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Poder Judiciário

Justiça do Trabalho
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região

Recurso Ordinário Trabalhista


0020289-22.2018.5.04.0701

Processo Judicial Eletrônico

Data da Autuação: 18/11/2019


Valor da causa: R$ 56.916,75

Partes:
RECORRENTE: SIGESC - SISTEMAS DE GESTAO DE CONVENIOS - EPP
ADVOGADO: FAENA GALL GOFAS
RECORRIDO: KEILA CRISTINA PEREIRA
ADVOGADO: ROMULO EDUARDO VARGAS
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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

Identificação
PROCESSO nº 0020289-22.2018.5.04.0701 (ROT)
RECORRENTE: SIGESC - SISTEMAS DE GESTAO DE CONVENIOS - EPP
RECORRIDO: KEILA CRISTINA PEREIRA
RELATOR: JANNEY CAMARGO BINA

EMENTA

DANO MORAL. O dano moral decorre da lesão a direito inerente à personalidade. Caso em que a
situação narrada pela autora e devidamente comprovada pela prova testemunhal revela conduta ofensiva
à direito inerente personalidade da demandante protegido constitucionalmente. Dano moral indenizável
configurável. Caso em que a ofensa sofrida pela autora possui natureza média, o que atrai a incidência do
inciso II do § 1º do art. 223-G, da CLT, que determina a fixação da indenização dos danos morais em tais
casos no valor de até cinco vezes o último salário do ofendido. Recurso ordinário da reclamada a que se
dá parcial provimento para reduzir o quantum indenizatório para R$ 8.000,00 (oito mil reais).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Magistrados integrantes da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª


Região: por unanimidade, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO DA
RECLAMADA para reduzir o valor da indenização por dano moral para R$ 8.000,00 (oito mil reais).
Valor da condenação que se reduz para R$ 8.000,00 e custas para 160,00.

Intime-se.

Porto Alegre, 23 de junho de 2020 (terça-feira).

RELATÓRIO

Assinado eletronicamente por: JANNEY CAMARGO BINA - 30/06/2020 20:53:54 - 09730f4


https://pje.trt4.jus.br/segundograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=20032312341996400000044744581
Número do processo: 0020289-22.2018.5.04.0701
Número do documento: 20032312341996400000044744581
Inconformada com a sentença de parcial procedência (ID. 3391802), a reclamada interpõe recurso
ordinário.

Em suas razões (ID. 4b952ee), requer a reforma da sentença quanto ao dano moral.

Com contrarrazões da reclamante (ID. 5f51bf8), os autos são remetidos a este Tribunal para julgamento.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA

1. DANO MORAL

O juízo de primeiro grau acolheu o pedido da reclamante de indenização por dano moral. Entendeu que o
sócio da ré veiculou mensagem com conteúdo ofensivo, desrespeitoso, extrapolando o poder diretivo que
a lei lhe confere. Destacou que o eventual descumprimento de diretivas da empresa não autoriza expor o
empregado a constrangimento e humilhações. Considerou evidente o excesso praticado pelo sócio, cujas
mensagens, enviadas por aplicativo de celular e por e-mail, foram classificadas como carregadas de
sarcasmo, irritabilidade, comentários desnecessários e desrespeitosos aos empregados a quem era
direcionado o texto. Referiu se tratar de padrão comportamental do sócio, que compunha a gestão
organizacional baseada no constrangimento e humilhação de seus subordinados. Reputou ofensiva a
conduta do sócio Leandro em cogitar retardo mental do empregado, em meio a comentários sarcásticos,
questionando a capacidade intelectiva por meio de deboche e considerações irritadiças. Referiu que o
empregador poderia veicular sua insatisfação ou eventual reação punitiva com observância aos limites
legais, sem a necessidade de apelar para humilhações registradas por escrito e lançadas para que todos os
gerentes acompanhassem o constrangimento. Asseverou que a subordinação presente na relação de
emprego não implica inferioridade do trabalhador, tampouco obrigação de suportar ofensas e agressões
verbais ou escritas, impróprias numa relação contratual civilizada. Diante disso, fixou indenização por
dano moral no valor de R$ 10.000,00.

A reclamada não se conforma. Alega que a decisão recorrida se baseou em fatos isolados, os quais sequer
foram direcionados à reclamante, não havendo ato da empresa que possa ensejar dano moral. Afirma que
as alegações da reclamante foram fundadas em "achismos" e eventuais dissabores que ensejaram sua
demissão. Advoga que a reclamante não apresentou documentação apta a comprovar os males que teria
sofrido à época do contrato de trabalho. Afirma que a sentença foi maculada por impressões pessoais e
tendenciosas, posto que desconsiderou o conjunto probatório. Refere que as mensagens lançadas em

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Número do processo: 0020289-22.2018.5.04.0701
Número do documento: 20032312341996400000044744581
grupo de aplicativo para celular constitui mero dissabor ocorrido em momento de estresse do gestor ao se
deparar com valores aplicados de forma incorreta e em desacordo com o propósito da cultura empresarial
da unidade. Cita julgados. Pugna pela absolvição ou, sucessivamente, a redução do valor da indenização
por dano moral fixado na origem.

Examino.

A reclamante foi admitida em 16/09/2015, na função de recepcionista (Contrato de ID. 3f105a6), tendo
sido demitida sem justa causa em 26/03/2018 (TRCT de ID. 37f3f00), quando ocupava o cargo de
gerente administrativa.

A autora alegou na inicial (ID. 5157e98) que sofreu ofensas e xingamentos por parte do sócio da
reclamada, Leandro Feltrin. Sustentou que Leandro excedia o poder diretivo do empregador, exercendo
coerção e proferindo ameaças, o que lhe causou abalo emocional. Por fim, pediu indenização por danos
morais em virtude dos fatos narrados.

Considerando o teor das alegações da parte autora, faz-se imperioso o exame da prova oral.

A testemunha Leidyane Almeida Miranda Aires Leite, convidada pela reclamante disse:

(...) prestou serviços para a ré de setembro de 2015 a 01/03/2018, ingressou como


Auxiliar Financeiro, atividade que durou 02 meses, saiu da ré na função de Gerente
Administrativo; afirma que prestava serviços na filial de Cachoeira do Sul, na qual havia
em torno de 10 empregados; a depoente exercia a maior função na área administrativa;
afirma que a autora não prestou serviços em Cachoeira do Sul, mantinha contato pessoal
com a reclamante em reuniões mensais realizadas em Cachoeira do Sul, nas quais a
autora comparecia. Quesitos do autor(a): a depoente participava de grupo de whats app
formado pelas gerentes das filiais, inclusive a reclamante; a depoente afirma que
Leandro, proprietário da reclamada, fazia manifestações no whats app; afirma que em
determinada ocasião recorda que Leandro dirigiu-se às gerentes desse grupo usando
expressões como "débil mental" em razão de problemas de pagamentos de despesas de
uma festa na cidade de Agudo; afirma que a autora era a responsável pelas ações da
reclamada nessa festa em Agudo; a depoente participava das reuniões ocorriam com as
gerentes em Cachoeira do Sul; refere que na reunião posterior ao evento na cidade de
Agudo houve manifestação de Leandro sobre o evento referindo "quem estava por trás
daquele evento não tinha senso, não tinha capacidade para estar na frente da unidade";
a depoente refere que também ocorreu em reunião o uso de palavras ofensivas por
Leandro em relação à Gerente Tailise, devido ao não atingimento de metas,
mencionando que a "empregada não tinha capacidade, não sabia como ela ainda estava
no cargo, que deveria ser demitida sem dó nem piedade"; afirma que teve vista de e-mail
impresso pela reclamante, recebido de Leandro no qual tratava sobre a festa na cidade
de Agudo com ofensas semelhantes àquelas acima registradas; a depoente afirma que
estava almoçando com a reclamante em determinada ocasião, presenciou a reclamante
nervosa, chorando ao término do contato telefônico, tendo sido mencionado pela
autora que se tratava de Leandro, que cobrava entrega de planilha não encaminhada
pela reclamante; afirma que a autora mencionou ter ouvido ofensas nos termos acima
referidos, também nessa ligação telefônica que durou cerca de meia hora. (...)

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Número do documento: 20032312341996400000044744581
A testemunha Fernando Aires Leite, também convidada pela reclamante, disse:

(...) prestou serviços para a reclamada de 2014 ao início de 2018; exerceu a função de
Gerente administrativo - clínica médica por um ano e meio, anteriormente exerceu a
função motorista de ambulância; o depoente trabalhava em Cachoeira do Sul e a autora
em Agudo. Quesitos do autor(a): o depoente participava de grupo de gerentes no whats
app em que participava a autora e o sócio da ré Leandro; refere que observou
expressões ofensivas como débil mental e retardado, a todos os membros do grupo,
proferidas por Leandro Feltrin, Diretor da empresa; refere que essas expressões foram
utilizadas em manifestação de Leandro sobre organização de eventos dos quais a
reclamada participou, dentre eles uma festa em Agudo; a reclamante era responsável
por organizar eventos nessa cidade; o depoente afirma que foi ofendido por telefone por
Leandro, não tem conhecimento de ofensas dirigidas à reclamante por e-mail; o depoente
afirma que não teve acesso ao e-mail da folha 25 cujo conteúdo foi lido em voz pelo
procurador da autora; afirma que ouviu comentários de Leandro em reunião sobre
gastos excessivos, abusivos, absurdos, que poderiam levar a empresa à falência; refere
que ouviu como ofensa à autora ser dito por Leandro que quem atuava daquela forma
não servia como funcionário para a empresa, ameaçava de dispensa. (...)

Além disso, a prova documental contraria o teor do depoimento da testemunha Tailise Santos Barros,
convidada pela reclamada e ouvida na qualidade de informante, segundo a qual "participava de grupo de
gerentes da reclamada no whatts app; não havia ofensas em mensagens postadas por Leandro nesse
grupo, apenas cobranças de metas".

A ata notarial (ID. 2e4ab37) e os e-mails (ID. cfc85e6), onde se verifica a utilização de caixa alta em
inúmeros trechos das correspondências eletrônicas redigidas pelo sócio Leandro, além do uso desmedido
de sinais de exclamação e de interrogação, denotam a ausência de urbanidade do representante do
empregador para com os seus subordinados, ao contrário do que afirmou a testemunha convidada pela
reclamada e ouvida na qualidade de informante, para quem as expressões "débil mental", "pessoas déficit
de atenção, ou pior problema mental", não possuem caráter ofensivo.

O direito à indenização por danos morais ao trabalhador depende, basicamente, de três elementos, ou
seja, o ato empresarial considerado ilícito; o dano causado ao empregado; e o nexo causal entre o ato
praticado por representantes do empregador e a lesão sofrida pelo empregado. De outro lado, considera-
se a hipótese em que o dano decorra do fato em si, quando poderá ensejar uma indenização com
fundamento no dano moral in re ipsa, decorrente da própria violação perpetrada.

O dano resultante da ofensa à moral não exige comprovação, decorrendo diretamente do fato. Nesse
sentido, destaca-se a doutrina de Sérgio Cavalieri Filho (2005, p. 108):

"O dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a
ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de
ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa, deriva
inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto
está demonstrado o dano moral a guisa de uma presunção natural, uma presunção
hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum".

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Assim, não há o que se falar prova de danos através de seus efeitos, mas sim na identificação do fato
ilícito lesivo à um direito da personalidade.

E nesse desiderato, destaco que com a Constituição da República de 1988, integrou-se aos efeitos
conexos do contrato de trabalho também a proteção dos direitos da personalidade do trabalhador,
consagrados já no artigo 1.º, inciso III, quando inclui entre os fundamentos da República a dignidade da
pessoa humana, assim como no caput e nos incisos V e V, do artigo 5.º da mesma Carta, quando
estabelece como direitos e garantias individuais fundamentais atributos dessa dignidade como o direito à
igualdade, o direito à vida, à liberdade, à segurança, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da
honra, da imagem, do que decorre que a violação a quaisquer desses atributos da personalidade
caracterizam danos extrapatrimoniais ou danos morais, passíveis de indenização ou compensação.

Segundo PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO (In Princípio da reparação integral -


Indenização no Código Civil. - São Paulo: Saraiva, 2010. p.265.a boa classificação dos danos
extrapatrimoniais é construída por JUDITH MARTINS-COSTA que identifica três modalidades
distintas:

- danos à esfera existencial da pessoa humana, prejudicando interesses ligados aos


direitos da personalidade;

- danos à esfera da socialidade da pessoa humana, afetando interesses transindividuais


não patrimoniais, como os danos ao meio ambiente; e

- danos à honra objetiva de pessoa jurídica.

Pois bem, entre os bens passíveis de danos da esfera existencial da pessoa humana - da personalidade
humana - hipótese invocada pela parte autora, as normas constitucionais em vigor identificam os
seguintes direitos:

- à vida, à liberdade, à igualdade (caput do artigo 5.º);

- direito à integridade física (inciso III, do artigo 5.º);

- inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (inciso X, do art. 5.


º).

No contexto em análise nestes autos, o infortúnio atingiu direito à honra e à imagem da trabalhadora,
atingindo direito da personalidade humana, como demonstrado. O dano moral, assim, está caracterizado.

A Lei nº 13.467/2017, ao incluir o art. 223-G na CLT, trouxe os critérios para estabelecer o quantum da
indenização reparatória do dano moral, de acordo com o grau da lesão sofrida.

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Sopesados os elementos existentes no autos, sobretudo a contumácia do comportamento baseado no
constrangimento e humilhação dos empregados, entendo que a ofensa sofrida pela autora possui natureza
média, o que atrai a incidência do inciso II do § 1º do art. 223-G, da CLT, que determina a fixação da
indenização dos danos morais em tais casos no valor de até cinco vezes o último salário do ofendido.
Assim, considerando que o último salário da autora era de R$ 1.740,96, tenho por razoável a redução do
quantum indenizatório para R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para reduzir o valor da
indenização por dano moral para R$ 8.000,00 (oito mil reais).

PREQUESTIONAMENTO

Conforme princípio da persuasão racional, o Julgador não está obrigado a abordar um por um todos os
argumentos e dispositivos jurídicos invocados pela parte, mas sim decidir livremente as questões
controvertidas submetidas ao julgamento, apresentando os correspondentes fundamentos de prova e de
direito adotados - art. 93, IX, da Constituição da República - o que está demonstrado na decisão acima.

Assim, para evitar que se alegue omissões em relação a fatos, argumentos, teses ou dispositivos
constitucionais, legais e normativos invocados nos autos pelas partes, declaro que foram todos analisados
e considerados para o julgamento, razão pela qual, nos termos da jurisprudência consolidada pelo
Tribunal Superior do Trabalho através da Súmula 297, item I, e da Orientação Jurisprudencial n.º 118 de
sua SDI-1, são consideradas prequestionados.

JANNEY CAMARGO BINA

Relator

VOTOS

PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:

DESEMBARGADOR JANNEY CAMARGO BINA (RELATOR)

DESEMBARGADORA ANA ROSA PEREIRA ZAGO SAGRILO

DESEMBARGADOR MARCELO GONÇALVES DE OLIVEIRA

Assinado eletronicamente por: JANNEY CAMARGO BINA - 30/06/2020 20:53:54 - 09730f4


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Número do processo: 0020289-22.2018.5.04.0701
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