António Fidalgo
Universidade da Beira Interior
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2 António Fidalgo
correntes certamente de factores mais gerais line tem condições para concretizar mais per-
da própria sociedade, de natureza cultural, feitamente a ideia de jornal e ser assim mel-
económica ou política, mas outras, em con- hor jornalismo.
trapartida, provocadas simplesmente por in-
ovações tecnológicas. Ora é justamente à
2 A realidade ideal do jornal
luz das mutações passadas da actividade jor-
nalística, em particular destas últimas, que Segundo Groth, o jornal é primeiramente
é necessário apurar as alterações actuais e obra cultural e, portanto, uma realidade de
não cair na tentação rápida de as sobresti- sentido. Contrariamente às coisas naturais,
mar ou de as subestimar. O que é e não é as obras culturais não obedecem a uma estru-
jornalismo não é uma questão a que se re- tura causal, antes aos valores e aos fins do
sponda como se responde a uma questão de espírito. Toda a obra cultural é teleologi-
física ou química, mas antes, como todas as camente determinada, na medida em que se
questões que envolvem a actividade humana, orienta para o homem. Por isso, são realida-
uma questão a resolver em confronto com a des de sentido, sentido que as determina. “O
realidade do passado, e respectivo entendi- que é exterior, a produção técnica, não tem
mento dessa realidade, e com as expectativas pois rigorosamente nada a ver com a defi-
do futuro. nição conceptual e a delimitação do objecto;
Nesta comunicação debruço-me apenas o que importa na obra cultural é a essência,
sobre o aspecto conceptual e sistemático de o sentido.”
jornalismo tal como aparece no modelo de A materialidade do jornal, o seu método
Otto Groth.2 Será à luz da sua definição de de produção, são extrínsecos à essência do
jornal, das características que elenca como jornal. A essência ou a identidade de um
sendo essenciais a um jornal, a saber, a pe- jornal mantém-se a mesma, independente-
riodicidade, a universalidade, a actualidade mente da sua materialização, seja em papel
e a publicidade, que farei uma abordagem impresso, em letras escritas numa parede ou
do jornalismo online. Tentarei mostrar, pri- nas palavras de um rádio. É por isso que po-
meiro, que de um ponto de vista concep- demos chamar jornal a um jornal impresso,
tual e sistemático, o jornalismo online é jor- a um jornal radiofónico e a um telejornal. O
nalismo. E, em segundo, tentarei mostrar que faz de um jornal um jornal, e o que faz
que o jornalismo online apresenta possibili- que seja este jornal e não outro, é a ideia ou o
dades para uma maior aproximação à reali- princípio que lhe subjaz. A identidade de um
dade ideal do jornalismo. Ou dito de outra jornal impresso não se altera, mesmo que se
maneira, mais do que o jornalismo impresso, alterasse toda a parte gráfica. O mesmo vale
radiofónico ou televisivo, o jornalismo on- dizer para tudo o que se liga ao que é sensível
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no jornal. Num jornal radiofónico acontece
- Otto Groth, Vermittelte Mitteilung. Ein jour-
nalistisches Modell der Massenkommunikation, hrg. o mesmo. Podem mudar os redactores das
von Wolfgang R. Langenbucher, München: Verlag notícias, os locutores, até a hora de emissão,
Reinhard Fischer. Conferir também António Fi- que o jornal se mantém o mesmo, desde que
dalgo, “O Modelo Jornalístico de Otto Groth” em o seu princípio ideal se mantenha o mesmo.
www.bocc.ubi.pt.
Obviamente que a realidade ideal de um
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Jornalismo Online segundo o modelo de Otto Groth 3
jornal só é acessível a partir das suas ma- uma diferente materialização de uma reali-
nifestações materiais. Mas os números de dade ideal. Podemos até considerar que um
um jornal impresso, as sucessivas emissões mesmo jornal pode ter diferentes materiali-
dos jornais radiofónicos ou televisivos não zações, e aliás é isso que acontece com muito
são partes do jornal enquanto jornal, apenas jornalismo online, que consiste apenas numa
emanações ou materializações da sua reali- materialização de jornais que se concretiza-
dade ideal. Groth afirma mesmo que “é da vam anteriormente em outros suportes, im-
sua unidade espiritual que resulta a continui- pressos, radiofónicos ou televisivos.
dade das suas manifestações, já que o jornal Poderíamos analisar os diferentes tipos de
é sempre o mesmo, igual a si próprio.” materializações de um jornal, estudar a im-
Quando se diz que o jornal é antes do mais prensa, a rádio e a televisão como meios
uma realidade ideal não significa isso que se específicos em que um jornal se manifesta
trata de uma quimera ou de uma ideia plató- e concretiza e verificar até que ponto o jor-
nica. Trata-se sim de uma ideia objectivada, nalismo online se distingue e demarca dos
real, que ganha autonomia à medida que se meios tradicionais. Contudo, de um ponto de
realiza. Ou seja, “a realidade de um jornal vista sistemático, será muito mais importante
não começa, portanto, com o seu primeiro analisar as características do jornal enquanto
número, mas sim quando a sua ideia começa realidade ideal e verificar a sua aplicação ao
a actuar na mente do seu autor e aí se auto- jornalismo online.
nomiza. A ideia torna-se, assim, uma reali-
dade ideal. É a partir daí que o autor da ideia
3 Periodicidade
inicia os trabalhos para a realizar, e começa
a sacrificar-se por ela.”3 Mesmo o nome ou O que caracteriza antes de mais o jornal é
o título do jornal é algo que advém poste- a sua aparição periódica. Nisso consiste a
riormente à constituição original e ideal do especificidade do jornal face a outras obras
jornal e que surge no seu processo de indivi- culturais análogas como os livros, os folhe-
dualização e concretização. “Tal como acon- tos ou as circulares, que têm uma aparição
tece com os homens, o nome ao princípio isolada. E embora haja outros objectos cul-
ainda não está determinado, muda, mas vai turais que repetem regularmente a sua apa-
fixando-se pouco a pouco, e, depois de final- rição, seja uma obra sucessivamente reedi-
mente estabelecido, defendido contra dúvi- tada, seja a continuação de obras literárias
das e abusos.”4 em fascículos, a sua essência, porém, não re-
Dito isto, afirmada a natureza ideal do jor- side nem se altera nessas repetições. Ora o
nal enquanto criação cultural, não levanta jornal é essencialmente periódico, e nisso re-
qualquer problema considerar o jornalismo side a sua natureza temporal. Os sucessivos
online como jornalismo. Se há jornalismo números do jornal não são partes do jornal,
impresso, radiofónico e televisivo, também mas sim repetidas e diferentes manifestações
há jornalismo online. Trata-se apenas de de uma mesma realidade ideal que é o jornal.
3
A periodicidade do jornal não deve ser en-
- ibidem, p. 15.
4
- ibidem, p. 16. tendida como uma regularidade absoluta, de
uma exacta igualdade de períodos no apare-
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4 António Fidalgo
cimento do jornal. É que, segundo Groth, o mação em contínuo das rádios e canais te-
ideal da periodicidade jornalística não é con- levisivos noticiosos.
stituído por intervalos perfeitamente iguais A periodicidade aplica-se indubitavel-
entre os números de um jornal, mas sim mente ao jornalismo online. Um jornal ou
pela sucessão mais rápida possível da nova uma revista na web tem geralmente uma
edição. A periodicidade tem como ideal atin- certa periodicidade que varia consoante as
gir o objectivo da simultaneidade do aconte- capacidades de produção, o tipo de infor-
cimento e da notícia. Mais marcante para a mação e o público alvo. É verdade que mui-
periodicidade jornalística é a simultaneidade tos dos jornais online apenas reflectem a pe-
e não a regularidade. riodicidade das versões de papel, diária, se-
O entendimento da periodicidade, não manal ou mensal. Mas os casos aumen-
como uma repetição mecânica, mas como tam em que essa periodicidade é conjugada
uma estratégia para aproximar na medida e reforçada com actualizações na versão on-
do possível a notícia ao acontecimento, é line. Se acontecer durante o dia um evento
de crucial importância para perceber o fenó- noticioso relevante, então a versão online
meno da periodicidade no jornalismo online. de um jornal dá a notícia sem esperar pela
É que a medida da periodicidade, além de versão impressa do dia seguinte. Aliás o
ser ditada pelos condicionamentos físicos, mais comum no jornalismo puramente on-
económicos, logísticos da produção do jor- line, quando não está associado a uma versão
nal, é sobretudo determinada “pelas necessi- impressa, é o de oferecer, regra geral, uma
dades e finalidades do homem”, ou seja é de- informação de agência, em que as notícias
terminada objectiva e subjectivamente, com são dadas no momento em que chegam à re-
o ênfase no elemento subjectivo, pois que, dacção.
enquanto elemento de uma obra cultural, a Claro que na periodicidade jornalística há
periodicidade é necessariamente teleológica. a ter em conta os hábitos dos destinatários.
Sem dúvida que a grande vantagem do Mais do que estar coladas continuamente a
jornalismo radiofónico relativamente à im- um meio noticioso as pessoas estabelecem
prensa e à televisão é de a sua periodici- momentos discretos de informação. E neste
dade ser muito superior e de se aproximar aspecto, não obstante o jornalismo radiofó-
mais do ideal da simultaneidade. O slo- nico conseguir uma maior periodicidade e ra-
gan de uma rádio noticiosa portuguesa “Se pidez na transmissão da notícia, perde para o
está a acontecer, você precisa de saber” ex- jornalismo online na medida em que as notí-
prime bem esta noção de periodicidade le- cias ficam retidas e acessíveis no suporte e
vada às últimas consequências, de produzir não se esvaem na passagem do tempo. O
uma manifestação do jornal sempre que a ac- destinatário pode conciliar no jornalismo on-
tualidade noticiosa assim o exija. Mais até, line o que não pode fazer no jornalismo ra-
entendendo como limite da periodicidade a diofónico, que é conjugar da melhor forma,
simultaneidade entre a notícia e o aconte- ou do modo que lhe for mais conveniente, a
cimento e não a regularidade dos interva- periodicidade acrescida da informação com
los em que o jornal aparece, a periodicidade os hábitos discretos de obter informação a in-
jornalística cumpre-se totalmente na infor- tervalos regulares. Acresce neste ponto que
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Jornalismo Online segundo o modelo de Otto Groth 5
o jornalismo online pode manter continua- duta com o mundo à sua volta.”5 O jornal é
mente acessíveis as sucessivas edições de um um elemento indispensável de informação ao
jornal, o que obviamente a rádio e a tele- homem moderno para conhecer o seu mundo
visão não podem fazer, e dar uma profundi- objectivo e para nele se orientar, para con-
dade temporal única ao desenvolvimento no- struir o seu pensamento e formular os seus
ticioso de determinado evento. juízos.
Dito isto, o que a universalidade do jor-
nal significa é que tudo o que diga respeito
4 Universalidade
ao homem, que tudo o que se passa no uni-
A segunda característica do jornal é, no mo- verso, é idealmente objecto da mediação jor-
delo de Groth, a universalidade. Perceber a nalística. “Tudo o que suscita a curiosidade,
universalidade exige compreender o mundo o interesse do homem, tudo o que pode levá-
objectivo em que o homem se move. O lo a uma tomada de posição, está incluído
mundo objectivo não se restringe ao mundo eo ipso num possível conteúdo do jornal.”
físico da natureza, mas compreende também A universalidade em causa não incide, por
a sociedade e a cultura. Como o homem sub- conseguinte, sobre uma realidade desligada
siste, como se relaciona com o mundo, como do homem, antes é intrinsecamente ligado ao
age e reage, e se desenvolve, é determinado homem, isto é, a um sujeito. Assim, a se-
ou condicionado por esse mundo. Daí que lecção do conteúdo do jornal é determinado
tenha de o conhecer para nele se mover o (a selecção é determinada) por um critério
melhor possível e, de certo modo, para o do- subjectivo. Potencialmente universal, o jor-
minar. Só que cada homem tem um mundo nal acaba por se concretizar e particularizar
objectivo próprio, físico (climatérico, por ex- consoante os interesses dos sujeitos que dele
emplo), social e cultural. É o seu posicio- se servem como meio de lidar com os seus
namento no mundo e a sua perspectiva que mundos objectivos.
delimitam esse mundo objectivo. O mundo É devido à determinação subjectiva da
objectivo é, pois, um conceito relacional. universalidade que se pode e deve falar de
Não é o mundo em si, mas o mundo tal como fronteiras, tal como de mundos próximos e
o homem o enfrenta, como determina o ho- de mundos distantes. E a razão disso é por-
mem e como o próprio homem por sua vez o que existe um referente dessa universalidade:
determina. o homem. Das informações que chegam ao
Nas palavras de Groth, “esse mundo ob- jornal há as que não se coadunam com a na-
jectivo não consiste só de coisas, mas tam- tureza pública do jornal, a saber, as que são
bém, e sobretudo, de homens e da sua acção do foro íntimo das pessoas. A privacidade
social e cultural. Além das coisas, fazem constitui a fronteira interna do jornal. “O
parte desse mundo objectivo factos, opi- mundo privado tem de ser sacrossanto para
niões, intenções, ideias, valores de outras o jornal; é aqui que a universalidade do jor-
pessoas e de grupos de pessoas. Saber destes nal encontra um limite por princípio inultra-
factos, ideias e valores, é indispensável ao 5
- ibidem, p. 28.
homem a fim de poder harmonizar a sua con-
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tual significa que algo acontece no tempo a referir a um sujeito. Não há actualidade
presente. Trata-se de uma relação temporal em si. O que é actual é actual para um su-
do mundo objectivo, de uma relação entre jeito. Dito isto, há que determinar a actua-
o momento do acontecimento e o momento lidade pela consciência que o sujeito tem do
presente do sujeito. A novidade, em con- seu presente e do modo como com eles se re-
trapartida, não é propriamente um conceito laciona. Assim, a mediação do jornal visa o
temporal, mas apenas significa que o sujeito que o sujeito vive e sente na actualidade e no
não sabia disso. É novo tudo o que o sujeito seu mundo objectivo. Temos então um es-
desconhecia e que passa a conhecer. É, pois, paço mais ou menos longo definido pelo in-
uma relação de qualidade entre o sujeito co- teresse do sujeito e pelo alcance da sua acção
gnoscente e o objecto conhecido. e reacção. Há obviamente um fundo objec-
A actualidade é importante pois que, em- tivo na consciência da actualidade, o da pro-
bora determinado pelo passado e sob as ex- ximidade ao presente, idealmente realizado
pectativas do futuro, o homem tem o seu na simultaneidade. É desse presente objec-
campo de acção no presente. “É no tempo tivo que a re-acção subjectiva ganha a sua
presente que se nos deparam directamente o especificidade em conteúdo, força e intensi-
útil, que há que alcançar, e o prejudicial a dade. Toda a actualidade é acompanhada e
evitar.”8 A revisão do passado e a previsão realçada por um sentimento particularmente
do futuro são condicionadas pela vivência do vivo. Quem assiste em directo a um debate
presente. É deste, por isso, que o jornal tem televisivo, quem vê um jogo de futebol em
de dar notícia. directo, tem uma vivência mais intensa do
Sendo uma relação temporal a actualidade que ao vê-lo em diferido, mesmo que o des-
tem uma dimensão quantitativa que é o es- conheça o desfeche ou o resultado. Há uma
paço de tempo entre o momento da ocorrên- acuidade, uma urgência e uma intensidade na
cia e o momento da publicação. Neste ponto, consciência do presente, que se esvaece logo
periodicidade e actualidade são afins. O que o tempo passa. Notícias extraordinárias
ideal de uma e outra seria a simultaneidade de outrora deixam-nos hoje indiferentes e os
entre os dois momentos. Quanto mais ime- artigos de jornal reunidos em livro perdem a
diata for a publicação maior a actualidade. candência original.
Imediata relativamente à ocorrência. Mas O presente realiza-se na actualidade, ou
dado que a realidade não é a ideal, e os seja, o momento transitório de simples pas-
jornais se atrasam sempre relativamente aos sagem entre o futuro e o passado ganha con-
acontecimentos, torna-se necessário introdu- sistência na actualidade. Os limites desse
zir o conceito de “actualidade possível”. O presente são os estabelecidos pela consciên-
objectivo é a simultaneidade, mas a aproxi- cia da actualidade. É presente tudo aquilo
mação a esse objectivo é feita num espaço que é actual ao sujeito, que o induz a to-
maior ou menor de tempo, circunscrito pela mar uma posição, a agir e a reagir. Quer
consciência da actualidade. isto dizer, que em vez de se reduzir a um
Não faz sentido falar de actualidade sem momento fugaz, o presente enquanto actua-
8
Ibidem, p.38 lidade se estende por um certo espaço tem-
poral que a consciência percebe como conti-
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Jornalismo Online segundo o modelo de Otto Groth 9
preserva a memória, dando assim conta das jornal trata é para ser público, isto é, para ser
causas remotas dos eventos da actualidade, conhecido por todos, isto é, por quem qui-
por outro lado porque a sua organização per- ser. O segundo sentido refere-se à difusão
mite, por meio do hipertexto e das bases de do jornal, dos seus exemplares, de uma dis-
dados, dar conta da pluralidade e da diversi- tribuição tão ampla quanto possível.
dade dos acontecimentos, sem com isso in- A publicidade visa uma difusão geral e
vestir menos na actualidade. Com efeito, constitui o correlato pessoal da universali-
a Internet viabilizou nomeadamente sob a dade de objectos. “Se a universalidade si-
forma de blogosfera uma forma única de in- gnifica que o jornal procura descobrir as coi-
formação que aposta sobremaneira na actua- sas em todo o mundo e juntá-las no seus es-
lidade. Os jornais online tentam acompanhar paços, é graças à publicidade que o jornal se
essas tendências, dando espaço à intervenção abre às pessoas em todo o mundo e procura
dos leitores e integrando estes na produção, congregá-las à sua volta.” Quanto maior for
pelo menos em certas secções, do conteúdo o universo de coisas e eventos coberto pelo
informativo. A interactividade que caracte- jornal, tanto maior será o mundo de leitores
riza o jornalismo online constitui certamente a que o jornal se dirige. Há uma correspon-
também um contributo para a actualização dência directa entre estas duas tendências do
do jornal. É que, com a participação dos jornal, ser universal e dirigir-se a todos. Tal
leitores, há uma consciência mais nítida por como a universalidade tem fronteiras, assim
parte dos jornalistas daquilo que é vivido e também há fronteiras para a publicidade. Se
sentido como actual. o jornal for temático, se à partida delimitar
o universo dos assuntos tratados, como por
exemplo a economia, então o público a que
6 A publicidade
se dirige será mais restrito. Há uma publi-
A última característica de um jornal apon- cidade potencial e uma efectiva. Enquanto a
tada por Groth é a publicidade, querendo potencial tende à completude, a alcançar to-
com isso significar a abertura a todos ou a dos os possíveis leitores, a efectiva é consti-
acessibilidade geral de um jornal. Um jornal tuída por um público determinado, seja geo-
é para ser difundido o mais possível, para, graficamente, de uma cidade ou de uma re-
no caso ideal, ser lido, ouvido e visto, por gião, politicamente, socialmente, etc.
todos. O contrário de publicidade é a inaces- Por outro lado ainda, e também como na
sibilidade ou o secretismo. universalidade, é possível traçar dois círcu-
Publicidade assume aliás dois sentidos los concêntricos à volta da publicidade efec-
distintos, ainda que complementares. Num tiva. O círculo interno da publicidade é a
primeiro sentido, a publicidade refere-se aos área das relações humanas próximas onde
conteúdos que devem ser tornados públicos, não há espaço para a mediação do jornal. No
passíveis de serem conhecidos por todos. seio de uma família, de um grupo de ami-
Historicamente o liberalismo defendeu a pu- gos, de círculos pessoais restritos, com forte
blicidade dos assuntos políticos, económi- coesão, um jornal como mediador seria um
cos, sociais e religiosos, que o estado absolu- elemento supérfluo.
tista procurava manter reservados. O que um O círculo externo da publicidade resulta
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10 António Fidalgo
do facto de certos círculos de pessoas esta- “urbi et orbi”, dirigido à cidade e ao mundo.
rem demasiado afastadas do jornal. Em pri- Os limites são, tal como nos jornais impres-
meiro lugar, existem aquelas pessoas que não sos, as condições culturais, sociais e econó-
dispõem de condições para aceder ao jornal. micas. Para ter acesso a um jornal online
Os analfabetos ficam excluídos à partida da também se necessita de um determinado ní-
imprensa escrita, e os pobres que não têm vel de literacia, condições sociais e económi-
dinheiro para comprar o jornal também fi- cas para aceder a um computador em rede,
cam de fora. Mais importante que esse afa- entre outras. A tendência crescente para ge-
stamento, cultural, social ou geográfico, é neralizar o pagamento dos conteúdos consti-
o afastamento ditado pelo interesse das pes- tui uma barreira à difusão dos jornais online.
soas, ou seja, pelas exigências da universali- Groth faz uma distinção entre intensidade
dade e da actualidade. Para cobrir a universa- e extensão de publicidade, que relativamente
lidade de um determinado mundo objectivo aos jornais online tem de ser repensada.
próprio de um determinado público, há que Por publicidade extensiva ou horizontal en-
descurar outros públicos. Todo o jornal tem tende Groth a publicidade regional, a difusão
de tomar em conta que quanto mais alargada do jornal por leitores espalhados geografi-
for a sua difusão, maior é o círculo de inter- camente, mas que partilham os mesmos in-
esses que tem de contemplar. Nenhum jornal teresses e que apresentam muitas coincidên-
escapa à “lei do aumento de interesses à me- cias nos seus mundos objectivos. Por publi-
dida que aumenta o seu raio de acção”’. Ou cidade intensiva, vertical ou social, designa
seja, nenhum jornal foge à “lei dos custos da Groth o preenchimento desses círculos. No-
distância”, aos condicionamentos de espaço vos indivíduos, com interesses outros, ent-
e tempo. Ora como não é possível acolher a ram também no público, alterando a natureza
imensa totalidade da actividade humana, em deste e levando a uma alteração do conteúdo
toda a sua diversidade, todo o jornal é obri- do jornal ou do seu universo. Quando os
gado a escolher apenas mundos objectivos de jornais tinham como público apenas as ca-
sectores sociais, de transmitir apenas parce- madas sociais mais elevadas, a relação ne-
las. Tem de limitar assim a sua publicidade, cessariamente inversa entre extensão e pro-
de se restringir apenas a um espaço vital par- fundidade não se colocava ou não era um
ticular. Desse modo, são precisos muitos jor- problema. Mas à medida que os jornais se
nais para cada um deles cobrir um determi- massificaram nos finais do século XIX, gan-
nado raio de acção geográfico e social, o seu hando assim uma maior publicidade vertical
espaço jornalístico específico, ficando então ou social, tornou-se inevitável uma restrição
em condições de acolher um conteúdo rela- à publicidade extensiva. É que a actualidade
tivamente universal do mundo objectivo do de uma comunidade circunscrita socialmente
seu público, e de o fazer com actualidade. diverge da actualidade percebida num espaço
O jornal online cumpre por excelência a mais vasto. Ou seja, o que é notícia numa ci-
característica da publicidade ao ser acessível dade e que deve integrar um jornal local (pu-
a todos os que em qualquer parte do mundo blicidade intensiva, social ou vertical) não o
estão ligados à Internet. Se há algo que ca- é para um jornal nacional que visa uma pu-
racterize a Internet é o ser intrinsecamente blicidade extensiva ou horizontal. Pelo que
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Jornalismo Online segundo o modelo de Otto Groth 11
se pode formular a seguinte lei: “Quanto bém estes têm um público determinado com
mais profunda for a publicidade vertical (so- um mundo objectivo próprio, diferente dos
cial) tanto mais estreita será a publicidade mundos de outros públicos. Estender a pu-
horizontal (regional); a publicidade de pro- blicidade até à completude, significaria uma
fundidade é inversamente proporcional à pu- diluição da actualidade ou do conteúdo para
blicidade em extensão.” cada destinatário específico.
Os jornais online têm, pela natureza da In-
ternet, uma publicidade horizontal extrema.
7 As leis fundamentais da teoria
Um jornal online pode versar apenas a vida
restrita de uma pequena comunidade, mas dos jornais
qualquer pessoa no outro lado do mundo Se olharmos para as cinco leis enunciadas
pode aceder a esse jornal tal como o faz um por Groth à luz das quatro categorias do jor-
membro dessa comunidade. As comunida- nal, vemos que também se aplicam aos jor-
des de emigrantes que consultam na Inter- nais online:
net os jornais locais das terras de origem
são um exemplo disso. Contudo, a lei de 1. Quanto mais ampla for a universalidade
Groth sobre a relação inversa entre intensão de conteúdo de um jornal, tanto mais
e extensão da publicidade não deixa de fa- abrangente será a sua publicidade, o seu
zer sentido no mundo online. Esse leitor público potencial. Quanto mais restrito
longínquo do jornal online comunga de al- for o conteúdo, quanto mais especia-
guma maneira dessa comunidade, faz parte lizado, tanto mais restrito será o respec-
dela. É importante frisar isto, porque as co- tivo público.
munidades virtuais que brotaram com a In-
ternet estão sujeitas à lei de Groth sobre in- 2. Quanto mais actual for o conteúdo de
tensão e extensão. Um jornal online também um jornal, maior será a frequência com
tem o seu público bem determinado, ainda que aparece. Ou seja, a periodicidade é
que espalhado por diferentes continentes. O uma função da actualidade.
que importa é a partilha de interesses, a par-
3. Quanto mais ou menos abrangente for
tilha da parcela do mundo objectivo que o
a publicidade pretendida, tanto mais ou
jornal online elege como seu universo. Por-
menos abrangente será a sua universali-
que o que Groth escreve relativamente aos
dade.
jornais tradicionais, a saber, que um jornal
que tivesse como objectivo chegar a todos 4. Quanto menores forem os períodos
os extractos sociais da população de um ter- entre as edições de um jornal, quantas
ritório tão vasto quanto o permitisse a actua- mais vezes um jornal for actualizado,
lidade, só o conseguiria com um conteúdo tanto mais actual será o respectivo con-
em que convergisse o interesse de todos lei- teúdo.
tores desse território, e isso implicaria trazer
sempre uma data de material que seria supér- 5. Quanto mais universal e actual for um
flua para uma grande maioria dos leitores, jornal, tantas mais vezes terá de actua-
aplica-se também aos jornais online. Tam- lizado e maior será o seu público.
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12 António Fidalgo
Com efeito, tendo os jornais online as ca- No que concerne à universalidade, o ideal
racterísticas do jornal encarado como reali- consiste em um jornal dar conta de tudo o
dade ideal, também se lhe aplicam as leis que se passa em todos os mundos objecti-
que decorrem das diferentes relações e com- vos dos possíveis leitores. Um jornal on-
binatórias que essas características estabele- line pode dividir-se por um número ilimitado
cem entre si. de secções e dar conta aí do que se passa
nos múltiplos e diversos sectores da vida hu-
mana. Não há de facto limite aos conteúdos
8 O jornal ideal
que um jornal online pode apresentar. En-
Há nos jornais, como nas outras obras cultu- quanto há um limite de páginas no jornal
rais, uma tendência, um impulso para a per- impresso e um limite de tempo nos jornais
feição ou para o máximo. As características radiofónicos e televisivos que condicionam
do jornal tendem a realizar-se plenamente. o número de assuntos a abordar, esse limite
Esta tendência não tem um carácter valora- não existe a bem dizer no online. No jorna-
tivo, antes deve ser entendida de uma per- lismo de fonte aberta nada impede um leitor
spectiva simplesmente objectiva ou substan- de trazer uma nova notícia e, assim, despole-
cial. É de sua natureza que um jornal tenda a tar um debate, onde surgem novos contribu-
preencher totalmente as potencialidades que tos, confirmações e correcções à notícia.
o caracterizam. A questão da actualidade resolve-se simp-
Ora é neste ponto, na descrição dos limi- lesmente num jornal online por a periodici-
tes ou dos ideais para que tendem os jor- dade deste imergir num contínuo informa-
nais no anseio intrínseco de melhorarem, que tivo. A notar mais uma vez neste ponto é o
emergem claramente as vantagens do jorna- significado especial de actualidade, relativa
lismo online. Para começar, o caso limite sempre a um sujeito. De um ponto de vista
da periodicidade ocorreria quando um jornal, jornalístico, só é actual aquilo de que se tem
liberto dos condicionalismos económicos e consciência como sendo actual.
técnicos, pudesse sair ininterruptamente a Por fim, há a destacar a publicidade ex-
cada momento. A periodicidade seria ass- traordinária de um jornal online. O jor-
umida numa continuidade temporal. Ora é nal online é acessível a todos tal como se
isso que ocorre justamente com os jornais depreende da expressão inglesa que carac-
online. A actualização permanente confere- teriza a informação online “for everybody,
lhes o grau máximo de periodicidade. Nos anytime, everywhere”. Com o incremento
jornais de fonte aberta, e tomamos o slash- da Internet móvel, graças aos satélites, aos
dot.org como exemplo, as notícias sucedem- telemóveis, à tecnologia sem fios, pode-
se umas às outras, num fluxo constante. O mos facilmente conceber um mundo em que
jornal é continuamente actualizado pelos lei- todos os seres humanos estão ligados em
tores e, portanto, a sua forma está em perma- rede, sempre e em qualquer lado. Nesse
nente alteração. De facto, nestes casos temos caso conseguir-se-á eventualmente realizar
um jornal em contínuo, sem períodos de apa- um jornal que atinja os contínuos espaciais
recimento, as notícias estão lá e são contínua e temporais para que, por natureza tendem,
e permanentemente actualizadas.
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- ibidem, p.64
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