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REFAZENDO PERCURSOS: CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CATEGORIAS JOVEM E JUVENTUDE NO BRASIL

REFAZENDO PERCURSOS: CONSIDERAÇÕES


ACERCA DAS CATEGORIAS JOVEM E
JUVENTUDE NO BRASIL
Remaking passages: considerations about the young and
youth categories in Brazil
CASSAB, C.

Recebimento: 08/10/2009 – Aceite: 17/12/2010

RESUMO: Definir o momento da juventude e o sujeito jovem significa


entender essas categorias enquanto históricas e culturais. O que pressupõe
a compreensão de que os jovens e a juventude são distintos no tempo e no
espaço. O trabalho tem como objetivo delimitar essas categorias em seu mo-
vimento, sinalizando como ambas são carregadas de sentidos que denotam
momentos específicos da história brasileira. Para tanto, o texto divide-se
em dois momentos: no primeiro, será abordado como, desde o século XIX,
o jovem tem sido pensado e tratado no Brasil. Nessa parte, a ênfase está na
forma como o jovem tem sido representado no âmbito familiar e pelo Estado.
Já na segunda parte do texto, será realizada uma breve revisão da literatura
sociológica sobre o tema juventude.
Palavras-chave: Jovem. Juventude. Brasil.

ABSTRACT: Defining the moment of youth and the young citizen means to
understand these categories as being historical and cultural. The work has as
an objective to delimit these categories in its own movement signaling as both
are loaded of senses that denote specific moments of the Brazilian history. The
text is divided into two moments. In the first one it will be approached how,
since XIX century, the young has been thought and treated in Brazil. In this
part the emphasis is on the way the young has been represented in the familiar
scope and by the State. In the second part of the text, one brief revision of
sociological literature on the topic will be carried out.
Keywords: Young. Youth. Brazil.

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Clarice Cassab

breve revisão da literatura sociológica sobre


Introdução o tema juventude.

Durante o processo de doutoramento,


Quem era e o que era ser jovem
empreendeu-se um esforço para refletir sobre
a condição dos jovens pobres na cidade, exi-
no Brasil
gindo um retorno à construção das categorias
Em grande medida, só é possível pensar
jovem e juventude. Esse movimento, por sua
juventude e jovem como categorias específi-
vez, exigiu pensar e tratar o jovem como su-
cas e particulares, no Brasil, com maior força,
jeito social e a juventude como um momento.
a partir do século XIX. Nesse momento,
O que significa desnaturalizá-las e tratá-las
parece haver uma distinção de fato entre a
como categorias socialmente construídas,
portanto, históricas e passiveis de mudança juventude e a vida adulta.
no tempo e no espaço. Procurando entender o papel da ordem
O primeiro resultado dessa reflexão foi médica na mudança da família e das relações
apresentado no trabalho “O lugar da juven- com a infância, Costa (1989) mostra como,
tude: espaço-temporalidades da noção de no período colonial, o filho tinha uma função
juventude”. O texto que ora se apresenta, pre- secundária, já que o elemento central era o
tende seguir os caminhos trilhados por aquele pai. Nesse ambiente, a vida se dividia, funda-
primeiro, focando a trajetória da construção mentalmente, entre a infância e a vida adulta,
dessas categorias no Brasil. Assim, o que será pois ao “[...] pai-proprietário interessava o
discutido é parte da reflexão sobre a forma filho adulto com capacidade para herdar seus
pela qual foram tratados e pensados o jovem bens, levar adiante seu trabalho e enriquecer a
e a condição juvenil no Brasil. A intenção é família” (COSTA, 1989, p.158). O sentido de
mostrar como essas categorias são carregadas juventude e o sujeito jovem parecem ter um
de sentidos que denotam momentos específi- não lugar nessa ordem familiar, na medida
cos da história brasileira. em que, tão logo se chegava à puberdade, os
Adverte-se, contudo, que este texto não filhos assumiam a postura de adultos. Assim,
se constitui em uma extensa e exaustiva não existia a imagem de juventude. Mesmo os
revisão da ampla literatura sobre o tema da indivíduos jovens procuravam, em suas vesti-
juventude. Ao contrario, o que se pretende mentas, trejeitos e linguajar, parecer adultos.
é apontar algumas das linhas gerais que fo- As mudanças promovidas por uma lógica
ram conduzindo as diferentes interpretações médica e higienista alteraram a relação no
e leituras sobre ser jovem. Leituras, estas, seio da família. A partir desse momento,
que, sem dúvida, impulsionam distintas es- difundiu-se a imagem de que a família pa-
tratégias de se lidar com a juventude e com triarcal colonial, baseada no autoritarismo do
o próprio jovem. pai e na violência, era prejudicial ao desen-
Para tanto, o texto divide-se em dois volvimento dos filhos. Assim, “a medicina
momentos: No primeiro, será abordado passou a ordenar o modelo ideal de família
como, desde o século XIX, o jovem tem sido nuclear burguesa. Detentores da ciência to-
pensado e tratado no Brasil. Nessa parte, a maram para si a tutela das famílias, indicando
ênfase está na forma como o jovem tem sido e orientando como todos deveriam compor-
representado no âmbito familiar e pelo Esta- tar-se, morar, comer, dormir, trabalhar, viver
do. Já na segunda parte, será realizada uma e morrer” (COIMBRA, 2003, p. 24).

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A alteração da família teve reflexos no e disciplina dos jovens. A Escola deveria ser
que toca à juventude e ao jovem. Nesse mo- não apenas o local de preparação para a vida
mento, o jovem começou a ser visto como adulta, como também o lugar de controle dos
um sujeito que se diferencia da criança e do impulsos tão comuns à juventude. A Educa-
adulto. Forja-se certa concepção de juventude ção era, portanto, instrumento de controle
como um momento distinto da infância e da da indisciplina e da degradação moral. Mas
fase adulta. De inexistente, o jovem passou também o lugar onde os jovens aprenderiam
a existente. Mas qual a sua existência? A o respeito ao patrão e à propriedade, em uma
juventude era vista como um problema. E a sociedade que, cada vez mais, ingressava
escola, como o local privilegiado para educar no mundo burguês capitalista. Afirma Costa
e disciplinar esse sujeito. (1989):
De forma geral, afirma Costa (1989), a Nos colégios, os jovens educandos
Educação no Brasil, naquele momento, divi- apren­diam a defender a pátria e a pro-
dia-se em duas orientações: a primeira, uma priedade dos antigos e futuros patrões, ao
mesmo tempo em que se apresentavam
Educação profissionalizante que se iniciava
a condenar todos os que, não sendo pro-
com o indivíduo na puberdade ou no estado
prietários, se recusassem a crer no jogo
adulto, quando o jovem trabalhava como da dignidade do trabalho livre (COSTA,
artífice ou pequeno comerciante. O trabalho 1989, p. 201).
tinha a função não só de prepará-lo para o
ingresso na vida adulta, habilitando-o para Foi no século XIX, e fundamentalmente
ganhar a vida de forma independente, como em sua segunda metade, que se iniciou, no
também de discipliná-lo. Contudo, cabe a Brasil, a produção do discurso sobre a juven-
ressalva de que essa orientação destinava-se tude e os jovens. Também nesse século se
exclusivamente aos jovens pobres, pois institucionalizaram a infância e a juventude
pobres sob o olhar da Justiça e da filantro-
os ricos aprendiam a ler, escrever e
contar em casa, sob a direção da mãe pia. Havia uma clara preocupação dirigida
(quando esta não era analfabeta), de aos jovens pobres. Contudo, ressalta-se que
algum caixeiro mais instruído, de um essas ações estavam revestidas de um sentido
mestre-escola ou de um padre. Ultra- moral e embasadas no “autoritarismo das
passado esse nível, ingressavam nos verdades científicas” (LOBO, 1997, p.21).
colégios religiosos, onde seguiam a Nesse momento o higienismo forjou uma
carreira eclesiástica, ou de onde saíam categorização da pobreza, definindo as estra-
para completar a formação universitária tégias mais adequadas para a prevenção de
na Europa (COSTA, 1989, p.196). possíveis desvios vindos dos setores pobres
da sociedade. A partir do reconhecimento
Era nítido o corte de classe na definição de uma distinção social quanto aos vícios e
de juventude nesse momento. Para os jovens virtudes, afirmava-se que aqueles oriundos
ricos reservava-se o direito de frequentar a de boas famílias tenderiam naturalmente a
escola e concluir sua formação. A juventude desenvolver características virtuosas (bom
era um momento de passagem e preparação. caráter, trabalhador, honesto). Já os oriundos
Ao jovem pobre destinava-se, quando muito, de famílias desvirtuadas, desestruturadas,
uma Educação profissionalizante. A juventu- carregariam essa má herança e tenderiam
de se encurtava. ao crime, a atitudes amorais e aos vícios. A
A segunda orientação que norteava o Ensi- partir dessa noção, eram tecidas as estratégias
no, nesse período, era a referente ao controle para o trato com a pobreza e com os pobres.

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Clarice Cassab

Afirma Coimbra: de 21 de Fevereiro de 1832 (COSTA,


2007, p.50).
Aos “pobres dignos”, que trabalhavam,
mantinham a “família unida” e “ob- Nos arsenais, os jovens tinham aulas
servavam os costumes religiosos, era de leitura, escrita, numeração, tabuada e
necessário que lhes fossem fortalecidos desenho, aritmética, geometria, desenho de
os valores morais, pois pertenciam a
máquinas. E,
uma classe “mais vulnerável aos vícios
e doenças”. Seus filhos deveriam ser [...] além das aulas e das oficinas, as
afastados dos ambientes perniciosos, crianças e os jovens estavam sujeitos à
como as ruas. Os pobres considerados numeração em seus vestuários e em suas
“viciosos”, por sua vez, por não perten- camas. Atentos a moldá-los para o bem
cerem ao mundo do trabalho – uma das eram acordados ao romper do dia, pois
mais nobres virtudes enaltecidas pelo as atividades começavam cedo, deveriam
capitalismo – e viverem no ócio, eram estar lavados e vestidos para a primeira
portadores de delinquência, libertinos, ceia do dia. Depois, entrariam em forma
maus pais e vadios. Representavam um de revista, e marchariam para as aulas ou
perigo social que deveria ser erradicado; oficinas. Além desses critérios, outros
daí a necessidade de medidas coercitivas de caráter obrigatório acentuavam o
também para essa parcela da população, controle: o regulamento interno previa
considerada de criminosos em potencial também meia hora para o almoço, a
(COIMBRA, 2003, p.24). partir do meio dia, com regresso às duas
horas, para as referidas atividades. Na
Costa (2007) pondera que, nesse momen- ceia da noite, teriam meia hora para a
to, tudo o que se relacionava aos pobres, refeição. Em seguida, deveriam receber
direta ou indiretamente, associava-se à ideia instruções, antes do descanso, baseadas
de periculosidade. Ideia reforçada se o indi- nas “doutrinas e rezas cristãs” (COSTA,
víduo fosse pobre e jovem. O jovem pobre 2007, p.51-52).
personificava o perigo e a ameaça por suas
características intrínsecas de perversão e A entrada desses jovens nos arsenais
criminalidade. Mesmo quando não realiza- cumpria uma dupla função: de um lado,
das, havia sempre o perigo potencial de sua prepará-los para o exercício de uma profissão;
realização futura. Foi nesse contexto que a de outro, o controle e o disciplinamento da ju-
Educação punitiva e repressiva foi substituída ventude pobre. A representação desse jovem
pela Educação preventiva, sendo que para os oscilava entre a periculosidade e o despreparo
jovens pobres, a aprendizagem profissional para a vida adulta. A pedagogia do trabalho e
era uma das poucas alternativas existentes. a prática da fé cristã foram os instrumentos
Diante disso, teve papel importante o exér- de controle e ordenamento dos jovens pobres
cito como local privilegiado de ingresso dos naquele momento, e os arsenais de guerra
jovens pobres no mundo escolar. Assim, eram para eles espaços de expurgação, pois,
oriundos de um meio ‘miserável’, ser pobre
[...] sobre a aprendizagem profissional
significava o risco potencial do perigo a si a
do século XIX até início do XX, temos
aos demais membros da sociedade.
a presença da criança e do jovem pobres
marcada nos Arsenais de Guerra do A partir da segunda metade do século
Exército, em especial, na cidade de São XIX, além do Exército, participaram do
Sebastião do Rio de Janeiro, a partir do debate, sobre o destino dos jovens pobres,
Decreto da Administração do Arsenal, outros setores da sociedade. Na transição

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do trabalho escravo para o trabalho livre, recolhidos a estabelecimentos discipli-


a questão dos destinos da juventude pobre nares industriais, pelo tempo que ao juiz
no Brasil-República passou a ser interesse parecesse, desde que o recolhimento não
também de proprietários rurais, preocupados excedesse à idade de 17 anos (art. 30);
em criar um mercado de mão de obra livre 4º) sendo o delinquente maior de 14 e
para suas lavouras. Nesse contexto é que se menor de 17 anos, tornou obrigatória
entendem os debates que giravam em torno a aplicação da pena da cumplicidade
(arts. 64 e 65); 5º) manteve a atenuante
da precisão de se criar um Ensino Primário
genérica da menoridade para os menores
aliado à agricultura.
de 21 anos (art. 43, § 11).
Foi esse o destino de muitos jovens pobres
enviados às colônias correcionais, a partir Embora nunca tenham existido de fato, os
de 1890, através da aplicação do Código jovens infratores deveriam ser enviados para
Penal. Nele previa-se o encaminhamento estabelecimentos disciplinares industriais
dos jovens, acusados de vadiagem ou de onde poderiam ser reeducados de acordo com
outros crimes para as instituições de corre- os valores da nova ordem social, através do
ção. É importante entendê-lo inserido em trabalho. Havia nessa legislação uma forte
um contexto de redefinição do significado e preocupação em se defender a sociedade con-
da representação do trabalho. Em realidade, tra os jovens, considerados ameaça à ordem
buscava-se construir novas percepções sobre pública. A Educação pelo trabalho era, dessa
a nova ordem social que surgia – a República forma, o mecanismo fundamental de combate
–, bem como um sentido positivo do trabalho à ociosidade e ao crime – este, visto como
– até então vinculado ao trabalho escravo e consequência natural daquela.
ao negro. Novamente é importante destacar o recorte
Os dispositivos, presentes no Livro III de classe. Em realidade, era, fundamental-
do Código Penal, estipulavam as penas para mente, o jovem pobre o alvo das preocu-
aqueles que praticassem a vadiagem: mendi- pações disciplinadoras e controladoras do
gos, ébrios, vadios e capoeiras. Era explícita Estado. Havia uma concepção de crimina-
a intenção de inibir a ociosidade e estimular o lização da pobreza e da juventude pobre e a
trabalho como valor e garantia da cidadania. identificação do que ficou conhecido como
Também de acordo com o código, até os nove “classes perigosas”.
anos de idade aplicava-se a inimputabilidade Essa concepção de juventude perpassou,
absoluta. Aos maiores de nove anos e meno- também, o Código de Menores de 1927, na
res de 14 valia a análise do discernimento. A medida em que nele ganhava centralidade a
partir dos 14 anos, a pessoa estava sujeita a vigilância em detrimento da proteção. Dessa
penalidades. Mota Jr. (s/ data) assim afirma: forma, procurando legislar sobre as crianças
e jovens, entre 0 e 18 anos, em diferentes
Proclamada a República (1889), sobre-
situações – abandono, moradia incerta,
veio o Código Penal de 1890, que operou
poucas modificações quanto aos meno-
pais falecidos, desaparecidos, declarados
res: 1º) considerou “não criminosos” os incapazes, presos havia mais de dois anos,
menores de 9 anos (art. 27, § 1º); 2º) os vagabundos, mendigos, de maus costumes,
maiores de 9 e menores de 14, que obras- que exercessem trabalhos proibidos ou
sem sem discernimento, também eram que fossem economicamente incapazes
considerados “não criminosos” (art. 27, § de suprir as necessidades de sua prole – o
2º); 3º) os maiores de 9 e menores de 14 Código procurou construir um aparato legal
que agissem com discernimento seriam que controlasse os perigos iminentes de um

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grupo social potencialmente delinquente. transgressão à moral ou ao patrimônio. As-


Para esses jovens e crianças era reservado o sim, se antes o jovem não possuía um estatuto
espaço jurídico  da reeducação, internação e próprio, a partir do século XIX ele passou
preparação para o trabalho. a ser regulado e controlado por legislações
Responsabilizando os pais pelos atos de específicas e associado à imagem de delinqu-
delinquência e infração, cometidos pelas ência e criminalidade. É o que expressam o
crianças e jovens, o Código de Menores Código Criminal de 1830, o Código Penal de
procurou normatizar a intervenção do Estado 1890, o primeiro Código de Menores de 1927
na família. Afirma Costa que o Código foi e o segundo Código de Menores de 1979.
uma forma de intervir, punindo as fa-
mílias na medida em que os poderes
públicos deveriam investigar se os pais
Jovem e juventude na literatura
supriam ou não as necessidades de seus social: breve panorama
filhos e se estes estavam sendo “con-
trolados”, para que não incomodassem Abordada dessa forma, no âmbito do Po-
a ordem social. Nessa “pedagogia da der público, também foi essa a representação
punição”, caso os pais não cumprissem que se construiu em torno da juventude no
suas obrigações junto à família, poderia imaginário social e na produção sociológica
ser retirada a autoridade paterna, favo- brasileira por um longo período. O tema da
recendo, portanto, a emergência de um juventude começou a ser preocupação fun-
Estado protetor (2007, p.65).
damental das Ciências Sociais brasileiras a
No Código de Menores de 1979, agrupa- partir da década de 1950.
ram-se todas aquelas situações especificadas Para entender as causas desse interesse, é
no Código de 1927, sob a categoria situação preciso compreender as situações pelas quais
irregular. Ou seja, os diversos termos que passavam o País e o mundo. Em grande parte
designavam a criança e o jovem – exposto, do mundo ocidental, a juventude emergiu, no
abandonado, delinquente, transviado, infra- Pós-guerra, como um grande desafio. A partir
tor, vadio, libertino – foram substituídos pela da década de 1950, passou a ser considerada
condição de situação irregular.  como um momento suscetível a revolução ou
A revisão das legislações sobre o trata- à rebelião. A leitura dominante era a de que
mento dispensado às crianças e jovens in- parcela dos jovens poderia, por uma condição
fratores permite compreender a forma como natural a essa fase da vida, expressar atitudes
foi historicamente tratada e representada a rebeldes e mesmo delinquentes. Atitudes, es-
juventude pobre no País. A preocupação, em sas, que se manifestavam no rock, na filosofia
todas elas, estava em prever ou defender-se existencialista, na geração beat, nos trajes e
dos perigos que os jovens pobres – carentes, na aproximação com os ideais da Revolução
em situação de risco, abandonados pela famí- Cubana.
lia, ociosos – podiam representar à sociedade. Foi, sem dúvida, um momento de clara
Inicialmente tratada apenas no campo ascensão juvenil no cenário mundial, princi-
familiar privado, ou seja, como um proble- palmente nos EUA Pós-guerra, mas também
ma da família, a partir de meados do século um marco na construção de uma consciência
XIX a juventude passou a ser encarada como etária que diferenciava, de maneira dual e
um problema do Estado, na medida em que antagônica, o mundo dos jovens e o mundo
realizaria ou poderia realizar algum tipo de dos adultos. Assim, “a juventude (...), na

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década de 1950, já era considerada uma é a sociedade inteira; no entanto, apenas


ameaça à estabilidade social. Um problema eles têm a coragem de dizê-lo, de agir.
que carece de investigação e intervenção” A Leste e a Oeste (LEFEBVRE, 1968,
(SOUZA, 2006, p.24). p.23).
No Brasil não foi diferente. Jovens, prin- No Brasil, a luta direcionava-se também
cipalmente da classe média, influenciados contra a ditadura militar e contra a reforma
pelos movimentos que vinham dos EUA e educacional que, dentre outras coisas, visava
da Europa, adotaram muitas das atitudes a tornar as universidades públicas rentáveis
e comportamentos considerados rebeldes. através da cobrança de mensalidades. Nos
A partir da década de 1950, e em especial rumos dos acontecimentos ocorridos no
na década de 1960, a produção sociológica mundo, em 1968, milhares de jovens foram
brasileira tratou da juventude a partir de duas às ruas questionando abertamente a Ditadura
posições: rebeldia ou conformismo diante militar. Foram muitos os acontecimentos que
dos processos de mudança social, pelos quais se sucederam naquele ano e em curto período
vinha passando o País. de tempo: manifestações ocorridas pela morte
Se os gestos e atitudes dos jovens nesse do estudante Edson Luis, a invasão da UnB
contexto eram interpretados, pela literatura pela polícia, a Passeata dos Cem Mil, a de-
especializada, como de contestação, re- cretação do AI-5, o confronto armado com a
sultados de desvios e mudanças sociais ou ditadura: são apenas alguns deles. Toda essa
resultantes de conflitos geracionais, a partir movimentação da juventude foi interpretada,
da década de 1970 inaugurou-se uma nova pela sociologia brasileira, a partir da pers-
leitura sobre a juventude, muito influenciada pectiva da luta de classes, que identificou a
pelos acontecimentos ocorridos em 1968. crise da juventude como uma representação
Os movimentos que tremeram o mundo, em da crise de toda a sociedade. Para Foracchi
1968, colocaram em cena a juventude como (1972), os jovens seriam os responsáveis
uma nova força que emergia, negando as pela mudança, organizados em movimentos
consideradas formas tradicionais de organiza- estudantis que, por sua vez, seriam resultantes
ção e manifestação. De maneira espontânea, do conflito entre uma classe média emergente
jovens, em diferentes porções do mundo, e os setores dominantes, sendo, no entanto,
foram às ruas afirmar suas posições contrárias uma das únicas e mais vitais forças atuantes
à cultura ocidental dominante. no Brasil naquele período.
Em livro publicado, em 1968, no auge dos Souza (2006) mostra como grande parte
acontecimentos, lia-se: da Sociologia brasileira dos anos de 1960
e 1970 passou a analisar a juventude como
Todos esses movimentos estudantis,
categoria social e histórica com importante
de certa forma, colocaram em cheque
função política, na medida em que o jovem
muita teoria e muita prática que vinha
se sedimentando nos últimos tempos
era encarado como um agente da possível
em ambos os campos ideológicos em transformação das estruturas sociais. E quem
confronto. Nem um socialismo estatal, eram esses jovens? Carmo (2001) construiu
rígido e dogmático, nem a sociedade o retrato dessa juventude a partir de pesquisa
industrial neo-capitalista dos países realizada pelo Exército, em 1970, com 500
desenvolvidos conseguem satisfazer as presos políticos. Desses, 56% eram ou tinham
aspirações autenticamente libertárias dos sido estudantes havia pouco tempo. A média
jovens, que se sentem sufocar, sem saída. era de 23 anos, sendo que 80% eram homens.
Não são apenas eles que são asfixiados, Eram esses os jovens que compunham os

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movimentos de resistência à Ditadura: em ticos, apolíticos e acríticos. É nesse sentido


sua grande maioria, oriundos da classe média que,
urbana. Qual foi o legado dessa interpretação [...] em comparação com o mito, acon-
para a constituição da categoria juventude tecimento deslocado do tempo e da
no Brasil? história, figura unitária que transformou
No Brasil dos anos 60, a ênfase da produ- em identidade o que era pluralidade e
ção acadêmica no movimento estudantil movimento de desidentificação, o com-
contribuiu por fazer prevalecer na socio- portamento juvenil posterior começou
logia e disseminar pela sociedade uma a aparecer como negação ou traição
noção de juventude que, de fato, referia- (SOUZA, 2006, p. 30).
se a um segmento bastante específico da
O início da década de 1980 foi, do ponto
população (estudantes universitários em
de vista político, o momento da transição de
ascensão social). Tal como concebido
um governo autoritário para um democrático
(...) o “jovem” era o estudante univer-
sitário, mas não o estudante pobre (...)
e, do ponto de vista econômico, o momento
universitário, (...) não o aluno dos ensi- do fim do chamado “milagre econômico”. Foi
nos secundário ou primário, muito menos nesse contexto que emergiram na Sociologia
o não-estudante (SOUZA, 2006, p.28). trabalhos que buscavam identificar e compre-
ender as razões para a apatia dos jovens da
Ou seja, a Sociologia brasileira, dos geração de 1980. A produção nesse campo
anos de 1960 e 1970, referia-se basicamente estava fortemente atrelada à produção socio-
à juventude a partir de um corte etário e de lógica no campo dos movimentos sociais, que
classe. Incorporavam-se a essa categoria os identificava como um dos elementos para a
jovens da classe média e os universitários desmobilização das ações coletivas a inadap-
– indivíduos de 18 anos ou mais. Antes dos tação à nova conjuntura política vivida.
18 anos, eram considerados adolescentes Para esses intérpretes, o processo de
quando se referiam aos jovens das camadas abertura e a redemocratização teriam dei-
médias e altas. Já o termo menor aplicava- xado de produzir um objetivo para a luta
se aos adolescentes e crianças pobres e em dos movimentos, já que estes se dirigiam,
situações legais. fundamentalmente, contra o Governo. A
A importância dos jovens, no final dos abertura do diálogo foi por muito tempo uma
anos de 1960 e ao longo dos anos de 1970, das bandeiras de luta. Uma vez conquistada,
foi tão grande no cenário político brasileiro não haveria mais motivo aparente para a
e internacional, que contribuiu para dissemi- permanência do movimento. O resultado
nar uma imagem de juventude associada à foi o surgimento de novas questões teóricas
revolta e à rebeldia. Os jovens desse período (CASSAB, 2004).
foram classificados como atores políticos de Essa interpretação que perpassou toda a
forte potencial transformador, e suas práticas década de 1980 e parte da de 1990 surgiu em
identificadas como verdadeiramente revolu- um contexto de releitura dos movimentos
cionárias. sociais e das formas de interpretação das
O peso dessa leitura caiu como um roche- lutas sociais como um todo. As Ciências
do sobre as gerações seguintes: os jovens de Sociais brasileiras pareciam viver a ressaca
1980 e 1990 foram tachados, pelos meios de dos anos de 1970 e, desnorteadas, buscavam
comunicação de massa, pelo senso comum compreender as mudanças ocorridas nas
e por parte das Ciências Sociais, como apá- lutas sociais após a abertura política. Foram

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comuns interpretações que analisavam as ções de resistência popular, organizadas e


mudanças sob a óptica de uma rejeição às independentes de sindicatos e partidos, inter-
formas ditas tradicionais de organização e pretadas como velhas e tradicionais formas
representação (partidos, sindicatos, diretórios de organização social, foram identificadas
acadêmicos e representações estudantis.). Di- como “novos movimentos sociais”.
versos foram os autores que procuraram, nas A análise desloca-se das relações eco-
práticas cotidianas, identificar os elementos nômicas para a criação de identidades em
que sinalizavam essa rejeição. Emergiam os torno da esfera do cotidiano. Ribeiro subli-
estudos sobre os novos movimentos sociais. nha que se trata do reconhecimento, “nos
Para compreender essa nova abordagem processos de organização e manifestação, de
dos movimentos sociais e do próprio papel da elementos culturais e éticos capazes de forjar
juventude, é preciso contextualizá-la frente identidades construídas com base em valores
à produção sociológica dominante na época. compartilhados, recuperados e preservados
Nesse momento, na Europa e nos países conscientemente por determinados grupos
latino-americanos, a posição dominante era sociais” (1992, p.93).
de negação das explicações marxistas. Por E os jovens? De um lado, dominou uma
esse motivo, a principal novidade estava na leitura de que as crianças dos anos de 1970
mudança de paradigma no discurso dos in- teriam sido formadas em um contexto de forte
telectuais progressistas que esquadrinhavam repressão e violência, o que teria produzido,
uma reação às interpretações estruturalistas para alguns autores, uma juventude apática,
do marxismo dominante até o final da década apolítica e alienada nos anos de 1980. Dife-
de 1960. Ou seja, uma mudança rentemente dos jovens de 1968 e da década
[...] frente a la dogmatica staliniana de 1970, os jovens de 1980 não eram mais
e incluso leninista. Se trataba de su- vistos como agentes políticos de capacidade
perar la definición de clases sociales de transformação social. Ao contrário, todo o
estrechamente ligada a la posición en debate referente à participação dos jovens na
las relaciones de producción definidas sociedade é permeado por uma representação,
como ‘económicas’, para dar lugar a una quando não negativa, ao menos reducionista
interpretación mucho más dinámica y da juventude. Seus sujeitos são identificados
menos teleológica que considerara más como alienados e interessados apenas em se
bien, en un campo no de necesariedad inserirem na dinâmica do consumo.
sino de contingencia, actores sociales
responsables de acciones colectivas
Por outro lado, a valorização da esfera
(movimientos) productoras de sociedad. cotidiana e a negação do marxismo e da
(MONCAYO, http://club.telepolis.com). condição de classe, como instrumentos
analíticos, também repercutiram nos estu-
Essa ruptura em relação ao discurso dos sobre a juventude, no Brasil, a partir da
sociológico, anteriormente dominante, pro- década de 1980. As análises que entendiam
cessou-se a partir da observação do suposto a juventude, a partir de um corte de classe,
esgotamento das antigas formas de manifes- e os jovens, como sujeitos da transformação
tações sociais, cujos principais atores eram os política, são deixadas de lado. Os olhos dos
movimentos estudantis, partidos e sindicatos pesquisadores se voltaram para os estudos da
operários, somada à emergência de outras cultura como elemento agregador e identifi-
formas de “ações coletivas”, aparentemente cador da juventude. Procurou-se identificar e
desvinculadas das antigas. Essas manifesta- analisar o que seriam uma “cultura juvenil”

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e uma “sociabilidade juvenil”. E nesse novo Os sucessivos escândalos de corrupção no


universo, governo Fernando Collor provocaram uma
[...] o lazer para os jovens aparece como
série de reações pelo País. Sindicatos, parti-
um espaço especialmente importante dos e movimentos estudantis se mobilizaram,
para o desenvolvimento das relações de exigindo a renúncia imediata do presidente.
sociabilidade, das buscas e experiências Os jovens novamente foram às ruas em
através das quais procuram estruturar manifestações coloridas e divertidas, com
suas novas referências e identidades in- os rostos pintados, gritando e cantando. Em
dividuais e coletivas. É um espaço menos grande medida, as análises sobre esse movi-
regulado e disciplinado que o da escola, mento se dividiam entre aquelas que negavam
do trabalho e da família. O lazer se qualquer relevância dos jovens, nos rumos
constitui também como um campo onde dos acontecimentos, e aquelas que buscavam
o jovem pode expressar suas aspirações dar algum papel a eles. Seja como for, ambas
e desejos e projetar um outro modo de tinham, nos movimentos estudantis da década
vida. Podemos dizer assim, que é uma
de 1960/70, o referencial. A primeira reação
das dimensões mais significativas da vi-
dos observadores foi a de comparar os caras-
vência juvenil (ABRAMO, 1994, p.62).
pintadas com os jovens revolucionários dos
A ênfase no aspecto político, dada às in- governos militares. Em que medida esses
terpretações sobre a juventude, deslocou-se jovens se pareciam com aqueles? Qual era,
para sua capacidade de criar e experimentar de fato, a importância desse movimento para
formas diferentes de relações cotidianas, com a derrubada do presidente? Foram essas as
forte ênfase no lazer e na cultura. Ou, como principais questões feitas pelos analistas
afirma Scheren-Warren (1993, p. 38), “em daquele movimento.
lugar da tomada revolucionária do poder, Alguns observadores viram nessa ma-
poder-se-ia pensar em transformações cul- nifestação uma espontaneidade perigosa e
turais substantivas a partir da cotidianidade manipulável pelos meios de comunicação
dos atores envolvidos”. de massa. Outros, a comprovação de que
A juventude e os jovens seriam produ- a juventude dos anos de 1980/90 não seria
tores de uma nova cultura, a partir da qual apática ou apolítica e de que estariam emer-
se manifestariam práticas democráticas e gindo novas formas de ação política juvenil.
participativas, com destaque na comunidade, Para estes, contudo, essa nova juventude se
solidariedade e companheirismo. Nessa pers- diferenciaria da anterior por um maior senso
pectiva, os estudos sobre os jovens procuram de realidade. A luta não é “utópica”, mas sim
identificar o que seriam novas formas de exequível. A política, portanto, restringe-se a
“ação política”, distintas das formas tradi- uma dimensão operacional, “uma concepção
cionais do movimento estudantil da geração de política baseada na execução ou operacio-
de 1970 ou da tese da alienação dos jovens nalização de projetos; estes entendidos como
da geração 1980/90 – Geração Coca-Cola. respostas imediatas a problemas imediatos”
A centralidade da cultura (entendida muitas (SOUZA, 2006, p.44).
vezes como sinônimo de lazer) e do agrupa- A partir da década de 1990, e caudatária
mento juvenil são os elementos definidores do movimento dos caras-pintadas, parece
da juventude. surgir outra interpretação sobre a juventude,
Em início da década de 1990, o movi- no Brasil, que se fundamenta em uma ideia
mento dos caras-pintadas, pelo impeachment de política como o aqui e o agora. Realizar
do presidente Fernando Collor, colocou atividades localizáveis, com resultados lo-
novamente a juventude no debate nacional. calizáveis no presente, é a nova aspiração

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juvenil; ou seja, destituídas de novos projetos por um momento de transição para a fase
societários nos quais a política se restringe à adulta, no qual os indivíduos estão em imi-
atividade e, em muitos casos, à administração nente risco de se perderem. Segundo Castro
e execução de bens e serviços. e Abramovay (2002), os jovens são frequen-
Outro elemento foi importante na cons- temente pensados como atores sem identida-
trução desse cenário. O “arrastão” nas praias des, vontades, desejos e ações próprias. Nessa
da Zona Sul do Rio de Janeiro, ocorrido em interpretação, são definidos pela ausência e
outubro de 1992, colocou em cena outra pelo que não seriam – nem crianças e nem
juventude. Não aquela dos caras-pintadas, adultos. Sujeitos que precisam de constante
filhos da classe média, mas jovens residentes vigilância, controle e tutela para que não se
nas periferias da cidade, que, em seu deslo- pervertam ou não se percam no mundo das
camento para a praia, levaram o pânico aos drogas ou do crime.
banhistas da região. Andando em grupos, mo- Mas também é identificável uma represen-
vimentando-se em uma região que “não lhes tação contraditória da juventude e do signi-
pertencia”, os jovens pobres explicitaram sua ficado de ser jovem. De um lado, ela é lida
existência. Jovens esquecidos pelos meios de como sinônimo de vitalidade, dinamismo e
comunicação de massa, pelo Poder público, criatividade; por outro, associada à violência
vistos pela polícia como suspeitos e que, “ao e à delinquência. Contudo, o enaltecido pro-
contrário dos jovens do corpo dourado, que tagonismo da condição juvenil não coincide
querem ser reconhecidos e destacados pela com sua inserção socioeconômica real, uma
diferença, esses de cara naturalmente pintada vez que a falta de horizontes profissionais,
de preto querem sair da indiferença a que
as altas taxas de desemprego, a falta de
foram relegados” (CARMO, 2001, p.168).
equipamentos socioculturais são situações
Também foi a partir dos anos de 1990 que vividas cotidianamente pelos jovens pobres
se multiplicaram os estudos sobre juventude das cidades.
no Brasil, com dois enfoques: de um lado, a
Não é possível falar dos jovens urbanos
valorização da juventude na própria socieda-
sem pensar nas suas condições de vida, suas
de; de outro, a invisibilidade social à qual os
atuais e futuras oportunidades e nos sonhos
jovens são jogados, mas que, apesar disso,
passíveis de se realizarem nessa cidade.
forçam sua visibilidade através da partici-
pação em atos de violência (principalmente Dividindo-se entre as necessidades de estu-
como agressores). Dentre os estudos que dar e trabalhar, em quererem ter lazer e não
procuram afirmar a existência desses jovens, terem acesso a ele, de quererem acompanhar
a grande maioria situa-os no campo da cul- a velocidade do mundo digital e não terem
tura como elemento identificador e produtor acesso a um computador, esses jovens vivem
de sua subjetividade. Proliferam os estudos cotidianamente a cidade sem a ela pertence-
sobre as manifestações culturais considera- rem de fato. Direito a cidade?
das caracterizadoras dos jovens da periferia A todas essas dificuldades se acresce uma
urbana: funk, hip-hop, rap. posição cada vez mais intolerante e julgadora
dos comportamentos e diferenças desses jo-
vens que são, sistematicamente, associados
Considerações finais à ideia de violência e delinquência. Castro
e Abramovay (2002, p.19) afirmam que,
Atualmente, é ainda possível identificar para os meios de comunicação, “os jovens,
a juventude segundo uma leitura que a toma principalmente se pobres e negros, são os

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sujeitos perigosos, perigo este ligado à sua Castro e Abramovay (2002, p.25), ao afir-
classe e idade”. marem que “definir juventude implica muito
Pensado de forma dual, o jovem ora é mais do que cortes cronológicos, implica
tratado como transgressor e delinquente, ora vivências e oportunidades em uma série de
como peça modernizante da sociedade, ide- relações sociais, como trabalho, educação,
alizado como esperança. Nessa concepção, comunicação, participação, consumo, gênero,
abandona-se o entendimento do jovem como raça etc.”.
agente do presente. Por trás dela, estaria a O que significa que juventude é uma ca-
noção da juventude como uma fase da vida, tegoria socialmente construída e, portanto,
uma transição. presente na ordem social, e não na natural.
De fato, em todas as concepções inexiste Daí sua mutabilidade ao longo da História
a consideração de que a categoria juventude e as diferentes interpretações presentes na
engloba uma série de categorias diferentes. literatura especializada e no imaginário social
A juventude não seria um bloco homogêneo. brasileiro. Daí os distintos significados de
Daí a impossibilidade de se falar em juven- ser jovem, ao longo do tempo. A juventude
tude no singular. São tantas as juventudes é, portanto, também uma representação sim-
quanto são as classes sociais, as etnias, as bólica fabricada pelos grupos sociais em seus
religiões, os gêneros, os mundos urbanos diferentes tempo e espaço.
ou rurais, etc. Tal é a posição defendida por

AUTOR

Clarice Cassab - Doutora em Geografia, pela UFF. Professora adjunta do Curso de Geografia
da UFJF. E-mail:claricecassab@yahoo.com.br

REFERÊNCIAS

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2001.
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