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[In Rev Med Minas Gerais, 12(01), Belo Horizonte, MG, Coopmed/Associação Mineira de Educação
Médica, 2002, p. 24-29].
RESUMO
O conceito de adolescência na sua acepção moderna chega até nós depois do final do século XVIII.
Noções como “idades do homem” e “idades da vida”, tomar a adolescência a partir de ideais
reformadores e, até a noção contemporânea de adolescência como sintoma social, mostram como as
adolescência a partir do conceito de puberdade e situa os contornos pulsionais que revelam o mal-
Palavras-chave:
SUMMARY
The concept of adolescence in its modern version reaches us from after the end of the eighteenth
century. Notions such as "ages of man", "ages of life", taking adolescence from Reformation ideals,
through to the contemporary idea of adolescence as a social symptom, show how the so-called Human
Sciences find it difficult to define this concept with precision. Considering these ideas, but also
positioning itself before them, Psychoanalysis thinks of adolescence from the concept of puberty
and places the pulsional contours that reveal the discomfort lived by each subject, taking them in
their specificity.
Key words:
o termo adolescência surge, na sua acepção moderna, entre o final do Século XVIII e início do Século
XIX.
humano, ou, como se dizia, “as idades da vida”. Não havia, como temos hoje, sobretudo depois do
século XIX, as exigências de identidade civil. A qualquer criança dos nossos dias é ensinado, quando
começa a falar, seu nome, saber o nome de seus pais e sua idade. Isso surpreenderia muito um
indivíduo dos séculos XVI ou XVII. A inscrição do nascimento nos registros paroquiais só se inicia em
R
finais do século XVIII. Áries (1) revela-nos que a expressão “as idades da vida” era uma
terminologia mais confusa do que esclarecedora. Assim, nos tratados da Idade Média, falava-se em
Essas noções, segundo Ariès, teriam se derivado de uma compilação latina do século XIII,
toutes choses, que era uma espécie de enciclopédia sacra e profana. Prevalecia nessa obra, uma visão
de equilíbrio, de ordem, de um determinismo universal, de que não havia oposição entre o natural e
seriam sete, tal como o número dos planetas conhecidos até então. A primeira idade era a infância,
que começava quando a criança nascia e ia até os sete anos. A partir daí, viria a pueritia (que durava
até os l4 anos), depois a adolescência (que terminava, segundo Constantino, aos 21 anos ou, segundo
Isidoro, aos 28 anos). Daí se seguia a juventude, que ia até os 45 ou 50 anos. Então havia a senectude,
que estava entre a juventude e a velhice. Por fim, havia a última etapa, a velhice, chamada senies ou,
em francês, vieillesse. Ariès indica-nos que a língua francesa, diferentemente do que acontecia com o
latim clássico, não dispunha de palavras suficientes para descrever essas etapas. Então restaram,
somente, enfance, jeunesse e vieillesse. Ele observa que, como juventude significava força da idade,
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“idade média”, não havia lugar para adolescência, e que até século XVIII, essa noção também se
confundia com a infância. Nos colégios, sobretudo os jesuítas, onde se empregavam, segundo tradição
bonus puer para um rapaz de 15 anos e optimus puer para um seu colega de 13 anos. Pôde-se também
apurar empregos da palavra enfant como sinônimo de valets, valeton, garçon, fils, beau fils -
expressões que encerravam em si a idéia de dependência, pois originavam do vocabulário das relações
feudais ou senhoriais.
A idéia que temos hoje sobre o adolescente pode ter surgido a partir do combatente, do
conscrito, ou seja, dos jovens recrutados para as tropas, para as milícias burguesas, já dentro de uma
nova ordem. Esta não concernia mais ao Feudalismo, mas se deduzia das lutas internas das nações, ou
de suas guerras, a partir do século XIX. A adolescência, nos oitocentos, deixou de ser concebida nos
marcos de uma separação por idade ou uma cronologia: o que se requeria era a idéia de virilidade, de
agir como homem feito, comandar e combater. Ariès destaca o personagem Siegfried, da ópera de
igual nome composta por Richard Wagner, como o protótipo do que seria conhecido como o
juventude na medida em que ela se torna, para os políticos e ideólogos, depositária de valores novos,
Com relação ao setor das classes trabalhadoras, houve, com a incorporação cada vez mais
crescente dos jovens aos processos produtivos, preocupações legais que diziam respeito à sua
proteção. Com o desenvolvimento industrial, a partir de meados do século XIX, uma parcela
significativa dos jovens estava envolvida nos trabalhos das manufaturas, das minas de carvão, etc.
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Perrot (2) nos demonstra que se instaurou uma nova categoria de trabalhadores. Adolescentes
passaram a ser definidos a partir de sua incorporação nos processos produtivos. Na França, jovens de
doze aos dezoito anos passaram a estar submetidos a uma lei de 1892, que estabelecia a interdição do
trabalho noturno, a proibição quanto à descida ao fundo das minas. Quanto aos menores de 16 anos,
era limitada sua jornada de trabalho a dez horas. Após os 18 anos, prevalecia o mesmo regime dos
adultos.
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distinção entre o que era visto como adolescência e como juventude, havia dois marcos que, tais como
ritos iniciáticos, funcionavam como referência. Perrot vê um primeiro marco que era a cerimônia da
primeira comunhão. Rito que, mesmo perdendo progressivamente a importância devido a uma
rapazes, (a partir dos 12 anos) e as moças (a partir dos 11 anos), da sua infância. Citando um cura de
com o início da aprendizagem. Como outro marco, havia a preocupação quanto à fixação de limites para
Quanto, ainda, à dimensão do trabalho, no final do século XIX, era ela o que mais distinguia a
infância da juventude. A infância era, cada vez mais, subtraída do trabalho em razão direta das
infantil. Por outro lado, a juventude era cada vez mais assimilada aos processos de trabalho
produtivo. “Os menores de doze anos desaparecem da mina e da fábrica ao longo do século XIX, e se
reduzem à oficina familiar, (...). Nada disso acontece com os adolescentes. Passados os treze anos,
As péssimas condições do trabalho nas fábricas, fizeram com que muitos jovens se
rebelassem, protestassem. O nascente movimento operário teve, nessa parcela jovem, um forte apelo
significativo: “Na Alsácia entre 1850 e 1870, os jovens operários formam mais de 22% dos grevistas,
abrangendo também mulheres. No conjunto da França, entre 1870 e 1890, eles são responsáveis por
demanda crescente de mão de obra por parte das fábricas e das diversas corporações industriais,
fizeram com que muitos jovens saíssem de suas pequenas cidades e lugarejos e alcançassem as
grandes cidades. Nestas, eles foram morar em alojamentos ou pensionatos. Na França, no final do
século XIX, houve um verdadeiro tour. É esse o componente estrutural do sistema econômico, que já
se impunha. As viagens e os deslocamentos de cidade a cidade, ao lado das iniciações junto aos
faziam sua inserção na vida pública. Tudo isso funcionava para os jovens como marcas necessárias de
rupturas e de sua entrada no mundo adulto. Perrot demonstra-nos que, no caso da França, as grandes
seus horizontes.
Na Paris da Belle Époque, jovens ávidos de diversão acudiam aos cafés-concertos, onde
apreciavam as diversas formas de teatro. E então, mais preocupados com o corpo, freqüentavam os
banhos públicos. Há um relato de um jovem vidreiro, Saulnier, citado por Perrot, que dizia de sua
alegria de ir com os seus companheiros aos banhos quentes. Nos dias de sol, eles nadavam e também
remavam. Quanto ao esporte, os jovens preferiam o boxe francês à esgrima, considerada uma prática
E o que sucedia com as moças operárias? Na família, havia pouca segregação na primeira
infância. As menininhas participavam, juntamente com os seus irmãos, das operações proto-industriais
em grande parte, excluíam as meninas. A escola ainda era considerada algo secundário para elas. Os
costumes e as iniciações das jovens estavam a cargo de suas mães. A igreja substituía o Estado. As
meninas pobres eram, sobretudo, confiadas às religiosas ou às damas de caridade que, em suas
Nas fábricas, poucas moças sabiam ler ou escrever. Elas trabalhavam em oficinas mal
conservadas, em locais com precárias condições higiênicas e os lugares de dormir eram medíocres.
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todos operários naquele tempo. Isso se agravava com a conivência de suas famílias e o fato de não
poderem se revoltar e nem fugir. As adolescentes eram fixadas nesses lugares por suas próprias
famílias, sobretudo pela ação do pai. Perrot faz menção ao relato de uma jovem, Jeanne Bouvier. Ela
falava de suas dificuldades. Não conseguia se fixar nos diversos ateliês de costura. Alternativas se
abriam para algumas, que, a duras penas, adquiriam habilidades e podiam trabalhar como modistas,
plumistas, bordadeiras, etc. Essas alternativas podiam render-lhes melhor salário e prestígio.
A expectativa que se tinha das jovens à essa época era a de que as “moças não são feitas para
exercer os ofícios, mas para realizar trabalhos provisórios”, à espera do casamento e da vida
doméstica. Depois do trabalho doméstico, a saída para elas era alcançar, no máximo, a indústria do
aprendizagem. Elas são “colocadas”, a partir dos catorze anos, por intermédio de
conhecidos, do cura, de família de notáveis, primeiro nas vizinhanças, depois cada vez
mais longe, os salários urbanos sendo mais elevados. Assim, para as moças, conservou-
se o life cycle servant do Antigo Regime. Na verdade, ele está relacionado antes ao
campesinato que ao mundo operário, cada vez mais reticente diante da servidão
pessoal que o serviço doméstico implica. (...) ... a grande maioria das jovens se
encontra nas fábricas têxteis, onde formam, dos doze aos vinte e cinco anos, o grosso
da mão de obra, tendo garotos por auxiliares e homens por chefes. (2) 2
Para a autora essa situação das jovens operárias as predispunham a uma submissão hedionda,
em que os seus chefes homens se achavam no direito de dispor de seus corpos: “o direito à primeira
noite”. Elas eram, dessa forma, submetidas a trocas complacentes, abusos e exigências lúbricas entre
empregados do escritório, contra-mestres e filhos dos fabricantes. Estavam pressionadas pelo poder
e vontade de seus chefes e a complacência de suas famílias, indiferentes, por muito tempo, à sua
sujeição sexual. Diante desse quadro, surgiu, como tentativa de coibir essa situação, um decreto do
prefeito do Amiens, datado de 1821, que proibia aos donos de fiação escolherem entre seus auxiliares
Essa situação de submissão às normas familiares e patriarcais não distinguia tanto as moças
das classes trabalhadoras daquelas das classes mais abastadas. Quanto à sua instrução e educação
prevalecia o que anedoticamente ficou conhecido como a fórmula alemã dos três K – Kirche, Kinder,
Küche – Igreja, crianças, cozinha. Vistas como verdadeiros “párias” da humanidade, as mulheres
encontravam nesse preceito um postulado definido desde o século XV por Gerson: “Todo o ensino
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para as mulheres deve ser considerado suspeito”. Este postulado, segundo Caron, (3) situava o
atraso extremo a que ficou relegado o ensino reservado às moças, não só no Antigo Regime, mas até
Uma questão que se destaca, sobretudo a partir de meados do século XIX, diz respeito à
rebeldia dos jovens, seu espírito audaz. As revoluções ocorridas na Europa em todo esse período dão
conta de uma juventude inquieta ou rebelde: são os carbonários franceses ou italianos de 1820, os
Luzzatto (4)4 mostra que a história da primeira parte do século XX confirmou a permanência
de uma equação que se desenhava antes, qual seja: a dos jovens rebeldes. Tanto na França quanto na
virtudes regeneradoras da guerra. O apelo às armas foi prontamente recebido pela juventude,
gerações.
Luzzatto indica como certas análises limitavam-se a apontar a questão do que chama
“dinâmicas geracionais”. Constata o historiador um apelo à guerra que surgia como fantasma, para
alguns, e miragens, para outros. Cita os austro-marxistas Otto Bauer e Max Adler que centraram
Em oposição a essa concepção, Luzzatto distingue a posição assumida por certos artistas de
vanguarda na Viena do final do século XIX. Para o autor “os expressionistas fugiam à tentação de
afirmar a própria identidade em termos de conflitos com os pais (...)” (4).4 Ele lembra que, nos anos
em que Freud afirma a centralidade individual e social da revolta edipiana, outros intelectuais seus
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contemporâneos como Shiele, Kokoschka, Trakl, Musil, Schönberg, Wittgenstein, estavam mais
preocupados em refletir sobre a condição do homem em geral, que em centrar suas observações em
por um ideal de nação, tenha sido o ideal fascista proposto por Benito Mussolini. A construção desse
mito, muito além de qualquer limite histórico ou de geração, propõe um ideal universalizante e
fascismo devia ser inapelavelmente a de seu chefe“ (...) “...a nossa juventude é um
Um pouco diferente, porque se centrava numa afirmação racista do ‘homem novo’, mas na
mesma linha totalitária e aplastante a toda a perspectiva do sujeito, o Nazismo apelava também para
uma idéia de eterna juventude. Como comenta Michaud (6) 6, citando Gregor Strasse, um dos chefes
do Partido Nazista: “Só o que é eternamente jovem deve ter seu lugar (Heimat) em nossa Alemanha”.
No Nazismo, cita ainda Michaud, a tarefa de formação (Bildung) e de educação (Erziehung) cabia em
primeiro lugar ao Estado racista ou “étnico” (völkisch): a família e a escola iam, pouco a pouco, se
juventude. Mas essa arregimentação geral na ‘Juventude do Estado’ apenas se tornou efetiva às
vésperas da guerra, quando o terror havia terminado de elaborar as leis e seus decretos de aplicação
Com esses exemplos históricos do nazi-fascismo, pode-se apreender uma noção que promovia
uma vinculação estreita entre juventude-guerra e que, de certa maneira, radicalizava o que já se
observara anteriormente. No fascismo havia uma vinculação também de um outro atributo jovem, o da
jovem, da juventude, do adolescente, que absorvia desde as propostas revolucionárias (de diversos
matizes ideológicos) até as propostas mais reacionárias e totalizantes, chega-se a meados do século
XX. Agora já se tratava da juventude vista sob a dimensão de problema, de crise: a juventude é
concebida como desestabilizadora, e isso se refere à adolescência como sintoma social. Passerini (7) 7,
explicita:
enquanto depositário de valores que a sociedade não soube realizar e que o colocam
carne e osso introjetam essas imagens, como um processo iniciado no período entre as
pelos jovens e degeneração do mal social que está neles. Na década de 1960, irá
luta de gerações terminará por parecer tão relevante quanto a luta de classes, mesmo
A dimensão da juventude como problema, surgiu particularmente nos Estados Unidos numa
publicação de 1904, Adolescence, do psicólogo G. Stanley Hall. Este autor citado por Passerini,
atribuia a essa faixa etária qualidades antitéticas retomadas de Rousseau: hiperatividade e inércia,
Passerini cita algumas obras que ficaram famosas por abordarem esse aspecto da
adolescência. Nesse contexto destaca “On the road”, escrito por Kerouac em 1941, que tinha como
título original The beat generation. Uma outra referência literária importante é Rebel without a
cause, romance escrito por Robert Lindner e que se popularizou com o filme homônimo, estrelado por
James Dean e Natalie Wood, conhecido no Brasil como “Juventude Transviada”. Ora, é essa mesma
expressão que vai dominar o cenário dos anos 50, tornando uma espécie de ícone para um certo
Nos Estados Unidos, iniciou-se uma série de intervenções governamentais visando a iniciativas
e estudos para a discussão do problema dos jovens: em 1951, foi criado o Youth Correction Division,
para tratar de transgressores até 22 anos e em 1953, fundou-se o Subcomitê do Senado para
particulares”. (7) 7
pesquisa do sociólogo James Coleman, que analisava traços emergentes do que ele chamou “subcultura
“Esses jovens falam outra língua [...] a língua que falam está se tornando cada vez
mais diferente e a sociedade adolescente está se tornando cada vez mais forte nos
subúrbios de classe média [...] difunde-se entre os pais a sensação de que o mundo
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dos teenagers seja uma coisa à parte”. (7)
A autora cita também o psicólogo Edgar Friedenberg, para quem os teenagers pareciam ter
substituído o comunista como objeto de controvérsia pública. Foi percebido que, em relação aos
etnográficos, passaram a designar também esses outros de uma cultura, de uma tradição: os
adolescentes.
Numa sociedade cada vez mais baseada e orientada, por um lado, pela idéia de abundância
dos aspectos a se destacar é a explosão do consumo de massa. Havia aspectos contraditórios: por um
lado a abundância, por outro a angústia. Esta invadiu os lares particularmente nos momentos duros
que acarretaram perdas de um enorme contingente de jovens envolvidos nas intervenções bélicas
americanas: Coréia, 1953, Vietnam, nos anos sessenta, intervenções oriundas da “Guerra Fria”. Havia
ainda as conturbadas tensões raciais (a luta dos negros pelos Direitos Civis) bem como as
transformações sexuais (a revolução nos costumes dos jovens; o rock and roll, etc). Mais tarde os
EUA terão que se haver com a invasão dos “chicanos”, os pobres estrangeiros, oriundos da América
adolescentes são “os delinqüentes” que se apresentam como o um pesadelo frente ao “american
dream”.
dessas tensões internas. Houve controle das publicações, do cinema, das artes, dos gibis, declarou-se
uma guerra interna, uma verdadeira “caça às bruxas”, tal como se deu a partir da decisão do Senado
americano que, em 1954, acusava os gibis de incentivarem a delinqüência juvenil. Essas ações
incentivaram o americano médio e a opinião pública a se indignarem contra o cinema e o rádio que
eram acusados de difundir músicas e hábitos capazes de dar coesão e identidade a ”cultura juvenil”
transgressiva. Culpavam-se cantores como Bill Haley e Elvis Presley, “que haviam absorvido a
Ainda quanto à questão da sexualidade do adolescente, Passerini destaca que o tema foi
tratado por diversos estudos realizados por psicólogos, psicanalistas e sociólogos americanos. Em
muitos desses estudos as moças e as mulheres muitas vezes estavam ausentes ou mudas. Alguns
autores e intérpretes, que reconheciam tal ausência, justificavam-na de modo apressado, garantindo
que as moças pareciam não fazer parte do problema que envolvia, sobretudo, os jovens. Diziam que as
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jovens estavam mais interessadas na maternidade e também não demonstravam uma consciência
incomodavam os homens adultos, que receavam nele comportamentos julgados homossexuais. Viam,
por exemplo, no uso do jeans muito apertado atitudes provocatórias que sugeriam a copulação.
Julgavam esses hábitos como capazes de levar à desordem e à perda de controle social. Temiam a
crescente democratização das relações entre jovens e adultos. Para justificar seus temores, diante
das formas de manifestação da sexualidade dos adolescentes, preferiam dizer que essas se baseavam
nos comportamentos “desviados” dos negros e dos membros das classes médias baixas. Para eles, as
caráter hipócrita das relações na sociedade americana. Cultuavam-se, por exemplo, símbolos da
sexualidade por sua virilidade manifesta, tal como aconteceu com o astro hollywoodiano Rock Hudson.
Até que, na década de 80, em decorrência da AIDS, se descobre, não sem uma comoção social, sua
opção homossexual. O cinema é a fonte privilegiada para se pesquisar esse discurso sobre a
juventude: as produções dos anos cinqüenta dão destaque e privilégio a temas e protagonistas
adolescentes, voltando-se para esse público consumidor. Filmes como Rebel without a cause,
[Juventude Transviada], estrelado por James Dean, mostram que, na realidade, os comportamentos
irregulares dos jovens eram conseqüências das infelicidades promovidas por genitores fracos ou
Essa forma de grupos será, de alguma maneira, precursora de outros que surgirão nos dois
últimos decênios do Século XX, e não só nos guetos negros das cidades americanas ou nos bairros
pobres de migrantes desse país e em setores de suas classes médias baixas. Essas “tribos” também
se espalham por dezenas de cidades, - ou de suas periferias – por todo o globo. Vemos surgir, por
Esses “transviados”, hoje, habitam as cidades como Londres, Berlim, Milão, Roma, Paris, Tóquio, Rio
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de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte. Claro, há especificidade em suas manifestações, em suas
organizações e mesmo em suas linguagens. São grupos tanto de minorias étnicas (que sofrem os
de outras classes sociais mais abastadas que não conseguem conviver com ‘os diferentes’. Na maioria
dos casos, vive-se em situações de grande risco. Para todos esses adolescentes já não funcionam as
orientações dos grandes ideais: estamos num tempo da inexistência do Outro, ou seja, de um mal-
E esse tempo define qual é o lugar para se conceber o adolescente. Laurent e Miller indicam
uma pista para se pensar o mal-estar contemporâneo, quando se perguntam: o que é uma civilização? E
perspectiva analítica, isto é do supereu -, uma civilização é um modo de gozo e mesmo um modo
comum de gozo, uma repartição sistematizada dos meios e das maneiras de gozar”. (8) 8
revelam o mal-estar contemporâneo, vivido por cada sujeito. Vê-se, nos tempos atuais, a proliferação
inusitada de formas de gozo proporcionada pela abundância da oferta capitalista de objetos – que
Lacan (9) 9 chamou de latusas. Objetos dispostos nos mercados globalizados do mundo contemporâneo
que sendo de “livre escolha” estão prontos para o uso. Mas um uso que leva ao tédio e à morosidade,
porque pouco exige daquele que o consome. É possível se fazer um bom uso dos objetos
contemporâneos? E quem mais disponível para usá-los que os jovens? Diante dessas questões como
construir novas formas de convívio para tratar os excessos de satisfação, tratá-los de um mais além
1
ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família, Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1978.
2
PERROT, M. A juventude Operária, da oficina à fábrica: História dos Jovens 2 - A Época Contemporânea - São
XIX: História dos Jovens 2 - A Época Contemporânea - São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
4
LUZZATTO, S. Jovens rebeldes e revolucionários: 1789-1917: História dos Jovens 2 - A Época Contemporânea -
São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
5
MALVANO, L. O mito da juventude transmitido pela imagem: o fascismo italiano : História dos Jovens 2 - A Época
6
MICHAUD, E. Soldados de uma idéia; os jovens sob o Terceiro Reich : História dos Jovens 2 - A Época
Contemporânea - São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
7
PASSERINI, L. A juventude, metáfora de mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália fascista e os Estados
Unidos da década de 1950: História dos Jovens 2 - A Época Contemporânea - São Paulo: Companhia das Letras,
1996.
8
LAURENT, É. & MILLER, J.-A. O outro que não existe e seus comitês de ética, CURINGA, 12 : EBP-MG :
setembro/98 : 10.
9
LACAN, J. O seminário, Livro 17: o avesso da psicanálise (1969/1970), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1992 : 153 :
179.
Sociologist, Master in Education, Member of the Adolescence Health Team – Pediatrics Service of the University Hospital
of the Federal University of Minas Gerais and Associate Member of the Brazilian School of Psychoanalysis of the Freudian
Field.