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de Janeiro (RJ)
Rio de Janeiro
2014
G633r Gomes, Luiz Cláudio Moreira.
A regularização fundiária em áreas públicas : reflexões a
partir do estudo de caso da Comunidade do Horto, Rio de
Janeiro (RJ) / Luiz Cláudio Moreira Gomes. – 2014.
184 f. : il. color. ; 30 cm.
CDD: 346.0432
LUIZ CLÁUDIO MOREIRA GOMES
de Janeiro (RJ)
Aprovado em:
___________________________________________
Prof. Dr. Orlando Alves dos Santos Júnior - Orientador
Instituto de Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
___________________________________________
Profª. Drª. Maria Julieta Nunes de Souza
Instituto de Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
___________________________________________
Prof. Dr. Flávio Alves Martins
Faculdade Nacional de Direito - UFRJ
___________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Pereira de Mello
Departamento de Sociologia - UFF
____________________________________________
Prof. Dr. Raul Francisco Magalhães
Departamento de Ciências Sociais - UFJF
Dedico este trabalho a minha esposa Fabiana
Marins Rios pela compreensão e amor ao longo
desta e de muitas outras vidas.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, professor Orlando Júnior, pelos seus ensinamentos, por sua
compreensão, apoio e companheirismo.
À professora Julieta Nunes, uma pessoa que luta pela justiça social e acredita no
importante papel da Universidade na construção de um Brasil melhor.
The thesis has the overall objective to discuss and identify policy and institutional
conditions that favor or block the possibilities of bringing the instruments of
regularization in public areas contained in the City Statute in the light of the selected
case. Additionally, if you have specific purposes : to analyze the structure of property
rights in Brazil; understand the scale of the social function of property after the
Constitution of 1988 and the right to housing , the determinants for the development
of public policies. A tour to the origins of property rights in Brazil will also be analyzed.
Seeking to achieve the objectives of the present work, we adopted the case study
method, allowing the adoption of exploratory and descriptive approach. The research
shows that the regularization in public areas and the effectiveness of the City Statute
is directly related to the interests of the actors involved in the issue and the
presentation of the topic as a public issue.
1 INTRODUÇÃO 12
REFERÊNCIAS 178
12
1 INTRODUÇÃO
pelos que agem em seu nome. Tal é o que explica segundo nossa perspectiva
particular, a ser defendida nesse trabalho, as contradições e as mudanças de
objetivos e metas organizacionais observadas numa perspectiva histórica mais
ampla de qualquer instituição considerada. Instituições mudam porque mudam os
atores que lhes dão vida e que modificam seus objetivo e seu modus operandi a
cada gestão. Isto, naturalmente, não ocorre no contexto de plena liberdade, e sim no
contexto de uma estrutura cognitiva, isto é, interpretativa que constrange as
possibilidades de ação dos agentes e instituições.
1
Neste período é editada a Lei nº 581/1850, que estabelecia medidas para a repressão do tráfico de africanos no
Império.
2
O art. 17, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, assim preceitua: Como a propriedade é um
direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente
comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.
26
- Quanto à titularidade
Considerando a titularidade, os bens públicos podem ser classificados em
federais, estaduais, distritais e municipais.
3
Art. 173. [...] II- a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
4
Como exemplos, STF, 2ª T. RE 398587/RS, j. 14/12/2009, DJ 02/02/2010, rel. Min. Carlos Ayres Britto e 2ª T.
RE 536297/MA, j. 16/11/2010, DJ 24/11/2010, relª. Minª. Ellen Gracie. STJ, 4ª T. REsp. 37906/RJ, j. 29/10/1997,
DJ 15/12/1997, rel. Min. Barros Monteiro; 4ª T. REsp. 120702/DF, j. 28/06/2001, DJ 20/08/2001, rel. Min. Ruy
Rosado de Aguiar e 3ª T. REsp. 647357/MG, j. 19/09/2006, DJ 23/10/2006, rel. Min. Castro Filho.
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Relativamente aos bens federais, são aqueles que pertencem à União e estão
elencados principalmente nos artigos 20 e 176, da Constituição Federal5. Os bens
imóveis da União serão regidos principalmente pelo Decreto-lei nº 9.760/46, que
inclusive foi recentemente alterado pela Lei nº 11.481/2007 para disciplinar
procedimentos relativos à regularização fundiária de interesse social.
Os bens estaduais ou distritais, que são aqueles pertencentes aos Estados e ao
Distrito Federal, estão elencados principalmente no artigo 26, da Constituição
Federal6.
Os bens municipais, que são aqueles pertencentes aos Municípios, não estão
especificados na Constituição Federal, mas poderiam ser listados como todos
aqueles que são de interesse local, cuja titularidade não pertença à União, Estados
ou Distrito Federal.
- Quanto à destinação
O Código Civil apresenta a principal classificação dos bens públicos, tomando
em conta a destinação dos mesmos, na forma do artigo 997. Segundo o conceito
legal, os bens públicos apresentariam três modalidades, sendo a primeira, os de uso
comum, aqueles que podem ser utilizados de forma indistinta por toda a população,
desde que cumpridas as condições impostas por regulamentos administrativos. A
5
Art. 20 São bens da União: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II - as
terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias
federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios e quaisquer correntes de
água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou
se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; IV
as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as
costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço
público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; V - os recursos naturais da plataforma
continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII - os potenciais de energia hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; X - as cavidades
naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios. Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica
constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União,
garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
6
Art. 26 Incluem-se entre os bens dos Estados: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e
em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; II - as áreas, nas ilhas
oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou
terceiros; III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; IV - as terras devolutas não compreendidas
entre as da União.
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Art. 99 São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os
de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração
federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o
patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou rela, de cada uma dessas
entidades. Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às
pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
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segunda modalidade seriam os bens de uso especial, que são aqueles que possuem
uma finalidade específica e por fim teríamos os bens dominicais, que são aqueles
que não ostentam uma destinação específica, representando o patrimônio disponível
do Estado.
A lei determina que os bens públicos de uso comum do povo e os de uso
especial são inalienáveis, enquanto conservarem sua afetação8. Para que possam
ser alienados, faz-se necessário que seja realizada a desafetação do bem, que
consiste em retirar do mesmo a destinação que lhe fora anteriormente conferida.
8
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do provo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto
conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
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Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.
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Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público
devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas [...].
30
11
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. [...] § 3º - Os imóveis públicos não
serão adquiridos por usucapião.
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos
ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a
produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião.
12
Penhora é ato de apreensão e depósito de bens ocorrido em processo judicial para utilizá-los na satisfação do
crédito executado, caso a obrigação não seja satisfeita de forma voluntária.
13
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em
virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e
à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e
nos créditos adicionais abertos para este fim. [...] § 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição
de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as
Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
31
superfície.
O uso dos bens públicos, sob a égide do direito público, pressupõe a fixação de
regras pelo ente que detém a sua titularidade14. Temos como principais instrumentos
para transferência do uso do bem público para os particulares, a autorização de uso,
permissão de uso, concessão de uso, concessão de direito real de uso (CDRU),
concessão de uso especial para fins de moradia (CUEM) e cessão de uso.
A Autorização de uso consiste em ato administrativo unilateral, de natureza
discricionária, revestido de precariedade, através do qual a Administração Pública
consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um bem
público. Em regra, a autorização é concedida por período de curta duração.
A Medida Provisória nº 2.220/2001, em seu artigo 9º15, cria uma autorização de
uso relativa especificamente ao universo urbanístico, que diversamente da regra
geral não estará revestida de precariedade.
A permissão de uso se caracteriza como ato administrativo unilateral, de
natureza discricionária, revestido de precariedade, através do qual se transfere o
uso do bem público para particular usar continuadamente, atendendo-se interesses
público e privado.
Concessão comum de uso consiste em contrato administrativo, por meio do
qual a Administração Pública delega o uso de um bem público ao concessionário por
prazo determinado.
Temos ainda a concessão de direito real de uso consiste em contrato por meio
do qual a Administração Pública delega o uso do bem público para fins de moradia;
para fins industriais e para fins comerciais na forma do artigo 7º, do Decreto-Lei nº
271/6716.
14
Art.23, inc. I, da CF:É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I- zelar
pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público.
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Art.9o É facultado ao Poder Público competente dar autorização de uso àquele que, até 30 de junho de 2001,
possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros
quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para fins comerciais.
o
§ 1 A autorização de uso de que trata este artigo será conferida de forma gratuita.
o
§ 2 O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu
antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 3o Aplica-se à autorização de uso prevista no caput deste artigo, no que couber, o disposto nos arts. 4o e 5o
desta Medida Provisória.
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Art. 7o É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo
certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse
social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas,
preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse
social em áreas urbanas.
32
17
Art. 1o Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o
para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação
ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel
urbano ou rural. [...] Art. 2o Nos imóveis de que trata o art. 1o, com mais de duzentos e cinqüenta metros
quadrados, que, até 30 de junho de 2001, estavam ocupados por população de baixa renda para sua moradia,
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por
possuidor, a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde que os
possuidores não sejam proprietários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.
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Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua
extinção, às disposições do Código Civil anterior [...].
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Cidade nos artigos 21 a 24, constituindo-se como a concessão feita pelo proprietário
para que outrem (superficiário) possa utilizar, no mínimo, a superfície de seu imóvel
na forma convencionada em contrato. O Poder Público, mediante autorização
legislativa, poderá conceder o direito de superfície ao particular, constituindo-se esta
uma modalidade de uso do bem público19.
Outra modalidade de uso de bem público é a locação que se traduz no contrato
pelo qual o proprietário-locador transfere a posse direta do bem ao locatário, que se
obriga a pagar um aluguel pelo período contratado. Destaca Carvalho Filho (2009, p.
1124), que a licitação será dispensada para a “locação de imóveis residenciais ou de
comercial no âmbito local com área de até 250 m², quando resultar de programas
habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social a carga de órgãos
administrativos”.
Existe ainda a possibilidade do Poder Público se utilizar do contrato de
comodato para permitir o uso de bens públicos, que nos termos do artigo 579, do
Código Civil é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis, que se perfaz com a
entrega do objeto. Ressalta Carvalho Filho (2009), que é recomendável que o Poder
Público se utilize da concessão gratuita de uso de bem público, por ser uma forma
de direito público, mas nada obsta que seja empregado o comodato.
Com muita propriedade pondera Justen Filho (2010, p. 1045), que os bens
públicos demandam uma nova concepção norteada pelos direitos fundamentais,
onde “o tratamento do instituto do bem público deve ser norteado pelo enfoque da
supremacia e indisponibilidade dos direitos fundamentais. Isso significa afastar
concepções tradicionais, que fundavam em pressupostos incompatíveis com a
ordem constitucional”.
Justen Filho (2010) assevera que o direito administrativo continua a considerar
os bens públicos como “patrimônio sagrado”, frustrando a “utilização instrumental
para satisfação das necessidades humanas”, desprezando que os mesmos devem
ser utilizados como para a promoção dos direitos fundamentais.
A Constituição Federal em seu artigo 1º20 apresenta os cinco fundamentos da
19
Código Civil. Art. 1.377. O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-
se por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial.
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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a
cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o
pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
34
21
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
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população total, nos anos sessenta evidenciava que o Brasil era um país
eminentemente agrícola com a referida taxa no percentual de apenas 44,7%. No
início dos anos 1980, a taxa era de 67,6% e no Censo Demográfico 2.000 do IBGE,
o percentual era de 81,2%.
Por atribuição da Constituição Federal no capítulo da política urbana, compete
ao plano diretor estabelecer as condições para que a propriedade atenda sua função
social, o que é reforçado no artigo 39, do Estatuto da Cidade. Considerando a
fragilidade do federalismo brasileiro, em especial o papel desempenhado pelas
oligarquias e grupos de interesses que atuam em nossos Municípios, principalmente
na iminência dos chamados megaeventos que “inundam” diversas cidades do Brasil,
a obrigatoriedade de elaboração de planos diretores participativos, afigurar-se-ia
medida extremamente prudente, mas efetivamente essa não vem sendo essa a
opção do Poder Legislativo.
O Estatuto da Cidade, recentemente foi alterado para incluir no rol de cidades
obrigadas a elaboração do plano diretor, aquelas “incluídas no cadastro nacional de
Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto,
inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos”, conforme
dispõe a Lei nº 12.608/2012, mas ainda assim a obrigação de elaboração de plano
diretor participativo, não contempla a realidade nacional, pois temos mais de 5.500
municípios e aproximadamente 70% deles tem menos de 20.000 habitantes, estando
portando excluídos do principal critério quantitativo que levaria à obrigação de
confecção compulsória do plano diretor.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 826-9, infelizmente firmou entendimento, que não cabia ao Estado membro
obrigar Município com mais de 5.000 habitantes a elaborar plano Diretor:
O Plano Diretor deve interagir com as dinâmicas sociais. Nesse sentido é que
se pode dizer que o Plano Diretor contribui para reduzir as desigualdades sociais –
porque redistribui os riscos e os benefícios da urbanização.
O objetivo fundamental do plano diretor é estabelecer como a propriedade
cumprirá sua função social, de forma a garantir o acesso a terra urbanizada e
regularizada, reconhecer a todos os cidadãos o direito à moradia e aos serviços
urbanos.
Nesta perspectiva, o plano diretor, deixa de ser um mero instrumento de
controle do uso do solo para se tornar um instrumento que introduz o
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mais intersetorial e com disposição política para efetivamente romper com práticas
fragmentadas, elaboradas por instâncias governamentais setorializadas.
Nesse momento de uma nova proposição para o plano diretor, trazida pelo
Estatuto da Cidade e diante da crise socioeconômica, é preciso que se desenvolva
uma nova compreensão do desenvolvimento, na qual a dimensão econômica não
achate as possibilidades de emergirem novos sujeitos sociais. Levando em
consideração o plano diretor – instrumento de planejamento municipal, articulado a
planos plurianuais, leis de diretrizes orçamentárias e a orçamentos anuais –, que
visa, entre outros objetivos, a regular a função social da cidade e da propriedade
urbana, busca-se construir um outro modo de organizar a produção e o território, no
âmbito da integração das políticas públicas e da articulação com as políticas
urbanas, compatível com os limites da sustentabilidade ambiental, social e
econômica.
processo de elaboração e/ou revisão, seja organizada de tal forma que passe a se
constituir em instrumento de transformação/fiscalização para que seja permitida a
ocupação da terra com justiça social em detrimento ao capital especulativo ou ao
comprometimento da ação estatal.
regularização fundiária.
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O Poder Judiciário já declarou a inconstitucionalidade de alteração de Plano Diretor sem a devida participação
popular. Como exemplo, TJ-SP, Órgão Especial, ADI 381454820118260000, j. 05/10/2011, DO 27/10/2011, rel.
Des. Walter de Almeida Guilherme. TJ-ES, Tribunal Pleno, ADI 100110030515, j. 08/03/2012, rel. Des. Carlos
Simões Fonseca. TJ-SC, Órgão Especial, ADI 644088, j. 26/10/2011, Rel. Des. Vanderlei Romer.
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O Fórum Nacional de Reforma Urbana é uma rede de organizações brasileiras articulada em torno da agenda
do direito à cidade e de reivindicações visando melhores condições de vida e a gestão democrática das cidades.
São movimentos populares, associações de classe, ONGs e instituições de pesquisa que querem promover a
Reforma Urbana. O Fórum Nacional de Reforma Urbana existe desde 1987 e trabalha estimulando a participação
social em conselhos, organizando cursos de capacitação de lideranças sociais e discutindo a elaboração de
planos diretores democráticos para as cidades.
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direito de propriedade e sua função social (artigo 5º, incs. XXII e XXIII; artigo 156, I,
§ 1º; artigo 170, incs. II e III; artigos 182; 184 e 185). Como dito, a função social da
propriedade não é algo que surge com a Constituição de 1988, tanto que tal
expressão ingressa em nosso ordenamento constitucional sob a égide da ditadura
militar.
Esclarece Gomes (1988, p. 97-98), que a teoria da função social da
propriedade ganhou corpo com os ensinamentos de Léon Duguit no início do século
XX, para quem a propriedade não era um direito subjetivo, mas uma função social,
onde o proprietário seria possuidor de uma riqueza e por possuir tal riqueza teria
uma função social a cumprir e enquanto o mesmo cumprisse tal função, o seu direito
de proprietário estaria assegurado. Se o proprietário efetivamente não cumprisse tal
função ou a cumprisse mal, seria legítima a intervenção do Estado para que fosse
respeitada a função social da propriedade. Temos a preservação do direito de
propriedade, mas o que decorre da teoria proposta é que a propriedade transcenda
os interesses meramente individuais, o que caracteriza uma verdadeira releitura do
conceito tradicional/liberal:
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Como exemplo, TJ-SP, 13ª Câm. de Dir. Público. Apelação nº 0007490-24.2010.8.26.0099, j. 15.02.2012:
Reintegração de posse. Bem público. Esbulho configurado. Possibilidade de retomada a qualquer tempo. Mera
detenção não induz posse. Descabimento de invocação à função social da propriedade e ao direito à moradia.
Indenização por benfeitorias. Inadmissibilidade. Recurso desprovido.
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25
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
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Art. XXV. 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e
bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação e cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis,
e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos
meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
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Art. 11. 1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida
adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim
como uma melhoria contínua de suas condições de vida.
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O direito à moradia tem relação estreita com o próprio direito à vida, vez que o
homem não pode simplesmente deixar de habitar sem ferir a sua própria dignidade.
Por mais que muitos outros direitos sejam desconhecidos ou mesmo não
exercitáveis pelos seus titulares, não é o caso do direito à moradia, pois ao final de
sua jornada diária, a grande maioria das pessoas tem a expectativa de se recolher a
um lar. Não assegurado o direito à moradia digna, o homem tem reduzida a sua
própria condição humana, pois estará submetido à condições degradantes de
sobrevivência sujeito às vicissitudes e intempéries. Assim, não se compromete a
efetivamente do direito à moradia, mas até mesmo o direito à vida. Sarlet (2009)
pondera que a Constituição de 1988 não levou a efeito a fixação do conteúdo do
direito à moradia, mas acentua que podem ser adotados os padrões internacionais,
como aqueles fixados pela Comissão da ONU para Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, que estabelece elementos básicos a serem atendidos e que não se
resumem a um simples espaço físico, sendo eles:
a) segurança jurídica para a posse, independentemente de sua natureza e
origem;
b) disponibilidade de infra-estrutura básica para a garantia de saúde,
segurança, conforto e nutrição dos titulares do direito (acesso à água potável,
energia para o preparo da alimentação, iluminação, saneamento básico, etc.);
c) as despesas com a manutenção da moradia não podem comprometer a
satisfação de outras necessidade básicas;
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Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III- a dignidade da
pessoa humana.
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29
Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a
edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar
as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.
55
(IPTU) progressivo, na forma dos artigo 7º30, caso não seja observada obrigação
contida no plano diretor relativamente ao parcelamento ou edificação do imóvel.
30
Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta
Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação
do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração
da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
31
Art. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a
obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel,
com pagamento em títulos da dívida pública.
32
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos
poderes inerentes à propriedade.
56
33
No âmbito da União, a CUEM também encontra regulação na Instrução Normativa nº 02/2007, da Secretaria
do Patrimônio da União, que dispõe sobre o procedimento para a Concessão de Uso Especial para fins de
Moradia - CUEM e da Autorização de Uso em imóveis da União.
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Pode-se compreender o direito real como sendo um direito que pode gerar ações contra qualquer pessoa que
queira violá-lo e contra o próprio Poder Público que concedeu o direito de uso.
35
Art. 6o O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante
o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial.
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poderá ser aplicado em terras públicas ou privadas enquanto a CUEM somente será
possível de ser aplicada em área pública.
Em que pese a Medida Provisória nº 2.220/2001 traduzir um avanço em termos
de estabelecer a CUEM, mas ao fixar um marco temporal no ano de 2001 para
outorga reconhecimento do direito, o legislador deixou de considerar que o problema
habitacional cresce de forma descontrolada no Brasil, o que implica em ocupações
rotineiras de áreas públicas em muito marcadas pela ociosidade. Uma gama
crescente de excluídos estão sendo privados de utilizar um dos mais importantes
instrumentos jurídico-urbanísticos para regularizar sua condição de possuidores de
áreas públicas ocupadas para fins residenciais.
Outro entrave poderia ser descrito com a imposição do uso obrigatório da via
administrativa para a concessão da CUEM, que somente poderá ser pleiteada na
esfera judicial, após a sua recusa ou omissão na esfera extrajudicial, conforme
dispositivo anteriormente citado da Medida Provisória nº 2.220/2001, o que implica
em violação ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional contido no inc.
XXXV, do artigo 5º, da Constituição Federal de 198836.
Para obstacularizar a aplicação da CUEM, não podemos deixar de citar, que
existe posicionamento no sentido de inquinar de inconstitucional a Medida Provisória
nº 2.220/2001, forte no argumento defendido por Di Pietro (2002, p. 159), de que o
artigo 3º, do referido dispositivo regulou a utilização privativa de bens estaduais e
municipais, o que violaria a autonomia consagrada no artigo 18, da Constituição
Federal de 1988:
36
Art. 5º [...] .XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
60
Direito de Superfície
Lira (1997, p. 116), conceitua o direito de superfície da seguinte forma:
Cessão de Posse
A cessão de posse permite que ao Poder Público e entidades delegadas, na
forma do artigo 26, da Lei 6.766/79, ceder a posse de terrenos destinados a
loteamentos populares, nos quais tenha ocorrido imissão provisória na posse. O
referido instrumento se diferencia totalmente dos demais, pois na aplicação do
mesmo, o Poder Público não tem a posse definitiva nem a propriedade, haja vista
não ter ocorrido o encerramento das ações judiciais de desapropriação, com o
pagamento ou depósito do valor do imóvel desapropriado.
A cessão de posse aplica-se no caso de promoção de loteamento popular em
área que não é pública e esteja passando por processo de desapropriação, no qual
62
Autorização de Uso
A autorização de uso é ato administrativo unilateral, discricionário, revestido de
precariedade, através do qual o Poder Público confere ao particular o uso de bem
público.
A autorização em questão, não se confunde com a autorização de uso descrita
na Medida Provisória nº 2.220/2001, pelo fato de que a mesma se reveste de
precariedade, o que não ocorre com aquela, que decorre de ocupação de imóvel
observando-se determinado tempo, posse mansa e pacífica, bem como o tamanho
de área.
A autorização de uso em questão deverá ser utilizada de forma provisória na
medida em que com a aplicação do referido instrumento, existe de fato a
preponderância do interesse privado sobre o interesse público, não sendo portanto
um instrumento apropriado para assegurar a segurança jurídica da posse ao longo
do tempo, tanto que no processo de regularização fundiária deverá apenas
assegurar a permanência do possuidor em bem público, apenas de forma provisória.
Compra e Venda
Atualmente, a compra e venda envolvendo imóveis públicos encontra-se
regulada principalmente na Lei nº 9.636/98, constituindo-se em contrato através do
qual uma das partes transfere à outra sua propriedade, mediante pagamento em
dinheiro, aplicando-se no que for compatível as normas do Código Civil.
No âmbito da compra e venda, envolvendo regularização fundiária, é curial
destacar, que em áreas públicas, deve ser observado que a área objeto da
transação será destinada para uso de moradia de interesse social, caso a área
venha tendo outro uso.
No caso da compra e venda, deve-se obter a competente autorização legal
63
para que a área seja devidamente transferida e finalmente deverá ser declarada a
dispensa de licitação, restando consignado que a operação estará sendo realizada
para atender demanda de programa habitacional ou de regularização fundiária de
interesse social na forma do artigo 17, da Lei nº 8.666/93.
Também se aplicam as regras da compra e venda nos casos de promessa, na
qual o vendedor se obriga a vender um imóvel pelo preço e condições acordadas,
mediante compromisso de firmar a competente escritura definitiva de compra e
venda com o cumprimento das obrigações assumidas.
Doação
A doação consiste em contrato, através do qual o proprietário (doador), por
liberalidade, transfere do seu patrimônio bem para outrem (donatário), que o aceita.
É possível a utilização da doação de bens públicos, mas para que tal ocorra, far-se-á
necessária a demonstração de atendimento ao interesse público
O Poder Público deverá atentar para que a área seja destinada para uso de
moradia de interesse social, devendo obter autorização legal e declarar a dispensa
de licitação.
A doação poderá conter encargos, que caso não sejam cumpridos, ensejarão a
reversão do bem ao Poder Público, conforme explicita a Lei nº 9.636/98.
Entendemos em concordância com Carvalho Filho (2009, p. 1129), que a
doação deverá sempre que possível ser substituída pela “concessão de direito real
de uso, instituto pelo qual não há perda patrimonial do domínio Estatal”, permitindo
assim, que seja verificado se o imóvel está sendo destinado essencialmente para
atender o direito à moradia.
Permuta
Considera-se permuta o contrato através do qual determinada pessoa transfere
a outrem um bem do seu patrimônio e recebe outro bem equivalente. De fato, ocorre
uma troca entre as partes contratantes, onde se dá uma alienação e uma aquisição
simultâneas.
O Poder Público deverá atentar para que a área seja destinada para uso de
moradia de interesse social, devendo obter autorização legal e declarar a dispensa
de licitação.
Para fins de regularização fundiária, o Poder Público poderá ceder imóvel de
64
sua titularidade ao particular que teve imóvel ocupado para regularizar a situação
dos possuidores.
Dação em pagamento
A dação em pagamento é forma de extinção de uma obrigação consistente no
pagamento da dívida mediante a entrega de um objeto diverso daquele
convencionado. Considerando a regularização fundiária, o devedor transferiria ao
credor da obrigação um bem imóvel de sua propriedade, que poderia ser utilizado
para regularizar situações onde houvesse ocupações de caráter social.
Para efeito de exemplificar a aplicação do instrumento, podemos citar o caso de
um devedor de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), que para efeito se honrar
com a obrigação, poderá transferir o bem ao Município, que na área objeto da dação
em pagamento, poderá instalar e/ou regularizar moradias populares.
O Poder Público deverá atentar para que a área seja destinada para uso de
moradia de interesse social, devendo obter autorização legal e declarar a dispensa
de licitação.
Aforamento
Conforme anteriormente tratado, o aforamento é ato por meio do qual a União
atribui a terceiro o domínio útil de imóvel de sua propriedade, obrigando-se o foreiro
ao pagamento do foro anual, equivalente ao percentual de 0,6% do valor do terreno.
O aforamento pode ser usado quando a União ostentar interesse em manter o
vínculo de propriedade, mas reconhecer a possibilidade de permitir que particulares
se estabeleçam definitivamente na área. No âmbito da regularização fundiária, o
instrumento pode ter grande relevância, servindo mesmo para que sejam realizadas
ações conjuntas entre os entes da Federação.
Para efeito de demonstrar a relevância do instrumento, vale citar o aforamento
concedido pela União ao Município do Rio de Janeiro, através da Portaria do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão de nº 81/2003, para que fosse
viabilizado projeto de urbanização e regularização fundiária para beneficiar famílias
de baixa renda e carentes da área denominada “Parque Royal”, situada no bairro da
Ilha do Governador.
65
Ocupação
A ocupação encontra-se regulada pelas Leis nº 9.636/98 e 11.481/2007 e nos
termos da referida legislação, a inscrição de ocupação, se constitui em ato
administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, que pressupõe o efetivo
aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do regulamento, outorgada
pela administração depois de analisada a conveniência e oportunidade, e gera
obrigação de pagamento anual da taxa de ocupação.
Face a própria lei especificar a precariedade do instrumento, o que não
representará maior segurança jurídica à posse, não se permite a sua utilização para
que se obtenha um processo de regularização fundiária permanente, haja vista que
a inscrição de ocupação não gera direito ao ocupante sobre o imóvel, cingindo-se a
ser levado a efeito o reconhecimento de uma situação de fato de caráter meramente
transitório.
Cessão de Uso
A cessão de uso é instrumento que a União se utiliza para conceder a terceiros
(Estados, Municípios ou particulares) direitos reais sobre os seus bens, de forma
gratuita ou em condições especiais na forma definida pela Secretaria do Patrimônio
da União.
A cessão será formalizada mediante termo ou contrato do qual constarão
expressamente as condições estabelecidas, entre as quais a finalidade da sua
realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente
de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa
da prevista no ato autorizativo e conseqüente termo ou contrato.
Demarcação Urbanística
A Lei nº 11.977/2009 criou importantes instrumentos e mecanismos específicos
para a regularização fundiária de interesse social, com o objetivo de facilitar e
agilizar a concretização do direito à moradia, merecendo especial relevo a
demarcação urbanística e a legitimação de posse.
A demarcação urbanística consiste na delimitação de uma área ocupada para
fins habitacionais, de domínio público ou privado, por meio da identificação de seus
limites, confrontantes, área de superfície e localização, para a realização de
procedimentos de regularização fundiária de interesse social, conforme disposto no
66
Legitimação de Posse
A legitimação de posse é um instrumento voltado para o reconhecimento da
posse de moradores de áreas objeto de demarcação urbanística. Trata-se da
identificação pelo poder público de uma situação de fato, que é a posse mansa e
pacífica de uma área por pessoas que não possuem título de propriedade ou de
concessão e que não sejam foreiras de outro imóvel urbano ou rural.
Quando feita em áreas privadas, a legitimação de posse possibilita a aquisição
de propriedade por meio da usucapião administrativa ou extrajudicial, na forma do
artigo 60, da Lei nº 11.977/200938. Em relação a áreas públicas, pode facilitar a
instrução de pedidos de concessão de uso para fins de moradia ou de outros
instrumentos definidos pelo titular de domínio da área.
Na forma do artigo 59, da Lei nº 11.977/2009, a legitimação de posse será
concedida aos moradores cadastrados pelo poder público, desde que não sejam
concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural e não
sejam beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente. A legitimação
de posse também será concedida ao coproprietário da gleba, titular de cotas ou
37
Art. 56. O poder público responsável pela regularização fundiária de interesse social poderá lavrar auto de
demarcação urbanística, com base no levantamento da situação da área a ser regularizada e na caracterização
da ocupação.
38
Art. 60. Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente, o detentor do título de
legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a
conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do
art. 183 da Constituição Federal.
67
frações ideais, devidamente cadastrado pelo poder público, desde que exerça seu
direito de propriedade em um lote individualizado e identificado no parcelamento
registrado.
Usucapião
Segundo a definição de Rizzardo (2006, p. 248), a usucapião de bem imóvel
pode ser assim compreendida
39
“CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. IMÓVEL FOREIRO. LOCALIZAÇÃO EM ÁREA DE FRONTEIRA. DOMÍNIO
ÚTIL USUCAPÍVEL. I. Possível a usucapião do domínio útil de imóvel reconhecidamente foreiro, ainda que
situado em área de fronteira. II. Recurso especial não conhecido.” (REsp 262.071/RS, Rel. Ministro ALDIR
PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 05/10/2006, DJ 06/11/2006, p. 327)
“Civil e processo civil. Recurso especial. Usucapião. Domínio público. Enfiteuse. - É possível reconhecer a
usucapião do domínio útil de bem público sobre o qual tinha sido, anteriormente, instituída enfiteuse, pois, nesta
circunstância, existe apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente, não trazendo qualquer prejuízo ao
Estado. Recurso especial não conhecido.” (REsp 575.572/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 06/09/2005, DJ 06/02/2006, p. 276)
“AGRAVO REGIMENTAL. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL DE BEM PÚBLICO (TERRENO DE MARINHA).
VIOLAÇÃO AO ART. 183, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. INOCORRÊNCIA. O ajuizamento de ação contra o foreiro,
na qual se pretende usucapião do domínio útil do bem, não viola a regra de que os bens públicos não se
adquirem por usucapião. Precedente: RE 82.106, RTJ 87/505. Agravo a que se nega provimento.” (RE 218324
AgR, Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 20/04/2010, DJe-096 DIVULG 27-05-
2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-04 PP-01228 RT v. 99, n. 899, 2010, p. 103-105).
68
também não são passíveis de serem usucapidos, face ao disposto no § 4º, do artigo
231, da Constituição Federal de 198840.
40
Art. 231 [...]. §4º. As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas,
imprescritíveis.
41
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o omínio,
desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
42
Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de
baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível
identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde
que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
43
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo
título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o
imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos
de interesse social e econômico.
69
Desapropriação
A desapropriação é uma forma extraordinária de aquisição da propriedade
privada pelo Poder Público, sujeitando-se ao cumprimento de requisitos legais. O
referido instrumento pode ser utilizado em caso de necessidade, de utilidade pública
ou de interesse social.
44
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel,
adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare
por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo
estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia
habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
70
habitação.
Em prosseguimento, vamos enfrentar os dilemas e encruzilhadas para a
regularização fundiária no Brasil, onde a cidade formal ostenta como grande traço
característico o recheio da informalidade, decorrente de um modelo de urbanização
excludente.
O vasto e complexo aparato normativo existente contribui não somente para
criar o processo de informalidade, como também para reforçá-lo e reproduzi-lo. O
processo de regularização fundiária para que seja efetivamente operacionalizado,
pressupõe uma atuação multidisciplinar, na qual múltiplos saberes devem estar
envolvidos, principalmente a arquitetura, o direito, a engenharia, o serviço social
dentre outros. A legislação urbanística é extremamente intrincada e muitas vezes
ininteligível para um profissional do direito, muito mais o será para um posseiro,
cujas condições financeiras não permitiu outra solução para resolver a questão da
moradia.
Os obstáculos para que se avance com a regularização fundiária não se
encontram apenas no plano jurídico-normativo, mas também possuem outros
determinantes de natureza política, institucional e social, conforme restará
demonstrado.
Nos capítulos seguintes, tomaremos o estudo do conflito em torno da
Comunidade do Horto. A área escolhida encontra-se com processo de regularização
fundiária em curso junto a Secretaria do Patrimônio da União no Rio de Janeiro e
engloba uma grande quantidade de atores direta e indiretamente envolvidos e
afetados com os rumos da regularização da posse da área situada no Jardim
Botânico. Trata-se de uma região cujo solo possui um alto valor e é disputado por
interesses diversos e contraditórios. Por se tratar de uma área nacionalmente
conhecida, os ecos deste conflito fundiário se tem feito escutar em inúmeros canais
midiáticos, jurídicos e políticos.
Buscaremos considerar principalmente a natureza das relações existentes
entre os diversos atores envolvidos no procedimento de regularização fundiária, para
compreensão do fenômeno investigado e explicá-las com base nas matrizes teóricas
propostas.
A complexidade do caso analisado nos fornecerá acreditamos, um caso
paradigmático para a discussão dos entraves que envolvem a efetividade da
regularização fundiária em áreas públicas no Brasil. O estudo de caso proposto,
72
45
MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1980. Livro 1 – O Processo de Produção
do Capital. Volume 2.
74
Marx acreditava que para evitar uma explicação circular sobre como a acumulação
de capital produz a mais valia, e a mais valia a produção capitalista - o que
pressupõe a existência de grandes quantidades de capital e de força de trabalho
mobilizada na produção de mercadorias - era necessário identificar uma acumulação
capitalista prévia ao próprio modo de produção capitalista. Aquilo que Adam Smith,
segundo o autor, chamava de “previous acumulation”.
Eis que, para Marx, a acumulação de capital antes do capitalismo, ainda
durante o período feudal, constituía a origem do próprio capital.
Embora esse processo tenha tomado formas e realçado aspectos diferentes em
diversos países da Europa, já nos séculos XIV e XV, a Inglaterra é tomada por Marx
como o modelo “clássico” desse processo.
Na Inglaterra, conforme Marx, assim como na maior parte da Europa, em fins
do século XIV, a servidão tinha desaparecido como força de trabalho dominante. Já
no século XV a maioria da população consistia de camponeses livres embora
revestidos de inúmeras formas de propriedade e arrendamento da terra que
lavravam. Em todos os países da Europa, a produção feudal se caracterizava pela
repartição da terra pelo maior número de camponeses. Assim, afirmava Marx (1980,
p. 833) “O poder do senhor feudal, como o dos soberanos, não depende da
magnitude de suas rendas, mas do número de seus súditos, ou melhor do número
de camponeses estabelecidos em seus domínios”.
O início do fim dessa situação começa com o surgimento de uma nova classe
feudal que substitui a antiga classe de senhores arruinados pela guerra. Num
processo que tem início no final do século XV e nas primeiras décadas do século
XVI o grande senhor feudal vai usurpando agressivamente a pequena propriedade
camponesa, destruindo lavouras e substituindo-as por pastagens para alimentar com
a lã das ovelhas a nascente indústria têxtil das cidades. Cria nesse processo um
enorme proletariado rural que sem os meios de produção engrossará com o decorrer
do tempo o exército industrial de reserva nas florescentes cidades industriais
ingleses.
Como afirma Marx, esse processo na Inglaterra pode ser considerado clássico
por que mostra com clareza quase didática a forma como se constitui o capital ainda
no feudalismo e com maiores ou menores diferenças tal é o que ocorrerá na Europa
ao longo dos séculos seguintes.
O avanço dos capitalistas contra as terras comunais e contra as propriedades
75
46
DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
47
As afirmações de Murice Dobb comportam também críticas. A mais vigorosa talvez seja de Alexander
Gershenkron. Para este autor, em sintonia com a crítica de Macpherson sobre a especificidade do processo de
industrialização da Inglaterra, o desenvolvimento da indústria na França só terá ocorrido em função da
intervenção decisiva do Estado no incentivo ao desenvolvimento industrial. Nada no desenvolvimento industrial
na França, segundo o autor, lembra o processo relativamente espontâneo e absolutamente sem paralelo ocorrido
na Inglaterra.
49
A Equipe de Charles Booth incluía sua prima Beatrice Potter, que inaugura um tipo de sociologia do gênero
quando escreve sobre as condições de vida e trabalho das mulheres londrinas.
50
LE PLAY, F. The organization of labor in accordance with custom and the law of decalogue. Filadelfia,
laxton: Remsen & Haffelfinger, 1872. Disponível em:
<http://archive.org/stream/organizationofla00lepl#page/n5/mode/2upn>. Acesso em: nov. 2013.
51
A edição brasileira usada neste trabalho é a de 1985:
ENGELS, Friedrich. A situação da Classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Global editora, 1985.
77
52
Naturalmente, essa explicação comporta inúmeras críticas. Vale mencionar especialmente a crítica de A.
Macpharlane. Em termos gerais esse autor crítica o caráter generalista e absolutamente desprovido de
evidências empíricas sobre a possibilidade do processo de industrialização na Inglaterra servir de referência para
se pensar em algo como um modelo de transição de uma “sociedade feudal” para uma “sociedade capitalista”. A
lista de suas objeções começa pela própria noção de campesinato que na Inglaterra diferia totalmente da Europa
continental e ainda mais dos países do leste europeu. Propriedade coletiva da terra, mão de obra familiar, falta
de um comércio monitorizado e inexistência de um mercado de terras são características que embora fossem
comuns na Europa oriental nunca foram centrais na Inglaterra.
estrutural do Estado com a ordem dos interesses capitalistas foram Nicos Poulanzas
e Claus Offe.
Offe (1984), por exemplo, admite que na teoria de Estado de tradição Marxista
duas perspectivas têm dominado as especulações sobre o papel do Estado. A
primeira delas é exatamente aquela que recupera a perspectiva “instrumental” entre
a classe capitalista e o aparelho estatal. Afirma que essa perspectiva conduziu a
uma visão “estereotipada” e a “equívocos” na discussão da relação do Estado com
as classes sociais porque pressupõe uma fusão do Estado com os interesses
monopolistas das classes capitalistas. Lembra o autor, com razão, que o próprio
Marx apresentou uma versão mais sofisticada e matizada sobre a relação entre as
classes e os segmentos de classe e o Estado na sua obra O 18 Brumário. A visão
alternativa, que parece ao autor mais adequada, parte do pressuposto de que o
Estado em absoluto favorece interesses específicos de grupos. Em suas palavras:
E conclui Offe (1984, p. 128), que “Como se vê essa estratégia mais geral do
Estado capitalista não visa em absoluto a um proteção especial a um certo interesse
de classes, mas sim ao interesse geral em todas as classes na base das relações de
troca capitalista”
Por fim, com respeito à política do Estado afirma Offe (1984, p. 131), que “[...]
pode ser descrita como a de criação das condições nas quais se torna possível uma
80
[…] acaba por deixar de lado a questão crucial de como e por que estas
proposições se tornam "vitoriosas" frente a alternativas, e encontram
condições políticas de implementação, enquanto outras proposições, por
vezes igualmente formuladas por "Elites Técnicas" fracassam, são
abandonadas e esquecidas.
Mas, ao fim, o autor não deixa de afirmar, mesmo com essas considerações, as
vantagens do sistema democrático e sua capacidade de coibir a autocracia e o
despotismo. Num sistema democrático o pluralismo é a garantia de que existem
limites claros até mesmo para as elites mais poderosas. Como afirma Dahl (2001, p.
128-129):
Apesar dos limites para o controle popular, as elites politicas nos países
democráticos não são déspotas sem controle. Longe disso. As eleições
periódicas obrigam-nos a manter um olho na opinião do povo. Além do
mais, quando chegam a decisões, as elites politicas e burocráticas são
influenciadas e refreadas umas pelas outras. A negociação das elites tem
seus próprios pesos e contrapesos. Os representantes eleitos participam
da negociação ate o ponto em que são um canal através do qual os
desejos, os objetivos e os valores populares entram nas decisões
governamentais. As elites politicas e burocráticas nos países democráticos
são poderosas, bem mais poderosas do que podem ser os cidadãos
comuns - mas elas não são déspotas.
Ora, tal definição é insuficiente para captar uma questão essencial que reside
no fato observado por sociólogos como Berger e Luckman (1986) de que as
instituições tem origem nas transações de significado e sentido correntes entre os
indivíduos e que são externalizados nos relatos que constroem a respeito de suas
rotinas e seus métodos de ação. O fato de a linguagem destacar algumas rotinas
como estáveis e recorrentes não significa que essa estabilidade de procedimentos e
de métodos formalizados de ação se desvincule das ações efetivas dos indivíduos e
que se tornem, assim, perenemente independentes de processos de negociação e
93
atores com visões conflitantes sobre o que deve e o que não deve ser considerado
“público” e que têm poderes diferenciados na sua capacidade de imposição dessas
definições.
No âmbito possível de uma reflexão da questão da regularização fundiária
como um problema efetivamente público acreditamos que a perspectiva
neoinstitucionalista especialmente na sua clivagem cognitivista tenha muito a nos
ajudar na compreensão dos problemas fundiários brasileiros.
Um dos problemas básicos envolvendo os conflitos relativos à posse e à
propriedade de terras e a regularização fundiária no Brasil, notadamente do solo
urbano, deriva da falta de uma definição satisfatória de aspectos básicos inerentes à
constituição do problema fundiário urbano como um problema público.
A afirmação merece explicações. Em texto clássico sobre a natureza dos
problemas públicos Joseph Gusfield (1981) discorre sobre o interessante paradoxo
de que embora todo problema público tenha uma dimensão social, nem todo
problema social adquire um caráter público.
O autor exemplifica de inúmeras formas sua proposição afirmando, por
exemplo, que embora problemas conjugais e de insatisfação sexual sejam
amplamente difundidos entre os membros das sociedades atuais e que, portanto,
mesmo que sejam problemas sociais amplamente reconhecidos não ocorre, até o
momento, aos agentes sociais e aos formuladores de políticas que eles devam ser
considerados como temas de políticas públicas conduzidos por qualquer agência
estatal. Por mais evidentes que sejam enquanto experiências que afetam um
número significativo de pessoas não ocorrerem ainda de serem criadas regulações
legais e bem como agências estatais especializadas para sua administração. O que
não significa que isso não possa vir a ocorrer no futuro.
Por outro lado, problemas que afetam os indivíduos sem qualquer perspectiva
de tratamento social como o alcoolismo, no caso que o próprio Gusfield analisa, têm
se tornado objeto de um sem fim de leis e regulamentos assim como tem originado
instituições especializadas e se tornado objeto de políticas públicas. Outros tem
tomado o caminho contrário, como a religião, isto é, depois de terem sido
considerados problemas de Estado e de regulamentação pública, cada vez mais são
tratados como objeto da escolha da vida privada dos cidadãos. Ou seja, os
problemas públicos não são problemas naturais. Sua existência e seu
reconhecimento não dados à percepção dos indivíduos ou dos grupos sociais,
95
privados e estatais, como um objeto natural ou empírico os quais basta ver, sentir ou
escutar para lhes reconhecer a existência incontestável.
Gusfield reconhece então que os problemas públicos tem uma dimensão
cognitiva evidente. Os problemas públicos são os problemas sociais que são
reconhecidos dessa maneira pelos decisores e titulares das instituições públicas e
que penetram nas arenas públicas de ação coletiva exigindo alguma ação. Também,
uma vez que são reconhecidos como tal, i.e., como problemas públicos dependem
de um intricado processo de disputa com respeito a quem ou que órgão ou
instituição pública estatal terá autoridade para falar e regulamentar as ações sobre
ele.
A abordagem cognitivista dos problemas públicos nos remete à questão de que
os problemas públicos não possuem uma “natureza” auto evidente, isto é, não são
objetos factuais ou apodíticos, mas dependem de uma construção cognitiva que os
defina como tal, isto é, como problemas públicos. Conforme Gusfiled (1981) há uma
dimensão dos problemas públicos que dependem de um processo de definição
cognitiva, isto é, nem todo problema que atinge um grupo de pessoas, por mais
extenso que seja é automaticamente definido como público. Outros há que são
definidos de determinada maneira em dado momento e de outra completamente
diferente em momento posterior. Tais definições implicam em propostas de soluções
diferenciadas e acarretam uma distribuição diversa de responsabilidades e de
autoridade sobre quem deve responder pela resolução do problema. Veja-se o caso
das primeiras leis conservacionistas no Brasil. Segundo Mello e Meirelles (1996) o
controle de mananciais de água e florestais nas primeiras legislações
conservacionistas criadas no governo de Getúlio Vargas atendia a uma demanda de
controle dos “recursos naturais” para atender às necessidades da indústria e do
desenvolvimento econômico, algo que seria considerado nos dias atuais como um
problema de manutenção de um meio ambiente equilibrado a ser protegido da
exploração econômica, o que evidencia que existe uma volatilidade na questão da
construção do problema público.
A abordagem cognitivista, portanto, concebe que as políticas públicas são
determinadas em primeiro lugar por consensos estabelecidos no plano cognitivo e
não no plano das realidades fáticas. São os atores públicos e privados que definem
os problemas públicos e concebem as respostas para os mesmos.
De acordo com Grisa:
96
públicos de acordo com as suas visões de mundo, isto é, suas escalas de valores e
a importância que atribuem às diversas questões que afetam um número
significativo de seus membros.
agentes constituam atores com interesses próprios uma vez que sua principal função
é regular os conflitos entre grupos de pressão interessados na imposição de seus
projetos. Tais grupos originados nas sociedades democráticas apresentam-se
organizados em partidos políticos, sindicatos, organizações não governamentais e
uma infinidade de formas associativas. As regras de participação democrática
colocariam os limites de atuação desses grupos garantindo as regras de alternância
na alocação de recursos de poder e econômicos.
A compreensão da regularização fundiária em áreas públicas demanda que o
seu analista tenha claro que nenhuma das perspectivas teóricas apresentadas
permite dar conta isoladamente de todo o processo. A regularização fundiária em
áreas públicas se constitui um grande mosaico onde em regra diversos atores irão
atuar e buscar a prevalência de seus interesses, através de inúmeras estratégias
desencadeadas ao longo do processo.
O caso da Comunidade do Horto foi selecionado para análise empírica, pois
constitui um dos mais importantes paradigmas no campo da regularização fundiária
em áreas públicas urbanas e no processo fica mais do que evidente que todas as
perspectivas nos auxiliarão no entendimento da problemática.
A perspectiva estruturalista nos permite destacar que existe uma lógica de
interesses econômicos que alinham os grupos sociais em posições afinadas com o
valor do solo urbano, as apreciações de caráter estético e ambientais e a
precificação das propriedades que nos remetem à própria constituição dos pilares da
produção capitalista do espaço.
Sob o foco da perspectiva pluralista, destacaremos o papel dos atores
individuais escudados em agências e organizações coletivas envolvidas no
processo, suas articulações e estratégias para que venham a prevalecer seus
interesses nas decisões com impactos coletivos produzidos pelos agentes públicos
investidos de legitimada pela ordem jurídica vigente.
Buscaremos capturar com o auxílio da perspectiva neoinstitucionalista o papel
desempenhado pelas instituições, principalmente a construção da ocupação da
Comunidade do Horto como um problema público, i. e., como um problema que
precisa ser sanado pelo poder público consoante ao conflito cognitivamente
construído de que essa ocupação constitui um problema que contrapõe o interesse
público ao interesse privado.
Por fim, esclarecidas as contribuições das correntes teóricas para a colocação
101
53
Disponível em: <http://www.jbrj.gov.br/publica/cronologia.pdf>. Acesso em: 1 fev. 2014.
103
Hoje, devido a sucessivos aterros não tem mais o aspecto de então, mas foi
em sua margem norte que no século XVI, mais precisamente em 1596,
quando governador do Rio de Janeiro Francisco Mendonça de
Vasconcellos, que Diogo de Amorim Soares, fundou o engenho de cana,
que deu o nome de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa.
Tão logo Portugal foi invadido pelos franceses, a Família Real transferiu-se
para o Rio de Janeiro, isto em 1808. O Príncipe Regente, que mais tarde se
chamaria D. João VI resolveu fundar uma fábrica de pólvora à altura da
cidade para onde se deslocara. Assim comprou o engenho que tinha sido de
Rodrigo de Freitas, pagando aos herdeiros 42:193$430 (RODRIGUESIA...,
p. 275).
O nome Real Jardim Botânico surgiu, após a coroacão de D. João como rei
do reino unido de Portugal e Brasil, época em que foi introduzido o cravo-
da-india, trazido pelos Jesuístas e finalmente Jardim Botânico do Rio de
Janeiro.
O Museu do Horto retrata que com a criação do Jardim Botânico, houve não só
autorização do Poder Público para que trabalhadores efetivamente se instalassem
no local, mas também incentivo:
54
Disponível em <http://www.museudohorto.org.br/História_do_Horto>. Acesso em: 01 fev. 2014.
105
55
A questão da área efetivamente tombada do Jardim Botânico, afigura-se controversa, conforme informação
obtida no Procedimento nº 032.772/2010-6, que se encontra no Tribunal de Contas da União: “Os processos de
tombamento 101-T-38 (Jardim Botânico) e 633-T-73 (Horto), citados anteriormente, estão atualmente em
tramitação conjunta no IPHAN por conterem sucessivos pareceres técnicos produzidos dentro desse órgão que
convergem em propor ratificação do tombamento do JBRJ para melhor detalhamento da área geográfica que
estiver atingida por ele, área esta pesquisada, definida e demonstrada como tendo os limites territoriais originais,
historicamente pertencentes à instituição, verificados conforme os mapas, os relatórios, os laudos de vistoria e
outros elementos técnicos ali juntados”. No mesmo sentido a informação contida no processo nº
00405.00827/2010-50, junto à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, prestada pelo
procurador do IPHAN, Dr. Heliomar Alencar de Oliveira: “Sob o prisma da proteção do patrimônio cultural, o
Procurador do IPHAN esclareceu que toda a área onde se encontra situado o Jardim Botânico encontra-se
tombada, o que afeta também o entorno da área. Esta condição implica em que qualquer edificação ou
ampliação de edificação dentro da área exige autorização do órgão, que leva em conta a manutenção da
harmonia arquitetônica e paisagística do local. Por outro lado, a indefinição da área exata do Jardim Botânico
sempre dificultou o estabelecimento de uma regulamentação-padrão, bem como a fiscalização da área”.
106
56
Art. 1o Fica criada a autarquia federal Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), dotada
de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério
do Meio Ambiente, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro.
107
59
DESPEJO do Jardim Botânico pode chegar à solução através de diálogo. O Globo, Rio de Janeiro, 21 nov.
1986. Grande Rio, p. 18.
60
AMEAÇA de despejo ronda o Horto. O Globo, Rio de Janeiro, 12 jan. 1987. Grande Rio, p. 18.
109
Outro morador, Sr. Moacir Ferreira, relata não ter para onde ir, caso viesse a
ocorrer a retomada de sua casa61: “Trabalhei 35 anos no Jardim Botânico. Acho um
absurdo ter que desocupar minha casa. Eu, como muitos outros, não tenho para
onde ir. A maioria aqui ganha salário mínimo”.
61
FANTASMA do despejo ronda a vila do IBDF. O Globo, Rio de Janeiro, 13 jul.. 1987. Jornais de Bairro, p. 3.
110
Narra Flávia, que até mesmo uma unidade pública de saúde que era
frequentada por sua avó, acabou por dar lugar a um condomínio de luxo, realçando
a especulação imobiliária que começava a se fortalecer.
Flávia com sua linguagem jovial anota em seu livro-diário (p. 44), o sentimento
da Comunidade do Horto, de que a remoção não é buscada apenas para atender os
interesses científicos e de preservação ao meio ambiente.
111
Agora, por que tanta gente que não mora aqui nem é dona de imóveis no
bairro fica contra nós ? Uma grande parte deve achar que nós ameaçamos
a própria existência do Jardim Botânico, pelo que eles leem no jornal e
veem na televisão. Mas gente da Zona Sul que conhece o local, botânicos e
ecologistas que sabem muito bem da história, não têm esta desculpa.
Ninguém reclamava, nem hesitava, nem mesmo recebia alguma coisa por
isso. E não fossem eles, não haveria como impedir a destruição, já que até
que os bombeiros chegassem seria tarde demais, e caminhões-tanque não
serviriam de nada nas encostas sem estradas. Proteger a natureza à sua
volta era uma parte de suas vidas, do seu dia a dia.
São filhos, netos e bisnetos destes homens que são acusados hoje de
querer acabar com o Jardim Botânico.
As inquietações externadas pela jovem Flávia em seu livro-diário (p. 67-68), por
certo não se limitam ao seu universo, mas tangencia todos os integrantes da
Comunidade do Horto.
Invasores? Quando eles foram chamados para cá, para cuidar do próprio
Jardim Botânico ? Vão derrubar as casas que eles construíram com suas
próprias mãos e seu dinheiro suado, nos terrenos onde foram autorizados a
viver, e dizer que estão fazendo isso para defender a natureza, a ecologia?
Passo seguinte destaca Bello (2008, p. 8), que as demandas foram julgadas
113
pelo Poder Judiciário, sem que fossem analisadas as particularidades dos casos
concretos e sopesados o direito à moradia digna e o direito ao meio ambiente.
Bello (2008, p. 8) realça um ponto por demais interessante, qual seja, uma
parte das ações de reintegração de posse foram propostas sob um determinado
ordenamento jurídico, que veio a sofrer transformações ao longo do tempo,
principalmente na questão da legislação urbanística, mas que simplesmente foram
desprezadas pelo Poder Judiciário. Nas palavras do autor,
Por outro lado, não foram aplicados diplomas como o Estatuto da Cidade
(Lei 10.257/2001), a Medida Provisória 2.220/01, o Código Civil de 2002 e a
Constituição Federal de 1988, esta no que tange ao direito à moradia (art.
6º), reconhecido pela Emenda nº 26/2000. Assim, foram ignorados
importantes institutos jurídicos, como a função social da propriedade (art. 5º,
XXIII, CF/88) e a concessão de uso especial para fins de moradia (MP
2220/2001), que representam ferramentas para se lidar com um novo
cenário das relações sociais.
62
Vide REsp. nº 808.708, 2ª. T., j. 18/08/2009. Rel. Min. Herman Benjamin.
114
que construiu sua casa no Jardim Botânico na década de cinquenta, com a devida
autorização por parte da União.
Ainda assim, a Justiça Federal do Rio de Janeiro em segunda instância
entendeu ser inviável a posse de área pública, sendo indevida qualquer indenização,
devendo ser ultimada a saída do local nos termos do termos do artigo 71 do DL
9.760/1946.
O julgado do Superior Tribunal de Justiça, assevera ainda, que os bens
públicos não estariam sujeitos ao usucapião e que os bens de uso comum do povo e
os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação e
esse seria o caso do Jardim Botânico.
Com o referido julgado, o Superior Tribunal de Justiça, não levou em
consideração a função social da propriedade pública e a efetivação do direito
fundamental à moradia, bem como desprezou total a evolução social na legislação
urbanística que rege a regularização fundiária em terras públicas.
O Estado pode – e deve – amparar aqueles que não têm casa própria, seja
com a construção de habitações dignas a preços módicos, seja com a
115
doação pura e simples de residência às pessoas que não podem por elas
pagar. É para isso que existem Políticas Públicas de Habitação federais,
estaduais e municipais. O que não se mostra razoável é torcer as normas
que regram a posse e a propriedade públicas para atingir tais objetivos
sociais e, com isso, acabar por dar tratamento idêntico a todos
(necessitados e abastados) os que se encontram na mesma posição de
ocupantes ilegais do que pertence à comunidade e às gerações futuras. [...]
63
Vide REsp. nº 960953, 1ª T., dec. singular de 21/08/2007, relator Min. Francisco Falcão; REsp. 941450, 2ª T.,
dec. singular de 26/04/2010, relator Min. Mauro Campbell Marques; REsp. 900159, Ac. unân. da 2ª T., j.
01/09/2009, relator Min. Herman Benjamin; REsp. 816.585, Ac. unân. da 1ª T., j. 05/10/2006, relator Min. José
Delgado; REsp. nº 863939, Ac. unân. da 2ª T., j. 04/11/2008, relatora Min. Eliana Calmon.
116
64
Existe expressa citação ao acompanhamento da questão pelo TCU desde 2001, na forma do relatório
constante do Procedimento TC 030.186/2010-2: “Este problema está sendo acompanhado pelo TCU desde
fevereiro de 2001, quando a 2ª Câmara deste Tribunal determinou ao JBRJ adotar medidas para a correção e a
prevenção de novas invasões de imóveis nos limites do patrimônio da União pelo qual é responsável,
demonstrando, nas suas próximas contas, os resultados alcançados e as providências em andamento. (Decisão
referente à Relação -05/2001 - TCU Gab. Min. Valmir Campelo, Ata 04/01 TCU-2ª Câmara)”.
117
área foi concedida pelo Poder Judiciário, mas não foram cumpridas as ordens de
desocupação, em virtude da resistência dos ocupantes em deixar o local65.
No acórdão nº 1028/2004, o Tribunal de Contas da União, recomendou à
Secretaria do Patrimônio da União no Rio de Janeiro, que cedesse o terreno do
Jardim Botânico ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em
regime de concessão de direito real de uso resolúvel, até que fossem levadas a
efeito as averbações no Cartório do Registro de Imóveis as delimitações exatas do
imóvel.
No ano de 2004, o Governo Federal editou a Portaria 360-A, de 27/12/2004,
publicada no Diário Oficial da União - Seção 2, no dia 28/01/2005, através da qual o
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e o Ministério do Meio Ambiente,
instituíram Comissão Interministerial “com a finalidade de promover estudos e propor
soluções que possibilitem à Secretaria do Patrimônio da União a regularização da
cessão do imóvel de domínio da União, constituído pelo Jardim Botânico do Rio de
Janeiro, ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, autarquia
vinculada ao Ministério do Meio Ambiente”.
A referida Portaria autorizou o presidente da Comissão Interministerial a
convidar representantes do Ministério da Cultura, da Advocacia Geral da União, da
ONG Ler e Agir, da AMAHOR, da AMAGÁVEA, da AMAJB, da Associação dos
Amigos do Jardim Botânico e da AMABOTAFOGO a participarem dos estudos e
elaboração da proposta para que fosse realizada a regularização da cessão do
imóvel de domínio da União, constituído pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ao
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
A Comissão Interministerial apresentou o seu relatório datado em 22/01/2007,
subscrito pelo representante do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
Sr. Antônio Carlos Barbosa Gomes, pelo representante do Ministério do Meio
Ambiente, Sr. Renato Rabe e pela Associação de Moradores e Amigos do Horto
(AMAHOR), Srª. Emília Maria de Souza66.
65
Na década de 80, o extinto Instituto Brasileiro de Direito Florestal (IBDF), posteriormente sucedido pelo
IBAMA, ajuizou diversas ações possessórias na Justiça Federal/Seção Judiciária do Rio de Janeiro cujo objeto
era o pedido de reintegração de posse de imóveis ocupados por pessoas físicas e localizados em área
pertencente ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico (JBRJ). Essas ações transitaram em julgado no início da
década atual, quando a Justiça Federal do Rio de Janeiro reconheceu o direito da União de ser reintegrada na
posse dos imóveis e determinou a expedição dos respectivos mandados, com vistas a retomar a posse dos
bens. No entanto, o cumprimento das diligências de reintegração de posse não se efetivou face aos protestos
dos ocupantes”.
66
O relatório da Comissão Interministerial foi obtido no processo administrativo nº 04967000306/2010-89, que se
encontra em curso junto à SPU/RJ.
118
67
Arboreto deve ser compreendido como área destinada para o cultivo de uma coleção de árvores, arbustos,
plantas herbáceas, medicinais, ornamentais ou outras, mantidas e ordenadas cientificamente, em geral
documentadas e identificadas, e aberto ao público com as finalidades de recreação, educação e pesquisa.
119
10.361/200168, que incluiu cerca de 589 casas, além da área cedida à Central
Elétrica Furnas e a área cedida ao Serviço de Processamento de Dados (SERPRO).
O relatório destaca duas questões importantes, que surgiram no acórdão nº
1028/2004 do Tribunal de Contas da União, sendo a primeira, a vedação da
transferência, entrega, cessão ou doação das casas alugadas que se localizam no
Jardim Botânico, à autarquia federal Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico do Rio
de Janeiro69.
A segunda questão importante que aparece no relatório tem relação com a
recomendação do Tribunal de Contas da União para que a Secretaria do Patrimônio
da União fizesse a cessão da área ao Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do
Rio de Janeiro em regime de concessão de direito real de uso resolúvel, até que
fossem estabelecidos os exatos limites da área70.
A Comissão informa no relatório, que para não comprometer o trabalho da
mesma, foi acordada a suspensão das ações de reintegração de posse em face dos
moradores, após terem ocorridos problemas para o cumprimento de decisões
judiciais, até que fossem concluídos os trabalhos.
A Comissão em seu relatório estabeleceu como premissa a possibilidade de
convivência harmônica entre a Comunidade do Horto e a pretensão de expansão e
preservação do Jardim Botânico.
68
Art. 6o À Autarquia de que trata esta Lei serão transferidos as competências, o acervo, as obrigações, os
direitos e a gestão orçamentária e financeira dos recursos destinados às atividades finalísticas e administrativas
do Instituto de Pesquisas JBRJ, unidade integrante da estrutura básica do Ministério do Meio Ambiente.
69
Destacamos do trecho do acórdão nº 1028/2004: “9.4 – determinar, com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei nº
8.443, de 16/7/1992, c/c art. 250, inciso II do Regimento Interno, à Gerência do Patrimônio da União no Rio de
Janeiro (GRPU/RJ) que não promova a transferência, entrega, cessão, ou doação das casas alugadas que se
localizam no Jardim Botânico à autarquia federal Instituto do Jardim Botânico do Rio de Janeiro”
70
Destacamos do trecho do acórdão do TCU nº 1028/2004: “9.8 - recomendar, com base no art. 250, inciso III,
do Regimento Interno, ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, considerando o risco de invasão do
Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e a necessidade de se viabilizar o cumprimento desta Corte (2ª
Câmara – Relação 0005/01, Ata nº 04/01), que, com apoio do GRPU/RJ e em conjunto com o JBRJ, adote as
medidas cabíveis para, nos termos do Art. 18 da Lei 9.636/98 c/c art. 1º, inciso I do Decreto nº 3.125/99, ceder o
terreno do Jardim Botânico ao JBRJ, em regime de concessão de direito real de uso resolúvel, até que sejam
averbadas em cartório as delimitações exatas do imóvel, que pertence, por sua lei criadora (Lei 10.316/01), à
autarquia”
120
O relatório da Comissão em sua parte final apresenta seis propostas, que foram
consolidadas, de modo a amoldar os interesses de todos os envolvidos na questão.
O relatório conclui ainda, que “a complexidade dos trabalhos considerando a
importância da área ultrapassa o interesse local, assumindo dimensão de interesse
de toda Cidade do Rio de Janeiro”, o que demandaria uma ação governamental para
além dos limites da Comissão.
121
Figura 1 - Mapa da área do projeto de regularização fundiária sem a denominação dos setores
Figura 2 - Mapa da área do projeto de regularização fundiária com a denominação dos setores
Em que pese a divisão da Comunidade do Horto por setores para efeito dos
levantamentos realizados pela UFRJ, isso não caracteriza a existência de um
conjunto de núcleos habitacionais fragmentados, dispersos e/ou desconectados.
A parceria realizada entre a SPU/RJ e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, permitiu a elaboração de um estudo
sobre a área objeto do conflito fundiário, no qual foram identificadas 621 casas na
área do Jardim Botânico.
Do universo de famílias cadastradas, foi constatado que mais de 70% (setenta
por cento) dos moradores da localidade são pessoas com renda inferior ou igual a 5
salários mínimos.
126
No universo total de famílias, 57,69% são chefiadas por mulheres e 43,31% são
chefiadas por idosos.
Outro dado importante é que quando da elaboração do estudo,
aproximadamente 2 % das famílias moravam no local a menos de 5 anos e que mais
de 80% moram no local há mais de 20 anos.
A complexidade do conflito fundiário na área do Jardim Botânico fica ainda mais
realçada quando estamos diante de uma questão que envolve aproximadamente
1.890 moradores que estão vivendo sob a constante incerteza com relação ao futuro
de suas moradias.
Consta do processo de regularização da Comunidade do Horto, junto ao
Serviço do Patrimônio da União, que foram promovidas 213 ações de reintegração
de posse em face dos moradores e os pedidos foram acolhidos desde o primeiro
grau de jurisdição.
Apesar de ter logrado êxito em suas pretensões de reintegração de posse, a
Advocacia Geral da União, passou a solicitar a suspensão das referidas demandas
judiciais, face ao processo de regularização fundiária conduzido pela Secretaria do
Patrimônio da União no Rio de Janeiro.
A Advocacia Geral da União reconheceu que muitos dos moradores
demandados, poderiam ser contemplados no processo de regularização fundiária,
onde os ocupantes das terras do Jardim Botânico poderiam ser distribuídos nas
áreas limítrofes com aquele, fora do espaço destinado à administração, pesquisa e
visitação.
Considerando o significativo lapso de tempo necessário para conclusão dos
trabalhos de reintegração de posse, desde o ano de 2008, a Advocacia Geral da
União passou a apresentar reiterados pedidos de suspensão das ações de
reintegração de posse envolvendo o Jardim Botânico.
A Advocacia Geral da União objetivou com os seus pedidos de suspensão de
ações de reintegração de posse, que houvesse tempo hábil para elaboração de
estudos/levantamentos na área do Jardim Botânico para que fosse respeitado o
direito fundamental à moradia, em especial para aqueles ocupantes que pudessem
integrar o projeto de regularização fundiária.
O jornal O Globo em sua edição do dia 13 de outubro de 2010, realizou uma
ilustração para descrever alguns dos resultados obtidos pelos estudos realizados
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e que nos permite uma melhor
127
Figura 3 - Ilustração de parte dos resultados do projeto de regularização fundiária desenvolvido pela
FAU/UFRJ
71
A Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) foi criada em 27 de setembro de
2007 e instituída pelo Ato Regimental n.° 05, de 27 de setembro de 2007, sendo unidade da Consultoria-Geral da
União (CGU), que é órgão de direção superior integrante da estrutura da Advocacia-Geral da União (AGU). A
CCAF foi criada com a intenção de prevenir e reduzir o número de litígios judiciais que envolviam a União, suas
autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas federais, mas, posteriormente, o seu
objeto foi ampliado e hoje, resolve controvérsias entre entes da Administração Pública Federal e entre estes e a
Administração Pública dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
129
União contrato de cessão sob regime de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU)
gratuito, por prazo indeterminado, os auditores do TCU entenderam que o fato da
mesma ser idosa e ter um filho portador de necessidade especial, não justificaria a
exceção, haja vista que entendem que existem milhares de pessoas na mesma
situação na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e tal procedimento de
concessão de titulação pela SPU/RJ, teria violado o princípio da igualdade.
Em síntese o relatório dos auditores do TCU apresentaram as seguintes
questões para serem objeto de apreciação pelos Ministros do Tribunal no
procedimento TC 030.186/2010-2, que estava apensado ao procedimento de
denúncia TC 032.772/2010-6:
a) omissão de cessão de área do Jardim Botânico pela SPU/RJ ao JBRJ;
b) regularização fundiária em áreas tombadas do Jardim Botânico;
c) proposição de cessão de áreas pelo JBRJ para uso incompatível com sua missão;
d) alienação de áreas sem comprovação da sua desnecessidade para a
administração pública;
e) insuficiência dos controles internos da SPU/RJ relativos aos projetos de
regularização fundiária;
f) insuficiência das informações fornecidas nos canais de acesso disponibilizados
aos cidadãos;
g) adoção de instrumento jurídico (CDRU) sem base legal;
h) CDRU praticada com irregularidades;
i) previsão de regularização fundiária de edificações situadas em faixa não
edificável;
j) posse irregular de imóveis da união.
das áreas objeto de regularização, como também que lhe seja cedida de forma
definitiva a área em que se situa.
O relator pondera que o TCU vem atuando para resolver o problema fundiário
do Jardim Botânico e já teria inclusive apontado que a primeira solução seria a
delimitação da área, pois caso não ocorra a delimitação, ainda que o Instituto de
Pesquisas do Jardim Botânico pretendesse dispor de parte da área para fins de
regularização fundiária de interesse social, não poderia fazê-lo, pois o mesmo não
ostenta a propriedade da terra.
Reconhece o Ministro Valmir Campelo, que deve-se buscar o equilíbrio nas
ações do Estado entre a necessidade de prover moradia e preservação do
patrimônio tombado e do meio ambiente para se cumprir o imperativo constitucional
de respeito à dignidade humana.
O relator, mesmo entendendo pertinente tornar definitiva a medida cautelar
adotada no procedimento de denúncia instaurado junto ao TCU, de modo a
obstacularizar a emissão de títulos de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU),
houve por bem não tornar imediatamente sem efeito o título outorgado a Srª
Gracinda, em virtude de ser idosa, ter um filho portador de necessidade especial e o
imóvel que ocupa, estar situado fora de interesse imediato do Instituto de Pesquisas
do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e outros 48 imóveis estarem em situação
jurídica idêntica.
Ao finalizar o seu voto, o relator destaca intervenção da AMAJB, na qual
apresenta no processo um relatório elaborado pela Secretaria de Biodiversidade e
Florestas do Ministério do Meio Ambiente, sobre a inspeção das áreas de
preservação permanente e áreas de risco do Jardim Botânico e o acórdão proferido
pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 808.708, que envolve a
situação de um dos moradores da Comunidade do Horto, conforme anteriormente
realçado.
Em sua parte dispositiva, o acórdão passa a efetivamente dispor sobre a
solução do processo administrativo, tendo deixado de impor qualquer punição aos
representantes da Secretaria do Patrimônio da União no Rio de Janeiro, as Srªs.,
Marina Ângela Miranda Esteves da Silva e Célia Beatriz Ravera Schargrodsky e ao
representante do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Sr.
Liszt Benjamin Vieira pela atuação dos mesmos no processo de regularização
fundiária envolvendo a Comunidade do Horto.
134
f) para que a SPU, a SPU/RJ, a AGU e o JBRJ, caso este tenha legitimidade judicial,
adotem todas as providências para a obtenção da reintegração de posse de
qualquer outra área do Jardim Botânico do Rio de Janeiro ocupada indevidamente e
não contemplada com correspondente decisão judicial transitada em julgado e
vigente, para cumprimento da determinação da 2ª Câmara do TCU ao JBRJ, “no
sentido de corrigir e prevenir invasões (Sessão de 08/02/2001, Relação nº 05/01
Gab. Min. Valmir Campelo, Ata- CU 04/01-2ª Câmara)”.
O voto do relator deixa acentua que caso restem áreas remanescentes à área
definitiva do JBRJ e se houver possibilidade jurídica, poderão ser disponibilizadas
para fins do projeto de regularização fundiária de interesse social pretendido pela
SPU/RJ, procedendo-se à regularização das moradias nelas existentes.
O Ministro Walton Alencar Rodrigues, levou a efeito uma declaração de voto, na
qual realça com suas tintas a complexidade da questão envolvendo a regularização
fundiária na Comunidade do Horto e o embate de múltiplos atores.
72
MARINI, Íris. Moradores do Jardim Botânico não aceitam acordo proposto pela União. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 8 maio 2013. Disponível em: <http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/05/08/moradores-
do-jardim-botanico-nao-aceitam-acordo-proposto-pela-uniao/>. Acesso em: 14 fev. 2014.
138
A situação não está decidida. Vamos conversar com os advogados para ver
o que podemos fazer judicialmente. E consultar outras instâncias do
governo para apresentar o que queremos - permanecer na área do Horto –
e que retornem com a ideia do projeto elaborado pela UFRJ e o TCU, que
previa o remanejamento de algumas famílias dentro do próprio Horto e a
expansão das áreas de pesquisa do Instituto Jardim Botânico de Pesquisas
do Rio de Janeiro.
Não podemos, de uma hora para a outra, na calada da noite, uma família ir
para o meio da rua. Precisamos de tempo, planejamento, construir
alternativas habitacionais, porque boa parte desses moradores não
possuem condições econômicas para ter uma moradia digna se não houver
um esforço do governo federal nessa direção.
73
Mandado de Segurança nº 31.707.
139
74
“9.3.5. à SPU, à SPU/RJ, à AGU e ao JBRJ, caso este tenha legitimidade judicial, que, tão logo definidos e
regularizados em cartório os limites territoriais do Jardim Botânico, que: 9.3.5.1. no prazo de 60 (sessenta) dias,
adotem todas as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias ao fim de suspensão, arquivamento, diferimento
ou qualquer outra situação impeditiva ou restritiva da execução de qualquer mandado de reintegração de posse
decorrente de decisão judicial transitada em julgado, em área definitiva na forma do item 9.3.3 deste Acórdão;
9.3.5.2. apresentem a este Tribunal, a cada seis meses, relatório contendo informações acerca das providências
que têm sido adotadas visando o cumprimento de todos os mandados de execução de reintegração de posse
concedidos por meio de decisões judiciais transitadas em julgado, em respeito à coisa julgada (Constituição
Federal, art. 5º, inciso XXXVI), tempestivamente, dentro dos respectivos prazos; 9.3.5.3. no prazo total de 90
(noventa) dias, adotem todas as providências para a obtenção da reintegração de posse de qualquer outra área
do Jardim Botânico do Rio de Janeiro ocupada indevidamente e não contemplada com correspondente decisão
judicial transitada em julgado e vigente, para cumprimento da determinação da 2ª Câmara desta Corte feita ao
JBRJ, no sentido de corrigir e prevenir invasões (Sessão de 08/02/2001, Relação nº 05/01 Gab. Min. Valmir
Campelo, Ata-TCU 04/01-2ª Câmara)”
140
76
Os objetivos descritos constam da Nota Técnica nº 340/2012/CGHRF/DEDES/SPU/MP, conforme informação
obtida no processo administrativo nº 04967000306/2010-89, junto à SPU/RJ.
145
77
A Nota Técnica em questão, consta do processo administrativo nº 04967000306/2010-89, em curso na
SPU/RJ.
146
Botânico, entende que toda a área precisa ser retomada para que a
instituição possa cumprir a sua missão prevista em lei. Concordamos que
seja feito um cronograma para que os ocupantes saiam gradativamente, até
que o governo faça construções de interesse social para abrigar famílias.
Mas essa não é uma questão muito política, que envolve parentes do
deputado Edson Santos (PT)?
O Jardim Botânico tem um critério científico e ambiental. A SPU, um critério
habitacional. São duas linhas que não são convergentes, são paralelas.
Agora, tem a pressão política também. Parentes do deputado moram dentro
do Jardim Botânico.78
78
VIEIRA, Liszt. Pretendem construir casas dentro do parque Jardim Botâncio. Não dá. O Globo, Rio de Janeiro,
31 ago. 2012, Rio, p. 15. Entrevista concedida a Selma Schimidt.
79
SCHIMIDT, Selma. Em defesa do parque. O Globo, Rio de Janeiro, 1 set. 2012. Rio, p. 16.
149
80
SCHIMIDT, Selma. Ministra defende área para Jardim Botânico. O Globo, Rio de Janeiro, 1 set. 2012. Rio, p.
16.
81
SCHIMIDT, Selma; MALTCHIK, Roberto; COSTA, Jacqueline. Baixa renda de luxo. O Globo, Rio de Janeiro,
20 ago. 2010. Rio, p. 21.
82
O GLOBO, Rio de Janeiro, 19 ago. 2010, p. 21. Rio. Opinião.
150
É uma decisão muito importante, histórica, porque depois de 204 anos, nós
estamos sugerindo isso, e vamos monitorar. Se não forem cumpridos os
prazos determinados, vamos procurar responsabilizar a quem de direito –
afirma o relator do caso, ministro Valmir Campelo.
83
PEREIRA, Paulo Celso; MAGALHÃES, Luiz Ernesto. O verde prevalece. O Globo, Rio de Janeiro, 6 set. 2012.
Rio, p. 12.
84
GERBASE, Fabíola; Schmidt, Selma. Ponto para invasores do parque. O Globo, Rio de Janeiro, 30 mar. 2013.
Rio, p. 10.
151
invasores do Parque”, que o IPHAN estaria propondo manter 316 casas no Jardim
Botânico apresentaria a delimitação da área tombada.
Figura 6 - Ilustração da proposta inicial do IPHAN das casas a serem mantidas no Jardim Botânico
Vejo que ele sai consagrado, inclusive com o prêmio que ganhou esta
semana (o Prêmio Faz Diferença, do GLOBO). Ele fez um trabalho sério de
defesa do patrimônio ambiental do Jardim Botânico e terá sempre a gratidão
dos cariocas e minha pessoal. A Samyra é muito comprometida com o meio
ambiente e muito experiente. Tenho certeza de que ela vai dar continuidade
a essa proteção ao patrimônio do Jardim Botânico.
[...]
153
Sônia Rabello, também do integrante do Partido Verde, defende que seja feita a
desocupação da área do Jardim Botânico e sua recuperação. Em artigo intitulado
“Jardim Botânico do Rio: verdades e mentiras”85, a mesma sustenta que o Jardim
Botânico seria inegociável pelos que ela denomina autoridades de plantão, pois
essas não teriam legalmente poderes de dispor ou não dos espaços do parque, por
se tratar de área afetada às suas atividades de uso comum do povo e de uso
especial científico. A jurista sustenta que não seria possível regularizar algo que em
sua percepção seria ilegal.
85
Disponível em: <http://www.soniarabello.com.br/jardim-botanico-do-rio-verdades-e-mentiras-legais-2/>.
Acesso em: 16 fev. 2014.
86
Disponível em: <http://www.soniarabello.com.br/jardim-botanico-historia-da-persistencia/>. Acesso em: 16 fev.
2014.
154
O Liszt tem feito uma gestão correta do Jardim Botânico e a mensagem dele
é na tentativa de encontrar uma solução. Não se pode imaginar que vamos
resolver uma questão habitacional dentro de uma instituição de pesquisa
internacionalmente reconhecida.
Por outro lado, o deputado federal Edson Santos, que nasceu e morou na
Comunidade do Horto e cuja irmã, Srª. Emília Maria de Souza é a atual presidente
da AMAHOR, em artigo intitulado “Não à remoção dos moradores do Horto Florestal
RJ”88, defende a permanência da Comunidade do Horto, alegando que a pretendida
remoção está pautada em preconceito e estimulada pela especulação imobiliária,
que se encontram encobertas por um discurso de proteção ao meio ambiente.
O deputado argumenta que tenta não polemizar com lideranças da AMAJB,
pois a associação buscaria exercer com legitimidade a representação de parte dos
moradores do bairro que não concorda com a presença da população pobre no
Jardim Botânico, mas rechaça a tese de que o seu mandato seria o único obstáculo
à remoção da Comunidade, pois a trajetória de resistência já vem sendo construída
há vários anos.
No embate interno do Partido dos Trabalhadores, a posição defendida pelo
deputado Edson Santos em favor da Comunidade do Horto tem tido prevalência. A
Executiva Municipal do Partido dos Trabalhadores na Cidade do Rio de Janeiro, no
dia 05 de setembro de 2009 firmou uma nota de apoio em favor da Comunidade.
87
Vasconcellos, Fábio. Ocupação de parque vira polêmica no PT. O Globo, Rio de Janeiro, 22 nov. 2010. Rio, p. 18.
88
Disponível em: <http://www.amahor.org.br/5116>. Acesso em: 16 fev. 2014.
156
89
SOUZA, Ubiratan da Silva Ribeiro de. Moradia para quem? Boletim UFRJ Plural, n. 10, Rio de Janeiro, jun.
2013. Entrevista concedida a Coryntho Baldez. Disponível em: <http://www.plural.ufrj.br/010/entrevista.php. >.
Acesso em: 13 fev. 2014.
157
Agora, o que ocorre de fato é que os moradores, por serem de baixa renda,
são objeto de criminalização ao serem classificados como invasores. Na
verdade, invasores são os grileiros de terra que, muitas vezes, são
acobertados por práticas políticas danosas à sociedade.
Um processo histórico de ocupação que, inclusive, garante às famílias a
posse da terra não pode ser classificado como prática criminosa. A visão de
que aquela comunidade de cerca de 2 mil pessoas é uma “praga” invasiva é
cruel e desumana.
90
SOUZA, Emília Maria de. “Somos excluídos”, dizem os moradores do Horto. Carta Capital. Rio de Janeiro. 02
maio 2013. Entrevista concedida a Gabriel Bonis. Disponível em:
<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/201csomos-excluidos-das-discussoes201d-dizem-moradores-do-
horto-4223.html>. Acesso em 14 fev. 2014.
159
91
Disponível em: <http://www.amajb.org.br/2011/09/pelo-nosso-direito-de-resposta-a-acusacoes-infundadas/>.
Acesso em 14 fev. 2014.
92
Disponível em:
<http://www.amahor.org.br/Den%C3%BAncia:_quem_s%C3%A3o_os_inimigos_do_Horto_por_tr%C3%A1s_da
_hist%C3%B3ria_dos_limites_do_IPJBRJ>. Acesso em 17 fev. 2014.
161
93
Disponível em: <http://www.amajb.org.br/quanto-vale-o-jardim-botanico/>. Acesso em 19 fev. 2014.
162
Sem a tutela dos poderes públicos e com dinheiro na mão, cada família
seria livre para morar onde quisesse. Umas ficariam no bairro, outras
mudariam, outras iriam para o interior, outras ainda abririam um negócio…
Não temos que decidir como elas vão viver, o que não podemos é lesá-las.
Quem ficaria feliz em sair do Jardim Botânico e morar numa Cidade de
Deus? Ninguém. No entanto, o custo das cidades-de-deus, se repartido por
quem mora nelas, daria uma vida digna a todos [...].
O Jardim Botânico é uma autarquia. As autarquias recebem recursos
públicos e podem receber doações. Várias empresas já patrocinam o JB, a
última é a Vale. Numa parceria público-privada não seria difícil conseguir
patrocínio para bancar o projeto de retomada de suas terras, com uma boa
indenização à comunidade, com rapidez e sem causar nenhum problema
social.
94
Disponível em: <http://raquelrolnik.wordpress.com/2013/04/04/verdes-versus-gentes-entenda-o-conflito-da-
comunidade-do-horto-no-jardim-botanico-do-rj/>. Acesso em 22 fev. 2014.
163
Uma nova demarcação foi feita por uma comissão integrada pelo Ministério
do Meio Ambiente (MMA), pelo SPU e pelo Instituto do Patrimônio Histórico
Artístico e Nacional (IPHAN, neste caso porque o parque é tombado),
mudando os limites tradicionais entre Horto e Jardim Botânico com base em
interpretação equivocada de documentos históricos e assim condenando
mais de 520 famílias à remoçãoo. A SPU, que até outro dia era favorável à
permanência da comunidade e à regularizacao fundiária, bem como o
IPHAN, que de acordo com noticias de jornal até então era favorável à
permanência da maioria da comunidade, mudaram de posição em vista da
pressão do MMA, da Fundacao Jardim Botanico, do TCU e da Rede Globo.
É interessante notar que essa comissão do governo federal não incluiu o
órgão federal que é encarregado do cumprimento do Estatuto da Cidade, da
MP no. 2.220 e do reconhecimento do direito social de moradia, qual seja, o
Ministério das Cidades.
95
FERNANDES, Edésio. “O conflito entre o social e o ambiental é falso”. Canal Ibase. 27 jun. 2013. Entrevista
concedida a Rogério Daflon. Disponível em: <http://www.canalibase.org.br/os-falsos-argumentos-para-a-
remocao-do-horto/>. Acesso em 14 fev. 2014.
164
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
capitalista.
Neste ponto, precisamos ressaltar que a visão mais dura da perspectiva
institucionalista não esgota tão pouco, e ainda mais isoladamente, a compreensão
possível da questão. Se o Estado tem um centro, um conjunto de meios e de
instituições integrados para impor sua vontade, como afirma Skocpol, Evans,
Ruechmayer (2002) e os líderes científicos da perspectiva institucionalista, não é
seguramente do Estado brasileiro que estão falando. Na verdade de nenhum Estado
em especial segundo a crítica de Przeworski (1995). Conforme o autor, não existe
Estado desvinculado de arranjos particulares que precisam ser analisados e
dissecados caso a caso e no tempo antes de uma formulação geral e inflexível sobre
algum tipo de lógica estatal.
Se o estruturalismo marxista peca por secundarizar as particularidades da
organização estatal e, por não separar adequadamente os interesses econômicos
das classes sociais dominantes das intenções e objetivos das elites políticas
estatais, a visão institucionalista exagera, nos parece, na ideia de que o Estado
constitui um conjunto articulado de institutos liderados por um grupo com objetivos
comuns e distintos dos demais grupos sociais.
Parafraseando Weber e seguindo os críticos do institucionalismo poderíamos
dizer que não é apenas o capitalismo que não é um. Estados, também, são muitos.
Para ficarmos no continente, a comparação do Estado e das elites estatais da
Argentina com o Estado e as elites estatais brasileiras, conforme o estudo
comparativo de Katryn Sikkink ilustra bem a afirmação. Conforme a autora, no Brasil
o Estado desde a Revolução de 30 se tornou o centro da política e concentrou poder
suficiente para submeter as elites regionais aos seus desígnios e criar ele próprio as
elites econômicas gestoras desse nosso especialíssimo capitalismo estatal. Na
Argentina o Estado sempre foi secundarizado e desprezado pelas poderosas elites
agroexportadoras que jamais viram nas politicas estatais um meio eficaz para
melhorar seus negócios. Largaram o Estado, por assim dizer, ao populismo urbano e
aos líderes messiânicos.
O conflito em torno da ocupação da comunidade do Horto ilustra um aspecto
importante dessa questão. Não obstante poderoso e central, autoritário e burocrático
a atuação do Estado por intermédio das suas diversas instituições nessa questão
produziu paroxismo ao invés de ação, contradição ao invés de concertação e
serviram aos atores diretamente interessados, especialmente aos moradores do
170
1972.
A perspectiva de proteção do patrimônio histórico é algo que evidentemente
não estava na origem da fundação do Jardim Botânico e todas as edificações ali
encravadas o foram com o objetivo de prover o local com instalações funcionais para
manutenção das atividades fins da instituição.
Eis que, portanto, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro durante cerca de 200
anos conviveu com a comunidade em seu torno e alhures como um lugar de
preservação de espécies e de pesquisas muito irregulares em botânica e cultivares.
De início, com vistas à sua manutenção e também como forma de estimular e
estabilizar seu corpo de funcionários foram construídas moradias destinadas a eles e
seus familiares. As primeiras construções de moradias de funcionários datam de
dezenas de décadas atrás. O bairro conviveu ainda, longamente, com plantações de
cana de açúcar e café ao seu redor. Posteriormente foi a indústria que floresceu no
local e o casario se adensou com a construção de vilas operárias para seus
trabalhadores.
Não era ainda, portanto, nem de longe, o bairro e seu entorno, o que
representa hoje para a cidade, uma valorizada região residencial cujo valor para
seus moradores de classe média alta está no convívio integrado com a natureza e
sua fauna nativa. Assim, o que é hoje valorizado como patrimônio histórico e
ambiental conviveu com a vizinhança proletária de suas origens, a mata e as ruínas
durante dezenas de anos.
Essas informações são importantes para observarmos aquilo que Gusfield
(1981) chama de dimensão cognitiva dos problemas públicos. Naturalmente, há
cinquenta anos não havia problema ambiental na ocupação humana do local porque
“problemas ambientais” não existiam. Não havia, então, Ministério do Meio
Ambiente, institutos ou secretarias de proteção ambiental, porque as próprias
noções do ambientalismo contemporâneo eram inexistentes. Não havia também o
problema habitacional. As Vilas Operárias e as moradias dos funcionários não
representavam qualquer tipo de preocupação para a população de classe média
moradora dos bairros nobres distantes dali e mais colados ao centro econômico de
então: Catete, Flamengo, Santa Tereza, Rio Comprido, e outros. Para o poder
público, igualmente, qualquer dos problemas atuais da comunidade do Horto não
eram públicos nesse sentido atual.
A análise dos vinte e quatro volumes do processo de regularização fundiária
173
Cenários possíveis
Partindo-se do caso objeto de estudo, conclui-se que ainda que diante de uma
nova ordem jurídico-urbanística, a efetividade do Estatuto da Cidade para a
regularização de terras públicas não é algo que seja fácil de ser atingido,
principalmente considerando a localização do solo e os atores envolvidos na
questão.
Destacamos que ainda que estejamos diante de uma nova ordem jurídico-
urbanística, o paradigma formal legalista ainda se aplica de maneira forte, pois um
emaranhado de legislações complexas e herméticas, não nos permite compreender
com exatidão os caminhos para o exercício de direitos, o que implica em verdadeiro
comprometimento da cidadania.
O processo de regularização fundiária da Comunidade do Horto, onde o
Governo Federal, através da Secretaria do Patrimônio da União já havia empregado
mais de R$ 3000.000,00 (trezentos mil reais) para contratação de apoio técnico para
elaboração de cadastros e estudos, não avançou por interpretações legais que
camuflam todo tipo de interesses.
No Caso da Comunidade do Horto, a regularização fundiária está
absolutamente em aberto, pois pende de julgamento na mais alta Corte do Poder
Judiciário brasileiro uma demanda formulada pelos moradores, através da AMAHOR,
que caso venha a ser acolhida, poderá desconstituir tudo aquilo que foi decidido pelo
Tribunal de Contas da União, que sabidamente não é um órgão vocacionado para
criar ou extinguir políticas públicas relativas à regularização fundiária.
Por outro lado, existem cenários ainda possíveis para além da manifestação do
STF, sendo o primeiro de viés conservador, através do simples cumprimento da
decisão proferida pelo TCU e aceitação da delimitação do perímetro do Jardim
Botânico na forma apresentada pelo MMA, JBRJ e MPOG.
Neste cenário, prevalecerá o discurso ambientalista, encampado
oportunamente por todos aqueles a quem não interessa ter como vizinhos na área
do Jardim Botânico, um contingente de moradores desprovidos de recursos
financeiros.
Um cenário intermediário seria a revisão da delimitação do perímetro do Jardim
Botânico na forma apresentada pelo MMA, JBRJ e MPOG, permitindo que seja
autorizada a permanência de um maior número de famílias nas áreas que ocupam
177
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