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perspectivas de pesquisa
(Organizadores)
Lucas da Silva Martinez
Gislaine Rodrigues Couto
Educação Infantil
perspectivas de pesquisa
Conselho Editorial Técnico-Científico Mares Editores e Selos Editoriais:
Chimica Francisco
http://lattes.cnpq.br/7943686245103765
Vitor Cei
http://lattes.cnpq.br/3944677310190316
Educação Infantil
perspectivas de pesquisa
1ª Edição
Rio de Janeiro
Dictio Brasil
2020
Copyright © da editora, 2020.
Capa e Editoração
Mares Editores
CDD 370
CDU 37/49
2020
Todos os direitos desta edição reservados à
Mares Editores e seus selos editoriais
Dictio Brasil é um selo editorial de Mares Editores
CNPJ 24.101.728/0001-78
Contato: mareseditores@gmail.com
Sumário
Apresentação .................................................................................. 9
-9-
as possibilidades e desafios da docência na pré-escola durante a
pandemia de Covid-19. A partir de um estudo exploratório, com dados
obtidos via Google Forms, foram selecionadas respostas de
professoras, da Educação Infantil ao nível pré-escolar, de três
municípios do Rio Grande do Sul. Conclui-se que a pandemia, em
alguma medida, favoreceu o desenvolvimento de propostas e
atividades escolarizantes na Educação Infantil que fogem ao cuidar e
educar característico da etapa, considerando os eixos norteadores das
interações e brincadeiras1.
O segundo capítulo, intitulado “A etapa da Educação Infantil e
a importância da primeira infância para o desenvolvimento pleno”, de
Eduarda Rodrigues Roubuste e Graziela Franceschet Farias, é o
resultado de uma pesquisa realizada em uma unidade de Educação
Infantil, localizada na cidade de Santa Maria/RS. A partir de um estudo
qualitativo, com pesquisa de campo por meio de observações,
registros em diário de bordo e gravações em áudio, ressalta-se a
compreensão pela necessidade do desenvolvimento pleno da criança
e suas implicações para atingir o interesse pela cultura escrita. As
autoras percebem que é através do desenvolvimento pleno e
autônomo, e suas manifestações, que a criança desperta seus
interesses e aprende de forma prazerosa.
1
As informações aqui descritas são fruto da leitura do material apresentado, bem
como os resumos apresentados pelos/as autores/as na submissão para a coletânea.
- 10 -
O terceiro capítulo, de Cristiane Alves Dalla Porta e Kelly Werle,
intitulado “O processo de inserção inicial da criança na Educação
Infantil”, trata-se de uma pesquisa que aborda as relações entre
professora, criança e família durante o processo de inserção inicial na
Educação Infantil. A partir de entrevistas com professora, mães e
crianças, e observações em uma turma de Maternal I, as autoras
ressaltam que a inserção inicial na Educação Infantil é um momento
delicado e complexo, tanto para crianças, quanto para os pais e os/as
professores/as, o qual necessita uma parceria constante que favoreça
a construção de novos vínculos e respeite o tempo de cada criança.
O quarto capítulo, intitulado “O tripé escola-criança-família no
processo avaliativo da Educação Infantil”, de Daniela Gonçalves
Adriano e Caroline Reis Vieira Santos Rauta, apresenta resultados de
uma pesquisa qualitativa que objetivou facilitar a visão dos pais sobre
os trabalhos pedagógicos realizados em um Centro de Educação
Infantil em um município de Santa Catarina, promovendo uma
interação entre professores, crianças e famílias, valorizando o
processo avaliativo. O texto discute informações sobre práticas
avaliativas na escola e quão importante é a participação das famílias
no cenário avaliativo educativo, a partir da análise dos documentos da
unidade de ensino, pesquisa bibliográfica, aplicação de questionário e
observação de relatos das crianças nas rodas de conversas.
O quinto capítulo, de Neusa Maria Roveda Stimamiglio e Sueli
Salva, intitulado “A construção do pensamento matemático pela
- 11 -
criança e o respeito aos conceitos espontâneos na Educação Infantil”,
reflete acerca da construção de experiências que envolvem conceitos
matemáticos iniciais na Educação Infantil. A partir das narrativas das
professoras da rede pública da região central do Rio Grande do Sul,
alunas de um curso de especialização, discute-se as concepções das
professoras sobre a importância do processo de construção dos
conceitos matemáticos iniciais pelas crianças. As autoras concluem
que torna-se indispensável às vivências em sala de aula um processo
significativo que permita aos/às professores/as em formação
revisitarem suas próprias memórias de experiências escolares e
postura de professor-pesquisador. E que a formação continuada e o
aprofundamento dos conceitos teóricos, acompanhados de um
processo de reflexão crítica sobre a prática realizada a partir das
memórias autobiográficas, podem levar a uma mudança de postura
das professoras qualificando a prática pedagógica.
O sexto capítulo, intitulado “‘Podemos brincar com ele
também?’: A interação de bebês com crianças mais velhas no espaço
escolar”, de Viviane Meili e Kelly Werle, discute como ocorre a
interação de bebês com crianças mais velhas no espaço da Educação
Infantil. A partir de uma investigação qualitativa, através de
entrevistas com professoras e observações no espaço escolar,
concluem que eram planejadas pelas professoras diversas situações
para que houvesse interações, contudo, não se limitavam a esses
momentos planejados. As próprias crianças e os bebês interagiam,
- 12 -
espontaneamente, em diversas situações e espaços do cotidiano,
demonstrando a necessidade pela busca dos pares de diferentes
idades. Algumas vezes, relatam as autoras, foi perceptível que essas
interações eram mais valorizadas da perspectiva das professoras dos
bebês do que das professoras que trabalham com crianças mais
velhas.
O sétimo e último capítulo, de Jenifer Duarte da Costa,
intitulado “A ausência de propostas e participação dos docentes no
pátio em uma EMEI de Jaguarão/RS”, apresenta algumas
considerações sobre a ausência de propostas e a participação dos/das
professores/as no espaço do pátio, em uma Escola de Educação
Infantil. A partir de um estudo bibliográfico extenso, amparado em
estudos pregressos da autora, conclui-se que um dos motivos
colaboradores para a existência da ausência de propostas e
participação dos/das professores/as no espaço do pátio é o fato de
que esse espaço não é visto como educativo.
Esperamos que os artigos contribuam/repercutam nos estudos
dos leitores/as, considerando a complexidade e a variedade de temas
e abordagens para pensar a Educação Infantil, as crianças, infâncias e
as possibilidades metodológicas de pesquisa.
Outubro de 2020
Lucas da Silva Martinez e Gislaine Rodrigues Couto
(Organizadores)
- 13 -
A Pré-Escola na pandemia: apontamentos a partir do Rio Grande
do Sul2
Introdução
A pandemia de Covid-19 que atingiu o mundo em 2020
ressignificou muitos aspectos da vida humana. As relações sociais
tiveram que ser repensadas através do contato virtual, decorrente do
distanciamento físico. Esta, foi a única maneira de tentar evitar o
contágio de milhares de pessoas, e não tornar a situação ainda pior do
que já está (mais de 100 mil mortos no Brasil até a metade de
agosto/2020 com uma média de contaminação diária de 45 mil
pessoas – mais de 3 milhões de contaminados). Com o comércio e
outras atividades não essenciais parcialmente fechadas5, e as
2
“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”.
Agradeço a leitura realizada e as contribuições da Prof. Dra. Sueli Salva.
3
Doutorando em Educação, UFSM. Pesquisador Associado do Centro Latino-
Americano de Estudos em Cultura (CLAEC).
4
Mestra em Políticas Públicas e Gestão Educacional, UFSM. Professora da rede
pública municipal de Santa Maria/RS.
5
Em alguns dos municípios estudados, os empresários reagiram negativamente à
adoção de bandeira vermelha (fechamento de atividades e regulação maior) em
casos de muitas contaminações e mortes. Ao pressionarem o governo estadual,
muitas semanas se passaram entre mudanças (bandeira vermelha e laranja) o que
produzia um “abrir e fechar” constante do comércio.
- 14 -
instituições educativas, as redes municipais, estaduais e federais
fechadas, estas últimas tiveram de pensar outros modos de atender as
crianças, jovens e adultos, público da educação.
Em Salva e Martinez (2020), no livro Sons, imagens,
pensamentos: infâncias em tempos de pandemia, mostramos como a
Covid-19 afetou a vida de algumas crianças: muitas em casa, com os
parentes mais próximos, estes que, em grande medida perderam seus
empregos; outros puderam ficar confortáveis em seus lares, pois
tinham condições de trabalho estáveis para se manter. As crianças
relataram o acúmulo de atividades, a dificuldade de estudar longe da
presença física dos/as professores/as, apesar dos mesmos estarem
plenamente engajados na produção e promoção de atividades
remotas. A confusão estrutural causada pelo pânico do contágio e da
morte se espalhou até a vida das crianças, muitas, ainda sem entender
o que está acontecendo no mundo, mas ainda assim, entendendo o
que essa pandemia tem provocado em seus cotidianos.
Nessa direção, o destaque do livro e desse artigo é a etapa da
Educação Infantil. Esta, que tem especificidades tão distintas das
outras etapas, como ensino fundamental e médio, também, em
alguma maneira, teve que aprender a ser tratada pelas vias remotas.
Seja por atividades entregues às crianças de modo concreto (em “kits”
distribuídos pela escola, ou até pelos/as professores/as diretamente
nas casas das crianças), outras, estimuladas vias tecnologias digitais de
comunicação como a promoção de brincadeiras, contação de histórias
- 15 -
e até o registro digital das crianças através de fotos e vídeos como
modo de manter o vínculo docente e permitir que elas não se sintam
desamparadas. Assim, a Educação Infantil, de algum modo tornou-se
remota, digital e, contrariando orientações de entidades,
pesquisadores e movimentos sociais que militam na defesa da
especificidade da educação infantil, tornou-se ainda mais
escolarizante, como vamos ver ao longo da análise dos dados
produzidos através dessa pesquisa.
Neste texto, partindo da experiência de três municípios do Rio
Grande do Sul, a saber, Jaguarão, Santa Maria e Porto Alegre,
realizamos alguns questionamentos: como o atendimento às crianças
da Educação Infantil vem sendo realizado remotamente? Ainda mais:
como as professoras6 dessa etapa vem criando modos de estar
presente, mesmo que não presencialmente? Que atividades,
propostas e orientações foram e são dadas nesse momento tão
delicado?
Atendendo a estas problematizações, o objetivo deste artigo é
problematizar as possibilidades e desafios da docência na Pré-Escola
durante a pandemia de Covid-19. Para tanto, discutimos os dados
produzidos através de questionários online com professoras da
Educação Infantil do Rio Grande do Sul. É um estudo exploratório,
considerando que, muitas questões pontuadas no texto e nas
6
Nomeamos os profissionais docentes da Educação Infantil como professoras por
serem elas a maioria das profissionais nessa etapa da Educação Básica.
- 16 -
respostas das professoras fazem parte de um novo contexto que
emergiu com a pandemia. Para tanto, antes de dar respostas, fazemos
o exercício de levantar estas novas questões para que sejam
visibilizadas no cenário educacional em e pós-pandemia.
O texto em questão, se divide essencialmente em cinco partes:
a introdução; a caracterização metodológica da pesquisa e dos dados;
a problematização da Educação Infantil e a implementação de
atividades remotas; a discussão dos relatos das professoras e, as
considerações finais.
Notas metodológicas
Para produzir os dados foi distribuído, através das redes sociais
e aplicativos de comunicação, um questionário formulado no intento
de buscar respostas das professoras da Educação Infantil nacional
sobre o tema das propostas e atividades pedagógicas remotas para a
Educação Infantil. Pela capacidade limitada que nossas redes sociais
possuem já que elas alcançam, principalmente, nossas “bolhas
sociais”, as respostas mais significativas quantitativamente foram do
Rio Grande do Sul, região do autor. Assim, filtrando respostas de
outros estados, centrou-se a análise dos dados dos municípios de
Jaguarão, Santa Maria e Porto Alegre.
Questionários são instrumentos bastante usados na pesquisa
em educação. Com a pandemia, nossa capacidade de encontrarmos
presencialmente para distribuir questionários impressos ou realizar
- 17 -
entrevistas foi reduzida e os instrumentos de pesquisa online, por
outro lado, vem sendo aprimorados. A partir do Google Forms,
plataforma da empresa Google, foi enviado o questionário com as
seguintes questões para as professoras:
- 18 -
9. Quais as maiores dificuldades
encontradas por você no
processo de planejar propostas,
desenvolver com as crianças e
avaliar sua realização?
Fonte: Elaborado pelos autores.
7
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na seção da Educação Infantil divide as
crianças em faixas etárias: bebês (de 0 anos a 1 ano e seis meses), crianças bem
pequenas (de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas, de 4 anos
a 5 anos e 11 meses (BRASIL, 2017).
- 19 -
capazes de participar de atividades remotas propostas pelas
professoras e implementada pelos pais. Seria preciso uma
problematização mais ampla para poder pensar como as professoras
estão atendendo os bebês, as crianças bem pequenas e as crianças
pequenas, sem o contato físico. Deixamos esta problematização para
outro momento.
Este segundo filtro nos levou a 36 respostas. Estas foram
separadas, por relevância, em categorias criadas pela repetição:
“Orientações, atividades e interação”, “Retorno da família” e “Desafios
presentes”.
A Educação Infantil que aqui se discute, considerando as
respondentes do questionário é majoritariamente pública, com
professoras com formação ao nível de especialização e com tempo de
experiência, em maior parte entre 5 e 10 anos e mais de 10 anos, como
aponta o quadro 2.
- 20 -
Maior Formação
Cidade Curso Graduação Especiali- Mestrado Doutorado
Normal zação
Jaguarão 1 3 2
Porto 1 4 9 1
Alegre
Santa 7 38 8 1
Maria
Total 1 12 50 11 1
Experiência
Cidade Menos de De 1 a 3 De 3 a 5 De 5 a 10 Mais de 10
1 ano anos anos anos anos
Jaguarão 2 4
Porto 6 9
Alegre
Santa 4 8 7 14 21
Maria
Total 4 8 7 22 34
Fonte: Elaborado pelos autores.
- 21 -
municípios, bem como, o atendimento aos bebês e crianças pequenas
que, extrapolam o recorte deste artigo.
Na próxima seção exploramos a discussão de fundo sobre a
Educação Infantil e suas possibilidades de funcionamento na
pandemia.
- 22 -
esta definição não pode ser aplicada à Educação Infantil. Os motivos
são vários, mas, podemos nos ater a dois.
Em primeiro lugar, a oferta da Educação Infantil. Segundo as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI),
fixadas pela Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE),
Câmara da Educação Básica (CEB), n. 5 de 2009:
- 23 -
com os conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico
e tecnológico, de modo a promover o
desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos
de idade.
Art. 4º As propostas pedagógicas da Educação
Infantil deverão considerar que a criança, centro do
planejamento curricular, é sujeito histórico e de
direitos que, nas interações, relações e práticas
cotidianas que vivencia, constrói sua identidade
pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e
constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,
produzindo cultura (BRASIL, 2009a).
Assim, a questão que fica é se, por vias remotas, sem o contato
físico das professoras e das crianças com outras crianças é possível
explorar a identidade pessoal, a interação e as brincadeiras, as
fantasias e os saberes das crianças. Por isso, o manifesto da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) adverte
sobre a incompatibilidade da Educação Infantil com a educação a
distância8, em especial, com o ensino remoto: “Com efeito, a dinâmica
da educação infantil ocorre mediante a organização de vivências e
experiências que extrapolam atividades ou sequências correntemente
8
Ensino remoto, educação a distância e ensino híbrido não são sinônimos apesar de
usados como. O ensino remoto de que hoje se fala tem caráter emergencial; a
educação a distância diz respeito a uma modalidade de ensino organizada para
oferecer aos estudantes o ensino semipresencialmente ou totalmente a distância
com um design pensado para tal função e em acordo com os estudantes; o ensino
híbrido, por sua vez, diz respeito aos processos de ensino que utilizam de momentos
presenciais e não presenciais, e podem estar presentes tanto na educação
presencial, como na a distância.
- 24 -
denominadas didáticas e perpassam as brincadeiras e as relações de
cuidado” (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
EM EDUCAÇÃO, 2020, p. 02).
Ademais, a própria noção de ensino presente nas outras etapas
da Educação Básica não se aplica à Educação Infantil que, funciona
através dos eixos “interações e brincadeiras” (BRASIL, 2009a) e não
segue a estrutura escolarizante. Frente a isso, a ANPED além de
denunciar a “[...] ilegalidade da proposta de implementação de
atividades escolares remotas para crianças pequenas” (ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 2020, p.
01), indica que a preocupação com ano letivo (principalmente, das
redes de ensino) deve ser deslocada para a proteção da infância e o
cuidado, elementos básicos do atendimento à Educação Infantil
marcados pelo “cuidar e educar”. Assim, a ANPED indica que:
- 25 -
consequências, abalos quanto ao equilíbrio
emocional, dentre outras questões emergentes.
Ou seja, a maior preocupação nesse momento não
pode ser com uma possível perda do ano letivo!
Precisamos pensar com outra lógica: precisamos
pensar no tempo das crianças e nos seus modos
próprios de vivenciar as consequências de uma
situação tão adversa, como essa de uma pandemia
(ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E
PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 2020, p. 03, grifo nosso).
- 26 -
capricho, responsabilidade. Mas não se pode julgar
as famílias. Nestes tempos eu avalio a Educação,
está realizando um trabalho pedagógico
contraditório, na teoria lembram da LDA [LDB]9
Bases10, Ref. GAÚCHO11, DOC12 Santa Maria..., mas
na prática estão exigindo dos pais, alunos e
professores uma Pedagogia Tradicional (Professora
29).
9
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n. 9.394/1996.
10
Base Nacional Comum Curricular.
11
Referencial Curricular Gaúcho.
12
Documento Orientador Curricular de Santa Maria/RS.
- 27 -
compartilhar de materiais e espaços, pela
afetividade do toque, pelo movimento corporal,
pela oralidade para garantir o desenvolvimento
integral das mesmas (SINDICATO DOS
PROFESSORES NO DISTRITO FEDERAL, 2020, s./p.).
- 28 -
manter o vínculo e repassar informações às famílias. Sobre o que foi
indicado pelas redes e instituições, aponta-se:
- 29 -
Parte das professoras ressalta a necessidade de, em um tempo
sem contato físico, enviar atividades impressas para que as crianças
realizem. Sabemos que, por mais que se tente implementar projetos e
práticas pedagógicas lúdicas, que envolvem o movimento e a
experimentação, é muito forte o uso de atividades impressas na
Educação Infantil, principalmente na pré-escola. Ainda marcada pelo
caráter preparatório para a alfabetização e os anos iniciais do ensino
fundamental, as atividades impressas funcionam como exercício de
disciplinamento do corpo e para “ocupar o tempo” das crianças (MOTTA,
2011). O que se deixa de lado, durante estas atividades, é o que preconiza o
parecer que subsidia as DCNEIS:
- 30 -
para o desenvolvimento de determinada habilidade, ao invés de, a
partir das propostas pedagógicas, possibilitar às crianças experiências
de aprendizagem através do brincar, possibilitando, desse modo, a
vivência plena da infância no aqui e agora, considerando o tempo da
infância como tempo potente. A pandemia, de algum modo, fez
acentuar esses saberes psicológicos e essas propostas escolarizantes.
Outras professoras relatam atividades que desenvolveram,
com ou sem orientação das redes e instituições:
- 31 -
Rapidamente as professoras precisaram dar conta de pensar
atividades e propostas pedagógicas que fossem possíveis de serem
realizadas contando com a participação dos pais para ajudar as
crianças. Mesmo nestes casos, a intencionalidade pedagógica se
mostra produtiva: expressões, movimentos do corpo, histórias,
brincadeiras, imaginação, interação com familiares, entre outros.
Estas professoras, de algum modo, tentam explorar os direitos de
aprendizagem presentes na BNCC: conviver, brincar, participar,
explorar, expressar e conhecer-se (BRASIL, 2017).
Para tentar garantir o contato com as crianças, foi preciso,
entretanto, fazer o investimento do contato com as famílias. Algumas
respostas das professoras mostram como estas relações foram se
estabelecendo:
- 32 -
isso se deve a uma combinação de fatores
específicos de cada família (Professora 1).
Vídeo gravados com orientações pedagógicas
referente as idades (Professora 23).
Orientações de atividades impressas de
brincadeiras, atividades psicomotoras em
brincadeiras e jogos e atividades com o envio de
materiais em anexo para as entregas. Contatos
com familiar e crianças pelo grupo formado no
WhatsApp, cartinhas do prof. para as crianças,
ligações pelo celular feitas pelo professor a eles,
reuniões online, idas na escola semanalmente
(Professora 29).
- 33 -
à educação familiar [...] para potencializar as
aprendizagens e o desenvolvimento das crianças, a
prática do diálogo e o compartilhamento de
responsabilidades entre a instituição de Educação
Infantil e a família são essenciais (BRASIL, 2017, p.
36-37, grifo nosso).
- 34 -
A interação e o convívio social também fazem parte
do desenvolvimento infantil (Professora 12).
Muitas, para mim o principal que é a troca, a
socialização, a interação... as verdadeiras
aprendizagens para mim não são realizadas
remotamente. Podemos simplesmente
desenvolver algumas habilidades a distância, mas
nada muito significativo (Professora 26).
Como a educação infantil precisa das interações,
creio que as ações pedagógicas são apenas para
não perder o vínculo (Professora 30).
- 35 -
crianças pequenas. De igual modo, tal medida
descaracteriza a ação pedagógica das/os
profissionais de educação infantil, que possuem
formação específica que lhes permite atuar, de
modo intencional nos processos de aprendizagem
e desenvolvimento de forma integral. Assim,
qualquer proposta que permita a legitimação de
ações educativas (educação domiciliar, ensino
remoto, adoção de sistemas apostilados, dentre
outras) que reforcem, ainda mais, as desigualdades
sociais e educacionais entre as crianças e suas
famílias deve ser evitada a todo custo [...]
(MOVIMENTO INTERFÓRUNS DE EDUCAÇÃO
INFANTIL DO BRASIL, 2020, p. 02).
- 36 -
O desenvolvimento integral das crianças, entendido como em seus
aspectos “[...] físico, afetivo, intelectual, linguístico e social” (BRASIL, 2009b,
p. 03) depende da interação. Esta interação é o que faz a Educação Infantil
ser uma modalidade presencial e que, nos últimos anos se tornou de
matrícula obrigatória a partir dos 4 anos. Portanto, um dos desafios da
Educação Infantil neste tempo é, não deixar que as interações cessem, e que
os pais, mesmo sem conhecimentos pedagógicos, continuem estimulando as
crianças a brincar e se expressar, continuando a se desenvolver nas
diferentes formas. Mesmo assim, as professoras ressaltam quão importante
e indissociável da escola é a interação das crianças, desde os primeiros anos
de vida.
Retorno da família
Sendo necessário, apesar de contraditório, envolver-se na
elaboração de propostas remotas para o atendimento das crianças,
um ponto levantado pelo questionário e discutido com entusiasmo
pelas professoras é o retorno da família, frente as atividades e
propostas distribuídas. Muitas relatam o mal-estar que é não saber se
as crianças são alcançadas, se as atividades chegam até elas ou ainda
se conseguem fazer. Ainda, de algum modo, há a pressão das famílias
por atividades xerocadas, impressas.
- 37 -
se no processo, mas a grande maioria, parece que
quer se livrar da obrigação de postar algo no grupo
só para constar, o registro pelo registro, sem ter um
sentido e significado verdadeiro para os pequenos
(Professora 1).
Está sendo boa, mas é difícil avaliar a distância,
nem sei como eles conduzem as propostas, isso me
deixa bem mal, pois é tão difícil propor algo, sem
saber a reação das crianças. Tenho 24 alunos e
desses uns 3 ou 4 me dão algum retorno no grupo,
os outros é só através de algum registro que solicito
para me enviarem. Mas muitos não sei nem se é
eles que fazem (Professora 26).
Aceitaram bem, porém se queixam que não tem
tempo de fazer com a criança (Professora 2).
Muita dificuldade em receber retorno das
atividades, estão nos grupos, visualizam, mas só
dão retorno com muita insistência (Professora 35).
Bem difícil, pois as famílias entenderem a proposta
da EI, a maioria espera atividades impressas
(polígrafos) para "ocupar" as crianças (Professora
24).
Tenho 19 alunos e 3 [pais] que foram convidados
ao grupo, mas não distratam [demonstram]
interesse em participar! Na maioria das vezes são
os mesmos que dão retorno, semanas com mais,
outras com menos! Uns que gostam da proposta,
outros que pedem por folhinhas com letras e
números! Mas há um grupo que gosta, retorna e
valoriza (Professora 36).
Eles querem mais que tenham folhinhas, não
interagem muito no Whats, só visualizam, poucos
participam (Professora 18).
- 38 -
produção de propostas; pais que não sabem como ajudar ou não querem se
envolver de nenhum modo nesse processo; pais que solicitam atividades
impressas para “ocupar as crianças”. O viés de Educação Infantil como
ocupação de tempo (assistencialista) ou como preparatório de habilidades
para o ensino fundamental se reforçam em tempos de precariedade e
confusão. Por mais formações que as professoras tenham recebidos e, por
maior empenho na produção de materiais, atividades, vídeos, parece, de
modo geral, não haver consenso entre a ação que se espera da família. Por
fim, resta, como aponta a professora 26, o “mal-estar”.
Mesmo assim, sob este tema, é preciso apontar: tendo a Educação
Infantil brasileira, por origem, ser um modo assistencialista de atendimento
às crianças, e, mesmo que nos últimos 20 anos tenha se lutado muito para
que a Educação Infantil ocupe outro lugar, um lugar em que cuidado e
educação são complementares e indissociáveis, estas concepções podem
não estar evidentes para os pais. Assim, estes, impregnados ou não pela sua
passagem pela escola, esperam que as crianças se alfabetizem e que façam
atividades, não “só brinquem”.
A natureza da pandemia, por fim, expõe a fragilidade das famílias e
das instituições para pensar modos seguros e ativos de produzir ações
pedagógicas, oferecer experiências e avaliar a qualidade destas. Em um
tempo em que o trabalho diminuiu e as condições sociais, de modo geral,
foram despotencializadas, muitos pais não conseguem efetivamente dar
conta, o que evidentemente não pode se esperar, uma vez que a escola tem
sua especificidade. A educação é entendida de forma ampla, no entanto, há
conhecimentos sobre a Educação Infantil que são construídos na formação
daquelas que se tornam profissionais, ainda que a educação de uma criança
- 39 -
seja de responsabilidade das famílias, das cidades e sociedades (TONUCCI,
2020).
Vale lembrar novamente da relação intrínseca entre as famílias e a
escola, ainda que cada uma tenha uma responsabilidade diferente. Segundo
a LDB, em seu artigo 29,
- 40 -
Essa integração com a família necessita ser mantida
e desenvolvida ao longo da permanência da criança
na creche e pré-escola, exigência inescapável
frente às características das crianças de zero a
cinco anos de idade, o que cria a necessidade de
diálogo para que as práticas junto às crianças não
se fragmentem (BRASIL, 2009b, p. 13).
- 41 -
mastigadinho, mesmo assim, nada fazem, não
conseguimos chegar neles (Professora 1).
O retorno das famílias quanto ao solicitado ou mesmo
se estão fazendo (Professora 13).
A falta de acesso dos alunos aos meios tecnológicos e
a minha falta de equipamentos adequados para
colocar em prática o planejamento (Professora 6).
[...] fomos nos aperfeiçoando com o passar do tempo.
Pesquisando buscando recursos, conversando. Nos
foram oferecidos alguns cursos online para a realização
dessas atividades. A maioria foram realizadas pelo
Falta de
celular (Professora 5).
recursos e
Não, nenhuma formação para operar recursos, estou
conhecimentos
sofrendo muito com isso (Professora 22).
tecnológicos –
Tive que correr atrás, porém o único notebook que
famílias,
temos disponível está sendo revezado entre mim, que
crianças e
também trabalho com uma turma de 4° ano em outra
professoras
escola da rede municipal, meu marido que está
trabalhando em casa, e meu filho que estudo no 9° ano
em uma escola estadual. Sem contar que volta e meia
a nossa internet não funciona por até mais de 24 horas
(Professora 24).
Atender a todos como também em gravar vídeos, me
expor e editá-los! (Professora 36).
[...] eu estou tendo bastante dificuldade, parece que
faço aqueles planejamentos, quando estava na
formação, que as profs. diziam, imaginem tal turma e
façam um planejamento. Parece um faz de conta.
Tenho bastante dificuldade com isso, pois sou muito de
criar as coisas na hora, aproveitar um momento que
Início do ano
surge algo na turma, daí você aproveita e trabalha
letivo
aquilo, mas agora, nem sei como estão, se estão tendo
o mínimo, como alimentos. Outra dificuldade é que os
alunos estavam em adaptação. Nem tínhamos criado
um vínculo afetivo (Professora 26).
Desconhecer as crianças, tivemos apenas quinze dias
de interação (Professora 34).
- 42 -
Limita o trabalho, a variação de possibilidades. A
burocracia institucional que não condiz com a
pandemia, gerando muito cansaço emocional e físico,
pois ficamos além da nossa carga horária disponível
(Professora 15).
Não senti dificuldades em planejar, mas sim como
Condições
organizar o tempo em casa, pois são muitas demandas,
gerais de
como registro em planilhas do retorno de cada criança,
trabalho
produção de vídeos, sou coordenadora preciso além de
planejar orientar as demais professoras e também
estar observando todos os grupos das turmas no
WhatsApp que não tem horário de publicação e
retorno das famílias, as vezes chamam em horários
noturnos (Professora 33).
Fonte: Elaborado pelos autores.
- 43 -
tentando, intermediar e dividir as obrigações no atendimento das crianças
pequenas, complementando a ação que a Educação Infantil carrega,
geralmente sozinha.
Tendo a pandemia encerrado as aulas presenciais ainda nas
primeiras semanas letivas, muitas professoras recém estavam começando a
conhecer as crianças, criando um vínculo inicial. As crianças também estavam
em etapa de adaptação, saindo do ambiente familiar para um outro
ambiente em que ficaria de quatro até sete horas diárias. Portanto, o desafio
de planejar propostas pedagógicas pode ter um viés “imaginário”, como
ressalta a Professora 26, já que, não foi dado tempo suficiente para que as
professoras conhecessem as necessidades das crianças.
Por fim, as condições de trabalho das professoras. Em regime
remoto, as professoras nunca estiveram tão ocupadas com formação
continuada, reuniões, produção de currículos emergenciais, palestras e
rodas de conversas, através das videoconferências e as lives. Seu tempo de
trabalho, que geralmente extrapolava o turno escolar, agora se diluiu, da
manhã até a noite. A exposição das professoras às tecnologias,
obrigatoriamente, tornou-as personagens do jogo midiático que envolve
redes sociais, “produção de conteúdos” e a visibilidade das redes. Através
dos dispositivos móveis e do contato contínuo com a internet seu trabalho
“não acaba nunca”. A conta do isolamento físico e da presença virtual
constante certamente terá que ser avaliada com o tempo. Tudo isso se
manifesta no corpo, no “ter que estar” disponível o tempo todo, no mal-estar
e no cansaço emocional. De certo modo, a pandemia intensificou o regime
das sociedades de controle (DELEUZE, 2008), no qual, a formação continuada
não acaba nunca, o trabalho não termina, e o controle, não está restrito a
- 44 -
um espaço institucional, mas está presente sempre pelas redes sociais e pelo
trabalho remoto contínuo. Nada nunca acaba.
Neste artigo, com o objetivo de problematizar as possibilidades e
desafios da docência na Pré-Escola durante a pandemia de Covid-19, muitos
aspectos foram levantados. É necessário ainda, ao debate público resolver
certos impasses e analisar como instituições e famílias podem atuar
colaborativamente em prol do desenvolvimento integral das crianças. Assim,
vê-se em muitos casos relações fortes entre famílias e profissionais, que
buscam implementar ações, registrar os momentos de vida das crianças,
constituindo algum tipo de atendimento efetivo às crianças. Vê-se também
famílias e crianças que não conseguiram estabelecer uma boa relação com
as professoras, não comparecendo para buscar materiais e propostas ou
ainda não realizando nenhum tipo de registro. Nestes casos, as possibilidades
de uma efetiva Educação Infantil se fragilizam.
Os desafios impostos pela pandemia são muitos. O exercício
feito ao longo destas páginas, antes de impor respostas, trata de
alertar sobre o tema e sua complexidade que envolve redes de ensino,
professoras, gestoras, famílias e crianças.
- 45 -
Referências
- 46 -
DELEUZE, Gilles. Conversações, 1972-1990. Tradução de Peter Pál
Pelbart. 7. reimp. São Paulo: Ed. 34, 2008.
- 47 -
TONUCCI, Francesco. O direito de brincar: uma necessidade para as
crianças, uma potencialidade para a escola e a cidade. Revista Práxis
Educacional, Vitória da Conquista, v. 16, n. 40, p. 234-257, jul./set.
2020. Disponível em: http://periodicos2.uesb.br/index.php/praxis
/article/view/6897/4804. Acesso em: 13 ago. 2020.
- 48 -
A etapa da Educação Infantil e a importância da primeira infância
para o desenvolvimento pleno
Primeiras palavras...
De quais crianças estamos falando? Qual(is) infância(s)
estamos abordando? A criança da contemporaneidade e a criança da
passagem dos séculos são as mesmas? Entendemos que os tempos e
os espaços, assim como as temporalidades e as espacialidades, têm
potencial influência sobre a dinâmica da construção social da infância
e sobre a constituição de uma pedagogia para as crianças.
A humanidade, socialmente organizada, traça uma
compreensão sobre quem somos, sobre as vivências e experiências
pessoais e coletivas, sobre as relações que se estabelecem e sobre as
identidades que nos constituem. Durante muito tempo, a Educação e
o cuidado das crianças pequenas eram funções sociais prioritárias das
famílias. Era nesse núcleo que as crianças aprendiam sobre
convivência, comportamentos e hábitos. Por um longo período da
13
Graduanda em Educação, UFSM. E-mail: roubusteeduarda@gmail.com
14
Doutora em Educação, UFSM. Orientadora, Professora Adjunta do Departamento
de Metodologia do Ensino – Centro de Educação – CE, Universidade Federal de Santa
Maria – UFSM. E-mail: profegraziela@gmail.com
- 49 -
história da humanidade, não houve instituição que dividisse a
responsabilidade de cuidar das crianças e educá-las, especialmente
aquelas em idade escolar. Ao nos reportarmos ao momento presente,
observamos diferenças em relação a isso, visto que grande parte das
crianças estão contempladas na Educação Infantil de forma a
complementar o cotidiano familiar (BUJES, 2001).
A concepção histórica de progresso para as infâncias só foi
possível com mudanças na concepção sobre as crianças. A sociedade
se posicionou na incansável luta pela Primeira Infância, de modo que
passou a considerá-la uma das fases mais importantes para o
desenvolvimento pleno do indivíduo, assegurados todos os seus
direitos. O debate que se estabeleceu foi árduo e permanece até hoje.
Entre os séculos XVI e XVII, surgem, oficialmente, as escolas.
Nesse mesmo período, surge a Educação Infantil, ao mesmo tempo em
que a sociedade manifestava necessidades específicas para as crianças
muito pequenas e, com o passar do tempo, para a infância. Surgiram,
na mesma proporção, exigências por uma educação compatível com o
progresso da sociedade, do mundo do trabalho e do consumo, de
modo que as crianças não ficassem desamparadas. Assim, surgem as
creches e as pré-escolas de perfil assistencialista, colocando as
demandas pedagógicas em segundo plano.
Porém, foi sendo analisado e compreendido que era necessário
não somente cuidar, como também educar. Percebeu-se, então, que
essas operações não poderiam (e não deveriam) caminhar separadas
- 50 -
quando se trata de uma instituição para crianças (BUJES, 2001). São
operações inseparáveis. Desse modo, a Educação Infantil é
considerada um lugar de desenvolvimento pleno da criança, em que
ela se conhece, conhece o outro, conhece o mundo, desenvolve o
intelecto, o físico, o cognitivo e as emoções.
- 51 -
Acreditamos que a Primeira Infância é a fase das mais
significativas descobertas. A inquietude é algo que instiga as crianças
em Primeira Infância. Elas se reinventam constantemente, dão graça a
tudo e a todos, dão vida aos objetos e buscam sempre o novo e o
desconhecido, pois são incansáveis. E é nessa busca pelo novo que a
criança, de modo particular e espontâneo, demonstra necessidade em
conhecer as letras, saber para que servem e como usá-las. Desse
modo, importa-nos a análise de como o desenvolvimento pleno da
criança se aproxima do mundo da cultura escrita.
- 52 -
habilidades afetivas, visuais, táteis, auditivas, motoras, espaciais e
temporais das diferentes linguagens contribuem para que esse
processo de acesso ao mundo das letras se dê de modo gradual,
espontâneo e significativo.
Como método, adotamos as observações participantes,
realizadas através da ação observante, em que a pesquisadora
interagiu com as crianças a todo o momento por meio de brincadeiras,
diálogos e troca de experiências. Através dessa prática, foi possível
contextualizar o campo de pesquisa, bem como notar e analisar a
rotina e as manifestações esporádicas das crianças. Como técnicas de
coleta e registro de informações, adotamos o caderno de registros,
que permitiu apontar o observável, assim como ponderar
subjetividades, reflexões pessoais e vivências específicas. Para
elegermos alguns relatos espontâneos das crianças, utilizamos as
gravações por áudio e, posteriormente, as transcrições. Além disso,
propusemos e construímos materiais concretos elaborados pelos
protagonistas, tais como desenhos, escritas, recortes e colagens. Tais
materiais foram entregues de modo livre pelas próprias crianças.
Era importante, nesse momento, que a coleta de informações
se desse da forma mais natural possível, de modo que as crianças não
se sentissem incomodadas, vigiadas e/ou expusessem algo através de
“pergunta-resposta”. Foi na confiança mútua com as crianças que elas
se expuseram de forma plena, assim como foi na interação que
compartilhamos falas, gestos, pensamentos e atitudes.
- 53 -
A importância da Primeira Infância e da Educação Infantil para o
desenvolvimento pleno: ser criança é...
A criança é um ser que aprende de acordo com seus interesses
e curiosidades. É a partir do interesse que a criança se movimentará
no sentido da exploração, conhecendo, reconhecendo e
aprofundando saberes prévios. Sabemos que muitas instituições
exercem a “escolarização precoce”, aquela que direciona para o
“pedagógico disciplinado” em vez de trabalhar com a experimentação,
os centros de interesses e a autonomia das infâncias. Já outras
instituições se modificaram e trabalham de modo a perceber as
infâncias, em que “predominam o sonho, a fantasia, a afetividade, a
brincadeira, as manifestações de caráter subjetivo” (BUJES, 2001, p.
17).
Considerar o desenvolvimento pleno é compreender que
educar e cuidar caminham lado a lado, especialmente na Educação
Infantil. Não podemos distorcer as funções da etapa da Educação
Infantil, a qual nada tem a ver com assistencialismo, tampouco com
antecipação da idade escolar. As concepções de educar e cuidar são
indissociáveis, pois parte-se da premissa de que a criança, sendo um
sujeito de direito, possa o desenvolvimento pleno ter garantido,
estando imersa em um mundo de descobertas significativas e de muita
afetividade.
- 54 -
A escolha por essa unidade de Educação Infantil se dá por
entendermos que ela possibilita que as crianças descubram e
experienciem a criatividade e as fantasias e, a partir disso, criem
interesses de modo espontâneo e autônomo. Para reforçar e endossar
nossa escolha, selecionamos alguns trechos de falas das crianças,
carregadas de representações sobre o contexto e o universo das
experiências.
A chegada à escola é um encontro renovado. Percebemos esse
momento como se estivéssemos em um lugar novo todos os dias. Os
espaços nas salas de aula eram trocados diariamente e o ambiente era
organizado pelos interesses. Esses espaços, às vezes, eram compostos
por objetos prontos, como brinquedos – panelas, colheres, copos,
pratos, bonecas, dinossauros, carros, entre outros –; em outros
momentos, por objetos aleatórios expostos, como palitos, cordas,
gravetos, madeiras, papéis, canetas, tintas, giz de cera, entre outros.
As professoras não diziam como e com quais objetos as crianças
deveriam brincar. Elas iam para os espaços de acordo com seus
interesses e criavam a brincadeira de acordo com seus pensamentos e
suas vontades naquele momento.
Para Edwards, Gandini e Forman (2016), assim como para o
grupo com o qual estivemos em convivência por esse período,
descobre-se, no dia a dia, que há diversos modos de tomar o espaço,
os quais o consideram mais que um local útil e seguro onde podemos
passar horas ativas. Tais espaços se tornam agradáveis e acolhedores
- 55 -
e nos contam, especialmente pela leitura visual, sobre as rotinas e a
complexa trama de relações que se estabelecem na interação. Desse
modo, colocamo-nos como atentos observadores e ouvintes,
buscando apreender a evolução das crianças nesses seis meses de
observação, verificando e acompanhando seu desenvolvimento pleno
a partir do lúdico, da experimentação e da autonomia para a entrada
no ambiente letrado.
Como as turmas são multi-idade, é compreensível analisarmos
o desenvolvimento afetivo das crianças. As de 3 anos de idade estão
iniciando a fase do “desapego” dos pais – especialmente das mães. De
acordo com Santos (1999), “isso tem algumas razões visíveis, já que [a
criança] possui maior capacidade de pensamento e linguagem. Por
isso, não necessita da presença constante do adulto, porque pode
chamá-lo no momento oportuno” (p. 82, adaptado). Já as crianças de
4 anos em diante, começam a exercer a autonomia, experienciam tudo
sem receios e procuram chamar as demais crianças para participarem.
Assim, a interação entre as faixas etárias distintas faz com que os
menores desenvolvam a afetividade emocional ainda mais rápido, sem
a dependência de um adulto. No diálogo transcrito a seguir, que se deu
entre uma criança de 3 anos e outra de 5 anos, podemos observar esse
fenômeno:
- 56 -
Criança A: mas elas não machucam, olha só. (então
a criança A colocou as bolinhas de silicone na mão
da criança B e a mostrou que as bolinhas não
machucavam).
Criança B: mas quando apertamos elas machucam
a mão.
Criança A: não machucam olha só.
- 57 -
Do mesmo modo, sabe-se o quanto o desenvolvimento
auditivo é importante para a criança se expressar. É importante
escutar os sons para que ela mesma emita seu próprio som vocal e
corporal. Santos (1999, p. 85) destaca a importância da sonoridade
para a criança, conforme fragmento abaixo:
- 58 -
Criança B: Eu também quero ler.
Criança A: Só me deixa terminar primeiro, tá bom?
Menino B: Tá.
- 59 -
estavam em seis crianças brincando de “desafio”. Santos (1999, p. 88)
aponta que “as possibilidades motoras dessa fase, somadas às
características de curiosidade, espírito de aventura e descoberta,
tornam a criança um MEXILHÃO. Correr e mexer são suas atividades
principais”.
Em relação ao desenvolvimento de habilidades temporais e
espaciais, observamos, no diálogo, que as crianças maiores, de 5 e 6
anos, percebem a passagem do tempo e assumem percepções sobre
ele no que se refere ao passado, ao presente e ao futuro. Um exemplo
que pode elucidar essa compreensão se dá quando estão conversando
com alguém e dizem para outra pessoa “já estou indo aí”, ou quando
estão brincando e dizem “não demora” ou “vai rápido”. A
compreensão e a organização espacial são demonstradas a partir das
brincadeiras, como, por exemplo, quando dizem “aqui fora”, “lá em
cima” ou “na outra casinha”.
Por fim, no desenvolvimento da linguagem oral, notamos que,
para desenvolver qualquer outra capacidade, a criança precisa da
linguagem, seja ela corporal, vocal ou expressiva. A criança começ pelo
simbolismo, em que ela recria os objetos, dando-lhes novas funções.
A criança recria porque sabe que, na ausência de determinado objeto,
ela pode vê-lo em algum material que se assemelha (SANTOS, 1999).
É nessa noção da lembrança sobre algo que se inicia o
desenvolvimento da linguagem oral e, concomitantemente a ela, a
- 60 -
escrita. Se falamos em algo que estamos pensando, podemos
“escrever” o que estamos falando.
Inúmeras vezes, as crianças reproduziam, pela expressão
verbal, o que viam nos livros. Contavam histórias para os colegas de
acordo com suas imaginações, fazendo uso das imagens. Inúmeras
foram as vezes que observamos as brincadeiras que se baseiam em
“professor e aluno”, em que uma das crianças escreve e a outra cópia.
Além disso, os interesses através de desenhos e histórias faziam com
que pensassem que estava faltando algo: a escrita. Em determinado
dia, duas meninas de 5 anos se sentaram a uma mesa com folhas, lápis
e borracha, começaram a conversar e a chamar a professora regente
para ajudá-las a escrever uma história.
Embora o planejamento dos professores da escola se baseie na
oferta de espaços para que as crianças possam querer ir até eles pela
vontade própria/de forma espontânea, não é planejado executar
atividades pedagógicas de forma direta. Mas como surgiu do interesse
das crianças, a professora dispôs do alfabeto móvel, sentou-se junto
às crianças e começou a formar palavras de acordo com a história que
elas contavam. Cada uma das crianças fez o seu livro com desenhos e
escrita. A escrita do livro de uma das meninas foi a seguinte:
- 61 -
Estava chovendo e ela achou a flor
Quando o sol apare a filha que pegou a flor
- 62 -
auxiliam no desenvolvimento pleno das crianças, instigando o
interesse pelas letras. Há um momento durante as fases do
desenvolvimento infantil que surge a necessidade de escrever aquilo
que se pensa, que se vê e que se quer falar.
Como já abordamos, para chegar ao interesse pela escrita, a
criança, primeiramente, precisa explorar a linguagem.
- 63 -
constrangimentos, sem dizer se estão certas ou erradas ou que devam
falar de outra maneira, conforme Filho (2001, p. 136) destaca:
- 64 -
É necessário que o professor instigue a criança a pensar de
onde vêm as letras, onde elas se encontram (seja na escola ou fora
dela). Também é importante perguntar sobre a função das letras, para
que elas existem, o que fazemos com elas, entre várias outras
perguntas que dão suporte para que se conheça melhor as letras
(FILHO, 2001). Mas Filho (2001, p. 142) adverte: “é importante
lembrar, essas pesquisas e discussões só farão sentido se houver da
parte das crianças indícios de que estão interessadas nesse universo
da leitura e da escrita” (FILHO, 2001, p. 142).
Com base nessas concepções, acreditamos que os relatos
destacados ao longo deste trabalho nos apresentam um modo de
conceber e perceber a Educação Infantil. Nesse contexto, é importante
e necessário desenvolver a criança de forma plena, sem o intuito de
alfabetizá-la, mas apresentando-a aos ambientes alfabetizadores e às
possibilidades existentes na relação com os pares e com o mundo,
despertando interesses e curiosidades.
Considerações finais
Buscamos evidenciar a importância da Primeira Infância.
Devemos valorizá-la, consolidando uma concepção teórico-prática,
pois é através dela que o indivíduo começa a mergulhar na descoberta
do mundo e nas relações com o outro. Precisamos ver as crianças
como seres ativos, autônomos e potentes para adquirir novos saberes,
respeitando seus tempos e interesses.
- 65 -
Além disso, é através dos desenvolvimentos afetivo, visual, tátil
auditivo, motor, espacial, temporal e da linguagem oral que a criança
se desenvolverá de modo pleno. Ademais, são essas possibilidades de
desenvolvimento que levam o sujeito a adentrar no mundo da escrita,
uma vez que, para desenvolver todas as suas habilidades, é necessária
a linguagem (oral, expressiva, corporal), a qual, em determinado
momento, irá impor a exigência do uso da escrita, da curiosidade em
conhecer as letras e de saber para que servem.
Sem concluir essa discussão, indicamos que a Educação Infantil
é uma etapa fundamental, especialmente pela mediação do(a)
Professor(a) Pedagogo(a). É esse profissional que possibilitará que as
crianças descubram novos saberes, estimulando-as. É o professor, com
a parceria fundamental da família, que fará com que as crianças
acreditem nelas mesmas e possam se interessar pelos assuntos de
forma prazerosa e autônoma. Reforçamos que a Educação Infantil não
tem o intuito de alfabetizar. Porém, isso não quer dizer que não
podemos introduzir as crianças em ambientes alfabetizadores, cujo
foco sejam os centros de interesse e as trocas de experiências entre
pares.
- 66 -
Referências
- 67 -
O processo de inserção inicial da criança na Educação Infantil
Introdução
O referido trabalho tem como referência a pesquisa de Dalla
Porta (2019), a qual focaliza o processo de inserção inicial da criança
na Educação Infantil. O tema possui relevância tendo em vista que, as
crianças estão passando a frequentar a escola, cada vez mais cedo, e
faz-se necessário refletir sobre a maneira como está ocorrendo a
transição de um ambiente familiar para o ambiente escolar. Além
disso, torna-se imprescindível elucidar pressupostos teóricos que
possam servir de subsídios para a compreensão do que este processo
de inserção inicial na escola representa, não somente para as crianças,
mas, também para os familiares e os professores.
Nesse sentido, a pesquisa apresenta como questões de
pesquisa: Como ocorrem as relações entre a criança, a família e a
escola, durante o processo de inserção inicial na Educação Infantil?
Como os pais percebem o processo de inserção da criança no
ambiente escolar? Como as professoras concebem e atuam durante
15
Graduada em Pedagogia, UFSM.
16
Doutora em Educação, UFSM. Professora do Departamento de Metodologia do
Ensino da UFSM.
- 68 -
esse período de inserção da criança na Educação Infantil? Como esse
processo repercute para as crianças?
O objetivo geral da pesquisa foi pesquisar as relações entre a
criança, a família e a professora, durante o processo de inserção inicial
na Educação Infantil. Como objetivos específicos buscou-se: (a)
entender como os pais percebem o processo de inserção do(a) filho(a)
na Educação Infantil; (b) compreender como as professores concebem
e quais práticas utilizam durante esse processo de inserção da criança;
(c) analisar o comportamento e as manifestações das crianças durante
a inserção inicial na escola.
O artigo está organizado de modo a possibilitar uma articulação
teórico-prática, trazendo os resultados da pesquisa para dialogar e
problematizar conjuntamente com os pressupostos teóricos. Dessa
forma, após apresentar o caminho metodológico percorrido e as
opções teórico-metodológicas adotadas, as demais sessões do texto
irão proporcionar um panorama crítico-reflexivo acerca da inserção
inicial na escola, justificando, inicialmente, a opção por não utilizar o
termo adaptação, o qual é mais frequentemente referenciado no
cotidiano da escola de Educação Infantil, a partir de Oliveira (2011) e
Pantalena (2010). Na sequência, aborda-se uma discussão acerca da
tríade: criança, família e professora, buscando contemplar os
significados da inserção inicial na escola para os diferentes sujeitos
envolvidos, a partir dos estudos de Bove (2002), Bowlby (1998),
Rossetti-Ferreira, Amorim e Vitória (1994) e Winnicott (1975).
- 69 -
Caminhos da pesquisa
A pesquisa constituiu uma abordagem qualitativa, sendo
desenvolvida através de um estudo de caso no contexto de atuação
prática da pesquisadora junto a uma turma de Maternal I, com
crianças de 3 e 4 anos de idade. Os instrumentos metodológicos
utilizados foram: a entrevista e a observação participante no cotidiano
vivenciado com as crianças.
De acordo com Yin (2001), o estudo de caso contribui, de forma
inigualável, com a compreensão de fenômenos individuais,
organizacionais, sociais e políticos. “O estudo de caso é uma
investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo
dentro de seu contexto da vida real, especialmente, quando os limites
entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN,
2001, p. 32).
O estudo de caso, aplicado à pesquisa, permite uma
investigação a partir do levantamento de dados empíricos, a fim de
possibilitar uma discussão. “O estudo de caso conta com muitas das
técnicas utilizadas pelas pesquisas históricas, mas, acrescenta duas
fontes de evidências que, usualmente, não são incluídas no repertório
de um historiador: observação direta e série sistemática de entrevistas
(YIN, 2001, p.27). Este método diferencia-se das pesquisas históricas
por proporcionar a análise das evidências, a partir de uma variedade
de instrumentos, incluindo, também, a observação participante.
- 70 -
Como sujeitos da pesquisa participaram: a professora da
turma, cinco mães e 23 crianças da turma do Maternal I, de uma escola
municipal de Ensino Fundamental da cidade de Santa Maria/RS.
Destaca-se que, a turma do Maternal I são as crianças mais novas que
ingressam nessa instituição, que também oferta turmas de Educação
Infantil para além dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental.
As observações participantes foram realizadas durante todo o
período letivo de 2019, iniciando no mês de fevereiro, acompanhando,
portanto, todo o processo de inserção inicial das crianças da turma.
Em relação aos questionários, foram elaborados dois roteiros: um
conjunto de perguntas específicas para a professora e outras
perguntas destinadas aos familiares das crianças.
Como modo de respeitar os padrões de ética na pesquisa,
adotou-se o termo de consentimento livre e esclarecido, bem como,
optou-se por não revelar a identidade das mães, da professora e das
crianças, utilizando as iniciais do nome e sobrenome desses sujeitos.
Os resultados obtidos através das observações e das
entrevistas passaram por um processo de análise baseado nas
proposições teóricas da pesquisa (YIN, 2001), os quais possibilitaram
tecer reflexões acerca das representações referente à inserção inicial
da criança na escola, sob a ótica dos diferentes sujeitos envolvidos:
crianças, família e a escola - representada na pesquisa pela professora
da turma.
- 71 -
Por que falar de inserção na Educação Infantil?
A etapa da Educação Infantil compreende o atendimento à
criança na faixa etária de zero aos cinco anos e onze meses de idade,
dessa forma, para efeito das DCNEIs, é definida como:
- 72 -
transição e entender como acontece o processo de inserção da criança
na Educação Infantil.
De acordo com Rossetti-Ferreira, Amorim e Vitória (1994), o
período da entrada da criança em uma creche, é um momento crítico
para todos os envolvidos: pais, crianças e professores. Trata-se, na
realidade, da primeira transição, de um ambiente familiar para o
ambiente escolar, com todas as repercussões de um grande evento na
vida de cada indivíduo.
O processo de inserção da criança na Educação Infantil,
frequentemente, é denominado e entendido por muitos autores e
professores como “período de adaptação escolar”, referindo-se ao
momento em que as crianças se integram ao novo ambiente escolar.
Contudo, ainda que o termo adaptação venha sendo utilizado no
cotidiano escolar e, até mesmo, referenciado em alguns estudos,
atualmente, problematiza-se o seu uso. Oliveira (2011) define a
palavra adaptação como ação ou efeito de se adaptar a um ambiente.
Neste sentido, muitos estudiosos vêm optando em utilizar o
termo inserção, pois compreendem esse momento como um processo
inicial de ingresso da criança à escola. A família, a criança e escola são
prioridades para o processo de inserção e desenvolvimento do sujeito.
Como nos alerta Oliveira (2011, p.17), “não pode significar
simplesmente, o ajustamento ou amoldamento da criança no espaço
escolar, mas, um processo complexo que envolve uma interação e
- 73 -
flexibilidade de todos os envolvidos em busca de seu bem-estar
psicológico e social”.
Pantalena (2010), em seu estudo, considera que o termo
adaptação propõe uma prática pedagógica que visa o ajustamento do
indivíduo à instituição de ensino, ou seja, às condições do meio
ambiente. A autora faz uma crítica à concepção de adaptação vigente
e ao tipo de processo ocorrido nas instituições.
- 74 -
segundo momento desta inserção ocorre quando a criança vem para
a instituição.
Esse processo de acolhimento das famílias, proposto por
Pantalena (2010), nem sempre ocorre nas escolas. Durante a trajetória
profissional da pesquisadora, no âmbito do estágio extracurricular,
vivenciaram-se situações em que as escolas realizavam momentos
pontuais de atenção à família somente nos primeiros dias de inserção
da criança, geralmente, no início da primeira semana de aula. Além
disso, há escolas em que os pais não conhecem, previamente, os(as)
professores(as) que irão atuar com a criança e, vice-versa, os(as)
professores(as) não conhecem os pais das crianças com quem ficarão
no ambiente escolar. Essa ausência de momentos longitudinais de
acolhimento e trocas importantes sobre a criança, repercute em um
processo de inserção mais complicado, pois não se constitui um
trabalho integrado.
Conforme autores italianos e sua proposta educacional, a qual
constitui referência no atendimento à primeira infância, existe uma
abordagem para inserção chamada de inserimento. Conforme Bove
(2002, p. 135)
- 75 -
processo inicial de acolhida da criança à nova
comunidade.
- 76 -
criança que está sendo afastada, momentaneamente, das pessoas
com as quais conhece, possui vínculo afetivo, sente-se segura e
protegida.
Através do cotidiano vivenciado junto às crianças de 3 anos de
idade, da turma do Maternal I, observou-se que as ações das crianças
durante as primeiras inserções na escola, variaram bastante. Para
algumas crianças, ficar na escola foi um processo tranquilo, aos poucos
foram conhecendo o espaço, fazendo amizade e construindo vínculos
com os colegas e com a professora. Mas, para outras crianças foi um
momento difícil ter que permanecer na escola, choravam bastante,
não queriam ficar dentro da sala de aula, pediam pela presença da
mãe. Uma das crianças, no início do processo de inserção, chorava o
tempo todo, muitas vezes, a professora pegava no colo e a levava até
a janela para que pudesse ver a sua mãe, e assim se acalmasse.
Neste contexto, as ações das crianças expressam um
desconforto, configurando um processo lento e complexo. A
insegurança e o medo do abandono, dificultam, muitas vezes, a
construção de novos vínculos no seu ambiente escolar. Por isso, não é
possível estipular um período específico para a inserção da criança na
escola, pois cada criança possui o seu tempo.
Para Rossetti-Ferreira, Amorim e Vitória (1994), quando esse
processo é malconduzido traz prejuízos não apenas à criança, mas
também à creche e ao(à) professor(a) responsável por aquele grupo
de crianças, cujo o trabalho se torna mais difícil e complicado.
- 77 -
Durante a inserção da criança na Educação Infantil é
importante que a família possa participar desse processo, ajudando na
construção de novos vínculos com a professora, tornando-a, aos
poucos, uma figura de referência afetiva para a criança. A presença e
a segurança familiar é, certamente, uma condição importante para
que a criança aceite, de forma positiva, o novo ambiente e esteja
disponível a estabelecer novos vínculos.
- 78 -
tempo do adulto. O comportamento adotado pelas crianças pode ser
comparado aos sentimentos e às reações que os adultos apresentam
durante uma separação prolongada ou permanente, como, por
exemplo, no caso da morte de uma pessoa estimada.
A criança expressa esse sentimento de várias maneiras durante
o processo de inserção, de modo que, o choro é a mais frequente,
gerando preocupações e aflições dentre os(as) professores(as) e a
família. Contudo, os(as) professores(as) precisam ficar atentos(as) em
todas as atitudes das crianças, afinal, não é porque a criança não chora
que significa que ela está bem. O(a) professor(a) que está em processo
de conhecimento da criança, ainda não tem um padrão de
comparação, por isso, é necessário, o cuidado em todas as
manifestações das crianças.
No momento da inserção inicial é comum que algumas crianças
tragam de casa algum objeto significativo, o qual elas mantêm próximo
e carregam consigo por um certo tempo, o que se entende por objeto
transicional. Esse objeto, muitas vezes, é algo que simboliza seus pais
ou familiares, constituindo-se em uma forma de auxiliar a criança a
fazer a transição do ambiente familiar para a escola, promovendo seu
bem-estar e segurança emocional.
Para Winnicott (1975), o objeto transicional, inicialmente, é
aquele que o bebê se apega e proporciona a sensação de segurança,
- 79 -
pois, simboliza a mãe17, na sua ausência. Mesmo sem ver a mãe, a
criança pode sentir conforto e o suporte dela, que está representado
por aquele objeto.
17
Entende-se que pode representar não apenas a mãe, mas também outra pessoa
afetivamente importante para a criança a qual compõe seu núcleo familiar.
- 80 -
Dessa forma, não se pode confundir objeto transicional com
brinquedo, ainda que determinados brinquedos, especialmente
significativos para a criança e sua família, também possam cumprir
essa função. O significado e a importância do objeto transicional para
a criança, transcende a função de brinquedo, e não pode ser
padronizado em regras que são recorrentes nas escolas como “dia do
brinquedo”. Além de não haver sustentação teórica para manter esse
tipo de regra, haja vista que, o trabalho pedagógico na Educação
Infantil possui como eixo norteador, as interações e as brincadeiras
(BRASIL, 2010), desconsideram-se os efeitos do objeto transicional
para a segurança emocional da criança no início do processo de
inserção à escola.
Como relato de experiência, vivenciou-se uma situação em que
um menino de três anos de idade, em fase inicial de sua primeira
inserção na escola, foi barrado pela professora na entrada da sala de
aula, por estar abraçado a um boneco, sob o argumento de que não
era “o dia do brinquedo”. A criança em questão, já iniciando um choro,
expressa à professora “Eu já te disse que o Pedro não é um brinquedo,
ele é meu amigo!”, na tentativa de demonstrar o conforto emocional
presente em seu objeto transicional, o qual também era utilizado pela
criança para dormir à noite.
A necessidade de algumas crianças levarem consigo
brinquedos e/ou objetos significativos à escola está expressa através
dos “Critérios para um atendimento em creches que respeitem os
- 81 -
direitos fundamentais das crianças” (BRASIL, p. 26, 2009): “Nossas
crianças têm direito de trazer um objeto querido de casa para ajudá-
las na adaptação à creche: uma boneca, um brinquedo, uma chupeta,
um travesseiro”.
A partir dos elementos expostos nesta seção, destaca-se que,
para a criança, o processo de inserção na Educação Infantil envolve
ampliar as referências afetivas tidas, inicialmente, com os pais ou
familiares, construindo, aos poucos, novos vínculos no espaço escolar,
com os(as) professores(as) e também as outras crianças. Assim, no
momento em que a criança construir vínculos afetivos com o(a)
professor(a), também se constituirá em uma figura de apego, deste
modo, a criança se sentirá, gradativamente, protegida e acolhida junto
ao(à) professor(a).
Mas, para que esse processo ocorra com a criança, é
importante que os pais também sejam acolhidos, possibilitando a
construção de vínculos de confiança com a família, repercutindo,
também, no bem-estar e no acolhimento da criança. É preciso que se
construa uma parceria entre família e escola, para que juntos possam
realizar essa transição do espaço familiar, para o espaço escolar.
- 82 -
sentimento de culpa, de medo e insegurança, por estarem delegando
aos outros o que gostariam, de alguma maneira, fazer por seus filhos.
Eles vivem uma desestrutura emocional, mesmo que seja por um curto
tempo.
Para Rossetti-Ferreira, Amorim e Vitória (1994), o período da
criança na escola é um momento crítico para todos os envolvidos, os
pais começam a experimentar sentimentos que confundem e
amedrontam, deixando-os inseguros. Esse estado de tensão e de
incertezas vividos pelos pais é transmitido para as crianças, afetando
no seu processo de inserção.
Todavia, ainda que o processo de inserção inicial na escola de
Educação infantil afete todo o núcleo familiar que participa da vida da
criança, entende-se que esse momento repercute, principalmente,
para as mulheres. A institucionalização das atividades infantis, ainda
que constitua um direito da criança (BRASIL, 2010), está fortemente
relacionado com a carreira profissional das mulheres, as quais foram,
historicamente e culturalmente, responsabilizadas pela educação das
crianças pequenas. Com a conquista das mulheres no mercado de
trabalho à procura pelas escolas de Educação Infantil aumentaram.
Neste contexto, a mulher está submetida a situações
contraditórias, dando ênfase, ao mesmo tempo em seu papel
insubstituível como mãe, e, por outro lado, a uma vida profissional
ativa, não possuindo apenas a função materna, o que contribui para
que as mulheres sejam culpabilizadas socialmente ou elas próprias
- 83 -
adquiriram um sentimento de culpa por não conseguirem suprir os
cuidados com a criança pequena no tempo integral.
A escolha de deixar seu filho na escola, ocorre, muitas vezes,
pelo contexto de retorno da mãe ao trabalho, sendo um direito de
todas, no entanto, elas precisam separar-se de seus filhos para irem
trabalhar, o que nem sempre é um processo tranquilo.
Destaca-se que, os questionários foram disponibilizados às
famílias das crianças, mas, todos eles foram respondidos pelas mães,
o que representa o quanto o processo de inserção inicial da criança
ainda está relacionado com a participação da mulher. De modo que,
socialmente, a mãe é ainda a pessoa mais referenciada e solicitada
pela escola para responsabilizar o processo de inserção da criança.
Entende-se que, é preciso buscar formas de participação mais efetiva
de outras pessoas importantes do núcleo familiar da criança, a fim de
relações mais igualitárias e comprometidas com os processos
vivenciados na escola.
Dentre as mães que participaram do questionário, algumas
relataram que a inserção da criança na escola foi um processo
delicado, tenso e difícil. Apenas uma mãe relatou que foi tranquilo,
sem maiores explicações. Dentre os elementos escritos pelas mães
referindo-se à adaptação como momento delicado, observou-se que,
também diziam respeito ao modo como elas lidavam com a ausência
da criança em casa, conforme os seguintes relatos: “Confesso que foi
difícil para nós, porque a ausência e o vazio da presença dela ainda é
- 84 -
bem presente, mas olhamos sempre com boa perspectiva, ela está
feliz e nós também” (S.S - criança de 3 anos); “Enfrentamos com muitas
dificuldades e incertezas, se realmente ele iria ficar, pois era muito
apegado em casa com a companhia da mãe” (T.S - criança de 4 anos).
Referente ao sentimento das mães ao deixarem o(a) filho(a) na
escola, algumas citaram angústia, medo, dor, desconfiança,
ansiedade, etc. A maioria são sentimentos negativos pelo motivo da
separação momentânea ser permeada de incertezas quanto ao bem-
estar do(a) seu(sua) filho(a), durante sua ausência. Conforme Rossetti-
Ferreira, Amorim e Vitória (1994) esse sentimento de perda é como se
o laço que os une estivesse prestes a arrebentar. Se não for superado
esse sentimento, poderá afetar as crianças e dificultando a inserção no
ambiente escolar.
Durante as observações, presenciou-se uma situação em que a
mãe de uma criança ficava o tempo todo na sala e não saía de perto
de seu filho, mesmo com a solicitação da professora regente. Quando
as professoras distraíam essa criança, a mãe saía, mas, a criança
começava a chorar, então a mãe entrava na sala, desesperada.
Aconteceu que essa criança não conseguia permanecer no ambiente
escolar e a mãe, por não saber lidar com a situação, resolveu não levar
mais à escola. Através do acompanhamento das crianças, observa-se
que, ao mesmo tempo em que a criança lida com seus próprios
sentimentos, também percebe os sentimentos da mãe.
Após refletir sobre essa situação, entende-se que a mãe dessa
criança ficou insegura em deixar o seu filho na escola, necessitando de
- 85 -
um acolhimento maior da professora referente à mãe e à criança.
Muitas vezes, os professores não percebem a relevância de construir
um vínculo, não apenas com a criança, mas, também, com a mãe ou
responsáveis. Esses aspectos exemplificam a importância do vínculo
afetivo e da confiança em relação aos profissionais e ao espaço
escolar.
A mãe (S.S - criança de 4 anos) relata que sentiu “no primeiro
momento desconfiança e medo, mas, ao mesmo tempo, a certeza de
que ela estava em um ambiente seguro e cuidada, se desenvolvendo”.
Já a mãe (L.Y- criança de 3 anos) mencionou “um sentimento de
aperto, mas, ao mesmo tempo, tranquila por saber que a escola é
maravilhosa”.
Assim, apesar das mães citarem sentimentos negativos, ao
mesmo tempo, mencionaram sentimentos positivos referindo-se ao
orgulho da criança estar crescendo e a confiança quanto ao trabalho
da escola e dos professores. A mãe (D.S - criança de 3 anos), registrou
sentimentos como “angústia, ansiedade, medo, orgulho”.
Segundo Bove (2002, p. 139)
18
Entende-se aqui que essa função pode e deve ser compartilhada com demais
pessoas que compõem o núcleo familiar e constituem referência afetiva para a
criança.
- 86 -
no contexto da creche durante o inserimento, se
por um lado, pode aparentar complicar a cena
relacional, por outro lado, oferece aos professores
elementos inegáveis para a construção de uma
relação afetiva e não competitiva com a criança.
- 87 -
O principal indicador de acolhimento que os pais
podem receber é o fato de serem convidados a
passar o maior tempo possível na creche. À medida
que, os pais e o professor vão familiarizando-se
entre si, também vão criando vínculos, e a criança
se beneficiará desses vínculos, cada vez mais
estreitos entre a professora e pais (BOVE, 2002,
p.136).
- 88 -
Os(as) professores(as) e o processo da inserção inicial da criança
Para alguns(as) professores(as), o processo de inserção da
criança, é um momento delicado e complicado, em que se sentem
frustrados(as) porque têm dificuldades em lidar com a situação do
choro constante das crianças e esse parece ser o maior desafio: fazer
a criança parar de chorar. Existem casos em que é difícil para o(a)
docente lidar com os aspectos emocionais e psicológicos da criança
durante esse processo, porque muitas vezes, falta um preparo dos
cursos de formação de professores, a fim de proporcionarem subsídios
teóricos para compreender melhor o que representa esse momento
para a criança e sua família.
Segundo a professora entrevistada, lidar com o choro das
crianças foi um dos momentos mais difíceis, ela conta que conseguiu
resolver essa situação fazendo com que os pais permanecessem e
saíssem aos poucos da sala.
- 89 -
responsabilidade de acolher essa criança e família transmitindo toda a
segurança e o carinho que precisarem”. Acrescenta que, os aspectos
mais difíceis neste processo é lidar com a insegurança dos pais “[...]
tanto que as crianças que não ficaram, foram as que percebi que os
pais estavam mais inseguros”. Todavia, ainda que o(a) professor(a)
tenha consciência da necessidade de realizar o acolhimento,
questiona-se como fazê-lo de forma efetiva?
Ao analisar o significado do termo acolhimento, o qual deriva
do ato ou efeito de acolher, o mesmo representa a maneira de receber
ou de ser recebido, a recepção. Se tomar esse significado para o
contexto do acolhimento das famílias e das crianças na escola, ele se
torna um tanto superficial, pois não se trata apenas de como os
sujeitos são recebidos no espaço, mas sim, como passam a estabelecer
vínculos e relações, como vão constituindo o sentimento de
pertencimento, e como são chamados a serem protagonistas dos
processos vivenciados no coletivo.
Neste sentido, o processo de acolhimento se torna mais
complexo, necessitando de ações planejadas longitudinalmente, para
além dos primeiros dias em que a criança chega à escola. No que se
referem às ações pedagógicas, há uma série de indicadores (BRASIL,
2009) que são utilizados para garantir os direitos fundamentais das
crianças durante o período da inserção inicial na Educação Infantil.
- 90 -
Nossas crianças têm direito a uma especial atenção
durante seu período de adaptação à creche; As
crianças recebem nossa atenção individual quando
começam a frequentar a creche; As mães e os pais
recebem uma atenção especial para ganhar
confiança e familiaridade com a creche; Nossas
crianças têm direito à presença de um de seus
familiares na creche durante seu período de
adaptação; As mães e os pais são sempre bem-
vindos à creche; Reconhecemos que uma conversa
aberta e franca com as mães e os pais é o melhor
caminho para superar as dificuldades do período
de adaptação. Observamos com atenção a reação
dos bebês e de seus familiares durante o período
de adaptação (BRASIL, 2009, p. 26).
- 91 -
De acordo com a professora, nos primeiros dias do processo de
inserção das crianças, além de ter permanecido com as crianças em
horário reduzido, desenvolveu propostas de trabalho que considera
mais lúdicas e, após, foi introduzindo o que refere como atividades.
“Os primeiros dias é mais brinquedos, brincadeiras e músicas, aos
poucos vamos inserindo histórias e atividades”.
Para Pantalena (2010), as atividades do período de inserção
incluem o conhecimento do espaço da instituição, conhecimento das
atividades rotineiras, como ouvir histórias, cantar, brincar, desenhar,
realizar as refeições nos horários e maneiras estabelecidas,
conhecimento das regras e dos professores.
No entanto, ainda que se tenha a intenção de proporcionar um
planejamento diferenciado para esse momento inicial das crianças na
escola, nem sempre se tem clareza quanto ao que este planejamento
deve, de fato, proporcionar. Há situações, inclusive, que alguns(as)
docentes afirmam não ter planejamento para esse período inicial, pois
o objetivo está centrado em proporcionar a “adaptação” das crianças
no espaço. O que constitui uma incoerência, pois para buscar
proporcionar a inserção e o acolhimento, são necessárias práticas
pensadas e articuladas para atingir este fim.
As ações acerca da inserção inicial podem envolver desde
projetos pedagógicos desenvolvidos em conjunto com as famílias, até
mesmo as ações cotidianas do(a) professor(a) junto a criança. Para
Winnicott (1975), a segurança proporcionada à criança ocorre por
- 92 -
meio de ações afetivas vinculadas aos cuidados nas ações da
alimentação, do pegar no colo, higienização e demais necessidades
básicas das crianças.
- 93 -
Observa-se que, muitas vezes, a forma como a rotina é exposta
na escola pode interferir no seu ambiente familiar, pois, cada criança
apresenta uma rotina e uma cultura habituada em casa. A escola
precisa cuidar que tipo de rotina irá trabalhar em sala de aula, para
não impor algo que não tenha significado para elas, porque isso irá
repercutir no modo de organização em casa.
Segundo Oliveira (2008), a inserção da criança passa por
constantes mudanças de ciclos, como um momento crucial em sua
vida, no qual exige reorganização cognitiva, social, física e psíquica,
fato é, que estamos a todo momento em um processo de adaptação
ao meio e às informações que dele recebemos, não sendo muito
diferente do processo educativo.
Somando-se a essas questões, observou-se, também, que a
professora da turma realizou entrevistas com as famílias durante as
primeiras semanas letivas de inserção das crianças. Nesse momento,
ela buscou obter informações importantes sobre a criança como, por
exemplo, suas preferências, seus hábitos relacionados à alimentação,
ao sono, seus costumes e traços de seu comportamento e sua
personalidade.
A pesquisadora pôde participar de algumas entrevistas junto
com a professora regente, as quais constituíram um momento
importante para conhecer a história de cada criança. Percebe-se que
os pais também se sentem seguros quando conhecem as professoras
e aproveitam o momento para relatar informações importantes que
- 94 -
podem contribuir para lidar melhor com algumas questões específicas
relacionadas à criança.
Todavia, apesar das entrevistas serem momentos relevantes
para contribuir com a inserção inicial das crianças na escola, é
importante que o(a) professor(a) tenha sempre o contato diário com
os pais, mantendo-os sempre informados dos acontecimentos
relacionados à criança. Uma estratégia que a professora da turma
encontrou para esse diálogo constante foi através de registros diários
na agenda das crianças.
Por outro lado, entende-se que, para além desses registros, é
importante que os familiares das crianças possam adentrar no espaço
da escola e conversar pessoalmente com a professora. Há escolas que
não permitem que os familiares possam entrar com as crianças até à
porta da sala, devendo entregá-las e recebê-las na portaria, sem a
possibilidade de circular pelos corredores, observar os movimentos e
sons cotidianos que integram a instituição. Essas ações geram
incertezas, anseios e dúvidas, corroboram com sentimento de
desconfiança.
Neste sentido, é fundamental promover ações que possam
constituir e fortalecer o vínculo afetivo entre as crianças, suas famílias
e a professora. A escola deve ter condições de oferecer todos os
cuidados necessários para a inserção da criança na Educação Infantil.
Qualquer atendimento que não atingir isto se constituirá em um
- 95 -
desrespeito à criança, aos pais e à sociedade (RAPOPORT; PICCININI,
2001).
Portanto, a inserção inicial da criança nas escolas de Educação
Infantil implica inúmeros fatores, sendo necessárias estratégias
pedagógicas para o acolhimento, tanto da criança, quanto da sua
família. E, assim, possibilitar a construção de vínculos de apego e de
confiança entre todos os envolvidos.
Conclusão
O período de inserção da criança na Educação Infantil é
caracterizado por um momento delicado e complexo, é um processo
importante para o desenvolvimento infantil, pois possibilita a
transição de um espaço familiar para o espaço escolar, contribuindo
com a ampliação das referências e dos vínculos afetivos.
As crianças, durante a inserção, apresentam várias
manifestações, a principal, no início, é o choro. Essa transição do
ambiente familiar para o escolar, para algumas crianças, é um
processo doloroso, em que se sente insegura por estar na escola.
Nessas situações, o objeto transicional pode contribuir para que a
criança se sinta, gradativamente, mais segura no novo espaço e
suporte, sem tanto sofrimento, a ausência temporária de seus
familiares. Neste sentido, para a criança inserir-se no espaço escolar
não diz respeito a se adaptar àquele espaço, e sim, aos poucos,
construir relações e novos vínculos afetivos, tanto com os(as)
- 96 -
professores(as), quanto com as demais crianças, para isso, cada
criança necessita de um tempo diferente, que não pode ser limitado à
primeira semana de aula.
Para os pais ou responsáveis esse processo inicial da criança na
escola é um momento que expressam vários sentimentos de angústia,
medo, insegurança, ansiedade e, também, alegrias. Contudo, através
dos resultados da pesquisa, observou-se o quanto, ainda, esse
processo é vivenciado, principalmente, pelas mães das crianças,
repercutindo na reorganização de seu cotidiano a fim de acompanhar
o(a) filho(a) na escola. Destaca-se a necessidade de que outras pessoas
do núcleo familiar da criança, que também constituem referência
afetiva, possam participar, responsabilizar-se e acompanhar a inserção
da criança na escola.
Um dos aspectos que repercute no processo de inserção da
criança, refere-se ao quanto os pais ou demais familiares sentem-se
acolhidos e conseguem construir um vínculo de confiança com relação
ao(à) professor(a) e à escola. Neste sentido, é fundamental que o(a)
professor(a) possa promover práticas de acolhimento da criança e da
sua família, passando a ver os pais como sujeitos que contribuem para
conhecer e se aproximar melhor da criança.
Cabe aos(as) professores(as) buscar estar preparados(as) para
compreender as manifestações da criança durante esse período, sem
minimizar ou desconsiderar as suas demonstrações de sofrimento,
- 97 -
pois se trata de uma situação nova que a criança precisa, aos poucos,
aprender a lidar.
Conclui-se enfatizando a importância de ações conjuntas e
integradas entre a escola e a família, a fim de que possam ser
construídos e fortalecidos vínculos de confiança, que contribuirão com
a gradativa inserção da criança na escola, de forma tranquila e
respeitosa para com os processos que precisam ser vivenciados.
A escola é um espaço de grande importância educacional para
a formação da criança, por isso, torna-se fundamental a parceria entre
escola e família, pois, tanto a família, quanto a escola, tem o objetivo
de educar e socializar as crianças.
- 98 -
Referências
- 99 -
ROSSETTI-FERREIRA, M. C.; AMORIM, K. S.; VITÓRIA, T. A creche
enquanto contexto possível de desenvolvimento da criança pequena.
Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, v. 4,
n. 2, 1994.
- 100 -
O tripé escola-criança-família no processo avaliativo da Educação
Infantil
Introdução
No Brasil, o direito a educação é considerado como um direito
de todos, garantido pela Constituição Federal no artigo 205 (BRASIL,
1988, p.123) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) Lei Nº 9.394/96, cujo Art. 2º expressa que a educação “[...] tem
por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(BRASIL, 1996, p. 8). Desta forma, considera-se que o ensino é
proposto a fim de oferecer uma formação integral ao desenvolvimento
do indivíduo. Para favorecer essa oferta, é importante que o professor
seja um constante investigador reflexivo de sua prática, tornando-se
sujeito ativo da produção de conhecimento visando à construção da
autonomia como método dinâmico da aprendizagem.
19
Mestranda em Educação, FURB. Professora do Ensino Básico e Mestranda em
Educação pela Universidade Regional de Blumenau – FURB /Santa Catarina.
20
Doutora em Estudos da Tradução, UFSC. Professora do Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico e da Pós-graduação do Instituto Federal de Santa Catarina,
Gaspar/Santa Catarina, Brasil.
- 101 -
Estar atento e comprometer-se com todo o processo de ensino
e aprendizagem não é tarefa fácil para o docente, pois nessa ação
estão entranhadas atribuições profissionais do professor, dentre as
quais, o processo avaliativo. Nas definições do Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil,
- 102 -
mesmo modo, a falta dessa relação costuma ser um agravante na vida
escolar desta criança, que poderá demonstrar dificuldade ou
desinteresse pelo processo de aprendizagem.
Jardim (2006) alerta para a importância de estudos dedicado a
ambas instituições.
- 103 -
da pesquisa. Estes objetivos nortearam o percurso metodológico desta
investigação, que se classifica como uma pesquisa de campo, com
abordagem qualitativa. Este tipo de pesquisa é ideal para tratar o
tema, pois permitiu compreender o fenômeno estudado em seu
aspecto particular, além de contemplar a relação da escola com a
família no processo avaliativo.
O cenário do estudo foi um Centro de Educação Infantil (CEI)
da Rede Municipal de Ensino no estado de Santa Catarina, quando aos
dados da pesquisa, foram gerados mediante aos instrumentos
questionário e atividades pedagógicas enviadas as famílias. É
importante destacar ao leitor que os detalhes do percurso
metodológico serão melhor descritos na seção metodologia.
Na sequência trataremos da importância da avaliação para o
cenário da educação nacional, bem como a trajetória da avaliação
numa perspectiva histórica.
- 104 -
Com o passar dos anos, as instituições de ensino ganharam
novos olhares e foram amparadas por novas leis: Constituição Federal
(1988), LDB (1996), Diretriz Curricular Nacional para a Educação Básica
(2010), que mudaram o contexto educacional. Em nosso país, a LDB nº
9394, promulgada em 1996 e revisada em 2013 pela Lei nº 12.796, em
seu artigo 29, garante a todas as crianças a educação infantil, primeira
etapa da educação básica, que tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade, tornando a instituição de ensino um
direito da criança, independente da rotina de trabalho da mãe.
Os novos marcos legais reforçam a importância da educação
infantil como uma etapa obrigatória no processo educativo e falar
desta primeira etapa escolar na vida da criança é ressaltar o conjunto
de habilidades que se provoca na criança para contribuir com sua
construção e desenvolvimento.
No Artigo 31 da LDB 9.394 (BRASIL, 1996), entende-se que a
avaliação, de acordo com a vivência da criança, deve ser observada,
analisada e registrada pelo docente. Esse, por sua vez, sabedor das
teorias do desenvolvimento infantil, valoriza, compreende e avalia o
tempo de cada criança mediante as observações e analisa o que julga
relevante. O professor nessa esfera deverá ser o facilitador, o
mediador de novas descobertas, promovendo novos conhecimentos,
novas aprendizagens.
- 105 -
Mas afinal de contas, o que é avaliar? Segundo as autoras
Albuquerque e Oliveira (2012), o termo avaliar, tem sua origem no
latim e provém da composição a-valere, que quer dizer “dar valor a.…”.
Porém o termo avaliação significa “atribuir um valor ou qualidade a
alguma coisa, ou a algum objeto”.
Desta forma evidencia-se que a relação que se estabelece entre
a avaliação e a atribuição de valor é oriunda do próprio termo, visto
que a palavra ‘avaliação’ traz em seu cerne um conjunto de valores
pré-estabelecidos. Esses valores, por longos anos, foram fortes
indicadores de medidas, caracterizando a avaliação na escola como
um instrumento que servia para medir, classificar, testar. Contudo, ao
longo da história, a educação e a avaliação passam por mudanças
históricas, e atualmente se contempla uma avaliação menos centrada
no resultado e mais atenta com o percurso, envolvendo docente e
discente.
Estudos na área da avaliação têm motivado a compreender
melhor este elemento que faz parte do processo de ensino e
aprendizagem da criança e do professor. Segundo Libâneo (1994,
p.196) avaliação é como "uma apreciação qualitativa sobre dados
relevantes do processo de ensino e aprendizagem que auxilia o
professor a tomar decisões sobre o seu trabalho”.
Gardner (1996) destaca que existe uma grande diferença entre
o que é chamado de avaliação atualmente e o que ele considera
avaliação. Para Gardner, hodiernamente o que é intitulado “avaliação”
- 106 -
nada mais é do que uma sondagem onde são obtidas informações
sobre as habilidades/competências dos alunos. Já a avaliação que ele
considera relevante, aborda informações sobre as
habilidades/competências durante as atividades desenvolvidas no
cotidiano, contribuindo com um progresso significativo para a criança
e para o professor, que deve ter estabelecido o que se deseja no final
do processo avaliativo.
Para Haydt (2004), ao avaliar o aluno, o professor está
avaliando o seu trabalho; portanto, a avaliação está sempre presente
na sala de aula, fazendo parte da rotina escolar.
Hoffmann (2011) salienta que a avaliação deve ser de
intervenção pedagógica, em que se deve se construir caminhos para
proporcionar melhores oportunidades/estratégias de aprendizagens,
pois para a autora não há sentido realizar uma avaliação para dizer se
o aluno fez ou não fez, se ele é ou não é capaz. Avalia-se para promover
o aluno moral e intelectualmente.
Deste modo, podemos afirmar que o processo avaliativo deve
ser desenvolvido sob o olhar perspicaz do professor, pois implica num
campo de investigação e acompanhamento, considerando o
desenvolvimento e aprendizagem das crianças, com a finalidade de
buscar melhores caminhos para orientar novas práticas pedagógicas.
O município, cenário deste estudo, no que tange à educação
infantil, preza por princípios norteadores definidos nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009). Neste
- 107 -
documento faz-se referência aos princípios éticos, políticos e estéticos
como elemento que sustentam as relações vividas nos espaços de
atendimento à educação infantil.
- 108 -
pensador, pois a reflexão precede e acompanha a
atuação propriamente dita. Consequentemente,
será também uma figura atuante, envolvendo-se
nessa relação e estará atento ao mundo ao seu
redor, aberto a questionamento, estudando,
reciclando-se e buscando no processo de auto-
conhecimento [sic] aspectos pessoais de
desenvolvimento e reeducação (MACHADO, 1991,
p. 48).
- 109 -
planejamento é estruturado por tema geradores e o registro das
práticas que pode acontecer semanal ou diariamente, ambos
considerados complementares entre si. Os dois se constituem no
processo de ensino e aprendizagem, que permitem registrar de forma
sistemática a devolutiva das intencionalidades e das ações
pedagógicas, proporcionando um acompanhamento de toda a ação
educativa, possibilitando planejar, revisar e adequar ações futuras.
Levando-se em consideração esses aspectos, a avaliação do
desenvolvimento das crianças inseridas neste CEI segue critérios
estabelecidos no documento “Diretrizes para a Avaliação da
Aprendizagem na Educação Infantil: Caminhos da Infância” (ITAJAÍ,
2007). Nesta perspectiva, definiu-se o conceito de Avaliação da
Aprendizagem na Educação Infantil para a Rede Municipal de Ensino
de Itajaí como: “[...] ação contínua que permite ao educador pensar
sua prática pedagógica, construindo o processo de ensinar e aprender,
por meio da observação, reflexão e desenvolvimento das habilidades
e competências do aluno” (ITAJAÍ, 2007, p. 14).
Percebeu-se, então, a importância de uma avaliação contínua
que valorize todas as fases do desenvolvimento da criança. Sem
dúvida, acompanhar a criança em seu desenvolvimento exige um olhar
teórico-reflexivo sobre seu contexto sociocultural; significa respeitá-la
em sua individualidade e conquistas de conhecimentos em todas as
áreas.
- 110 -
Segundo Freire (1989, p. 3), “a observação é o que possibilita o
exercício do aprendizado do olhar. Olhar é como sair de dentro de mim
para ver o outro [...]”. Os profissionais da Educação Infantil
desenvolvem formas de acompanhar e atribuir significado às ações
desenvolvidas no cotidiano junto às crianças. Trata-se de uma prática
muito significativa de elaboração de relatórios diários/registros, como
subsídios e/ou complementos à elaboração dos relatórios de avaliação
individual das crianças.
O professor como mediador deve estar atento a todas as
produções e manifestações das crianças e anotar, fotografar,
entrevistar, de forma individual ou coletiva, relatando como estes se
envolvem nas atividades, de que forma resolvem os desafios, que
dificuldades apresentam, que soluções encontram para determinados
problemas, que perguntas fazem, de que maneira articular o fazer e o
conhecer. Nesse sentido, as observações e os registros devem ser
contextualizados, pois permitem ao professor acompanhar o
desenvolvimento das crianças e, sobretudo, recorrer a eles sempre
que for desenvolver seus pareceres descritivos, primando pela
autenticidade dos dados e do processo de desenvolvimento das
crianças.
Neste viés, ainda que o processo avaliativo não seja uma tarefa
fácil e ainda que muitos professores estejam amarrados ao sistema de
ensino, ao cumprimento burocrático, que muitas vezes se preocupa
em cumprir com as datas estabelecidas pelas secretarias, é necessário
- 111 -
que o docente não perca o valor, a essência da avaliação, pois muito
mais importante nesse processo é avaliar para descobrir quem são as
crianças, investigando quantos anos elas têm, quais experiências
foram vividas, que vida eles levam, qual a diferença de faixa etária,
dados significativos no momento de planejar, pensar a aula e esse
‘pensar’ é um prestar a atenção no aprendiz, é explorar
minuciosamente a fim de reunir informações que podem respaldar seu
trabalho. Contudo, é interessante que este olhar não permaneça
apenas na escola sob a ótica docente, é importante que transpasse os
muros da escola, alcançando as famílias, incluindo-os neste valoroso
processo que ocorre nas instituições de ensino. Na sequência
abordaremos quão importante é o papel da família na vida da criança,
não apenas no universo escolar, mas desde seu nascimento, quando
inicia suas primeiras relações interpessoais e começa a construir seu
conhecimento de mundo.
- 112 -
Em seu Art.2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996), a educação, dever da família e do estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Segundo Zagury (2002), nessa perspectiva, a família tem papel
indissociável na vida escolar da criança, pois está intrinsecamente
ligada ao papel da escola. É com a família que acontecem suas
primeiras vivências. Pode-se dizer que a primeira instituição, o
primeiro espaço para a formação moral, social, psíquica que a criança
vivencia é a família, que lhe dá nome, com quem faz descobertas,
estabelece rotinas e costumes culturais, em que adquire
conhecimento e se desenvolve. Porém, parte deste desenvolvimento
é construído pelo meio social e este é alicerçado fortemente na vida
escolar. É na escola que a criança desperta para o mundo externo,
descobrindo diferentes emoções. Na escola, ela percebe que fará
experiências de alegria ao brincar com um amigo, enfrentará o
desapego dos pais no momento da despedida, sentirá a liberdade ao
correr pelo parque, dará asas à imaginação ao ser um super-herói ou
uma princesa, emoções inerentes a rotinas e vivências da educação
infantil.
Mas o que ambas instituições – família e escola – tem em
comum? Segundo Szymanski (2010, p. 98), “[...] é o fato de
prepararem os membros jovens para sua inserção futura na sociedade
- 113 -
e para o desempenho de funções que possibilitem a continuidade da
vida social. Ambas instituições desempenham um papel importante na
formação do indivíduo e do futuro cidadão”. Dessa forma, cabe
ressaltar a importância da família na vida escolar de seus filhos, desde
cedo já na educação infantil.
Em buscas feitas em portais de periódicos como o Portal Capes,
Scielo, Bibliotecas Digitais e Google Acadêmico são encontrados
artigos e pesquisas (CURY, 2003; ZAGURY, 2006; REIS, 2007;
SZYMANSKI, 2010) explicitando o quão importante é a interação
família-escola para o desenvolvimento escolar do educando. Contudo,
na educação, é possível encontrar famílias que fogem à regra. Segundo
uma pesquisa realizada em 2014 pelo Instituto Brasileiro de Opinião e
Estatística (IBOPE) em parceria com o Instituto Paulo Montenegro,
12% da população do país é “Comprometida” com a vida escolar dos
seus filhos. A pesquisa ainda traz percentuais de outros grupos de pais
que são classificados como “Vinculados” 27%, “Envolvidos” 25%,
“Intermediário” 17% e “Distantes” 19% em relação à educação dos
filhos. Ou seja, com o ritmo frenético em que se vive, se torna difícil
detectar pequenas ausências dos pais, que estão cada dia mais
ocupados, mais atarefados, imersos nos trabalhos tentando
acompanhar mudanças sociais, culturais e econômicas ocorridas em
nossa sociedade. Observando os apontamentos da pesquisa, podemos
identificar dois fatores relevantes e importantes para o discente. O
primeiro é que a participação dos pais é fundamental para o
- 114 -
desempenho da criança; e o segundo é que esta relação da família
reflete na criança fomentando a criação de estratégias para alcançar
os resultados desejados frente aos desafios e a identificar sua
responsabilidade e seu direito em circunstâncias de aprendizagem na
educação.
Nesta situação, ainda que alguns pais não se conscientizem
desta importante atribuição, cabe à escola estar atenta ao público de
crianças e, sobretudo, dos pais que está atendendo, para propor ações
que envolvam a participação de todos, visto que algumas famílias
pouco sabem sobre a gama de desenvolvimento cognitivo, moral e
social, afetivo; sobre como a aprendizagem acontece; sobre quais
processos a criança perpassa até chegar ao desenvolvimento
intelectual. Consequentemente, a falta desse conhecimento
desinteressa a participação na vida escolar. Corroborando com tal
afirmação, de acordo com Brandão, Canedo e Xavier (2012), os pais
que acompanham de perto os estudos dos filhos despertam seus
interesses para os deveres de casa e contribuem para um ensino de
qualidade.
Nesse sentido, a escola poderá oportunizar aos pais a
participação na escolarização de seus filhos, desenvolvendo práticas
que facilitem a aprendizagem. Por exemplo: se durante a semana, na
unidade de ensino, está sendo trabalhado sobre higiene com as
crianças em sala, os professores poderão oportunizar aos pais
desenvolver pequenas tarefas em casa sobre o mesmo tema, pois
- 115 -
além de ampliar o conhecimento da criança, envolvem os pais na vida
escolar, além de proporcionar a muito pais o reconhecimento dos
avanços e das as limitações dos filhos. Através desta dinâmica, a
família torna-se copartícipe do processo educacional, com pequenas,
mas importantes intervenções no desenvolvimento e aprendizado da
criança.
Compreende-se, então, que a interação família-escola é
importante para que ambas conheçam suas realidades e juntas
busquem caminhos que facilitem o relacionamento entre si para
promover uma educação com mais qualidade.
Metodologia
O estudo aconteceu no Centro de Educação Infantil (CEI) da
Rede Municipal de Ensino no estado de Santa Catarina, local que
atende crianças de 3 a 6 anos, porém, a investigação ocorreu em uma
sala – jardim II – equivalente a faixa etária de 4 a 5 anos. O público-
alvo direto foram os pais e indiretamente a pesquisa teve reflexo nos
professores e no grupo de crianças.
Os instrumentos de produção de dados foram as atividades
pedagógica enviadas às famílias com questionários anexos.
Considerou-se atividade pedagógicas o conjunto de práticas que
exigiam das crianças suas habilidades e competências para realizar
ações, como: tentativa de escrita, compreensão lógico-matemático,
coordenação motora, aspectos que auxiliaram no desenvolvimento de
- 116 -
experiências de aprendizagem e na compreensão dos pais quanto a
destreza do/a filho/a.
Quanto ao questionário, na ocasião foi elaborado com o
objetivo de proporcionar aos pais reflexão quanto à proposta de
ensino realizada na instituição infantil, com o objetivo de gerar um
olhar crítico em relação à aprendizagem do/a filho/a. Ao vivenciar esta
experiência, mediando as atividades e respondendo às perguntas do
questionário, tornam-se sujeito ativos e participantes do processo
avaliativo presente na educação infantil. Quanto as questões, foram
elaboradas cinco perguntas abertas, contudo utilizando uma
linguagem coerente e acessível aos pais, facilitando a interpretação do
leitor, tendo em vista que foram perguntas alusivas às atividades
enviadas para casa.
As atividades foram pensadas a partir do planejamento
docente, que procederam do tema gerador. A opção foi pela
elaboração de sequência de atividade,
- 117 -
cultural”. Cada um dos temas gerou 3 (três) atividades, totalizando 9
(nove) atividades enviadas para casa. As atividades foram formuladas
com cabeçalho que incluíam: tema/ objetivo/ conteúdo/ explicação,
para melhor compreensão do leitor.
Diante desta organização, na sequência será apresentado e
discutido os dados gerados neste estudo.
- 118 -
documento – parecer descritivo – como uma documentação
pedagógica importante repleta de informações no que diz respeito ao
desenvolvimento da criança.
O primeiro contato com os pais para explicação da pesquisa foi
um momento tranquilo. A princípio, foram distribuídas 25 atividades
(uma para cada família) juntamente aos 25 questionários (um para
cada família). Eles foram entregues em mãos dos pais ou responsáveis
no final da tarde de um dia de aula – assim que chegavam à escola para
buscar seus filhos –, com o combinado de trazê-los em um prazo de
dois dias. Porém, percebeu-se que, ao ser mencionada a palavra
“questionário”, houve certa resistência da parte de alguns pais. Nesse
momento, foi necessário reforçar e esclarecer que poderiam cancelar
sua participação na pesquisa a qualquer momento, relembrando o
texto do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a
garantia ao anonimato, proporcionando as famílias maior segurança
na participação. À vista disso, aceitaram o material, levando para casa.
A segunda preocupação exposta por alguns pais foi em relação
à escrita das respostas do questionário, demonstrando insegurança.
Diante disso, eles foram tranquilizados quanto à escrita, destacando
que o importante seria a participação e o envolvimento da família-
aluno, não a forma como a resposta seria redigida. Depois desse
esclarecimento, mais pais participaram das atividades por completo,
pois inicialmente alguns entregavam as atividades, mas não o
questionário, com receito de serem criticados ou julgados pela forma
como redigiram as respostas.
- 119 -
Analisando o documento “Caminho da Infância” (ITAJAÍ, 2007),
que segue os critérios para a avaliação escolar, é possível perceber a
proposta de integração dos pais no processo educacional. Ainda que
se encontre resistência da parte de algumas famílias, é importante que
a escolar invista nesta parceria. Diante da experiência vivenciada neste
estudo, ousa-se dizer que muitas vezes os pais participam da vida
escolar dos filhos de forma restrita pelo fato de a escola não
proporcionar a inserção desta família em momentos propícios. Desta
forma, há indícios de um grande problema, pois muitos pais podem
desenvolver uma visão distorcida da escola na educação infantil,
percebendo-a como um local sem princípios didáticos, presumindo
que sua função seja apenas para brincar por brincar, sem
intencionalidade pedagógica.
O gráfico abaixo (figura 1), ilustra a participação das famílias
durante todo o percurso da pesquisa.
Fonte: As autoras.
- 120 -
Diante das devolutivas, percebeu-se no início que algumas
famílias (52%) respondiam aos questionários apenas para cumprir o
acordo com a professora. Outras respondiam e procuravam a
professora na porta para complementar a respostas com comentários.
À medida que as atividades eram enviadas para casa, estes números
foram mudando, percebeu-se a disposição de um tempo significativo
para as atividades propostas, pois os questionários retornavam para a
escola com respostas mais completa, mais densas, fazendo o leitor
perceber que houve tempo estabelecido para realizar a tarefa, que foi
compreendido o sentido do questionário, o sentido da pesquisa.
Entretanto, apesar do número de famílias participantes da pesquisa
aumentar, geralmente eram as mesmas famílias que respondiam os
questionários.
Ao chegar no final do percurso exploratório, e recolher todos
os questionários, percebeu-se que toda a prática foi significativa para
muitas famílias, que antes não identificavam o tempo que cada criança
demandava no processo de aprendizagem e que não há problema
algum identificar que este processo acontece primeiro para alguns e
depois para outros, sabendo que há uma troca positiva entre os pares,
em sala.
Outro ponto analisado foi a questão do vínculo e diálogo que
se estabeleceu entre família e escola, favorecendo diretamente a
autoestima e confiança da criança. Neste estudo, parte-se da ideia que
a boa relação entre escola e família precisa estar presente em
- 121 -
qualquer etapa da vida escolar dos meninos e meninas, e neste
processo o vínculo e o diálogo se deram na ação conjunta e nas
orientações sobre diversos assuntos, não apenas das atividades
pedagógicas em questão. Neste sentido acredita-se que fomentou-se
o desenvolvimento e desempenho social e escolar da criança.
Levando-se em consideração que 20 de 25 famílias
demonstraram interesse em participar da pesquisa, percebeu-se o
envolvimento destes colaboradores, e que o propósito maior da
pesquisa – que os pais compreendam o valor da interação da família
na vida escolar do filho/a e compartilhem da realidade vivida para,
diante das dificuldades, contar com o apoio da escola – foi cumprido.
Escolher percorrer o caminho que retirou algumas famílias da
zona de conforto e os provocou a refletir sobre a ação educativa
desenvolvida na escola, privilegiando a criatividade, a autoconfiança e
o protagonismo, teve um ótimo resultado entre as crianças e isso foi
percebido e verificado nos registros mediante aos portfólios.
Ao longo do percurso da pesquisa, após enviar atividades e
questionários, a pesquisadora organizou todo o material coletado no
portfólio individual de cada criança. A organização desse material
acontecia no início da aula, quando, em roda, a investigadora sentou-
se com o grande grupo para ouvir relato das crianças quanto à
experiência vivenciada em casa.
As rodas de conversas representam uma metodologia
participativa que pode ser explorada pelo professor, sempre que se
- 122 -
desejar estabelecer combinados com o grupo, trocar ideias entre as
crianças, estimular a fala e o respeito ao ouvir seus pares, além de
estimular a oralidade mediante as atividades que ocorrem nas rodas
de conversas. Neste sentido, a roda de conversa se caracteriza como:
- 123 -
reveladores de olhares e concepções dos pequenos e pequenas sobre
o seu contexto social, histórico e cultural, pensados, vividos e
desejados”.
Percebeu-se que o zelo por decorar seus próprios trabalhos
revela o afeto pelas próprias produções. O desenho e a produção
artística, para as crianças da educação infantil, podem servir como
uma linguagem de expressão dos sentimentos, os quais ela ainda não
consegue expor por meio de fala ou da linguagem escrita, contribuindo
para o olhar atento do professor que poderá avaliar informações
próprias da criança.
Considerações finais
Ao longo da pesquisa, observou-se a importância que a
avaliação na educação infantil tem tanto sobre a vida da
criança/família quanto a sobre a do professor. É por meio da avaliação
que o docente pode acompanhar e observar o desempenho de seus
alunos e assim construir um planejamento de suas aulas, de forma que
atendam à necessidade do grupo, bem como contemple os objetivos
estabelecidos, pois a avaliação tem o objetivo de auxiliar na
aprendizagem da criança, assim como serve de base para qualificação
do trabalho pedagógico do professor.
Procurando atingir os objetivos estabelecidos, considera-se
positiva a inserção dos pais no processo de ensino e aprendizagem,
bem como no percurso avaliativo inerente à educação infantil,
- 124 -
percebendo significativa interação das famílias na produção das
atividades pedagógicas que foram enviadas para casa. Proporcionou-
se aos pais, assim, a oportunidade de perceber uma fração da rotina
vivenciada por alunos e professores no contexto escolar.
Neste sentido, rememorando o objetivo principal da pesquisa
“aproximar as famílias ao processo avaliativo realizado na educação
infantil” ousa-se dizer que esta aproximação e até mesmo certa
valorização quanto ao trabalho desenvolvido no CEI foi percebida
através do retorno e comprometimento dos pais nas datas pré-
definidas para entrega das atividades, nos comprometimentos de
finalizar a pesquisa, e no vínculo e aproximação que se constituiu ao
longo do estudo. Acredita-se, dessa forma, ter elevado a compreensão
das famílias acerca dos trabalhos pedagógicos de cunho avaliativo
realizado na educação infantil. Percebeu-se, ao final do percurso, que
as famílias compreendem que a criança passa por um processo de
aprendizagem e que cada criança tem seu tempo, podendo algumas
vezes levar um tempo maior do que o esperado.
Assim, o presente estudo se constitui em um pequeno passo de
uma longa jornada a ser desvendada ao que se refere a tríade escola-
criança-família no processo avaliativo, o qual outros pesquisadores
poderão se apropriar para tecer novos saberes.
- 125 -
Referências
- 126 -
http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/888/1/TESE_C
D_IEC_UM.pdf. Acesso em: 18 abr. 2018.
- 127 -
A construção do pensamento matemático pela criança e o
respeito aos conceitos espontâneos na Educação Infantil
Primeiras palavras
No exercício da docência como professoras no curso de
Especialização em Educação Infantil na Universidade Federal de Santa
Maria, trabalhando o eixo temático “Cotidiano e Ação Pedagógica” e
tendo como componente curricular “Natureza e Cultura:
conhecimentos e saberes”, muitos desafios, questionamentos e
reflexões cercaram nosso fazer pedagógico. A responsabilidade em
desenvolver temas deste componente curricular que envolve, por
exemplo, pensar e sistematizar uma proposta para a educação
matemática e de ciências para crianças pequenas, constitui-se um
grande desafio porque, embora as duas áreas de conhecimento
estejam nomeadas, as práticas pedagógicas com a educação infantil
visam romper com a lógica escolarizante, privilegiando as interações e
brincadeiras. Fazendo referência à educação para essa faixa etária em
nosso país, torna-se oportuno lembrar a história controvertida da
Educação Infantil que, pode-se dizer, foi e é uma trajetória de avanços
21
Mestre em Educação, UFGRS.
22
Doutora em Educação, UFGRS.
- 128 -
e alguns retrocessos nas políticas públicas, com certos embates contra
o poder econômico.
A educação infantil tem uma história de lutas por direitos de
cidadania, de reivindicações, de impasses em determinados
momentos, mas, sobretudo, de conquistas. Uma luta em favor da
infância, protagonizada por atores sociais das mais diversas categorias
como, por exemplo, pelas mulheres, por intelectuais da educação, por
forças políticas, por líderes comunitários e outros tantos movimentos.
Uma longa e conturbada trajetória para garantir direitos cidadãos para
nossas crianças, um direito que se tornou reconhecido e assegurado a
partir da Constituição de 1988.
Historicamente, a Educação de crianças pequenas foi marcada
pelo assistencialismo, ou perspectiva compensatória e de antecipação
do ensino fundamental. Estamos construindo a história da Educação
Infantil em nosso país, sendo que os mais diversos discursos
econômicos e políticos permearam e permeiam esse campo
educacional. É muito recente a proposta de educar e não apenas
cuidar das crianças nessa faixa etária, considerando que tais processos
diferem, porém são indissociáveis, uma vez que não se pode cindir a
criança. Muitos desafios estão lançados nessa construção.
Uma das políticas importantes para a constituição do campo e
especificidade da Educação Infantil, que prioriza em igual valor o
cuidar e o educar, é a formação continuada de professores: uma
proposta inédita no que diz respeito à política pública. Infelizmente,
nesse momento, estamos vivenciando inúmeros retrocessos em que
- 129 -
as mais variadas maneiras de formação continuada estão suspensas e,
com a pandemia, muitas questões se agravam visto que o
atendimento está suspenso e não há programa de formação
continuada em curso pelo Governo Federal. O curso de Pós-Graduação
em Docência na Educação Infantil, nível de especialização, financiado
pelo Ministério da Educação (MEC) e Secretaria de Educação Básica
(SEB), ministrado por unidades acadêmicas de Educação, entre elas a
UFSM23, foi um projeto inédito e precursor pensado para que a
obrigatoriedade de atendimento à Educação Infantil, por conta da
Emenda Constitucional 59 (BRASIL, 2009) que torna a educação básica
obrigatória dos 4 aos 17 anos, pudesse ter profissionais qualificados
para atender a educação infantil. O programa de formação continuada
cumpre o que está proposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Infantil (DCNEI), através da resolução do CNE/CEB, de nº 5,
de dezembro de 2009, que prevê:
23
Outras instituições de Ensino Superior fizeram parte da Rede Nacional de
Formação de Professores: UFAM, UFBA, UFC, UGMG, UFMS, UFMT, UFPI, UFPR,
UFRGS, UFRJ, UFRN, UFRR, UFSCar, UFSE, UFSC e UnB, ofertando o curso de
Especialização em Docência na Educação Infantil.
- 130 -
De acordo com Cancian, Mello e Gallina (2017), o curso de
Especialização em Docência na Educação Infantil foi oferecido em dois
momentos pelo Centro de Educação da UFSM, de 2012 a 2014 e de
2014 a 2016. A primeira edição ocorreu apenas na Universidade e a
segunda edição foi ofertada na UFSM e na UNIJUÍ, e teve como
objetivo:
- 132 -
Em um segundo momento as professoras foram instigadas a
dialogarem acerca da construção de conceitos matemáticos e de
exploração do mundo físico, fora do espaço escolar: as aprendizagens
espontâneas construídas cotidianamente. Pretendíamos, com essa
reflexão, destacar a importância de aproximar aspectos conceituais
construídos de forma espontânea e dos conceitos formais aprendidos
na escola.
Na Educação Infantil a criança constrói seus primeiros
conceitos numéricos e, esses conceitos iniciais, qualificam-se e se
aprimoram em uma ordem crescente. Nos primeiros anos, os
conceitos iniciais ocorrem através das experiências e da própria
sistematização de novas aprendizagens no processo de mediação.
Portanto, as vivências matemáticas oportunizadas às crianças
pequenas são fundamentais para a construção do número, para
pensarem matematicamente, e com o passar do tempo e do avanço
em outras etapas de ensino escolar podem operar logicamente.
Alguns teóricos contribuíram e contribuem para que se pense
os processos de construção de conceitos matemáticos pelas crianças.
Por exemplo, citamos a importante e fundamental contribuição de
Piaget, que nos possibilitou pensar na construção do conhecimento a
partir da concepção de um sujeito ativo. Contemporaneamente
podemos citar as contribuições de Kamii (1985, 1991), Nunes e Bryant
(1997), Brizuela (2006), Van de Walle (2009), Smole (1996), dentre
outros. Todos os teóricos citados enfatizam, a seu modo e com
- 133 -
maneira própria, a importância de a escola considerar os conceitos
espontâneos da criança. As pesquisadoras se referem à importância
do respeito a essa bagagem construída cotidianamente nas
experiências fora da escola. Ao trazermos para a reflexão os conceitos
espontâneos, partimos da imprescindível contribuição de Vigotsky
(1989, 1993) a respeito deste tema; apresentaremos o
posicionamento teórico de alguns autores sobre a importância dos
conceitos espontâneos construídos pela criança cotidianamente fora
da escola, conceitos estes que avançam através da sistematização no
sistema de ensino e algumas memórias autobiográficas narradas pelas
professoras-alunas do curso de Especialização em Docência na
Educação Infantil.
Na continuidade, abordaremos os fundamentos teóricos
acerca das narrativas de memórias autobiográficas e sua importância
para o processo de formação dos professores. Posteriormente,
destacaremos aspectos relativos à importância dos conceitos
espontâneos a partir da teoria sócio-histórica e a importância deles
para a construção de conceitos matemáticos.
- 134 -
pelo seu próprio processo de construção do conhecimento, como esse
processo pode levar a um posicionamento teórico e uma prática
pedagógica coerente com esse posicionamento. Para tanto, torna-se
indispensável às vivências em sala de aula um processo significativo
que permita aos professores em formação revisitarem suas próprias
memórias de experiências escolares.
A respeito da experiência nos processos formativos,
Warschauer (2001, p. 134), lembrando de autores como Piaget,
Rogers, Jung, Freire e da contribuição de novos teóricos como Josso,
Dominicè e Nóvoa, refere que esses teóricos “insistem na importância
de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas, o que se dá
justamente com a reelaboração da própria identidade e não por
acumulação de cursos, de conhecimentos e técnicas”. Assim sendo, o
investimento feito em profissionais da educação em espaços
formativos passa pela apropriação da própria experiência, buscando
uma reflexão sobre suas ações recentes ou sobre narrativas de suas
histórias de vida. Ainda, Warschauer (2001, p. 135), a respeito de
abordagens autobiográficas, argumenta que “podem ser caminhos de
investimento na formação de adultos e, portanto, dos professores,
pois a formação passa pela compreensão das experiências vividas”.
Torna-se importante, nesse contexto, considerar o que
Halbwachs (2003, p. 55) nos ensina: lembrar não é simples evocação,
considerando que “lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir,
repensar com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado”.
- 135 -
Portanto, o autor reitera que “memória não é sonho, é trabalho”.
Nesse viés, as lembranças em forma de narrativas autobiográficas das
experiências de escolarização da infância e da juventude, ao serem
evocadas pelos professores, são trabalhadas com os recursos, com as
possibilidades, com os materiais hoje disponíveis. Nesse sentido, o
autor faz menção às experiências, pois, no decorrer da vida, nos
transformamos, e essa transformação inclui alteração em nossa
percepção e nela “nossas ideias, nossos juízos de realidade e de valor”
(HALBWACHS, 2006, p. 55).
Ainda retomando Halbwachs (2006 p. 73), podemos dizer que,
ao evocar lembranças, fazemos uso de duas memórias: a memória
interna e a memória externa. A memória interna também pode ser
chamada memória pessoal, enquanto a memória externa pode ser
chamada memória social. Ou, então, uma memória autobiográfica,
referindo-se à memória interna e pessoal, e memória histórica,
referindo-se à memória externa ou social. O autor ainda enfatiza que
ao nos lembrarmos da memória interna recebemos ajuda da memória
externa, pois a memória de nossa vida está contextualizada em uma
memória social, uma história em geral.
De acordo com esse pensamento, a memória histórica é mais
extensa, mas se recorrermos somente a essa memória para evocar
nossas lembranças, o passado ficaria resumido, ao passo que usando
a memória de nossa vida, o passado se constituiria em “um panorama
bem mais contínuo e mais denso”. Torna-se oportuno, portanto,
- 136 -
sinalizar que é por meio das narrativas autobiográficas que as duas
memórias são trabalhadas, pois a memória interna está entrelaçada à
memória externa, posto que, ao lembrarmos, situamos essa memória
em um tempo-espaço. Além disso, lembramos de fatos com mais
riqueza de detalhes quando uma memória se alicerça na memória do
outro.
Seguindo com as orientações teóricas de Halbwachs (2006),
ocorre sempre um entrelaçamento entre a memória individual e a
memória coletiva. As narrativas autobiográficas, como metodologia de
pesquisa, entrelaçam a memória individual com a memória coletiva,
pois, em um grupo, ocorrem interações, trocas de experiências, e as
lembranças se tornam socializadas. A partir dessa experiência, o grupo
agrega informações e amplia o olhar sobre determinado fato, além de
perceber as diferenças, as singularidades e a subjetividade que cada
registro tem em caráter pessoal. Em vista disso, pode-se destacar que
a educação é um campo dentro das Ciências Humanas, sendo uma
experiência primordialmente humana, uma profissão relacional, e isso
quer dizer que se alicerça nas trocas, nas relações, nas interações que
ocorrem em um grupo. Destacamos, pois, o papel do grupo na
formação dos professores, “mudança pessoal é também mudança
social”, diz Warschauer (2001, p. 135).
- 137 -
Memórias autobiográficas sobre as experiências escolares:
narrativas aproximando a experiência com o processo de formação
Partindo do pressuposto que o professor deve ter
oportunidade de vivenciar o próprio processo de construção do
conhecimento, passar por vivências, dentre tantos aspectos, pode
propiciar que os professores fiquem mentalmente ativos, engajados,
abertos e flexíveis a novas experiências. Portanto, iniciamos as
atividades na Especialização em Docência na Educação Infantil dentro
de nosso componente curricular “Natureza e Cultura: conhecimentos
e saberes”, partindo da ideia que todo professor traz consigo uma
bagagem de conhecimentos e saberes construídos ao longo da
trajetória de vida. Dessa forma, propomos que, em grupos, as
professoras trocassem informações e tecessem considerações sobre a
forma como ocorreram as primeiras aprendizagens sobre conceitos
matemáticos e de ciências.
Essa atividade inicial motivou os grupos a narrarem suas
experiências individuais através das trocas estabelecidas, onde a
memória individual e coletiva24 rompeu fronteiras; a memória
individual serviu de alicerce para a memória coletiva. Assim, os
trabalhos em grupo foram produtivos e as professoras mantiveram-se
engajadas na proposta. Através da solicitação para que registrassem e
destacassem os aspectos em comum nas memórias autobiográficas
24
Termo utilizado por Halbwachs (2006) em seu livro Memória Coletiva e Individual.
- 138 -
sobre as experiências de escolarização, os relatos praticamente se
aproximaram em todos os grupos. As professoras, em grande maioria,
registraram que as primeiras aprendizagens no ensino de matemática
se calcaram em atividades de memorização, de repetição de
exercícios, que constavam em desenhar conjuntos com as quantidades
solicitadas, bem como da relação numeral e quantidade. Lembraram,
também, do esforço para decorarem a tabuada, dos exercícios de
preencher linhas, da repetição e pontilhado de números.
Destacamos algumas narrativas registradas pelas professoras
através da escrita, como: “as situações de aprendizagem eram de
reprodução, dissociadas da realidade”, ou então, “a preocupação
maior era saber a tabuada para dar a resposta para a professora, e
não de aprender o processo”. Pode-se, ainda, exemplificar através dos
registros que o ensino era de “muita memorização e repetição, sem
que o aluno desenvolvesse o raciocínio lógico matemático”. Algumas
professoras também lembraram dos castigos ao errarem e do medo
que sentiam nessas situações, outras, ainda, referiram-se “ao castigo
e à humilhação ao aluno que não aprendesse”.
Algumas memórias trouxeram lembranças do uso de materiais
concretos no ensino de matemática. Uma professora lembrou de sua
experiência na educação infantil com jogos e histórias envolvendo
quantidades. Na proposta de atividade com as professoras foi
solicitado que destacassem os aspectos em comum, entretanto,
sempre que uma experiência foi destacada pela diferença, também é
- 139 -
um dado significativo de registro e análise. No mesmo grupo, em que
houve relatos de experiências matemáticas diferenciadas, as
professoras elegeram o recreio como um momento “rico” de situações
envolvendo contagem, dentre outros aspectos, citando as
brincadeiras realizadas, por exemplo: de esconde-esconde, de pular
corda, de jogar as 5 Marias e STOP.
Seguindo com a atividade proposta, as professoras resgataram
suas memórias autobiográficas sobre suas primeiras aprendizagens no
ensino de ciências. Em todos os grupos as professoras destacaram a
experiência da germinação do feijão como uma atividade prática. Nos
relatos foi surpreendente o sentimento de frustração que muitas
professoras expressaram ao lembrarem da “não germinação do
feijão”, na ocasião de suas experiências em sala de aula. Em todas as
situações em que o feijão “não germinou”, as causas do insucesso da
experiência nunca foram investigadas, deixando as professoras,
crianças na época, sem respostas ou tentativas de compreensão sobre
os motivos pelos quais a experiência teria transcorrido de forma
“errada”. Seguida da experiência do feijão, apareceu a do broto da
batata, a experiência do balão para comprovar a existência do ar,
montagem de árvores com partes naturais e classificação de insetos.
Na maioria dos registros destacaram a cópia de textos, o trabalho em
folhas mimeografadas e atividades de responder questionário a partir
dos textos trabalhados. As memórias em que apareceram lembranças
- 140 -
de passeios foram experiências vividas em escolas rurais,
multisseriadas.
A segunda etapa dos trabalhos em grupo consistia em
lembrarem a forma como ocorreram as aprendizagens iniciais de
situações matemáticas e de exploração do mundo físico, fora do
espaço escolar, isto quer dizer, as aprendizagens espontâneas
construídas cotidianamente. Nesse momento do trabalho, podemos
constatar que a vida pulsava no ambiente de sala de aula, pois as
lembranças das professoras surgiam envoltas em gestos, sorrisos, em
memórias que desencadeavam outras memórias, um movimento
intenso dinamizou o espaço da sala.
Nos relatos ficaram evidentes os “conceitos espontâneos”
decorrentes das experiências cotidianas. Nas experiências relatadas
pelas professoras, independente das diferenças de idade, surgiram
memórias sobre como as infâncias viviam os espaços-tempos da
cidade. Os espaços da cidade eram espaços compartilhados, vividos de
forma mais livre, comparando com algumas experiências de infâncias
de hoje, onde os espaços-tempos são mais controlados e
institucionalizados. As experiências de vida ao ar livre e contato com a
natureza e com animais foram os relatos para quem residia no interior
das cidades. Em todos os relatos apareceram as brincadeiras em
grupos, brincadeiras essas que ocupavam grande parte do tempo das
infâncias. Nesse momento, convidamos o leitor a engajar-se nesse
desafio de rememorar suas próprias experiências vividas
- 141 -
cotidianamente fora do espaço escolar, mais do que isso, convidamos
a refletirem sobre as brincadeiras relatadas pelas professoras e as suas
próprias brincadeiras resgatadas, exercitando suas memórias e
experiências, pensando no que essas brincadeiras proporcionaram na
construção do conhecimento, do desenvolvimento cognitivo,
psicomotor, social e moral, dentre tantos outros aspectos.
As brincadeiras mais comuns destacadas pelas professoras
foram, por exemplo, de pular corda, pular amarelinha, brincar de
esconde-esconde, de jogar bolinhas de gude, brincar de casinha,
brincadeiras envolvendo dinheiro como mercadinho e banco. Além
disso, relataram os jogos mais comuns: vareta, Cinco Marias, trilhas e
coleção de álbuns de figurinhas. Nas experiências cotidianas
relataram, ainda, o contato e o cuidado com animais, a descoberta das
características próprias de cada animal, a relação com o meio
ambiente, como, por exemplo, colher frutas, contá-las e experimentá-
las. Outros relatos envolviam uma ação direta de observação,
capturando girinos e acompanhando o processo de transformação,
caçando vaga-lumes para observar a intensidade e frequência da luz.
As professoras que moravam no interior das cidades
lembraram que utilizavam sementes para contagem na resolução de
cálculos matemáticos, recolhiam e contavam os ovos no desempenho
de tarefas diárias, compartilhavam da rotina de trabalho conversando
com os adultos sobre a produtividade das safras, quantidade de sacos
colhidos, sobre o prejuízo em casos de seca. Além disso, ouviam relatos
- 142 -
e informações sobre as fases da lua e a relação com a produção
agrícola. Também, algumas professoras relataram que foram
ensinadas a observarem a posição do sol durante o dia e a atenção que
deveriam ter, pois tinham que terminar a brincadeira e voltarem para
suas casas quando o sol estivesse em determinada posição, seguindo
as orientações de pessoas adultas.
Nas trocas estabelecidas em grande grupo as professoras
teceram comentários enfatizando que a vida fora da escola ou, melhor
dizendo, os conceitos espontâneos vivenciados por elas
cotidianamente não foram considerados na vida escolar. A bagagem
de conhecimentos, as experiências construídas cotidianamente,
revelaram as vivências matemáticas e de contato com o mundo
natural, desconsideradas pelo sistema escolar, sistema que partia e
parte da premissa ainda hoje, em diversas realidades, em muitas
práticas pedagógicas que “ensinam” para uma criança que nada sabe,
desconsiderando os seus saberes espontâneos.
Torna-se oportuno destacar que nos relatos das professoras
ficou evidente que na interação com os amigos, em situações da vida
cotidiana, os desafios eram constantes, as próprias crianças
solucionavam as situações-problemas que surgiam em suas
experiências. Sem a obrigação de percorrer um único caminho para
chegar a um resultado, como muitas vezes acontece na escola para
solucionar um problema matemático, ao contrário, nas experiências
cotidianas as crianças levantavam hipóteses e buscavam a melhor
- 143 -
solução para aquele momento. Resolviam problemas através de regras
que o grupo elegia como suficientes e pensavam, discutiam, chegando
a um acordo e resultado. Nas situações de vivências fora da escola
deve-se destacar a interação entre diversas idades, o que facilitava o
aproveitamento de diferentes experiências.
Através dos relatos sobre as experiências cotidianas vividas
pelas professoras e das trocas estabelecidas no grupo, constatou-se
que nas brincadeiras diárias, e nas situações em que precisavam
resolver problemas, as crianças pensavam intuitivamente em muitas
ideias que envolviam o pensamento matemático, como, por exemplo,
operar com quantidades (juntavam, retiravam, multiplicavam e
distribuíam quantidades) ou, ainda, conceitos intuitivos envolvendo
sistema monetário, noções de geometria, velocidade, peso, medida,
tempo-espaço, dentre outros.
- 144 -
interações que a criança, desde que nasce, está inserida em conceitos
próprios de seu ambiente cultural através da linguagem. E, esta, por
sua vez, possibilita a transmissão do conhecimento em um processo
sócio-histórico.
Os conceitos espontâneos, designação própria dessa
abordagem, são os conceitos adquiridos antes ou fora da escola, por
isso são informais, sem compromisso científico, adquiridos através das
interações sociais. Os conceitos espontâneos, como já diz o próprio
termo, surgem naturalmente no grupo cultural, partem das
experiências do cotidiano, das vivências. Portanto, os conceitos
espontâneos surgem naturalmente, tendo caráter sócio-histórico e,
também, caráter subjetivo, particular na medida em que decorrem das
experiências individuais.
Por outro lado, os conceitos científicos têm caráter sistemático.
Moll (1996, p. 189) se refere aos conceitos científicos dizendo que se
diferenciam dos conceitos cotidianos, pois são sistemáticos e
escolarizados. Segundo o autor, a melhor definição para esses
conceitos não seria chamá-los de científicos, mas, sim, de
escolarizados.
Os conceitos se desenvolvem pelo uso da linguagem. Os
conceitos espontâneos estão ligados ao objeto, à ação, à imagem que
representam, limitados às percepções sensoriais, enquanto que os
escolarizados contêm generalizações na medida em que separam o
objeto da palavra. Isso requer que o estudante os manipule
- 145 -
mentalmente, com ideias e de maneira voluntária e consciente. Moll
(1996, p. 89) se refere aos conceitos dizendo que “os conceitos do dia
a dia são aprendidos de ‘baixo para cima’ da experiência sensorial à
generalização: conceitos escolarizados são aprendidos ‘de cima para
baixo’, da generalização ao exemplo palpável”. Portanto, os conceitos
espontâneos estão relacionados, apesar de terem histórias
diferenciadas e opostas.
Vygotsky (1993, p. 93) nos ensina que os conceitos
espontâneos e científicos estão intimamente relacionados, apesar de
se desenvolverem em direções opostas. Um determinado conceito
científico, para ser absorvido pela criança, necessita que um conceito
espontâneo tenha alcançado “determinado nível”. Depreende-se
dessa afirmação que os conceitos espontâneos têm caráter
ascendente, uma vez que partem da ação, da experiência cotidiana; já
os conceitos científicos apresentam caráter descendente porque
necessitam das experiências da vida prática, do cotidiano. Portanto, o
respeito aos conceitos espontâneos da criança e o uso desses mesmos
conceitos como ponto de partida para o aprendizado dos conceitos
científicos é fator fundamental.
Quando as experiências fora da escola são consideradas, a
criança sente-se valorizada e a ação escolar torna-se mais significativa.
Nos conceitos espontâneos a criança não tem consciência de que sabe
determinado assunto. Na escola, ela recebe informações sistemáticas
e científicas e, quando suas experiências práticas são valorizadas, terá
- 146 -
mais facilidade em estabelecer relações entre os conceitos vividos no
cotidiano com os conceitos escolarizados. A criança na faixa etária da
Educação Infantil conhece o mundo através das brincadeiras. Moll
(1996, p. 224), a respeito da importância das brincadeiras, diz que as
crianças “compreendem os significados do mundo enquanto brincam
com suas representações”. Ainda, o autor enfatiza que os conceitos
que se iniciam no jogo “não apenas são a base dos conceitos
científicos, mas eventualmente tornam-se parte destes conceitos”.
- 147 -
Os esquemas de ação nascem no período sensório-motor,
quando a criança estabelece relações através de sua ação sobre os
objetos, como quando, por exemplo, desde o período sensório-motor,
o bebê relaciona a ordem dos objetos pelo tamanho e encaixa
recipientes de tamanhos diferentes enquanto realiza explorações
sensório-motoras. Nesses esquemas de ação, pode-se afirmar,
ocorrem as primeiras experiências no desenvolvimento do
pensamento matemático, inicialmente de forma intuitiva. Para a
construção do pensamento lógico-matemático, a criança na faixa
etária correspondente à Educação Infantil necessita agir sobre os
objetos observados para, dessa forma, construir o conhecimento
lógico-matemático por aprendizagem ativa. As aprendizagens ativas
são denominadas por Piaget (1987) de atividades de conhecimento
físico que se caracterizam em dois tipos: o primeiro são as atividades
envolvendo o movimento dos objetos; e o segundo, as atividades que
envolvem as mudanças nos objetos. Por exemplo, produzir gelatina
permite à criança observar a transformação pelas quais passa o objeto
(do aspecto inicial ao produto final).
As atividades de conhecimento físico são fundamentais para
que a criança aja sobre os objetos e observe transformações, pois
qualquer operação lógico-matemática requer que a criança possa
acompanhar transformações. Constance Kamii e Rheta de Vries (1988,
p. 35) destacam a inter-relação entre a experiência física e a estrutura
lógico-matemática, afirmando que não pode ocorrer uma experiência
- 148 -
sem estar implicada a outra; ainda, as autoras enfatizam que não
existe experiência lógico-matemática sem objetos para estabelecer
relações. “Portanto, a manipulação física e a ação sobre os objetos
estão totalmente inter-relacionadas com a ação mental. A experiência
física dá suporte para estruturar a construção lógico-matemática”.
Neste trabalho consideramos apenas os aspectos gerais e
algumas especificidades da teoria psicogenética, destacando a
fundamental contribuição de Piaget para a compreensão da
construção do pensamento matemático e dos conceitos numéricos
iniciais. Os conceitos numéricos iniciais são fundamentais para o
crescimento integral da criança e o desenvolvimento das habilidades
necessárias à resolução de situações-problemas na vida cotidiana.
Além disso, esses conceitos são fundamentais para a aquisição de
novos conceitos e o desempenho favorável no ensino formal e,
portanto, servem de suporte para conceitos em níveis cada vez mais
elaborados e exigentes.
Retomando em breves palavras, a criança constrói seu
conhecimento lógico-matemático nas ações mais elementares, nos
seus esquemas de ações, agindo sobre os objetos. Portanto, é de
forma intuitiva e na vida cotidiana que ocorre esse conhecimento; os
esquemas de ações podem ser comparados aos conceitos
espontâneos, pois ambos são construídos a partir das vivências, das
experiências da criança. Alguns autores compartilham a ideia de que
as crianças devam ter experiências matemáticas antes de irem à
- 149 -
escola, e que suas vivências acontecem desde a mais tenra idade.
Nunes e Bryant (1997) abordam esse aspecto dizendo ser difícil
precisar quando uma criança começa a aprender matemática,
afirmando que, na escola, aprendem conceitos matemáticos
formalmente, mas que também é impossível não admitir que elas
tenham aprendido alguns princípios matemáticos em suas
experiências anteriores à escola.
Smole (1996) corrobora a afirmação de que as crianças já
chegam à escola com experiências matemáticas, argumentando a
necessidade de uma proposta pedagógica que valide as ideias
intuitivas que as crianças trazem, considerando, ainda, sua linguagem
materna e a necessidade de se desenvolverem intelectualmente. Para
essa proposta é preciso contemplar bem mais que a recitação ou a
simples sequência numérica.
Nunes e Bryant (1997, p. 20) destacam que os princípios
matemáticos, muitas vezes, estão presentes em tarefas cotidianas da
vida das crianças em situações diárias nas quais são envolvidas, como,
por exemplo, nas que estejam envolvidos dinheiro, distribuição,
velocidade, o aniversário, e até brincadeiras de contagem, etc.
Brizuela (2006, p. 56-57) contribui com uma ideia
interessante quando se refere ao desenvolvimento matemático, mais
especificamente a aprendizagem das notações matemáticas. Muitos
profissionais seguem com a ideia de que as notações são consequência
dos conceitos aprendidos no sistema escolar. A autora argumenta que
- 150 -
a aprendizagem das notações é uma construção e que as crianças têm
hipóteses sobre essa aprendizagem. Os conceitos matemáticos
formais, assim como os “aspectos notacionais da matemática”, são
construídos através da inter-relação do que a criança traz para a
situação (as invenções) e as regularidades da ordem social (as
convenções), “por meio da interação entre convenções e invenções,
as invenções tornam-se mais ricas, e as convenções passam a ter
significado pessoal para o aprendiz”. Ainda, a autora enfatiza que
“inventar e criar são de suprema importância para a construção do
conhecimento”, nos desafia, também, a refletirmos o porquê de
rejeitarmos as invenções que as crianças trazem. Seguindo com essa
ideia, a autora se refere ao conhecimento dos números escritos
dizendo que as crianças “não iniciam sua instrução numérica formal
como uma tábula rasa” (BRIZUELA, 2006, p. 70).
Neste texto objetivamos questionar, dentre outros aspectos,
a crença instaurada em muitos profissionais da educação de que a
escola recebe crianças como uma tábula rasa. Buscamos pensar no
quanto essa ideia tem perpassado os espaços educativos formais e
determinado práticas educativas conservadoras, tradicionais e
empobrecidas no sentido de possibilitar, por exemplo, a construção do
pensamento matemático.
Walle (2009) relaciona as conexões de conteúdos
matemáticos possíveis referindo-se ao desenvolvimento inicial do
conceito de número com outras áreas do currículo. Portanto, o autor
- 151 -
reforça a importância e as implicações pedagógicas relativas aos
conceitos matemáticos na Educação Infantil como um espaço de
construção do pensamento matemático, fundamental para a conexão
com outros conhecimentos matemáticos.
Tal preceito situa-se no atendimento às diretrizes curriculares
nacionais para a Educação Infantil (DCNEI, 2009), que prevê:
- 152 -
Smole, Diniz e Cândido (2000), organizadoras do livro com o
título Brincadeiras Infantis nas Aulas de Matemática 1, sugerem
brincadeiras utilizadas pelas crianças na vida cotidiana, como, por
exemplo, brincadeiras com corda, amarelinha, bola de gude,
brincadeiras com bola, brincadeiras de perseguição, dentre outras,
para fazerem parte das aulas de matemática na escola. As autoras
argumentam que brincar faz parte das necessidades e dos interesses
da criança; além disso, a brincadeira, o jogo, proporcionam o
desenvolvimento corporal, mantêm as crianças ativas, participativas e
através das brincadeiras cria-se um ambiente favorável para a
sociabilidade, a cooperação e o respeito ao “outro” e às regras
determinadas. Dessa forma, na Educação Infantil, podem ser
oportunizadas situações matemáticas significativas para a criança, de
maneira que ela possa resolver situações que a levem a estabelecer
relações de quantidade. Nessa fase da Educação Infantil, a criança
inicia a construção dos conceitos numéricos e, quando é desafiada a
pensar nas relações entre quantidades, ela avança em seu
pensamento matemático.
Uma proposta pedagógica em que a criança seja desafiada a
pensar em diversas situações próprias de sua idade, como, por
exemplo, resolvendo histórias-problema as quais possa estabelecer
relações de quantidade como: juntar, retirar, distribuir, agrupar,
comparar conjuntos, certamente ela estará em um ambiente favorável
para a construção do pensamento matemático. Esse estímulo de
proporcionar um ambiente desafiador, onde a criança opere com
- 153 -
ideias matemáticas, certamente, deverá ser um espaço que fica
distante de uma proposta tradicional de ensino em que a criança só
tem um caminho para chegar à resposta certa.
Considerações Finais
Através do trabalho resgatando as memórias das experiências
de escolarização das professoras sobre as aprendizagens dos conceitos
iniciais da matemática e de ciências, bem como dos conceitos
espontâneos construídos na experiência cotidiana, muitas professoras
relataram a riqueza dos conceitos espontâneos vividos na experiência
fora da escola e o quanto estes conceitos espontâneos estavam
permeados por conhecimentos intuitivos, fundamentais para a
aquisição dos conhecimentos escolarizados. Muitos professores
aceitam essa tese de que a criança inicia sua caminhada escolar com
conhecimentos informais sobre matemática, oriundos de suas
experiências cotidianas, mas que, muitas vezes, a proposta pedagógica
não considera ditos conhecimentos. Algumas dificuldades aparecem
no desempenho das crianças na matemática, apesar de a maioria delas
já construir conhecimentos matemáticos em suas experiências
cotidianas e ingressarem na escola resolvendo situações-problema
intuitivamente.
Constatou-se que muitas das professoras que cursam a
Especialização em Docência na Educação Infantil sentiam-se, a
princípio, resistentes ao eixo temático que reflete sobre a construção
de conceitos matemáticos e de ciências pelas crianças, pelas
- 154 -
lembranças das dificuldades escolares vividas em relação ao
conhecimento matemático. Ainda, cabe registrar que, após as
primeiras atividades, contato com a teoria e as discussões em grande
grupo, algumas professoras sentiram-se aliviadas, pois, segundo seus
relatos, elas trabalham, sim, a construção do pensamento matemático
com as crianças pequenas, pois perceberam que muitas atividades
lúdicas estão repletas desse desafio: construir os conceitos
matemáticos iniciais na Educação Infantil. O período escolar destinado
à Educação Infantil é um momento importante para aproximar e
familiarizar a criança com os conceitos mais elaborados, partindo dos
conceitos espontâneos que ela já possui, o que lhe possibilita a
construção de um pensamento matemático. Nessa fase, ela está em
processo de construção dos conceitos matemáticos iniciais e eles
servem de suporte para a aquisição de conceitos em níveis cada vez
mais elaborados e exigentes.
Dessa forma, na Educação Infantil, podem-se oportunizar
situações matemáticas significativas à criança, dando-lhe condições de
resolver situações envolvendo problemas que a levem a estabelecer
relações de quantidade, espaciais, temporais, quantitativas, medidas,
etc. Uma proposta metodológica baseada no lúdico, por exemplo,
exige um planejamento sério, competente e um olhar atento e
investigativo, como também uma escuta sensível para perceber as
hipóteses que as crianças estão elaborando, desafiando-as com
atividades adequadas e que promovam progresso e avanço no
pensamento delas.
- 155 -
Referências
- 157 -
“Podemos brincar com ele também?”: A interação de bebês com
crianças mais velhas no espaço escolar
Viviane Meili25
Kelly Werle26
Introdução
Bebês são seres curiosos, inteligentes e que demonstram
maneiras variadas de se expressar e de se comunicar com o mundo. É
a partir dessa curiosidade e desse impulso por novas descobertas que
eles se tornam protagonista de seu aprendizado, utilizando de
múltiplas linguagens para se manifestarem em seu meio de convívio
social. Assim como as demais pessoas de nossa sociedade, os bebês
também são potentes produtores de culturas e, é através do contato
com crianças de diferentes idades, seja em ambiente escolar ou não,
que ocorrem trocas e aprendizados significativos para seu
desenvolvimento.
25
Graduada em Pedagogia, UFSM.
26
Doutora em Educação, UFSM. Professora do Departamento de Metodologia do
Ensino da UFSM. Orientadora.
- 158 -
relacionada nas pesquisas é a maneira com que as instituições
proporcionam as interações sociais, pois observa-se que, mesmo
tendo conhecimento sobre a importância das mesmas, muitas vezes,
os espaços da escola são organizados de maneira a proteger os bebês
na sala do berçário ou em outros espaços específicos, restringindo o
contato com as demais crianças da Educação Infantil.
Vivemos em uma sociedade adultocêntrica, a qual se pauta
numa cultura escolar que vê os bebês como seres dóceis, passivos,
disciplinados e submissos, em detrimento ao curioso e ao ativo. Os
bebês solicitam o contato com as demais crianças através de suas
expressões, sendo necessário um olhar adulto, sensível a estas
manifestações.
Os bebês expressam-se através de múltiplas linguagens, sendo
elas: o choro, olhares, gestos, falas, balbucios, toques, movimentos,
etc. Através dessas manifestações e expressões culturais, as
pesquisadoras procuraram identificar o que gera nas crianças e nos
bebês quando ocorre o encontro multidade.
Neste sentido, a pesquisa buscou compreender como ocorre a
interação dos bebês com crianças mais velhas no espaço escolar, mais
especificamente, quais situações são criadas/possibilitadas para a
interação multidade na escola, que concepções os professores
possuem acerca da interação de bebês com crianças mais velhas no
espaço escolar e, por fim, que desafios precisam ser enfrentados para
- 159 -
que a interação entre bebês e crianças mais velhas seja compreendida
e proporcionada na escola de Educação Infantil.
Inicialmente, é discutida a importância que a vida coletiva tem
na formação das crianças em contexto escolar. A seguir, apresentam-
se os caminhos metodológicos da investigação trazendo para a
discussão, o contexto da pesquisa com a participação de crianças para,
posteriormente, abordar quais foram os resultados do estudo
demostrando, desse modo, o quão potente são os encontros entre
crianças de diferentes idades e o papel do professor frente a essas
buscas.
- 160 -
juntamente com o núcleo familiar, ocorrendo assim, avanços quanto
à criação de creches e pré-escolas.
- 161 -
taxa de fecundidade e consequente redução no número de irmãos,
além do aumento de crianças que são filhas únicas.
Desse modo, além de valorizar os contextos vividos pelas
crianças, pode-se pensar, através dos estudos de Fochi (2015), as
inúmeras visões de criança existentes em nossa sociedade, uma delas
“é da criança que falta, que não é, e que não tem” (p.40). Essa visão
do autor pode ser interpretada como um olhar que a sociedade cria
para com a criança como alguém que ainda não fala, não caminha e
não se alimenta sozinha. Todos esses fatores nos mostram o quanto
os adultos colocam as crianças, muitas vezes, como alguém que tem
coisas em falta, que não está pronta, quando deveria valorizar-se
aquilo que a criança é, como ser ativo, desafiador, competente e
curioso.
Outro ponto importante que Fochi (2015) levanta, é a ideia de
pensar os sujeitos da educação infantil como crianças, e não como
alunos.
- 163 -
A autora Prado (2005, 2006), aborda muito em seus estudos a
temática das interações, tendo foco naquelas que são construídas
através de diferentes idades.
- 164 -
somente critérios etários não podem definir questões de
relacionamento.
- 165 -
momentos onde compartilham, negociam, trocam experiências,
construindo juntas novas formas de brincar e de fazer as coisas
diariamente. As crianças mais velhas, em muitos momentos, por
viverem nessa imposição de brincadeiras somente com crianças de
mesma idade, quando são vistas brincando com um bebê, ou uma
criança menor, tendem a se justificar, como se aquela ação fosse
errada. Em um relato de sua pesquisa, Prado (2006), fala sobre esse
contato entre uma criança mais velha e uma mais nova.
- 166 -
Portanto, é importante que as escolas entendam que suas
ações refletem significativamente naquilo que as crianças internalizam
em seu espaço. Dar a possibilidade de existirem contatos
diversificados, estimula confiança nas crianças, e dá a elas a
possibilidade de estarem onde se sentem bem, sem o medo do
julgamento, pois essas ações de socialização entre diferentes idades
são vistas como natural.
Caminhos metodológicos
A pesquisa buscou colaborar com o debate a respeito das
interações de bebês com crianças mais velhas no espaço escolar. Para
tanto, optou-se pela abordagem qualitativa. A escolha por essa
abordagem é pertinente, pois valoriza a participação do sujeito
pesquisado e sua subjetividade enquanto colaborador.
O levantamento de resultados ocorreu por meio de entrevistas
e observações, sendo essa última, realizada levando em consideração
os princípios éticos e metodológicos na prerrogativa da pesquisa com
crianças (GRAUE; WALSH, 2003).
Para atingir o objetivo desta pesquisa, foram definidas como
participantes: 10 crianças de 08 meses a 1 ano e 8 meses, bem como
duas professoras de uma escola pública de Educação Infantil de Santa
Maria/RS. A pesquisa ocorreu durante o período de 06 a 23 de maio
de 2019. A escolha da instituição se deu pelo trabalho de referência
que essa escola vem produzindo, na qual além das turmas serem
- 167 -
constituídas de crianças com diferentes faixas etárias, elas ainda são
consideradas protagonistas de seu aprendizado. As observações foram
realizadas na sala de aula, pátio e demais locais de vivências diárias,
incluindo um olhar para o cotidiano que os pequenos tinham no
espaço escolar.
A turma pesquisada era designada por uma cor: Amarela. Havia
uma professora regente no turno da manhã e outra no turno da tarde,
bem como duas bolsistas em cada turno, que auxiliavam no trabalho.
Ambas as professoras eram formadas em Pedagogia, sendo uma delas
mestre com doutorado em andamento.
É importante ressaltar que a pesquisa com a participação de
crianças tem uma especificidade diferenciada em relação às demais
pesquisas realizadas com adultos, o que demanda uma reflexão
quanto ao papel e perfil do pesquisador. Os autores Graue e Walsh
(2003, p. 10) abordam essa questão dizendo-nos que,
- 168 -
um veículo para medição de resultados. Utilizar as observações
somente com o intuito de trazer números diz-nos muito pouco a
respeito das interações criadas nos espaços e entre pares. É necessário
que haja uma interpretação daquilo que as crianças nos trazem,
proporcionando a elas exercerem o protagonismo, e registrando os
mais singelos detalhes.
Os contextos, os quais as crianças fazem parte, sofrem o
controle do adulto quase o tempo todo, pois, eles tomam decisões por
elas limitando-as em suas escolhas. No entanto, as crianças têm em si
um senso de criação muito forte, sendo capazes de inventar os seus
próprios subcontextos que, muitas vezes, são imperceptíveis para os
adultos.
Quando se opta por pesquisar as crianças e suas interações em
diversos espaços, teoricamente, a criança é posta como protagonista.
No entanto, a partir do momento em que a pesquisa se inicia, esse
protagonismo infantil é, muitas vezes, colocado de lado e as vozes das
crianças não são mais levadas em consideração. A respeito desse
assunto, Werle e Bellochio (2016, p. 231) afirmam,
- 169 -
Um dos primeiros passos da pesquisa de campo foi procurar
obter a autorização da instituição, dos pais e responsáveis através do
TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido27. Mas, para além
da autorização dos adultos responsáveis, houve a preocupação em
conquistar, também, a aceitação dos bebês, entendendo-os como
protagonistas, buscando construir uma relação ética na produção da
pesquisa. É imprescindível que a autorização das crianças seja vista
como tão importante quanto a da família. Mesmo que o termo de
consentimento não seja assinado por essa criança, é necessário que
haja uma sensibilidade em entender que um gesto ou um olhar dizem
muito sobre o quanto aquela criança está disposta a contribuir, ou não,
naquela investigação, entendendo também que algumas crianças são
mais acessíveis em determinados momentos e lugares que outras.
Sendo assim, adentrar em um espaço diferente, habitado por
crianças pequenas onde irá se compartilhar experiências com esse
grupo, exige uma postura ética e de respeito. Ser ético exige que
sejamos honestos, tanto para conosco como para com as crianças. Os
autores Graue e Walsh (2003, p.104) nos dizem que “Ao nível mais
básico, temos a responsabilidade de sermos éticos no nosso
relacionamento com elas. Devemos fazer o nosso melhor para garantir
que não haja qualquer dano provocado pelas nossas interações com
elas [...]”.
27
Utilizei o TCLE também como forma de primar pela ética na pesquisa.
- 170 -
O olhar do pesquisador durante a observação precisa estar
aberto à criança como um ser, historicamente e culturalmente
situado, que também tem uma visão de si mesma que, nem sempre
condiz com aquilo que a sociedade adulta impõe a ela. De acordo com
Graue e Walsh (2003, p. 51), “O mundo em que hoje crescem as
crianças da nossa sociedade não é o mundo em que cresceram os que
as estudam”.
A partir disso, é importante que o pesquisador respeite as
crianças e suas diversidades de infância, possibilitando que elas
exerçam sua forma de participação e de protagonismo, necessários em
seu estudo, não as reduzindo como fonte de geração de dados.
A leitura dos gestos, dos olhares e das múltiplas formas dos
bebês se expressarem fazem parte da pesquisa, e acredita-se que,
desse modo, a investigação se torna mais ética, pois enxerga a criança
como sujeito participativo, permitindo a sua contribuição, escutando-
a para melhor compreendê-la, respeitando o seu modo de ser, de estar
e, principalmente, de se comunicar, como relatado na pesquisa de
(MEILI, 2019, p.28)
- 171 -
eu pudesse estar com eles, entendendo quando
um choro representava um não, e um olhar
sorridente dizia “sim, eu aceito você nesse
momento”.
- 172 -
Além da documentação, também se utilizou de registros fotográficos
e audiovisuais com o objetivo de complementar as escritas e dar uma
maior visibilidade a respeito das construções e encontros
proporcionados com os bebês e para eles.
O segundo passo, após as observações, foi realizar uma
Entrevista Semiestruturada com as professoras do berçário, a partir de
questões voltadas às interações e ao trabalho pedagógico. Através
desse tipo de entrevista, é possível possibilitar ao entrevistado que ele
siga com sua linha de pensamento de forma espontânea, exercendo a
liberdade e enriquecendo a investigação.
Análise de resultados
Após a produção dos resultados da pesquisa, realizou-se um
mapeamento buscando identificar quais elementos seriam oriundos,
tanto das observações quanto das entrevistas e que pudessem, a partir
de então, serem extraídas algumas categorias. Após esse processo de
categorização, foram elencadas quatro categorias, mas, para a
organização deste texto foram selecionadas apenas duas, que vão
tratar sobre: A busca das crianças de diferentes idades entre si e O
papel do(a) professor(a) frente às buscas dos mais velhos pelos
menores.
- 173 -
A busca das crianças de diferentes idades entre si
Durante as observações pode-se perceber o quanto o interesse
das crianças em estarem com aqueles que não eram da mesma turma
surgia quase que todo o tempo. Mesmo a escola tendo como uma de
suas características mais marcantes as turmas multidade, os bebês
ainda tinham a sua própria sala.
Sendo assim, a turma amarela era em alguns momentos um
local curioso para os mais velhos que vinham utilizar o banheiro ao
lado dessa sala, e não perdiam a oportunidade de dar uma conferida
nos bebês pelo vidro da porta. Um olhar atento, de quem no fundo
aparentava querer entrar e brincar também. Os bebês sempre que
viam aqueles rostos diferentes os olhando, engatinhavam até a porta
numa tentativa de ficar de pé, de estabelecer um contato e interagir.
Esses encontros entre as crianças na escola são costumeiros, diários, e
é através deles que surgem inúmeras possibilidades.
28
Com a finalidade de preservar a identidade dos bebês e das professoras, utilizei
nomes fictícios.
- 174 -
velhas saindo de sua sala para alguma atividade,
nesse momento ele parou e ficou observando para
onde as crianças estavam indo, algumas olharam
quando o professor da turma disse “- Cuidado
crianças, tem um bebê no caminho”, Vicente então
começou a acenar para alguns que correspondiam
os seus olhares. No momento de voltar para a sala,
ele foi em direção à porta do berçário 2, na qual
tinha algumas fotos das crianças penduradas na
porta, uma das professoras abre a porta e diz, “-
Olhem crianças, temos um bebê visitante, ele está
olhando nossas fotos”, Vicente novamente acena
para as crianças e vai embora (Diário de campo,
07/05/2019).
- 175 -
comunicar, conversar, aproximar, interagir e estar
com o outro (FOCHI, 2015, p. 98).
- 176 -
Assim, temos que considerar que as crianças
contam com, cada vez menos, pares para interagir
em suas casas e, ao mesmo tempo, estão cada vez
mais dentro da escola, onde poderiam estar
diversificando suas redes interativas, aprendendo
brincadeiras com crianças que possuem
experiências diferentes, ampliando suas amizades,
ajudando e ensinando uns aos outros (CASTELLI,
2015, p. 70).
- 177 -
correram em direção ao carrinho e falaram umas às
outras enquanto se seguravam “- Como ele é
fofinho né?”. Professora Bia se aproximou e
percebeu que Vitor aparentava querer dormir mais
um pouco, sendo assim, começou a embalar o
carrinho devagar. Uma, das três crianças
permaneceu no local e disse “- Eu posso te ajudar a
nanar ele, profe?”, conseguindo a afirmação da
professora. A menina segurando em uma das
partes do carrinho repetia os movimentos da
professora observando atentamente o bebê
adormecer (Diário de campo, 10/05/2019).
- 178 -
Elas [as crianças] também rompiam com os
preconceitos e, consequentemente, com falsas
categorias teóricas em relação à infância, no que
tange às relações de idade, pois, como bem coloca
Moragas (2003), os preconceitos etários criam
categorias falsas. No caso da infância, estas
categorias (falsas), assentadas numa visão
restritamente evolutiva e cronológica, se referem à
incapacidade das crianças menores e maiores de
brincarem juntas, pois estariam em momentos
distintos de seu crescimento e, por isso, não se
entenderiam, se atrapalhariam ou se machucariam
(PRADO, 2006, p. 97).
- 179 -
eles expressavam. Em outros momentos, incitavam novas
brincadeiras, como no caso de Júlia e de outra criança mais velha:
- 181 -
respeitando sempre o tempo de cada bebê e seus períodos de
adaptação.
- 182 -
gente tem que valorizar todos esses momentos,
sabe? (Entrevista, 23/05/2019).
- 183 -
com a boca. Uma das crianças que brincava
próxima a Bruno perguntou à professora “- O que
ele tá fazendo assim com a boca?”, Bia respondeu
“- Ele está imitando um carro. Ele ainda não fala,
então ele faz esse som pra representar o carro”.
Nesse momento, a menina observa Bruno e
reproduz o som que ele estava fazendo, olhando
para o bebê. Bruno a imita e começa a gargalhar.
Professora Bia vendo a cena diz “- Viu, ele gostou
de você!”. A menina se agacha e continua fazendo
o som para o bebê, provocando risadas entre os
dois (Diário de campo, 10/05/2019).
- 184 -
também levantando os braços, e assim por diante.
Júlia que engatinhava pela sala, sentou-se e
começou a observar o que os maiores estavam
fazendo. Uma das professoras disse: “- Olha a Júlia
gostou da brincadeira de vocês”. Uma das meninas
então, olhando para Júlia diz: “- Graaaaande Júlia”,
que gostando de se sentir parte da brincadeira
também levantou os braços e fez alguns sons,
como quem quisesse repetir a fala e os
movimentos da colega. Essa brincadeira se repetiu
por mais algumas vezes, até Júlia dispersar em
meio aos colegas (Diário de campo, 10/05/2019).
- 185 -
crianças mais velhas das outras turmas brincando.
Eu optei por acompanhá-lo e ver o que surgia
daquilo que estava acontecendo. Quando Vinícius
chegou no portão algumas crianças, de 3 a 5 anos,
correram em sua direção e como algumas já me
conheciam de uma inserção que realizei na semana
anterior, perguntaram “- Oi profe, por que você
não está na minha sala hoje?”, respondi “- Porque
nessa semana eu estou conhecendo e brincando
com os bebês da turma amarela”, nesse momento
uma das crianças me perguntou, “- Esse bebê é da
turma amarela? Podemos brincar com ele
também?”, e eu prontamente disse “- Sim! Esse é
Vinícius, você pode perguntar pra sua profe se ela
deixa vocês brincarem juntos”. Nesse momento, a
criança mais velha correu em direção a professora
que acabou não permitindo que eles tivessem
contato para além do portão. Vinícius voltou a
explorar o pátio, juntando algumas coisas que
encontrava, e quando sentia vontade, voltava para
o portão, onde as demais crianças seguravam sua
mão e diziam “- Oi Vinícius!” “- Como ele é fofinho,
né”. Não só Vinícius vivenciou esse contato rápido
com as crianças mais velhas, João também teve a
oportunidade, cumprimentando as crianças e
sorrindo. Em seguida, foi hora do almoço e todos
retornaram à sala (Diário de campo, 10/05/2019).
- 186 -
historicamente, instituída a respeito dos bebês, protegendo-os e
enxergando que os mais velhos podem representar um risco e que,
muitas vezes, ainda faz parte das percepções de algumas professoras
que, talvez por não trabalharem com bebês, não visualizam a potência
que os pequenos têm em seus encontros e o que eles despertam nos
mais velhos.
Além desse momento, aconteceram outras cenas envolvendo
as professoras da multidade e à procura dos mais velhos pelos bebês.
As regentes das demais turmas da escola tinham uma preocupação em
proteger e cuidar dos bebês e isso se manifestava nos horários do
meio-dia, quando os mesmos costumavam dormir, e as crianças mais
velhas brincavam na pracinha. Nesses momentos, elas iam até a porta
externa do berçário, conferir se os bebês estavam lá. As regentes da
multidade costumavam pedir para que as crianças voltassem à
pracinha, para que não acordassem os pequenos. Percebi que tinham
a intenção de planejar e propiciar momentos de interação, mas, fora
desses momentos planejados, entendiam que os mais velhos
poderiam causar algum tipo de desconforto aos pequenos.
Isso acontecia também nos momentos em que as crianças
pediam para entrar na sala dos menores, nos momentos em que
utilizavam o banheiro do corredor e, por mais que as professoras do
berçário dessem abertura, muitas vezes, era negado às crianças esse
momento por haver outras propostas sendo realizadas em suas
turmas de origem, como se pode observar no relato a seguir.
- 187 -
Aconteceram algumas microinterações no dia de
hoje. Duas meninas de uma turma mista da escola
vieram até a porta do berçário acompanhadas da
auxiliar da turma. A auxiliar Laura, que trabalha na
turma dos bebês, observando que elas olhavam,
abriu a porta e disse: “-Vieram visitar os bebês
hoje?”, as meninas consentiram com a cabeça.
Laura, então, convida-as para entrarem, no
entanto, a auxiliar da turma das meninas diz que
hoje não poderão brincar com os bebês, pois já tem
uma atividade programada na sua turma (Diário de
campo, 13/05/2019).
Considerações finais
Através das entrevistas com as professoras regentes e das
observações, foi possível perceber que, situações foram possibilitadas
para que houvesse interações de bebês com crianças mais velhas, no
- 188 -
entanto, elas ocorreram para além dos momentos planejados pelas
docentes. As interações aconteceram de forma inesperada, nos
corredores, na pracinha e, até mesmo, por meio do vidro das portas,
mostrando a potência dos encontros no ambiente escolar que são
permeados de aprendizagens, trocas e afetos.
Destaca-se o quanto o trabalho docente necessita da escuta
sensível e do olhar atento para que aquilo que as crianças buscam seja
entendido e potencializado. Momentos de encontros foram
proporcionados possibilitando novos contatos com crianças de
diferentes idades. Pré-concepções, por parte da professora das
crianças mais velhas, acerca de como as crianças se relacionariam,
foram quebradas. Portanto, para garantirmos a qualidade das práticas
pedagógicas, é necessário que o ambiente escolar esteja passando
sempre por essa constante transformação, principalmente, no que diz
respeito ao modo como enxergamos as crianças e as diferentes
infâncias.
As concepções docentes acerca das interações de bebês com
crianças mais velhas, principalmente as das professoras dos bebês, era
muito positiva. Elas enxergavam o quanto as buscas por diferentes
idades se faziam presentes e valorizavam essas interações. Saíam com
os bebês de sua sala, passeavam pelos corredores e mediavam os
encontros, bem como tinham a sensibilidade de compreender o
tempo de cada criança, respeitando a busca por pares coetâneos ou,
até mesmo a necessidade expressa por algum bebê em permanecer
em sua sala, espaço já conhecido no qual sentia maior segurança.
- 189 -
Após a conclusão deste trabalho, a respeito das interações de
bebês com crianças mais velhas, enfatiza-se que ainda há desafios a
serem enfrentados. Um deles se refere da visão de professores que
não trabalham diariamente com bebês, de ainda os perceberem muito
mais pela proteção que necessitam do que propriamente pelo
potencial que expressam em suas interações. Deste modo, ainda é
necessário que desconstruções sejam feitas, buscando valorizar as
interações e protagonismos e as buscas, tanto dos bebês quanto dos
mais velhos entre si. Outro ponto, é o docente entender que, pensar
na interação de bebês com crianças mais velhas na escola é valorizar a
iniciativa que elas próprias têm de buscar umas às outras, não
restringindo esses momentos somente quando eles estão no
planejamento.
Cabe ao docente também perceber que nem toda ação que é
planejada para possibilitar a interação, gera na criança a vontade de
interagir, e que essas vontades e esses desejos também precisam ser
respeitados, seja quando as crianças preferem interagir com pares
coetâneos ou brincar com algum material sozinhas. É somente
incentivando e possibilitando momentos de contato entre diferentes
idades, que se poderá quebrar barreiras, estimular o cuidado e novos
aprendizados nessa fase inicial de vida escolar que é a Educação
Infantil, mas sempre com um olhar sensível às manifestações e ao
protagonismo infantil.
- 190 -
Referências
CASTELLI, C.M. “Agora quando eu olho pra ele, ele sorri pra mim,
porque a gente começou a ser amigo”: o que fazem juntos bebês e
crianças mais velhas em uma escola de Educação Infantil. 2015. 294 p.
Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Educação) -
Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2015
- 191 -
A ausência de propostas e participação dos docentes no pátio
em uma EMEI de Jaguarão/RS29
Introdução
Ao iniciar os escritos, destaco que sempre fui uma pessoa
observadora que se ocupa em refletir sobre o que ouve e o que vê. E,
por assim ser, foi que em uma de minhas observações de campo,
durante meu trabalho de conclusão da graduação em Pedagogia,
percebi que podia dar continuidade a minha pesquisa, que tinha por
tema “O Espaço na Educação Infantil Visto Através de Cenas do
Cotidiano: O que elas Têm a nos Dizer?” e ir além do espaço da sala de
aula na educação infantil, tendo então como objeto de pesquisa para
um segundo trabalho somente o espaço do pátio na educação infantil.
Esta minha decisão em ter como objeto de pesquisa o espaço
do pátio31 na educação infantil partiu de cenas observadas em uma
das Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) que realizei a já
29
Pesquisa orientada pela Profa. Me. Elizabete Velter Borges do Centro Universitário
da Grande Dourados (UNIGRAN).
30
Especialista em Educação Infantil com Ênfase em Gestão e Educação Inclusiva,
UNIGRAN. Professora da Rede Municipal de Glorinha/RS. E-mail:
jenifercosta.uni@hotmail.com.
31
A palavra pátio ao longo do texto será usada no sentido de demostrar um lugar
que difere do espaço da sala de aula, por ser um lugar externo, aberto, no qual há a
luz natural do sol. Alguns autores referem-se a este espaço, chamando o mesmo de
parque e há casos que o mesmo pode ser chamado de pracinha.
- 192 -
referida pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Tais cenas
me fizeram ver que o espaço do pátio não era entendido como espaço
educativo32 pela professora da turma.As atividades que ocorriam em
sala de aula centravam-se quase que sempre na figura do professor e
o momento do pátio ficava a cargo das crianças que somente tinham
a figura do adulto para cuidar aquele tempo de brincadeira.
Observando as crianças no pátio da escola, senti falta das brincadeiras
tradicionais, das cantigas de roda, do pular corda, entre outras. Senti
falta também da presença da professora nas brincadeiras das crianças.
Através destas cenas passei a fazer-me as seguintes perguntas:
O porquê da ausência de propostas e participação dos professores no
espaço do pátio? Em que implica a ausência de propostas e
participação dos professores no espaço do pátio? Qual a importância
da existência de propostas e participação dos professores no espaço
do pátio?
Assim sendo, busco neste trabalho encontrar respostas para
tais inquietações que caminham comigo desde a pesquisa de campo
realizada para fazer o TCC da graduação em 2015. Para tanto, a fim de
analisar os dados encontrados na pesquisa feita no ano de 2015, cuja
metodologia utilizada foi um estudo de caso, foi necessário realizar
32
“[...] deve incluir o acolhimento, a segurança, o lugar para a emoção, para o gosto,
para o desenvolvimento da sensibilidade; não pode deixar de lado o
desenvolvimento das habilidades sociais, nem o domínio do espaço e do corpo e das
modalidades expressivas; deve privilegiar o lugar para a curiosidade e o desafio e a
oportunidade para a investigação” (BUJES, 2001, p. 21).
- 193 -
uma pesquisa investigativa por meio de leituras bibliográficas bastante
minuciosas, visto que atualmente, a questão da existência ou não de
propostas, bem como a participação dos professores como
mediadores das brincadeiras realizadas no espaço do pátio é pouco
discutida. Como sabemos, o que se discute é a centralidade excessiva
dos professores no espaço da sala de aula.
E, é com base nisso que defendo a necessidade de se pesquisar
o tema proposto citando Ferreira (2011, p. 164), pois segundo ela: “[...]
a pedagogia faz-se no espaço, e o espaço, por sua vez, consolida a
pedagogia”.
- 194 -
prazeroso, passível de construir aprendizagens através da interação
não só entre as crianças, mas também entre professores e alunos.
E já que compartilho da ideia de que: “A visão do novo só é
possível a partir do existente” (FERREIRA, 2011, p. 176) e já que há
diversas escolas de educação infantil em nossa cidade e no Brasil
inteiro, por que não começar a pensar a partir do que existe para talvez
fazer um novo fim?
33
A palavra pátio aqui pode ser substituída pela palavra parque, conforme menciona
Ferreira (2011) em seus escritos.
- 195 -
Sobre esta questão, Ferreira (2011, p. 168-173), ainda diz:
- 196 -
da sala de aula. Sendo assim, para que propor brincadeiras e participar
delas?
Já para os alunos, o espaço do pátio, conforme diz Ferreira
(2011, p. 158):
- 197 -
da escola, onde as crianças acabam por vezes tomando a iniciativa de
se movimentar. Por assim ser, há dois tempos distintos: o dos alunos
e o dos professores. Para os alunos este tempo é o de libertar-se e para
os professores este tempo é usado para descansar.
Por assim ser, a autora, percebendo o espaço do pátio, um
lugar usado nas instituições educativas para a brincadeira “livre” e
também uma oportunidade para as crianças se movimentarem
amplamente, fazer escolhas, determinar os seus próprios tempos, no
qual a professora interfere pouco, deixando apenas os seus olhos
sobre elas, revela a importância de se refletir sobre a dicotomia
instaurada entre espaços construídos (internos) e não construídos
(externos), intramuros no cotidiano das instituições de educação
infantil.
- 198 -
sabem mais brincar, que na hora do recreio34 só correm e brigam, pode
ser respondida com outras perguntas: Quem para e brinca hoje com
as crianças? Quem as ensina a brincar?
34
A palavra recreio aqui refere-se ao intervalo que há no turno de aula. Normal
mente o recreio acontece no espaço do pátio das escolas.
- 199 -
dém-dém; - cadeirinha de vidro; - jogar taco, -
cinco-marias... (DORNELLES, 2001, p. 102).
Curtir jogos e brincadeiras de pátio como: jogos de
tiro ao alvo, boliche, corrida de saco, corrida com a
colher, com empecilhos, com limite de espaço e
tempo, ovo podre, cantigas de roda... Polícia e
ladrão. Brincar com palavras através de trava-
língua (O peito do Pedro...- O rato roeu...- O
tigre...), caça palavras, o que é- o que é, carta
enigmática, diagrama, pictograma, dominox,
poesias, paródias... ou seja, milhares de outras
brincadeiras que fazíamos quando éramos
pequenos e que as crianças recriam com cara de
seu tempo (DORNELLES, 2001, p. 102).
- 200 -
educativo e para que esta escola ofereça situações em que os alunos
possam construir aprendizagens. Já dizia Oliveira (2007, p. 191):
- 201 -
Procedimentos metodológicos
Tendo a intenção de reunir informações sobre o objeto de pesquisa,
primeiramente, conforme já foi dito no início deste trabalho, tornou-se
necessário realizar uma pesquisa investigativa por meio de leituras
bibliográficas bastante minuciosas, visto que atualmente, a questão da
existência ou não de propostas, bem como a participação dos professores
como mediadores das brincadeiras realizadas no espaço do pátio é pouco
discutida.
Assim sendo, logo após trazer uma breve revisão da literatura,
passamos a descrever e analisar alguns fatos observados durante a realização
de uma pesquisa de campo que aconteceu no ano de 2015 e que deu origem
às inquietações que pretendemos responder ao longo deste trabalho.
Portanto, optamos por fazer um estudo de caso, para poder:
- 202 -
elas foram tomadas ou implementadas e quais
foram os resultados.
Analisando algumas cenas do pátio da EMEI – o que elas têm a nos dizer?
Retomando algo que já foi dito neste trabalho, destaco mais uma vez
que a decisão a respeito do campo empírico ao qual originou esta pesquisa
está relacionado ao Trabalho de Conclusão da Graduação em Pedagogia
realizado no ano de 2015. Portanto, a pesquisa de campo, a qual será descrita
a baixo, algumas das cenas observadas, foi feita no já referido ano. Fato este
que a torna um recorte do que já foi mencionado em outro trabalho, bem
como descrito em meu diário de campo usado durante a pesquisa.
É importante, destacar também, que será descrita cenas de apenas
uma das turmas de Pré35 das EMEIs observadas durante a coleta de dados da
pesquisa de TCC feita no ano de 2015, visto que foram estas cenas que
despertaram as inquietações que por consequência levaram a busca por
embasamento teórico, conforme já foi demonstrado ao longo do trabalho.
35
Assim são chamadas as turmas que comportam alunos de três anos ou mais. Sendo
que há uma divisão entre turmas de Pré 1 e Pré 2. Neste sentido, é valido dizer que
os alunos da turma pesquisada, são de Pré 1 e possuem três anos de idade.
- 203 -
Assim sendo, inicio contando que já no contato inicial pude conhecer
boa parte da escola e o inevitável aconteceu: acabei por fazer algumas
“leituras” sobre o ambiente que me estava sendo apresentado.
Segundo Gandini (1999, p. 146):
- 204 -
Apesar disso, a escola me pareceu ser um ambiente muito
acolhedor e agradável de estar. Posso dizer que esta EMEI não é
apenas um lugar útil e seguro onde podemos passar horas do dia. As
paredes do estreito e longo corredor contam muito sobre os projetos
e atividades desenvolvidos na escola e também sobre a rotina diária
das pessoas grandes e pequenas que passam boa parte do tempo na
mesma, ajudando a construir e transformar aquele espaço.
Ao fazer o primeiro contato com a professora titular da turma
de Pré 1, ainda neste mesmo dia, tinha por intenção a realização de
uma entrevista semiestruturada com a mesma a fim de obter um
panorama a respeito do trabalho da educadora diante do tema que
me propus discutir no TCC que estava realizando naquele ano, bem
como o início das observações na turma de Pré 1.
A professora já de imediato me explicou que seus 12 alunos
apesar de serem bem pequenos (alguns com pouco mais de três anos),
são bastante agitados, perdem o foco com facilidade e acabam por
tumultuar a sala de aula e que por isso, seria melhor eu realizar minha
primeira observação de campo, em outro dia, após ela já ter falado
com os alunos a meu respeito.
Assim sendo, somente pude ter com a professora da turma
uma boa conversa durante a realização da entrevista semiestruturada.
Na qual ela me relatou que uma das coisas que está faltando nas
nossas instituições de ensino, para que realizem um trabalho com mais
qualidade, são salas maiores, espaço físico no geral, espaço com areia
- 205 -
e brinquedos de pracinha36. Coisas que faltam na própria EMEI que
atua, ou seja, a Escola Municipal de Educação Infantil utilizada como
objeto de pesquisa.
Como podemos notar apenas com a entrevista
semiestruturada e este contato inicial, eu já pude obter importantes
informações e, é claro, a partir disto surgiram outras inquietações que
caminharam junto comigo durante toda a realização desta pesquisa de
campo, sendo estas algumas, que referem-se ao espaço do pátio:
Quais as possíveis intervenções em um pátio que não oferece uma
caixa de areia ou brinquedos de pracinha? Mesmo que este espaço
não ofereça caixa de areia ou brinquedos de pracinha, a professora
consegue enxergar o mesmo como educativo? Como a professora
desenvolve seu trabalho neste espaço? De que forma o espaço do
pátio é pensado e organizado para se tornar educativo? Como as
aprendizagens ocorrem neste espaço cuja professora considera que
não tem nada a oferecer? Como lidar com todas estas questões sem
perder o foco que é a criança, a infância e a aprendizagem?
E, foi a fim de buscar lançar um olhar sobre estas inquietações
citadas acima e outras que já foram descritas ao longo do texto, que
parti para a realização da primeira observação de campo, cheguei à
escola por volta dás 14 horas e 30 minutos e por um pouquinho mais
eu teria encontrado a sala de aula vazia, pois os alunos estavam
36
pracinha é o modo como à professora se refere ao pátio da escola, lugar este
propício para as crianças brincarem.
- 206 -
saindo, apressados, para um passeio em uma pracinha situada
próximo a escola. Eles estavam acompanhados de outros alunos que
pertenciam à turma de Creche 2.
O passeio durou toda à tarde. E, eu pude observar o quanto
aquela criançada se divertiu rolando no pasto e brincando na areia e o
quanto faz falta ter na escola um espaço, que não seja o da sala de
aula, em que as crianças possam brincar livremente e brincar com
brinquedos de pracinha. Baldes de plásticos viraram formas de bolos
e panelinhas para preparar carne, arroz e feijão. As pazinhas que
também eram de plástico ora eram as velas do bolo, ora eram a colher
que levava a comida até a boca. E, durante o desenrolar daquela linda
tarde, “aprendi” com os pequenos alunos, que não tinham mais que
três anos de idade, importantes conceitos de matemática: cheio/vazio,
pequeno/grande, pesado/levinho e também as cores através das
inúmeras pazinhas coloridas que a professora disponibilizou para os
alunos brincarem na areia.
Assim como relata Ferreira (2011), em sua pesquisa, pude
observar que no ambiente da pracinha, que vai além dos muros da
escola, as crianças experimentam a construção da sua própria
autonomia. Este espaço se revelou como um lugar especial para a
educação daquela criançada, pois notei o quanto sentem prazer em
estar neste lugar, brincam e interagem umas com as outras
livremente. Porém senti certa falta da presença das professoras e
- 207 -
recreacionistas37 neste momento de brincadeiras, mas percebo que
isto tem muita relação com o que já foi mencionado neste trabalho,
cuja citação é de Ferreira (2011, p. 158):
37
Assim é chamada a auxiliar da professora nas EMEIs de Jaguarão-RS.
- 208 -
fazendo um presente para dar para suas mamães, após terminarem de
fazer o trabalho, os alunos foram brincar um pouco no pátio da escola
que é bastante grande, porém, conforme já foi dito, não possui
brinquedos de pracinha e caixa de areia. Lá, a criançada se soltou, foi
aquela correria e tinha até um lobo mau para pegar as criancinhas!!!
As crianças se divertiram, porém sozinhas, a professora e a
recreacionista não participaram dos brinquedos38 e tão pouco
propuseram ou ensinaram alguma brincadeira nova. Sobre esta
questão, Ferreira (2011, p. 168), fala que:
Tal cena nos faz acreditar que muitas vezes não podemos nos
deter apenas a criticar o espaço que não oferece “isto ou aquilo”, mas
que devemos refletir diariamente sobre o que se propõe realizar
durante as aulas, pois as propostas pedagógicas podem se tornar
muito mais limitadoras do que o próprio espaço escolar.
38
Conforme Oliveira (1993 apud HORN (2004, p. 59): “[...] a partir da perspectiva de
Vygotsky, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal, permitindo que
sejam desempenhados papéis que cotidianamente a criança não teria condições de
desempenhar”.
- 209 -
É valido pensar que estas aulas podem sim, se estender ao
pátio da escola, principalmente quando o espaço da sala de aula é
consideravelmente apertado, como o caso desta turma. Neste caso,
por exemplo, o pátio poderia ser usado como uma extensão do espaço
da sala de aula.
É neste sentido que precisamos refletir e nos darmos conta que
o fio condutor da mudança da qualidade ofertada nas instituições de
ensino pode e certamente está atrelada a organização do espaço físico
das escolas, porém as práticas pedagógicas propostas com certeza são
as mais determinantes para que este espaço realmente possa ser
considerado educativo e para que esta escola ofereça situações em
que os alunos possam construir aprendizagens. Já dizia Oliveira (2007,
p. 191):
- 210 -
sendo autor de suas produções e se descentrando da figura do adulto.
E para que isto ocorra também é fundamental que o educador desafie
seu aluno e que consiga promover, organizar e prever situações em
que as interações entre as crianças e o meio sejam provedoras de
desenvolvimento. Inspirada por Oliveira (2007, p. 195), penso que:
“Várias possibilidades podem ser experimentadas, a depender da
proposta pedagógica da creche ou pré-escola”.
Continuo meus escritos mencionando que em outro dia, já
quase concluindo a pesquisa de campo, fui para a escola bem cedinho,
onde percebi que após comerem os alunos foram para o pátio da
escola e sentados no chão, em dois grandes grupos, ficaram brincando,
com alguns animaizinhos que foram escolhidos e distribuídos pela
professora. Pude observar que neste momento os alunos ficaram
quase que imóveis em seus lugares, brincando individualmente com a
quantidade de animais que fora estipulado pela titular da turma, o que
impossibilitou a existência de interação entre os alunos e por
consequência o desenvolvimento da imaginação dos mesmos.
Refletindo a partir desta cena, posso arriscar pensar que o
espaço do pátio, não pelo que oferece, mas pelo modo como a
professora conduziu o momento de brincadeira, serviu como um
limitador de atitudes, pois as crianças não tiveram a opção de utilizar
outros espaços do pátio que não fosse o lugar onde haviam se sentado,
portanto parece que a imaginação das crianças também foi limitada
neste momento. Outros objetos, por exemplo, poderiam ter sido
- 211 -
utilizados nesta brincadeira que poderia ter se tornado uma
brincadeira de faz de conta, mas desta vez não foram disponibilizados.
Pelo que pude perceber, rapidamente, os alunos foram
perdendo o interesse pelos brinquedos disponibilizados, não achavam
graça em terem que brincar sozinhos e por isso, a turma foi ficando
cada vez mais tumultuada, gerando brigas entre os alunos e até
mesmo entre a professora e os mesmos. Sobre isso, Oliveira (2007, p.
193) destaca que:
Considerações finais
- 212 -
de muitas modificações, sejam estruturais, sejam
pedagógicas (HORN, 2004, p. 14).
- 213 -
E mesmo que a professora da turma não consiga enxergar o
espaço do pátio como educativo pelo simples fato do mesmo não
oferecer caixa de areia ou brinquedos de pracinha, é possível afirmar
que:
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participou das brincadeiras que ocorreram neste espaço. Apesar disso,
mesmo que talvez inconcientemente, a professora conseguiu, com o
oferecimento de brinquedos de praia, levar seus alunos a construirem
aprendizagens, conforme foi relatado no corpo deste trabalho,
tornando o espaço do pátio em alguns momentos educativo e assim,
confirmando na pratica que todos os espacos podem vir a ser
educativos desde que haja intervenção pedagógica. Mas, mesmo
assim é possivel dizer que o espaço do pátio não é pensado e
organizado para se tornar educativo, pois o simples fato de juntar
objetos e oferecer para as criancas não torna isto uma proposta
pedagógica.
Já, passando a falar de como as aprendizagens ocorrem neste
espaço cuja professora considera que não tem nada a oferecer, é
importante lançarmos um olhar sobre algo que já foi contado e que
tem relacao com o a questao levantada. Assim sendo, em algumas
vezes, o que é oferecido no pátio da EMEI limita os alunos a estar todo
o tempo, praticamente paralisados e isto gera desconforto entre as
crianças. Muitas vezes elas ficam dispersas, não conseguem criar,
imaginar e brincar livremente, pois além do pátio da EMEI não
oferecer uma caixa de areia ou brinquedos de pracinha, o espaço em
nenhum momento foi organizado ou propostas foram feitas para
propiciar isto, a fim de chegarem a construir aprendizagens.
A partir das observações e dos estudos que foram feitos é
possível dizer que a professora por não saber lidar com as questões
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expostas a cima, que envolvem intervenção pedagógica, espaço
educativo, bem como propostas pedagógicas, acaba por perder o foco
que é a criança, a infância e a aprendizagem dos alunos. Acaba
também por nos levar a acreditar que não possuiu o conhecimento de
que a ausência de propostas e participação dos professores no espaço
do pátio, bem como a falta de oferecimento de um espaço e práticas
com mais qualidade estão atreladas as suas próprias concepções sobre
criança, infância e aprendizagem. É aceitável se dizer isto, visto que em
todo o tempo que foi realizada as observações, a professora se
mostrou bastante indiferente, talvez tradicional, no que se refere à
utilização do espaço do pátio e também sobre as possíveis
aprendizagens que seus alunos poderiam construir neste espaço se
houvesse a intenção em tornar este espaço educativo.
É preciso dizer que, talvez, imbricada nesta sala de aula esteja
um pouco da questão de economia, na qual a professora e tão pouco
a escola possuem a disponibilidade de recursos para a compra e
confecção de materiais, mas também sei que em sua sala de aula tudo
gira em torno da figura do professor, ou seja, o professor é quem
ensina, é quem controla e o aluno é quem deve aprender, já no pátio
o professor não se envolve, não participa, não atua como mediador de
aprendizagens. Fato este que reforça a afirmação de que talvez a
professora seja um pouco tradicional.
Concluímos dizendo que após a realização de diversas
observações feitas nesta turma, entendo que o momento do pátio,
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não é pensado pela professora para se tornar rico em desafios, pois às
vezes não oferece materiais e em nenhum momento interviu para que
de fato isso aconteça e tão pouco percebi uma movimentação da
professora em torno da organização do espaço, da existência de
propostas ou participação das brincadeiras para que ele de fato se
torne educativo. Percebo que talvez a professora para modificar o
modo como utiliza este espaço, a fim de torna-lo mais educativo e
desafiador pudesse se valer das ideias apontadas por Ferreira (2011) e
Dornelles (2001). Conforme elas colocam, há inúmeras possibilidades
para tornar o espaço do pátio educativo em que a criança seja acolhida
e estimulada. Em que ela perceba este espaço como um lugar também
de aprendizagens.
Acreditamos que a realização desta pesquisa, nos levou a perceber e
termina por comunicar aos leitores que um dos motivos que colabora para a
existência da ausência de propostas e participação dos professores no
espaço do pátio é o modo como os professores enxergam este espaço, ou
seja, não o percebem como educativo, passível de construir aprendizagens
através de mediações. Portanto, este lugar é usado exclusivamente para o
“descanso” dos professores, enquanto os alunos liberam as energias retidas
no espaço da sala de aula.
Esta pesquisa também nos leva a notar que a ausência de propostas
e participação dos professores no espaço do pátio implica diretamente no
não saber brincar dos alunos e por consequência disso no educar dos
mesmos, pois conforme o Referencial Curicular Nacional para a Educação
Infantil - RCNEI (BRASIL, 1998, p. 23):
- 217 -
Educar significa, portanto, propiciar situações de
cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas
de forma integrada e que possam contribuir para o
desenvolvimento das capacidades infantis de
relação interpessoal, de ser e estar com os outros
em uma atitude básica de aceitação, respeito e
confiança, e o acesso, pelas crianças, aos
conhecimentos mais amplos da realidade social e
cultural.
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todo o espaço é organizado segundo certa concepção educacional,
que busca atingir certos resultados.
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Referências
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Sobre os autores
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político-pedagógico, Gestão e Práticas Pedagógicas na Educação
Infantil. Professora da rede municipal do município de Santa Maria-RS.
Kelly Werle
http://lattes.cnpq.br/2601169894928207
Possui graduação em Pedagogia (2007), mestrado em Educação (2010)
e doutorado em Educação (2015) pela Universidade Federal de Santa
Maria. Atua como professora efetiva do Departamento de
Metodologia do Ensino do Centro de Educação da Universidade
Federal de Santa Maria (MEN/CE/UFSM), na área da Educação Infantil,
integra a Comissão dos Estágios Supervisionados no curso de
Pedagogia. Atuou como professora da Prefeitura Municipal de Santa
Maria. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Educação Infantil, atuando principalmente nos seguintes temas:
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infância, culturas da infância, linguagens, experiência, música,
pedagogia e estágio supervisionado.
Magda Schmidt
http://lattes.cnpq.br/0974821210058102
Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFSM. Teve experiência como professora na Educação
Infantil no ano de 2011. Foi professora dos Anos Iniciais no Instituto
Aprender (Colégio Riachuelo) no período de 2012-2016 e do Colégio
Marista Santa Maria no ano de 2017. Foi tutora a distância do Curso
de Pedagogia EaD da UFSM de 2013 a 2014. Atuou como Professora-
pesquisadora da Universidade Aberta do Brasil (UAB) no setor
pedagógico da Equipe Multidisciplinar do Núcleo de Tecnologia
Educacional da UFSM de 2014 a 2017.
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Neusa Maria Roveda Stimamiglio
http://lattes.cnpq.br/2674663456649815
Possui graduação em Licenciatura Em Pedagogia Plena Habilitação
Magistério pela Universidade de Passo Fundo (1985), Especialização
em Alfabetização pela Universidade de Passo Fundo (1989),
Especialização em Educação Psicomotora pela Faculdade Porto
Alegrense(1991) Especialização em Psicopedagogia(1996), e Mestrado
em Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005). Atualmente é
psicopedagoga no Centro Crescer- Centro de Assessoria
Psicopedagógica em Antônio Prado. Ministrou cursos de Educação
Infantil no Campus Universitário da Região dos Vinhedos e foi
professora contratada da Universidade de Caxias do Sul. , atuando
principalmente nos seguintes temas: educação infantil, aprendizagem,
escola, atualização pedagogica e pesquisa.
Sueli Salva
http://lattes.cnpq.br/8144640957398714
Professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa
Maria atuando na área de Didática e Práticas de Ensino na Educação
Infantil. Pedagoga, especialista em dança, Doutora em educação pela
UFRGS. Pós- doutorado pela UNIMI/Milão/Itália. No PPGE/UFSM
orienta e desenvolve pesquisas sobre os temas das culturas juvenis e
infantis e práticas educativas. É membro do grupo de pesquisa
Filosofia, Cultura e Educação (FILJEM/CNPq) e do Grupo de
Investigação e Estudos Contemporâneos em educação e Infância
(GIECEI/CNPq).
Viviane Meili
http://lattes.cnpq.br/9344798367801838
Professora formada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa
Maria, RS.
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