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HISTÓRIA

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A
palavra "adolescência" surgiu no
final d o século XIII, designando os
anos posteriores à infância, ou seja,
dos 12 aos 18 para meninas e dos
14 aos 20 para meninos. Ausente da maior

Q parte dos dicionários da língua portuguesa até


o século XIX, ela aparece, por outro lado, desde
a Antiguidade nos manuais de medicina, asso-
ciada à segunda idade do homem - a primeira

Adolescência e juventude são conceitos sendo a infância - e caracterizada de "quente e


seca", de acordo com o médico grego Galeno
que se consolidaram no Ocidente (129-200). A ausência do termo no mundo
luso-brasileiro n ã o é gratuita. Significa que a
apenas a partir da metade do século fase de amadurecimento ou de crescimento
XVIII em decorrência dos avanços dos jovens se perdia, então, entre milhares de
afazeres relacionados a sua sobrevivência.
da pedagogia, medicina e filosofia; A juventude sempre suscitou reações ambi-
no Brasil colonial até o início do século valentes e foi, em diferentes épocas, percebida
e vivenciada de forma específica, segundo o
XX, a juventude se fez presente no grupo social no qual o jovem estava inserido. Os

campo de trabalho, nos espaços trabalhos do historiador francês Philippe Aries


(1914-1984), autoridade e pioneiro no assunto,
públicos e nas páginas dos jornais sugerem que entre o feudalismo e a industriali-
zação ia-se diretamente da infância à idade adul-
Por Mary Del Priore, historiadora ta, sem passar pela adolescência. Hoje se sabe
que as coisas não eram bem assim. Em diferen-
tes regiões do planeta, modalidades de saída da
infância e entrada no mundo adulto obedeciam
a rituais precisos. Um exemplo: na Antiguidade
grega, a formação de jovens, particularmente
em Esparta e Creta, compunha-se do aprendiza-
do de ginástica, caça, equitação, mas também
de experiências eróticas nas quais os meninos se
submetiam às exigências dos "mais velhos" por
meio de uma encenação em que o adolescente
era raptado por seu "amante".
Na Idade Média, o termo juventus remetia
a realidades diversas, como a dos clérigos, que,
ao fazer seus votos de entrada nos monastérios,
viviam o noviciado na juventude, e a dos jovens
nobres, cujo ritual de entrada na cavalaria era
codificado por uma sofisticada cerimónia de
recepção. A literatura dos trovadores cantava,
em prosa e verso, a juventude desses mance-
bos, capazes de se destacar pela coragem e
pela beleza física, enquanto a Igreja alertava

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contra as tentações que eles Inspiravam. rapazes era a total ausência de liberdade. O
A partir da metade do século XVIII, concei- trabalho feminino associava-se à moral e à dis-
tos como adolescência e juventude c o m e ç a r a m ciplina, junto a isso se desenvolvia o horror ao
a se consolidar graças aos avanços da peda- corpo e à sexualidade, ambos esmagados pelo
gogia, da medicina e da filosofia. O pensador controle exercido pela família ou pelo grupo.
genebrino jean-jacques Rousseau (1712-1778) Para as moças, as transformações da idade
foi um dos primeiros a definir a crise da iden- tinham de ser interiorizadas e vividas ao abrigo
tidade sexual durante a puberdade, em seu dos olhares do outro sexo. Moças ou rapazes
conhecido livro Emílio, ou da educação (1762). sofriam, contudo, as consequências do contro-
le dos adultos. A juventude inspirava temor aos
VALORES E COSTUMES defensores da ordem e das convenções sociais.
Enquanto no Brasil, nos períodos anteriores O adolescente era visto como a m e a ç a , sinóni-
a 1800, os documentos nos falam sobretu- mo de desordem. Vejamos por q u ê .
do dos jovens das elites, nos séculos XIX e Em nosso país, esses primeiros "rebeldes"
CORPO E ESPÍRITO XX oferecem uma constelação imensa de apareceram cedo na d o c u m e n t a ç ã o histórica.
O f i l ó s o f o Jean-|acques informações sobre adolescentes de outras Eram os jovens portugueses vindos ao Brasil
Rousseau (acima) f o i classes sociais, entre eles relatos da primeira em companhia dos padres jesuítas para a
pioneiro ao abordar a c o m u n h ã o o u , com o aumento da escolariza- instalação das escolas voltadas às crianças indí-
crise de i d e n t i d a d e sexual genas, as chamadas "Casas de Muchachos".
ç ã o , da passagem para o curso ginasial; já o
na puberdade, no sé c u lo
recrutamento e a entrada no m u n d o do tra- Recolhidos nas ruas das cidades portuárias da
XVIII. No alto, à esquerda,
balho como aprendiz nos permitem conhecer metrópole, eles cresciam na colónia entre os
s a g r a ç ã o de jovem cavaleiro
o rosto e as atividades de milhares de jovens indiozinhos que eram catequizados. Ao chega-
na Idade M é d i a , e à direita,
a n ó n i m o s . É interessante observar que tais rem à adolescência, os indígenas abandonavam
c a t e q u i z a ç ã o de i n d í g e n a s
informações contam mais sobre os rapazes. a vida escolar e voltavam para as matas. Nesse
na aldeia dos tapuias, por
Sim, pois as m o ç a s tinham como única f u n - momento, os jovens portugueses e mamelucos
Rugendas (c. 1835)
ç ã o preservar a virgindade. Numa sociedade os acompanhavam. Fugiam todos juntos e
cristã, seu destino foi, durante muito t e m p o , iam viver nas aldeias, pintando o corpo com
o casamento ou o convento, este último sig- urucum, tatuando-se e usando penas. A peda-
nificando um confinamento muito maior do gogia inaciana (ou dos jesuítas) ficava para trás
que o proposto pelos conventos masculinos. e tinha início uma vida em que as referências
O que distinguia a vida das moças da dos indígenas se misturavam à cultura europeia.

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JOVENS TRABALHADORES
Temos poucas informações sobre os adoles-
centes nos primeiros séculos de c o l o n i z a ç ã o ,
por um simples motivo: estavam todos no
batente. A atividade e c o n ó m i c a basicamente
rural exigia braços para a lavoura desde cedo.
Por isso, rapazes e m o ç a s , tendo forças para
levantar a enxada, catar mato ou desempe-
nhar qualquer outro serviço a g r í c o l a , iam
direto trabalhar. A pobreza e a falta de esco-
larização os empurravam para esse meio de
vida. Os casamentos precoces, entre 11 e 14
anos, roubavam às m o ç a s sua a d o l e s c ê n c i a .
A maior parte dos viajantes estrangeiros que
passaram pelo Brasil entre os séculos XVIII e
XIX afirmou, contudo, que nelas a malícia
supria a idade. Como frutos tropicais, tais
mocinhas amadureciam antes da hora e
nada tinham de i n g é n u a s , já os rapazes eram
subtraídos a suas famílias pelo recrutamento
c o m p u l s ó r i o para as guerras, tornando-se sol-
em franca mestiçagem de usos e costumes. dados, ou viam-se obrigados a ser lavradores,
escravos e, mais tarde, operários.
MÃO-DE-OBRA
Nossos ancestrais africanos t a m b é m tinham
Com o i n í c i o da
ritos de passagem muito bem demarcados que No século XIX, com a implementação
i n d u s t r i a l i z a ç ã o no
trouxeram para cá na época do tráfico de escra- da indústria no Brasil, o trabalho dos jovens
Brasil, n o final do s é c u l o
vos. Sabe-se que no golfo da Guiné, de onde (transformados em proletários) apresentava-se
XIX, o t r a b a l h o dos
saíram as primeiras levas desses imigrantes força- como "ajuda e c o n ó m i c a " que vinha reforçar o
jovens representava
dos, cada aspecto da vida cotidiana levava a um orçamento doméstico. A fábrica era conside- uma ajuda n o o r ç a m e n t o
tipo de aprendizado. A formação da juventude rada por patrões e pais de família uma escola, d o m é s t i c o . Na f o t o
seguia um programa preciso e se concentrava um lugar que podia formar o cidadão do futu- abaixo, de 1910,
na aquisição de virtudes morais, habilidades ro. Embora, na mesma é p o c a , uma lei proibis- entre os o p e r á r i o s das
manuais, técnicas e guerreiras, atividades arte- se o trabalho de adolescentes de 15 e 16 anos, I n d ú s t r i a s Reunidas
sanais, comerciais ou místicas. T a m b é m incluía a legislação só se consolidou com as Leis do Francisco Matarazzo
o desenvolvimento corporal, a sociabilidade, a Trabalho, em 1943. Enquanto isso, milhares há inúmeras
obediência à ordem, o respeito à parentela, aos de rapazes, e t a m b é m de moças, ficaram sem c r i a n ç a s e adolescentes
laços de sangue e à autoridade. A violência era
permitida e encorajada por batalhas ritualizadas,
que marcavam a passagem entre menino e
guerreiro. Apostando na beleza física, na elegân-
cia dos trajes e dos penteados, na virilidade e
na insolência, adolescentes africanos construíam
uma cultura particular. A estatuária de barro da
região de Kaduna, atual Nigéria, revela o rosto
desses jovens, cujo penteado cuidadoso em
forma de coque era coroado por penas e orna-
mentado com cachos e tranças laterais. Anéis e
braceletes nos tornozelos aumentavam o poder
de sedução. A festa da circuncisão, na entrada
da adolescência, era realizada com música e
dança, registrando a importância do momento.
Os cucumbis ou quicumbis são os remanescen-
tes dessa tradição no folclore brasileiro.

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HISTÓRIA

espaço para passar pelos rituais da adolescên-


cia, vivendo entre teares e máquinas.
A relação entre pais e filhos era perpassada
pelo sentimento de posse. Em decorrência disso,
os pais se sentiam no direito de usufruir o traba-
lho e de determinar o destino dos filhos. A estes
cabiam apenas dever e obediência. Os com-
portamentos e atitudes adultos eram impostos
aos adolescentes, dado que eram considerados,
socialmente, paradigmas de conduta. N ã o se
admitiam franqueza, espontaneidade, criativi-
dade e agitação. Intimidações morais e castigos
físicos regulavam as relações. "Tomar propósito"
era o lema. Valores patriarcais e autoritarismo
À IMAGEM DOS PAIS faziam parte desse jogo, no qual o jovem tinha
No s é c u l o XIX, de ser obediente, ouvindo, de cabeça baixa, as
p r e d o m i n a v a m valores
recomendações e admoestações paternas. Saber
a u t o r i t á r i o s e patriarcais
ler e escrever não era habilidade estimulada para
nas relações entre pais e
moças; elas eram obrigadas a realizar o trabalho ENCONTROS E SOCIABILIDADE
filhos. Cabia à s m o ç a s
doméstico e a sonhar com o casamento e a A adolescência era t a m b é m a idade da inicia-
realizar o trabalho
maternidade como única via de passagem para ção sexual. Os rapazes principiavam com fru-
d o m é s t i c o , esperando
o mundo adulto. A infância nesses tempos fabri- tas - como a melancia árvores ou animais.
pelo casamento e pela
cava crianças tristes, verdadeiras miniaturas de O onanismo (masturbação) era severamente
maternidade. N o q u a d r o
adultos na forma de vestir e se comportar. Eram condenado (ver quadro na pág. 12).
acima, Francisco
Manuel e suas filhas, os candidatos ao fraque e à calvície precoce, Entre rapazes e moças se desenvolvia um
de |osé Correia de Lima como dizia o renomado sociólogo pernambu- rápido namoro. As redes e esteiras serviam para
(c. 1850), as jovens são cano Gilberto Freyre (1900-1987), pioneiro em os embates amorosos. Os encontros aconteciam
representadas segundo descrever a falta de brinquedos, de imaginação e nos "matos", nas praias, nos quintais, enfim, em
o m o d e l o dos adultos de travessuras de crianças e jovens brasileiros. qualquer canto que desse um pouco de privaci-

Nas comemorações da Quaresm. 3, São João e Entrudo, os jovens


manifestavam suas diferenças com os adultos e promoviam encontros
O tempo das festas religiosas representava uma ção acontecia durante a noite, para tornar ainda mais
pausa no trabalho dos adolescentes brasileiros do sécu- sinistro o espetáculo. Ao final e dado certo sinal, jovens
lo XIX. Uma das festividades, na qual era mais visível a de ambos os sexos embolavam-se, trocando empurrões,
presença de aprendizes, jovens oficiais e empregados, pontapés e tapas. Os rapazes mais violentos acabavam
era a "Serração da Velha". A cerimónia caricata de serrar na prisão, enquanto as moças - verdadeiras cinderelas
a velha realizava-se durante a Quaresma. Os dias varia- - queixavam-se de sapatos perdidos e chinelas rotas. A
vam, indo até o Sábado de Aleluia. Um grupo de foliões representação da Quaresma como uma velha serrada
serrava uma tábua, aos gritos estridentes e prantos pelos jovens determina bem o significado ritual da luta
intermináveis, fingindo serrar uma velha que, represen- entre as diferentes faixas etárias.
tada ou não por algum dos vadios do bando, lamenta- Durante os festejos de São João, os rapazes primeiro
va-se num berreiro ensurdecedor: "Serra a velha! Serra a ajudavam a erguer o mastro diante da igreja e depois
velha!". E a velha gritava, gritava. Por vezes essa comé- disputavam as prendas ali penduradas, enquanto as
dia ocorria na frente da residência de pessoas idosas e o moças faziam adivinhas com copos de água a fim de
grupo era repelido com baldes de água e mesmo tiros conhecer os amores prometidos para a próxima esta-
de espingarda ou pistola. Em outras ocasiões, mediante ção agrícola. No Entrudo (nome que se dava ao carna-
acordo prévio, os bandos de jovens recebiam bolos e val), os rapazes perseguiam as moças, procurando seus
bebidas para a refeição ao amanhecer, porque a serra- braços roliços para esmagar os limões-de-cheiro (bolas

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dade ao casal. Multas moças eram seduzidas e,
como se dizia então, "levadas de sua virginda-
de". Cair no mundo era o pior que lhes podia
acontecer, e era comum que fossem expulsas de
casa para não cobrir a família de vergonha.
Na virada do século XIX para o XX, a
transformação das grandes capitais brasileiras
levou ao alargamento do espaço de encontros
e sociabilidade para os jovens. A chegada dos
bondes inicialmente puxados por mulas e
depois elétricos socializou os namoros. A praça
do Ferreira em Fortaleza, as alamedas de São
Paulo, a rua 15 de Novembro em Curitiba, a
rua Chile em Salvador, a rua da Praia em Porto
Alegre, o largo do Palácio em Florianópolis,
a avenida Rio Branco no Rio de Janeiro eram
artérias por onde circulavam milhares de pes-
soas. Era nesses espaços que os jovens da classe
média e das elites praticavam o footing e o flirt. modo dissimulado, à conquista, tendo em vista NOVOS ESPAÇOS
Uns e outros eram alvos de "trepações", isto é, o namoro. Nesse exercício, caminhando ao Dois m o m e n t o s d e
de comentários indiscretos e brejeiros. lado das amigas, em geral de mãos ou braços sociabilidade na avenida
Passear de um café a outro, de uma loja dados, a jovem interessada em arranjar namo- Central, a í u a l Rio
chique a outra, de uma praça a u m jardim era rado via diferentes rapazes, avaliava seus tipos, Branco, n o Rio de
ocasião para o primeiro comércio de olhares tentava decifrar seus sinais, comparava-os até janeiro, clicados p o r
aparentemente casuais, de sorrisos, de gestos se decidir por u m deles e estabelecer - quase Augusto C é s a r Malta
significativos, como informa o médico, soció- sempre furtivamente, sem que as companhei- n o i n í c i o d o s é c u l o XX.
logo e antropólogo baiano Thales de Azevedo Acima, passeio e f l e r t e ;
ras percebessem - uma relação preliminar.
abaixo u m corso
(1904-1995). Era a primeira vez que as moças Nas cidades do interior, aos domingos,
se expunham deliberadamente, ainda que de após a missa, ia-se "tirar uma linha" e começar

de cera clieias de á g u a aromatizada).


A vida religiosa t a m b é m incentivava
encontros, mas apenas de longe. Na
missa, os olhares trocados revelavam ver-
dadeiros c ó d i g o s secretos e, com sorte,
era possível cochichar algumas frases de
amor durante o sermão. Como não havia
bailes públicos, eram frequentes as reu-
niões em residências particulares, onde
se juntavam amigos e vizinhos e onde a
mocidade dançava e fazia música.
Em meados do século XIX, jovens de
ambos os sexos já eram vistos nas praias.
Nas palavras de um viajante estrangei-
ro, o missionário anglicano reverendo
Daniel Kidder, que chegou ao Brasil em
1837, "corriam pela praia soltando gritos
de prazer toda vez que uma onda mais
pesada rolava em cima do grupo e os
atirava cambaleando à praia".

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HISTÓRIA

DOS PIVETES AOS MENINOS DE RUA


No início do século XX, os adolescentes se fize-
ram presentes, para além das ruas e do mundo
do trabalho, nas páginas dos jornais. Nasciam
os pivettes, termo francês que designava os
jovens envolvidos com crimes como vadiagem,
pequenos furtos, desordens, estupros e outros
delitos. Eles eram vistos como o perigo das
ruas, nos primórdios da industrialização. Ai
daquele que "obrasse com discernimento" ao
cometer crimes. Seria condenado pelo novo
C ó d i g o Penal da República à reclusão em esta-
belecimentos disciplinares. Tinha início o con-
trole formal sobre os menores de rua. Apesar
de o C ó d i g o de 1890 cogitar prisões especiais
para jovens e crianças, elas não foram funda-
das. Conviviam nas mesmas celas menores com
adultos criminosos, o que transformava as casas
de detenção em verdadeiras escolas do crime.
O conhecido jurista carioca Evaristo de Moraes
VIGIAR E PUNIR (1871 -1939) assim descreveu a situação:
um namoro sério. Quando este amadurecia e
A preocupação com
chegava ao conhecimento da família da m o ç a , "Um rapazinho de 13, 14 ou 15 anos, já
meninos cometendo
assumia o caráter de compromisso, condiciona- regularmente iniciado nos segredos da vida
delitos nas ruas, os
do pelo consentimento dos pais. Houve tempo livre e educado ao deus-dará, é posto às
"pivetes", fez com
em que, nessa altura, o rapaz tinha de se decla- ordens dos guardas civis, dos soldados e de
que o Código Penal
de 1890 estabelece prisões rar, exprimindo verbalmente seu amor, paixão outros presos; corre toda a triste casa, passa
especiais para menores, e intenção de casar-se. Todo um dispositivo pelas portas de todos os cubículos, respira
o que não era cumprido. de controle era colocado em funcionamento podridões morais que de muitos deles se
Na foto acima, para preservar a reputação e a honra da m o ç a , evolam; ouve as propostas mais obscenas e
jovens divertem se no representadas pela virgindade, bem supremo mais criminosas, as narrações dos gatunos
Rio de Janeiro, em 1915 de troca no casamento burguês. mais audazes e a glorificação dos feitos mais

Ao jovem que se masturbava fazia-se medo com


o " M ã o - d e - C a b e l o " e outros monstros do folclore. As
flores vermelhas do mandacaru, os ocos de bananei-
ra, as galinhas ou as ancas largas das vacas, t ã o úteis
nos primeiros passos da vida sexual, eram persegui-
dos por pais, médicos e confessores. A masturbação
destruía famílias.
Dizia-se que n ã o apenas fazia mal à saúde,
como prejudicava o trabalho e os estudos por esgo-
tar as forças. Suprimiam-se os bolsos das calças.
A m e a ç a v a m - s e as meninas bonitas de ficarem feias.
Proibia-se dormir de dorso. Eram vetadas as leituras
picantes - as "pestilenciais novelas" ou a poesia eró-
tica - , assim como a i n g e s t ã o de c h á e vinho.
Nos livros de medicina, a descrição dos masturbado-
res não variava: hálito forte, gengivas e lábios descora- CENA ÍNTIMA i itografia de AcJiille Deveria para Gamiani ou duas
dos, espinhas em toda a parte e perda de memória. iMiíes de exxtfiiO, novela erótica de Alfred de Musset (c. 1848)

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indignos... Posto em liberdade o novo produto lambreta, do jeans, do cigarro, de ídolos como JUVENTUDE TRANSVIADA
daquele medonho laboratório, atirado na rua, James Dean e da associação da mocidade com O ator James Dean (acima)
não tem seus passos amparados". a velocidade e as infrações. m o r t o e m acidente de
Nascia, e n t ã o , a ideia do menor carente, No final d o século, a juventude se trans- carro aos 24 anos e m
abandonado e infrator c o m o menor margi- formou em obsessão e utopia. As sociedades 1955, f o i o s í m b o l o de
nalizado, u m problema que até hoje o país contemporâneas querem ser jovens. Ser jovem u m novo paradigma
n ã o resolveu. não se o p õ e mais a ser adulto, mas a ser velho para os jovens, f e i t o de
- sinónimo de fim e impossível conversão. Os elementos t u r b u l e n t o s
MUDANÇAS DE PARADIGMA adultos recusam os cabelos brancos e a sabe- c o m o rebeldia,
A adolescência significou, durante séculos, a doria que v ê m com o tempo e a experiência. transgressão e muita
passagem do mundo infantil para o adulto. As clivagens de idade, informa o sociólogo velocidade. O m u n d o
Mas n ã o só. Tal passagem obedecia a rituais francês François de Singly, se exercem mais adulto era u m a
precisos que implicavam afirmar a identidade dentro das faixas etárias do que entre elas. grande caretice
de determinada faixa etária, mas t a m b é m de Os anos não designam mais certos papéis ou
grupos vinculados a condições de vida diferen- status, e sim processos ritmados pelas crises. A
tes: na cidade ou no campo, jovens pobres ou infância é aquela da qual todos querem sair.
ricos, educados ou analfabetos. E, se por muito A adolescência consagra-se às experiências
tempo a noção de adolescência foi conotada necessárias para a entrada na idade adulta e
negativamente, o século XX inaugurou uma esta se torna u m aprofundamento da maturi- PARA CONHECER MAIS
fase positiva e uma nova leitura da idade. Nos dade. Hoje, os adultos aspiram a uma "matu-
anos 30, por exemplo, os jovens estiveram rescência". Inverte-se o pêndulo, roubando História das crianças
associados ao poder; eram recrutados para os aos jovens a experiência de uma passagem no Brasil.
exércitos de Hitler, Mussolini e Stálin. Temidos, que, por sua complexidade e ambiguidade, M. Del Priore (org.).
lhes permitia estender aos adultos o espelho Contexto, 2000.
treinados na delação e nas artes da violência,
simbolizavam o horror para seus inimigos e no qual pudessem se olhar. As consequências? História dos jovens.
eram o orgulho dos pais que viviam sob tais Os historiadores de a m a n h ã dirão. ne* J.-C. Schmidt.
regimes. Já na década de 50, com a expan- Companhia das Letras, 1996.
A AUTORA MARY DEL PRIORE é historiadora,
são do consumo no Ocidente, a juventude 500 anos de educação
sócia honorária do Instituto Histórico e Geográfico
se tornou um mercado, o dos teenagers, que Brasileiro e autora de O príncipe maldito: traição e no Brasil. E. M. Teixeira
incluía, t a m b é m , a transgressão. Foi a época da loucura na família imperial (Objetiva, 2007). Lopes (org.). Autêntica, 2000.

ESPECIAL O OLHAR ADOLESCENTE 13


4 fl
^•^xérebro
APRESENTA

adolescente
OS INCRÍVEIS ANOS DE TRANSIÇÃO PARA A IDADE ADULTA

GEM • MORAL E ÉTICA • VALORES E CONSUMO •


JUVENTUDE E MÍDIA • GÉNERO E DIVERSIDADE • MAIORIDADE PENAL •
VIOLÊNCIA • MOVIMENTOS SOCIOCULTURAIS • ADULTOS DE AMANHÃ

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