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Saúde alimentar

Esta seção tem o objetivo de atualizar o leitor em relação à nutrição e saúde alimentar. A alimentação saudável e segura, baseada
em informações atuais, pode se refletir na qualidade de vida dos indivíduos e nos tratamentos de saúde a ela associados. Nutrição
clínica, segurança e higiene alimentar, gastronomia e saúde pública serão tópicos desta seção.

Silvia Maria Fraga Piovacari


Editora da seção

O papel da frutose no ganho de peso, a ingestão de carboidratos aumentou em aproxima-


damente 62 g/dia em mulheres e 69 g/dia em homens,
síndrome metabólica, hiperuricemia e entre 1971 e 2000(4), em função, principalmente, do
aumento do consumo de refrigerantes, entre outras
doença renal crônica bebidas com alto teor de frutose, consumo de cereais
Rosana Maria Cardoso1, Bento Fortunato dos Santos2,  matinais, alimentos panificados e sobremesas doces
Silvia Maria Fraga Piovacari3 preparadas com sacarose e xarope de milho com alto
1
Nutricionista do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. teor de frutose. A frutose é prontamente absorvida e
2
Gerente de Gestão Informação Saúde do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP),
Brasil. metabolizada pelo fígado humano. Por centenas de
3
Coordenadora do Serviço de Nutrição Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, anos a quantidade de frutose consumida por dia era
São Paulo (SP), Brasil.
equivalente a 16-20 g/dia, principalmente por meio do
consumo de frutas frescas. A ocidentalização das die-
A síndrome metabólica é reconhecida como um fator
tas resultou em um aumento significativo no consumo
de risco para o diabetes, doença cardiovascular, obesi-
de frutose, levando ao consumo diário de até 85-100
dade e doença renal crônica(1-3). A síndrome metabólica
g/dia(5). O xarope de milho é produzido pela isomeri-
originalmente inclui resistência à insulina, intolerância
à glicose, hiperinsulinemia, hipertensão, dislipidemia zação enzimática da dextrose à frutose(1). O consumo
caracterizada pela alta concentração de triacilglicerol e de xarope de milho com alto teor de frutose aumen-
baixa concentração de lipoproteína de alta densidade tou mais que 1000% entre 1970 e 1990, superando as
(HDL), obesidade central, aumento na concentração mudanças na ingestão de qualquer outro alimento ou
de ácido úrico, altas concentrações circulantes de ini- grupo alimentar(6).
bidor do ativador do plasminogênio-1 e concentrações A exposição do fígado a grandes quantidades de fru-
circulantes diminuídas de adiponectina(1). tose pode resultar em rápida estimulação da lipogênese
A prevalência da obesidade nos Estados Unidos e no e acúmulo de triglicérides, o que por sua vez contribui
mundo está aumentando. Mais da metade da população para a sensibilidade reduzida à insulina e intolerância
americana com idade ≥ 20 é considerada com sobrepeso à glicose. Esses efeitos negativos da frutose são a razão
(índice de massa corpórea ≥ 25 kg/m2) e aproximadamente pela qual seu metabolismo tem ganhado atenção mais
25% é clinicamente obesa (índice de massa corpórea ≥ 30 recente. Interessantemente, pequena quantidade cata-
kg/m2)(1). Mudanças no padrão alimentar, como aumento lítica de frutose pode apresentar efeitos positivos, dimi-
do consumo calórico ao longo das décadas, e na qualida- nuir a resposta glicêmica à carga de glicose e melhorar
de dos nutrientes consumidos vêm sendo estudadas como a tolerância à glicose(5).
fatores contribuintes para o seu desenvolvimento(1). Alguns estudos têm sugerido que o alto consumo
De acordo com os dados do National Health and de frutose poderia contribuir para o ganho de peso,
Nutrition Examination Surveys (NHANES) relatados desenvolvimento de síndrome metabólica, hipertensão,
pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), hiperlipidemia e resistência à insulina(1-6).

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Harvel et al.(4) conduziram um estudo clínico cujo estudo, que ainda continuou por mais onze semanas. A
resultado demonstrou que a frutose não causa um ní- proteinúria e ureia foram significativamente aumentadas
vel de saciedade equivalente à refeição baseada em e o clearance de creatinina diminuído no grupo que rece-
glicose. O mecanismo responsável seria a inabilidade beu frutose em comparação aos grupos que receberam
da frutose em estimular agudamente a secreção de in- dextrose e carboidratos complexos. Esclerose glomeru-
sulina e leptina e suprimir a grelina, fatores conhecidos lar, atrofia tubular, dilatação tubular e infiltração celular
por afetarem a saciedade no sistema nervoso central(3). foram marcadamente piores nos rins dos ratos que rece-
Ao contrário da glicose, a frutose entra nas células via beram frutose. As proteínas quimiotáxicas para monóci-
transportador GLUT-5, que não depende da estimula- tos (MCP-1) mensuradas no tecido renal homogeneiza-
ção pela insulina e não está presente nas células β do do estavam elevadas nos ratos alimentados com frutose.
pâncreas e no cérebro, limitando a entrada da frutose Esses autores concluíram que, em modelo experimental,
nesses tecidos(6). No fígado, a frutose é metabolizada dieta com alto teor de frutose acelera marcadamente a
em gliceraldeído e diidroxiacetona-fosfato. Particular- progressão da doença renal crônica.
mente esses produtos finais do metabolismo da fruto- O aumento alarmante no consumo de frutose pode
se podem convergir prontamente na via glicolítica(5). ser um importante contribuinte para o desenvolvimen-
A importância está na habilidade da frutose em “by- to de obesidade, hipertensão, resistência à insulina,
passar” o principal passo regulatório da glicólise, a diabetes e doença renal crônica(1-6). Mais pesquisas são
conversão da glicose-6-fosfato à frutose 1,6 bifosfato, necessárias para um melhor entendimento dos efeitos
pela enzima fosfofrutocinase. Desse modo, enquanto o do consumo da frutose. Enquanto isso, recomendações
metabolismo da glicose é negativamente regulado pela prudentes quanto à ingestão de frutose devem ser con-
fosfofrutocinase, a frutose pode entrar continuamente sideradas. A adição de frutose (na forma de sacarose
na via glicolítica. Então, a frutose pode produzir des- ou amido de milho com alto teor de frutose) não parece
controladamente glicose, glicogênio, lactato e piruva- ser uma boa escolha de carboidratos a serem consumi-
to, fornecendo tanto porções acil quanto glicerol das dos na alimentação. Pequenas quantidades de frutose
moléculas de triacilglicerol. Esses substratos em par- adicional provavelmente têm um aspecto benigno, com
ticular e o excesso de fluxo energético em decorrência efeitos possivelmente favoráveis. Com base nas infor-
do metabolismo desregulado da frutose promoverão a mações relativas aos efeitos metabólicos e endócrinos
super produção de triglicerídeos(5). quanto ao consumo de grandes quantidades de frutose,
A frutose é o único açúcar capaz de elevar as con- é preferível que o consumo primário de carboidratos
centrações de ácido úrico, fato demonstrado em huma- seja na forma de glicose (simples ou complexa). O con-
nos e roedores pela degradação do ATP em AMP, um sumo de frutas e vegetais deve continuar a ser encoraja-
precursor do ácido úrico(3,5). Quando a frutose entra no do devido ao seu fornecimento de fibras, micronutrien-
hepatócito e em outras células, onde é completamente tes e antioxidantes.
metabolizada pela frutocinase com consumo de ATP, ao Essas medidas talvez favoreçam indivíduos com
contrário do metabolismo da glicose, não há nenhum maior pré-disposição aos efeitos adversos da frutose(1).
mecanismo regulatório que previna a depleção de ATP.
Como consequência, ácido lático e ácido úrico são ge-
rados nesse processo e as concentrações de ácido úrico REFERÊNCIAS
podem se elevar em 1-4 mg/dl após a ingestão de uma 1. Elliott SS, Keim NL, Stern JS, Teff K, Havel PJ. Fructose, weight gain, and the
grande refeição baseada em frutose(3). Embora a eleva- insulin resistance syndrome. Am J Clin Nutr. 2002;76(5):911-22.
ção nas concentrações de ácido úrico seja vista como 2. Gersch MS, Mu W, Cirillo P, Reungjui S, Zhang L, Roncal C, et al. Fructose, but
not dextrose, accelerates the progression of chronic kidney disease. Am J
um simples risco potencial para indução da gota, tem Physiol Renal Physiol. 2007;293(4):F1256-61.
sido sugerido que possa ser um mecanismo-chave para
3. Johnson RJ, Segal MS, Sautin Y, Nakagawa T, Feig DI, Kang DH, et al. Potential
explicar como a frutose pode causar doença cardiovas- role of sugar (fructose) in the epidemic of hypertension, obesity and the
cular. O ácido úrico vem sendo apontado como um pre- metabolic syndrome, diabetes, kidney disease, and cardiovascular disease.
ditor independente para hipertensão, obesidade, hipe- Am J Clin Nutr. 2007;86(4):899-906.
rinsulinemia e doença renal(3). 4. Havel PJ. Dietary fructose: implications for dysregulation of energy homeostasis
Gersch et al.(2), avaliaram ratos com doença renal and lipid/carbohydrate metabolism. Nutr Rev. 2005;63(5):133-57.
crônica dividindo-os em três grupos: um alimentado com 5. Basciano H, Federico L, Adeli K. Fructose, insulin resistance, and metabolic
dyslipidemia. Nutr Metab (Lond). 2005;2(1):5.
uma dieta contendo 60% de frutose, outro alimentado
6. Bray GA, Nielsen SJ, Popkin BM. Consumption of high-fructose corn syrup
com dieta contendo 60% de dextrose e um terceiro ali- in beverages may play a role in the epidemic of obesity. Am J Clin Nutr.
mentado com dieta à base de carboidratos complexos. 2004;79(4):537-43. Review. Erratum in: Am J Clin Nutr. 2004;80(4):
A nefrectomia ocorreu após seis semanas do início do 1090.

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