Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Educação Física É Saúde Antropológica
Educação Física É Saúde Antropológica
Nas considerações finais a autora repete não foi resultante da reflexão antropológica de
suas críticas à educação física conservadora, gabinete, mas a sedimentação de uma necessidade
produto de uma sociedade capitalista e de humana, produto das intencionalidades imanentes
consumo. Reconduz o discurso sobre o mercado dos seres humanos. Com essa premissa,
publicitário e o investimento do poder sobre o fenômenos como esporte, dança, ginástica, lazer e
corpo. Denuncia a indústria da beleza, o universo saúde, podem e devem fazer parte de um contexto
da padronização do corpo pelo efeito do exercício. político, econômico e educacional.
Todo esforço e trabalho intelectual da Embora ilustrado muito bem o conteúdo
autora, se direciona no sentido de mostrar seu crítico sobre a Educação Física, o livro em
ponto de vista, com argumentos sustentados por questão apresenta uma descrição ideológica do
uma visão materialista dialética que, de alguma problema, simplificando conceitos universais, e,
forma, desqualifica a atividade física oferecida de certa maneira responsabilizando a Educação
pela Educação Física como referência na busca da Física por uma competência fora do seu domínio.
saúde na sociedade de consumo. Por outro lado, Isto seria aceitável, se todo o conteúdo conhecido
demonstra as possibilidades do surgimento de como ginástica, esporte, dança, lazer, higiene e
uma Educação Física qualificada para tal. No saúde, pudessem ter a firmeza estrutural de uma
contexto do discurso, protagonizado pela área do conhecimento consagrada pela cultura.
materialista mundo, parece ter justificado a nova Entretanto, como a própria cultura nos avisa, essa
prática fundamental e revolucionária. conquista é um processo, e não um produto. Como
é possível responsabilizar, uma disciplina que
Enunciado Crítico ainda está com seu conteúdo desorganizado, e sem
Não posso declarar que a abordagem emancipação cultural, pela saúde pública?
contida no discurso da professora Yara seja uma A Educação Física não foi uma invenção
reflexão totalmente equivocada. Considero, pelo de ultima hora para identificar o homem em
contrário, uma descrição coerente, sustentada por movimento, assim como a medicina não foi um
fatos históricos evidentes, e com referencial projeto hipocrático isolado, nem mesmo Galeno e
metodológico claro. Minha crítica, entretanto, visa Paracelso, foram inventores de organismos
demonstrar alguns princípios que viriam a facilitar doentes. As necessidades humanas, em qualquer
a interpretação de outros sentidos para a atividade sociedade, geram resoluções e crises sucessivas.
física, que escapam da discussão da autora. É Foi assim nas tribos mais primitivas e continua
pretensão, contudo, legitimar a Educação Física sendo assim no mundo contemporâneo, na
como entidade da cultura na sociedade Paidéia e na Globalização. Somente no mundo
contemporânea. contemporâneo o conceito Educação Física
O discurso e a linguagem contida no livro parece ter assegurado uma certa competência
O “Mito” da Atividade Física e Saúde requer um exclusiva e ainda buscando sua identidade.
posicionamento crítico a partir dos conceitos ditos Interessa-nos, sobretudo, organizar o escopo
como únicos e verdadeiros, e que na realidade disciplinar e reorientar o sentido daquilo que
poderíamos compreender respeitosamente como compreendemos como prática. Fora desse
mais uma posição. Um tanto diferente da autora, contexto, o que se fará será especulação
porém, devo compreender e prestar essa crítica, intelectual.
como esclarecimento conceptual, uma
contribuição filosófica para a profissão. Sobre o Mito
O que permitiria, descrever o problema Os mitos foram as entidades que deram e
numa abordagem diferenciada, sob o ponto de fizeram sentido para o homem do inicio dos
vista da Educação Física num mundo tempos, é equívoco recorrer a uma crítica do
contemporâneo, é uma firmeza filosófica fruto da legado mítico para justificar acontecimentos
reflexão pura, aceitando o debate sobre o ser contemporâneos. Afirmar que o boom da
humano na sua totalidade. Há uma realidade mais Educação Física situa-se sobre o pilar publicitário
ampla no uso do corpo e do movimento humano, colocando-a como “mito” entre aspas, é perigoso.
como elementos de uma cultura que se instalou no Esse discurso banaliza as origens e os princípios
cotidiano das pessoas. A rigor, esse cotidiano pelos quais o pensamento, o sentimento, e a ação
aceitou o conceito de Educação Física, que talvez dos homens constitui-se hoje. Parece livresca a
tenha sido fundada num espaço profissional justificativa e o elogio ao mito transparece
prático, aceitando o esforço físico como um paradoxal. O discurso da autora enquadra a
sentido de manutenção da saúde. Não é difícil mitologia fora do espaço e tempo sagrado,
compreender, que a base estrutural dessa metáfora ocorrido no começo dos tempos. Para uma
compreensão mais autêntica, é preciso aceitar que, iniciativa humana de se dispor a fazer alguma
narrar o mito equivale sempre a revelar um coisa consigo mesmo. Essa prática intencional e
mistério de personagens sobrenaturais, o que não crítica deveria estar no discurso e na linguagem do
é o caso da atividade física na cultura profissional, que é responsável pela emancipação
contemporânea. O mito proclama o advento das da profissão e da disciplina, e que
realidades sagradas, porque nas sociedades fundamentalmente possui representação (tudo
primitivas, é o sagrado que assume a condição aquilo que se refere ao conhecimento e a realidade
proeminente da realidade vivida. Qualquer coisa que o constitui) e expressão ( aquilo que está
que pertença à esfera do profano não participa dos representado na cultura pelos símbolos ou atos
atos criados por deuses ou heróis (ELIADE, simbólicos). Portanto, no esporte, na dança, na
1957). ginástica, na atividade lúdica há uma consciência
Os signos e sinais de outros tempos, teórica e uma prática que jamais pode ser
refletem e capacitam as entidades humanas para considerada utilitarista, compensatória, ou reduto
constantes redescobertas. Ainda não organicista de trabalho como gasto de energia,
compreendemos rigorosamente o prestígio do assim como a prática médica não é a cura, e o
mito, não percebemos que a realidade física está conceito de saúde pública não se resume a
sendo redescoberta através do inconsciente discurso político. A condição física e a busca da
individual e coletivo. O culto a saúde e o boom satisfação é humana por princípio, mesmo diante
das atividades corporais talvez seja o reencontro da fome e da miséria social, elas fazem parte do
humano com as origens, uma regressão aperfeiçoamento humano. Precisamos fazer as
ontológica, proporcional ao avanço da denúncias e as críticas, porém precisamos
necessidade de sobrevivência, uma redescoberta igualmente propor e executar as alternativas.
das atividades simbólicas dos homens no mundo É bem provável que Adorno (citado pela
da cultura (CASSIRER, 1923). autora) ficaria assustado com a direção tomada
A concepção de corpo, o uso do pela prática da Educação Física vinda da indústria
movimento humano como fenômeno prático, a cultural. Porém, o próprio Adorno não exitiria em
preocupação com a manutenção da saúde, elogiar a emancipação estética do gesto, o
crescimento e desenvolvimento é pré-filosófica . inapreensível pela objetividade. Para apreciá-lo,
A consciência que temos hoje sobre qualquer pintores, cineastas, escultores, muito antes dos
atividade física, nos indica-nos que há muitos professores, emancipam esses efeitos em suas
estudos e estudiosos interessados em compreender artes, retratando um tempo absoluto, capaz de
o sentido de uma modalidade esportiva, um estilo representar e expressar uma plenitude
de ginástica, de um modo de brincadeira, ou uma determinada pela amplitude que alcança. A
evidência de natureza expressiva. De alguma repercurssão do efeito de grandeza, que
forma, é um indicativo da superabundância pressupõe o sublime das práticas corporais, denota
antropológica da corporeidade humana, algo mais satisfação e beleza, apreciadas pela infinitude de
sublime e muito mais necessário de ser vivido do quem joga, brinca, esforça-se, e dança, no imenso
que aparentemente transparece. São muitos os espaço que o corpo humano ocupa na cultura.
sentidos da atividade física, há transcendência e Toda referência à Educação Física no
polissemia na relação do homem como mundo mundo contemporâneo deve ser cuidadosa, pois
vivido, enquanto um conceito, devemos confirmar seu conceito ultrapassou as fronteiras de uma
e aceitar a idéia de que toda consciência é simples atividade prática. Há uma profundidade
atividade (MERLEAU-PONTY, 1963), seja ela ontológica naquele que pratica educação física na
de qualquer natureza. realidade de hoje, independente de gênero, raça,
Na miséria social em que vivemos, o classe social, etc. Os parâmetros lúdicos e
culto à saúde ou à doença parece-nos ter estéticos atingem a natureza humana antes da
enquadrados na trama dos conceitos: faz-se o concepção política-econômica. Como já dito
discurso político sobre a decadência da saúde anteriormente, a tomada de consciência da
pública no capitalismo, culpamos a medicina pela realidade das atividades físicas também está na
incompetência, e deslocamos a atualidade da cultura de quem pratica e divulga, e não na
Educação Física como foco publicitário. A montagem ou discurso intelectual daqueles que
pergunta é simples: as pessoas se desocupam ou reclamam que a atividade física é privilégio.
se ocupam quando procuram fazer atividade O consumo é perverso e traiçoeiro, a
física; sentem-se bem ou mal? A publicidade pode busca do lucro e danosa e corrupta, a injustiça e
exaltar a corporeidade e elitizar o espaço da discriminação social é cruel e atroz, porém a
prática, porém não pode, e não vai, jamais, tirar a condição humana é muito maior do que a
preciso ler o livro com perspectiva ampla e livre ELIADE, M. Le sacré et le profane. Paris,
das pré-concepções. P.U.F., 1957.
HABERMAS,G. Der philosophische diskurs
O “Mito” da Atividade Física e Saúde der moderne, zwoelf vorlesungen.
Yara Maria de Carvalho Frankfurt, M. Suhrkamp, 1985.
Editora Hucitec, São Paulo, 1995, 133 p. MARCEL, G. If I Am my Body. In: Philosophic
Inquiry in Sport. Champaign, Illinois, 1988.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MAUSS, M. Sociologia a antropologia. São
Paulo, EDUSP, Vol. II, 1974, p. 64
CASSIRER, E. Philosophie der symbolischen. MERLEAU-PONTY, M. L’Oeuil et l’esprit.
Berlim, Vol I, 1923. Paris, Edition Gallimard, 1963.