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Educação Infantil

perspectivas de pesquisa

(Organizadores)
Lucas da Silva Martinez
Gislaine Rodrigues Couto
Educação Infantil
perspectivas de pesquisa
Conselho Editorial Técnico-Científico Mares Editores e Selos Editoriais:

Renato Martins e Silva (Editor-chefe)


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Lia Beatriz Teixeira Torraca (Editora Adjunta)


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Vitor Cei
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Educação Infantil
perspectivas de pesquisa

1ª Edição

Lucas da Silva Martinez


Gislaine Rodrigues Couto
(Organizadores)

Rio de Janeiro
Dictio Brasil
2020
Copyright © da editora, 2020.

Capa e Editoração
Mares Editores

Todos os artigos publicados neste livro sob a forma de capítulo de coletânea


foram avaliados e aprovados para sua publicação por membros de nosso
Conselho Editorial e/ou colaboradores pós-graduados da Mares Editores,
assim como pelos organizadores da obra.

Dados Internacionais de Catalogação (CIP)

Educação Infantil: perspectivas de pesquisa / Lucas da


Silva Martinez; Gislaine Rodrigues Couto
(Organizadores). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020.
224 p.
ISBN 978-65-86953-17-6
doi.org/10.35417/978-65-86953-17-6

1. Educação. 2. Educação Infantil I. Título.

CDD 370
CDU 37/49

Os textos são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam


necessariamente a opinião da editora.

2020
Todos os direitos desta edição reservados à
Mares Editores e seus selos editoriais
Dictio Brasil é um selo editorial de Mares Editores
CNPJ 24.101.728/0001-78
Contato: mareseditores@gmail.com
Sumário

Apresentação .................................................................................. 9

A Pré-Escola na pandemia: apontamentos a partir do Rio Grande


do Sul - Lucas da Silva Martinez; Gislaine Rodrigues Couto ............. 14

A etapa da Educação Infantil e a importância da primeira infância


para o desenvolvimento pleno - Eduarda Rodrigues Roubuste;
Graziela Franceschet Farias ............................................................. 49

O processo de inserção inicial da criança na Educação Infantil -


Cristiane Alves Dalla Porta; Kelly Werle ........................................... 68

O tripé escola-criança-família no processo avaliativo da Educação


Infantil - Daniela Gonçalves Adriano; Caroline Reis Vieira Santos Rauta
..................................................................................................... 101

A construção do pensamento matemático pela criança e o


respeito aos conceitos espontâneos na Educação Infantil - Neusa
Maria Roveda Stimamiglio; Sueli Salva .......................................... 128

“Podemos brincar com ele também?”: A interação de bebês com


crianças mais velhas no espaço escolar - Viviane Meili; Kelly Werle
..................................................................................................... 158

A ausência de propostas e participação dos docentes no pátio em


uma EMEI de Jaguarão/RS - Jenifer Duarte da Costa .................. 192

Sobre os autores ......................................................................... 221


Apresentação

Esta coletânea de artigos, intitulada “Educação Infantil:


perspectivas de pesquisa”, reúne trabalhos de pesquisadores/as
comprometidos/as em pensar a Educação Infantil, primeira etapa da
Educação Básica brasileira. A intenção principal da obra é destacar a
complexidade e a multiplicidade de abordagens teórico-
metodológicas para pensar as crianças, as infâncias, as práticas
pedagógicas e a formação docente; e, sobretudo, a Educação Infantil.
Vale destacar o quão recente são os estudos sobre a Educação Infantil,
etapa que se consolidou a partir da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, em 1996.
Assim, ressalta-se o quão importante é o desenvolvimento de
pesquisas sobre o tema, considerando sua existência, bem como sua
relevância no cenário educacional, social e humano. Neste e-book
concentram-se pesquisas sobre a Educação Infantil, em especial sobre
o contexto do atendimento durante a pandemia de Covid-19; o
desenvolvimento das crianças; a relação entre crianças,
professores/as e famílias; as interações, as brincadeiras e os espaços
educativos; entre outros/as.
Dito isso, apresentamos os capítulos que compõem essa obra:
O primeiro capítulo, de Lucas da Silva Martinez e Gislaine
Rodrigues Couto, organizadores da obra, intitulado “A Pré-Escola na
pandemia: apontamentos a partir do Rio Grande do Sul”, problematiza

-9-
as possibilidades e desafios da docência na pré-escola durante a
pandemia de Covid-19. A partir de um estudo exploratório, com dados
obtidos via Google Forms, foram selecionadas respostas de
professoras, da Educação Infantil ao nível pré-escolar, de três
municípios do Rio Grande do Sul. Conclui-se que a pandemia, em
alguma medida, favoreceu o desenvolvimento de propostas e
atividades escolarizantes na Educação Infantil que fogem ao cuidar e
educar característico da etapa, considerando os eixos norteadores das
interações e brincadeiras1.
O segundo capítulo, intitulado “A etapa da Educação Infantil e
a importância da primeira infância para o desenvolvimento pleno”, de
Eduarda Rodrigues Roubuste e Graziela Franceschet Farias, é o
resultado de uma pesquisa realizada em uma unidade de Educação
Infantil, localizada na cidade de Santa Maria/RS. A partir de um estudo
qualitativo, com pesquisa de campo por meio de observações,
registros em diário de bordo e gravações em áudio, ressalta-se a
compreensão pela necessidade do desenvolvimento pleno da criança
e suas implicações para atingir o interesse pela cultura escrita. As
autoras percebem que é através do desenvolvimento pleno e
autônomo, e suas manifestações, que a criança desperta seus
interesses e aprende de forma prazerosa.

1
As informações aqui descritas são fruto da leitura do material apresentado, bem
como os resumos apresentados pelos/as autores/as na submissão para a coletânea.

- 10 -
O terceiro capítulo, de Cristiane Alves Dalla Porta e Kelly Werle,
intitulado “O processo de inserção inicial da criança na Educação
Infantil”, trata-se de uma pesquisa que aborda as relações entre
professora, criança e família durante o processo de inserção inicial na
Educação Infantil. A partir de entrevistas com professora, mães e
crianças, e observações em uma turma de Maternal I, as autoras
ressaltam que a inserção inicial na Educação Infantil é um momento
delicado e complexo, tanto para crianças, quanto para os pais e os/as
professores/as, o qual necessita uma parceria constante que favoreça
a construção de novos vínculos e respeite o tempo de cada criança.
O quarto capítulo, intitulado “O tripé escola-criança-família no
processo avaliativo da Educação Infantil”, de Daniela Gonçalves
Adriano e Caroline Reis Vieira Santos Rauta, apresenta resultados de
uma pesquisa qualitativa que objetivou facilitar a visão dos pais sobre
os trabalhos pedagógicos realizados em um Centro de Educação
Infantil em um município de Santa Catarina, promovendo uma
interação entre professores, crianças e famílias, valorizando o
processo avaliativo. O texto discute informações sobre práticas
avaliativas na escola e quão importante é a participação das famílias
no cenário avaliativo educativo, a partir da análise dos documentos da
unidade de ensino, pesquisa bibliográfica, aplicação de questionário e
observação de relatos das crianças nas rodas de conversas.
O quinto capítulo, de Neusa Maria Roveda Stimamiglio e Sueli
Salva, intitulado “A construção do pensamento matemático pela

- 11 -
criança e o respeito aos conceitos espontâneos na Educação Infantil”,
reflete acerca da construção de experiências que envolvem conceitos
matemáticos iniciais na Educação Infantil. A partir das narrativas das
professoras da rede pública da região central do Rio Grande do Sul,
alunas de um curso de especialização, discute-se as concepções das
professoras sobre a importância do processo de construção dos
conceitos matemáticos iniciais pelas crianças. As autoras concluem
que torna-se indispensável às vivências em sala de aula um processo
significativo que permita aos/às professores/as em formação
revisitarem suas próprias memórias de experiências escolares e
postura de professor-pesquisador. E que a formação continuada e o
aprofundamento dos conceitos teóricos, acompanhados de um
processo de reflexão crítica sobre a prática realizada a partir das
memórias autobiográficas, podem levar a uma mudança de postura
das professoras qualificando a prática pedagógica.
O sexto capítulo, intitulado “‘Podemos brincar com ele
também?’: A interação de bebês com crianças mais velhas no espaço
escolar”, de Viviane Meili e Kelly Werle, discute como ocorre a
interação de bebês com crianças mais velhas no espaço da Educação
Infantil. A partir de uma investigação qualitativa, através de
entrevistas com professoras e observações no espaço escolar,
concluem que eram planejadas pelas professoras diversas situações
para que houvesse interações, contudo, não se limitavam a esses
momentos planejados. As próprias crianças e os bebês interagiam,

- 12 -
espontaneamente, em diversas situações e espaços do cotidiano,
demonstrando a necessidade pela busca dos pares de diferentes
idades. Algumas vezes, relatam as autoras, foi perceptível que essas
interações eram mais valorizadas da perspectiva das professoras dos
bebês do que das professoras que trabalham com crianças mais
velhas.
O sétimo e último capítulo, de Jenifer Duarte da Costa,
intitulado “A ausência de propostas e participação dos docentes no
pátio em uma EMEI de Jaguarão/RS”, apresenta algumas
considerações sobre a ausência de propostas e a participação dos/das
professores/as no espaço do pátio, em uma Escola de Educação
Infantil. A partir de um estudo bibliográfico extenso, amparado em
estudos pregressos da autora, conclui-se que um dos motivos
colaboradores para a existência da ausência de propostas e
participação dos/das professores/as no espaço do pátio é o fato de
que esse espaço não é visto como educativo.
Esperamos que os artigos contribuam/repercutam nos estudos
dos leitores/as, considerando a complexidade e a variedade de temas
e abordagens para pensar a Educação Infantil, as crianças, infâncias e
as possibilidades metodológicas de pesquisa.

Outubro de 2020
Lucas da Silva Martinez e Gislaine Rodrigues Couto
(Organizadores)

- 13 -
A Pré-Escola na pandemia: apontamentos a partir do Rio Grande
do Sul2

Lucas da Silva Martinez3


Gislaine Rodrigues Couto4

Introdução
A pandemia de Covid-19 que atingiu o mundo em 2020
ressignificou muitos aspectos da vida humana. As relações sociais
tiveram que ser repensadas através do contato virtual, decorrente do
distanciamento físico. Esta, foi a única maneira de tentar evitar o
contágio de milhares de pessoas, e não tornar a situação ainda pior do
que já está (mais de 100 mil mortos no Brasil até a metade de
agosto/2020 com uma média de contaminação diária de 45 mil
pessoas – mais de 3 milhões de contaminados). Com o comércio e
outras atividades não essenciais parcialmente fechadas5, e as

2
“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”.
Agradeço a leitura realizada e as contribuições da Prof. Dra. Sueli Salva.
3
Doutorando em Educação, UFSM. Pesquisador Associado do Centro Latino-
Americano de Estudos em Cultura (CLAEC).
4
Mestra em Políticas Públicas e Gestão Educacional, UFSM. Professora da rede
pública municipal de Santa Maria/RS.
5
Em alguns dos municípios estudados, os empresários reagiram negativamente à
adoção de bandeira vermelha (fechamento de atividades e regulação maior) em
casos de muitas contaminações e mortes. Ao pressionarem o governo estadual,
muitas semanas se passaram entre mudanças (bandeira vermelha e laranja) o que
produzia um “abrir e fechar” constante do comércio.

- 14 -
instituições educativas, as redes municipais, estaduais e federais
fechadas, estas últimas tiveram de pensar outros modos de atender as
crianças, jovens e adultos, público da educação.
Em Salva e Martinez (2020), no livro Sons, imagens,
pensamentos: infâncias em tempos de pandemia, mostramos como a
Covid-19 afetou a vida de algumas crianças: muitas em casa, com os
parentes mais próximos, estes que, em grande medida perderam seus
empregos; outros puderam ficar confortáveis em seus lares, pois
tinham condições de trabalho estáveis para se manter. As crianças
relataram o acúmulo de atividades, a dificuldade de estudar longe da
presença física dos/as professores/as, apesar dos mesmos estarem
plenamente engajados na produção e promoção de atividades
remotas. A confusão estrutural causada pelo pânico do contágio e da
morte se espalhou até a vida das crianças, muitas, ainda sem entender
o que está acontecendo no mundo, mas ainda assim, entendendo o
que essa pandemia tem provocado em seus cotidianos.
Nessa direção, o destaque do livro e desse artigo é a etapa da
Educação Infantil. Esta, que tem especificidades tão distintas das
outras etapas, como ensino fundamental e médio, também, em
alguma maneira, teve que aprender a ser tratada pelas vias remotas.
Seja por atividades entregues às crianças de modo concreto (em “kits”
distribuídos pela escola, ou até pelos/as professores/as diretamente
nas casas das crianças), outras, estimuladas vias tecnologias digitais de
comunicação como a promoção de brincadeiras, contação de histórias

- 15 -
e até o registro digital das crianças através de fotos e vídeos como
modo de manter o vínculo docente e permitir que elas não se sintam
desamparadas. Assim, a Educação Infantil, de algum modo tornou-se
remota, digital e, contrariando orientações de entidades,
pesquisadores e movimentos sociais que militam na defesa da
especificidade da educação infantil, tornou-se ainda mais
escolarizante, como vamos ver ao longo da análise dos dados
produzidos através dessa pesquisa.
Neste texto, partindo da experiência de três municípios do Rio
Grande do Sul, a saber, Jaguarão, Santa Maria e Porto Alegre,
realizamos alguns questionamentos: como o atendimento às crianças
da Educação Infantil vem sendo realizado remotamente? Ainda mais:
como as professoras6 dessa etapa vem criando modos de estar
presente, mesmo que não presencialmente? Que atividades,
propostas e orientações foram e são dadas nesse momento tão
delicado?
Atendendo a estas problematizações, o objetivo deste artigo é
problematizar as possibilidades e desafios da docência na Pré-Escola
durante a pandemia de Covid-19. Para tanto, discutimos os dados
produzidos através de questionários online com professoras da
Educação Infantil do Rio Grande do Sul. É um estudo exploratório,
considerando que, muitas questões pontuadas no texto e nas

6
Nomeamos os profissionais docentes da Educação Infantil como professoras por
serem elas a maioria das profissionais nessa etapa da Educação Básica.

- 16 -
respostas das professoras fazem parte de um novo contexto que
emergiu com a pandemia. Para tanto, antes de dar respostas, fazemos
o exercício de levantar estas novas questões para que sejam
visibilizadas no cenário educacional em e pós-pandemia.
O texto em questão, se divide essencialmente em cinco partes:
a introdução; a caracterização metodológica da pesquisa e dos dados;
a problematização da Educação Infantil e a implementação de
atividades remotas; a discussão dos relatos das professoras e, as
considerações finais.

Notas metodológicas
Para produzir os dados foi distribuído, através das redes sociais
e aplicativos de comunicação, um questionário formulado no intento
de buscar respostas das professoras da Educação Infantil nacional
sobre o tema das propostas e atividades pedagógicas remotas para a
Educação Infantil. Pela capacidade limitada que nossas redes sociais
possuem já que elas alcançam, principalmente, nossas “bolhas
sociais”, as respostas mais significativas quantitativamente foram do
Rio Grande do Sul, região do autor. Assim, filtrando respostas de
outros estados, centrou-se a análise dos dados dos municípios de
Jaguarão, Santa Maria e Porto Alegre.
Questionários são instrumentos bastante usados na pesquisa
em educação. Com a pandemia, nossa capacidade de encontrarmos
presencialmente para distribuir questionários impressos ou realizar

- 17 -
entrevistas foi reduzida e os instrumentos de pesquisa online, por
outro lado, vem sendo aprimorados. A partir do Google Forms,
plataforma da empresa Google, foi enviado o questionário com as
seguintes questões para as professoras:

Quadro 1 - Questionário quantiqualitativo


Dados de identificação
1. Nível mais alto de formação: 2. Tempo de experiência na Educação
Infantil:
3. Rede em que atua na Educação 4. Cidade e Estado onde atua:
Infantil (privada, pública,
federal):
5. Nível em que atua (berçário,
maternal, pré-escola);
Questões
1. A rede de ensino e/ou 2. Quais as orientações oferecidas
instituição em que você atua sobre o atendimento na Educação
solicitou o desenvolvimento de Infantil você recebeu da
atividades e/ou propostas rede/instituição em que você atua?
pedagógicas remotas para as
crianças da Educação Infantil?
3. A partir das orientações 4. Em sua concepção, quais atividades
oferecidas, que atividades e/ou e/ou propostas pedagógicas não são
propostas pedagógicas você possíveis de serem desenvolvidas de
desenvolveu/realizou? forma remota para a Educação
Infantil?
5. Quais estratégias ou meios 6. Você possui recursos necessários
foram utilizados para o para o desenvolvimento de atividades
desenvolvimento de atividades e/ou propostas pedagógicas remotas
e/ou propostas pedagógicas (exemplo: dispositivos/aparelhos,
remotas? qualidade de conexão com a internet,
formação para operar os recursos,
etc.)?
7. Quais foram as estratégias 8. Como você avalia a receptividade
utilizadas para fazer aproximação das famílias em relação às atividades
com as famílias das crianças? propostas por você?

- 18 -
9. Quais as maiores dificuldades
encontradas por você no
processo de planejar propostas,
desenvolver com as crianças e
avaliar sua realização?
Fonte: Elaborado pelos autores.

As questões foram pensadas buscando atender um panorama


sobre o tema da Educação Infantil por vias remotas, seja nas
orientações oferecidas pelas mantenedoras, dificuldades,
possibilidades, atividades pensadas e o trabalho pedagógico em sua
totalidade (planejar, implementar, avaliar).
A amostra obtida passou por diferentes filtros. As 85 respostas
gerais passaram pelo filtro do Estado e, em segundo momento pelas
cidades, tomando apenas as três que mais se repetiam. Isso diminuiu
as respostas para 75. O segundo filtro foi pelo nível: considerando que
a Educação Infantil é composta de crianças7 de 0 a 3 anos e de 4 e 5
anos, e, como apontando pelas próprias professoras questionadas, o
trabalho com níveis distintos (berçário, material e pré-escola) possui
certas especificidades, assim como o seu público (bebês, crianças bem
pequenas e crianças pequenas). Assim, optamos por explorar neste
texto as respostas das professoras da Pré-Escola, já que, mesmo de
modo precário, acreditamos que as crianças de 4 e 5 anos são as mais

7
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na seção da Educação Infantil divide as
crianças em faixas etárias: bebês (de 0 anos a 1 ano e seis meses), crianças bem
pequenas (de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas, de 4 anos
a 5 anos e 11 meses (BRASIL, 2017).

- 19 -
capazes de participar de atividades remotas propostas pelas
professoras e implementada pelos pais. Seria preciso uma
problematização mais ampla para poder pensar como as professoras
estão atendendo os bebês, as crianças bem pequenas e as crianças
pequenas, sem o contato físico. Deixamos esta problematização para
outro momento.
Este segundo filtro nos levou a 36 respostas. Estas foram
separadas, por relevância, em categorias criadas pela repetição:
“Orientações, atividades e interação”, “Retorno da família” e “Desafios
presentes”.
A Educação Infantil que aqui se discute, considerando as
respondentes do questionário é majoritariamente pública, com
professoras com formação ao nível de especialização e com tempo de
experiência, em maior parte entre 5 e 10 anos e mais de 10 anos, como
aponta o quadro 2.

Quadro 2 - Atuação, formação e experiência


Atuação
Cidade Rede Rede Rede Rede Amostra
Pública Privada Pública pública e do
Municipal Federal privada município
Jaguarão 4 2 6
Porto 14 1 15
Alegre
Santa 51 1 1 1 54
Maria
Total 69 4 1 1 75

- 20 -
Maior Formação
Cidade Curso Graduação Especiali- Mestrado Doutorado
Normal zação
Jaguarão 1 3 2
Porto 1 4 9 1
Alegre
Santa 7 38 8 1
Maria
Total 1 12 50 11 1
Experiência
Cidade Menos de De 1 a 3 De 3 a 5 De 5 a 10 Mais de 10
1 ano anos anos anos anos
Jaguarão 2 4
Porto 6 9
Alegre
Santa 4 8 7 14 21
Maria
Total 4 8 7 22 34
Fonte: Elaborado pelos autores.

Neste artigo, a partir das filtragens realizadas, nos ocupamos


do nível pré-escolar:

Quadro 3 - Nível de atuação na Educação Infantil


Cidade Pré-Escola
Jaguarão 4
Porto Alegre 10
Santa Maria 22
Total 36
Fonte: Elaborado pelos autores.

A caracterização dessa amostra permite inferir conclusões


sobre a Educação Infantil pública. Ainda assim, restam lacunas para
pensar o atendimento e as orientações nas redes privadas dos

- 21 -
municípios, bem como, o atendimento aos bebês e crianças pequenas
que, extrapolam o recorte deste artigo.
Na próxima seção exploramos a discussão de fundo sobre a
Educação Infantil e suas possibilidades de funcionamento na
pandemia.

“Ensino remoto emergencial” e a Educação Infantil: problemas e


incompatibilidades
A definição que se proliferou de educação remota com o início
da pandemia foi a de “ensino remoto de emergência”, como apontam
pesquisadores da instituição americana Educause.

Ao contrário das experiências planejadas desde o


início e projetadas para serem online, o Ensino
Remoto de Emergência (ERT) é uma mudança
temporária para um modo de ensino alternativo
devido a circunstâncias de crise. Envolve o uso de
soluções de ensino totalmente remotas para o
ensino que, de outra forma, seriam ministradas
presencialmente ou como cursos híbridos, e, que,
retornarão a esses formatos assim que a crise ou
emergência diminuir ou acabar. O objetivo nessas
circunstâncias não é recriar um sistema
educacional robusto, mas fornecer acesso
temporário a suportes e conteúdos educacionais de
maneira rápida, fácil de configurar e confiável,
durante uma emergência ou crise (HODGES et al.,
2020, p. 06, grifo nosso).

Podendo ser válida na Educação Superior (apesar de estar


limitada ao acesso que os estudantes possuem dos recursos online)

- 22 -
esta definição não pode ser aplicada à Educação Infantil. Os motivos
são vários, mas, podemos nos ater a dois.
Em primeiro lugar, a oferta da Educação Infantil. Segundo as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI),
fixadas pela Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE),
Câmara da Educação Básica (CEB), n. 5 de 2009:

Art. 5º A Educação Infantil, primeira etapa da


Educação Básica, é oferecida em creches e pré-
escolas, as quais se caracterizam como espaços
institucionais não domésticos que constituem
estabelecimentos educacionais públicos ou
privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5
anos de idade no período diurno, em jornada
integral ou parcial, regulados e supervisionados por
órgão competente do sistema de ensino e
submetidos a controle social (BRASIL, 2009a, grifo
nosso).

Logo, em uma pandemia em que todos são obrigados a ficarem


em casa, adotaram-se processos educativos remotos. Entretanto, as
DCNEIs determinam que a Educação Infantil tem que ser realizada em
instituições, e não pode ser oferecida nem a distância, nem
remotamente.
Em segundo lugar a natureza do currículo e dos processos
pedagógicos da Educação Infantil. Segundo as DCNEI:

Art. 3º O currículo da Educação Infantil é concebido


como um conjunto de práticas que buscam
articular as experiências e os saberes das crianças

- 23 -
com os conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico
e tecnológico, de modo a promover o
desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos
de idade.
Art. 4º As propostas pedagógicas da Educação
Infantil deverão considerar que a criança, centro do
planejamento curricular, é sujeito histórico e de
direitos que, nas interações, relações e práticas
cotidianas que vivencia, constrói sua identidade
pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e
constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,
produzindo cultura (BRASIL, 2009a).

Assim, a questão que fica é se, por vias remotas, sem o contato
físico das professoras e das crianças com outras crianças é possível
explorar a identidade pessoal, a interação e as brincadeiras, as
fantasias e os saberes das crianças. Por isso, o manifesto da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) adverte
sobre a incompatibilidade da Educação Infantil com a educação a
distância8, em especial, com o ensino remoto: “Com efeito, a dinâmica
da educação infantil ocorre mediante a organização de vivências e
experiências que extrapolam atividades ou sequências correntemente

8
Ensino remoto, educação a distância e ensino híbrido não são sinônimos apesar de
usados como. O ensino remoto de que hoje se fala tem caráter emergencial; a
educação a distância diz respeito a uma modalidade de ensino organizada para
oferecer aos estudantes o ensino semipresencialmente ou totalmente a distância
com um design pensado para tal função e em acordo com os estudantes; o ensino
híbrido, por sua vez, diz respeito aos processos de ensino que utilizam de momentos
presenciais e não presenciais, e podem estar presentes tanto na educação
presencial, como na a distância.

- 24 -
denominadas didáticas e perpassam as brincadeiras e as relações de
cuidado” (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
EM EDUCAÇÃO, 2020, p. 02).
Ademais, a própria noção de ensino presente nas outras etapas
da Educação Básica não se aplica à Educação Infantil que, funciona
através dos eixos “interações e brincadeiras” (BRASIL, 2009a) e não
segue a estrutura escolarizante. Frente a isso, a ANPED além de
denunciar a “[...] ilegalidade da proposta de implementação de
atividades escolares remotas para crianças pequenas” (ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 2020, p.
01), indica que a preocupação com ano letivo (principalmente, das
redes de ensino) deve ser deslocada para a proteção da infância e o
cuidado, elementos básicos do atendimento à Educação Infantil
marcados pelo “cuidar e educar”. Assim, a ANPED indica que:

Neste sentido, no contexto atual de isolamento


social, o próprio diálogo com as famílias é em si
uma estratégia, que permite o estreitamento das
relações por meio da interlocução sobre as dúvidas
em torno da educação e cuidado com as crianças,
do manejo de determinadas situações ou, ainda, da
oferta de alguma orientação sobre o acesso a
recursos de programas sociais que permitam a
manutenção da vida. É fundamental identificar
onde estão as crianças, em que situação se
encontram, se seus familiares possuem suficiente
renda, se as crianças estão em situação de risco -
de vida, com ausência de garantia alimentar ou
atendimento de saúde, interrupção de
atendimento educacional especializado e suas

- 25 -
consequências, abalos quanto ao equilíbrio
emocional, dentre outras questões emergentes.
Ou seja, a maior preocupação nesse momento não
pode ser com uma possível perda do ano letivo!
Precisamos pensar com outra lógica: precisamos
pensar no tempo das crianças e nos seus modos
próprios de vivenciar as consequências de uma
situação tão adversa, como essa de uma pandemia
(ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E
PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 2020, p. 03, grifo nosso).

Nesse sentido, problematizamos o sentido da Educação Infantil


durante a pandemia. A experiência das famílias, das crianças, e das
professoras, estas últimas que, em um tempo no qual estão confinadas
em casa, precisam atender demandas que extrapolam sua atribuição
funcional e, de algum modo, extrapolam o sentido dessa etapa da
Educação Básica. Devemos nos perguntar sobre o sentido de pensar
“atividades” ou propostas que, tendem à escolarização, tal como no
ensino fundamental, quando, na verdade manter o vínculo afetivo
entre professoras e crianças, estimular a brincadeira, o cuidado e a
“manutenção da vida” eram e sobretudo são mais importantes.
Uma das professoras respondentes traz uma problematização
na mesma direção, começando ao falar na baixa participação dos pais
na busca na escola por atividades e propostas para as crianças e, como
isso está relacionado a uma concepção tradicional de educação
incrustada nos modos de pensar a docência na Educação Infantil.

Alguns [pais] retiram por obrigação, mas das 19


crianças apenas 2 tem apresentado boa vontade,

- 26 -
capricho, responsabilidade. Mas não se pode julgar
as famílias. Nestes tempos eu avalio a Educação,
está realizando um trabalho pedagógico
contraditório, na teoria lembram da LDA [LDB]9
Bases10, Ref. GAÚCHO11, DOC12 Santa Maria..., mas
na prática estão exigindo dos pais, alunos e
professores uma Pedagogia Tradicional (Professora
29).

Esta “pedagogia tradicional” como outro modo de dizer da


imposição escolarizante da escola frente às crianças pequenas se
prolifera nas políticas e recomendações dos governos. Junto a essas
medidas, a insistência do setor empresarial e dos governos em abrir as
escolas, mesmo sem o desenvolvimento de uma vacina ou
constituição de uma estratégia viável para evitar a contaminação de
crianças, famílias e docentes.
Em repúdio ao retorno das aulas presenciais e a
obrigatoriedade de realização de atividades remotas na Educação
Infantil, o Sindicato dos Professores no Distrito Federal (SINPRO-DF)
orienta:

A Educação Infantil possui peculiaridades que não


podem ser resumidas a hora aula televisiva,
atividades impressas e controle de frequência. A
educação de crianças bem pequenas e crianças
pequenas se dá essencialmente pela interação,
pelo contato, pela relação na proximidade, pelo

9
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n. 9.394/1996.
10
Base Nacional Comum Curricular.
11
Referencial Curricular Gaúcho.
12
Documento Orientador Curricular de Santa Maria/RS.

- 27 -
compartilhar de materiais e espaços, pela
afetividade do toque, pelo movimento corporal,
pela oralidade para garantir o desenvolvimento
integral das mesmas (SINDICATO DOS
PROFESSORES NO DISTRITO FEDERAL, 2020, s./p.).

Tendo, nesta seção, dado o panorama sobre os problemas e


incompatibilidades de pensar uma “Educação Infantil remota”
efetivamente que garanta os direitos das crianças, na próxima seção
analisamos algumas respostas dadas pelas professoras, no desafio de
planejar e implementar ações, as orientações recebidas, o contato
com as famílias, os movimentos realizados nesse tempo de
distanciamento físico e intenso trabalho e aproximação social virtual.
Sendo imposto de forma obrigatória o atendimento às crianças na
Educação Infantil, observam-se as possibilidades e os desafios
encontrados pelas professoras.

Orientações, atividades e interação: problemáticas contínuas


Questionando as professoras sobre as orientações recebidas,
muitas delas indicaram documentos municipais, resoluções e
formações continuadas propostas pelas redes. Estas respostas indicam
o esperado, que as redes instrumentalizassem as professoras para
atuar durante o distanciamento físico, que esperávamos ser de poucas
semanas, mas já completam cinco meses. Entretanto, algumas
respostas fogem dessa lógica, dando ênfase à distribuição de
atividades impressas e do contato próximo com as famílias para

- 28 -
manter o vínculo e repassar informações às famílias. Sobre o que foi
indicado pelas redes e instituições, aponta-se:

Atividades a distância, impressas, contação de


histórias utilizando aplicativos online com áudios
e/ou com imagens. Sugestões através de vídeos de
atividades de coordenação motora ampla
(Professora 5).
Enviar atividades impressas e acompanhar a
realização das mesmas pelas redes sociais
(Professora 7).
Foram solicitadas atividades simples que os alunos
pudessem realizar com auxílio de seus familiares
(Professora 9).
Manter o vínculo com os alunos (Professora 11).

Uma das professoras, nessa esteira, comenta as atividades que


não podem ser feitas remotamente, mas, destaca:

Penso que a escrita para turmas iniciais. E nas


turmas dos Prés já existe a possibilidade
(Professora 23).

Se faz presente, como modo de avaliar o andamento das


atividades, a preocupação com sua realização ou resultados:

A dificuldade que encontro é em ter que enviar


mais atividades de motricidade fina, e com relação
à avaliação é difícil acompanhar o que não se vê, os
resultados estão sendo maravilhosos, mas será que
foram obtidos pelas crianças ou foi um irmãozinho
maior que fez ou os próprios pais ansiosos que
"ajudaram" a criança (Professora 9).

- 29 -
Parte das professoras ressalta a necessidade de, em um tempo
sem contato físico, enviar atividades impressas para que as crianças
realizem. Sabemos que, por mais que se tente implementar projetos e
práticas pedagógicas lúdicas, que envolvem o movimento e a
experimentação, é muito forte o uso de atividades impressas na
Educação Infantil, principalmente na pré-escola. Ainda marcada pelo
caráter preparatório para a alfabetização e os anos iniciais do ensino
fundamental, as atividades impressas funcionam como exercício de
disciplinamento do corpo e para “ocupar o tempo” das crianças (MOTTA,
2011). O que se deixa de lado, durante estas atividades, é o que preconiza o
parecer que subsidia as DCNEIS:

As propostas curriculares da Educação Infantil


devem garantir que as crianças tenham
experiências variadas com as diversas linguagens,
reconhecendo que o mundo no qual estão
inseridas, por força da própria cultura, é
amplamente marcado por imagens, sons, falas e
escritas. Nesse processo, é preciso valorizar o
lúdico, as brincadeiras e as culturas infantis
(BRASIL, 2009b, p. 15, grifo nosso).

Quando as “atividades” escolarizantes superam o tempo de


brincar, de expressar, de socializar, a Educação Infantil deixa de ser
potencializadora de aprendizagens e vivências, para assumir o papel
de disciplinadora (MOTTA, 2011). As atividades escritas e a obsessão
em desenvolver a motricidade não nos deixam esquecer a trajetória
da educação atrelada à psicologia, no qual cada atividade é pensada

- 30 -
para o desenvolvimento de determinada habilidade, ao invés de, a
partir das propostas pedagógicas, possibilitar às crianças experiências
de aprendizagem através do brincar, possibilitando, desse modo, a
vivência plena da infância no aqui e agora, considerando o tempo da
infância como tempo potente. A pandemia, de algum modo, fez
acentuar esses saberes psicológicos e essas propostas escolarizantes.
Outras professoras relatam atividades que desenvolveram,
com ou sem orientação das redes e instituições:

Criamos um grupo com os familiares pelo


WhatsApp e usando esse espaço para fazer os
encaminhamentos semanais, já fizemos, momento
de apresentação de cada crianças a turma, usando
partes do corpo sem mostrar o rosto, usando a voz,
contação de histórias, construção de fantoches,
discoteca, experiências, pesquisa e brincadeiras
usando sabão, jeitos divertidos de incluir esse
material nas brincadeiras, o que meus olhos vem
da minha janela, registro das percepções, dos
olhares das crianças, brincadeiras usando
elementos naturais, folhas, gravetos, terra,
produções caseiras de tinta, massinha de modelar,
cola, montagens com rolo de papel higiênico,
momento para plantar sementinhas de flores em
casa e por aí vai (Professora 1).
Fiz um vídeo sobre brincadeiras infantis (Professora
4).
As propostas oferecidas giram em torno das artes,
brincadeiras, interação com a família já que
envolve a participação dos pais no processo, pois,
são responsáveis por tirar fotos, gravar vídeos ou
áudios para postar no grupo do WhatsApp
(Professora 34).

- 31 -
Rapidamente as professoras precisaram dar conta de pensar
atividades e propostas pedagógicas que fossem possíveis de serem
realizadas contando com a participação dos pais para ajudar as
crianças. Mesmo nestes casos, a intencionalidade pedagógica se
mostra produtiva: expressões, movimentos do corpo, histórias,
brincadeiras, imaginação, interação com familiares, entre outros.
Estas professoras, de algum modo, tentam explorar os direitos de
aprendizagem presentes na BNCC: conviver, brincar, participar,
explorar, expressar e conhecer-se (BRASIL, 2017).
Para tentar garantir o contato com as crianças, foi preciso,
entretanto, fazer o investimento do contato com as famílias. Algumas
respostas das professoras mostram como estas relações foram se
estabelecendo:

Primeiro a escola fez um levantamento geral sobre


as condições socioeconômicas da comunidade
escolar e esse levantamento indicou que a melhor
forma de contato com as famílias seria a criação de
grupos no WhatsApp. Assim cada professor
estabeleceu sua estratégia, eu preferi contatar
cada família, individualmente, antes da criação do
grupo, assim, por meio de áudio usando o
WhatsApp, contatei todos, explicando minhas
intenções e a importância de nosso trabalho para o
desenvolvimento das crianças e manutenção dos
nossos vínculos. Foi um trabalho de formiguinha,
mas foi bom, pois pude me aproximar deles,
conquistada a confiança, pude me aproximar das
crianças, alguns pais são bem participativos,
valorizam nosso trabalho, outros nem tanto, mas

- 32 -
isso se deve a uma combinação de fatores
específicos de cada família (Professora 1).
Vídeo gravados com orientações pedagógicas
referente as idades (Professora 23).
Orientações de atividades impressas de
brincadeiras, atividades psicomotoras em
brincadeiras e jogos e atividades com o envio de
materiais em anexo para as entregas. Contatos
com familiar e crianças pelo grupo formado no
WhatsApp, cartinhas do prof. para as crianças,
ligações pelo celular feitas pelo professor a eles,
reuniões online, idas na escola semanalmente
(Professora 29).

Manter o contato com as famílias foi o modo de atuar das


professoras, em grande parte das respostas. Auxiliar as famílias em
suas dúvidas, propor atividades que envolvam o cuidado e orientação
para experimentações diversas das crianças, manter o vínculo com as
mesmas através de chamadas de vídeo, cartas e outras formas são
medidas tomadas pelas professoras para que a Educação Infantil
mantenha seu caráter de “cuidar e educar” mesmo sem a presença
física e interação face-a-face com as professoras. Estabelecer o
contato com as famílias também é um modo de concretizar a parceria
família x escola presente na Educação Infantil. A BNCC preconiza que
ao educar e cuidar, estabelecendo aprendizagens ancoradas no
ambiente familiar e da comunidade, a Educação Infantil

[...] têm o objetivo de ampliar o universo de


experiências, conhecimentos e habilidades dessas
crianças, diversificando e consolidando novas
aprendizagens, atuando de maneira complementar

- 33 -
à educação familiar [...] para potencializar as
aprendizagens e o desenvolvimento das crianças, a
prática do diálogo e o compartilhamento de
responsabilidades entre a instituição de Educação
Infantil e a família são essenciais (BRASIL, 2017, p.
36-37, grifo nosso).

O “compartilhamento de responsabilidades” se faz urgente


neste momento de pandemia.
Outra questão presente no formulário distribuído tratava das
atividades que não podiam ser realizadas remotamente. Esperávamos
com esta questão problematizar os sentidos dados pelas professoras
ao seu trabalho cotidiano, entendendo, aquilo que não era possível
fazer, seja pelas condições socioeconômicas dos pais, pela falta de
conhecimento específico sobre a Educação Infantil, uma vez que tem
uma especificidade muito diversa da familiar ou, o que exigia a
presença física e a interação. Sobre estas atividades, algumas
professoras responderam:

Acredito que nenhuma, pois a criança da Ed.


Infantil está na fase do desenvolvimento, do
descobrir, do conhecer. Nem todos os pais têm
condições de amparar e acompanhar esse trabalho
(Professora 5).
Atividades que exigem conhecimento pedagógico
dos pais, pois as famílias não possuem esse
entendimento, logo as atividades devem atender
as crianças respeitando as necessidades e
dificuldades das famílias (Professora 33).
Penso que qualquer atividade na Educação infantil
não é muito viável. Sempre vai haver uma lacuna.

- 34 -
A interação e o convívio social também fazem parte
do desenvolvimento infantil (Professora 12).
Muitas, para mim o principal que é a troca, a
socialização, a interação... as verdadeiras
aprendizagens para mim não são realizadas
remotamente. Podemos simplesmente
desenvolver algumas habilidades a distância, mas
nada muito significativo (Professora 26).
Como a educação infantil precisa das interações,
creio que as ações pedagógicas são apenas para
não perder o vínculo (Professora 30).

O primeiro ponto levantado por algumas professoras diz


respeito ao trabalho pedagógico. São as professoras as profissionais
incumbidas de educar e desenvolver atividades. Esperar que
plenamente os familiares ocupem esse papel, como pode ter sido
sugerido na proposta de parecer do CNE sobre “reorganização dos
calendários escolares e atividades pedagógicas não presenciais
durante o período de pandemia da covid-19” despotencializa o papel
da Educação Infantil, reduzindo-as a práticas intuitivas, confundindo-
as as práticas realizadas pelas mulheres, enquanto mães. Assim, o
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) em
posicionamento contrário alertou as comunidades escolares:

[...] considerar a família como mediadora


pedagógica do desenvolvimento pleno das
crianças, frente à desigualdade social brasileira, as
sobrecarrega e desrespeita a sua realidade, já que
muitas destas famílias não dispõem nem de
condições básicas para manter uma vida digna,
tampouco de um repertório didático-pedagógico
alinhado às especificidades etárias dos bebês e das

- 35 -
crianças pequenas. De igual modo, tal medida
descaracteriza a ação pedagógica das/os
profissionais de educação infantil, que possuem
formação específica que lhes permite atuar, de
modo intencional nos processos de aprendizagem
e desenvolvimento de forma integral. Assim,
qualquer proposta que permita a legitimação de
ações educativas (educação domiciliar, ensino
remoto, adoção de sistemas apostilados, dentre
outras) que reforcem, ainda mais, as desigualdades
sociais e educacionais entre as crianças e suas
famílias deve ser evitada a todo custo [...]
(MOVIMENTO INTERFÓRUNS DE EDUCAÇÃO
INFANTIL DO BRASIL, 2020, p. 02).

O segundo aspecto apontado pelas professoras trata da


interação, com as brincadeiras como eixos norteadores da Educação
Infantil (BRASIL, 2009a). Por mais que as famílias, com o maior
entusiasmo, proponham diferentes brincadeiras, e implementem
todas as sugestões das professoras, ocupando um papel no
“compartilhamento de responsabilidade”, o contato entre crianças e
com a professora pode se enfraquecer. Segundo a BNCC:

A interação durante o brincar caracteriza o


cotidiano da infância, trazendo consigo muitas
aprendizagens e potenciais para o
desenvolvimento integral das crianças. Ao observar
as interações e a brincadeira entre as crianças e
delas com os adultos, é possível identificar, por
exemplo, a expressão dos afetos, a mediação das
frustrações, a resolução de conflitos e a regulação
das emoções (BRASIL, 2017, p. 37).

- 36 -
O desenvolvimento integral das crianças, entendido como em seus
aspectos “[...] físico, afetivo, intelectual, linguístico e social” (BRASIL, 2009b,
p. 03) depende da interação. Esta interação é o que faz a Educação Infantil
ser uma modalidade presencial e que, nos últimos anos se tornou de
matrícula obrigatória a partir dos 4 anos. Portanto, um dos desafios da
Educação Infantil neste tempo é, não deixar que as interações cessem, e que
os pais, mesmo sem conhecimentos pedagógicos, continuem estimulando as
crianças a brincar e se expressar, continuando a se desenvolver nas
diferentes formas. Mesmo assim, as professoras ressaltam quão importante
e indissociável da escola é a interação das crianças, desde os primeiros anos
de vida.

Retorno da família
Sendo necessário, apesar de contraditório, envolver-se na
elaboração de propostas remotas para o atendimento das crianças,
um ponto levantado pelo questionário e discutido com entusiasmo
pelas professoras é o retorno da família, frente as atividades e
propostas distribuídas. Muitas relatam o mal-estar que é não saber se
as crianças são alcançadas, se as atividades chegam até elas ou ainda
se conseguem fazer. Ainda, de algum modo, há a pressão das famílias
por atividades xerocadas, impressas.

Algumas famílias têm um olhar mais sensível, se


esforçam e a sua maneira gravam vídeos, áudios,
tiram fotos e auxiliam as crianças em suas
produções, buscando respeitá-las nesse momento
de criar, dando espaço e autonomia, envolvendo-

- 37 -
se no processo, mas a grande maioria, parece que
quer se livrar da obrigação de postar algo no grupo
só para constar, o registro pelo registro, sem ter um
sentido e significado verdadeiro para os pequenos
(Professora 1).
Está sendo boa, mas é difícil avaliar a distância,
nem sei como eles conduzem as propostas, isso me
deixa bem mal, pois é tão difícil propor algo, sem
saber a reação das crianças. Tenho 24 alunos e
desses uns 3 ou 4 me dão algum retorno no grupo,
os outros é só através de algum registro que solicito
para me enviarem. Mas muitos não sei nem se é
eles que fazem (Professora 26).
Aceitaram bem, porém se queixam que não tem
tempo de fazer com a criança (Professora 2).
Muita dificuldade em receber retorno das
atividades, estão nos grupos, visualizam, mas só
dão retorno com muita insistência (Professora 35).
Bem difícil, pois as famílias entenderem a proposta
da EI, a maioria espera atividades impressas
(polígrafos) para "ocupar" as crianças (Professora
24).
Tenho 19 alunos e 3 [pais] que foram convidados
ao grupo, mas não distratam [demonstram]
interesse em participar! Na maioria das vezes são
os mesmos que dão retorno, semanas com mais,
outras com menos! Uns que gostam da proposta,
outros que pedem por folhinhas com letras e
números! Mas há um grupo que gosta, retorna e
valoriza (Professora 36).
Eles querem mais que tenham folhinhas, não
interagem muito no Whats, só visualizam, poucos
participam (Professora 18).

Com exceção de 5 respostas positivas sobre a avaliação do retorno


dos pais, a situação é composta de três situações: pais que não buscam as
atividades ou não dão nenhum tipo de retorno, o que gera impasses na

- 38 -
produção de propostas; pais que não sabem como ajudar ou não querem se
envolver de nenhum modo nesse processo; pais que solicitam atividades
impressas para “ocupar as crianças”. O viés de Educação Infantil como
ocupação de tempo (assistencialista) ou como preparatório de habilidades
para o ensino fundamental se reforçam em tempos de precariedade e
confusão. Por mais formações que as professoras tenham recebidos e, por
maior empenho na produção de materiais, atividades, vídeos, parece, de
modo geral, não haver consenso entre a ação que se espera da família. Por
fim, resta, como aponta a professora 26, o “mal-estar”.
Mesmo assim, sob este tema, é preciso apontar: tendo a Educação
Infantil brasileira, por origem, ser um modo assistencialista de atendimento
às crianças, e, mesmo que nos últimos 20 anos tenha se lutado muito para
que a Educação Infantil ocupe outro lugar, um lugar em que cuidado e
educação são complementares e indissociáveis, estas concepções podem
não estar evidentes para os pais. Assim, estes, impregnados ou não pela sua
passagem pela escola, esperam que as crianças se alfabetizem e que façam
atividades, não “só brinquem”.
A natureza da pandemia, por fim, expõe a fragilidade das famílias e
das instituições para pensar modos seguros e ativos de produzir ações
pedagógicas, oferecer experiências e avaliar a qualidade destas. Em um
tempo em que o trabalho diminuiu e as condições sociais, de modo geral,
foram despotencializadas, muitos pais não conseguem efetivamente dar
conta, o que evidentemente não pode se esperar, uma vez que a escola tem
sua especificidade. A educação é entendida de forma ampla, no entanto, há
conhecimentos sobre a Educação Infantil que são construídos na formação
daquelas que se tornam profissionais, ainda que a educação de uma criança

- 39 -
seja de responsabilidade das famílias, das cidades e sociedades (TONUCCI,
2020).
Vale lembrar novamente da relação intrínseca entre as famílias e a
escola, ainda que cada uma tenha uma responsabilidade diferente. Segundo
a LDB, em seu artigo 29,

A educação infantil, primeira etapa da educação


básica, tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da
comunidade (BRASIL, 1996).

Esse posicionamento que incorpora direito das crianças e das


famílias é retomado no parecer que subsidia as DCNEIs:

A perspectiva do atendimento aos direitos da


criança na sua integralidade requer que as
instituições de Educação Infantil, na organização de
sua proposta pedagógica e curricular, assegurem
espaços e tempos para participação, o diálogo e a
escuta cotidiana das famílias, o respeito e a
valorização das diferentes formas em que elas se
organizam (BRASIL, 2009b, p. 13).

Assim como o contato com as famílias pelas diferentes formas foi


tomado como obrigação pela escola, caracterizando a escuta necessária às
atividades desempenhadas pelas escolas, retoma-se a importância de as
famílias de tentarem estimular as crianças e buscar orientações sobre o que
fazer nesse tempo, mesmo sabendo que para muitas famílias se constitui em
sobrecarga, em especial às famílias mais vulneráveis. Assim,

- 40 -
Essa integração com a família necessita ser mantida
e desenvolvida ao longo da permanência da criança
na creche e pré-escola, exigência inescapável
frente às características das crianças de zero a
cinco anos de idade, o que cria a necessidade de
diálogo para que as práticas junto às crianças não
se fragmentem (BRASIL, 2009b, p. 13).

A relação entre as famílias e as escolas, objeto de ampla discussão


no cenário educacional não pode ser encerrado aqui. Todavia, sua discussão
tornou-se urgente já que com a pandemia, o único contato que as
professoras estabelecem com as crianças perpassa as famílias, e quando
estas não podem, não querem ou não conseguem intermediar, a função da
Educação Infantil se fragiliza.

Desafios presentes – à guisa de considerações finais


Ao serem questionadas sobre os desafios no processo de pensar e
produzir atividades e propostas, implementar com o apoio dos familiares e
avaliar, ou obter retorno por parte destes e das crianças, variadas respostas
surgiram. No ímpeto de sistematizar essas respostas, o quadro 4 apresenta
alguns excertos.

Quadro 4 - Alguns da docência durante a pandemia


Desafios Excertos
As condições de acesso remoto e, muitas vezes, a
própria interação com as famílias, pois para além de
Contato e pensar em propostas para serem desenvolvidas com as
retorno das crianças, precisamos pensar que os pais serão nossos
famílias ouvidos, nossos olhos e nossa voz e como já havia dito
antes, muitos fazem por fazer, por mais que a gente
explique, dê sugestões, contribua com ideias, dê tudo

- 41 -
mastigadinho, mesmo assim, nada fazem, não
conseguimos chegar neles (Professora 1).
O retorno das famílias quanto ao solicitado ou mesmo
se estão fazendo (Professora 13).
A falta de acesso dos alunos aos meios tecnológicos e
a minha falta de equipamentos adequados para
colocar em prática o planejamento (Professora 6).
[...] fomos nos aperfeiçoando com o passar do tempo.
Pesquisando buscando recursos, conversando. Nos
foram oferecidos alguns cursos online para a realização
dessas atividades. A maioria foram realizadas pelo
Falta de
celular (Professora 5).
recursos e
Não, nenhuma formação para operar recursos, estou
conhecimentos
sofrendo muito com isso (Professora 22).
tecnológicos –
Tive que correr atrás, porém o único notebook que
famílias,
temos disponível está sendo revezado entre mim, que
crianças e
também trabalho com uma turma de 4° ano em outra
professoras
escola da rede municipal, meu marido que está
trabalhando em casa, e meu filho que estudo no 9° ano
em uma escola estadual. Sem contar que volta e meia
a nossa internet não funciona por até mais de 24 horas
(Professora 24).
Atender a todos como também em gravar vídeos, me
expor e editá-los! (Professora 36).
[...] eu estou tendo bastante dificuldade, parece que
faço aqueles planejamentos, quando estava na
formação, que as profs. diziam, imaginem tal turma e
façam um planejamento. Parece um faz de conta.
Tenho bastante dificuldade com isso, pois sou muito de
criar as coisas na hora, aproveitar um momento que
Início do ano
surge algo na turma, daí você aproveita e trabalha
letivo
aquilo, mas agora, nem sei como estão, se estão tendo
o mínimo, como alimentos. Outra dificuldade é que os
alunos estavam em adaptação. Nem tínhamos criado
um vínculo afetivo (Professora 26).
Desconhecer as crianças, tivemos apenas quinze dias
de interação (Professora 34).

- 42 -
Limita o trabalho, a variação de possibilidades. A
burocracia institucional que não condiz com a
pandemia, gerando muito cansaço emocional e físico,
pois ficamos além da nossa carga horária disponível
(Professora 15).
Não senti dificuldades em planejar, mas sim como
Condições
organizar o tempo em casa, pois são muitas demandas,
gerais de
como registro em planilhas do retorno de cada criança,
trabalho
produção de vídeos, sou coordenadora preciso além de
planejar orientar as demais professoras e também
estar observando todos os grupos das turmas no
WhatsApp que não tem horário de publicação e
retorno das famílias, as vezes chamam em horários
noturnos (Professora 33).
Fonte: Elaborado pelos autores.

Variadas são as questões que perpassam o atendimento das crianças


durante a pandemia. As professoras, precisaram aprender a utilizar recursos
tecnológicos distintos (como a edição de vídeos, o uso das redes sociais para
postagens de materiais). Porém, tiveram de aprender sozinhas ou com
algumas formações oferecidas pelas redes de ensino. Muitas ainda,
mostraram a precariedade com internet com baixa qualidade ou ainda ter
que dividir os poucos recursos tecnológicos que possuem com outros
membros da família. Isso se repete nas famílias, muitas sem qualquer meio
de comunicação como celular, até não ter como se deslocar até a escola para
buscar “kits” com atividades e propostas. Assim, o desafio que se estabelece
é o de manter e tornar contínuo o contato.
Como já apontado no texto, a relação com as famílias, do contato
inicial à manutenção do vínculo e implementação de atividades e propostas
pedagógicas persiste como um desafio. A pandemia exige que todos, de
algum modo, atuem de modo expandido, além das suas obrigações básicas,

- 43 -
tentando, intermediar e dividir as obrigações no atendimento das crianças
pequenas, complementando a ação que a Educação Infantil carrega,
geralmente sozinha.
Tendo a pandemia encerrado as aulas presenciais ainda nas
primeiras semanas letivas, muitas professoras recém estavam começando a
conhecer as crianças, criando um vínculo inicial. As crianças também estavam
em etapa de adaptação, saindo do ambiente familiar para um outro
ambiente em que ficaria de quatro até sete horas diárias. Portanto, o desafio
de planejar propostas pedagógicas pode ter um viés “imaginário”, como
ressalta a Professora 26, já que, não foi dado tempo suficiente para que as
professoras conhecessem as necessidades das crianças.
Por fim, as condições de trabalho das professoras. Em regime
remoto, as professoras nunca estiveram tão ocupadas com formação
continuada, reuniões, produção de currículos emergenciais, palestras e
rodas de conversas, através das videoconferências e as lives. Seu tempo de
trabalho, que geralmente extrapolava o turno escolar, agora se diluiu, da
manhã até a noite. A exposição das professoras às tecnologias,
obrigatoriamente, tornou-as personagens do jogo midiático que envolve
redes sociais, “produção de conteúdos” e a visibilidade das redes. Através
dos dispositivos móveis e do contato contínuo com a internet seu trabalho
“não acaba nunca”. A conta do isolamento físico e da presença virtual
constante certamente terá que ser avaliada com o tempo. Tudo isso se
manifesta no corpo, no “ter que estar” disponível o tempo todo, no mal-estar
e no cansaço emocional. De certo modo, a pandemia intensificou o regime
das sociedades de controle (DELEUZE, 2008), no qual, a formação continuada
não acaba nunca, o trabalho não termina, e o controle, não está restrito a

- 44 -
um espaço institucional, mas está presente sempre pelas redes sociais e pelo
trabalho remoto contínuo. Nada nunca acaba.
Neste artigo, com o objetivo de problematizar as possibilidades e
desafios da docência na Pré-Escola durante a pandemia de Covid-19, muitos
aspectos foram levantados. É necessário ainda, ao debate público resolver
certos impasses e analisar como instituições e famílias podem atuar
colaborativamente em prol do desenvolvimento integral das crianças. Assim,
vê-se em muitos casos relações fortes entre famílias e profissionais, que
buscam implementar ações, registrar os momentos de vida das crianças,
constituindo algum tipo de atendimento efetivo às crianças. Vê-se também
famílias e crianças que não conseguiram estabelecer uma boa relação com
as professoras, não comparecendo para buscar materiais e propostas ou
ainda não realizando nenhum tipo de registro. Nestes casos, as possibilidades
de uma efetiva Educação Infantil se fragilizam.
Os desafios impostos pela pandemia são muitos. O exercício
feito ao longo destas páginas, antes de impor respostas, trata de
alertar sobre o tema e sua complexidade que envolve redes de ensino,
professoras, gestoras, famílias e crianças.

- 45 -
Referências

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM


EDUCAÇÃO. Educação à distância na Educação Infantil, não!
Posicionamento ANPEd, elaborado com o apoio da coordenação do
GT07 - Educação de Crianças de 0 a 6 anos, Angela Scalabrin Coutinho
e Romilson Martins Siqueira e com a colaboração de Bianca Cristina
Corrêa e Maria Luiza Rodrigues Flores, pesquisadoras do GT07, e dos
pesquisadores Luiz Fernandes Dourado e Salomão Barros Ximenes do
GT05 – Estado e Política Educacional. Anped, [S.l.], 20 abr. 2020.
Disponível em: http://www.anped.org.br/sites/default/files/images/
manifesto_anped_ead_educacao_infantil_abril_2020.pdf. Acesso em:
06 ago. 2020.

BRASIL. Lei n.º 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as


diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Poder
Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em:
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2019.

BRASIL. Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial da
União, Poder Executivo, Brasília, DF, 18 dez. 2009a. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=dow
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pdf&Itemid=30192. Acesso em: 07 jun. 2019.

BRASIL. Parecer nº 20, de 11 de novembro de 2009. Revisão das


Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário
Oficial União, Poder Executivo, Brasília, DF, 09 dez. 2009b. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view
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pdf&Itemid=30192. Acesso em: 18 nov. 2019.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular.Brasíliaa: MEC, 2017.

- 46 -
DELEUZE, Gilles. Conversações, 1972-1990. Tradução de Peter Pál
Pelbart. 7. reimp. São Paulo: Ed. 34, 2008.

HODGES, Charles et al. As diferenças entre o aprendizado online e o


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MOTTA, Flávia Miller Naethe. De crianças a alunos: transformações


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http://www.mieib.org.br/wp-content/uploads/2020/04/POSICIONA
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em: 05 ago. 2020.

- 47 -
TONUCCI, Francesco. O direito de brincar: uma necessidade para as
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2020. Disponível em: http://periodicos2.uesb.br/index.php/praxis
/article/view/6897/4804. Acesso em: 13 ago. 2020.

- 48 -
A etapa da Educação Infantil e a importância da primeira infância
para o desenvolvimento pleno

Eduarda Rodrigues Roubuste13


Graziela Franceschet Farias14

Primeiras palavras...
De quais crianças estamos falando? Qual(is) infância(s)
estamos abordando? A criança da contemporaneidade e a criança da
passagem dos séculos são as mesmas? Entendemos que os tempos e
os espaços, assim como as temporalidades e as espacialidades, têm
potencial influência sobre a dinâmica da construção social da infância
e sobre a constituição de uma pedagogia para as crianças.
A humanidade, socialmente organizada, traça uma
compreensão sobre quem somos, sobre as vivências e experiências
pessoais e coletivas, sobre as relações que se estabelecem e sobre as
identidades que nos constituem. Durante muito tempo, a Educação e
o cuidado das crianças pequenas eram funções sociais prioritárias das
famílias. Era nesse núcleo que as crianças aprendiam sobre
convivência, comportamentos e hábitos. Por um longo período da

13
Graduanda em Educação, UFSM. E-mail: roubusteeduarda@gmail.com
14
Doutora em Educação, UFSM. Orientadora, Professora Adjunta do Departamento
de Metodologia do Ensino – Centro de Educação – CE, Universidade Federal de Santa
Maria – UFSM. E-mail: profegraziela@gmail.com

- 49 -
história da humanidade, não houve instituição que dividisse a
responsabilidade de cuidar das crianças e educá-las, especialmente
aquelas em idade escolar. Ao nos reportarmos ao momento presente,
observamos diferenças em relação a isso, visto que grande parte das
crianças estão contempladas na Educação Infantil de forma a
complementar o cotidiano familiar (BUJES, 2001).
A concepção histórica de progresso para as infâncias só foi
possível com mudanças na concepção sobre as crianças. A sociedade
se posicionou na incansável luta pela Primeira Infância, de modo que
passou a considerá-la uma das fases mais importantes para o
desenvolvimento pleno do indivíduo, assegurados todos os seus
direitos. O debate que se estabeleceu foi árduo e permanece até hoje.
Entre os séculos XVI e XVII, surgem, oficialmente, as escolas.
Nesse mesmo período, surge a Educação Infantil, ao mesmo tempo em
que a sociedade manifestava necessidades específicas para as crianças
muito pequenas e, com o passar do tempo, para a infância. Surgiram,
na mesma proporção, exigências por uma educação compatível com o
progresso da sociedade, do mundo do trabalho e do consumo, de
modo que as crianças não ficassem desamparadas. Assim, surgem as
creches e as pré-escolas de perfil assistencialista, colocando as
demandas pedagógicas em segundo plano.
Porém, foi sendo analisado e compreendido que era necessário
não somente cuidar, como também educar. Percebeu-se, então, que
essas operações não poderiam (e não deveriam) caminhar separadas

- 50 -
quando se trata de uma instituição para crianças (BUJES, 2001). São
operações inseparáveis. Desse modo, a Educação Infantil é
considerada um lugar de desenvolvimento pleno da criança, em que
ela se conhece, conhece o outro, conhece o mundo, desenvolve o
intelecto, o físico, o cognitivo e as emoções.

Cada época tem a sua maneira própria de


considerar o que é ser criança e de caracterizar as
mudanças que ocorrem com ela ao longo da
infância. [...] Portanto, a ideia de sujeito em
formação e de como é vivida a experiência da
infância podem variar de época para época (são
históricas) e as escolhas que fazemos para dirigir
este processo, também (BUJES, 2001, p. 17).

É pensando na criança e nas infâncias da contemporaneidade


que este trabalho aborda questões sobre vivências na Educação
Infantil. Buscamos, através de um olhar sensível e atento, analisar o
cotidiano de crianças na faixa etária entre 3 e 6 anos de idade em
turmas multi-idade. Analisamos como elas se relacionam, realizam
descobertas no dia a dia, constroem o vocabulário, criam, imaginam,
se encantam e compreendem os olhares do e sobre o mundo. A
instituição de ensino na qual esta discussão foi realizada desenvolve
uma proposta que visa ao desenvolvimento pleno do indivíduo para se
relacionar tanto no meio escolar quanto nos contextos em que estão
inseridos fora da escola. Além disso, a interação com as crianças se
constitui pelo valor da escuta, da atenção e das linguagens, pois
importa a autonomia dos pequenos.

- 51 -
Acreditamos que a Primeira Infância é a fase das mais
significativas descobertas. A inquietude é algo que instiga as crianças
em Primeira Infância. Elas se reinventam constantemente, dão graça a
tudo e a todos, dão vida aos objetos e buscam sempre o novo e o
desconhecido, pois são incansáveis. E é nessa busca pelo novo que a
criança, de modo particular e espontâneo, demonstra necessidade em
conhecer as letras, saber para que servem e como usá-las. Desse
modo, importa-nos a análise de como o desenvolvimento pleno da
criança se aproxima do mundo da cultura escrita.

A trajetória da pesquisa: a abordagem qualitativa e a questão do


método
Optamos por uma pesquisa de campo com abordagem
qualitativa, uma vez que não se tem o intuito de quantificar dados. O
estudo foi realizado por um período de seis meses em um tempo
recente e contemplou o uso das observações participantes, realizadas
duas vezes por semana em uma unidade de Educação Infantil situada
na região leste da cidade de Santa Maria, RS. A instituição possui
turmas multi-idade, a saber: cinco turmas de 3 a 6 anos e duas turmas
com crianças com menos de 2 anos de idade.
Focamos em observar as turmas com crianças de 3 a 6 anos,
pois desejávamos compreender as contribuições do desenvolvimento
pleno da criança ao mesmo tempo em que elas se aproximavam do
mundo da leitura e da escrita. Acreditamos que os sentidos e as

- 52 -
habilidades afetivas, visuais, táteis, auditivas, motoras, espaciais e
temporais das diferentes linguagens contribuem para que esse
processo de acesso ao mundo das letras se dê de modo gradual,
espontâneo e significativo.
Como método, adotamos as observações participantes,
realizadas através da ação observante, em que a pesquisadora
interagiu com as crianças a todo o momento por meio de brincadeiras,
diálogos e troca de experiências. Através dessa prática, foi possível
contextualizar o campo de pesquisa, bem como notar e analisar a
rotina e as manifestações esporádicas das crianças. Como técnicas de
coleta e registro de informações, adotamos o caderno de registros,
que permitiu apontar o observável, assim como ponderar
subjetividades, reflexões pessoais e vivências específicas. Para
elegermos alguns relatos espontâneos das crianças, utilizamos as
gravações por áudio e, posteriormente, as transcrições. Além disso,
propusemos e construímos materiais concretos elaborados pelos
protagonistas, tais como desenhos, escritas, recortes e colagens. Tais
materiais foram entregues de modo livre pelas próprias crianças.
Era importante, nesse momento, que a coleta de informações
se desse da forma mais natural possível, de modo que as crianças não
se sentissem incomodadas, vigiadas e/ou expusessem algo através de
“pergunta-resposta”. Foi na confiança mútua com as crianças que elas
se expuseram de forma plena, assim como foi na interação que
compartilhamos falas, gestos, pensamentos e atitudes.

- 53 -
A importância da Primeira Infância e da Educação Infantil para o
desenvolvimento pleno: ser criança é...
A criança é um ser que aprende de acordo com seus interesses
e curiosidades. É a partir do interesse que a criança se movimentará
no sentido da exploração, conhecendo, reconhecendo e
aprofundando saberes prévios. Sabemos que muitas instituições
exercem a “escolarização precoce”, aquela que direciona para o
“pedagógico disciplinado” em vez de trabalhar com a experimentação,
os centros de interesses e a autonomia das infâncias. Já outras
instituições se modificaram e trabalham de modo a perceber as
infâncias, em que “predominam o sonho, a fantasia, a afetividade, a
brincadeira, as manifestações de caráter subjetivo” (BUJES, 2001, p.
17).
Considerar o desenvolvimento pleno é compreender que
educar e cuidar caminham lado a lado, especialmente na Educação
Infantil. Não podemos distorcer as funções da etapa da Educação
Infantil, a qual nada tem a ver com assistencialismo, tampouco com
antecipação da idade escolar. As concepções de educar e cuidar são
indissociáveis, pois parte-se da premissa de que a criança, sendo um
sujeito de direito, possa o desenvolvimento pleno ter garantido,
estando imersa em um mundo de descobertas significativas e de muita
afetividade.

- 54 -
A escolha por essa unidade de Educação Infantil se dá por
entendermos que ela possibilita que as crianças descubram e
experienciem a criatividade e as fantasias e, a partir disso, criem
interesses de modo espontâneo e autônomo. Para reforçar e endossar
nossa escolha, selecionamos alguns trechos de falas das crianças,
carregadas de representações sobre o contexto e o universo das
experiências.
A chegada à escola é um encontro renovado. Percebemos esse
momento como se estivéssemos em um lugar novo todos os dias. Os
espaços nas salas de aula eram trocados diariamente e o ambiente era
organizado pelos interesses. Esses espaços, às vezes, eram compostos
por objetos prontos, como brinquedos – panelas, colheres, copos,
pratos, bonecas, dinossauros, carros, entre outros –; em outros
momentos, por objetos aleatórios expostos, como palitos, cordas,
gravetos, madeiras, papéis, canetas, tintas, giz de cera, entre outros.
As professoras não diziam como e com quais objetos as crianças
deveriam brincar. Elas iam para os espaços de acordo com seus
interesses e criavam a brincadeira de acordo com seus pensamentos e
suas vontades naquele momento.
Para Edwards, Gandini e Forman (2016), assim como para o
grupo com o qual estivemos em convivência por esse período,
descobre-se, no dia a dia, que há diversos modos de tomar o espaço,
os quais o consideram mais que um local útil e seguro onde podemos
passar horas ativas. Tais espaços se tornam agradáveis e acolhedores

- 55 -
e nos contam, especialmente pela leitura visual, sobre as rotinas e a
complexa trama de relações que se estabelecem na interação. Desse
modo, colocamo-nos como atentos observadores e ouvintes,
buscando apreender a evolução das crianças nesses seis meses de
observação, verificando e acompanhando seu desenvolvimento pleno
a partir do lúdico, da experimentação e da autonomia para a entrada
no ambiente letrado.
Como as turmas são multi-idade, é compreensível analisarmos
o desenvolvimento afetivo das crianças. As de 3 anos de idade estão
iniciando a fase do “desapego” dos pais – especialmente das mães. De
acordo com Santos (1999), “isso tem algumas razões visíveis, já que [a
criança] possui maior capacidade de pensamento e linguagem. Por
isso, não necessita da presença constante do adulto, porque pode
chamá-lo no momento oportuno” (p. 82, adaptado). Já as crianças de
4 anos em diante, começam a exercer a autonomia, experienciam tudo
sem receios e procuram chamar as demais crianças para participarem.
Assim, a interação entre as faixas etárias distintas faz com que os
menores desenvolvam a afetividade emocional ainda mais rápido, sem
a dependência de um adulto. No diálogo transcrito a seguir, que se deu
entre uma criança de 3 anos e outra de 5 anos, podemos observar esse
fenômeno:

Criança A: olha, vem ver essas bolinhas...


Criança B: eu tenho medo dessas bolinhas
coloridinhas.

- 56 -
Criança A: mas elas não machucam, olha só. (então
a criança A colocou as bolinhas de silicone na mão
da criança B e a mostrou que as bolinhas não
machucavam).
Criança B: mas quando apertamos elas machucam
a mão.
Criança A: não machucam olha só.

A criança B demonstrou ter receio pelo objeto analisado.


Talvez, em alguma experiência vivenciada por ela, alguém pode ter lhe
dito que as bolinhas machucam ou até mesmo ter construído essa
impressão. Além do diálogo em que trocam experiências, a criança B
superou um dos medos da criança A.
Em outro momento, foi possível analisar uma brincadeira com
pintura em que cinco crianças de diferentes idades estavam
brincando. Três delas pintavam, com tinta e pincel, um papel pardo
que faziam de quadro. Nessa brincadeira, as crianças que estavam
sentadas diziam o que as demais crianças deveriam desenhar e,
posteriormente, relatavam se o desenho ficou parecido com o objeto
observado. O desenvolvimento visual e tátil se manifesta de forma a
projetar a realidade: através do tato, a criança analisa as formas, o
tamanho e a geometria dos objetos; com a visão, os identifica. As
experiências táteis são tão importantes quanto as experiências visuais,
pois, sem olhar para as modelagens do objeto, a criança apalpa e
“sente” a forma, conseguindo fazer muitas coisas impossíveis no
desenho ou na pintura (SANTOS, 1999, p. 83).

- 57 -
Do mesmo modo, sabe-se o quanto o desenvolvimento
auditivo é importante para a criança se expressar. É importante
escutar os sons para que ela mesma emita seu próprio som vocal e
corporal. Santos (1999, p. 85) destaca a importância da sonoridade
para a criança, conforme fragmento abaixo:

Ela é geradora de muitos sons, como o choro, a


palavra: os que ela pode fazer com o seu corpo e
também aqueles que pode criar com os materiais.
Por isso, pode ser um emissor ativo, e não somente
um receptor passivo. [...] A expressão sonora é algo
próprio, ela é elaborada e emitida pela criança.

Um dos movimentos que a criança mais gosta de fazer é dar


som às coisas. Além disso, a forma de expressão é única para cada
sujeito. Em um dos momentos da observação, havia dois livros que
emitiam sons. Um dos livros era de animais e, ao virar as páginas, os
sons eram reproduzidos; o outro livro tinha suporte para apertar e
produzir sons de animais, da água, das árvores, entre outros sons.
Nesse momento, havia algumas crianças próximas e um dos meninos
foi até a prateleira de livros e pegou o livro dos animais e disse:

Criança A: Vou começar a ler, me escutem...


(algumas das crianças começaram a prestar
atenção. Ao começar a contar a história, o menino
relatava de acordo com as imagens que via. Além
disso, reproduzia os sons do livro com sua voz).

Logo, outro menino pegou o segundo livro que reproduzia sons


e disse:

- 58 -
Criança B: Eu também quero ler.
Criança A: Só me deixa terminar primeiro, tá bom?
Menino B: Tá.

Através da audição, as crianças começam a exercitar a escuta,


analisando-a, adequando o tom de voz em um diálogo e percebendo
o som dos objetos, dos animais, das pessoas e dos instrumentos.
Podemos analisar que, no diálogo acima, as crianças criam sozinhas
uma conversa na qual se entendem, criam regras para a brincadeira,
exercitam a escuta, o respeito e, principalmente, mostram, de forma
mais concreta, o interesse pelas letras.
O desenvolvimento motor é uma das capacidades que se
mostra de forma nítida. O uso do corpo e o movimento que produzem
através dele é essencial para as crianças em qualquer atividade, seja
para as necessidades básicas ou para as brincadeiras. Elas percebem a
força do corpo, o limite, o equilíbrio e várias outras formas que podem
usá-lo. Em um dos dias que as crianças brincaram no pátio, ocorreu o
seguinte diálogo:

Criança A: Vamos brincar de desafio? Eu vou


colocar essa pedra aqui, você tem que pegar ela,
correr, bater naquela parede e depois vir bater na
minha mão, tá?
Criança B: Tá bom.

Intuímos que a brincadeira tenha começado com duas crianças


e, depois de um tempo, as demais foram se aproximando, até que

- 59 -
estavam em seis crianças brincando de “desafio”. Santos (1999, p. 88)
aponta que “as possibilidades motoras dessa fase, somadas às
características de curiosidade, espírito de aventura e descoberta,
tornam a criança um MEXILHÃO. Correr e mexer são suas atividades
principais”.
Em relação ao desenvolvimento de habilidades temporais e
espaciais, observamos, no diálogo, que as crianças maiores, de 5 e 6
anos, percebem a passagem do tempo e assumem percepções sobre
ele no que se refere ao passado, ao presente e ao futuro. Um exemplo
que pode elucidar essa compreensão se dá quando estão conversando
com alguém e dizem para outra pessoa “já estou indo aí”, ou quando
estão brincando e dizem “não demora” ou “vai rápido”. A
compreensão e a organização espacial são demonstradas a partir das
brincadeiras, como, por exemplo, quando dizem “aqui fora”, “lá em
cima” ou “na outra casinha”.
Por fim, no desenvolvimento da linguagem oral, notamos que,
para desenvolver qualquer outra capacidade, a criança precisa da
linguagem, seja ela corporal, vocal ou expressiva. A criança começ pelo
simbolismo, em que ela recria os objetos, dando-lhes novas funções.
A criança recria porque sabe que, na ausência de determinado objeto,
ela pode vê-lo em algum material que se assemelha (SANTOS, 1999).
É nessa noção da lembrança sobre algo que se inicia o
desenvolvimento da linguagem oral e, concomitantemente a ela, a

- 60 -
escrita. Se falamos em algo que estamos pensando, podemos
“escrever” o que estamos falando.
Inúmeras vezes, as crianças reproduziam, pela expressão
verbal, o que viam nos livros. Contavam histórias para os colegas de
acordo com suas imaginações, fazendo uso das imagens. Inúmeras
foram as vezes que observamos as brincadeiras que se baseiam em
“professor e aluno”, em que uma das crianças escreve e a outra cópia.
Além disso, os interesses através de desenhos e histórias faziam com
que pensassem que estava faltando algo: a escrita. Em determinado
dia, duas meninas de 5 anos se sentaram a uma mesa com folhas, lápis
e borracha, começaram a conversar e a chamar a professora regente
para ajudá-las a escrever uma história.
Embora o planejamento dos professores da escola se baseie na
oferta de espaços para que as crianças possam querer ir até eles pela
vontade própria/de forma espontânea, não é planejado executar
atividades pedagógicas de forma direta. Mas como surgiu do interesse
das crianças, a professora dispôs do alfabeto móvel, sentou-se junto
às crianças e começou a formar palavras de acordo com a história que
elas contavam. Cada uma das crianças fez o seu livro com desenhos e
escrita. A escrita do livro de uma das meninas foi a seguinte:

A menina e a flor (título)


Era uma vez uma mena que estava a caminha
Até que a flor sumiu do nada
Ate que sua mãe achou

- 61 -
Estava chovendo e ela achou a flor
Quando o sol apare a filha que pegou a flor

Em sua escrita, a criança quis dizer: “A menina e a flor (título) –


Era uma vez uma menina que estava caminhando. Até que a flor sumiu
do nada. Até que sua mãe a achou. Estava chovendo e ela achou a flor.
Quando o sol apareceu, a filha que pegou a flor”. Podemos notar que
a criança pensou na história de acordo com aquelas que já escutou por
adultos, isto é, ela apresentou um enredo para a história, demarcando
um início triste e um final feliz.
O fragmento foi coletado no final da pesquisa. Todos os relatos
mencionados ocorreram de acordo com o tempo da observação
participante, ou seja, as brincadeiras e as manifestações iniciais das
crianças não eram as mesmas depois de quase seis meses. Seus
interesses se modificaram de acordo com o tempo. As mudanças de
interesses foram se concretizando de acordo com a comprovação de
que o que estavam fazendo há um tempo já estava sendo muito fácil
e precisavam experienciar aquilo que ainda não dominavam. Assim,
adentraram, aos poucos, no mundo da escrita.

O papel do professor da Educação Infantil: estimulando a oralidade


e a escrita de modo espontâneo
Compreendemos que o foco da Educação Infantil não é a
“escolarização precoce”, aquela que foca em vencer conteúdos, como
em outras etapas. Pensando nisso, abordamos as habilidades que

- 62 -
auxiliam no desenvolvimento pleno das crianças, instigando o
interesse pelas letras. Há um momento durante as fases do
desenvolvimento infantil que surge a necessidade de escrever aquilo
que se pensa, que se vê e que se quer falar.
Como já abordamos, para chegar ao interesse pela escrita, a
criança, primeiramente, precisa explorar a linguagem.

O desenvolvimento da linguagem oral, portanto,


não se dá nem natural nem magicamente, mas
através da qualidade da interação do adulto com a
criança, da interação entre as próprias crianças e,
inclusive, dos momentos em que as crianças
passam diante da televisão (FILHO, 2001, p. 136).

É essencial que os adultos articulem momentos para dialogar


com as crianças – até mesmo em pequenas falas –, que as instiguem a
falar, explorar o vocabulário e experienciar a linguagem oral. O
pedagogo é o profissional da Educação com formação específica e que
desempenha papel fundamental nesse processo de desenvolvimento
humano pleno.
Esse profissional se coloca no papel fundamental de
provocador, estabelecendo vínculos e encorajando as crianças a novas
oportunidades. É a partir da confiança que se estabelece entre ambos
que as crianças se sentirão seguras. Nesse momento, o professor
precisa inovar as práticas de modo a qualificar as habilidades sem que
as crianças percebam. O professor pode, então, utilizar estratégias
para ampliar o vocabulário sem fazer com que as crianças passem por

- 63 -
constrangimentos, sem dizer se estão certas ou erradas ou que devam
falar de outra maneira, conforme Filho (2001, p. 136) destaca:

Se os adultos não se dirigem às crianças através da


fala – natural, espontânea e intencionalmente [...]
estas crianças ficarão privadas de modelos de
falantes e de falas que signifiquem esta linguagem
na intermediação, na interação entre elas e os
adultos, entre elas e o mundo.

O momento em que a criança se dá por conta de que precisa


de algo mais, de algo que vai além da fala, que precisa fazer como os
adultos – que se manifestam também através da escrita –,
indiretamente, adentram no mundo da escrita.
De acordo com Gabriel Filho (2001, p. 141),

[...] na educação infantil, estaremos, em processo,


lendo e escrevendo com as crianças, ou seja,
começaremos a exploração da linguagem escrita
com elas e continuaremos a fazê-lo – sem o
compromisso ou o objetivo de alfabetizá-las – até
o final deste período da escolaridade.

Isso não quer dizer que estamos fugindo das responsabilidades


como professor e do ensino da leitura e da escrita. Pelo contrário:
devemos nos preparar para disponibilizar respostas às crianças de
acordo com suas dúvidas/curiosidades sem que as desanimemos ou as
tornemos inferiores devido à complexidade da alfabetização. É preciso
que, às crianças, seja apresentada a real função, a importância e por
que devem ler e escrever (FILHO, 2001).

- 64 -
É necessário que o professor instigue a criança a pensar de
onde vêm as letras, onde elas se encontram (seja na escola ou fora
dela). Também é importante perguntar sobre a função das letras, para
que elas existem, o que fazemos com elas, entre várias outras
perguntas que dão suporte para que se conheça melhor as letras
(FILHO, 2001). Mas Filho (2001, p. 142) adverte: “é importante
lembrar, essas pesquisas e discussões só farão sentido se houver da
parte das crianças indícios de que estão interessadas nesse universo
da leitura e da escrita” (FILHO, 2001, p. 142).
Com base nessas concepções, acreditamos que os relatos
destacados ao longo deste trabalho nos apresentam um modo de
conceber e perceber a Educação Infantil. Nesse contexto, é importante
e necessário desenvolver a criança de forma plena, sem o intuito de
alfabetizá-la, mas apresentando-a aos ambientes alfabetizadores e às
possibilidades existentes na relação com os pares e com o mundo,
despertando interesses e curiosidades.

Considerações finais
Buscamos evidenciar a importância da Primeira Infância.
Devemos valorizá-la, consolidando uma concepção teórico-prática,
pois é através dela que o indivíduo começa a mergulhar na descoberta
do mundo e nas relações com o outro. Precisamos ver as crianças
como seres ativos, autônomos e potentes para adquirir novos saberes,
respeitando seus tempos e interesses.

- 65 -
Além disso, é através dos desenvolvimentos afetivo, visual, tátil
auditivo, motor, espacial, temporal e da linguagem oral que a criança
se desenvolverá de modo pleno. Ademais, são essas possibilidades de
desenvolvimento que levam o sujeito a adentrar no mundo da escrita,
uma vez que, para desenvolver todas as suas habilidades, é necessária
a linguagem (oral, expressiva, corporal), a qual, em determinado
momento, irá impor a exigência do uso da escrita, da curiosidade em
conhecer as letras e de saber para que servem.
Sem concluir essa discussão, indicamos que a Educação Infantil
é uma etapa fundamental, especialmente pela mediação do(a)
Professor(a) Pedagogo(a). É esse profissional que possibilitará que as
crianças descubram novos saberes, estimulando-as. É o professor, com
a parceria fundamental da família, que fará com que as crianças
acreditem nelas mesmas e possam se interessar pelos assuntos de
forma prazerosa e autônoma. Reforçamos que a Educação Infantil não
tem o intuito de alfabetizar. Porém, isso não quer dizer que não
podemos introduzir as crianças em ambientes alfabetizadores, cujo
foco sejam os centros de interesse e as trocas de experiências entre
pares.

- 66 -
Referências

BUJES, M. I. E. Escola Infantil: Pra que te quero? In: CRAIDY, C. M.;


KAERCHER, G. E. P. da. S. (Org.). Educação infantil: pra que te quero?
Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 13-22.

EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança:


a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância.
Tradução: Dayse Batista. Porto Alegre: Penso, 2016. p. 295.

FILHO, G. de. A. J. Conversando, lendo e escrevendo com as crianças


na educação infantil. In: CRAIDY, C. M.; KAERCHER, G. E. P. da. S. (Org.).
Educação infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001. p.
135-152.

SANTOS, S. M. P. dos. Brinquedo e infância: um guia para pais e


educadores em creche. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. p. 120.

- 67 -
O processo de inserção inicial da criança na Educação Infantil

Cristiane Alves Dalla Porta15


Kelly Werle16

Introdução
O referido trabalho tem como referência a pesquisa de Dalla
Porta (2019), a qual focaliza o processo de inserção inicial da criança
na Educação Infantil. O tema possui relevância tendo em vista que, as
crianças estão passando a frequentar a escola, cada vez mais cedo, e
faz-se necessário refletir sobre a maneira como está ocorrendo a
transição de um ambiente familiar para o ambiente escolar. Além
disso, torna-se imprescindível elucidar pressupostos teóricos que
possam servir de subsídios para a compreensão do que este processo
de inserção inicial na escola representa, não somente para as crianças,
mas, também para os familiares e os professores.
Nesse sentido, a pesquisa apresenta como questões de
pesquisa: Como ocorrem as relações entre a criança, a família e a
escola, durante o processo de inserção inicial na Educação Infantil?
Como os pais percebem o processo de inserção da criança no
ambiente escolar? Como as professoras concebem e atuam durante

15
Graduada em Pedagogia, UFSM.
16
Doutora em Educação, UFSM. Professora do Departamento de Metodologia do
Ensino da UFSM.

- 68 -
esse período de inserção da criança na Educação Infantil? Como esse
processo repercute para as crianças?
O objetivo geral da pesquisa foi pesquisar as relações entre a
criança, a família e a professora, durante o processo de inserção inicial
na Educação Infantil. Como objetivos específicos buscou-se: (a)
entender como os pais percebem o processo de inserção do(a) filho(a)
na Educação Infantil; (b) compreender como as professores concebem
e quais práticas utilizam durante esse processo de inserção da criança;
(c) analisar o comportamento e as manifestações das crianças durante
a inserção inicial na escola.
O artigo está organizado de modo a possibilitar uma articulação
teórico-prática, trazendo os resultados da pesquisa para dialogar e
problematizar conjuntamente com os pressupostos teóricos. Dessa
forma, após apresentar o caminho metodológico percorrido e as
opções teórico-metodológicas adotadas, as demais sessões do texto
irão proporcionar um panorama crítico-reflexivo acerca da inserção
inicial na escola, justificando, inicialmente, a opção por não utilizar o
termo adaptação, o qual é mais frequentemente referenciado no
cotidiano da escola de Educação Infantil, a partir de Oliveira (2011) e
Pantalena (2010). Na sequência, aborda-se uma discussão acerca da
tríade: criança, família e professora, buscando contemplar os
significados da inserção inicial na escola para os diferentes sujeitos
envolvidos, a partir dos estudos de Bove (2002), Bowlby (1998),
Rossetti-Ferreira, Amorim e Vitória (1994) e Winnicott (1975).

- 69 -
Caminhos da pesquisa
A pesquisa constituiu uma abordagem qualitativa, sendo
desenvolvida através de um estudo de caso no contexto de atuação
prática da pesquisadora junto a uma turma de Maternal I, com
crianças de 3 e 4 anos de idade. Os instrumentos metodológicos
utilizados foram: a entrevista e a observação participante no cotidiano
vivenciado com as crianças.
De acordo com Yin (2001), o estudo de caso contribui, de forma
inigualável, com a compreensão de fenômenos individuais,
organizacionais, sociais e políticos. “O estudo de caso é uma
investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo
dentro de seu contexto da vida real, especialmente, quando os limites
entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN,
2001, p. 32).
O estudo de caso, aplicado à pesquisa, permite uma
investigação a partir do levantamento de dados empíricos, a fim de
possibilitar uma discussão. “O estudo de caso conta com muitas das
técnicas utilizadas pelas pesquisas históricas, mas, acrescenta duas
fontes de evidências que, usualmente, não são incluídas no repertório
de um historiador: observação direta e série sistemática de entrevistas
(YIN, 2001, p.27). Este método diferencia-se das pesquisas históricas
por proporcionar a análise das evidências, a partir de uma variedade
de instrumentos, incluindo, também, a observação participante.

- 70 -
Como sujeitos da pesquisa participaram: a professora da
turma, cinco mães e 23 crianças da turma do Maternal I, de uma escola
municipal de Ensino Fundamental da cidade de Santa Maria/RS.
Destaca-se que, a turma do Maternal I são as crianças mais novas que
ingressam nessa instituição, que também oferta turmas de Educação
Infantil para além dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental.
As observações participantes foram realizadas durante todo o
período letivo de 2019, iniciando no mês de fevereiro, acompanhando,
portanto, todo o processo de inserção inicial das crianças da turma.
Em relação aos questionários, foram elaborados dois roteiros: um
conjunto de perguntas específicas para a professora e outras
perguntas destinadas aos familiares das crianças.
Como modo de respeitar os padrões de ética na pesquisa,
adotou-se o termo de consentimento livre e esclarecido, bem como,
optou-se por não revelar a identidade das mães, da professora e das
crianças, utilizando as iniciais do nome e sobrenome desses sujeitos.
Os resultados obtidos através das observações e das
entrevistas passaram por um processo de análise baseado nas
proposições teóricas da pesquisa (YIN, 2001), os quais possibilitaram
tecer reflexões acerca das representações referente à inserção inicial
da criança na escola, sob a ótica dos diferentes sujeitos envolvidos:
crianças, família e a escola - representada na pesquisa pela professora
da turma.

- 71 -
Por que falar de inserção na Educação Infantil?
A etapa da Educação Infantil compreende o atendimento à
criança na faixa etária de zero aos cinco anos e onze meses de idade,
dessa forma, para efeito das DCNEIs, é definida como:

Primeira etapa da Educação Básica, oferecida em


creches e pré-escolas, as quais se caracterizam
como espaços institucionais não domésticos que
constituem estabelecimentos educacionais
públicos ou privados que educam e cuidam de
crianças de 0 a 5 anos de idade, no período diurno,
em jornada integral ou parcial regulados e
supervisionados por órgão competente do sistema
de ensino e submetidos ao controle social (BRASIL,
2010, p.12).

A Educação Infantil, como primeira etapa da educação básica,


tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis
anos de idade, de modo que possam ser asseguradas condições que
priorizem o educar e o cuidar de forma indissociável, considerando a
criança como um sujeito protagonista que possui uma história,
culturas, valores e vínculos anteriores à sua experiência na escola
(BRASIL, 2010).
Neste contexto, como é uma etapa que envolve bebês e
crianças muito pequenas, as quais estão entrando cada vez mais cedo
na escola, precisamos pensar na maneira como essas crianças estão
saindo do seu ambiente familiar e passando a se inserirem em um
ambiente escolar. É necessário refletir sobre esse momento de

- 72 -
transição e entender como acontece o processo de inserção da criança
na Educação Infantil.
De acordo com Rossetti-Ferreira, Amorim e Vitória (1994), o
período da entrada da criança em uma creche, é um momento crítico
para todos os envolvidos: pais, crianças e professores. Trata-se, na
realidade, da primeira transição, de um ambiente familiar para o
ambiente escolar, com todas as repercussões de um grande evento na
vida de cada indivíduo.
O processo de inserção da criança na Educação Infantil,
frequentemente, é denominado e entendido por muitos autores e
professores como “período de adaptação escolar”, referindo-se ao
momento em que as crianças se integram ao novo ambiente escolar.
Contudo, ainda que o termo adaptação venha sendo utilizado no
cotidiano escolar e, até mesmo, referenciado em alguns estudos,
atualmente, problematiza-se o seu uso. Oliveira (2011) define a
palavra adaptação como ação ou efeito de se adaptar a um ambiente.
Neste sentido, muitos estudiosos vêm optando em utilizar o
termo inserção, pois compreendem esse momento como um processo
inicial de ingresso da criança à escola. A família, a criança e escola são
prioridades para o processo de inserção e desenvolvimento do sujeito.
Como nos alerta Oliveira (2011, p.17), “não pode significar
simplesmente, o ajustamento ou amoldamento da criança no espaço
escolar, mas, um processo complexo que envolve uma interação e

- 73 -
flexibilidade de todos os envolvidos em busca de seu bem-estar
psicológico e social”.
Pantalena (2010), em seu estudo, considera que o termo
adaptação propõe uma prática pedagógica que visa o ajustamento do
indivíduo à instituição de ensino, ou seja, às condições do meio
ambiente. A autora faz uma crítica à concepção de adaptação vigente
e ao tipo de processo ocorrido nas instituições.

O termo adaptação é bastante apropriado, pois seu


principal objetivo é que a criança se adapte à
instituição, ou seja, ajusta-se às condições do meio
ambiente, conforme Ferreira (2010), que atribuiu os
seguintes significados: acomodado, amoldado,
ajustado ao meio social em que vive. Assim, a criança
e família bem adaptadas são aquelas que enquadram
perfeitamente nas regras e rotinas da instituição
(PANTALENA, 2010, p.16).

Dessa forma, o termo inserção é mais adequado e significa o


ingresso da criança à instituição, através de um processo integrado,
envolvendo a família, a criança e escola. Pantalena (2010), aponta a
necessidade de acolhimento das famílias das crianças, entendendo
que o processo de inserção já se inicia quando os pais efetuam a
matrícula da criança, conhecem o espaço físico, preenchem
questionários sobre os hábitos e gostos da criança ou família,
participam de um encontro com o(a) professor(a) e recebem as
informações necessárias da instituição de ensino. De modo que, o

- 74 -
segundo momento desta inserção ocorre quando a criança vem para
a instituição.
Esse processo de acolhimento das famílias, proposto por
Pantalena (2010), nem sempre ocorre nas escolas. Durante a trajetória
profissional da pesquisadora, no âmbito do estágio extracurricular,
vivenciaram-se situações em que as escolas realizavam momentos
pontuais de atenção à família somente nos primeiros dias de inserção
da criança, geralmente, no início da primeira semana de aula. Além
disso, há escolas em que os pais não conhecem, previamente, os(as)
professores(as) que irão atuar com a criança e, vice-versa, os(as)
professores(as) não conhecem os pais das crianças com quem ficarão
no ambiente escolar. Essa ausência de momentos longitudinais de
acolhimento e trocas importantes sobre a criança, repercute em um
processo de inserção mais complicado, pois não se constitui um
trabalho integrado.
Conforme autores italianos e sua proposta educacional, a qual
constitui referência no atendimento à primeira infância, existe uma
abordagem para inserção chamada de inserimento. Conforme Bove
(2002, p. 135)

é o termo que para nós (italianos), denomina a


estratégia de dar início a uma série de
relacionamentos e comunicações entre adultos e
crianças quando a criança está ingressando em
uma creche ou pré-escola pela primeira vez. O
conceito italiano de inserimento designa o

- 75 -
processo inicial de acolhida da criança à nova
comunidade.

O inserimento é pensado e realizado de maneira ampla e


cuidadosa. Durante esse processo, o(a) professor(a) procura perceber
como agem os pais, e essas relações estabelecidas com a família
proporcionam à criança a possibilidade de construir uma relação com
a(o) professor(a), constituindo, aos poucos, uma referência afetiva
com ele(a).
Neste contexto, a inserção e o acolhimento da criança na
Educação Infantil é um processo mais complexo do que acostumar-se
com o espaço, com as pessoas, adaptar-se à rotina da instituição e
suportar o distanciamento dos pais. Tratar sobre a inserção da criança
na Educação Infantil envolve discutir acerca da tríade entre criança,
família e escola, aspectos que serão abordados nos próximos tópicos
do texto.

A criança e o processo de inserção na Educação Infantil


Nesta seção do texto busca-se compreender o processo de
inserção inicial na escola, a partir dos significados e das
representações que esse momento pode ter para a criança pequena.
Para tanto, é importante considerar que, na maioria das vezes, a escola
de Educação Infantil é um dos primeiros contatos da criança com
pessoas e com um espaço diferente para além da família e da sua casa.
Neste sentido, ficar na escola pode ser um grande desafio para a

- 76 -
criança que está sendo afastada, momentaneamente, das pessoas
com as quais conhece, possui vínculo afetivo, sente-se segura e
protegida.
Através do cotidiano vivenciado junto às crianças de 3 anos de
idade, da turma do Maternal I, observou-se que as ações das crianças
durante as primeiras inserções na escola, variaram bastante. Para
algumas crianças, ficar na escola foi um processo tranquilo, aos poucos
foram conhecendo o espaço, fazendo amizade e construindo vínculos
com os colegas e com a professora. Mas, para outras crianças foi um
momento difícil ter que permanecer na escola, choravam bastante,
não queriam ficar dentro da sala de aula, pediam pela presença da
mãe. Uma das crianças, no início do processo de inserção, chorava o
tempo todo, muitas vezes, a professora pegava no colo e a levava até
a janela para que pudesse ver a sua mãe, e assim se acalmasse.
Neste contexto, as ações das crianças expressam um
desconforto, configurando um processo lento e complexo. A
insegurança e o medo do abandono, dificultam, muitas vezes, a
construção de novos vínculos no seu ambiente escolar. Por isso, não é
possível estipular um período específico para a inserção da criança na
escola, pois cada criança possui o seu tempo.
Para Rossetti-Ferreira, Amorim e Vitória (1994), quando esse
processo é malconduzido traz prejuízos não apenas à criança, mas
também à creche e ao(à) professor(a) responsável por aquele grupo
de crianças, cujo o trabalho se torna mais difícil e complicado.

- 77 -
Durante a inserção da criança na Educação Infantil é
importante que a família possa participar desse processo, ajudando na
construção de novos vínculos com a professora, tornando-a, aos
poucos, uma figura de referência afetiva para a criança. A presença e
a segurança familiar é, certamente, uma condição importante para
que a criança aceite, de forma positiva, o novo ambiente e esteja
disponível a estabelecer novos vínculos.

[...] quando a mãe está presente ou seu paradeiro


é conhecido e ela está disposta a participar num
intercâmbio amistoso, a criança geralmente deixa
de apresentar o comportamento de ligação e
prefere explorar o ambiente. Nessa situação, a mãe
pode ser considerada como fornecedora de uma
base segura a partir da qual a criança fará suas
explorações e à qual regressará, sobretudo,
quando se cansar ou se assustar (BOWLBY, 1990,
p.125).

Destaca-se que, no contexto atual, o papel de referência


afetiva não é desempenhado apenas pela mãe, haja vista a diversidade
de constituições familiares e a busca por relações mais igualitárias
entre homens e mulheres. Neste sentido, é importante que outras
pessoas do núcleo familiar com as quais a criança possui importante
vínculo afetivo, também possam acompanhá-la neste processo.
Segundo Bowlby (1998), para a criança separar-se dos pais ou
familiares, mesmo que seja temporariamente, pode causar um
transtorno, pois ela não tem a mesma dimensão da passagem do

- 78 -
tempo do adulto. O comportamento adotado pelas crianças pode ser
comparado aos sentimentos e às reações que os adultos apresentam
durante uma separação prolongada ou permanente, como, por
exemplo, no caso da morte de uma pessoa estimada.
A criança expressa esse sentimento de várias maneiras durante
o processo de inserção, de modo que, o choro é a mais frequente,
gerando preocupações e aflições dentre os(as) professores(as) e a
família. Contudo, os(as) professores(as) precisam ficar atentos(as) em
todas as atitudes das crianças, afinal, não é porque a criança não chora
que significa que ela está bem. O(a) professor(a) que está em processo
de conhecimento da criança, ainda não tem um padrão de
comparação, por isso, é necessário, o cuidado em todas as
manifestações das crianças.
No momento da inserção inicial é comum que algumas crianças
tragam de casa algum objeto significativo, o qual elas mantêm próximo
e carregam consigo por um certo tempo, o que se entende por objeto
transicional. Esse objeto, muitas vezes, é algo que simboliza seus pais
ou familiares, constituindo-se em uma forma de auxiliar a criança a
fazer a transição do ambiente familiar para a escola, promovendo seu
bem-estar e segurança emocional.
Para Winnicott (1975), o objeto transicional, inicialmente, é
aquele que o bebê se apega e proporciona a sensação de segurança,

- 79 -
pois, simboliza a mãe17, na sua ausência. Mesmo sem ver a mãe, a
criança pode sentir conforto e o suporte dela, que está representado
por aquele objeto.

Falam-me sobre toda a espécie de objetos que


foram adotados pelo bebê, que se tornam
importantes, que são chupados ou abraçados, e
que reconfortam o bebê nos momentos da solidão
e insegurança, proporcionando consolo, ou atuam
como sedativo. Tais objetos, estão a meio caminho
entre ser parte da criança e ser parte do mundo
(WINNICOTT, 1975, p. 20).

No decorrer do desenvolvimento do bebê, ele vai substituindo


esses objetos iniciais, que podem ser chupetas, mordedores ou
pequenos pedaços de pano, por outros elementos como, por exemplo,
determinado(a) boneco(a), urso, ou ainda outros objetos mais
específicos que são significativos no contexto cultural e familiar da
criança. Para citar outros exemplos, presenciou-se situações em que
uma criança permanecia segurando o relógio do pai e outra criança
carregava uma peça de roupa da mãe dentro da mochila, recorrendo
a ela sempre que sentisse saudades.
Através do objeto transicional, a criança lida um pouco melhor
com a ausência dos familiares, pois esse objeto constitui um ponto de
conforto emocional ao representar, de alguma uma forma, essas
pessoas com as quais têm forte vínculo afetivo e encontra segurança.

17
Entende-se que pode representar não apenas a mãe, mas também outra pessoa
afetivamente importante para a criança a qual compõe seu núcleo familiar.

- 80 -
Dessa forma, não se pode confundir objeto transicional com
brinquedo, ainda que determinados brinquedos, especialmente
significativos para a criança e sua família, também possam cumprir
essa função. O significado e a importância do objeto transicional para
a criança, transcende a função de brinquedo, e não pode ser
padronizado em regras que são recorrentes nas escolas como “dia do
brinquedo”. Além de não haver sustentação teórica para manter esse
tipo de regra, haja vista que, o trabalho pedagógico na Educação
Infantil possui como eixo norteador, as interações e as brincadeiras
(BRASIL, 2010), desconsideram-se os efeitos do objeto transicional
para a segurança emocional da criança no início do processo de
inserção à escola.
Como relato de experiência, vivenciou-se uma situação em que
um menino de três anos de idade, em fase inicial de sua primeira
inserção na escola, foi barrado pela professora na entrada da sala de
aula, por estar abraçado a um boneco, sob o argumento de que não
era “o dia do brinquedo”. A criança em questão, já iniciando um choro,
expressa à professora “Eu já te disse que o Pedro não é um brinquedo,
ele é meu amigo!”, na tentativa de demonstrar o conforto emocional
presente em seu objeto transicional, o qual também era utilizado pela
criança para dormir à noite.
A necessidade de algumas crianças levarem consigo
brinquedos e/ou objetos significativos à escola está expressa através
dos “Critérios para um atendimento em creches que respeitem os

- 81 -
direitos fundamentais das crianças” (BRASIL, p. 26, 2009): “Nossas
crianças têm direito de trazer um objeto querido de casa para ajudá-
las na adaptação à creche: uma boneca, um brinquedo, uma chupeta,
um travesseiro”.
A partir dos elementos expostos nesta seção, destaca-se que,
para a criança, o processo de inserção na Educação Infantil envolve
ampliar as referências afetivas tidas, inicialmente, com os pais ou
familiares, construindo, aos poucos, novos vínculos no espaço escolar,
com os(as) professores(as) e também as outras crianças. Assim, no
momento em que a criança construir vínculos afetivos com o(a)
professor(a), também se constituirá em uma figura de apego, deste
modo, a criança se sentirá, gradativamente, protegida e acolhida junto
ao(à) professor(a).
Mas, para que esse processo ocorra com a criança, é
importante que os pais também sejam acolhidos, possibilitando a
construção de vínculos de confiança com a família, repercutindo,
também, no bem-estar e no acolhimento da criança. É preciso que se
construa uma parceria entre família e escola, para que juntos possam
realizar essa transição do espaço familiar, para o espaço escolar.

Os pais e o processo de inserção dos(as) filhos(as)


Deixar a criança pequena na escola não é fácil para os pais, eles
costumam expressar sentimentos de alegria, pelo fato de poder
retomar as suas vidas profissionais, mas, por outro lado, vivem

- 82 -
sentimento de culpa, de medo e insegurança, por estarem delegando
aos outros o que gostariam, de alguma maneira, fazer por seus filhos.
Eles vivem uma desestrutura emocional, mesmo que seja por um curto
tempo.
Para Rossetti-Ferreira, Amorim e Vitória (1994), o período da
criança na escola é um momento crítico para todos os envolvidos, os
pais começam a experimentar sentimentos que confundem e
amedrontam, deixando-os inseguros. Esse estado de tensão e de
incertezas vividos pelos pais é transmitido para as crianças, afetando
no seu processo de inserção.
Todavia, ainda que o processo de inserção inicial na escola de
Educação infantil afete todo o núcleo familiar que participa da vida da
criança, entende-se que esse momento repercute, principalmente,
para as mulheres. A institucionalização das atividades infantis, ainda
que constitua um direito da criança (BRASIL, 2010), está fortemente
relacionado com a carreira profissional das mulheres, as quais foram,
historicamente e culturalmente, responsabilizadas pela educação das
crianças pequenas. Com a conquista das mulheres no mercado de
trabalho à procura pelas escolas de Educação Infantil aumentaram.
Neste contexto, a mulher está submetida a situações
contraditórias, dando ênfase, ao mesmo tempo em seu papel
insubstituível como mãe, e, por outro lado, a uma vida profissional
ativa, não possuindo apenas a função materna, o que contribui para
que as mulheres sejam culpabilizadas socialmente ou elas próprias

- 83 -
adquiriram um sentimento de culpa por não conseguirem suprir os
cuidados com a criança pequena no tempo integral.
A escolha de deixar seu filho na escola, ocorre, muitas vezes,
pelo contexto de retorno da mãe ao trabalho, sendo um direito de
todas, no entanto, elas precisam separar-se de seus filhos para irem
trabalhar, o que nem sempre é um processo tranquilo.
Destaca-se que, os questionários foram disponibilizados às
famílias das crianças, mas, todos eles foram respondidos pelas mães,
o que representa o quanto o processo de inserção inicial da criança
ainda está relacionado com a participação da mulher. De modo que,
socialmente, a mãe é ainda a pessoa mais referenciada e solicitada
pela escola para responsabilizar o processo de inserção da criança.
Entende-se que, é preciso buscar formas de participação mais efetiva
de outras pessoas importantes do núcleo familiar da criança, a fim de
relações mais igualitárias e comprometidas com os processos
vivenciados na escola.
Dentre as mães que participaram do questionário, algumas
relataram que a inserção da criança na escola foi um processo
delicado, tenso e difícil. Apenas uma mãe relatou que foi tranquilo,
sem maiores explicações. Dentre os elementos escritos pelas mães
referindo-se à adaptação como momento delicado, observou-se que,
também diziam respeito ao modo como elas lidavam com a ausência
da criança em casa, conforme os seguintes relatos: “Confesso que foi
difícil para nós, porque a ausência e o vazio da presença dela ainda é

- 84 -
bem presente, mas olhamos sempre com boa perspectiva, ela está
feliz e nós também” (S.S - criança de 3 anos); “Enfrentamos com muitas
dificuldades e incertezas, se realmente ele iria ficar, pois era muito
apegado em casa com a companhia da mãe” (T.S - criança de 4 anos).
Referente ao sentimento das mães ao deixarem o(a) filho(a) na
escola, algumas citaram angústia, medo, dor, desconfiança,
ansiedade, etc. A maioria são sentimentos negativos pelo motivo da
separação momentânea ser permeada de incertezas quanto ao bem-
estar do(a) seu(sua) filho(a), durante sua ausência. Conforme Rossetti-
Ferreira, Amorim e Vitória (1994) esse sentimento de perda é como se
o laço que os une estivesse prestes a arrebentar. Se não for superado
esse sentimento, poderá afetar as crianças e dificultando a inserção no
ambiente escolar.
Durante as observações, presenciou-se uma situação em que a
mãe de uma criança ficava o tempo todo na sala e não saía de perto
de seu filho, mesmo com a solicitação da professora regente. Quando
as professoras distraíam essa criança, a mãe saía, mas, a criança
começava a chorar, então a mãe entrava na sala, desesperada.
Aconteceu que essa criança não conseguia permanecer no ambiente
escolar e a mãe, por não saber lidar com a situação, resolveu não levar
mais à escola. Através do acompanhamento das crianças, observa-se
que, ao mesmo tempo em que a criança lida com seus próprios
sentimentos, também percebe os sentimentos da mãe.
Após refletir sobre essa situação, entende-se que a mãe dessa
criança ficou insegura em deixar o seu filho na escola, necessitando de
- 85 -
um acolhimento maior da professora referente à mãe e à criança.
Muitas vezes, os professores não percebem a relevância de construir
um vínculo, não apenas com a criança, mas, também, com a mãe ou
responsáveis. Esses aspectos exemplificam a importância do vínculo
afetivo e da confiança em relação aos profissionais e ao espaço
escolar.
A mãe (S.S - criança de 4 anos) relata que sentiu “no primeiro
momento desconfiança e medo, mas, ao mesmo tempo, a certeza de
que ela estava em um ambiente seguro e cuidada, se desenvolvendo”.
Já a mãe (L.Y- criança de 3 anos) mencionou “um sentimento de
aperto, mas, ao mesmo tempo, tranquila por saber que a escola é
maravilhosa”.
Assim, apesar das mães citarem sentimentos negativos, ao
mesmo tempo, mencionaram sentimentos positivos referindo-se ao
orgulho da criança estar crescendo e a confiança quanto ao trabalho
da escola e dos professores. A mãe (D.S - criança de 3 anos), registrou
sentimentos como “angústia, ansiedade, medo, orgulho”.
Segundo Bove (2002, p. 139)

É a mãe18 que consente à criança aventurar-se na


relação com a professora, assim como é sempre a
mãe que oferece à professora sugestões para
conhecer a criança. E, também, é a mãe, que
legitima a relação que a criança cria com a nova
figura de referência, extrafamiliar. A sua presença

18
Entende-se aqui que essa função pode e deve ser compartilhada com demais
pessoas que compõem o núcleo familiar e constituem referência afetiva para a
criança.

- 86 -
no contexto da creche durante o inserimento, se
por um lado, pode aparentar complicar a cena
relacional, por outro lado, oferece aos professores
elementos inegáveis para a construção de uma
relação afetiva e não competitiva com a criança.

Nesse contexto, observa-se a relevância de que os pais possam


ter uma relação de confiança com o(a) professor(a) e com a escola, a
fim de que possibilitem também gerar sentimentos de tranquilidade e
estabilidade emocional, contribuindo com a inserção da criança neste
novo ambiente. Destaca-se que essa relação de confiança com a escola
foi expressa quando se questionou o motivo pelo qual havia escolhido
a escola para matricular a criança.
A maioria das mães respondeu que escolheram a escola, pois
alguns pais ou familiares já havia frequentado a mesma, já possuíam
um vínculo afetivo com aquele espaço e com alguns professores. A
mãe (T.S - criança de 4 anos) menciona “estudei na escola e conheço
bem os profissionais, e é uma escola de confiança”. A mãe (J.N - criança
de 4 anos) relatou: “escola de excelente qualidade e onde o pai já havia
frequentado a mesma”.
A construção da parceria pais e escola tem como base a
confiança e o respeito mútuo, possibilitando partilha de informações,
sobretudo, no que diz respeito aos interesses das crianças. A escola
tem como objetivo fortalecer as relações entre professores e pais,
apoiando-os.

- 87 -
O principal indicador de acolhimento que os pais
podem receber é o fato de serem convidados a
passar o maior tempo possível na creche. À medida
que, os pais e o professor vão familiarizando-se
entre si, também vão criando vínculos, e a criança
se beneficiará desses vínculos, cada vez mais
estreitos entre a professora e pais (BOVE, 2002,
p.136).

De acordo com Bondioli e Mantovani (1998), a presença de um


familiar é, certamente, uma condição importante para que a criança
aceite com alegria e curiosidade seu novo ambiente e esteja disponível
a estabelecer novos relacionamentos. Se isso acontecer, a separação
será mais tranquila e menos dolorosa, pois a criança terá um ponto de
referência significativo e já familiar no(a) professor(a).
Portanto, é importante a presença de um familiar, de
referência afetiva para acompanhar a criança, nos primeiros dias da
inserção. Cada criança reage de um modo diferente, para algumas
delas pode ser necessário que o familiar permaneça, inicialmente, no
espaço da sala, para aos poucos ir retirando-se para outro lugar, mas
sempre ficando próximo, até que a sua ausência seja compreendida e
suportada sem sofrimento.
Todavia, destaca-se a importância do(a) professor(a)
compreender, de modo mais aprofundado, os aspectos que envolvem
esse processo junto às crianças e suas famílias, a fim de que não se
sinta ameaçado(a) com a presença dos familiares, tampouco
desorientado(a) com o choro das crianças.

- 88 -
Os(as) professores(as) e o processo da inserção inicial da criança
Para alguns(as) professores(as), o processo de inserção da
criança, é um momento delicado e complicado, em que se sentem
frustrados(as) porque têm dificuldades em lidar com a situação do
choro constante das crianças e esse parece ser o maior desafio: fazer
a criança parar de chorar. Existem casos em que é difícil para o(a)
docente lidar com os aspectos emocionais e psicológicos da criança
durante esse processo, porque muitas vezes, falta um preparo dos
cursos de formação de professores, a fim de proporcionarem subsídios
teóricos para compreender melhor o que representa esse momento
para a criança e sua família.
Segundo a professora entrevistada, lidar com o choro das
crianças foi um dos momentos mais difíceis, ela conta que conseguiu
resolver essa situação fazendo com que os pais permanecessem e
saíssem aos poucos da sala.

Nos primeiros dias foram os choros e os pais na


sala, depois já no terceiro dia foi bem mais
tranquilo. A questão do choro, nós resolvemos com
os pais saindo aos poucos, e as crianças acabaram
interagindo umas com as outras, além de ter três
professoras na sala, para ajudar a questão da
adaptação (Professora).

Conforme a professora, atentar para a inserção na escola “é


muito importante para todos os envolvidos, e o professor tem a

- 89 -
responsabilidade de acolher essa criança e família transmitindo toda a
segurança e o carinho que precisarem”. Acrescenta que, os aspectos
mais difíceis neste processo é lidar com a insegurança dos pais “[...]
tanto que as crianças que não ficaram, foram as que percebi que os
pais estavam mais inseguros”. Todavia, ainda que o(a) professor(a)
tenha consciência da necessidade de realizar o acolhimento,
questiona-se como fazê-lo de forma efetiva?
Ao analisar o significado do termo acolhimento, o qual deriva
do ato ou efeito de acolher, o mesmo representa a maneira de receber
ou de ser recebido, a recepção. Se tomar esse significado para o
contexto do acolhimento das famílias e das crianças na escola, ele se
torna um tanto superficial, pois não se trata apenas de como os
sujeitos são recebidos no espaço, mas sim, como passam a estabelecer
vínculos e relações, como vão constituindo o sentimento de
pertencimento, e como são chamados a serem protagonistas dos
processos vivenciados no coletivo.
Neste sentido, o processo de acolhimento se torna mais
complexo, necessitando de ações planejadas longitudinalmente, para
além dos primeiros dias em que a criança chega à escola. No que se
referem às ações pedagógicas, há uma série de indicadores (BRASIL,
2009) que são utilizados para garantir os direitos fundamentais das
crianças durante o período da inserção inicial na Educação Infantil.

- 90 -
Nossas crianças têm direito a uma especial atenção
durante seu período de adaptação à creche; As
crianças recebem nossa atenção individual quando
começam a frequentar a creche; As mães e os pais
recebem uma atenção especial para ganhar
confiança e familiaridade com a creche; Nossas
crianças têm direito à presença de um de seus
familiares na creche durante seu período de
adaptação; As mães e os pais são sempre bem-
vindos à creche; Reconhecemos que uma conversa
aberta e franca com as mães e os pais é o melhor
caminho para superar as dificuldades do período
de adaptação. Observamos com atenção a reação
dos bebês e de seus familiares durante o período
de adaptação (BRASIL, 2009, p. 26).

Os critérios expostos pelo documento sinalizam para a


necessidade de uma atenção especial não apenas com a criança, mas,
também com a sua família, apontando para a necessidade de que
tenha um acompanhamento e que seu processo seja respeitado. Nesta
perspectiva, sinaliza-se a importância de pensar a chegada da criança
à escola na perspectiva do inserimento ou da inserção, em que se
reconheça que ela possui uma história de vida, diferentes culturas e
formas de viver, não sendo possível enquadrá-la em rotinas escolares
rígidas.

Nosso planejamento reconhece que o período de


adaptação é um momento muito especial para
cada criança, sua família e seus educadores. Nosso
planejamento é flexível quanto a rotinas e horários
para as crianças em período de adaptação (BRASIL,
2009, p. 26).

- 91 -
De acordo com a professora, nos primeiros dias do processo de
inserção das crianças, além de ter permanecido com as crianças em
horário reduzido, desenvolveu propostas de trabalho que considera
mais lúdicas e, após, foi introduzindo o que refere como atividades.
“Os primeiros dias é mais brinquedos, brincadeiras e músicas, aos
poucos vamos inserindo histórias e atividades”.
Para Pantalena (2010), as atividades do período de inserção
incluem o conhecimento do espaço da instituição, conhecimento das
atividades rotineiras, como ouvir histórias, cantar, brincar, desenhar,
realizar as refeições nos horários e maneiras estabelecidas,
conhecimento das regras e dos professores.
No entanto, ainda que se tenha a intenção de proporcionar um
planejamento diferenciado para esse momento inicial das crianças na
escola, nem sempre se tem clareza quanto ao que este planejamento
deve, de fato, proporcionar. Há situações, inclusive, que alguns(as)
docentes afirmam não ter planejamento para esse período inicial, pois
o objetivo está centrado em proporcionar a “adaptação” das crianças
no espaço. O que constitui uma incoerência, pois para buscar
proporcionar a inserção e o acolhimento, são necessárias práticas
pensadas e articuladas para atingir este fim.
As ações acerca da inserção inicial podem envolver desde
projetos pedagógicos desenvolvidos em conjunto com as famílias, até
mesmo as ações cotidianas do(a) professor(a) junto a criança. Para
Winnicott (1975), a segurança proporcionada à criança ocorre por

- 92 -
meio de ações afetivas vinculadas aos cuidados nas ações da
alimentação, do pegar no colo, higienização e demais necessidades
básicas das crianças.

Quando oferecemos segurança, estamos fazendo


duas coisas ao mesmo tempo. Por um lado, em
virtude da nossa ajuda, a criança está à salvo do
inesperado, das inúmeras intrusões indesejáveis e
de um mundo que ainda não é conhecido ou
entendido. E também, por outro lado, a criança é
protegida por nós, de seus próprios impulsos e dos
efeitos que esses impulsos poderiam produzir
(WINNICOTT, 1975, p.104)

Outro aspecto citado pela professora entrevistada diz respeito


à questão da rotina escolar, segundo ela, a família tem um papel
fundamental “no sentido de orientar a criança no processo dessa nova
rotina, explicar e transmitir segurança”. Considera-se a relevância da
rotina na organização do cotidiano dos sujeitos, contudo, é preciso
sinalizar que a construção desta rotina precisa levar em consideração
as características culturais e sociais do grupo de crianças, não
ocorrendo de forma impositiva, desconsiderando as peculiaridades do
grupo.
Com relação à rotina, as mães afirmaram que houve mudanças
nas rotinas das crianças em casa, no seu cotidiano, após o início do
percurso escolar. Contudo, elas avaliam essas mudanças de forma
positiva: “mudou bastante, ficou mais organizada” (D.S. – criança 3
anos).

- 93 -
Observa-se que, muitas vezes, a forma como a rotina é exposta
na escola pode interferir no seu ambiente familiar, pois, cada criança
apresenta uma rotina e uma cultura habituada em casa. A escola
precisa cuidar que tipo de rotina irá trabalhar em sala de aula, para
não impor algo que não tenha significado para elas, porque isso irá
repercutir no modo de organização em casa.
Segundo Oliveira (2008), a inserção da criança passa por
constantes mudanças de ciclos, como um momento crucial em sua
vida, no qual exige reorganização cognitiva, social, física e psíquica,
fato é, que estamos a todo momento em um processo de adaptação
ao meio e às informações que dele recebemos, não sendo muito
diferente do processo educativo.
Somando-se a essas questões, observou-se, também, que a
professora da turma realizou entrevistas com as famílias durante as
primeiras semanas letivas de inserção das crianças. Nesse momento,
ela buscou obter informações importantes sobre a criança como, por
exemplo, suas preferências, seus hábitos relacionados à alimentação,
ao sono, seus costumes e traços de seu comportamento e sua
personalidade.
A pesquisadora pôde participar de algumas entrevistas junto
com a professora regente, as quais constituíram um momento
importante para conhecer a história de cada criança. Percebe-se que
os pais também se sentem seguros quando conhecem as professoras
e aproveitam o momento para relatar informações importantes que

- 94 -
podem contribuir para lidar melhor com algumas questões específicas
relacionadas à criança.
Todavia, apesar das entrevistas serem momentos relevantes
para contribuir com a inserção inicial das crianças na escola, é
importante que o(a) professor(a) tenha sempre o contato diário com
os pais, mantendo-os sempre informados dos acontecimentos
relacionados à criança. Uma estratégia que a professora da turma
encontrou para esse diálogo constante foi através de registros diários
na agenda das crianças.
Por outro lado, entende-se que, para além desses registros, é
importante que os familiares das crianças possam adentrar no espaço
da escola e conversar pessoalmente com a professora. Há escolas que
não permitem que os familiares possam entrar com as crianças até à
porta da sala, devendo entregá-las e recebê-las na portaria, sem a
possibilidade de circular pelos corredores, observar os movimentos e
sons cotidianos que integram a instituição. Essas ações geram
incertezas, anseios e dúvidas, corroboram com sentimento de
desconfiança.
Neste sentido, é fundamental promover ações que possam
constituir e fortalecer o vínculo afetivo entre as crianças, suas famílias
e a professora. A escola deve ter condições de oferecer todos os
cuidados necessários para a inserção da criança na Educação Infantil.
Qualquer atendimento que não atingir isto se constituirá em um

- 95 -
desrespeito à criança, aos pais e à sociedade (RAPOPORT; PICCININI,
2001).
Portanto, a inserção inicial da criança nas escolas de Educação
Infantil implica inúmeros fatores, sendo necessárias estratégias
pedagógicas para o acolhimento, tanto da criança, quanto da sua
família. E, assim, possibilitar a construção de vínculos de apego e de
confiança entre todos os envolvidos.

Conclusão
O período de inserção da criança na Educação Infantil é
caracterizado por um momento delicado e complexo, é um processo
importante para o desenvolvimento infantil, pois possibilita a
transição de um espaço familiar para o espaço escolar, contribuindo
com a ampliação das referências e dos vínculos afetivos.
As crianças, durante a inserção, apresentam várias
manifestações, a principal, no início, é o choro. Essa transição do
ambiente familiar para o escolar, para algumas crianças, é um
processo doloroso, em que se sente insegura por estar na escola.
Nessas situações, o objeto transicional pode contribuir para que a
criança se sinta, gradativamente, mais segura no novo espaço e
suporte, sem tanto sofrimento, a ausência temporária de seus
familiares. Neste sentido, para a criança inserir-se no espaço escolar
não diz respeito a se adaptar àquele espaço, e sim, aos poucos,
construir relações e novos vínculos afetivos, tanto com os(as)

- 96 -
professores(as), quanto com as demais crianças, para isso, cada
criança necessita de um tempo diferente, que não pode ser limitado à
primeira semana de aula.
Para os pais ou responsáveis esse processo inicial da criança na
escola é um momento que expressam vários sentimentos de angústia,
medo, insegurança, ansiedade e, também, alegrias. Contudo, através
dos resultados da pesquisa, observou-se o quanto, ainda, esse
processo é vivenciado, principalmente, pelas mães das crianças,
repercutindo na reorganização de seu cotidiano a fim de acompanhar
o(a) filho(a) na escola. Destaca-se a necessidade de que outras pessoas
do núcleo familiar da criança, que também constituem referência
afetiva, possam participar, responsabilizar-se e acompanhar a inserção
da criança na escola.
Um dos aspectos que repercute no processo de inserção da
criança, refere-se ao quanto os pais ou demais familiares sentem-se
acolhidos e conseguem construir um vínculo de confiança com relação
ao(à) professor(a) e à escola. Neste sentido, é fundamental que o(a)
professor(a) possa promover práticas de acolhimento da criança e da
sua família, passando a ver os pais como sujeitos que contribuem para
conhecer e se aproximar melhor da criança.
Cabe aos(as) professores(as) buscar estar preparados(as) para
compreender as manifestações da criança durante esse período, sem
minimizar ou desconsiderar as suas demonstrações de sofrimento,

- 97 -
pois se trata de uma situação nova que a criança precisa, aos poucos,
aprender a lidar.
Conclui-se enfatizando a importância de ações conjuntas e
integradas entre a escola e a família, a fim de que possam ser
construídos e fortalecidos vínculos de confiança, que contribuirão com
a gradativa inserção da criança na escola, de forma tranquila e
respeitosa para com os processos que precisam ser vivenciados.
A escola é um espaço de grande importância educacional para
a formação da criança, por isso, torna-se fundamental a parceria entre
escola e família, pois, tanto a família, quanto a escola, tem o objetivo
de educar e socializar as crianças.

- 98 -
Referências

BONDIOLI, A.; MANTOVANI, S. Manual de Educação Infantil de 0 a 3


anos. Tradução por Rosana Severino Di Leone e Alba Olmi. Porto
Alegre: ARTMED, 1998.

BOVE, C. Inserimento: Uma estratégia para delicadamente iniciar


relacionamentos e comunicações. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.

BOWLBY, J. Apego e perda: separação: angústia e raiva. v.2. 3ª ed. São


Paulo: Martins Fontes, 1998.

BOWLBY, J. Formação e rompimento dos laços afetivos. Tradução


Álvaro Cabral 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

BRASIL. Critérios para um atendimento em creches que respeite os


direitos fundamentais das crianças. Ministério da Educação,
Secretaria da Educação Básica, 2009.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.


Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2010.

DALLA PORTA, C. A. O processo de inserção inicial da criança na


Educação Infantil. Trabalho de conclusão de Curso, Universidade
Federal de Santa Maria, UFSM, 2019.

OLIVEIRA, P.R.G. O período de adaptação no processo educativo: um


levantamento bibliográfico e metodológico. Trabalho de conclusão de
Curso, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, 2011.

PANTALENA, E. S. O ingresso da criança e os vínculos iniciais.


Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo, USP, 2010.

RAPOPORT, A.; PICCININI, C. A. O Ingresso e Adaptação de Bebês e


Crianças Pequenas à Creche: Alguns Aspectos Críticos. Psicologia:
Reflexão e Crítica, v. 14 (1), 2001.

- 99 -
ROSSETTI-FERREIRA, M. C.; AMORIM, K. S.; VITÓRIA, T. A creche
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Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, v. 4,
n. 2, 1994.

WINNICOTT, D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora


LTDA, 1975.

YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ª ed. Porto


Alegre: Bookman, 2001.

- 100 -
O tripé escola-criança-família no processo avaliativo da Educação
Infantil

Daniela Gonçalves Adriano19


Caroline Reis Vieira Santos Rauta20

Introdução
No Brasil, o direito a educação é considerado como um direito
de todos, garantido pela Constituição Federal no artigo 205 (BRASIL,
1988, p.123) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) Lei Nº 9.394/96, cujo Art. 2º expressa que a educação “[...] tem
por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(BRASIL, 1996, p. 8). Desta forma, considera-se que o ensino é
proposto a fim de oferecer uma formação integral ao desenvolvimento
do indivíduo. Para favorecer essa oferta, é importante que o professor
seja um constante investigador reflexivo de sua prática, tornando-se
sujeito ativo da produção de conhecimento visando à construção da
autonomia como método dinâmico da aprendizagem.

19
Mestranda em Educação, FURB. Professora do Ensino Básico e Mestranda em
Educação pela Universidade Regional de Blumenau – FURB /Santa Catarina.
20
Doutora em Estudos da Tradução, UFSC. Professora do Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico e da Pós-graduação do Instituto Federal de Santa Catarina,
Gaspar/Santa Catarina, Brasil.

- 101 -
Estar atento e comprometer-se com todo o processo de ensino
e aprendizagem não é tarefa fácil para o docente, pois nessa ação
estão entranhadas atribuições profissionais do professor, dentre as
quais, o processo avaliativo. Nas definições do Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil,

A avaliação é entendida, prioritariamente, como


um conjunto de ações que auxilia o professor a
refletir sobre as condições de aprendizagem
oferecidas e a ajustar sua prática às necessidades
colocadas pelas crianças. É um elemento
indissociável ao processo educativo, que possibilita
aos professores definir critérios para planejar as
atividades e criar situações que gerem avanços na
aprendizagem das crianças. Tem como função
acompanhar, orientar, regular e redirecionar esse
processo como um todo (BRASIL, 1998, p. 59).

A avaliação é inerente ao processo de ensino e aprendizagem


e, dessa forma, torna-se um elemento importantíssimo na rotina
escolar tanto do professor quanto da criança. Pois, por meio desse
processo, é possível tomadas de decisões e melhoria da qualidade do
ensino. Ela indica ações de progresso e aponta situações que
necessitam de ajustes. Essas informações transcendem os muros da
escola e chegam às famílias que, por sua vez, desejosas do sucesso do
filho/aluno, podem contribuir com a vida escolar. Portanto, é
fundamental que família e escola caminhem juntas, pois essa relação
tem sua importância no fato de que a finalidade deva ser a mesma: o
desenvolvimento integral e o êxito na aprendizagem da criança. Do

- 102 -
mesmo modo, a falta dessa relação costuma ser um agravante na vida
escolar desta criança, que poderá demonstrar dificuldade ou
desinteresse pelo processo de aprendizagem.
Jardim (2006) alerta para a importância de estudos dedicado a
ambas instituições.

As comunicações entre família e escola deveriam


ser mais estudadas porque ambas precisam uma da
outra. A interação entre família e escola não
deveria ser reduzida apenas em reuniões formais e
contatos rápidos, mas ocorrer regularmente em
momentos de maior intercâmbio nos quais as
famílias pudessem efetivamente participar do
cotidiano da escola (JARDIM, 2006, p. 46).

Nesse sentido, o estudo procurou responder à problemática


“como inserir as famílias no processo avaliativo por meio das vivências
pedagógicas das crianças ocorridas na educação infantil”. Para
responder este questionamento, estabeleceu-se como objetivo geral
aproximar as famílias ao processo avaliativo realizado na educação
infantil, possibilitando aos pais melhor compreender os trabalhos
pedagógicos realizados em um centro de educação infantil no
município de Itajaí. E como objetivos específicos deste estudo foram
estabelecidos: a) incluir os pais no processo pedagógico, para que
acompanhem as atividades propostas em sala; b) elevar a
compreensão das famílias acerca dos trabalhos pedagógicos de cunho
avaliativo realizado na educação infantil; e, c) incentivar as crianças a
produzir e ser protagonistas de suas produções, sobretudo ao longo

- 103 -
da pesquisa. Estes objetivos nortearam o percurso metodológico desta
investigação, que se classifica como uma pesquisa de campo, com
abordagem qualitativa. Este tipo de pesquisa é ideal para tratar o
tema, pois permitiu compreender o fenômeno estudado em seu
aspecto particular, além de contemplar a relação da escola com a
família no processo avaliativo.
O cenário do estudo foi um Centro de Educação Infantil (CEI)
da Rede Municipal de Ensino no estado de Santa Catarina, quando aos
dados da pesquisa, foram gerados mediante aos instrumentos
questionário e atividades pedagógicas enviadas as famílias. É
importante destacar ao leitor que os detalhes do percurso
metodológico serão melhor descritos na seção metodologia.
Na sequência trataremos da importância da avaliação para o
cenário da educação nacional, bem como a trajetória da avaliação
numa perspectiva histórica.

Avaliação no contexto do centro de educação infantil


Do ponto de vista histórico, a família era única responsável pela
educação da criança, pois era no relacionamento com os demais
familiares que adquiria conhecimento das tradições e aprendia sobre
sua própria cultura. No entanto, na sociedade contemporânea, a
criança tem a oportunidade de aprender e conviver com seus pares
num ambiente de socialização externo.

- 104 -
Com o passar dos anos, as instituições de ensino ganharam
novos olhares e foram amparadas por novas leis: Constituição Federal
(1988), LDB (1996), Diretriz Curricular Nacional para a Educação Básica
(2010), que mudaram o contexto educacional. Em nosso país, a LDB nº
9394, promulgada em 1996 e revisada em 2013 pela Lei nº 12.796, em
seu artigo 29, garante a todas as crianças a educação infantil, primeira
etapa da educação básica, que tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade, tornando a instituição de ensino um
direito da criança, independente da rotina de trabalho da mãe.
Os novos marcos legais reforçam a importância da educação
infantil como uma etapa obrigatória no processo educativo e falar
desta primeira etapa escolar na vida da criança é ressaltar o conjunto
de habilidades que se provoca na criança para contribuir com sua
construção e desenvolvimento.
No Artigo 31 da LDB 9.394 (BRASIL, 1996), entende-se que a
avaliação, de acordo com a vivência da criança, deve ser observada,
analisada e registrada pelo docente. Esse, por sua vez, sabedor das
teorias do desenvolvimento infantil, valoriza, compreende e avalia o
tempo de cada criança mediante as observações e analisa o que julga
relevante. O professor nessa esfera deverá ser o facilitador, o
mediador de novas descobertas, promovendo novos conhecimentos,
novas aprendizagens.

- 105 -
Mas afinal de contas, o que é avaliar? Segundo as autoras
Albuquerque e Oliveira (2012), o termo avaliar, tem sua origem no
latim e provém da composição a-valere, que quer dizer “dar valor a.…”.
Porém o termo avaliação significa “atribuir um valor ou qualidade a
alguma coisa, ou a algum objeto”.
Desta forma evidencia-se que a relação que se estabelece entre
a avaliação e a atribuição de valor é oriunda do próprio termo, visto
que a palavra ‘avaliação’ traz em seu cerne um conjunto de valores
pré-estabelecidos. Esses valores, por longos anos, foram fortes
indicadores de medidas, caracterizando a avaliação na escola como
um instrumento que servia para medir, classificar, testar. Contudo, ao
longo da história, a educação e a avaliação passam por mudanças
históricas, e atualmente se contempla uma avaliação menos centrada
no resultado e mais atenta com o percurso, envolvendo docente e
discente.
Estudos na área da avaliação têm motivado a compreender
melhor este elemento que faz parte do processo de ensino e
aprendizagem da criança e do professor. Segundo Libâneo (1994,
p.196) avaliação é como "uma apreciação qualitativa sobre dados
relevantes do processo de ensino e aprendizagem que auxilia o
professor a tomar decisões sobre o seu trabalho”.
Gardner (1996) destaca que existe uma grande diferença entre
o que é chamado de avaliação atualmente e o que ele considera
avaliação. Para Gardner, hodiernamente o que é intitulado “avaliação”

- 106 -
nada mais é do que uma sondagem onde são obtidas informações
sobre as habilidades/competências dos alunos. Já a avaliação que ele
considera relevante, aborda informações sobre as
habilidades/competências durante as atividades desenvolvidas no
cotidiano, contribuindo com um progresso significativo para a criança
e para o professor, que deve ter estabelecido o que se deseja no final
do processo avaliativo.
Para Haydt (2004), ao avaliar o aluno, o professor está
avaliando o seu trabalho; portanto, a avaliação está sempre presente
na sala de aula, fazendo parte da rotina escolar.
Hoffmann (2011) salienta que a avaliação deve ser de
intervenção pedagógica, em que se deve se construir caminhos para
proporcionar melhores oportunidades/estratégias de aprendizagens,
pois para a autora não há sentido realizar uma avaliação para dizer se
o aluno fez ou não fez, se ele é ou não é capaz. Avalia-se para promover
o aluno moral e intelectualmente.
Deste modo, podemos afirmar que o processo avaliativo deve
ser desenvolvido sob o olhar perspicaz do professor, pois implica num
campo de investigação e acompanhamento, considerando o
desenvolvimento e aprendizagem das crianças, com a finalidade de
buscar melhores caminhos para orientar novas práticas pedagógicas.
O município, cenário deste estudo, no que tange à educação
infantil, preza por princípios norteadores definidos nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009). Neste

- 107 -
documento faz-se referência aos princípios éticos, políticos e estéticos
como elemento que sustentam as relações vividas nos espaços de
atendimento à educação infantil.

Art. 6° As propostas pedagógicas da Educação


Infantil devem respeitar os seguintes princípios:
I – Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da
solidariedade e do respeito ao bem comum, ao
meio ambiente a as diversas culturas, identidades
e singularidades.
II – Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício
da criticidade e do respeito à ordem democrática.
III – Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da
ludicidade e da liberdade de expressão nas
diferentes manifestações artísticas e culturais
(BRASIL, 2009, p.2).

Para definir o que crianças e professores fazem na unidade de


ensino, faz-se necessário compreender este espaço como social e
educativo, percebendo, também, de que forma as crianças conhecem
o mundo que as cercam. A partir deste entendimento, os professores
planejam de que forma atuar com as crianças e famílias.
Para Machado (1991), o professor de educação infantil precisa
estar de fato comprometido com a prática educacional como também
com conhecimentos inerentes aos cuidados e aprendizagem infantis,
e acrescenta que:

O educador ideal deve possuir algumas


características básicas: ser observador, ter olhos,
ouvidos, sensibilidade para perceber as
necessidades da criança, do grupo. Deve ser um

- 108 -
pensador, pois a reflexão precede e acompanha a
atuação propriamente dita. Consequentemente,
será também uma figura atuante, envolvendo-se
nessa relação e estará atento ao mundo ao seu
redor, aberto a questionamento, estudando,
reciclando-se e buscando no processo de auto-
conhecimento [sic] aspectos pessoais de
desenvolvimento e reeducação (MACHADO, 1991,
p. 48).

Evidente que esse conjunto de caraterísticas citado pela autora


deve fazer parte da rotina docente não apenas no que se refere à
avaliação, mas em todas as etapas do planejamento docente.
Analisando o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola na qual a
pesquisa foi desenvolvida, percebeu-se que o planejamento foi
pensado para proporcionar situações nas quais a criança possa
vivenciar as mais diversas experiências, fazer escolhas, tomar decisões
e socializar descobertas. Trata-se de uma organização objetiva, na qual
o docente sistematiza atividades que serão ofertadas. Para isso, os
professores realizam seus planejamentos semanalmente, elencando:
1) Tema; 2) Cronologia; 3) Justificativa; 4) Objetivo Geral; 5)
Competências; 6) Habilidades; 7) Possibilidades Metodológicas. O
planejamento ajuda a definir e organizar as atividades que serão
colocadas em prática para alcançar os objetivos estabelecidos.
Para melhor compreender, destaca-se que, o CEI no qual a
pesquisa foi aplicada, tem sua documentação pedagógica regida pela
secretaria de educação do município, que disponibiliza arquivos em
forma de tabela para organização do planejamento. Este

- 109 -
planejamento é estruturado por tema geradores e o registro das
práticas que pode acontecer semanal ou diariamente, ambos
considerados complementares entre si. Os dois se constituem no
processo de ensino e aprendizagem, que permitem registrar de forma
sistemática a devolutiva das intencionalidades e das ações
pedagógicas, proporcionando um acompanhamento de toda a ação
educativa, possibilitando planejar, revisar e adequar ações futuras.
Levando-se em consideração esses aspectos, a avaliação do
desenvolvimento das crianças inseridas neste CEI segue critérios
estabelecidos no documento “Diretrizes para a Avaliação da
Aprendizagem na Educação Infantil: Caminhos da Infância” (ITAJAÍ,
2007). Nesta perspectiva, definiu-se o conceito de Avaliação da
Aprendizagem na Educação Infantil para a Rede Municipal de Ensino
de Itajaí como: “[...] ação contínua que permite ao educador pensar
sua prática pedagógica, construindo o processo de ensinar e aprender,
por meio da observação, reflexão e desenvolvimento das habilidades
e competências do aluno” (ITAJAÍ, 2007, p. 14).
Percebeu-se, então, a importância de uma avaliação contínua
que valorize todas as fases do desenvolvimento da criança. Sem
dúvida, acompanhar a criança em seu desenvolvimento exige um olhar
teórico-reflexivo sobre seu contexto sociocultural; significa respeitá-la
em sua individualidade e conquistas de conhecimentos em todas as
áreas.

- 110 -
Segundo Freire (1989, p. 3), “a observação é o que possibilita o
exercício do aprendizado do olhar. Olhar é como sair de dentro de mim
para ver o outro [...]”. Os profissionais da Educação Infantil
desenvolvem formas de acompanhar e atribuir significado às ações
desenvolvidas no cotidiano junto às crianças. Trata-se de uma prática
muito significativa de elaboração de relatórios diários/registros, como
subsídios e/ou complementos à elaboração dos relatórios de avaliação
individual das crianças.
O professor como mediador deve estar atento a todas as
produções e manifestações das crianças e anotar, fotografar,
entrevistar, de forma individual ou coletiva, relatando como estes se
envolvem nas atividades, de que forma resolvem os desafios, que
dificuldades apresentam, que soluções encontram para determinados
problemas, que perguntas fazem, de que maneira articular o fazer e o
conhecer. Nesse sentido, as observações e os registros devem ser
contextualizados, pois permitem ao professor acompanhar o
desenvolvimento das crianças e, sobretudo, recorrer a eles sempre
que for desenvolver seus pareceres descritivos, primando pela
autenticidade dos dados e do processo de desenvolvimento das
crianças.
Neste viés, ainda que o processo avaliativo não seja uma tarefa
fácil e ainda que muitos professores estejam amarrados ao sistema de
ensino, ao cumprimento burocrático, que muitas vezes se preocupa
em cumprir com as datas estabelecidas pelas secretarias, é necessário

- 111 -
que o docente não perca o valor, a essência da avaliação, pois muito
mais importante nesse processo é avaliar para descobrir quem são as
crianças, investigando quantos anos elas têm, quais experiências
foram vividas, que vida eles levam, qual a diferença de faixa etária,
dados significativos no momento de planejar, pensar a aula e esse
‘pensar’ é um prestar a atenção no aprendiz, é explorar
minuciosamente a fim de reunir informações que podem respaldar seu
trabalho. Contudo, é interessante que este olhar não permaneça
apenas na escola sob a ótica docente, é importante que transpasse os
muros da escola, alcançando as famílias, incluindo-os neste valoroso
processo que ocorre nas instituições de ensino. Na sequência
abordaremos quão importante é o papel da família na vida da criança,
não apenas no universo escolar, mas desde seu nascimento, quando
inicia suas primeiras relações interpessoais e começa a construir seu
conhecimento de mundo.

A importância da família na escolarização


No Brasil é exigido por lei – Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013
(BRASIL, 2013) – que crianças a partir dos 4 anos sejam matriculadas
em uma instituição de ensino, assim iniciando a vida escolar na
educação básica. É no decorrer deste período de vida escolar que
fortemente toma-se posse dos conhecimentos mínimos
imprescindíveis para uma cidadania esperada.

- 112 -
Em seu Art.2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996), a educação, dever da família e do estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Segundo Zagury (2002), nessa perspectiva, a família tem papel
indissociável na vida escolar da criança, pois está intrinsecamente
ligada ao papel da escola. É com a família que acontecem suas
primeiras vivências. Pode-se dizer que a primeira instituição, o
primeiro espaço para a formação moral, social, psíquica que a criança
vivencia é a família, que lhe dá nome, com quem faz descobertas,
estabelece rotinas e costumes culturais, em que adquire
conhecimento e se desenvolve. Porém, parte deste desenvolvimento
é construído pelo meio social e este é alicerçado fortemente na vida
escolar. É na escola que a criança desperta para o mundo externo,
descobrindo diferentes emoções. Na escola, ela percebe que fará
experiências de alegria ao brincar com um amigo, enfrentará o
desapego dos pais no momento da despedida, sentirá a liberdade ao
correr pelo parque, dará asas à imaginação ao ser um super-herói ou
uma princesa, emoções inerentes a rotinas e vivências da educação
infantil.
Mas o que ambas instituições – família e escola – tem em
comum? Segundo Szymanski (2010, p. 98), “[...] é o fato de
prepararem os membros jovens para sua inserção futura na sociedade

- 113 -
e para o desempenho de funções que possibilitem a continuidade da
vida social. Ambas instituições desempenham um papel importante na
formação do indivíduo e do futuro cidadão”. Dessa forma, cabe
ressaltar a importância da família na vida escolar de seus filhos, desde
cedo já na educação infantil.
Em buscas feitas em portais de periódicos como o Portal Capes,
Scielo, Bibliotecas Digitais e Google Acadêmico são encontrados
artigos e pesquisas (CURY, 2003; ZAGURY, 2006; REIS, 2007;
SZYMANSKI, 2010) explicitando o quão importante é a interação
família-escola para o desenvolvimento escolar do educando. Contudo,
na educação, é possível encontrar famílias que fogem à regra. Segundo
uma pesquisa realizada em 2014 pelo Instituto Brasileiro de Opinião e
Estatística (IBOPE) em parceria com o Instituto Paulo Montenegro,
12% da população do país é “Comprometida” com a vida escolar dos
seus filhos. A pesquisa ainda traz percentuais de outros grupos de pais
que são classificados como “Vinculados” 27%, “Envolvidos” 25%,
“Intermediário” 17% e “Distantes” 19% em relação à educação dos
filhos. Ou seja, com o ritmo frenético em que se vive, se torna difícil
detectar pequenas ausências dos pais, que estão cada dia mais
ocupados, mais atarefados, imersos nos trabalhos tentando
acompanhar mudanças sociais, culturais e econômicas ocorridas em
nossa sociedade. Observando os apontamentos da pesquisa, podemos
identificar dois fatores relevantes e importantes para o discente. O
primeiro é que a participação dos pais é fundamental para o

- 114 -
desempenho da criança; e o segundo é que esta relação da família
reflete na criança fomentando a criação de estratégias para alcançar
os resultados desejados frente aos desafios e a identificar sua
responsabilidade e seu direito em circunstâncias de aprendizagem na
educação.
Nesta situação, ainda que alguns pais não se conscientizem
desta importante atribuição, cabe à escola estar atenta ao público de
crianças e, sobretudo, dos pais que está atendendo, para propor ações
que envolvam a participação de todos, visto que algumas famílias
pouco sabem sobre a gama de desenvolvimento cognitivo, moral e
social, afetivo; sobre como a aprendizagem acontece; sobre quais
processos a criança perpassa até chegar ao desenvolvimento
intelectual. Consequentemente, a falta desse conhecimento
desinteressa a participação na vida escolar. Corroborando com tal
afirmação, de acordo com Brandão, Canedo e Xavier (2012), os pais
que acompanham de perto os estudos dos filhos despertam seus
interesses para os deveres de casa e contribuem para um ensino de
qualidade.
Nesse sentido, a escola poderá oportunizar aos pais a
participação na escolarização de seus filhos, desenvolvendo práticas
que facilitem a aprendizagem. Por exemplo: se durante a semana, na
unidade de ensino, está sendo trabalhado sobre higiene com as
crianças em sala, os professores poderão oportunizar aos pais
desenvolver pequenas tarefas em casa sobre o mesmo tema, pois

- 115 -
além de ampliar o conhecimento da criança, envolvem os pais na vida
escolar, além de proporcionar a muito pais o reconhecimento dos
avanços e das as limitações dos filhos. Através desta dinâmica, a
família torna-se copartícipe do processo educacional, com pequenas,
mas importantes intervenções no desenvolvimento e aprendizado da
criança.
Compreende-se, então, que a interação família-escola é
importante para que ambas conheçam suas realidades e juntas
busquem caminhos que facilitem o relacionamento entre si para
promover uma educação com mais qualidade.

Metodologia
O estudo aconteceu no Centro de Educação Infantil (CEI) da
Rede Municipal de Ensino no estado de Santa Catarina, local que
atende crianças de 3 a 6 anos, porém, a investigação ocorreu em uma
sala – jardim II – equivalente a faixa etária de 4 a 5 anos. O público-
alvo direto foram os pais e indiretamente a pesquisa teve reflexo nos
professores e no grupo de crianças.
Os instrumentos de produção de dados foram as atividades
pedagógica enviadas às famílias com questionários anexos.
Considerou-se atividade pedagógicas o conjunto de práticas que
exigiam das crianças suas habilidades e competências para realizar
ações, como: tentativa de escrita, compreensão lógico-matemático,
coordenação motora, aspectos que auxiliaram no desenvolvimento de

- 116 -
experiências de aprendizagem e na compreensão dos pais quanto a
destreza do/a filho/a.
Quanto ao questionário, na ocasião foi elaborado com o
objetivo de proporcionar aos pais reflexão quanto à proposta de
ensino realizada na instituição infantil, com o objetivo de gerar um
olhar crítico em relação à aprendizagem do/a filho/a. Ao vivenciar esta
experiência, mediando as atividades e respondendo às perguntas do
questionário, tornam-se sujeito ativos e participantes do processo
avaliativo presente na educação infantil. Quanto as questões, foram
elaboradas cinco perguntas abertas, contudo utilizando uma
linguagem coerente e acessível aos pais, facilitando a interpretação do
leitor, tendo em vista que foram perguntas alusivas às atividades
enviadas para casa.
As atividades foram pensadas a partir do planejamento
docente, que procederam do tema gerador. A opção foi pela
elaboração de sequência de atividade,

[...] que se constitui em uma série planejada e


orientada de tarefas, com objetivo de promover
uma aprendizagem específica e definida. São
sequências que podem fornecer desafios com
diferentes graus de complexidade, auxiliando as
crianças a resolverem problemas a partir de
diferentes proposições (BRASIL, 1998, v. 3, p. 108).

O tema norteador da sequência de atividade foi “animais”;


seguido por outros assuntos como “Literatura; e “diversidade

- 117 -
cultural”. Cada um dos temas gerou 3 (três) atividades, totalizando 9
(nove) atividades enviadas para casa. As atividades foram formuladas
com cabeçalho que incluíam: tema/ objetivo/ conteúdo/ explicação,
para melhor compreensão do leitor.
Diante desta organização, na sequência será apresentado e
discutido os dados gerados neste estudo.

Analisando os dados da pesquisa


Os dados da pesquisa são frutos da participação e colaboração
de 25 famílias-alunos integrantes da turma do Jardim II, com crianças
de 4 a 5 anos. O convite para participar do estudo foi direcionado aos
pais e/ou representantes legais das crianças e todos concordaram
assinando o TCLE aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos.
Explicou-se aos pais que, diante de observações realizadas no
período de entrega das avaliações descritivas – a carência de atenção
dada ao referido documento por algumas famílias –, suscitou-se o
desejo de investigar os motivos pelos quais alguns pais e/ou
responsáveis atentavam-se tão pouco a este instrumento da vida
escolar. A partir da observação por parte da pesquisa da comunidade
escolar e, em particular, dos indivíduos atendidos na turma
pesquisada, inferiu que determinada carência se deu pela pouca
compreensão que as famílias têm do trabalho pedagógico realizado na
educação infantil, ou ainda pela vaga compreensão quanto ao

- 118 -
documento – parecer descritivo – como uma documentação
pedagógica importante repleta de informações no que diz respeito ao
desenvolvimento da criança.
O primeiro contato com os pais para explicação da pesquisa foi
um momento tranquilo. A princípio, foram distribuídas 25 atividades
(uma para cada família) juntamente aos 25 questionários (um para
cada família). Eles foram entregues em mãos dos pais ou responsáveis
no final da tarde de um dia de aula – assim que chegavam à escola para
buscar seus filhos –, com o combinado de trazê-los em um prazo de
dois dias. Porém, percebeu-se que, ao ser mencionada a palavra
“questionário”, houve certa resistência da parte de alguns pais. Nesse
momento, foi necessário reforçar e esclarecer que poderiam cancelar
sua participação na pesquisa a qualquer momento, relembrando o
texto do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a
garantia ao anonimato, proporcionando as famílias maior segurança
na participação. À vista disso, aceitaram o material, levando para casa.
A segunda preocupação exposta por alguns pais foi em relação
à escrita das respostas do questionário, demonstrando insegurança.
Diante disso, eles foram tranquilizados quanto à escrita, destacando
que o importante seria a participação e o envolvimento da família-
aluno, não a forma como a resposta seria redigida. Depois desse
esclarecimento, mais pais participaram das atividades por completo,
pois inicialmente alguns entregavam as atividades, mas não o
questionário, com receito de serem criticados ou julgados pela forma
como redigiram as respostas.
- 119 -
Analisando o documento “Caminho da Infância” (ITAJAÍ, 2007),
que segue os critérios para a avaliação escolar, é possível perceber a
proposta de integração dos pais no processo educacional. Ainda que
se encontre resistência da parte de algumas famílias, é importante que
a escolar invista nesta parceria. Diante da experiência vivenciada neste
estudo, ousa-se dizer que muitas vezes os pais participam da vida
escolar dos filhos de forma restrita pelo fato de a escola não
proporcionar a inserção desta família em momentos propícios. Desta
forma, há indícios de um grande problema, pois muitos pais podem
desenvolver uma visão distorcida da escola na educação infantil,
percebendo-a como um local sem princípios didáticos, presumindo
que sua função seja apenas para brincar por brincar, sem
intencionalidade pedagógica.
O gráfico abaixo (figura 1), ilustra a participação das famílias
durante todo o percurso da pesquisa.

Figura 1: Atividades e questionário entregues e devolvidos

Fonte: As autoras.

- 120 -
Diante das devolutivas, percebeu-se no início que algumas
famílias (52%) respondiam aos questionários apenas para cumprir o
acordo com a professora. Outras respondiam e procuravam a
professora na porta para complementar a respostas com comentários.
À medida que as atividades eram enviadas para casa, estes números
foram mudando, percebeu-se a disposição de um tempo significativo
para as atividades propostas, pois os questionários retornavam para a
escola com respostas mais completa, mais densas, fazendo o leitor
perceber que houve tempo estabelecido para realizar a tarefa, que foi
compreendido o sentido do questionário, o sentido da pesquisa.
Entretanto, apesar do número de famílias participantes da pesquisa
aumentar, geralmente eram as mesmas famílias que respondiam os
questionários.
Ao chegar no final do percurso exploratório, e recolher todos
os questionários, percebeu-se que toda a prática foi significativa para
muitas famílias, que antes não identificavam o tempo que cada criança
demandava no processo de aprendizagem e que não há problema
algum identificar que este processo acontece primeiro para alguns e
depois para outros, sabendo que há uma troca positiva entre os pares,
em sala.
Outro ponto analisado foi a questão do vínculo e diálogo que
se estabeleceu entre família e escola, favorecendo diretamente a
autoestima e confiança da criança. Neste estudo, parte-se da ideia que
a boa relação entre escola e família precisa estar presente em

- 121 -
qualquer etapa da vida escolar dos meninos e meninas, e neste
processo o vínculo e o diálogo se deram na ação conjunta e nas
orientações sobre diversos assuntos, não apenas das atividades
pedagógicas em questão. Neste sentido acredita-se que fomentou-se
o desenvolvimento e desempenho social e escolar da criança.
Levando-se em consideração que 20 de 25 famílias
demonstraram interesse em participar da pesquisa, percebeu-se o
envolvimento destes colaboradores, e que o propósito maior da
pesquisa – que os pais compreendam o valor da interação da família
na vida escolar do filho/a e compartilhem da realidade vivida para,
diante das dificuldades, contar com o apoio da escola – foi cumprido.
Escolher percorrer o caminho que retirou algumas famílias da
zona de conforto e os provocou a refletir sobre a ação educativa
desenvolvida na escola, privilegiando a criatividade, a autoconfiança e
o protagonismo, teve um ótimo resultado entre as crianças e isso foi
percebido e verificado nos registros mediante aos portfólios.
Ao longo do percurso da pesquisa, após enviar atividades e
questionários, a pesquisadora organizou todo o material coletado no
portfólio individual de cada criança. A organização desse material
acontecia no início da aula, quando, em roda, a investigadora sentou-
se com o grande grupo para ouvir relato das crianças quanto à
experiência vivenciada em casa.
As rodas de conversas representam uma metodologia
participativa que pode ser explorada pelo professor, sempre que se

- 122 -
desejar estabelecer combinados com o grupo, trocar ideias entre as
crianças, estimular a fala e o respeito ao ouvir seus pares, além de
estimular a oralidade mediante as atividades que ocorrem nas rodas
de conversas. Neste sentido, a roda de conversa se caracteriza como:

[...] o momento privilegiado de diálogo e


intercâmbio de ideias. Por meio desse exercício
cotidiano, as crianças podem ampliar suas
capacidades comunicativas, como a fluência para
falar, perguntar, expor suas idéias [sic], dúvidas e
descobertas, ampliar seu vocabulário e aprender a
valorizar o grupo como instância de troca e
aprendizagem. A participação na roda permite que
as crianças aprendam a olhar e a ouvir os amigos,
trocando experiências (BRASIL, 1998, v. 3, p. 138).

Esses momentos serviram também como uma autoavaliação


para a própria pesquisadora, que percebeu na narrativa das crianças
como a investigação decorria durante a aplicação da pesquisa.
A cada atividade e questionário que retornava, era uma roda
de conversa e, ao final da dinâmica, anexavam-se os documentos ao
portfólio. Este movimento era organizado pelas próprias crianças, sob
mediação da pesquisadora. Algumas crianças questionavam se
poderiam decorar o portfólio, pintando e adornando a borda da folha
com materiais disponíveis na sala pela professora (carimbo, adesivo,
lápis, canetinhas, etc.). Evidentemente essa prática foi permitida,
considerando-se a espontaneidade e iniciativa oriunda do grupo. Para
Gobbi (2009, p. 71) “o desenho e a oralidade são compreendidos como

- 123 -
reveladores de olhares e concepções dos pequenos e pequenas sobre
o seu contexto social, histórico e cultural, pensados, vividos e
desejados”.
Percebeu-se que o zelo por decorar seus próprios trabalhos
revela o afeto pelas próprias produções. O desenho e a produção
artística, para as crianças da educação infantil, podem servir como
uma linguagem de expressão dos sentimentos, os quais ela ainda não
consegue expor por meio de fala ou da linguagem escrita, contribuindo
para o olhar atento do professor que poderá avaliar informações
próprias da criança.

Considerações finais
Ao longo da pesquisa, observou-se a importância que a
avaliação na educação infantil tem tanto sobre a vida da
criança/família quanto a sobre a do professor. É por meio da avaliação
que o docente pode acompanhar e observar o desempenho de seus
alunos e assim construir um planejamento de suas aulas, de forma que
atendam à necessidade do grupo, bem como contemple os objetivos
estabelecidos, pois a avaliação tem o objetivo de auxiliar na
aprendizagem da criança, assim como serve de base para qualificação
do trabalho pedagógico do professor.
Procurando atingir os objetivos estabelecidos, considera-se
positiva a inserção dos pais no processo de ensino e aprendizagem,
bem como no percurso avaliativo inerente à educação infantil,

- 124 -
percebendo significativa interação das famílias na produção das
atividades pedagógicas que foram enviadas para casa. Proporcionou-
se aos pais, assim, a oportunidade de perceber uma fração da rotina
vivenciada por alunos e professores no contexto escolar.
Neste sentido, rememorando o objetivo principal da pesquisa
“aproximar as famílias ao processo avaliativo realizado na educação
infantil” ousa-se dizer que esta aproximação e até mesmo certa
valorização quanto ao trabalho desenvolvido no CEI foi percebida
através do retorno e comprometimento dos pais nas datas pré-
definidas para entrega das atividades, nos comprometimentos de
finalizar a pesquisa, e no vínculo e aproximação que se constituiu ao
longo do estudo. Acredita-se, dessa forma, ter elevado a compreensão
das famílias acerca dos trabalhos pedagógicos de cunho avaliativo
realizado na educação infantil. Percebeu-se, ao final do percurso, que
as famílias compreendem que a criança passa por um processo de
aprendizagem e que cada criança tem seu tempo, podendo algumas
vezes levar um tempo maior do que o esperado.
Assim, o presente estudo se constitui em um pequeno passo de
uma longa jornada a ser desvendada ao que se refere a tríade escola-
criança-família no processo avaliativo, o qual outros pesquisadores
poderão se apropriar para tecer novos saberes.

- 125 -
Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. [Constituição


(1988)]. Brasília, DF: Senado Federal: Coordenação de Edições
Técnicas, 2016. 496p.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação


Fundamental. Referencial Curricular nacional para a Educação
Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v. 1 e 2. Disponível em:
https://pedagogiaaopedaletra.com/referencial-curricular-nacional-
para-a-educacao-infantil-2. Acesso em: 18 abr. 2018.

GOBBI, Márcia. Desenho infantil e oralidade: instrumentos para


pesquisas com crianças pequenas. In. FARIA, Ana Lúcia Goulart de;
DEMARTINI, Zelia de Brito Fabri; PRADO, Patricia Dias. (Org.) Por uma
cultura da infância: metodologias de pesquisa com crianças. 3. Ed.
Campinas, SP: Autores Associados, 2009. P. 69-92.

GONSALVES, Elisa Pereira. Iniciação à pesquisa científica. Campinas,


SP: Editora Alínea, 2001.

ITAJAÍ. Diretrizes Municipais para a Educação Infantil. Itajaí:


Prefeitura Municipal de Itajaí. Secretaria de Educação. Coordenadoria
Técnica. Diretoria de Educação Infantil, 2014.

JARDIM, Ana Paula. Relação entre família e escola. Dissertação


(mestrado em educação) apresentada à Universidade do Oeste
Paulista, UNOESTE Presidente Prudente: [s.n.] 2006.

LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de


20 de dezembro de 1996. Brasília: Senado Federal, Coordenação de
Edições Técnicas, 2017. 58p.

PARENTE, M. C.C. A construção de práticas alternativas de avaliação


na pedagogia da infância: sete jornadas de aprendizagem. 2004. 383
fls. Tese (Doutorado em estudos da Criança) – Instituto de Estudos da
Criança, Universidade do Minho, Braga, 2004. Disponível em:

- 126 -
http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/888/1/TESE_C
D_IEC_UM.pdf. Acesso em: 18 abr. 2018.

SZYMANSKI, Heloisa. A relação família/escola: desafios e


perspectivas. Brasília: Livro, 2010.

ZAGURY, Tânia. O professor refém: para pais e professores


entenderem por que fracassa a educação no Brasil. Rio de Janeiro,
Record: 2006.

- 127 -
A construção do pensamento matemático pela criança e o
respeito aos conceitos espontâneos na Educação Infantil

Neusa Maria Roveda Stimamiglio21


Sueli Salva22

Primeiras palavras
No exercício da docência como professoras no curso de
Especialização em Educação Infantil na Universidade Federal de Santa
Maria, trabalhando o eixo temático “Cotidiano e Ação Pedagógica” e
tendo como componente curricular “Natureza e Cultura:
conhecimentos e saberes”, muitos desafios, questionamentos e
reflexões cercaram nosso fazer pedagógico. A responsabilidade em
desenvolver temas deste componente curricular que envolve, por
exemplo, pensar e sistematizar uma proposta para a educação
matemática e de ciências para crianças pequenas, constitui-se um
grande desafio porque, embora as duas áreas de conhecimento
estejam nomeadas, as práticas pedagógicas com a educação infantil
visam romper com a lógica escolarizante, privilegiando as interações e
brincadeiras. Fazendo referência à educação para essa faixa etária em
nosso país, torna-se oportuno lembrar a história controvertida da
Educação Infantil que, pode-se dizer, foi e é uma trajetória de avanços

21
Mestre em Educação, UFGRS.
22
Doutora em Educação, UFGRS.

- 128 -
e alguns retrocessos nas políticas públicas, com certos embates contra
o poder econômico.
A educação infantil tem uma história de lutas por direitos de
cidadania, de reivindicações, de impasses em determinados
momentos, mas, sobretudo, de conquistas. Uma luta em favor da
infância, protagonizada por atores sociais das mais diversas categorias
como, por exemplo, pelas mulheres, por intelectuais da educação, por
forças políticas, por líderes comunitários e outros tantos movimentos.
Uma longa e conturbada trajetória para garantir direitos cidadãos para
nossas crianças, um direito que se tornou reconhecido e assegurado a
partir da Constituição de 1988.
Historicamente, a Educação de crianças pequenas foi marcada
pelo assistencialismo, ou perspectiva compensatória e de antecipação
do ensino fundamental. Estamos construindo a história da Educação
Infantil em nosso país, sendo que os mais diversos discursos
econômicos e políticos permearam e permeiam esse campo
educacional. É muito recente a proposta de educar e não apenas
cuidar das crianças nessa faixa etária, considerando que tais processos
diferem, porém são indissociáveis, uma vez que não se pode cindir a
criança. Muitos desafios estão lançados nessa construção.
Uma das políticas importantes para a constituição do campo e
especificidade da Educação Infantil, que prioriza em igual valor o
cuidar e o educar, é a formação continuada de professores: uma
proposta inédita no que diz respeito à política pública. Infelizmente,
nesse momento, estamos vivenciando inúmeros retrocessos em que
- 129 -
as mais variadas maneiras de formação continuada estão suspensas e,
com a pandemia, muitas questões se agravam visto que o
atendimento está suspenso e não há programa de formação
continuada em curso pelo Governo Federal. O curso de Pós-Graduação
em Docência na Educação Infantil, nível de especialização, financiado
pelo Ministério da Educação (MEC) e Secretaria de Educação Básica
(SEB), ministrado por unidades acadêmicas de Educação, entre elas a
UFSM23, foi um projeto inédito e precursor pensado para que a
obrigatoriedade de atendimento à Educação Infantil, por conta da
Emenda Constitucional 59 (BRASIL, 2009) que torna a educação básica
obrigatória dos 4 aos 17 anos, pudesse ter profissionais qualificados
para atender a educação infantil. O programa de formação continuada
cumpre o que está proposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Infantil (DCNEI), através da resolução do CNE/CEB, de nº 5,
de dezembro de 2009, que prevê:

I – formar em nível de especialização professores,


coordenadores, diretores de creches e pré-escolas
da rede pública e equipes de educação infantil das
redes públicas de ensino;
II – atender as demandas de formação de
profissionais da educação infantil explicitadas nos
Planos de Ações Articuladas (PAR) (BRASIL, DCNEI,
2009).

23
Outras instituições de Ensino Superior fizeram parte da Rede Nacional de
Formação de Professores: UFAM, UFBA, UFC, UGMG, UFMS, UFMT, UFPI, UFPR,
UFRGS, UFRJ, UFRN, UFRR, UFSCar, UFSE, UFSC e UnB, ofertando o curso de
Especialização em Docência na Educação Infantil.

- 130 -
De acordo com Cancian, Mello e Gallina (2017), o curso de
Especialização em Docência na Educação Infantil foi oferecido em dois
momentos pelo Centro de Educação da UFSM, de 2012 a 2014 e de
2014 a 2016. A primeira edição ocorreu apenas na Universidade e a
segunda edição foi ofertada na UFSM e na UNIJUÍ, e teve como
objetivo:

Impulsionar a implementação de política de


formação de professores da Educação Básica junto
ao MEC e à rede Nacional de Formação Continuada
de Professores de Educação Básica, composta por
Universidades que se constituem Centros de
Pesquisa e Desenvolvimento da Educação
(CANCIAN, MELLO, GALLINA, 2012, p. 17).

Em nossas ações como formadoras, durante as aulas,


buscamos construir um olhar indagador, levando a termo a concepção
de ‘professor pesquisador’. De acordo com Paulo Freire:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem


ensino. Esses que-fazeres se encontram um no
corpo do outro. Enquanto ensino contínuo
buscando, reprocurando. Ensino porque busco,
porque indaguei, porque indago e me indago.
Pesquiso para constatar, constatando, intervenho,
intervindo educo e me educo. Pesquiso para
conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou
anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p. 32).

Impulsionadas por essa ideia realizamos uma pesquisa com um


grupo de alunas, na turma a qual trabalhamos o componente
curricular “Natureza e Cultura: conhecimentos e saberes”.
- 131 -
Buscávamos, com isso, compreender quais as concepções das
professoras sobre a importância do processo de construção dos
conceitos matemáticos iniciais pelas crianças. A turma era composta
por 29 mulheres, com experiência em docência na Educação Infantil
de, no mínimo, três (3) anos. A produção dos dados foi realizada por
meio de escritas de memórias autobiográficas sobre as experiências
escolares e por relatos orais expressos durante as aulas, a partir de
questões relativas à construção de conceitos de matemática, ciências
e do mundo físico, realizados durante o próprio processo de
escolarização e da construção de conceitos espontâneos em suas
experiências de vida. As narrativas foram entregues durante a
realização do componente curricular, cujo trabalho final poderia ser
revisto durante as aulas, uma vez que o processo de reflexão
possibilita, muitas vezes, uma mudança de sentido do que foi narrado,
bem como modificar a postura como educador. As narrativas utilizadas
nesta escrita foram aquelas as quais as alunas autorizaram através do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme orientações do
comitê de ética.
Em um primeiro momento as professoras foram impulsionadas
a tecerem considerações sobre a forma como ocorreram as primeiras
aprendizagens no ensino de matemática e de ciências, durante a sua
escolarização. Os diálogos, em pequenos grupos, constituíram-se
como evocadores de memória que possibilitaram, em momento
posterior, a construção de narrativas de memória através da escrita.

- 132 -
Em um segundo momento as professoras foram instigadas a
dialogarem acerca da construção de conceitos matemáticos e de
exploração do mundo físico, fora do espaço escolar: as aprendizagens
espontâneas construídas cotidianamente. Pretendíamos, com essa
reflexão, destacar a importância de aproximar aspectos conceituais
construídos de forma espontânea e dos conceitos formais aprendidos
na escola.
Na Educação Infantil a criança constrói seus primeiros
conceitos numéricos e, esses conceitos iniciais, qualificam-se e se
aprimoram em uma ordem crescente. Nos primeiros anos, os
conceitos iniciais ocorrem através das experiências e da própria
sistematização de novas aprendizagens no processo de mediação.
Portanto, as vivências matemáticas oportunizadas às crianças
pequenas são fundamentais para a construção do número, para
pensarem matematicamente, e com o passar do tempo e do avanço
em outras etapas de ensino escolar podem operar logicamente.
Alguns teóricos contribuíram e contribuem para que se pense
os processos de construção de conceitos matemáticos pelas crianças.
Por exemplo, citamos a importante e fundamental contribuição de
Piaget, que nos possibilitou pensar na construção do conhecimento a
partir da concepção de um sujeito ativo. Contemporaneamente
podemos citar as contribuições de Kamii (1985, 1991), Nunes e Bryant
(1997), Brizuela (2006), Van de Walle (2009), Smole (1996), dentre
outros. Todos os teóricos citados enfatizam, a seu modo e com

- 133 -
maneira própria, a importância de a escola considerar os conceitos
espontâneos da criança. As pesquisadoras se referem à importância
do respeito a essa bagagem construída cotidianamente nas
experiências fora da escola. Ao trazermos para a reflexão os conceitos
espontâneos, partimos da imprescindível contribuição de Vigotsky
(1989, 1993) a respeito deste tema; apresentaremos o
posicionamento teórico de alguns autores sobre a importância dos
conceitos espontâneos construídos pela criança cotidianamente fora
da escola, conceitos estes que avançam através da sistematização no
sistema de ensino e algumas memórias autobiográficas narradas pelas
professoras-alunas do curso de Especialização em Docência na
Educação Infantil.
Na continuidade, abordaremos os fundamentos teóricos
acerca das narrativas de memórias autobiográficas e sua importância
para o processo de formação dos professores. Posteriormente,
destacaremos aspectos relativos à importância dos conceitos
espontâneos a partir da teoria sócio-histórica e a importância deles
para a construção de conceitos matemáticos.

Memórias Autobiográficas como metodologia de pesquisa e


formação
Nesse desafio, diante de um grupo de professoras em
formação de Especialização em Docência na Educação Infantil, a
primeira reflexão é de como possibilitar que os educadores passem

- 134 -
pelo seu próprio processo de construção do conhecimento, como esse
processo pode levar a um posicionamento teórico e uma prática
pedagógica coerente com esse posicionamento. Para tanto, torna-se
indispensável às vivências em sala de aula um processo significativo
que permita aos professores em formação revisitarem suas próprias
memórias de experiências escolares.
A respeito da experiência nos processos formativos,
Warschauer (2001, p. 134), lembrando de autores como Piaget,
Rogers, Jung, Freire e da contribuição de novos teóricos como Josso,
Dominicè e Nóvoa, refere que esses teóricos “insistem na importância
de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas, o que se dá
justamente com a reelaboração da própria identidade e não por
acumulação de cursos, de conhecimentos e técnicas”. Assim sendo, o
investimento feito em profissionais da educação em espaços
formativos passa pela apropriação da própria experiência, buscando
uma reflexão sobre suas ações recentes ou sobre narrativas de suas
histórias de vida. Ainda, Warschauer (2001, p. 135), a respeito de
abordagens autobiográficas, argumenta que “podem ser caminhos de
investimento na formação de adultos e, portanto, dos professores,
pois a formação passa pela compreensão das experiências vividas”.
Torna-se importante, nesse contexto, considerar o que
Halbwachs (2003, p. 55) nos ensina: lembrar não é simples evocação,
considerando que “lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir,
repensar com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado”.

- 135 -
Portanto, o autor reitera que “memória não é sonho, é trabalho”.
Nesse viés, as lembranças em forma de narrativas autobiográficas das
experiências de escolarização da infância e da juventude, ao serem
evocadas pelos professores, são trabalhadas com os recursos, com as
possibilidades, com os materiais hoje disponíveis. Nesse sentido, o
autor faz menção às experiências, pois, no decorrer da vida, nos
transformamos, e essa transformação inclui alteração em nossa
percepção e nela “nossas ideias, nossos juízos de realidade e de valor”
(HALBWACHS, 2006, p. 55).
Ainda retomando Halbwachs (2006 p. 73), podemos dizer que,
ao evocar lembranças, fazemos uso de duas memórias: a memória
interna e a memória externa. A memória interna também pode ser
chamada memória pessoal, enquanto a memória externa pode ser
chamada memória social. Ou, então, uma memória autobiográfica,
referindo-se à memória interna e pessoal, e memória histórica,
referindo-se à memória externa ou social. O autor ainda enfatiza que
ao nos lembrarmos da memória interna recebemos ajuda da memória
externa, pois a memória de nossa vida está contextualizada em uma
memória social, uma história em geral.
De acordo com esse pensamento, a memória histórica é mais
extensa, mas se recorrermos somente a essa memória para evocar
nossas lembranças, o passado ficaria resumido, ao passo que usando
a memória de nossa vida, o passado se constituiria em “um panorama
bem mais contínuo e mais denso”. Torna-se oportuno, portanto,

- 136 -
sinalizar que é por meio das narrativas autobiográficas que as duas
memórias são trabalhadas, pois a memória interna está entrelaçada à
memória externa, posto que, ao lembrarmos, situamos essa memória
em um tempo-espaço. Além disso, lembramos de fatos com mais
riqueza de detalhes quando uma memória se alicerça na memória do
outro.
Seguindo com as orientações teóricas de Halbwachs (2006),
ocorre sempre um entrelaçamento entre a memória individual e a
memória coletiva. As narrativas autobiográficas, como metodologia de
pesquisa, entrelaçam a memória individual com a memória coletiva,
pois, em um grupo, ocorrem interações, trocas de experiências, e as
lembranças se tornam socializadas. A partir dessa experiência, o grupo
agrega informações e amplia o olhar sobre determinado fato, além de
perceber as diferenças, as singularidades e a subjetividade que cada
registro tem em caráter pessoal. Em vista disso, pode-se destacar que
a educação é um campo dentro das Ciências Humanas, sendo uma
experiência primordialmente humana, uma profissão relacional, e isso
quer dizer que se alicerça nas trocas, nas relações, nas interações que
ocorrem em um grupo. Destacamos, pois, o papel do grupo na
formação dos professores, “mudança pessoal é também mudança
social”, diz Warschauer (2001, p. 135).

- 137 -
Memórias autobiográficas sobre as experiências escolares:
narrativas aproximando a experiência com o processo de formação
Partindo do pressuposto que o professor deve ter
oportunidade de vivenciar o próprio processo de construção do
conhecimento, passar por vivências, dentre tantos aspectos, pode
propiciar que os professores fiquem mentalmente ativos, engajados,
abertos e flexíveis a novas experiências. Portanto, iniciamos as
atividades na Especialização em Docência na Educação Infantil dentro
de nosso componente curricular “Natureza e Cultura: conhecimentos
e saberes”, partindo da ideia que todo professor traz consigo uma
bagagem de conhecimentos e saberes construídos ao longo da
trajetória de vida. Dessa forma, propomos que, em grupos, as
professoras trocassem informações e tecessem considerações sobre a
forma como ocorreram as primeiras aprendizagens sobre conceitos
matemáticos e de ciências.
Essa atividade inicial motivou os grupos a narrarem suas
experiências individuais através das trocas estabelecidas, onde a
memória individual e coletiva24 rompeu fronteiras; a memória
individual serviu de alicerce para a memória coletiva. Assim, os
trabalhos em grupo foram produtivos e as professoras mantiveram-se
engajadas na proposta. Através da solicitação para que registrassem e
destacassem os aspectos em comum nas memórias autobiográficas

24
Termo utilizado por Halbwachs (2006) em seu livro Memória Coletiva e Individual.

- 138 -
sobre as experiências de escolarização, os relatos praticamente se
aproximaram em todos os grupos. As professoras, em grande maioria,
registraram que as primeiras aprendizagens no ensino de matemática
se calcaram em atividades de memorização, de repetição de
exercícios, que constavam em desenhar conjuntos com as quantidades
solicitadas, bem como da relação numeral e quantidade. Lembraram,
também, do esforço para decorarem a tabuada, dos exercícios de
preencher linhas, da repetição e pontilhado de números.
Destacamos algumas narrativas registradas pelas professoras
através da escrita, como: “as situações de aprendizagem eram de
reprodução, dissociadas da realidade”, ou então, “a preocupação
maior era saber a tabuada para dar a resposta para a professora, e
não de aprender o processo”. Pode-se, ainda, exemplificar através dos
registros que o ensino era de “muita memorização e repetição, sem
que o aluno desenvolvesse o raciocínio lógico matemático”. Algumas
professoras também lembraram dos castigos ao errarem e do medo
que sentiam nessas situações, outras, ainda, referiram-se “ao castigo
e à humilhação ao aluno que não aprendesse”.
Algumas memórias trouxeram lembranças do uso de materiais
concretos no ensino de matemática. Uma professora lembrou de sua
experiência na educação infantil com jogos e histórias envolvendo
quantidades. Na proposta de atividade com as professoras foi
solicitado que destacassem os aspectos em comum, entretanto,
sempre que uma experiência foi destacada pela diferença, também é

- 139 -
um dado significativo de registro e análise. No mesmo grupo, em que
houve relatos de experiências matemáticas diferenciadas, as
professoras elegeram o recreio como um momento “rico” de situações
envolvendo contagem, dentre outros aspectos, citando as
brincadeiras realizadas, por exemplo: de esconde-esconde, de pular
corda, de jogar as 5 Marias e STOP.
Seguindo com a atividade proposta, as professoras resgataram
suas memórias autobiográficas sobre suas primeiras aprendizagens no
ensino de ciências. Em todos os grupos as professoras destacaram a
experiência da germinação do feijão como uma atividade prática. Nos
relatos foi surpreendente o sentimento de frustração que muitas
professoras expressaram ao lembrarem da “não germinação do
feijão”, na ocasião de suas experiências em sala de aula. Em todas as
situações em que o feijão “não germinou”, as causas do insucesso da
experiência nunca foram investigadas, deixando as professoras,
crianças na época, sem respostas ou tentativas de compreensão sobre
os motivos pelos quais a experiência teria transcorrido de forma
“errada”. Seguida da experiência do feijão, apareceu a do broto da
batata, a experiência do balão para comprovar a existência do ar,
montagem de árvores com partes naturais e classificação de insetos.
Na maioria dos registros destacaram a cópia de textos, o trabalho em
folhas mimeografadas e atividades de responder questionário a partir
dos textos trabalhados. As memórias em que apareceram lembranças

- 140 -
de passeios foram experiências vividas em escolas rurais,
multisseriadas.
A segunda etapa dos trabalhos em grupo consistia em
lembrarem a forma como ocorreram as aprendizagens iniciais de
situações matemáticas e de exploração do mundo físico, fora do
espaço escolar, isto quer dizer, as aprendizagens espontâneas
construídas cotidianamente. Nesse momento do trabalho, podemos
constatar que a vida pulsava no ambiente de sala de aula, pois as
lembranças das professoras surgiam envoltas em gestos, sorrisos, em
memórias que desencadeavam outras memórias, um movimento
intenso dinamizou o espaço da sala.
Nos relatos ficaram evidentes os “conceitos espontâneos”
decorrentes das experiências cotidianas. Nas experiências relatadas
pelas professoras, independente das diferenças de idade, surgiram
memórias sobre como as infâncias viviam os espaços-tempos da
cidade. Os espaços da cidade eram espaços compartilhados, vividos de
forma mais livre, comparando com algumas experiências de infâncias
de hoje, onde os espaços-tempos são mais controlados e
institucionalizados. As experiências de vida ao ar livre e contato com a
natureza e com animais foram os relatos para quem residia no interior
das cidades. Em todos os relatos apareceram as brincadeiras em
grupos, brincadeiras essas que ocupavam grande parte do tempo das
infâncias. Nesse momento, convidamos o leitor a engajar-se nesse
desafio de rememorar suas próprias experiências vividas

- 141 -
cotidianamente fora do espaço escolar, mais do que isso, convidamos
a refletirem sobre as brincadeiras relatadas pelas professoras e as suas
próprias brincadeiras resgatadas, exercitando suas memórias e
experiências, pensando no que essas brincadeiras proporcionaram na
construção do conhecimento, do desenvolvimento cognitivo,
psicomotor, social e moral, dentre tantos outros aspectos.
As brincadeiras mais comuns destacadas pelas professoras
foram, por exemplo, de pular corda, pular amarelinha, brincar de
esconde-esconde, de jogar bolinhas de gude, brincar de casinha,
brincadeiras envolvendo dinheiro como mercadinho e banco. Além
disso, relataram os jogos mais comuns: vareta, Cinco Marias, trilhas e
coleção de álbuns de figurinhas. Nas experiências cotidianas
relataram, ainda, o contato e o cuidado com animais, a descoberta das
características próprias de cada animal, a relação com o meio
ambiente, como, por exemplo, colher frutas, contá-las e experimentá-
las. Outros relatos envolviam uma ação direta de observação,
capturando girinos e acompanhando o processo de transformação,
caçando vaga-lumes para observar a intensidade e frequência da luz.
As professoras que moravam no interior das cidades
lembraram que utilizavam sementes para contagem na resolução de
cálculos matemáticos, recolhiam e contavam os ovos no desempenho
de tarefas diárias, compartilhavam da rotina de trabalho conversando
com os adultos sobre a produtividade das safras, quantidade de sacos
colhidos, sobre o prejuízo em casos de seca. Além disso, ouviam relatos

- 142 -
e informações sobre as fases da lua e a relação com a produção
agrícola. Também, algumas professoras relataram que foram
ensinadas a observarem a posição do sol durante o dia e a atenção que
deveriam ter, pois tinham que terminar a brincadeira e voltarem para
suas casas quando o sol estivesse em determinada posição, seguindo
as orientações de pessoas adultas.
Nas trocas estabelecidas em grande grupo as professoras
teceram comentários enfatizando que a vida fora da escola ou, melhor
dizendo, os conceitos espontâneos vivenciados por elas
cotidianamente não foram considerados na vida escolar. A bagagem
de conhecimentos, as experiências construídas cotidianamente,
revelaram as vivências matemáticas e de contato com o mundo
natural, desconsideradas pelo sistema escolar, sistema que partia e
parte da premissa ainda hoje, em diversas realidades, em muitas
práticas pedagógicas que “ensinam” para uma criança que nada sabe,
desconsiderando os seus saberes espontâneos.
Torna-se oportuno destacar que nos relatos das professoras
ficou evidente que na interação com os amigos, em situações da vida
cotidiana, os desafios eram constantes, as próprias crianças
solucionavam as situações-problemas que surgiam em suas
experiências. Sem a obrigação de percorrer um único caminho para
chegar a um resultado, como muitas vezes acontece na escola para
solucionar um problema matemático, ao contrário, nas experiências
cotidianas as crianças levantavam hipóteses e buscavam a melhor

- 143 -
solução para aquele momento. Resolviam problemas através de regras
que o grupo elegia como suficientes e pensavam, discutiam, chegando
a um acordo e resultado. Nas situações de vivências fora da escola
deve-se destacar a interação entre diversas idades, o que facilitava o
aproveitamento de diferentes experiências.
Através dos relatos sobre as experiências cotidianas vividas
pelas professoras e das trocas estabelecidas no grupo, constatou-se
que nas brincadeiras diárias, e nas situações em que precisavam
resolver problemas, as crianças pensavam intuitivamente em muitas
ideias que envolviam o pensamento matemático, como, por exemplo,
operar com quantidades (juntavam, retiravam, multiplicavam e
distribuíam quantidades) ou, ainda, conceitos intuitivos envolvendo
sistema monetário, noções de geometria, velocidade, peso, medida,
tempo-espaço, dentre outros.

A abordagem sobre os conceitos espontâneos dentro da teoria sócio-


histórica
Primeiramente, vamos fazer uma relação ao termo “conceitos
espontâneos”, terminologia que contém as especificidades da teoria
sócio-histórica ancoradas em Vygotsky (1993). Segundo a abordagem
sócio-histórica, homens e mulheres constroem seu conhecimento na
interação com outros, inserindo-se no processo cultural que é
permanentemente dinâmico, por isso adquirem conceitos acerca do
mundo, através das interações sociais. Portanto, é a partir das

- 144 -
interações que a criança, desde que nasce, está inserida em conceitos
próprios de seu ambiente cultural através da linguagem. E, esta, por
sua vez, possibilita a transmissão do conhecimento em um processo
sócio-histórico.
Os conceitos espontâneos, designação própria dessa
abordagem, são os conceitos adquiridos antes ou fora da escola, por
isso são informais, sem compromisso científico, adquiridos através das
interações sociais. Os conceitos espontâneos, como já diz o próprio
termo, surgem naturalmente no grupo cultural, partem das
experiências do cotidiano, das vivências. Portanto, os conceitos
espontâneos surgem naturalmente, tendo caráter sócio-histórico e,
também, caráter subjetivo, particular na medida em que decorrem das
experiências individuais.
Por outro lado, os conceitos científicos têm caráter sistemático.
Moll (1996, p. 189) se refere aos conceitos científicos dizendo que se
diferenciam dos conceitos cotidianos, pois são sistemáticos e
escolarizados. Segundo o autor, a melhor definição para esses
conceitos não seria chamá-los de científicos, mas, sim, de
escolarizados.
Os conceitos se desenvolvem pelo uso da linguagem. Os
conceitos espontâneos estão ligados ao objeto, à ação, à imagem que
representam, limitados às percepções sensoriais, enquanto que os
escolarizados contêm generalizações na medida em que separam o
objeto da palavra. Isso requer que o estudante os manipule

- 145 -
mentalmente, com ideias e de maneira voluntária e consciente. Moll
(1996, p. 89) se refere aos conceitos dizendo que “os conceitos do dia
a dia são aprendidos de ‘baixo para cima’ da experiência sensorial à
generalização: conceitos escolarizados são aprendidos ‘de cima para
baixo’, da generalização ao exemplo palpável”. Portanto, os conceitos
espontâneos estão relacionados, apesar de terem histórias
diferenciadas e opostas.
Vygotsky (1993, p. 93) nos ensina que os conceitos
espontâneos e científicos estão intimamente relacionados, apesar de
se desenvolverem em direções opostas. Um determinado conceito
científico, para ser absorvido pela criança, necessita que um conceito
espontâneo tenha alcançado “determinado nível”. Depreende-se
dessa afirmação que os conceitos espontâneos têm caráter
ascendente, uma vez que partem da ação, da experiência cotidiana; já
os conceitos científicos apresentam caráter descendente porque
necessitam das experiências da vida prática, do cotidiano. Portanto, o
respeito aos conceitos espontâneos da criança e o uso desses mesmos
conceitos como ponto de partida para o aprendizado dos conceitos
científicos é fator fundamental.
Quando as experiências fora da escola são consideradas, a
criança sente-se valorizada e a ação escolar torna-se mais significativa.
Nos conceitos espontâneos a criança não tem consciência de que sabe
determinado assunto. Na escola, ela recebe informações sistemáticas
e científicas e, quando suas experiências práticas são valorizadas, terá

- 146 -
mais facilidade em estabelecer relações entre os conceitos vividos no
cotidiano com os conceitos escolarizados. A criança na faixa etária da
Educação Infantil conhece o mundo através das brincadeiras. Moll
(1996, p. 224), a respeito da importância das brincadeiras, diz que as
crianças “compreendem os significados do mundo enquanto brincam
com suas representações”. Ainda, o autor enfatiza que os conceitos
que se iniciam no jogo “não apenas são a base dos conceitos
científicos, mas eventualmente tornam-se parte destes conceitos”.

Contribuições teóricas: a importância dos conceitos espontâneos na


construção do conhecimento lógico-matemático
Nunes e colaboradores (2005) enfatizam que dentre as
contribuições fundamentais de Piaget para a educação matemática
está a compreensão de que as operações matemáticas se originam
precocemente nas ações que as crianças fazem, sendo essas ações
denominadas por Piaget (1987) como “esquemas de ação”. Através de
esquemas de ação as crianças fazem suas experiências e, nesse caso,
faz-se referência às experiências matemáticas, que representam suas
experiências de modo que o resultado dessa ação é o primordial, o
essencial para ser representado. Dessa forma, e de acordo com o
autor, um esquema de ação “é a representação da ação”. As crianças
se valem dos esquemas de ação, de experiências práticas na vida
cotidiana, como, por exemplo, juntar e retirar objetos, o que as leva a
compreender a adição e subtração.

- 147 -
Os esquemas de ação nascem no período sensório-motor,
quando a criança estabelece relações através de sua ação sobre os
objetos, como quando, por exemplo, desde o período sensório-motor,
o bebê relaciona a ordem dos objetos pelo tamanho e encaixa
recipientes de tamanhos diferentes enquanto realiza explorações
sensório-motoras. Nesses esquemas de ação, pode-se afirmar,
ocorrem as primeiras experiências no desenvolvimento do
pensamento matemático, inicialmente de forma intuitiva. Para a
construção do pensamento lógico-matemático, a criança na faixa
etária correspondente à Educação Infantil necessita agir sobre os
objetos observados para, dessa forma, construir o conhecimento
lógico-matemático por aprendizagem ativa. As aprendizagens ativas
são denominadas por Piaget (1987) de atividades de conhecimento
físico que se caracterizam em dois tipos: o primeiro são as atividades
envolvendo o movimento dos objetos; e o segundo, as atividades que
envolvem as mudanças nos objetos. Por exemplo, produzir gelatina
permite à criança observar a transformação pelas quais passa o objeto
(do aspecto inicial ao produto final).
As atividades de conhecimento físico são fundamentais para
que a criança aja sobre os objetos e observe transformações, pois
qualquer operação lógico-matemática requer que a criança possa
acompanhar transformações. Constance Kamii e Rheta de Vries (1988,
p. 35) destacam a inter-relação entre a experiência física e a estrutura
lógico-matemática, afirmando que não pode ocorrer uma experiência

- 148 -
sem estar implicada a outra; ainda, as autoras enfatizam que não
existe experiência lógico-matemática sem objetos para estabelecer
relações. “Portanto, a manipulação física e a ação sobre os objetos
estão totalmente inter-relacionadas com a ação mental. A experiência
física dá suporte para estruturar a construção lógico-matemática”.
Neste trabalho consideramos apenas os aspectos gerais e
algumas especificidades da teoria psicogenética, destacando a
fundamental contribuição de Piaget para a compreensão da
construção do pensamento matemático e dos conceitos numéricos
iniciais. Os conceitos numéricos iniciais são fundamentais para o
crescimento integral da criança e o desenvolvimento das habilidades
necessárias à resolução de situações-problemas na vida cotidiana.
Além disso, esses conceitos são fundamentais para a aquisição de
novos conceitos e o desempenho favorável no ensino formal e,
portanto, servem de suporte para conceitos em níveis cada vez mais
elaborados e exigentes.
Retomando em breves palavras, a criança constrói seu
conhecimento lógico-matemático nas ações mais elementares, nos
seus esquemas de ações, agindo sobre os objetos. Portanto, é de
forma intuitiva e na vida cotidiana que ocorre esse conhecimento; os
esquemas de ações podem ser comparados aos conceitos
espontâneos, pois ambos são construídos a partir das vivências, das
experiências da criança. Alguns autores compartilham a ideia de que
as crianças devam ter experiências matemáticas antes de irem à

- 149 -
escola, e que suas vivências acontecem desde a mais tenra idade.
Nunes e Bryant (1997) abordam esse aspecto dizendo ser difícil
precisar quando uma criança começa a aprender matemática,
afirmando que, na escola, aprendem conceitos matemáticos
formalmente, mas que também é impossível não admitir que elas
tenham aprendido alguns princípios matemáticos em suas
experiências anteriores à escola.
Smole (1996) corrobora a afirmação de que as crianças já
chegam à escola com experiências matemáticas, argumentando a
necessidade de uma proposta pedagógica que valide as ideias
intuitivas que as crianças trazem, considerando, ainda, sua linguagem
materna e a necessidade de se desenvolverem intelectualmente. Para
essa proposta é preciso contemplar bem mais que a recitação ou a
simples sequência numérica.
Nunes e Bryant (1997, p. 20) destacam que os princípios
matemáticos, muitas vezes, estão presentes em tarefas cotidianas da
vida das crianças em situações diárias nas quais são envolvidas, como,
por exemplo, nas que estejam envolvidos dinheiro, distribuição,
velocidade, o aniversário, e até brincadeiras de contagem, etc.
Brizuela (2006, p. 56-57) contribui com uma ideia
interessante quando se refere ao desenvolvimento matemático, mais
especificamente a aprendizagem das notações matemáticas. Muitos
profissionais seguem com a ideia de que as notações são consequência
dos conceitos aprendidos no sistema escolar. A autora argumenta que

- 150 -
a aprendizagem das notações é uma construção e que as crianças têm
hipóteses sobre essa aprendizagem. Os conceitos matemáticos
formais, assim como os “aspectos notacionais da matemática”, são
construídos através da inter-relação do que a criança traz para a
situação (as invenções) e as regularidades da ordem social (as
convenções), “por meio da interação entre convenções e invenções,
as invenções tornam-se mais ricas, e as convenções passam a ter
significado pessoal para o aprendiz”. Ainda, a autora enfatiza que
“inventar e criar são de suprema importância para a construção do
conhecimento”, nos desafia, também, a refletirmos o porquê de
rejeitarmos as invenções que as crianças trazem. Seguindo com essa
ideia, a autora se refere ao conhecimento dos números escritos
dizendo que as crianças “não iniciam sua instrução numérica formal
como uma tábula rasa” (BRIZUELA, 2006, p. 70).
Neste texto objetivamos questionar, dentre outros aspectos,
a crença instaurada em muitos profissionais da educação de que a
escola recebe crianças como uma tábula rasa. Buscamos pensar no
quanto essa ideia tem perpassado os espaços educativos formais e
determinado práticas educativas conservadoras, tradicionais e
empobrecidas no sentido de possibilitar, por exemplo, a construção do
pensamento matemático.
Walle (2009) relaciona as conexões de conteúdos
matemáticos possíveis referindo-se ao desenvolvimento inicial do
conceito de número com outras áreas do currículo. Portanto, o autor

- 151 -
reforça a importância e as implicações pedagógicas relativas aos
conceitos matemáticos na Educação Infantil como um espaço de
construção do pensamento matemático, fundamental para a conexão
com outros conhecimentos matemáticos.
Tal preceito situa-se no atendimento às diretrizes curriculares
nacionais para a Educação Infantil (DCNEI, 2009), que prevê:

As práticas pedagógicas que compõem a proposta


curricular da Educação Infantil devem ter como
eixos norteadores as interações e a brincadeira e
devem garantir experiências que recriem, em
contextos significativos para as crianças, relações
quantitativas, medidas, formas e orientações
espaço temporais (BRASIL, 2009).

Smole (1996) refere-se a uma proposta de trabalho com a


matemática na Educação Infantil como um exercício sistemático do
pensar da criança. Por isso, torna-se inadequada uma concepção de
treinamento para que as crianças deem respostas corretas, sem a
oportunidade de fazê-las compreender o que fazem e a consequência
de suas ações no desenvolvimento de operações matemáticas. Ela
defende, também, que uma proposta adequada na Educação Infantil
deve encorajar as crianças a explorarem ideias matemáticas, o que vai
além da correspondência numeral/quantidade ou da contagem
elementar, porque oferece experiências com números, medidas,
geometria, estatística, enfim, vivências que despertam a curiosidade e
o prazer ao trabalhar com noções matemáticas.

- 152 -
Smole, Diniz e Cândido (2000), organizadoras do livro com o
título Brincadeiras Infantis nas Aulas de Matemática 1, sugerem
brincadeiras utilizadas pelas crianças na vida cotidiana, como, por
exemplo, brincadeiras com corda, amarelinha, bola de gude,
brincadeiras com bola, brincadeiras de perseguição, dentre outras,
para fazerem parte das aulas de matemática na escola. As autoras
argumentam que brincar faz parte das necessidades e dos interesses
da criança; além disso, a brincadeira, o jogo, proporcionam o
desenvolvimento corporal, mantêm as crianças ativas, participativas e
através das brincadeiras cria-se um ambiente favorável para a
sociabilidade, a cooperação e o respeito ao “outro” e às regras
determinadas. Dessa forma, na Educação Infantil, podem ser
oportunizadas situações matemáticas significativas para a criança, de
maneira que ela possa resolver situações que a levem a estabelecer
relações de quantidade. Nessa fase da Educação Infantil, a criança
inicia a construção dos conceitos numéricos e, quando é desafiada a
pensar nas relações entre quantidades, ela avança em seu
pensamento matemático.
Uma proposta pedagógica em que a criança seja desafiada a
pensar em diversas situações próprias de sua idade, como, por
exemplo, resolvendo histórias-problema as quais possa estabelecer
relações de quantidade como: juntar, retirar, distribuir, agrupar,
comparar conjuntos, certamente ela estará em um ambiente favorável
para a construção do pensamento matemático. Esse estímulo de
proporcionar um ambiente desafiador, onde a criança opere com
- 153 -
ideias matemáticas, certamente, deverá ser um espaço que fica
distante de uma proposta tradicional de ensino em que a criança só
tem um caminho para chegar à resposta certa.

Considerações Finais
Através do trabalho resgatando as memórias das experiências
de escolarização das professoras sobre as aprendizagens dos conceitos
iniciais da matemática e de ciências, bem como dos conceitos
espontâneos construídos na experiência cotidiana, muitas professoras
relataram a riqueza dos conceitos espontâneos vividos na experiência
fora da escola e o quanto estes conceitos espontâneos estavam
permeados por conhecimentos intuitivos, fundamentais para a
aquisição dos conhecimentos escolarizados. Muitos professores
aceitam essa tese de que a criança inicia sua caminhada escolar com
conhecimentos informais sobre matemática, oriundos de suas
experiências cotidianas, mas que, muitas vezes, a proposta pedagógica
não considera ditos conhecimentos. Algumas dificuldades aparecem
no desempenho das crianças na matemática, apesar de a maioria delas
já construir conhecimentos matemáticos em suas experiências
cotidianas e ingressarem na escola resolvendo situações-problema
intuitivamente.
Constatou-se que muitas das professoras que cursam a
Especialização em Docência na Educação Infantil sentiam-se, a
princípio, resistentes ao eixo temático que reflete sobre a construção
de conceitos matemáticos e de ciências pelas crianças, pelas
- 154 -
lembranças das dificuldades escolares vividas em relação ao
conhecimento matemático. Ainda, cabe registrar que, após as
primeiras atividades, contato com a teoria e as discussões em grande
grupo, algumas professoras sentiram-se aliviadas, pois, segundo seus
relatos, elas trabalham, sim, a construção do pensamento matemático
com as crianças pequenas, pois perceberam que muitas atividades
lúdicas estão repletas desse desafio: construir os conceitos
matemáticos iniciais na Educação Infantil. O período escolar destinado
à Educação Infantil é um momento importante para aproximar e
familiarizar a criança com os conceitos mais elaborados, partindo dos
conceitos espontâneos que ela já possui, o que lhe possibilita a
construção de um pensamento matemático. Nessa fase, ela está em
processo de construção dos conceitos matemáticos iniciais e eles
servem de suporte para a aquisição de conceitos em níveis cada vez
mais elaborados e exigentes.
Dessa forma, na Educação Infantil, podem-se oportunizar
situações matemáticas significativas à criança, dando-lhe condições de
resolver situações envolvendo problemas que a levem a estabelecer
relações de quantidade, espaciais, temporais, quantitativas, medidas,
etc. Uma proposta metodológica baseada no lúdico, por exemplo,
exige um planejamento sério, competente e um olhar atento e
investigativo, como também uma escuta sensível para perceber as
hipóteses que as crianças estão elaborando, desafiando-as com
atividades adequadas e que promovam progresso e avanço no
pensamento delas.
- 155 -
Referências

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percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os
recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de
que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos
incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do
ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos
programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e
dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do
art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 11 nov. 2009b. Disponível em:
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- 157 -
“Podemos brincar com ele também?”: A interação de bebês com
crianças mais velhas no espaço escolar

Viviane Meili25
Kelly Werle26

Introdução
Bebês são seres curiosos, inteligentes e que demonstram
maneiras variadas de se expressar e de se comunicar com o mundo. É
a partir dessa curiosidade e desse impulso por novas descobertas que
eles se tornam protagonista de seu aprendizado, utilizando de
múltiplas linguagens para se manifestarem em seu meio de convívio
social. Assim como as demais pessoas de nossa sociedade, os bebês
também são potentes produtores de culturas e, é através do contato
com crianças de diferentes idades, seja em ambiente escolar ou não,
que ocorrem trocas e aprendizados significativos para seu
desenvolvimento.

As pesquisas já existentes acerca da interação de bebês com


crianças mais velhas tratam de abordar a interação das crianças no
âmbito escolar entendendo-as como seres sociais, que se constituem
nas relações que estabelecem com o outro. A principal preocupação

25
Graduada em Pedagogia, UFSM.
26
Doutora em Educação, UFSM. Professora do Departamento de Metodologia do
Ensino da UFSM. Orientadora.

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relacionada nas pesquisas é a maneira com que as instituições
proporcionam as interações sociais, pois observa-se que, mesmo
tendo conhecimento sobre a importância das mesmas, muitas vezes,
os espaços da escola são organizados de maneira a proteger os bebês
na sala do berçário ou em outros espaços específicos, restringindo o
contato com as demais crianças da Educação Infantil.
Vivemos em uma sociedade adultocêntrica, a qual se pauta
numa cultura escolar que vê os bebês como seres dóceis, passivos,
disciplinados e submissos, em detrimento ao curioso e ao ativo. Os
bebês solicitam o contato com as demais crianças através de suas
expressões, sendo necessário um olhar adulto, sensível a estas
manifestações.
Os bebês expressam-se através de múltiplas linguagens, sendo
elas: o choro, olhares, gestos, falas, balbucios, toques, movimentos,
etc. Através dessas manifestações e expressões culturais, as
pesquisadoras procuraram identificar o que gera nas crianças e nos
bebês quando ocorre o encontro multidade.
Neste sentido, a pesquisa buscou compreender como ocorre a
interação dos bebês com crianças mais velhas no espaço escolar, mais
especificamente, quais situações são criadas/possibilitadas para a
interação multidade na escola, que concepções os professores
possuem acerca da interação de bebês com crianças mais velhas no
espaço escolar e, por fim, que desafios precisam ser enfrentados para

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que a interação entre bebês e crianças mais velhas seja compreendida
e proporcionada na escola de Educação Infantil.
Inicialmente, é discutida a importância que a vida coletiva tem
na formação das crianças em contexto escolar. A seguir, apresentam-
se os caminhos metodológicos da investigação trazendo para a
discussão, o contexto da pesquisa com a participação de crianças para,
posteriormente, abordar quais foram os resultados do estudo
demostrando, desse modo, o quão potente são os encontros entre
crianças de diferentes idades e o papel do professor frente a essas
buscas.

A vida coletiva na formação de bebês e crianças mais velhas em


espaços multidade
A partir de mudanças decorrentes da modernidade e do
processo de industrialização, por muito tempo, coube às famílias a
missão de cuidar e educar seus filhos, em especial, às mães que
desprendiam os períodos que se encontravam no lar para esta tarefa.
Somente a partir do momento em que mulheres passaram a exigir
direitos igualitários, é que as crianças começam a vivenciar, cada vez
mais cedo, o processo de institucionalização da infância.
Assim, mães que antes permaneciam ligadas aos seus espaços
domésticos, passaram, gradativamente, a se inserirem no mercado de
trabalho, e a tarefa de educar uma criança, que antes era dado a elas,
passa a ser entendido como responsabilidade do setor público,

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juntamente com o núcleo familiar, ocorrendo assim, avanços quanto
à criação de creches e pré-escolas.

A escola de educação infantil, ao longo dos anos,


vem representando diversas funções para a
sociedade, especialmente para adultos e crianças
que fazem dessa instituição um espaço de cuidado,
de socialização, de aprendizagem e de educação.
Isso resulta do fato de que, nas últimas décadas, os
diversos segmentos da sociedade têm voltado sua
atenção para as necessidades das crianças em
contextos de vida coletiva (FOCHI, 2015, p. 31).

O estar em vida coletiva passou a ser um grande passo para a


ampliação do processo de socialização das crianças, que antes se
restringiam mais ao contato com a família. O espaço escolar possibilita
que as crianças tenham a oportunidade de criar novos vínculos
afetivos, sejam eles com professores, funcionários, coordenação e,
principalmente, com outras crianças, descobrindo novas formas de se
viver a infância, de produzir culturas e de se relacionar em sociedade.
Considerando os inúmeros contextos de vida que muitas
crianças de nossa sociedade têm e as infâncias que cada uma vive,
podemos dizer que, muitas vezes, a instituição escolar é vista como
um dos únicos espaços onde crianças têm a possibilidade de se
relacionar com outras crianças, principalmente, com pares de faixas
etárias diferentes.
Em muitos núcleos familiares existe o cerceamento e a
proteção das crianças, além do aumento da violência, diminuição da

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taxa de fecundidade e consequente redução no número de irmãos,
além do aumento de crianças que são filhas únicas.
Desse modo, além de valorizar os contextos vividos pelas
crianças, pode-se pensar, através dos estudos de Fochi (2015), as
inúmeras visões de criança existentes em nossa sociedade, uma delas
“é da criança que falta, que não é, e que não tem” (p.40). Essa visão
do autor pode ser interpretada como um olhar que a sociedade cria
para com a criança como alguém que ainda não fala, não caminha e
não se alimenta sozinha. Todos esses fatores nos mostram o quanto
os adultos colocam as crianças, muitas vezes, como alguém que tem
coisas em falta, que não está pronta, quando deveria valorizar-se
aquilo que a criança é, como ser ativo, desafiador, competente e
curioso.
Outro ponto importante que Fochi (2015) levanta, é a ideia de
pensar os sujeitos da educação infantil como crianças, e não como
alunos.

Ademais, situar a ideia de criança, e não mais de


aluno, em contextos de vida coletiva provoca
reivindicações relativas: (i) ao respeito à̀
individualidade e contra os movimentos de
homogeneização; (ii) à possibilidade da construção
de um espaço, no qual adultos e crianças habitem,
de modo que as culturas infantis e adultas
convirjam, deixando de lado o caráter dominante
do adulto sobre a criança; e também (iii) à
dimensão humana que reside sobre a ideia de que
a criança que chega ao mundo – conforme destaca
Malaguzzi (1995a), desde a sua chegada na cena
- 162 -
humana, é desejosa de se comunicar e de se
relacionar e está engajada para experimentar o seu
entorno (FOCHI, 2015, p. 40).

O papel do aluno é uma invenção feita por adultos em nossa


sociedade, pois, na mesma, já temos uma cultura escolar muito
marcada. Quando isso se rompe, passa-se a enxergar a criança na
educação infantil e não mais um aluno, abre-se a possibilidade de as
crianças viverem sua infância.
Voltando agora o olhar ao foco desta pesquisa, após a
problematização, através de estudos, as visões sociais da criança que
habita o espaço escolar, pode-se passar a falar das interações criadas
e proporcionadas para e com elas. Fochi (2015, p.57), nos diz que “O
homem está em constante interação no mundo; assim, nessa tensão
com o meio, as emoções, as intenções e os desejos vão se modificando
e transformando, tanto em quem sofre quanto em quem provoca a
experiência”.
Assim sendo, pode-se compreender que, para uma criança se
relacionar e estar em constante interação, abre espaço para que novas
emoções surjam, novas experiências e entendimentos de como viver
em sociedade são compreendidos. Mas, é necessário estar atento que,
para a interação acontecer, é preciso que a experiência seja
proporcionada. É papel do professor de educação infantil estar
disposto a colocar essas ações em prática, dar opções para que as
crianças escolham com quem estar, com quem construir vínculos.

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A autora Prado (2005, 2006), aborda muito em seus estudos a
temática das interações, tendo foco naquelas que são construídas
através de diferentes idades.

Posteriormente, os estudos de Carvalho e Beraldo


(1989) demonstraram que as crianças pequenas
relacionam-se, preferencialmente, com outras
crianças, constituindo-se como a experiência social
mais frequente e intensa deste momento de vida –
o que significa que as professoras, monitoras,
recreacionistas e demais profissionais docentes da
educação infantil não são as únicas mediadoras e
agentes das aprendizagens das crianças, mas sim (e
muito mais) outras crianças (PRADO, 2006, p. 18).

Dessa maneira, percebe-se que, parte também da criança a


vontade de estar com o outro, seja ele da mesma idade ou de idade
distinta. As crianças se interessam e precisam desfrutar da liberdade
de estar em alguns momentos com crianças mais velhas ou mais novas
para que as mesmas não sintam que precisam, necessariamente, estar
o tempo todo com crianças da mesma idade, por imposição do
sistema.
Nas instituições educativas é perceptível a naturalidade dos
agrupamentos espontâneos das crianças em turmas, onde as faixas
etárias são as mesmas. Nesses espaços, as interações não deixam de
existir, no entanto, parecem estarem limitadas somente entre crianças
de uma mesma idade. Prado (2006), em seus estudos levanta questões
acerca dessa divisão etária, defendendo o ponto de vista social, onde

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somente critérios etários não podem definir questões de
relacionamento.

A idade como categoria traz em si uma reflexão de


ordem política, epistemológica e metodológica em
sua relação com os contextos educativos,
pensando aqui, na educação infantil como espaço
de construção de pertencimentos etários.
Entretanto, a infância como categoria social
marcada pela heterogeneidade, não pode ser
definida apenas por critérios etários ou para
diferenciar-se da totalidade de pessoas que ainda
não têm esta ou aquela idade (PRADO, 2006, p.
153).

Essa delimitação etária e a impossibilidade que, muitas vezes,


existe de crianças mais velhas brincarem com crianças mais novas, está
na crença de que elas estariam em momentos distintos de seu
crescimento e, por isso, acabariam por não se entender, gerando
brigas e conflitos.
Em muitos momentos a sociedade internaliza e atribui um
significado a cada momento e fase da vida. Sendo assim, é importante
que ocorram encontros entre esses diferentes momentos de vida, para
que novas reflexões sejam realizadas. O contato de um bebê com uma
criança mais velha não significa, necessariamente, um encontro que
gerará conflitos. Podem surgir relações de benevolência, de cuidado e
de estima, proporcionando aprendizagens para ambos.
Os bebês aproveitam a companhia de crianças mais velhas para
desenvolverem novas habilidades e competências, além de terem

- 165 -
momentos onde compartilham, negociam, trocam experiências,
construindo juntas novas formas de brincar e de fazer as coisas
diariamente. As crianças mais velhas, em muitos momentos, por
viverem nessa imposição de brincadeiras somente com crianças de
mesma idade, quando são vistas brincando com um bebê, ou uma
criança menor, tendem a se justificar, como se aquela ação fosse
errada. Em um relato de sua pesquisa, Prado (2006), fala sobre esse
contato entre uma criança mais velha e uma mais nova.

Outro dia com as crianças menores, no parque, eis


que as crianças do pré caminhavam nas varandas
em direção ao parque. Pedro, que estava com as
crianças menores no tanque de areia, logo que viu,
ao longe, as crianças de sua turma, levantou-se e
gritou bem alto:
- Oh, pessoal! Estou aqui brincando com os
bebezinhos, hoje!
Pedro se retratava para os colegas da mesma
turma, agora considerando os colegas menores
como bebezinhos, necessitados de sua presença e
participação (PRADO, 2006, p. 95).

O trecho relatado pela autora mostra que a delimitação que


dividia as crianças por idade, já estava incorporada por Pedro. Então,
o menino buscava uma explicação para estar ali, pois, assim como ele,
seus colegas também já haviam internalizado essa delimitação. Apesar
da criança desejar estar com os menores, e sentir a necessidade de
estabelecer relações diferentes da que estabelece todos os dias, ele
sabia que poderia acabar sendo julgado pelos colegas.

- 166 -
Portanto, é importante que as escolas entendam que suas
ações refletem significativamente naquilo que as crianças internalizam
em seu espaço. Dar a possibilidade de existirem contatos
diversificados, estimula confiança nas crianças, e dá a elas a
possibilidade de estarem onde se sentem bem, sem o medo do
julgamento, pois essas ações de socialização entre diferentes idades
são vistas como natural.

Caminhos metodológicos
A pesquisa buscou colaborar com o debate a respeito das
interações de bebês com crianças mais velhas no espaço escolar. Para
tanto, optou-se pela abordagem qualitativa. A escolha por essa
abordagem é pertinente, pois valoriza a participação do sujeito
pesquisado e sua subjetividade enquanto colaborador.
O levantamento de resultados ocorreu por meio de entrevistas
e observações, sendo essa última, realizada levando em consideração
os princípios éticos e metodológicos na prerrogativa da pesquisa com
crianças (GRAUE; WALSH, 2003).
Para atingir o objetivo desta pesquisa, foram definidas como
participantes: 10 crianças de 08 meses a 1 ano e 8 meses, bem como
duas professoras de uma escola pública de Educação Infantil de Santa
Maria/RS. A pesquisa ocorreu durante o período de 06 a 23 de maio
de 2019. A escolha da instituição se deu pelo trabalho de referência
que essa escola vem produzindo, na qual além das turmas serem

- 167 -
constituídas de crianças com diferentes faixas etárias, elas ainda são
consideradas protagonistas de seu aprendizado. As observações foram
realizadas na sala de aula, pátio e demais locais de vivências diárias,
incluindo um olhar para o cotidiano que os pequenos tinham no
espaço escolar.
A turma pesquisada era designada por uma cor: Amarela. Havia
uma professora regente no turno da manhã e outra no turno da tarde,
bem como duas bolsistas em cada turno, que auxiliavam no trabalho.
Ambas as professoras eram formadas em Pedagogia, sendo uma delas
mestre com doutorado em andamento.
É importante ressaltar que a pesquisa com a participação de
crianças tem uma especificidade diferenciada em relação às demais
pesquisas realizadas com adultos, o que demanda uma reflexão
quanto ao papel e perfil do pesquisador. Os autores Graue e Walsh
(2003, p. 10) abordam essa questão dizendo-nos que,

Descobrir - intelectualmente, fisicamente e


emocionalmente – é extremamente difícil quando
se trata de crianças. A distância física, social,
cognitiva e política entre o adulto e a criança
tornam essa relação muito diferente das relações
entre adultos. Na investigação com crianças nunca
nos tornamos crianças, mantemo-nos sempre com
um outro bem definido e prontamente
identificável.

Entretanto, é importante que haja uma reconstrução do olhar


adultocêntrico para com as crianças, não as adotando somente como

- 168 -
um veículo para medição de resultados. Utilizar as observações
somente com o intuito de trazer números diz-nos muito pouco a
respeito das interações criadas nos espaços e entre pares. É necessário
que haja uma interpretação daquilo que as crianças nos trazem,
proporcionando a elas exercerem o protagonismo, e registrando os
mais singelos detalhes.
Os contextos, os quais as crianças fazem parte, sofrem o
controle do adulto quase o tempo todo, pois, eles tomam decisões por
elas limitando-as em suas escolhas. No entanto, as crianças têm em si
um senso de criação muito forte, sendo capazes de inventar os seus
próprios subcontextos que, muitas vezes, são imperceptíveis para os
adultos.
Quando se opta por pesquisar as crianças e suas interações em
diversos espaços, teoricamente, a criança é posta como protagonista.
No entanto, a partir do momento em que a pesquisa se inicia, esse
protagonismo infantil é, muitas vezes, colocado de lado e as vozes das
crianças não são mais levadas em consideração. A respeito desse
assunto, Werle e Bellochio (2016, p. 231) afirmam,

Neste contexto, embora sejam reconhecidos,


teoricamente, os direitos e protagonismos das
crianças, muitas vezes, quando os pesquisadores
necessitam de autorização para se inserirem junto
ao contexto escolar, para realizarem as pesquisas
e, assim, produzirem os dados, remetem-se apenas
aos pais, professores ou responsáveis pelas
crianças.

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Um dos primeiros passos da pesquisa de campo foi procurar
obter a autorização da instituição, dos pais e responsáveis através do
TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido27. Mas, para além
da autorização dos adultos responsáveis, houve a preocupação em
conquistar, também, a aceitação dos bebês, entendendo-os como
protagonistas, buscando construir uma relação ética na produção da
pesquisa. É imprescindível que a autorização das crianças seja vista
como tão importante quanto a da família. Mesmo que o termo de
consentimento não seja assinado por essa criança, é necessário que
haja uma sensibilidade em entender que um gesto ou um olhar dizem
muito sobre o quanto aquela criança está disposta a contribuir, ou não,
naquela investigação, entendendo também que algumas crianças são
mais acessíveis em determinados momentos e lugares que outras.
Sendo assim, adentrar em um espaço diferente, habitado por
crianças pequenas onde irá se compartilhar experiências com esse
grupo, exige uma postura ética e de respeito. Ser ético exige que
sejamos honestos, tanto para conosco como para com as crianças. Os
autores Graue e Walsh (2003, p.104) nos dizem que “Ao nível mais
básico, temos a responsabilidade de sermos éticos no nosso
relacionamento com elas. Devemos fazer o nosso melhor para garantir
que não haja qualquer dano provocado pelas nossas interações com
elas [...]”.

27
Utilizei o TCLE também como forma de primar pela ética na pesquisa.

- 170 -
O olhar do pesquisador durante a observação precisa estar
aberto à criança como um ser, historicamente e culturalmente
situado, que também tem uma visão de si mesma que, nem sempre
condiz com aquilo que a sociedade adulta impõe a ela. De acordo com
Graue e Walsh (2003, p. 51), “O mundo em que hoje crescem as
crianças da nossa sociedade não é o mundo em que cresceram os que
as estudam”.
A partir disso, é importante que o pesquisador respeite as
crianças e suas diversidades de infância, possibilitando que elas
exerçam sua forma de participação e de protagonismo, necessários em
seu estudo, não as reduzindo como fonte de geração de dados.
A leitura dos gestos, dos olhares e das múltiplas formas dos
bebês se expressarem fazem parte da pesquisa, e acredita-se que,
desse modo, a investigação se torna mais ética, pois enxerga a criança
como sujeito participativo, permitindo a sua contribuição, escutando-
a para melhor compreendê-la, respeitando o seu modo de ser, de estar
e, principalmente, de se comunicar, como relatado na pesquisa de
(MEILI, 2019, p.28)

Durante minhas investigações prezei por respeitar


a vontade dos bebês em eu estar próxima deles, ou
não. Busquei entender que, inicialmente, eu seria
uma pessoa diferente que não fazia parte daquele
grupo/contexto, e, portanto, não teria uma
aceitação de imediato. Sempre atenta, deixava que
eles viessem até onde eu estava e expressassem de
diferentes formas o seu consentimento para que

- 171 -
eu pudesse estar com eles, entendendo quando
um choro representava um não, e um olhar
sorridente dizia “sim, eu aceito você nesse
momento”.

Todas as técnicas, tanto de entrevista como de observação


possibilitam um maior entendimento de como a interação de
diferentes idades acontece no meio escolar, além de perceber de que
modo os docentes favorecem, ou não, que esses momentos
aconteçam, seja em sala de aula, no momento do lanche ou em
momentos recreativos de brincadeiras, etc.
Acredita-se que houve a busca pela valorização das crianças em
sua inteireza, indo ao encontro dos preceitos éticos da pesquisa com
a participação de crianças durante o processo de investigação. Ao
todo, foram realizadas 10 observações junto à turma Amarela, com o
objetivo de compreender em que momentos os bebês tinham a
possibilidade de estarem na presença de crianças mais velhas, e o que
surgia a partir dessas interações, além disso, procurou-se observar os
espaços proporcionados e como as professoras e estagiárias
entendiam esses encontros. Desse modo, a observação é essencial,
pois é a partir dela que se consegue entender diversos fenômenos que
acontecem nos espaços observados, além de estabelecer conexões
com os sujeitos da pesquisa.
Durante as observações, utilizou-se um diário de campo onde
foram realizados registros e reflexões sobre o cotidiano dos bebês, os
espaços que ocupavam, e os encontros que eram proporcionados.

- 172 -
Além da documentação, também se utilizou de registros fotográficos
e audiovisuais com o objetivo de complementar as escritas e dar uma
maior visibilidade a respeito das construções e encontros
proporcionados com os bebês e para eles.
O segundo passo, após as observações, foi realizar uma
Entrevista Semiestruturada com as professoras do berçário, a partir de
questões voltadas às interações e ao trabalho pedagógico. Através
desse tipo de entrevista, é possível possibilitar ao entrevistado que ele
siga com sua linha de pensamento de forma espontânea, exercendo a
liberdade e enriquecendo a investigação.

Análise de resultados
Após a produção dos resultados da pesquisa, realizou-se um
mapeamento buscando identificar quais elementos seriam oriundos,
tanto das observações quanto das entrevistas e que pudessem, a partir
de então, serem extraídas algumas categorias. Após esse processo de
categorização, foram elencadas quatro categorias, mas, para a
organização deste texto foram selecionadas apenas duas, que vão
tratar sobre: A busca das crianças de diferentes idades entre si e O
papel do(a) professor(a) frente às buscas dos mais velhos pelos
menores.

- 173 -
A busca das crianças de diferentes idades entre si
Durante as observações pode-se perceber o quanto o interesse
das crianças em estarem com aqueles que não eram da mesma turma
surgia quase que todo o tempo. Mesmo a escola tendo como uma de
suas características mais marcantes as turmas multidade, os bebês
ainda tinham a sua própria sala.
Sendo assim, a turma amarela era em alguns momentos um
local curioso para os mais velhos que vinham utilizar o banheiro ao
lado dessa sala, e não perdiam a oportunidade de dar uma conferida
nos bebês pelo vidro da porta. Um olhar atento, de quem no fundo
aparentava querer entrar e brincar também. Os bebês sempre que
viam aqueles rostos diferentes os olhando, engatinhavam até a porta
numa tentativa de ficar de pé, de estabelecer um contato e interagir.
Esses encontros entre as crianças na escola são costumeiros, diários, e
é através deles que surgem inúmeras possibilidades.

Hoje também, percebi que as crianças têm a


possibilidade de sair da sala para dar uma volta
junto das professoras de vez em quando.
Vicente²28, como é o único que já caminha, é o que
mais explora esses passeios. Hoje, ele saiu da sala
junto da professora Laura, nesse momento optei
por acompanhá-lo a fim de ver o que ele explora e
quais contatos estabelece nesse caminho. Em um
breve momento de seu passeio pelo corredor,
Vicente encontrou um grupo de crianças mais

28
Com a finalidade de preservar a identidade dos bebês e das professoras, utilizei
nomes fictícios.

- 174 -
velhas saindo de sua sala para alguma atividade,
nesse momento ele parou e ficou observando para
onde as crianças estavam indo, algumas olharam
quando o professor da turma disse “- Cuidado
crianças, tem um bebê no caminho”, Vicente então
começou a acenar para alguns que correspondiam
os seus olhares. No momento de voltar para a sala,
ele foi em direção à porta do berçário 2, na qual
tinha algumas fotos das crianças penduradas na
porta, uma das professoras abre a porta e diz, “-
Olhem crianças, temos um bebê visitante, ele está
olhando nossas fotos”, Vicente novamente acena
para as crianças e vai embora (Diário de campo,
07/05/2019).

Fochi (2015) em suas pesquisas, narra alguns encontros entre


bebês, os quais observou, trazendo um elemento importante: a
curiosidade. Para ele, é a curiosidade que impulsiona os grandes feitos
na humanidade, e nas crianças não poderia ser de outro modo. No fato
narrado acima, a curiosidade impulsionou Vinícius a descobrir o que
havia fora da sala de aula, estabelecendo assim, novos contatos nos
corredores e salas da escola. O bebê parecia curioso e feliz em ver
tantas outras crianças, que além de serem pessoas com quem não
estabelece muito contato diariamente, acenavam e compartilhavam
olhares com ele.

A curiosidade por esse outro é o que impulsiona o


bebê a descobrir seu entorno. O alcançar a que me
refiro abrange uma tessitura de ações que esses
autores expõem com termos distintos, mas que, de
alguma forma, envolvem a dimensão humana de
tocar, olhar, experimentar, conectar, provar,

- 175 -
comunicar, conversar, aproximar, interagir e estar
com o outro (FOCHI, 2015, p. 98).

É perceptível o entendimento da curiosidade como algo que


impulsiona as crianças, não somente nas pesquisas de Fochi (2015),
mas também na fala das docentes responsáveis pelas crianças.
Durante as entrevistas, as professoras demonstravam enxergar os
encontros entres as crianças como parte inerente e importante ao ser
humano, como, por exemplo, na fala da professora Daiane:

Não pensar que a interação entre maiores, ou


menores só vai ocorrer dentro da sala quando a
gente planejar, não, ela ocorre pra além disso
porque as crianças têm uma curiosidade sobre as
outras, principalmente, os maiores em relação aos
menores. Então, todas as possibilidades que eles
enxergam, eles tentam interagir. Às vezes, final da
tarde que todo mundo já foi e eu to arrumando a
sala, daí ainda tem alguém na pracinha, eles vêm
lá e perguntam ‘os bebês já foram?’ ‘profe, cadê os
bebês?’. Eles veem a porta aberta, pra eles é uma
possibilidade de interagir, então eu acho que esses
momentos assim, da curiosidade, a gente tem que
acolher (Entrevista, 23/05/2019).

Como a maior parte das crianças encontrava-se na escola em


tempo integral, é de fácil compreensão que essa procura das crianças
umas pelas outras e, principalmente, entre maiores e menores, seja
trivial. Castelli (2015) aborda em suas pesquisas o quanto esse
afastamento de casa por longos períodos faz com que as crianças se
vejam tendo relações com outras somente na escola.

- 176 -
Assim, temos que considerar que as crianças
contam com, cada vez menos, pares para interagir
em suas casas e, ao mesmo tempo, estão cada vez
mais dentro da escola, onde poderiam estar
diversificando suas redes interativas, aprendendo
brincadeiras com crianças que possuem
experiências diferentes, ampliando suas amizades,
ajudando e ensinando uns aos outros (CASTELLI,
2015, p. 70).

Sendo assim, essa possibilidade e essa busca podem ser


levadas em conta nos planejamentos, pois as crianças necessitam
desses momentos que só a escola proporciona, algumas vezes,
valorizando sua autonomia e possibilitando uma escuta sensível para
aquilo que as crianças procuram. Os momentos através das grades de
um portão, ou através dos vidros das portas é a demonstração de que
o contato com o outro é interessante e necessário para que se
desenvolvam novas significações.
Nas semanas que ocorreram as observações, também houve a
possibilidade de acesso ao planejamento das docentes e pode-se
perceber que, encontros semanais ou quinzenais eram propostos
entre os bebês da turma Amarela, e as crianças da turma Azul Anil que
tinham de 2 a 2 anos e meio. Foram presenciados dois momentos de
integração, e ambos proporcionaram momentos de cuidado e de
novos aprendizados.

Em um outro momento da tarde, Vitor, que até


então dormia no carrinho, acordou. Três crianças

- 177 -
correram em direção ao carrinho e falaram umas às
outras enquanto se seguravam “- Como ele é
fofinho né?”. Professora Bia se aproximou e
percebeu que Vitor aparentava querer dormir mais
um pouco, sendo assim, começou a embalar o
carrinho devagar. Uma, das três crianças
permaneceu no local e disse “- Eu posso te ajudar a
nanar ele, profe?”, conseguindo a afirmação da
professora. A menina segurando em uma das
partes do carrinho repetia os movimentos da
professora observando atentamente o bebê
adormecer (Diário de campo, 10/05/2019).

É de senso comum, muitas vezes, a visão de que crianças mais


velhas não saberão se relacionar com crianças menores,
principalmente quando os mesmos são bebês vistos como pequenos e
frágeis. Tem-se a ideia de que as crianças mais velhas não terão o tato
suficiente, ou que elas podem machucar os bebês, mesmo não sendo
essa a intenção. O relato acima demonstra o quanto é errôneo que se
pense desse modo, uma vez que, a menina ao ver que o bebê queria
dormir, se dispôs a embalá-lo, tendo com ele uma relação de afeto e
de cuidado.
Prado (2006), destaca bem o ponto chave dessa discussão, os
preconceitos etários, que são equivocados e não permitem que se
oportunize o contato da criança maior com o bebê, por um medo ou
insegurança de que o pior possa acontecer. A autora aborda em seus
estudos o quanto as crianças, em contato com outras de diferentes
idades, quebravam essa visão adulta de interação.

- 178 -
Elas [as crianças] também rompiam com os
preconceitos e, consequentemente, com falsas
categorias teóricas em relação à infância, no que
tange às relações de idade, pois, como bem coloca
Moragas (2003), os preconceitos etários criam
categorias falsas. No caso da infância, estas
categorias (falsas), assentadas numa visão
restritamente evolutiva e cronológica, se referem à
incapacidade das crianças menores e maiores de
brincarem juntas, pois estariam em momentos
distintos de seu crescimento e, por isso, não se
entenderiam, se atrapalhariam ou se machucariam
(PRADO, 2006, p. 97).

As crianças mais velhas não tinham somente relações


afetuosas e de cuidado com os bebês, mas também brincavam daquilo
que era proposto por eles, como no relato a seguir.

Júlia e uma criança mais velha optaram por brincar


numa barraca. Júlia ama brincadeiras de esconder,
a criança mais velha percebendo isso se escondia
na barraca e dizia: “Cadê? Achou!”, a bebê caía na
risada, assim como a menina que brincava de
esconder (Diário de campo, 10/05/2019).

Percebeu-se ao longo da graduação, observando algumas


turmas de crianças da mesma idade que, muitas vezes, havia
confrontos durante as criações e acordos nas brincadeiras. No
entanto, quando as crianças mais velhas tinham a oportunidade de
brincar com os bebês, as brincadeiras nem sempre eram criadas por
elas, os mais velhos observavam atentamente aquilo que os bebês
manifestavam interesse e, prontamente, interagiam a partir do que

- 179 -
eles expressavam. Em outros momentos, incitavam novas
brincadeiras, como no caso de Júlia e de outra criança mais velha:

A maioria das crianças brincava no tatame central


da sala, em um certo momento, Júlia resolveu se
afastar dos demais e ir em direção a uma mesa
interativa próxima a um armário. Uma menina mais
velha, de mais ou menos 2 anos, se aproximou de
Júlia e sentou-se em sua frente na mesa, uma
professora que observava, também sentou-se com
as duas crianças a fim de mediar o que estava por
vir. A menina mais velha diz:
“- Qual o nome dela, profe?”
Professora: “- Essa é a Júlia, ela tem um nome igual
ao da sua colega”
Menina: “- Júlia também? Ela é um bebê, né?”.
Fazendo um carinho rápido e singelo no rosto da
bebê.
Professora: “-Isso! Faz carinho nela, ensina ela a
brincar na mesa”
Nesse momento, a menina mostra à Júlia os itens
que se faziam presentes na mesa apontando com o
dedo e aguçando a curiosidade da bebê em
explorar o que estava ali. Júlia colocava o dedo nos
itens da mesa e sorria para a menina (Diário de
campo, 10/05/2019).

As crianças mais velhas, muitas vezes, buscavam interagir de


modo a ensinar os bebês a utilizar objetos disponíveis da sala, tudo
isso, sempre movido pela observação daquilo que os bebês iriam
gostar.
As crianças mais velhas aprendem muito com os bebês, não
somente observando e ajudando a cuidá-los, mas também no
processo de interação, de construção de brincadeiras e também de
- 180 -
linguagem. As crianças internalizam através desses contatos noções de
respeito, de afetividade, de cuidado, de escuta, entre outros. Os bebês
demonstram muito interesse pelas proposições das brincadeiras
trazidas pelas crianças mais velhas.
Portanto, é preciso que haja espaço para as crianças
demonstrarem aquilo que sentem em relação a alguém que é menor
ou maior, bem como para aquilo que a outra criança traz para as
interações. Desse modo, estaremos deixando de lado os julgamentos
pré-concebidos de que essas interações não dão certo, devido a
diferenças cronológicas de vida. O(a) professor(a), como adulto que
acompanha a criança, tem um grande papel, uma vez que, essas
interações entre diferentes idades são potencializadas por meio das
mediações realizadas por eles, aspectos que serão discutidos no
próximo tópico.

O papel do(a) professor(a) frente às buscas dos maiores pelos


menores
Educar crianças parte do princípio de promover o crescimento
integral dos indivíduos, trabalhando a solidariedade e os modos de
enxergar o próximo, além do respeito por outros modos de ser e estar
daqueles com os quais se convive. As professoras dos bebês com as
quais se teve contato durante a pesquisa, sempre se mostravam
sensíveis às práticas envolvendo as crianças. A organização espacial da
sala valorizava o protagonismo infantil além da criação da autonomia,

- 181 -
respeitando sempre o tempo de cada bebê e seus períodos de
adaptação.

Se pensarmos nesse papel da professora como


mentora de um espaço agradável, aconchegante,
seguro, mas também estimulante e desafiador para
cada uma das crianças. Se pensarmos que essa
mesma professora respeita os tempos e ritmos dos
pequenos, se pensarmos que a base do
planejamento dela não são atividades, mas
relacionamentos intensos entre todos aqueles que
compõem determinada comunidade de educação,
podemos afirmar que o papel dessa professora é
permitir que as crianças experimentem no contexto
da creche (TRISTÃO,2015, p.9).

Tristão (2015), aborda em seu artigo que, as docentes


oportunizavam aos bebês muitas experiências, sendo de novos
alimentos, novos espaços, para além da sala de aula, ou novas
interações. Elas costumavam construir seus planejamentos juntas,
pensando na individualidade de cada criança e organizando momentos
de visitas à sala das crianças mais velhas. Quando perguntada sobre a
construção dos momentos de interação, Daiane responde o seguinte:

A gente conversa com as profes das outras turmas


junto pra pensar “bom, que propostas a gente vai
oferecer né”, é algo que é planejado que tem uma
intenção que é de compartilhar, de fazer a
interação com as crianças e daí os encontros que
são no pátio, ocasionais, não tem muito como a
gente prever, que são no refeitório, que são no
corredor, são no trocador. Então, eu acho que a

- 182 -
gente tem que valorizar todos esses momentos,
sabe? (Entrevista, 23/05/2019).

Durante todas as visitas que foram realizadas na turma das


crianças mais velhas, observou-se que as docentes e bolsistas
enxergavam a potência dos encontros e acreditavam no protagonismo
das crianças. Para além de, simplesmente mover as crianças de sala e
oportunizar novas brincadeiras, as professoras incentivavam diálogos,
apresentavam as crianças umas às outras e brincavam junto. Fochi
(2015), defende a presença do adulto como alguém sutil e que
trabalha, muitas vezes, de modo indireto em suas propostas.

O adulto é uma figura fundamental na vida da


criança, pois ela precisa da presença, do interesse,
do afeto, da segurança e, especialmente, de
alguém que crie as condições adequadas para ela
se desenvolver. Contudo, a criança também precisa
que lhe seja ofertado tempo para realizar suas
conquistas, aprender e descobrir sobre o mundo,
sendo possível com um nível de intervenção
adequado (FOCHI, 2015, p.109).

Durante uma visita a turma Azul Anil, observou-se esse


processo de intervenção, o qual Fochi (2015) aborda em seus estudos.
A professora e as bolsistas da turma Amarela, levaram os bebês até a
sala da turma Azul Anil onde estavam organizados alguns espaços,
especialmente, para aquelas interações.

Bruno tem um grande afeto pela professora Bia, e


hoje, sentado ao lado dela começou a fazer sons

- 183 -
com a boca. Uma das crianças que brincava
próxima a Bruno perguntou à professora “- O que
ele tá fazendo assim com a boca?”, Bia respondeu
“- Ele está imitando um carro. Ele ainda não fala,
então ele faz esse som pra representar o carro”.
Nesse momento, a menina observa Bruno e
reproduz o som que ele estava fazendo, olhando
para o bebê. Bruno a imita e começa a gargalhar.
Professora Bia vendo a cena diz “- Viu, ele gostou
de você!”. A menina se agacha e continua fazendo
o som para o bebê, provocando risadas entre os
dois (Diário de campo, 10/05/2019).

A professora que observava a cena, interviu de modo a


responder os questionamentos feitos pela criança, trazendo um
incentivo e valorizando, acima de tudo, a linguagem expressa pelo
bebê para se comunicar. O adulto, por vezes, encontra-se imerso no
mundo das palavras, não entendendo as outras mil formas de
comunicação que as crianças criam. Interagir com o bebê,
reproduzindo o mesmo som que ele fazia, foi a forma que a menina
encontrou de estabelecer uma comunicação com Bruno, com a
ausência de palavras, mas, com muitas possibilidades de comunicar e
expressar.

Mais próximo ao fim das interações, as professoras


faziam uma brincadeira com as crianças mais
velhas. Toda vez que elas subiam no obstáculo que
tinha sob o tatame, uma das professoras dizia: “-
Graaaande Mariana” com os braços levantados, as
crianças riam e voltavam a fazer isso, só para ouvir
a professora falar. Depois de um tempo,
começaram a dizer a si mesmas a frase “-
Graaaaande (e diziam o nome de um colega)”

- 184 -
também levantando os braços, e assim por diante.
Júlia que engatinhava pela sala, sentou-se e
começou a observar o que os maiores estavam
fazendo. Uma das professoras disse: “- Olha a Júlia
gostou da brincadeira de vocês”. Uma das meninas
então, olhando para Júlia diz: “- Graaaaande Júlia”,
que gostando de se sentir parte da brincadeira
também levantou os braços e fez alguns sons,
como quem quisesse repetir a fala e os
movimentos da colega. Essa brincadeira se repetiu
por mais algumas vezes, até Júlia dispersar em
meio aos colegas (Diário de campo, 10/05/2019).

A professora, mais do que a pessoa que possibilita espaços de


interação e brincadeiras para as crianças, é alguém que serve de
referência para os pequenos. Percebemos isso no relato acima,
quando a criança maior, através da brincadeira incentivada pela
professora, reproduz e se diverte fazendo o mesmo com o bebê que
estava próximo. As crianças reproduzem os gestos e modos de ser da
professora para além de quando brincam de “escolinha” ou de quando
trocam a fralda de uma boneca, elas reproduzem durante as
interações aquilo que aprenderam e que foi divertido.
Durante a realização da pesquisa não foram observados
somente momentos em que os professores entendiam de forma
positiva os encontros ocasionais entre as crianças de diferentes
idades. Essa visão tranquila era observada nas professoras dos bebês,
muito mais do que na professora das crianças mais velhas.

Em um certo momento da atividade, Vinícius se


levantou da rodinha e começou a caminhar em
direção ao portão do jardim, onde haviam as

- 185 -
crianças mais velhas das outras turmas brincando.
Eu optei por acompanhá-lo e ver o que surgia
daquilo que estava acontecendo. Quando Vinícius
chegou no portão algumas crianças, de 3 a 5 anos,
correram em sua direção e como algumas já me
conheciam de uma inserção que realizei na semana
anterior, perguntaram “- Oi profe, por que você
não está na minha sala hoje?”, respondi “- Porque
nessa semana eu estou conhecendo e brincando
com os bebês da turma amarela”, nesse momento
uma das crianças me perguntou, “- Esse bebê é da
turma amarela? Podemos brincar com ele
também?”, e eu prontamente disse “- Sim! Esse é
Vinícius, você pode perguntar pra sua profe se ela
deixa vocês brincarem juntos”. Nesse momento, a
criança mais velha correu em direção a professora
que acabou não permitindo que eles tivessem
contato para além do portão. Vinícius voltou a
explorar o pátio, juntando algumas coisas que
encontrava, e quando sentia vontade, voltava para
o portão, onde as demais crianças seguravam sua
mão e diziam “- Oi Vinícius!” “- Como ele é fofinho,
né”. Não só Vinícius vivenciou esse contato rápido
com as crianças mais velhas, João também teve a
oportunidade, cumprimentando as crianças e
sorrindo. Em seguida, foi hora do almoço e todos
retornaram à sala (Diário de campo, 10/05/2019).

O modo como a professora das crianças maiores reagiu ao


interesse dos mais velhos em querer brincar com os bebês afirma o
que havia dito anteriormente. Em conversa com essa professora, ela
relatou que tem muito medo que os maiores, em um descuido,
acabem machucando os pequenos, pois segundo ela, eles são muito
“sensíveis” e podem não gostar de algumas brincadeiras feitas pelos
mais velhos. A partir dessa situação, pode-se refletir sobre a cultura,

- 186 -
historicamente, instituída a respeito dos bebês, protegendo-os e
enxergando que os mais velhos podem representar um risco e que,
muitas vezes, ainda faz parte das percepções de algumas professoras
que, talvez por não trabalharem com bebês, não visualizam a potência
que os pequenos têm em seus encontros e o que eles despertam nos
mais velhos.
Além desse momento, aconteceram outras cenas envolvendo
as professoras da multidade e à procura dos mais velhos pelos bebês.
As regentes das demais turmas da escola tinham uma preocupação em
proteger e cuidar dos bebês e isso se manifestava nos horários do
meio-dia, quando os mesmos costumavam dormir, e as crianças mais
velhas brincavam na pracinha. Nesses momentos, elas iam até a porta
externa do berçário, conferir se os bebês estavam lá. As regentes da
multidade costumavam pedir para que as crianças voltassem à
pracinha, para que não acordassem os pequenos. Percebi que tinham
a intenção de planejar e propiciar momentos de interação, mas, fora
desses momentos planejados, entendiam que os mais velhos
poderiam causar algum tipo de desconforto aos pequenos.
Isso acontecia também nos momentos em que as crianças
pediam para entrar na sala dos menores, nos momentos em que
utilizavam o banheiro do corredor e, por mais que as professoras do
berçário dessem abertura, muitas vezes, era negado às crianças esse
momento por haver outras propostas sendo realizadas em suas
turmas de origem, como se pode observar no relato a seguir.

- 187 -
Aconteceram algumas microinterações no dia de
hoje. Duas meninas de uma turma mista da escola
vieram até a porta do berçário acompanhadas da
auxiliar da turma. A auxiliar Laura, que trabalha na
turma dos bebês, observando que elas olhavam,
abriu a porta e disse: “-Vieram visitar os bebês
hoje?”, as meninas consentiram com a cabeça.
Laura, então, convida-as para entrarem, no
entanto, a auxiliar da turma das meninas diz que
hoje não poderão brincar com os bebês, pois já tem
uma atividade programada na sua turma (Diário de
campo, 13/05/2019).

Essas situações reportam à reflexão do quanto é importante


essas interações para além dos momentos que são planejados,
respeitando a curiosidade, o desejo e a possibilidade de iniciativa das
crianças em buscarem seus pares de diferentes idades. É sobre
observar a potência do inesperado, valorizar os momentos em que as
crianças buscam algo novo e são movidas pela curiosidade a qual se
refere Fochi (2015). Em muitos momentos, não adianta planejar
encontros entre as crianças para que brinquem e interajam,
organizando cada detalhe e não valorizar as buscas que acontecem em
momentos não configurados no planejamento, pois, desse modo, o(a)
professor(a) não estará favorecendo o protagonismo infantil.

Considerações finais
Através das entrevistas com as professoras regentes e das
observações, foi possível perceber que, situações foram possibilitadas
para que houvesse interações de bebês com crianças mais velhas, no

- 188 -
entanto, elas ocorreram para além dos momentos planejados pelas
docentes. As interações aconteceram de forma inesperada, nos
corredores, na pracinha e, até mesmo, por meio do vidro das portas,
mostrando a potência dos encontros no ambiente escolar que são
permeados de aprendizagens, trocas e afetos.
Destaca-se o quanto o trabalho docente necessita da escuta
sensível e do olhar atento para que aquilo que as crianças buscam seja
entendido e potencializado. Momentos de encontros foram
proporcionados possibilitando novos contatos com crianças de
diferentes idades. Pré-concepções, por parte da professora das
crianças mais velhas, acerca de como as crianças se relacionariam,
foram quebradas. Portanto, para garantirmos a qualidade das práticas
pedagógicas, é necessário que o ambiente escolar esteja passando
sempre por essa constante transformação, principalmente, no que diz
respeito ao modo como enxergamos as crianças e as diferentes
infâncias.
As concepções docentes acerca das interações de bebês com
crianças mais velhas, principalmente as das professoras dos bebês, era
muito positiva. Elas enxergavam o quanto as buscas por diferentes
idades se faziam presentes e valorizavam essas interações. Saíam com
os bebês de sua sala, passeavam pelos corredores e mediavam os
encontros, bem como tinham a sensibilidade de compreender o
tempo de cada criança, respeitando a busca por pares coetâneos ou,
até mesmo a necessidade expressa por algum bebê em permanecer
em sua sala, espaço já conhecido no qual sentia maior segurança.
- 189 -
Após a conclusão deste trabalho, a respeito das interações de
bebês com crianças mais velhas, enfatiza-se que ainda há desafios a
serem enfrentados. Um deles se refere da visão de professores que
não trabalham diariamente com bebês, de ainda os perceberem muito
mais pela proteção que necessitam do que propriamente pelo
potencial que expressam em suas interações. Deste modo, ainda é
necessário que desconstruções sejam feitas, buscando valorizar as
interações e protagonismos e as buscas, tanto dos bebês quanto dos
mais velhos entre si. Outro ponto, é o docente entender que, pensar
na interação de bebês com crianças mais velhas na escola é valorizar a
iniciativa que elas próprias têm de buscar umas às outras, não
restringindo esses momentos somente quando eles estão no
planejamento.
Cabe ao docente também perceber que nem toda ação que é
planejada para possibilitar a interação, gera na criança a vontade de
interagir, e que essas vontades e esses desejos também precisam ser
respeitados, seja quando as crianças preferem interagir com pares
coetâneos ou brincar com algum material sozinhas. É somente
incentivando e possibilitando momentos de contato entre diferentes
idades, que se poderá quebrar barreiras, estimular o cuidado e novos
aprendizados nessa fase inicial de vida escolar que é a Educação
Infantil, mas sempre com um olhar sensível às manifestações e ao
protagonismo infantil.

- 190 -
Referências

CASTELLI, C.M. “Agora quando eu olho pra ele, ele sorri pra mim,
porque a gente começou a ser amigo”: o que fazem juntos bebês e
crianças mais velhas em uma escola de Educação Infantil. 2015. 294 p.
Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Educação) -
Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2015

FOCHI, P. Afinal o que os bebês fazem no berçário. Porto Alegre:


Penso Editora LTDA, 2015.

GRAUE, M. E.; WALSH, D. J. Investigação etnográfica com crianças:


teorias, métodos e ética. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.

MEILI, V. “Podemos brincar com ele também?”: A interação de bebês


com crianças mais velhas no espaço escolar. 2019. 56 f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em Pedagogia) - Universidade
Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, 2019.

PRADO, P.D. Contrariando a idade: condição infantil e relações etárias


entre crianças pequenas da Educação Infantil. 2006. 285 f. Tese
(Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2006.

TRISTÃO, F. C. D. Ser professora de bebês: uma profissão marcada pela


sutileza. Reflexão e Ação (UNISC), v. 13, 2005.

WERLE, K. BELLOCHIO, C.R.; Protagonismo infantil, desafios éticos e


metodológicos na pesquisa com crianças. Cadernos de Pesquisa, São
Luís, v. 23, n. Especial, set./dez. 2016

- 191 -
A ausência de propostas e participação dos docentes no pátio
em uma EMEI de Jaguarão/RS29

Jenifer Duarte da Costa30

Introdução
Ao iniciar os escritos, destaco que sempre fui uma pessoa
observadora que se ocupa em refletir sobre o que ouve e o que vê. E,
por assim ser, foi que em uma de minhas observações de campo,
durante meu trabalho de conclusão da graduação em Pedagogia,
percebi que podia dar continuidade a minha pesquisa, que tinha por
tema “O Espaço na Educação Infantil Visto Através de Cenas do
Cotidiano: O que elas Têm a nos Dizer?” e ir além do espaço da sala de
aula na educação infantil, tendo então como objeto de pesquisa para
um segundo trabalho somente o espaço do pátio na educação infantil.
Esta minha decisão em ter como objeto de pesquisa o espaço
do pátio31 na educação infantil partiu de cenas observadas em uma
das Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) que realizei a já

29
Pesquisa orientada pela Profa. Me. Elizabete Velter Borges do Centro Universitário
da Grande Dourados (UNIGRAN).
30
Especialista em Educação Infantil com Ênfase em Gestão e Educação Inclusiva,
UNIGRAN. Professora da Rede Municipal de Glorinha/RS. E-mail:
jenifercosta.uni@hotmail.com.
31
A palavra pátio ao longo do texto será usada no sentido de demostrar um lugar
que difere do espaço da sala de aula, por ser um lugar externo, aberto, no qual há a
luz natural do sol. Alguns autores referem-se a este espaço, chamando o mesmo de
parque e há casos que o mesmo pode ser chamado de pracinha.

- 192 -
referida pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Tais cenas
me fizeram ver que o espaço do pátio não era entendido como espaço
educativo32 pela professora da turma.As atividades que ocorriam em
sala de aula centravam-se quase que sempre na figura do professor e
o momento do pátio ficava a cargo das crianças que somente tinham
a figura do adulto para cuidar aquele tempo de brincadeira.
Observando as crianças no pátio da escola, senti falta das brincadeiras
tradicionais, das cantigas de roda, do pular corda, entre outras. Senti
falta também da presença da professora nas brincadeiras das crianças.
Através destas cenas passei a fazer-me as seguintes perguntas:
O porquê da ausência de propostas e participação dos professores no
espaço do pátio? Em que implica a ausência de propostas e
participação dos professores no espaço do pátio? Qual a importância
da existência de propostas e participação dos professores no espaço
do pátio?
Assim sendo, busco neste trabalho encontrar respostas para
tais inquietações que caminham comigo desde a pesquisa de campo
realizada para fazer o TCC da graduação em 2015. Para tanto, a fim de
analisar os dados encontrados na pesquisa feita no ano de 2015, cuja
metodologia utilizada foi um estudo de caso, foi necessário realizar

32
“[...] deve incluir o acolhimento, a segurança, o lugar para a emoção, para o gosto,
para o desenvolvimento da sensibilidade; não pode deixar de lado o
desenvolvimento das habilidades sociais, nem o domínio do espaço e do corpo e das
modalidades expressivas; deve privilegiar o lugar para a curiosidade e o desafio e a
oportunidade para a investigação” (BUJES, 2001, p. 21).

- 193 -
uma pesquisa investigativa por meio de leituras bibliográficas bastante
minuciosas, visto que atualmente, a questão da existência ou não de
propostas, bem como a participação dos professores como
mediadores das brincadeiras realizadas no espaço do pátio é pouco
discutida. Como sabemos, o que se discute é a centralidade excessiva
dos professores no espaço da sala de aula.
E, é com base nisso que defendo a necessidade de se pesquisar
o tema proposto citando Ferreira (2011, p. 164), pois segundo ela: “[...]
a pedagogia faz-se no espaço, e o espaço, por sua vez, consolida a
pedagogia”.

Pensar o espaço educativo não se restringe, pois, a


pensar a sala, espaço edificado, interno, mas a
pensar que todos os espaços da instituição são
extenções uns dos outros e, como tais,
merecedores de um olhar mais aguçado e
comprometido com as relações que ali se
estabelecem (FERREIRA, 2011, p. 164).

Como vemos, conforme as palavras de Ferreira (2011),


podemos dizer que esta pesquisa possui relevância na medida em que
passamos a considerar que a mesma poderá contribuir para que cada
vez mais caminhemos no sentido de oferecermos espaços educativos
nas escolas de educação infantil e para que cada vez mais os
professores queiram propor brincadeiras e participar das mesmas no
momento em que estão no pátio, fazendo deste momento algo

- 194 -
prazeroso, passível de construir aprendizagens através da interação
não só entre as crianças, mas também entre professores e alunos.
E já que compartilho da ideia de que: “A visão do novo só é
possível a partir do existente” (FERREIRA, 2011, p. 176) e já que há
diversas escolas de educação infantil em nossa cidade e no Brasil
inteiro, por que não começar a pensar a partir do que existe para talvez
fazer um novo fim?

O porquê da ausência de propostas e participação dos professores no


espaço do pátio?
A fim de buscar lançar um olhar sobre as inquietações que já
foram citadas, passei a ler algumas bibliografias as quais embasam
meus escritos. E, encontrei nos registros de Ferreira (2011), algumas
considerações sobre o porquê da ausência de propostas e participação
dos professores no espaço do pátio33. Para ela, a falta de propostas e
da presença dos professores neste momento que se espera que seja
de brincadeiras, tem muita relação com o seguinte:

A aproximação com o cotidiano da educação


infantil evidencia esse espaço como o lugar por
excelência para a brincadeira, revelando uma
dicotomia entre a centralidade excessiva dos
adultos na sala e a ausência de propostas e de
participação dos adultos no parque (FERREIRA,
2011, p. 158).

33
A palavra pátio aqui pode ser substituída pela palavra parque, conforme menciona
Ferreira (2011) em seus escritos.

- 195 -
Sobre esta questão, Ferreira (2011, p. 168-173), ainda diz:

[...] o parque tem funções diferentes e opostas


para as crianças e para os adultos. Para as crianças,
é o lugar de libertar a energia contida e/ou
controlada pelo adulto dentro da sala, e para o
adulto é o lugar onde ele recupera as energias
perdidas ao controlar e/ou determinar as ações,
brincadeiras e atividades das crianças em sala [...]
O parque, para os adultos, não parece como espaço
central para estabelecer relações de conhecimento
com as crianças. O espaço interno é mais
privilegiado nesse sentido, desprezando-se o
espaço externo como espaço de ampliação do
conhecimento das crianças em várias situações.

Em seu texto a autora, além disso, nos faz refletir e considerar


como resposta a pergunta em questão, à hipótese de que o motivo da
ausência de propostas e participação dos professores no espaço do
pátio esteja atrelado ao modo como as crianças e os professores
enxergam e utilizam este espaço na educação infantil.
Para os professores a instituição educacional é instituída e
instituidora de atividades em tempos e espaços definidos. As famosas
rotinas definem a forma como o tempo será utilizado e os espaços da
instituição limitam-se geralmente ao espaço da sala de aula ou ao
espaço do pátio, sendo que se tratando do espaço do pátio, é possível
afirmar que os professores não o vem como um espaço educativo,
passível de construir aprendizagens. Para eles, o espaço educativo é o

- 196 -
da sala de aula. Sendo assim, para que propor brincadeiras e participar
delas?
Já para os alunos, o espaço do pátio, conforme diz Ferreira
(2011, p. 158):

[...] se apresenta como espaço de disputa,


transgressão, resistência, criação, conformação,
espaço de cultura, de poder e, principalmente,
espaço da brincadeira. É nele que as crianças
experimentam com maior vivacidade a construção
da sua autonomia. Ele se revela espaço especial na
educação.

É neste sentido que o professor não pode deixar de propor e


participar. É neste sentido que Ferreira (2011, p. 159) considera:

[...] a necessidade de os educadores terem uma


maior atenção a respeito da participação dos
adultos nesses momentos, seja na maneira de
organizar e disponibilizar objetos e brinquedos de
forma desafiadora seja como parceiros de
brincadeiras das crianças.

O estudo do porquê da ausência de propostas e participação


dos professores no espaço do pátio, através da visão de Ferreira
(2011), também possibilita chegarmos à conclusão de que a resposta
desta pergunta está atrelada ao fato de que há dois palcos distintos
quando o assunto é o espaço do pátio nas escolas de educação infantil,
pois ou se está dentro da sala e assim sendo a centralidade está no
adulto que propõem e que ensina, ou se está fora da sala – no pátio

- 197 -
da escola, onde as crianças acabam por vezes tomando a iniciativa de
se movimentar. Por assim ser, há dois tempos distintos: o dos alunos
e o dos professores. Para os alunos este tempo é o de libertar-se e para
os professores este tempo é usado para descansar.
Por assim ser, a autora, percebendo o espaço do pátio, um
lugar usado nas instituições educativas para a brincadeira “livre” e
também uma oportunidade para as crianças se movimentarem
amplamente, fazer escolhas, determinar os seus próprios tempos, no
qual a professora interfere pouco, deixando apenas os seus olhos
sobre elas, revela a importância de se refletir sobre a dicotomia
instaurada entre espaços construídos (internos) e não construídos
(externos), intramuros no cotidiano das instituições de educação
infantil.

Em que implica a ausência de propostas e participação dos


professores no espaço do pátio?
Dando continuidade a procura por embasamento teórico,
encontrei nos escritos de Dornelles (2001) importante fundamentação
teórica que me fizeram refletir e entender dentre outras hipóteses que
podem ser encontradas em outras bibliografias, que a ausência de
propostas e participação dos professores no espaço do parque pode
implicar no não saber brincar das crianças. Para a autora a resposta às
queixas de pais, mães e educadores de que as crianças hoje em dia não

- 198 -
sabem mais brincar, que na hora do recreio34 só correm e brigam, pode
ser respondida com outras perguntas: Quem para e brinca hoje com
as crianças? Quem as ensina a brincar?

Qual a importância da existência de propostas e participação dos


professores no espaço do pátio?
A fim de que as crianças não deixem de brincar e aprendam o
como brincar, podemos dizer que é importante à existência de
propostas e participação dos professores no espaço do pátio e que
existe a necessidade de algumas brincadeiras serem mediadas na
educação infantil. Como diz Dornelles (2001): Não seria legal
convidarmos as crianças para entrarem em um mundo “mágico”?

Podemos convidar as crianças para brincarem de:


pique-esconde; paralítico ou pegador enfeitiçado.
Descobrir com elas quem vai ser o chefe na
brincadeira através do: discordar...- meu pai fez
uma cas...- minha mãe mandou...- uni dune...- pim-
poneta...- coca-cola...-Brincar com as mãos de:
trem maluco...-parará-parati...- sabonete de listra
azul...- Descobrir o mágico de pular corda como:
reloginho, -chocolate, - um homem bateu em
minha porta, fogo-foguinho-fogão...- com quem vai
casar...- vaca amarela, tá pronto seu lobo?
Redescobrir parlendas como: fui no cemitério...
Brincar de fita; - passa anel; - caçador; - pular
carniça; - polícia-ladrão; - sapata; - cadeirinha de

34
A palavra recreio aqui refere-se ao intervalo que há no turno de aula. Normal
mente o recreio acontece no espaço do pátio das escolas.

- 199 -
dém-dém; - cadeirinha de vidro; - jogar taco, -
cinco-marias... (DORNELLES, 2001, p. 102).
Curtir jogos e brincadeiras de pátio como: jogos de
tiro ao alvo, boliche, corrida de saco, corrida com a
colher, com empecilhos, com limite de espaço e
tempo, ovo podre, cantigas de roda... Polícia e
ladrão. Brincar com palavras através de trava-
língua (O peito do Pedro...- O rato roeu...- O
tigre...), caça palavras, o que é- o que é, carta
enigmática, diagrama, pictograma, dominox,
poesias, paródias... ou seja, milhares de outras
brincadeiras que fazíamos quando éramos
pequenos e que as crianças recriam com cara de
seu tempo (DORNELLES, 2001, p. 102).

Ferreira (2011), com seus escritos, também revela a


importância da existência de propostas e participação dos professores
no espaço do pátio, nos fazendo pensar que muitas vezes não
podemos nos deter apenas a criticar o espaço que é pequeno e
limitador, mas que devemos refletir diariamente sobre o que se
propõe realizar em sala de aula ou até mesmo no pátio da escola (que
neste caso pode ser usado como uma extensão do espaço da sala de
aula), pois as propostas pedagógicas podem se tornar muito mais
limitadoras do que o próprio espaço escolar.
Neste sentido, é possível refletir e perceber que o fio condutor
da mudança da qualidade ofertada nas instituições de ensino pode e
certamente está atrelada a organização do espaço físico das escolas,
porém as práticas pedagógicas propostas com certeza são as mais
determinantes para que este espaço realmente possa ser considerado

- 200 -
educativo e para que esta escola ofereça situações em que os alunos
possam construir aprendizagens. Já dizia Oliveira (2007, p. 191):

O planejamento espacial da creche ou pré-escola


imerge as crianças em um mundo de estímulos
visuais e cinéticos, em que as características
(formato, cor, textura, usos) dos objetos –
brinquedos, blocos, telas, argila, livros, cartazes,
filmes, vídeos, a imprensa escolar, lousa, ábacos e
outros – são por elas interpretadas como
desencadeadores de determinados enredos de
ação.

Sendo assim, o professor no lugar de alguém que cuida, educa


e media as situações, precisa criar condições para que as crianças
possam se desenvolver da melhor forma possível. E, para que isto
ocorra, também é fundamental que o educador organize propostas
ricas em desafios e que consiga promover, organizar e prever situações
em que as interações entre as crianças e o meio sejam provedoras de
desenvolvimento. Inspirada por Oliveira (2007, p. 195), podemos
pensar que: “Várias possibilidades podem ser experimentadas, a
depender da proposta pedagógica da creche ou pré-escola”.
E é imbuída desses pressupostos teóricos que me lanço ao
desafio de fazer a análise da pesquisa no item quatro deste trabalho.
Assim sendo, antes disso, apresento ao leitor os procedimentos
metodológicos utilizados.

- 201 -
Procedimentos metodológicos
Tendo a intenção de reunir informações sobre o objeto de pesquisa,
primeiramente, conforme já foi dito no início deste trabalho, tornou-se
necessário realizar uma pesquisa investigativa por meio de leituras
bibliográficas bastante minuciosas, visto que atualmente, a questão da
existência ou não de propostas, bem como a participação dos professores
como mediadores das brincadeiras realizadas no espaço do pátio é pouco
discutida.
Assim sendo, logo após trazer uma breve revisão da literatura,
passamos a descrever e analisar alguns fatos observados durante a realização
de uma pesquisa de campo que aconteceu no ano de 2015 e que deu origem
às inquietações que pretendemos responder ao longo deste trabalho.
Portanto, optamos por fazer um estudo de caso, para poder:

[...] reunir os dados relevantes sobre o objeto de


estudo e, desse modo, alcançar um conhecimento
mais amplo sobre esse objeto, dissipando as
dúvidas, esclarecendo questões pertinentes, e,
sobretudo, instruindo ações posteriores (CHIZOTTI,
2006, p. 135).

O estudo de caso, conforme nos explica Chizotti (2006, p. 135):

[...] envolve coleta sistemática de informações


sobre uma pessoa particular, uma família, um
evento, uma atividade ou, ainda, um conjunto de
ralações ou processo social, para melhor conhecer
como são ou como operam em um contexto real e,
tendencialmente, visa auxiliar tomadas de decisão,
ou justificar intervenções, ou esclarecer por que

- 202 -
elas foram tomadas ou implementadas e quais
foram os resultados.

Tendo então a pesquisa em mãos, cujos instrumentos utilizados para


a coleta de dados foram a observação participante e a pesquisa de campo,
registradas em um diário de bordo passamos para a análise dos dados no
item 4 deste trabalho, apresentando assim, as lições aprendidas e
descobertas feitas a partir do caso estudado.

Analisando algumas cenas do pátio da EMEI – o que elas têm a nos dizer?
Retomando algo que já foi dito neste trabalho, destaco mais uma vez
que a decisão a respeito do campo empírico ao qual originou esta pesquisa
está relacionado ao Trabalho de Conclusão da Graduação em Pedagogia
realizado no ano de 2015. Portanto, a pesquisa de campo, a qual será descrita
a baixo, algumas das cenas observadas, foi feita no já referido ano. Fato este
que a torna um recorte do que já foi mencionado em outro trabalho, bem
como descrito em meu diário de campo usado durante a pesquisa.
É importante, destacar também, que será descrita cenas de apenas
uma das turmas de Pré35 das EMEIs observadas durante a coleta de dados da
pesquisa de TCC feita no ano de 2015, visto que foram estas cenas que
despertaram as inquietações que por consequência levaram a busca por
embasamento teórico, conforme já foi demonstrado ao longo do trabalho.

35
Assim são chamadas as turmas que comportam alunos de três anos ou mais. Sendo
que há uma divisão entre turmas de Pré 1 e Pré 2. Neste sentido, é valido dizer que
os alunos da turma pesquisada, são de Pré 1 e possuem três anos de idade.

- 203 -
Assim sendo, inicio contando que já no contato inicial pude conhecer
boa parte da escola e o inevitável aconteceu: acabei por fazer algumas
“leituras” sobre o ambiente que me estava sendo apresentado.
Segundo Gandini (1999, p. 146):

O visitante de qualquer instituição para crianças


pequenas tende a pensar as mensagens que o
espaço oferece sobre a qualidade e cuidados e
sobre as escolhas didáticas que formam a base do
programa. Todos nós tendemos a perceber o
ambiente e a “ler” suas mensagens ou significados
com base em nossas próprias ideias.

De imediato, ao chegar à frente da escola me deparei com dois


portões gradeados, sendo que um fica na entrada da escola e o outro
fica na porta. Logo pensei: tudo isto é para a segurança das crianças
ou é uma forma de controlar, dispensando a presença do adulto para
o cuidado com elas? Em resposta a minha pergunta, logo veio à fala da
coordenadora pedagógica:

Nossa escola, na verdade é uma casa que foi sendo


adaptada para receber crianças, por isso a entrada
de nossa escola é tão estreita e o corredor é tão
cumprido e apertado. Os portões se fazem
necessário devido ao fato de que precisamos
garantir ao máximo a segurança de nossos alunos
e no momento estão faltando recreacionistas para
ajudar a cuidar estas crianças, portanto temos que
dar o nosso jeito.

- 204 -
Apesar disso, a escola me pareceu ser um ambiente muito
acolhedor e agradável de estar. Posso dizer que esta EMEI não é
apenas um lugar útil e seguro onde podemos passar horas do dia. As
paredes do estreito e longo corredor contam muito sobre os projetos
e atividades desenvolvidos na escola e também sobre a rotina diária
das pessoas grandes e pequenas que passam boa parte do tempo na
mesma, ajudando a construir e transformar aquele espaço.
Ao fazer o primeiro contato com a professora titular da turma
de Pré 1, ainda neste mesmo dia, tinha por intenção a realização de
uma entrevista semiestruturada com a mesma a fim de obter um
panorama a respeito do trabalho da educadora diante do tema que
me propus discutir no TCC que estava realizando naquele ano, bem
como o início das observações na turma de Pré 1.
A professora já de imediato me explicou que seus 12 alunos
apesar de serem bem pequenos (alguns com pouco mais de três anos),
são bastante agitados, perdem o foco com facilidade e acabam por
tumultuar a sala de aula e que por isso, seria melhor eu realizar minha
primeira observação de campo, em outro dia, após ela já ter falado
com os alunos a meu respeito.
Assim sendo, somente pude ter com a professora da turma
uma boa conversa durante a realização da entrevista semiestruturada.
Na qual ela me relatou que uma das coisas que está faltando nas
nossas instituições de ensino, para que realizem um trabalho com mais
qualidade, são salas maiores, espaço físico no geral, espaço com areia

- 205 -
e brinquedos de pracinha36. Coisas que faltam na própria EMEI que
atua, ou seja, a Escola Municipal de Educação Infantil utilizada como
objeto de pesquisa.
Como podemos notar apenas com a entrevista
semiestruturada e este contato inicial, eu já pude obter importantes
informações e, é claro, a partir disto surgiram outras inquietações que
caminharam junto comigo durante toda a realização desta pesquisa de
campo, sendo estas algumas, que referem-se ao espaço do pátio:
Quais as possíveis intervenções em um pátio que não oferece uma
caixa de areia ou brinquedos de pracinha? Mesmo que este espaço
não ofereça caixa de areia ou brinquedos de pracinha, a professora
consegue enxergar o mesmo como educativo? Como a professora
desenvolve seu trabalho neste espaço? De que forma o espaço do
pátio é pensado e organizado para se tornar educativo? Como as
aprendizagens ocorrem neste espaço cuja professora considera que
não tem nada a oferecer? Como lidar com todas estas questões sem
perder o foco que é a criança, a infância e a aprendizagem?
E, foi a fim de buscar lançar um olhar sobre estas inquietações
citadas acima e outras que já foram descritas ao longo do texto, que
parti para a realização da primeira observação de campo, cheguei à
escola por volta dás 14 horas e 30 minutos e por um pouquinho mais
eu teria encontrado a sala de aula vazia, pois os alunos estavam

36
pracinha é o modo como à professora se refere ao pátio da escola, lugar este
propício para as crianças brincarem.

- 206 -
saindo, apressados, para um passeio em uma pracinha situada
próximo a escola. Eles estavam acompanhados de outros alunos que
pertenciam à turma de Creche 2.
O passeio durou toda à tarde. E, eu pude observar o quanto
aquela criançada se divertiu rolando no pasto e brincando na areia e o
quanto faz falta ter na escola um espaço, que não seja o da sala de
aula, em que as crianças possam brincar livremente e brincar com
brinquedos de pracinha. Baldes de plásticos viraram formas de bolos
e panelinhas para preparar carne, arroz e feijão. As pazinhas que
também eram de plástico ora eram as velas do bolo, ora eram a colher
que levava a comida até a boca. E, durante o desenrolar daquela linda
tarde, “aprendi” com os pequenos alunos, que não tinham mais que
três anos de idade, importantes conceitos de matemática: cheio/vazio,
pequeno/grande, pesado/levinho e também as cores através das
inúmeras pazinhas coloridas que a professora disponibilizou para os
alunos brincarem na areia.
Assim como relata Ferreira (2011), em sua pesquisa, pude
observar que no ambiente da pracinha, que vai além dos muros da
escola, as crianças experimentam a construção da sua própria
autonomia. Este espaço se revelou como um lugar especial para a
educação daquela criançada, pois notei o quanto sentem prazer em
estar neste lugar, brincam e interagem umas com as outras
livremente. Porém senti certa falta da presença das professoras e

- 207 -
recreacionistas37 neste momento de brincadeiras, mas percebo que
isto tem muita relação com o que já foi mencionado neste trabalho,
cuja citação é de Ferreira (2011, p. 158):

[...] a aproximação com o cotidiano da educação


infantil evidencia esse espaço como o lugar por
excelência para a brincadeira, revelando uma
dicotomia entre a centralidade excessiva dos
adultos na sala e a ausência de propostas e de
participação dos adultos no parque.

Ainda falando do passeio, ressalto que uma das situações de


brincadeira, mais engraçadas, que vivenciei nesta tarde foi quando
uma aluna me ofereceu um pouco de “pimenta” e eu falei para ela que
pimenta eu não queria, pois ardia a boca. Aí ela ficou pensativa e um
aluno disse: pimenta é pra bota na comida e então a menina se
explicou: mas isso não é pimenta, é areia! Demonstrando conseguir
sair do imaginário para o real.

Nesse sentido, considero a necessidade de os


educadores terem uma maior atenção a respeito
da participação dos adultos nesses momentos, seja
na maneira de organizar e disponibilizar objetos e
brinquedos de forma desafiadora, seja como
parceiros de brincadeiras das crianças (FERREIRA,
2011, p. 159).

Sobre minhas outras observações, relato que em um dos dias


em que fui realizar a pesquisa de campo na escola, os alunos estavam

37
Assim é chamada a auxiliar da professora nas EMEIs de Jaguarão-RS.

- 208 -
fazendo um presente para dar para suas mamães, após terminarem de
fazer o trabalho, os alunos foram brincar um pouco no pátio da escola
que é bastante grande, porém, conforme já foi dito, não possui
brinquedos de pracinha e caixa de areia. Lá, a criançada se soltou, foi
aquela correria e tinha até um lobo mau para pegar as criancinhas!!!
As crianças se divertiram, porém sozinhas, a professora e a
recreacionista não participaram dos brinquedos38 e tão pouco
propuseram ou ensinaram alguma brincadeira nova. Sobre esta
questão, Ferreira (2011, p. 168), fala que:

[...] o parque tem funções diferentes e opostas


para as crianças e para os adultos. Para as crianças,
é o lugar de libertar a energia contida e/ou
controlada pelo adulto dentro da sala, e para o
adulto é o lugar onde ele recupera as energias
perdidas ao controlar e/ou determinar as ações,
brincadeiras e atividades das crianças em sala.

Tal cena nos faz acreditar que muitas vezes não podemos nos
deter apenas a criticar o espaço que não oferece “isto ou aquilo”, mas
que devemos refletir diariamente sobre o que se propõe realizar
durante as aulas, pois as propostas pedagógicas podem se tornar
muito mais limitadoras do que o próprio espaço escolar.

38
Conforme Oliveira (1993 apud HORN (2004, p. 59): “[...] a partir da perspectiva de
Vygotsky, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal, permitindo que
sejam desempenhados papéis que cotidianamente a criança não teria condições de
desempenhar”.

- 209 -
É valido pensar que estas aulas podem sim, se estender ao
pátio da escola, principalmente quando o espaço da sala de aula é
consideravelmente apertado, como o caso desta turma. Neste caso,
por exemplo, o pátio poderia ser usado como uma extensão do espaço
da sala de aula.
É neste sentido que precisamos refletir e nos darmos conta que
o fio condutor da mudança da qualidade ofertada nas instituições de
ensino pode e certamente está atrelada a organização do espaço físico
das escolas, porém as práticas pedagógicas propostas com certeza são
as mais determinantes para que este espaço realmente possa ser
considerado educativo e para que esta escola ofereça situações em
que os alunos possam construir aprendizagens. Já dizia Oliveira (2007,
p. 191):

O planejamento espacial da creche ou pré-escola


imerge as crianças em um mundo de estímulos
visuais e cinéticos, em que as características
(formato, cor, textura, usos) dos objetos –
brinquedos, blocos, telas, argila, livros, cartazes,
filmes, vídeos, a imprensa escolar, lousa, ábacos e
outros – são por elas interpretadas como
desencadeadores de determinados enredos de
ação.

Sendo assim, o professor no lugar de alguém que cuida, educa


e media as situações, precisa criar condições para que as crianças
possam se desenvolver da melhor forma possível e, é claro, de forma
autônoma, como alguém que consegue trilhar o seu próprio caminho,

- 210 -
sendo autor de suas produções e se descentrando da figura do adulto.
E para que isto ocorra também é fundamental que o educador desafie
seu aluno e que consiga promover, organizar e prever situações em
que as interações entre as crianças e o meio sejam provedoras de
desenvolvimento. Inspirada por Oliveira (2007, p. 195), penso que:
“Várias possibilidades podem ser experimentadas, a depender da
proposta pedagógica da creche ou pré-escola”.
Continuo meus escritos mencionando que em outro dia, já
quase concluindo a pesquisa de campo, fui para a escola bem cedinho,
onde percebi que após comerem os alunos foram para o pátio da
escola e sentados no chão, em dois grandes grupos, ficaram brincando,
com alguns animaizinhos que foram escolhidos e distribuídos pela
professora. Pude observar que neste momento os alunos ficaram
quase que imóveis em seus lugares, brincando individualmente com a
quantidade de animais que fora estipulado pela titular da turma, o que
impossibilitou a existência de interação entre os alunos e por
consequência o desenvolvimento da imaginação dos mesmos.
Refletindo a partir desta cena, posso arriscar pensar que o
espaço do pátio, não pelo que oferece, mas pelo modo como a
professora conduziu o momento de brincadeira, serviu como um
limitador de atitudes, pois as crianças não tiveram a opção de utilizar
outros espaços do pátio que não fosse o lugar onde haviam se sentado,
portanto parece que a imaginação das crianças também foi limitada
neste momento. Outros objetos, por exemplo, poderiam ter sido

- 211 -
utilizados nesta brincadeira que poderia ter se tornado uma
brincadeira de faz de conta, mas desta vez não foram disponibilizados.
Pelo que pude perceber, rapidamente, os alunos foram
perdendo o interesse pelos brinquedos disponibilizados, não achavam
graça em terem que brincar sozinhos e por isso, a turma foi ficando
cada vez mais tumultuada, gerando brigas entre os alunos e até
mesmo entre a professora e os mesmos. Sobre isso, Oliveira (2007, p.
193) destaca que:

Muitas vezes o espaço busca impedir a


movimentação das crianças e a interação entre
elas. Outras vezes, embora não seja esta a intenção
das professoras, a organização do espaço termina
por promover brigas ou outras formas de
comportamento consideradas como indisciplina.

Dizendo isto, passo para a conclusão provisória deste trabalho,


que irei chamar de considerações finais, visto que nem sempre tudo
tem um fim, a final de contas sempre surge novas ideias, novas
pesquisas...

Considerações finais

Sabemos que anos e anos de uma prática voltada


somente para guarda e para o cuidado, de pouca
atenção à formação profissional dos educadores
infantis e de um atendimento precário em todos os
sentidos não se dissiparão como em um passe de
mágica. É chegado o momento de muito trabalho,

- 212 -
de muitas modificações, sejam estruturais, sejam
pedagógicas (HORN, 2004, p. 14).

Portanto, devemos entender primeiramente que este trabalho


não tem por objetivo apontar falhas, e sim refletir a respeito delas,
encontrando nos pressupostos teóricos uma base para poder pensar
sobre o observado nas cenas encontradas no pátio da EMEI a fim de
contribuir para que cada vez mais, conforme já foi dito, caminhemos
no sentido de oferecermos espaços educativos nas escolas de
educação infantil e para que cada vez mais os professores queiram
propor brincadeiras e participar das mesmas no momento em que
estão no pátio, fazendo deste momento algo prazeroso, passível de
construir aprendizagens através da interação não só entre as crianças,
mas também entre professores e alunos.
Assim sendo, nesta conclusão, dissertarei primeiramente a
respeito das cenas observadas, procurando responder as questões que
surgiram durante a realização da pesquisa de campo. Desta forma,
passo a dizer que apesar de a professora da turma não intervir no
momento do pátio, conforme nos sugere Dornelles (2001) no corpo
deste trabalho, há sim, possíveis intervenções em um pátio que não
oferece uma caixa de areia ou brinquedos de pracinha, pois podemos
convidar as crianças para brincar de diversas coisas, porem para isto a
professora deve antes perceber que há uma necessidade de
intervenção para que o desenvolvimento de seus alunos ocorra com
plenitude.

- 213 -
E mesmo que a professora da turma não consiga enxergar o
espaço do pátio como educativo pelo simples fato do mesmo não
oferecer caixa de areia ou brinquedos de pracinha, é possível afirmar
que:

Na verdade, o espaço físico não apenas contribui


para a realização da educação, mas é em si mesmo
uma forma de educar. Conforme afirmam Frago e
Escolano (1998, p. 69) referindo-se ao espaço
escolar, este não é apenas um “cenário” onde se
desenvolve a educação – e nesse caso também o
cuidado -, mas também uma “forma silenciosa de
ensino” (FERREIRA, 2011, p. 162).

Neste sentido, o espaço físico do pátio poderia ser usado pela


professora também para educar seus alunos, bastaria ela entender
que o espaço do pátio nunca é neutro. Ele revela com clareza as
concepções e pode influenciar significativamente no desenvolvimento
e aprendizagem dos alunos. Desta forma, podemos dizer que a
professora e todos os educadores, precisam passar a enxergar que
todos os espaços da escola de educação infantil podem vir a ser
educativos se, é claro, não houver a ausência de propostas e
participação dos professores neste espaço. Neste sentido, o pátio
pode ser uma extenção do espaço da sala de aula, principalmente
quando tais espaços são consideravelmente pequenos.
Continuando os escritos, e se tratando da forma como a
professora desenvolve seu trabalho no pátio da EMEI, é necessario
destacar que a mesma em nenhum dos dias observados, propos ou

- 214 -
participou das brincadeiras que ocorreram neste espaço. Apesar disso,
mesmo que talvez inconcientemente, a professora conseguiu, com o
oferecimento de brinquedos de praia, levar seus alunos a construirem
aprendizagens, conforme foi relatado no corpo deste trabalho,
tornando o espaço do pátio em alguns momentos educativo e assim,
confirmando na pratica que todos os espacos podem vir a ser
educativos desde que haja intervenção pedagógica. Mas, mesmo
assim é possivel dizer que o espaço do pátio não é pensado e
organizado para se tornar educativo, pois o simples fato de juntar
objetos e oferecer para as criancas não torna isto uma proposta
pedagógica.
Já, passando a falar de como as aprendizagens ocorrem neste
espaço cuja professora considera que não tem nada a oferecer, é
importante lançarmos um olhar sobre algo que já foi contado e que
tem relacao com o a questao levantada. Assim sendo, em algumas
vezes, o que é oferecido no pátio da EMEI limita os alunos a estar todo
o tempo, praticamente paralisados e isto gera desconforto entre as
crianças. Muitas vezes elas ficam dispersas, não conseguem criar,
imaginar e brincar livremente, pois além do pátio da EMEI não
oferecer uma caixa de areia ou brinquedos de pracinha, o espaço em
nenhum momento foi organizado ou propostas foram feitas para
propiciar isto, a fim de chegarem a construir aprendizagens.
A partir das observações e dos estudos que foram feitos é
possível dizer que a professora por não saber lidar com as questões

- 215 -
expostas a cima, que envolvem intervenção pedagógica, espaço
educativo, bem como propostas pedagógicas, acaba por perder o foco
que é a criança, a infância e a aprendizagem dos alunos. Acaba
também por nos levar a acreditar que não possuiu o conhecimento de
que a ausência de propostas e participação dos professores no espaço
do pátio, bem como a falta de oferecimento de um espaço e práticas
com mais qualidade estão atreladas as suas próprias concepções sobre
criança, infância e aprendizagem. É aceitável se dizer isto, visto que em
todo o tempo que foi realizada as observações, a professora se
mostrou bastante indiferente, talvez tradicional, no que se refere à
utilização do espaço do pátio e também sobre as possíveis
aprendizagens que seus alunos poderiam construir neste espaço se
houvesse a intenção em tornar este espaço educativo.
É preciso dizer que, talvez, imbricada nesta sala de aula esteja
um pouco da questão de economia, na qual a professora e tão pouco
a escola possuem a disponibilidade de recursos para a compra e
confecção de materiais, mas também sei que em sua sala de aula tudo
gira em torno da figura do professor, ou seja, o professor é quem
ensina, é quem controla e o aluno é quem deve aprender, já no pátio
o professor não se envolve, não participa, não atua como mediador de
aprendizagens. Fato este que reforça a afirmação de que talvez a
professora seja um pouco tradicional.
Concluímos dizendo que após a realização de diversas
observações feitas nesta turma, entendo que o momento do pátio,

- 216 -
não é pensado pela professora para se tornar rico em desafios, pois às
vezes não oferece materiais e em nenhum momento interviu para que
de fato isso aconteça e tão pouco percebi uma movimentação da
professora em torno da organização do espaço, da existência de
propostas ou participação das brincadeiras para que ele de fato se
torne educativo. Percebo que talvez a professora para modificar o
modo como utiliza este espaço, a fim de torna-lo mais educativo e
desafiador pudesse se valer das ideias apontadas por Ferreira (2011) e
Dornelles (2001). Conforme elas colocam, há inúmeras possibilidades
para tornar o espaço do pátio educativo em que a criança seja acolhida
e estimulada. Em que ela perceba este espaço como um lugar também
de aprendizagens.
Acreditamos que a realização desta pesquisa, nos levou a perceber e
termina por comunicar aos leitores que um dos motivos que colabora para a
existência da ausência de propostas e participação dos professores no
espaço do pátio é o modo como os professores enxergam este espaço, ou
seja, não o percebem como educativo, passível de construir aprendizagens
através de mediações. Portanto, este lugar é usado exclusivamente para o
“descanso” dos professores, enquanto os alunos liberam as energias retidas
no espaço da sala de aula.
Esta pesquisa também nos leva a notar que a ausência de propostas
e participação dos professores no espaço do pátio implica diretamente no
não saber brincar dos alunos e por consequência disso no educar dos
mesmos, pois conforme o Referencial Curicular Nacional para a Educação
Infantil - RCNEI (BRASIL, 1998, p. 23):

- 217 -
Educar significa, portanto, propiciar situações de
cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas
de forma integrada e que possam contribuir para o
desenvolvimento das capacidades infantis de
relação interpessoal, de ser e estar com os outros
em uma atitude básica de aceitação, respeito e
confiança, e o acesso, pelas crianças, aos
conhecimentos mais amplos da realidade social e
cultural.

Cremos que a pesquisa nos fez enxergar os inúmeros motivos que


tornam importante a existência de propostas e participação dos professores
no espaço do pátio, visto que conforme o já mencionado RCNEI destaca,
referindo-se aos momentos de brincadeiras, que pode ser atrelado ao espaço
do pátio:

Para que as crianças possam exercer sua


capacidade de criar é imprescindível que haja
riqueza e diversidade nas experiências que lhes são
oferecidas nas instituições, sejam elas mais
voltadas às brincadeiras ou às aprendizagens que
ocorrem por meio de uma intervenção direta [...] A
intervenção intencional baseada na observação
das brincadeiras das crianças, oferecendo-lhes
material adequado, assim como um espaço
estruturado para brincar permite o
enriquecimento das competências imaginativas,
criativas e organizacionais infantis (BRASIL, 1998, p.
27-29).

Concluindo o trabalho, destaco que há professores que ainda


precisam tomar consciência de que nenhum espaço é neutro, pois

- 218 -
todo o espaço é organizado segundo certa concepção educacional,
que busca atingir certos resultados.

- 219 -
Referências

BRASIL. Referencial curricular nacional para a educação infantil.


Brasília: MEC/SEF, 1998.

BUJES, M. I. E. Escola Infantil: Pra que te quero? In: CRAIDY, C.;


KAERCHER, G. (Orgs.). Educação Infantil: Pra que te quero? Porto
Alegre: Artmed, 2001.

CHIZZOTI, A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais.


Petrópolis: Vozes, 2006.

DORNELLES, L. Na escola infantil todo mundo brinca se você brinca. In:


CRAIDY, C.; KAERCHER, G. (Orgs.). Educação Infantil: Pra que te quero?
Porto Alegre: Artmed, 2001.

FERREIRA, Z. Tempos e espaços para brincar: o parque como palco e


cenário das culturas lúdicas. In: ROCHA, E.; KRAMER, S. (Orgs.).
Educação Infantil: Enfoques em diálogo. 2. ed. Campinas: Papirus,
2011.

GANDINI, L. Espaços educacionais e de desenvolvimento pessoal. In:


EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. (Orgs.). As cem linguagens da
criança: a abordagem de Reggio Emilia. Porto Alegre: Artmed, 1999.

HORN, M. da G. S. Sabores, cores, sons e aromas: A organização dos


espaços na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

OLIVEIRA, Z. R. de. Educação Infantil: Fundamentos e métodos. 3. ed.


São Paulo: Cortez, 2007.

- 220 -
Sobre os autores

Caroline Reis Vieira Santos Rauta


http://lattes.cnpq.br/3519380803739395
Caroline Reis Vieira Santos Rauta é professora de Língua Portuguesa
do Instituto Federal de Santa Catarina no Campus Gaspar. Caroline é
doutora em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa
Catarina e realizou período de Doutorado Sanduíche no Exterior na
Universidade de Birmingham (Reino Unido) entre os meses de agosto
e novembro de 2012. Caroline e é mestre em Estudos da Tradução
(2010) (Bolsista REUNI de Assistência ao Ensino) pela Universidade
Federal de Santa Catarina e possui graduação em Língua e Literatura
Vernáculas pela mesma universidade (2007) (Bolsista FINEP2005-
2006/PIBIC-CNPq 2006-2007).

Cristiane Alves Dalla Porta


http://lattes.cnpq.br/4621421100064436
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa
Maria(2019).

Eduarda Rodrigues Roubuste


http://lattes.cnpq.br/8753448728256360
Acadêmica do Curso de Pedagogia Licenciatura Plena, pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Gislaine Rodrigues Couto (Organizador)


http://lattes.cnpq.br/3499532787032208
Mestra em Políticas Públicas e Gestão Educacional, Especialista e
Pedagoga pela Universidade Federal de Santa Maria. Integra o Grupo
de Estudos em Políticas Públicas e Gestão Educacional (GPPGE)
coordenado pela profª Drª Sueli Menezes Pereira. Possui experiência
como bolsista de Iniciação Científica (FIPE e PIBIC) e monitoria em
disciplina de Políticas Públicas e Gestão da Educação Básica do curso
de Pedagogia. Pesquisa as seguintes temáticas: Educação Infantil em
jornada de Tempo Integral, Planejamento compartilhado, Projeto

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político-pedagógico, Gestão e Práticas Pedagógicas na Educação
Infantil. Professora da rede municipal do município de Santa Maria-RS.

Graziela Franceschet Farias


http://lattes.cnpq.br/3446125681201634
Professora Adjunta C - Nível 2 do Departamento de Metodologia do
Ensino, Centro de Educação, UFSM (PORTARIA No 5.750, DE 26 DE
JUNHO DE 2015). Pesquisadora e Líder do Grupo de Pesquisa em
Geografia, Ensino de Geografia, Estudos Multidisciplinares e Educação
do Campo - GeoIntegra/UFSM/CNPq, fundado em 2015. É graduada
pela Universidade Federal de Santa Maria no curso de Licenciatura em
Geografia. É Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação/CE/UFSM, Linha de Pesquisa 1 - Formação, Saberes e
Desenvolvimento Profissional. Coordenadora de Projetos de Pesquisa
e Extensão da UFSM (FIEX e PROLICEN). Atua como Professora
Pesquisadora II da UAB/UFSM.

Jenifer Duarte da Costa


http://lattes.cnpq.br/2847061900471533
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Pampa -
Campus Jaguarão/RS. Especialista em educação Infantil. Atua como
professora de séries iniciais na cidade de Glorinha/RS. Atualmente está
fazendo uma pós-graduação na área da Alfabetização e Letramento.

Kelly Werle
http://lattes.cnpq.br/2601169894928207
Possui graduação em Pedagogia (2007), mestrado em Educação (2010)
e doutorado em Educação (2015) pela Universidade Federal de Santa
Maria. Atua como professora efetiva do Departamento de
Metodologia do Ensino do Centro de Educação da Universidade
Federal de Santa Maria (MEN/CE/UFSM), na área da Educação Infantil,
integra a Comissão dos Estágios Supervisionados no curso de
Pedagogia. Atuou como professora da Prefeitura Municipal de Santa
Maria. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Educação Infantil, atuando principalmente nos seguintes temas:

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infância, culturas da infância, linguagens, experiência, música,
pedagogia e estágio supervisionado.

Lucas da Silva Martinez (Organizador)


http://lattes.cnpq.br/0799827739345441
Graduado em Pedagogia (2012-2015) pela Universidade Federal do
Pampa (UNIPAMPA). Especialista em Docência no Ensino Superior
(2020) pela Faculdade de Educação São Luís. Mestre em Educação
(2016-2018) e Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Chefiou o
Núcleo de Educação Ambiental na Secretaria de Desenvolvimento
Rural e Meio Ambiente de Jaguarão - SDRMA (2016). Atuou como
bolsista de Iniciação à Docência (CAPES) nos subprojetos Alfabetização
e Educação Inclusiva (2012-2013) e Modalidades de Ensino: Educação
Especial e Educação de Jovens e Adultos (2014-2015).

Magda Schmidt
http://lattes.cnpq.br/0974821210058102
Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFSM. Teve experiência como professora na Educação
Infantil no ano de 2011. Foi professora dos Anos Iniciais no Instituto
Aprender (Colégio Riachuelo) no período de 2012-2016 e do Colégio
Marista Santa Maria no ano de 2017. Foi tutora a distância do Curso
de Pedagogia EaD da UFSM de 2013 a 2014. Atuou como Professora-
pesquisadora da Universidade Aberta do Brasil (UAB) no setor
pedagógico da Equipe Multidisciplinar do Núcleo de Tecnologia
Educacional da UFSM de 2014 a 2017.

Mariana Borges Lemes


http://lattes.cnpq.br/0057763272863008
Atualmente cursa Licenciatura Plena em Pedagogia Diurno, na
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Está bolsista de Iniciação
Científica pelo Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE)- CE/UFSM, no
projeto "Escolas públicas: olhares sobre as práticas educativas,

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Neusa Maria Roveda Stimamiglio
http://lattes.cnpq.br/2674663456649815
Possui graduação em Licenciatura Em Pedagogia Plena Habilitação
Magistério pela Universidade de Passo Fundo (1985), Especialização
em Alfabetização pela Universidade de Passo Fundo (1989),
Especialização em Educação Psicomotora pela Faculdade Porto
Alegrense(1991) Especialização em Psicopedagogia(1996), e Mestrado
em Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005). Atualmente é
psicopedagoga no Centro Crescer- Centro de Assessoria
Psicopedagógica em Antônio Prado. Ministrou cursos de Educação
Infantil no Campus Universitário da Região dos Vinhedos e foi
professora contratada da Universidade de Caxias do Sul. , atuando
principalmente nos seguintes temas: educação infantil, aprendizagem,
escola, atualização pedagogica e pesquisa.

Sueli Salva
http://lattes.cnpq.br/8144640957398714
Professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa
Maria atuando na área de Didática e Práticas de Ensino na Educação
Infantil. Pedagoga, especialista em dança, Doutora em educação pela
UFRGS. Pós- doutorado pela UNIMI/Milão/Itália. No PPGE/UFSM
orienta e desenvolve pesquisas sobre os temas das culturas juvenis e
infantis e práticas educativas. É membro do grupo de pesquisa
Filosofia, Cultura e Educação (FILJEM/CNPq) e do Grupo de
Investigação e Estudos Contemporâneos em educação e Infância
(GIECEI/CNPq).

Viviane Meili
http://lattes.cnpq.br/9344798367801838
Professora formada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa
Maria, RS.

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