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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MATEUS CAVALCANTE DE FRANÇA

UNIÃO E ESPERANÇA:
O IMPACTO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA REGULAÇÃO DE
ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO EM VILAS E FAVELAS

Porto Alegre
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MATEUS CAVALCANTE DE FRANÇA

UNIÃO E ESPERANÇA:
O IMPACTO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA REGULAÇÃO DE
ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO EM VILAS E FAVELAS

Dissertação apresentada como requisito


para obtenção do título de mestre pelo
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Lucas Pizzolatto


Konzen

Porto Alegre
2021

2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MATEUS CAVALCANTE DE FRANÇA

UNIÃO E ESPERANÇA:
O IMPACTO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA REGULAÇÃO DE
ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO EM VILAS E FAVELAS

Dissertação apresentada como requisito


para obtenção do título de mestre pelo
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.

BANCA EXAMINADORA

Professor Dr. Lucas Pizzolatto Konzen (Orientador)


Professora Dra. Simone Tassinari Cardoso Fleischmann
Professora Dra. Betânia de Moraes Alfonsin
Professor Dr. Alex Ferreira Magalhães

Porto Alegre
2021

3
AGRADECIMENTOS

O processo de escrita deste trabalho não teria sido o mesmo sem a participação de
várias pessoas, a quem cabe agradecer.
Agradeço a meus pais, Soli e Mairton, uma cientista social e um economista que
sempre me inspiraram, aconselharam e acolheram, em momentos bons e ruins. Agradeço
a meus avós, Ana Rosa, Elza e Vavá e à minha tia-avó Noêmia, por projetarem em mim
a confiança de que estou no caminho certo. Agradeço a minha bisavó, Zaíde, que em seus
104 anos de vida ainda torce pelo meu sucesso e me encoraja a seguir em frente.
Agradeço a amigos que trago do ensino médio, Euryanne, Felipe e Pedro, pelos
momentos de diversão e desabafo que acompanharam esse processo. Aos amigos que
trago do ensino superior, Anne, Larissa e Marina, que nunca saíram de meu lado, mesmo
com a distância geográfica. Ao grande amigo e ex-chefe Ítalo, que sempre se interessou
por minha pesquisa e me motivou a persegui-la. Aos novos amigos que fiz durante o
mestrado, Guilherme, Mártin, Raissa, Kauê e Marina, que me acolheram e me apoiaram
em minha pesquisa e em minha vida em uma nova cidade.
Agradeço ao Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade, que tanto contribuiu com o
aperfeiçoamento dessa pesquisa. Agradeço, igualmente, a Lucas, por quem fui tão bem
recebido na UFRGS e que não falhou em me orientar, sempre buscando o melhor para
mim e para este trabalho. Agradeço aos professores Simone, Betânia e Alex, cujas
contribuições na banca de qualificação foram fundamentais para a conclusão deste
trabalho.
Agradeço às lideranças das vilas União e Esperança, que tão gentilmente me
cederam seu tempo para contribuir com os resultados dessa pesquisa. Pelo mesmo motivo,
agradeço a Karen Santos e Marcos Diligenti, que tive o imenso prazer em conhecer e que
concederam seu tempo para ajudar-me com informações para este trabalho. Ao GAP, por
me acolher em suas atividades.
Agradeço a Giovanna, urbanista que tive a sorte de conhecer ao longo de minha
trajetória no mestrado, que em tanto contribuiu com minhas reflexões e que me trouxe
tantos momentos inesquecíveis em pouco tempo. Espero que nossos caminhos sigam
juntos.

4
A Luana, que nos deixou no dia da qualificação desta pesquisa.
A todas as demais vítimas, diretas e indiretas, dessa pandemia gerida de modo tão
nefasto.

5
RESUMO

A realidade das vilas e favelas, assentamentos irregulares de baixa renda existentes nas
cidades latino-americanas, tem constantemente sido objeto de atenção nas ciências
sociais. Na sociologia do direito, há toda uma tradição de estudos sobre as normas sociais
de origem comunitária que regulam as relações entre os moradores desses territórios e
sobre os impactos das políticas estatais de regularização fundiária. No entanto, os estudos
sociojurídicos tendem a se concentrar nas questões relacionadas aos espaços de moradia,
relegando a um segundo plano a problemática relativa aos espaços de uso comunitário.
Assim, o presente trabalho parte da seguinte pergunta: como o processo de regularização
fundiária impacta a regulação de espaços de uso comunitário em vilas e favelas? Para
responder a essa questão, foi desenvolvida uma pesquisa empírica, partindo de categorias
teóricas oferecidas pela geografia jurídica. Buscando compreender como espaços de uso
comunitário são regulados antes e depois da regularização fundiária, foram estudados os
casos de dois assentamentos contíguos localizados no bairro Belém Velho, em Porto
Alegre: a vila União, ainda irregular, e a vila Esperança, já regularizada. A coleta de dados
envolveu observações diretas, entrevistas semiestruturadas com lideranças comunitárias
e análise de documentos. Os estudos de caso sugerem que, após a regularização fundiária,
mesmo sendo perceptível uma maior relevância das normas estatais, as normas sociais
comunitárias reproduzidas por instituições locais, como as associações de moradores,
permanecem a principal fonte de regulação dos espaços de uso comunitário.

Palavras-chave: Regularização fundiária; Espaço público; Pluralismo jurídico;


Geografia jurídica; Favela.

6
ABSTRACT

The reality of slums, irregular low-income settlements present in Latin American cities,
has been constantly a study object in social sciences In sociology of law, there is a whole
tradition in studies about community-originated social norms regulating relations
between settlers in such territories and about the impact of state policies of land
regularization. However, sociolegal studies tend to focus in issues related to housing
spaces, leaving the problems related to spaces of community use to a secondary spot.
Thus, this work departs from the following question: how does the land regularization
process impact the regulation of spaces of community use in slums? To answer to this
question, an empirical research was developed, departing from theoretical concepts offer
by legal geography. Searching for the understanding of how spaces of community use are
regulated before and after land regularization, two cases of contiguous settlements located
in Belém Velho neighborhood, Porto Alegre were studied: vila União, still irregular, and
vila Esperança, already regularized. The data gathering envolved direct observations,
semistructured interviews with community leaderships and document analysis. The case
studies suggest that, after land regularization, even if a greater relevance of state norms
are observed, social community norms reproduced by local institutions, such as the
neighbors association, remain the main source of regulation of spaces of community use

Keywords: Land regularization; Public space; Legal pluralism; Legal Geography; Slum.

7
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Localização das Vilas União e Esperança no território de Porto Alegre...........65


Figura 2 - Localização das Vilas União e Esperança no bairro do Belém Velho...............65
Figura 3 - Imagem de satélite com os três assentamentos estudados.................................66
Figura 4 - Locais aproximados para a praça e a bacia de contenção de águas pluviais no
projeto de regularização fundiária do Loteamento Elias Buaez........................................71
Figura 5 - Vila União em 2016, já consolidada.................................................................73
Figuras 6 e 7 - Respectivamente, casas do acesso 5 e da estrada Afonso Lourenço
Mariante, na Vila União...................................................................................................74
Figura 8 - Igreja batista da Vila União..............................................................................74
Figura 9 - Distância aproximada da localização inicial à atual da Vila Esperança............76
Figuras 10 e 11 - Vista da Vila Esperança a partir da Vila União......................................78
Figuras 12 e 13 - Respectivamente, instituição de educação infantil e posto de saúde da
Vila Esperança.................................................................................................................78
Figura 14 - Localização de espaços de uso comunitário da Vila Esperança......................79
Figura 15 - Eixo de crescimento irregular da Vila Esperança...........................................80
Figura 16 - Espaço jurisdicional da AEIS da Vila Esperança...........................................80
Figura 17 - Muro que separa trecho das vilas União e Esperança.....................................82
Figura 18 - Marco de concreto que sinaliza a fronteira entre as vilas Esperança e
União...............................................................................................................................83
Figura 19 - Entre as árvores, ponta de fachada de igreja utilizada como marco para a
fronteira entre as vilas União e Esperança........................................................................84
Figura 20 - Beco Três.......................................................................................................86
Figura 21 - Rua Oito.........................................................................................................86
Figura 22 - Rua Nove.......................................................................................................87
Figura 23 - Estrada Afonso Lourenço Mariante...............................................................87
Figura 24 - Largo no final do Acesso Cinco.....................................................................88
Figura 25 - Queixa, em grupo no aplicativo WhatsApp de moradores da Vila União, de
carro estacionado de modo a bloquear rua........................................................................90
Figura 26 -Reclamação, em grupo de moradores da Vila União no aplicativo WhatsApp,
sobre o estacionamento de carro em frente à casa de uma moradora................................92

8
Figura 27 - Lombada feita por moradores do Acesso Cinco para contenção da água da
chuva................................................................................................................................96
Figura 28 - Rede viária da Vila União..............................................................................97
Figura 29 -Espaço doado à ASSCOMOU por morador para instalação de praça..............98
Figura 30 - Terreno vazio, onde algumas crianças brincam, visto a partir da Vila
União.............................................................................................................................100
Figura 31 - Largo localizado no final do Acesso Cinco..................................................101
Figura 32 - Área livre ao redor de uma das torres de transmissão de energia elétrica......102
Figura 33 - Localização das torres de transmissão de energia elétrica e seus cabos na Vila
União.............................................................................................................................103
Figura 34 - Trajeto do caminhão de coleta de lixo de grande porte nas ruas da Vila
União.............................................................................................................................106
Figura 35 - Panfleto com orientações sobre a coleta domiciliar de lixo na Vila União....108
Figura 36 - Morador pede o conserto de mangueira em grupo virtual da Vila União......113
Figura 37 - Avenida Kurt Max Hauser...........................................................................121
Figura 38 - Rua Wilson Tupinambá da Costa.................................................................121
Figura 39 - Acesso ao trecho de expansão irregular da Vila Esperança..........................123
Figura 40 - Imagem de satélite de trecho de expansão irregular da Vila Esperança........123
Figura 41 - Via de “atalho” para a parada de ônibus.......................................................124
Figura 42 - Imagem de satélite de trecho da Vila Esperança, com o “atalho” ao centro e a
única entrada oficial do assentamento à direita..............................................................124
Figura 43 - Largura aproximada de calçada na Rua Wilson Tupinambá da Costa..........125
Figura 44 - Largura aproximada do logradouro da Rua Wilson Tupinambá da Costa....125
Figura 45 - Carros estacionados na calçada na Rua Conceição.......................................126
Figura 46 - Bloqueios no acesso informal à Vila Esperança...........................................130
Figura 47 - Cartografia da estratégia de produção da cidade de Porto Alegre.................135
Figuras 48 e 49 - Bocas-de-lobo em necessidade de manutenção na Avenida Kurt Max
Hauser............................................................................................................................137
Figura 50 - Casinha para animais que habitam as ruas no canteiro central da Avenida Kurt
Max Hauser....................................................................................................................139
Figura 51 - Árvore de natal instalada em rotatória na Avenida Kurt Max Hauser...........140
Figura 52 - Pneus com plantas junto a canteiro na Avenida Kurt Max Hauser................140
Figura 53 - Parquinho da IEI União Esperança...............................................................142

9
Figura 54 - Sede da AMOVESP e do SASE...................................................................143
Figura 55 - Parquinho da IEI União Esperança em 2012................................................145
Figura 56 - Parquinho ao lado da sede da AMOVESP....................................................146
Figura 57 - Parquinho diante do campo de futebol.........................................................147
Figura 58 -Terreno onde hoje é o campo de futebol........................................................148
Figura 59 - Campo de futebol.........................................................................................149
Figura 60 - Área proposta para a instalação de academia ao ar livre...............................150
Figura 61 - Canos deixados por funcionários do DMAE em canteiro da Avenida Kurt
Max Hauser....................................................................................................................156
Figura 62 - Lixão da Vila Esperança..............................................................................157
Figura 63 - Placa que proíbe o depósito de lixo na área do lixão.....................................159

10
LISTA DE SIGLAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas


AEIS – Área Especial de Interesse Social
AMOVESP – Associação de Moradores da Vila Nossa Senhora da Esperança
AOR – Área de Ocupação Rarefeita
APP – Área de Proteção Ambiental
ASSCOMOU – Associação Comunitária dos Moradores da Ocupação União II
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
CDRU – Concessão de Direito Real de Uso
CEEE – Companhia Estadual de Energia Elétrica
CEJUSC – Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania
CME – Conselho Municipal de Educação
CMDCA – Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente
CNPJ – Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica
COMAM – Conselho Municipal de Meio Ambiente
DEMHAB – Departamento Municipal de Habitação
DMAE – Departamento Municipal de Água e Esgoto
DMLU – Departamento Municipal de Limpeza Urbana
FASC – Fundação de Assistência Social e Cidadania
FOP – Fórum do Orçamento Participativo
GAP – Grupo de Assessoria Popular
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEI – Instituição de Educação Infantil
ILD – Instituto Libertad y Democracia
ONU – Organização das Nações Unidas
OP – Orçamento Participativo
PDDUA – Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental
PGM – Procuradoria Geral do Município
PROMEBA – Programa de Mejoramiento de Barrios
PSOL – Partido Socialismo e Liberdade
SAJU – Serviço de Assessoria Jurídica Universitária

11
SASE – Serviço de Apoio Socioeducativo
SMAM – Secretaria Municipal de Meio Ambiente
SMED – Secretaria Municipal de Educação
SMOV – Secretaria Municipal de Obras e Viação
TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ZEIS – Zona Especial de Interesse Social

12
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................14
2 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE VILAS E FAVELAS E A QUESTÃO
DOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO ............................................................ 18
2.1 A regulação da vida comunitária nos assentamentos irregulares .......................18
2.2 Regularização fundiária: modelos e impactos........................................................32
2.3 Os espaços de uso comunitário e sua regulação......................................................45
3 O DESENHO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA EMPÍRICA EM
DUAS VILAS POPULARES DE PORTO ALEGRE.................................................55
3.1 Aspectos teóricos: a teoria da regulação do espaço................................................55
3.2 Aspectos metodológicos: os estudos de caso...........................................................63
3.2.1 Vila União: à espera da regularização fundiária...................................................70
3.2.2 Vila Esperança: quando a regularização fundiária é realidade............................75
4 OS IMPACTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA REGULAÇÃO DOS
ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO........................................................................85
4.1 Da irregularidade vivenciada à regularidade pretendida: o papel das normas
sociais emanadas da associação de moradores............................................................85
4.1.1 A manutenção e o uso das ruas..............................................................................85
4.1.2 O projeto da praça e as áreas livres........................................................................97
4.1.3 A organização do despejo de resíduos sólidos e resíduos líquidos.......................105
4.1.4 As redes de água e energia elétrica.......................................................................110
4.1.5 A regulação de espaços de uso comunitário na irregularidade vivenciada........118
4.2 Da regularidade pretendida à regularidade vivenciada: a persistência das
normas sociais na vida comunitária dos “lugares fora do mapa” ............................120
4.2.1 A manutenção e o uso das ruas, calçadas e canteiros.........................................120
4.2.2 Os parquinhos e o campo de futebol....................................................................141
4.2.3 Os serviços públicos, o lixo e o lixão....................................................................154
4.2.4 A regulação de espaços de uso comunitário na regularidade vivenciada...........160
5 CONCLUSÃO...........................................................................................................165
REFERÊNCIAS..........................................................................................................169
APÊNDICE..................................................................................................................194

13
1 INTRODUÇÃO

O tema deste trabalho são os impactos de programas de regularização fundiária na


regulação dos espaços de uso comunitário em vilas e favelas, como as ruas, praças e
calçadas. A “cidade informal” é uma problemática amplamente estudada pelas ciências
sociais na América Latina, sendo vasta a literatura sobre a realidade dos assentamentos
irregulares de baixa renda. Na área da sociologia do direito, há uma tradição de estudos
sobre as normas sociais de origem comunitária que regulam as relações entre os
moradores desses territórios, bem como de estudos sobre os impactos das políticas
públicas de regularização fundiária urbana. No entanto, os estudos sociojurídicos tendem
até aqui a se concentrar na análise de questões relacionadas aos espaços de moradia,
relegando a um segundo plano a problemática relativa aos espaços de uso comunitário.
Diante desse caminho ainda inexplorado nos estudos sociojurídicos, o presente
trabalho parte do seguinte problema de pesquisa: como o processo de regularização
fundiária impacta a regulação de espaços de uso comunitário em vilas e favelas? Essa
pergunta conduz a duas subquestões mais específicas: antes do processo de regularização
fundiária ser efetivado, como são regulados os espaços de uso comunitário? E quando o
processo de regularização fundiária é deflagrado, quais mudanças ocorrem na regulação
de espaços de uso comunitário?
Responder a essas indagações justifica-se para além de ser um tema pouco
debatido na literatura sociojurídica. Afinal, os espaços públicos são um aspecto essencial
da vida urbana. Na “cidade formal”, o debate sobre o acesso desigual aos espaços públicos
já se faz bastante presente.1 Em se tratando de territórios como vilas e favelas, a
problemática ganha contornos especiais, visto que são áreas habitadas por uma população
em situação de vulnerabilidade social, que para a melhoria da sua qualidade de vida
depende de formas de promoção do acesso à cidade não apenas em outros bairros, mas
também em locais próximos de sua moradia.
Investigar essas questões também se justifica pelos recorrentes debates entre
pesquisadores, gestores públicos e movimentos sociais urbanos sobre o melhor modelo
de regularização fundiária a ser adotado, considerando seus efeitos para as comunidades

1
Em cena que ganhou repercussão nacional em 2021, o Padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral do
Povo da Rua, quebrou com uma marreta paralelepípedos instalados pela Prefeitura sob viadutos na zona
leste da cidade de São Paulo para dificultar a presença de pessoas em situação de rua. Para notícias de jornal
sobre o ocorrido, cf. Reis (2021), Costa (2021), Tamamoto (2021) e Almeida (2021).

14
beneficiadas. Compreender os efeitos da regularização fundiária no que tange à regulação
de espaços de uso comunitário, tão importantes no dia a dia dessas comunidades, permite
perceber caminhos para melhorias desses programas, que não raro partem do pressuposto
de que os assentamentos regularizados estarão, enfim, sob a égide do direito estatal.
Buscando responder ao questionamento que originou esta investigação, foi
desenvolvida uma pesquisa empírica, partindo de categorias teóricas oferecidas pela
perspectiva da geografia jurídica. Para compreender como espaços de uso comunitário
são regulados antes e depois da regularização fundiária, foram estudados os casos de dois
assentamentos contíguos localizados no bairro Belém Velho, em Porto Alegre: a Vila
União, ainda irregular, e a Vila Nossa Senhora da Esperança, já regularizada. A coleta de
dados envolveu observações diretas, entrevistas semiestruturadas com lideranças
comunitárias e análise de documentos.
A afirmação central deste trabalho é de que, com a regularização fundiária, as
instituições comunitárias, a exemplo das associações de moradores, permanecem a
principal fonte de normas que regulam os espaços de uso comunitário. Antes do processo
de regularização fundiária ser efetivado, as normas sociais comunitárias, oriundas dessas
instituições comunitárias, são decisivas para regular esses espaços. É no momento do
planejamento e execução do projeto urbanístico de regularização fundiária que as normas
jurídicas se farão mais presentes; sua importância, porém, tende a reduzir-se com o passar
do tempo, sendo retomada a regulação por meio de normas sociais comunitárias.
Este argumento será desenvolvido em três seções. Na seção 2, será exposta a
problemática que originou esta pesquisa, a partir de uma revisão da literatura na área dos
estudos urbanos sobre vilas e favelas no contexto da América Latina, com ênfase nas
pesquisas sociojurídicas, considerando quatro eixos temáticos: a) características da
irregularidade fundiária de baixa renda; b) modelos de programas de regularização
fundiária e seus impactos; e c) espaços de uso comunitário. Na seção 3, será exposto o
desenho teórico-metodológico desta investigação, apresentando-se as categorias teóricas
da geografia jurídica empregadas na análise, os métodos utilizados para a coleta dos dados
empíricos e a caracterização das duas vilas onde foram feitos os estudos de caso. Na seção
4, são analisadas narrativas sobre as normas que regulam os espaços de uso comunitário
nas vilas União e Esperança, de modo a responder à pergunta de pesquisa.

15
2 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE VILAS E FAVELAS E A QUESTÃO
DOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO

Este capítulo tem o objetivo de, por meio de uma revisão de literatura,
compreender possíveis impactos dos processos de regularização fundiária na regulação
dos espaços de uso comunitário em vilas e favelas. Na subseção 2.1, são discutidos os
diferentes tipos de assentamentos irregulares de baixa renda surgidos na América Latina,
bem como as contribuições da literatura sociojurídica ao estudo das formas de regulação
normativa da vida comunitária. Na subseção 2.2, a regularização fundiária é apresentada
como resposta estatal à consolidação dos assentamentos irregulares, com impactos no
cotidiano de seus moradores. Na seção 2.3, são descritas as formas de produção e gestão
dos espaços de uso comunitário em vilas e favelas, estabelecendo um diálogo com a
literatura sociojurídica que discute a regulação dos espaços públicos urbanos.

2.1 A regulação da vida comunitária nos assentamentos irregulares de baixa renda


A cidade é, por definição, o local da diversidade, complexidade e, em grande
medida, desigualdade. O espaço urbano pode ser descrito como uma justaposição de usos
da terra por atividades humanas (residenciais, comerciais, de lazer, de serviços, de reserva
espacial para futuras expansões etc.) que se estrutura em fragmentos articulados entre si
com diferentes graus de intensidade (CORRÊA, 1989, p. 7). Cada “pedaço de cidade”
relaciona-se de algum modo com os demais, seja pelo fluxo intenso de habitantes,
serviços, produtos ou capital, ainda que, por outro lado, certos agentes e práticas sociais
restrinjam-se em fragmentos específicos. Isso, aliás, é uma tendência nas cidades
brasileiras: o velho modelo de segregação socioespacial urbana a partir da área central
dá, cada vez mais, lugar à fragmentação urbana, com o desenvolvimento de mecanismos
de segregação em diferentes áreas de uma mesma cidade (SPOSITO, 2013).
Esse processo é realçado no espaço urbano pelo persistente quadro de
desigualdade social nas cidades habitadas por grandes parcelas de população pobre, em
contraste com grupos de alta renda. Nesse sentido, os assentamentos irregulares de baixa
renda são poderosas ilustrações das disparidades sociais nas cidades de países em
desenvolvimento, 2 com especiais contornos na América Latina no geral e no Brasil em

2
Além de “irregularidade”, outros termos costumam ser utilizados para referir-se a esse tipo de ocupação
humana, como “ilegalidade”, “extra-oficialidade” ou “informalidade”, sendo todos os termos igualmente
associados ao afastamento de certas relações sociais dos padrões estabelecidos pelo sistema jurídico estatal

16
específico. Nesses espaços, a desigualdade de renda relaciona-se com outras formas de
desigualdade: de acesso à terra urbana, racial, educacional, de provimento de serviços
públicos, de condições de saúde. Em suma, esses assentamentos podem reproduzir todas
“as mazelas produzidas na construção da metrópole” (ROCHA, 2012, p. 35), recaindo
sobre eles, também, diferentes mecanismos de segregação socioespacial, como a
estigmatização de seus moradores, mal quistos e criminalizados na “cidade formal”3
(SOARES et al., 2019). A tendência é de que esses processos de produção segregadora
do espaço urbano se agravem na América Latina, provocando uma maior favelização
(MATTOS, 2004, p. 50-51; CORRÊA, 2011, p. 26).
Recorrentes na paisagem das cidades na América Latina, as vilas e favelas são
extremamente diversas quanto às suas origens, formas, perfis de ocupantes e relações com
a cidade como um todo, tendo como elemento essencial uma relação entre moradores e
terra urbana que foge às normas estatais que disciplinam relações de propriedade ou
parcelamento do solo (MARICATO, 2003). Assim, a irregularidade é sempre relativa,
pois um assentamento é irregular em relação aos ditames do Estado (ROY, 2015, p. 820).
Não é fácil oferecer um conceito fechado, pois um assentamento pode ser irregular quanto
à posse da terra e ao traçado urbanístico, mas regular quanto ao provimento de serviços
públicos, ou quaisquer outras possíveis combinações entre essas variáveis, sendo
limitante reduzir-se a uma dicotomia regular/irregular (SMOLKA; BIDERMAN, 2009,
p. 19). A irregularidade é antes uma questão de gradação: uma família que ocupou
ilegalmente um terreno está em um nível de regularidade diferente de uma que adquiriu
um lote irregular por compra mediante um contrato escrito, e esse contínuo segue até o
mais alto nível de regularidade, que corresponde às terras urbanas devidamente tituladas,
equipadas e em conformidade com as normas urbanísticas (VAN GELDER, 2010a).
A irregularidade pode ser originada por diferentes processos. As formas mais
comuns são assentamentos originados pela ocupação ilegal de terrenos, loteamentos
irregulares e loteamentos clandestinos (FERNANDES, 2011, p. 4). Ocupações podem ser

(como a ocupação do solo fora dos padrões formalmente estabelecidos) (CANESTRARO, 2013). Desse
modo, uma ocupação ilegal pode constituir assentamentos irregulares, cujos lotes são comercializados em
um mercado informal de terras urbanas (VIANA, 2007, p. 70). As diferentes interfaces entre informalidade,
ilegalidade e informalidade podem combinar-se, determinando as relações entre agentes e discursos estatais
e os sujeitos no espaço urbano (TELLES, 2010).
3
É importante salientar, contudo, que essa dicotomia “cidade formal/informal” – ou, em termos populares
“favela/asfalto” – pode provocar limitações analíticas, se esses espaços forem tratados como realidades
completamente distintas (GOMES, 2003). Essas noções, então, podem ser entendidas não como binárias,
estáticas e opostas, mas como dinâmicas e interativas (WIGLE, 2016, p. 147-148).

17
feitas gradualmente, com diversas famílias chegando aos poucos em um pedaço de terra
urbana desocupada, ou de maneira rápida, normalmente organizada por movimentos
sociais4, em que várias famílias unidas ocupam um terreno ao mesmo tempo
(CLICHEVSKY, 2006, p. 11).
Considerando apenas as ocupações irregulares de baixa renda,5 o fenômeno já é,
por si só, de uma grande diversidade. Isso se expressa, por exemplo, nos vários termos
utilizados para descrevê-lo em diversos países: campamentos, ciudades perdidas, villas
miserias, colonias proletarias, barriadas, slums, bidonvilles, entre tantos outros
(PAQUOT, 1996, p. 460-461). Mesmo no Brasil, esses termos também são diversos. As
nomenclaturas utilizadas em realidades regionais distintas do país – favelas,6 vilas,
invasões, assentamentos, palafitas etc. – levaram o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) (2010) a cunhar o termo guarda-chuva “aglomerados subnormais”
para coletar dados sobre esses espaços. Moradores desses espaços, para fugir a estigmas
pejorativos normalmente associados a palavras como “favela”, têm utilizado o termo
“comunidade” (GOMES, 2003, p. 171-172). Neste trabalho, para tratar desses espaços,
utiliza-se a expressão “vilas e favelas”.
Apesar da imensa diversidade de formas e características apresentadas por vilas e
favelas, algumas tendências podem ser observadas. Jérôme Monnet (1996, p. 292-293)
percebeu uma tendência nesses espaços de haver, ao menos a princípio, carência do
provimento regular de serviços públicos, como saneamento básico, energia elétrica, água
encanada e pavimentação de vias públicas, além de uma posição geográfica de acesso
precário à cidade como um todo7. A partir de dados do Censo Demográfico do IBGE de

4
O processo de articulação de famílias despossuídas de moradia formal por movimentos sociais é complexo
e não-uniforme, e pode envolver contradições entre as percepções sobre as dinâmicas envolvidas por parte
dos membros orgânicos do movimento e os sujeitos articulados (FALBO; MATHEUS, 2019).
5
É preciso ressaltar que a irregularidade não é exclusividade de áreas habitadas pela população de baixa
renda, sendo comuns assentamentos irregulares de média ou alta renda (CLICHEVSKY, 2006, p. 6).
Porém, os assentamentos irregulares de baixa renda, por sua relação com problemas sociais relativamente
de maior urgência e pela vulnerabilidade de seus habitantes, recebem maior atenção nos estudos urbanos.
6
É comum, possivelmente em decorrência de representações da mídia de massa, uma associação automática
da ideia de “favela” às grandes comunidades cariocas, estabelecidas em morros, com alta densidade e
verticalização. Em uma pesquisa com estudantes de Pelotas-RS (CEZAR, 2017, p. 78-79), quando foi
solicitado que ilustrassem esses espaços por meio de colagens, foram mais recorrentes as “favelas-morro”
do que a paisagem mais comum na cidade, as vilas planas e com pouca ou nenhuma verticalização.
7
Vale salientar que os moradores de espaços favelados não são completamente excluídos das dinâmicas da
cidade formal. Muitas vezes, as ocupações irregulares são feitas em locais com algum nível de acesso a
equipamentos urbanos e áreas do “asfalto” onde podem buscar empregos, sendo um mecanismo para que
esses sujeitos possam participar, ainda que precariamente, da vida urbana, contornando a inacessibilidade
financeira ao mercado formal de terras urbanas (CORRÊA, 1989, p. 30). Nesse sentido, a exclusão de
setores pobres da sociedade urbana dos círculos formais de emprego, consumo e outras relações sociais é
acompanhada por outras formas, ainda que precárias, de interação com eles (SANTOS, 2013). Assim, a

18
2010, Jan K. Brueckner, Lucas Mation e Vanessa G. Nadalin (2019) percebem, em vilas
e favelas de várias cidades brasileiras, uma tendência ao acesso precário a serviços
públicos, baixa renda, condições precárias de moradia e proximidade a áreas de risco
(margens de rios, encostas de morro ou linhas de trem), havendo mais precariedade
quanto maior for a distância entre um assentamento e a área urbana central. Esses espaços
costumam ser, portanto, de grande vulnerabilidade social, com atendimento deficitário
por serviços de saúde, educação e segurança, tornando seus moradores mais propensos
em envolver-se, inclusive como vítimas, em outras mazelas sociais, como a degradação
ambiental e a violência8 (ÁVILA, 2012, p. 71).
Vilas e favelas em seu início são, no geral, caracterizadas por construções
precárias, feitas com materiais frágeis, de baixo valor, facilmente transportáveis; aos
poucos, as casas vão sendo expandidas, e os materiais iniciais são substituídos por novos,
assim como novos cômodos ou andares são adicionados, no que Paola Berestein Jacques
(2003, p. 25-26) caracteriza como bricolagem, erguendo “casas mistas”, que mesclam
materiais e técnicas de edificação (MESQUITA; MOTA, 2017, p. 171). Isso dá a essas
construções, uma aparência de “inconclusão definitiva”, com novos detalhes sempre
sendo acrescentados à composição original (SARLO, 2014, p. 67-68). Mesmo aspectos
não-habitacionais desses assentamentos, como a rede elétrica ou equipamentos de uso
comunitário, podem ser aprimorados com o passar do tempo (BORSDORF, 2003, p. 46).
Esse modelo construtivo está, em grande medida, associado à identidade que os
moradores de vilas e favelas criam em relação a suas comunidades, o que pode ser
percebido na narrativa de Adair Rocha (2012, p. 39) sobre um evento ocorrido na favela
carioca de Santa Marta na década de 1980: a prefeitura ofereceu aos moradores moradia
em espigões a serem construídos no morro, de maneira a ocupar menos terra e garantir
moradias mais seguras estruturalmente; a oferta foi rejeitada pelos moradores, que
sentiram que não se adaptariam à vida em um condomínio vertical.
A origem das vilas e favelas está associada a uma série de processos históricos
pelos quais passaram as cidades brasileiras. Um deles é a falta de amparo dada aos ex-
escravizados no Brasil após a abolição da escravatura, que, sem nenhum acesso formal à
moradia, ocuparam irregularmente espaços vacantes (CEZAR, 2017, p. 68). Reformas

relação desses espaços com a cidade podem ser melhor entendidas a partir da ideia de “integração
subordinada” do que de uma imagem de completa exclusão (MAGALHÃES, 2009, p. 100).
8
A partir de dados coletados em diversos municípios do estado de São Paulo, Raquel Rolnik (1999)
percebeu que exclusão territorial e violência pública são índices correlatos.

19
urbanísticas voltadas para o embelezamento do espaço urbano postas em execução
especialmente na primeira metade do século XX, que produziam a exclusão da população
de baixa renda das áreas centrais, também provocaram o surgimento de vilas e favelas
(PORTELLA, 2017, p. 33). Nesse processo, foi comum a proibição de cortiços9, formas
irregulares de ocupação urbana de alta densidade, em que várias famílias coabitam um
mesmo imóvel, normalmente sob condições insalubres, que, contudo, eram uma
alternativa de acesso à moradia e à cidade para a população de baixa renda (ALFONSIN,
2001, p. 165-166; VAN GELDER; CRAVINO; OSTUNI, 2013, p. 124).
O inchaço urbano também é comumente associado ao surgimento de vilas e
favelas nas cidades latino-americanas. A região passou por uma rápida transição
demográfica passando de uma realidade predominantemente rural para uma
majoritariamente urbana em poucas décadas (BRAKARZ; GREENE; ROJAS, 2002, p.
3). Esse processo foi marcado pelo intenso êxodo de trabalhadores do campo rumo às
cidades, em busca de oportunidades de prosperidade econômica, normalmente frustradas,
conforme descrito por Henri Lefebvre (2008, p. 80-81): “Nos países ditos ‘em vias de
desenvolvimento’, a dissolução da estrutura agrária empurra para as cidades camponeses
sem posses, arruinados, ávidos de mudança; a favela os acolhe”. Esse processo é, também,
observado em cidades de porte médio (QUEIROZ, 2018). No geral, o surgimento de vilas
e favelas, até a atualidade, está associado à falta ou inadequação de planejamento pelas
instituições estatais, sobretudo considerando-se a expansão das camadas de baixa renda
(VAN HOREN, 2001, p. 212), bem como à inacessibilidade ao mercado formal de terras,
gerando conflitos pelo acesso à moradia e à terra urbana (NISIDA, 2017, p. 71), e à
escassa disponibilidade de moradias populares nas cidades latino-americanas10.
Outros elementos podem ser associados não apenas ao surgimento desses espaços,
mas também ao seu crescimento populacional, tornando-lhe cada vez mais expressivo no
panorama urbano latino-americano. A partir de dados do Censo Demográfico de 2010,
um estudo mostrou que um maior percentual municipal da população em vilas e favelas
está associado a maiores taxas de pobreza (FRANÇA, 2020). A partir de dados
longitudinais no Brasil, Ciro Biderman, Martim Smolka e Anna Sant’Anna (2008)
também observaram uma correlação entre legislações construtivas e urbanísticas e

9
Exemplo disso foi a destruição do cortiço Cabeça de Porco, localizado próximo ao Morro da Providência,
onde surgiu uma das favelas mais antigas da cidade do Rio de Janeiro (MAGALHÃES, 2010, p. 177-178).
10
Uma das mais antigas favelas cariocas, no Morro da Providência, surgiu em parte pela ocupação irregular
por soldados que retornaram da Guerra de Canudos, diante do descumprimento da promessa que lhes foi
feita pelo governo de que receberiam moradia própria (PORTELLA, 2017, p. 27-28).

20
irregularidade urbana: quanto mais rigorosas essas normas, maior a parcela populacional
em assentamentos irregulares, pois as propriedades no mercado formal de terras urbanas
tornam-se menos acessíveis financeiramente e as regulações menos compreensíveis para
as camadas sociais de menor poder aquisitivo. Resultados semelhantes foram obtidos por
Ayse Pamuk e David E. Dorwall (1998, p. 288-289) em Trinidad, observando que
legislações mais rígidas provocam um maior preço de terras urbanas, que se tornam
inacessíveis à população de baixa renda. Paradoxalmente, a legislação urbanística, sendo
de difícil cumprimento, provoca suas formas de violação mais evidentes (VAN GELDER,
2013, p. 495-496). Portanto, o crescimento de vilas e favelas é um fenômeno que envolve
múltiplas dimensões (jurídicas, sociais, econômicas, culturais etc.) relacionadas à
distância entre a produção formal da cidade e a capacidade da população pobre em
integrar-se nesse processo.
Desse modo, o surgimento e a expansão de vilas e favelas nas cidades latino-
americanas inserem-se em um contexto mais amplo de má-administração e planejamento
do inchaço do espaço urbano como um todo. Isso é o que Erminia Maricato (2015) chama
de “crise urbana”: o crescimento desenfreado das cidades, sem que medidas adequadas
fossem tomadas para amenizar as consequências desse processo para camadas
populacionais de maior vulnerabilidade social, sendo adotados modos de gestão mais
preocupados em favorecer os grupos de maior poder político e aquisitivo. Em especial, a
“cidade ilegal” é “um lugar fora das ideias” que orientam o planejamento urbano
brasileiro (MARICATO, 2000, p. 122). Essas lógicas retroalimentam-se na produção da
“cidade caótica”, na qual, priorizados os “investimentos econômicos” sobre os
“investimentos sociais”, estrutura-se um modelo de espaço urbano que cria espaços mal
equipados e de baixo valor, para que outros sejam valorizados, conforme as dinâmicas do
mercado (SANTOS, 2018, p. 105-107).
Nesse contexto, desenvolve-se, nas cidades latino-americanas, um mercado
informal de terras urbanas, que coexiste com seu equivalente no contexto da economia
formal. Observando a realidade brasileira, Pedro Abramo (2007) percebe que esses dois
mercados têm dinâmicas inter-relacionadas: o mercado formal (que pode produzir
espaços residenciais de alto, médio e, com menor frequência, baixo status) opera pela
densificação (expressa na verticalização) de áreas centrais e o surgimento de
empreendimentos imobiliários horizontais nas franjas urbanas (aliados à promessa de
tranquilidade); em contrapartida, o mercado informal de terras urbanas oferece sobretudo

21
aluguéis a um custo relativamente alto em assentamentos consolidados de alta densidade
próximos às áreas centrais (e suas facilidades) e vendas de imóveis em assentamentos
irregulares horizontais nas áreas indesejadas pelo mercado formal.
Conforme já exposto, vilas e favelas representam realidades tão diversas que é
limitante pensá-las a partir de um contraste rígido com a “cidade formal”, sendo
inapropriado afirmar que há processos de produção interna do espaço exclusivos de uma
ou outra forma de ocupação das terras urbanas. Mesmo assim, Paulo Cesar da Costa
Gomes (2003, p. 173-174) distingue algumas formas de apropriação do espaço que,
embora não endêmicas em vilas e favelas, ajudam a explicar, de um modo geral, a
configuração de suas paisagens: a) a terra é densamente ocupada, sendo quase todos os
espaços “livres” passíveis de apropriação por espaços construídos; b) o espaço é dividido
organicamente por compartimentos bem demarcados e com funções bem definidas, o que
varia conforme seu momento de ocupação, gerando dentro de uma mesma vila ou favela
um parcelamento assimétrico do solo; c) espaços frequentados por subgrupos específicos
da comunidade têm seu acesso muitas vezes restrito apenas a eles, a exemplo de becos ou
travessas que são fechados por portões, a cujas chaves são detidas apenas pelos moradores
daquele logradouro; d) os ambientes internos dos imóveis construídos recebem, no geral,
um zelo muito maior em sua construção e manutenção do que as fachadas.
Além disso, um aspecto problemático da produção do espaço de vilas e favelas
são as suas interações com o Estado. É necessário reconhecer que “o Estado” é um
conjunto complexo de instituições e agentes, que podem agir de maneira contraditória e
contingente, conforme seus interesses, vontades, formas de pensar e contextos de
inserção. Por isso, os moradores de assentamentos irregulares urbanos podem estabelecer
relações específicas com diferentes camadas da regulação estatal (ROLNIK, 2019, p.
177). Em pesquisa feita por Antonio Azuela e Rodrigo Meneses-Reyes (2015) na Cidade
do México, observou-se que o poder executivo municipal tentava conciliar os conflitos
urbanos por terras reconhecendo as colonias proletarias como ocupações legítimas,
enquanto o poder judiciário por vezes opunha-se a essa abordagem, proibindo esses
espaços nas proximidades das áreas centrais da capital mexicana.
Mesmo assim, algumas tendências podem ser pontuadas no que diz respeito às
interações entre os moradores de assentamentos irregulares e as instituições públicas. A
partir de um levantamento histórico da legislação municipal de Porto Alegre, Betânia de
Moraes Alfonsin (2001) identifica seis ciclos que definiram a política habitacional

22
municipal: a) o da invisibilidade (1892-1914), em que as moradias de baixa renda eram
despercebidas pelo poder público; b) o da expulsão (1915-1929), com a demolição de
cortiços das áreas centrais; c) o da provisão privada (1930-1939), com a atribuição da
responsabilidade de construir habitações de baixa renda transferida a agentes particulares;
d) o de transição (1940-1949), em que o poder público começa a promover incentivos
para a construção de moradia popular; e) o da provisão pública (1950-1988), em que o
governo municipal assumiu, sem resultados eficazes, a responsabilidade de construir
habitação para a população de baixa renda; f) o da regularização fundiária (1988-2000),
marcado por políticas inovadoras concentradas em garantir a função social da propriedade
e da cidade. Embora partam da realidade porto-alegrense, esses resultados, em
considerável medida, pode ser estendidos a outras cidades latino-americanas, como Rio
de Janeiro (GONÇALVES, 2006) e Buenos Aires (VAN GELDER; OSTUNI;
ENDRESS, 2005, p. 179). Rafael Soares Gonçalves (2008, p. 147) identifica, ainda, a
partir da realidade carioca, uma nova fase desenvolvida no início do século XXI: a
“desfavelização”, com o retorno de um discurso de exclusão dos moradores desses
espaços, amparado pelos debates sobre o crescimento de facções narcotraficantes e a
higienização urbana proposta para a realização de megaeventos.
É importante pontuar que esses diferentes momentos nas relações entre o poder
público e os assentamentos irregulares não são finitos em seus períodos cronológicos. Ao
contrário, diferentes enfoques perduram, coexistindo com os demais, a exemplo de
políticas de remoção e reassentamento (EVERETT, 2007, p. 125) e práticas populistas
(SMOLKA, 2007, p. 76-77), estabelecendo o controle eleitoral de comunidades pelo
provimento de serviços pontuais de melhorias urbanísticas ou fundiárias (CASTELLS,
1983, p. 175), em uma lógica de doação e retribuição (ROLNIK, 2019, p. 183). Essas
dinâmicas costumam depender de uma postura específica do poder público: a de deixar
os assentamentos irregulares em uma situação de incerteza quanto ao seu destino, que
pode ser a permanência ou a remoção, como observado por Jill Wigle (2016) em uma
comunidade na periferia da Cidade do México.
As relações entre vilas e favelas e o poder público também podem ser entendidas
a partir das práticas sociais de seus moradores. Manuel Castells (1983), a partir de
pesquisas feitas no México, no Chile e no Peru, observou algumas tendências nessas
relações: a) moradores de vilas e favelas aproveitam para consolidar melhor os seus
assentamentos em períodos de maior tolerância (ou menor repressão às ocupações) por

23
parte do poder público; b) a relação estabelecida entre o Estado e moradores de
assentamentos irregulares não é necessariamente de repressão ou integração, envolvendo
uma série de contingências, nas quais os ocupantes aproveitam-se de contradições
internas da estrutura estatal para prolongarem a existência de suas vilas ou favelas; c) os
moradores podem criar redes de contato com movimentos sociais urbanos, tornando-se
agentes de mudança para fora de seus espaços, mas isso também implica lidar com
contradições internas dessas organizações, ou de suas relações com outras. A partir da
consolidação estrutural de vilas e favelas e de sua organização interna, seus moradores
passam a demandar das autoridades públicas melhores condições de acesso à cidade
(LIMA, 2016), podendo recorrer a instâncias municipais11, estaduais, nacionais,
transnacionais e internacionais (LIMA; OLIVEIRA; SOUZA, 2019), mesclando um
discurso de conteúdo ora político, ora jurídico, conforme for mais vantajoso (SANTOS,
1992). Para isso, apropriam-se do discurso jurídico-institucional estatal para exigir a
garantia de seus interesses (VAN GELDER, 2013, p. 512) ou negociar sua permanência
em seus locais de moradia (PEREIRA S, 2007, p. 94).
Contudo, a realidade do dia a dia de vilas e favelas é marcada pela relativa
ausência de relações com instituições e agentes estatais nos espaços comunitários. Santos
(1980, p. 5-8), por exemplo, observou, na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, à qual
ele deu a alcunha de “Pasárgada”: a) baixa presença de policiais no assentamento; b)
quando presente, a polícia cumpria um papel repressivo sobre os moradores, assumindo-
os como suspeitos; c) falta de acesso dos moradores a profissionais de carreiras jurídicas,
como advogados e juízes. Em pesquisa feita na favela da Rocinha, Rodolfo Noronha
(2012, p. 293) identificou, no discurso dos moradores, essas posições de distância:
advogados eram vistos com suspeição, juízes eram vistos com medo.
Esse cenário ajuda a consolidar e fortalecer, em vilas e favelas, situações de
pluralismo jurídico:
Existe uma situação de pluralismo jurídico sempre que no mesmo espaço
geopolítico vigoram (oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica. Esta
pluralidade normativa pode ter uma fundamentação econômica, rácica,
profissional ou outra; pode corresponder a um período de ruptura social como,
por exemplo, um período de transformação revolucionária; ou pode ainda
resultar, como no caso de Pasárgada, da conformação específica do conflito de
classes numa área determinada da reprodução social - neste caso, a habitação
(SANTOS, 1980, p. 1).

11
Segundo observações de Wigle (2016, p. 162-163) em um assentamento irregular na Cidade do México,
a esfera municipal é estratégica para esses movimentos, por sua proximidade física e pela maior facilidade
de mobilizações populares provocarem alguma influência política frutífera na postura do poder público.

24
Em outras palavras, trata-se da “possibilidade de que vários tipos de direito, com
diferentes fundamentos de legitimidade, validade, poder e autoridade, e com diferentes
graus de institucionalização e formalização, possam coexistir no mesmo espaço social,
comumente em diferentes escalas” (BENDA-BECKMANN; BENDA-BECKMANN,
2015, p. 34, tradução do autor). Assim, o pluralismo jurídico deve ser compreendido não
como abstração teórica, mas como fato empiricamente observável (OVENHAUSEN;
WOLKMER, 2013, p. 195). Reconhece-se que “o Estado contemporâneo não tem o
monopólio da produção e distribuição do direito. Sendo embora o direito estatal o modo
de juridicidade dominante, ele coexiste na sociedade com outros modos de juridicidade”
(SANTOS, 1996, p. 175-176).
Diferentes ordens jurídicas podem estabelecer-se em diferentes escalas, desde
escalas muito grandes, como um lar familiar (uma forma de “direito local”), passando por
escalas intermediárias, como o Estado nacional, até escalas muito pequenas, como o
sistema mundial (SANTOS, 1988a, p. 149-150). O direito comunitário de vilas e favelas,
assim, é de grande escala. Isso não significa, contudo, que essas juridicidades sejam
isoladas da atividade (inclusive regulatória) estatal, como se caracterizassem o direito de
um “Estado paralelo”12: ao contrário, elas relacionam-se, seja tratando de diferentes
comportamentos em um mesmo espaço ou mesmo apropriando-se de normas e
características umas das outras, em um processo de “interlegalidade” (MAGALHÃES
AF, 2013, p. 90-91) ou “juridificação híbrida” (MAGALHÃES, 2009, p. 99-100).
Diferentes tipos de normas podem ser observadas a partir disso, como na tipologia
utilizada por Konzen (2013, p. 80-82): a) normas jurídicas – reproduzidas no sistema de
justiça, complexas, oriundas de agências e instituições estatais, normalmente bem
registradas e escritas, com processos de elaboração e execução bem definidos e sanções
exercidas pelo papel coercitivo do Estado em caso de descumprimento; b) normas
ideológicas – menos elaboradas, relativamente invisíveis, não-escritas, mas articuláveis
em termos explícitos, costumam representar o interesse de alguns grupos, mas projetam-
se para a sociedade como um todo, assim como seu descumprimento, e seu
descumprimento relaciona-se a mecanismos indireto de sanção; c) normas sociais –

12
O discurso do “Estado paralelo”, amplamente difundido por veículos midiáticos, sobretudo ao se referir
à territorialização do tráfico de drogas em vilas e favelas, assume que a presença de outras fontes de
regulação normativa implica na eliminação das demais (como o Estado), ignorando as relações que são
travadas entre as diferentes juridicidades, o que é amplamente apontado na literatura sobre o tema (cf.
TELLES, 2010, p. 250, PEREIRA H, 2007, p. 46, NORONHA, 2012, p. 291, LESSING, 2008, p. 54,
DOWDNEY, 2002, p. 56, BRUM, 2004, p. 9, MORAIS, 2006, p. 130, ALVES, 2002, p. 66).

25
informais, não-institucionalizadas, reproduzidas em relações do dia-a-dia, construídas nas
relações cotidianas de comunidades determinadas (como família, ambiente de trabalho,
vizinhança etc.) e seu descumprimento envolve sanções direcionadas a afastar indivíduos
específicos de alguns benefícios de pertencer àquele círculo social.
Assim, vilas e favelas podem ser percebidas como espaços de um direito
comunitário desde o seu nascedouro: a ocupação de terras por famílias despossuídas pode
ser entendida como “práticas jurídicas paralelas e alternativas” para a implementação da
necessidade fundamental por moradia (WOLKMER, 2001, p. 107). No próprio processo
de ocupação da terra, divisão dos lotes e construção das moradias, acordos entre os
ocupantes são necessários para organizar pacificamente o assentamento (VAN GELDER,
2007, p. 223, KRUECKEBERG; PAULSEN, 2002, p. 235), o que também está no
nascedouro do direito comunitário. Esse “direito autoconstruído” é moldado por normas
sociais oriundas das relações cotidianas dos moradores de vilas e favelas, definindo
relações de posse e propriedade da terra, normas construtivas, delimitação de vias
públicas e resolução de conflitos entre vizinhos (LIMA, 2016). Nesse sentido, há um
amplo espaço para a retórica e a argumentação na resolução de conflitos, visto o baixo
grau de institucionalização desse tipo de juridicidade (SANTOS, 1988b). Assim, essas
formas de regulação assentam-se em costumes locais (DEININGER; FELDER, 2009, p.
240), sendo construídas em relações cotidianas (NISIDA, 2017, p. 68). Essa juridicidade,
naturalmente, não é estática, e pode acompanhar o nível de irregularidade do
assentamento e as variações na presença de instituições regulatórias do poder público,
comportando-se, também, como um contínuo, com diferentes níveis de incidência de
normas sociais e jurídicas (VAN GELDER, 2010a).
Tal como em outros ordenamentos jurídicos, essas normas podem ser guiadas por
princípios, como os princípios da necessidade (priorizando a satisfação de necessidades
básicas dos moradores), do tempo (favorecendo práticas já assentadas) e trabalho
(valorizando espaços autoconstruídos) (PORRAS, 2019). Vitor Coelho Nisida (2017)
percebeu, em favelas na Região Metropolitana de São Paulo, seis desses princípios: a)
prioridade do uso da terra para fins de moradia; b) definição do lote a partir da área
edificada; c) direito de construir dependendo de juízos de conveniência do dono da
edificação; d) reserva de espaço mínimo para a passagem e acesso às casas; e)
irreversibilidade do espaço construído, no sentido de fato consumado; f) adaptação e
adequação do direito estatal ao local.

26
Essas formas de juridicidade podem ser expressas na atividade regulatória de
instituições comunitárias. Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos (1977) observou,
na favela do Jacarezinho, a centralidade da associação de moradores para regular
processos como o registro, compra e venda informal de imóveis e mediação de conflitos
de posse ou propriedade entre vizinhos, emulando, em grande medida, mecanismos
registrais e de documentação implementados por instituições estatais como os cartórios.
Esses resultados permitiram perceber “as possibilidades e os limites do próprio direito
oficial” (KONZEN, 2006, p. 181). Décadas depois, Alex Ferreira Magalhães (2010)
também destacou a importância da associação de moradores na regulação dessas funções
na favela do Parque Royal, no Rio de Janeiro. Algumas funções eram delegadas à
associação de moradores pelo próprio poder público (MAGALHÃES, 2009, p. 93).
Marcos Alvito (2001, p. 121-122) identifica, em etnografia feita na favela carioca de
Acari, outras lideranças de instituições locais que podem exercer um papel de regulação
da vida comunitária em vilas e favelas além daquelas vinculadas às associações de
moradores, como comerciantes de grande projeção local, sujeitos de alta posição no
narcotráfico (em caso de comunidades em que esta atividade está territorializada13) e
representantes religiosos. Uma literatura crescente também mostra formas de regulação
de vilas e favelas exercidas por milícias, especialmente no Rio de Janeiro (cf.
GONÇALVES; SANTOS, 2016, ALVES, 2002, CANO; DUARTE, 2012, ZALUAR;
CONCEIÇÃO, 2007, HEILBORN; FAYA; SOUZA, 2014).
Por vezes, indivíduos, de maneira desvinculada ou não de instituições locais,
podem desempenhar esse papel de produzir formas de regulação social, ou de algum
modo auxiliar na construção desses arranjos. No geral, isso requer um certo status na
comunidade ou vizinhança (PORRAS, 2019). Isso pode acontecer com indivíduos que,
por demonstrar valores e padrões de comportamento respeitados pela comunidade,
tornam-se referência, como é o caso de Manoel Galinha na favela Cidade de Deus,
documentado por Alba Zaluar (1994, p. 135-137). Moradores antigos também podem
adquirir esse status, devido ao respeito que ganham na comunidade, servindo muitas

13
A partir de observações no Rio de Janeiro e em São Paulo, Benjamin Lessing (2008, p. 46) percebe um
espectro de territorialização pelo comércio de entorpecentes, que varia desde as cracolândias paulistanas,
com um grau mínimo de presença regulatória das lideranças do tráfico, passando por uma série de
possibilidades intermediárias, até a completa territorialização de favelas, como documentado na experiência
carioca. Algumas facções conquistaram um nível de poder que permite um controle normativo sofisticado
de uma série de vilas e favelas, além de outros espaços, como presídios, a exemplo do Primeiro Comando
da Capital (PCC) (MANSO; DIAS, 2018). Em alguns casos, essas organizações podem instituir tribunais,
com competências e ritos processuais bem definidos (BARBATO JUNIOR, 2013, p. 234).

27
vezes como mediadores de conflitos, mas sobretudo com seus vizinhos próximos, isto é,
em uma vizinhança da comunidade, e não em seu espaço como um todo (OLIVEIRA,
2011 p. 160-161). Moradores com um certo nível de proximidade também podem
estabelecer “arranjos institucionais informais” entre si, com microssistemas de relações
sociais com algum nível de regulação, como os sou-sou, sistemas de poupança e crédito
informal frequentes em assentamentos irregulares em Trinidad (PAMUK, 2000). Até
mesmo práticas de vizinhança como fofocas e rumores podem estabelecer formas de
controle de comportamentos (KOURY; BARBOSA, 2020). Em todos esses casos, a
confiança mostra-se um componente essencial. Nesse sentido, Nisida (2017) identifica,
como atores que desenvolvem e implementam normas no cotidiano das favelas, os
vizinhos, indivíduos com saber técnico, lideranças comunitárias, a associação e
moradores, o tráfico e o poder público.
A existência dessas ordens jurídicas comunitárias nas vilas e favelas não implica,
entretanto, que sejam completamente obedecidas pelos sujeitos que disciplinam. Em
pesquisa realizada em uma favela do Rio de Janeiro, Magalhães (2009, p. 96-97), por
exemplo, observou que alguns moradores descumpriam a norma social conforme a qual
as transferências de imóveis deveriam ser autenticadas na associação de moradores, como
estratégia para evitar as taxas cobradas pela instituição para o procedimento, gerando
“informalidades dentro da informalidade”. Além disso, a existência dessas juridicidades
não impossibilita a proteção dos moradores por normas provenientes de outras fontes,
como o próprio direito estatal (MAGALHÃES, 2009, p. 101-102).
De todo modo, essas formas de regulação comunitária de relações sociais, pela
disciplina das relações de posse e propriedade da terra, acabam garantindo aos moradores
uma certa proteção de suas moradias, sobretudo no que diz respeito às relações com seus
vizinhos (KRUECKEBERG; PAULSEN, 2002, p. 235; MAGALHÃES, 2009, p. 92).
Isso não impede, entretanto, riscos à permanência desses assentamentos no que concerne
a conflitos com agentes externos (como o proprietário formal da gleba ou incorporadores
por ela interessados) ou com instituições do poder público. Por isso, é possível que os
moradores se sintam invisíveis, excluídos, desprotegidos pelo Estado e incertos quanto
ao seu futuro (VAN GELDER; OSTUNI; ENDRESS, 2005, p. 184). Isso torna desejável,
tanto aos habitantes de vilas e favelas, quanto aos órgãos estatais, encontrar respostas
efetivas ao fenômeno da irregularidade fundiária urbana em sua complexidade.

28
2.2 Regularização fundiária: modelos e impactos
Como consequência da presença crescente de assentamentos irregulares nas
cidades latino-americanas e do fracasso de muitas tentativas de eliminá-los por despejos
em massa, os governos de diferentes níveis da região passaram a adotar instrumentos de
regularização fundiária como resposta jurídica ao problema,14 buscando aproximar as
vilas e favelas da “cidade formal” em várias dimensões, como segurança da posse e
qualidade de vida.
A garantia à segurança da posse pode ser entendida como a segurança contra
despejos forçados, seja por parte de autoridades governamentais ou por conflitos com
outros agentes externos15 (VARLEY, 2002, 458-459). A segurança da posse ganhou
status de dimensão do direito humano à moradia adequada, sendo defendida pela
Organização das Nações Unidas (ONU) como essencial para o combate à pobreza (cf.
UN-HABITAT, 2018), sendo o direito urbanístico reconhecido como central para isso
(FERNANDES, 2007a, p. 86). Mesmo assim, trata-se de um conceito complexo, que
pode estar relacionado a diferentes aspectos da vida em assentamentos urbanos, podendo
ser entendida pelo modelo tripartido proposto por Jean-Louis van Gelder (2010b), tendo
como dimensões: a) segurança jurídica (situação de regularidade da relação com a terra);
b) segurança de fato (relativa à possibilidade concreta de despejo, envolvendo o nível de
organização da comunidade, o interesse de autoridades públicas em removê-la, alianças
com movimentos sociais ou agentes com algum nível de influência, investimentos feitos
no assentamento, nível de consolidação das casas etc.); c) segurança percebida (elemento
psicológico, isto é, a percepção dos moradores do risco de desalojamento).
Outra preocupação é a de garantir maior qualidade de vida aos habitantes de
assentamentos irregulares, bem como sua integração ao espaço urbano como um todo
sem o observado estado de precariedade (GONÇALVES, 2009, p. 245). Nesse sentido, a
regularização fundiária alteraria o status de vilas e favelas de “zonas cinzentas” (marcadas

14
Isso envolve uma dura resistência política e econômica, sobretudo por parte de proprietários de terras e
incorporadores imobiliários, como identifica Teolinda Bolívar Barreto (2007) na experiência venezuelana.
15
Fernando Ostuni e Jean-Louis van Gelder (2008, p. 208), por exemplo, perceberam que, em uma villa na
Grande Buenos Aires, a insegurança de posse de seus moradores não era relativa à atuação de agências
estatais, mas de incorporadores imobiliários que cobiçavam aquelas terras para a construção de
condomínios horizontais fechados de alto status. Isso foi apontado por David Harvey (2012, p. 85) como
uma tendência em países em desenvolvimento, com a crescente lógica de reprodução mercantilizada das
cidades. Esses interesses também podem influenciar a ação estatal, levando à remoção de vilas e favelas
como forma de atender às demandas de grupos de grande poder econômico, a exemplo dos reassentamentos
em decorrência de megaeventos esportivos, com indenizações insatisfatórias e em áreas com pouco acesso
a emprego e serviços (SILVA, 2017; cf. MAGALHÃES A, 2013; BELLO; QUEIROZ, 2020).

29
pela incerteza e relativa exclusão) para “zonas brancas” (protegidas e incorporadas ao
tecido urbano) (YIFTACHEL, 2009), tornando “lícita, isto é, amparada pelo Direito, a
ocupação de terra nos casos em que o acesso àquele bem tenha ocorrido de modo
irregular” (OLIVEIRA, 2001, p. 41). A implementação do direito fundamental à moradia
adequada, cuja concretização deficitária está nas origens da irregularidade urbana, chama
a atenção para respostas jurídicas ao fenômeno (VAZ, 2019, p. 76-77). Enfim, se a
crescente produção de assentamentos irregulares urbanos é um problema para o poder
público – especialmente o municipal –, a resposta está em fazer com que superem o status
de irregularidade, por meio da regularização fundiária.
Nesse sentido, a regularização fundiária pode ser definida como
o processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídico, físico e social, que
objetiva legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas
ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando
acessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da
cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária (ALFONSIN,
1997, p. 24).

Percebe-se, nesse conceito complexo, uma diversidade de dimensões, visando a


integração de assentamentos irregulares ao restante da cidade. Esse processo de inclusão
envolve um conjunto de direitos e deveres:
Integrar significa um melhor atendimento das necessidades estruturais, uma
melhor oferta de serviços públicos e mesmo a tentativa de diluição do estigma
informal, mas, significa também trazer para a esfera controlada, para dentro do
universo administrado pelas instituições e regras urbanísticas e jurídicas
estabelecidas pelo aparato oficial. Significa a sujeição às determinações
urbanísticas, econômicas e jurídicas, o pagamento de taxas e impostos, além
de um maior controle sobre as ações desenvolvidas nestes espaços
(OLIVEIRA, 2011, p. 327).

As peculiaridades de cada caso de assentamento podem ensejar um conjunto


específico de ações por parte do poder público, conforme as necessidades e a realidade
concretas da comunidade em questão. Além disso, no debate sobre as políticas públicas
de regularização fundiária, há distintas abordagens e perspectivas ideológicas sobre qual
o melhor caminho para promover a integração de assentamentos irregulares à “cidade
formal”. Na América Latina, destacam-se dois grandes modelos, o da titulação da
propriedade e o da regularização fundiária plena, que influenciaram as políticas urbanas
em diversos países da região (FERNANDES, 2011, p. 3; WARD, 2007).
O economista peruano Hernando de Soto é frequentemente apontado como o
maior expoente do modelo da titulação na região. Suas propostas de políticas públicas,
formuladas no âmbito do Instituto Libertad y Democracia (ILD), inserem-se fortemente

30
na perspectiva neoliberal adotada por vários governos latino-americanos na segunda
metade do século XX (COCKBURN, 2004a, p. 2-3). Essas intervenções centravam-se
em uma noção individualista sobre o direito à propriedade (FERNANDES, 2007b, p. 82).
A partir de estudos feitos com base em dados do Peru, Soto (1989) percebe uma
predominância de relações econômicas informais em uma série de aspectos da vida da
população (como trabalho, comércio, serviços e habitação), sendo uma causa central a
falta de acesso dos pobres à propriedade privada, dificultada pela burocracia estatal.
Posteriormente, Soto (2000) avança em seu argumento, apontando que terras possuídas
irregularmente constituem um “capital morto” que impede o desenvolvimento de países
do Sul global; assim, a simples titulação dessas propriedades incentivaria que os próprios
moradores tivessem acesso a créditos bancários e investissem nelas, melhorando sua
qualidade de vida, conquistando o acesso a serviços públicos e à integração social. Na
visão de Soto, incentivar um “espírito empreendedor” era seguir a receita para o sucesso
de países capitalistas como os Estados Unidos (GILBERT, 2002, p. 2).
Essas ideias foram recebidas com entusiasmo por vários governos nacionais e
subnacionais, assim como por diferentes instituições internacionais de fomento, a
exemplo do Banco Mundial (BM) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
(SOUZA, 2017, p. 42-43; FERNANDES, 2007c). Assim, foram implementados
programas de titulação em massa na América Latina, concentrados unicamente na
dimensão jurídica da regularização fundiária, assumindo que isso, por si só,
desencadearia outros processos de integração social. No Peru, por exemplo, mais de 1,2
milhão de títulos de propriedade foram concedidos sob esse enfoque, entre 1996 e 2002,
sendo quase metade na Região Metropolitana de Lima (COCKBURN, 2004b, p. 297).
Cerca de 80% dos domicílios aptos foram regularizados, sendo o único critério de aptidão
mostrar que a ocupação era anterior a 1995, o que poderia ser comprovado por qualquer
documento informal – contratos de compra, correspondência postal, contas ou registros
em instituições locais (FIELD; TORERO, 2006, p. 5-6). No Chile, mais de 500 mil títulos
foram distribuídos entre 1979 e 1989, durante a ditadura militar, e outros 150 mil títulos
nos dois governos que sucederam a democratização (GILBERT, 2002, p. 3-4). No
México, há notícia de que mais de 2,5 milhões de títulos foram entregues pelo governo
entre 1974 e 2013 (VARLEY, 2016, p. 385-386)16.

16
Embora o Brasil não tenha sido um exemplo desse modelo, no século XXI desenvolveram-se, na
legislação urbanística nacional, instrumentos de regularização fundiária mais preocupados em agilizar o

31
Por outro lado, as premissas e conclusões de Soto foram contestadas por outros
cientistas sociais. Para Franz von Benda-Beckmann (2003), por exemplo, há ao menos
quatro pontos problemáticos no modelo da titulação: a) a pobreza é tratada como um todo
homogêneo, desconsiderando toda a sua imensa diversidade, como por exemplo grupos
que sequer têm acesso irregular à moradia ou aqueles que habitam residências em
condições tão precárias que seria impossível obter com elas qualquer valor significativo
de troca no mercado formal; b) a propriedade privada individual é o único possível arranjo
de propriedade considerado, esquecendo-se as múltiplas relações de propriedade
empiricamente identificáveis, sobretudo em países em desenvolvimento17; c) ignora-se o
grande volume de assentamentos irregulares localizados em terras públicas a princípio
inalienáveis, o que minaria a solução proposta; d) o acesso à propriedade privada
individual é visto como o único motivo pelo qual países são desenvolvidos, ocultando os
processos históricos pelos quais foram geradas riquezas a partir da exploração de
trabalhadores e processos de colonização. Outra crítica foi formulada por Peer Smets
(2003), para quem a titulação pode até facilitar a demanda por serviços públicos, mas
ignora a complexidade de questões próprias à realidade dos países em desenvolvimento,
como a corrupção de instituições e agentes públicos; a existência de transações informais
de terras urbanas mesmo em um contexto de regularidade; a baixa renda dos moradores
de vilas e favelas, que dificulta a concessão de empréstimos bancários mais do que a
ausência de um título formal de propriedade; e a possibilidade de a titulação sem nenhuma
outra forma de controle provocar o encarecimento do custo de vida local, expulsando os
moradores para novos espaços irregulares. Alan Gilbert (2002, p. 15), por sua vez,
questiona a falta ou insuficiência de evidências empíricas para o argumento do
economista. Em suma, essas críticas revelam que Soto encara a irregularidade fundiária
como um fenômeno sobretudo econômico, superável por medidas unicamente jurídicas,
deixando assim de captar toda a complexidade envolvida na questão.
Por sua vez, o modelo da regularização fundiária plena, conhecido ainda por
modelo integrado da regularização socioespacial, nega o pressuposto de que a titulação
dos lotes é a única intervenção que deve ser feita pelo poder público para inserir os

processo de titulação, resultando em alguns resultados rápidos a nível local, a exemplo da legitimação
fundiária (cf. QUEIROZ; LIMA; SOUSA JUNIOR, 2019).
17
Há uma ampla literatura que critica, sob diferentes perspectivas, a visão que reduz as relações de
propriedade à propriedade privada individual e como ela se estabeleceu como modelo dominante no mundo
ocidental, inclusive na América Latina (cf. BENDA-BECKMANN; BENDA-BECKMANN; WIBER,
2006; BLOMLEY, 2004; BRINGAS, 2008; RIBEIRO, 2020; FAJARDO, 2016).

32
assentamentos irregulares na cidade como um todo. Ao contrário, esse enfoque busca
garantir, além da formalização da posse ou da propriedade dos ocupantes, a adequação
urbanística do assentamento, a promoção de infraestrutura, o acesso à educação e a
geração de renda (FERNANDES, 2011, p. 33-34). Experiência exemplar, nesse sentido,
é a do programa Favela-Bairro, implementado no Rio de Janeiro, que tinha como
objetivos garantir à população das favelas contempladas serviços públicos, reformas do
traçado urbano para maior integração aos bairros vizinhos, acesso à educação e ao
trabalho, regularização da posse ou propriedade das residências e flexibilização da
legislação urbanística municipal a nível local (PAMUK; CAVALLIERI, 1998). O
modelo da regularização fundiária plena foi institucionalizado em nível nacional no
Brasil, com a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei no 10.257/2001)18 (ALFONSIN et
al., 2002), sendo seguido por outros países, como a Colômbia (BARROSO;
HERNÁNDEZ, 2010, p. 124).
Apesar da abordagem integral, os programas implementados sob esse enfoque
demandam investimentos muito superiores e, mesmo que os benefícios trazidos
compensem os custos, esses altos valores tornam esses projetos pouco atrativos para
muitas gestões municipais. O Favela-Bairro, por exemplo, não logrou ser implementado
em todas as favelas cariocas – atingindo pouco menos de 100, em um universo de cerca
de 1,2 mil (FERNANDES, 2011, p. 35). Em várias comunidades, algumas etapas não
foram concluídas, a exemplo do que ocorreu na favela do Parque Royal, onde poucas
residências foram tituladas e alguns logradouros acabaram não contemplados pela
regularização urbanística (MAGALHÃES, 2010, p. 217-218). Mesmo intervenções
emblemáticas tiveram impactos muito pontuais, a exemplo da urbanização da Rua 4 na
favela da Rocinha, cujos arredores permaneceram em condições precárias (MARTINS;
FARIAS, 2019, p. 212). Portanto, um processo de regularização fundiária plena demanda
tempo extenso e preparo financeiro por parte do poder público.
Grande parte da literatura empírica sobre os impactos de processos de
regularização fundiária na América Latina insere-se no contexto desse debate político-
ideológico entre o modelo da titulação e o modelo de regularização plena. Quanto ao
modelo defendido por Soto, descobriu-se que, na realidade, aspectos como o gasto
particular em proteção da propriedade, o investimento em melhorias e o acesso ao crédito

18
Regulamenta o capítulo da política urbana da Constituição Federal de 1988 (art. 182 e 183), consistindo
em marco do que Edésio Fernandes (2006) denominou de “nova ordem jurídico-urbanística brasileira”.

33
variavam consideravelmente, a depender da capacidade de governança do poder público
local (DEININGER; FELDER, 2009). Outros estudos que avaliaram empiricamente a
tese de que a titulação faria com que os moradores perdessem o medo de despejo e
investissem em melhorias em suas casas mostraram que a realidade era mais complexa.
A partir de dados coletados após a regularização de ejidos (assentamentos de reforma
agrária, com lotes inalienáveis) irregularmente urbanizados na Cidade do México, Varley
(1987) não detectou nenhuma relação significativa entre titulação dos lotes e melhorias
nas residências dos moradores, observando, contudo, que esses investimentos familiares
estavam associados à consolidação do assentamento, com a instalação de serviços
públicos pelo poder público local. Em pesquisa qualitativa na Região Metropolitana de
São Paulo, Nisida (2017, p. 118) também observou que é a percepção de segurança de
posse que determinou melhorias nas residências. Investigando essa relação em quatro
tugurios em Bogotá regularizados sob o modelo da titulação, Gilbert (2002), encontrou
evidências de uma relação inversa: os moradores investiam em melhorias em seus
imóveis como estratégia para pleitear sua regularização. Em pesquisa empírica em
Buenos Aires, Jean-Louis van Gelder, Fernando Ostuni e Tashy Endress (2005) também
observaram essa relação inversa de causa e consequência, inexistindo no discurso dos
moradores maior interesse em investir em suas casas após a regularização. O mesmo foi
constatado por Pedro Abramo (2003, p. 200) na realidade brasileira.
Em contrapartida, outro estudo empírico em um loteo irregular em Buenos Aires
detectou uma relação significativa entre segurança de posse jurídica e investimentos
familiares em melhorias nas residências (VAN GELDER, 2009). A partir de dados
quantitativos coletados no Peru, o estudo de Erica Field e Maximo Torero (2006, p. 6-8)
indicou que há um aumento em 10% na probabilidade de uma família investir em sua
casa após a titulação, mas há que se lembrar que, na experiência deste país, a titulação em
massa foi seguida da concessão de empréstimos por parte de um banco estatal,
direcionados à compra de materiais de construção para melhorias nas residências recém-
regularizadas (FIELD; TORERO, 2006, p. 24). Assim, sabe-se que a titulação pode, de
fato, ter impactos positivos em estimular que moradores de vilas e favelas invistam em
reformar suas casas, mas não é um fator determinante para que isso ocorra. Em todo caso,
há poucas evidências de que a titulação em massa implique melhorias nos espaços de uso
comunitário: avaliando um programa de titulações implementado em Osasco-SP, Patrícia
Cesário Silva Spinazzola (2008) observou que houve poucos impactos no tecido urbano.

34
Parte da literatura dedicou-se, também, a compreender os impactos do modelo da
titulação no acesso a empréstimos financeiros formais, a fim de testar a tese segundo a
qual os imóveis, agora regulares, poderiam ser usados como garantias na concessão de
crédito. Em Bogotá, Gilbert (2002) não encontrou impactos no acesso a créditos
bancários: por um lado, os bancos formais temiam emprestar aos pobres, não pela
situação de regularidade de seus imóveis, mas por sua baixa renda; por outro, os
moradores de tugurios temiam usar seus novos títulos como garantia e, assim, vir a perder
suas casas recém-regularizadas, percebendo as instituições bancárias como uma ameaça.
A partir de dados coletados no México, Varley (2002) obteve conclusões semelhantes,
observando que, mesmo após a regularização, os moradores de assentamentos irregulares
preferiam confiar em instituições informais de crédito, como redes de amigos, vizinhos e
familiares. Analisando dados coletados em Lima, Julio Calderón Cockburn (2004a;
2004b; 2007a; 2007b) também percebeu uma baixa concessão de créditos bancários a
moradores de barriadas contempladas pelos programas de titulação, à exceção de alguns
comerciantes (que tiveram certo acesso a hipotecas) e de empréstimos feitos em um banco
estatal que financiava a compra de materiais de construção – ou seja, ao contrário do
esperado, essa iniciativa do poder público foi necessária para garantir algum acesso a
crédito, não bastando a simples inserção do “capital morto” dos títulos de propriedade no
mercado formal. Field e Torero (2006) também fizeram observações semelhantes no
Peru: os programas de titulação não tiveram impacto observado no acesso a créditos para
abrir novos negócios ou aumentar o consumo de bens duráveis, sendo observado um
impacto positivo apenas no Banco de Materiales, instituição pública, cujos créditos
destinam-se unicamente à compra de materiais de construção para melhorias estruturais
nas casas. Portanto, é possível afirmar que a titulação de lotes urbanos irregulares não
basta para promover o acesso da população de vilas e favelas a créditos bancários formais.
Desse modo, ao contrário das teses defendidas pelos proponentes do modelo da
titulação, são limitados os impactos de programas de regularização fundiária assentados
unicamente na concessão de títulos de propriedade na vida de moradores de vilas e
favelas19. Intervenções do poder público de outra ordem mostram-se necessárias para

19
Por outro lado, evidências empíricas também apontaram equívocos em argumentos contrários a essa tese.
Varley (2016), a partir de dados coletados em ejidos urbanizados, antes e após a sua regularização, não
encontrou evidências de gentrificação, sugerindo também que uma cultura individualista de busca pela
titulação dos lotes já estava presente antes da regularização, impulsionando-a.

35
atingir o propósito de promover a integração de habitantes de assentamentos irregulares
urbanos de baixa renda ao restante da cidade.
A literatura empírica sobre regularização fundiária plena sugere que programas
desenvolvidos sob esse modelo tiveram importantes impactos na estrutura física de vilas
e favelas na América Latina. José Brakarz, Margarita Greene e Eduardo Rojas (2002),
analisando processos de regularização fundiária plena implementados ao longo da década
de 1990 no Chile, Colômbia, Brasil, Argentina e Bolívia, perceberam uma série de
impactos imediatos nas comunidades beneficiadas: redução da pobreza, melhorias em
saúde e segurança, maior integração urbana, valorização dos imóveis e desenvolvimento
de atividades econômicas. A partir de entrevistas com profissionais envolvidos e análise
de documentos de 71 programas de regularização fundiária implementados em 13 países
da América Latina e do Caribe, Nora Clichevsky (2006) identificou alguns déficits:
dificuldade na promoção da participação popular (especialmente na fase de planejamento
das intervenções), desarticulação entre órgãos públicos envolvidos no processo e falhas
em tratar da vulnerabilidade de grupos específicos dos assentamentos (reforçando em
alguns casos, por exemplo, a desigualdade de gênero20). Um relatório do Instituto
Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) (2002), a partir de experiências de
regularização fundiária plena em dez cidades, percebeu impactos a curto e médio prazo
na redução da pobreza e em melhorias estruturais em vilas e favelas, mas progressos
sensivelmente limitados na questão da segurança jurídica da posse.
Diferentes pesquisas avaliaram os impactos de programas de regularização
fundiária plena em específico. Mercedes Lentini et al. (2007) observaram, na
implementação do Programa de Mejoramiento de Barrios (PROMEBA) em Mendoza,
na Argentina, uma série de impactos benéficos no que tange à melhoria na saúde pública,
redução da pobreza e construção de espaços e equipamentos comunitários, mas com
resultados escassos na garantia da segurança jurídica da posse21. Isso foi observado no
Rio de Janeiro por Sonia Rabello de Castro (2002) em relação ao programa Favela-Bairro,

20
Este parece ser um problema comum a ambos os modelos de regularização. Apesar de, durante o
processo, as mulheres conquistarem mais voz em suas comunidades participando de organizações locais, o
mesmo não ocorre no ambiente doméstico (COCKBURN, 2004a). Mesmo que o direito à propriedade seja
garantido também às mulheres, elas são colocadas em posições hierarquicamente dependentes dos homens,
o que é reforçado por arranjos jurídicos familiares, isto é, normas sociais que disciplinam, a nível de
domicílio e de comunidade, relações de gênero e de propriedade (VARLEY, 2010).
21
Pode-se argumentar, outrossim, que apenas a regularização do traçado urbanístico de vilas e favelas
garante maiores segurança da posse (sendo improvável que o poder público remova comunidades nas quais
altos investimentos foram feitos), pois, com essas intervenções, os moradores podem sentir que “existem”
aos olhos das autoridades municipais (OSTUNI; VAN GELDER, 2008, p. 210-211).

36
sendo identificada como causa a difícil adequação da legislação estatal cível e urbanística
à realidade das favelas beneficiadas. Em um estudo em duas favelas em processo de
regularização em São Paulo, Ellade Imparato (2002) percebeu uma lentidão no processo
de emissão e registro de títulos22, gerada por uma inadequação do funcionamento da
administração pública, da legislação cível e da atuação do poder judiciário, pondo em
risco a própria continuidade das intervenções urbanísticas, dependentes para sua
execução da vontade política da gestão municipal no poder23.
Outras pesquisas identificaram mais benefícios, além das melhorias estruturais
imediatas nos assentamentos contemplados. Analisando políticas de regularização
fundiária plena de favelas em área de fragilidade hídrica em Santo André-SP, Basil van
Horen (2001) avalia como positivos os impactos das várias e meticulosas fases de
planejamento com ampla participação popular, permitindo uma adequação das
intervenções à realidade local e a educação ambiental e urbanística dos moradores. A
partir do estudo de programas implementados no Brasil e na Colômbia, Aline Costa
Barroso e Augustín Hernandez (2010) percebem, na regularização fundiária plena, uma
maior materialização do princípio da função social da propriedade.
Além das limitações apontadas, um dos principais problemas localizados na
execução de programas sob esse modelo, conforme visto, é seu caráter pontual. Esses
processos foram, muitas vezes, contemporâneos a uma série de remoções, como Nelson
Saule Junior (2002) observou a partir da análise de julgados do Tribunal do Estado de
São Paulo no final da década de 1990. Na verdade, o reconhecimento legislativo do direito
à regularização fundiária não foi capaz de eliminar, inclusive entre membros do poder
judiciário, um discurso que privilegia a propriedade privada individual, conforme
percebido por Suellen Martins Pacheco (2019) a partir da análise de documentos
processuais envolvendo conflitos fundiários no Morro Santa Teresa, em Porto Alegre.
Desse modo, apesar dos benefícios evidenciados, o percentual de comunidades
contempladas é consideravelmente baixo, comparado à quantidade de vilas e favelas
existentes nas cidades latino-americanas (FERNANDES; SMOLKA, 2007, p. 146-147).

22
Nesse sentido, há um conflito entre sistemas registrais: sistemas mais rápidos, simplificados e baratos
tendem a apresentar riscos de não registrar adequadamente algumas relações de propriedade, podendo
gerar, ao invés de prevenir, conflitos entre as partes interessadas (ARRUÑADA, 2011).
23
A execução de projetos de regularização fundiária pelo poder público depende, em grande medida, da
pressão dos movimentos sociais por moradia ou dos habitantes de vilas e favelas em demandar esse tipo de
intervenção (FERNANDES, 2002). Isso foi decisivo, por exemplo, no processo de demarcação de Zonas
Especiais de Interesse Social (ZEIS) em Fortaleza (SANTOS; LESSA; PONTE, 2019).

37
Essas limitações podem ser explicadas, como apontado acima, pelo alto custo envolvido
em regularizar plenamente uma vila ou favela. Alex Abiko et al. (2007) a partir de dados
coletados em três programas de regularização fundiária – o Guarapiranga, em São Paulo,
o Favela-Bairro, no Rio de Janeiro e o Ribeira Azul, em Salvador –, mostraram que o
custo médio da urbanização de favelas é significativamente superior ao de realizar obras
semelhantes em assentamentos urbanos regulares.
Entretanto, esses custos mais elevados não significam que os programas
orientados pelo modelo de regularização fundiária plena são gastos sem efeitos
econômicos. Por meio uma análise econômica de um programa implementado em
Guayaquil, Equador, e de uma série de programas executados na Colômbia, Fernando
Cuenin (2009) constatou, respectivamente, um aumento médio de 90% e 35% no valor
das propriedades nas áreas contempladas, o que compensava, com o desenvolvimento
econômico gerado, os investimentos públicos. Essa mais-valia fundiária gerada pode ser
captada pelo poder público e revertida em novos projetos de regularização fundiária,
como foi feito em Usme, na Colômbia (COPELLO; SMOLKA, 2003). Evidências
semelhantes foram encontradas no Brasil, a partir de dados coletados pelo IBGE em 1999:
municípios com sistemas cadastrais mais completos, que incorporavam vilas e favelas
como partes da cidade, tinham uma maior arrecadação tributária, que, por sua vez, poderia
ser direcionada em benefício dessas comunidades (SMOLKA; CESARE, 2006).
Adicionalmente, outras pesquisas investigaram impactos que não estavam – ao
menos à primeira vista – diretamente relacionados aos objetivos iniciais de programas de
regularização fundiária latino-americanos. A partir de dados quantitativos coletados em
um assentamento irregular na Região Metropolitana de Buenos Aires, Sebastian Galiani
e Ernesto Schargrodsky (2004) perceberam uma melhoria em curto prazo na saúde de
crianças, além de uma redução no índice de gravidez na adolescência. Analisando dados
oficiais sobre o programa de titulação em massa no Peru, Erica Field (2006) percebeu
uma queda de até 22% na taxa de fertilidade nas barriadas beneficiadas, efeito que quase
duplica em residências de casais em que o nome de ambos consta no título adquirido –
indicando que esse procedimento confere um maior “poder de barganha” às mulheres no
ambiente familiar. Field (2007) também percebeu, a partir do mesmo conjunto de dados
quantitativos, que a regularização estava associada a em média 13,4 mais horas de
trabalho semanais por família, uma propensão 40% menor do exercício doméstico – e
informal – do trabalho e, no caso de famílias com menos de quatro membros na população

38
economicamente ativa, um menor tempo de trabalho infantil, o que foi explicado pela
autora como consequência de uma menor necessidade da presença de um adulto na
propriedade para protegê-la contra eventuais despejos. Assim, a regularização de vilas e
favelas pode ter impactos em uma gama diversificada de aspectos da vida familiar e
comunitária.
Processos de regularização fundiária plena também podem afetar
consideravelmente as relações comunitárias em vilas e favelas. Observando um
assentamento de Buenos Aires em que apenas parte dos lotes havia sido regularizado,
Rafael di Tella, Sebastian Galiani e Ernesto Schargrodsky (2007) perceberam que os
moradores de residências contempladas apresentavam maiores crenças em valores como
o individualismo, o materialismo e a confiança na boa-fé de outros sujeitos, próprios de
uma mentalidade liberal24. Isso também foi observado no Peru por Cockburn (2007a),
que também percebeu uma fragilização de organizações comunitárias após a titulação,
assim como uma fragmentação das relações entre moradores e Estado, tornando essas
interações sensivelmente mais pontuais25. Luyde Gomes de Santos (2005, p. 59) também
percebe, na regularização fundiária plena do bairro Candeal, em Salvador, que
associações de moradores criaram uma relação de dependência em relação a instituições
estatais envolvidas no processo. Entretanto, a partir do estudo de um projeto de
regularização dos serviços de energia elétrica em favelas do Rio de Janeiro, Marianne
Morange, Francesca Pilo’ e Amandine Spire (2018) sugerem que, mesmo com uma
tendência à individualização das relações sociais locais, os moradores reinventam suas
interações com o poder público, criando mecanismos para a satisfação de necessidades
comunitárias.
Contudo, outras evidências apontam para relações mais complexas entre normas
sociais e normas jurídicas após a implementação de um processo de regularização
fundiária em vilas e favelas. Por um lado, os impactos dessas intervenções podem ser
mediados pelas ordens jurídicas comunitárias. Nesse sentido, Jean O. Lanjouw e Philip I.
Levy (2002) observaram, a partir de questionários aplicados em favelas (ou guasmos) em
Guayaquil, no Equador, que a titulação resultou em uma menor valorização dos imóveis
que já tinham maior proteção por normas comunitárias. Por outro lado, certas normas

24
Estudando um processo de regularização fundiária em Canoas-RS, Fernando Goya Maldonado (2015)
percebeu que essa mentalidade também pode afetar os moradores com status de irregularidade, o que se
materializa na preferência por títulos de propriedade privada individual.
25
Esse efeito é ainda mais sensível em casos que envolvem o reassentamento de moradores, como
observado por Natália Carvalho da Rosa (2016) na cidade de Pelotas-RS.

39
sociais podem continuar existindo após a regularização da vila ou favela. Magalhães
(2010, p. 350-351) observou, na favela carioca do Parque Royal em um contexto pós-
Favela Bairro, diferentes formas de regulação da transferência e formalização de
propriedades imobiliárias: a) perante a associação de moradores; b) em acordos firmados
entre as partes; c) por registros públicos em instituições estatais e d) um misto de
diferentes sistemas de registro, em busca de maior legitimidade. Por meio de dados
coletados em Lima, Cockburn (2010) também percebeu que, nas barriadas, mesmo após
a regularização, os instrumentos do mercado imobiliário informal continuaram a ser os
mais utilizados. Estudando os impactos da regularização de um loteamento em Osasco,
Daniel Baptista Vio (2016) percebeu que, após a urbanização, renascem práticas de
subdivisão irregular dos lotes para o aluguel de moradias. Na Região Metropolitana de
São Paulo, Nisida (2017, p. 174-175) que, mesmo após a regularização urbanística, as
favelas retomam as normas e princípios que vigoravam anteriormente para orientar a
produção de seu espaço construído26. Isso pode acontecer pelo fato de o poder público,
em programas de regularização fundiária, não empreender grandes esforços em informar
as comunidades beneficiadas sobre a transição para a regularidade, como Gabriel Moraes
Outeiro (2019, p. 579) percebeu com uma análise do Programa Terra Legal,
implementado na Amazônia. Criam-se, assim, novos arranjos de interlegalidade.
Além de relações típicas do direito privado, como a transferência e formalização
de terrenos ou edificações, processos de regularização fundiária podem ensejar
transformações nas normas que regulam espaços de uso comunitário, como ruas,
calçadas, praças e largos. Contudo, esse é um tema pouco explorado na literatura. Na
favela do Parque Royal, Magalhães (2010, p. 301-303) percebeu que os agentes que
implementaram o programa Favela Bairro tiveram que negociar conflitos envolvendo um
campo de futebol, que seria propriedade de um traficante local, mas indesejado por um
grupo de moradoras; a solução encontrada foi remanejar o campo para uma área mais
propícia a interações com bairros vizinhos, mas deixando o controle do espaço sob
responsabilidade da associação de moradores – por meio da qual a liderança
narcotraficante poderia influir no espaço, o que, entretanto, não foi confirmado.
Outras evidências são encontradas no estudo de Thaisa Comelli, Isabelle
Anguelovski e Eric Chu (2018) sobre transformações ocorridas entre 2015 e 2018 nas

26
Nisida (2017, p. 209-210) observou, inclusive, que algumas áreas designadas em projetos de
regularização urbanística para a instalação de equipamentos de uso comunitário foram ocupadas para fins
de moradia, vistos como de maior importância, por ser uma necessidade fundamental mais urgente.

40
favelas cariocas da Babilônia e do Chapéu Mangueira: a regularização fundiária plena
promovida pelo programa Morar Carioca, a instalação de uma Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP) e o desenvolvimento da atividade turística naquele morro provocaram
a intensificação de formas de controle promovidas por policiais militares, que impediam
a realização de atividades como bailes funk e churrascos pelos moradores nos espaços
comunitários recém-reformados. Embora significativos, os resultados dessa pesquisa
dizem respeito a uma situação muito específica, que dependeu, além da intervenção
regularizadora do poder público, de uma política pública de policiamento intensivo e do
desenvolvimento de uma indústria de “turismo de favelas”, realidade restrita a algumas
poucas favelas no Rio de Janeiro.
Em uma pesquisa realizada no Complexo do Alemão, Carolyn Prouse (2019)
identificou que as intervenções governamentais, embora visassem regularizar relações de
terra, trabalho e comportamento de maneira a igualar as práticas sociais na favela às do
“asfalto”, foram apropriadas apenas parcialmente pelos moradores, que adaptaram
comportamentos prévios – associados à irregularidade – a seu novo cotidiano, o que ela
denomina “formalização subversiva”. Um exemplo é que, após a regularização fundiária
de parte das casas, um grupo de moradores limpou um terreno onde costumava-se
despejar lixo e instalou um banco e uma mesa de pingue-pongue, transformando-lhe em
uma praça (mesmo que, em seguida, esse espaço tenha sido contestado tanto por
moradores que insistiam em depositar dejetos sólidos e por policiais militares que
decidiram instalar um posto no terreno) (PROUSE, 2019, p. 1557). Essa observação,
anedótica na pesquisa de Prouse, permite levantar a hipótese de que a regularização de
uma vila ou favela não apaga por completo as normas sociais pré-existentes que regulam
espaços de uso comunitário: elas podem persistir (entre moradores que continuavam a
associar o terreno a um local de despejo de lixo), adaptar-se à nova situação da
comunidade (a transformação irregular do terreno em uma praça) ou interagir com
práticas jurídicas, isto é, de atores estatais (como a escolha do terreno, por policiais
militares, para a edificação de um posto de vigia). Pouco foi explorado, entretanto, a
respeito de como essas normas articularam-se após a regularização da favela.
Percebe-se, assim, que há poucas investigações sobre os impactos da
regularização fundiária de vilas e favelas na regulação normativa dos espaços de uso
comunitário. Compreensivelmente, esse aspecto da vida local é visto como menos
prioritário, diante de questões mais urgentes, como aquelas pertinentes à qualidade das

41
edificações para fins de moradia e às condições de saneamento básico. Mesmo assim, a
gestão de bens públicos é parte crucial do dia a dia da população urbana, sendo uma
dimensão marcante – embora geralmente pouco percebida – de seu cotidiano.

2.3 Espaços de uso comunitário e sua regulação


Os espaços públicos são lugares de grande importância na vida urbana, seja por
proporcionar o lazer e as atividades físicas, seja por proporcionar encontros e interações
sociais (CARDOSO, 2011, p. 37, 41). Mais que isso, é no espaço público que as cidades
se constroem enquanto tais (DUHAU; GIGLIA, 2008, p. 13). É na regulação e
diferenciação entre espaços públicos e privados que uma cidade ganha seus contornos
mais importantes, como observado por Ricardo Machado (2008) na história de
Blumenau-SC. Espaços públicos são importantes para a conexão intra e interurbana, a
mobilidade, o paisagismo e a identidade simbólica entre moradores e cidade. Não por
acaso, é comum que um espaço público seja elemento central para a sociabilidade de uma
urbe, como ocorre com a Avenida 14 de Julho na cidade de Campo Grande (OLIVEIRA
NETO, 2005). A ausência de espaços públicos na cidade de Canaã dos Carajás foi
percebida por Lucas Souto Cândido (2016, p. 41) como uma causa para que o município
não seja entendido por seus habitantes como um “lugar”, isto é, um espaço com o qual
foram criados vínculos subjetivos de identidade.
Por isso, a relação desenvolvida entre habitantes de cidades e espaços públicos
podem moldar as características de diferentes áreas do tecido urbano. Isso foi observado
por Emilio Duhau e Angela Gigla (2008) em estudo feito na Cidade do México, que
constatou que os moldes da regulação normativa estabelecida cotidianamente em espaços
públicos determinam diferentes “cidades” cujo mosaico compõe a capital mexicana: a)
espaços disputados (referente a áreas dotadas de centralidade); b) espaços homogêneos
(referentes a loteamentos habitacionais); c) espaços coletivizados (referentes a conjuntos
habitacionais); d) espaços negociados (referentes a assentamentos irregulares); e) espaços
ancestrais (referentes a territórios de povos tradicionais); f) espaços insulares (referentes
a enclaves fortificados, como condomínios fechados e shopping centers).
Se, em uma perspectiva físico-arquitetônica, os espaços públicos urbanos podem
ser definidos como aqueles que não apresentam obstáculos de acesso, há de se salientar
que, na prática, apenas alguns desses espaços são efetivamente usufruídos pela população
de uma cidade como um todo. Existem, de fato, bairros cujos espaços públicos são usados

42
por pessoas que habitam em outras partes da mesma cidade, ou mesmo de outras cidades,
entre turistas e trabalhadores em movimentos pendulares, como observado por Patricia
Ramírez Kuri (2010, p. 240-241) em Coyoacán, na Cidade do México. Contudo, trata-se
de áreas que exercem uma certa centralidade, integrando trajetos cotidianos de uma
grande proporção dos habitantes de uma cidade. Nas vilas e favelas das periferias das
cidades latino-americanas, o mais comum é que lugares desse tipo sejam acessados quase
que exclusivamente por seus moradores, o que foi observado por Carlos Roberto Loboda
(2008 p. 236-237) na cidade de Guarapuava, no Paraná. Por isso, parece incongruente
chamá-los como espaços, de fato, “públicos”. Portanto, neste trabalho, serão designados
utilizando o termo “espaços de uso comunitário”.
Nos estudos urbanos, a regulação dos espaços públicos é vista como um
componente importante da governança urbana, impactando seus usos pelos habitantes da
cidade. Em especial, as pesquisas sociojurídicas têm evidenciado que formas de regulação
normativa das práticas espaciais podem variar de acordo com o contexto espacial
considerado e os agentes envolvidos, podendo haver contrastes, por exemplo, entre as
áreas centrais e as periféricas de uma mesma cidade. As discussões empíricas sobre a
regulação de espaços de uso comunitário em vilas e favelas são, contudo, escassas nessa
literatura: há uma importante lacuna a ser preenchida.
Mesmo assim, para buscar fundamentos para formular hipóteses que permitam a
compreensão da atividade regulatória exercida nos espaços de uso comunitário das vilas
e favelas, convém partir dos estudos sociojurídicos sobre a regulação de espaços públicos
com recortes empíricos situados na cidade formal, mantendo-se no recorte do contexto
latino-americano.
A regulação de espaços públicos delimita, muitas vezes, racionalidades sobre
como deve ser produzida a cidade como um todo e sobre quais atores podem participar
desse processo e, posteriormente, usufruir desses espaços. Exemplo disso pode ser
encontrado em projetos de revitalização de espaços públicos urbanos, como observado
por Lucas Pizzolatto Konzen e Mariana M. Vivian (2020) na proposta de transferir a
administração do Cais Mauá, em Porto Alegre, à iniciativa privada, em conflito com as
expectativas de alguns movimentos sociais e coletivos organizados sobre possíveis usos
que poderiam ser feitos no local. Outro exemplo é a criação de “enclaves fortificados”
(CALDEIRA, 2003), lugares privados, murados, com um sistema de segurança
sofisticado e ocupado por grupos sociais específicos. Esses processos de domesticação de

43
espaços públicos por meio da “mercantilização da cidade” podem sofrer resistência pela
sociedade civil organizada, como observado por Alfonsin (2010) na cidade de Porto
Alegre, no contexto de “preparação” do município à realização da Copa do Mundo de
2014. As propostas de como, por quem e para quem devem ser regulados os espaços
públicos urbanos, assim, podem ser marcadas por disputas e conflitos entre diferentes
discursos sobre qual o projeto de cidade a ser seguido.
Muitas vezes, a racionalidade adotada pelo poder público é a de controlar
comportamentos considerados indesejados, não raro associados a práticas de grupos de
baixa renda, conforme algumas evidências encontradas na literatura sociojurídica sobre
espaços públicos urbanos na América Latina. Exemplo disso é a construção de áreas
específicas e emissão de licenças para o comércio ambulante na Cidade do México
(AZUELA; MENESES-REYES, 2015) e em Acapulco (KONZEN, 2016), com forte
policiamento para localizar e punir os vendedores não-autorizados, limitando a presença
dessas atividades nas áreas mais valorizadas do espaço urbano. Essas ações de agentes
públicos podem ser contingentes, relacionando-se a práticas cotidianas e normas sociais
locais, desenvolvendo conjuntos de regulações específicas para certos espaços públicos,
como Giglia (2016) observou em uma praça na Cidade do México.
As diferentes racionalidades associadas à regulação de espaços públicos podem
ser desenhadas por normas ideológicas, que orientam a atuação de gestores municipais e
planejadores urbanos. Isso pode originar padrões de desenvolvimento desigual do espaço
urbano, como observado por Konzen (2013, p. 279) na distinção entre a gestão de espaços
públicos na zona turística e fora dela, originando o que ele denomina “cartões postais da
exclusão” e “lugares fora do mapa”. Os cartões postais da exclusão são resultado de
normas ideológicas que determinam que espaços públicos localizados na zona turística
devem ser privilegiados no que diz respeito ao exercício do poder coercitivo do Estado,
controlando comportamentos tidos como indesejáveis ao florescimento da atividade
turística, como o comércio ambulante e as manifestações políticas (KONZEN, 2013, p.
285). Lugares fora do mapa, por sua vez, são consequência de normas ideológicas que
determinam que espaços públicos situados na zona turística devem ser privilegiados no
que concerne à atividade promocional do Estado, produzindo espaços mais desejáveis à
indústria do turismo, por meio de ações como a construção e manutenção de espaços de
uso coletivo (KONZEN, 2013, p. 293-294). Um desenvolvimento desigual de uma
destinação turística também foi observado por Lícia Verónica Ríos (2005) em Ensenada,

44
uma cidade litorânea argentina, sendo localizadas as seguintes transformações como
constituintes desse padrão: 1) a privatização de bens públicos; 2) a degradação por falta
de ocupação e equipamento adequados; 3) a polarização do uso de espaços públicos por
classes sociais; 4) o crescimento de áreas marginalizadas e sem o provimento de espaços
públicos; 5) inadequação dos espaços públicos às novas pautas culturais; 6) a ocupação
informal de bens públicos.
Desse modo, o surgimento de vilas e favelas pode ser um efeito desse processo de
produção discrepante do espaço urbano27. Uma vez assentadas, essas comunidades
também continuam sofrendo outros desses desdobramentos, como a degradação, a
polarização do uso dos espaços e a falta de provimento de espaços de uso comunitário.
Na verdade, o próprio padrão de ocupação encontrado nesses assentamentos dificulta o
desenvolvimento de espaços concebidos para o lazer e o encontro. Como Danielle
Cavalcanti Klintowitz (2008) observou na favela da Rocinha, o crescimento não-
planejado dessas comunidades favorece a ocupação do solo para o uso habitacional,
deixando pouco espaço para locais de convivência, sendo preservadas apenas as vias de
circulação, mas, ainda assim, com a largura mínima para a passagem. Tales Bohrer
Lobosco Gonzaga de Oliveira (2011, p. 163-164), a partir de estudos feitos na favela de
Novo Alagados, em Salvador, e nos morros da Babilônia e Santa Marta, no Rio de
Janeiro, percebe que, por trás disso, há o respeito a um “princípio da necessidade”, sendo
a ocupação de espaços que poderiam tornar-se, por exemplo, praças, justificada por uma
demanda mais imediata: a moradia. Além disso, Hosana Simone dos Anjos Pereira (2007,
p. 25-26) percebe, no discurso dos habitantes da Rocinha durante o período de expansão
da favela, a ideia de que as terras vazias seriam ocupadas a qualquer momento, sendo
estratégico, portanto, tomá-las pela expansão das casas. Os espaços públicos são, assim,
desenhados pela construção de espaços privados, tendo esses prioridade nos padrões
ocupacionais desses espaços (NISIDA, 2017, p. 83, 185). Essa alta densidade de
ocupação do espaço construído, enfim, é um padrão comum a assentamentos irregulares
de cidades em desenvolvimento (GEHL, 2013, p. 217). Esse padrão de traçado urbano
dificulta a entrada de prestadores de serviços públicos, como de entrega de
correspondências ou coleta de lixo, além de favorecer o desenvolvimento de atividades

27
É verdade que há favelas sendo incorporadas aos roteiros turísticos de algumas cidades latino-americanas,
como o Rio de Janeiro (PEREIRA; MÜLLER; CAMILOTTO, 2017). No entanto, esse processo não
implica necessariamente em um rompimento com os padrões desiguais de produção das cidades, havendo
evidências de um maior controle, por forças policiais, das práticas dos moradores desses assentamentos nos
trechos percorridos pelos turistas (COMELLI; ANGUELOVSKI; CHU, 2018).

45
ilícitas, como o tráfico de drogas, como Luciana da Silva Andrade (2004) observou na
favela da Rocinha.
Isso não significa que o crescimento e adensamento da área construída em vilas e
favelas seja ilimitado ou desregulado. Essa representação é feita por discursos que tratam
esses espaços como desordenados e caóticos, ignorando as normas sociais que regulam
suas dinâmicas internas. Adriana Vieira Nogueira Lima (2016, p. 176) observa que, no
processo de crescimento da favela de Saramandaia, em Salvador, a associação de
moradores demarcou algumas vias públicas com piquetes, de maneira a impedir que casas
fossem construídas ou expandidas de maneira a estreitá-las. Em outros casos, negociações
entre vizinhos garantiram que, diante do adensamento habitacional da comunidade,
alguns becos fossem mantidos de maneira a assegurar acesso a algumas casas (LIMA,
2016, p. 130). Oliveira (2011, p. 311-312) também percebeu normas comunitárias que
impediam a expansão das construções do Morro Santa Marta para além de um limite
determinado, que era um espaço de uso comunitário: uma escadaria ao lado de uma calha
de escoamento de águas. No Parque Royal, os moradores da Rua do Muro, área de
ocupação mais recente, discutiram como seria feita a configuração da via pública,
levando-se em consideração a possibilidade de uma regularização futura
(MAGALHÃES, 2010, p. 293). Em Novos Alagados, após uma intervenção urbanística,
foi construída uma via de bordo nos arredores da favela, para além da qual também não
foram construídas novas casas (OLIVEIRA, 2011, p. 313). Essas formas de regulação
interna ajudam a conservar a existência de espaços de uso comunitário, mesmo em um
assentamento densamente ocupado.
Ainda assim, há de se reconhecer que, no geral, vilas e favelas são marcadas pela
precariedade tanto quantitativa quanto qualitativa de seus espaços de uso comunitário, a
exemplo do que Paulo Casé (1996) concluiu nos estudos preliminares para a
implementação do programa Favela-Bairro no complexo da Mangueira. Isso faz com que,
por exemplo, a simples presença de equipamentos como praças e largos promova a
valorização da área em seus arredores, criando uma produção desigual do espaço no
interior de vilas e favelas (ANDRADE, 2004). De todo modo, mesmo esses equipamentos
das áreas centrais dos assentamentos irregulares urbanos costumam apresentar qualidade
inferior ao comumente observado em espaços de uso comum localizados em outras áreas
da cidade, como Thaís Gonçalves e Akemi Tahara (2018) perceberam na comunidade do
Calabar, em Salvador.

46
No entanto, a ausência de equipamentos de uso comunitário em certas regiões
internas de vilas e favelas não as torna desprovidas de locais de convivência: os
moradores ressignificam, em suas práticas cotidianas, espaços como ruas, praças e
mesmo áreas de posse privada, que se voltam para o encontro e a permanência
comunitária. As fronteiras entre espaços públicos e privados, assim, mostram-se mais
nebulosas do que perspectivas dogmáticas levariam a crer. Ao contrário, práticas sociais
criam, entre esses espaços, verdadeiras zonas híbridas. Isso foi observado por Arno
Vogel, Marcos Antonio da Silva Mello e Orlando Mollica (2017) no Catumbi, no Rio de
Janeiro, bairro regular de baixa renda; e na favela da Rocinha (ANDRADE, 2004), onde
esse papel híbrido é desempenhado por becos e lajes (KLINTOWITZ, 2008).
Nessa dinâmica, é comum em periferias urbanas de baixa renda, incluindo vilas e
favelas, a apropriação de alguns espaços de uso comunitário de maneira a ressignificar
suas funcionalidades, já que essas áreas são caracterizadas pela ausência ou pela presencia
precária de espaços públicos de lazer, como praças e parques. Isso foi observado em
Guarapuava, Paraná:
Aqui, a casa é um pouco de rua. Como a rua é também um pouco de casa. Aqui,
a rua é, a seu modo, um pouco de praça ou de parque. Assim como o é, também,
o campo de futebol. O campo de futebol é, também, o terreno baldio. O espaço
de lazer também está atrelado ao espaço transcendental, à igreja e seus núcleos
comunitários (LOBODA, 2016, p. 60).

Do mesmo modo, Klintowitz (2008, p. 160) observou que, na Rocinha, ruas e


becos são apropriados para que crianças brinquem, adolescentes e jovens encontrem-se e
confraternizem e adultos joguem cartas e mesmo realizem outras atividades, como a
lavagem de roupas. Klintowitz (2008, p. 172; 176-177) também percebe essa plasticidade
no uso das lajes que, embora desempenhem a função primordial de gerar espaço para a
construção de uma nova moradia (cf. RAMOS, 2017), também são usadas para a
circulação (inclusive por proporcionar caminhos de maior largura que os becos) – as
“lajes ruas” – e para o encontro – as “lajes-praças”. Os espaços vazios, sobras da ocupação
habitacional intensa característica de vilas e favelas, podem ganhar, aos poucos, aspectos
físicos associáveis a praças e largos. Yasmin Ramos Peregrino, Ana Laura Rosas Brito e
José Augusto Ribeiro Silveira (2017) identificaram, na favela de Beira Molhada, em João
Pessoa, diferentes apropriações de terrenos vacantes pelos moradores – para eventos
específicos e encontros cotidianos –, o que incluiu a instalação de um mobiliário urbano
rústico como bancos e alguns outros equipamentos.

47
Se normas sociais já exercem um grande papel na regulação de espaços públicos
na cidade formal (GIGLIA, 2016; KONZEN, 2013; 2016), elas são ainda mais
proeminentes no trato cotidiano de espaços de uso comunitário em vilas e favelas. Alguns
desses espaços podem ser apropriados de maneira privada por um conjunto específico de
moradores, que se tornam responsáveis por sua gestão. Exemplo disso é fornecido por
Lima (2016, p. 121-122) ao tratar do fechamento de becos em Saramandaia – ou “botar
o beco para dentro”, no discurso dos habitantes –, formando pequenos espaços chamados
pelos moradores, em alguns casos, de “condomínios”, sendo a principal justificativa dessa
“privatização” a promoção de um maior controle dos usos e uma otimização da
manutenção daqueles espaços. Em grandes vilas ou favelas localizadas próximas a áreas
centrais, há indícios de uma certa participação do Estado na regulação de espaços de uso
comunitário, em especial aqueles localizados próximos das fronteiras da comunidade,
como um complexo de equipamentos públicos (quadras poliesportivas, pistas de skate,
parque infantil, praça com mesas de jogos e um mercado popular) instalado e
consideravelmente gerido pela prefeitura do Rio de Janeiro no “entorno da Rocinha”
(KLINTOWITZ, 2008, p. 119). Mas, no geral, a responsabilidade pela manutenção,
mesmo de espaços de uso comunitário implementados por intervenções públicas, acaba
recaindo sobre os moradores de vilas e favelas, como expresso no discurso de alguns
moradores do Calabar ao serem interrogados sobre melhorias que seriam feitas em um
espaço local de comércio e lazer (GONÇALVES; TAHARA, 2018).
Klintowitz (2008, p. 120-121) também observou, no interior da Rocinha, espaços
públicos como quadras esportivas (utilizadas para inúmeros fins, como reuniões
comunitárias e manifestações políticas) cuja regulação é feita pelas associações de
moradores, que inclusive controla a entrada de moradores nesses locais, a qual deve ser
feita mediante agendamento de horário. Outras lideranças também podem participar da
promoção e regulação de espaços de uso comunitário, como a Igreja Católica que, em
Saramandaia, organizou a construção de igrejas, sedes de associações de moradores,
campos de futebol e outros equipamentos, que depois também viriam a ser regulados
pelas associações de moradores (LIMA, 2016, p. 183-184). As “leis do tráfico” também
podem incidir sobre espaços de uso comunitário, inclusive disciplinando vários de seus
possíveis usos, de maneira a evitar atividades que chamariam a atenção de autoridades
policiais (ALVITO, 2001). Na favela da Rocinha, uma quadra esportiva é controlada por
traficantes, sendo a entrada no local – que também conta com um parque infantil – vedada

48
a outros moradores, a menos que devidamente autorizados (KLINTOWITZ, 2008, p.
123). Por outro lado, facções narcotraficantes também podem “presentear” algumas
vizinhanças de vilas e favelas com espaços de uso comunitário, como observado na
Rocinha (KLINTOWITZ, 2008, p. 131), sendo a manutenção e mesmo a segurança dessas
praças de responsabilidade dessas organizações.
Os mecanismos normativos de regulação dos espaços de uso comunitário em vilas
e favelas de diferentes contextos, contudo, foram pouco explorados pela literatura
disponível, conforme já ressaltado, justificando a realização de investigações empíricas
específicas sobre o tema. Para a elaboração de um desenho teórico-metodológico e a
formulação de hipóteses de trabalho, porém, é possível estabelecer aproximações com as
conclusões de pesquisas empíricas que trataram de temáticas afins sobre o direito no
espaço urbano.
As normas que disciplinam a manutenção de espaços de uso comunitário em vilas
e favelas estão relacionadas ao modo como esses espaços são compreendidos
coletivamente pelos moradores. Os diferentes usos que são feitos desses espaços
permitem perceber que ruas, calçadas, praças, largos e outros espaços de livre acesso dos
moradores são entendidos como “bens comunitários”, isto é, equipamentos cuja gestão é
de responsabilidade dos moradores. Isso pode ser percebido como parte da tendência de
indistinção entre as fronteiras do público e o privado que marca as cidades
contemporâneas, o que também está por trás da conformação das dinâmicas que
estruturam condomínios habitacionais fechados (OLIVEIRA JÚNIOR, 2005, p. 95-96).
Algumas distinções devem ser feitas: enquanto o surgimento de condomínios fechados
como “enclaves fortificados” pode ser entendido como a retirada da gestão estatal de um
território por entes privados (SANTOS, 1998, p. 25), essa apropriação de espaços de uso
comunitário em vilas e favelas parece ser uma estratégia de mantê-los diante da ausência
da regulação estatal.
Mesmo assim, alguns pontos em comum permitem presumir coincidências na
gestão de espaços de uso comunitário entre condomínios fechados e as vilas e favelas.
Em condomínios, há um incentivo ao desenvolvimento de atividades sociais apenas em
seu interior, inclusive com alguns serviços fornecidos para seus moradores enquanto
coletividade. Esses serviços são pensados para atender não à população da cidade como
um todo, mas apenas aos habitantes do espaço condominial, entendido – e produzido –
como relativamente homogêneo, relativo a um conjunto de moradores com interesses em

49
comum e que, por isso mesmo, vivem em uma situação de relativo isolamento em relação
ao resto do tecido urbano, como Matheus Augusto Avelino Tavares (2009) percebeu ao
estudar condomínios horizontais na cidade do Natal.
Essas características podem ser transpostas analogamente, com as adaptações
cabíveis, à regulação normativa da manutenção de espaços de uso comunitário em vilas
e favelas: eles são mantidos para atividades dirigidas especificamente à população local,
tida como relativamente homogênea e com demandas compartilhadas, sendo essa função
atribuída a uma instituição dotada de legitimidade comunitária, a exemplo da associação
de moradores. Assim como condomínios fechados e outras formas de regulação de
territórios urbanos específicos, vilas e favelas podem ser entendidas como “micro ordens”
(GIGLIA, 2016, p. 390-391), que tornam previsível quem é responsável pela manutenção
de espaços de uso comunitário e como esse processo deve ser feito.
A partir do que foi exposto, o problema de pesquisa que se pretende responder, a
fim de oferecer uma contribuição original ao debate sobre o direito das vilas e favelas no
contexto da América Latina, é saber quais são os impactos dos processos de regularização
fundiária na regulação dos espaços de uso comunitário. Antes do processo de
regularização fundiária plena ser efetivado, como é regulado o uso dos espaços de uso
comunitário? Quando o processo de regularização fundiária é deflagrado, quais mudanças
ocorrem na regulação dos espaços de uso comunitário? Na próxima seção, é apresentado
o desenho teórico-metodológica da pesquisa empírica que foi desenvolvida para buscar
respostas para essas perguntas.

50
51
3 O DESENHO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA EMPÍRICA EM
DUAS VILAS POPULARES DE PORTO ALEGRE

Nesta seção, será explanado o desenho teórico-metodológico adotado para a


condução da etapa de coleta de dados empíricos desta investigação. Para isso, ela é
dividida em duas subseções. Na subseção 3.1, são apresentados os aspectos teóricos,
principalmente as contribuições de categorias formuladas no âmbito da geografia jurídica,
vertente de pesquisa em sociologia do direito, em especial a teoria da regulação do espaço.
Na subseção 3.2, são descritos os aspectos metodológicos, com a apresentação dos
métodos de coleta de dados utilizados e a contextualização dos dois casos escolhidos para
estudo na cidade de Porto Alegre: a Vila União e a Vila Nossa Senhora da Esperança.

3.1 Aspectos teóricos: a teoria da regulação do espaço


A compreensão teórica do objeto desta pesquisa requer, antes de tudo, uma
explicação sobre a categoria “espaço”. No nascedouro dos estudos urbanos, a Escola de
Chicago, sob o paradigma ecológico, preocupou-se em analisar as relações sociais nas
cidades pela perspectiva da coesão social (KONZEN, 2011, p. 83). Nessa ótica, o espaço
é visto como apolítico, como um receptáculo neutro e vazio de significado, onde as coisas
acontecem de acordo com o “tempo”, essa sim a dimensão a ser considerada pela análise
social (MASSEY, 1992). Esse paradigma foi, no entanto, contestado a partir do final da
década de 1960 e ao longo dos anos 1970 por um grupo de teóricos críticos que fundaram
o que ficou conhecido como o paradigma socioespacial, determinando a chamada “virada
espacial” nas ciências sociais (KONZEN, 2020, p. 8). Com uma base teórica
conflitualista, esses pensadores neomarxistas expuseram o caráter político do espaço, que
não é apenas produzido por relações sociais, mas também produtor ativo delas,
vinculando-se a processos históricos (KONZEN, 2011, p. 87). Nesse sentido, o espaço é
indissociável do tempo, podendo ser entendido como produto de dinâmicas estabelecidas
em diferentes escalas e em constante estado de transformação (MASSEY, 1999).
Uma contribuição a ser destacada desse movimento é a teoria da produção do
espaço, de Henri Lefebvre (1991). Lefebvre argumenta que o espaço é produzido (e
reproduzido) a partir de conflitos, envolvendo relações dialéticas entre uma tríade
conceitual: a) representações do espaço; b) espaços representacionais; c) práticas
espaciais. Representações do espaço (ou espaços concebidos) são formulações sobre o

52
que o espaço deve ser, estabelecidas por grupos hegemônicos e seus funcionários que
detêm a legitimidade técnica para tal, como engenheiros, arquitetos, urbanistas,
planejadores e cartógrafos (LEFEBVRE, 1991, p. 38-39). Espaços representacionais (ou
espaços vividos) são o modo como os sujeitos relacionam-se subjetivamente com o
espaço, a exemplo de vínculos afetivos estabelecidos com sujeitos, representações
formuladas por artistas ou projeções filosóficas (LEFEBVRE, 1991, p. 39). Práticas
espaciais (ou espaços percebidos), por fim, são as atividades efetivamente desenvolvidas
pelos sujeitos no espaço, mais fáceis de ser percebidas empiricamente (LEFEBVRE,
1991, p. 38). Embora, apesar de seu grande valor para as ciências sociais e os estudos
urbanos, a teoria da produção do espaço não aprofunde a análise da dimensão normativa
dessas relações (KONZEN, 2020, p. 13), ela tem potencial para contribuir com os estudos
sociojurídicos (BUTLER, 2014).
O paradigma sociojurídico trata o direito como um fenômeno social, tendo como
bases o pluralismo jurídico, o desenvolvimento de pesquisas empíricas, a busca por
compreender o funcionamento do direito na sociedade e a preocupação em contextualizá-
lo socialmente (KONZEN, 2010)28. As relações entre normas e sociedade, considerando
os diversos tipos desses elementos regulatórios, é um objeto de estudos importante para
a área (FERRARI, 2015, p. 35). Sob um ponto de vista sociológico, normas podem ser
entendidas seguindo o conceito de Måns Svensson: “enunciados normativos que são
reproduzidos socialmente e representam a percepção dos indivíduos sobre as expectativas
acerca de seu próprio comportamento” (2013, p. 47, tradução do autor). Diferentes
tipologias sobre normas podem ser pensadas a partir deste conceito, a exemplo da já
mencionada tríade “normas jurídicas”, “normas sociais” e “normas ideológicas”
oferecida por Konzen (2013, p. 80-82). Nesse sentido, também pode-se pensar a
categorização proposta por Vincenzo Ferrari (2014, p. 303-306) que diferencia “normas
de conduta” (regulando diretamente o comportamento dos sujeitos sobre os quais são
estabelecidas) e “normas de procedimento” (regulando, por exemplo, as
responsabilidades atribuídas e protocolos a serem seguidos).

28
Desde seu surgimento como projeto intelectual, o paradigma sociojurídico entra em conflito com o
paradigma científico ainda dominante na pesquisa em direito, o paradigma dogmático (KONZEN;
BORDINI, 2019), embora o compromisso de coexistência entre ambos os paradigmas em um arranjo de
divisão do trabalho científico tenha possibilitado a institucionalização da disciplina da sociologia jurídica
em faculdades de direito, a partir da formação do Movimento Direito e Sociedade (KONZEN; RENNER,
2019). Com a maturação da sociologia do direito como campo de estudos, debates foram surgindo sobre a
sua identidade (KONZEN; PAMPLONA, 2021)

53
A partir desses aportes, pode ser feito um aprofundamento em duas categorias
importantes para este trabalho – normas jurídicas e normas sociais –, compreendendo-as
sociologicamente enquanto fenômenos cujos significados e efeitos são dados na
organização de corpos sociais (BAIER, 2013). Nesse sentido, normas jurídicas devem ser
compreendidas como aquelas provenientes de instituições estatais ou legitimadas pelo
poder público para regular um determinado aspecto da vida em sociedade. Essas normas
costumam ser escritas, possuindo enunciados explícitos (mesmo que passíveis de
interpretação por agentes legitimados para tal) e sanções previamente estabelecidas.
Normas sociais, por sua vez, são provenientes de práticas cotidianas de uma determinada
comunidade, sendo implementadas pelos próprios sujeitos ou por instituições locais,
dotadas de legitimidade perante esse grupo de indivíduos. Seus enunciados não são
sempre explicitados ou escritos, podendo estabelecer-se por meio de práticas e discursos
consolidados entre esses sujeitos. Suas sanções também não costumam ser previamente
estabelecidas, mas envolve a rejeição pelo grupo, como constrangimento público ou
mesmo a expulsão do convívio social. Normas jurídicas, assim, tendem a estabelecer-se
com maior amplitude que normas sociais, sendo estas restritas aos grupos que a
produzem.
Ao longo dos anos 1980 e 1990, surgiu e consolidou-se uma vertente de pesquisa
sociojurídica que busca investigar as interrelações entre o direito e o espaço, conhecida
como geografia jurídica, com notável crescimento nos anos 2000 (KONZEN, 2020, p. 7,
9-10; cf. KONZEN 2021), constituindo um giro espacial nas abordagens jurídicas críticas
(FRANZONI, 2019). Essa agenda de pesquisa, desenvolvida a partir de vários objetos de
estudos empíricos, inovou ao considerar o direito não apenas como fenômeno social, mas
também espacial, aprofundando debates iniciados anteriormente sob o paradigma
dogmático sobre como o espaço influencia o direito (a exemplo do direito comparado) ou
como o direito influencia o espaço (a exemplo do direito ambiental) e compreendendo
que o direito produz espaço e é produzido por ele (BLOMLEY; LABOVE, 2015). David
Delaney (2015), em um balanço sobre as contribuições das pesquisas em geografia
jurídica, sobretudo as desenvolvidas no século XXI, destaca três aspectos da relação entre
direito e espaço: a) constutividades (o fenômeno jurídico não se dá apenas nas práticas de
agentes pertencentes ao campo, mas nas ações cotidianas de todos os sujeitos, o que deve
ser percebido espacialmente); b) contingências (diferentes contextos espaciais, inclusive
a nível extremamente local, moldam normas e práticas jurídicas); c) complexidades (as

54
relações entre direito e espaço são sujeitas a uma série de variáveis, tornando essas
relações muitas vezes imprevisíveis, variantes e circunstanciais).
Uma das contribuições dessa literatura diz respeito à compreensão da natureza
espacial própria do direito. Richard T. Ford (1999, p. 845), por exemplo, aprofunda o
conceito de “jurisdição”, percebendo que, com o advento de instrumentos de projeção
cartográfica na era moderna, ela passou a incidir não mais sobre pessoas, mas sobre
espaços. Além disso, ressalta que as fronteiras que demarcam uma jurisdição são
essencialmente arbitrárias, mesmo que tenham por trás um processo histórico, cultural ou
geográfico, o que não reduz o fato de serem, também, convincentes, determinando as
relações entre a população e as instituições estatais daquela espacialidade delimitada
(FORD, 1999, p. 850-851).
Apesar da importância do argumento de Ford, ele é limitado ao direito estatal, sem
aprofundar o debate a partir do pluralismo jurídico. Isso foi feito por Nicholas Blomley
(1997), que observou que a constituição de juridicidades não-estatais também é
espacialmente determinada, a partir de fronteiras demarcadas por práticas cotidianas de
membros de uma comunidade. Essa contribuição possibilita uma compreensão da
dimensão espacial do conceito sociojurídico de comunidade oferecido por Roger
Cotterrell (1997): um grupo de indivíduos associados a uma mesma fonte de regulação
normativa das relações sociais, o que pode acontecer em diferentes escalas. A relação
entre os que estão envolvidos naquele sistema regulatório e os que não estão gera formas
de diferenciação entre “nós” e “eles” que têm, também, implicações espaciais (VALINS,
2000; 2003; HARRIS, 2019).
Apesar da importância de compreender a relação entre direito e espaço, a variável
“tempo” também não deve ser descartada. Mariana Valverde (2015) chama a atenção para
o fato de que diferentes espaços estão relacionados a determinadas temporalidades, e o
tempo modifica o espaço, processos nos quais o direito não permanece estanque. A
regularização de um assentamento irregular urbano, nesse sentido, provoca alterações nas
relações jurídico-espaciais. Do mesmo modo, pode-se afirmar que uma vila ou favela
regularizada e uma ainda irregular encontram-se em temporalidades diferentes e,
igualmente, com estruturas normativas distintas. Franz von Benda-Beckmann e Keebet
von Benda-Beckmann (2015) também apontam a temporalidade de espaços normativos,
oferecendo algumas categorias para considerar os efeitos da variável “tempo” sobre eles:
a) espaços que se movem (o deslocamento de uma população pode, também, carregar

55
consigo as relações jurídicas estabelecidas no local inicial); b) espaços que se alternam
(relações entre normas e espaços que ocorrem em momentos específicos); c) espaços que
se diluem (quando uma juridicidade gradualmente substitui outra pré-existente); d)
espaços que desaparecem (quando uma comunidade é física ou simbolicamente
destruída); e) espaços que se demoram (juridicidades que permanecem, apesar de
mudanças em seu contexto socioespacial); f) espaços em aceleração (com mudanças
rápidas, sobretudo com o advento da globalização).
Outras contribuições da literatura da geografia jurídica podem ser encontradas nos
estudos sobre relações de propriedade. O conceito de propriedade é tratado
metaforicamente por Benda-Beckmann, Benda-Beckmann e Mélanie Wiber (2006, p. 17-
18) como um “pacote de direitos”29 , em que cada configuração de itens em seu interior
– indicando um objeto ou um conjunto de objetos, os sujeitos que se relacionam com ele
e os direitos envolvidos – constitui uma relação de propriedade diferente. Os autores
argumentam, ainda, que as relações de propriedade ocorrem, simultaneamente e em
conjunto, em três camadas – a jurídico-institucional, a ideológica e a das relações sociais
concretizadas –, sendo importante que estudos empíricos não se olvidem dessas
dimensões, sob o risco de não captar a complexidade das relações de propriedade
(BENDA-BECKMANN; BENDA-BECKMANN; WIBER, 2006, p. 16). A camada
jurídico-institucional corresponde às relações categóricas de propriedade formuladas e
estabelecidas por dispositivos do sistema jurídico estatal (BENDA-BECKMANN;
BENDA-BECKMANN; WIBER, 2006, p. 16-19). A camada ideológica diz respeito a
discursos e conceitos filosóficos e políticos emitidos na tentativa de definir relações de
propriedade, podendo influenciar as outras camadas, mas não se confundindo com elas
(BENDA-BECKMANN; BENDA-BECKMANN; WIBER, 2006, p. 22-23). A camada
das relações sociais concretizadas, por fim, diz respeito às práticas cotidianas pelas quais
são estabelecidas diferentes relações de propriedade, melhor encontradas na dimensão do
“real” (BENDA-BECKMANN; BENDA-BECKMANN; WIBER, 2006, p. 19-22). Vale
ressaltar que as relações de propriedade, especialmente as que são construídas em
experiências do dia a dia, são sujeitas a contingências (BLOMLEY, 2015), de acordo com
o conjunto de itens contidos em cada pacote, definidos por espaço e tempo.
Estudos em geografia jurídica permitiram a compreensão da regulação do espaço
a partir de relações discursivas sobre propriedade (BLOMLEY, 2003) e o papel de marcos

29
Sobre esta tradução da expressão “bundle of rights”, ver Stefan, França e Medeiros (2020).

56
físicos na demarcação de fronteiras jurídicas (BRAVERMAN, 2010). Um grupo
considerável de estudos aprofundou a regulação de espaços públicos urbanos, percebendo
fronteiras híbridas entre o público e o privado (BLOMLEY, 2005), regulações feitas por
práticas cotidianas de usuários desses espaços (NAMASTE, 1996), controle de sujeitos e
comportamentos pelo zoneamento espacial do poder público (ENGLAND, 2008),
categorização de zonas de uma cidade pela padronização de aspectos de espaços públicos
(CATUNGAL; MILAN, 2010) e conflitos entre propostas de diversidade regulatória e
tentativas de controle homogeneizado do espaço (LAYARD, 2010). Outros estudos
refletiram sobre o papel do Estado, percebendo adaptações de práticas de agentes
jurídicos a normas sociais locais (VALVERDE, 2011) ou uma aplicação de normas
jurídicas conforme a interpretação desses agentes (LAURESSON; COLLINS, 2007), o
que revela contingências na atuação de burocratas a nível de rua (GUPTA, 2012). Ainda,
há investigações em geografia jurídica que identificam o papel de discursos na regulação
de espaços públicos, identificando estratégias de controle ostensivo de práticas ou a
transformação de espaços para padronizar suas práticas (ATKINSON, 2003), a
mobilização do discurso de manutenção da ordem pública para a regulação do espaço
(MITCHELL, 1996), a redução de espaços a suas funções mais primordiais (BLOMLEY,
2011) ou ainda discursos não-hegemônicos que pautam espaços públicos como local de
participação e pertencimento (BLOMLEY, 2016).
Uma proposição teórica que busca classificar as diferentes relações entre normas
e espaço, contemplando práticas, discursos e regramentos, pode ser chamada de “teoria
da regulação do espaço” (KONZEN, 2013; 2020). A partir de sua tríade de classificações
de tipologias de normas, Konzen (2020, p. 11-12; 2021) propõe quatro pares conceituais
para compreender suas interações com o espaço: a) normas ideológicas e representações
do espaço; b) normas jurídicas e espaços jurisdicionais; c) práticas jurídicas e táticas
espaciais; d) normas sociais e espaços territoriais. As representações do espaço, conceito
desenvolvido a partir da categoria de Lefebvre, dizem respeito à forma como normas
ideológicas, expressas em discursos, determinam diferentes dinâmicas e racionalidades
de produção do espaço, podendo elas influenciar a atuação do poder público e grupos que
detêm o saber e a competência técnicos, mas também estando presente nas articulações
de grupos não-hegemônicos, em normas que entram em conflito com as normas que lhes
são impostas (KONZEN, 2020, p. 12-13). Espaços jurisdicionais, pensados a partir da
discussão estabelecida por Ford, correspondem às fronteiras rígidas estabelecidas por

57
normas jurídicas (KONZEN, 2013, p. 271-272), podendo delimitar o espaço de um país,
estado ou município, mas também zonas e regiões demarcadas dentro deles (KONZEN,
2020, p. 16). A aplicação dessas normas, no entanto, pode ser espacialmente desigual, ou
diferente do que é determinado pelos textos formais: agentes públicos, em suas práticas
jurídicas, podem adotar estratégias de priorização de sua atividade em áreas específicas,
a tolerância, em determinados locais, de comportamentos proibidos, ou mesmo a
implementação de sanções ou normas diversas ao previsto; são táticas espaciais
(KONZEN, 2020, p. 18-19), que constituem uma zonificação espacial (KONZEN, 2013,
p. 275). Espaços territoriais, por fim, são desenhados pelas práticas cotidianas que
produzem normas sociais, ajudando, também, a delimitar que comunidades são sujeitas a
essas regulações, e quem está fora delas (KONZEN, 2013, p. 277-278; KONZEN, 2020,
p. 21-22).
As contribuições teóricas oferecidas por pesquisadores da geografia jurídica – e
em especial a teoria da regulação do espaço – permitem compreender a abrangência de
espaços jurisdicionais como aqueles estabelecidos pelas políticas municipais de
planejamento urbano, assim como papel de normas sociais em delimitar espaços
territoriais em vilas e favelas. As contingências que envolvem as práticas jurídicas
exercidas por agentes institucionais nessas localidades também permitem compreender
como são regulados os usos e a manutenção de espaços de uso comunitário. Partindo
desse marco teórico, este trabalho propõe-se a contribuir com a literatura de geografia
jurídica compreendendo os impactos de processos de regularização fundiária na
regulação de espaços de uso comunitário em vilas e favelas.

3.2 Aspectos metodológicos: os estudos de caso


Como o processo de regularização fundiária impacta a regulação de espaços de
uso comunitário em vilas e favelas? A pergunta que orienta esta investigação, de caráter
exploratório, já é reveladora sobre a natureza qualitativa da pesquisa que foi
desenvolvida, que se expressa tanto na coleta quanto na análise dos dados pela estratégia
do estudo de caso, permitindo compreender um objeto complexo a partir de um exemplo
empírico específico (YIN, 2001). Estudos de caso permitem construir, a partir de análise
das especificidades de um caso concreto, narrativas que permitem a compreensão do
problema explorado (MACHADO, 2017, p. 382-383),. Se os resultados obtidos não
pretendem ser extensíveis a todo o universo de vilas e favelas latino-americanas, podem

58
fornecer reflexões, a nível analítico-teórico, passíveis de dialogar com outras realidades
(PIRES, 2012, p. 180-191).
Uma possibilidade para o desenvolvimento desta investigação, então, seria
observar a regulação dos espaços de uso comunitário de uma vila ou favela ao longo do
tempo, antes e depois de sua regularização. Essa abordagem, contudo, seria de difícil
aplicabilidade, visto a disponibilidade de tempo que seria necessária para tal empreitada,
além das incertezas que envolveriam acompanhar a trajetória de um assentamento
passível de regularização. Optou-se, por isso, por trabalhar com dois casos: uma vila
irregular e outra já regularizada, considerando, como já mencionado, que se encontram
em temporalidades distintas (cf. VALVERDE, 2015). Elas são, respectivamente, Vila
União e a Vila Nossa Senhora da Esperança (conhecida como Vila Esperança), ambas
localizadas no bairro do Belém Velho, em Porto Alegre (Figuras 1 e 2).

Figura 1: Localização das vilas União e Esperança em Porto Alegre.

Fonte: gerada pelo autor em PROCEMPA (2016).

59
Figura 2: Localização das Vilas União e Esperança no bairro do Belém Velho.
Fonte: gerada pelo autor em PROCEMPA (2016).

O que torna esses casos interessantes para o presente estudo é sua proximidade
física: a Vila União e a Vila Esperança são contíguas (Figura 3), apesar de terem sido
estabelecidas e consolidadas em momentos cronológicos distintos. Assim, elas
compartilham algumas características em comum, como o relevo e a vegetação que as
circunda. Além disso, ambas estão inseridas no mesmo tipo de paisagem urbana porto-
alegrense: apesar de o Belém Velho – assim como todos os bairros da capital gaúcha –
ser classificado como urbano, é comum presenciar nele elementos típicos de uma
paisagem rural. Embora ambas as vilas constituam núcleos urbanos – não apenas pela
classificação de seu solo, mas também por seus padrões construtivos e o traçado de sua
ocupação –, é importante destacar que ambas estão localizadas em uma zona de baixo
nível de adensamento, o que também reflete na configuração espacial de ambas. Por fim,
elas também têm em comum seu tamanho – em extensão e população – similar. Isso faz
com que as vilas União e Esperança sejam dois casos passíveis de comparação, analisando
cada uma a partir de uma diferença central: as temporalidades do “antes” e “depois” da
regularização fundiária.

60
Figura 3: Imagem de satélite com os três assentamentos. Fonte: Dupont (2019, p. 23).

Assim, esta investigação busca compreender os impactos do processo de


regularização fundiária na regulação normativa de espaços de uso comunitário em vilas e
favelas a partir de uma comparação entre o antes e o depois da regularização fundiária,
sendo essas duas temporalidades representadas pela Vila União e pela Vila Esperança,
respectivamente. Em cada um dos casos foram implementados determinados métodos de
coleta de dados empíricos, considerando essas temporalidades.
A aproximação com os moradores da Vila União foi feita em 2019 por intermédio
do Grupo de Assessoria Popular (GAP) do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária
(SAJU) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 30 que atua na vila, o
que permitiu a criação de um certo vínculo de confiança com os moradores
posteriormente entrevistados (cf. POUPART, 2012, p. 232). Já na Vila Esperança, o
contato inicial foi feito por um telefonema à Instituição de Educação Infantil (IEI) União
Esperança, localizada no assentamento, por meio da qual foi possível acessar algumas
lideranças locais. Nesse caso, a construção de vínculos de confiança foi um pouco mais
difícil, mas possível graças às pessoas inicialmente contatadas.

30
A atuação do GAP/SAJU-UFRGS foi descrita em alguns trabalhos acadêmicos (cf. BERNI; KONZEN,
2006; TELLES; BALDISSERA; FONTANA, 2006; KONZEN, 2009; SANTOS et al., 2019; ROSA
JÚNIOR et al., 2020).

61
Desde maio de 2019, com algumas visitas ao longo do ano, até março de 2020,
foram feitas observações diretas em ambas as vilas, de maneira a observar os principais
espaços de uso comunitário da vila e possíveis relações estabelecidas pelos moradores
com relação a esses lugares. Em cada assentamento, foi feita uma visita guiada logo no
primeiro contato presencial, orientada por lideranças locais. As observações foram feitas
de maneira não-participante, pois, apesar das limitações dessa abordagem (cf.
CHAUVIN; JOUNIN, 2015, p. 126-128), ela mostrou-se como mais adequada para o fim
almejado: o reconhecimento dos espaços mais usados coletivamente pelos moradores, e
que usos podem ser feitos deles. Além disso, também foi possível a observação, a convite
de lideranças locais, das discussões em três grupos no aplicativo WhatsApp utilizados
pelos moradores da Vila União: um para interações com o GAP, um para diálogos sobre
acontecimentos cotidianos no assentamento e outro para discussões sobre a rede elétrica.
Em todos os casos, a posição do pesquisador e suas intenções foram informadas aos
moradores (cf. JACCOUD; MAYER, 2012, p. 279), mas há de se perceber que o fluxo
de novos integrantes nos grupos – assim como de novos transeuntes nos espaços de uso
comunitário – tornam inviável uma notificação individual de cada usuário.
Entre março e maio 2021, foram conduzidas entrevistas semiestruturadas
(XAVIER, 2017, p. 124-125) – com lideranças da Vila União e da Vila Esperança. A
escolha por entrevistar as lideranças justifica-se porque, nas observações diretas,
percebeu-se que esses sujeitos têm contatos com os moradores como um todo, e
costumam estar presentes no dia a dia dos espaços de uso comunitário de suas respectivas
vilas. Além disso, esses sujeitos são tomados como referências pelos moradores, que
normalmente os apontam, em conversas informais, como aqueles que melhor poderiam
explicar aspectos da vida coletiva local. Diante do contexto da pandemia global de covid-
19, essas entrevistas não foram feitas presencialmente. Desse modo, ao invés de indagar
aos entrevistados qual seria o melhor lugar para o diálogo (cf. BARBOT, 2015, p. 108-
109), foi perguntado qual recurso de ligação de longa distância seria preferível.
As grades das entrevistas foram elaboradas com tópicos a ser seguidos durante as
conversas (RAMOS, 2016, p. 128), pensados a partir das categorias de normas de
procedimento e de comportamento. Assim, considerados os espaços de uso comunitário
identificados (na Vila União, ruas e largos; na Vila Esperança, ruas, calçadas, praças, sede
da associação de moradores e creche-escola), buscou-se compreender como são
estabelecidas as responsabilidades para a sua manutenção e como são controlados seus

62
usos. Além disso, de início, foram feitas perguntas gerais sobre a trajetória da liderança
na vila, o papel desempenhado pela associação de moradores, a existência de outras
lideranças e as relações entre moradores e agentes do poder público. Também foram feitas
perguntas sobre alguns serviços públicos (rede elétrica, água encanada, coleta de lixo e
esgotamento sanitário), que, conforme percebido nas observações, relacionam-se com
dinâmicas espaciais locais. Por fim, também foram incorporadas, às entrevistas, o relato
de algumas narrativas coletadas na etapa de observações diretas, com evidências de
algumas relações entre os moradores e os espaços de uso comunitário. Foi adotado o
critério da saturação, encerrando-se a realização de novas entrevistas quando se tornou
perceptível uma repetição das informações, de maneira a não tornar a coleta de dados
desnecessária e excessivamente longa (PIRES, 2012, p. 198). Ao todo, foram
entrevistadas três lideranças em cada vila.
As lideranças da Vila União demonstraram preferência por entrevistas realizadas
por videoconferências, havendo algumas diferenças apenas quanto à plataforma a ser
usada: a primeira entrevista foi feita pela plataforma Mconf, a segunda pelo aplicativo
WhatsApp e a terceira pela plataforma Google Meet. Na primeira e na terceira, foi
possível exibir imagens de alguns espaços da Vila União, facilitando conversar sobre
esses espaços durante as entrevistas. Na Vila Esperança, todas as lideranças preferiram
que as entrevistas fossem feitas por chamada telefônica. Todas as entrevistas foram
gravadas (em um total de 5 horas, 24 minutos e 11 segundos), com o registro oral do
consentimento dos sujeitos interrogados, para fins de consulta. Optou-se por resguardar
o anonimato desses entrevistados, para que eles se sentissem à vontade em eventualmente
mencionar conflitos ocorridos a respeito de espaços de uso comunitário. A análise dos
relatos foi feita de maneira a identificar as normas que regulam os comportamentos
descritos. Os relatos foram compilados, conforme as temáticas e de acordo com cada vila,
em uma planilha no software Microsoft Excel, de maneira a tentar identificar normas que
possivelmente explicassem as ações relatadas.
Também foi feita uma busca por documentos que indicassem normas jurídicas
determinando a regulação de espaços de uso comunitário na Vila União e na Vila
Esperança. Documentos legislativos, especialmente municipais, considerando o papel dos
municípios na gestão de políticas urbanas, se mostraram importantes. No caso da Vila
Esperança, por ser regularizada e, portanto, reconhecida como parte do tecido urbano
porto-alegrense, foi possível consultar seu regime urbanístico em um website

63
disponibilizado pela prefeitura (PROCEMPA, 2014). Também foram buscados outros
documentos que pudessem revelar interações entre as vilas e o poder público, em
plataformas virtuais de instituições públicas municipais, buscando pelos nomes dos
assentamentos ou de suas associações de moradores como palavras-chave, com a devida
análise da natureza dos documentos encontrados (cf. REGINATO, 2017, p. 217-221).
Mesmo assim, não foram encontrados muitos documentos que tratassem das vilas em
específico, menos ainda envolvendo espaços de uso comunitário.
Em duas ocasiões, que serão melhor explanadas, foram percebidas relações
peculiares entre as vilas e atores públicos específicos: uma entre a Vila União e
funcionários da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e do Departamento
Municipal de Água e Esgotos (DMAE); outra entre a Vila Esperança e o mandato da
vereadora Karen Santos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Nesses casos,
também foram feitas conversas exploratórias por telefone com as instituições públicas e
por videoconferência com a parlamentar (conversa gravada, com duração de 22 minutos
e 45 segundos).
Nos dois tópicos seguintes, serão dadas algumas informações sobre as duas vilas
analisadas como casos neste trabalho. Sua localização no município de Porto Alegre
chama a atenção, pois a cidade já foi destaque por suas iniciativas de instaurar programas
de regularização fundiária, além de desenvolver políticas urbanas participativas como o
Orçamento Participativo (OP) (cf. SELL, 2010) e iniciativas inovadoras como o
instrumento do urbanizador social, que buscava criar parcerias entre o poder público
municipal e sujeitos vinculados à produção de assentamentos irregulares (cf. DAMASIO,
2006). Isso também foi materializado em processos de regularização fundiária marcados
por uma maior participação popular, a exemplo da Vila das Placas, regularizada em 1997
como Condomínio dos Anjos, em que a pressão dos moradores e seu contato frequente
com representantes do poder público municipal proporcionou sua continuidade na
localização original do assentamento e melhorias consideráveis na qualidade de vida31. A
realidade do município certamente mudou com o passar do tempo, mas o fato de ele ter
sido palco dessas experiências permite analisar em maior complexidade o processo de
regularização fundiária estudado e os processos de produção espacial de ambas as vilas.

31
Conversa por videoconferência com Marcos Diligenti, urbanista que acompanhou o processo. O autor
agradece à professora Betânia de Moraes Alfonsin por fornecer o contato.

64
3.2.1 Vila União: à espera da regularização fundiária
A curta história da Vila União é marcada por conflitos com diferentes agentes.
Segundo dados encontrados em uma apostila produzida por integrantes do GAP
(SANTOS, 2019, p. 10), a ocupação do assentamento iniciou-se em julho de 2014, em
terreno desocupado de propriedade privada cujo dono fizera irregularmente um
loteamento na mesma gleba, o Loteamento Elias Buaez (cf. Figura 3). De acordo com o
relato de um dos advogados do GAP em conversa informal, os primeiros moradores
haviam passado recentemente por uma reintegração de posse em outro bairro na periferia
de Porto Alegre e, sabendo que aquele espaço se encontrava desocupado e que seu
proprietário enfrentava processos criminais (inclusive pela prática de realizar loteamentos
irregulares), pensaram que seria um local onde teriam um nível razoável de segurança de
posse. Isso, no entanto, não foram concretizadas como esperado: já no dia 13 de agosto
de 2014 foi expedida pela Vara Cível do Foro Regional Partenon da Comarca de Porto
Alegre uma liminar do processo 1.14.0226459-4 determinando o despejo dos moradores
até o dia 6 de setembro de 2014 (SANTOS, 2019, p. 14).
Na polo ativo da ação, estava a Promotoria do Meio Ambiente do Rio Grande do
Sul, o proprietário das terras e o Loteamento Elias Buaez (ROSA JÚNIOR et al., 2020,
p. 54245). O ingresso do loteamento na ação em julho de 2015 justifica-se porque, quando
a Associação Comunitária de Moradores da Ocupação União II32 (ASSCOMOU) buscou
iniciar um processo de regularização fundiária, foi-lhes solicitado a designação de um
lote para a construção de um equipamento público e a reserva de um espaço para uma
bacia de amortecimento de águas pluviais (Figura 4). A praça foi pensada para suprir a
necessidade de reserva de área para a implantação de equipamentos públicos, indicada
nos artigos 4o, I, 6o e 22 da Lei Federal no 6.766/1979, a Lei de Parcelamento do Solo
Urbano (BRASIL, 1979). Já a bacia de amortecimento justifica-se pelo requerido no
artigo 2o do Decreto no 18.611/201, que exige uma área mínima para a infiltração de água
em toda nova ocupação que resulte em impermeabilização do solo (PORTO ALEGRE,
2014a). A representação dos moradores do loteamento utilizou, como argumento, o
discurso de que haveria conflitos entre os dois assentamentos, o que tornaria necessária a
desocupação da Vila União.

32
O numeral foi adotado quando os moradores constataram a existência de uma outra ocupação União,
cuja localização não foi precisada.

65
Figura 4: Locais aproximados para a praça e a bacia de contenção de águas pluviais no projeto de
regularização fundiária do Loteamento Elias Buaez. Fonte: elaborado pelo autor sobre imagem do Google
Maps, a partir de imagens mostradas em audiência do Ministério Público do Rio Grande do Sul, 2021.

Em 10 de agosto de 2015, os autos do processo foram remetidos ao Centro


Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (TJRS), na tentativa de se conseguir uma conciliação (SANTOS, 2019, p.
15). Por meio desse processo, tentou-se solucionar o conflito entre moradores e o
proprietário por meio da compra dos lotes, o que pode ser entendido como um
instrumento de regularização fundiária (cf. ALFONSIN et al., 2002, p. 112-113). Essa
tentativa, no entanto, não logrou êxito: o proprietário não demonstrou muito interesse na
conciliação, recusando propostas e não comparecendo a audiências.
Em agosto de 2017, um evento alterou o conteúdo do processo. Um grupo de
moradores do Loteamento Elias Buaez gravou vídeos contrariando a postura da
presidência de sua associação de moradores em defender que haveria conflitos entre os
dois assentamentos (SANTOS, 2019, p. 14). Essa situação foi narrada por uma liderança:
(...) gente da Elias que foram contra eles mesmos desmentir as falcatruas que
eles faziam lá com a promotora do Ministério Público, do ambiental. O
presidente lá, ele tirava foto de árvore caindo a todo lugar, dizendo que era o
povo que estava desmatando. Eles arrumavam briga e iam lá fazer uma
ocorrência. Frisavam na ocorrência que a briga era com o pessoal da ocupação
União. (Entrevista, Liderança 2, Vila União).

66
Isso fez com que o tema fosse desconsiderado nas audiências, que passaram a
centrar-se em um possível acordo de compra e venda. Em reação, as lideranças da
associação de moradores do loteamento retiraram o lote de um dos organizadores desse
movimento do processo de regularização fundiária desse assentamento. Esse morador foi,
então, acolhido pela Vila União, e o lote de sua casa foi “anexado” à vila e elegeu-se
presidente da associação de moradores, o que permite perceber algumas contingências
nas fronteiras de assentamentos irregulares urbanos, e possíveis sanções que podem ser
aplicadas por lideranças locais durante processos de regularização fundiária.
A Lei 13.465/2017, conhecida como Nova Lei de Regularização Fundiária
(BRASIL, 2017) teve impactos na trajetória da Vila União. O novo instrumento de
regularização fundiária que ela estabeleceu, a legitimação fundiária, dispensa a
necessidade de reserva de espaços para equipamentos públicos nos projetos de
regularização fundiária. Não sendo mais necessária uma praça para a sua regularização,
o Loteamento Elias Buaez deixou de comparecer nas audiências em 2019, afastando-se
do processo de reintegração de posse. A legislação, em seu artigo 23, também estabeleceu
um novo marco temporal: para estar apto à legitimação fundiária, um assentamento deve
estar consolidado no dia 22 de dezembro de 2016, o que contempla a Vila União (Figura
5). Em 2020 Procuradoria Geral do Município (PGM), que então havia conduzido
processos de legitimação fundiária em assentamentos irregulares urbanos, emitindo mais
de 200 títulos desde 201833, incluiu a Vila União em seu projeto, restando apenas a
solução do conflito envolvendo a reintegração de posse34.

33
Conversa por telefone em junho de 2020 com Vanêsca Buzelato Prestes, então procuradora geral do
município, lotada na Procuradoria de Urbanismo.
34
. Esse processo, no entanto, prossegue em curso, com nova liminar, de 19 de janeiro de 2021, favorável
à remoção dos moradores. O Loteamento Elias Buaez, que ainda precisava de uma bacia de contenção,
retornou ao polo ativo do processo. No momento em que este trabalho foi escrito, o Ministério Público
havia assumido uma postura de mediação, buscando uma saída para estabelecer uma bacia de contenção de
águas pluviais e regularizar ambos os assentamentos.

67
Figura 5: Vila União em 2016, já consolidada. Fonte: Dupont (2019, p. 15).

Apesar de ser relativamente pequena – com 98 famílias identificadas em censo


feito pelo GAP em 2018 (SANTOS, 2019, p. 17) –, a Vila União possui algumas
desigualdades internas. Sua área central, o acesso 5, é onde se encontram as casas mais
consolidadas, a maioria de alvenaria e com fachadas rebocadas e pintadas (Figura 6). Já
outras áreas, como aquela próxima à estrada Afonso Lourenço Mariante (onde está
prevista a bacia de amortecimento do Loteamento Elias Buaez), as casas são menos
consolidadas, em sua maioria de madeira (Figura 7).

Figuras 6 e 7: Respectivamente, casas do acesso 5 e da estrada Afonso Lourenço Mariante, na Vila


União. Fonte: arquivo do autor, 2019.

Na Vila União, não há muita diversidade em espaços de uso comunitário. Eles são
basicamente as ruas, havendo largos em trechos mais amplos de algumas delas. Mas não
há espaços concebidos com o intuito de servir a propósitos específicos da vida coletiva.

68
As reuniões da associação de moradores, por exemplo, costumavam acontecer, até o
início de 2020, em uma igreja batista (Figura 8).

Figura 8: Igreja batista da Vila União. Fonte: arquivo do autor, 2019.

Entre as lideranças identificadas, as de maior destaque estão vinculadas à


ASSCOMOU Outras lideranças, como moradores antigos, pessoas com saberes técnicos
úteis para a vida comunitária e sujeitos que adquiriram a confiança dos vizinhos,
normalmente estão vinculadas à associação, mesmo que isso não seja do conhecimento
de todos, o que é revelado no trecho de uma entrevista: “É tudo no meu portão que eles
batem. Se falta luz, eles me chamam no privado. Tudo. E não é porque eu sou [da
associação], porque a maioria não sabe que eu sou [da associação] ainda (ri)” (Entrevista,
Liderança 1, Vila União). Essas figuras podem mudar com o tempo, visto que, na vila,
desenvolveu-se um mercado informal de imóveis, fazendo com que, inclusive, restem
poucos dos primeiros moradores. Foram identificadas, ainda, quatro lideranças religiosas:
o pastor da igreja batista, sua esposa, a mãe de santo do terreiro de umbanda e seu esposo.
O papel regulatório exercido por esses atores, no entanto, não dizia respeito aos espaços
de uso comunitário. Nesse aspecto, o papel desses líderes é o de apoiar a ASSCOMOU,
dando-lhe maior legitimidade perante os fiéis. Há, ainda, uma outra figura de liderança

69
que, contudo, não habita na comunidade: o gerente do narcotráfico na região. Ele exerceu
importante papel em um evento que envolveu espaços de uso comunitário, que será
descrito no próximo capítulo.

3.2.2 Vila Esperança: quando a regularização fundiária é realidade


A Vila Esperança que existe atualmente, enquanto espaço construído, surgiu a
partir de um processo de regularização fundiária. A vila situava-se, anteriormente, na
avenida Professor Oscar Pereira, no bairro da Glória e, em 1997, foi regularizada por
reassentamento em sua localização atual, processo conduzido pelo Departamento
Municipal de Habitação (DEMHAB). A vila deslocou-se, então, a uma distância
aproximada de 6 quilômetros de logradouros, na direção da região de menor adensamento
do município (Figura 9). Esse processo, naturalmente, envolveu uma mobilização e
pressão dos moradores em diálogo com o poder público, conforme narrado por uma
liderança:
A gente chegou aqui vindo de uma invasão. Eu morava ali na Oscar Pereira,
em um terreno que tinha ali. O pessoal começou a montar casa ali e eu montei
a minha também. A gente veio pra cá em 97, depois de tanta luta, de conquistar
um espaço através do DEMHAB. E aí montamos uma associação com várias
pessoas. Registramos em cartório e tudo. Daí foram feitas reuniões com o
Orçamento Participativo (inaudível), todas as repartições públicas, referente à
invasão. Aí o DEMHAB comprou o terreno para nós e loteou a gente para cá,
desde 97. Até hoje. (Entrevista, Liderança 1, Vila Esperança).

70
Figura 9: Distância aproximada da localização inicial à atual da Vila Esperança. Fonte: Google Maps,
2021.

A titularidade dos lotes pertence ao DEMHAB, que concedeu a posse aos


moradores via Concessão de Direito Real de Uso (CDRU)35. Em 1998, a Vila Esperança
foi demarcada como Área Especial de Interesse Social (AEIS) do tipo 1 pela Lei Ordinária
no 8.150 (PORTO ALEGRE, 1998), com regime urbanístico estabelecido pelo Decreto
no 14.122 (PORTO ALEGRE, 2003). Essa classificação, na época, correspondia a
“imóveis públicos ocupados por população de baixa renda”, conforme alteração na Lei
Complementar no 49, o primeiro plano diretor do município (PORTO ALEGRE, 1979),
feita pela Lei Complementar no 338 (PORTO ALEGRE, 1995). Atualmente, esse tipo de
AEIS corresponde a “assentamentos autoproduzidos por população de baixa renda em
áreas públicas ou privadas”, de acordo com o artigo 76, I, do atual Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) (PORTO ALEGRE, 1999).
Curiosamente, apesar de ter sido reassentada, a Vila Esperança, em sua
configuração atual, foi autoconstruída. Os moradores receberam, do DEMHAB, apenas

35
Para uma descrição do instrumento de regularização fundiária por CDRU, cf. Alfonsin et al. (2002, p.
114-116).

71
os lotes vazios, com indicações de onde seriam pavimentadas as vias públicas. Essa
estratégia também foi utilizada em outros países latino-americanos, de maneira a
economizar os gastos públicos e evitar a demora na construção de conjuntos
habitacionais, o que Cockburn (2014, p. 4) denominou “enfoque do desenvolvimento
progressivo”. Cada família, então, teve que construir sua nova casa com alguns auxílios
do poder público, que só veio efetivamente construir moradias alguns anos depois,
deixando os moradores em condições a princípio precárias, conforme percebido no relato
a seguir:
(...) a gente passou muito trabalho. A gente veio para cá sem água, sem esgoto,
né? Sem saneamento básico, sem asfalto, sem nada. A gente foi largado no
mato, e no mato cada um que fazia a sua. A gente ganhou o terreno, porque
para eles a prioridade era tirar nós da invasão e botar a gente no loteamento.
Quando eu cheguei aqui em 97, foi um susto, né? Porque eu cheguei aqui...
Era muito mato, mato, mato, mato. Não tinha (inaudível), não foi uma
regularização já com tudo certinho. A gente tinha que capinar, a gente tinha...
Os terrenos já estavam demarcados com estacas, uma em cada ponta da frente
e no fundo, né? Então foi bem complicado mesmo. Foi bem complicado
mesmo. (...) De primeiro momento, lá em 2000, 2001, o DEMHAB veio
fazendo casinhas, e com aquelas casinhas várias famílias foram contempladas.
Eu fui contemplada com a Caixa, a casa da Caixa, que tinha naquela época um
fundo negativo. (Entrevista, Liderança 1, Vila Esperança).

Em outro momento da entrevista, a mesma liderança comenta as condições de


vida nos primeiros anos após o reassentamento: “Eu fiquei por três anos sem banheiro,
sem saneamento básico (Entrevista, Liderança 1, Vila Esperança). Ela também relata:
Esse terreno aqui era uma plantação de aipim, de batata doce, de tudo o que
era tipo de verdura. Tinha dono, era um proprietário. Aí aqui era um terreno
de plantação. Do nosso lado tinha um outro proprietário, que criava vaca,
porco, cavalo, né? E o DEMHAB então comprou esse. Por muito anos, a gente
morou... Logo que a gente veio pra cá, a gente morou aqui, foi também um
lugar horrível de morar, até mesmo porque a gente tinha que conviver com o
cheiro que tinha, horrível, de porco, das vacas. É, as pessoas vinham visitar a
gente e não tinha o que fazer, né? Quando o DEMHAB começou a fazer essas
casinhas aí, para entregar para as famílias, o forro da casa era pura mosca. Era
a coisa mais nojenta. Também foi feita uma demanda para tirar esse senhor
que morava ali, né? Porque não tinha condições de ter moradia aqui, de
famílias, com uma criação de porco e de vaca do lado. Até, por muito tempo,
muitas famílias se sustentavam, se mantinham com a feira. Que vinham os
caminhões com aqueles tonéis de frutas, verduras, tudo, largavam ali para as
vacas tudo, e os moradores da comunidade fizeram um furo na cerca e iam lá
e pegavam as melhores frutas, as melhores verduras. Eu participei disso
também, porque quando a gente veio para cá era um merdão do cão.

Com o tempo, essas moradias foram ganhando um maior grau de consolidação.


Obras públicas também foram feitas, instalando equipamentos e serviços comunitários.
O resultado é que a paisagem da Vila Esperança contrasta com a da Vila União (Figuras
10 e 11).

72
Figuras 10 e 11: Vista da Vila Esperança a partir da Vila União. Fonte: arquivo do autor, 2019.

Hoje, a Vila Esperança é dotada de uma certa variedade de espaços de uso


comunitário: ruas pavimentadas, calçadas, a sede da associação de moradores, dois
parquinhos infantis, um campo de futebol, uma instituição de educação infantil (Figura
12) e um posto de saúde (Figura 13).

Figuras 12 e 13: Respectivamente, instituição de educação infantil e posto de saúde da Vila Esperança.
Fonte: arquivo do autor, 2019.

À exceção do posto de saúde, todos os equipamentos são concentrados em uma


área da vila, comumente referida pelos entrevistados como “o centro”. A disposição
desses espaços pode ser vista na Figura 14.

73
Figura 14: Localização de espaços de uso comunitário da Vila Esperança. Fonte: elaborado pelo autor a
partir de imagem do Google Maps, 2021.

Apesar disso, há áreas da Vila Esperança que não são providas de ruas asfaltadas
ou calçadas. São eixos de expansão da vila, terrenos ocupados irregularmente após a
consolidação do núcleo regularizado (Figura 15). Seu surgimento foi apontado como de
“cinco, três anos, para cá” (Entrevista, Liderança 3, Vila Esperança). Em campo, foram
apontadas três origens para esses espaços. A primeira remete ao crescimento populacional
do assentamento, o que foi comentado por uma liderança durante a visita guiada à vila,
que comentou que, com as famílias crescendo, os descendentes dos primeiros moradores
passaram a construir suas casas ao redor do assentamento regularizado. A segunda
engloba pessoas que, por necessidade de moradia, encontraram espaço nesses terrenos:
Atrás da nossa comunidade tem áreas privadas, ali, que é, tipo, uma área da
SMAM [Secretaria Municipal do Meio Ambiente], outra área é da SMOV
[Secretaria Municipal de Obras e Viação], outra área é da CEEE. Essas áreas
aí, elas foram todas invadidas por famílias necessitadas, por famílias que não
têm onde morar, e vieram e foram montando suas casinhas. (Entrevista,
Liderança 1, Vila Esperança).

A outra origem para essa área faz referência a um conflito ocorrido em um passado
recente:
É que, como teve um... Dois anos atrás, teve um conflito bem grande aqui em
questão ao tráfico, muitas famílias tiveram que se desfazer de suas casas aqui

74
e na União, tá? Tiveram que vender, tiveram que ir embora por um tempo. E
quando retornaram, elas começaram a invadir esse espaço, porque as suas
casas mesmo já estavam vendidas. Então, assim, é morador, é parente de
morador. (Entrevista, Liderança 3, Vila Esperança).

Figura 15: Eixo de crescimento irregular da Vila Esperança. Fonte: elaborado pelo autor a partir de
imagem do Google Maps, 2021.

Embora haja previsão de que novas construções feitas no interior da AEIS sejam
regularizadas conforme o regime urbanístico estabelecido por ela (PORTO ALEGRE,
2000), não é o caso dessa área. A expansão irregular da Vila Esperança deu-se fora do
espaço jurisdicional demarcado como AEIS, ocupando um outro espaço jurisdicional,
demarcado como Área de Proteção Ambiental (APP) (Figura 16).

Figura 16: Espaço jurisdicional da AEIS da Vila Esperança. Fonte: PROCEMPA (2014).

75
Além disso, apesar de haver uma demanda pela regularização desses espaços, em
articulação com a associação de moradores, eles permanecem irregulares, o que não os
exclui do espaço territorial definido pela Associação de Moradores da Vila Esperança
(AMOVESP), conforme exposto no trecho de entrevista a seguir:
Essas pessoas pedem que a associação corra por elas em prol da legalidade do
terreno, né? Fica um pouco difícil para a associação de moradores fazer isso,
até porque são áreas que já foram constatadas como área de preservação
ecológica, área particular, né? A gente tá com essa dificuldade. Então, quando
é área particular, assim, a associação não se envolve. Mas, independente disso,
pela minha pessoa, a gente procura sempre ajudar essas pessoas, né?
(Entrevista, Liderança 1, Vila Esperança).

Não há, assim, um entendimento de descontinuidade, nem territorial e nem social


entre a área regularizada e o eixo de expansão irregular da Vila Esperança:
Não são pessoas totalmente estranhas. Claro que tem algumas, né? Mas não
são todos estranhos. Então todo mundo já se conheceu, todo mundo já sabe
quem é filho de quem. Então é uma relação, assim, digamos, harmoniosa (ri).
Não tem essa disputa de “ah, você é de lá, eu sou daqui”, entendeu? Porque
eram pessoas que já estiveram na vila, ou já conhece alguém que esteve, ou é
primo de alguém aqui da vila que falou que estava invadindo e que veio invadir
aqui, entendeu? Então são relações bem estreitas, assim, e a gente tenta não
fazer essa distinção também na escola e na creche: “ah, tu não faz parte da
comunidade, tu não pode participar”. A gente tenta, de todas as maneiras,
assim, de integrar eles, né? (Entrevista, Liderança 3, Vila Esperança).

Por outro lado, essa diferenciação é feita em relação à Vila União. Em uma
iniciativa de renovação da rede elétrica feita pela ASSCOMOU – que será melhor descrita
no próximo capítulo – e mobilizada em um grupo de WhatsApp, um morador da área
irregular da Vila Esperança sinalizou interesse em ser contemplado, ao que lhe
responderam que a ação era apenas para moradores da Vila União. Assim, embora haja
interações entre ambos os assentamentos (expresso no fato de, por exemplo, um morador
da Vila Esperança estar em um grupo virtual de moradores da vila vizinha), há uma
definição de comunidades distintas, pertencentes a dois espaços territoriais que não se
confundem. Em um trecho de grande proximidade entre a Vila União e a área de expansão
irregular da Vila Esperança, onde as casas desta situam-se em uma área alagadiça
decorrente da existência de um pequeno arroio, um muro de madeira demarca a separação
entre esses dois espaços territoriais (Figura 17). A origem desse muro seria, segundo uma
das lideranças entrevistadas, “pelas casas mesmo” (Entrevista, Liderança 1, Vila União),
isto é, construído para demarcar o terreno daquelas casas da Vila Esperança. Contudo,
chama a atenção o fato de ele prosseguir em áreas não edificadas, mas pertencentes a esta

76
vila. De todo modo, observou-se que a existência do muro é utilizada para diferenciar os
assentamentos. Em uma conversa informal, uma moradora da Vila União revelou sua
vontade de integrar ambas as vilas, o que ela ilustrou pela derrubada do muro.

Figura 17: Muro que separa trecho das vilas União e Esperança. Fonte: arquivo do autor, 2019.

Em outros trechos, há marcos de concreto que sinalizam essa separação (Figura


18). Sua origem também é incerta, mas uma liderança especulou que podem ter sido
colocados pelo proprietário das terras particulares para delimitar sua propriedade ou pelo
DEMHAB, com o mesmo propósito. De todo modo, esses marcos, assim como outros
elementos físicos, são utilizados pelos moradores para demarcar a fronteira entre as duas
vilas:
É uma linha imaginária que instalaram. Tem uma linha imaginária, técnica...
Tem uma igreja evangélica lá na outra parada (referindo-se a uma das paradas
de ônibus da Vila Esperança). Sabe a Afonso Lourenço? Na parada lá tem uma
igreja evangélica. Tem uma linha imaginária que vai da ponta daquela igreja
até fora da torre (de alta tensão) ali, parece. Quatro, cinco metros depois da
torre. É uma linha imaginária que tem ali. Que é do terreno. O DEMHAB
tampou até essa linha imaginária. Só que, na realidade, bem na frente da torre,
tem casas, ali, que é do lado: a casa do lado é da Esperança e a outra não é. São
lindeiros, os terrenos, porque pega na linha. (...) Não é só uma linha imaginária.
Tem os marcos, né? Tem um marco ali, parece. Um negócio de concreto ali,
que é um marco.
E quem botou esse marco foi o DEMHAB?

77
Ou foi o pessoal do DEMHAB, ou foi o Proprietário, porque, no caso, aí, a
União é do Proprietário, né? Do Proprietário. Não sei se foi ele ou se foi o
DEMHAB que botou para não pegar mais parte (inaudível). Tava alegando
que a terra era dele, mas não era. Era da Prefeitura. Área verde, né? É AEIS,
né? É AEIS. E a AEIS é lindeira com a União, mas ali é AEIS, tá? Aí eles
fizeram a linha imaginária ali. Botaram uns marcos ali, uns dois ou três marcos
ali. (inaudível) Lá da ponta da igreja, ali, dessa linha para cá é DEMHAB, para
a direita é União. (Entrevista, Liderança 2, Vila União).

Figura 18: Marco de concreto que sinaliza a fronteira entre as vilas Esperança e União. Fonte: imagem
fornecida por liderança da Vila União, 2021.

Essa “linha imaginária” descrita no trecho acima em muito corresponde com as


fronteiras estabelecidas pelas matrículas dos terrenos, isto é, por espaços jurisdicionais,
conforme pode ser observado na Figura 4, apresentada no tópico anterior. A igreja
evangélica mencionada comprou seu terreno do proprietário, em lote da mesma gleba
onde foi feita a ocupação que originou a Vila União. O templo, de área triangular, cuja
ponta (Figura 19) é usada como referência para perceber a fronteira entre os
assentamentos, fica exatamente ao lado da área comprada pelo DEMHAB. No entanto, a
linha imaginária teve suas adaptações, sendo moldada por práticas espaciais dos
moradores. Desse modo, parte das casas da Vila Esperança construídas nas margens do

78
arroio, exatamente aquelas separadas da Vila União por um muro, fariam parte ao espaço
jurisdicional correspondente às terras de propriedade privada, mas fazem parte do espaço
territorial da Vila Esperança. Essa fronteira é importante a ponto de essas casas sequer
serem disputadas no processo de reintegração de posse, não havendo notificação de seus
moradores. Isso também importa, naturalmente, para a circulação de normas sociais:
esses moradores relacionam-se às lideranças da Vila Esperança e às normas estabelecidas
nas relações cotidianas locais.

Figura 19: Entre as árvores, ponta de fachada de igreja utilizada como marco para a fronteira entre as
vilas União e Esperança. Fonte: imagem fornecida por liderança da Vila União, 2021.

Dentre as lideranças identificadas na Vila Esperança, a AMOVESP tem papel de


destaque, relacionando-se com todos os moradores e sendo percebida como instituição
legítima para regular a vida local. Funcionários da creche-escola, principalmente aqueles
que ocupam cargos administrativos, também são percebidos como lideranças, inclusive
por terem relações estreitas com a associação. Também há a presença de traficantes de
entorpecentes que atuam na região do bairro Belém Velho, onde estão situadas ambas as
vilas. No entanto, eles não estabelecem normas que regulam espaços de uso comunitário,
à exceção de um, que será explorado no próximo capítulo.

79
Ambas as vilas, portanto, apresentam características semelhantes, em termos de
tamanho, localização e perfil de lideranças que regulam a vida local. Percebendo que
ambas situam-se em temporalidades distintas – anterior e posterior à regularização
fundiária –, o estudo delas enquanto casos permite compreender como esse processo
impacta a regulação de seus espaços de uso comunitário, a partir de um olhar para as
normas desse tipo detectadas em cada um desses assentamentos.

4 OS IMPACTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA REGULAÇÃO DOS


ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO

Neste capítulo, busca-se compreender, a partir dos estudos de caso, como o


processo de regularização fundiária impacta a regulação dos espaços de uso comunitário
em vilas e favelas. Na seção 4.1, o objetivo é identificar quais normas orientam a
regulação dos espaços de uso comunitário em vilas e favelas no momento anterior à
regularização fundiária – temporalidade representada pelo caso da Vila União. Na seção
4.2, o objetivo é entender quais normas regulam esses espaços uma vez concretizado o
processo de regularização fundiária – momento representado pelo caso da Vila Esperança.

4.1 Da irregularidade vivenciada à regularidade pretendida: o papel das normas


sociais emanadas da associação de moradores
Esta subseção discute as normas que regulam os espaços de uso comunitário em
vilas e favelas no momento da irregularidade vivenciada, a partir do estudo de caso da
Vila União. A análise do material empírico coletada está organizada em quatro subseções
temáticas – discutindo a manutenção e o uso das ruas, o projeto de praça e de áreas livres,
a destinação dos resíduos e as redes de água e energia – que convergem para uma síntese
conclusiva.

4.1.1 A manutenção e o uso das ruas


Na Vila União, falar de espaços de uso comunitário implica, necessariamente,
tratar de espaços identificados pelos moradores como “ruas”, “acessos” ou “becos”. Neste
trabalho, elas serão referidas, genericamente, como ruas. Em sua totalidade, as ruas da
Vila União não possuem calçadas, à exceção de alguns recuos com gramíneas próximos
aos muros ou cercas das casas. Em sua maioria, as ruas da Vila União não são

80
pavimentadas, sendo feitas de terra batida, a exemplo do Beco Três (Figura 20) e da Rua
Oito (Figura 21).

Figura 20: Beco Três. Fonte: Google Street View, 2019.

Figura 21: Rua Oito. Fonte: Google Street View, 2019.

Há duas exceções, que correspondem a ruas onde situam-se as fronteiras da Vila


União. Uma delas é a Rua Nove (Figura 22), fronteiriça com o Loteamento Elias Buaez.
Nela, é possível perceber que houve, no passado, uma pavimentação, que foi feita por
iniciativa dos moradores do loteamento, mas que hoje encontra-se desgastada,
prevalecendo a cobertura por terra. A outra rua pavimentada é a Estrada Afonso Lourenço
Mariante (Figura 23), formalmente reconhecida e mantida pela Prefeitura Municipal.

81
Figura 22: Rua Nove. Fonte: Google Street View, 2019.

Figura 23: Estrada Afonso Lourenço Mariante. Fonte: Google Street View, 2019.

Além das ruas, não há outros tipos de espaços de uso comunitário. Algumas ruas,
no entanto, têm trechos de maior largura, onde formam-se largos, nos quais foi possível
perceber, nas observações de campo, seu uso para o lazer infantil, a exemplo do largo no
final do Acesso Cinco (Figura 24).

82
Figura 24: Largo no final do Acesso Cinco. Fonte: acervo do autor, 2019.

A regulação dos usos das ruas por crianças foi investigada nas entrevistas, e a
resposta foi que, embora o espaço de lazer seja a rua, não é em qualquer rua, e nem em
qualquer parte da rua, que esse tipo de uso é adequado:
As crianças ficam na rua, né? Porque não tem muito espaço. Ali na frente da
casa da Fulana ou aqui na frente da minha, naquele local do outro lado da rua,
ali.
São lugares com mais espaço na rua?
Isso, isso. Elas vão porque tem mais espaço ali. E tem onde eles brincarem.
(Entrevista, Vila União, Liderança 3).

Esses apontamentos foram confirmados nas observações. De fato, são nas ruas
mais largas que as crianças brincam, e elas os fazem nas margens dessas ruas, de maneira
a manter um espaço livre para a circulação de veículos. Isso garante, ao mesmo tempo, a
segurança física das crianças e o fluxo de carros e motocicletas.
Não são apenas as brincadeiras infantis que evitam o bloqueio das vias de
circulação local. As reuniões de moradores para festas costumam ser feitas nos pátios de
casas. Nas ocasiões em que esses eventos ocorreram em espaços de uso comunitário,
também foram evitados transtornos sobre a ocupação da rua:

83
Festa de Natal, coisa assim, só quando é da comunidade, assim, que às vezes
vem pessoal, alguém fazer uma doação, coisa assim. Já houve, outra vez, aí em
cima, próximo da antena. O pessoal da igreja fazia alguma festinha, né? Na
rua, coisa assim...
E quando acontecem essas coisas, tem que ter... Porque as pessoas vão ficar
ocupando a rua, né? De certa forma tem que avisar o pessoal, sobre a
passagem de carro, coisa assim, ou não precisa?
Depende do local que se usa, né? Como se fez lá em cima na antena, lá não
tem nada que impeça, não tinha como impedir nada assim, daí foi tranquilo,
assim.
Sim. Então preferem usar esses espaços que não vão bloquear a rua?
Isso, isso. (Entrevista, Vila União, Liderança 3).

A resposta foi parecida ao se tratar das reuniões da associação de moradores, nos


casos em que não são realizadas nos pátios de lideranças ou na igreja batista:
Não, a gente já fez. Principalmente, assim, em função da pandemia, precisamos
fazer na frente da Fulana, a gente fazia ali, até. Quando tava nessa situação da
luz, também, desse outro movimento aí. Aí a gente fazia as reuniões mais ali
na frente da Fulana, ali na antena, na rua, naquele espaço ali. Então fazíamos
mais por ali, assim.
Mas deu algum problema com gente tentando passar, ou... Acho que ali nem
ocupava, né?
Não, não atrapalha também. É. (Entrevista, Vila União, Liderança 3).

Essas situações práticas, que visam evitar transtornos com moradores que
precisem passar em seus veículos pessoais, parece ter moldado, nas práticas cotidianas da
Vila União, um dever de não bloquear as ruas. Isso parece dialogar com o discurso
jurídico do pedestrianismo identificado por Blomley (2011), que pode levar ao controle
de comportamentos que dificultem, em espaços públicos, seus usos mais essenciais,
reduzindo-os a essas funções. Isso faz com que alguns locais específicos sejam
prioritários para a ocupação por atividades temporárias, por não apresentarem o risco de
conflitos com motoristas.
Em alguns casos, sobretudo com bloqueios mais difíceis de se solucionar a nível
imediato, essa regulação mostrou-se mais evidente, como quando um carro foi
estacionado de maneira a bloquear parcialmente a entrada de uma rua. Uma liderança
denunciou o ocorrido, publicando, em um dos grupos de WhatsApp, imagem do veículo
com identificação de sua placa e solicitando sua retirada (Figura 25).

84
Figura 25: Queixa, em grupo no aplicativo WhatsApp de moradores da Vila União, de carro estacionado
de modo a bloquear rua. Fonte: WhatsApp, 2020.

A exposição pública da conduta, com menção a seus efeitos prejudiciais à


vizinhança – ressaltando que a disposição do veículo impedia a passagem de outros carros
e, sobretudo, do caminhão de lixo – foi a alternativa encontrada para sancionar seu autor.
E isso surtiu efeito, conforme relatado pela liderança que fez a denúncia:
Eu nunca conseguia descobrir quem era o dono do carro. Eu nunca conseguia,
né? E foi um dia que eu cheguei. Eu fiquei tão irritada, mas eu fiquei tão
irritada. Acabei botando no grupo. Depois até me arrependi, né? Não deu nada,
tipo, não deu problema, né? A pessoa... Até (inaudível) ninguém me respondia
no grupo de quem era o carro. Aí na manhã seguinte a pessoa foi tirar o carro.
Aí eu levantei cedo e disse "eu vou cuidar dele". Aí conversei com ele de boa
e deu. Nunca mais aconteceu. (Entrevista, Vila União, Liderança 1).

Essas narrativas apontam para a existência de uma norma social construída no dia
a dia das relações locais: “É proibido bloquear as vias de circulação de veículos”. A norma
é aplicada a todos os moradores, e regulam o comportamento referente à ocupação de
espaços de uso comunitário de maneira a garantir a livre circulação de veículos
automotores.
Houve momentos da história da Vila União, no entanto, em que essa norma
continha exceções. Nas entrevistas, foi relatado que, quando havia bocas de fumo no

85
interior da vila, era comum que fosse feito um controle, pelos traficantes, de quem entrava
no assentamento, de maneira a evitar o acesso de adversários. Isso era feito por meio de
bloqueios nas ruas, conforme relatado a seguir:
Assim, para nós, estavam na deles ali e tal, para nós, diretamente não nos
prejudicava, né? Mas é horrível chegar com a família, chegar com um familiar,
chegar alguém ali e te receber com uma arma, né? Ou então (inaudível) na
mão, né? E baixar farol e aquelas coisas que fazem ali. Mas graças a Deus,
espero que seja coisa do passado.
Então chegou momentos de eles fazerem esses "pedágios", né? Digamos...
Ah, teve, né? Até trancar e ficar, e trancar rua e ficar cobrando as pessoas.
Cobrando não, mas ficar vendo quem é, quem é que quer entrar, ou baixar
farol, controlando quem entra ou está lá. (Entrevista, Vila União, Liderança 3).

É como se houvesse, nesse período, uma norma social produzida pelos próprios
narcotraficantes, cujo enunciado afirma “É permitido ao tráfico local bloquear ruas”. Essa
norma regula o comportamento daquele grupo, autorizando uma prática vedada aos
demais moradores, que, por outro lado, ficam sujeitos a outra norma social produzida pelo
tráfico: “Todos que entrarem na Vila União devem parar e identificar-se aos
narcotraficantes quando solicitado”. Para além dos bloqueios feitos por indivíduos, houve
uma tentativa de fechar o acesso a uma rua com objetos, o que gerou um conflito com a
polícia:
(...) quando tava com a função da gurizada ali, que tentaram fechar essa rua da
descida da Fulana ali. Mas aí era a turma do tráfico que tentaram fechar, né?
Com madeira, sei lá o quê. Botaram uns cavaletes na rua, naquele beco ali. Aí
a polícia mesmo já vieram e quebraram tudo de cara. (Entrevista, Vila União,
Liderança 3).

A reação da polícia foi feita não com o objetivo de impedir o fechamento de uma
via pública, e sim para evitar o fortalecimento do grupo narcotraficante. Nesse momento
da história da Vila União, evidencia-se uma prática jurídica de policiais que impediu um
comportamento por parte de narcotraficantes, regulação essa que pode ser comum à
atividade policial em outros contextos análogos. Essa regulação visava o comportamento
de um sujeito específico – o grupo associado ao comércio varejista de entorpecentes na
Vila União. A saída da boca de fumo que havia na vila, de todo modo, extinguiu, também,
esse conjunto de normas e práticas que estabeleciam conflitos de narcotraficantes com
moradores e policiais.
Pelo observado em campo, associado aos dados coletados nas entrevistas,
percebe-se que, além desse evento, a polícia não exerce um papel muito ativo em regular
atividades cotidianas em espaços de uso comunitário na Vila União. Foi relatado,
contudo, que é comum ter algumas incursões policiais, com a revista de transeuntes,

86
especialmente aqueles que caminharem pelas ruas durante a noite, como narrado por uma
liderança: "Claro, tem o paredão. (inaudível) depois de 21h estão ali, a polícia e bota todo
mundo no paredão. É o normal da polícia.” (Entrevista, Vila União, Liderança 2). Trata-
se de uma prática jurídica rotineira por policiais, que entendem o trânsito pelas ruas de
uma vila durante a noite como comportamento suspeito36. Esses hábitos, naturalmente,
sujeitam os moradores da vila a essas revistas.
Outras normas regulam as ruas em seus trechos mais próximos aos muros, espaços
que seriam equivalentes a uma calçada ou ao meio-fio em outros contextos. Há formas
de controle, por exemplo, de onde devem ser estacionados os carros, o que pode ser
ilustrado por outro conflito deflagrado em um dos grupos de WhatsApp. Uma moradora
publicou uma foto de um veículo estacionado em frente a sua casa, demandando sua
retirada, pois ela afirma necessitar daquela vaga (Figura 26).

Figura 26: Reclamação, em grupo de moradores da Vila União no aplicativo WhatsApp, sobre o
estacionamento de carro em frente à casa de uma moradora. Fonte: WhatsApp, 2021.

36
Para um estudo sobre abordagens por atitude suspeita em Porto Alegre, cf. Goldani (2018).

87
Em menos de trinta minutos após a publicação da queixa, a autora da foto
informou que o veículo fora retirado. Assim como no caso de estacionamento indevido
de veículo, a exposição pública, em um grupo virtual frequentado por mais da metade dos
moradores do assentamento, foi a sanção para a prática considerada irregular. Dessa vez,
a norma social em questão determina “Cada morador deve estacionar seus veículos em
sua garagem ou diante de sua casa”, impedindo o estacionamento diante da residência
alheia, para evitar conflitos como esse, em que uma moradora ficou impossibilitada de
parar seu carro perto de sua casa. Essa norma, que regula o comportamento de todos os
moradores, foi formuladas por tensões e conflitos cotidianos em casos concretos
ocorridos na Vila União.
Outra narrativa permite perceber essa relação de cara morador com o trecho de
rua imediatamente rente à sua casa. Contando o que fizera ao remover uma caçamba de
lixo perto de sua casa – caso que será relatado em detalhes adianta –, uma liderança relata:
Já botei uns pneus, botei umas flores. Aí tinha ficado até bem bonito ali.
(inaudível) Aí enchi de pneus coloridos, pintei com a criançada. Chamei as
crianças (inaudível). Pintamos, colocamos flores. Aí depois quando a vizinha
nova que veio pra ali e fez uma entrada de carro que tirou, mas tinha ficado
bem bonito. A visão do lixo para o pneu pintado, bonitinho, ficou bem legal.

Por um lado, essa fala revela que a permissividade à ocupação de vias públicas de
modo a não bloquear o fluxo de veículos é extensível não apenas a pessoas, mas também
a objetos. O fato de a liderança ter instalado um canteiro comunitário revela uma norma
que determina “É permitido dispor itens para decorar as ruas”, que deve estar em
equilíbrio com a proibição ao bloqueio da passagem. A remoção do canteiro por uma
vizinha, por outro lado, revela a prioridade de cada morador em relação ao espaço
imediatamente diante de sua casa. Pode-se detectar, assim, uma norma segundo a qual
“Cada morador pode dispor como preferir do trecho de rua diante de sua residência”.
Ambas as normas regulam o comportamento dos moradores. É possível que a ausência
de conflitos sobre essas questões não tenha criado a necessidade de uma norma proibitiva,
de onde pode subentender-se uma permissão.
Essa relação de cada morador com o espaço de uso comunitário fronteiriço a seu
espaço privado parece ecoar, em práticas locais, algumas normas jurídicas municipais. O
artigo 28 da Lei Complementar no 12/75 dispõe que
Os proprietários de terrenos, edificados ou não, localizados em logradouros
que possuam meio-fio, são obrigados a executar a pavimentação do passeio
fronteiro a seus imóveis dentro dos padrões estabelecidos pelo Município e

88
mantê-los em bom estado de conservação e limpeza (PORTO ALEGRE,
1975a).

No mesmo sentido, o artigo 26, § 1o, da Lei Complementar no 678/11 estabelece


que
Fica a cargo do proprietário do imóvel a adaptação dos pisos táteis de alerta e
direcional nas calçadas existentes, ou a adequação de novas, sua ligação com
a rota acessível e a responsabilidade pela manutenção preventiva e permanente
na extensão de toda a frente do lote (PORTO ALEGRE, 2011a).

Embora não tratem sobre as práticas narradas acima, os dispositivos determinam


uma relação entre o proprietário de um imóvel e o passeio público diante de seu lote. Sem
calçadas, a Vila União parece ecoar uma racionalidade que atrela cada morador ao trecho
de rua diante de sua casa: é direito desse morador utilizá-lo para estacionar veículos ou
dispor dele de outros modos, como construindo uma rampa de acesso a sua garagem. As
práticas espaciais que originaram essas normas sociais, assim, dialogam com normas
jurídicas municipais.
Há, por fim, normas que estabelecem procedimentos no que diz respeito à
manutenção das ruas, como o reparo de buracos para garantir maior segurança no fluxo
de veículos. Essa atividade, assim como outros exemplos envolvendo a manutenção de
infraestruturas locais, envolve certas expectativas formuladas pelos moradores sobre o
papel da associação de moradores, a qual acaba assumindo certas responsabilidades,
como pode ser percebido na fala a seguir, feita após a liderança ser perguntada sobre o
que os moradores esperam que a associação faça:
Ah, praticamente tudo, né? Tudo, né? Ah, se a luz tá ruim, se a água tá ruim,
se as ruas estão esburacadas. Então tudo, né? Eles não participam muito de
nada, não ajudam com nada, até ir para uma reunião é difícil. Mas, na verdade,
cobram de tudo mesmo. Como se... Parece que a associação ganha para isso,
né? Então isso é bem complicado aqui, essa parte.
E a associação acaba assumindo todas essas responsabilidades que as
pessoas esperam?
O que é cabível dentro das nossas possibilidades, a gente tenta, né? (Entrevista,
Vila União, Liderança 3).

Nesse sentido, houve uma gestão da ASSCOMOU que assumiu o papel de


organizar a manutenção de ruas, articulando, junto aos moradores, contribuições para a
compra de materiais e mutirões para realizar as obras necessárias, conforme relata uma
liderança:
Na minha gestão, eu fazia o seguinte. O pessoal reclamava, reclamava "ah, tem
que dar jeito nisso aí". Eu fazia uma reunião: "olha, vamos. Aceitamos
voluntários para arrumar o buraco na rua do menino". A gente junta lá, uns

89
cinco, seis voluntários. Junta o ferramental, coloca pá e picareta, e arruma
aquele buraco. Ou então: "vamos fazer uma vaquinha aqui, comprar um
caminhão de caliça e espalhar". (Entrevista, Vila União, Liderança 2).

Percebe-se, nessa narrativa, que essa gestão da associação de moradores assumia


certas expectativas da população local, o que fez surgir uma norma que enuncia: “Cabe à
associação de moradores organizar a manutenção das ruas”. Essa norma não regula o
comportamento, e sim o procedimento, estabelecendo o sujeito que tem a
responsabilidade de viabilizar, como couber, a manutenção desses espaços de uso
comunitário.
Na gestão seguinte, no entanto, essa norma parou de surtir efeito. Um movimento
no processo de reintegração de posse direcionou os esforços da ASSCOMOU para as
audiências, deixando a manutenção das ruas para um plano secundário. Nesse contexto,
práticas cotidianas dos moradores reorganizaram a regulação dessa atividade, mudando,
também, os sujeitos responsáveis pela manutenção das ruas, o que é expresso no seguinte
relato:
As ruas, na verdade, são assim: a gente mesmo que dá um jeito. A gente que
resolve, a gente que compra terra, que enterra. A gente... Quando tá muito
buraco, que a gente não consegue nada, não consigo ligar pro 156, não consigo
nada, a gente apela pra fazer uma vaquinha. Mas vou te dizer: é meia dúzia que
ajuda.
E quem tem que tocar isso é a associação, também?
Não... Até, não que seja bem exatamente a associação, entendeu? Mas a gente
que tá envolvido acaba se envolvendo, né? Mas normalmente, tipo, eu aqui, eu
não tenho problema na minha rua. Não tenho problema. Já aqui do lado, já foi
bem horrível, aí os vizinhos foi que se juntaram pra comprar aterro, pagaram
patrola, tudo por conta deles, né?
Então são os moradores dos arredores, né? Os moradores da rua.
São os moradores da rua. (Entrevista, Vila União, Liderança 1).

Em outro exemplo, moradores do Acesso Cinco somaram esforços para solucionar


o grande fluxo de água que jorrava pela rua no período chuvoso, dificultando o trânsito e
mesmo alagando algumas casas. A solução encontrada foi instalar uma espécie de
lombada (Figura 27) na entrada da rua, em seu ponto mais alto, para reter parte da água
que escorria pela ladeira. Isso foi narrado por uma das lideranças entrevistadas, ao
descrever como é feita a manutenção de ruas na Vila União:
Geralmente, os incomodados é que têm que se virar (ri). Tipo assim, agora
mesmo, aqui, a rua da Fulana, aqui do lado, colocou... Tava horrível ali, corria
água toda hora de cima lá. Tu não tinha condições de entrar os carros, e muita
água lá em baixo, no pessoal. Até entrando água nas casas lá de baixo. Então
aquela turma, o pessoal da rua ali decidiram, compraram várias caçambas de
saibro para colocar e pagaram, e colocaram, e arrumaram. Então são coisas
que... É, os incomodados que têm que se disponibilizar. (Entrevista, Vila
União, Liderança 3).

90
Figura 27: Lombada feita por moradores do Acesso Cinco para contenção da água da chuva. Fonte:
imagem fornecida por liderança da Vila União, 2021.

Essas narrativas mostram práticas espaciais que são, essencialmente, resoluções


de problemas cotidianos enfrentados pelos moradores da Vila União. Se a rua está com
vários buracos, seus moradores – ou parte deles – unem-se para resolver o problema com
os meios dos quais conseguirem dispor. Do mesmo modo, se uma rua, por sua inclinação,
está proporcionando problemas com o fluxo hídrico durante o período chuvoso, seus
moradores constroem, em conjunto, uma estrutura para conter a água. No entanto, esses
hábitos parecem ter consolidado uma norma social determinando “A manutenção de cada
rua é responsabilidade daqueles que moram nela”. Essa norma cria um procedimento:
quando há problemas em uma rua, não se deve esperar uma solução por parte da
ASSCOMOU, tampouco dos moradores como um todo, e sim daqueles que a habitam.
Essa estratégia regulatória, naturalmente, é facilitada pela rede viária da Vila União, com
ruas secundárias que partem de uma principal sem entrecruzarem-se entre si (Figura 28),
com apenas uma exceção. Mesmo assim, até a Rua Oito, a principal e pela qual todos
devem passar para acessar o assentamento, é regulada por essa norma.

91
Figura 28: Rede viária da Vila União. Fonte: produzida pelo autor a partir de imagem do Google Maps,
2021.

No que diz respeito às ruas como espaços de uso comunitário, na Vila União, sua
regulação parece ser feita sobretudo por normas sociais. Estando em uma temporalidade
de irregularidade, não há de se esperar que o poder público municipal assuma a
manutenção desses espaços. Esse papel é assumido por agentes locais, a partir de práticas
e expectativas dos moradores, o que é estabelecido em normas sociais de procedimento.
A regulação dos usos desses espaços também é feita por normas de comportamento
produzidas no dia a dia local, à exceção das práticas jurídicas de policiais e dos
regramentos estabelecidos, no passado, por um grupo narcotraficante. É por normas
sociais que as ruas são reguladas, com uma espacialização que compreende os limites do
assentamento, constituindo um espaço territorial.

4.1.2 O projeto da praça e as áreas livres


Como assinalado anteriormente, a Vila União não dispõe de praças ou parques,
tendo nas ruas seu único tipo de espaço de uso comunitário. No entanto, a ideia de instalar
uma praça foi mencionada mais de uma vez pelas lideranças locais. A primeira menção
foi feita em uma reunião dos moradores com o GAP, quando uma liderança se dirigiu a
membros do grupo e perguntou: “Vocês acham que fazer benfeitorias na comunidade
ajuda para que eles decidam a nosso favor?”. Em seguida, ele explicou que um morador

92
se mudara da vila recentemente e, após demolir sua casa, doou o terreno (Figura 29) à
ASSCOMOU para a construção de uma praça. A instalação desse espaço de uso
comunitário cumpriria uma dupla função: por um lado, ofereceria uma área de lazer,
especialmente para as crianças da Vila União, por outro, ajudaria a mostrar aos agentes
do poder público que tratavam do processo de reintegração de posse um maior grau de
consolidação do assentamento.

Figura 29: Espaço doado à ASSCOMOU por morador para instalação de praça. Fonte: acervo do autor,
2019.

A segunda menção foi feita em uma das entrevistas, na qual uma liderança
expressou a intenção da atual gestão da ASSCOMOU em instalar uma praça: "Não temos
praça, que é uma vontade que a gente tem, de montar uma praça agora, futuramente, que
é uma das coisas que eu quero fazer. (...) Tem o espaço lá em cima, que seria bom para
montar uma praça, e a gente quer isso, porque a gente não tem nada disso.” (Entrevista,
Vila União, Liderança 1). Em ambos os casos, a responsabilidade de instalar uma praça
foi atribuída à associação de moradores. Isso permite identificar uma norma que afirma:
“A instalação de espaços de uso comunitário de lazer é responsabilidade da associação
de moradores”. Trata-se de uma norma de procedimento, que atribui a competência de
uma função a um sujeito local.
O primeiro projeto de instalação de uma praça acabou enfrentando alguns
percalços. Com consentimento e o apoio das lideranças locais, o GAP ofereceu ajuda para

93
a construção de alguns mobiliários urbanos. No segundo semestre de 2019, um arquiteto
ligado ao grupo foi à Vila União para buscar os melhores lugares para se instalar uma
praça, uma horta comunitária e uma pequena biblioteca infantil. O espaço cedido pelo
antigo morador era um deles, mas era preciso encontrar outros dois. Um dos espaços
propostos pelo arquiteto era um terreno vazio em uma das partes mais altas do morro em
cujo pé está localizada a Vila União. Na data da visita, foram observadas algumas crianças
brincando nesse espaço (Figura 30).

Figura 30: Terreno vazio, onde algumas crianças brincam, visto a partir da Vila União. Fonte: acervo do
autor, 2019.

No entanto, uma das lideranças da Vila União alertou que, embora o terreno
estivesse vazio, ele não pertencia ao assentamento, e sim à Vila Esperança. Por isso, não
poderia ser construído nada nele por iniciativa de moradores da Vila União. O ocorrido
reforça a percepção já apontada de que os moradores de ambos os assentamentos
reconhecem suas fronteiras, que servem, também, para delimitar dois espaços territoriais.
Ainda, permite a reflexão do desenho quase condominial dessas juridicidades, visto que
uma praça, que seria, em tese, de acesso público, é entendida como um bem comunitário,
restrito ao território da vila em específico, a seus moradores e a sua associação.

94
Outro espaço proposto pelo arquiteto para a instalação de equipamentos de uso
comunitário é um largo localizado no final do Acesso Cinco (Figura 31), em frente ao
terreno cedido pelo antigo morador para a construção de uma praça. Esse espaço também
é usado para o lazer infantil (cf. Figura 24).

Figura 31: Largo localizado no final do Acesso Cinco. Fonte: acervo do autor, 2019.

Nessa área, no entanto, a construção também era proibida. Segundo uma liderança
que acompanhava o grupo, o largo é utilizado como rotatória, para que veículos consigam
sair do Acesso Cinco, sendo crucial para a entrada do caminhão de lixo. Essa, assim, é
uma área non aedificandi no interior da Vila União, estabelecida pela norma “É proibido
construir no largo do final do Acesso Cinco”. Apesar de reforçada pela ASSCOMOU,
essa regulação foi formulada em práticas cotidianas dos moradores, e são eles mesmos
que garantem sua implementação, advertindo qualquer tentativa de construção no local,
conforme revelado por uma liderança: "Aí a própria comunidade não vai aceitar que vai
ter uma casa ali” (Entrevista, Vila União, Liderança 2).
O último espaço proposto pelo arquiteto era uma área vazia ao redor de uma das
torres de transmissão de energia elétrica de alta tensão presentes na vila (Figura 32). Por
não ser uma área muito ampla, ela foi considerada, pelo profissional, ideal para a

95
instalação de uma biblioteca infantil, uma pequena construção de madeira onde poderiam
ser armazenados livros.

Figura 32: Área livre ao redor de uma das torres de transmissão de energia elétrica. Fonte: acervo do
autor, 2019.

Essa área, no entanto, também é non aedificandi. Diante da proposta do arquiteto,


uma liderança logo informou que não é permitido construir nenhuma estrutura em uma
área de quinze metros ao redor dessas torres. "Não pode ser construído nada em baixo.
Nada. Não pode ter um telhado embaixo dessa torre aqui" (Entrevista, Vila União,
Liderança 1). Assim como no outro exemplo, os próprios moradores controlam qualquer
atividade construtiva que venha a ser tentada nesses locais, alertando seus
empreendedores, conforme narrado a seguir: "É porque a gente mesmo... Os próprios
moradores ali da frente dali cuidam, né? Então, como já tem acesso ali, a casa é ali. (...)
Então isso aí é coisa que a gente mesmo vai cuidando, né?" (Entrevista, Vila União,
Liderança 3). A associação de moradores também exerce um papel nessa relação,
reforçando, junto aos moradores, que não se deve construir nesses locais, associando o
saber técnico de um de seus membros: “eu meti medo neles, né? (...) eu dizia ‘isso aqui é
um para-raios’, aí expliquei como é que funciona, que é a minha área, que eu conheço
bem.” (Entrevista, Vila União, Liderança 2). Há uma norma, então, que enuncia “É

96
proibido construir estruturas cobertas ao redor das torres de transmissão de energia
elétrica”. Essa norma regula essas áreas livres da Vila União, afetando, também, o
mercado informal de terras no local: "Até tem um terreno ali embaixo, que fica esquina
com o Mercado Pioneiro, que é um baita de um terreno, que tem dono. E o cara quer
vender e não consegue vender porque não pode construir ali" (Entrevista, Vila União,
Liderança 1).
Nas entrevistas, foram apontadas duas possíveis origens para essa norma. Uma
delas é a absorção, pelo direito local, de uma norma jurídica estabelecida a nível federal:
Se achar um terreno vazio ali, é perto daquela torre. E é vazio porque tem uma
legislação de que não pode construir, né? Não pode construir ali, construir,
pelo risco que tem. Só que tem um detalhe: nunca vai regularizar essa casa,
porque tem uma lei federal - que não é da prefeitura, é federal - de que não
consegue regularizar (Entrevista, Vila União, Liderança 2).

A legislação mencionada é, possivelmente, o Decreto-Lei no 35.851/1954, que


estabelece, em seu artigo 1o:
As concessões para o aproveitamento industrial das quedas d'água, ou, de
modo geral, para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica,
conferem aos seus titulares o direito de constituir as servidões administrativas
permanentes ou temporárias, exigidas para o estabelecimento das respectivas
linhas de transmissão e de distribuição (BRASIL, 1954).

De modo complementar a ela, outra norma jurídica que pode ser considerada é a
norma técnica NBR 5422 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) (1985),
que estabelece como 30 metros a largura mínima para as faixas de servidão de cabos e
torres de transmissão de energia elétrica.
Se, por um lado, essa norma jurídica é evocada, não é exatamente ela que está
sendo cumprida na Vila União. Isso pode ser afirmado porque o “corredor de servidão”
estabelecido pelo dispositivo compreende não apenas as áreas nos entornos das torres de
transmissão, mas também o espaço sob os cabos conectados a elas. Assim, na vila, há
construções sob esses fios, mas não há ao redor das torres (Figura 33).

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Figura 33: Localização das torres de transmissão de energia elétrica e seus cabos na Vila União. Fonte:
adaptação do autor de imagem do Google Maps, 2021.

Nessa versão da origem da norma, sua intenção é evitar conflitos no projeto de


regularização fundiária, garantindo que nenhum morador seria prejudicado no processo,
conforme exposto na fala a seguir:
Não o perigo de um fio quebrar e cair na sua cabeça. Isso não acontece. (...) O
problema é o raio. (...) E aí eles ficam com medo e um fala para o outro. (...)
Tu não vai regularizar, e outra coisa, tu vai prejudicar toda a regularização do
pessoal que tem uma casa, porque tá mal localizado e tal. Então a própria
comunidade diz "olha, não faz isso, senão vai prejudicar todo mundo".
(Entrevista, Vila União, Liderança 2).

Em uma outra versão, a norma seria derivada de orientações feitas por


funcionários da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) aos moradores, com a
intenção de impedir o bloqueio de seu acesso às torres, já que eles devem fazer sua
manutenção periodicamente. Uma liderança relata que esses funcionários, inclusive, lhe
deram a permissão expressa de expandir o terreno de sua casa, construindo seu muro ao
redor de uma torre próxima:
(...) quando eu vim fazer a minha cerca aqui, que eu fiz aqui um muro, eu
conversei com os rapazes que vieram aqui ver a antena, e aí eu conversei com
eles sobre isso. Eles disseram "não, não". Eles disseram que se eu quisesse
fazer até para o lado de fora aqui dentro e aumentar o meu pátio, não teria
problema, porque eles botam escada. (Entrevista, Vila União, Liderança 2).

Essa autorização verbal pode ser entendida como uma norma que atesta: “É
permitido cercar as torres de alta tensão com os muros das casas”. Essa regulação parece
furtar-se do reconhecimento da faixa de servidão. O único interesse é garantir que o
trabalho dos funcionários da CEEE seja feito. Não haveria problema na incorporação de

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uma torre mantida pela empresa ao terreno de um morador, contanto que ainda fosse
possível a eles acessar, com uma escada, a estrutura e realizar sua manutenção. A
proibição limita-se à construção de estruturas com “telhado”, como uma fala anterior
revela. Essa norma permissiva revela, assim, uma estratégia de garantir que o terreno não
será ocupado por uma nova casa: “Eles disseram assim: ‘Não, se tu quiser fazer teu muro
aqui na frente, subir, emparelhar lá com a cerca do vizinho, não tem problema nenhum,
porque nós temos escada e vamos subir igual. Não vai nos atrapalhar. Até, tu vai proteger
a antena para ninguém invadir’.” (Entrevista, Vila União, Liderança 2).
Diante do fato de só haver uma área livre onde seria autorizada a construção, o
projeto da biblioteca infantil foi abandonado, e o mesmo aconteceu com a horta
comunitária. Devido a novas demandas que surgiram no processo da Vila União, tanto a
ASSCOMOU quanto o GAP suspenderam o projeto de instalar a praça. A área cedida
pelo antigo morador mostrou-se inviável para a obra, pois ela é alvo de fortes alagamentos
durante o período chuvoso. O novo destino para uma futura praça seria, então, a área livre
próxima à torre mais alta da vila, observada a norma de não edificar nenhuma estrutura
coberta, mas o projeto, até o momento da escrita deste trabalho, não foi posto em prática.
As normas que impedem a construção em alguns terrenos da Vila União, indiretamente,
também tratam sobre seu uso comunitário: são esses espaços de alargamento das ruas
que, como mencionado anteriormente, são utilizados para o lazer infantil e eventuais
reuniões entre moradores.
As áreas livres e potenciais praças na Vila União, assim como as ruas, não são
alvo de expectativas dos moradores em relação ao poder público. Ciente da situação de
irregularidade do assentamento, a associação de moradores toma para si a
responsabilidade por esse tipo de obra. O local de sua instalação também é alvo de normas
construídas em relações cotidianas dos moradores e, em um caso, em suas interações com
agentes de uma empresa pública, aos quais é conferida uma certa legitimidade enquanto
reguladores da produção do espaço. A norma permissiva emitida por esses agentes revela
uma tática espacial adotada por eles no interior da vila, em não punir certos
comportamentos. Além disso, o impedimento de instalar uma praça em uma área
fronteiriça, mas pertencente à Vila Esperança, revela que essas normas sociais também
são estabelecidas nos limites do espaço territorial da Vila União.

4.1.3 A organização de resíduos sólidos e efluentes líquidos

99
O despejo de resíduos, embora não diga respeito diretamente a espaços de uso
comunitário, envolve atividades que são realizadas nele, envolvendo a vida pública local.
Neste tópico, serão abordadas as regulações identificadas para a coleta de lixo e o controle
do esgotamento sanitário na Vila União.
Atualmente, a vila é atendida por dois caminhões que fazem a coleta de lixo. Um
deles, de maior porte, circula pela Rua Oito e pela Rua Nove, seguindo em direção ao
Loteamento Elias Buaez (Figura 34). Outro, de menor porte, passou a circular no
assentamento após solicitação feita pela associação de moradores ao Departamento
Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), e acessa as demais vias locais.

Figura 34: Trajeto do caminhão de coleta de lixo de grande porte nas ruas da Vila União. Fonte:
elaborado pelo autor a partir de imagem do Google Maps, 2021.

Esse serviço, no entanto, não foi sempre presente na Vila União. Quando, no
passado, só havia o caminhão que não circulava por todas as ruas do assentamento, a
solução encontrada foi instalar uma caçamba na Rua Oito, onde todos os moradores
deveriam depositar seu lixo de maneira que ele pudesse ser recolhido pelo serviço
municipal. Essa decisão, feita pela ASSCOMOU e endossada por práticas cotidianas dos
moradores, formulou uma norma social que regula o comportamento de todos da vila,
enunciando: “Cada morador deve depositar seus resíduos sólidos na caçamba localizada
na Rua Oito”. Essa norma era, de fato, cumprida, como afirmou uma liderança, que

100
habitava em local próximo à caçamba: "Toda a vila largava na frente de casa, ali"
(Entrevista, Vila União, Liderança 3).
Esse sistema, no entanto, criou outros problemas envolvendo a limpeza pública e
a higiene local. Com o grande volume de resíduos sólidos, especialmente orgânicos,
depositados na caçamba, havia momentos em que ela transbordava, além de atrair animais
como cães, gatos e ratos, que vasculhavam o conteúdo da caçamba em busca de
alimentos. A garantia de um novo caminhão, de menor porte, apto a circular por todas as
ruas da Vila União, assim, foi vista como uma conquista que levou à superação dos
problemas associados ao depósito, conforme perceptível nas duas falas a seguir:
Logo que eu vim aqui pra cima tinha. Era bem complicado, porque como não
subiam, né? Os caminhões... Daí a gente tinha feito uma lixeira bem grande de
material, do lado da rua, quase aqui em frente daqui de casa. Mas aí era
complicado, porque aí largavam ali, os gatos e os cachorros rasgavam.
Acabava que todo dia eu tinha que levantar seis horas da manhã, já com dez
sacos de lixo na mão, para sair juntando lixo (ri). O pessoal largava, os
cachorros rasgavam, era aquele horror. Ah, meu Deus. Mas no primeiro dia
que o lixeiro começou a passar, eu fui a primeira a ir ali derrubar aquele lixo.
Porque o pessoal largava... Tudo o que era coisa o pessoal largava ali, sabe?
Pessoal largava ali, não sei o que largavam ali. Depois era aquele horror de
coisa. (Entrevista, Vila União, Liderança 3).

Até eu me lembro que, quando eu vim pra cá, escutei uma história que
colocaram uma lixeira grande aqui na esquina, aqui em frente, que não deu
certo. Tiveram que desmanchar, né? Porque o que acontecia: os cachorros
tomavam conta, os gatos tomavam conta, ficava uma sujeirada, ninguém
juntava, era uma podridão. Então tiveram que terminar com a lixeira que era
para todos, e cada um faz a sua individual. Acho que ficou bom. (Entrevista,
Vila União, Liderança 1).

A retirada da caçamba de lixo e a chegada do novo caminhão ocasionou, também,


uma nova prática na Vila União no que diz respeito ao despejo de resíduos sólidos: “cada
um coloca o seu lixo na frente da sua casa” (Entrevista, Vila União, Liderança 1). Criou-
se, assim, uma norma social que determina: “Cada morador deve dispor seus resíduos
sólidos diante de sua casa”. Isso individualizou a responsabilidade por cada área de
depósito de lixo para a coleta. Se antes, uma liderança que morava perto da caçamba
precisava limpar cotidianamente a sujeira que se espalhava pelo chão por animais, agora
isso cabe a cada morador, sujeito à vigilância de seus vizinhos: “Tem um problema aqui:
o pessoal bota lixo no dia que não é do lixeiro. (...) o cachorro vai estraçalhar o lixo,
entendeu? E aí o lixeiro não leva aquilo. O teu vizinho não vai recolher o lixo da tua casa.
Então você vai lá recolher.” (Entrevista, Vila União, Liderança 2).
Esse problema também foi apontado em conversas em dois dos grupos de
WhatsApp. Em setembro de 2020, uma moradora publicou uma imagem (Figura 35) de

101
um panfleto informando os horários e dias recomendados para o depósito do lixo
orgânico, de acordo com os dias de passagem do caminhão. A moradora chamou a
atenção dos vizinhos para que atentem a esses horários, para evitar odores desagradáveis
ou a presença de animais como ratos e baratas nas ruas da vila. Outros moradores,
inclusive uma liderança, endossaram a fala, reforçando que confirmaram o horário com
o DMLU, e que todos deveriam confirmar se seus vizinhos estão agindo conforme a
orientação. Assim, estabeleceu-se uma norma que regula o comportamento de seus
sujeitos, afirmando: “Cada morador deve depositar resíduos sólidos orgânicos diante de
sua casa nos dias em que é feita a coleta”.

Figura 35: Panfleto com orientações sobre a coleta domiciliar de lixo na Vila União. Fonte: WhatsApp,
2020.

Apesar de as normas que regulam o comportamento dos moradores da Vila União


no que diz respeito ao despejo de resíduos sólidos serem produzidas pelas relações
cotidianas locais, cabe salientar que, durante toda a trajetória da vila, a coleta é de
responsabilidade do DMLU. Esse departamento é, de fato, o responsável pela “limpeza
urbana e manejo de resíduos sólidos urbanos” (PORTO ALEGRE, 2014b), conforme o
parágrafo único do artigo 1o da Lei Complementar no 728/2014. Esse fato demonstra que,
apesar de sua situação de irregularidade, a Vila União – assim como o Loteamento Elias
Buaez – foi abrangida pelo espaço jurisdicional dessa norma jurídica municipal. Segundo

102
os discursos das lideranças, isso só foi possível mediante sua mobilização em exigir o
atendimento pelos caminhões do DMLU.
Outra questão que já originou conflitos entre moradores da Vila União é o
tratamento que deve ser dado aos efluentes líquidos domésticos. Essa atividade seria, no
espaço jurisdicional de Porto Alegre, competência do Departamento Municipal de Água
e Esgotos (DMAE), de acordo com o artigo 3o da Lei no 2.312/61 (PORTO ALEGRE,
1961). No entanto, e inclusive por sua situação de irregularidade, a Vila União não é
atendida pela autarquia, apesar de seus esforços em solicitar o serviço, como foi feito com
o DMLU, cabendo a cada morador encontrar soluções práticas para o despejo desses
dejetos. A maioria dos moradores, nesse contexto, instalou fossas sépticas em suas casas.
Algumas famílias, no entanto, não o fizeram, despejando seu esgoto domiciliar
diretamente na rua. Essa prática foi alvo de um conflito em setembro de 2020, que se
iniciou em um dos grupos de WhatsApp, quando uma moradora comentou:
Pessoal me desculpem pelo que vou falar, não sou melhor que ninguém mas
preciso dizer. (...) As crianças que costumam brincar na rua, passam pelo
esgoto que corre solto, lavam as mãos, os pés, parte do corpo.... hoje vi mais
um, que não conheço, mas como de costume estava numa brincadeira inocente
naquele calorzinho, brincando com um carrinho naquela água branca e
colorida nojenta. Fico pensando no que aquela criança pode estar exposta
brincando na água cagada e mijada alheia... estou aqui só desabafando pois eu
não posso resolver isso, mas talvez mobilize alguém de alguma forma.
Desculpem qualquer coisa e obrigada! (WhatsApp, 2020).

O que era, a princípio, um desabafo, revelou-se uma forma de controle do


comportamento de moradores: vários outros membros do grupo, sobretudo mães,
expressaram a mesma preocupação, identificando por ruas as casas fontes dessas
emissões e exigindo que seus moradores solucionassem o problema com urgência. O
ocorrido revela a existência de uma norma social produzida no dia a dia da Vila União
que determina “É proibido o despejo de efluentes líquidos domésticos nas ruas”. A
exposição pública foi uma sanção encontrada para o caso. Reclamações em conversas
particulares também foram feitas como forma de garantir a observância da norma, como
relatou uma liderança: "É, o que a gente pode fazer é chamar a atenção, conversar. Eu
nunca fui conversar com elas sobre isso, mas eu sei que os antigos já andaram
conversando. (...) Ali eles deviam fazer uma fossa para colocar tudo, né? Não deviam
largar assim aberto, né?" (Entrevista, Vila União, Liderança 1).
É importante perceber que essa conversa em particular foi feita por lideranças
locais. “Os antigos” é um termo recorrente para referir-se a moradores que participaram

103
de mais de uma gestão da ASSCOMOU. Assim, observa-se um papel atribuído à
associação de moradores na resolução desse conflito, que envolve, diretamente, a vida
local e espaços de uso comunitário. Segundo relata uma liderança, essas conversas são
feitas não com um tom de acirrar os conflitos, mas de fazer com que os infratores
percebam os impactos de seus atos:
Então o que é que a gente fazia: "vem tu que tá com problema, vem mais o
pessoal da diretoria. Vamos lá falar com o cara. Olha, desculpa te incomodar.
Nós estamos com um problema. (inaudível) Tu tá com um problema, e nós
queremos te ajudar". "Como que tu quer me ajudar? Não estou com problema
nenhum". "Não, cara, é o seguinte: o cara disse que está saindo água lá na casa
dele, assim, assim, assim e assim. Então a gente quer te ajudar aqui para nós
resolvermos esse problema". O que é que tu vê aí? "Pô, pera aí, os caras querem
acabar com um problema. Não estão me acusando, não estão me cobrando.
Então não tenho que justificar e nem mandar para lugar nenhum". (Entrevista,
Vila União, Liderança 2).

Essa narrativa é análoga aquela descrita por Santos (1988b), com relação à retórica
jurídica no direito das favelas, como mais adaptada a cada caso e realidade. Além de
assumir o papel de mediação do conflito, a ASSCOMOU também buscou solucionar o
problema da emissão de esgoto nas ruas, mobilizando vizinhos para um mutirão a fim de
instalar fossas sépticas nas casas que não dispunham da estrutura:
(...) tava rolando o esgoto do pessoal daí, aí a gente conversou com os vizinhos,
cada um ajudou, cavaram e arrumaram. Aí foi consertado, graças a Deus.
Quem foi conversar com os vizinhos foi a própria associação ou os moradores
em geral?
Problema é com a associação. Foi eu e a Mara, pessoal da associação. Nós que
vamos conversar. (...) É, né? Alguém tem que fazer a frente. Então, já que a
gente abraçou a causa... Tem horas que dá vontade de largar tudo, de largar.
Mas não tem como, né? (Entrevista, Vila União, Liderança 2).

A gestão desse conflito, envolvendo questões pertinentes à vila como um todo,


revela duas normas sociais de procedimento, que atribuem responsabilidades à
ASSCOMOU: “A associação de moradores deve mediar conflitos de interesse
comunitário” e “A associação de moradores deve articular a solução de problemas que
impactam a vida pública da vila”. Por mais cansativo que lidar com essas questões possa
se mostrar, os membros da ASSCOMOU sentem essa responsabilidade, e efetivamente
cumprem com essa responsabilidade, por mais que não o queiram, conforme expresso
pela fala acima. É possível que essas normas regulem atribuições da associação de
moradores em outros tipos de conflito, mas o exemplo mostra que elas são aplicáveis a
problemas envolvendo espaços de uso comunitário.

104
Na Vila União, a regulação de comportamentos e procedimentos relativos ao
despejo de resíduos sólidos e efluentes líquidos é feita, sobretudo, por normas sociais,
determinando como os dejetos devem ser despejados. Uma exceção encontrada é a
responsabilidade dada ao DMLU para a coleta do lixo doméstico, o que revela uma
efetiva inserção da vila no espaço jurisdicional sobre o qual essa norma de procedimento
está estabelecida. Além disso, foram percebidas normas sociais que determinam
atribuições à associação de moradores na mediação e solução de problemas de interesse
comunitário.

4.1.4 As redes de água e energia elétrica


Um último elemento observado na Vila União com alguma relação com espaços
de uso comunitário são as redes de água e energia elétrica. Embora a fiação e o
encanamento não ocupem um espaço considerável, é nas ruas que essas estruturas são
instaladas, de modo que problemas relativos a elas costumam afetar a vida local. Vale
salientar que, na vila, não há distribuição regular de energia elétrica e água encanada,
funções desempenhadas simultaneamente pela CEEE e pelo DMAE. Essa situação da
rede hídrica é atribuída, por uma liderança, à irregularidade do assentamento: “(...) a Elias
ali, ela tem água do DMAE. (...) eu não sei por que a gente não consegue. É claro, não
consegue porque é uma invasão, né?” (Entrevista, Vila União, Liderança 1). No que tange
à rede elétrica, também é verdade que iniciativas de regularização do serviço em vilas
gaúchas pela CEEE, como o programa Energia Legal, têm como requisito a regularização
do assentamento (CEEE, 2012).
Há, no entanto, algumas possibilidades de instalação regular das redes antes da
regularização fundiária. Estando o assentamento consolidado, a Lei Complementar no
570/2007 possibilita a “instalação de redes de abastecimento de água e de remoção de
esgoto cloacal” mediante termos de compromisso individuais dos moradores, assumindo
o pagamento de sua quota no custo da obra, que é dividido entre todos os beneficiários
(PORTO ALEGRE, 2007). O pagamento desses custos, contudo, pode ser entendido
como um empecilho, em se tratando de uma população de baixa renda. Sobre uma
possibilidade semelhante envolvendo a rede elétrica, uma liderança pontua:
A lei diz assim, olha: tu tem que comprar transformador, tem que comprar
poste, comprar os cabos, instalar tudo, pagar o projeto de um engenheiro. Ou
eletrotécnico, no caso, engenheiro, no caso. Pagar o projeto, o que não é barato,
instalar tudo. Está tudo bonitinho, eles vêm aqui inspecionar, inspecionam se
tá tudo dentro dos padrões deles. Aí eles ligam. E tu pagou projeto, pagou tudo,

105
e vai pagar luz também. Aí ninguém quer. (Entrevista, Vila União, Liderança
1).

Embora não haja legislação específica sobre o tema, a possibilidade desse


procedimento foi confirmada em consulta ao canal formal de atendimento telefônico da
CEEE. Nessa entrevista exploratória foi apontado ainda um outro obstáculo que teria que
ser enfrentado pelos moradores da Vila União: a instalação não é feita quando é detectado
um conflito pela posse da terra. O mesmo foi averiguado em consulta ao atendimento
telefônico do DMAE. De todo modo, esse contexto faz com que todo o acesso à água e à
energia elétrica na vila seja feito via conexões ilegais, popularmente conhecidas como
“gatos”.
Os funcionários do DMAE são cientes de que, sendo uma vila irregular, não há
como esperar que os moradores acessem água que não por conexões ilegais. Tendo isso
em mente, eles facilitam a instalação das mangueiras pelos moradores, como estratégia
de evitar danos no encanamento regularmente instalado:
Lá embaixo tem um gato que o próprio pessoal do DMAE fez. Dois gatos, um
para cada hidrômetro. Um hidrômetro que é, assim, um hidrômetro
comunitário. Colocaram o hidrômetro na esquina para todas as casas
(inaudível). Dali, eles botam mangueira e vai a mangueira. Aquela mangueira
vai ramificando para tudo quanto é lado. (Entrevista, Vila União, Liderança 2).

Fazendo isso, os funcionários do DMAE conferem um certo nível de legitimidade


às mangueiras conectadas dos moradores, em uma prática que gera uma norma permissiva
de comportamento: “É permitido aos moradores da Vila União fazer conexões diretas na
rede hídrica municipal”.
Apesar dessa fonte comum, cada morador tem sua mangueira, que pode estar ou
não ramificada junto a outras. Isso permite uma individualização da responsabilidade pela
manutenção dessas tubulações, conforme expresso na fala de uma liderança: “Cada um
tem a sua mangueira para dentro da sua casa. Tipo, eu, eu tenho... A minha saída de água
dá para três casas: minha e mais de dois vizinhos. Só nós utilizamos aquela mangueira.
Arrebentou, a gente arruma” (Entrevista, Vila União, Liderança 1). Percebe-se, assim,
uma norma de procedimento que estabelece: “Cada morador é responsável pela
manutenção de sua mangueira”. Essa mesma liderança, em outro momento, resume essa
norma com outras palavras: “a pessoa que tem aquela água que vai ter que arrumar.”
(Entrevista, Vila União, Liderança 1). Os grupos virtuais são um espaço que permite

106
expor os canos rompidos, para que seu responsável sinta-se constrangido a realizar os
reparos, como pode ser visto na Figura 36.

Figura 36: Morador pede o conserto de mangueira em grupo virtual da Vila União. Fonte: WhatsApp,
2021.

No passado, no entanto, havia um morador especialmente responsável pela


manutenção de danos provocados às mangueiras e mesmo à fiação, em alguns casos.
Durante o ano de 2019, era comum que, quando um cano estourava, os moradores
comunicassem em um dos grupos de WhatsApp e, em menos de uma hora, ele já havia
feito o reparo. Desde 2020, no entanto, essa dinâmica mudou. Isso aconteceu porque, em
práticas cotidianas, era sempre este mesmo morador que se prontificava a realizar
gratuitamente esses reparos, o que lhe gerou uma atribuição por expectativas dos demais
moradores, assentadas em três fatos: a) ele era membro da ASSCOMOU; b) ele possuía
o saber técnico para realizar essas funções; c) ele trabalhava como autônomo, dispondo
de mais tempo para isso. Quando ele mudou de emprego, também deixou a associação
dos moradores, fazendo deixar de valer a norma social que instituía “Os reparos de
serviços públicos na Vila União são de responsabilidade de Fulano”:
É, ele sempre se agilizava, sim. Porque tava em casa, e ele era fiscal, na época,
da associação, né? Agora ele não se envolve mais.
Sim, agora ele também não faz mais essas funções, né? É quando ele era da
associação.
Isso. Agora ele não se envolve mais. Ele trabalha, também. Trabalha de noite,
dorme de dia, então ficou mais difícil, né? (Entrevista, Vila União, Liderança
1).

107
Uma vez retirada a responsabilidade desse morador sobre os reparos das
mangueiras, ela foi atribuída não à ASSCOMOU, mas ao dono de cada conexão ilegal.
Isso não impede, entretanto, que surjam conflitos entre os moradores. Exemplo disso é
quando alguém faz sua conexão a partir da mangueira já instalada por outro morador.
Também nesse caso, a associação de moradores assume um papel de mediar a
controvérsia entre vizinhos:
Ele puxa pra ele. Aí chega o cara, o outro vizinho que passou a mangueira: "ah,
ele passou na minha frente?". Vai lá, corta a mangueira, faz um T, e bota a
água para ele. Aí falta água lá para o outro, e ele "ô, mas... Ah, velho, tu passou
a água? Tá roubando água? Também roubei de ti. Roubei do ladrão". Essa
convivência dentro de comunidade, tem que administrar isso aí tudo. Aí eles
vêm no presidente: "ô cara, toma aí uma providência, ele puxou a mangueira,
o cara pegou e fez um T na cara dura lá". Aí tu vai dizer a ele: "por que tu não
perguntou se ele não queria água também? Tu já botava um T aí, e não ia se
importar, né? (...) Eu chamava os dois e se entendiam ali os três, né? Eu tinha
que fazer isso.” (Entrevista, Vila União, Liderança 2).

Mais uma vez, observa-se a norma que afirma “A associação de moradores deve
mediar conflitos de interesse comunitário”. Isso fez com que surgisse uma nova estratégia
da ASSCOMOU, com a intenção de prevenir esses possíveis conflitos sobre a instalação
de mangueiras: "Aí eu ficava tentando, eu... se você tá com problema de água, fala
comigo. Fala comigo que a gente resolve isso aí. Vamos ver junto. Não vai lá fazer a
coisa. Pega e fala comigo primeiro. Fala com a diretoria, né? Não comigo" (Entrevista,
Vila União, Liderança 2). Essa determinação, decidida pela instituição local, configura
uma norma que afirma: “Toda alteração nas mangueiras deve ser previamente
comunicada à associação de moradores”. Na gestão seguinte da associação, no entanto,
essa regulação deixou de ser implementada.
Outro conflito envolvendo as mangueiras diz respeito ao nível de exposição que
elas podem ter nas vias públicas. Quando as tubulações estão expostas ou enterradas a
um nível raso, elas podem romper com o passar de veículos. Essa situação é descrita por
uma liderança:
(...) normalmente a água dos outros é a mangueira atravessada na rua. É uma
das polêmicas, é uma das brigas nossas aqui, que pessoal organize sua
mangueira, que faça uma valeta maior do que ela, porque passa um carro e
arrebenta. Aí fica uma noite toda correndo água. (...) Isso aí, teria que ser
cavado mais o chão e enterrá-las mais, né? Mas as pessoas vão ali, cavam um
pouquinho, colocam a terra por cima e... Aí passa uma semana, duas, daí
arrebenta de novo. Aí a gente chega lá para fora e avisa “olha, a mangueira tá
lá, ela vai arrebentar”. (Entrevista, Vila União, Liderança 1).

108
Esses problemas fizeram surgir uma norma de comportamento, emitida pela
própria associação de moradores com a intenção de evitar o transtorno de ter água
jorrando pelas ruas, que enuncia: “Cada morador deve enterrar sua mangueira em uma
profundidade que a proteja da passagem de veículos”. A mesma liderança apontou a
estratégia que usa para sancionar os infratores:
É, eu tiro foto. Vejo a mangueira arrebentada, tiro foto e boto no grupo: “Olha,
não sei quem é dono dessa mangueira. Tá arrebentada. Tá vazando água”. Que
às vezes os moradores lá de cima estão sem água e não sabem que a mangueira
tá arrebentada em baixo. (Entrevista, Vila União, Liderança 1).

Mais uma vez, o constrangimento público, materializado pela exposição da


infração em um grupo virtual acessado por uma parcela significativa da comunidade, é
uma sanção utilizada para garantir a obediência a uma norma social. Os danos provocados
pelo comportamento desviante vão além do incômodo de haver muita água pelas ruas,
pois há moradores que são diretamente prejudicados em seu acesso à rede hídrica.
Por sua vez, o fornecimento da energia elétrica, como já assinalado, também é
feito por conexões ilegais. Assim como ocorre com a água encanada, os funcionários da
CEEE e mesmo policiais são cientes de que não há outra forma de os moradores da Vila
União acessarem o serviço. Por isso, há não apenas uma permissividade em relação à
prática, mas também um auxílio, por parte de técnicos da companhia elétrica, de modo a
garantir uma maior segurança nos gatos, para evitar o risco de incêndios, conforme
também observado na prática de funcionários do DMAE:
A CEEE nem pode se queixar, porque ela ajuda a gente a fazer. Tá lá estragado,
o negócio lá, eles vão lá e arrumam o gato. (...) Eles moram em comunidade,
eles sabem como é que é a coisa. O cara que trabalha ali, ele sabe que na vila
dele é a mesma coisa. E não adianta tirar (inaudível), ele arruma ali. É difícil
tu achar um cara que "ah, aqui é gato, eu vou deixar assim". Pelo contrário,
vão lá e arrumam o gato. Às vezes vai... Porque assim, olha: eu sou
eletrotécnico. Eu vou lá e fiz o troço padrão, igual ao da CEEE. Mas aí isso
tem um custo. Quando não querem contratar, eles pegam lá o Zé Faísca. O Zé
Faísca vai lá, com a escadinha, com a mão vaga (inaudível) e pronto, um
problema para um monte de gente. Esse é o problema que a gente tem: o Zé
Faísca. Ele sobe lá, com todo o medo, lá, com uma mão só, e faz uma
gambiarra. A gambiarra vai pegar fogo e vai prejudicar quem tá bonitinho,
quem tá tudo certo. Esse é o problema que a gente tem. Agora, quantas vezes
eu estou aí fora, ali, mexendo ali, passou o pessoal da brigada, nem parou, nem
bola deu. O capitão da viatura parado ali (inaudível). A CEEE também. A
CEEE nos ajuda. O DMAE, se é uma coisa... Aqui [no Loteamento Elias
Buaez] tem um pessoal que tem a água regularizada, viu? Tem água
regularizada. Se você tá com o papel, com a conta de que paga água aqui, eles
vêm e arrumam também. E arrumam os gatos do pessoal. Os gatinhos de água,
lá também, que tudo é gato. É uma gataria (ri). Vão lá e arrumam. Arrumam.
Aí dou um lanchinho pra eles, um troço, uma água. Nunca nos foi nenhum
problema, não. Não dá pra se queixar, não. (...) É que todo mundo imagina: a

109
CEEE vai lá e corta. Só que, na verdade, se tu faz um gato na tua casa. Tu mora
em casa ou apartamento? Mora em casa ou apartamento?
Moro em uma casa.
Mora em uma casa. Aí tu não quer pagar luz lá. Deve pagar, mas é pouco. Tu
faz um gato. Qualquer gato que tu fizer, eles vão lá e falam "vamos cortar",
porque tu tem condição, tem luz disponível adequada. Como aqui a gente não
tem, não tem como pedir luz aqui, não tem (inaudível), aí tem que puxar fio
até aqui. (inaudível) eles nem instalam mais. Tem que puxar gato. (Entrevista,
Vila União, Liderança 2).

Essas práticas de funcionários da CEEE e a permissividade percebida nas práticas


dos policiais militares revela uma norma que estabelece: “É permitido aos moradores da
Vila União fazer conexões diretas na rede de energia elétrica”. Isso foi confirmado em
ligação ao atendimento telefônico da companhia elétrica, no qual foi informada a ciência
da situação de carência de assentamentos irregulares de baixa renda, sendo mais
interessante garantir conexões seguras do que remover gatos sabendo que eles seriam
rapidamente refeitos.
No início do período de observações, em abril de 2019, cada gato era de
responsabilidade de seu beneficiário, e a sua manutenção, em caso de danos, era atribuída
ao já mencionado membro da associação de moradores. Com a saída desse membro, no
entanto, a manutenção de cada conexão retornou a seus “donos”, sendo feitas denúncias
nos grupos virtuais para demandar eventuais reparos. Isso mudou em dezembro de 2019,
quando foi feita, em um dos grupos de WhatsApp, uma proposta de iniciativa da
ASSCOMOU de instalação de um “gato coletivo”: uma rede elétrica mais sofisticada,
com postes e uma fiação de melhor qualidade, cuja origem seria uma conexão ilegal na
rede regular da Vila Esperança. A proposta foi acatada pelos moradores, e a associação
angariou recursos para o custeio dos materiais. A instalação da nova rede foi feita até
fevereiro de 2020, sendo beneficiados apenas os moradores que contribuíram
financeiramente. A partir de então, a ASSCOMOU assumiu, nominalmente, a
responsabilidade pela manutenção da rede elétrica na Vila União.
Apesar das melhorias, no entanto, a nova rede, até por ser oriunda de uma conexão
ilegal, permanecia com problemas na constância do fluxo de eletricidade, relatados com
frequência em dois dos grupos utilizados pelos moradores. Isso levou a um novo
processo: em julho de 2020, um novo grupo virtual foi criado para discutir a instalação
de uma nova rede elétrica, especula-se que por sugestão de uma liderança do grupo
narcotraficante que atua no bairro do Belém Velho, sem qualquer apoio pela associação
de moradores. Ancorado na então insatisfação de parte dos moradores com a

110
ASSCOMOU, ela teria proposto uma nova rede coletiva, nos moldes da primeira, mas
com materiais de melhor qualidade. O projeto foi acatado por alguns moradores da Vila
União, e o segundo semestre de 2020 foi dedicado a uma nova coleta de contribuições
pecuniárias para a obra, que foi feita em dezembro do mesmo ano, abrangendo todas as
ruas do assentamento.
A partir desse momento, a associação de moradores se furtou de quaisquer
responsabilidades envolvendo a manutenção da nova rede elétrica, como é expresso por
uma liderança:
(...) agora foi feita uma rede nova aqui na frente. E aí hoje eu estou pegando
aqui da frente, que é uma rede nova. (...) Quem tomou a iniciativa de fazer isso
foi o (cochicha) gerente da boca. Isso. Aí ele tomou a iniciativa, veio falar com
o Fulano na época, né? Na época o Fulano ainda era presidente. Ele conversou
com o Fulano [antigo presidente da ASSCOMOU]. O Fulano veio conversar
comigo e a Fulana e disse: "A gente não queria envolvimento", porque a gente
não queria envolvimento com a pessoa, tu tá entendendo? Aí ele não queria
misturar a associação. Mas aí (inaudível) conversaram aí, aí os moradores,
assim, já se interessaram, e aí já não dava para nós termos uma voz ativa. Mas
deixamos bem claro que a rede elétrica hoje não pertence mais à associação.
Pertence... É, pertence aos moradores que pagaram por ela, mas a gente não é
responsável por essa rede elétrica. Nós éramos pela antiga. Essa a gente não é.
Então qualquer problema, qualquer defeito, que procure as pessoas
responsáveis por ela. A gente não responde pela elétrica. (Entrevista, Vila
União, Liderança 1).

É verdade, contudo, que alguns moradores ainda esperam que essa função seja
exercida pela associação de moradores, o que foi revelado por uma liderança: “Se falta
luz, eles me chamam no privado.” (Entrevista, Vila União, Liderança 1). Mesmo assim,
essa atividade é, efetivamente, cumprida por sujeitos ligados ao grupo narcotraficante:
“Agora, daí, geralmente vêm esses rapazes que tinham... Eles chamam esses rapazes que
tinham, que acabaram instalando essa luz nova.” (Entrevista, Vila União, Liderança 3).
Esse processo revela uma progressão de normas de procedimento que determinam
o sujeito responsável pela manutenção da rede elétrica: “Os reparos de serviços públicos
na Vila União são de responsabilidade de Fulano” (já mencionada); “A manutenção de
cada conexão ilegal de energia elétrica é de responsabilidade de seu beneficiário”; “A
manutenção da rede elétrica coletiva da Vila União é de responsabilidade da associação
de moradores”; “A manutenção da rede elétrica coletiva da Vila União é de
responsabilidade do grupo que realizou sua instalação”. A última, naturalmente, é a
regulação que encontra-se em atividade. Durante esse processo, outras normas também
determinam, por exemplo, quem são os sujeitos dessas obras coletivas: “Serão
beneficiados pela rede coletiva instalada pela ASSCOMOU aqueles que contribuíram

111
com a compra dos materiais necessários”. Em um grupo de WhatsApp, foi repassada a
informação de que o único com legitimidade para instalar a conexão em cada residência
seria uma pessoa específica, autorizada pelo grupo que propôs o projeto, o que pode
sugerir uma norma que enuncia: “As conexões individuais só podem ser feita pelo técnico
autorizado pelo grupo que instalou a rede elétrica”.
No que tange ao fornecimento de água e energia elétrica, existe uma
permissividade ao acesso via conexões ilegais na Vila União, estabelecida por táticas
espaciais delimitadas por práticas de atores relacionados às instituições formalmente
responsáveis pelos serviços, além de policiais. A regulação sobre a instalação dos gatos,
além de sua manutenção e gestão de eventuais conflitos é feita por normas sociais
pertencentes ao espaço territorial da vila. Essas normas são produzidas por práticas
cotidianas dos moradores, por decisões da ASSCOMOU e, no caso da rede elétrica, é
possível que tal regulação venha de posições de representantes do grupo narcotraficante
que atua no bairro do Belém Velho.

4.1.5 A regulação de espaços de uso comunitário na irregularidade vivenciada


A partir das narrativas coletadas, pôde ser percebido um rol de normas que
regulam atividades desempenhadas nos espaços de uso comunitário da Vila União. Essas
normas estão dispostas de maneira sintetizada na tabela disponibilizada no apêndice deste
trabalho.
Conforme observado, percebe-se, a partir do caso da Vila União, o papel de
destaque dado a normas sociais na regulação de espaços de uso comunitário em uma vila
em situação de irregularidade. Muitas dessas normas são criadas a partir de práticas
cotidianas dos moradores, que vão criando contratos implícitos ou expressos sobre as
melhores formas de gerir o uso e a manutenção desses espaços onde desenvolve-se a vida
comunitária.
Percebe-se, ainda, o papel central da associação de moradores nesse processo. Por
mais que nem todas as normas sociais sejam formuladas pela instituição, ela assume em
grande medida a sua execução, seja por meio da mediação de conflitos deflagrados entre
moradores, seja pela articulação ativa pela solução da problemática detectada. Além
disso, foram identificadas expectativas geradas pelos moradores em relação à associação,
atribuindo-lhe a responsabilidade pela manutenção daquilo que é percebido como

112
comunitário. Essas incumbências acabam sendo assumidas pelos integrantes do órgão,
que refletem a visão dos demais moradores sobre suas funções.
Outra fonte de normas identificada foi o tráfico de drogas. No passado do
assentamento, essa organização emitia normas no intuito de garantir o seu poder local.
No presente, com a saída dos antigos traficantes do assentamento, a Vila União não abriga
mais bocas de fumo, mas está sujeita à influência de um grupo narcotraficante que exerce
o controle sobre aquela região do bairro. As práticas e normas desses traficantes orientam-
se para a conquista de apreço pelos moradores, como forma de prevenir que um grupo
rival tente se instalar na vila.
Algumas interações com o poder público também foram identificadas. Em
primeiro lugar, foi identificada a relevância, na Vila União, de uma norma jurídica
municipal, que atribui responsabilidade ao DMLU, departamento vinculado à Prefeitura
de Porto Alegre, pela coleta de resíduos sólidos. Em segundo lugar, também foram
identificadas normas jurídicas que influenciaram, de alguma maneira, normas sociais
criadas por moradores da vila e pela ASSCOMOU. Em terceiro lugar, perceberam-se
práticas jurídicas de atores dotados de algum grau de legitimidade formal – policiais e
funcionários do DMAE e da CEEE – que, embora não correspondam diretamente a
normas jurídicas, também exercem um papel importante na regulação de espaços de uso
comunitário.
Em um panorama geral sobre a regulação de espaços de uso comunitário nessa
vila irregular, percebe-se uma predominância de normas sociais originadas por contratos
cotidianos estabelecidos entre moradores ou diretamente pela associação de moradores,
que também assume um papel de grande importância na manutenção e execução dessas
normas. Em seguida, em uma menor expressividade, normas sociais emitidas pelo tráfico
e práticas jurídicas de agentes de instituições públicas. Por fim, com apenas um caso, uma
norma jurídica. Na irregularidade vivenciada, há um maior destaque para normas
comunitárias na regulação desses espaços.
A dimensão espacial é importante para compreender esses processos. As normas
identificadas apresentam diferentes espacialidades. A maioria delas corresponde ao
espaço territorial da Vila União, sobre o qual é conferida legitimidade à ASSCOMOU, e
em cujos limites ela exerce sua regulação. No passado, as normas estabelecidas pela boca
de fumo local, que não mais existe, também eram estabelecidas nos limites do
assentamento, local onde o grupo buscava estabelecer um controle mais rígido para

113
fortalecer suas atividades varejistas. Já algumas normas atuais, possivelmente emitidas
por outro grupo narcotraficante, têm um espaço territorial com abrangência maior que a
da Vila União. Embora difícil de precisar, esse espaço corresponde a uma região do
Belém Velho, envolvendo mais de uma vila do bairro. As práticas jurídicas identificadas,
por sua vez, estabelecem táticas espaciais no assentamento, em estratégias de tornar o
trabalho cotidiano de agentes públicos mais adaptada àquela localidade. A norma jurídica
detectada, por fim, tem abrangência sobre o espaço jurisdicional do município de Porto
Alegre, revelando algum grau de inserção da vila nessa espacialidade.
Esses resultados mostram que na Vila União, enquanto caso de assentamento
irregular, tem a regulação de seus espaços de uso comunitário feita sobretudo no âmbito
de seu espaço territorial. Suas interações com o poder público envolvem uma pequena
inserção concreta no espaço jurisdicional da regulação urbanística municipal (ao qual ela
pertence abstratamente) e táticas espaciais de alguns agentes públicos. A espacialização
do papel regulatório da associação de moradores é, portanto, crucial.

4.2 Da regularidade pretendida à regularidade vivenciada: a persistência das


normas sociais na vida comunitária dos “lugares fora do mapa”
Esta subseção será dedicada a compreender quais normas regulam espaços de uso
comunitário em uma vila ou favela na temporalidade da regularidade vivenciada, a partir
do estudo de caso da Vila Esperança. Assim como na subseção anterior, as narrativas
serão organizadas em quatro tópicos. No tópico 4.2.1, serão tratadas as regulações de
ruas, calçadas e canteiros. No tópico 4.2.2, dos parquinhos e o campo de futebol. No
tópico 4.2.3, dos serviços públicos e dos resíduos sólidos. Igualmente, no último tópico,
será feita uma análise sintética, seguida pela comparação com a Vila União, que está na
temporalidade da irregularidade vivenciada, no intuito de compreender, enfim, a partir
dos estudos de caso, como o processo de regularização fundiária impacta a regulação
normativa de espaços de uso comunitário em vilas e favelas.

4.2.1 A manutenção e o uso de ruas, calçadas e canteiros


Alguns anos após o reassentamento dos moradores onde hoje é a Vila Esperança,
entre 2000 e 2001, o DEMHAB garantiu a pavimentação de ruas e a instalação de
calçadas no assentamento. Isso faz com que a vila seja, até hoje, provida de vias
asfaltadas, sendo uma delas uma avenida com canteiro central, a Avenida Kurt Max

114
Hauser, originalmente conhecida como Rua E (Figura 37). As demais ruas têm passeios
públicos padronizados, de acordo com o implantado na urbanização da vila, como pode
ser observado na Rua Wilson Tupinambá da Costa (Figura 38).

Figura 37: Avenida Kurt Max Hauser. Fonte: Google Street View.

Figura 38: Rua Wilson Tupinambá da Costa. Fonte: Google Street View.

A responsabilidade pela pavimentação das vias de circulação de veículos foi,


assim, assumida pelo poder público municipal. Vale perceber que, no caso em tela, o
interessado, isto é, o loteador, foi o próprio DEMHAB, um órgão do município de Porto
Alegre. Por isso, ele assumiu a responsabilidade pelos arruamentos, visto que é no projeto
de parcelamento do solo que os arruamentos devem ser definidos (cf. BRASIL, 1979).
Desse modo, todas as ruas da Vila Esperança localizadas dentro do espaço jurisdicional
demarcado como AEIS são pavimentadas com asfalto. No entanto, isso não pode ser

115
afirmado para a totalidade das ruas do assentamento. A área de expansão irregular do
assentamento, inclusive por sua natureza, é desprovida de qualquer tipo de pavimentação,
possuindo ruas de terra batida (Figuras 39 e 40).

Figura 39: Acesso ao trecho de expansão irregular da Vila Esperança. Fonte: Google Street View, 2019.

Figura 40: Imagem de satélite de trecho de expansão irregular da Vila Esperança. Fonte: Google Maps,
2021.

Uma outra exceção é uma curta rua de terra batida lateral à subestação da CEEE
vizinha ao assentamento (Figura 41). Essa via, que parece uma extensão da Avenida Kurt
Max Hauser, é, na verdade, um terreno do proprietário das terras da Vila União. Durante
a visita guiada à Vila Esperança, uma liderança foi enfática ao afirmar que aquele terreno

116
não pertence ao assentamento, mas, como é próximo a uma parada de ônibus, é usado
pelos moradores como atalho, visto que, oficialmente, há apenas um acesso à vila (Figura
42).

Figura 41: Via de “atalho” para a parada de ônibus. Fonte: acervo do autor, 2020.

Figura 42: Imagem de satélite de trecho da Vila Esperança, com o “atalho” ao centro e a única entrada
oficial do assentamento à direita. Fonte: Google Maps, 2021.

Já as calçadas, instaladas pelo DEMHAB na condição de proprietário de todos os


terrenos, são de concreto asfáltico, material permitido para passeios públicos pelo artigo
2o, IV do Decreto no 10.926 (PORTO ALEGRE, 1994). O fato de uma só instituição ter
instalado todas as calçadas de modo padronizado contribuiu com que, no geral, não
houvesse desnível em sua altura entre um lote e outro, de modo que, hoje, elas atendem

117
e esse critério estabelecido pelo artigo 4o do Decreto no 17.302 (PORTO ALEGRE,
2011b).
Há, no entanto, alguns aspectos físicos das ruas e calçadas da Vila Esperança em
que podem ser observados contrastes entre aquilo disposto na camada jurídico-
institucional e o empiricamente observado na camada das relações sociais concretizadas.
Em primeiro lugar, as dimensões definidas no regime urbanístico de alguns logradouros
não correspondem à realidade. A Rua Wilson Tupinambá da Costa, por exemplo, tem seu
alinhamento definido em 1,5m a partir do meio fio (isto é, calçadas com largura de um
metro e meio) e largura do logradouro (rua somada à calçada) de 10m, conforme
disponível na consulta pública em Procempa (2014). Contudo, uma medição feita por
imagem de satélite mostrou que as calçadas nessa rua tinham uma largura de
aproximadamente 1,25m (Figura 43) e o logradouro de aproximadamente 8,75m (Figura
44).

Figura 43: Largura aproximada de calçada na Rua Wilson Tupinambá da Costa. Fonte: Google Maps,
2021.

Figura 44: Largura aproximada do logradouro da Rua Wilson Tupinambá da Costa. Fonte: Google Maps,
2021.

118
Considerando a cronologia dos fatos – o reassentamento dos moradores em 1997;
a pavimentação de ruas e calçadas entre 2000 e 2001; o decreto definindo o regime
urbanístico da AEIS em 2003 –, pode-se presumir que houve uma elaboração de normas
jurídicas que já não correspondiam à realidade concreta, ou uma representação do espaço
destoante das práticas espaciais. Além disso, em segundo lugar, também não é observada
a reserva de 40% de espaço do passeio público para área vegetada, prevista no regime
urbanístico disponível em Procempa (2014), que referencia o artigo 5o, IV, da Resolução
no 5/2006 do Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM/2006).
Na Vila Esperança, não é incomum observar atividades que promovem a
obstrução do espaço das calçadas. Alguns deles são temporários. Um exemplo é o
estacionamento de veículos, a exemplo da Figura 45. Apesar de bloquear a passagem de
pedestres nas calçadas, essa prática espacial tem como intenção garantir o livre fluxo de
veículos na rua. Outro exemplo envolve a ocupação das calçadas com cadeiras para
confraternizações cotidianas, como narrado por uma liderança: "De colocar mesa na rua,
não. Mas umas cadeiras, assim, eu já vi. Até para tomar um chimarrão” (Entrevista, Vila
Esperança, Liderança 2).

Figura 45: Carros estacionados na calçada na Rua Conceição. Fonte: Google Street View, 2011.

Outras obstruções são de médio prazo, como o depósito de materiais de construção


na calçada de casas que estão passando por reformas. Essas práticas podem até mesmo
tomar um trecho da rua sendo sempre resguardado o espaço para o fluxo de veículos. Há

119
uma previsão para essas práticas no artigo 5o do Decreto no 17.302/2011, mas suas
orientações não são seguidas pelos moradores do assentamento:
O responsável pela execução de obras de edificação deve manter, em plenas
condições de uso, no passeio, uma faixa mínima para circulação de pessoas
com largura de 1,20m (um metro e vinte centímetros), sendo admitido,
enquanto perdurarem as obras, que essa faixa seja constituída de contrapiso de
concreto regular desempenado.
§ 1º Em caso de necessidade de utilizar todo o passeio, e uma vez licenciado
pelos órgãos competentes, o responsável deve executar um desvio provisório
sobre o leito carroçável, acessível, com uma faixa mínima de 1,00m (um
metro), sem obstáculos ou degraus (PORTO ALEGRE, 2011b).

Outras obstruções, por fim, são permanentes. Um exemplo é a instalação de


mobiliários como estruturas de metal para o depósito de resíduos sólidos para a coleta de
lixo. Também é comum a construção de rampas para acessos de veículos de maneira a
quebrar a continuidade do nível entre calçadas, o que é expressamente vedado pelo artigo
13 do Decreto no 17.302 (PORTO ALEGRE, 2011b). Em poucos casos, podem ser
percebidas casas que ampliaram seu espaço edificado sobre as calçadas.
Essas práticas, que promovem o bloqueio da passagem de pedestres nos passeios
públicos, poderiam ser fonte de conflitos, mas, na prática, não são. Mesmo em trechos
onde as calçadas não apresentam nenhum obstáculo, é comum que os moradores prefiram
caminhar pela própria rua. Por isso, as três lideranças entrevistadas relataram não existir
atritos entre moradores pela ocupação de calçadas. Durante uma visita à vila, uma
liderança relatou que essas práticas são tidas como normais, e cristalizam-se como
hábitos: um morador bloqueia sua calçada e não é reprimido, logo seus vizinhos adotam,
também, comportamentos semelhantes. Práticas repetidas em um contexto social podem
se cristalizar como normas, ao serem naturalizadas nos discursos dos sujeitos, como
observa Blomley (2015). Essas práticas cotidianas, amparadas por um discurso de
permissividade, constroem uma norma social que afirma “É permitido a cada morador
bloquear o passeio público diante de sua casa”. Isso faz das calçadas um espaço que não
é completamente de uso comunitário, sendo passível de apropriações privadas, tornando-
se zonas híbridas, como observado por Blomley (2005) e Vogel, Mello e Mollica (2017).
A preocupação em não bloquear a rua, por outro lado, revela uma norma social que afirma
“É proibido bloquear ruas”. Igualmente, as três lideranças demonstraram satisfação em
não haver conflitos entre moradores por esse motivo. “Graças a Deus”, nos termos da
Liderança 1, e “Eles têm essa consciência”, segundo a Liderança 3.

120
Há, contudo, exceções a esta última norma, tendo uma delas um sujeito e um
objeto bem especificados. No terreno que serve de atalho à parada de ônibus, foram
instalados, entre 2019 e 2020, pedras para bloquear a passagem de carros (Figura 46).
Segundo narrou uma liderança durante a visita à vila, a ordem para isso foi dada por uma
liderança do grupo narcotraficante que controla aquela região do Belém Velho, pois,
durante um período, um de seus líderes – que hoje encontra-se preso, segundo as
lideranças de ambas as vilas estudadas – morou em uma casa na Vila Esperança. Os
obstáculos foram colocados como estratégia para controlar aquele acesso ao
assentamento, mantendo a Rua Wilson Tupinambá da Costa a única entrada onde seria
possível a passagem de carros. Assim, poderia ser feito um maior controle do possível
acesso de adversários no local. Essa prática pode revelar uma norma que enunciava “É
permitido ao tráfico bloquear o terreno que serve de acesso à Vila Esperança”. Embora
hoje essa liderança não habite mais na vila, o acesso permanece fechado.

Figura 46: Bloqueios no acesso informal à Vila Esperança. Fonte: Acervo do autor, 2020.

Atualmente, a Associação de Moradores da Vila Nossa Senhora da Esperança


(AMOVESP) é autorizada a bloquear ruas, com o objetivo específico de realizar eventos
de interesse comunitário, normalmente em datas comemorativas. Uma liderança descreve
essas festividades realizadas pela associação de moradores:
Todas as datas comemorativas são festejadas. Ela é feita dentro do prédio da
associação. Ali é feita (inaudível) de comida: cachorro quente, bolo, pipoca,

121
independente do dia que seja a festa. Se for festa junina, a gente vai fazer tudo
da festa junina. Tudo a gente consegue de doação, né? Aí se faz a festa. A gente
coloca música, consegue alguma atração para as crianças, tipo piscina de
bolinhas, escorregador, brinquedos infláveis. A gente corre atrás de tudo para
fazer um dia melhor para eles, entendeu? É dada a festa de graça. Tudo é dado
de graça. Toda a alimentação é dada de graça. Refri, de graça. Tudo a gente
faz para eles terem pelo menos um dia alegre, né? Mas todas as datas
comemoráveis. Todas as datas. Só não é feito festa no dia dos pais e no dia das
mães. Mas 12 de outubro é feita festa. Festa junina é feita festa. É feita a
comemoração de carnaval. É feito um almoço para as crianças no Natal, que a
gente dá almoço, a gente dá brinquedo, a gente dá... Todas as datas são
comemoradas independente. Do pai e da mãe só, que a gente não comemora.
A gente só faz, pela parte dos professores da creche, né? A gente só faz uma
faixa desejando um feliz dia das mães e, independente, o dia dos pais. Então a
gente faz para não passar em branco. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança
1).

Esse relato serve de evidência para identificar duas normas. A primeira enuncia:
“É responsabilidade da associação de moradores promover eventos comunitários”. Essa
norma de procedimento estabelece atribuições à AMOVESP, que é o agente com a
legitimidade e o dever de organizar essas comemorações:
Festas também. Dia das Crianças, Páscoa... É feito pela associação ali. A
associação faz a festa, distribui corre atrás de alimentação para dar no dia.
Digamos assim, todo o evento, aquela programação, para trazer a festa para as
crianças, para brinquedo, para entretenimento, para lazer. É tudo através da
associação. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 2).

A segunda determina: “Os eventos comunitários devem ser realizados na sede da


AMOVESP”. É na sede da associação que esses eventos são feitos a princípios, tanto por
nele haver uma cozinha cujos equipamentos são aproveitados para a ocasião, quanto pela
relação entre as festividades e a AMOVESP, identificando o papel da instituição local na
organização dessas celebrações. Contudo, as festas podem tomar um pouco mais de
espaço: “Só o espaço da associação, entre a escola e a associação, e a associação. Que
tem duas ruas, asfaltadas, né? E a gente usa esses espaços para festas." (Entrevista, Vila
Esperança, Liderança 2).
De fato, a grande quantidade de moradores que comparecem nessas festas tornou
necessário tomar o espaço da rua, o que levou a práticas da associação que visam
organizar esse espaço e garantir a segurança das pessoas: “Como é um número bem
grande, a gente acaba fechando a rua, assim, com os cones, né? Para os carros não
avançarem. A gente faz entre o pátio e rua, para comportar todo mundo.” (Entrevista, Vila
Esperança, Liderança 3). Outra liderança também descreve isso: “A gente bota dois
cones. A rua é pequena. Bota dois cones na ponta, em uma ponta, e dois na outra, e fecha
a rua” (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 2). Essas narrativas revelam uma norma de

122
comportamento que estabelece: “É permitido à associação de moradores bloquear uma
faixa da Avenida Kurt Max Hauser para a celebração de eventos comunitários”.
O bloqueio dessa faixa da via principal da Vila Esperança, no entanto, não causa
transtornos. O curioso motivo foi revelado por uma das lideranças: "A gente tem duas
ruas. Tu viu aqui, né? As duas vias têm duas mãos. A gente fecha a aqui de baixo e a de
cima fica disponível. As duas são duas mãos, né?" (Entrevista, Vila Esperança, Liderança
3). Essa fala revela que uma avenida, concebida como via em que cada faixa
corresponderia a uma mão nas normas de trânsito formais, é apropriada nas relações
cotidianas dos moradores como duas ruas de mão dupla, separadas por um canteiro
central. Isso revela uma norma de comportamento permissiva: “É permitido conduzir
veículos nas duas direções em ambas as faixas da Avenida Kurt Max Hauser”. Como
ambas as ruas levam às mesmas direções, não há prejuízo na ação de bloquear uma das
vias para um evento comunitário.
Na área de expansão irregular da Vila Esperança, também é possível bloquear ruas
para fazer eventos, como é relatado em uma das entrevistas:
Eu sei que tem pessoas que fazem... Um, uma pessoa que faz o mesmo tipo de
festa, aqui, mas aí é para a parte mais de trás. Não sei se você chegou a vir
aqui, que é como se fosse uma invasão, sabe? Que é a extensão da vila. Daí é
lá naquela parte lá. E como lá não tem rua, provavelmente... É beco, assim,
então eles devem fazer naquele ambiente ali. (Entrevista, Vila Esperança,
Liderança 3).

O relato transparece que esses eventos, no entanto, são voltados à população desse
trecho da vila. Além disso, o fato de ser uma área cujas vias não têm saída corrobora para
a ausência de conflitos envolvendo a ocupação desses espaços de uso comunitário. Essa
prática revela uma norma de comportamento cujo enunciado pode ser referido como: “É
permitido bloquear ruas da área de expansão irregular da Vila Esperança para eventos
comunitários”. Assim como nos outros casos, o caráter coletivo das celebrações são um
fator importante para a permissão, não havendo relatos de apropriações do tipo para festas
de caráter privado.
Assim como na Vila União, os moradores da Vila Esperança também estão
sujeitos a abordagens policiais ao caminhar pelas ruas. Isso é naturalizado por uma
liderança pelo fato de o assentamento ser uma vila e, como tal, ser alvo de estereótipos:
Eles entram direto. Como é vila, né? É como uma comunidade, com associação
e tudo, mas é uma vila, e na vila tem tráfico. Tem tudo que é tipo de coisa, não
tem como a gente fugir disso. E eles entram constantemente na comunidade,
até porque tem tráfico, né? Eles entram constantemente, eles fazem a ronda,
né? Às vezes, entram duas vezes no dia, às vezes entram mais de duas vezes

123
no dia. Mas eles entram constantemente. Fazem batida, né? Revistam as
pessoas... Nada foge do normal. É normal. Mas não tem acesso com a
associação de moradores, né? A gente não se envolve, assim, de ter uma
parceria, esse tipo de coisa. Não tem envolvimento (Entrevista, Vila
Esperança, Liderança 1).

Assim, mesmo regularizada, a Vila Esperança pode ser alvo de práticas não
apenas pelo tráfico, mas também pela polícia. As práticas jurídicas recorrentes desses
agentes públicos determina uma forma de controle espacial, sujeitando os moradores a
abordagens justificadas por um discurso, derivado da percepção de que vilas e favelas são
mais sujeitas à ação grupos narcotraficantes.
Outras formas de regulação do comportamento dos moradores nas ruas envolvem
o uso de veículos automotores. À semelhança do que foi observado na Vila União, o
estacionamento de veículos – seja sobre calçadas ou junto ao meio-fio – é organizado de
modo a evitar conflitos entre os moradores: “Questão de estacionamento, assim, as ruas
se organizam bem.” (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3). Essa disposição é regulada
por uma norma que enuncia: “Cada morador deve estacionar seu veículo diante de sua
casa”. Isso ressalta ainda mais o caráter híbrido, entre público e privado, não apenas dos
passeios, mas de trechos das vias carroçáveis.
Na área central da Vila Esperança, também há uma preocupação com o uso das
ruas por crianças. Isso surge por haver, de um lado da Avenida Kurt Max Hauser, a IEI
União Esperança e, do outro, o Serviço de Apoio Socioeducativo (SASE), a creche local,
cujo funcionamento ocorre na sede da AMOVESP. Desse modo, a avenida torna-se um
espaço de circulação de crianças, e mesmo de brincadeiras entre elas, quando elas não se
encontram dentro dos prédios. Os moradores não são alheios ou indiferentes a isso:
Isso já se tornou quase uma cultura, aqui, nossa, porque como tu viu, tem a rua
da creche (inaudível), né? Quando a creche utiliza, a creche fecha a rua de
cima, sabe? Então muitos moradores já... Os carros que ficam, assim, nessas
ruas são dos funcionários, e eles até evitam deixar na rua, porque sabem que o
fluxo de crianças, tanto as que não estão na creche e não estão no SASE, é
grande. Até agora, quando estou falando contigo, tem cinco crianças brincando
aqui na rua, sabe? Então essa questão de trânsito, assim, é, com os moradores
que moram na rua é organizado. Tu não vê carro correndo, sabe? Porque sabem
que tem criança na rua. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3).

Percebe-se, em primeiro lugar, que o espaço da via carroçável da Avenida Kurt


Max Hauser pode ser apropriado para o lazer infantil, o que revela uma norma permissiva:
“É permitido às crianças utilizar a Avenida Kurt Max Hauser para brincadeiras”. Isso
gera, em consequência, uma precaução por parte dos motoristas locais. Essas práticas

124
cotidianas formulam, também, uma forma de regulação do comportamento desses
agentes: “É proibido dirigir em alta velocidade na Avenida Kurt Max Hauser”.
Além de questões concernentes ao comportamento dos moradores, também foram
identificadas normas relacionadas à manutenção do espaço de ruas e calçadas. Nesse
aspecto, a AMOVESP acaba tornando-se alvo de expectativas dos moradores, que
enxergam na associação a entidade responsável por mobilizar esses serviços:
A responsabilidade da associação de moradores é conseguir benefícios em prol
da comunidade ou aos moradores. O que é que é benefício? É arrumar uma
rua, né? Arrumar uma praça, arrumar benefícios para aquelas famílias que
vivem muito na carência, porque, além de ser um lugar de caminhos rurais,
tem pessoas que não têm acesso a nada (Entrevista, Vila Esperança, Liderança
1).

A menção aos “caminhos rurais” foi recorrente na fala dessa liderança, também,
durante a visita guiada, para se referir à zona da cidade onde a vila está localizada,
associando a distância do centro como fator que gera uma menor atenção pela gestão
municipal. O termo foi criado, na verdade, como estratégia do poder público municipal
para promover o turismo rural em Porto Alegre, o que, contudo, não logrou êxito, sendo
a região pouco explorada para esses fins (MARINS; OLIVEIRA; SANTOS, 2016). Na
verdade, a legislação municipal classifica, em sua estratégia de produção da cidade,
aquela zona como “área rarefeita” (Figura 47), que pode ser entendida como um espaço
jurisdicional no interior do território porto-alegrense:
Art. 27. O território do Município de Porto Alegre divide–se, por seu Modelo
Espacial, em Área de Ocupação Intensiva e Área de Ocupação Rarefeita (...).
§ 2º Área de Ocupação Rarefeita (AOR) é a área com características de baixa
densificação, onde será dada predominância à proteção da flora, da fauna e
demais elementos naturais, admitindo–se, para a sua perpetuação e
sustentabilidade, usos científicos, habitacionais, turísticos, de lazer e
atividades compatíveis com o desenvolvimento da produção primária (PORTO
ALEGRE, 1999)

125
Figura 47: Cartografia da estratégia de produção da cidade de Porto Alegre. Fonte: Porto Alegre (1999).

A Figura 52 revela que a estratégia adotada pelo PDDUA sobre AEIS de


regularização para habitação de interesse social na Área de Ocupação Rarefeita é de
reconhecer a existência dos núcleos urbanos e equipá-los com infraestrutura. De certo
modo, isso foi garantido à Vila Esperança, mas a denúncia feita pela liderança revela uma
descontinuidade dessa estratégia espacial.

126
Isso talvez faça com que os moradores esperem que a resolução de problemas na
infraestrutura da vila seja feita pela AMOVESP. A responsabilidade por esse tipo de obra,
no entanto é identificada como do poder público, sendo papel da associação a mediação
entre o assentamento e a Prefeitura:
Ajeitar uma rua é com ajuda do poder público, onde tem o setor adequado para
esse tipo de serviço. Tipo, se tiver... Tá entupido o esgoto, a gente liga para o
156, entendeu? Faz um pedido, eles dão o protocolo. A gente fica esperando .
Queimou uma lâmpada da rua, a gente liga para o 156, faz o pedido, pega o
protocolo e fica esperando eles virem trocar a lâmpada. É a associação que faz
essa mediação. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1).

O número referido na fala acima corresponde ao canal de comunicação com a


Prefeitura de Porto Alegre para a solicitação de serviços públicos (cf. PROCEMPA,
2021). Essa narrativa revela duas normas de procedimento: “A manutenção das vias de
circulação é de responsabilidade do poder público municipal” e “É papel da associação
de moradores mediar a comunicação entre moradores e o poder público”. As expectativas
dos moradores fazem, assim, que a AMOVESP receba a atribuição de solicitar, pelo ramal
156, o poder público municipal, sendo ele o responsável pela execução dos reparos
necessários.
Essa dinâmica não significa, no entanto, em uma resolução ágil de problemas
locais. Durante a visita guiada, uma liderança queixou-se que esse tipo de serviço leva
pelo menos quatro meses, desde a solicitação por telefone, para ser executado na Vila
Esperança. Tamanho tempo de espera foi, também, justificado pelo fato de o
assentamento estar na área de caminhos rurais. Durante a visita guiada, por exemplo, a
drenagem das ruas foi apontada como um serviço carente na vila, pois as bocas-de-lobo
da Avenida Kurt Max Hauser estavam entupidas (Figura 48) ou danificadas (Figura 49),
e o poder público estava sendo moroso na resolução do problema.

127
Figuras 48 e 49: Bocas-de-lobo em necessidade de manutenção na Avenida Kurt Max Hauser. Fonte:
acervo do autor, 2020.

Questionada sobre como a desentupimento da boca-de-lobo da Figura 53 foi feito,


a mesma liderança respondeu:
Ligando para o 156. Fazendo o pedido para o 156, sim, eles resolvem. Às vezes
demora um pouquinho para eles virem. Às vezes demora um mês. Às vezes
demora dois meses. Às vezes eles nem vêm, né? Faz de novo o pedido. Mas é
resolvido assim.
Então nem sempre eles vão rápido resolver as coisas?
Não, claro que não. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1).

Felizmente, de todo modo, a manutenção das ruas não é uma demanda recorrente
na vila: “As ruas aqui elas são... Assim, raramente eu vejo o pessoal vindo aqui arrumar,
até porque é bem direitinho. É bem direitinho.” (Entrevista, Vila Esperança, Liderança
2). Outra liderança, no entanto, diz que a manutenção das ruas pode não ser vista como
urgente na maior parte do assentamento, mas o mesmo não ocorre na área central:
Aqui, o nosso canteiro central, ao nosso redor, a gente... Sempre, a associação
procura fazer essa manutenção, né? Até pela questão, assim, de ter um
ambiente... Porque a Prefeitura demora muito, né? Então, assim, como a gente
tem criança, que a gente... O nosso espaço, ele não fica só dentro da creche,
dentro do SASE. A gente utiliza muito a rua, utiliza muito o campo. Então a
gente costuma fazer essa manutenção, porque a gente tá sempre em uso com
as crianças, né? Então a associação que faz essa manutenção aqui... Desse
entorno principal que tu viu, que é creche, praça, canteiro, é a associação. Aí o
restante é a Prefeitura. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3).

128
Essa narrativa revela que, em decorrência da demora da resposta do poder público
a solicitações feitas para serviços na Vila Esperança, a AMOVESP assume a
responsabilidade de reparos de urgência, priorizando sua área central, onde concentram-
se seus espaços de uso comunitário. Isso justifica, também, a Figura 54: aquela boca-de-
lobo foi danificada quando a associação, com seus próprios recursos, teve que
providenciar seu desentupimento. Essas práticas recorrentes acabam por conferir uma
norma conferindo responsabilidade pela manutenção de espaços de uso comunitário
também à associação, com uma espacialidade restrita: “A manutenção de espaços de uso
comunitário na área central da Vila Esperança é de responsabilidade da associação de
moradores”.
Há outra área da Vila Esperança com normas específicas regulando a manutenção
de espaços de vias locais: o trecho de expansão irregular do assentamento. Questionada
sobre quem é responsável pela manutenção daquelas ruas, uma liderança respondeu:
“Sim, os próprios moradores. Uns tampam os buracos das ruas. Lá também não passa o
lixo. Tem que levar o tempo distante. Não tem asfalto, não tem luz.” (Entrevista, Vila
Esperança, Liderança 2). A função de preencher buracos nas ruas, nessa área da vila, é
atribuída a quem morar diante deles: “Os próprios moradores que cuidam da sua frente,
assim.” (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 2). Essa regulação, assim, é feita pela
norma: “Na área irregular da Vila Esperança, a manutenção de cada trecho de rua é
responsabilidade de quem morar diante dele”.
Além da área central do assentamento, a AMOVESP também assume o papel de
realizar a manutenção das vias de circulação em toda a vila no caso de serviços de menor
custo:
É que nem a varreção da rua, a cortação da grama. A gente tem máquina de
cortar grama. Quando está demais na comunidade, a gente pega um morador,
né? E pede que ele corte a grama. E a gente varre, deixa a rua limpinha. Às
vezes é feita a pintura do cordão das calçadas. A repartição pública não faz
isso. Quem faz ali é a associação em conjunto com os moradores.
Sim. Então essas... Digamos assim, essas manutenções menores, o poder
público não faz, e daí os moradores e a associação têm que fazer?
Sim, até porque (inaudível) tu vai pro 156, é um caos, também, pra tu
conseguir. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1).

É mais voltado para cuidar da comunidade, da escola, né? Da infraestrutura


também, porque ela cuida, também, aqui, da rua, da limpeza, da higiene,
cortação de grama. Tudo, tudo, tudo, é a associação que... Tudo é através da
associação. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 2).

Isso revela três normas de procedimento: “A limpeza das ruas é responsabilidade


da associação de moradores”, “A pintura dos meios-fios é responsabilidade da associação

129
de moradores” e “O aparo da grama dos canteiros centrais é responsabilidade da
associação de moradores”. A própria AMOVESP assumiu essas atribuições diante da
demora do poder público municipal em realizar esses serviços, que são feitos
periodicamente nas áreas centrais de Porto Alegre, sem a necessidade de solicitações.
Como esses reparos são mais acessíveis que a pavimentação de uma rua, por exemplo,
sua execução está ao alcance da associação de moradores, e tornou-se mais prático que
ela assumisse esse papel.
Também foi observado que o canteiro central da Avenida Kurt Max Hauser é
decorado com algumas estruturas instaladas pela AMOVESP. Uma delas é uma casinha
destinada a abrigar animais que habitam as ruas (Figura 50). Outra foi uma árvore de natal
(Figura 51) instalada em uma rotatória na avenida. Também há relatos da instalação, pela
AMOVESP, de um pequeno canteiro, com flores plantadas em pneus pintados que,
contudo, deteriorou-se e não existe mais: "Esse canto aqui, a dirigente da escola tentou
várias vezes fazer um canteiro ali e tudo, mas o pessoal acabou não pegando." (Entrevista,
Vila Esperança, Liderança 2). Essa iniciativa foi registrada pelo Google, e pode ser vista
na Figura 52. Essas práticas revelam que a associação de moradores é autorizada – e
mesmo encorajada por expectativas da população local – a realizar essas intervenções,
por uma norma social permissiva que enuncia: “É permitido à associação de moradores
realizar intervenções nos canteiros centrais”.

Figura 50: Casinha para animais que habitam as ruas no canteiro central da Avenida Kurt Max Hauser.
Fonte: acervo do autor, 2020.

130
Figura 51: Árvore de natal instalada em rotatória na Avenida Kurt Max Hauser. Fonte: acervo do autor,
2020.

Figura 52: Pneus com plantas junto a canteiro na Avenida Kurt Max Hauser. Fonte: Google
Street View, 2019.

O cuidado com esses espaços também fez com que a associação proibisse
comportamentos que causem danos a eles. Durante uma observação direta, uma criança
aproximou-se de uma muda de árvore plantada pela associação no canteiro central da
Avenida Kurt Max Hauser e tentou retirar uma de suas folhas. Diante disso, uma liderança

131
repreendeu a atitude, afirmando que aquilo era pertencente a todos os moradores, e que
ela não poderia destruir aquele patrimônio. Outra liderança afirmou que essas queixas são
sanções recorrentes a esse tipo de comportamento, por parte dessa representante em
específico: “Sim, ela chama a atenção quando ela vê. Ela chama a atenção mesmo."
(Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3). Essa prática deflagra uma norma que
estabelece: “É proibido danificar a vegetação do canteiro central”.
Na Vila Esperança, a regulação de ruas, calçadas e canteiros centrais é feita por
um arranjo de interlegalidade que mescla normas jurídicas e sociais. Em um primeiro
momento, esses espaços de uso comunitário foram instalados por instituições do poder
público municipal, seguindo o que lhes é estabelecido por normas emitidas para o espaço
jurisdicional de Porto Alegre. Contudo, a presença dessas agências mostrou-se reduzida
com o passar do tempo, fazendo com que a associação de moradores assumisse a
responsabilidade pela manutenção de alguns desses espaços. Ainda, as apropriações deles
pelos moradores em suas relações cotidianas revela normas sociais que diferem do
esperado para a regulação do uso de ruas e calçadas. Mesmo assim, a regulação municipal
faz-se presente em alguns espaços, quando requisitada. Por fim, a presença policial
também foi observada no assentamento, com práticas jurídicas semelhantes aos descritos
na Vila União, que afetam os moradores que circulam pelas ruas.

4.2.2 Os parquinhos e o campo de futebol


Apesar de a Vila Esperança ser equipada com espaços de uso comunitário de lazer,
eles não foram designados durante o processo de regularização fundiária:
Nada era demarcado. A única... Na verdade, a única coisa que foi demarcado
e decidido foi o espaço da creche. O espaço da creche foi decidido lá por 2003.
Foi decidido, né? Que a creche foi construída e entregue para a associação de
moradores em 2009. Mas a área de lazer foi, assim, mais ou menos resolvida
quando eu assumi a presidência, que nós tínhamos uma praça. Era lá nos
fundos, que foi conquistada também por um morador antigo, que já tinha
falecido. Essa praça foi feita lá nos fundos. Mas dos fundos você passa para a
frente, né? Daí na frente eu fui alocando ela para trás do prédio da associação
para deixar aquele espaço ali maior, para um campinho para a comunidade,
né? Mas, quando foi loteado tudo, não tinha demarcação. Só tinha a
demarcação para as casas. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1).

Conforme a narrativa acima, o projeto de loteamento para o reassentamento da


Vila Esperança não previa a reserva de lotes para espaços de uso comunitário, além das
ruas e calçadas. O espaço da creche, na verdade, sequer era previsto na divisão original
do terreno. Segundo matéria do portal de notícias da Prefeitura de Porto Alegre, o prédio

132
da IEI União Esperança “foi construído a partir de demanda do Orçamento Participativo
de 2004, e de um pedido do Clube de Mães da localidade. As instalações foram entregues
e inauguradas em 2009” (NEQUESAURT, 2012). Nesse contexto, com as possibilidades
garantidas pelo OP, o poder público municipal assumiu a responsabilidade pela
construção da creche-escola, competência essa atribuída a essa escala do poder municipal
pela Constituição Federal:
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão
em regime de colaboração seus sistemas de ensino (...).
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na
educação infantil (BRASIL, 1988).

Assim, o único espaço de lazer da Vila Esperança mantido com verba municipal
é o parquinho interno à IEI União Esperança (Figura 53).

Figura 53: Parquinho da IEI União Esperança. Fonte: acervo do autor, 2020.

Entretanto, cabe mencionar que, embora os recursos utilizados para a manutenção


da creche-escola venham da Secretaria Municipal de Educação (SMED), sua gestão é
feita pela AMOVESP. A princípio, a IEI União Esperança era administrada pelo Lar
Fabiano de Cristo/Casa do Bom Samaritano, e foi em 2012 que essa atribuição foi
transferida à associação de moradores (NEQUESAURT, 2012). Essa responsabilidade é
reconhecida e estabelecida em documentos oficiais, como o Parecer no 17 do Conselho
Municipal de Educação (CME) (PORTO ALEGRE, 2016), e foi feita como consequência

133
do Convênio Creches Comunitárias, projeto da Prefeitura de Porto Alegre de parcerias
com associações de moradores para a gestão de instituições de educação infantil (cf.
ANJOS; KOZONOI, 2009).
Embora a IEI União Esperança tenha sido construída como responsabilidade
municipal, o mesmo não pode ser afirmado sobre o SASE, que funciona na sede da
AMOVESP (Figura 54), cuja edificação foi feita por meio de articulações feitas pela
associação de moradores. Mesmo assim, sua manutenção é feita pela instituição local com
recursos provenientes do convênio estabelecido com a prefeitura:
A gente tem a ajuda da Prefeitura pela associação de moradores pelos
convênios. A gente tem a creche com 114 crianças mais 20 funcionários. Por
quê? Porque a associação é conveniada com a SMED, com a Prefeitura. Porque
eles fizeram uma certa quantia de dinheiro para a associação de moradores,
porque nós temos cadastro no CME, nós temos cadastro no CMDCA
[Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente], nós temos
cadastro no [inaudível], nós temos CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica]. Então, por isso, em outras gestões, de outras gestões, de outras
presidências, foi legalizado o atendimento a crianças necessitadas, né? Então
foi feita uma luta com todos os moradores, até para a gente demandar essa
creche. E depois, com o tempo, também, foi demandado o SASE. Então a
creche foi construída pela Prefeitura, o prédio do SASE foi construído com
doações, né? E com toda essa legalização de documentação, a gente conseguiu
abrir a creche. Então a associação, ela tem convênio com o poder público
através da Prefeitura porque a gente recebe um convênio. Então a gente
consegue manter a escola, as despesas, os funcionários, tudo através do
convênio. E no SASE também. No SASE, a gente tem convênio com a FASC
[Fundação de Assistência Social e Cidadania], que a gente... O atendimento
para crianças, é de 6 a 14 anos, então a gente recebe um convênio da FASC
para dar um atendimento para essas crianças, pagar luz, água, telefone,
alimentação, material pedagógico. O convênio que a gente tem é esse.
(Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1).

Figura 54: Sede da AMOVESP e do SASE. Fonte: acervo do autor, 2020.

134
Assim, inicialmente, o processo que levou à construção da sede da AMOVESP
revela uma norma de procedimento que enuncia: “A construção da sede da associação de
moradores deve ser organizada por ela”. Uma vez feitos os convênios, a atribuição pela
manutenção de ambos os prédios utilizados para a educação infantil segue com a
instituição: “A manutenção da sede da associação de moradores e da IEI União Esperança
é de responsabilidade da associação de moradores, com recursos provenientes do poder
público municipal”. A Prefeitura de Porto Alegre assume, assim, o papel de garantir os
recursos, e a AMOVESP assume o de administrar as estruturas. A forma como a
associação articulou a construção da sede, com doações e contribuições dos moradores,
não é mais uma alternativa, agora que há recursos repassados pelos convênios:
A manutenção da creche e do SASE é feita com o dinheiro do convênio, sim.
Se tiver que fazer uma reforma, se tiver que fazer uma construção, tudo (com
ênfase) é feito com o dinheiro do convênio. Não tem outra opção de fazer a
manutenção, sem ser com o dinheiro do convênio. (Entrevista, Vila Esperança,
Liderança 1).

Por outro lado, o montante de dinheiro recebido para esses prédios tem pouco
espaço para flexibilidade. Durante a visita guiada, uma liderança revelou que, quando é
necessária uma quantia a mais devido a algum dano imprevisto que necessita de reparos,
nem sempre há resposta dos órgãos municipais. Quando a verba recebida não é suficiente
para esses serviços, então, a AMOVESP volta a articular-se com os moradores para a
busca de soluções:
A manutenção da sede é feita pelos moradores. É feita pela associação de
moradores. Muita coisa ainda é feita por convênio. Por quê? Porque ali, além
de ser um prédio da associação de moradores, é um prédio que tem convênio
também. Tem convênio com a FASC, onde a gente recebe seis mil e pouco. E
a gente tem dois funcionários ali, e com esses seis mil e pouco a gente faz a
manutenção do prédio, né? Então em si, a manutenção do prédio, mesmo sendo
associação, ela tem atendimento para criança. Então fica mais fácil manter o
prédio como atendimento para criança do que como associação, porque ali são
duas coisas juntas. Então no prédio, na verdade, é sempre feita manutenção
com dinheiro do convênio, também. Porém, a gente, por receber seis mil reais,
a gente tem um problema gravíssimo ali, que chove em toda a sala de dentro,
porque as telhas são precárias. Já foi levantado aqui dentro. A gente conseguiu
doação, foi colocado telha, porque a telha é tudo velha, sabe? Tem vários,
vários buracos. Tem várias goteiras. E isso a gente não está conseguindo fazer
com o dinheiro do governo. E pedindo para os moradores, um real aqui, um
real ali... Eles não têm nem para eles, quanto mais para ajudar a gente. A gente
está levando como pode. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1).

Mesmo assim, pode-se perceber que, em determinados períodos, a associação


logrou não apenas manter esses espaços, mas melhorá-los, o que pode ser evidenciado ao

135
se contrastar a Figura 53 com a Figura 55, que ilustra o estado em que o parquinho da IEI
União Esperança se encontrava quando a gestão do prédio foi transferida à AMOVESP.

Figura 55: Parquinho da IEI União Esperança em 2012. Fonte: Nequesaurt (2012).

Os recursos a esse parquinho, é claro, só foram possíveis por comporem os


recursos repassados à IEI. A mesma relação não foi observada com os demais espaços de
uso comunitário de lazer na Vila Esperança. Além de não ter seu espaço demarcado
durante o loteamento do terreno, como narrado acima, a construção desses equipamentos
foi feita inteiramente por iniciativa e esforços da AMOVESP:
Tudo aqui, imagina, a gente consegue adquirido pela associação. Onde...
Antigamente não tinha pracinha. Não tinha, na volta da associação. Agora tem.
Tem duas pracinhas. Foi reformado um campo, ali, para a comunidade poder
usufruir.
O campinho de futebol que tem do lado da associação?
Isso, ele foi colocado só a tela e foi arrumado. Eu não sei se na época que tu
veio aqui tinha um esgoto correndo. Foi arrumado aquele esgoto. Foi colocada
pracinha, balanço, escorregador, está bem... Para a comunidade ter acesso.
(Entrevista, Vila Esperança, Liderança 2).

Esse espaço que foi criado, foi a associação que fez, né? No caso, assim, a
AMOVESP. Porque não foi nem um...
Sim, então não foi nem a Prefeitura, nem nada, foi a associação que fez o
campinho?
Sim, esse campo aqui eu não sei te responder, mas a praça, sim. Essa praça
aqui. Eu não sei se você chegou a ver que tem uma praça na frente do campo,
agora.
Vi, sim. Que tem uns balanços.
Tem uma do lado e tem uma na frente. Isso.
Vi, sim.
Tá, tem uma na frente. Esse aí foi feito pela associação. Foi feito pela
associação. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3).

136
Esses relatos revelam que, na Vila Esperança, a responsabilidade pela implantação
desses equipamentos é regulada por uma norma de procedimento que enuncia: “A
instalação de equipamentos de uso comunitário de lazer é responsabilidade da associação
de moradores”. A forma como a AMOVESP articula essas obras pode envolver diferentes
estratégias. Uma delas é pela troca de favores com agentes públicos, como oferecer votos
em eleições em troca de equipamentos, como o parquinho ao lado da sede da associação
(Figura 56):
A gente até participou de uma eleição para conselheira tutelar aqui. A gente
mobilizou para eleger aquela pessoa. Aquela pessoa ganhou. Graças, ela
ganhou. Então é uma pessoa que prometeu para nós que, se a gente ajudasse,
ela também ajudaria, com balanço, com gira-gira, com alguma coisa que a
gente precisasse. E ela cumpriu com a palavra dela. Ela deu balanço, ela deu
um gira-gira. Mais lá na frente, mais lá na frente eu consegui um balanço, um
gira-gira. Consegui uma gangorra, um escorregador. E a gente teve condições
de trocar alguns brinquedos da praça da escola, então esses usados a gente
botou para a comunidade usufruir, né? Então a gente conseguiu dar um passo.
Hoje a gente tem no final de semana, tem... De um lado, tem um balanço com
dois lugares, tem gira-gira, tem um vai-e-vem. Em outro lugar tem mais um
balanço com dois lugares, tem uma gangorra, tem um escorregador, um gira-
gira. Então a gente conseguiu revitalizar um pouco. (Entrevista, Vila
Esperança, Liderança 1).

Figura 56: Parquinho ao lado da sede da AMOVESP. Fonte: acervo do autor, 2020.

Essa estratégia, no entanto, depende de certas contingências. Não há nenhuma


norma que garanta o cumprimento das promessas por parte dos agentes externos. Durante

137
a visita guiada, por exemplo, uma visita relatou que o nome da Avenida Kurt Max Hauser
foi dada a pedido de uma organização filantrópica, em troca de brinquedos para um dos
parquinhos. A AMOVESP, então, fez essa solicitação à Câmara Municipal, que resultou
na Lei no 12.551 (PORTO ALEGRE, 2019). A promessa da organização, no entanto, não
foi cumprida.
O relato anterior também menciona uma segunda estratégia utilizada pela
associação, que é a de reaproveitar brinquedos descartados da IEI União Esperança,
instalando-os em canteiros de uso comunitário. Assim foi construído o segundo
parquinho, localizado em frente ao campo de futebol (Figura 57): “Olha, eu acredito que
esse da frente do campo, a associação que bancou tudo, né? Como eu te falei. A gente
reutilizou alguns brinquedos que tinha na escola, que foram deslocados, e colocou aí na
frente. Aí isso foi por conta da associação.” (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3).

Figura 57: Parquinho diante do campo de futebol. Fonte: acervo do autor, 2020.

Ainda, no caso do campo de futebol, a estratégia empreendida pela AMOVESP


foi a articulação dos moradores para a obtenção de recursos, compra de materiais e
instalação de estruturas. O espaço, anteriormente, era um terreno de areia, que também
era alvo de usos comunitários, como uma feira organizada por uma ONG de moradores
do bairro do Belém Velho (SANTOS, 2012), mostrada na Figura 58.

138
Figura 58: Terreno onde hoje é o campo de futebol. Fonte: Santos (2012).

Hoje, o campo é provido de uma grade demarcando seu terreno e duas traves de
futebol, como pode ser visto na Figura 59. Essas estruturas foram instaladas pelos
moradores, com mediação da AMOVESP. Atualmente, seu uso é restrito a partidas de
futebol, não sendo utilizado para outros fins: "O campo em si é usado para essa finalidade:
jogar futebol.” (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3). Mesmo assim, não é necessário
nenhum sistema de reserva para seu uso, sendo utilizada uma estratégia regulatória
estabelecida por práticas cotidianas: "Quem chegar primeiro usa, assim. Vão se juntando,
e vão se formando os grupos, né E vão usando assim. Mas não tem esse controle, não."
(Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3). Podem ser identificadas, assim, duas normas
sociais criadas pelas práticas do dia a dia dos moradores, que controlam o comportamento
dos usos do campo de futebol: “O campo deve ser usado para jogar futebol” e “Quem
primeiro ocupar o campo de futebol tem prioridade sobre o seu uso”.

139
Figura 59: Campo de futebol. Fonte: acervo do autor, 2020.

Apesar do papel central da associação de moradores na promoção de todos os


espaços de uso comunitário de lazer instalados na Vila Esperança até a atualidade, uma
recente interação com uma parlamentar municipal configurou uma exceção a essa regra.
Em dezembro de 2020, a vereadora Karen Santos, do Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL) destinou R$100.000,00 em recursos, por emenda parlamentar, para a instalação
de uma academia ao ar livre (PORTO ALEGRE, 2020a). O valor foi incluído nas
despesas previstas para o Município de Porto Alegre no ano de 2021 (PORTO ALEGRE,
2020b). De fato, essa era uma demanda da AMOVESP. Durante a visita guiada, uma
liderança disse que esse era um dos projetos da associação no que dizia respeito a espaços
de uso comunitário, mas que faltava algum apoio para conseguir os equipamentos. O local
designado para sua instalação é em um trecho do canteiro central da Avenida Kurt Max
Hauser, na frente do primeiro parquinho (Figura 60).

140
Figura 60: Área proposta para a instalação de academia ao ar livre. Fonte: acervo do autor, 2020.

Esse evento, contudo, parece concretizar não uma nova regra, mas uma exceção.
Em entrevista com a vereadora Karen Santos37, ela explicou como foi feito o processo de
contemplar o pedido da AMOVESP:
Então, lá no Rincão, a gente tem contato com alguns moradores que fazem
parte do coletivo, que é o coletivo que eu construo, que é o Alicerce, né? Então
tem, por exemplo, a Fulana, que, nossa, é uma das fundadoras do nosso
coletivo. A Fulana já é antiga na comunidade. E a partir desse trabalho, assim,
de comunidade, a gente vai expandindo e tendo relações com outros
moradores. (...) E a partir dessa perspectiva do trabalho comunitário com que
nós estamos dialogando no Rincão que veio o diagnóstico da falta de espaços
públicos de lazer, né? Então foi uma das iniciativas... A primeira vez que os
vereadores da Câmara de Porto Alegre vão ter emendas impositivas, nós
destinamos os recursos para tentar qualificar equipamentos públicos (...). Aí a
gente fez esse debate de fazer para as praças que não têm espaço de lazer,
assim, que é uma das coisas que, na periferia, na cidade tão segregada, assim,
sem um Marinha, um Redenção, um Moinhos38, né? Mas sempre nas vilas tu
não tem praças e parques organizados. E Porto Alegre é uma cidade é uma
cidade com muitas praças e parques, né? Então a gente fez essa opção.
(Entrevista, Vereadora Karen Santos).

A própria vereadora descreve seu processo de elaboração de emendas impositivas


como particular em relação aos processos conduzidos por seus pares:
A gente faz a discussão com todos os núcleos do coletivo. A gente faz a
discussão com os professores, com os trabalhadores de saúde, com as
lideranças comunitárias, com o movimento estudantil, né? E a partir daí a gente

37
Agradecimentos a Ronaldo Lacerda Pinto, por viabilizar esse diálogo.
38
Referências aos parques Marinha do Brasil, Farroupilhas e dos Moinhos de Vento, três espaços públicos
bem equipados próximos à área central de Porto Alegre.

141
vai tendo um diagnóstico. Assim, até porque depois, na hora que o Executivo
libera, a gente vai acompanhar o caminho do dinheiro, né? Para fazer a
discussão nos fóruns, que tem que ser feito, lá nos conselhos. Porque são os
conselhos que deliberam. A emenda, ela vai carimbada para aquele objetivo.
E quem vai fazer a fiscalização, o controle, são os trabalhadores que estão na
ponta e os usuários, né? Então a gente já deixa todo mundo pré-avisado, né? E
fazemos a discussão junto, assim, também. De quais são os objetivos, para que
é que vocês vão usar, sabe? Porque a gente tem esse cuidado, que o dinheiro
pode ser utilizado para muitas coisas. (...) Então a gente tem muito esse
cuidado, assim, para que o projeto seja decidido coletivamente, para que haja
participação, controle social, transparência. Que realmente seja algo que vá
unificar e não vá criar mais divisões. Então, para nós, todo esse processo, ele
é importante. Não é só, assim, de dar o dinheiro e tirar foto lá e botar na
manchete. A gente tem todo o cuidado de saber que é o nosso povo e a questão
da grana. O orçamento público sempre foi muito... Nunca foi dada essa
perspectiva de trabalhar com o serviço público dessa forma. (Entrevista,
Vereadora Karen Santos).

O relato da vereadora revela a excepcionalidade da destinação de verba para a


instalação da academia ao ar livre na Vila Esperança. Essa aquisição de equipamentos de
uso comunitário para o assentamento só foi possível por duas condições: as relações de
moradores com o Alicerce, coletivo da legisladora – o que facilitou o contato para
apresentar as demandas locais – e o trabalho de diagnóstico em vilas populares feito pela
equipe de Karen Santos, o que, segundo a mesma, não é uma atividade comum entre os
vereadores da Câmara Municipal de Porto Alegre. Mesmo assim, é possível afirmar que
essa narrativa evidencia, em uma certa medida, o cumprimento de uma norma jurídica
estabelecida na Lei Orgânica Municipal:
Art. 191 - É dever do Município fomentar e amparar o desporto, o lazer e a
recreação, como direito de todos, mediante:
I - criação, ampliação, manutenção e conservação das áreas esportivas,
recreativas e de lazer, e dos espaços de manifestação cultural coletiva, com
orientação técnica competente para o desenvolvimento dessas atividades e
tendo como princípio básico a preservação das áreas verdes;
II - garantia do acesso da comunidade às instalações de esporte e lazer das
escolas públicas municipais, sob orientação de profissionais habilitados, em
horários e dias em que não se prejudique a prática pedagógica formal;
III - sujeição dos estabelecimentos especializados em atividades de educação
física, esportes e recreação a registro, supervisão e orientação normativa do
Município, na forma da lei. (PORTO ALEGRE, 1990).

O dispositivo atribui ao Município não apenas o papel de instalar equipamentos


de lazer, recreação e desporto, mas também de mantê-los e supervisioná-los. É incerto
afirmar sobre o destino da academia ao ar livre, visto que ela ainda não foi materializada
até a data da escrita deste trabalho. No entanto, os outros espaços de uso comunitário de
lazer são mantidos sem a participação de agentes do poder público municipal, a exemplo
dos brinquedos dos parquinhos: “As coisas também vão se destruindo, daí a gente

142
consegue uma doação com um, consegue uma doação com outro. Consegue botar ela no
lugar de novo. É difícil.” (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1). Desse modo, a
AMOVESP assumiu não apenas a responsabilidade de instalar os equipamentos, mas
também de mantê-los. Além dos parquinhos, o campo de futebol também é sujeito a
manutenção pela associação de moradores:
A gente tenta há anos, tenta fazer um piso nessa... No campo que tem ao lado
da associação. É difícil. A gente conseguiu telar, mas com bastante dificuldade.
Telar ele, só, né? E os brinquedos que tem, tudo também a associação batalhou
para conseguir doação para colocar tudo ali. Seria uma praça, né? É uma praça
para a população poder trazer os filhos. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança
2).

Uma narrativa que ilustra esse papel desempenhado pela AMOVESP foi a solução
do despejo de efluentes líquidos no campo de futebol: "Outra vez a gente teve que arrumar
o esgoto, daí a gente fez alguns buracos no campo, mas foram tapados." (Entrevista, Vila
Esperança, Liderança 3). A compra dos materiais necessários e a obra de reparo foi feita
com recursos e mobilização da associação de moradores:
Do esgoto ali? Tava dentro do campo.
Escorria para dentro do campo?
Isso, dentro do campo. Daí a associação ajeitou. A gente comprou material
para poder ajeitar ali. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 2).

O processo foi descrito com maiores detalhes por uma das lideranças:
Nós tivemos um problema de saneamento aqui no SASE. Mas aí foi a
associação que fez a ligação do esgoto, que o nosso esgoto dava direto no
campo. E não tinha o encanamento adequado, né?
Sim, foi o problema do campo que você mencionou.
Isso, isso. Então, aí, se contratou. Os meninos abriram um buraco do campo
até o esgoto, praticamente todo o encostado do campo até o esgoto. E a
associação comprou os canos e nós fizemos essa ligação. Eu não sei te informar
se isso poderia ser feito pela Prefeitura ou se a Prefeitura se negou a vir.
(Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3).

Essa narrativa mostra uma obra cuja atividade foi assumida pela associação de
moradores, envolvendo dois aspectos: o saneamento básico local e a manutenção do
campo de futebol. Sendo a fonte dos efluentes a sede da AMOVESP (e do SASE), a
responsabilidade de conectá-los à rede municipal de esgoto foi, naturalmente, atribuída à
instituição. No entanto, chama a atenção o fato de o processo ter envolvido uma série de
intervenções no espaço do campo de futebol, cavando-se o espaço para instalar a
tubulação comprada pela associação. Esses relatos, somados ao que trata dos brinquedos
do parquinho, evidencia uma norma social de procedimento: “A manutenção dos espaços
de uso comunitário de lazer é de responsabilidade da associação de moradores”.

143
No caso do campo de futebol, o poder público municipal não foi envolvido na
resolução do problema dos efluentes líquidos despejados no local. No entanto, durante a
visita guiada, uma liderança contou que um de seus projetos mais árduos é de conseguir,
junto à Prefeitura, recursos para a revitalização do campo, cobrindo a área para protegê-
la das chuvas e renovando as traves e grades. Esses esforços não lograram êxito. A
tentativa empreendida pela AMOVESP, então, tem sido centrada na articulação dos
moradores, o que também não se mostrou uma tarefa simples:
A gente tentou, né? Até está tendo ainda, acredito, revitalizar e ter esse
controle, assim, de cuidado, né? De trazer, assim, para os moradores. Que é até
mesmo criar... Essa revitalização teria a participação de todos os moradores,
né? A gente pensou em arrecadar dinheiro, fazer um movimento assim, para
que todos, de certa forma, tenham consciência de fazer um bom uso, né? Mas
esse campo, ele é, hoje, ele é... Assim, não tem uma manutenção da associação
em questão de hoje, assim, como ele está. Da Prefeitura também não. Ele foi
criado e foi deixado ali e o que tem ali foi o que desde o começo, entendeu?
(Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3).

Por um lado, essa atribuição assumida pela AMOVESP foi tratada por uma
liderança como uma expectativa gerada pelo próprio poder público em relação à
instituição local, pelo fato de haver convênios entre o Município e as instituições
educacionais da Vila Esperança: “Sim, sim. Isso aí já é parte da associação. Até, os
convênios que a gente recebe, eles vêm atentos que a gente faça algum uso do dinheiro
em prol da comunidade, entendeu?” (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1). Por outro
lado, o fato de a associação de moradores assumir esse papel, então, acontece diante da
ausência do poder público municipal na atividade de manter os espaços de uso
comunitário de lazer. A mesma liderança fala sobre isso de modo a revelar seu cansaço e
frustração em ter que sempre solicitar serviços à Prefeitura, e nem sempre consegui-los:
Então a gente está cansado, já. Eu já estou cansada de lutar, de correr, de pedir,
de se humilhar, entendeu? A gente cansa. Então às vezes a gente está
procurando resolver as coisas internamente, dentro da comunidade mesmo,
sem pedir ajuda ao poder público, sem pedir ajuda para mais ninguém. A gente
se junta. Um dá um tanto, outro dá um tanto. "Ai, vamos fazer?", "Vamos lá!",
e fizemos, né? Tá ficando meio desgostoso, já, de a gente se empenhar.
(Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1).

A regulação de espaços de uso comunitário de lazer na Vila Esperança, assim,


evidencia a centralidade de normas sociais no uso e na manutenção dessa dimensão da
vida local. O papel assumido pela associação de moradores na instalação e manutenção
desses espaços reflete, por um lado, expectativas projetadas sobre a instituição e, por
outro, uma ausência do poder público municipal no trato dessas questões. A conquista

144
recente, via emenda impositiva de uma vereadora de Porto Alegre para a instalação de
equipamentos de uso comunitário pode expressar uma mudança no futuro desse quadro
regulatório. No entanto, as evidências coletadas apontam para a excepcionalidade desse
projeto, que não parece apontar para uma maior participação da Prefeitura na gestão dos
demais espaços de lazer.

4.2.3 Os serviços públicos, o lixo e o lixão


Poucos anos após o reassentamento, a Vila Esperança foi provida com o que era
necessário para a instalação regular de serviços públicos como fornecimento de energia
elétrica, água encanada e saneamento básico. Esse responsabilidade foi assumida pelo
DEMHAB, que cumpriu seu papel de interessado na regularização urbanística do
assentamento e na garantia de melhorias na qualidade de vida local:
Com o tempo, o DEMHAB veio. Ele colocou um registro geral, para os
moradores que chegaram recentemente, né? Foi doado fios, da parte dele, para
puxar a rede elétrica, que tinha poste, tipo, lá da faixa, lá da Afonso Lourenço
Mariante. A gente teve que puxar luz lá da faixa até dentro desse loteamento.
Foi bem difícil, bem difícil mesmo, mas eles (inaudível). Graças a Deus eles
(inaudível). O DEMHAB cumpriu com a palavra dele, né? Eles fizeram todo
o saneamento básico, asfaltaram e tudo. Os moradores com caixa de esgoto na
frente da sua casa, né? (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1).

Nesse momento inicial da Vila Esperança em sua nova localização, o poder


público municipal seguiu o compromisso firmado com os moradores e estabelecido ao
ser iniciado o processo de regularização fundiária em um terreno de propriedade do
DEMHAB. Essa responsabilidade disse respeito à providência de estruturas físicas, como
postes e cabos de transmissão de energia elétrica, o que pode ser entendido por uma norma
que enuncia: “A instalação de infraestrutura na Vila Esperança é de responsabilidade do
DEMHAB”.
Uma vez implantadas, essas estruturas são, também, mantidas pelos órgãos
públicos responsáveis: a CEEE troca lâmpadas queimadas de postes e faz reparos na
fiação, o DMAE faz reparos nas redes de água e esgoto. Intervenções de maior porte que
se mostrem necessárias, contudo, costumam ser demandados no Fórum do Orçamento
Participativo (FOP), para então serem feitas por essas instituições, conforme revelado
pelo relato a seguir:
Sim, eles atendem. Se tiver problema, né? E se tiver algum problema grave,
assim, que a gente precise do serviço deles, a gente participa de uma reunião
no FOP. E no FOP é demandado essas demandas que... Grande, que tem que
resolver na comunidade, né? Mas se der algum problema de entupimento de
esgoto, né? Se der um problema de corte de luz, essas coisas, a gente tem a

145
prioridade em ligar para o 156, né? Qualquer morador, indiferente, pode ligar
para o 156 que esses problemas são resolvidos. A gente tem assistência, sim,
através do 156. E quando é demanda grande, é no FOP que a gente resolve.
(Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1).

A fala acima evidencia que, na Vila Esperança, a manutenção de estruturas de


provimento de serviços públicos é assumida pelas instituições que receberam essas
atribuições pelo poder público. Em Porto Alegre, os órgãos com a legitimidade de realizar
obras sobre redes elétricas e hídricas são, respectivamente, a CEEE e o DMAE, e isso
também vale para o assentamento estudado. Assim, pode-se perceber a concretização de
duas normas: “A manutenção da rede elétrica é de responsabilidade da CEEE” e “A
manutenção das redes de água e esgoto é de responsabilidade do DMAE”. Quando
reparos são necessários na estrutura dessas redes, essas agências são diretamente
contatadas. Mesmo quando a resolução de um problema precisa ser via FOP, são esses os
órgãos responsabilizados pela obra.
Há, naturalmente, uma exceção. Não há provimento regular de energia elétrica,
água encanada ou esgotamento sanitário na área de expansão irregular da Vila Esperança.
Conforme observado durante a visita guiada, os moradores desses trechos realizam
conexões ilegais no encanamento e na fiação fornecidos à área regularizada. Já os
efluentes líquidos são lançados em fossas sépticas ou na floresta vizinha a parte das casas,
de modo a não criar conflitos no convívio comunitário, o que revela uma norma social
que estabelece: “É proibido lançar efluentes líquidos nas ruas”. Na visita, uma liderança
também revelou que, nesse trecho do assentamento, são os responsáveis de cada casa que
devem garantir a boa manutenção de sua própria conexão ilegal, o que, também, revela
uma norma sociais de procedimento que trata sobre as redes hídrica e elétrica: “A
manutenção de cada conexão ilegal é de responsabilidade de seu beneficiário”.
Mesmo que haja fornecimento regular de água encanada, eletricidade e
esgotamento sanitário na área regularizada da Vila Esperança, isso não significa que esses
serviços são feitos do mesmo modo que em todo o território de Porto Alegre. Durante a
visita guiada, uma liderança queixou-se de um poste cuja lâmpada estava queimada havia
mais de um mês, e ainda aguardavam a chegada dos funcionários da CEEE para realizar
o reparo. A razão dessa demora foi, também, atribuída ao fato de a Vila Esperança estar
em “caminhos rurais”, não sendo entendida como prioritária para o poder público.
Outra narrativa que reforça esse sentimento entre as lideranças locais foi o fato
de, após fazer uma obra de manutenção da rede de esgotamento sanitário local,

146
funcionários do DMAE não recolheram tubulações de concreto que não foram utilizadas,
deixando as estruturas em um canteiro central na Avenida Kurt Max Hauser (Figura 61).
Uma das lideranças revela a frustração provocada por isso:
Está no mesmo lugar, ainda. Tá no mesmo lugar ainda. Não foi tirado. Eu já
fiz um registro, né? Já liguei duas, três vezes para o 156 e eles falaram que não
terminaram a obra. A obra já foi terminada e os canos estão no mesmo lugar.
Destruindo mais a nossa comunidade, que já é uma vila, ainda mais aqueles
canos ali, mais o lixão do lado. Imagina, né? (Entrevista, Vila Esperança,
Liderança 1).

Figura 61: Canos deixados por funcionários do DMAE em canteiro da Avenida Kurt Max Hauser. Fonte:
acervo do autor.

A fala acima revela uma expectativa, pelas lideranças locais, de que essas
estruturas de concreto sejam removidas por algum órgão da Prefeitura de Porto Alegre, o
que revela uma norma de procedimento que enuncia: “A remoção dos canos deixados na
Avenida Kurt Max Hauser é de responsabilidade do poder público municipal”. Essa
expectativa, no entanto, não foi cumprida até o momento da escrita deste trabalho.
O relato exposto também revela um outro problema enfrentado pelas lideranças
da Vila Esperança: o lixo. Assim como ocorreu com os demais serviços públicos, a coleta
de resíduos sólidos foi garantida pelo DMLU durante o processo de regularização
fundiária do assentamento. A partir disso, foi estabelecida uma norma que determina:
“Cada morador deve colocar seu lixo doméstico diante de sua casa”. Essa regra se estende
aos moradores da área regularizada da vila. Contudo, próximo à área onde foram

147
depositados os canos não utilizados pelo DMAE, diferentes moradores, em especial
aqueles da área irregular da vila, por onde os caminhões de lixo não circulam, começaram
a depositar seu lixo doméstico, formando o que as lideranças consideram um lixão (Figura
62): “A coleta tira o lixo que é colocado na frente das suas casas. Ali já é um lixão. O que
é que acontece? Ali, também, tem que fazer um pedido para o 156 para eles virem limpar
ali. Então eles vêm. É certo que uma vez no mês eles vêm limpar o lixão.” (Entrevista,
Vila Esperança, Liderança 1).

Figura 62: Lixão da Vila Esperança. Fonte: acervo do autor.

Como apontado pela liderança, o papel de garantir limpeza do material depositado


no lixão é do DMLU, o que condiz com normas sobre responsabilidades do departamento,
estabelecidas pela Lei Ordinária no 4.080:
Art. 2o: O Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) é o órgão
autárquico municipal responsável pala limpeza da cidade e tem por finalidade:
I - estudar 08 problemas relacionados com a limpeza da cidade,
acondicionamento, coleta, transporte e destino final do lixo domiciliar, dando-
lhes soluções adequadas e que melhor atendam aos interesses do Município e
da população;
II - Zelar pela limpeza do Município, através da coleta diária do lixo
residencial, comercial, industrial e hospitalar; limpeza dos logradouros
públicos e terrenos baldios (PORTO ALEGRE, 1975b).

Entretanto, a fala também revela que, mesmo que seja necessária uma limpeza
periódica pelo DMLU, ela precisa ser constantemente provocada pela AMOVESP, pelo

148
ramal telefônico da Prefeitura de Porto Alegre destinado à solicitação de serviços
públicos. Desse modo, realizar essas solicitações tornou-se uma das atribuições da
associação de moradores, como foi exposto por uma liderança quando perguntada sobre
as funções da instituição local: “A gente tem que manter a higienização da comunidade,
né? A gente tem um lixão ali, que fica difícil de destruir aquele lixão ali e fazer um
canteiro, fazer alguma coisa assim, porque os órgãos públicos, o DMLU, eles não
facilitam muito esse acesso para a gente.” (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1). Isso
revela uma norma social de procedimento, gerada tanto pelas expectativas dos moradores
quanto pela iniciativa da própria AMOVESP, que enuncia: “É responsabilidade da
associação de moradores solicitar a limpeza do lixão pelo DMLU”.
A associação de moradores também realizou esforços na tentativa de impedir o
descarte de resíduos sólidos no lixão. Uma delas foi a solicitação, à Prefeitura, de placas
que assinalam a proibição de depositar lixo no local, prevendo a sanção de multa e
informando que a área é monitorada por câmeras (Figura 63). Outra foi a iniciativa já
mencionada de instalar decorações no local, a partir de um mutirão com as crianças do
SASE para pintar pneus e plantar flores dentro deles. Nenhuma das tentativas, no entanto,
logrou êxito:
Tinha duas placas ali. Tinha duas placas. Em 2017 eu fiz um pedido para o
DMLU, com o conhecimento de uma pessoa aqui, uma pessoa lá. Eu pedi que
me ajudassem a fazer um canteiro ali para acabar com o lixão. Naquela época,
no ano seguinte, era época de eleição. Eles ficaram por três meses ali,
plainando, trazendo areia preta, tudo. Vendo os canos para trazer os vasos para
botar flores, tudo. Foram três meses árduos ali, de obras. A gente conseguiu
fazer um canteiro da ponta da rua, ali onde estavam os canos, até quase a
chegada da parada lá. Foram colocadas duas placas de "Não coloque lixo", mas
o que acontece é que também na comunidade as pessoas não têm cultura, né?
Elas não têm muita informação. Tem pessoas que, mesmo tendo, elas gostam
de viver no meio da sujeira. Isso não é um problema somente da associação,
isso é um problema das pessoas. O canteiro foi desmanchado, né? Foram
começando a largar lixo em cima das flores. A gente ia lá e limpava tudo. Só
que daí eu também cansei de estar toda hora fazendo aquela manutenção. E aí
o lixão se voltou. Tanto que tá aquilo lá até hoje, mais ainda os canos das obras.
Foi já roubada uma placa, que só tem uma placa lá, está faltando a outra, que
já levaram, já. E como deu essa invasão aqui atrás da comunidade também, o
que é que aconteceu? Gente desmanchando casa, montando casa. Gente
quebrando, cortando árvore. Gente plantando árvore, né? Gente trocando de
móveis... E o lixão foi crescendo, foi crescendo, foi crescendo. Agora tomou
uma proporção, assim... Só tirando tudo e tomando conta de novo, né?
(Entrevista, Vila Esperança, Liderança 1).

149
Figura 63: Placa que proíbe o depósito de lixo na área do lixão. Fonte: acervo do autor.

A persistência do lixão é apontada pelas lideranças como consequência de atos


consolidados por práticas cotidianas dos moradores. De um lado uma liderança aponta
que a limpeza da área pelo DMLU legitima a prática de prosseguir depositando lixo no
local: “O lixo continua ali, mas o DMLU vem, duas ou três vezes por semana, e recolhe.
É recolhido. Então já ficou, assim, tipo hábito lá. Tu larga o lixo ali. As pessoas já largam
ali porque sabem que o caminhão vem recolher.” (Entrevista, Vila Esperança, Liderança
2). De outro, outra liderança entende estar explícita a proibição, mas que essa
determinação é desobedecida com base nos hábitos desenvolvidos pelos moradores:
Então é uma... Digamos, é uma prática deles, sabe? Que a gente (inaudível) de
limpar. Até mesmo a Fulana [liderança], antes do SASE [fazer o mutirão de
embelezamento do canteiro], ela já tentou conversar, colocar ordens, colocar
placas. Não respeitavam. Então continua. Tem... Talvez se tu estivesse aqui
outro dia, depois de a Prefeitura passar, ia estar limpo, perfeito. Dali a dois dias
ia estar, de novo, cheio de lixo. (Entrevista, Vila Esperança, Liderança 3).

Essa narrativa expressa, na Vila Esperança, um processo interessante de relações


entre normas. De um lado, há uma norma elaborada por duas fontes convergentes – a
AMOVESP e a Prefeitura de Porto Alegre – que enuncia: “É proibido depositar lixo no

150
final da Avenida Kurt Max Hauser”. Do outro, há uma norma social estabelecida pelas
relações cotidianas dos moradores, que determina: “É permitido depositar lixo no final
da avenida Kurt Max Hauser”. A desobediência à norma proibitiva acaba legitimada pela
norma permissiva, de modo que aquele que adota o comportamento desviante, mesmo
sofrendo sanções (no geral, sinais de desaprovação) por lideranças AMOVESP, a
aceitação da prática pelos demais moradores – e a não aplicação da sanção pecuniária
prevista pela placa da Prefeitura – faz com que o comportamento seja pouco repreendido.
Por isso, a presença do lixão não foi erradicada da Vila Esperança.
No que diz respeito a serviços públicos, percebe-se, na Vila Esperança, um maior
papel de agentes do poder público, com responsabilidades atribuídas por normas
jurídicas. Isso não é verdade, no entanto, para todo o território da vila, sendo necessário
recorrer a táticas ilegais, reguladas por normas sociais, na área de expansão irregular do
assentamento. No que diz respeito ao lixão desenvolvido no final da Avenida Kurt Max
Hauser, há uma norma de comportamento emanada pelo poder público municipal e
reforçada pela associação de moradores (que pode ser entendida como duas normas –
uma jurídica e uma social – convergentes em seu conteúdo) que proíbe práticas que
“alimentam” o depósito. Essa norma, todavia, entra em conflito com práticas cotidianas
dos moradores, que construíram uma norma permissiva que legitima a desobediência à
outra regra.

4.2.4 A regulação de espaços de uso comunitário na regularidade vivenciada


As narrativas expostas anteriormente permitem identificar um rol de normas que
regulam os espaços de uso comunitário na Vila Esperança. Esses regramentos estão
expostos de acordo com algumas de suas características em tabela disponibilizada no
apêndice deste trabalho.
Percebe-se, assim como na Vila União, um grande papel desempenhado pelas
normas sociais na regulação de espaços de uso comunitário da Vila Esperança. Essas
normas são construídas em práticas cotidianas e expectativas geradas pelos moradores, e
também por determinações e atribuições assumidas pela AMOVESP. Além disso, a
associação de moradores continua exercendo um papel importante em tomar
responsabilidades no que diz respeito à manutenção e instalação de espaços de uso
comunitário. Desse modo, é possível perceber que a passagem para a temporalidade da
regularidade vivenciada não implica na dissolução do espaço territorial estabelecido pelas

151
normas sociais locais. Isso contraria algumas das expectativas institucionais que podem
envolver um processo de regularização fundiária que, ao incorporar um assentamento
irregular ao tecido urbano formal, também estaria, em tese, tornando o poder público
municipal o principal responsável em regular elementos de interesse comunitário.
É verdade, no entanto, que, na Vila Esperança, enquanto caso de assentamento na
temporalidade vivenciada, pode ser observado um maior papel exercido por normas
jurídicas na regulação de espaços de uso comunitário do que na Vila União, aqui
representante de um território na temporalidade da irregularidade vivenciada. Parte dessas
normas dizia respeito a aspectos pertinentes ao próprio processo de regularização
fundiária, como as intervenções urbanísticas executadas, sobretudo a instalação de
infraestrutura comunitária. A manutenção de parte dessas estruturas também obedece a
normas jurídicas, o que sugere uma presença de agentes estatais na regulação de espaços
de uso comunitário maior do que no momento anterior à regularização.
Não obstante, o estudo de caso também mostrou que há estruturas instaladas pelo
poder público cuja manutenção foi assumida por instituições locais. Em outros exemplos,
há equipamentos cuja instalação seria de responsabilidade de órgãos municipais, mas foi
feita pela associação de moradores. Ainda, de acordo com os relatos das lideranças, a
Prefeitura costuma tardar em cumprir suas atribuições, o que raramente ocorre de modo
espontâneo, dependendo de solicitações feitas por telefone pelos representantes
comunitários. Assim, embora a Prefeitura se tenha feito presente nos primeiros anos após
a regularização fundiária, ela distanciou-se, com o tempo, da regulação de espaços de uso
comunitário na vila.
Esse afastamento do poder público, expresso na demora em realizar algumas
funções e mesmo no não-cumprimento de suas atribuições, é lida pelas lideranças locais
como consequência da localização do assentamento, longe da área central de Porto
Alegre. O espaço, assim, é um elemento importante nessa relação: a distância em relação
ao centro e às áreas mais densamente urbanizadas do município desfavorece a apreciação
da Vila Esperança por tarefas como a manutenção de espaços de uso comunitário por
agentes municipais. Isso permite uma aproximação com o conceito de espaços fora do
mapa (cf. KONZEN, 2013) que, mesmo que formulado a partir do estudo de cidades
turísticas, revela uma relação análoga ao caso estudado. Um assentamento de baixa renda
como uma vila parece ser visto como não-prioritário para o exercício do papel de
providência do Estado. Diante disso, a reação dos moradores é voltar-se a instituições

152
locais, como a associação de moradores, para assumir responsabilidades envolvendo
tarefas de maior urgência ou menor necessidade de recursos que não são desempenhadas
pelas instituições estatais.
Outra visão presente no discurso das lideranças é de que a Vila Esperança, mesmo
regularizada, permanece sendo uma vila. Por isso, ela seria sujeita à influência territorial
de grupos narcotraficantes de um modo particular, em comparação à cidade formal. Pelo
mesmo motivo, justifica-se um papel diferenciado de agentes policiais em suas interações
com os moradores locais, havendo um tratamento como legítimas ou naturais dado a
frequentes abordagens aos que caminham pelas ruas, o que materializa táticas espaciais
cujas práticas jurídicas não são exercidas do mesmo modo em bairros centrais como o
Centro Histórico ou o Moinhos de Vento, por exemplo, comportamento também
observado na Vila União. A regularização fundiária, portanto, não rompe essas
regulações.
Algumas observações podem ser feitas sobre os impactos da regularização
fundiária na regulação de espaços de uso comunitário nas vilas estudadas, a partir das
categorias que estudam as relações entre normas, espaço e tempo oferecidas por Benda-
Beckmann e Benda-Beckmann (2015), tomando como espacialidades jurídicas os
conceitos oferecidos por Konzen (2013). A princípio, as expectativas institucionais sobre
a regularização previam que, com o processo, o espaço territorial estabelecido por normas
sociais locais seria suplantado pelo espaço jurisdicional das normas municipais,
desaparecendo como espacialidade. Van Gelder (2010a) argumenta no mesmo sentido,
descrevendo esse processo modo gradual: quanto mais próximo da regularização plena,
menor o papel exercido pelo direito comunitário e maior a atuação do direito estatal. O
espaço territorial de uma vila ou favela seria, nesse sentido, um espaço que se dilui no
espaço jurisdicional do município de Porto Alegre.
Os resultados alcançados neste trabalho revelam, no entanto, uma lógica diversa.
De fato, o processo de regularização fundiária envolveu aproximações entre a Vila
Esperança e o poder público municipal e, uma vez deflagrado o processo, o Município se
fez nitidamente presente na regulação de espaços de uso comunitário. Pode-se perceber,
de fato, um contínuo, no qual o Estado assume mais atribuições em aspectos da vida local.
Nesse processo, as interações entre moradores e funcionários das empresas responsáveis
pelas redes de energia elétrica, água e esgotamento sanitário, por exemplo, não se deram
mais por táticas espaciais dos agentes dessas instituições, mas por normas jurídicas que

153
regulam seu funcionamento. Igualmente, o poder público municipal assumiu a melhoria
de espaços de uso comunitário como ruas e calçadas, além da instalação de uma creche e
um posto de saúde.
Isso, no entanto, não anulou espacialidades pré-existentes, que podem ser
entendidas como espaços que persistem. De um lado, táticas espaciais estabelecidas por
práticas jurídicas agentes policiais foram observadas na temporalidade anterior e
posterior à regularização. De outro, o papel central exercido pela associação de moradores
e normas construídas por práticas cotidianas locais não deixaram de existir, sendo esse
espaço territorial um espaço que persiste. Além disso, sendo a vila um lugar fora do mapa,
ela não é tratada com prioridade pela regulação estatal no que diz respeito à manutenção
de espaços de uso comunitário, o que provoca frustrações entre moradores e lideranças
locais, as quais passam a assumir, gradualmente, cada vez mais dessas atribuições. Há,
então, um duplo-contínuo: se o Estado faz-se mais presente na regulação de espaços de
uso comunitário na vila recém-regularizada, ele aos poucos passa a distanciar-se, e
normas sociais começam a atribuir algumas de suas responsabilidades a agentes locais.
Não ocorre a diluição completa de um espaço territorial em um espaço jurisdicional, mas
interações nas quais ambos mesclam-se e um assume papéis antes atribuídos ao outro,
mas sem que nenhum dos dois deixe de existir.
O surgimento de uma área de expansão irregular da Vila Esperança também
chama a atenção para se pensar os impactos da regularização fundiária na regulação
normativa de espaços de uso comunitário em vilas e favelas. É fato que um assentamento
não é cristalizado após a regularização: moradores se mudam para outros lugares, novos
habitantes chegam e as famílias crescem. O poder público municipal não foi alheio a isso,
prevendo, de antemão, a regularização de novas moradias feitas no espaço jurisdicional
demarcado como AEIS na Vila Esperança. Essa estratégia, no entanto, não foi suficiente,
e a vila expandiu-se para além desses limites, criando um espaço territorial que não
coincide totalmente com o espaço jurisdicional estabelecido. Essa descontinuidade
jurídica e espacial, naturalmente, tem consequências para a regulação de espaços de uso
comunitário nesse trecho da vila, cujas normas assemelham-se em alguns casos, como na
manutenção das ruas e das conexões individuais, a normas identificadas na Vila União.
Em suma, é possível afirmar, com base nos estudos de caso realizados, que a
regularização fundiária tem como impacto um maior papel exercido por normas jurídicas
na regulação de espaços de uso comunitário em vilas e favelas. Essas normas passam a

154
interagir com normas sociais e práticas jurídicas pré-existentes, substituindo parte delas.
Com o tempo, no entanto, a regulação estatal faz-se menos presente, embora não
desapareça, como consequência da desvalorização de espaços periféricos como
assentamentos urbanos de baixa renda no exercício do papel de providência do Estado,
processo mediado por discursos cuja consequência é o estabelecimento de lugares fora
do mapa. Nesse processo, normas sociais voltam a regular algumas relações, nas quais o
papel do poder público estabelecido por normas jurídicas mostra-se moroso ou falho.
Essas normas sociais atribuem essas funções novamente a instituições locais, como a
associação de moradores.

155
5 CONCLUSÃO

Este trabalho dedicou-se a compreender como o processo de regularização


fundiária impacta a regulação de espaços de uso comunitário em vilas e favelas. Para isso,
após uma revisão da literatura sobre assentamentos irregulares de baixa renda, impactos
de processos de regularização fundiária e regulação de espaços de uso comunitário,
considerando o contexto da América Latina, foi conduzido uma pesquisa empírica,
partindo de categorias teóricas formuladas no âmbito da literatura de geografia jurídica,
em especial a teoria da regulação do espaço. Dois estudos de caso, na Vila União e
Esperança, duas comunidades contíguas na periferia de Porto Alegre, foram
desenvolvidos com base em observações diretas, entrevistas e análise de documentos,
buscando identificar as normas que regulam os espaços de uso comunitário nas
temporalidades anterior e posterior ao processo de regularização fundiária.
Na Vila União, que está na temporalidade da irregularidade vivenciada, foi
percebido um papel reduzido de normas jurídicas na regulação de espaços de uso
comunitário. As interações feitas com agentes públicos, em especial policiais e
funcionários das companhias de energia elétrica e de água e esgoto, se dão, normalmente,
por táticas espaciais, nas quais esses agentes adequam suas práticas jurídicas à realidade
local. De todo modo, o que desempenha um papel mais importante na regulação de
espaços comunitário são normas sociais, reproduzidas por práticas cotidianas
estabelecidas entre os habitantes e pela associação de moradores, a qual recebe
atribuições, por normas de procedimento, de um papel ativo no exercício dessa regulação,
nos limites do espaço territorial da vila. Assim, respondendo a primeira subquestão de
pesquisa, é possível sustentar que, antes da regularização fundiária, normas sociais
exercem um papel central na regulação de espaços de uso comunitário em vilas e favelas.
Já na Vila Esperança, que está na temporalidade da regularidade vivenciada, foi
percebida uma maior relevância das normas jurídicas na regulação de espaços de uso
comunitário. Parte dessas normas diz respeito a serviços regulares, como o fornecimento
de energia elétrica, água encanada, esgotamento sanitário e recursos para a manutenção
da creche e da unidade de educação infantil. Outra parte, no entanto, diz respeito à
instalação de alguns equipamentos e pavimentação das ruas e das calçadas. Com a
efetivação da regularização fundiária plena, o poder público fez-se cada vez menos
presente na manutenção dos espaços de uso comunitário, ao passo que a associação de

156
moradores assumiu algumas dessas responsabilidades, processo mediado por novas
normas sociais de procedimento. Esse afastamento do poder público, ainda, pode ser
compreendido como uma desvalorização discursiva dessa vila popular, vista como um
lugar fora do mapa.
De todo modo, percebeu-se que os usos de espaços de uso comunitário
permaneceram sendo regulados sobretudo por normas sociais, tanto aquelas constituídas
no dia a dia quanto aquelas emanadas pela associação de moradores. Essa instituição,
inclusive, assumiu tarefas sobre a instalação e manutenção de espaços de uso comunitário
de lazer que não foram executadas pelo poder público em momento algum, nem mesmo
durante a implementação das obras públicas de urbanização. A associação de moradores
permanece central para a regulação desses espaços, estabelecendo-se no espaço territorial
da vila. Ainda, o fato de o crescimento da vila ter originado uma área de expansão
irregular, ampliando o espaço territorial para além do espaço jurisdicional demarcado
como AEIS, e cujos espaços de uso comunitário são regulados por normas sociais, reforça
a importância desse tipo de regramento mesmo após um processo de regularização
fundiária. Assim, pode-se dizer que, durante o planejamento e a execução do projeto
urbanístico de regularização fundiária, as normas jurídicas fizeram-se mais presentes na
regulação de espaços de uso comunitário, mas, com o passar do tempo, sua importância
reduziu-se, dando espaço a formas de regulação por normas sociais comunitárias
retomadas pelos sujeitos locais, que não perderam sua centralidade.
Portanto, quanto ao modo como a regularização impacta a regulação de espaços
de uso comunitário em vilas e favelas, é possível afirmar, a partir dos casos estudados,
que, após a regularização, há uma maior presença de normas jurídicas, algumas das quais
continuam regulando certos espaços locais. Isso, porém, não implica na insignificância
de normas sociais comunitárias, nem do papel de instituições locais, que continuam
centrais nesse papel regulatório, inclusive em assumir atribuições por meio de normas de
procedimento. Além disso, o afastamento do poder público de determinadas atividades
reduz, também, seu exercício regulatório com o passar do tempo, dando lugar à retomada
de normas sociais, que permanecem relevantes na regulação dos espaços de uso
comunitário.
Esse resultado aponta para duas implicações. Em primeiro lugar, é preciso
reconhecer que, mesmo assumindo a regulação de espaços de uso comunitário,
instituições locais de vilas e favelas não dispõem dos mesmos recursos, seja para o

157
controle de comportamentos ou a manutenção de estruturas, que o poder público
municipal. Naturalmente, o papel das lideranças e demais moradores em participar desses
processos é importante, pois eles têm maior familiaridade com os sujeitos locais e suas
necessidades, mas eles mesmos relatam precisar de um maior apoio por parte de órgãos
estatais. Além disso, isso cria uma dependência entre a vila e certos agentes, que
estabelecem relações de doação e retribuição, oferecendo, por exemplo, novos
equipamentos em troca de apoio eleitoral. Uma maior atenção por parte do poder público,
que não precisa implicar em uma neutralização de instituições locais, poderia auxiliar em
melhorias na qualidade de vida dos moradores desses assentamentos.
Em segundo lugar, esse processo vai de encontro às expectativas institucionais
projetadas sobre os impactos de processos de regularização fundiária. Espera-se que uma
vila regularizada seja, juridicamente, regulada do mesmo modo que outras áreas do tecido
urbano, respeitando, naturalmente, a divisão das cidades em zonas, com espaços
jurisdicionais específicos, pela legislação municipal. No entanto, os resultados
alcançados apontam que, por um lado, as normas jurídicas não logram tornar-se centrais
para a regulação de espaços de uso comunitário e mesmo a ação policial no assentamento
revela que ele ainda é compreendido, por esses agentes, como uma vila igual às outras,
para as quais valem as táticas espaciais desenvolvidas para esses espaços. A persistência
– e não a diluição – dos espaços territoriais de vilas e favelas revela uma frustração dessas
expectativas, reforçada, inclusive, pelo afastamento do poder público da regulação de
equipamentos locais. Pode haver, então, falhas nos enfoques adotados para processos de
regularização fundiária que precisam ser revistas, sobretudo no que diz respeito à
permanência de normas jurídicas na vida local.
Por fim, vale ressaltar que este trabalho não finda, de modo algum, a discussão
sobre o objeto estudado. Desse modo, pesquisas futuras, tanto quantitativas quanto
qualitativas, podem ajudar a aprofundar a compreensão dos impactos de processos de
regularização fundiária na regulação de espaços de uso comunitário em vilas e favelas em
outros contextos na América Latina, a fim de perceber particularidades, contingências e
contrastes nessas relações, apontando o grau de consolidação da presença do Estado
nesses assentamentos.

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lei nº 8150, gravadas de forma imprecisa no PDDUA e sobre a aplicação do regime do
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PORTO ALEGRE. Lei Complementar no 678, de 22 de agosto de 2011. Institui o Plano


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PORTO ALEGRE. Lei Complementar no 728, de 8 de janeiro de 2014. Institui o Código


Municipal de Limpeza Urbana, revoga as Leis Complementares nos 234, de 10 de outubro
de 1990, 274, de 25 de março de 1992, 376, de 3 de junho de 1996, 377, de 3 de junho de
1996, 591, de 23 de abril de 2008, e 602, de 24 de novembro de 2008, e dá outras
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dá outras providências. 1961.

PORTO ALEGRE. Lei Complementar no 570, de 11 de junho de 2007. Estabelece


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cloacal em áreas não-regularizadas e dá outras providências. 2007.

PORTO ALEGRE. Decreto no 10.926, de 18 de fevereiro de 1994. Revoga o Decreto


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Complementar no 43, de 21 de julho de 1979, quanto à pavimentação de passeios públicos
e dá outras providências. 1994.

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PORTO ALEGRE. Decreto no 17.302, de 15 de setembro de 2011. Dispõe sobre a
pavimentação dos passeios públicos; regulamenta o inc. I, do art. 18, o “caput” do art. 28
e os incs. II e III do art. 33 da Lei Complementar no 12, de 7 de janeiro de 1975 – que
institui posturas para o Município de Porto Alegre e dá outras providências –, e o art. 30
da Lei Complementar no 284, de 27 de outubro de 1992 – que institui o Código de
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183
APÊNDICE

Tabela 1 – Esquema de normas identificadas na Vila União


Norma Tipo Fonte / Sujeito Objeto Estado
Espacialidade
É proibido bloquear Comportamento. Práticas cotidianas / Cada Ruas. Ativa.
as vias de circulação Espaço territorial. morador.
de veículos.
É permitido ao Comportamento. Tráfico / Espaço Tráfico. Ruas. Inativa.
tráfico local territorial.
bloquear ruas.
Todos que entrarem Comportamento Tráfico/ Espaço Cada Ir e vir. Inativa.
na Vila União territorial. morador.
devem parar e
identificar-se aos
narcotraficantes
quando solicitado.
É proibido aos Comportamento. Policiais / Táticas Tráfico. Ruas. Inativa.
traficantes da Vila espaciais.
União o fechamento
de ruas.
(Prática jurídica) Policiais / Táticas Policiais. Ir e vir. Ativa.
Policiais abordam espaciais.
moradores que
circulam nas ruas à
noite.
Cada morador deve Comportamento. Práticas cotidianas / Cada Ruas. Ativa.
estacionar seus Espaço territorial. morador.
veículos em sua
garagem ou diante
de sua casa.
É permitido dispor Comportamento. Práticas cotidianas / Cada Ruas. Ativa.
itens para decorar as Espaço territorial. morador.
ruas.
Cada morador pode Comportamento. Práticas cotidianas, Cada Ruas. Ativa.
dispor como possivelmente morador.
preferir do trecho de adaptadas de leis
rua diante de sua municipais / Espaço
residência. territorial
Cabe à associação Procedimento. ASSCOMOU e Associação Ruas. Inativa.
de moradores expectativas dos de
organizar a moradores / Espaço moradores.
manutenção das territorial.
ruas.
A manutenção de Procedimento. Práticas cotidianas / Cada Ruas. Ativa.
cada rua é Espaço territorial. morador.
responsabilidade
daqueles que
moram nela.
A instalação de Procedimento. ASSCOMOU e Associação Espaços de uso Ativa.
espaços de uso expectativas dos de comunitário de
comunitário de moradores / Espaço moradores. lazer.
lazer é de territorial.
responsabilidade da
associação de
moradores.

184
É proibido construir Comportamento. ASSCOMOU e Cada Largo no final Ativa.
no largo no final do práticas cotidianas / morador. do Acesso
Acesso Cinco. Espaço territorial. Cinco.
É proibido construir Comportamento ASSCOMOU e Cada Área em torno Ativa.
estruturas cobertas práticas cotidianas, morador. das torres de
nos arredores das adaptando Decreto- transmissão de
torres de Lei no 35.851/54 / energia elétrica.
transmissão de Espaço territorial.
energia elétrica.
Funcionários da
CEEE / Tática
espacial.
É permitido cercar Comportamento. Funcionários da Moradores Torres de alta Ativa.
as torres de alta CEEE / Tática vizinhos às tensão.
tensão. espacial. torres.
Cada morador deve Comportamento. ASSCOMOU e Cada Resíduos Inativa.
depositar seus práticas cotidianas / morador. sólidos.
resíduos sólidos na Espaço territorial.
caçamba localizada
na Rua Oito.
Cada morador deve Comportamento. ASSCOMOU e Cada Resíduos Ativa.
dispor seus resíduos práticas cotidianas / morador. sólidos.
sólidos diante de Espaço territorial.
sua casa.
Cada morador deve Comportamento. Práticas cotidianas / Cada Resíduos Ativa.
depositar os Espaço territorial. morador. sólidos.
resíduos sólidos
orgânicos no dia em
que é feita a coleta.
A coleta de resíduos Procedimento. Lei Complementar DMLU. Resíduos Ativa.
sólidos é de no 725/2014 / Espaço sólidos.
responsabilidade do jurisdicional.
DMLU.
É proibido o Comportamento. Práticas cotidianas / Cada Efluentes Ativa.
despejo de efluentes Espaço territorial. morador. líquidos.
líquidos domésticos
nas ruas.
A associação de Procedimento. ASSCOMOU e Associação Conflitos de Ativa.
moradores deve expectativas dos de interesse
mediar conflitos de moradores / Espaço moradores. comunitário.
interesse territorial.
comunitário.
A associação de Procedimento. ASSCOMOU e Associação Problemas que Ativa.
moradores deve expectativas dos de impactam a
articular a solução moradores / Espaço moradores. vida pública da
de problemas que territorial. vila.
impactam a vida
pública da vila.
É permitido aos Comportamento. Funcionários do Cada Rede hídrica. Ativa.
moradores da Vila DMAE / Tática morador.
União fazer espacial.
conexões ilegais de
água.
Cada morador é Procedimento. ASSCOMOU e Cada Rede hídrica. Ativa.
responsável pela práticas cotidianas / morador.
manutenção de sua Espaço territorial.
mangueira.
Os reparos de Procedimento. ASSCOMOU, Fulano Rede hídrica e Inativa.
serviços públicos na práticas cotidianas e (membro da rede elétrica.

185
Vila União são de expectativas dos associação
responsabilidade de moradores / Espaço dotado de
Fulano. territorial. saber
técnico).
Toda alteração nas Comportamento. ASSCOMOU / Cada Rede hídrica. Inativa.
mangueiras deve ser Espaço territorial. morador.
previamente
comunicada à
associação de
moradores.
Cada morador deve Comportamento. ASSCOMOU / Cada Rede hídrica. Ativa.
enterrar sua Espaço territorial. morador.
mangueira em uma
profundidade que a
proteja da passagem
de veículos.
É permitido aos Comportamento. Funcionários da Cada Rede elétrica. Ativa.
moradores da Vila CEEE e policiais / morador.
União fazer Táticas espaciais.
conexões ilegais de
energia elétrica.
A manutenção de Procedimento. ASSCOMOU e Cada Rede elétrica. Inativa.
cada conexão ilegal práticas cotidianas / morador.
de energia elétrica é Espaço territorial.
de responsabilidade
de seu beneficiário.
A manutenção da Procedimento. ASSCOMOU / Associação Rede elétrica. Inativa.
rede elétrica Espaço territorial. de
coletiva da Vila moradores.
União é de
responsabilidade da
associação de
moradores.
A manutenção da Procedimento. Possivelmente, Grupo que Rede elétrica. Ativa.
rede elétrica tráfico / Espaço instalou a
coletiva da Vila territorial. rede elétrica.
União é de
responsabilidade do
grupo que a
instalou.
Serão beneficiados Procedimento. ASSCOMOU / Cada Rede elétrica. Inativa.
pela rede coletiva Espaço territorial. morador.
instalada pela
ASCOMOU
aqueles que
contribuíram com a
compra dos
materiais
necessários.
As conexões Procedimento. Possivelmente, Técnico Rede elétrica. Ativa.
individuais só tráfico / Espaço autorizado
podem ser feitas territorial. pelo grupo
pelo técnico que instalou
autorizado pelo a rede
grupo que instalou a elétrica.
rede elétrica.

186
Tabela 2 – Esquema de normas identificadas na Vila Esperança
Norma Tipo Fonte / Espacialidade Sujeito Objeto
A instalação de Procedimento. Atribuições do loteador / Loteador. Arruamentos.
arruamentos é de Espaço jurisdicional
responsabilidade do brasileiro.
loteador.
Na pavimentação dos Comportamento. Decreto no 10.926/94 / Proprietários de Calçadas
passeios públicos, será Espaço jurisdicional. lotes urbanos.
permitido o
revestimento de
concreto asfáltico.
A pavimentação do Comportamento. Decreto no 17.302/2011 / Proprietários de Calçadas.
passeio público deve Espaços jurisdicionais. lotes urbanos.
ser executada em
consonância com os
níveis de altura dos
passeios dos imóveis
lindeiros.
É permitido a cada Comportamento. Práticas cotidianas / Cada morador. Calçadas.
morador bloquear o Espaço territorial.
passeio público diante
de sua casa.
É proibido bloquear Comportamento. Práticas cotidianas / Cada morador. Ruas.
ruas. Espaço territorial.
É permitido ao tráfico Comportamento. Tráfico / Espaço Tráfico. Terreno que
bloquear o terreno que territorial. serve de
serve de acesso à Vila acesso à Vila
Esperança (norma Esperança.
inativa).
É responsabilidade da Procedimento. AMOVESP e Associação de Eventos
associação de expectativas dos moradores. comunitários.
moradores promover moradores / Espaço
eventos comunitários. territorial
Os eventos Procedimento. AMOVESP e Associação de Eventos
comunitários devem ser expectativas dos moradores. comunitários.
realizados na sede da moradores / Espaço
AMOVESP. territorial.
É permitido à Comportamento. AMOVESP e práticas Associação de Avenida Kurt
associação de cotidianas / Espaço moradores. Max Hauser.
moradores bloquear territorial.
uma faixa da Avenida
Kurt Max Hauser para a
celebração de eventos
comunitários
É permitido conduzir Comportamento. Práticas cotidianas / Cada morador. Avenida Kurt
veículos nas duas Espaço territorial. Max Hauser.
direções em ambas as
faixas da Avenida Kurt
Max Hauser.
É permitido bloquear Comportamento. Práticas cotidianas / Moradores da área Ruas da área
ruas da área de Espaço territorial. de expansão de expansão
expansão irregular da irregular. irregular.
Vila Esperança para
eventos comunitários.
(Prática jurídica) Policiais / Tática espacial. Policiais. Ir e vir.
Policiais abordam
moradores que
circulam nas ruas..

187
Cada morador deve Comportamento. Práticas cotidianas / Cada morador. Ruas e
estacionar seu veículo Espaço territorial. calçadas.
diante de sua casa.
É permitido às crianças Comportamento. Práticas cotidianas / Cada criança. Avenida Kurt
utilizar a Avenida Kurt Espaço territorial. Max Hauser.
Max Hauser para
brincadeiras.
É proibido dirigir em Comportamento. Práticas cotidianas / Cada condutor. Ir e vir.
alta velocidade na Espaço territorial.
Avenida Kurt Max
Hauser.
A manutenção das vias Procedimento. Normas jurídicas / Poder público Ruas.
de circulação é de Espaço jurisdicional. municipal.
responsabilidade do
poder público
municipal.
É papel da associação Procedimento. AMOVESP e Associação de Comunicação
de moradores mediar a expectativas dos moradores. com o poder
comunicação entre moradores / Espaço público.
moradores e o poder territorial.
público.
A manutenção de Procedimento. AMOVESP, práticas Associação de Espaços de uso
espaços de uso cotidianas e expectativas moradores. comunitário na
comunitário na área dos moradores / Espaço área central da
central da Vila territorial. Vila
Esperança é de Esperança.
responsabilidade da
associação de
moradores.
É proibido o despejo de Comportamento. Práticas cotidianas / Cada morador. Efluentes
efluentes líquidos Espaço territorial. líquidos.
domésticos nas ruas.
Na área irregular da Procedimento. Práticas cotidianas / Moradores da área Ruas da área
Vila Esperança, a Espaço territorial. de expansão de expansão
manutenção de cada irregular. irregular.
trecho de rua é
responsabilidade de
quem morar diante
dele.
A limpeza das ruas é Procedimento. AMOVESP, práticas Associação de Limpeza das
responsabilidade da cotidianas e expectativas moradores. ruas
associação de dos moradores / Espaço
moradores. territorial.
A pintura dos meios- Procedimento. AMOVESP, práticas Associação de Pintura de
fios é responsabilidade cotidianas e expectativas moradores. meios-fios..
da associação de dos moradores / Espaço
moradores. territorial.
O aparo da grama dos Procedimento. AMOVESP, práticas Associação de Canteiros
canteiros centrais é cotidianas e expectativas moradores. centrais.
responsabilidade da dos moradores / Espaço
associação de territorial.
moradores.
É permitido à Comportamento. AMOVESP e práticas Cada morador. Canteiros
associação de cotidianas / Espaço centrais.
moradores realizar territorial.
intervenções nos
canteiros centrais.

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É proibido danificar a Comportamento. Liderança da AMOVESP Cada morador. Canteiros
vegetação do canteiro / Espaço territorial. centrais.
central.
Cada morador deve Comportamento. ASSCOMOU / Espaço Cada morador. Rede hídrica.
enterrar sua mangueira territorial.
em uma profundidade
que a proteja da
passagem de veículos.
A manutenção da sede Procedimento. Acordos entre poder Associação de IEI União
da associação de público municipal e moradores. Esperança.
moradores e da IEI AMOVESP / Espaço
União Esperança é de jurisdicional.
responsabilidade da
associação de
moradores, com
recursos provenientes
do poder público
municipal.
A instalação de Procedimento. AMOVESP e Associação de Espaços de uso
equipamentos de uso expectativas dos moradores. comunitário de
comunitário de lazer é moradores / Espaço lazer.
responsabilidade da territorial.
associação de
moradores.
O campo deve ser Comportamento. Práticas cotidianas / Cada morador. Campo de
usado para jogar Espaço territorial. futebol.
futebol.
Quem primeiro ocupar Comportamento. Práticas cotidianas / Cada morador. Campo de
o campo de futebol tem Espaço territorial. futebol.
prioridade sobre o seu
uso.
É dever do Município Procedimento. Lei Orgânica do Poder público Espaços
fomentar e amparar o Município de Porto municipal. públicos de
desporto, o lazer e a Alegre / Espaço lazer.
recreação, como direito jurisdicional.
de todos.
A manutenção dos Procedimento. AMOVESP e Associação de Espaços de uso
espaços de uso expectativas dos moradores. comunitário de
comunitário de lazer é moradores / Espaço lazer..
de responsabilidade da territorial.
associação de
moradores.
A instalação de Procedimento. Projeto de regularização DEMHAB. Insfraestrutura
infraestrutura na Vila fundiária / Espaço de serviços
Esperança é de jurisdicional. públicos.
responsabilidade do
DEMHAB.
A manutenção da rede Procedimento. Atribuições da CEEE / CEEE. Rede elétrica.
elétrica é de Espaço jurisdicional.
responsabilidade da
CEEE.
A manutenção das Procedimento. Atribuições do DMAE / DMAE. Redes de água
redes de água e esgoto é Espaço jurisdicional. e esgoto.
de responsabilidade do
DMAE.
É proibido lançar Comportamento. Práticas cotidianas / Cada morador da Efluentes
efluentes líquidos nas Espaço territorial. área de expansão líquidos.
ruas. irregular.

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A manutenção de cada Procedimento. Práticas cotidianas / Cada morador da Conexões
conexão ilegal é de Espaço territorial. área de expansão ilegais.
responsabilidade de seu irregular.
beneficiário.
A remoção dos canos Procedimento. Atribuições do Município Poder público Canos
deixados na Avenida / Espaço jurisdicional. municipal. deixados na
Kurt Max Hauser é de Avenida Kurt
responsabilidade do Max Hauser.
poder público
municipal.
Cada morador deve Comportamento. Práticas cotidianas / Cada morador. Resíduos
colocar seu lixo Espaço territorial. sólidos.
doméstico diante de sua
casa.
O Departamento Procedimento. Lei Ordinária no 4.080 / DMLU. Limpeza
Municipal de Limpeza Espaço jurisdicional. urbana.
Urbana (DMLU) é o
órgão autárquico
municipal responsável
pala limpeza da cidade
É responsabilidade da Procedimento. AMOVESP e Associação de Lixão.
associação de expectativas dos moradores.
moradores solicitar a moradores / Espaço
limpeza do lixão pelo territorial.
DMLU.
É proibido depositar Comportamento. DMLU e AMOVESP / Cada morador. Lixão.
lixo no final da Espaço jurisdicional.
Avenida Kurt Max
Hauser.
É permitido depositar Comportamento. Práticas cotidianas / Cada morador. Lixão.
lixo no final da avenida Espaço territorial.
Kurt Max Hauser.

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