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A
palavra "adolescência" surgiu no
final d o século XIII, designando os
anos posteriores à infância, ou seja,
dos 12 aos 18 para meninas e dos
14 aos 20 para meninos. Ausente da maior
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JOVENS TRABALHADORES
Temos poucas informações sobre os adoles-
centes nos primeiros séculos de c o l o n i z a ç ã o ,
por um simples motivo: estavam todos no
batente. A atividade e c o n ó m i c a basicamente
rural exigia braços para a lavoura desde cedo.
Por isso, rapazes e m o ç a s , tendo forças para
levantar a enxada, catar mato ou desempe-
nhar qualquer outro serviço a g r í c o l a , iam
direto trabalhar. A pobreza e a falta de esco-
larização os empurravam para esse meio de
vida. Os casamentos precoces, entre 11 e 14
anos, roubavam às m o ç a s sua a d o l e s c ê n c i a .
A maior parte dos viajantes estrangeiros que
passaram pelo Brasil entre os séculos XVIII e
XIX afirmou, contudo, que nelas a malícia
supria a idade. Como frutos tropicais, tais
mocinhas amadureciam antes da hora e
nada tinham de i n g é n u a s , já os rapazes eram
subtraídos a suas famílias pelo recrutamento
c o m p u l s ó r i o para as guerras, tornando-se sol-
em franca mestiçagem de usos e costumes. dados, ou viam-se obrigados a ser lavradores,
escravos e, mais tarde, operários.
MÃO-DE-OBRA
Nossos ancestrais africanos t a m b é m tinham
Com o i n í c i o da
ritos de passagem muito bem demarcados que No século XIX, com a implementação
i n d u s t r i a l i z a ç ã o no
trouxeram para cá na época do tráfico de escra- da indústria no Brasil, o trabalho dos jovens
Brasil, n o final do s é c u l o
vos. Sabe-se que no golfo da Guiné, de onde (transformados em proletários) apresentava-se
XIX, o t r a b a l h o dos
saíram as primeiras levas desses imigrantes força- como "ajuda e c o n ó m i c a " que vinha reforçar o
jovens representava
dos, cada aspecto da vida cotidiana levava a um orçamento doméstico. A fábrica era conside- uma ajuda n o o r ç a m e n t o
tipo de aprendizado. A formação da juventude rada por patrões e pais de família uma escola, d o m é s t i c o . Na f o t o
seguia um programa preciso e se concentrava um lugar que podia formar o cidadão do futu- abaixo, de 1910,
na aquisição de virtudes morais, habilidades ro. Embora, na mesma é p o c a , uma lei proibis- entre os o p e r á r i o s das
manuais, técnicas e guerreiras, atividades arte- se o trabalho de adolescentes de 15 e 16 anos, I n d ú s t r i a s Reunidas
sanais, comerciais ou místicas. T a m b é m incluía a legislação só se consolidou com as Leis do Francisco Matarazzo
o desenvolvimento corporal, a sociabilidade, a Trabalho, em 1943. Enquanto isso, milhares há inúmeras
obediência à ordem, o respeito à parentela, aos de rapazes, e t a m b é m de moças, ficaram sem c r i a n ç a s e adolescentes
laços de sangue e à autoridade. A violência era
permitida e encorajada por batalhas ritualizadas,
que marcavam a passagem entre menino e
guerreiro. Apostando na beleza física, na elegân-
cia dos trajes e dos penteados, na virilidade e
na insolência, adolescentes africanos construíam
uma cultura particular. A estatuária de barro da
região de Kaduna, atual Nigéria, revela o rosto
desses jovens, cujo penteado cuidadoso em
forma de coque era coroado por penas e orna-
mentado com cachos e tranças laterais. Anéis e
braceletes nos tornozelos aumentavam o poder
de sedução. A festa da circuncisão, na entrada
da adolescência, era realizada com música e
dança, registrando a importância do momento.
Os cucumbis ou quicumbis são os remanescen-
tes dessa tradição no folclore brasileiro.
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indignos... Posto em liberdade o novo produto lambreta, do jeans, do cigarro, de ídolos como JUVENTUDE TRANSVIADA
daquele medonho laboratório, atirado na rua, James Dean e da associação da mocidade com O ator James Dean (acima)
não tem seus passos amparados". a velocidade e as infrações. m o r t o e m acidente de
Nascia, e n t ã o , a ideia do menor carente, No final d o século, a juventude se trans- carro aos 24 anos e m
abandonado e infrator c o m o menor margi- formou em obsessão e utopia. As sociedades 1955, f o i o s í m b o l o de
nalizado, u m problema que até hoje o país contemporâneas querem ser jovens. Ser jovem u m novo paradigma
n ã o resolveu. não se o p õ e mais a ser adulto, mas a ser velho para os jovens, f e i t o de
- sinónimo de fim e impossível conversão. Os elementos t u r b u l e n t o s
MUDANÇAS DE PARADIGMA adultos recusam os cabelos brancos e a sabe- c o m o rebeldia,
A adolescência significou, durante séculos, a doria que v ê m com o tempo e a experiência. transgressão e muita
passagem do mundo infantil para o adulto. As clivagens de idade, informa o sociólogo velocidade. O m u n d o
Mas n ã o só. Tal passagem obedecia a rituais francês François de Singly, se exercem mais adulto era u m a
precisos que implicavam afirmar a identidade dentro das faixas etárias do que entre elas. grande caretice
de determinada faixa etária, mas t a m b é m de Os anos não designam mais certos papéis ou
grupos vinculados a condições de vida diferen- status, e sim processos ritmados pelas crises. A
tes: na cidade ou no campo, jovens pobres ou infância é aquela da qual todos querem sair.
ricos, educados ou analfabetos. E, se por muito A adolescência consagra-se às experiências
tempo a noção de adolescência foi conotada necessárias para a entrada na idade adulta e
negativamente, o século XX inaugurou uma esta se torna u m aprofundamento da maturi- PARA CONHECER MAIS
fase positiva e uma nova leitura da idade. Nos dade. Hoje, os adultos aspiram a uma "matu-
anos 30, por exemplo, os jovens estiveram rescência". Inverte-se o pêndulo, roubando História das crianças
associados ao poder; eram recrutados para os aos jovens a experiência de uma passagem no Brasil.
exércitos de Hitler, Mussolini e Stálin. Temidos, que, por sua complexidade e ambiguidade, M. Del Priore (org.).
lhes permitia estender aos adultos o espelho Contexto, 2000.
treinados na delação e nas artes da violência,
simbolizavam o horror para seus inimigos e no qual pudessem se olhar. As consequências? História dos jovens.
eram o orgulho dos pais que viviam sob tais Os historiadores de a m a n h ã dirão. ne* J.-C. Schmidt.
regimes. Já na década de 50, com a expan- Companhia das Letras, 1996.
A AUTORA MARY DEL PRIORE é historiadora,
são do consumo no Ocidente, a juventude 500 anos de educação
sócia honorária do Instituto Histórico e Geográfico
se tornou um mercado, o dos teenagers, que Brasileiro e autora de O príncipe maldito: traição e no Brasil. E. M. Teixeira
incluía, t a m b é m , a transgressão. Foi a época da loucura na família imperial (Objetiva, 2007). Lopes (org.). Autêntica, 2000.
adolescente
OS INCRÍVEIS ANOS DE TRANSIÇÃO PARA A IDADE ADULTA