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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

EDUARDO RUSSO RAMOS

NELSON WERNECK SODRÉ E A COLEÇÃO HISTÓRIA NOVA: RELAÇÕES


INTELECTUAIS E BRASILIDADE REVOLUCIONÁRIA

CURITIBA
2020
EDUARDO RUSSO RAMOS

NELSON WERNECK SODRÉ E A COLEÇÃO HISTÓRIA NOVA: RELAÇÕES


INTELECTUAIS E BRASILIDADE REVOLUCIONÁRIA

Dissertação apresentada ao curso de Pós-


Graduação em Sociologia, Setor de
Ciências Humanas, Universidade Federal
do Paraná, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Sociologia.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Czajka

CURITIBA
2020
Dedico este trabalho aos meus pais que,
pela música, me ensinaram os valores e
os sentidos da brasilidade.
AGRADECIMENTOS

Fadado a esquecer nomes, inicio estes agradecimentos com um já adiantado


pedido de desculpas e o reconhecimento implícito por toda e qualquer prestação de
auxilio que me foi reservada durante a realização desta pesquisa.
Meus pais, Ana Cristine e Alvaro, que assistiram as idas e vindas, mas jamais
desistiram. Vocês merecem tudo.
Minha companheira, namorada, noiva e agora esposa, Mariana Vidotti, que
acompanhou cada passo dessa jornada e me deu força, perseverança, exemplo e
sentido. Os dias ainda serão muitos e melhores.
Minha família, especialmente na figura de pessoas que nunca faltaram ao
encontro, ao apoio: minha tia Tata e meu tio Cícero pela calma e pelos ensinamentos;
aos meus tios Maurício e Xixo pela luta, pela confiança e pela paciência. Ao meu primo
Francisco Proner, brilhante fotógrafo e jovem estudante de graduação em Ciência
Política que, no Rio de Janeiro, se dispôs a me ajudar com as consultas ao acervo de
Nelson Werneck Sodré na Fundação Biblioteca Nacional. E os demais, não
contemplados nominalmente, mas contemplados na existência, meus primos, minha
avó, meus tios e tias. À família que me acolheu: minha sogra Vera e a vó Maria, pelo
amor, pelo carinho e pela compreensão.
Aos meus amigos, em sua totalidade, pela tolerância e disposição, pelo tempo
e pelos conselhos. Ao Dédallo e à Jéssica que sempre estiveram presentes, do
primeiro ao último instante dessa pesquisa e para adiante. Ao Anderson que nunca
poupou esforços e tempo nos momentos de socorro e pela irmandade construída
ainda nas cadeiras da Faculdade de Direito: resistiremos! Ao Luiz Ivanqui, parceiro de
vida, de música e de outras paisagens que nunca me abandonou mesmo quando
neguei todos os convites às rodas de choro por conta do trabalho acadêmico.
Aos meus fiéis companheiros de mestrado, orientação, revista, cafés, alegrias
e desesperos: Vinicius Milani, Sabrina Freitas, Patrícia Dotti e Henrique Valério. Não
sei o que seria dessa experiência sem a presença e o exemplo de vocês. Meu eterno
agradecimento pela generosidade e acolhimento.
Ao meu orientador, professor Rodrigo Czajka que, além de ter confiado num
jovem estudante de Direito propondo uma mudança brusca de área, proporcionou as
mais importantes e valiosas experiências acadêmicas que tive até o presente. Pela
paciência, pelo trabalho em equipe, pelo conhecimento e pela paciência novamente,
porque foi com certeza sua virtude que mais abusei ao longo da pesquisa.
Aos meus colegas do Grupo de Pesquisa “Cultura, Política e Movimentos
Sociais na América Latina”, pelos debates, pela partilha, pela participação.
Aos professores Erivan e Josnei, pelas recomendações, pelos comentários e
pela disposição. Parte fundamental dessa experiência acadêmica foi ter conhecido
sujeitos abertos ao diálogo e dispostos a compartilhar, difundir e auxiliar novos
pesquisadores como vocês.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES
pelo auxílio financeiro através da bolsa do Programa de Demanda Social, sem o qual
essa pesquisa dificilmente se realizaria.
Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar

Lá vai o trem sem destino


Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar

Cantando pelas serras do luar


Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar, no ar

O Trenzinho do Caipira (de “Bachianas Brasileiras nº 2”)


Heitor Villa-Lobos (1930), Ferreira Gullar (1976)
RESUMO

A proposta desta dissertação se orienta dentro do vasto campo dos estudos da


temática dos intelectuais e, observando a necessidade de uma convergência teórico-
metodológica para o seu tratamento, busca conduzir o trabalho analítico através das
importantes contribuições de Raymond Williams para a sociologia dos intelectuais.
Reflexão esta que toma como objeto a elaboração e publicação da Coleção História
Nova entre os anos de 1963 e 1964, projeto organizado no âmbito das atividades do
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) por um grupo de intelectuais
constituído em torno do historiador, militar, militante comunista e crítico literário Nelson
Werneck Sodré (1911-1999), então professor do referido instituto. Entendendo a
centralidade deste intelectual para a realização da coletânea, partimos do estudo de
aspectos de sua trajetória e pensamento social para examinar a realização do projeto
no âmbito das relações intelectuais que deram origem ao grupo e que criam as
condições para sua intervenção intelectual abordando-a em sua relação com a
brasilidade revolucionária como estrutura de sentimento que marcou a produção
cultural e intelectual dos anos 1960 no Brasil (Marcelo Ridenti). Tomando esta obra
como fonte documental e objeto, nosso estudo busca propor uma interpretação sobre
sua realização, seu significado e seu destino: sobrevindo o golpe de 1964, seus
volumes foram apreendidos pelas forças militares, seus autores foram presos ou se
exilaram, dissipando-se o grupo que a concebeu; em 1966, na tentativa de uma
reedição, foi submetida a Inquérito Policial Militar, jamais vindo a ser publicada
integralmente. Ainda, com este estudo procuramos contribuir com as pesquisas que
abordam a trajetória e o pensamento social de intelectuais que marcaram a formação,
o desenvolvimento e a consolidação da plural tradição marxista brasileira.

Palavras-chave: Relações intelectuais; Brasilidade Revolucionária; Tradição


Marxista Brasileira; Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB); Nelson Werneck
Sodré; Coleção História Nova.
ABSTRACT

This dissertation is part of the field of intellectual studies. Observing the need for a
theoretical-methodological convergence for its treatment, it seeks to conduct analytical
work through the important contributions of Raymond Williams to the sociology of
intellectuals. In particular, this reflection aims at the elaboration and publication of the
Coleção História Nova between the years 1963 and 1964, a project organized within
the scope of the activities of the Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) by a
group of intellectuals formed around the historian, military, communist activist and
literary critic Nelson Werneck Sodré (1911-1999). Understanding the centrality of this
intellectual for the realization of the collection, we will study aspects of his trajectory
and thinking to examine the realization of the project within the scope of the intellectual
relations that gave rise to the group and that create the conditions for his intellectual
intervention addressing it in its relationship with the concept of brasilidade
revolucionária (revolutionary brazilianness) as the feeling structure that marked the
cultural and intellectual production of the 60’s in Brasil (Marcelo Ridenti). In view of
this, having this work as a documentary source and object, this study seeks to propose
an interpretation of its realization, its meaning and its destiny: after the military blow of
1964, its volumes were seized by the military forces, its authors were arrested or if
exiled, the group that conceived it dissipated; in 1966, in an attempt at a reissue, it was
submitted to a Military Police Inquiry, never being published in full. Thus, this study
seeks to contribute to research that addresses the trajectory and social thought of
intellectuals that marked the formation, development and consolidation of the plural
Brazilian Marxist tradition.

Keywords: Intellectual relations; Revolutionary Brazilianness; Brazilian Marxist


Tradition; Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB); Nelson Werneck Sodré;
Coleção História Nova.
LISTA DE SIGLAS

CASES – Campanha de Assistência ao Estudante

CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea

CHN – Coleção História Nova

CPC – Centro Popular de Cultura

DEEE – Divisão de Educação Extra-Escolar

ESG – Escola Superior de Guerra

FNFi – Faculdade Nacional de Filosofia

IBESP – Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política

ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros

MEC – Ministério da Educação e Cultura

PCB – Partido Comunista do Brasil (até 1961) e Partido Comunista Brasileiro (de 1961
em diante)

UNE – União Nacional dos Estudantes

USP – Universidade de São Paulo


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14

1. ITINERÁRIO E PROJETO INTELECTUAL DE NELSON WERNECK SODRÉ: UM


RECENSEAMENTO CRÍTICO .................................................................................. 19

1.1 Apontamentos para se pensar a trajetória de Nelson Werneck Sodré ................ 23

1.2 Particularização do caso do Projeto História Nova.............................................. 33

2. INTELECTUAIS, PRODUÇÃO CULTURAL E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA


CULTURA: PENSAR A SOCIOLOGIA DOS INTELECTUAIS ................................. 39

2.1 Intelectuais como produtores culturais: a contribuição de Raymond Williams .... 44

2.2 O cenário político-cultural das décadas de 1950 e 1960 como desafio


interpretativo: a formação de uma brasilidade revolucionária ................................... 50

3. O GENERAL, A JUVENTUDE E A HISTÓRIA: A REALIZAÇÃO DA COLEÇÃO


HISTÓRIA NOVA ...................................................................................................... 65

3.1 A CHN em suas coordenadas institucionais: lacunas e impasses para se


caracterizar suas relações intelectuais ...................................................................... 66

3.2 A constituição do Grupo “Alegria de Estudar”: uma formação cultural e o sentido


da urgência................................................................................................................ 80

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 97

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 102

ANEXOS ................................................................................................................. 111


14

INTRODUÇÃO

O fundamento das preocupações e questões levantadas neste trabalho foi,


desde a primeira reunião de orientação, a necessidade de empenharmos mais
esforços acadêmicos e investigativos ao tema da formação da nossa complexa e
diversa intelectualidade marxista brasileira. De início pensamos em uma lista, que
poderia se dizer extensa, de nomes e grupos de intelectuais que reivindicaram um
espaço em suas fileiras e que ainda não haviam sido tomados como objeto de
pesquisa ou, se haviam, não teriam recebido tratamento contínuo, intensivo e
repetitivo, como é o caso de nomes como Caio Prado Júnior ou Florestan Fernandes.
A razão desta diferença de tratamento também tornou-se objeto de reflexão, impondo
a necessidade de pesquisas futuras.
O nome de Nelson Werneck Sodré saltara aos olhos não por algum tipo de
afinidade com sua obra, mas por conta de um breve episódio do período da
graduação, onde, rato de biblioteca, me deparei com alguns de seus títulos sobre a
história, a cultura e a literatura no Brasil a partir de uma perspectiva marxista.
Sobrevindo a surpresa e o interesse, logo estes seriam soterrados pelos
sobrecarregados estudos da Faculdade de Direito. Assim, posso dizer que foi, em
primeira pessoa e brevemente, uma espécie de reencontro.
Assim, selecionado o autor, nos propusemos a permanecer no campo de
estudos que vem se constituindo nos últimos 20 anos sobre as experiências políticas,
culturais, intelectuais e artísticas das décadas de 1950 e 1960 no Brasil. Esse marco
é importante pois, como veremos em seguida, nosso autor vivenciou os principais
acontecimentos e transformações pelos quais passou nosso país ao longo do século
XX. Ainda, é importante pois o fascínio que arrebata os pesquisadores que se dedicam
a estudar este período pode ser explicado pelo sentido da célebre expressão “ensaio
geral de socialização da cultura”, cunhada por Walnice Nogueira Galvão para referir-
se à efervescência do período (GALVÃO, 1994, p. 185-186). A riqueza destas
experiências trouxeram consigo a condensação histórica e social da tortuosa
formação histórica brasileira – sem medo de utilizar um léxico por vezes dito
“ultrapassado”. Dentro do estudo deste ensaio geral nos (re)encontramos no espaço
tenso e disputado do significado histórico e social de ser brasileiro, com ou sem
romantismos, nutrindo ou não grandes utopias ou ilusões. Ao nos deparar com as
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aventuras e desventuras destes brasileiros, nos agarramos, neste desafiante Brasil


do século XXI, às nossas próprias aventuras e desventuras.
A investigação encaminhada neste trabalho buscou, em seus limites, iluminar
elementos da obra e da trajetória desse nosso ilustre desconhecido que é Nelson
Werneck Sodré. Dentre os problemas a que nos propusemos trabalhar, direcionamos
nossa luz a um episódio muito específico de seu percurso intelectual. Este que foi
militar – chegando ao posto de General de Brigada do Exército Brasileiro –, crítico
literário – com atuação da década de 1930 até seu falecimento em 1999 –, historiador
– com vasta obra, produziu cerca de 56 títulos – e militante comunista – ponto tão
controverso quanto inegável de sua trajetória –, certamente não deixaria tarefa
simples para os pesquisadores que se arriscassem a estuda-lo. Enfrentando estas
dificuldades com as ferramentas e os limites da pesquisa sociológica, inicialmente
definimos como nosso recorte o período de sua trajetória que vai de 1955 até 1964,
por uma série de fatores de ordem biográfica e histórica, concentrando-nos em sua
atuação como professor no extinto Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB.
Ainda dentro deste projeto inicial, tomávamos a última obra produzida neste período,
a Coleção História Nova como objeto e fonte documental visando compreender como
se inscreviam, em sua realização, os desafios vividos pela intelectualidade
progressista diante dos estertores do governo de João Goulart e, em seguida, já sob
o “terrorismo cultural” do regime militar, expressão cara aos intelectuais do período,
dos idos do 1º de abril de 1964. Apesar deste recorte localizado e definido, na etapa
de pesquisa, de aproximação dos debates, nos deparamos com uma série difusa e
complexa de fatores e elementos pouco aprofundados pela bibliografia disponível,
tanto no plano geral sobre o contexto quanto no plano particular da trajetória de Sodré.
Desta forma, fomos levados a realizar um recorte mais estreito, sem perder de vista a
possibilidade de, nos limites de uma dissertação de mestrado, levantar questões e
sustentar hipóteses que pudessem contribuir com este estado da arte.
Portanto, a forma final que esta pesquisa tomou foi a seguinte: abordamos o
caso específico da realização da já aludida Coleção História Nova e, nesta rota,
procuramos compreender as relações intelectuais que proporcionaram sua
concretização no âmbito das atividades do Departamento de História do ISEB.
Compreendíamos, no entanto, que este episódio só se tornaria inteligível tendo uma
noção mais apurada da trajetória e da obra de Sodré, assim como das condições
objetivas em que foi realizada. Desta forma, nossa preocupação nos lançou a
16

tematizar duas entradas que, devidamente justificadas, receberam tratamento


privilegiado: o itinerário de Sodré, circunscrevendo nossa análise à identificação e
problematização de aspectos e elementos já colocados pelo estado da arte das
pesquisas sobre o autor; e das atividades do ISEB dentro do cenário político e cultural
do pré-golpe, também trazendo uma leitura da bibliografia sobre o tema e visando
explorar limites e ênfases ainda incipientes sobre a temática. Desta maneira, nosso
escopo se esquivava de uma pobre análise da trajetória singular de Sodré para então
compreender pontos e direções mais amplas do ambiente intelectual do período.
Nosso estudo, por fim, ao tratar de relações intelectuais, apresenta e debate as
circunstâncias sociológicas da produção de uma intervenção cultural idealizada e
realizada por um grupo de jovens intelectuais que se formou no ano de 1963 no
entorno de Sodré através das atividades desempenhadas por este no ISEB, mas
ultrapassando este nível institucional e revelando uma tessitura das atividades
intelectuais do pré-golpe, relacionando o Instituto com a Faculdade Nacional de
Filosofia da Universidade do Rio de Janeiro, o Ministério da Educação e da Cultura e
o Partido Comunista Brasileiro.
O primeiro capítulo trata de apresentar aquelas inquietações presentes na
expressão “ilustre desconhecido” a que dedicamos a Sodré algumas linhas acima.
Não se trata de uma reabilitação, mas sim de uma tentativa de assinalar sua
importância e a pertinência (e urgência, diríamos) de seu estudo para pensarmos a
constituição tanto de nossa tradição marxista quanto da formação do nosso cenário
intelectual ao longo do século XX. Expomos uma fração relevante do estado da arte
das pesquisas sobre o autor e, em seguida, apresentamos os principais aspectos de
sua trajetória para então abordar preliminarmente a particularização do caso da
Coleção História Nova. Nesta seção, recordando as dificuldades trazidas pelo nosso
primeiro recorte, buscamos dispô-las e, na medida do possível, tensiona-las
observando esta última delimitação.
O segundo capítulo foi dedicado a um conjunto de questões que podem ser
acusadas pela sua demasiada abstração. Ao longo da pesquisa nos deparamos com
dificuldades metodológicas pertinentes ao campo de estudos da Sociologia dos
Intelectuais como, por exemplo, a (in)definição do conceito de intelectuais ou o
domínio obtuso das formas de se analisar as relações estabelecidas entre intelectuais
e o restante da organização social – propriamente, só esta forma de referir-se,
colocando intelectuais de um lado e organização social de outro, já alimenta uma série
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de impasses sociológicos. Portanto, tratamos de abordar parte destas leituras que


consideramos problemáticas e, conseguinte, apresentamos uma perspectiva e uma
interpretação do fenômeno que já vem sendo trabalhada por pesquisadores do nosso
campo: trata-se da contribuição do crítico inglês Raymond Williams. Exibimos nossa
leitura desta contribuição, identificando algumas das formas que o autor dedicou à
questão dos intelectuais e, partindo desta disposição, nos dedicamos a um nível mais
concreto do debate, colocando em perspectiva o conceito de brasilidade
revolucionária elaborado pelo pesquisador e professor da Unicamp, Marcelo Ridenti,
concepção formada a partir do conceito williamsiano de estrutura de sentimento e em
diálogo com outras contribuições do campo da Sociologia da Cultura. Nesta última
parte, a leitura que propomos partiu da exposição das experiências culturais e políticas
do pré-golpe como um desafio interpretativo colocado diante de gerações de analistas,
avaliando criticamente parte de leituras um dia tidas como “consagradas” e analisando
a forma como a proposta teórico-metodológica de Ridenti procurou dar conta deste
desafio.
No último capítulo, nosso trabalho aporta no seu objeto específico para
apontar novas indagações e objetos de pesquisa especializada. Procuramos
caracterizar as relações intelectuais que propiciaram a realização da Coleção História
Nova através da análise de documentos, depoimentos e discutindo os resultados de
pesquisas já realizadas sobre o tema. Em nossa leitura, compreendemos sua
realização a partir de sua dimensão intelectual, enfatizando, desta forma, a
interpretação de seus significados no quadro da brasilidade revolucionária. Nesta
interpretação, abordamos a formação do grupo relacionando seus elementos aos seus
suportes institucionais e aos fatores mais amplos de sua realização, como a questão
da sua relação com as Reformas de Base do governo de João Goulart; e investigamos
o ritmo impresso à execução do projeto, como este poderia nos auxiliar a compreender
as atividades desenvolvidas pelo grupo naqueles meses em que se anunciava a
preparação golpista, mas que também enchiam de esperança e combatividade a
disposição do campo progressista.
Por fim, no espírito que presidiu a Coleção História Nova, preocupando-nos
com os tempos de outrora como maneira de pensar sobre os sinais dos tempos do
presente, que nas vicissitudes que enfrentamos para produzir ciência, cultura, educar,
para combater a miséria, o desastre social e humano que se anuncia resignadamente,
o obscurantismo e o retrocesso, encontremos o sentido das palavras de Sodré: “A
18

História é isso mesmo: uma singular mistura do grande e do pequeno.” (SODRÉ, 1993,
p. 36).
19

1. ITINERÁRIO E PROJETO INTELECTUAL DE NELSON WERNECK SODRÉ: UM


RECENSEAMENTO CRÍTICO

“Assisti as grandes transformações por que o Brasil


passou neste século; as mudanças tem sido
profundas, mal nos damos conta de quão profundas
tem sido. E o mundo, então, nem se fala: somos, ao
mesmo tempo, em épocas assim, contemporâneos do
passado e do futuro. Como assisti a tudo com muita
atenção e, no que diz respeito ao Brasil, com muita
participação, suponho ter o que contar.” (SODRÉ,
1970, p. 15)

Debruçar-se sobre a trajetória e obra de uma personagem histórica como


Nelson Werneck Sodré demanda, já de início, uma quantidade significativa de
prolegômenos. Não só sobre a justificativa de sua escolha como objeto de
(re)apreciação sociológica, mas também sobre qual ângulo de apreciação parece ser
necessário então situá-lo.
Antes de seu falecimento, em 1999, dois intelectuais de renome se dedicaram
a analisar, mesmo que brevemente, a trajetória e a obra do historiador e, em suas
respectivas análises, alertaram para questões semelhantes que afetavam a
compreensão do significado de suas contribuições na história do pensamento
brasileiro do século XX. Primeiro Leandro Konder, em 1990 no jornal carioca Tribuna
da Imprensa – depois reunido e publicado em livro em 1991 –, visitando a riqueza das
obras e debates que o historiador realizou, ressaltou a necessidade de
empreendermos uma releitura com diálogo crítico de sua obra (1991, p. 78). Dois anos
depois, José Paulo Netto, em prefácio à reedição da obra O Naturalismo no Brasil, do
próprio Sodré, realizou uma exposição detalhada e interpretativa desta trajetória
(1992). A perspicácia da análise realizada por NETTO neste ensaio explicam o
merecido reconhecimento que obteve em seguida nas empreitadas de resgate e
estudo da obra de Sodré – momento que nos referiremos em seguida. Importa,
entretanto, destacar que ambos os ensaios alertavam para um elemento da trajetória
do autor que deve ser sempre relembrado, pois além de revelar momentos de seu
itinerário, também nos auxilia a compreender sua posição marginal nos estudos sobre
pensamento social e político no Brasil: o ostracismo acadêmico a que foi submetido
nas décadas de 1970 e 1980.
20

Enquanto KONDER alertou para os ataques que as teses e o próprio autor


sofreram da parte do uspiano Carlos Guilherme Mota em sua obra Ideologia da Cultura
Brasileira, de 1977, NETTO foi mais incisivo ao referir-se ao fenômeno:

O fato é que, nos quintais universitários, Sodré e sua obra são sumariamente
fuzilados como “ortodoxos”, “esquemáticos”, “mecanicistas” – sem que se
conheçam estudos rigorosos que se ocupem da comprovação de tão
inapeláveis julgamentos. Na verdade, o que se vem construindo em torno da
obra de Sodré, nos últimos três lustros, é uma muralha de preconceitos que
assombra: tanto menos se a examina com os cuidados habituais da crítica
séria, tanto mais se difundem juízos que a desqualificam (1992, p. 27).

Mesmo sofrendo as consequências desta muralha de preconceitos, Sodré foi


um intelectual irrefreável: sua última publicação em livro data de um ano antes de sua
morte. Entretanto, tendo passado por um processo de intensa deslegitimação e
desautorização no novo cenário intelectual que se abriu a partir da década de 1970,
os estudos sobre sua obra tardaram em aparecer.
Esforços pontuais e, por vezes, descontínuos, marcaram as iniciativas e
produções que tomaram sua obra e trajetória intelectual como objeto nos anos que se
seguiram a sua morte em janeiro de 1999. Os primeiros estudos que encontramos
foram os de Virgílio Roma de Oliveira Filho, ainda em 1999, com o título Dualidade e
revolução no pensamento isebiano: as visões de Hélio Jaguaribe e Nelson Werneck
Sodré, e o de André Moisés Gaio, de 2000, com título Uma teoria da independência:
história e revolução em Nelson Werneck Sodré. Em seguida, uma publicação de 2001
organizada pelo professor Marcos Silva trouxe 13 artigos oriundos de um simpósio
realizado em outubro de 1999 e ofereceu um intrigante panorama de questões e
debates sobre a trajetória e o pensamento do historiador carioca (SILVA, 2001). Do
mesmo ano é a tese de um dos pesquisadores que se tornou referência obrigatória
nos estudos sobre as relações entre militares e política no Brasil, Paulo Ribeiro da
Cunha. Analisando a trajetória de Sodré durante as décadas de 1930 e 1940, buscou
compreender os aspectos da formação de seu pensamento marxista até o momento
de seu ingresso nas fileiras do então Partido Comunista do Brasil (PCB) – lembrando
que é somente em 1961 que o antigo “Partidão” se tornaria Partido Comunista
Brasileiro, em virtude da cisão que deu origem ao atual Partido Comunista do Brasil
(PCdoB) (RIDENTI, 2010, p. 57). O trabalho de Paulo Ribeiro da Cunha foi publicado
um ano depois pela Editora Revan sob o título Um olhar à esquerda: a utopia
tenentista na construção do pensamento marxista de Nelson Werneck Sodré ([2002]
21

2011a). Do mesmo autor, em coautoria com Fátima Cabral, foi publicado em 2006
uma coletânea de 21 textos, entre depoimentos e artigos oriundos de um evento
científico realizado na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho no
campus de Marília, sobre a “dupla vocação” de Sodré – expressão de NETTO (1992,
p. 9) operacionalizada por CUNHA (2011a, p. 17) em sua tese – com o título Nelson
Werneck Sodré: entre o sabre e a pena ([2006] 2011b).
Em seguida, a publicação organizada pelo professor Marcos Silva do
Dicionário crítico Nelson Werneck Sodré, no ano de 2008, trouxe o impressionante
número de 83 autores apresentando verbetes dedicados à bibliografia de Sodré.
Decerto ciente do apelo à releitura com diálogo crítico sustentado por KONDER (1991,
p. 78) na década anterior, o organizador constou na introdução a seguinte direção dos
trabalhos:

Escrever um Dicionário crítico Nelson Werneck Sodré não significa aderir às


teses desse autor, e sim refletir sobre o que ele produziu e sobre o que se
pensou desde então a respeito de diferentes temas e problemáticas – a partir
dele, contra ele, até apesar dele (SILVA, 2008, p. 14).

Demonstraremos ao longo de nossa exposição a série de lacunas que a


pesquisa sobre Sodré ainda apresenta, mas é necessário reconhecer que o trabalho
seminal destes idealizadores rendeu frutos. Nas últimas duas décadas uma série de
artigos vem trabalhando diferentes dimensões de sua vida e obra, versando desde a
sua escrita autobiográfica (MUNIZ JUNIOR; SILVA, 2019), passando pela sua
importância para os estudos geográficos (MARTINS; ANSELMO, 2011) até o campo
da comunicação (RIBEIRO, 2015), para citar uma breve fração. Algumas monografias,
dissertações e teses foram realizadas sobre aspectos de seu pensamento e/ou
trajetória e serão analisadas no decorrer do nosso debate. Cito as duas mais recentes
encontradas, de Ulisses Rubio Urbano da Silva, com título A questão nacional no
Brasil entre 1954 e 1964: perspectivas de Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré
(SILVA, 2018), e de Vanessa Clemente Cardoso, com título A história do ensino de
história e a formação da elite intelectual brasileira: uma análise a partir da História
Nova do Brasil (1963-1965) (CARDOSO, 2019).
Entretanto, observamos que levando em consideração a posição de Sodré
nos debates e combates das ricas décadas de 1950 e 1960, este estado da arte pode
ser significativamente ampliado se levarmos em consideração as pesquisas que têm
22

tomado por objeto o pensamento social e político, a trajetória dos grupos culturais e
políticos e as instituições que marcaram o período. Desta forma teríamos quatro
décadas de produção que, de formas diferentes, tangenciam, mesmo que
minimamente, elementos do pensamento e da trajetória de Sodré. Apesar desta vasta
produção, é importante ressaltar que a leitura dos trabalhos da primeira década do
nosso século evidencia que parte dessa produção ainda é muito caudatária da
campanha crítica, da muralha de preconceitos, que foi lançada e erguida diante do
historiador. Cumpre, portanto, acompanhar parte deste percurso polêmico.
Abrindo a coletânea que organizou em 2001, Marcos Silva sintetiza parte
desta campanha demonstrando que a formação de uma tradição intelectual
predominantemente acadêmica concentrada em São Paulo durante a década de 1970
avaliou o lugar de Sodré na tradição historiográfica brasileira de forma muito negativa
(SILVA, 2001, p. 10). Os trabalhos de Maria Sylvia de Carvalho Franco (1972; 1984),
Carlos Guilherme Mota (1977), Giselda Mota (1986), Marilena Chauí (1978; 1983) e
Caio Navarro de Toledo (1977) se destacam neste projeto.1 De acordo com SILVA,

Desde então, Sodré continuou a ser uma referência para muitos campos
temáticos da pesquisa universitária (imprensa, militares, literatura),
englobando diferenças críticas, sem que a discussão sistemática sobre sua
obra tenha merecido uma revitalização. Pelo contrário, a tendência ao
silenciamento sobre esse trabalho sugere que seu autor foi excluído de
qualquer horizonte historiográfico, apesar de alguns de seus textos serem
mantidos como indicação para muitos debates, inclusive, pela necessidade
de serem refutados a partir de outras problemáticas (2001, p. 11).

O interessante destes trabalhos é que, apesar de não tomarem a obra de


Sodré como objeto primário de suas pesquisas, procederam a uma avaliação e
desautorização do seu legado através de pesquisas que versaram, principalmente,
sobre a experiência intelectual do extinto Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB), das interpretações e atuação política e cultural do PCB ao longo da década
de 1950 e sobre o fracasso das esquerdas diante do golpe civil-militar de 1964. Ou

1 Referência às seguintes publicações: FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem
escravocrata. São Paulo: IEB, 1972; FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. O tempo das ilusões. In:
CHAUÍ, Marilena; FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978; MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira: pontos de
partida para uma revisão histórica. São Paulo: Ática, 1977; MOTA, Giselda. Historiografia. Bibliografia.
Documentos. In: MOTA, Carlos Guilherme. 1822 – Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1986; CHAUÍ,
Marilena. Seminários. São Paulo: Brasiliense, 1983; CHAUÍ, Marilena; FRANCO, Maria Sylvia de
Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978; TOLEDO, Caio
Navarro de. ISEB: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977.
23

seja, o elemento em comum destas obras é a análise crítica da formação social


brasileira no período que marca o lustro de democracia da nossa vida política e cultural
que vai de 1945 à 1964. Assim, observando as análises de Marcelo RIDENTI (2003,
p. 206) e de Angela de Castro GOMES (2010, p. 27), é possível reconhecer que estes
trabalhos acompanham uma apreciação crítica do período iniciada ainda na década
de 1960 centrada na investigação sobre a “experiência populista” ou o “populismo”
(neste sentido, os trabalhos de Octavio IANNI (1968) e Francisco WEFFORT (1978),
uspianos e alunos de Florestan Fernandes, ocuparam papel central nesta agenda).
Apesar de ultrapassar nosso objeto de pesquisa, esses elementos são fundamentais
para compreendermos a aludida muralha de preconceitos com que nos deparamos
ao estudar a obra e a trajetória de Sodré.
Em determinado sentido, para revisitar a obra de Sodré parece imprescindível
localizar a posição destes intelectuais e ler criticamente o desenvolvimento de suas
análises. Em relação à experiência do ISEB, destacamos o esforço de autores como
Alexsandro Eugenio PEREIRA (1998; 2002), Luiz Eduardo Pereira MOTTA (2000) e
Edison BARIANI JUNIOR (2008) por trazerem novas angulações sobre o tema,
questionando e por vezes rompendo com os moldes explicativos consolidados pela
crítica uspiana das décadas de 1970 e 1980.
Portanto, compreendemos que se faz necessário um procedimento de
reposicionamento analítico e metodológico capaz de identificar aspectos e elementos
da trajetória do historiador carioca que não se circunscrevam nos limites evidentes
destas abordagens “clássicas” do pensamento e intelectualidade brasileira do período
vivido pelo autor. Em nossa leitura, a pesquisa sobre Sodré permite-nos visualizar e
abrir um leque de questões importantes de nossa história intelectual que ainda
demandam interpretação sociológica. Nesse sentido, procederemos a uma análise de
sua trajetória biográfica para identificar e apresentar os pontos que enformam o
recorte e o objeto de nosso trabalho.

1.1 Apontamentos para se pensar a trajetória de Nelson Werneck Sodré

Nelson Werneck Sodré, nascido no Rio de Janeiro, no dia 27 de abril de 1911,


filho único do advogado Heitor de Abreu Sodré e Amélia Werneck Sodré, foi “uma das
figuras mais importantes da cultura brasileira do século XX” (NETTO, 2011, p. 10).
Apresentando desde cedo grande interesse e vocação pelas letras, aos 13 anos, no
24

Colégio Militar do Rio de Janeiro, começou a colaborar com textos de ficção para a
revista A aspiração, pertencente à sociedade literária da instituição (Ibidem, p. 15). Já
aos 18 anos, estreou na imprensa com o conto “Satânia”, premiado e publicado na
revista carioca O Cruzeiro (Idem). Em 1931, completando 20 anos, ingressou na
Escola Militar de Realengo, optando pela artilharia, e esse momento marca o início de
uma trajetória pessoal que combinará ao longo de sua vida a vocação intelectual com
a vocação militar (Ibidem, p. 14). Nos anos que se seguem ao início dessa formação
na oficialidade do Exército, Sodré continuou sua colaboração na imprensa e produziu
sua primeira obra, História da literatura brasileira: seus fundamentos econômicos,
publicada no ano de 1938. Conforme a análise realizada por NETTO, seu caráter
pioneiro no âmbito de uma abordagem global da nossa história literária numa
perspectiva marxista e a interpretação do Brasil ali inscrita – mesmo que ainda de
caráter incipiente e que será depois revisado pelo próprio autor na década de 60 –,
assegura o lugar de Sodré ao lado de outros intérpretes do Brasil do período como
Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Holanda (1992, p. 37; ALVES
FILHO, 1998, p. 9).
Entre tantos deslocamentos e transferências realizadas por conta da carreira
militar, Sodré estreitou os laços com os meios intelectuais e passou a colaborar tanto
com a imprensa paulista quanto com a carioca. Neste período, integrou a chapa
vitoriosa da eleição de 1950 para a direção do Clube Militar – chapa nacionalista que
encabeçava a campanha O petróleo é nosso – e assumiu a Direção Cultural do Clube.
Como indica NETTO, os desdobramentos desse período contribuíram de forma
significativa para a definição do perfil político e intelectual de Sodré (2011, p. 17). Alvo
da perseguição da chapa vencida, Sodré foi transferido em 1951 para uma unidade
militar do Rio Grande do Sul de onde só retornaria no ano de 1955, que marca também
seu ingresso nas cadeiras do ISEB. Marcando um momento de intenso engajamento
político-intelectual, foi neste período que Sodré produziu boa parte de suas
intervenções mais significativas no campo da historiografia e da tradição marxista
brasileira. Como destaca NETTO:

(...) no Iseb, Sodré encontrou, num ambiente de estudos e pesquisas,


condições para avançar em suas formulações e em seu magistério,
interagindo com pensadores de posições teóricas e ideológicas muito
diferenciadas e com um público com o qual ele nunca contactara antes. Se já
era um intelectual respeitado quando o convidaram para atuar no Iseb,
parece-nos que é ali que alcançará (na altura em que chegava aos seus 50
25

anos) a maturidade teórica que lhe permitirá conquistar a indiscutível


audiência nacional que sua obra obterá na década de 1960 (Ibidem, p. 35-
36).

Aproximando-se de 1964, Sodré, que já se encontrava na reserva como


General de Brigada, coordenou a produção da obra coletiva História Nova, fruto de
um trabalho realizado com estagiários escolhidos das cadeiras da Faculdade Nacional
de Filosofia (FNFi) da Universidade do Rio de Janeiro, sua última contribuição
enquanto professor do ISEB. A coleção representou uma crítica da historiografia
tradicional mediante a realização de pesquisas monográficas voltadas para o ensino
da história no Ensino Médio como alternativas aos compêndios didáticos do período
(MENDONÇA, 2011, p. 335-337). Considerada “subversiva”, foi apreendida nas
livrarias logo após o golpe civil-militar de 1964, seu projeto editorial foi suspenso e
instaurado um Inquérito Policial-Militar para investigar as ações subversivas de seus
autores (CZAJKA, 2012, p. 301).
O golpe civil-militar marcou ainda a extinção e depredação do ISEB, a
perseguição e prisão de seus professores, estagiários e estudantes, inclusive Sodré
(PEREIRA, 2005, p. 259-260). Do impacto do golpe no cerne das esquerdas e dos
movimentos sociais, é importante destacar com Rodrigo CZAJKA que este produziu
uma rearticulação das tendências políticas e ideológicas de esquerda em torno de um
novo objetivo: “o restabelecimento do processo democrático.” (2014, p. 103-104).
Intelectual de envergadura, engajado e militante, Sodré não passou ao largo deste
processo.
Como destaca CUNHA:

Na fase subsequente ao golpe militar, sua intervenção política e teórica


continuou de várias formas, mas foi particularmente intensa e aguda após o
advento do AI-5, em 1968, quando o autor continuou escrevendo artigos
(muitas vezes sob pseudônimo) e livros, procurando intervir de várias
maneiras na luta pelo restabelecimento da democracia; e, ao longo daqueles
anos, Sodré foi uma referência ao radicalismo e ao aventureirismo pequeno-
burguês que caracterizavam as iniciativas armadas de parcelas da esquerda
brasileira na luta contra a ditadura militar. Foi igualmente um período de
quase ostracismo em alguns importantes círculos acadêmicos, embora, como
autor, tivesse, nesta fase, singular e profícua produção teórica (2011b, p.
100).

Nos últimos anos de vida Sodré continuou produzindo e contribuindo com a


imprensa. No ano de 1995, publicou sua última obra, A farsa do neoliberalismo; e em
1998, uma última reunião de artigos inéditos e publicados na imprensa entre as
26

décadas de 1940 e 1990 (SODRÉ; ALVES FILHO, 1998). Falecido em janeiro de


1999, autor de 56 livros e de cerca de três mil artigos, o itinerário da formação
intelectual de Sodré retrata a trajetória de um intelectual engajado com as lutas de seu
tempo, dotado de uma profunda capacidade crítica (e autocrítica, basta consultar as
anotações de NETTO sobre as revisões e correções que o autor realizou em suas
obras ao longo da vida (1992, passim)) e uma das figuras mais relevantes no processo
de desenvolvimento de nossa tradição marxista. Reforçando esta perspectiva, João
Quartim de MORAES destaca que:

Não há interpretação marxista no Brasil de maior peso histórico que a legada


por Sodré em mais de sessenta anos de militância intelectual. Poucas tiveram
tanta repercussão e suscitaram tantas polêmicas. Sua obra, com efeito,
oferece a expressão teórica mais elaborada do programa nacional-
democrático da revolução brasileira, que suscitou as lutas e os debates mais
importantes da esquerda, ao longo do século XX, principalmente, mas não
somente, a dos comunistas. Tanto assim que os temas conexos da
democracia, do desenvolvimento autônomo da economia nacional e da
reforma agrária permanecem no centro de toda e qualquer visão crítica e
transformadora da sociedade brasileira (2001, p. 28).

A despeito da muralha de preconceitos, João Alberto da Costa PINTO fez


questão de ressaltar que a interpretação marxista de Sodré, longe de ser
operacionalizada como uma ortodoxia, trouxe uma perspectiva heterodoxa sobre o
processo histórico brasileiro (2001, p. 56). No mesmo sentido, NETTO argumentou e
demonstrou que parte do pioneirismo da perspectiva marxista do autor residia na
importância que imputava às “representações e projeções ídeo-políticas e culturais”
(1992, p. 31). Rompendo com uma tendência da tradição historiográfica marxista de
seu tempo que tomava as expressões artístico-culturais como tangenciais ou
ilustrativas, o historiador carioca dedicou extensos estudos às expressões políticas,
sociais e culturais que certo jargão marxista circunscreveria como “manifestações
superestruturais” (Ibidem, p. 30-31).
Sua militância comunista a partir da década de 1940 abre questões ainda
inconclusas no que diz respeito à compreensão de sua interpretação marxista
heterodoxa. Tratando-se de um tema não diretamente abordado pelas pesquisas
sobre sua trajetória, cumpre aqui ilustrar uma divergência entre importantes analistas.
De um lado, representando a já aludida tradição acadêmica da década de 1970, Caio
Navarro de TOLEDO argumenta que em Sodré há uma defesa intransigente da linha
política do PCB (2001, p. 53); já CUNHA, especialista na obra e trajetória do
27

historiador, observa que “vincular as teses de Sodré às teses que se vinculam ao PCB
é um equívoco.” (2011b, p. 91).
Outro apontamento relevante pode ser encontrado ao abrirmos a questão de
sua passagem e participação pelo ISEB. Como já citado, NETTO sustenta que os
acontecimentos do início da década de 1950 contribuíram significativamente para a
definição do perfil político e intelectual de Sodré (2011, p. 17). Significaram o início e
o fim do “exílio interno” que passou em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, entre 1951 e
1954, e o início de um longo período em que residirá no Rio de Janeiro, cidade a que
retorna em 1955, para lecionar no ISEB. Em suas memórias, relatando seu retorno ao
Rio de Janeiro, o autor destacou que o ponto positivo do isolamento sulino, do ponto
de vista da cultura, foi o “afastamento da agitação, e particularmente da agitação
política, o sossego que permitia a meditação, os estudos, a preparação dos trabalhos
intelectuais.” (SODRÉ, 1990, p. 132). Aludindo à sua relação com o sociólogo Alberto
Guerreiro Ramos e sua aproximação ao Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia
e Política (IBESP) – que viria a se tornar o já aludido ISEB –, Sodré relata:

Fora do Rio, não participava de outras atividades do IBESP [Instituto


Brasileiro de Economia, Sociologia e Política], e nem mesmo conhecia outros
de seus elementos, que não Guerreiro Ramos. As coisas mudaram,
entretanto, desde que voltei ao Rio para ficar, desde que, pessoalmente,
comecei a pronunciar as minhas conferências, desde que comecei a
frequentar as reuniões do grupo, agora constituído em torno do ISEB (Ibidem,
p. 168).

Outro elemento que aponta a riqueza deste período em sua trajetória é sua
produção bibliográfica. Para além da quantidade de obras, são deste período e dos
anos seguintes suas obras mais estudadas e discutidas: a Introdução à revolução
brasileira (1958); a revisão e reedição da obra História da literatura brasileira ([1ª
edição de 1938] [3ª edição revista e ampliada em 1960] 1964a); a Formação histórica
do Brasil (1962); a coleção História Nova (SANTOS, et. al., [1963] 1993); a História da
burguesia brasileira (1964b); a História militar do Brasil (1965); entre outras que
marcaram os debates travados neste conturbado período.
Levando em consideração esta produção, PINTO propõe uma periodização
que atenta às particularidades desta trajetória. Para o autor, a produção de Sodré
pode ser pensada em dois momentos cronológicos distintos: o primeiro, de 1938 à
1945; e o segundo, de 1958 à 1964 (2011b, p. 152). Segundo o analista:
28

Os trabalhos publicados após 1964, na sua maioria, reafirmam


conceitualmente as teses do segundo período. Inicialmente, pode-se afirmar
que o substrato essencial do pensamento e da intervenção política do
historiador carioca dá-se com a produção acontecida na conjuntura de 1958-
1964, momento em que revisa e em parte abandona conceitualmente a sua
produção anterior, quando se consagra como professor do Instituto Superior
de Estudos Brasileiros (ISEB). Quase toda a produção desse período nasceu
de trabalhos apresentados no ISEB (1956-1964) (Ibidem, p. 152-153).

O ano de 1958 é significativamente importante para pensarmos o nosso


recorte analítico. Neste sentido, visualizamos 3 elementos que devem ser observados
para justifica-lo.
Em relação à sua produção bibliográfica, NETTO demonstra que no período
de 1945 à 1958 Sodré publicou somente 4 obras, todas de circulação restrita (1992,
p. 22-23). Segundo o autor, este relativo silêncio de 13 anos pode ser entendido como
um momento de reflexão, elaboração e reelaboração teórica que tem relação com a
própria experiência política da sociedade brasileira na abertura democrática que se
realiza após o fim do Estado Novo (Ibidem, p. 22). Ainda, registra uma inflexão em
sua trajetória, pela proximidade que alcançou com os círculos intelectuais e
movimentos sociais que compunham o ambiente carioca da década de 1950. Para
NETTO:

É o período, em suma, em que o estudioso da história do Brasil pode


reformular as bases e os objetivos da sua pesquisa: a construção de uma
compreensão abrangente da história brasileira a partir de uma posição
política fundada na perspectiva da revolução (Ibidem, p. 23).

Entretanto, é preciso constar que este relativo silêncio do período pode ser
tensionado se observarmos que se trata de um momento em que verificamos uma
série de eventos não menos importantes de sua trajetória: foi nomeado professor da
disciplina História Militar na Escola de Estado-Maior no Rio de Janeiro, no ano de 1948
(CUNHA, 2013, p. 210); integrou a chapa nacionalista e vitoriosa nas eleições para o
Clube Militar de 1950, ligada à campanha O Petróleo é nosso (Ibidem, p. 213); dirigiu,
naquela instituição, entre 1950 e 1951, seu Departamento Cultural e,
consequentemente, a então prestigiosa Revista do Clube Militar (Ibidem, p. 218).
Ainda, segundo a hipótese de CUNHA, foi no âmbito da docência na Escola
de Estado-Maior que o historiador teve contato com a obra do marxista húngaro
György Lukács (2011a, p. 243-245). Importante leitor e difusor da obra de Lúkacs no
Brasil, KONDER sustentou, em seu ensaio sobre Sodré, que a utilização das teorias
29

do marxista húngaro na refundição da obra História da literatura brasileira em 1960


apontam para o pioneirismo do historiador em nossa tradição marxista (1991, p. 76).
Tudo indica, portanto, que a semente deste pioneirismo reside neste período.
Assim, podemos compreender 1958 como uma espécie de reinauguração de
sua produção e intervenção intelectual, momento inclusive em que volta a publicar em
editoras de grande circulação (a obra Introdução à revolução brasileira foi publicada
pela Editora José Olympio).
O segundo elemento a ser observado sobre o ano de 1958 reside na própria
trajetória institucional do ISEB. Fundado em 14 de julho de 1955 pelo governo de João
Café Filho, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros foi uma instituição pública de
caráter universitário vinculada ao Ministério da Educação e Cultura (PEREIRA, 2005,
p. 253). Sua origem remonta às atividades do Instituto Brasileiro de Economia,
Sociologia e Política (IBESP), fundado em 1952, instituição oriunda dos encontros
mensais de um conjunto de intelectuais paulistas e cariocas que viriam a ser
conhecidos como o “Grupo de Itatiaia”, pois se encontravam no Parque Nacional do
Itatiaia em espaço cedido através de negociações diretas de alguns de seus
representantes com integrantes do segundo governo Vargas (1951-1954) (Ibidem, p.
254). Entre 1953 e 1956, o grupo foi responsável pela publicação da revista Cadernos
do Nosso Tempo, responsável por alimentar um debate público sobre as formas de
superação das condições de atraso econômico que diagnosticavam na realidade
brasileira (Idem). Entre publicações, debates e cursos, a história do instituto é
relativamente tranquila até a crise institucional ocorrida em 1958 decorrente de um
embate entre dois de seus fundadores, Alberto Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe. A
discordância de Guerreiro Ramos em relação às teses de Jaguaribe publicadas
naquele ano no livro O nacionalismo na atualidade brasileira, em que este defendia o
recurso ao capital estrangeiro e a privatização do setor petroquímico nacional como
alternativas para o desenvolvimento brasileiro, gerou uma instabilidade que
ultrapassou as paredes da instituição e causou uma ruptura em que ambos pediram
demissão, levando consigo parte de seus adeptos (Ibidem, p. 257-258). Como
documentou SODRÉ, nesta crise, saíram da instituição, além de Guerreiro Ramos e
Jaguaribe: Roberto Campos, Anísio Teixeira, Hélio Cabal e Ewaldo Correia Lima
(1986, p. 39). Com a saída de Jaguaribe, titular da cadeira de Ciência Política, o
professor Cândido Antônio Mendes, então titular da cadeira de História, passou a
lecionar na cadeira vaga e Sodré passou a ser o titular da cadeira de História (Idem).
30

Esta recomposição institucional ainda seria afetada por outras crises, mas PINTO
destaca, por exemplo, que se em 1958 o nosso historiador lecionou 22 sessões de
aulas e coordenou 3 seminários, no ano de 1959 o número passaria para 53 sessões
de aula e 4 seminários (2011b, p. 157). Portanto, mais do que uma crise institucional,
as consequências da ruptura de 1958 levaram também a um reposicionamento do
historiador nos quadros da instituição.
O terceiro fator que gostaríamos de destacar diz respeito a outra inflexão, esta
ocorrida no cerne da orientação política do PCB, que veio a afetar tanto o
desenvolvimento de nossa tradição marxista quanto o cenário político-cultural dos
anos que antecederam o golpe de 1964; nos referimos à Declaração sobre a política
do PCB de março de 1958. De acordo com Antônio Albino Canelas RUBIM:

A crise aberta no PCB, no ano de 1956, em consequência da denúncia dos


crimes de Stalin efetuada por Kruschev no XX Congresso do Partido
Comunista da União Soviética e do desenvolvimento político-cultural da
sociedade brasileira na década de 1950, permite uma ruptura do (quase)
monopólio e o surgimento de inúmeros polos de irradiação do(s) marxismo(s),
cada vez mais plural, no Brasil (2007, p. 374).

Nesta linha de argumentação e problematizando os reflexos da Declaração,


Celso FREDERICO ressalta o fato de que esta marcou tanto o abandono de uma
orientação política sectária quanto a saída de um isolamento, o que viabilizou a
presença dos comunistas no âmbito da agitação político-cultural dos anos que se
seguiram (2007, p. 338-340). Sob os auspícios desta reconfiguração da linha
partidária, o partido lançou o semanário Novos Rumos e a revista Estudos Sociais,
esta dirigida por Astrojildo Pereira (ARIAS, 2003, p. 49; SANTANA; SILVA, 2007, p.
124).
Intimamente próximo ao PCB desde os anos de 1943 e 1944 (CUNHA, 2011a,
p. 209-210), Sodré não somente participou em edições da nova revista nas edições
de número 14, 17 e 18,2 como também inauguraria, ao lado de Jacob Gorender, no
ano de 1963, o “Centro de Estudos Sociais” – inauguração anunciada em seu 15º
número, em 1962:

2 Para uma consulta integral aos números, índices e conteúdos da Revista Estudos Sociais, conferir:
ARIAS, Santiane. A revista Estudos Sociais e a experiência de um “marxismo criador”.
Dissertação (Mestrado em Sociologia), Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, Campinas, p. 187, 2003.
31

Inicialmente o CES patrocinará, em janeiro de 1963, uma série de palestras


de Jacob Gorender, sobre o tema: ‘O marxismo como filosofia humanista de
nosso tempo’. Em seguida, estão previstas outras séries de conferências
entre as quais uma, de Nelson Werneck Sodré, sobre ‘Evolução histórica do
Brasil’; o CES promoverá também um curso introdutório, de quatro palestras
para cada departamento. No próximo número desta Revista, daremos
melhores informações sobre estas e outras atividades do CES (ESTUDOS
SOCIAIS, n. 15, 1962, p. 319).

Conforme ARIAS, o projeto do CES nunca se concretizou: “A presidência seria


dada a Nelson Werneck Sodré. Mas o instituto acabou na primeira reunião, durante a
definição de sua linha política.” (2003, p. 72). Conclusão extraída de uma série de
entrevistas realizadas com Leandro Konder, Jorge Miglioli, Jacob Gorender e o próprio
Sodré, a autora ainda identifica a ausência de menções ao CES após esta nota de
1962 (Idem). No entanto, ao consultar o acervo de Sodré na plataforma do Acervo
Digital da Biblioteca Nacional, nos deparamos com uma entrevista do autor na data
de 17/10/1963 para o jornal Última Hora de São Paulo intitulada “Nelson Werneck
Sodré fala sobre as origens do ISEB” onde consta a seguinte informação:

O historiador Nelson Werneck Sodré, encontra-se em São Paulo, a convite


do Centro de Estudos Sociais, para proferir, na Biblioteca Municipal, uma
série de palestras a respeito de assuntos de sua especialidade: a revisão da
formação histórica nacional dentro de uma análise da Civilização Brasileira.
Membro do ISEB, Instituto Superior de Estudos Brasileiros, Werneck Sodré
nos oferece uma análise das origens desse organismo, que desempenha
hoje, um papel relevante na vida cultural do País (NELSON..., 17 out. 1963 –
Anexo A).

Posterior ao ano de 1962, marco referido pela pesquisadora como


desaparecimento tanto das menções como do próprio projeto do CES por conta de
informação prestada por Miglioli acerca de uma decisão partidária trazida por
Gorender em reunião sobre o caráter do Centro (ARIAS, 2003, p. 72), a matéria não
somente refere-se à uma atividade do CES no ano de 1963, mas traz ainda a
percepção de Sodré, onde o autor refere-se à pertinência histórica e cultural do
Centro. A citação é longa, mas vale a leitura pela forma como expressa as lutas e
debates do período:

“O Centro de Estudos Sociais é outro sintoma das transformações políticas,


sociais e culturais que atravessa o País. A existência do CES está justificada
pela necessidade que as pessoas têm de se reunir, de pesquisar, de debater
todos os problemas que o Brasil apresenta hoje. Essa necessidade decorre,
não apenas das exigências da realidade, mas também do fato de que o
aparelho institucional destinado às tarefas da cultura, que é o universitário,
dá mostras de sua incapacidade para realizar essas tarefas. Surgem então
32

instituições do tipo do CES, que se propõe a realiza-las. Essa necessidade


de iniciativas, que suprem a ausência de órgãos específicos, no caso a
Universidade, é outro reflexo da vida brasileira, e ocorre também na vida
política, no sentido partidário. Os partidos tornam-se incapazes de conduzir a
luta política, ela é então conduzida por organizações não partidárias, como
as estudantis, sindicais, as Forças Armadas, a Igreja, que hoje são muito mais
importantes, na vida política, que os próprios partidos. O CES tende a
desempenhar, na vida cultural, uma tarefa muito importante, especialmente
pela sua ampla liberdade de investigação, pelo fato de que não depende de
organizações hierárquicas, não tendo nenhum compromisso com o passado,
para justamente poder se vincular às grandes lutas que o povo brasileiro está
travando”. (NELSON..., 17 out. 1963).

Assim, o tema da revista Estudos Sociais e seu Centro de Estudos Sociais –


como demonstrado, ainda pouco investigado, tendo em vista as informações
encontradas – nos ajuda a ilustrar a posição e a participação do autor neste novo
cenário político e cultural aberto pela reorientação do PCB diante das lutas do período;
ainda, a percepção que Sodré imprimiu no trecho acima aponta para certas
ambiguidades do autor em relação à vida partidária na política brasileira, mas também
revela o campo de preocupações que esteve no fundamento de sua experiência
intelectual do período: a chamada do artigo refere-se à revisão da formação histórica
nacional e o trecho de sua autoria traz, entre outras, a questão do problema da
Universidade e seus limites – ambos temas que trabalharemos dentro do recorte que
propomos nesta pesquisa.
Outro dado relevante: se o ano de 1958 parece ter significado na trajetória e
obra de Sodré o tempo de uma espécie de reinauguração de seu trabalho intelectual,
o ano de 1962 parece representar uma intensificação deste processo. Como destacou
Regina Hippolito, no final do ano de 1961, após conturbada negociação, o historiador
conseguiu definitivamente efetivar sua transferência para a reserva, sendo reformado
no posto de General de Brigada (HIPPOLITO, 2011, p. 207). A partir de 1962 sua
dedicação ao trabalho intelectual e militante é exclusiva; ilustra estas coordenadas o
fato de que já no ano de 1963 somou-se ao grupo de membros-fundadores do
Comando de Trabalhadores Intelectuais (CTI) (CZAJKA, 2011, p. 63).
Considerando estes apontamentos biográficos e o levantamento destas
possíveis questões procedemos à particularização do nosso objeto de pesquisa,
compreendido dentro deste panorama: o caso da realização e publicação da Coleção
História Nova, produzida entre os anos de 1963 e 1964 sob direção de Sodré, no
âmbito das atividades do ISEB.
33

1.2 Particularização do caso do Projeto História Nova

A Coleção História Nova (CHN) foi uma obra polêmica tanto em seus
objetivos, quanto em sua recepção e posterior interpretação por parte de diversos
analistas, mas também por seus autores. Logo, cabe analisar algumas destas
controvérsias, sumariar questões de pesquisa e dar forma ao objeto específico sobre
o qual nos debruçaremos em seguida.
Concebida no calor dos anos das Reformas de Base, em pleno governo de
João Goulart, a CHN foi elaborada através de uma intersecção complexa entre as
atividades realizadas por diversos intelectuais e instituições que permeavam o cenário
político cultural de esquerda do pré-golpe. Enquanto projeto didático-editorial, foi
produto de um esforço conjunto de integrantes quase simultâneos do ISEB, da FNFi,
do PCB e do MEC. Sendo de Sodré o papel de diretor deste esforço, os membros que
integraram o grupo foram: Joel Rufino dos Santos, Pedro Alcântara Figueira, Maurício
Martins de Mello, Pedro Celso Uchôa Cavalcanti Neto e Rubem César Fernandes;
representando a ponte entre estes e o MEC, Roberto Pontual, então diretor da
Campanha de Assistência ao Estudante (CASES).
Denominada 30 anos depois por um de seus coautores como a “reforma de
base no campo do ensino da História” (SANTOS, et. al. 1993, p. 16), a CHN teve como
objetivo declarado a “tentativa já impostergável de reformular, na essência e nos
métodos, o estudo e o ensino de nossa história” (Ibidem, p. 115). Organizada através
de monografias redigidas coletivamente, a coleção teve três edições: a primeira,
publicada em 1964, pelo convênio ISEB-CASES, ambos vinculados ao MEC; a
segunda, publicada em 1965, pela Editora Brasiliense, do marxista paulista Caio
Prado Júnior, através de intervenção de Sodré; e a terceira, publicada em 1993,
reedição idealizada pelo editor Cláudio Giordano em virtude do seu trigésimo
aniversário de lançamento, trazendo importantes depoimentos inéditos de seus
autores. Cada edição apresentou projetos editoriais distintos e, inclusive, enquanto a
primeira edição foi publicada sob o título Coleção História Nova, as duas últimas
trouxeram o título História Nova do Brasil (CARDOSO, 2016, p. 133-142).
De acordo com os dados trazidos por FONSECA, os primeiros projetos
apresentavam os seguintes planos:
34

Coleção História Nova (plano da Cases): 1) O descobrimento do Brasil; 2) A


sociedade do açúcar; 3) As invasões holandesas; 4) A expansão territorial; 5)
A decadência do regime colonial; 6) A Independência de 1822; 7) Da
Independência à República (evolução da economia brasileira); 8) O sentido
da Abolição; 9) O advento da República; 10) O significado do florianismo.
História Nova do Brasil (plano da Brasiliense): 1. Volume 1 (publicado): 1)
Descoberta do Brasil; 2) Sociedade do açúcar; 3) Invasões holandesas; 4)
Expansão territorial. Volume 2 (não publicado): 1) Mineração; 2)
Independência de 1822; 3) Crise da Regência. Volume 3 (não publicado): 1)
Império. Volume 4 (publicado): 1) Abolição; 2) Advento da República; 3)
Florianismo. Volume 5 (não publicado): 1) República oligárquica. Volume 6
(não publicado): 1) Revolução brasileira (2008, p. 196-197).

Da primeira edição, somente cinco volumes foram publicados (volumes 1, 3,


4, 6 e 7) e três estavam sendo redigidos quando a instalação da ditadura civil-militar
no 1º de abril de 1964 suspendeu e depois extinguiu o ISEB, prendeu seus autores –
inclusive o general reformado Sodré –, proibiu sua venda e circulação e em seguida
instaurou inquéritos policial-militares, os IPMs, para investigar as ações subversivas
representadas pelas atividades do ISEB e da CHN (CZAJKA, 2012). Suspensa a
redação do projeto, apesar da tentativa de Sodré de publicá-lo através da editora de
Caio Prado Júnior em 1965 (LOURENÇO, 2008, p. 396), nunca teve publicado
integralmente nenhum de seus planos editoriais e residiu mais na memória de seus
autores do que nas prateleiras das livrarias e das bibliotecas.
As divergências começam no ponto em que passamos a analisar a origem
das inquietações traduzidas pela coleção. De um lado, temos uma leitura que localiza
e privilegia sua origem no Boletim de História do Centro de Estudos de História da
FNFi, publicado irregularmente entre 1958 e 1963 (PINTO, 2011a, p. 345;353-354);
de outro lado, temos uma leitura que localiza o embrião deste projeto nas
preocupações do jovem Sodré das décadas de 1930 e 1940 (CUNHA, 2011a, p. 83-
88). Diante desta aparente controvérsia, julgamos plausíveis ambas as
argumentações, no sentido de que uma hipótese não necessariamente invalida a
outra. No entanto, parece ser necessário destacar que, na esteira da primeira leitura,
verificamos que a posição de Sodré neste processo de concepção do projeto e da
intervenção pode acabar sendo obliterada.
Alguns estudos tem se dedicado a analisar a CHN a partir da questão da
história do ensino da história do Brasil. Com destaque, o trabalho pioneiro de Sueli
Guadelupe de Lima Mendonça com o título A experiência da história nova: uma
tentativa de revisão crítica do ensino de história no Brasil nos anos 60 (MENDONÇA,
1990); em seguida, uma série de análises tem se pautado neste trabalho original para
35

aprofundar a compreensão desta dimensão do projeto, citamos por exemplo:


GUIMARÃES e LEONZO (2003), LOURENÇO (2008) e CARDOSO (2013; 2016;
2019). Os trabalhos de PINTO, já citados, também seguem a mesma tendência, com
ênfase significativa na abordagem histórica desta dimensão político-didática do
projeto (2001; 2011a). Em trabalho recente, Guilherme Pontiere de Lima, no âmbito
da educação, abordou o projeto a partir de perspectiva semelhante. Com o título Eles
ousaram! Projeto História Nova do Brasil: as reformas de base começaram pela
educação, de 2017, o pesquisador realizou uma leitura mais ampla, em que relacionou
a realização do projeto com diversas dimensões da atmosfera política do pré-golpe
(LIMA, 2017).
Os limites que encontramos nestas investigações referem-se à posição
legada ao pensamento e mesmo à trajetória de Sodré na realização do projeto, com
exceção do trabalho de MENDONÇA (1990) em que a autora realizou uma análise de
conteúdo que tematizou as identificações analíticas entre os textos da coleção e a
obra de Sodré (Ibidem, p. 47-53). Apesar de não negarem sua importância como
elemento aglutinador dos jovens professores de história da FNFi, sua figura aparece
como uma espécie de formalidade, pois necessariamente os documentos e
depoimentos dos demais integrantes referem-se ao historiador. Quando não
procedem desta forma, enfatizando o pensamento de Sodré, incorrem em outras
simplificações, principalmente oriundas da não familiaridade com sua produção
teórica e sua trajetória. Portanto, para os fins de uma pesquisa que procure expandir
o estudo do caso particular da CHN parece ser necessário: aprofundar a compreensão
sobre o pensamento e a trajetória de Sodré, tomando-o não só como elemento
aglutinador e viabilizador do projeto, mas compreendendo neste os fatores de ordem
intelectual que o propiciaram; reunir e tensionar os depoimentos e as memórias
disponíveis, analisando-os tendo em vista a formação do grupo e as coordenadas de
sua atuação; e inseri-los no cenário intelectual do pré-golpe – procedimentos que, ao
nosso ver, ainda não foram realizados extensivamente. Para ilustrar este ponto de
partida, tomamos exemplarmente dois trabalhos.
Abordando o projeto a partir do seu caráter inovador no ensino da história do
Brasil, GUIMARÃES e LEONZO já iniciam o trabalho referindo-se a Sodré como
“historiador oficial do Partido [PCB]” (2003, p. 236). Afirmação feita sem o devido
aprofundamento, seguem narrando a trajetória da CHN e tomam sem mediações o
depoimento de Joel Rufino dos Santos, em que afirma que o Centro de Estudos de
36

História da FNFi era controlado pelo PCB (Ibidem, p. 238). Em seguida, referindo-se
à obra de Sodré, alega que sua interpretação marxista representava uma: “Estratégia
etapista, diga-se de passagem, calcada numa aplicação mecânica do materialismo
clássico.” (Ibidem, p. 242). Essas coordenadas levam então à seguinte proposição:
“Seja como for, a proposta do Ministério da Educação de confiar ao ISEB, em
particular a Nelson Werneck Sodré, a tarefa da elaboração da História Nova ajustava-
se como uma luva aos propósitos do Partido.” (Idem). Seu trabalho prossegue então
aproximando o conteúdo da CHN, que é brevemente analisado pelas autoras, como
representação ipsis litteris da militância comunista, nos termos dos depoimentos e
autocríticas realizados pelos autores por ocasião da reedição da coleção em 1993.
Em trabalho de outra natureza, apresentando um acesso vasto das fontes e
dos documentos do período, a pesquisadora Vanessa Clemente Cardoso realizou
uma análise sobre a CHN como trabalho didático, estabelecendo um paralelo entre o
projeto e outras produções semelhantes presentes na tradição historiográfica do
período. Em determinado ponto, a autora delimita que sua pesquisa analisa o
conteúdo da coleção investigando a sua relação com o pensamento de intelectuais
brasileiros que tiveram obras referenciadas nos volumes: Caio Prado Júnior, Celso
Furtado e Nelson Werneck Sodré (CARDOSO, 2019, p. 32). Nesta exposição, o
pensamento de Sodré é tomado quase como externo ao projeto, como algo ao qual
pode-se comparar, estabelecer paralelos, e não como um autor que está
umbilicalmente ligado ao projeto. Através de uma importante análise histórica dos
centros de produção historiográfica e do movimento estudantil do período de 1930 a
1960, a autora levanta a hipótese da presença, na coleção, de elementos da
Declaração da Bahia, documento redigido em 1961 no âmbito da União Nacional dos
Estudantes (UNE). Segundo a autora, a presença de temas como a “libertação do
Brasil do imperialismo e do colonialismo por meio da sua independência econômica,
social, política e cultural” na CHN remetem à influência do movimento estudantil no
seu processo de produção (Ibidem, p. 78). Assim, localizando essas matrizes da
escrita da CHN, os autores são tomados em suas trajetórias e depoimentos para o
estudo da coleção em função da crítica aos compêndios didáticos do período.
Desde já, nosso trabalho busca propor uma angulação diferente das questões
que se abrem a partir do estudo da CHN. Um trabalho que já propôs uma leitura
semelhante foi o de Rodrigo Czajka, localizando a escrita do projeto no plano da
organização das esquerdas culturais no final da década de 1950 e início da década
37

de 1960, o autor investigou as relações intelectuais que condicionaram a formação do


grupo, as relações institucionais evidenciadas pelos depoimentos dos autores no “IPM
da História Nova” e o estatuto da aproximação entre o projeto e a esfera de influência
do PCB entre os intelectuais no período (CZAJKA, 2012). O passo que pretendemos
dar neste trabalho parte destas considerações e busca avançar em uma das possíveis
entradas que acreditamos profícua para o estudo da CHN: abordar as relações
intelectuais que marcaram sua elaboração e realização localizando-as no cenário
político-cultural do pré-golpe e, neste âmbito, observando-as em sua relação com o
que Marcelo Ridenti conceituou, em sua interpretação sobre as relações entre artistas
e intelectuais e a produção cultural do período, como a estrutura de sentimento
romântico revolucionária denominada brasilidade revolucionária (RIDENTI, 2010;
2014).
Neste percurso, abordaremos: a literatura produzida sobre a CHN, buscando
as informações e interpretações já realizadas sobre sua realização; os depoimentos
dos autores disponibilizados pelos trabalhos que tiveram a oportunidade de entrevista-
los, assim como a memorialística de Sodré que traz uma série de informações
intrigantes para pensarmos a formação do grupo e suas atividades; e os IPMs “da
História Nova” e “dos Generais da Reserva”, gentilmente disponibilizado pelo Prof. Dr.
Rodrigo Czajka.
Com este tipo de abordagem buscamos iluminar a dimensão intelectual da
experiência da CHN no limite das relações que viabilizaram sua concretização,
tangenciando elementos que nos ajudam a compreender a localização, o
posicionamento e o destino de intelectuais e grupos de intelectuais que marcaram o
cenário dos anos que antecederam o golpe de 1964, em especial desta
intelectualidade que orbitava referências importantes das lutas do período como o
ISEB e o PCB.
Compreendemos que a necessidade de pensar a CHN advém da constatação
de que seu significado histórico e cultural ultrapassava os limites de uma experiência
didática ou educacional inovadora, tratando-se de uma intervenção intelectual que
precisa ser compreendida tanto como um episódio do cenário cultural radicalizado
pelo clima das reformas durante o governo de João Goulart quanto como um episódio
da trágica derrota política das frentes progressistas e da vaga democrática instalada
pela Constituição de 1946 diante do golpe de 1º de abril: a coleção e seus autores não
só foram alvos diretos da violência, da repressão e do “terrorismo cultural”
38

institucionalizado pelo golpe, mas foi elemento importante, junto do ISEB, da


montagem golpista nos dias que antecederam o avanço das forças do General
Olímpio Mourão Filho de Juiz de Fora para a cidade do Rio de Janeiro. Ambos, ISEB
e CHN foram alvos privilegiados da ofensiva reacionária da imprensa contra o governo
de Jango, como documentado em detalhes, manchete à manchete, por SODRÉ ainda
no ano de 1965 no artigo “História da História Nova” publicado na quarta edição da
Revista Civilização Brasileira (CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, n. 4, 1965, p. 71).3
Deste modo, sumarizados os pontos que dão forma ao nosso objeto de
reflexão, se faz necessário discorrermos acerca dos aportes teórico-metodológicos
que mobilizaremos para abordar um objeto sociológico desta natureza.

3 O texto publicado em 1965 compôs uma coletânea de textos reunidos sob título homônimo e
publicados em 1986 pela Editora Vozes. Ver: SODRÉ, Nelson Werneck. História da História Nova.
Petrópolis: Vozes, 1986.
39

2. INTELECTUAIS, PRODUÇÃO CULTURAL E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA


CULTURA: PENSAR A SOCIOLOGIA DOS INTELECTUAIS

Uma série de dificuldades teórico-metodológicas se interpõem quando o


fenômeno dos intelectuais é colocado como objeto de pesquisa. Pode-se levantar uma
difusa – e às vezes confusa – variedade de perspectivas, conceitos, instrumentos
metodológicos e ênfases que podem ser tanto quantitativas quanto qualitativas.
Desta vasta paisagem de abordagens distintas, o eixo de nossa leitura é a
contribuição do crítico inglês Raymond Williams para este campo de estudos.
Tomando-a de forma não exclusiva, buscamos cotejá-la com outras contribuições do
campo para aferir possibilidades, alcances e limites. Se para Gérard LECLERC o
campo da sociologia dos intelectuais “constitui antes um programa, um projeto, do que
uma especialidade claramente definida” (2004, p. 10), o objetivo que buscamos com
este debate é identificar como os aportes teóricos do materialismo cultural de Williams
pode colaborar para uma possível definição deste programa de estudos.
Esta perspectiva está na esteira dos estudos já mencionados de Marcelo
Ridenti e Rodrigo Czajka, pesquisadores que vem explorando as possibilidades da
teoria marxista da cultura elaborada por Williams para analisar o cenário cultural,
político e intelectual brasileiro do século XX – com ênfase nas décadas de 1950, 1960
e 1970. No entanto, esta exposição expressa a necessidade de uma tentativa de
estabelecer seus contornos, identificar as questões que mobiliza e como a operação
do crítico inglês contribui para visualizarmos uma possível direção para a pesquisa
sociológica sobre os intelectuais.
De antemão, observamos que para WILLIAMS a sociologia dos intelectuais
ocupa um espaço no interior da sociologia da cultura e, se esta preocupa-se com “os
processos sociais de toda a produção cultural” (1992, p. 29), a abordagem do
fenômeno dos intelectuais se dá como o estudo de um tipo especial de formação social
cuja atividade está relacionada à organização social da cultura (Ibidem, p. 30-31).
Segundo o autor, a sociologia da cultura opera através do que denominou como uma
“moderna convergência”:

uma tentativa de reelaborar, a partir de determinado conjunto de interesses,


aquelas ideias gerais, sociais e sociológicas, nas quais foi possível conceber
a comunicação, a linguagem e a arte como processos sociais marginais e
periféricos ou, quando muito, como secundários e derivados (1992, p. 10).
40

O que significa dizer que, ao tomar como objeto o fenômeno dos intelectuais,
as supostas bem estabelecidas fronteiras disciplinares perdem seu vigor e ganha
força a postura de se recorrer, sem prejuízo à análise, às contribuições de outros
campos do saber.
A reflexão sobre o estatuto do intelectual, o significado desta figura social, do
seu papel, de sua atividade e de suas relações, aponta questões importantes para
pensarmos a perspectiva de Williams. Neste sentido, parte das dificuldades referidas
acima residem no caráter vago e problemático do termo “intelectuais” e o recurso ao
histórico do termo no Caso Dreyfus parece indicar também a origem destas
dificuldades.
Conforme Leclerc, o surgimento do termo remonta ao polêmico Caso Dreyfus
ocorrido no ano de 1894 na França, onde um oficial judeu, o capitão Alfred Dreyfus,
foi condenado à deportação perpétua por alegadamente ter entregue documentos
oficiais à embaixada da Alemanha. No ano de 1896, o novo comandante chefe do
serviço de informações descobre que Dreyfus era inocente, porém o exército busca
abafar o caso. Constituem-se assim dois campos, de um lado os defensores de
Dreyfus, os “dreyfusistas”, republicanos, antimilitaristas, socialistas, reunidos da Liga
dos Direitos do Homem; de outro lado, os “antidreyfusistas”, nacionalistas, anti-
semitas e clericais reunidos na Liga da Pátria Francesa. Em janeiro de 1898 o ilustre
escritor Émile Zola publicou a carta J’accuse onde toma a defesa de Dreyfus. Se no
mesmo mês Georges Clemenceau referiu-se ao grupo de personalidades que
subscreveu a carta de Zola como o “manifesto dos intelectuais”, foi Maurice Barrès,
antidreyfusista, que, utilizando o termo como um insulto, assegurou seu significado
histórico (LECLERC, 2004, p. 53-55):

Os “intelectuais” são esses professores de universidade, esses membros do


instituto, esses normalistas, esses escritores mais ou menos obscuros,
republicanos, de esquerda, socialistas, que, para obter a revisão de um
processo e reabilitar um indivíduo cuja culpabilidade é indiscutível aos olhos
de Barrès, estão dispostos a pôr em risco as instituições e os pilares da
sociedade. (...) Mas, embora se transforme de início em emblema de um
partido no seio de um conflito/debate ideológico e político, o termo
rapidamente adquire um sentido mais neutro, quase sociológico, e designa
em seguida uma categoria social nova. A partir desse momento, ele entra no
vocabulário das ideias, da cultura e da política (Ibidem, p. 54-55).
41

Em nossa leitura, esta concepção “dreyfusista” dos intelectuais como “homens


da negação” (Idem) traz consigo evidentes limitações para a pesquisa sociológica. A
primeira reside no fato de que a generalização de um conceito desta natureza perde
de vista as especificidades nacionais das histórias intelectuais (CHARTIER, 2002, p.
29-30). É possível ilustrar esta dificuldade através do problema da universidade.
Segundo LECLERC, “o intelectual é, de um ponto de vista histórico fatual, em primeiro
lugar um universitário” (2004, p. 42); a argumentação do autor acompanha o histórico
do Caso Dreyfus para demonstrar como o nascimento dos intelectuais está ligado ao
da universidade moderna, mais especificamente ao caso da Sorbonne, fundada em
1900 (Idem). Ora, se acompanharmos ainda que superficialmente as especificidades
da história intelectual brasileira no século XX, visualizaremos que um grande número
de indivíduos e grupos que poderíamos denominar como “intelectuais” – ainda com
Leclerc, no sentido de uma categoria que possui uma relação conflituosa com a classe
política e a classe econômica e que se coloca a tarefa de “pensar publicamente”
(Ibidem, p. 56) – sequer passou pelas cadeiras da universidade (mesmo em um
momento histórico em que já se encontravam proeminentes e consolidadas duas
grandes universidades como a Universidade de São Paulo (1934) e a Universidade
do Brasil (1920)). É o caso do próprio Sodré, cuja formação intelectual foi mediada
pela imprensa e pela caserna – como já nos referimos.
Além desta dificuldade, podemos identificar outra que reside na forma como
esta abordagem do fenômeno dos intelectuais como uma categoria social identificada
por uma espécie de atividade – Leclerc diria “profissional” (Ibidem, p. 61) – tipicamente
crítica, de viés progressista, potencialmente restringe o objeto deste campo de
estudos a somente um lado do espectro político. Desta forma, indivíduos e grupos
sociais que representam discursiva e publicamente os interesses das classes
dominantes não concorreriam no circuito do pensamento social, do cenário intelectual
e das diversas formas de embates e disputas que envolvem este “pensar
publicamente”? Se assim fosse, além da necessidade de utilizarmos outra
denominação, surgiria a necessidade da constituição de outro campo de estudos,
voltado exclusivamente para a análise dos representantes do pensamento
conservador. Não nos parece justificada esta operação – o que implica não só em
outra leitura do estatuto do intelectual, mas também na observação de alguns
trabalhos deste campo que beiram esta postura restritiva.
42

A obra A evolução política de Lukács: 1909-1929 de Michael Löwy, cujo título


original era Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: a evolução política
de Lukács,1909-1929, ocupa um espaço importante das reflexões marxistas sobre o
fenômeno dos intelectuais. O próprio trabalho já citado de Paulo Ribeiro da Cunha,
sobre a trajetória de Sodré, parte fundamentalmente das considerações
metodológicas formuladas nesta obra.
Acompanhando a reflexão de Löwy, nos deparamos com a seguinte definição:
“os intelectuais são uma categoria social definida por seu papel ideológico: eles são
os produtores diretos da esfera ideológica, os criadores de produtos ideológico-
culturais” (LÖWY, 1998, p. 25). Em sua perspectiva, há uma “cumplicidade
sociologicamente explicável” entre esta categoria social e uma classe social
específica, a pequena burguesia (Ibidem, p. 26) e, no trabalho de identificar estas
nuances, o autor acerta as contas com a ideia de intelligentsia “livremente flutuante”
de Karl Mannheim e Alfred Weber (Idem). Operando com o conceito marxiano de
“superestrutura ideológica” (Ibidem, p. 25), o autor procura compreender a
radicalização anticapitalista dos intelectuais a partir da ideia de “mediações ético-
culturais e político-morais” (Ibidem, p. 29), como uma forma de compreender as
relações que esta categoria social trava com a transformação capitalista do universo
de valores qualitativos que historicamente estivera relacionada, por sua extração
social pequeno-burguesa (Ibidem, p. 29-31). Atendendo as especificidades de seu
objeto – a trajetória não só de Lukács, mas de toda uma intelectualidade da Alemanha
e da Hungria que, vivendo o “traumatismo ético-cultural” da Primeira Guerra Mundial,
passa por uma radicalização anticapitalista que aproxima diversos grupos do
marxismo enquanto sistema teórico e, após a Revolução Russa de 1917, ao Partido
Comunista (Ibidem, p. 31-32) –, o trabalho de Löwy traz importantes considerações
para compreendermos as intrigantes afinidades sociológicas entre intelectuais e
anticapitalismo. No entanto, nos parece que o autor, ao enfatizar a relação entre a
intelligentsia e a pequena burguesia, insiste numa espécie de aproximação que busca
entender esta categoria social nos termos de uma tendência ao anticapitalismo, de
forma que, mesmo que com mais nuances, o estatuto do intelectual se transforma no
estatuto de um tipo de intelectual generalizado para os demais.
O trabalho de Edward Said intitulado Representações do Intelectual: as
Conferências Reith de 1993 também retrata as dificuldades de se trabalhar com esta
(in)definição. Inicialmente o autor descreve o intelectual como “um indivíduo dotado
43

de uma vocação para representar, dar corpo e articular uma mensagem, um ponto de
vista, uma atitude, filosofia ou opinião para (e também por) um público” (SAID, 2005,
p. 25) para, em seguida, referir-se da seguinte forma:

No fundo, o intelectual, no sentido que dou à palavra, não é nem um


pacificador nem um criador de consensos, mas alguém que empenha todo o
seu ser no senso crítico, na recusa em aceitar fórmulas fáceis ou clichês
prontos, ou confirmações afáveis, sempre tão conciliadoras sobre o que os
poderosos ou convencionais têm a dizer e sobre o que fazem. Não apenas
relutando de modo passivo, mas desejando ativamente dizer isso em público
(Ibidem, p. 35-36).

Atento às especificidades nacionais, o autor reitera ao longo de seu trabalho


esta leitura do intelectual como representante do “sofrimento coletivo do seu próprio
povo” (Ibidem, p. 53) e, beirando uma compreensão mannheimiana, preconiza que a
figura ideal do intelectual é a do intelectual que vive a “condição do exilado” (Ibidem,
p. 60-61), no sentido de um estado permanente de desassossego e suspeição em
relação às “armadilhas da acomodação e do bem-estar nacional” (Idem). Em trecho
que evidencia os limites da definição proposta pelo autor, sustenta:

Um intelectual é como um náufrago que, de certo modo, aprende a viver com


a terra, não nela; ou seja, não como Robinson Crusoé, cujo objetivo é
colonizar sua pequena ilha, mas como Marco Polo, cujo sentido do
maravilhoso nunca o abandona e que é um eterno viajante, um hóspede
temporário, não um parasita, conquistador ou invasor (Ibidem, p. 67).

Em outro âmbito de produção acadêmica, as pesquisadoras Elide Rugai


Bastos e Walquiria Leão Rego no artigo A moralidade do compromisso – trabalho que
também norteou as reflexões de Paulo Ribeiro da Cunha em seu estudo sobre a
trajetória de Sodré – propuseram uma concepção de “orientação normativa”
(BASTOS; REGO, 1999, p. 9) que busca analisar o estatuto dos intelectuais como
“sujeitos morais”, concentrando-se, portanto, na análise dos “imperativos éticos que
norteiam a atividade intelectual” (Ibidem, p. 10). No entanto, se as autoras destacaram
o dilema intelectual da “distância crítica e envolvimento com a sociedade em que vive”
(Ibidem, p. 8) também findam por circunscrever a atividade intelectual à tarefa da
crítica: “Sua postura básica em relação às estruturas de poder deve pautar-se pela
utilização da “razão vigilante e desconfiada” das razões do poder.” (Ibidem, p. 10).
Assim, o intelectual emerge como uma figura social moderna cujo papel é o “perene
inconformismo e luta incessante para transcender o existente” (Ibidem, p. 11) e
44

novamente as tentativas de se compreender o estatuto do intelectual, sua atividade,


seu papel, suas relações, dão origem a um plano de estudo em que seu objeto se
restringe a um típico intelectual crítico.
Aparentemente esta preocupação parece não ser movida pelo nosso objeto
de estudo, entretanto, compreendemos que estes limites apontam para questões
fundamentais dos debates sobre este importante campo de estudos; referindo-se ao
nosso problema metodológico, consideramos que o recurso ao trabalho de Williams
pode nos ajudar a equacionar estas questões de formas distintas.

2.1 Intelectuais como produtores culturais: a contribuição de Raymond Williams

Num esforço de sistematização, consideramos – de forma não exaustiva –


que a questão dos intelectuais na obra de Williams emerge em três entradas: a da sua
atividade em relação à organização social da cultura; a dos grupos culturais; e a das
práticas culturais, na forma em que aparecem no seu conceito de “estrutura de
sentimento”. Separadas analiticamente para o nosso propósito, é necessário lembrar
que estas entradas devem sempre ser pensadas de forma articulada, não
representando noções sem relação entre si.
A primeira entrada que identificamos nos possibilita verificar a forma como
Williams compreende a própria noção de intelectual e as dificuldades oriundas das
concepções de Antonio Gramsci e Karl Mannheim. Partindo de uma noção de cultura
como “sistema de significações realizado” (WILLIAMS, 1992, p. 206), o autor sustenta
que o estudo dos processos culturais deve estar atento ao caráter ativo de sua
realização, ou seja, que é preciso trabalhar com um sentido de cultura que permita o
estudo das práticas significativas que produzem, reproduzem e relacionam as
diversas instituições, formações, práticas e obras que lhe são pertinentes (Ibidem, p.
206-208). Neste roteiro teórico, o autor se depara com o problema de uma abordagem
empírica que marca os estudos sobre a organização social da cultura: a questão do
status social e da formação social dos intelectuais (Ibidem, p. 212-213).
Segundo Williams, o maior problema que esta abordagem sociológica
enfrenta é o da definição do termo, que é ilustrada desta forma:

A um exame mais cuidadoso, esta acaba sendo, em primeiro lugar, uma


enganosa especialização de um conjunto mais geral de produtores culturais
e, em segundo lugar, uma enganosa ampliação de um tipo de formação
45

cultural para uma categoria social geral. Pois a categoria “intelectuais”,


centrada tipicamente em certos tipos de escritores, filósofos e pensadores
sociais, mantendo relações importantes mas ambíguas com a ordem social e
suas classes, é, de fato, uma formação histórica muito específica, que não
pode ser tomada como exclusivamente representativa da organização social
dos produtores culturais (Ibidem, p. 213).

Assim, o autor amplia os termos de referência sociológica, permitindo-nos


abordar esta figura social como um tipo de produtor cultural que é marcado, como os
demais, por uma dupla especialização: como determinado tipo de trabalho cultural e
como relações específicas dentro de um sistema social organizado (Ibidem, p. 216).
Se a procura por uma “função” dos intelectuais se depara com o manuseio
especializado de ideias, na perspectiva williamsiana – que deve muito à leitura do
exercício da “função intelectual” de Gramsci – encontramos a “inteligência” envolvida
em todas as atividades sociais e produtivas:

(...) porque “ideias” e “conceitos” – as preocupações especializadas dos


“intelectuais” no sentido moderno – são tanto produzidos quanto reproduzidos
dentro da estrutura social e cultura global, por vezes diretamente como ideias
e conceitos, mas também, de modo mais amplo, na forma de instituições
modeladoras, relações sociais expressas, ocasiões religiosas e culturais,
modalidades de trabalho e desempenho: na verdade, no sistema de
significações como um todo e no sistema que ele exprime (Ibidem, p. 215).

Ainda, a particularidade desta atividade de produção cultural precisa ser


compreendida dentro das relações de subordinação e dominação que marcam os
sistemas sociais organizados enfatizando, no caso das sociedades contemporâneas,
tanto o grau de distância relativa ou autonomia relativa quanto os tipos de integração
destes produtores com os processos mais gerais de produção e reprodução social
(Ibidem, p. 216-219). A análise da segunda entrada que propomos pode tornar mais
palpáveis estas considerações.
No trabalho O Círculo de Bloomsbury, o autor traz importantes considerações
metodológicas sobre a análise de grupos culturais e, em nossa leitura, estas
considerações atendem diretamente as questões da sociologia dos intelectuais. A
despeito da marginalidade de seu estudo no campo da sociologia, WILLIAMS refere-
se à importância destes grupos como fundamental para a compreensão da história da
cultura moderna (2011, p. 202). Esta importância reside em dois pontos: “no que eles
realizaram e no que seus modos de realização podem nos contar sobre as sociedades
mais amplas com as quais eles mantêm relações incertas.” (Idem).
46

Investigando a formação do Círculo, o autor lança possíveis diretrizes para o


estudo de grupos culturais que partem, inicialmente, da problematização da
percepção que um dos integrantes do grupo, Leonard Woolf, expressou ao referir-se
ao grupo como um simples “grupo de amigos” (Ibidem, p. 202-203). Desta percepção,
que compreendemos no termo de uma autorrepresentação, o autor atenta para a
necessidade de: analisar os elementos aglutinadores que contribuíram para a
formação e distinção do grupo; e identificar se haviam elementos na maneira como os
integrantes se tornaram amigos que apontam para fatores sociais e culturais mais
amplos (Ibidem, p. 203). O ponto central deste tipo de análise é “investigar não apenas
as ideias e atividades manifestas, mas também as posições e ideias que estão
implícitas e mesmo tomadas como certas” (Idem), o que significa dizer que é um
procedimento que busca evidenciar o que ultrapassa as autorrepresentações
formuladas por seus integrantes e pelo grupo. Neste mesmo sentido, PASSIANI
destaca que parte fundamental da sociologia dos intelectuais reside neste papel de
questionar as “representações que os intelectuais constroem a respeito de si mesmos”
de forma que a tarefa de entender o que é e quem é o intelectual implica
necessariamente na investigação desta autorrepresentação (2018, p. 36).
Além desta questão fundamental, Williams destaca ao longo de sua análise a
necessidade da investigação sobre “o caráter das contribuições culturais, intelectuais
e artísticas de Bloomsbury dentro do contexto de sua formação sociológica específica
e de seu significado histórico” (WILLIAMS, 2011, p. 222). Desta forma, através de uma
análise comparativa e histórica do contexto em que ocorreu a experiência intelectual
do grupo, o autor combinou o estudo da origem e formação do grupo – inclusive
operacionalizando o conceito de “fração de classe” para compreender as relações
entre o grupo e as classes sociais (Ibidem, p. 213) – com a análise do impacto de sua
produção cultural na formação social inglesa.
A reflexão levada a cabo neste trabalho de Williams toca em outro ponto
importante de sua teoria da cultura, o tema das “formações culturais”, na forma em
que foi proposta em sua obra de título Cultura, já utilizada aqui para abordar a questão
da organização social da cultura. Com esta categoria, o autor busca apontar a
necessidade de lidarmos “não só com instituições gerais e suas relações típicas, mas
também com formas de organização e de auto-organização que parecem muito mais
próximas da produção cultural” (WILLIAMS, 1992, p. 57). Assim, mesmo que atento
47

às relações entre os âmbitos institucionais e formacionais (Ibidem, p. 35), o autor


alerta para o fato de que:

(...) se deduzirmos vinculações culturais significativas apenas do estudo das


instituições, correremos o risco de deixar escapar alguns casos importantes
em que a organização cultural não tiver sido, em qualquer de seus sentidos
comuns, institucional. De modo particular, podermos deixar escapar o
fenômeno muito surpreendente do “movimento” cultural, que tem sido tão
importante no período moderno (...) (Idem).

De acordo com esta interpretação, é na análise das relações internas de cada


formação singular e das relações externas entre as formações e a ordem social global
que podemos nos aproximar de uma adequada compreensão das relações materiais
de produção cultural enquanto prática significativa (Ibidem, p. 85). O que significa, em
nossa leitura, que para uma abordagem williamsiana do fenômeno dos intelectuais
como produtores culturais, é necessário atentarmos tanto para as relações de
produção cultural inscritas nestas duas dimensões (institucional e formacional) quanto
para a definição da experiência intelectual como uma experiência registrada na
dinâmica coletiva, dos grupos culturais. Logo, o estatuto intelectual remete
necessariamente à dimensão social de sua atividade, de seu papel, de sua
intervenção. Como observou LECLERC: “O intelectual isolado não existe. Ser um
intelectual é pertencer conscientemente e de alguma maneira à coletividade dos
pares: é ler os jornais, é estar a par dos debates, é fazer ouvir sua voz no “pequeno
mundo” dos intelectuais (...).” (2004, p. 73).
Tematizando os pormenores internos e externos que informam a constituição
e a atuação destes grupos, o autor aponta que é preciso analisar o caráter dinâmico
do conjunto de interesses e relações sociais que historicamente participam dos
processos de produção e organização da cultura; identificando as formas dinâmicas
que a produção cultural pode tomar, o autor distingue-as como “o residual, o
dominante e o emergente” (WILLIAMS, 1992, p. 201). Neste ponto, o autor auxilia a
compreensão das formas culturais dentro da dinâmica das mudanças sociais e
culturais pelas quais atravessam as sociedades. Se essas expressões podem referir-
se à práticas culturais (Ibidem, p. 202), elas também iluminam o campo de tensões
que se imprime nas tarefas de produção e reprodução cultural dentro de uma
organização social específica (Idem).
48

Cabe ainda notar que, abordando os limites do estudo das formações, o autor
observa que o seu estudo não pode prescindir da extensão de sua análise para a
história geral, “onde a ordem social como um todo e todas as suas classes e
formações podem ser adequadamente tomadas em consideração.” (Ibidem, p. 85). O
estudo das formações proporciona o levantamento de questões sociológicas e
históricas que podem ser levantadas para “sugerir novas áreas para pesquisa
pormenorizada” (Idem).
Como nos referimos, a última entrada de questões possíveis para se ler o
fenômeno dos intelectuais na perspectiva de Williams é através do seu conceito de
“estrutura de sentimento”. Segundo Maria Elisa Cevasco, o crítico inglês cunhou este
conceito no intuito de “descrever a relação dinâmica entre experiência, consciência e
linguagem, como formalizada e formante na arte, nas instituições e tradições”
(CEVASCO, 2001, p. 151). Relação dinâmica que é investigada através da inserção
da tensão entre passado e presente na experiência histórica da produção cultural
(WILLIAMS, 1979, p. 130-131). Portanto, propõe um tipo de enquadramento da
experiência social das práticas culturais que compreende-as na expressão vivida de
um processo de transformação:

O termo é difícil, mas “sentimento” é escolhido para ressaltar uma distinção


dos conceitos mais formais de “visão de mundo” ou “ideologia”. Não que
tenhamos apenas de ultrapassar crenças mantidas de maneira formal e
sistemática, embora tenhamos sempre de leva-las em conta, mas que
estamos interessados em significados e valores tal como são vividos e
sentidos ativamente, e as relações entre eles e as crenças formais ou
sistemáticas são, na prática, variáveis (inclusive historicamente variáveis) (...)
(Ibidem, p. 134).

Nesta elaboração, encontra-se uma tentativa de “descrever como nossas


práticas sociais e hábitos mentais se coordenam com as formas de produção e de
organização socioeconômica que as estruturam em termos do sentido que
consignamos à experiência do vivido” (CEVASCO, 2001, p. 97), portanto, rastreando
estas práticas, o autor refere-se a:

(...) elementos característicos do impulso, contenção e tom; elementos


especificamente afetivos da consciência e das relações, e não de sentimento
em contraposição ao pensamento, mas de pensamento tal como sentido e de
sentimento tal como pensado: a consciência prática de um tipo de presente,
numa continuidade viva e inter-relacionada (WILLIAMS, 1979, p. 134).
49

Desta forma, segundo CEVASCO, a operacionalização do conceito objetiva:

descrever a presença de elementos comuns em várias obras de arte do


mesmo período histórico que não podem ser descritos apenas formalmente,
ou parafraseados como afirmativas sobre o mundo: a estrutura de sentimento
é a articulação de uma resposta a mudanças determinadas na organização
social (2001, p. 153).

Assim, ainda que os produtores culturais vivam a experiência da produção de


forma idiossincrática, é numa fase posterior que os elementos que compõem essa
estrutura de sentimento podem ser identificados e examinados (WILLIAMS, 1979, p.
134).
Conjugados, estes três pontos de emergência do tema dos intelectuais na
obra de Williams, apontam para uma compreensão que, como buscamos demonstrar,
avança sobre os limites e dificuldades das definições estreitas do conceito de
intelectuais e aponta para a inserção do debate sobre o fenômeno dos intelectuais no
âmbito mais amplo das relações de produção material da cultura como sistema de
significações realizado. Com este procedimento, podemos tomar esta formação social
não mais em seu suposto isolamento, mas nas especificidades de sua atividade
cultural e na forma como colaboram ativamente para a produção e reprodução cultural
no âmbito de uma ordem social e historicamente determinada. Ainda, podemos ajustar
as lentes para pensar o aspecto coletivo e social de seu estatuto, examinando suas
produções e intervenções no plano da experiência social e histórica vivida e
expressada nos elementos que enformam suas práticas significativas. Tomando estas
práticas significativas a partir da tensão entre representação e autorrepresentação
nelas inscritas, a análise cultural dos grupos culturais pode colaborar na tarefa de
evidenciar o significado histórico e sociológico de sua atividade.
Procurando contemplar essas disposições teórico-metodológicas, nossa
intenção com o recurso ao termo “relações intelectuais” neste trabalho aponta para o
estudo de uma dimensão das práticas dos produtores culturais, dimensão esta que
refere-se: às relações entre os produtores em si; à participação destes em formações
e instituições; às formas de interação entre estes grupos e instituições; às
aproximações e distanciamentos entre si, que revelam intenções e interesses
permeados de contradições, ambiguidades e conflitos; entre outros elementos e
questões que podem ser identificados com este tipo de abordagem que poderia ser
denominada como “externalista” (PONTES, 1997, p. 4).
50

Assim, procederemos à análise de uma aplicação concreta de parte deste


cabedal metodológico na forma como foi operacionalizada por Marcelo Ridenti;
referimo-nos ao conceito de brasilidade revolucionária como uma estrutura de
sentimento presente na formação social brasileira das décadas de 1950 e 1960. Esta
abordagem nos permitirá posteriormente analisar e tensionar os aspectos da
constituição do grupo de intelectuais que produziu a CHN com a hipótese proposta
por Ridenti.

2.2 O cenário político-cultural das décadas de 1950 e 1960 como desafio


interpretativo: a formação de uma brasilidade revolucionária

Como já nos referimos, o quadro histórico e social em que insere-se o objeto


de nossa pesquisa é o período identificado como a vaga democrática aberta pela
Constituição Federal de 1946 até o golpe civil-militar de 1964. São muitos os episódios
e as transformações pelas quais o país passou nesse período, deixando marcas
profundas em nossa história cultural e política. Assim como este período é repleto de
fenômenos de complexa compreensão, as interpretações sobre tais fenômenos
trazem consigo tais dificuldades – e, ao seu tempo e no período posterior, já sob o
julgo dos militares, expressam as nuances e refluxos pelos quais passaram seus
intérpretes.
Período de grande efervescência cultural e política, como já notado
extensamente por vasta produção bibliográfica,4 as experiências singulares e os
grupos sociais que compuseram este cenário demandam contínuo trabalho
investigativo devido tanto à sua riqueza – sempre recolocada pela quantidade de
informações e documentos novos que são identificados pelo incessante trabalho de
pesquisa – quanto à diversidade de perspectivas a que podem ser submetidas.
O cenário intelectual do período imediatamente posterior ao golpe assistiu,
não calado, à montagem de uma interpretação que, oriunda de debates realizados
ainda nas décadas de 50 e 60, ganhou vigor e amplitude nos meios intelectuais
universitários de meados da década de 60 em diante. Tratava-se da tese do

4 Não cabe aqui listar a amplitude e diversidade desses estudos, mas para ilustrar, em parte, essa
afirmação, consulte-se os ricos trabalhos e debates apresentados no segundo volume da coleção As
Esquerdas no Brasil organizada por Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis: FERREIRA, Jorge; REIS,
Daniel Aarão (orgs.). Nacionalismo e reformismo radical (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007. (As Esquerdas no Brasil; v.2).
51

“populismo” no Brasil, designação que recaiu sobre a experiência política anterior ao


golpe que, para um de seus autores, indicaria o seu colapso.
Como sustenta Jorge FERREIRA, o fracasso da experiência política do
interregno de 1945 à 1964 e o impacto do golpe sobre a intelectualidade podem ser
fatores que explicam a emergência, em forma acadêmica, da categoria explicativa do
“populismo” (2010a, p. 9). Se na década de 50 havia uma breve formulação teórica
circulando – por parte tanto de integrantes do Instituto Brasileiro de Economia,
Sociologia e Política (IBESP), especialmente Hélio Jaguaribe e Alberto Guerreiro
Ramos, quanto pelos trabalhos de Azis Simão e Florestan Fernandes em São Paulo
–, é na década de 60 que ela emergirá com as dimensões que serão desenvolvidas
ao longo da década de 70 (FERREIRA, 2010b, p. 70-74; GOMES, 2010, p. 27). Assim,
Angela de Castro GOMES sustenta que neste período o fenômeno do populismo
passa a integrar a nova agenda de investigações que visa compreender as razões do
golpe de 1964 (Idem). Além disso, recebe também uma periodização: “Ela [a
experiência populista] tem início em 1930, quando eclode o movimento militar liderado
por Vargas, e se conclui em 1964, quando do movimento militar que depõe João
Goulart. Desta forma, tanto o tema quanto o período se transformam num imperativo
de pesquisa na área das ciências sociais.” (Ibidem, p. 27-28).
Milton LAHUERTA observa que neste período consolida-se, na “cultura
uspiana”, uma leitura crítica da cultura política nacional-popular das tradições das
esquerdas do pré-golpe e,

Ao longo dos anos setenta, tal interpretação difunde-se e ganha solidez entre
aqueles intelectuais que, por permanecerem concentrados na vida
acadêmica, mantinham-se distantes da atividade política direta. São
exatamente esses intelectuais, que não têm uma participação política direta,
que levam às últimas consequências, do ponto de vista intelectual, a crítica
ao nacionalismo e o questionamento do populismo (2001, p. 86-86).

Assim, no seio dos meios universitários, mais precisamente da USP, o


recenseamento crítico realizado através do conceito de “populismo” constituiu uma
agenda de produções acadêmico-intelectuais e esteve nas bases do campo de
investigação do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), fundado em
1969 e, posteriormente, do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC),
fundado em 1975 (Ibidem, p. 91-92; SWAKO, ARAUJO, 2019, p.475).
52

Observando o “tom combativo dos textos”, Gomes verifica que a montagem


desta reflexão se deu em um momento de crise no pensamento das ciências sociais
onde, além de uma revisão das interpretações até então compartilhadas, procede-se
a uma ênfase privilegiada nos atores políticos do pré-golpe (GOMES, 2010, p. 31).
Bernardo SORJ identifica no período o desfecho da polêmica que girava em torno da
USP e do ISEB e que pode ser pensado como um episódio decisivo do
desenvolvimento das ciências sociais no Brasil (2001, p. 26). Analisando a década de
70, LAHUERTA sustenta que, nesta renovação temática e teórico-metodológica
(2001, p. 63), podemos verificar que o grupo que se articulou no entorno de Florestan
Fernandes e da “Escola de Sociologia da USP” nas décadas de 50 e 60 desdobrou-
se no grupo que formou o CEBRAP e que em seguida delineou as formas de atuação
política nos anos 80 (lembrando que, CEBRAP e CEDEC, foram os centros de
aglutinação política e intelectual de onde partiram boa parte das linhas de força que
enformaram a fundação, respectivamente, do Partido da Social Democracia Brasileira
e do Partido dos Trabalhadores, principais partidos do cenário político nacional desde
a redemocratização) (Ibidem, p. 91-92).
Em nossa leitura, o tom combativo, crítico e por vezes pejorativo das
interpretações baseadas na tese do “populismo” em relação às experiências do pré-
golpe carregam consigo os sintomas da configuração de um novo cenário intelectual,
já predominantemente universitário, e expressa o clima das disputas que se gestaram
no interior das esquerdas ao longo da ditadura.
Portanto, interessa sugerir que, para além dos eventuais méritos que esta
agenda interpretativa de fato tenha alcançado em termos de pesquisa, é possível
expandir e até mesmo compreender o significado histórico e cultural da experiência
do pré-golpe partindo não só de outras matrizes teóricas, mas também da própria
análise crítica destes trabalhos, tomando não somente seu conteúdo, mas os limites
evidentes que a ênfase na tese do “populismo” demonstrou possuir.
Exemplificando estes limites, o trabalho de Miliandre GARCIA (2004) sobre o
Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) nos ajuda
a ilustrar este percurso. Abordando o tema da produção artístico-cultural do CPC da
UNE, a autora atenta para o fato de que parte das pesquisas que tomaram este tema
como objeto estiveram na esteira da reflexão de Ianni e Weffort sobre a relação entre
populismo e nacionalismo e endossaram uma leitura monolítica da produção do CPC
como ramificação destes fenômenos (Ibidem, p. 128). Tocando na origem da
53

montagem destas leituras, portanto, das preocupações ligadas às análises dos


autores citados, a autora sustenta:

Portanto, qualquer atitude interpretada por esses autores como resquício de


uma suposta inércia do PCB em particular e da esquerda em geral, diante
das mudanças estruturais da sociedade, foi questionada. E as revisões,
sobretudo as dos anos 80, pautaram-se por essa necessidade de revisar o
passado político da história recente do Brasil. Foi quando o CPC, vinculado
ideologicamente ao PCB e ao Instituto de Estudos Superiores - ISEB, passou
a ser alvo — no campo da cultura e da política — de inúmeras críticas
relacionadas à opção adotada por seus ativistas. E é nesse processo de
transformação pelo qual passou a sociedade brasileira que os debates, as
divergências e as contradições internas do CPC foram desconsiderados
(Idem).

Para compreender a produção cultural cepecista, Garcia tensiona estas


leituras a partir da problematização das relações entre o “manifesto do CPC”, escrito
por Carlos Estevam Martins em 1962, e a produção artística do período – relação esta
que é generalizada unilateralmente pelas perspectivas analisadas criticamente pela
autora. Nesta operação, observa:

O “manifesto do CPC”, comumente analisado como síntese da produção


artístico-cultural da época, é entendido como uma espécie de ponto de
referência e não como projeto cultural e que foi reproduzido, assimilado e,
sobretudo, contestado pelos principais artistas e intelectuais que se
dispuseram a pensar, pressupondo sua prática, políticas culturais para o CPC
(Ibidem, p. 154).

Atentando para estas premissas, foram várias as nuances analisadas pela


autora como: o rompimento de Oduvaldo Vianna Filho, um dos fundadores do CPC,
com o Teatro de Arena (Ibidem, p. 132); os pormenores da organização interna do
CPC e as mudanças pelas quais essa organização passou de sua fundação em 1961
até sua extinção em 1964 (Ibidem, p. 133); as dissidências no interior da UNE e seus
efeitos sobre os CPCs (Ibidem, p. 135); entre outras. Rompendo com a trama teórica
do “populismo”, GARCIA pôde observar que “o “produto” artístico gerado nos anos 60
– entendido como resultado da interação entre produção (artista, tema e tecnologia),
divulgação (mecanismos mercadológicos) e recepção (público) — não pode ser
analisado tão somente como reflexo das formulações teóricas acerca das definições
de “cultura” e “arte popular” empreendidas pelos artistas e intelectuais do CPC.”
(Ibidem, p. 152-153). De certa forma, esta operação criticada pela autora se repete
54

nos trabalhos sobre as demais experiências político-culturais do período inspirados


nesta matriz teórico-metodológica.
Colocando em questão diretamente os elementos trazidos pelo nosso objeto,
nos parece que a reflexão sobre o ISEB é tão central quanto necessária no que tange
à urgência de trabalhos que lancem outro viés interpretativo sobre a experiência
isebiana. Cabe, portanto, analisar e identificar alguns dos limites encontrados nos
trabalhos clássicos sobre a trajetória da instituição e de seus intelectuais para
observarmos a pertinência teórico-metodológica do trabalho de Ridenti e quais os
debates que estão sendo realizados através de sua proposta interpretativa.
São três os trabalhos que abordaremos conjuntamente neste ponto,
selecionados pela notoriedade e destaque que alcançaram entre os trabalhos sobre
os meios intelectuais brasileiros e as experiências do pré-golpe. São eles: ISEB:
fábrica de ideologias de Caio Navarro de Toledo, apresentado como tese de
doutorado na Faculdade de Assis em 1974 e publicado em 1977; Ideologia da cultura
brasileira: pontos de partida para uma revisão histórica de Carlos Guilherme Mota,
tese de livre-docência apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo no ano de 1975 e publicada em 1977; e Os
intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação do sociólogo francês Daniel
Pécaut, publicado em 1990 – pode-se sustentar, certamente, uma série de
advertências sobre a disparidade entre esse último trabalho e os dois primeiros, no
entanto, acreditamos que, por conta do constante recurso à essa interpretação por
parte dos pesquisadores da intelectualidade brasileira, faz-se obrigatório analisa-lo no
que diz respeito ao nosso recorte. Desde já, tematizaremos as obras citadas tendo
em vista o caso particular de nosso trabalho e argumentação, portanto, não
abordaremos extensamente os comentadores e “críticos da crítica” que já sustentaram
valiosos debates e argumentos diante de tais interpretações.5
O trabalho de Caio Navarro de Toledo toma o Instituto a partir de sua produção
intelectual, tendo analisado o “pensamento isebiano” nas formulações teóricas dos
“isebianos históricos” Hélio Jaguaribe, Alberto Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto,
Cândido Mendes e Nelson Werneck Sodré, mais precisamente na dimensão do que o
autor identificou como a “ideologia do desenvolvimento” (TOLEDO, 1977, p. 32). De
acordo com o autor, tendo a ideologia como “apanágio da Instituição” (Ibidem, p. 17),

5 Para tanto, consulte-se os trabalhos de BARIANI JUNIOR (2005), de MOTTA (2000), de PEREIRA
(1998) e de OLIVEIRA FILHO (2000).
55

o ISEB se propôs “a constituir ou lançar as bases de um “pensamento brasileiro”


(autêntico ou não-alienado) através de um projeto teórico-ideológico de natureza
totalizante onde confluiriam disciplinas e ciências diversas” (Idem). Esta “ideologia-
síntese” (Idem), enquanto uma proposta de fato concretizada, seria uma amostra
exemplar da “ideologização da produção teórica” (Ibidem, p. 18).
Concentrando sua análise no que denominou como segunda fase da vida do
ISEB, a “encampação” juscelinista” (Ibidem, p. 186), o autor introduz seu trabalho
deixando claro que o exame da conjuntura política, econômica, social e ideológica das
décadas de 50 e 60 não estão no horizonte de sua pesquisa (Ibidem, p. 18) e que as
publicações do campo da economia editadas pelo ISEB não foram levadas em conta
(Ibidem, p. 19). É preciso notar que, tomando como suposto – o termo é do autor
(Ibidem, p. 18) – o quadro conjuntural, TOLEDO prontamente refere-se aos
obrigatórios trabalhos de Fernando Henrique Cardoso, Francisco de Oliveira, Octávio
Ianni, Francisco Correa Weffort, Paul Singer, entre outros, para citar as análises
críticas do período (Ibidem, p. 25).
Em uma leitura característica das análises sobre a intelectualidade do
período, o autor enfoca o tema da relação entre o Instituto e o Estado, mais
precisamente na forma do Governo de Juscelino Kubitschek, procurando demonstrar
a subordinação do primeiro diante do segundo através da “perspectiva oficial” (Ibidem,
p. 31-34). A tarefa de se compreender criticamente a realidade brasileira, inscrita no
regulamento da Instituição (Ibidem, p. 32), se transforma em “fazer do ISEB um núcleo
que assessore, apoie e sustente a política econômica definida no Plano de Metas do
Governo Juscelino Kubitschek” (Ibidem, p. 33) e as suspeições em torno do termo
“ideologia” passam pela “relativa autonomia” da Instituição, a “permissividade
ideológica” (Ibidem, p. 34) do Estado Desenvolvimentista. Segundo o autor, nesta fase
teria surgido a necessidade de “forjar uma ideologia que promova e incentive o
desenvolvimento” (Ibidem, p. 35), em cuja tarefa Sodré não teria participado (Idem) e
os economistas estariam fora do horizonte, sendo que estes teriam supostamente
realizado “trabalhos solitários” (Ibidem, p. 19). Existem algumas dificuldades na
sustentação do autor sobre a existência de um “pensamento isebiano” onde, ainda
que exceptuando-se elementos importantes de seus quadros intelectuais, o autor
identifica uma série de divergências tanto na forma como os “restantes” compreendem
esta tarefa político-ideológica apresentada pelo autor quanto como diagnosticam a
realidade brasileira e seus desafios no período juscelinista. Ainda assim, é peça
56

fundamental de sua argumentação a existência deste “pensamento isebiano” com


feições monolíticas e unilineares.
Em léxico semelhante, Carlos Guilherme Mota em sua “história das
ideologias” (1977, p. 18) toma a formação do cenário intelectual da década de 1950
como a consolidação de um sistema ideológico nacionalista – em que um dos marcos
referenciais é a “produção do ISEB” (Ibidem, p. 156) – “onde as ideias de “consciência
nacional”, “aspirações nacionais”, “cultura brasileira” e “cultura nacional” constituíram
os fulcros de linhas de pensamento suficientemente fortes para mascarar quase todos
os diagnósticos sobre a realidade brasileira” (Ibidem, p. 156-157). No caso do ISEB,
o autor toma como amostragem o pensamento de dois de seus “ideólogos”,
expressões deste “caldo ideológico” (Ibidem, p. 164): Hélio Jaguaribe e Roland
Corbisier. Legado do ISEB, Corbisier e outros isebianos teriam nutrido de ideologia
“as ciências sociais entre nós, ao ponto de, em determinada fase, não se saber onde
terminava uma, onde começava outra” (Ibidem, p. 169).
Sodré, que foi tão atacado nesta obra ao ponto de dirigi-lo uma resposta tão
contundente quanto o ataque (SODRÉ, 1985), mereceu neste capítulo da obra uma
nota dedicada à sua participação no ISEB enquanto representante da “vertente
marxista-populista: um ideólogo marcado antes pela ideologia da “consciência
nacional” que pelas teorias sobre as classes e sobre a consciência de classe” (MOTA,
1977, p. 166). As mesmas vênias não foram dedicadas aos demais autores abordados
do mesmo período, radicais assépticos responsáveis pela desintegração deste “caldo
ideológico mistificador”: Antonio Candido, Raymundo Faoro e Florestan Fernandes. É
interessante notar que, se Corbisier é tomado como ideólogo (e os demais adjetivos
que o autor lhe imputa) por sua forma de pensar a “cultura brasileira” em termos de
alienação através da aproximação com o tema do colonialismo com clara inspiração
existencialista, Faoro é condecorado com o mérito de “escapar” do “equívoco
nacionalista” apesar de sua interpretação sobre a frustração do aparecimento de uma
“genuína cultura brasileira” (Ibidem p. 179-181). O trecho a seguir sintetiza parte de
sua compreensão sobre a intelectualidade séptica do período:

Mesmo as propostas do mecanismo werneckeano, que laboravam no


equívoco nacionalista, carreavam, com a ideologia genérica (não com a teoria
lastreada com pesquisas específicas) das lutas de classes, a falsa
consciência de se compor a Nação; com o auxílio da ideologia reformista
desse marxismo ortodoxo nacionalista, a esquerda se desviava das questões
57

essenciais de sua luta concreta, atrelando-se à ideologia do Estado Nacional


e do desenvolvimento (Ibidem, p. 180).

Inclusive, TOLEDO, ao identificar as características que fazem esse


pensamento tipicamente “isebiano”, assim as descreve: o escamoteamento “por
completo” da existência de outras ideologias que não a do “projeto da Nação” (1977,
p. 50); o elitismo populista de seus ideólogos, como o caso de Vieira Pinto,
““comprometido existencialmente” com as massas trabalhadoras” (Ibidem, p. 50-51);
a ausência do conceito de luta de classes (Ibidem, p. 51); a “falta da teoria rigorosa”
(Ibidem, p. 170); o endosso do “pensamento da classe hegemônica” (Idem); suas
“feições autoritárias” (Ibidem, p. 158); seu ““obscurecimento” da consciência de classe
das camadas dominadas” (Ibidem, p. 175). Justiça se faça às observações do autor:
“não cabe inculpar ou imputar ao ISEB a exclusiva responsabilidade por tais “desvios”
e descaminhos políticos” (Idem). Tão “responsáveis” quanto o Instituto, as “esquerdas
e proletários” também participaram ativamente do consumo e disseminação dos
estandartes do nacionalismo e do populismo.
Enfatizando igualmente as relações entre intelectuais e o Estado, a
interpretação de Daniel PÉCAUT encontra no getulismo o mito fundador de uma vida
política assentada no nacionalismo (1990, p. 99-100). Além disso, tempos de
desenvolvimentismo e de “nacional-populismo” (Ibidem, p. 102). No lado do “campo
nacionalista e popular”, seus intelectuais realizavam uma leitura da realidade onde
“figuras imaginárias e/ou ideológicas parecem substituir os protagonistas reais”
(Ibidem, p. 103). Acreditando ser hegemônica, a intelectualidade de esquerda
reivindicava a vocação para dirigir as mudanças políticas e, mais do que seus
“predecessores de direita de 1930 (...) inclinam-se decididamente para o “povo” e não
duvidam dos poderes da “ideologia”.” (Idem). É o caso do ISEB, segundo o autor:

Tudo o que pretendiam os “pensadores” do ISEB era formular o “sentimento


das massas”. (...) Esses mesmos intelectuais estavam decididos a ser
plenamente “ideólogos”. Com o termo “ideologia”, que então conhece uma
voga excepcional, não pretendiam referir-se a uma representação deformada
do real mas sim a uma força que possibilitasse a sua transformação. Os
pensadores do ISEB assumiram explicitamente a tarefa de inventar a
ideologia que iria presidir a “revolução brasileira”. (...) Entre o Estado e eles
mantinham-se muitas conivências, não só em razão das posições que o
Estado lhes oferecia e da legitimidade que, em troca, eles conferiam ao
Estado, mas também em virtude do efeito de ressonância produzido pelas
invocações populistas que lhes eram comuns e pelas pretensões comuns a
revelar o próprio movimento do real (Ibidem, p. 104-105).
58

Apesar das consonâncias entre as três análises, é interessante observar que,


se para Toledo é possível deixar de lado os “trabalhos solitários” dos economistas do
ISEB em sua análise por “praticamente” não haver motivos para incluí-los no
“pensamento isebiano”, em PÉCAUT o ISEB trata-se de “um núcleo de intelectuais
dispondo de um estatuto oficial e convidados pelo próprio poder senão para intervir
diretamente na gestão da política econômica, pelo menos para participar da
construção da nova legitimidade” (Ibidem, p. 110). O autor chega a sustentar que a
articulação entre o desenvolvimentismo e a ideologia no caso isebiano expressa uma
aproximação maior com a economia do que com a política, chegando a referir-se à
uma supressão da política (Ibidem, p. 137).
O autor considera que a intelectualidade isebiana manifestava um “sentimento
de onipotência” em suas intervenções, considerando o Instituto como uma
“condensação da opinião pública” onde “não se pode discutir sua contribuição à
“proliferação das ideias”: na verdade, foi a “ideologia” que seus membros pretenderam
reabilitar” (Ibidem, p. 114). Por fim, nas palavras de TOLEDO:

Valendo-se de conceitos herdeiros do discurso antropológico, tal como a


alienação (assumindo no interior daquelas análises uma significação
ideológica e não a de conceito teórico explicativo), não conseguiu a maioria
dos autores do ISEB dar conta rigorosamente da situação concreta do
subdesenvolvimento capitalista brasileiro. Por outro lado, presos a ideologias
de cunho humanista, nada mais fizeram do que reproduzir uma certa euforia
desenvolvimentista que contagia ponderável parcela da intelectualidade
latino-americana – em particular, muitos cientistas sociais – durante a década
de 50 (1977, p. 182).

Populista, ideólogo, nacional-populista, nacional-marxista, nacional-


desenvolvimentista, pós-desenvolvimentista, reformista, entre outros termos, todos de
fato refletem um esforço interpretativo e classificatório voltado para as experiências
político-culturais do pré-golpe. No entanto, o que podemos ver com esta exposição é
um constante fechamento das possibilidades interpretativas, demasiado circulares e
unidimensionais, que enfatizaram especialmente a relação entre a intelectualidade e
o Estado – seja na forma juscelinista, seja na forma janguista, comumente não se
referindo ao período janista – e, por estes evidentes limites, demandam do trabalho
dos pesquisadores uma postura se não mais generosa para com o período, mais
reflexiva para pensar outros percursos, outras entradas.
Parafraseando Garcia, no raciocínio já exposto sobre o CPC, a organização
social da cultura e a produção cultural gerada nos anos 50 e 60 – entendidos no
59

sentido williamsiano já exposto — não podem ser analisadas tão somente como
reflexo das relações entre produtores e Estado, enfatizando a capitulação daqueles
por este; ou reflexo das formulações teóricas acerca das definições de “ideologia”,
“realidade nacional” e “desenvolvimento” formuladas pelos núcleos intelectuais do
período; ou como derivação quase necessária dos supostos erros políticos das
esquerdas. Como alternativa a tais narrativas, acreditamos que o ISEB pode ser visto
como uma instituição cultural oriunda de um processo de integração e articulação
entre intelectuais do Rio de Janeiro e de São Paulo – portanto pertencentes a
agrupamentos intelectuais e extrações sociais distintas – cuja equação que operava
como fator aglutinador era a preocupação teórica e política com os “problemas
brasileiros” na forma que se apresentavam em seu momento histórico. Em sua fase
pré-institucional, foi notadamente uma formação cultural no sentido williamsiano, fruto
da auto-organização de um grupo de intelectuais que, para além das reuniões no
Parque Nacional de Itatiaia, produziu uma intervenção pública simbolizada pela edição
dos Cadernos do Nosso Tempo.
Além do importante estudo de seus horizontes intelectuais na forma de sua
produção teórica, nos parece que se faz necessário abordar a produção do período
tendo em vista sua realização, seus modos de realização, o alcance de suas atuações,
na especificidade de suas formações e instituições culturais, no campo de tensões
que se constitui no seu interior, na dinâmica das mudanças sociais e culturais
investigadas em seus fatores sociais mais amplos; tomando, portanto, a produção
cultural do período como um campo fundamental para se entender as análises e
disputas sobre o Brasil contemporâneo.
É neste quadro de preocupações que surge nosso recurso ao conceito de
brasilidade revolucionária forjado por Marcelo Ridenti. Tendo sido definido na obra
Brasilidade revolucionária: um século de cultura e política, publicada no ano de 2010,
o conceito acompanha o fio condutor das interpretações anteriores do autor sobre a
produção cultural das décadas de 50 e 60, precisamente através do conceito de
romantismo revolucionário, derivado da obra de Michael LÖWY e Robert SAYRE
(2015).
Nesta leitura, o autor observa que a formação de uma brasilidade, de um
imaginário da nacionalidade própria do Brasil (RIDENTI, 2010, p. 9), pode ser
encontrada em elementos do século XIX, mas se desenvolveu no pensamento social
brasileiro a partir dos anos 1930 “de formas distintas e variadas à direita, à esquerda,
60

conservadoras, progressistas, ideológicas ou utópicas” (Idem). Toma em seu trabalho


a experiência da vertente identificada com ideias, partidos e movimentos de esquerda
(Ibidem, p. 10), portanto revolucionária, na medida em que trata-se de uma vertente
que aposta na possibilidade de uma “revolução brasileira, nacional-democrática ou
socialista” (Idem):

Essa brasilidade revolucionária, como criação coletiva, viria a definir-se com


mais clareza a partir dos final dos anos 1950, ganhando esplendor na década
seguinte, seguido de seu declínio. Ela envolveria o compartilhamento de
ideias e sentimentos de que estava em andamento uma revolução, em cujo
devir artistas e intelectuais teriam um papel expressivo, pela necessidade de
conhecer o Brasil e de aproximar-se de seu povo (Idem).

Inserindo-a num processo de longa duração, o autor compreende-a como


resultado de uma construção coletiva realizada por uma diversidade de agentes
sociais ao longo do processo de modernização da sociedade brasileira (Idem). Esta
construção, entretanto, é vista a partir do conceito williamsiano de estrutura de
sentimento, ou seja, só pode ser visualizada a posteriori, identificada e examinada
historicamente através de seu estudo como uma “articulação de uma resposta a
mudanças determinadas na organização social” (CEVASCO, 2001, p. 153). De acordo
com RIDENTI:

O caráter de experiência viva que o conceito de estrutura de sentimento tenta


apreender faz com que essa estrutura nem sempre seja perceptível para os
artistas no momento em que a constituem. Torna-se clara, no entanto, com a
passagem do tempo que a consolida – e também ultrapassa, transforma e
supera (2010, p. 86).

A mobilização deste conceito por Ridenti busca compreender a formação de


um imaginário crítico nos meios culturais da década de 1960, assim como seus
desdobramentos ao longo das décadas seguintes (Ibidem, p. 85). A riqueza desta
hipótese cultural reside na capacidade de identificar e problematizar o
compartilhamento de ideias e sentimentos por artistas e intelectuais como expressado
em suas intervenções, na relação entre essa “consciência prática de um tipo de
presente” (WILLIAMS, 1979, p. 134) com os fatores mais amplos de nossa
organização social e na possibilidade de revelar e tensionar analiticamente as
relações entre produtores culturais dentro de um marco social.
Assim, se os termos brasilidade e revolução se conjugam, é para dar sentido
ao engajamento experimentado por estes produtores dentro do que acreditavam
61

assinalar-se como a anunciação de uma “revolução brasileira” (RIDENTI, 2010, p. 87).


Porém, a análise do autor também remete à outra dimensão importante desta
conjugação, o romantismo revolucionário presente em suas expressões. Recorrendo
à leitura de Löwy e Sayre, o autor pôde referir-se à forma como estas construíram sua
visão crítica da realidade brasileira também através da recuperação do passado e na
contramão da modernidade (Ibidem, p. 88):

Valorizava-se acima de tudo a vontade de transformação, a ação para mudar


a História e para construir o homem novo, como propunha Che Guevara,
recuperando o jovem Marx. Mas o modelo para esse homem novo estava,
paradoxalmente, no passado, na idealização de um autêntico homem do
povo, com raízes culturais, do interior, do “coração do Brasil”, supostamente
não contaminado pela modernidade urbana capitalista (Idem).

Recuperar o passado e romper com o subdesenvolvimento, entretanto, não


significaria a construção de utopias passadistas, mas sim progressistas: “(...)
implicava o paradoxo de buscar no passado (nas raízes populares nacionais) as bases
para construir o futuro de uma revolução nacional modernizante que, ao final do
processo, poderia romper as fronteiras do capitalismo” (Ibidem, p. 88-89). Assim, esta
estrutura de sentimento da brasilidade romântico revolucionária procura dar conta,
metodologicamente, do desafio interpretativo colocado aos pesquisadores pelas
experiências de construção de uma identidade nacional política e cultural nas décadas
de 1950 e 1960; ainda, tal recurso teórico-metodológico, ao nosso ver, também reflete
a urgência, sentida por uma nova geração de pesquisadores brasileiros, de se criar
interpretações alternativas às leituras críticas realizadas sobre o período nas décadas
de 1970 e 1980, já referidas acima.6
Acompanhando esta argumentação, o autor demonstra que, além da
identificação daqueles elementos comuns compartilhados no âmbito da produção
cultural, o conceito de estrutura de sentimento nos auxilia a pensar as relações sociais
que a realizam. No caso, se esquivando das leituras que enfatizam linearmente as
relações entre intelectuais e Estado, o autor detecta que os produtores culturais do
pré-golpe tinham relações ambíguas com a ordem estabelecida, principalmente com
o Governo de João Goulart (Ibidem, p. 89). Esta operação compreende não só a
necessidade de se investigar as manifestações artísticas e intelectuais do período

6 Acreditamos que parte das intenções deste esforço interpretativo estão inscritas e sintetizadas no
artigo Cultura e política brasileira: enterrar os anos 60? (RIDENTI, 2003, p. 197-212).
62

para além da esfera estatal ou da influência das orientações do PCB ou do ISEB, mas
também de refletirmos sobre estas ambiguidades, estas relações complexas e
incertas que se estabelecem no campo da produção cultural, especialmente mais ricas
do que leituras que circunscrevam-nas à mero epifenômeno de relações estruturais
pressupostas.
É o caso, por exemplo, da leitura que Ridenti realiza sobre as relações entre
artistas e intelectuais com o PCB buscando uma alternativa às leituras limitantes que
tomam ou a militância dos primeiros como “parte de um desejo de transformar seu
saber em poder” (Ibidem, p. 57) ou a relação entre estes e os dirigentes comunistas
como mera manipulação dos primeiros pelos últimos (Idem). Se com RUBIM podemos
visualizar que a “organização do campo cultural e, em especial, dos intelectuais pode
ser considerada uma das mais permanentes e nítidas iniciativas dos comunistas”
(2007, p. 427), a perspectiva de RIDENTI permite-nos compreender – nas vicissitudes
da história do PCB desde 1947, quando foi colocado novamente na ilegalidade, até o
golpe de 1964 – que a relação entre estes produtores culturais e o partido não eram
de mão única (2010, p. 61):

Mais importante ainda, cabe realçar outro lado da questão: para além da
condição “ornamental” a que eram submetidos, havia contrapartidas que
mantinham intelectuais e artistas na órbita partidária, apesar de tudo. Em
suma, não se deve caricaturar a ação cultural do partido nos anos 1950,
significativa em áreas como o teatro, o cinema, as artes plásticas, a
arquitetura, a imprensa, a literatura, o ensaísmo, a educação popular etc. As
mudanças no PCB dos anos 1960 – que contribuíram para o florescimento
cultural e político brasileiro na época – vinham sendo lentamente maturadas
no período em que ainda prevalecia o stalinismo (Idem).

Portanto, como tais relações ambíguas e de “mão dupla” se estabelecem


nestes diversos cenários de produção cultural, é o estudo de cada caso particular que
permite-nos visualizar seus modos de realização e seus significados – e, conseguinte,
como estes podem nos ajudar a compreender as organizações sociais mais amplas
com as quais estabeleceram relações, para utilizar o léxico williamsiano.
Ainda, mais do que uma resposta à circunstâncias sociais exclusivamente
nacionais, a emergência deste imaginário relacionava-se com o impacto de
fenômenos de ordem internacional que demonstram o tom das lutas políticas do
período:
63

No plano internacional, foram vitoriosas ou estavam em curso revoluções de


libertação nacional, algumas marcadas pelo ideário socialista e pelo papel
destacado dos trabalhadores do campo, por exemplo, a revolução cubana de
1959, a independência da Argélia em 1962 e outras, além da guerra anti-
imperialista em curso no Vietnã, lutas coloniais na África etc. O êxito militar
dessas revoluções é essencial para entender as lutas políticas e o imaginário
contestador nos anos 1960: havia exemplos vivos de povos
subdesenvolvidos que se rebelavam contra as potências mundiais,
construindo pela ação as circunstâncias históricas das quais deveria brotar o
homem novo (RIDENTI, 2014, p. 17).

A presença destes elementos na atmosfera dos anos 60 também comporta


um caráter diferencial, possuindo formas diversas e até mesmo opostas de expressão.
Sumariando alguns de seus representantes, o autor aponta para as realizações do
Cinema Novo, do Teatro de Arena, da canção engajada de Carlos Lyra e Sérgio
Ricardo e a atuação do CPC da UNE (RIDENTI, 2010, p. 90). Sinteticamente:

Os artistas engajados das classes médias urbanas identificavam-se com os


deserdados da terra, ainda no campo ou migrantes nas cidades, como
principal personificação do caráter do povo brasileiro, a quem seria preciso
ensinar a lutar politicamente. Propunha-se uma arte que colaborasse com a
desalienação das consciências. Recusava-se a ordem social instituída por
latifundiários, imperialistas e – no limite, em alguns casos – pelo capitalismo.
Compartilhava-se certo mal-estar pela suposta perda da humanidade,
acompanhado da nostalgia melancólica de uma comunidade mítica já não
existente, mas esse sentimento não se dissociava da empolgação com a
busca do que estava perdido, por intermédio da revolução brasileira. Pode-
se mesmo dizer que predominava a empolgação com o “novo”, com a
possibilidade de construir naquele momento o “país do futuro”, mesmo
remetendo a tradições do passado (Ibidem, p. 91).

Além do clima de “terceiro-mundismo” (Ibidem, p. 93), o autor ainda levanta


outra hipótese importante para a constituição de sua perspectiva: através da
interpretação sobre o modernismo e a modernidade proposta por Perry Anderson no
ensaio Modernidade e revolução (ANDERSON, 1986), Ridenti compreende que o
florescimento cultural e político dos anos 1960 emergiu nas coordenadas históricas
das sociedades que “ingressam em definitivo na modernidade urbana capitalista”
(RIDENTI, 2010, p. 102). No argumento de Anderson, o modernismo caracteriza-se:

1) pela resistência ao academicismo nas artes, intimamente ligado a aspectos


pré-capitalistas na cultura e na política, nas quais as classes aristocráticas e
latifundiárias dariam o tom; 2) pelas invenções industriais de impacto na vida
cotidiana, geradoras de esperanças libertárias no avanço tecnológico; e 3)
pela “proximidade imaginativa da revolução social”, fosse ela mais “genuína
e radicalmente capitalista” ou socialista (Ibidem, p. 103).
64

Em seguida, Ridenti apresenta o quadro destas coordenadas na atmosfera


político-cultural do final da década de 1950 até o final da década de 1960:

(...) era significativa a luta contra o poder remanescente das oligarquias rurais
e suas manifestações políticas e culturais; havia um otimismo modernizador
com o salto na industrialização a partir do governo Kubitschek, sem contar o
imaginário da revolução brasileira – fosse ela democrático-burguesa (de
libertação nacional) ou socialista –, impulsionado pelos movimentos sociais
de então (Idem).

Logo, pode-se perceber que na construção do conceito de brasilidade


revolucionária cooperam recursos teóricos distintos, todos apontando para uma leitura
que Ridenti realizou instaurando uma nova via de compreensão das experiências
político-culturais das décadas de 1950 e 1960. Se nesta proposta o autor foi capaz de
constituir um importante e abrangente panorama destas experiências, a análise dos
quadros particulares a partir destas referências pode nos permitir compreender, num
típico exercício sociológico, o particular dentro do geral, os grupos e instituições
culturais em suas relações com a organização social, identificando as práticas
culturais dentro desta experiência vivida, cuja análise é proporcionada pela
abordagem williamsiana. É observando este roteiro que procuramos analisar a
realização da Coleção História Nova e o que esta pode revelar através da abordagem
das relações intelectuais que viabilizaram-na, tanto das relações e dos modos de
produção cultural que colaboraram para a construção desta brasilidade revolucionária
quanto dos sentidos, das marcas de ritmo e intenção que se inscreveram na atuação
e na formação heterogênea da esquerdas no pré-golpe.
65

3. O GENERAL, A JUVENTUDE E A HISTÓRIA: A REALIZAÇÃO DA COLEÇÃO


HISTÓRIA NOVA

“Os livros didáticos de História são comprovadamente


inadequados, pois neles o passado nada tem a ver
com o presente, o Brasil pouquíssimas vezes tem a
ver com o mundo, o enfoque meramente político
impede o arrolamento de camadas e ações decisivas
de nosso povo.” (SANTOS, et al., 1964, p. 3)

Trabalhamos até esta etapa do trabalho com uma caracterização voltada para
preparar uma leitura da realização da Coleção História Nova que colocasse-a em
perspectiva distinta das já trabalhadas e demonstradas em nosso primeiro capítulo.
Parte importante de nosso roteiro analítico é a dimensão do significado de sua
realização na conjuntura do pré-golpe. Analisaremos este plano neste momento para,
em seguida, abordar os aspectos da formação do grupo e como sua atividade pode
revelar elementos mais amplos repercutidos no cenário intelectual do período. As
fontes principais deste último capítulo serão os depoimentos dados por seus autores
em determinadas ocasiões e os documentos presentes em IPMs (especificamente da
História Nova e dos Generais da Reserva), fontes essenciais, mas certamente não
exaustivas, para examinarmos suas relações intelectuais.
Importante relembrar a exposição que realizamos no início deste trabalho, de
que a CHN foi um projeto realizado através de uma trama institucional entre o ISEB,
a FNFi, o MEC e o PCB. Identificamos estes pontos de contato ao visualizar os
vínculos de suas personagens: Nelson Werneck Sodré, então professor e chefe do
Departamento de História do ISEB; Roberto Pontual, diretor da CASES (Campanha
de Assistência ao Estudante), órgão ligado ao MEC, na época chefiado pelo Ministro
Paulo de Tarso Santos; os estudantes do curso de História da FNFi, Joel Rufino dos
Santos, Maurício Martins de Mello e Rubem César Fernandes, e os professores
recém-formados pela mesma instituição e diretores do seu Boletim de História, Pedro
Celso Uchôa Cavalcanti Neto e Pedro de Alcântara Figueira; da parte do PCB a
literatura sobre a CHN considera sua influência através da forma como imantava as
lutas do movimento estudantil e na sua importância como fator integrador na formação
do grupo.
Ao dispor seus suportes institucionais desta forma, podemos partir para uma
leitura que tensione as ambiguidades que marcam as relações entre produtores
66

culturais e os âmbitos institucionais e formacionais em que participam dos processos


de produção e reprodução cultural, constituindo o espaço da organização social da
cultura. Tendo em mente estas ambiguidades, colocamos em questão o caráter das
práticas culturais refletindo sobre os fatores de integração, mas também de distância
relativa que se revela na atividade dos produtores culturais. É crucial ressaltar ainda
que o conceito de estrutura de sentimento refere-se mais ao conteúdo das práticas
culturais do que às relações que às constituem, como já nos referimos. Portanto,
cientes destas dificuldades, nossa orientação metodológica insiste na possibilidade
de explorarmos questões de natureza relacional a partir da leitura de Ridenti do
conceito williamsiano.
Mesmo não tocando diretamente nos aspectos do conteúdo inscrito na
coleção, a ênfase dada pelo conceito de estrutura de sentimento às experiências
sociais das práticas culturais para além das crenças mantidas de maneira formal e
sistemática – as ideologias e as visões de mundo – nos permite analisar e descrever
estas práticas no campo de tensões das relações variáveis que se articulam na
experiência vivida de elaborar uma resposta às mudanças da organização social
através da produção cultural. Em suma, tal direção nos auxilia, por exemplo, a não
simplificar as relações e os sentidos que envolvem a produção da CHN ou considerar
estas dimensões como supostas por seus vínculos institucionais. Abordaremos ao
longo desta etapa a forma como algumas leituras sobre sua realização acentuaram
estes vínculos, descrevendo-os de forma linear e contígua às determinações mais
gerais e sistemáticas que marcam estas instituições, apesar de determinadas
referências alertarem para estas ambiguidades, como demonstraremos.
Ainda, uma leitura que parte da dimensão de suas relações intelectuais nos
possibilita dar importância para determinados aspectos dos depoimentos e
documentos sobre a CHN que apontam para fatores que ultrapassam seu projeto e
informam-nos sobre aspectos da trajetória de Sodré e dos demais autores, iluminando
nuances da articulação e rearticulação das esquerdas nos cenários do pré-golpe e do
pós-golpe. A riqueza do episódio da coleção pode ser então analisada de forma que
descobrem-se novos apontamentos para pesquisas pormenorizadas.

3.1 A CHN em suas coordenadas institucionais: lacunas e impasses para se


caracterizar suas relações intelectuais
67

Como já sustentamos no primeiro capítulo, parte significativa da literatura


sobre a CHN aborda-a a partir de sua dimensão educacional. Tais leituras
acompanham, de forma mais próxima ou mais distante, a caracterização realizada
pela pesquisadora e professora Sueli Guadelupe de Lima Mendonça em sua
dissertação A experiência da história nova: uma tentativa de revisão crítica do ensino
de história no Brasil nos anos 60, publicada em 1990. Importante trabalho sobre o
assunto, além de resgatar factualmente a realização do projeto a autora também teve
a oportunidade de entrevistar parte de seus autores. Sintetizando sua leitura,
MENDONÇA enfatiza a dimensão militante da realização da CHN, acompanhando sua
idealização e realização em consonância política às reformas de base (1990, p. 34).
São muitos os méritos deste plano de trabalho, tendo constatado uma série de
informações relevantes sobre a constituição do grupo e sua atuação.
De acordo com a autora, ao analisar a dimensão institucional da viabilização
do projeto da CHN através do MEC, as metas da pasta do ministro Paulo de Tarso
Santos (que desempenhou sua função de 18 de junho de 1963 até 21 de outubro do
mesmo ano) foram: a alfabetização de adultos; a expansão dos ginásios
profissionalizantes; a elaboração de um projeto de criar uma “Universidade do
Trabalho” no ABC paulista; e o combate às revistas em quadrinhos, que na época
eram em sua grande maioria norte-americanas (Ibidem, p. 19-20). Mesmo entendendo
a educação como um dos fatores para o desenvolvimento nacional, cuja
responsabilidade social passava inclusive pela formação de quadros voltados para as
demais reformas (Ibidem, p. 21), o ministro não teve envolvimento com o projeto da
CHN:

Apesar da não participação direta do Ministro nesse convênio e também de


não ter feito a leitura dos volumes da HISTÓRIA NOVA, ele afirma que tal
projeto se enquadrava perfeitamente bem dentro do espírito da equipe
dirigente do MEC. Pontual levou à frente o projeto porque o clima de mudança
e a influência jovem dos estudantes dominavam o Ministério, favorecendo
experiências dessa natureza (Ibidem, p. 22).

Entrevistando Cesar Guimarães, que fora assessor de Roberto Pontual, a


pesquisadora obteve a seguinte resposta:

Roberto Pontual veio assumir a Divisão de Educação Extra-Escolar, com


muita afinidade com o MEC, com o novo Ministro desse período do Governo
Goulart, Paulo de Tarso. Ele se manteve nessa Divisão e uma das diretrizes
do Ministério era apoiar as atividades de natureza cultural e atividades do
68

movimento estudantil. Basicamente o MEC tinha interesse em continuar


aquela política, que financiaria a coleção HISTÓRIA NOVA inteira e coisa
similar, que viessem a ser propostas (Idem).

É interessante observar que Helena Bomeny compreende a agenda


educacional do governo João Goulart em três pontos: “a discussão apaixonada com
relação à escola pública; os programas de alfabetização de adultos pelos movimentos
sociais; e a questão dos “excedentes” – o grande problema do ingresso ao ensino
superior.” (BOMENY, 2015). Ainda, outra pesquisadora da área da história da
educação, Márcia Helena Amâncio, abordando a realização do I Plano Nacional de
Educação (1963-1970) através da trajetória do educador Anísio Teixeira, demonstrou
que no âmbito do planejamento educacional, as preocupações passavam pelo acesso
à educação, ou seja, pela ampliação do número de vagas, desde o ensino primário
até o superior (AMÂNCIO, 2017, p. 160-165). Dessa forma, a elaboração do Plano
esteve muito voltada à situação demográfica e social do Brasil e ao programa
econômico do Governo Goulart (Ibidem, p. 160). Ainda, a garantia do direito à
educação pública que o planejamento buscava assegurar teve como expressivo
exemplo a luta pela alfabetização através da atuação de Paulo Freire (Ibidem, p. 179-
180).
Estas leituras podem indicar, em nossa compreensão, para um outro modo de
entender esta relação institucional com o MEC. Se as preocupações ministeriais
estavam voltadas mais diretamente para esses outros planos mencionados e não
tanto para a formação de professores ou para a reforma do ensino na forma de uma
renovação dos compêndios didáticos – como pode se entrever em alguns dos
aspectos da CHN –, nos parece que a viabilização deste projeto estava muito mais
relacionado à influência dos estudantes no interior do MEC, elemento apontado em
outra circunstância por MENDONÇA (2011, p. 332). A própria CASES era ligada à
Divisão de Educação Extra-Escolar (DEEE) e, em suas atribuições, financiava as
atividades da UNE e do ISEB (Ibidem, p. 340). A participação da juventude nesses
órgãos acompanhou a intensificação da participação política marcada pelas Reformas
de Base e pode ser exemplificada pela própria trajetória de Roberto Pontual, que
então, diretor da CASES, era ainda um estudante do 2º ano do curso de Direito
(INQUÉRITO Policial Militar nº 481, 1966a, p. 28-29 – Anexo C). Portanto, talvez fosse
mais o caso de uma ressonância política marcada pelo compartilhamento destes
valores na experiência social destas práticas – em termos, de uma ressonância
69

inscrita numa estrutura de sentimento, mais precisamente, da brasilidade


revolucionária – do que a subsunção da CHN ao plano das reformas do governo de
Goulart.
Esta ressonância política pode ser observada no período do pré-golpe através
da emergência de novos atores e projetos na cena política e cultural do país (CZAJKA,
2009, p. 119). A politização decorrente destes processos se fazia notar nas intenções
de se constituir um projeto de transformação carreado pelas noções de “nacional”,
“popular”, “autenticidade” (Idem), entre outras, que compõem, na linguagem, os
valores e sentimentos desta estrutura de sentimento, desta brasilidade revolucionária.
Em documento que consta no IPM da História Nova, assinado por Roberto Pontual e
dirigido ao Ministro Júlio Furquim Sambaqui (de 21 de outubro de 1963 até 31 de
março de 1964), que assumiu a pasta de Paulo de Tarso após seu pedido de
demissão, nota-se a expressa utilização desta terminologia para afirmar a pertinência
da CHN no plano institucional do MEC:

No momento em que todo o País começa a despertar para os seus problemas


de caráter realmente estrutural e quando amplas camadas de nosso povo se
organizam para remover os entraves que obstaculizam o seu pleno
desenvolvimento, torna-se de fundamental importância o conhecimento
autêntico de como o processo histórico brasileiro veio se desenrolando, do
Descobrimento até os nossos dias.” (INQUÉRITO Policial Militar nº 481,
1966b, p. 1192 – Anexo G)

MENDONÇA apontou os elementos do programa de reformas de Jango:

(...) o primeiro programa de governo de Goulart, aprovado pelo Congresso


Nacional, baseou-se nas reformas sociais e no desenvolvimento industrial:
reforma agrária, reajuste salarial, regularização da remessa de lucros para o
exterior, legislação antitruste, desenvolvimento industrial, reforma bancária,
fiscal e monetária para melhorar os níveis educacionais e de analfabetismo.
(MENDONÇA, 2011, p. 328-329).

A própria leitura da autora observa a ausência de uma política educacional


clara no período e que uma instabilidade política afetou gravemente o Ministério:
durante o governo Goulart o MEC teve seis ministros (Ibidem, p. 331). Ainda assim:

A História Nova foi mais militante do que acadêmica, mais política do que
pedagógica. Atendeu ao clamor das reformas de base do governo Goulart e
vislumbrou, por intermédio das monografias – distribuídas por correio a todos
os professores de História do Brasil –, o início de uma concretização de
reforma educacional, uma das muitas reivindicadas pelos movimentos
sociais. (Ibidem, p. 341)
70

Nos parece plausível relativizar este nexo entre a CHN e as reformas, visando
também compreender suas intenções, seu ritmo e suas inquietações a partir de outros
aportes. Como observado pela leitura de outras pesquisadoras sobre o conteúdo das
reformas de base no campo da educação, estas estavam muito mais ligadas às pautas
do Plano Nacional de Alfabetização, iniciativa em que ficou marcada a intervenção do
trabalho do educador Paulo Freire na história da educação brasileira, ou à questão
dos “excedentes”, ponto sensível da pauta da Reforma Universitária. A dimensão
militante e política da coleção talvez se relacionasse muito mais à articulação de seu
projeto com os processos de organização cultural que marcaram a produção cultural
do período do que direta e imediatamente com o “clamor das reformas”.
A pesquisadora lê a “ameaça” representada pela CHN diante da oposição
reacionária, tanto na campanha da imprensa quanto na forma como se expressou na
proibição de sua circulação e na perseguição de seus autores, como a “concretização
de uma reforma educacional na área de história” (MENDONÇA, 1990, p. 35): “Esse
fato tem um significado político muito importante, pois se o governo possui condições
de realizar uma reforma – e o faz – na educação, o mesmo poderia ocorrer nas demais
reformas de base.” (Idem). A dimensão militante da CHN é também entendida nas
atividades realizadas nos sindicatos, grêmios estudantis e associações de bairros
(Ibidem, p. 35).
A comparação realizada pela autora entre a CHN e os compêndios didáticos
a leva a considerar suas diferenças nos seguintes termos: relacionar a história do
Brasil à história internacional; romper com a história política que enfatiza somente a
ação de heróis isolados; e estabelecer a relação entre presente e passado, apontando
a necessidade de se buscar soluções para os problemas contemporâneos (Ibidem, p.
63-64). Neste último ponto é importante acrescentar: esta última preocupação não se
trata somente do resultado da ruptura com a historiografia oficial; a busca dessas
soluções não é uma busca genérica ou abstrata, é uma busca mediada pelas lutas
políticas do período e por seu cenário político-intelectual de forma mais ampla. A
última sentença do volume 7 da coleção expõe esta mediação, referindo-se ao quadro
da abolição da escravidão:

Estes e outros problemas foram adiados para os nossos dias, quando se


colocam soluções como as reformas de base. A luta que se travava pela
emancipação nacional, pela emancipação do trabalho, era feita
71

desordenadamente, contando apenas com alguns defensores isolados.


Ainda não nos libertamos do subdesenvolvimento, do analfabetismo, da
miséria, porque ainda permanecem as mesmas causas: o latifúndio e a
exploração do país pelo capital estrangeiro. Há, entretanto, no momento
atual, uma diferença fundamental que é a luta das forças mais representativas
do povo brasileiro pelas reformas de base e contra a situação de submissão
ao capital estrangeiro. Esta é a grande diferença e só ela faz crer que as
forças do progresso sairão vencedoras (SANTOS, et al., 1964, p. 72-73).

Analisando a bibliografia sobre a CHN, é possível argumentar que as leituras


já realizadas acabam por tratar a dimensão intelectual da realização da CHN como
pressuposta, não tendo esta recebido o aprofundamento que poderia resultar em
outras possibilidades interpretativas ou até mesmo no encontro de informações
importantes sobre como a formação do grupo e de seu projeto se relacionam com
fatores diversos da organização social na qual surgiu. O trabalho de CARDOSO teve
como objeto abordar o seu conteúdo em relação aos compêndios didáticos do período
e ao pensamento de Sodré, Caio Prado Júnior e Celso Furtado (2019). Entrevistando
um de seus autores, Rubem César Fernandes, identificou-se, por exemplo, a
importância que teve a historiografia francesa para os participantes do Boletim de
História (CARDOSO, 2019, p. 334) – como já referido, publicação organizada pelo
Centro de História da Faculdade Nacional de Filosofia. Inclusive, elemento que já
havia sido identificado por João Alberto da Costa PINTO (2011a, p. 352) como
influência da perspectiva historiográfica da Escola dos Annales. Tendo ambos os
trabalhos estabelecidos uma importância muito grande do Boletim para a CHN,
nenhum deles procurou tensionar as possíveis contradições entre esta aludida
influência da historiografia francesa e os contornos marxistas da coleção reconhecidos
por outros, como Joel Rufino dos Santos (SANTOS, et. al., 1993, p. 20). Segundo
PINTO, a questão da renovação historiográfica era um elemento caro à atuação do
Boletim:

No Boletim de História, Pedro Celso Uchôa Cavalcanti Neto publicou um


artigo – “Perspectivas atuais para uma historiografia brasileira autêntica” –
que sintetizava muito bem as demandas político-intelectuais dos estudantes
naquele momento. Nesse texto, o ainda estudante da FNFi afirmava a
seguinte tese: “no contexto social presente, muito há de nosso passado,
recente ou longínquo. Pode-se, portanto, mergulhar nos problemas
brasileiros atuais e daí extrair premissas que possibilitem o começo do
trabalho histórico”. (...) Com tais termos, o autor sumariava os principais
temas que mobilizavam a intervenção do grupo de estudantes em torno do
Boletim de História e indicava também o sentido organizador apresentado
posteriormente no Projeto História Nova, isto é, propunha-se ao estudo da
história uma problematização do futuro possível, nas contradições e lutas do
presente, uma história efetivamente militante.” (2011a, p. 349).
72

O autor destaca ainda que estas inquietações estavam também impressas no


movimento estudantil e na plataforma pedagógica de suas preocupações.

Exemplo de significativa importância, de explicitação política de tais


demandas, foi a realização, na cidade do Rio de Janeiro, do Primeiro
Congresso de Professores de Ensino Médio Oficial do Estado da Guanabara
(julho de 1960). E, ainda no mês de julho, em São Paulo, realizou-se o
Primeiro Congresso Brasileiro de Universitários de História. Nesse contexto
de luta por um ensino renovado é que se gestou e se organizou a
necessidade estrutural de um projeto de reformas como as que haveriam de
sugerir o projeto da História Nova.” (Ibidem, p. 348)

A análise de PINTO constata que neste período o curso de História da FNFi


foi palco de severos embates entre os estudantes e parte de seus professores, assim
como entre os próprios professores. Embates que acompanhavam as tensões
políticas da conjuntura mais ampla, como, por exemplo, a atuação do catedrático
Eremildo Vianna que, entre outras, perseguia a oposição estudantil e, no contexto do
golpe, veio a participar junto do Comando de Caça aos Comunistas, com o apoio de
Carlos Lacerda, da ocupação da Rádio MEC, então dirigida pela professora Maria
Yedda Linhares (Ibidem, p. 351-352). Outra demonstração destes embates é o
parecer negativo emitido pelo professor Américo Jacobina Lacombe sobre os volumes
da CHN já no contexto do pós-golpe, publicado na Revista do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro, que foi utilizado como documento comprobatório da “subversão”
de seus realizadores nos IPMs do ISEB e da História Nova e utilizado para sustentar
juridicamente a prisão de seus autores (Ibidem, p. 351; no Anexo C deste trabalho,
encontra-se o relatório do IPM da História Nova, onde pode-se encontrar a referência
do encarregado do IPM a este professor e aos demais que assinaram tal parecer).
Refletindo sobre a questão do movimento estudantil, PINTO observa um
elemento importante das origens universitárias da CHN:

A questão do livro didático era um dos grandes problemas do movimento


estudantil brasileiro, e a FNFi era a instituição de ensino no Brasil que melhor
centralizou o sentido e as demandas políticas para a solução dele. Além
disso, também ali estavam alguns dos professores autores de livros didáticos,
de cunho positivista, livros que provocavam a ira estudantil pelas reformas
(Ibidem, p. 350).

No entanto, mesmo reconhecendo a centralidade destes embates, no entorno


da renovação historiográfica ou do ensino da história através da renovação dos
73

compêndios didáticos (Idem), resta uma lacuna sobre aquelas possíveis relações ou
tensões entre a influência da historiografia francesa e a influência de um pensamento
de cariz marxista via Sodré ou via PCB.
Segundo MENDONÇA, “a notícia de que Nelson Werneck Sodré estava
precisando de assistentes para um trabalho no Ministério da Educação chegou à
Faculdade Nacional de Filosofia via Partido Comunista, que influenciava
consideravelmente a base estudantil universitária.” (1990, p. 30). Em depoimento, Joel
Rufino dos Santos também suscitou a presença do partido nesta mediação:

É preciso dizer, também, que procurando os responsáveis pela HISTÓRIA


NOVA – vimos que já temos três – teve ainda um outro que foi a nossa
militância no Partido Comunista. Nós éramos estudantes de história e – não
me lembro se todos – pelo menos eu era membro do Partido Comunista.
Havia também no partido nessa época, uma preocupação muito grande em
compreender a história do Brasil de um ponto de vista marxista. Havia uma
preocupação geral dessa natureza e nós estávamos, talvez, melhor
preparados do que outros para trabalhar numa obra destinada ao professor
secundário (Ibidem, p. 32).

Em outra circunstância, Joel Rufino dos Santos ao ressaltar as nuances da


interpretação marxista de Sodré comentou sobre a sua influência no cenário estudantil
do pré-golpe:

Conheci Sodré em 1962, quando era estudante de história da Faculdade


Nacional de Filosofia da antiga Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Sua
influência era sensível – e motivo de ciúme, naturalmente, dos professores
acadêmicos – sobre o conjunto dos alunos de ciências sociais. Muito do que
líamos era porque “o Sodré recomendava” (SANTOS, 2011, p. 284).

Ainda, neste depoimento encontramos uma informação interessante para ser


trabalhada em outras oportunidades. Citando as preferências literárias de Sodré, o
autor que conviveu intensamente com o historiador entre 1962 e 1965, apontou uma
curiosidade que assinala sua influência na constituição do próprio mercado de
literatura latino-americana no Brasil na década de 1960:

Dentre os latino-americanos, preferia o cubano Alejo Carpentier, uma espécie


de guru dos que se seguiram, Garcia Marquez, Vargas Llosa, Carlos
Fuentes... A obra desses autores começou a ser publicada no Brasil na
década de 1960 e creio que Werneck Sodré, com influência sobre o editor
Ênio Silveira (Civilização Brasileira), tenha a ver com isso (Ibidem, p. 285).
74

Ainda sobre a presença comunista na FNFi, no documento Relatório do


General Manoel Mendes de Almeida, Anexo C deste trabalho, em suas páginas vinte
e um e vinte e três, encontramos que, neste IPM o encarregado utilizou o “Anexo 13”
do IPM da FNFi, depoimento de Joel Rufino dos Santos, para enquadrar todos os
jovens autores como “comunistas militantes” na forma de sua atuação no que está
denominado como “Organização de Base” da FNFi (INQUÉRITO..., 1966a). Por certo
que não podemos tomar imediatamente estas informações como fidedignas, pois
atravessada tanto pelo anticomunismo quanto pela montagem da peça persecutória e
incriminadora dos IPMs.
Em entrevista à Vanessa Clemente Cardoso, Maurício Martins de Mello
comentou sua participação e dos demais no movimento estudantil: “Era a época da
UNE, União Nacional dos Estudantes. Lá no Flamengo, tinha o Centro Popular de
Cultura, que produzia muita, muita cultura. Teve a Campanha de Alfabetização que
nós participamos.” (CARDOSO, 2019, p. 318). Questionado sobre a existência da
ideia de escrever a História Nova mesmo antes da entrada no ISEB, informação que
tensiona as leituras que identificam sua origem no Boletim da FNFi, o autor respondeu:

Não, não! Nós tínhamos uma crítica muito grande em relação à perspectiva
de História que era dominante no curso. Tínhamos professores muitos
tradicionais, Eremildo Viana, em suma, era muito tradicional, e nós víamos
que não correspondia com a realidade, e a nossa formação era marxista.
Então, era natural que nós lançássemos a nossa atenção para as questões
sociais (Ibidem, p. 319).

Ainda neste depoimento, a viagem de Maurício, Pedro Celso e Rubem César


para o exterior após o golpe teria sido viabilizada através da rede de relações
internacionais do PCB (Ibidem, p. 323). Rubem César em seu depoimento aponta
ainda que a origem do nome do grupo, “Alegria de Estudar”, remonta às tensões entre
as correntes no interior do movimento comunista. Referindo-se à “linha chinesa”:

Eles achavam um absurdo que diante de um momento revolucionário, que


nós nos trancássemos para estudar e escrever. Então, a nossa corrente, do
movimento estudantil, digamos, de esquerda, na época, nós, os italianos, a
nossa turminha, que acabou na época na História Nova, havia mais gente
mas... por exemplo, Élio Gaspari, que era jornalista, era dessa turma italiana,
mas nós que fomos trabalhar com o Sodré, nós criamos inclusive um pequeno
movimento chamado “Alegria de Estudar”, “Alegria de Estudar Pede
Passagem”, para sacanear os chineses. Então, era assim, a ideia de que a
ideia de estudar fosse fora de hora no ambiente revolucionário, havia essa
queixa do pessoal da esquerda.” (Ibidem, p. 336);
75

Referindo-se ao ritmo de estudo dos integrantes do grupo e à origem do nome


“Alegria de Estudar”, Pedro Celso Uchôa Cavalcanti Neto comentou na ocasião da
reedição da CHN em 1993: “O “Alegria de Estudar” era definido pelos maoístas então
de moda como grupo revisionista e pequeno-burguês. A dois de nós foi afirmado,
pessoalmente, que seríamos todos fuzilados após a revolução (deles) como traidores.
Estas coisas também faziam parte dos tempos...” (CAVALCANTI NETO, 1993, p. 58).
O autor ainda comenta a formação que tiveram no curso de História da FNFi e ressalta
a importância que a obra de Sodré, Caio Prado Júnior e Celso Furtado teve na
formação destes jovens estudantes de esquerda como “os nossos clássicos” (Ibidem,
p. 54):

Como estudantes da FNFi tivemos uma precaríssima formação acadêmica,


especialmente no que concerne ao aprendizado da História de nosso país. A
cadeira de História do Brasil era dirigida por um medíocre professor que nos
obrigava a memorizar para os exames os fatos mais irrelevantes, mas que
compunham a “sua” História do Brasil. Seu curso, de dois anos, era somente
seu livro: um catatau de événementiel sem importância. Hélio Viana, este o
seu nome, era uma pessoa correta, distinta mesmo, e monarquista. Sempre
senti vontade de gritar “Viva a República!” em uma de suas aulas, que
começavam e terminavam pontualmente, sem que por um instante sequer ele
interrompesse sua peroração. Em suma, um pequeno martírio... A
provocação mais prazerosa que fiz foi sentar-me na primeira fila no dia em
que Gagarin subiu no espaço, com o jornal escancaradamente aberto.
Deleitei-me com sua aparente irritação (Ibidem, p. 53).

Refletindo a intensa mobilização estudantil do período e evidenciando os


nexos entre esta e o campo de intenções da CHN, o autor relembrou que:
“Promovíamos intensa vida cultural e fomos pioneiros em organizar congressos
nacionais de Centros de Estudos de História, que começaram a proliferar por todas
as Universidades do Brasil. (...) À guisa de curiosidade histórica, posso dizer ser esta
a origem dos encontros nacionais de nossos dias. A iniciativa veio “de baixo”.” (Ibidem,
p. 55). Desta intensa atividade cultural desempenhada pelos estudantes, o autor
destaca que o fator geracional teve relevância no despertar da ira dos professores
catedráticos e na perseguição dos autores da CHN:

Afinal de contas, como é que “pirralhos”, alguns deles ainda não diplomados,
ousavam afrontar o establishment universitário? Esta “inveja” de nossas
múltiplas atividades precede a História Nova. E não era somente causada por
nós, apesar de termos sido, nós do Curso de História, mais ativos
culturalmente. Era o clima reinante em toda a FNFi, o espírito do estudantado
de toda uma geração (Ibidem, p. 56).
76

Joel Rufino dos Santos também ressalta este aspecto da produção cultural e
mobilização política do período numa passagem anedótica:

A gestão de Paulo de Tarso no Ministério da Educação e Cultura era jovem –


aplicávamos em nós próprios o título de uma peça em cartaz, Vitor, ou as
crianças no poder. Havia o PNA (Plano Nacional de Alfabetização), a CASES
(Campanha de Assistência ao Estudante), dirigida por Roberto Pontual e, às
vésperas do golpe, o CPC (Centro Popular de Cultura), os Cadernos do Povo
Brasileiro e a História Nova, de sucesso surpreendente naquele março de
1964. Essas ações foram concebidas, coordenadas e lideradas, quase sem
exceção, por pessoas de menos de trinta anos (SANTOS, 2005, p. 48-49).

Se, conforme o depoimento de Joel Rufino dos Santos sobre a atmosfera da


produção cultural do período relembrando frase do dramaturgo Nelson Rodrigues, “é
pecado não ser jovem no Brasil” (Ibidem, p. 49), Sodré ao relatar o andamento do IPM
do ISEB evidenciou que, após o golpe, “ser jovem” se tornava crime capital:

Em primeiro lugar, destacava-se o ódio ao operário: o crime inexpiável do


ISEB era o de ter ensinado a operários, ter feito conferências em sindicatos.
Outro crime abominado: ter ensinado a estudantes; o estudante era
qualificado como arruaceiro; os professores do ISEB, por extensão, como
preparadores de arruaceiros. Terceiro crime: ser jovem. Carga pesadíssima
recaía sobre os meus assistentes: eram jovens e, pela idade, não podiam –
salvo por “subversão” – lecionar em instituto de pós-graduação e ainda
menos a ser autores de livros que o Ministério da Educação e Cultura
apreciava e até pagava. Roberto Pontual não deveria ter sido nomeado para
o cargo que exercera por ser jovem (Ibidem, p. 68).

Cumpre notar também que, neste período, o ISEB dirigido pelo professor
Álvaro Vieira Pinto – que também era professor na FNFi –, enfrentou diversas
dificuldades:

Em primeiro lugar, estavam em evidência as dificuldades financeiras, pois o


Instituto ficou sem sua dotação orçamentária para o ano de 1961. Ele
conseguiu, junto ao ministro da Educação, recursos suficientes para fazer
frente ao pagamento dos salários dos funcionários. Além desses recursos,
teve que administrar uma instituição à míngua, o que acarretou, de imediato,
a suspensão do Curso Regular naquele ano. Em segundo lugar, as vitórias
eleitorais de Jânio Quadros e de Carlos Lacerda colocavam, na chefia dos
executivos federal e estadual, opositores do ISEB. Na campanha para a
presidência da República, os intelectuais do Instituto haviam manifestado sua
adesão ao Marechal Teixeira Lott, que foi derrotado. Por ter firmado posição
política explícita na campanha, os intelectuais colocaram sua instituição numa
situação delicada em virtude da derrota do candidato por eles apoiado. Essa
derrota, também, era deles, pois colocava em risco a continuidade das
atividades do Instituto num contexto em que vinha sofrendo campanha na
imprensa contra a orientação imprimida a ele por seus intelectuais
constituintes. O momento político, portanto, era bastante desfavorável à
77

continuidade das atividades do ISEB, o que gerava preocupações (...)


(PEREIRA, 2002, p. 200-201).

Para contornar este quadro crítico, a instituição recorreu à intensificação de


seus cursos extraordinários, dos seminários e das conferências avulsas, dentro e fora
da mansão da Rua das Palmeiras no bairro do Botafogo no Rio de Janeiro. O relato
de Pedro Celso sobre o estado em que se encontrava o Instituto na época da redação
da CHN é importante:

Após a posse de Jânio, o ISEB entrou em crise financeira, da qual nunca se


recuperou, mesmo no período de Jango. Preparava-se um apoio das estatais,
quando ocorreu o golpe de 1964. Toda a vasta bibliografia isebiana foi
publicada antes dos anos 60. O único livro que viu a luz posteriormente, os
dois volumes de Álvaro Vieira Pinto, intitulados Consciência e Realidade
Nacional, foram financiados pela Editora Civilização Brasileira, assim se
comentava então. Como consequência da ausência de recursos, o número
de professores, pesquisadores e funcionários era mínimo. Quase todos os
departamentos estavam parados (CAVALCANTI NETO, 1993, p. 51).

Além do recurso aos cursos extraordinários e às atividades fora da Instituição,


duas estratégias – que às vezes se confundem – foram mobilizadas por seus
integrantes, especialmente identificadas na atuação de dois dos “isebianos históricos”,
Álvaro Vieira Pinto e Nelson Werneck Sodré, que permaneceram até sua extinção em
1964: os convênios com editoras, como o caso da Civilização Brasileira (CZAJKA,
2009, p. 113), para contornar a redução drástica, por motivos financeiros, das
atividades do Serviço de Publicação do ISEB (PEREIRA, 2002, p. 200); e a formação
de grupos de jovens estudantes e professores para dar conta das atividades do
Instituto no cenário de isolamento político que a campanha da imprensa lhe impingia
(Idem; MENDONÇA, 2011, p. 336).
Ilustrando a primeira estratégia, a já citada coleção Cadernos do Povo
Brasileiro, oriunda de um convênio entre o ISEB e a editora Civilização Brasileira,
publicada entre 1962 e 1964, evidencia também a congregação das esquerdas na
conjuntura do pré-golpe e carregava, no projeto editorial, um formato voltado para sua
popularização, “de bolso”: “Os títulos e temas dos Cadernos revelam a expectativa
dos diretores dessa coleção: que as publicações fossem instrumentos para a elevação
da consciência popular, fornecendo subsídios para intervenção prática e teórica no
cenário político nacional.” (LOVATTO, 2011, p. 314-315).
Compõem a coleção Cadernos do Povo Brasileiro os seguintes títulos: Que
são as Ligas Camponesas? (Francisco Julião), Quem é o povo no Brasil? (Nelson
78

Werneck Sodré), Quem faz as leis no Brasil? (Osny Duarte Pereira), Porque os ricos
não fazem greve? (Álvaro Vieira Pinto), Quem dará o golpe no Brasil? (Wanderley
Guilherme), Quais são os inimigos do povo? (Theotônio Junior), Quem pode fazer a
revolução no Brasil? (Bolivar Costa), Como seria o Brasil socialista?, (Nestor de
Holanda), O que é a revolução brasileira? (Franklin de Oliveira), O que é a reforma
agrária? (Paulo R. Schilling), Vamos nacionalizar a indústria farmacêutica? (Maria
Augusta Tibiriça Miranda), Como atua o imperialismo iaque? (Sylvio Monteiro), Como
são feitas as greves no Brasil? (Jorge Miglioli), Como planejar nosso
desenvolvimento? (Helena Hoffman), A Igreja está com o povo? (Padre Aloísio
Guerra), De que morre nosso povo? (Aguinaldo N. Marques), Que É Imperialismo?
(Edward Bailby), Porque existem analfabetos no Brasil? (Sérgio Guerra Duarte),
Salário é causa de inflação? (João Pinheiro Neto), Como agem os grupos de pressão?
(Plínio de Abreu Ramos), Qual a política externa conveniente ao Brasil? (Vamireh
Chacon), Que foi o Tenentismo? (Virgínio Santa Rosa), Que é a Constituição? (Osny
Duarte Pereira); Desde quando somos nacionalistas? (Barbosa Lima Sobrinho),
Revolução e contra-revolução no Brasil (Franklin de Oliveira) (Idem).
Tomando a observação de CZAJKA, observamos que este convênio ainda
revela aspectos da experiência social destas práticas culturais, apontando o
compartilhamento de valores e sentimentos que informam a brasilidade revolucionária
do período:

As edições tinham claro objetivo de servir de veículo para a proposição de


projetos e de debate de ideias (entre intelectuais) que pudesse ser
acompanhada pela sociedade em geral; pois, como descreviam algumas de
suas contracapas “os grandes problemas do País são estudados nesta série
com clareza e sem qualquer sectarismo; seu objetivo principal é o de
informar. Somente quando bem informado é que o povo consegue
emancipar-se”. (2009, p. 117).

Parece ser também este o caso da CHN, cujo projeto editorial fui elaborado
em convênio com a CASES em edições de treze por dezenove centímetros em que,
além de serem distribuídas para os professores cadastrados no MEC, dentre os vinte
e quatro mil exemplares de sua primeira impressão, três mil e quatrocentos e vinte e
cinco livros foram destinados à comercialização em livrarias do Rio de Janeiro
(CARDOSO, 2019, p. 113):
79

O pedido de envio de novas remessas, em curto espaço de tempo, revela o


grande consumo das obras e aceitação do público leitor. Os documentos
apreendidos no IPM do ISEB evidenciam além da recepção da obra, o valor
de venda de cada volume, comercializados a Cr$ 250,00 (duzentos e
cinquenta cruzeiros). O inquérito também mostra que os valores conseguidos
com a venda dos volumes seriam destinados à Campanha de Assistência ao
Estudante. Além disso, ao contrário do que achávamos até o presente
momento, além da entrega gratuita a professores de História, os documentos
apresentam dados de que os volumes também foram comercializados e
entregues aos professores de Geografia (Ibidem, p. 114).

Jorge Miglioli, que foi assistente de Álvaro Vieira Pinto, também contribui com
seu relato para entendermos estas estratégias:

O novo ISEB demorou um tempo para se reestruturar. Nesse processo, Vieira


Pinto decidiu recorrer a gente mais jovem: contratou cinco estudantes recém-
graduados pela Faculdade Nacional de Filosofia, seus ex-alunos. Esse grupo
não constituía uma equipe, porque cada um estava envolvido com atividade
ou pesquisa própria. Daí resultaram alguns livros em 1963: de Wanderley
Guilherme dos Santos (Introdução ao estudo das contradições sociais no
Brasil e Quem dará o golpe no Brasil?), Helga Hoffmann (Como planejar
nosso desenvolvimento?) e Jorge Miglioli (Como são feitas as greves no
Brasil?); o primeiro foi publicado pelo ISEB e os outros pela Editora
Civilização Brasileira na série Cadernos do Povo Brasileiro, dirigida por Vieira
Pinto e Ênio Silveira (MIGLIOLI, 2005, p. 71).

No caso, constituindo ou não uma equipe no sentido de conceber um projeto


em comum – dado que só poderia ser precisamente analisado em pesquisa
concentrada neste grupo e nestas trajetórias – nos parece que o recurso a estes
jovens estudantes, vinculando-os aos seus respectivos departamentos, foi parte
importante das atividades da instituição no período. No entanto, isso não nos leva a
concordar com a leitura de Toledo de que a direção do “último ISEB” passaria para a
mão desta juventude (TOLEDO, 1977, p. 190); nesse caso, o argumento do autor de
que o trabalho do jovem Wanderley Guilherme dos Santos significaria uma “viragem
teórica” (Ibidem, p. 154) no interior da instituição, parece ser mais sinal das
dificuldades teórico-metodológicas que o autor enfrentou em sua intenção de definir
uma “ideologia isebiana”. Seria mesmo o caso de colocar, diante deste quadro
heterogêneo e dinâmico da trajetória do Instituto, se seria possível definir e
(re)construir suas percepções, formulações e proposições político-culturais através do
recurso ao conceito de ideologia ou de uma narrativa que investigue a formação
monolítica e retilínea de um “pensamento isebiano”. O panorama cultural da
brasilidade revolucionária, neste caso, ao apontar o compartilhamento de percepções,
visões, reabilitações diversas e ambíguas produzidas por artistas e intelectuais em
80

sintonia com as lutas políticas do período, pode indicar outro roteiro a ser percorrido
para compreender a formação dos processos de produção cultural concebidas no
interior do Instituto. O caso da formação da CHN em suas relações intelectuais pode
nos auxiliar a rastrear parte destes processos, localizados, certamente, nesta última
fase da vida da instituição.
Ainda, o relato de Pedro Celso assinala o contato com Sodré e a formação do
grupo no âmbito destas atividades externas da instituição:

No período de férias universitárias de julho de 1963, um curso intensivo foi


solicitado a N. W. Sodré para um grupo de uns doze estudantes do curso de
História da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), da Universidade do Brasil,
hoje UFRJ. Desse grupo saiu a equipe que veio a realizar a História Nova do
Brasil (em pouco tempo ficou evidente que a equipe era pequena, insuficiente
para responder a todas as solicitações para cursos e palestras em faculdades
e sindicatos, além das obrigações com os já múltiplos encargos cotidianos)
(CAVALCANTI NETO, 1993, p. 52).

Tendo diante do nosso enquadramento, tais circunstâncias, seguimos para o


último ponto de nosso trabalho, indicando como a investigação sobre as relações
intelectuais inscritas na realização da CHN pode nos auxiliar a perceber aspectos dos
processos culturais concebidos no interior da brasilidade revolucionária e das
trajetórias de seus produtores, privilegiando, no caso, a de Sodré em primeiro plano e
a dos demais autores em segundo.

3.2 A constituição do Grupo “Alegria de Estudar”: uma formação cultural e o


sentido da urgência

“Julgam, assim, que esta é a História de que a


sociedade brasileira necessita, hoje, como um dos
elementos indispensáveis ao seu avanço. Esperam a
crítica de todos os que se interessem pela História,
valorizam tal crítica, acatam-na, não importando a
discordância de opinião. Se todos os homens
pensassem igual, não haveria necessidade de
ciência, nem de arte, nem de debate, nem de
liberdade, e as criaturas seriam como os pregos,
feitas em série, aos milhões, ou conservadas iguais
sob pressão, como os pregos ainda, sob a percussão
do martelo. De tais críticas, em resultado final, surgirá
a História Nova do Brasil, em suas verdadeiras
dimensões.” (SANTOS, et al., 1993, p. 119).
81

A leitura que então propomos da constituição do grupo “Alegria de Estudar” e


da realização da CHN parte da noção de formação cultural de Raymond Williams.
Pode ser arriscado referir-se a este grupo com esta terminologia por conta de sua
filiação institucional ao ISEB, mas enfatizando seus aspectos formacionais podemos
encontrar elementos que endossam nossa perspectiva.
Como já nos referimos, o conceito de formação cultural remete à necessidade
de lidarmos “não só com instituições gerais e suas relações típicas, mas também com
formas de organização e de auto-organização que parecem muito mais próximas da
produção cultural” (WILLIAMS, 1992, p. 57). Pressupor diretamente a prática do grupo
“Alegria de Estudar” em suas formas institucionais seria subsumi-las a um plano
sistematizado de produção e reprodução cultural, onde seus fatores de integração e
aglutinação passariam necessariamente por trâmites institucionais, o que não parece
ser o caso. Assim, o objetivo desta leitura do grupo como formação cultural busca
investigar – observando as direções de Williams ao abordar o Círculo de Bloomsbury
– sua formação, suas formas de distinção, seus fatores de integração, seus modos de
realização e como estes aspectos indicam fatores sociais mais amplos (WILLIAMS,
2011, p. 203). Entendido dessa forma, a análise de suas relações internas e das
relações externas que estabelecem com a ordem social global pode nos aproximar de
suas relações materiais de produção cultural (WILLIAMS, 1992, p. 85); ainda, a
constituição e atuação destes grupos pode revelar o caráter dinâmico do conjunto de
interesses e relações sociais que participam dos processos de organização da cultura
(Ibidem, p. 201).
Uma primeira semelhança já se destaca no aspecto formacional do grupo,
tanto na relação entre os estudantes quanto na relação destes com Sodré, com quem
possuíam uma distância de cerca de trinta anos de idade e por quem nutriam uma
admiração que passava pela envergadura de sua figura intelectual no período: os
laços de amizade, assim como no caso de Bloomsbury, foram essenciais para sua
constituição, tendo, entre os estudantes da FNFi, a figura de Pedro Celso Uchôa
Cavalcanti Neto um papel importante na transformação desses laços em um grupo de
trabalho cultural.
Maurício e Pedro de Alcântara reconheceram, em entrevista à CARDOSO, a
importância da figura de Pedro Celso como figura de influência e ponte entre o grupo
de estudantes e o ISEB, através de sua relação com Sodré (2019, p. 318; p. 327).
Sodré, acompanhando a formação do grupo em suas memórias, ressaltou:
82

Por esse tempo, começava a circular o Boletim de História, do Centro de


História da Faculdade de Filosofia da UB, publicação pioneira, assinalando a
profunda mudança no estudo da História que vinha sendo empreendida pelo
corpo discente daquela Faculdade, sob o estímulo de alguns de seus
professores. À frente do Centro e do Boletim de História estava Pedro Celso
Uchoa Cavalcanti Neto que, concluindo o seu curso na Faculdade, decidira-
se a tirar o curso regular do ISEB. Foi o primeiro e excelente auxiliar que o
Departamento de História do ISEB encontrou, ainda em 1962. No ano
seguinte, por indicação do professor Pedro Celso, foram incorporados ao
ISEB outros elementos, oriundos do curso de História do Brasil da mesma
Faculdade: Pedro de Alcântara Figueira, já titulado, Maurício Martins de
Mello, Rubem César Fernandes e Joel Rufino dos Santos. Com esse grupo,
o Departamento de História do ISEB planejou e executou as tarefas do ano
de 1963. Elas excederam, naturalmente, os limites do curso regular (SODRÉ,
1986, p. 119-120).

Entretanto, se a reunião de seus membros em 1963 após o contato inicial de


Sodré com Pedro Celso no ano de 1962 aponta para a existência de um projeto em
comum, outros dados revelam que Sodré já vinha travando contato com a juventude
da FNFi.
No IPM dos Generais da Reserva, Sodré referiu-se à palestra realizada na
FNFi, provavelmente no ano de 1963:

Perguntado se era Professor no // Instituto Superior de Estudos Brasileiros e


na Faculdade Nacional de Filosofia? Respondeu que foi professor do I.S.E.B.
da fundação à extinção, não tendo sido jamais professor da Faculdade
Nacional de Filosofia, ali tendo feito apenas uma conferência há muitos
meses (INQUÉRITO Policial Militar nº 164, 1970 – Anexo F).

Rubem César Fernandes, em depoimento à CARDOSO, revelou que este


contato ainda teria sido anterior, remontando ao pré-vestibular:

Nós éramos colegas, tinham alguns que eram mais velhos do que eu. O
Sodré nos conheceu no pré-vestibular, porque nós tínhamos uma atividade
já de bastante qualidade. Entrar na faculdade era difícil, então, tínhamos os
cursinhos pré-vestibulares (2019, p. 333-334).

Ainda, rastrear a formação do grupo somente através da elaboração da CHN


parece reduzir seus integrantes às referências nominais de seus autores na impressão
de seus números. O trabalho investigativo de João Alberto da Costa PINTO revelou,
através de indicação de Pedro Celso em seu depoimento na reedição de 1993
(CAVALCANTI NETO, 1993, p. 53), a participação do professor Francisco José
Calazans Falcon no grupo e na redação de um dos números da CHN:
83

Francisco Falcon confirma o fato de realmente ter escrito o primeiro volume


para a série História Nova. Também ele foi aluno da FNFi no curso de
História, só que em um período anterior, de 1952 a 1955. Em 1956 tornou-se
auxiliar da professora Maria Yedda Linhares, na cadeira de História Moderna
e Contemporânea da FNFi. A aproximação com o grupo da História Nova
deu-se em 1963, creio que por causa de sua amizade com Cavalcanti Neto
(logo após o golpe de 31 de março, em virtude da repressão, Falcon abrigou
em sua residência, em Niterói, Cavalcanti Neto por muitos dias) (PINTO,
2011a, p. 354-355).

Ainda, em entrevista à CARDOSO, Rubem César comentou a participação


da esposa de Pedro de Alcântara Figueira, o próprio Francisco Falcon e um terceiro
nome, Luiz Sérgio, não identificado pela autora: “A Fani, o Luiz Sérgio e o Falcon
participaram. Se não me engano, até na parte do Descobrimento do Brasil, nós
trazíamos um pouco de professores e colegas para participar de alguma História.”
(2019, p. 338).
Na relação que Pedro Celso estabeleceu com Sodré, este último traz uma
carta do primeiro do ano de 1964, direto do exílio, referindo-se à postura de Sodré e
à equipe, “dos cinco e de outros”, que desenvolveram tais atividades:

“Surpreendentemente, se tomarmos os outros intelectuais de esquerda


consagrados como média, o senhor exibiu para nós toda uma série de
virtudes que não se encontra com facilidade. (...) Para isto, ocorreu a sua
modéstia, que não é fingida e sim fruto da consciência do que falta saber, a
sua ternura para conosco e o seu desejo de nos ajudar a crescer, ajudando-
nos a criticar inclusive o senhor. Na verdade, o senhor assumiu certo tipo de
liderança, não porque era mais velho e um renomado intelectual, mas porque
era o que sabia mais e tinha mais experiência na equipe. E isto era o
verdadeiramente fundamental: formamos uma equipe. Esta equipe teria se
formado, no processo histórico. Sempre foi o desejo dos cinco e de outros
que, por diversas circunstâncias, não ficaram conosco. (...) O senhor nos deu
autoridade, confiança, além de ter transmitido, diariamente, ensinamentos a
nós cinco.” (SODRÉ, 1994, p. 61).

A relação com Sodré é caracterizada em quase todos os depoimentos como


marcada por este “democratismo acadêmico”, nas palavras de Joel Rufino dos
Santos:

No último ISEB, particularmente na cadeira regida por Sodré, praticava-se a


produção coletiva de ideias – professores, assistentes e, muitas vezes,
alunos discutiam programas de curso e de pesquisas, seus conteúdos e
bibliografias. (...) Esse democratismo acadêmico foi também sinal da agitação
daqueles anos.” (SANTOS, 2005, p. 53-54).
84

Em depoimento à MENDONÇA, Pedro Celso relatou que, no âmbito da


realização das monografias, na dinâmica do trabalho coletivo, Sodré teria dito ao
grupo “eu não quero que vocês sejam papel carbono meu” (1990, p. 37); ainda assim,
referiu-se ao professor como “o ‘papa’ da história marxista no Brasil” (Idem). O
democratismo acadêmico fica novamente destacado neste depoimento:

Eu estava elogiando Sodré, dizendo do papel dele não só como intelectual,


mas também, seu aspecto democrático, que fica até consubstanciado na
própria publicação dos livros. Os nomes dos autores estão em ordem
alfabética, o nome do Sodré não está em primeiro lugar; obviamente Sodré
deveria estar em primeiro lugar, ou, se quiser, Nelson Werneck Sodré com a
colaboração de... aí seríamos nós. Não, ele colocou o nome dele em ordem
alfabética conosco (Ibidem, p. 37-38).

Maurício, questionado sobre a relação com Sodré segue no mesmo sentido:

Mais um orientador, mais um orientador, um formador, foi ele quem


praticamente nos formou, abriu uma perspectiva, “o caminho é esse, muito
estudo muita pesquisa muito trabalho” e para nós era um exemplo
espetacular, só o fato dele (o grande espetacular) ter colocado a coleção
por ordem alfabética, te dá a dimensão do quão democrático e intelectual
ele era (CARDOSO, 2019, p. 322).

O depoimento de Joel Rufino dos Santos aponta para outro fator, comum
também nos depoimentos de Rubem, Maurício e Pedro de Alcântara (Ibidem, p. 337;
p. 319; p. 328), sobre a mediação do PCB nestas relações:

Eu não me considerava “bom aluno”, embora estudasse História do Brasil


com afinco – e esse contrassenso era, aliás, um traço da época. (...) Havia,
porém, no meu pequeno currículo um fato “notável”: eu era membro da base
universitária do Partido Comunista. O convite para assistente de Werneck
Sodré foi prontamente aceito por mim, mas teve de ser referendado pela base
do Partido. Era um posto de privilégio pessoal, mas, sobretudo, de
importância política e eu deveria ocupa-lo como quadro intelectual. Nunca,
que me lembre, fui cobrado por qualquer instância do partido, mas o
compromisso era inelutável. (...) O que levou, ademais da militância, um
conhecido e renomado historiador a me confiar aquele cargo?
Provavelmente, uma combinação de fatores: a necessidade de escapar ao
isolamento político e institucional a que o Instituto, sob fogo cerrado da
imprensa golpista, fora levado pela “radicalização e sectarização” da sua
base de apoio; a falta de recursos, que impedia a contratação de estudiosos
mais experientes; e, enfim, a estratégia, quase um impulso irrefreável, comum
nessas circunstâncias, de “acelerar na curva” (SANTOS, 2005, p. 44-45).

Estas declarações são interessantes e acompanham, de certa forma, a


trajetória do partido após a reorientação política realizada em 1958. De acordo com
Ridenti, a participação nos círculos intelectuais do partido representava uma série de
85

oportunidades e possibilidades, tanto no plano nacional quanto no plano internacional,


e constituía um dos principais meios de expressão dos novos círculos intelectuais que
se ampliavam com o aumento da escolarização da população urbana (RIDENTI, 2010,
p. 79). Segundo o autor, a maior dinamização dessa relação entre o partido e o ISEB
remonta a esse período:

Mas o meio intelectual começara a mudar rapidamente, em especial a partir


da segunda metade dos anos 1950, processo que se aceleraria na década
seguinte, com o crescimento e o amadurecimento das universidades, sem
esquecer o surgimento de iniciativas acadêmicas ligadas ao governo, como
o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Sentindo perder espaço, e
tentando dialogar com a produção crescente nas ciências humanas fora do
partido e do marxismo, o PCB viria a criar a revista Estudos Sociais e buscou
inserir-se mais expressivamente no ISEB e na universidade, a partir do fim
dos anos 1950 e início dos 1960 (Idem).

Assim, sem tratar esta relação como uma “comunização” do ISEB ou como
uma forma de controlar e direcionar suas atividades a partir da atuação de seus
membros, a influência e penetração do partido nos meios intelectuais parece ter
permitido-lhe utilizar estas plataformas institucionais abertas pela atmosfera política
radicalizada que lançava-os na mesma trincheira das lutas do período. É a época da
criação da Frente de Mobilização Popular, por Leonel Brizola, congregando boa parte
das esquerdas na campanha de pressão pela realização das reformas de base pelo
governo de Goulart (FERREIRA, 2013, p. 119):

Participavam da frente o CGT, a Confederação Nacional dos Trabalhadores


na Indústria (CNTI), o Pacto de Unidade (PUA) e a Confederação Nacional
dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito (Contec); a UNE e a Ubes; o
Comando dos Trabalhadores Intelectuais (CTI), os subalternos das Forças
Armadas, como sargentos, marinheiros e fuzileiros navais por meio de suas
associações; facções das Ligas Camponesas; grupos de esquerda
revolucionária como a AP, o POR-T, os nacional-revolucionários que seguiam
a liderança de Leonel Brizola e segmentos de extrema-esquerda do PCB; a
Frente Parlamentar Nacionalista; parlamentares do Grupo Compacto do PTB,
do PSB e do Partido Social Progressista (PSP). Miguel Arraes e seu grupo
político também integravam a frente, embora mantivessem posições de
independência em relação a Brizola (Idem).

É interessante observar que esta atmosfera política parece ter imposto um


ritmo próprio aos trabalhos do grupo no ISEB. Pedro Celso refere-se com otimismo ao
clima em que atuaram na redação da CHN:

A história caminhava a favor das forças progressistas: “nacionalistas e


democráticas”, como as denominávamos na época. Desde o suicídio de
86

Getúlio, em 1954, ao contra-golpe chefiado pelo marechal Lott. Da vitória e


posse de Juscelino e Jango ao fácil isolamento de duas tentativas militares
golpistas, e ao rompimento com o FMI em defesa da Petrobrás em 1958.
Depois da curta interrupção provocada pela vitória eleitoral de Jânio contra
Lott, em 1960, a espiral ascendente do “processo histórico” foi retomada após
sua renúncia, em 1961: houve a extraordinária mobilização popular em
defesa da legalidade democrática e a coragem histórica de Leonel Brizola,
provocando a derrota dos militares subversivos. Com o plebiscito que
devolveu os poderes presidencialistas a João Goulart, após uma fugaz
experiência parlamentarista de ocasião, o avanço das forças progressistas
parecia não ter limites... (CAVALCANTI NETO, 1993, p. 50).

Diria Joel Rufino dos Santos que a própria concepção do projeto acompanhou
propositivamente o clima de agitação: “Aquele era o clima, aqueles eram os cenários,
aqueles éramos nós, os jovens isebianos, aquela era a nossa ação.” (SANTOS, 2005,
p. 43-44). Em nossa leitura, este clima e a posição privilegiada ocupada por Sodré no
cenário intelectual, num momento de sua trajetória já marcado pela dedicação
exclusiva à sua vocação intelectual e com presença expressiva nos círculos
intelectuais de esquerda, refletiu no ritmo e nos interesses que ficaram marcados na
atuação do grupo. Em depoimento de Ênio Silveira, dono da editora Civilização
Brasileira, podemos constatar esta localização de Sodré no cenário:

Lembro-me de que diversos intelectuais de esquerda, de várias


denominações ideológicas e partidárias, sempre se reuniam em meu
escritório para discutir a crise que estava no ar; chegamos, inclusive, a
conversar com João Goulart para preveni-lo de que o golpe iria acontecer a
qualquer momento. Nelson Werneck Sodré, homem admirável, grande
brasileiro, grande intelectual, militar de carreira, organizou com mais alguns
companheiros uma lista de todos os militares que estavam comprometidos
com o golpe (SILVEIRA, 2014, p. 185).

O historiador Dênis de Moraes, abordando um conjunto de declarações e


documentos datados do segundo semestre do ano de 1963 até a véspera do golpe,
sustentou e demonstrou que diversos representantes do campo progressista
alertavam sobre a preparação de um golpe de Estado (MORAES, 2011, p. 187-189).

No comício da Central, [Brizola] voltou ao assunto: “Hoje, até as liberdades


democráticas estão ameaçadas. Vimos em Belo Horizonte, em São Paulo e
no Rio Grande do Sul, onde um governo reacionário está queimando ranchos
de camponeses”. Em 23 de março de 1964: “O que estamos assistindo é a
clara preparação golpista daqueles que, além de defender seus velhos
privilégios, estão ansiosos por empolgar o poder”. E na véspera do golpe
militar: “Entraram em colapso as liberdades democráticas. O golpe está em
preparo – em preparo despudorado e sem rebuços. (...) A violência está nas
ruas, já nos ronda a porta” (Ibidem, p. 188).
87

Entrevistando Sodré, MORAES pode constatar a posição do ISEB neste


cenário, já apresentada acima, e a forma como o historiador percebeu sua atuação no
contexto do pré-golpe:

O Iseb se tornou homogêneo depois da crise e participou de toda a luta


ideológica, especialmente a partir de 1963. Agora, na realidade, essa
homogeneização resultou em quê? Inserindo-se no conjunto das forças
progressistas daquele momento, o Iseb também se esquerdizou. Ele pecou
por excessos, se sectarizou por posições demasiado esquerdistas. (...) O Iseb
foi-se tornando cada vez mais débil, pelo isolamento. A esquerdização leva
ao isolamento. A sua capacidade científica e a sua influência política
reduziram-se. O prestígio diminuiu. O Iseb, até então, tinha notoriedade; sua
sigla tinha ressonância. Repare: não era a força do Iseb, mas a ofensiva do
inimigo que fazia o Iseb uma coisa espantosamente poderosa, capaz de influir
no governo, controla-lo, traçar rumos para o país. Isso era uma balela
propagada com muita arte e engenhosidade pelas forças que estavam se
articulando para dar o golpe (Cf. Ibidem, p. 302).

Ao ser questionado se o ISEB possuía informações sobre a marcha golpista,


o autor respondeu:

O Iseb tinha informações, até porque um dos nossos professores, Osvaldo


Gusmão, era subchefe da Casa Civil do presidente Goulart. Nós tínhamos
informações também da Casa Militar. Mas havia, em muitas áreas, a ilusão
de que nós éramos fortes. Alguns diziam que, se a reação colocasse a cabeça
para fora, seria batida. Evidentemente, era uma ilusão que dominou muitas
áreas – o Iseb não ficou isento também. Refiro-me à instituição como um
todo, porque eu, pessoalmente, não tinha ilusões (Cf. Ibidem, p. 303).

Este cenário foi destacado também em sua memória do período, escrita em


1972 e publicada em 1994 sob o título A fúria de Calibã: memórias do golpe de 64,
estranhamente não abordado pelos pesquisadores que trataram da CHN.
Comentando sua aproximação com San Tiago Dantas, que fora ministro da Fazenda
do governo de João Goulart, refere-se à percepção da eminência do golpe e a questão
dos radicalismos:

Mas só nos aproximamos, realmente, quando a luta política começou a


crescer desmedidamente em agitação, no governo João Goulart. Eu sentia,
como ele sentia e alertava, que era preciso unir todas as forças para defender
a débil democracia brasileira, que alguns visionários e alguns poucos
provocadores queriam fazer avançar, aos trancos, para uma espécie de
confuso radicalismo de que apenas conheciam os slogans. Recordo-me bem
que San Tiago Dantas, na última vez que conversamos, frisou a necessidade
de aceitar a radicalização possível e o perigo de pretender fazer política sem
considerar as condições objetivas (SODRÉ, 1994, p. 53-54).
88

Objeto de grandes distensões no interior das esquerdas no período,


acreditamos que o cenário de radicalização, mesmo que alvo de preocupação e
contenção por parte de Sodré, tenha se inscrito no ritmo dos trabalhos do grupo.
Observe-se que em algumas ocasiões o autor destacou que concebia seus projetos
de forma lenta, ao longo prazo. Referindo-se ao livro História da Burguesia Brasileira,
publicado no ano de 1964, o autor escreveu: “Eu depositava muitas esperanças nesse
livro, escrito devagar e calcado em demoradas pesquisas e reflexões.” (Ibidem, p. 39).
Em entrevista no ano de 1965 sobre a publicação de duas obras simultaneamente,
Ofício de Escritor e O Naturalismo no Brasil, questionado sobre esta simultaneidade
o autor respondeu:

Por coincidência. São matérias acumuladas ao longo de uma vida de escritor.


Escrevo muita coisa que vou guardando, quando tenho uma fase de pausa,
ordeno, costuro, acrescento o que falta. Aconteceu assim com o “Ofício” e o
“Naturalismo”. A coincidência é apenas de edição (O AUTOR... 1965 – Anexo
D).

No entanto, as circunstâncias do ano de 1963 parecem ter dinamizado


radicalmente essa escrita vagarosa. O depoimento dos integrantes do grupo “Alegria
de Estudar” refletem este ritmo, esta urgência. Pedro Celso comentou este ritmo na
realização, por parte do mesmo grupo, da redação do livro Quem matou Kennedy?:

Durante todo esse período (segundo semestre de 1963 até o golpe de 1964),
somente uma vez o trabalho da História Nova foi interrompido. Deu-se isso
quando do assassinato de Kennedy, em novembro de 1963. Numa semana
resolvemos publicar um volume sobre Quem matou Kennedy? Cada um de
nós preparou um capítulo, com notas, recortes, bibliografia, enfim, material
que discutíamos entre nós e depois levávamos à mesa de Nelson. Ele,
filtrando o nosso trabalho, acrescentando o seu próprio, com aquela facilidade
incrível de escrever, fez que, quinze dias depois do assassinato, estivesse
nas livrarias um volume que veio a esgotar-se em menos de um mês, apesar
da grande tiragem. Lembro-me que, pelo menos no Rio, a prontidão da
resposta ao fato histórico causou repercussão. (Julgo que foi nesta época do
Quem matou Kennedy? que Sodré, chegando sempre pontualmente cedo no
ISEB, teve a surpresa de nos ver já trabalhando e exclamou: “É uma forja!”)
(CAVALCANTI NETO, 1993, p. 60).

Questionado sobre os métodos de trabalho coletivo do grupo, Rubem César


também referiu-se ao ritmo desta “forja” em que se tornaram no segundo semestre do
ano de 1963, agora como “linha de produção”:

Eu era o assistente, nós fazíamos o seguinte, o Sodré dirigia, e era para


produzir livros, pequenos manuais para professores de História do Brasil, e
89

tinha que produzir muito rapidamente para serem impressos e distribuídos


para professores do Brasil inteiro. Então era uma coisa urgente, rápida! O
Sodré montou a turma e fez uma linha de produção. Ele reunia conosco, era
tudo muito discutido, muito conversado, o Sodré tinha uma cabeça muito
aberta. Nós dividíamos por temas. Eu, por exemplo, fiquei com dois temas,
peguei a independência de 1822, que era o tema, o título da independência
de 1822 até Floriano Peixoto, e outros colegas pegaram outros momentos da
História, outros capítulos. Nós trabalhávamos naqueles temas, redigíamos a
primeira versão nossa e passava a primeira redação, o primeiro rascunho,
notas, observações e o Sodré juntava aquele material em uma velocidade
assustadora e redigia tudo. Sodré era uma máquina de escrever! Naquele
tempo era na máquina de escrever, não existia computador. (...) Mas havia
uma certa metodologia de trabalho que era bem acelerada, por esse motivo
nós conseguimos produzir em poucos meses, em mais ou menos seis meses,
a coleção que acabou de virar a História Nova e foi distribuída, chegou a ser
distribuída pelo Ministério da Educação (CARDOSO, 2019, p. 337-338).

O depoimento de Joel Rufino dos Santos aponta ainda nesta urgência e


postura uma característica da própria atuação do ISEB em sua última fase:

Eu e meus jovens colegas trouxemos para o Instituto a possibilidade de ações


extramuros, como foram, por exemplo, aquele curso no Sindicato dos
Metalúrgicos, a publicação em sete dias de um best-seller de história imediata
(Quem matou Kennedy, redigido por Sodré sobre uma pesquisa dos
assistentes) e a História Nova do Brasil. Quando leigos nos perguntavam o
que era História Nova, poupávamos tempo: “É a Reforma de Base no ensino
da História”. Suponho, assim, que a tentativa de concretizar as possibilidades
sugeridas por essas ações foi a principal característica do último ISEB
(SANTOS, 2005, p. 47).

Observando as memórias de Sodré, esta postura do grupo, depois


considerada “subversiva” no IPM do ISEB, demonstra talvez a tentativa de romper
com o isolamento a que e instituição vinha sendo submetida:

Jamais nos encastelamos e isolamos, jamais recusamos levar o nosso ensino


onde fosse solicitado. Isso, que pareceu a alguns até mesmo quebra de alta
dignidade da cátedra pós-universitária, e a encarregados de IPM parecendo
mesmo uma tarefa conspirativa, uma atividade subversiva, era o deliberado
rompimento com o timbre, o traço, a atitude e a atividade aristocrática que a
Universidade conserva ainda no Brasil e que tanto contribui para distanciá-la
da realidade (SODRÉ, 1986, p. 120).

Ainda, na sequência destes comentários, Sodré refere-se à importância da


mediação de Roberto Pontual na relação com o MEC, este que na época era também
estagiário do ISEB, frequentando o curso regular de 1963 (CARDOSO, 2019, p. 210):

É aqui lugar para destacar não só a lucidez da iniciativa de Roberto Pontual,


a sua capacidade realizadora e renovadora, como a tenacidade com que
conseguiu obter dos elementos do Departamento de História do ISEB, por tão
90

pouco dinheiro, um trabalho tão penoso. Realizamos esse trabalho apenas


pela compreensão do nosso dever para com as gerações mais novas, para
ajudar uma gestão fecunda, que vinha renovar velha repartição burocrática,
carunchada de rotina (SODRÉ, 1986, p. 121).

O sentido de renovação e de urgência impressos neste projeto são também


atestados na narrativa de Joel Rufino dos Santos sobre a origem do nome que deram
ao título da coleção. Em uma referência exemplar do compartilhamento de valores e
sentimentos no interior da brasilidade revolucionária e também da ativa participação
desta formação cultural na construção destas práticas culturais, são essas as palavras
do autor:

A turma do ISEB (Pedro de Alcântara, Maurício, Rubem César, Pedro Celso


e eu) inventou a História Nova na Praia do Leblon. Não havia o cinema novo
e a bossa nova? Vendo cair a tarde, imaginamos fazer a mesma coisa no
front da História do Brasil (SANTOS, et. al., 1993, p. 16).

Ainda, a abordagem destes aspectos, identificados e tensionados por conta


da leitura que realizamos da formação do grupo, aponta para dois elementos finais
que não foram abordados em nenhum dos trabalhos anteriores sobre o grupo ou sobre
a realização da CHN. Seu modo de realização, de forma coletiva, pode apontar para
aqueles elementos românticos identificados por RIDENTI (2014, p. 11) – de
resistência à fragmentação dos indivíduos e sentimento de pertença à comunidade –
e o ritmo impresso pela atmosfera política alerta para uma prática cultural sintonizada
com a intensa mobilização das esquerdas em torno dos rápidos processos de
mudança de nossa organização social (RIDENTI, 2010, p. 95). O ângulo a que
submetemos as informações que reunimos nos permitiu identificar novas questões: a
intenção de parte de seus autores em dar continuidade às atividades do grupo,
independente do ISEB – o que, em nossa leitura, reforça seu caráter formacional; e,
na realização de trabalhos que ultrapassavam a CHN, uma atividade cultural que
revela a tentativa de estabelecer relações intelectuais mais amplas do que aquelas
circunscritas à atuação na FNFi ou ao ISEB.
Vimos que, além da CHN ter sido distribuída pelo MEC, acompanhando as
preocupações da CASES (descritas no Anexo G deste trabalho), a publicação também
foi comercializada, o que pode indicar que o conjunto de interesses que mobilizava a
atuação do grupo não estava circunscrito ao plano meramente pedagógico ou
educacional. Ainda, o lançamento da coleção foi realizada em evento no Sindicato dos
91

Metalúrgicos, como noticiado na edição de janeiro de 1964 no A voz dos metalúrgicos


(Anexo B), que trazia texto de Sodré em léxico típico da brasilidade revolucionária:

No nosso encontro só vamos discutir o que interessa. Não temos tempo a


perder, nenhum trabalhador tem tempo a perder. Como as coisas tem sempre
dois lados opostos, discutiremos: O domínio estrangeiro e a luta contra o
domínio estrangeiro; a propriedade territorial e as restrições à propriedade, o
problema dos poucos que tem terras e dos muitos que não tem; a luta pela
industrialização do Brasil e a defesa da estagnação industrial; a luta pela
democratização da sociedade brasileira e a defesa dos privilégios de classe;
as novas forças, que estão realizando a Revolução Brasileira e as velhas
forças que querem impedir o inevitável (METALÚRGICOS, 1964 – Anexo B).

Como lembrou Joel Rufino dos Santos, esta não seria a primeira vez que os
jovens estudantes e historiadores, na companhia de Sodré, estariam no Sindicato dos
Metalúrgicos. No ano de 1963: “O professor Werneck Sodré (ele preferia não ser
chamado de general) abriu e fechou o curso (seis aulas-conferências), deixando as
aulas intermediárias para seus jovens assistentes.” (SANTOS, 2005, p. 43).
Ainda, demostrando outra atividade desempenhada pelo grupo, além da
publicação da obra Quem matou Kennedy?, Pedro Celso constou que:

Além da própria História Nova, vários outros trabalhos de nossa equipe


estavam em preparação, ou mesmo na gráfica. Lembro-me especialmente de
histórias em quadrinho, com enormes tiragens já para a primeira edição.
Vêm-me a mente dois títulos: Tiradentes e Os Bandeirantes (CAVALCANTI
NETO, 1993, p. 64).

Esta informação, cruzada com as informações coletadas por MENDONÇA em


entrevista com Paulo de Tarso sobre os planos de sua pasta no MEC, dentre elas a
“nacionalização” das revistas em quadrinhos (1990, p. 19-20), podem indicar ainda a
presença de um diálogo maior entre o grupo e o ministério, extrapolando a iniciativa
conduzida por Pontual.
Nas memórias de Sodré, encontramos informações em cartas com Pedro
Celso e Maurício do período do pós-golpe sobre as intenções de dar continuidade ao
grupo e às atividades que desempenhavam. Com Pedro Celso, observou:

Pedro Celso comentava a nossa ideia de organizar um Centro de História,


que nos permitisse, aqui e sob as novas condições, continuar o trabalho do
grupo. Estava entusiasmado com a ideia. Ia ao extremo: “Se as condições
não possibilitarem, sugiro que o grupo tome o rumo do exterior, para um local
que preencha aquelas condições”. Era otimista, no entanto: os que haviam
permanecido no Brasil retomariam o trabalho em grupo; os que se haviam
exilado regressariam, para participar daquele trabalho. Não aconteceu uma
92

coisa, nem a outra, conforme veremos. A reação inutilizou todas as tentativas


nesse sentido: Pedro Celso pena o exílio até agora, já faz 12 anos; Joel, que
regressou ao Brasil, e os que aqui permaneceram, conheceram a prisão e os
espancamentos. Mas esta é uma outra história, evidentemente. Importa
anotar que embalávamos algumas ilusões: a de que a ditadura nos permitiria
realizar algum trabalho intelectual, por exemplo (SODRÉ, 1994, p. 38).

Na sequência, a particularidade das atividades que foram desenvolvidas entre


1963 e 1964 são descritas como uma perspectiva de História com repercussão no
plano historiográfico e didático. O trecho da carta de Pedro Celso revela inclusive a
intenção de reuni-las em outro projeto editorial, ainda ligado à CHN:

Era como se o nosso grupo de trabalho continuasse a existir e a funcionar,


com a particularidade de ter dois elementos no exterior. Apresentava, naquela
carta, interessante proposta: “Agradeceria se o senhor pudesse ser
intermediário junto aos outros de uma nova ideia minha. Esta, como as outras
da H. Nova, não é para jogar mais trabalho nas costas de vocês. Trata-se de
colocar dentro da coleção nossa perspectiva de História e suas
consequências na elaboração historiográfica e inclusive uma metodologia
didática. Como o senhor sabe, fomos elaborando, no decorrer do trabalho da
H. Nova, nas aulas em sindicatos, ou conferências no ISEB, uma série de
ideias próprias à perspectiva de uma historiografia oriunda de países
dominados ou periféricos, como dizia o Vieira Pinto. Estas ideias, tinha
proposto o senhor que fossem arrumadas em um livro. Eu tinha ficado
encarregado, no plano geral, que elaboramos antes das férias, de redigir a
matéria bruta dessa obra. Creio que agora não é o momento indicado para
fazer pesquisas sobre a evolução do pensamento historiográfico, etc... Mas
não podemos deixar passar a oportunidade de colocar para o nosso povo e
os intelectuais, aquelas ideias. E nenhum veículo me parece melhor para isto
do que a própria coleção H. Nova, centro que foi de nosso trabalho. (...) De
qualquer forma, o importante é que nossas ideias ganhem o domínio público
e me parece, sem dúvida, que elas serão muito mais lidas e conhecidas se
saírem dentro da coleção História Nova, de muito mais difusão popular que
num livro específico sobre o assunto, livro cujo momento de elaborar não é
este.” (Ibidem, p. 58).

A avaliação e resposta de Sodré ao professor exilado passava pela


compreensão destas intenções como uma visão otimista que subestimava a
conjuntura política interna, muito devido à distância dos acontecimentos (Ibidem, p.
59). O historiador comenta estas novas condições impostas às atividades culturais no
cenário do golpe:

Eu estava começando a compreender, entretanto – e os dias futuros


confirmariam isso –, que o Brasil ia atravessar etapa mais ou menos
prolongada de obscurantismo e que, em consequência, formas de trabalho
intelectual como aquela que havíamos vivido, no ISEB, no Departamento de
História, seriam impossíveis nesse período. Havia necessidade de imaginar
outras formas (Ibidem, p. 62).
93

No cenário do golpe, além da rearticulação das esquerdas no entorno do


objetivo do restabelecimento do processo democrático (CZAJKA, 2014, p. 103-104),
temos também, conforme Ridenti, o início do declínio da estrutura de sentimento da
brasilidade revolucionária. De 1964 a 1968, o quadro se transformaria e com ele as
coordenadas do modernismo presentes no período anterior:

Com isso, desapareciam na sociedade brasileira as coordenadas históricas


apontadas por Anderson: afastava-se a proximidade imaginativa da
revolução, enquanto a sociedade se modernizava e urbanizava, permitindo
constatar que a industrialização e as novas tecnologias não levaram à
libertação, mas, ao contrário, conviviam bem com uma ditadura. Assim,
dissolviam-se as bases históricas que deram vida ao florescimento cultural e
político animado pela brasilidade revolucionária (RIDENTI, 2010, p. 103).

No entanto, apesar desta conjuntura e revelando a ambiguidade da resposta


“pessimista” ao “otimismo” de Pedro Celso, o legado e o projeto da CHN ainda se
fariam presentes na trajetória de Sodré. Comentando os pareceres emitidos contra a
CHN, em particular o publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, volume 263, referente a abril-junho de 1964, assinado por Américo
Jacobina Lacombe, Wanderley Pinto, Marcos Carneiro de Mendonça e Herbert
Canabarro Reichardt:

Os autores da História Nova sabiam, ao escrevê-la, que seriam combatidos


pela historiografia oficial e particularmente pela cátedra universitária, esse
bizantinismo que está corroendo a educação brasileira e que só privilégios,
esses sim verdadeiros, antigos e enormes mantém. Esqueceram apenas uma
coisa: chocar-se-iam também com o negócio do livro didático, uma das mais
antigas, articuladas e superadas organizações existentes no país. Pisamos,
realmente, em calos demais, e estamos pagando por isso. Mas há uma coisa
que os Lacombe e seus sócios assistirão ainda – porque ignorância conserva
– e isso os fulminará mais do que o consagrador e extraordinário sucesso da
História Nova entre os que não pensam como eles, particularmente os que
estudam: na historiografia brasileira, daqui por diante, há duas fases: antes
da História Nova e depois dela (SODRÉ, 1986, p. 146).

Observando o tom combativo que o autor reserva para a realização da CHN,


permitimo-nos levantar a hipótese, que já expusemos ao longo deste capítulo, de que
a CHN é um episódio de maior importância e alcance do que sua dimensão
pedagógica e didática. Novamente a referência ao projeto toca no tema da
historiografia brasileira e retrata uma sintonia com um movimento observado na
própria trajetória de Sodré: além de seus trabalhos sobre nossa formação histórica,
sobre a história militar, da imprensa e da burguesia brasileira datarem todos deste
94

período, é também no início do anos 1960 que reformula quase integralmente o texto
da História da literatura brasileira publicado inicialmente em 1938. O peso dado pelo
autor à importância da CHN pode também indicar aspectos da continuidade deste
conjunto de interesses veiculados em seu projeto.
Ainda, Sodré recebeu um bilhete de Maurício Martins de Mello direto do
cárcere que também expressava o desejo de continuar trabalhando com o grupo
“Alegria de Estudar”, como revela:

“Batalhão de Guarda, junho de 1965: Professor. Um dia é da caça, outro do


caçador. O batismo policial é inevitável, em nossa situação. Minhas
convicções estão intactas. Cresci muito em experiência e no conhecimento
de mim e dos homens, o que vai dar lugar a prolongadas conversas. Estou
ansioso por encontrar o grupo ‘alegria de estudar’ reunido novamente.”.
(SODRÉ, 1994, p. 133).

É na correspondência com Maurício que surge uma informação importante,


tratando da reedição da CHN pela Editora Brasiliense, do historiador comunista Caio
Prado Júnior, em 1965. Tendo Maurício intermediado os contatos de Sodré com Caio
Graco Prado, filho de Caio Prado e então editor na Brasiliense, os contatos sobre os
resultados da reedição da CHN também demonstram outras intenções: a publicação
de uma coleção especializada sobre a História do Brasil, em forma semelhante à CHN
– seria parte daquele material redigido por Pedro Celso, comentado nas
correspondências citadas anteriormente? – e reviver a Revista Brasiliense, cujas
atividades haviam sido suspensas desde o golpe.

Tratava-se da edição de coleção especializada, que seria constituída de


pequenos volumes, de documentários: cada volume reuniria os documentos
fundamentais sobre determinado episódio (Conjuração Mineira, Revolução
de 1817, etc.) precedida de introdução e arejada por notas. Caio Graco não
aceitou essa proposta. E não aceitou também a outra: nós nos
encarregaríamos de editar a Revista Brasiliense, de circulação suspensa
desde o golpe de 1964: a empresa estipularia um orçamento e se
encarregaria da parte financeira, como da distribuição. Naquela carta, de 21
de abril, Maurício dava conta das propostas. E informava, sobre a História
Nova: “Diz o Caio que está vendendo 60 exemplares por dia, na livraria de
São Paulo. Por aqui (LER, Civilização, Feira do Livro) a venda está indo bem;
a nosso ver, aquém das possibilidades”. O próprio Caio Graco me escrevia,
a 23 de abril, sobre a recusa àquelas propostas, explicando que
“comercialmente, não tem a possibilidade de que necessitaríamos, para
edições grandes e baratas” (Ibidem, p. 112).

Informações ainda não analisadas em nenhuma pesquisa sobre a trajetória


de Sodré, poderiam indicar um deslocamento deste intelectual no interior do cenário
95

intelectual brasileiro. Não só pela sede da editora, em São Paulo, apontando para
outros públicos, mas pela própria “filiação” da Revista Brasiliense à figura de Caio
Prado Júnior, notoriamente conhecido por suas tensões com a direção do PCB.
Assim, entrecruzadas, as intenções do grupo não passam somente pela reedição da
CHN, mas possivelmente também pelo alargamento dos debates, do seu alcance, de
sua eficácia política ou até mesmo de sua participação em círculos intelectuais
distintos daqueles do Rio de Janeiro. Tratam-se de hipóteses levantadas pela
constatação destas relações intelectuais, mas parecem plausíveis ao menos para
colocar questões iniciais para pesquisas futuras que busquem trabalhar com a
trajetória de Sodré nestes anos ou com o cenário intelectual brasileiro no pós-golpe.
O historiador ainda revela outras iniciativas envolvendo a CHN: em dois
momentos refere-se à tratativas com um contato da Tchecoslováquia, evidenciando o
interesse de publicar não somente as obras de sua própria autoria, mas também a
própria produção do grupo (Ibidem, p. 63; p. 80). Em uma das passagens, o contato
estrangeiro é quem demonstra interesse pela CHN, ilustrando o alcance que esta teve
nos meios intelectuais:

O amigo distante, professor Zdenek Kampl, me escrevia, de Praga, nos


primeiros dias de março. Esse servidor da cultura brasileira em seu país –
que, até hoje, não recebeu a mínima consideração pelo muito que por ela tem
feito, das autoridades competentes – estava decepcionado: seus esforços
para editar algum livro meu na Checoslováquia haviam resultado inúteis:
“Quando à Formação, seu pressentimento deu certo. A editora achou, apesar
de ter a minha calorosa recomendação, que o livro é difícil demais para ser
compreendido pelo público geral”. Suas atenções voltavam-se para a História
Nova, que só conhecia por referências; seu temor estava, agora, na extensão
da obra: haviam dito que compreendia quatro volumes (Ibidem, p. 80).

Encontramos ainda um documento importante no acervo de Sodré presente


na Fundação Biblioteca Nacional, onde encontra-se todo o seu acervo doado ainda
em vida pelo autor. Dentre os documentos que referem-se à CHN encontram-se
principalmente as cartas sobre sua reedição em 1993, são documentos que já foram
digitalizados e podem ser consultados pelo Acervo Digital da Fundação. Além destas,
deparamo-nos, em seu acervo físico, com programas de um “curso História Nova do
Brasil” datado de 1981. O programa de sua primeira aula e a devida referência do
documento em seu acervo para pesquisas futuras encontram-se na lista de anexos
deste trabalho (Anexo E). Em nossas leituras das memórias do autor e dos trabalhos
sobre a CHN não encontramos nenhuma referência à realização de tal curso. Ainda,
96

os documentos possuem data, mas não indicam o local de sua realização. Outro fator
importante obstaculiza a compreensão de seu significado: em nossas pesquisas não
encontramos até o momento nenhum trabalho que tematize o período da década de
60 em diante da trajetória do historiador, portanto, não podemos no momento levantar
hipóteses sobre a realização deste curso, tendo em vista a impossibilidade sequer de
identificarmos onde o autor se localizava no período, quais eram os meios intelectuais
em que circulava, entre outros fatores que poderiam nos permitir encontrar mais
pistas. Entretanto, minimamente podemos verificar com este documento mais uma
indicação de que o legado da CHN ainda se fez presente em seu pensamento e
trajetória, para além das atividades do ISEB e para além das tentativas de
reagrupamento da formação cultural que constituiu com os jovens historiadores da
FNFi; a recorrência destes elementos da CHN em sua trajetória indicam ainda que o
significado de sua realização para o autor foi muito mais amplo do que, por exemplo,
o atendimento de uma demanda ministerial ou uma preocupação restrita à má
qualidade dos compêndios didáticos.
Por fim, a leitura que buscamos realizar sobre a realização da CHN não só
extrapolou a dimensão educacional do projeto, enfatizada de forma unânime pelas
pesquisas realizadas até então sobre a coleção, mas, investigando sua dimensão
intelectual, seus modos de realização, as relações sociais e de produção cultural em
que foi concebida, identificou uma série de informações ignoradas até então que
podem alargar o campo de pesquisas sobre a atuação e a trajetória das esquerdas ao
longo da década de 1960.
97

CONCLUSÃO

Ao longo de nosso trabalho, discorremos sobre um extenso campo de


preocupações que marcaram as etapas de pesquisa e coleta de informações para sua
realização.
De início, procuramos elaborar uma leitura panorâmica de aspectos da
trajetória de Nelson Werneck Sodré, resgatando iniciativas pioneiras que trataram de
sua obra e itinerário e dispondo sobre tópicos que compunham nosso recorte.
Apontando a pertinência do seu estudo, dirigimos nossas preocupações para o caso
particular da realização da Coleção História Nova, visando compreendê-la a partir de
outros fundamentos teórico-metodológicos.
Em seguida, a abordagem procurou trilhar pontos relevantes de nosso campo
de pesquisa, a Sociologia dos Intelectuais, tomando dimensões mais conceituais que,
em seguida, buscamos remeter à processualidade dos debates sobre as experiências
culturais e políticas do Brasil nas décadas de 1950 e 1960. Neste plano, nossas
inquietações, como buscamos demonstrar, passavam necessariamente pelo
enfrentamento dos desafios e impasses teórico-metodológicos encontrados no estado
da arte dos estudos sobre o tema. Ademais, explorando os limites das interpretações
realizadas no interior da montagem do debate sobre o “populismo” no Brasil,
procuramos uma interpretação alternativa, coerente com nossa leitura que Raymond
Williams ao analisar o fenômeno social dos intelectuais. Esta interpretação alternativa
foi encontrada na obra de Marcelo Ridenti, que expusemos especificamente no âmbito
de seu debate sobre o florescimento cultural das décadas de 1950 e 1960 na forma
da elaboração analítica realizada através do conceito de estrutura de sentimento,
denominada brasilidade revolucionária.
É importante notar que, neste segundo capítulo, procuramos apontar
questões que consideramos pertinentes acerca das interpretações realizadas sobre o
Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB. Abordamos as obras de Caio
Navarro de Toledo, Carlos Guilherme Mota e Daniel Pécaut, não com o intuito de
exaurir a análise de seus conteúdos e de suas singulares realizações, mas de
caracterizar a montagem de seus argumentos e dos limites que se evidenciam na
forma como estes compreenderam os fenômenos intelectuais do período. Expondo o
tom combativo dos textos, verificamos que, respeitadas suas diferenças,
compartilham de um enquadramento que enfatiza as relações entre intelectuais e
98

Estado ou uma dimensão ideológica, no sentido pejorativo, onde a produção


intelectual e cultural do período foi lida e considerada monoliticamente como reflexo
do quadro mais amplo da conjuntura política do “populismo”. Certamente não alçamos
grandes voos neste tema, mas identificamos possíveis direções de pesquisa, tanto
voltadas para a compreensão da montagem deste debate ao longo das décadas de
1970 e 1980, quanto para a necessidade de releituras do processos, das práticas, das
produções e dos itinerários intelectuais do período das décadas de 1950 e 1960. Em
nossa compreensão, este parece ser um passo importante ainda a ser dado no nosso
campo de pesquisas.
A iniciativa de Marcelo Ridenti, neste sentido, nos pareceu promissora nesta
trajetória de reler tais debates e fenômenos. Partindo de outro cabedal teórico-
metodológico, sua interpretação é marcada por uma convergência que articula leituras
do campo da Sociologia da Cultura e dos Intelectuais. Destaque-se neste ponto a
combinação das contribuições de Michael Löwy, Raymond Williams, Perry Anderson,
dentre outras. Analisando e acompanhando esta abordagem, privilegiamos a
elaboração conceitual proposta pelo autor através do recurso ao conceito de estrutura
de sentimento. Esta elaboração é sintetizada no conceito de brasilidade
revolucionária, em que o autor buscou reunir a produção intelectual e cultural do
período através da identificação dos valores e sentimentos compartilhados por seus
produtores em suas obras e depoimentos. Neste roteiro, pudemos constatar uma
alternativa às leituras baseadas no conceito de “populismo” e a abertura de novos
delineamentos da experiência social do período. Redimensionando as relações entre
artistas e intelectuais e entre estes e os processos de transformação social mais
amplos deste período histórico, o autor teve a capacidade de explorar
sociologicamente seu florescimento cultural esquivando-se de leituras simplificadoras
de suas experiências. Apesar do ISEB não ter sido objeto direto de suas reflexões,
procuramos apontar neste momento as repercussões deste plano de análise para o
estudo da instituição e encontramos elementos para afirmar a possibilidade – não
levada a cabo neste trabalho, tendo em vista nosso recorte – de compreendermos e
explicarmos as dinâmicas de sua formação histórica e de sua atuação sem reduzirmos
o seu significado à uma “fábrica de ideologias”.
Identificando estas possibilidades, assim como os elementos que informam
sua leitura, encaminhamos nossa última reflexão, voltada para compreender as
relações intelectuais que marcaram a realização da CHN.
99

Na terceira e última etapa de nosso trabalho, encaramos a necessidade de


lançar as perspectivas dispostas nos capítulos anteriores sobre a realização da CHN.
Neste roteiro, dividimos nossa exposição em dois momentos. Um dedicado à observar
e tensionar parte das pesquisas já realizadas sobre a coleção, apontando seus limites
e reconhecendo pontos importantes estabelecidos por estas propostas. Em seguida,
identificados os impasses das leituras que privilegiaram a dimensão político-
educacional da CHN passamos a analisar documentos e depoimentos presentes em
entrevistas, publicações, IPMs, documentos da imprensa e do acervo pessoal de
Sodré.
Esta análise teve como objeto específico as relações intelectuais que
marcaram a formação do grupo “Alegria de Estudar” entendendo-o em seus processos
de organização e auto-organização, mesmo que no interior de uma instituição. Neste
sentido, acompanhamos também algumas leituras sobre a situação do ISEB diante
da conjuntura dos anos de 1963 e 1964 e consideramos duas estratégias que
identificamos em sua atuação no período que ainda não receberam atenção das
pesquisas sobre o tema: a formação de grupos de assistentes nos seus
departamentos, oriundos, nos casos que encontramos, majoritariamente da FNFi; e
os convênios com editoras privadas para contornar as dificuldades financeiras que
praticamente imobilizaram o seu Serviço de Publicação. Por certo, leituras que
enfatizem a formação “ideológica” do “pensamento isebiano” e sua saga na busca por
eficácia política no interior do “Estado Populista” não atentarão para a necessidade de
investigarmos estes objetos; identificando estas dificuldades, ainda nesta etapa
procuramos abordar os limites da leitura de Caio Navarro de Toledo sobre a atuação
do instituto em seus últimos anos. Abrem-se, portanto, problemas de pesquisa
interessantes para pensarmos a atuação do Instituto e das esquerdas na conjuntura
de radicalização política e cultural do pré-golpe.
Concentrando-nos nas relações intelectuais, procuramos evidenciar que este
ângulo nos proporciona uma leitura capaz de identificar aspectos das produções
culturais que foram ignoradas em outros trabalhos.
Tensionamos as leituras que enfatizaram uma instituição ou outra que
estivesse relacionada à sua trama institucional e, através do depoimento de seus
autores e leituras realizadas sobre a atuação destas instituições no período, pudemos
verificar estas relações sem necessariamente estabelecer uma linha unívoca entre os
100

projetos do grupo e, por exemplo, as diretrizes do MEC, as reformas de base ou a


influência do PCB.
Abordando os fatores de integração do grupo, os laços de amizade
estabelecidos entre seus integrantes, verificamos em seus depoimentos o significado,
para os jovens historiadores da FNFi, de uma figura da envergadura de Sodré e
aspectos de suas relações, como o democratismo acadêmico deste último em relação
à forma como organizou a realização de seus projetos. Notamos também as marcas
de ritmo e de intenção que estiveram presentes em sua atividade nos anos de 1963 e
1964. Colocamos em questão o que identificamos como o sentido da urgência dos
trabalhos do grupo, em contraposição à escrita vagarosa de Sodré e relacionados à
atmosfera de radicalização que, ambiguamente, o historiador tratava com cautela e
com tons de denúncia.
Acompanhamos as intenções de seus autores, constantemente relembradas
em seus depoimentos e presentes em diversos documentos, também para demonstrar
o compartilhamento daqueles valores e sentimentos que compunham a estrutura de
sentimento do período. A participação ativa dos autores na construção da brasilidade
revolucionária, com seus traços românticos na realização coletiva do trabalho de
escrita e com seus traços modernizantes na tentativa de conceber o “novo”, no front
da História, como escreveu um de seus autores. Caracterizando tais elementos no
interior desta experiência mais ampla, verificamos que a ressonância de suas
intenções com as linhas de força da atuação de seus suportes institucionais pode ser
lida através deste compartilhamento de uma estrutura de sentimento e não como
projetos mediata ou imediatamente correspondentes às relações entre as instituições
que permeavam o grupo e a sua atividade.
Por último, abordamos uma série de depoimentos e documentos que
apontavam informações novas, especialmente profícuas para o prosseguimento das
pesquisas sobre a intelectualidade do período e sobre a trajetória de Sodré.
Identificamos em nosso trabalho uma atuação do grupo que extrapolava seus
suportes institucionais e, mesmo na importância da realização da CHN, indicava
preocupações e atividades que iam além das inquietações com a renovação
historiográfica ou dos compêndios didáticos. Nos documentos que tivemos acesso,
verificamos as tentativas de parte de seus autores em darem continuidade ao grupo,
tendo em vista tanto a CHN quanto projetos variados que estariam sendo concebidos
pelo grupo na fase em que trabalharam no ISEB, mas também após a sua dispersão
101

por conta do golpe de 1964. Dentre estas atividades que apontavam para além da
CHN, encontramos um projeto de revistas em quadrinhos sobre a história do Brasil, a
tentativa de realizar alguma forma de publicação que levasse ao público a concepção
de História desenvolvida pelo grupo quando da redação da CHN e interessante
tratativa entre Sodré e Caio Graco Prado através de Maurício Martins de Mello
demonstrando o interesse do historiador em reativar a Revista Brasiliense.
Especialmente diante desta última informação, verificamos a possibilidade de
interpretá-la como um deslocamento de Sodré e do grupo no interior do próprio cenário
intelectual, objetivando o alcance de novos públicos, a ampliação do alcance de sua
eficácia política e mesmo o alargamento de seus debates tendo em vista a
participação em outros círculos intelectuais.
Finalmente, apresentamos um documento físico encontrado no acervo de
Sodré que revela um programa de aula de um curso datado de 1981 denominado
“curso História Nova do Brasil”. Dezessete anos depois de sua realização e também
da dissipação do grupo na conjuntura da ditadura, a História Nova ainda ocupava um
lugar nas reflexões do historiador, mas, tendo em vista a lacuna dos estudos sobre a
sua trajetória nas décadas de 1970, 1980 e 1990, não pudemos mais do que lançar
sugestões sobre o significado deste documento. Este documento, além de indicar a
permanência da CHN no horizonte intelectual de Sodré para além das experiências
do grupo “Alegria de Estudar”, do ISEB ou do período do pré-golpe, pode também
apontar possíveis encaminhamentos para pesquisas futuras que tratem tanto da
trajetória do autor quanto de aspectos mais particulares sobre sua obra.
102

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Brasil. [S.l.], 5 jun. 1981. 4 p. Orig. Ms. 32,03,001 nº 019.
111

ANEXOS

Anexo A – “NELSON Werneck Sodré fala sobre as origens do ISEB. Última Hora,
São Paulo, 17 out. 1963”
112

Anexo B – “METALÚRGICOS estudarão verdadeira história. A voz dos


metalúrgicos, jan. 1964”
113

Anexo C – “Relatório do encarregado do IPM da História Nova, General de Divisão


Manoel Mendes Pereira, Rio de Janeiro, 30 nov. 1965"
114
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149

Anexo D – O Autor e o livro [Entrevista com Nelson Werneck Sodré]. [S.n.], Rio de
Janeiro, 1965.
150

Anexo E – “SODRÉ, Nelson Werneck. Programa da primeira aula do curso


História Nova do Brasil. [S.l.], 5 jun. 1981. 4 p. Orig. Ms. 32,03,001 nº 019.”
151
152
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155

Anexo F – “INQUÉRITO Policial-Militar nº 164. Termos de perguntas ao indiciado


(Nelson Werneck Sodré). IPM dos Generais da Reserva. Brasília: STM/SeArq,
1970. Vol. 01.


156
157
158

Anexo G – “INQUÉRITO Policial-Militar nº 481. Por uma nova História do Brasil


(Roberto Pontual). Documento apreendido no ISEB. IPM da História Nova do Brasil.
Brasília: STM/SeArq, 1966b.”
159
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