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ÉTICA E GOVERNANÇA

CORPORATIVA
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SUMÁRIO
1 – Ética: uma visão pragmática .................................................................................. 2

2 – Governança corporativa .........................................................................................3


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Introdução: ética e governança corporativa

1. Ética: uma visão pragmática


Ao longo da história, a ética foi associada a conceitos abstratos e metafísicos (bem e
mal), religiosos (virtude e pecado) e a convicções morais estritamente individuais.
Neste curso, adotaremos uma visão objetiva e racional da ética, reconhecendo que
ela foi um dos mecanismos de organização social que – ao lado da Justiça e do Direito
– viabilizou o convívio do ser humano em sociedades com grande número de
indivíduos e crescentemente complexas. Independentemente de sua origem,
fundamento e fonte de legitimação, a Ética tem servido como direção e baliza do
comportamento humano, capacitando-nos a equilibrar impulsos egoístas com
considerações sobre os impactos de nossas ações para a coletividade.
Seus princípios, que emergem e evoluem do convívio entre indivíduos, oferecem ao
homem um senso de coletividade e interdependência que o impulsiona a colaborar
com o desenvolvimento social, não apenas nos limites de seus laços de sangue ou de
tribo, como se verifica em outros animais, mas no sentido mais amplo da espécie.
Hoje, aliás, as discussões sobre ética transcendem as relações entre seres humanos,
para abranger suas relações com as outras espécies animais e com o meio ambiente.
Nessa abordagem pragmática, os padrões de comportamento ético não são
estabelecidos a partir de noções metafísicas de bem e mal ou da intenção do agente,
mas a partir dos impactos positivos ou negativos de sua ação para a coletividade
(externalidades).
Com base nessa premissa, podemos enumerar alguns princípios éticos gerais:

 Universalidade – São éticos os comportamentos que, se reproduzidos por um


grande número de indivíduos, resultam em aumento (ou, ao menos,
manutenção) do bem-estar e desenvolvimento social.
 Transparência – Atitudes éticas não precisam ser ocultadas da sociedade.
 Comprometimento e responsabilidade pessoal (accountability) – Honrar a
palavra, assumir responsabilidade, reconhecer erros, adotar as medidas
necessárias para corrigi-los, prestar conta de suas ações para a sociedade.
 Senso do coletivo – Compreensão dos impactos das atitudes individuais sobre
a coletividade e consideração de tais impactos na tomada de decisões.
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A carência ou insuficiência de uma cultura de ética pode dificultar e até mesmo


inviabilizar o desenvolvimento socioeconômico de uma sociedade.

“Todas as crises, portanto, que pelo Brasil estão passando, e que dia a dia Para saber mais
sentimos crescer aceleradamente, a crise política, a crise econômica, a
crise financeira, não vêm a ser mais do que sintomas, exteriorizações
Leia o livro de Adolf
parciais, manifestações reveladoras de um estado mais profundo, uma
Augustus Berle e
suprema crise: crise moral”.
Gardiner Means, The
modern corporate and
private property, de
1932.

Rui Barbosa
Ruínas de um Governo, 1931

2. Governança corporativa
2.1. Surgimento e evolução
A transposição das discussões teóricas sobre ética para o ambiente corporativo é
relativamente recente. Costuma-se situar suas manifestações iniciais na primeira
metade do século XX, como consequência da
crescente importância da empresa como instituição Para saber mais

social. Nessa época, despontam em vários países Leia o livro de Michael C. Jensen
as preocupações com direitos de trabalhadores, e William H. Meckling, Theory of
the firm: managerial behavior,
consumidores e comunidades e, em um segundo agency costs and ownership
structure, de 1976.
momento, com o meio ambiente. Nasce a ideia de
que a empresa deve respeitar os diferentes públicos
com os quais se relaciona – os chamados
stakeholders.
A origem da governança corporativa, com a denominação e os contornos que hoje
conhecemos, é mais comumente associada à expansão do mercado de capitais,
sobretudo nos Estados Unidos. Se o capitalismo norte-americano até a década de
1960 era marcado pela concentração da propriedade das empresas nas mãos de
famílias de grandes industriais, a partir da década de 1970, no contexto do movimento
de globalização da economia, as empresas passaram a recorrer à “poupança popular”
para financiar sua expansão, abrindo seu capital a milhões de investidores.
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Verificou-se, então, uma relevante dissociação entre a propriedade e a gestão da


empresa: a primeira passou a ser pulverizada nas mãos de um grande número de
investidores, ao passo que o efetivo poder sobre a empresa se transferiu para seus
gestores. Essa dissociação deu origem à Teoria da Firma ou Teoria do Agente-
principal, desenvolvida por Michael C. Jensen e William H. Meckling. Segundo essa
teoria, os gestores da empresa têm uma inclinação natural a administrá-la em
benefício próprio (aumentando seus salários, ocultando informações de acionistas,
concedendo bônus a si próprios etc.) em detrimento dos interesses dos investidores
(maior retorno sobre o capital investido). Esse conflito é conhecido como conflito de
agência.

Foi para resolver o conflito de agência que se desenvolveram as primeiras regras e


princípios de governança corporativa. Foram criados como ferramentas de direção,
incentivo e monitoramento dos gestores a fim de garantirem que ajam em
conformidade com o interesse da empresa e não de seus interesses pessoais. Essa
é a vertente básica da ética empresarial, que funda e permeia toda a história da
governança corporativa, e visa à proteção dos acionistas contra fraudes, abusos ou
conflitos de interesse dos administradores da empresa.

Em países como o Brasil, onde o mercado de capitais é pouco desenvolvido e as


companhias abertas têm baixo nível de dispersão acionária, sendo
predominantemente controladas por indivíduos, famílias ou grupos econômicos
definidos, o conflito de agência não se coloca da mesma forma, já que os
controladores detêm o poder de nomear e destituir administradores, conforme melhor
atendem a seus interesses. Em mercados com essa característica, os conflitos mais
comuns estabelecem-se entre controladores e acionistas minoritários. Trataremos
detidamente desse assunto na Unidade 2.

Se, na origem, a governança corporativa buscou solucionar o conflito de agência, sua


evolução decorre de um questionamento mais profundo sobre a função social da
empresa. Diversas teorias surgiram nos últimos anos sustentando que a governança
não visa apenas proteger os interesses de acionistas contra atos dos gestores. Para
além disso, as empresas são cada vez mais exigidas a contribuírem para o progresso
da sociedade, de modo que devem respeitar e, como defendem muitos, até mesmo
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promover, os interesses dos diferentes stakeholders. Essas teorias, que defendem o


equilíbrio entre shareholder value e stakeholder value são geralmente referidas pela
designação genérica de “responsabilidade social empresarial” (Corporate Social
Responsibility ou CSR).

2.2. As teorias sobre a função social da empresa

1960 – Milton Friedman


A responsabilidade social da empresa é aumentar lucros
[…] there is one and only one social responsibility of business–to use
it resources and engage in activities designed to increase its profits so
long as it stays within the rules of the game, which is to say, engages
in open and free competition without deception or fraud. (Capitalism
and Freedom, 1962)

1990 – Archie B. Carroll


A pirâmide da responsabilidade corporativa
Para além da responsabilidade de geração de lucro para o
investidor (responsabilidade econômica), cumprindo a lei e os
princípios éticos, a empresa tem uma responsabilidade
filantrópica. A filantropia corresponderia àquelas ações
corporativas que respondem a expectativas da sociedade de
que negócios sejam good corporate citizens, engajando-se em
programas que promovam o bem-estar social, como
contribuições financeiras ou disponibilização de seus recursos humanos para as artes,
educação ou trabalhos comunitários.

2010 – Michael E. Porter


A Teoria do Valor Compartilhado
A solução está no princípio do valor compartilhado, que envolve a
geração de valor econômico de forma a criar também valor para a
sociedade (com o enfrentamento de suas necessidades e desafios). É
preciso reconectar o sucesso da empresa ao progresso social. Valor
compartilhado não é responsabilidade social, filantropia ou mesmo
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sustentabilidade, mas uma nova forma de obter sucesso econômico.


Não é algo na periferia daquilo que a empresa faz, mas no centro. E,
a nosso ver, pode desencadear a próxima grande transformação no
pensamento administrativo. (Criação de Valor Compartilhado, HBR,
2011)

2.3. Marcos históricos


Os dois principais
documentos de abrangência
internacional sobre GC foram
lançados, respectivamente,
pela Organization for
Economic Cooperation and
Developement (OECD ou,
em português, OCDE), em
1999, e pela International
Corporate Governance
Network (ICGN), em 2005.

No Brasil, o principal documento sobre o tema foi elaborado pelo Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa (IBGC), em 1999. O Código de Melhores Práticas de
Governança Corporativa está hoje em sua 5.ª edição e permanece como referência
básica para empresas brasileiras. Em 2000, a Bovespa criou os segmentos especiais
de governança (níveis 1, 2 e novo mercado) para listagem de empresas abertas
dispostas a atender às exigências mais rigorosas de GC do que aquelas obrigatórias
por lei. As regras estabelecidas no regulamento do Novo Mercado tornaram-se um
relevante paradigma de boas práticas de governança para companhias abertas.

Grandes escândalos corporativos tendem a provocar evolução nas normas de GC,


seja por meio de modificação de leis e regulamentos estatais, seja por meio da
autorregulação. A lei norte-americana conhecida como Sarbanes-Oxley é o principal
exemplo dessa afirmativa. Proposta pelos senadores Paul Sarbanes e Michael Oxley,
foi aprovada em 2002, fruto da perplexidade causada pelos escândalos corporativos
envolvendo grandes companhias do país, notadamente a Enron.
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Nos últimos anos, a Operação Lava Jato desvendou uma série de práticas
corporativas ilegais e antiéticas envolvendo grandes empresas estatais e privadas
brasileiras, incluindo companhias abertas listadas no Novo Mercado. Importantes
avanços legislativos em GC foram implementados com o objetivo de combater
práticas como as constatadas pela Lava Jato, dentre os quais, destacamos:

 Lei das Estatais (2016)


 Novo Regulamento do Novo Mercado (2017)

2.4. Mas, afinal, o que é a GC?


GC é a tradução de princípios éticos à atividade empresarial, a fim de garantir a
proteção dos interesses dos investidores, dos demais stakeholders da empresa, do
mercado e da sociedade. Ela pode ser assim definida:

Conjunto de normas estatais, recomendações emanadas de entidades privadas


e princípios e regras internas, pelo qual empresas e demais organizações são
dirigidas, monitoradas e incentivadas, visando assegurar que o Conselho de
Administração, a Diretoria e os órgãos de fiscalização e controle (agentes da
governança) atuem de forma ética, ou seja, buscando maximizar o retorno
econômico para os investidores no longo prazo e, simultaneamente, gerar valor
para as demais partes interessadas ou potencialmente afetadas pelas atividades
da empresa1.

1 Definição livremente formulada a partir da definição adotada pelo IBGC: “sistema (conjunto de práticas e
princípios) pelo qual empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os
relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle (agentes da
governança) e as demais partes interessadas”.
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2.5. Princípios fundamentais da GC


2.5.1. Transparência (disclosure)
As empresas devem disponibilizar aos seus stakeholders as informações que sejam
de seu interesse e não apenas aquelas
impostas pela lei ou regulamentos
Para Saber Mais (5)
estatais. Essas informações não se
devem restringir ao desempenho Algumas entidades oferecem
orientações e modelos de relatórios
econômico-financeiro, mas contemplar integrados da administração, que
congregam informações econômicas,
também fatores sociais e ambientais. sociais e ambientais. As mais
As sociedades anônimas e as sociedades conhecidas são a Global Reporting
Initiative e o International Integrated
limitadas de grande porte são legalmente Reporting Council.

obrigadas a publicar em jornal de grande


circulação suas demonstrações
financeiras e relatório da administração, além de convocações e atas de assembleia
geral.

As sociedades anônimas de capital aberto (companhias abertas) sujeitam-se a


exigências adicionais mais rigorosas quanto à transparência, devendo divulgar ao
mercado as seguintes informações periódicas e eventuais:

2.5.1.1. Equidade (fairness)


Caracteriza-se pelo tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais
stakeholders, levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades,
interesses e expectativas.

2.5.1.2. Prestação de contas (accountability)


Os agentes de governança devem prestar contas de sua atuação de modo claro,
conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de
seus atos e omissões e executando suas funções com diligência e responsabilidade
para com os investidores e a sociedade em geral.
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2.5.1.3. Responsabilidade corporativa


Os agentes de governança devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das
organizações, reduzindo as
externalidades negativas de Externalidades econômicas são os efeitos de uma transação que
incidem sobre terceiros que não consentiram ou dela não
seus negócios e suas participaram. Decorrem, portanto, de atividades que envolvem a
imposição de custos ou de benefícios sobre terceiros sem que estes
operações e aumentando as tenham a oportunidade de impedir e sem que tenham a obrigação
de pagar ou o direito à indenização. As externalidades podem ser
positivas, levando em positivas (ex.: valorização de um terreno devido à melhor
consideração, no seu modelo iluminação e calçamento da rua) ou negativas (ex.: desvalorização
de um terreno em virtude da contaminação do solo pelo proprietário
de negócios, os diversos vizinho. (IBGC, Guia de Sustentabilidade)

capitais (financeiro,
manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional etc.) no curto,
médio e longo prazos.

2.6. Fontes normativas


Princípios e regras de governança corporativa podem ser incorporados em leis e
regulamentos emanados de autoridades estatais. Nesse caso, são de cumprimento
obrigatório, que pode ser exigido pelos órgãos estatais competentes, mediante
imposição de multas ou sanções não pecuniárias.
Comply or Explain ou If not, why
not? – Muito em voga em
Grande parte da evolução da governança governança corporativa é o princípio
do “Aplique ou Explique”, segundo o
corporativa, no entanto, derivou de recomendações qual a empresa pode optar por não
e normas de observância voluntária, produzidas por seguir determinadas recomendações
e, nesse caso, deve explicar a seus
entidades privadas, como o IBGC. O stakeholders as razões de não as

descumprimento dessas normas não acarreta


consequências jurídicas, apenas de mercado, morais e/ ou reputacionais.

A seguir, observe exemplos relevantes de leis e regulamentos estatais que


contemplam normas de governança corporativa (coluna esquerda) e normas de
autorregulação (coluna direita), tanto em âmbito nacional quanto internacional.
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