Você está na página 1de 13

Sumário do artigo

1. Introdução ................................................................................................ 2

2. Entre a política e a epistemologia ............................................................. 3

3. A dimensão histórica e social das estruturas de interpretação .................. 5

4. Conflitos e dimensões do campo epistemológico ....................................... 7

5. Exemplo: a discussão sobre a centralidade da mídia ................................ 8

6. Conclusões .............................................................................................. 11

7. Bibliografia ............................................................................................. 12

REFERÊNCIAS:
FERREIRA, Jairo. Campo acadêmico e epistemologia da comunicação. In: André Lemos; Angela Pryston;
Juremir Machado da Silva; Simone Pereira de Sá. (Org.). Mídia.br. Livro da XII Compós - 2003.. 1ed.Porto
Alegre: Sulina, 2004, v. 1, p. 115-129.

Campo acadêmico e epistemologia da comunicação

Jairo Ferreira1

RESUMO: Neste artigo, desenvolvo o conceito de campo epistemológico da


comunicação. Faço isso a partir de vários autores, visando a desenvolver um foco
possível para a reflexão epistemológica que tenha como objeto as pesquisas e
conhecimentos produzidos no campo acadêmico da comunicação. O conceito de campo
epistemológico visa a construir um foco alternativo às dimensões políticas ainda
presentes na discussão sobre o objeto das pesquisas em comunicação.

1
Professor Dr. do Centro de Ciências da Comunicação – Unisinos. ferreira@netu.unisinos.br
1. Introdução
A primeira instância de conceitos que considero fundamental para pensar a
epistemologia da comunicação é o de campo. Termo quase naturalizado, necessita de
uma localização para ganhar força explicativa que o situe na problemática
epistemológica. Parto, aqui, da abordagem do campo da comunicação (Fausto, 2002) e
da formulação de campo acadêmico em Bourdieu (1990). É a partir dessas duas
referências que conceituo o campo acadêmico da comunicação (termos utilizados por
Braga, 2002). Nesse sentido, o primeiro lugar conceitual que sugiro para pensar uma
epistemologia se desenvolve em torno do campo acadêmico da comunicação
(compreendido como lugar de posições individuais, de dispositivos e de instituições em
torno das quais estão articulados). O campo acadêmico da comunicação é espaço social
ao qual corresponde um campo de conhecimento e de significação singular 2.
Com esse conceito de campo de conhecimento e significação procuro uma
alternativa ao conceito de habitus (Bourdieu) que remeta a uma reflexão específica
sobre os processos epistemológicos na vida social, incluindo os que ocorrem na esfera
dos campos acadêmicos. O campo de conhecimento é uma proposição em que os
paradigmas e as teorias fundantes, as práticas científicas normalizadas e
institucionalizadas, as rotinas e as formas como os agentes em interação se articulam
com um determinado conhecimento reconhecido como legítimo são lidas na perspectiva
de como, através do discurso científico, de seus procedimentos, de suas formas de
interações com outros, criam os objetos, os problemas e temas, compartilhando trilhas
singulares de pensar o mundo, deslocando-se conforme os fluxos discursivos e
concretos de produção de sentido. Nesses fluxos, considero que ocorre a constituição de
uma epistemologia singular de um campo de conhecimento, correspondente a um
determinado campo social (no caso, o campo acadêmico da comunicação).
Nessa perspectiva, o campo de conhecimento não são “celas e jaulas” onde os
agentes estejam condicionados conforme teorias, paradigmas ou normas do fazer
científico. Nesse sentido, o campo é dinâmico e se auto-organiza. O campo se

2
Para simplificar minha formulação, não abordo aqui as interfaces do campo acadêmico com o campo
pedagógico, campo científico em geral e campo das mídias.
transforma conforme as interações dos agentes individuais e coletivos que o compõem,
do(s) dispositivo(s) que o constituem (encontros, eventos, a organização dos programas
de pesquisa, as revistas, as condições de ingresso, os discursos etc.) e suas formas
institucionais. No interior do campo de conhecimento, sugiro a identificação e o
destaque do campo epistemológico.

2. Entre a política e a epistemologia


Na perspectiva que pretendo colocar em destaque, compreender a dinâmica do
campo é localizar os conflitos epistemológicos, a instabilidade que esses geram nas
interações e as sínteses instituidoras de consensos e hegemonias cognitivas entre os
agentes que o constituem. Nesse sentido, compreendo que as questões epistemológicas
se articulam com o campo como lugar de conflito, de política, de negociação do diverso.
Isto é, a epistemologia não resulta de processo “puro”. A epistemologia emerge numa
dialética de constituição em que os aspectos funcionais (dos procedimentos que
encaminham as pesquisas do campo, a ação inclusive estratégica de acumulação de
capitais culturais – prêmios, reconhecimentos por outros campos científicos, expressão
na esfera midiática -, de eliminação de adversários e promoção dos afetos etc.),
referenciais (competência em dar conta dos objetos a que se propõe analisar, de analisar
o próprio campo como reflexão sobre o próprio fazer social etc.), simbólicos (ou como
lugar de compartilhamento subjetivo no olhar de seus agentes sobre o mundo e sobre si
mesmo) atravessam sua constituição lógico e formal. Esse entrelaçamento, em que
estratégia, objetividade, subjetividade iluminam-se mutuamente sem confundir-se, sem
traduzir-se, funda, através da inteligência coletiva – em nossa formulação –, uma
epistemologia concreta e discursiva que ultrapassa as soluções jurídicas para a
demarcação de territórios do conhecimento e/ou a busca de uma filosofia fundante.
Entretanto, através de um esforço reflexivo, é possível identificar um lugar específico
para as construções epistemológicas do campo acadêmico da comunicação.
Num caminho diverso do que proponho, a redução dos conflitos cognitivos ao
político resulta na propensão à solução jurídica à problemática do campo. Isto é, os
obstáculos são complementares: se o campo acadêmico da comunicação é visto como
dominantemente político, as normas são encaradas como constituições (num sentido
diverso do que pensa Latour, e próximo ao que pensam os juristas e parlamentares), e as
disposições de seus agentes são analisadas estritamente como ação estratégica, de
articulação (jurídico, parlamentar e tática), sem fecundidade epistemológica.
Isto é, sem negar que este processo estritamente político ocorra (em particular
nos embates que envolvem gerenciamento e administração da esfera institucional do
campo, ou gestão dos recursos escassos em seus vários dispositivos e instituições), o
foco que proponho sugere que há uma normatividade cognitiva que emerge do campo,
que atravessa as dimensões funcionais e estratégicas, seu compartilhamento simbólico e
a busca da objetividade científica, a qual depende da consciência coletiva sobre as
operações concretas que seus agentes tenham sobre o lugar epistêmico em que
desenvolvem suas identidades acadêmicas.
Essa normatividade que emerge como resultante de um trabalho epistemológico
(explícito ou não) dos agentes que compõem o campo, corresponde ao que chamo de
instância macroestrutural do saber – formas de conhecimento que se constituem em
objeto da discussão epistemológica clássica. Assim, no Grupo de Trabalho de
epistemologia da Compôs, pode-se acompanhar várias questões relacionadas a essa
instância (a epistemologia da prática, a produção de sentido, mídia e espaço público, as
teorias da comunicação, o lugar da semiótica, a questão do objeto etc.). Aqui, o dado
fundamental é revelar as estruturas de interpretação, explícitas e implícitas, que se
movem no campo da comunicação. Para isso, é necessário ir além das posições políticas
assumidas por este ou aquele autor no interior do campo, ou dos vínculos teóricos
explícitos que enuncia, e deslocar-se para as estruturas interpretativas que mobiliza.
Sem recorrer a um estudo antropológico do fazer científico (como faz Latour), sugiro
que é possível verificar a emergência dessas estruturas nos fluxos discursivos da
produção científica do campo (artigos, livros, relatórios, conferências etc.), ou na
investigação - mais complexa - dos métodos mobilizados na pesquisa em ação, nos
marcos institucionais da área.
A emergência de um campo de conhecimento abrange, assim, uma rede
epistemológica marcada por zonas de consenso, conflitos e negociações. Sua
emergência, conforme minha tese, é correlata aos processos sociais diversos, em que a
epistemologia é objeto em construção histórico e social (isto é, é objeto apropriado
numa perspectiva acumulativa de capitais culturais, políticos e, num aparente paradoxo,
econômico). Essa construção pode ser verificada através de fluxos onde os agentes
entram em interação, expondo em suas diversas ações, percepções, esquemas
explicativos etc. a singularidade de objetos, pesquisas e estudos realizados,
deslocando-se entre temáticas, apropriações de objetos etc. Na perspectiva de uma
epistemologia genética do campo, é interessante investigar este processo desdobrado no
tempo.
Caracterizamos essa epistemologia (Ferreira, 2002) como estruturalista genética
(numa referência clara a Bourdieu, Charaudeau, Piaget, e que se aproxima, numa
discussão a ser feita futuramente, da perspectiva proposta por Rüdiger - 2002 - quando
fala em “estruturalismo genético interpretativo”). Captar essa epistemologia em
construção requer um trabalho que supere a lógica do levantamento (do tipo quais as
teorias, temas e metodologias da pesquisa em comunicação no Brasil), das resenhas
críticas, da localização paradigmática (do tipo economia política, estudos culturais etc.).
A organização e sistematização temática da produção da área são necessárias
como ponto de partida. Porém, mais do que essa revisão crítica e analítica, sugiro que o
foco se concentre em outro lugar. Penso que o levantamento corre o risco de não
fornecer como temas diversos são apropriados em trajetórias individuais e atravessados
pelo reconhecimento, desconhecimento, transformação e denegação cognitiva dos
agentes individuais, que estão localizados em dispositivos e instituições do campo
acadêmico da comunicação, e de como essas dinâmicas que emergem das interações
alteram a configuração epistemológica do campo. Nesse sentido, a pretensão da
abordagem estruturalista genética que proponho pode ser situada num lugar dê conta do
que Martino (Martino, 2001a) considera as três vias abertas pela epistemologia
contemporânea (a tendência empírica, a lógico formal e a genética).

3. A dimensão histórica e social das estruturas de


interpretação
Porém, situada a pretensão, é necessário definir os limites do que proponho.
Como afirmei, não se trata de realizar levantamentos. O foco que sugiro trabalha a partir
das estruturas de interpretação. Isto é, o observável que interessa aqui são as estruturas
de interpretação, explícitas ou implícitas, verificando particularmente as situações de
conflito epistemológico, e seus desdobramentos no tempo. Nesse sentido, considero que
o estudo das estruturas (lógico formais) pode ser vinculado aos observáveis, aos
métodos e aos procedimentos, numa leitura em que cada uma dessas camadas
constituintes da pesquisa acadêmica possui uma autonomia relativa (e é no interior
dessa autonomia que nasce um conjunto importantes do conhecimento acadêmico.
Exemplo: a reflexão sobre indícios, abdução, casos vem rendendo uma produção de
conhecimento, relativa não só ao objeto midiatização, mas que vem de outros estudos -
literários, por exemplo, e se esparrama pela área).
É também necessário situar a dimensão histórico-social. Há., aqui, duas
"gêneses". Uma é a que localiza o estudo da gênese do campo acadêmico da
comunicação como parte da gênese do campo das mídias ou do uso dos meios como
experiência social. Essa formulação acentua o contexto social como base de sustentação
da epistemologias da comunicação, em especial pela institucionalização do campo
acadêmico. A segunda é que a situa o estudo da gênese do campo acadêmico da
comunicação não como parte da gênese do campo das mídias, mesmo que considere a
importância e a relevância de uma abordagem histórico-social das mídias. Nessa
formulação - que é também a minha - o foco se desloca: a problemática da gênese
epistemológica da produção científica passa a se situar no interior dos fluxos singulares
das estruturas de interpretação do mundo, construídas em campos acadêmicos a partir
das interações com objetos de conhecimento.
Nesse sentido, os processos midiáticos são objetos com os quais o campo
interage em sua auto-construção. Na medida em que essa interação não é especular, mas
construção social singular do campo, a partir de suas formas singulares de interpretar o
mundo, sem negar a validade da tese de relações entre dinâmica social em geral e
dinâmica do campo acadêmico da comunicação em singular, sugiro que o esforço
central de formulação deve ser a dinâmica interna - epistêmica - do campo.
Nesse sentido, a inserção de uma centralidade efetiva ou anunciada da mídia
como objeto do campo acadêmico deve ser compreendida no interior dos processos
singulares deste último, lugar onde são traduzidas, através de suas próprias estruturas
dinâmicas. Isto é, concordo com as várias críticas às tentativas de resolver o problema
do objeto através do “empírico” consensual (Lovisolo, 2002), na medida em que esse é
um lugar imaginário (porque também deve ser construído) 3, ao mesmo tempo em que
opto pela necessidade de uma resposta teórica que dê conta das relações entre o campo
acadêmico da comunicação e os processos sociais, incluindo os de midiatização.
Resumidamente, e explicitando o lugar que assumo de interpretação: a abordagem
histórica social (seja a fundada por Marx, Weber, Durkheim e seguidores) é uma
estrutura fecunda para analisar a sociogênese do campo, mas não é suficiente para

3
A crítica a naturalização do conceito de mídia pode ser vista em Peraya, 1999.
compreendermos os processos singulares de estruturação desse último como campo de
autonomia relativa (Fausto, 2002, Bourdieu, 1990, Ferreira, 2002). Para isso, e na
perspectiva de uma análise dos processos epistemológicos do campo, é necessário
verificar as estruturas formais de interpretação e os observáveis gerados em seu seio.

4. Conflitos e dimensões do campo epistemológico


Sugiro que as estruturas formais de interpretação e os observáveis podem ser
analisados a partir de três dimensões: a problemática do objeto do campo acadêmico da
comunicação (incluem-se, aqui, os observáveis); a construção de estruturas explicativas
diversas e relação entre as interpretações, incluindo os conflitos, negociação e
consensos; a integração e hegemonia no âmbito do diverso, as tentativas de unificação
teórica (incluindo a construção de paradigmas), numa processualidade temporal, que
permitam falar-se de um campo de conhecimento (o que remete a gênese do campo
como espaço singular de produção acadêmica).
As três dimensões estão entrelaçadas. Mas começo pela primeira dimensão – a do
objeto do campo –, que vem ocupando parte considerável do debate sobre
epistemologia. Uma visita aos vários textos que discutem esse objeto dá visibilidade a
uma forte rede que pensa a mídia como objeto do campo acadêmico da comunicação. A
existência dessa rede pode explicar a hegemonia. Ao contrário, os críticos se distribuem
em objetos diversos (desde a abertura proposta por Rubin (conforme Moura, 2002), até
os que pensam a partir da morte do objeto – louvada (Silva, 2002) ou lamentada
(Rüdiger, 2002) -, etc.).
Mas seria equivocado reduzir tudo a essa oposição (que, como tento demonstrar,
se evidencia mais no plano político do que teórico e epistemológico). Há objetos que
“correm soltos”. Para verificar isso, é só fazer uma breve revisão dos últimos dois
encontros da Compós. Essa diversidade indica uma problemática específica do campo:
os objetos são diversos conforme as teorias que os informam. É essa ausência de objeto
compartilhado que explica parcialmente a inexistência de discussão entre as “teorias da
comunicação” 4. Mas não só. A ausência de discussão decorre também do fato de que
essas teorias foram geradas em outros campos (antropologia, sociologia, semiótica etc.),
cuja dinâmica específica não visa a dar conta dos objetos do campo acadêmico da

4
Esta ausência de discussão entre as teorias da comunicação e a “colcha de retalhos” é abordada por
Martino (2001c).
comunicação. É nesse sentido que prefiro falar em teorias proximais (inspirado aqui em
Vigotsky) para se referir às contribuições originadas em outros campos (a antropologia,
a sociologia, a psicologia etc.).
Mas, como, então, partindo dessas teorias proximais, compreender o campo
acadêmico da comunicação? O esforço epistemológico de, partindo das teorias
proximais, “saltar” para objetos singulares do campo, não é simples nem linear e se
dissipa. Nesse sentido, é interessante investigar trajetórias individuais e as bifurcações
(questão que merece uma reflexão específica).
Seguindo a sua dinâmica histórica e social, pode-se pensar que o campo encontra-
se em sua infância (ou adolescência?), a qual se caracteriza por uma profusão de objetos
construídos e estruturas de interpretação diferenciados, incluindo os observáveis sobre
os objetos e sobre os procedimentos dos pesquisadores, e da relação entre os próprios
objetos (ver, sobre esse processo, Martino, 2001c). A proliferação de conflitos no campo
é expressão dessa profusão sem reversibilidade. Essa situação, a partir de determinado
momento (recente, se acompanharmos as discussões na Compós) se transforma –
inclusive sob pressões externas – em redes, alianças e zonas de evidentes conflitos. É
nessas zonas que se fundam as fronteiras de um território que tenderá, num segundo
momento, a reivindicar uma conversão de todos a zonas compartilhadas de definições
de objeto, procedimentos e estruturas de interpretação?

5. Exemplo: a discussão sobre a centralidade da mídia


Ilustro minha formulação dando continuidade à questão da mídia, onde encontro
um dos principais conflitos no campo acadêmico da comunicação. Sabe-se que a
formulação – de centralidade da mídia - disputa a hegemonia com outras formulações
que a criticam. Essa é uma questão política do campo. Sugiro que em torno desse
conflito, recorrente, pode-se identificar questões epistemológicas relevantes. Verifica-se
isso nas diferentes estruturas de interpretação do fenômeno “mídia”, através das quais se
percebe que a questão política coloca na penumbra, em decorrência das táticas e
estratégias dos grupos em disputa, a questão do conhecimento.
Como já foi referido, entre os autores que defendem a centralidade da mídia da
podemos diferenciar uma abordagem histórico-social do campo acadêmico, que tende a
valorizar e situar os processos midiáticos no centro de sua constituição Mas há, entre
cada um desses autores (Braga, 2001; Martino, 2001a e 2002b; Albuquerque, 2002),
diferentes estruturas interpretativas. Martino utiliza o termo meio de comunicação e o
conceito weberiano de diferenciação social; Braga, uma abordagem que lembra o
método histórico-social do Marx da Crítica da Economia Política, e trabalha uma
proposição teórico-metodológica sobre o conceito de midiatização que estabelece uma
ruptura, formal e conceitual, com os planos difusos sobre mídia e comunicação que
rolam no campo; e Albuquerque, um enfoque centrado no aspecto tecnológico (o qual,
diga-se, está presente também na formulação de Martino).
Esse quadro ilustra, com simplicidade, estruturas de interpretação diferenciadas.
De qualquer forma, a diferenciação é já ausência de reversibilidade plena entre as
diversas abordagens sobre a centralidade da mídia. É claro, nos moldes do que foi o
marxismo, pode-se argumentar que essas contradições não são antagônicas. Nesse caso,
o conceito de mídia abrange a objetivação, a diferenciação, a tecnologia etc. e, como diz
Braga, é a partir dele que deve ser colocado o ângulo na investigação do campo 5. Mas
esse seria um quadro de estruturas de interpretação reconstruído (resumido, na medida
em que visa subsidiar a argumentação deste artigo), obra necessária de um trabalho
teórico a ser feito.
A investigação epistemológica que sugiro deve parti dos quadros de
interpretação. O objetivo da epistemologia que proponho passa a ser como a dinâmica
do campo assume, modifica, reconstitui esse quadro de interpretação, entre outros. Os
movimentos desse quadro de estruturas de interpretação devem ser situados frente a
algumas perguntas : a crítica à centralidade da mídia desenvolvida por vários autores,
inclusive no âmbito da Compós, vai resultar em estruturas de interpretação
compartilhadas no campo, isto é, em novos objetos, que sejam consensuais? Ou se,
inversamente, serão denegadas? Ou, ainda, incorporadas a uma concepção de mídia
capaz de dar conta da diversidade reivindicada pelos críticos? Ou, inversamente, a um
objeto compartilhado em que a mídia será uma dimensão subordinada? Etc.
A dinâmica do campo pode responder positivamente a cada uma dessas
questões, isto é, pode gerar novos objetos, denegar parte das críticas e orientações
anexadas, incorporar o conceito de mídia na diversidade proposta pelos críticos, de
forma subordinada ou dominante. Esse processo deve ser estudado empiricamente. É

5
Diga-se que a sutileza da análise de Braga, a qual volto mais adiante, é pouco referida nos embates. O
objeto aflorado, diz esse autor, permite refletir e discutir sobre as interações sociais comunicacionais há
três séculos ou três mil anos. Essa abertura temporal, por coerência, pode ser reivindicada no espaço.
Assim, a preocupação de Rubim (conforme Moura, 2002) de que o campo não absorveria as redes de
nas bifurcações que serão geradas em torno dessa discussão que sugiro encontrar
gêneses pretendidas, realizadas ou não, de construções epistemológicas novas,
singulares.
Nessa investigação não pode haver linearidade do tipo a que opõe blocos
políticos. Há contradições entre o que chamo de enunciados políticos (ser contra ou a
favor de um foco na mídia, por exemplo) e construções epistemológicas.
Ilustro, focando mais ainda a lente. O mapa das pesquisas de comunicação
desenhado por Braga (2001) é diverso daquele proposto por Santaella (2001). O
pensamento matricial de Santaella revela uma postura cognitiva centrada em
formulações lógicas, diversa da proposta histórico-social de Braga.
Em Santaella, as relações possíveis entre as diversas dimensões do que considera
vinculado ao processo de comunicação sugere uma abertura, onde interage o que chama
de territórios (mensagem, meios, contexto, fonte e recepção), as interfaces (entre os
territórios) e as teorias ocupando-se de objetos singulares (que se definem logicamente
pelas interfaces). O mapa é desenhado após anunciar que sua abordagem “está longe de
limitar à visão restrita da comunicação como fenômeno exclusivamente humano e social
que vigorou até o final dos anos de 70” (Santaella, 2001, p. 80). Entretanto, a matriz que
sugere pode, com pouco esforço de interpretação, ser incorporada a uma abordagem da
comunicação como um processo midiático. Na esfera política, trata-se de uma
contradição que chamaremos de antagônica. Na esfera epistemológica, é viável pensar a
sua matriz como uma diferenciação da mídia que explica, talvez com mais fecundidade,
as nuances do que Braga observa nas pesquisas de comunicação no Brasil.
Já a proposição de Braga se caracterizada pela busca de diagonais definidoras do
campo (a angulação conversacional em sua relação com a perspectiva de centralidade da
mídia), que, em sua perspectiva, devem organizar o campo, atravessando, se possível, as
pesquisas que se realizam. Verifica-se aí as marcas do método histórico inaugurado por
Marx.
Num e noutro caso, pode-se identificar as estruturas de interpretação dos autores.
Em Santaella, o pensamento matricial é característico de uma crença nos operadores
lógicos (que será, inclusive, argumentada no capítulo em que ela discute metodologia).
O pensamento relacional se destaca a partir da lógica. Em Braga, vejo as marcas de uma
herança sociológica, portanto uma abordagem histórica e social do conhecimento.

comunicação que constituem a produção, consumo e circulação cultural quando essas não passam pela
“mídia” não se colocaria entre essas possibilidades?
Na perspectiva de uma epistemologia em construção, num e noutro caso, não se
tem uma epistemologia que opera na zona da morte. As marcas epistemológicas são
expressões de operações novas do pensamento, que procuram responder a angústias do
campo a partir de enfoques próprios, singulares. Nesse sentido, procuram dar o salto das
teorias proximais aos objetos virtuais do campo.
Antinomias insuperáveis? Em que medida as possibilidades matriciais sugeridas
por Santaella respondem, num nível mais abstrato, aos observáveis nas pesquisas no
campo acentuados por Braga (páginas 29 e seguintes)? Será que as possibilidades de
interface sugeridas por Santaella não atestam a força do objeto “mídia” como operador
na interpretação dos processos de comunicação, mesmo que “invadido” por um olhar
que nasce na semiótica? Etc. Se a tarefa do teórico da comunicação é buscar soluções
para esses conflitos, a compreensão do campo acadêmico na perspectiva epistemológica
é “acompanhar” como as soluções (ou falta delas) resultam em novas dinâmicas,
objetivando os vínculos (evitando, assim, que as crenças e estratégias transformem a
discussão epistemológica em parlamento de jurisdição).

6. Conclusões
A existência do mapa do campo epistemológico, sua riqueza e diversidade,
distribuída na flecha do tempo, atesta (ou não) a dinâmica do campo. Acredito que o
mapa, se desenhado à exaustão, certamente fornece um quadro reflexivo sobre o campo
acadêmico da comunicação que ultrapassa algumas tendências que visitam o debate
epistemológico, em particular: a) a busca de uma solução filosófica para as angústias
decorrentes de uma identidade em construção; b) a declaração de pertença atrelada a
uma jurisprudência e a uma noção funcional do campo; c) assunção da dimensão
subjetiva (e simbólica) que atravessa o campo como pressuposto suficiente. Nesse
sentido, nas trilhas compartilhadas e bifurcações sucessivas, muitas das quais derrotadas
no decorrer da temporalidade, acredito que se possa encontrar uma filosofia coletiva em
construção, ou seja, uma constituição epistemológica, dinâmica, dissipativa e
estruturada.
Essa dinâmica do campo pode ser estudada a partir de várias hipóteses, mas há
três polares. Primeira, o campo dá conta de suas contradições e tem um
desenvolvimento epistemológico, no sentido intensivo (novos esquemas interpretativos)
e extensivos (novos observáveis), integrando as diferenças (exemplo, entre a abordagem
lógico-formal e histórico-social) etc. numa processualidade construtora de conceitos a
partir de sua herança conceitual. Segunda, o campo é regressivo, nega as diferenciações
(isso é observável no silêncio que se faça entre as diferenças entre as várias estruturas
que compartilham redes conceituais ou em torno dos conflitos politicamente fortes
apaziguados pelas estratégias). Terceira, o campo se estabelece em torno de um
consenso epistemológico (e não meramente político) forte em torno de objetos
existentes e criação dos novos, de estruturas de interpretação e de ação científica. O
desequilíbrio atual no campo acadêmico da comunicação, indicado nos encontros dos
programas e na Compós nos últimos dois anos, indica talvez um desequilíbrio ainda não
denegado6.
Uma epistemologia que vise a um campo acadêmico que ultrapasse os limites do
ensaio e da filosofia pura, não pode, entretanto, trabalhar apenas no plano das estruturas
de interpretação (mesmo que essas, na abordagem que adoto, tenham um lugar
privilegiado na produção de conhecimento). Nesse sentido, a investigação sobre o
campo epistemológico deve abranger outras dimensões da produção científica
diretamente vinculados às estruturas de interpretação (observáveis, procedimentos, o
método, etc.), e dos métodos que constituem, na delimitação dos objetos com os quais a
área constrói, coletivamente, sua identidade.

7. Bibliografia

ALBUQUERQUE, Afonso (2002). Os desafios epistemológicos da comunicação


mediada pelo computador. COMPÓS. XI Encontro Anual. UFRJ. CD-ROM.

BOURDIEU, Pierre (1990). Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense. 1990.

BRAGA, José Luiz (2001). Constituição do campo da comunicação. In: FAUSTO,


Antônio, PRADO, José Luis, PORTO, Sérgio. Campo da comunicação –
caracterização, problematizações e perspectivas. p. 11-40.

FAUSTO, Antonio (2002). A pesquisa vista “de dentro da casa” (ou reflexões sobre
algumas práticas de construção de objetos de pesquisa em comunicação). In:
WEBER, Maria Helena, BENTZ, Ione e HOHLFELDT, Antônio. Tensões e
objetos da pesquisa em comunicação. Porto Alegre: Sulina/Compós, p. 21-35.

FERREIRA, Jairo (2002). Campos de significação e conhecimento em dispositivos


digitais: análise das interações discursivas em listas de discussão. Porto Alegre:

6
Acredito que a denegação fortalece, num determinado campo, soluções administrativas, burocráticas e
estritamente políticas. Já a assunção de suas contradições permite a construção de regras de equilíbrio
entre os pares com reconhecimento compartilhado.
Programa de Pós Graduação em Informática na Educação - PGIE, 2002. (Tese de
Doutorado).

LOVISOLO, Hugo (2002). Institucionalização sistêmica da comunicação: fundamentos


para a questão da colonização técnica. COMPÓS. XI Encontro Anual. UFRJ. CD-
ROM.

MARTINO, L. C. (2001a). Elementos para uma epistemologia da comunicação. In:


FAUSTO, Antônio, PRADO, José Luis, PORTO, Sérgio. Campo da comunicação
– caracterização, problematizações e perspectivas. p. 77-91.

--------- (2001b). Interdisciplinaridade e objeto de estudo da comunicação. In: FAUSTO,


Antônio, PRADO, José Luis, PORTO, Sérgio. Campo da comunicação –
caracterização, problematizações e perspectivas. p. 77-91.

---------(2001c). Cepticismo e Inteligibilidade do Pensamento Comunicacional.


COMPÓS. X Encontro Anual. UNB. CD-ROM.

PERAYA, D. (1999), “Vers les campus virtuels. Principes et fondements techno-sémio-


pragmatiques des dispositifs de formation virtuels”. Dispositifs: entre usage et
concept, Hermès, Paris : CNRS, n 25, p. 153-167.

MOURA, Mariluce (2002). Epistemologia. Dilemas da comunicação. O campo de


estudos amplia debate sobre seu objeto e status científico
http://revistapesquisa.fapersp.br/. Disponível em dezembro 2002.

RÜDIGER, Francisco (2002). A desintegração historial do objeto vis-à-vis à


emergência da cibercultura e do pensamento comunicacional. In: WEBER, Maria
Helena, BENTZ, Ione e HOHLFELDT, Antônio. Tensões e objetos da pesquisa em
comunicação. Porto Alegre: Sulina/Compós, p. 181-208.

SILVA, Juremir Machado (2002). Análises. In: WEBER, Maria Helena, BENTZ, Ione e
HOHLFELDT, Antônio. Tensões e objetos da pesquisa em comunicação. Porto
Alegre: Sulina/Compós, p. 271-276.

Você também pode gostar