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1. Introdução ................................................................................................ 2
6. Conclusões .............................................................................................. 11
7. Bibliografia ............................................................................................. 12
REFERÊNCIAS:
FERREIRA, Jairo. Campo acadêmico e epistemologia da comunicação. In: André Lemos; Angela Pryston;
Juremir Machado da Silva; Simone Pereira de Sá. (Org.). Mídia.br. Livro da XII Compós - 2003.. 1ed.Porto
Alegre: Sulina, 2004, v. 1, p. 115-129.
Jairo Ferreira1
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Professor Dr. do Centro de Ciências da Comunicação – Unisinos. ferreira@netu.unisinos.br
1. Introdução
A primeira instância de conceitos que considero fundamental para pensar a
epistemologia da comunicação é o de campo. Termo quase naturalizado, necessita de
uma localização para ganhar força explicativa que o situe na problemática
epistemológica. Parto, aqui, da abordagem do campo da comunicação (Fausto, 2002) e
da formulação de campo acadêmico em Bourdieu (1990). É a partir dessas duas
referências que conceituo o campo acadêmico da comunicação (termos utilizados por
Braga, 2002). Nesse sentido, o primeiro lugar conceitual que sugiro para pensar uma
epistemologia se desenvolve em torno do campo acadêmico da comunicação
(compreendido como lugar de posições individuais, de dispositivos e de instituições em
torno das quais estão articulados). O campo acadêmico da comunicação é espaço social
ao qual corresponde um campo de conhecimento e de significação singular 2.
Com esse conceito de campo de conhecimento e significação procuro uma
alternativa ao conceito de habitus (Bourdieu) que remeta a uma reflexão específica
sobre os processos epistemológicos na vida social, incluindo os que ocorrem na esfera
dos campos acadêmicos. O campo de conhecimento é uma proposição em que os
paradigmas e as teorias fundantes, as práticas científicas normalizadas e
institucionalizadas, as rotinas e as formas como os agentes em interação se articulam
com um determinado conhecimento reconhecido como legítimo são lidas na perspectiva
de como, através do discurso científico, de seus procedimentos, de suas formas de
interações com outros, criam os objetos, os problemas e temas, compartilhando trilhas
singulares de pensar o mundo, deslocando-se conforme os fluxos discursivos e
concretos de produção de sentido. Nesses fluxos, considero que ocorre a constituição de
uma epistemologia singular de um campo de conhecimento, correspondente a um
determinado campo social (no caso, o campo acadêmico da comunicação).
Nessa perspectiva, o campo de conhecimento não são “celas e jaulas” onde os
agentes estejam condicionados conforme teorias, paradigmas ou normas do fazer
científico. Nesse sentido, o campo é dinâmico e se auto-organiza. O campo se
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Para simplificar minha formulação, não abordo aqui as interfaces do campo acadêmico com o campo
pedagógico, campo científico em geral e campo das mídias.
transforma conforme as interações dos agentes individuais e coletivos que o compõem,
do(s) dispositivo(s) que o constituem (encontros, eventos, a organização dos programas
de pesquisa, as revistas, as condições de ingresso, os discursos etc.) e suas formas
institucionais. No interior do campo de conhecimento, sugiro a identificação e o
destaque do campo epistemológico.
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A crítica a naturalização do conceito de mídia pode ser vista em Peraya, 1999.
compreendermos os processos singulares de estruturação desse último como campo de
autonomia relativa (Fausto, 2002, Bourdieu, 1990, Ferreira, 2002). Para isso, e na
perspectiva de uma análise dos processos epistemológicos do campo, é necessário
verificar as estruturas formais de interpretação e os observáveis gerados em seu seio.
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Esta ausência de discussão entre as teorias da comunicação e a “colcha de retalhos” é abordada por
Martino (2001c).
comunicação. É nesse sentido que prefiro falar em teorias proximais (inspirado aqui em
Vigotsky) para se referir às contribuições originadas em outros campos (a antropologia,
a sociologia, a psicologia etc.).
Mas, como, então, partindo dessas teorias proximais, compreender o campo
acadêmico da comunicação? O esforço epistemológico de, partindo das teorias
proximais, “saltar” para objetos singulares do campo, não é simples nem linear e se
dissipa. Nesse sentido, é interessante investigar trajetórias individuais e as bifurcações
(questão que merece uma reflexão específica).
Seguindo a sua dinâmica histórica e social, pode-se pensar que o campo encontra-
se em sua infância (ou adolescência?), a qual se caracteriza por uma profusão de objetos
construídos e estruturas de interpretação diferenciados, incluindo os observáveis sobre
os objetos e sobre os procedimentos dos pesquisadores, e da relação entre os próprios
objetos (ver, sobre esse processo, Martino, 2001c). A proliferação de conflitos no campo
é expressão dessa profusão sem reversibilidade. Essa situação, a partir de determinado
momento (recente, se acompanharmos as discussões na Compós) se transforma –
inclusive sob pressões externas – em redes, alianças e zonas de evidentes conflitos. É
nessas zonas que se fundam as fronteiras de um território que tenderá, num segundo
momento, a reivindicar uma conversão de todos a zonas compartilhadas de definições
de objeto, procedimentos e estruturas de interpretação?
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Diga-se que a sutileza da análise de Braga, a qual volto mais adiante, é pouco referida nos embates. O
objeto aflorado, diz esse autor, permite refletir e discutir sobre as interações sociais comunicacionais há
três séculos ou três mil anos. Essa abertura temporal, por coerência, pode ser reivindicada no espaço.
Assim, a preocupação de Rubim (conforme Moura, 2002) de que o campo não absorveria as redes de
nas bifurcações que serão geradas em torno dessa discussão que sugiro encontrar
gêneses pretendidas, realizadas ou não, de construções epistemológicas novas,
singulares.
Nessa investigação não pode haver linearidade do tipo a que opõe blocos
políticos. Há contradições entre o que chamo de enunciados políticos (ser contra ou a
favor de um foco na mídia, por exemplo) e construções epistemológicas.
Ilustro, focando mais ainda a lente. O mapa das pesquisas de comunicação
desenhado por Braga (2001) é diverso daquele proposto por Santaella (2001). O
pensamento matricial de Santaella revela uma postura cognitiva centrada em
formulações lógicas, diversa da proposta histórico-social de Braga.
Em Santaella, as relações possíveis entre as diversas dimensões do que considera
vinculado ao processo de comunicação sugere uma abertura, onde interage o que chama
de territórios (mensagem, meios, contexto, fonte e recepção), as interfaces (entre os
territórios) e as teorias ocupando-se de objetos singulares (que se definem logicamente
pelas interfaces). O mapa é desenhado após anunciar que sua abordagem “está longe de
limitar à visão restrita da comunicação como fenômeno exclusivamente humano e social
que vigorou até o final dos anos de 70” (Santaella, 2001, p. 80). Entretanto, a matriz que
sugere pode, com pouco esforço de interpretação, ser incorporada a uma abordagem da
comunicação como um processo midiático. Na esfera política, trata-se de uma
contradição que chamaremos de antagônica. Na esfera epistemológica, é viável pensar a
sua matriz como uma diferenciação da mídia que explica, talvez com mais fecundidade,
as nuances do que Braga observa nas pesquisas de comunicação no Brasil.
Já a proposição de Braga se caracterizada pela busca de diagonais definidoras do
campo (a angulação conversacional em sua relação com a perspectiva de centralidade da
mídia), que, em sua perspectiva, devem organizar o campo, atravessando, se possível, as
pesquisas que se realizam. Verifica-se aí as marcas do método histórico inaugurado por
Marx.
Num e noutro caso, pode-se identificar as estruturas de interpretação dos autores.
Em Santaella, o pensamento matricial é característico de uma crença nos operadores
lógicos (que será, inclusive, argumentada no capítulo em que ela discute metodologia).
O pensamento relacional se destaca a partir da lógica. Em Braga, vejo as marcas de uma
herança sociológica, portanto uma abordagem histórica e social do conhecimento.
comunicação que constituem a produção, consumo e circulação cultural quando essas não passam pela
“mídia” não se colocaria entre essas possibilidades?
Na perspectiva de uma epistemologia em construção, num e noutro caso, não se
tem uma epistemologia que opera na zona da morte. As marcas epistemológicas são
expressões de operações novas do pensamento, que procuram responder a angústias do
campo a partir de enfoques próprios, singulares. Nesse sentido, procuram dar o salto das
teorias proximais aos objetos virtuais do campo.
Antinomias insuperáveis? Em que medida as possibilidades matriciais sugeridas
por Santaella respondem, num nível mais abstrato, aos observáveis nas pesquisas no
campo acentuados por Braga (páginas 29 e seguintes)? Será que as possibilidades de
interface sugeridas por Santaella não atestam a força do objeto “mídia” como operador
na interpretação dos processos de comunicação, mesmo que “invadido” por um olhar
que nasce na semiótica? Etc. Se a tarefa do teórico da comunicação é buscar soluções
para esses conflitos, a compreensão do campo acadêmico na perspectiva epistemológica
é “acompanhar” como as soluções (ou falta delas) resultam em novas dinâmicas,
objetivando os vínculos (evitando, assim, que as crenças e estratégias transformem a
discussão epistemológica em parlamento de jurisdição).
6. Conclusões
A existência do mapa do campo epistemológico, sua riqueza e diversidade,
distribuída na flecha do tempo, atesta (ou não) a dinâmica do campo. Acredito que o
mapa, se desenhado à exaustão, certamente fornece um quadro reflexivo sobre o campo
acadêmico da comunicação que ultrapassa algumas tendências que visitam o debate
epistemológico, em particular: a) a busca de uma solução filosófica para as angústias
decorrentes de uma identidade em construção; b) a declaração de pertença atrelada a
uma jurisprudência e a uma noção funcional do campo; c) assunção da dimensão
subjetiva (e simbólica) que atravessa o campo como pressuposto suficiente. Nesse
sentido, nas trilhas compartilhadas e bifurcações sucessivas, muitas das quais derrotadas
no decorrer da temporalidade, acredito que se possa encontrar uma filosofia coletiva em
construção, ou seja, uma constituição epistemológica, dinâmica, dissipativa e
estruturada.
Essa dinâmica do campo pode ser estudada a partir de várias hipóteses, mas há
três polares. Primeira, o campo dá conta de suas contradições e tem um
desenvolvimento epistemológico, no sentido intensivo (novos esquemas interpretativos)
e extensivos (novos observáveis), integrando as diferenças (exemplo, entre a abordagem
lógico-formal e histórico-social) etc. numa processualidade construtora de conceitos a
partir de sua herança conceitual. Segunda, o campo é regressivo, nega as diferenciações
(isso é observável no silêncio que se faça entre as diferenças entre as várias estruturas
que compartilham redes conceituais ou em torno dos conflitos politicamente fortes
apaziguados pelas estratégias). Terceira, o campo se estabelece em torno de um
consenso epistemológico (e não meramente político) forte em torno de objetos
existentes e criação dos novos, de estruturas de interpretação e de ação científica. O
desequilíbrio atual no campo acadêmico da comunicação, indicado nos encontros dos
programas e na Compós nos últimos dois anos, indica talvez um desequilíbrio ainda não
denegado6.
Uma epistemologia que vise a um campo acadêmico que ultrapasse os limites do
ensaio e da filosofia pura, não pode, entretanto, trabalhar apenas no plano das estruturas
de interpretação (mesmo que essas, na abordagem que adoto, tenham um lugar
privilegiado na produção de conhecimento). Nesse sentido, a investigação sobre o
campo epistemológico deve abranger outras dimensões da produção científica
diretamente vinculados às estruturas de interpretação (observáveis, procedimentos, o
método, etc.), e dos métodos que constituem, na delimitação dos objetos com os quais a
área constrói, coletivamente, sua identidade.
7. Bibliografia
FAUSTO, Antonio (2002). A pesquisa vista “de dentro da casa” (ou reflexões sobre
algumas práticas de construção de objetos de pesquisa em comunicação). In:
WEBER, Maria Helena, BENTZ, Ione e HOHLFELDT, Antônio. Tensões e
objetos da pesquisa em comunicação. Porto Alegre: Sulina/Compós, p. 21-35.
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Acredito que a denegação fortalece, num determinado campo, soluções administrativas, burocráticas e
estritamente políticas. Já a assunção de suas contradições permite a construção de regras de equilíbrio
entre os pares com reconhecimento compartilhado.
Programa de Pós Graduação em Informática na Educação - PGIE, 2002. (Tese de
Doutorado).
SILVA, Juremir Machado (2002). Análises. In: WEBER, Maria Helena, BENTZ, Ione e
HOHLFELDT, Antônio. Tensões e objetos da pesquisa em comunicação. Porto
Alegre: Sulina/Compós, p. 271-276.