 14 conselheiros indígenas, 14 representantes do Governo Estadual,
representantes de instituições que trabalham com os povos indígenas, ONGs e o
Ministério Público Estadual e Federal.”

O estabelecimento do Conselho Estadual de Política Indigenista como instrumento


de governança democrática, reforçando a participação política e de controle público sobre
as ações governamentais se demonstrou indispensável na elaboração e execução das
políticas públicas, conforme analisa Carneiro:
“Os conselhos são canais de participação política, de controle público sobre a ação
governamental, de deliberação legalmente institucionalizada e de publicização das
ações do governo. Dessa forma, constituem espaços de argumentação sobre (e de
redefinição de) valores, normas e procedimentos, de formação de consensos, de
transformação de preferências e de construção de identidades sociais. Têm poder de
agenda e podem interferir, de forma significativa, nas ações e metas dos governos e
em seus sistemas administrativos. Os conselhos, como espaços de formação das
vontades e da opinião, são também mecanismos de ação, que inserem na agenda
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governamental as demandas e os temas de interesse público, para que sejam


absorvidos, articulados politicamente e implementados sob a forma de políticas
públicas. Portanto, mais que um canal comunicacional de ressonância das demandas
sociais, os conselhos possuem dimensão jurídica e têm poder de tornar efetivos as
questões, os valores e os dilemas vivenciados no espaço da sociedade civil.”
(Conselhos de Políticas Públicas: desafios para sua institucionalização, 2007)

A experiência do Amazonas de institucionalização do Conselho em meados dos


anos 2000 se alinhou à iniciativa da implementação de Conselhos de outros Estados, como
São Paulo, Rio Grande do Sul, Roraima, e outros. Mesmo que algumas unidades
federativas não tivessem na sua estrutura administrativa um órgão estatal específico para o
trato com a questão indígena, a exemplo do Amazonas, o tema seria absorvido pelas
secretarias estaduais cuja temática seja de competência da respectiva pasta, abrigando,
desta forma, a composição do conselho, como no caso de São Paulo, onde de acordo com o
Decreto 49.808, de 21 de julho de 2005, a Secretaria de Economia e Planejamento conta na
sua estrutura básica com o Conselho Estadual dos Povos Indígenas, além do Comitê
Intersetorial dos Povos Indígenas.
No Rio Grande do Sul, a Lei 12.004, de 12 de novembro de 2003, o Conselho
Estadual dos Povos Indígenas foi vinculado técnico-administrativamente à Secretaria do
Trabalho, Cidadania e Assistência Social (STCAS). Outros Estados, a exemplo do
Amazonas, possuem na sua estrutura, órgãos próprios tendo o indígena como público alvo,
como Roraima e Amapá, que acolhem seus respectivos Conselhos Estaduais.
Entretanto, no Amazonas, ainda que constatada a importância dessa instância
deliberativa, a política indigenista se ressente atualmente da ausência de um conselho
constituído, o qual se extinguiu juntamente com a então Secretaria de Estado dos Povos
Indígenas do Amazonas, em 2015. Desde então, embora permaneça o órgão estatal, e haja
previsão no Estatuto que o institui, o Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Amazonas
não foi restabelecido.

PROGRAMAS E ÓRGÃOS NO GOVERNO

Desde a criação da FEPI, em 2001, a abordagem com a pauta indígena no


Amazonas vem, ao longo dos anos, se amoldando às reformas administrativas
implementadas pelos governos. Assim, de Fundação (FEPI) a então estrutura indigenista
adquiriu, em 2009, o status de Secretaria Estadual de Política Indigenista (SEIND), por
meio da Lei 3403, de 07 de julho de 2009, perdurando até em 2015 quando, após mais uma
reforma, sua personalidade jurídica readquiriu a condição de Fundação, sob a denominação
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Fundação Estadual do Índio (FEI), criada pelo Decreto 36.653, de 28 de janeiro de 2016, a
qual permanece.
Essa vida institucional, compreendida entre a criação da FEPI no início da década
passada até a atualidade, reflete as nuances de cunho administrativo e a simpatia
governamental com a causa indígena considerando que, em princípio, o órgão indigenista
estadual foi criado a partir de uma demanda intensa do movimento indígena agregado ao
momento de fortalecimento da política de desenvolvimento sustentável por meio do
Programa Zona Franca Verde pensada para o Amazonas, onde a figura do indígena nesse
contexto amazônico era de total relevância e, como tal, compartilharia da política estatal
proposta pelo então governo.
Posteriormente, dando sequencia natural ao fortalecimento do órgão, tendo sempre
o movimento social como fomentador das decisões estatais para a melhoria da qualidade de
vida para o coletivo indígena, foi criada a SEIND para tratar, de forma articulada,
internamente, com as demais secretarias e demais autarquias estatais, além de buscar
parcerias, tanto junto aos municípios quanto na esfera federal, e internacional, inclusive.
A celebração de um termo de Cooperação Técnica firmado entre o Governo do
Amazonas e a Fundação Nacional do Índio e o Termo de Repasse de Recurso pelo Banco
Nacional de Desenvolvimentos Sustentável (BNDES) são exemplos desse momento.
Tavares (2016), em sua dissertação, faz uma acurada análise do período de gestão
da SEIND, considerando uma fase próspera da política indigenista do Estado por conseguir
articular, interna e externamente, dispositivos políticos de gestão e uma rotina de captação
de recursos que lhe dotou de capacidade orçamentária para a execução de projetos seja
diretamente e/ou via repasse de recursos.
Contudo, em 2015, o governo então eleito alegando um contexto de crise
econômica no cenário brasileiro que o impelia a uma gestão austera e enxuta, extingue a
SEIND, ficando no seu lugar a FEI como instância representativa estatal e vinculada à
Secretaria Estadual de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUSC), com o propósito
de manter basicamente as diretrizes e princípios da política indigenista.
A reforma implicou negativamente em readequações administrativas e
orçamentárias na gestão, que passou a contar com um quadro funcional bastante restrito,
assim como próprio orçamento para a execução das ações junto aos povos indígenas,
reduzindo sobremaneira as ações no interior do Estado.

Programa Amazonas Indígena


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A máquina pública foi disponibilizada para executar ações em benefício das


populações indígenas, como fruto dos intensos diálogos, discussões e de conferências com
os indígenas, e demais agências públicas internas do próprio Estado, além das federais e
municipais. A existência de uma estrutura funcional própria fundamentada da construção
de um programa específico elaborado a partir de demandas legítimas inseridas nos
instrumentos legais da gestão administrativa do governo do Estado do Amazonas
configurava, naquele momento, a importância dos povos indígenas para o governo.
Desenvolveu-se, então, o Programa Amazonas Indígena tendo por base os eixos
Etnodesenvolvimento, Valorização e Divulgação da Diversidade Cultural e dos Povos
Indígenas e o Fortalecimento das Organizações Indígenas que passaram a nortear a política
indigenista do Estado.
A política de etnodesenvolvimento proposta buscava proporcionar melhoria da
qualidade de vida dos indígenas ao usufruir dos recursos naturais disponíveis em seus
territórios, promovendo a cidadania através do equilíbrio com o meio ambiente.
A operacionalização de projetos voltados para a produção e sustentabilidade com
foco no artesanato, recursos pesqueiros, produção agroextrativista, planos de manejo,
pesquisa, exploração artesanal de minérios, capacitação, educação ambiental, compensação
ambiental e financiamentos deveriam traduzir o conceito de etnodesenvolvimento
reafirmando a participação indígena e o respeito pela cultura própria de cada etnia.
Souza Lima e Barroso-Hoffman (2002) esclarecem que a propositura desse modelo
inovador no Amazonas, o qual privilegia a autodeterminação dos povos indígenas, se dá a
partir de toda uma discussão entre os indígenas e os diversos atores indigenistas, inclusive
agências financiadoras internacionais, para orientar uma nova política indigenista a ser
adotada pelo Estado brasileiro, resultado de um processo de modernização dos processos
legislativos como a Constituição Federal e do próprio amadurecimento das pautas do
movimento indígena.
Azanha (2002) menciona Stavenhagen como propositor do conceito de
etnodesenvolvimento cuja acepção seria o desenvolvimento que mantém o diferencial
sociocultural de uma sociedade, ou seja sua etnicidade, sendo princípios básicos para o
etnodesenvolvimento:
“objetivar a satisfação de necessidades básicas do maior número de pessoas em vez
de priorizar o crescimento econômico; embutir-se de visão endógena, dar resposta
prioritária à resolução dos problemas e necessidades locais; valorizar e utilizar
conhecimento e tradição locais na busca da solução dos problemas; preocupar-se em
manter relação equilibrada com o meio ambiente; visar a auto-sustentação e a
independência de recursos técnicos e de pessoal e proceder a uma integração de base,
[com] atividades mais participativas (ibid.:18-9).”
13

Assim, sob o viés do recente modelo de gestão da política indigenista implantado no


país, o Governo do Amazonas passava também a inaugurar para sua população indígena, os
recentes conceitos de desenvolvimento sustentável e etnodesenvolvimento.
Nesse contexto, a elaboração e execução de projetos previstos em instrumentos
firmados com parceiros como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (BNDES) e Caixa Econômica Federal
(CEF), além das ações implementadas no âmbito do Gasoduto Coari-Manaus, e de
articulações internas entre secretarias e outras no âmbito externo, inclusive com agências
internacionais, foram importantes para demonstrar a operacionalidade do Programa junto às
comunidades indígenas.
Santos (2016), numa análise não tão idílica sobre os propósitos estatais sob o manto
do etnodesenvolvimento, acredita tal política tem como meta executar o projeto
desenvolvimentista estabelecido no Plano de Desenvolvimento Estratégico do Estado do
Amazonas – 2030, cujo instrumento enquanto ferramenta administrativa merece uma
atenção especial dada a sua complexidade ao abordar a gestão do Estado na sua totalidade.
A pauta indígena, para Santos, se subsumiria ante aos interesses
desenvolvimentistas, considerando que o tal desenvolvimento implicaria na exploração de
recursos madeireiros e minerais, inclusive em terras indígenas, e poderia causar a
desmobilização do movimento, como conseqüência, num possível embate sobre os
interesses do movimento com o órgão indigenista.
O Programa Amazonas Indígena que perpassou pelas gestões da FEPI, SEIND e
FEI, teve, desde a sua formalização, 14 anos de existência. Foi extinto em 2019 pelo atual
governo em razão de nova reforma administrativa, sob o argumento de que o Plano
Plurianual (2020-2023) seria mais benéfico aos indígenas, uma vez que no lugar de apenas
um programa (Amazonas Indígena) com 3 ações, passariam a ter 6 programas
estruturantes.
São eles: Programa Pacto Pela Vida – ação Fortalecimento das Ações do
Etnodesenvolvimento e Direitos dos Povos Indígenas; Programa Produzir Amazonas –
Ação de Fomento e Apoio à Produção Agrícola, Florestal e Pesqueira dos Povos Indígenas;
Programa Amazonas Presente – Ação de Desenvolvimento de Agenda Positiva Junto aos
Povos Indígenas; Programa Saúde em Rede – Ação Assistência à Saúde Indígena;
Programa Educação Para Transformar – Ação Apoio ao Desenvolvimento da Ação Integral
do Aluno no Ensino Indígena; e o Programa Biópolis Amazonas – Implantação do Centro
14

Indígena de Pesquisa, Tecnologia e Inovação (CEPITI). Dentre os quais os três primeiros


ficam sob a jurisdição da unidade gestora da FEI, e os demais sob responsabilidade da
Fundação Estadual de Saúde (FES), Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) e
Secretaria de Estado de Planejamento, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação
(SEPLANCTI), respectivamente.

Restrições administrativas e orçamentárias


A extinção do Programa não repercutiu de forma positiva entre os indígenas, uma
vez que, de forma paralela, o orçamento recém aprovado pela Emenda Constitucional
nº102/2018, de 05 de dezembro de 2018, a qual previa a destinação de 0,5% do orçamento
arrecadado para os povos indígenas, correspondente a aproximadamente R$65.000.00,00
(sessenta e cinco milhões de reais), foi, por solicitação da Casa Civil à Assembleia
Legislativa do Estado do Amazonas, redistribuído dentre mais 03 órgãos de Governo.
A justificativa para a readequação do orçamento se fundamentou na ausência de
capacidade de execução orçamentária da FEI associada ao momento de reajustes
orçamentários gerais necessários à gestão do novo governo.
Dessa forma, o que inicialmente representava novos rumos para a melhoria da
qualidade de vida dos indígenas, se tornou motivo de descontentamento por, além de não
mais existir o vultoso orçamento, também não mais existia o Programa Amazonas Indígena
e nem a compreensão sobre o novo modelo apresentado.
De acordo com a Lei Orçamentária Anual, a Fundação Estadual do Índio prevê,
para 2020, um orçamento correspondente a R$4.650.000,00 (Quatro milhões e seiscentos e
cinqüenta mil reais), dos quais R$3.635.000 (três milhões, seiscentos e trinta e cinco mil)
são para a Administração da Unidade que compreende desde pagamento de folha de
pessoal a contratos administrativos; e R$1.004.000,00 (Um milhão e quatro mil reais) para
a execução das 3 novas ações prevista para os indígenas nos novos programas
estruturantes, refletindo valores modestos para a implementação de atividades finalísticas,
considerando o passivo do Estado com a pauta indígena e as dimensões amazônicas para
atuação no interior do Estado.
Além de um orçamento irrisório, a restrita estrutura administrativa disponível se
ressente de um quadro composto por servidores efetivos para que haja continuidade de
ações. A composição atual de servidores da FEI é de cargos comissionados, senão na
totalidade, na sua maioria. A abordagem do Estado com o público indígena exige um
quadro funcional qualificado e composto por profissionais com a expertise necessária para
15

proporcionar o diálogo entre a burocracia inerente da administração pública e o


conhecimento milenar tradicional dos povos indígenas a fim de que se traduza, na prática,
em políticas executadas.
Observou-se, ainda, que o Estado não possui de um banco de dados com
informações sistematizadas sobre sua atuação com as populações tradicionais do Amazonas
que possam ser disponibilizadas à sociedade e ao público acadêmico como fonte de dados
oficiais.

OUTRAS PAUTAS

Saúde, educação, previdência, emprego e oportunidades de geração de renda,


segurança e toda a sorte de pauta comum ao exercício da plena cidadania o são também
para as comunidades indígenas já integradas ao convívio nacional.
Importa esclarecer que a presença indígena nos centros urbanos é uma realidade que
ganhou vulto desde meados do século XX. A busca pela educação escolar, empregos e por
tratamentos de saúde motivaram o deslocamento de famílias de suas comunidades para as
sedes dos municípios e capitais.
Lasmar (2008), afirma sobre uma região do alto Rio Negro que as principais
motivações alegadas pela população indígena das comunidades para a mudança no
contexto urbano são a busca por educação escolar e o trabalho remunerado.
No Amazonas é significativa a presença de indígenas no mercado de trabalho, no
comércio, na indústria e inclusive em cargos públicos, sejam como educadores ou como
profissionais da saúde; e ainda no mercado informal. O município de São Gabriel da
Cachoeira, no noroeste amazônico, e detentor da maior população indígena e diversidade
étnica do país, contribui sobremaneira na contabilidade de indígenas que prestam serviços
públicos.
O número de indígenas profissionais prestadores de serviços nas instituições
públicas estadual, municipais e nos órgãos federais que possuem representação física na
capital e interior, teria proporções vultosas se considerássemos a origem naturalmente
indígena formadora da população do Amazonas. Importa, ainda, para efeitos de impactos
estatísticos, sopesar o auto-reconhecimento étnico.
Os indígenas, na maioria, estão inseridos na população que compõe a classe baixa
das cidades e, em geral, habitam nas zonas periféricas das cidades, originadas de ocupações
de áreas públicas ou privadas, carentes de políticas públicas estruturantes que possibilitem
16

alternativas às situações de marginalidade, como por exemplo, a indústria do tráfico de


entorpecentes.
Como reflexo dessa integração no contexto urbano os indígenas já contabilizam nas
unidades prisionais do Estado. Contudo, a ausência de uma política direcionada a esse
público específico nos presídios dificulta a produção de dados estatísticos que possam
fundamentar a elaboração de ações que considerem as especificidades indígenas, mesmo
que em ambiente prisional.
De acordo com o INFOPEN, um sistema do Ministério da Justiça e Segurança
Pública, que fornece dados/estatísticas sobre o sistema prisional brasileiro, o relatório de
junho de 2017 (o último disponível em mídia digital), informa que no Amazonas a
população carcerária é composta de 5,45% de etnia preta, 69,57 de etnia parda e, apenas
0,12% de etnia indígena, ficando o restante distribuído entre etnia amarela, branca e os que
não informaram sua etnia.
Partindo do entendimento de que a figura predominante do caboclo amazonense se
origina da miscigenação do indígena com o branco ou, numa interpretação ampla, do
indígena com o negro, é importante identificar nesse universo de 69,57% de pardos quais
têm ascendência indígena, uma vez que ser pardo no Amazonas não significa ser
afrodescendente.
A inquietação quanto à qualidade das informações oficialmente fornecidas se
originam da análise geral do INFOPEN:
Em relação ao dado sobre a cor ou etnia da população prisional brasileira, o gráfico
abaixo (17) indica que 46,2% das pessoas privadas de liberdade no Brasil são de
cor/etnia parda, seguido de 35,4% da população carcerária de cor/etnia branca e
17,3% de cor/etnia preta. Somados, pessoas presas de cor/etnia pretas e pardas
totalizam 63,6% da população carcerária nacional. Quando observamos os dados da
PNAD Contínua 2017, percebemos que há uma população preta e parda no sistema
prisional brasileiro. Os dados da PNAD indicam, que somados, o total de pardos e
pretos representam 55,4% da população brasileira.

Pelo texto, a informação não considera no quadro geral nacional a presença


indígena, a qual é inserida no conceito de pardo e, automaticamente, computada
conjuntamente à etnia preta. Entretanto, ao considerarmos a realidade amazônica e, no
caso, a amazonense, é necessário que os dados sejam qualificados de forma a refletir a
situação fática para subsidiar políticas ao indígena em situação de restrição de liberdade.
Outra temática que vem ao longo da última década ganhando repercussão entre a
população indígena do Estado diz respeito aos suicídios entre os jovens indígenas. De
acordo com dados obtidos pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) junto à Secretaria
de Saúde Indígena (SESAI) O Amazonas ocupa, com 36 casos, o segundo lugar nas
17

estatísticas, ficando atrás somente do Mato Grosso do Sul, com 44 casos, sendo a taxa três
vezes maior do que a média nacional.
De acordo com o antropólogo Clayton Rodrigues, em entrevista concedida a um
periódico local, a questão do impacto cultural associado à ausência de políticas para essa
população são motivadores para a prática do suicídio, uma vez que os indígenas hoje não
têm nenhum tipo de amparo de verdade para sua seguridade física.
Mais que buscas alternativas na área da saúde, a promoção de políticas públicas que
favoreça o desenvolvimento dos povos tradicionais é a solução no enfrentamento à prática
de suicídio pelos indígenas, entendimento defendido pela Doutora em Antropologia pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Lúcia Helena Rangel.
Além destes aqui abordados como população carcerária e suicídio, há uma gama de
assuntos que merecem, igualmente aos temas da saúde, educação, meio ambiente e
sustentabilidade, ser discutidos com os povos tradicionais do Amazonas na busca da
melhoria da qualidade vida através da execução de políticas pensadas considerando a
autonomia e diversidade cultural dos povos.
A presença das universidades nessas discussões é de fundamental importância ao
considerarmos a produção científica que vem se desenvolvendo nos ambientes acadêmicos
sobre as diversas temáticas do universo indígena, inclusive pelos próprios cientistas
indígenas, e que podem contribuir sobremaneira na elaboração de propostas.
Em 2019, a mobilização indígena promovida pelo Fórum de Educação Escolar e
Saúde Indígena – FOREEIA, movimento indígena que formado inicialmente para discutir
questões de cunho educacional, mas que ao demonstrar sua credibilidade e capacidade
mobilizadora junto às comunidades e lideranças tradicionais de base, passou a ser também
o fórum de discussões das pautas gerais de interesse do coletivo indígena. A mobilização
culminou com a V Marcha dos Povos Indígenas do Amazonas, com a presença de
aproximadamente 1000 indígenas do interior e da capital, e almejava, dentre outras pautas
específicas, obter respostas das autoridades públicas sobre as políticas de Estado para os
indígenas da capital e do interior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo se propôs a fazer uma reflexão sobre a política indigenista até
então praticada pelo Estado do Amazonas a fim de que possa contribuir com a elaboração
de uma política eficiente pois, embora o Estado já venha ao longo de duas décadas
mantendo uma relação institucionalizada com a sua população indígena para oferecer
18

políticas públicas adequadas, como fruto de um processo de construção social conjunto,


ainda há um longo caminho a ser trilhado para uma proposta mais estruturante.
Os indígenas e sua organização social encontram proteção na Constituição Estadual
do Amazonas como um reflexo das garantias previstas para os povos originários no texto
federal. O desenvolvimento econômico do Estado deve estar em harmonia com a vocação
naturalmente ambiental do Estado, que abriga um considerável patrimônio de diversidade
étnica e genética, e faz com que, necessariamente, seja oferecido um trato estatal
diferenciado aos povos indígenas.
O processo de construção social para as políticas públicas até então experimentadas
pelo Estado do Amazonas se demonstrou ser forjada a partir da oitiva das demandas vinda
das comunidades de base e em fóruns com a participação de lideranças indígenas
tradicionais. A importância da presença indígena na estrutura de governo foi reconhecida,
não pela natural simpatia estatal, mas como conquista das lutas do movimento indígena e
pela própria importância para as políticas econômico-ambientais pretendidas pelo Estado.
As pautas de ordem econômica, social e cultural das etnias do Amazonas foram
contempladas em um programa de governo que prosseguiu, desde 2001, dentre os
seguintes, por ter sido elaborado com e para os indígenas. Em 2019, as ações de Estado
passaram por modificações e atualmente estão divididas em 6 programas, os quais devem
ser oportunamente avaliados.
A política indigenista, nos quase 20 anos de existência institucional, embora com
limitações administrativas, teve seu auge com a então Secretaria de Estado dos Povos
Indígenas (SEIND) que articulou e alcançou expressivas parcerias para a execução das
ações e atividades de etnodesenvolvimento das comunidades e fortalecimento cultural dos
povos indígenas do Amazonas, aliada à participação do Conselho Estadual dos Povos
Indígenas que previa discussões, deliberações e fiscalização sobre as políticas destinadas
aos indígenas.
Entretanto, com a chegada de uma nova gestão estadual, em 2016 a Secretaria e o
Conselho foram extintos, surgindo o atual órgão em atuação, a Fundação Estadual do Índio,
com estrutura administrativa, orçamentária e financeira precárias impedindo a continuidade
das atividades previstas para os povos indígenas, situação que atualmente se mantém.
Assim, acredita-se que o Amazonas se esforçou nessas duas décadas para construir
uma política indigenista moderna a partir do diálogo com os seus povos indígenas, contudo,
a inconstância das estruturas administrativas, a ausência de um quadro funcional efetivo e
de um orçamento condizente com a realidade amazônica para cumprir com uma
19

programação adequada são motivos da atual precarização dos serviços oferecidos aos
indígenas.
Muitas iniciativas e projetos foram executados de forma exitosa, contudo a
inconstância das gestões, a inexistência ou frágeis mecanismos de governança e a
descontinuidade dos projetos implicam na necessidade de se repensar o que se pretende
como política para os povos indígenas do Amazonas.
Embora o atual governo tenha proposto uma nova forma de gestão para contemplar
os povos indígenas, ao substituir o Programa Amazonas Indígena, por ações ditas
estruturantes pulverizadas em 6 outros programas, novos diálogos precisam ser realizados
com os indígenas. Mesmo o extinto Programa precisava ser revisado, pois novas demandas
surgiram, e o contexto econômico e político se alterou sendo, portanto, necessário retomar
o diálogo, manter ou propor novas formas de agir.
A presença do cidadão indígena no contexto urbano demanda discussões
apropriadas, específicas, uma vez que a política diferenciada a qual faz jus em seus
territórios tradicionais precisa ser melhor discutida e assimilada no âmbito urbano, mesmo
pelas instituições públicas no reconhecimento da diversidade.
O que se percebe é a necessidade do Estado incorporar a importância dos povos
indígenas para o Amazonas, enquanto elemento formador da miscigenação do povo
amazônico, nortista, amazonense, como indivíduo indispensável à proteção do patrimônio
natural do Estado, e assim potencial capital étnico, cultural, ambiental e turístico que pode
contribuir sobremaneira para a economia regional, não devendo, a exemplo do que ocorre
no cenário nacional, estarem relegados a um menor plano.
Os povos indígenas precisam ter a sua importância reconhecida através de uma
política de Estado adequada, construída conjuntamente, onde eles se vejam como
personalidades de grande influência da cultura e economia do Amazonas, enquanto
detentores de conhecimentos tradicionais fundamentais para a manutenção da diversidade
biológica da Amazônia, proporcionando políticas de desenvolvimento efetivamente
sustentáveis.
Para tanto, importa que a estrutura administrativa disponibilizada seja efetivamente
adequada com orçamento compatível e servidores efetivos qualificados capazes de
dialogarem com os povos indígenas a fim de traduzirem suas demandas em propostas de
políticas públicas estruturantes, contínuas e eficazes.
20

Referências

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