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AULA 1

PROCESSOS DE PRODUÇÃO
OTIMIZADOS NO JORNALISMO

Prof. Ricardo Tesseroli


INTRODUÇÃO

O jornalismo e o jornalista na atualidade

As empresas de comunicação mudaram, o jornalismo mudou e


consequentemente o jornalista também mudou. Hoje é inimaginável praticar
jornalismo da forma como era feito na década de 1950, por exemplo. As
transformações do mundo e da sociedade modificaram a maneira com que nos
relacionamos, nos comunicamos e nos informamos. Todas essas mudanças e as
novas formas de produção jornalísticas serão abordadas neste livro-texto.
Vamos navegar pelas oportunidades de produção oferecidas com as novas
formas de consumir informação. Abordaremos as novas maneiras de fazer
jornalismo, a rotina, as habilidades, as possibilidades e as experiências de
produção. Termos e conceitos como interatividade, hipertextualidade,
personalização, convergência, multimidialidade, automação, jornalismo de
imersão, jornalismo colaborativo e realidade virtual farão parte dessa jornada. A
intenção é mostrar as novas possibilidades de produção jornalística em uma
realidade cada vez mais interligada.
Precisamos entender como essas novas formas de jornalismo se
comportam a fim de imergir profissionalmente nesse ambiente que requer, cada
vez mais, um profissional atualizado, capacitado, articulado, capaz de realizar
várias e múltiplas tarefas, versátil e polivalente.
Vamos iniciar traçando um perfil do jornalista contemporâneo, suas
habilidades e principais características. Na sequência, veremos como estão
concentradas em conglomerados as maiores empresas jornalísticas do Brasil.
Demonstraremos como essa concentração resultou em mudanças estruturais que
unificaram as redações e transformaram a forma de produção de notícias.
Junto com essas mudanças internas nas empresas jornalísticas, veremos
como a popularização da Internet modificou a forma com que consumimos
informações e como isso está influenciando o jornalismo, principalmente o voltado
para os dispositivos móveis. Encerramos, destacando a necessidade e os
benefícios da interação no jornalismo atual.
Boa leitura e bons estudos!

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TEMA 1 – O JORNALISTA CONTEMPORÂNEO

Alberto Dines, um dos maiores nomes do jornalismo brasileiro, escreveu


em seu livro O papel do jornal e a profissão de jornalista (1974) que o jornalista é
leitor. Ele justificou a afirmação enfatizando que “o repórter escreve para o chefe
da reportagem, que submete o texto ao copidesque, que leva ao secretário, que
publicará ou não a matéria, dependendo do que ele infere dos gostos do editor do
jornal” (Dines, 2009, p. 73).
A passagem, muito mais do que demonstrar naquele instante que o
jornalista escrevia primeiramente para outro jornalista, nos revela informações
curiosas sobre a estrutura e a rotina das redações de um impresso na década de
1970. Ao ler o trecho, uma das primeiras indagações que nos vem à mente é: toda
a estrutura hierárquica descrita pelo autor ainda vigora nas redações dos jornais
e portais de notícias hoje em dia? A resposta é clara: obviamente não.
O mundo atual não é o mesmo do da década de 1970, e o jornalismo
também não. Aliás, podemos dizer que o jornalismo é uma das profissões mais
dinâmicas que existem, pois está inevitavelmente ligado aos movimentos que
ocorrem na sociedade. Se ele é diferente de cinco décadas atrás, o jornalista
também é. Esse profissional não desempenha as mesmas funções da mesma
forma quando Dines escreveu o livro.
Uma ressalva, entretanto, merece ser feita. Apesar de mutável, existem
características dessa profissão que precisam e devem ser perpetuadas. Conforme
aponta Martins (2018, p. 17), “há capacidades, valores e competências que jamais
mudam e que devem ser inerentes a todos os profissionais, como a honestidade,
a curiosidade, a habilidade no cultivo das fontes de informação e capacidade de
separar suas próprias impressões dos relatos que produzem”. São as mudanças
inerentes à evolução do mundo e do jornalismo, aliadas aos alicerces dessa
profissão, que nos apontarão a direção que nos levará a traçar o perfil do jornalista
contemporâneo.
Para auxiliar nesse processo, apresentamos algumas informações de
pesquisa realizada pelo portal Comunique-se e Apex Conteúdo Estratégico, em
2018, que tratou justamente de traçar o perfil do jornalista brasileiro Os dados
analisados são de mais de 26 mil jornalistas que atuam em veículos de
comunicação no país. De acordo com o levantamento:

• 63,7% atuam em capitais;

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• 72,3% trabalham em mídias com periodicidade diária;
• 51% exercem suas atividades em jornal, televisão ou rádio; Internet vem
na sequência, com 16,6%;
• a editoria geral é a que possui maior número de profissionais (45,6%);
• jornalistas que atuam como pessoa jurídica (PJ) (31,2%) se aproximam do
número de registrados (36,5%);
• 51,6% são pós-graduados 41,4% concluíram ao menos uma
especialização, 8,3% têm mestrado e 1,9% são doutores;
• 59% informaram que dominam de três a seis “habilidades” relacionadas à
área e 20,7% disseram ter conhecimento em sete ou mais atividades;
• 42,5% relataram fazer até três cursos de aperfeiçoamento por ano
(Comunique-se; Apex Conteúdo Estratégico, 2018).

As informações nos permitem colocar uma lupa nos dados e analisá-los


com maior profundidade. Imersos em uma realidade de convergência midiática,
os jornalistas contemporâneos não dominam somente o texto noticioso, mas
precisam entender de produção de fotos, edição de imagens e de áudio, produção
de roteiros, redação publicitária e até organização de eventos. Isso pode ser
comprovado pelo percentual de profissionais com mais de uma habilidade;
conhecem de tudo um pouco e buscam estar em constante aperfeiçoamento, sem
nunca parar de estudar.
Um dado interessante revelado pela pesquisa é que os meios tradicionais
(impresso, rádio e TV) ainda concentram o maior número de profissionais. Apenas
16,6% dos jornalistas atuam exclusivamente com conteúdo para Internet, o que,
contraposto com o crescimento desse meio de comunicação, mostra um campo
ainda com muito potencial a ser explorado.
Acompanhando as transformações das relações de trabalho, percebemos
também o percentual expressivo de profissionais free lancer, que trabalham por
meio de PJ, em detrimento dos que atuam como registrados. A profissão ainda
possui um elevado grau de concentração, com grande maioria dos jornalistas
atuando em capitais. Tal constatação também nos alerta para a necessidade de
uma interiorização do jornalismo profissional. Por último, vale ressaltar a
predominância de jornalistas em veículos diários, tornando perceptível a cultura
da produção de notícias em larga escala e o tempo todo, marca registrada do
jornalismo contemporâneo.

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Os dados nos mostram que o profissional de hoje deve atuar em sintonia
com as necessidades do jornalismo atual, entender o que é um texto jornalístico
e saber produzi-lo, mas sem esquecer que deve conhecer a linguagem da Internet,
saber trabalhar com ferramentas de edição de áudio, vídeo e imagens, entender
de arquitetura de informação para a web e trabalhar com estratégias de produção
para smartphones.
Ele não é mais aquele com o bloco de anotações e uma caneta nas mãos,
o fotojornalista correndo com sua câmera nem o repórter com o gravador em
punho; também deixou de ser o único responsável por uma única notícia para uma
plataforma. Trata-se de um profissional plural e, como vamos ver mais adiante,
divide a função de produtor de conteúdo com o leitor ou o consumidor das notícias,
invertendo a lógica apresentada por Dines, segundo a qual o “jornalista é um leitor
em função de emissor” (Dines, 2009, p. 73). Agora, o consumidor também é
produtor, e o jornalista deverá levar isso em consideração dentro da sua rotina de
produção.

TEMA 2 – AS EMPRESAS JORNALÍSTICAS

A história da imprensa brasileira, que começa no início do século XIX com


os jornais Correio Braziliense e Gazeta do Rio de Janeiro, é conhecida por todo
jornalista que passou por um curso de graduação; por isso, detalhar essa evolução
histórica até os dias de hoje não é o objetivo deste tema. O que pretendemos
mostrar é como as empresas jornalísticas estão organizadas atualmente para,
logo em seguida, identificar as implicações que isso acarreta no fazer jornalístico
e nos processos de produção. Passamos então a destacar como os grupos
empresariais de comunicação estão organizados.

2.1 Conglomerados de mídia brasileiros

Não são novidades a fusão, a incorporação, a compra e até o encerramento


de atividades de veículos de comunicação no Brasil. Esse movimento se
intensificou a partir da redemocratização e foi se acentuando ainda mais com o
rápido desenvolvimento de novas formas de comunicação e interação.
O primeiro conglomerado de mídia no Brasil foi criado na década de 1920
quando Assis Chateaubriand fundou o Diários Associados. A corporação já foi o

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maior conglomerado de comunicação do Brasil. Chegou a incorporar 37 jornais
impressos, 32 emissoras de rádio, 18 canais de TV e 7 revistas.

Advogado de formação e jornalista por ofício, montou o primeiro império


midiático do Brasil e do continente sul-americano, o conglomerado
Diários Associados, regido por um complexo conjunto de regras,
estatutos e propriedade cruzada que o definem como “condomínio
acionário”. Sua influência política no Brasil foi considerável, abarcando
um período que foi do entre guerras (1918-1939), antes da Crise de 29,
até o auge da Guerra Fria e o início do Regime Militar (1964-1985).
(Aguiar, 2015, p. 176)

Todo esse império passou a se dissolver na década de 1960 quando


Chateaubriand, antes de morrer, distribuiu cotas das empresas para 22 amigos. É
certo que a dissolução dos Diários Associados possibilitou o início de novos
conglomerados de comunicação no país. Atualmente, de acordo com o relatório
do projeto Monitoramento da Propriedade da Mídia (Media Ownership Monitor –
MOM), ferramenta de mapeamento criada pela ONG Repórteres Sem Fronteiras
(RSF), cinco grupos controlam metade dos 50 veículos de comunicação com
maior audiência no Brasil (MOM-Brasil, [s.d.]). No Quadro 1, a seguir, eles estão
listados, juntamente com suas empresas.

Quadro 1 – Maiores conglomerados de mídia do Brasil

Conglomerado Empresas integrantes


Grupo Globo Rede Globo (TV Globo, TV Globo Internacional, Globo
News, SporTV, Premiere, Bis, Viva, OFF, Combate, Gloob,
Gloobinho, GNT, Megapix, Multishow, Mais na Tela); canais
Globosat; Sistema Globo de Rádio (Rádio Globo, CBN, BH
FM); Portal Globo.com; Infoglobo (Jornais O Globo, Extra,
Expresso da Informação e Valor Econômico); Editora Globo
(revistas Época, Galileu, Época Negócios, Marie Claire,
Crescer, Globo Rural, Casa & Jardim, Casa e Comida,
Pequenas Empresas & Grandes Negócios, Autoesporte e
Quem); gravadora Som Livre; Zap Imóveis; e outros.

Grupo Folha Jornal Folha de São Paulo, Jornal Agora São Paulo, Portal
UOL, DataFolha, Publifolha, Datapress, Transfolha,
Pagseguro, TV Folha e Plural Editora.
Grupo Rede Band (Band TV, BandNews TV; BandSports, Band
Bandeirantes Internacional, Rede 21; TV Terra Viva; Arte 1, AgroMais,
Conmebol TV); redes de rádio (Band FM, BandNews FM,
Rádio Bandeirantes, Nativa FM, Play FM, Band Vale FM,
Educadora FM, Stereo Vale FM); Metro Jornal; e Portal
Band.com; e outros.
Grupo Record Rede Record (Record TV, Record TV Internacional, Record
News, Rede Família); rádios (Record, Guaíba, Sociedade,
Capital, Contemporânea, Record Campos, Record Europa).

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Jornal Correio do Povo; Portal R7; e veículos da Igreja
Universal do Reino de Deus.
Grupo RBS RBS TV (RBS TV Porto Alegre, RBS TV Bagé, RBS TV
Caxias do Sul, RBS TV Cruz Alta, RBS TV Erechim, RBS TV
Passo Fundo, RBS TV Pelotas, RBS TV Rio Grande, RBS
TV Santa Cruz do Sul, RBS TV Santa Maria, RBS TV Santa
Rosa, RBS TV Uruguaiana); rádios (Sede da RBS TV Caxias
do Sul em 2008, Gaúcha, Gaúcha Santa Maria, Gaúcha
Serra, Gaúcha Zona Sul, Farroupilha, CBN Porto Alegre, 92
FM, 102.3 FM e Rede Atlântida); mídia impressa (Jornal
Zero Hora, Diário Gaúcho, Pioneiro, Revista Atlântida);
Internet (ClicRBS, G1 RS, GaúchaZH); e outros.

Fonte: Adaptado de MOM-Brasil, [S.d.].

A formação de conglomerados – não somente no Brasil, mas em todo


mundo – fez com que, por inúmeros motivos, as redações se integrassem e as
rotinas da produção jornalísticas fossem transformadas. Um dos principais fatores
dessa mudança é o econômico. “Centralizar a produção de notícias é uma forma
de reduzir custos com pessoal, com espaço físico, com meios de transporte e com
outros materiais necessários à realização do trabalho” (Fonseca, 2005, p. 127).
Essas modificações, aliadas aos avanços tecnológicos, fizeram surgir uma
série de conceitos amplamente aplicados e estudados no jornalismo, que serão
detalhados na sequência.

2.2 Convergência jornalística

Nas novas redações dos conglomerados midiáticos, não existe mais


separação entre jornal impresso, portal de notícias, revista, rádio ou televisão. “As
rotinas produtivas são integradas e os jornalistas produzem e editam para o jornal,
para o site e para as mídias móveis” (Barsotti, 2018, p. 145). Essa integração fez
surgir o conceito de convergência jornalística, assim definido por Salaverría,
García Avilés e Masip (2010, p. 59):

La convergencia periodística es un proceso multidimensional que,


facilitado por la implantación generalizada de las tecnologías digitales de
telecomunicación, afecta al ámbito tecnológico, empresarial, profesional
y editorial de los médios de comunicación, propiciando una integración
de herramientas, espacios, métodos de trabajo y lenguajes
anteriormente disgregados, de forma que los periodistas elaboran
contenidos que se distribuyen a través de múltiplas plataformas,
mediante los lenguajes propios de cada una.

As redações unificadas passaram a estar conectadas em rede, tornando as


rotinas de produção mais dinâmicas por meio da integração digital. Um exemplo:

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a reunião de pauta, que antes ocorria em determinado horário e local, deu espaço
a uma interação contínua entre repórteres e editores. Os jornalistas podem
debater suas pautas sem hora nem local marcado, conversando pessoalmente ao
longo do dia, via WhatsApp, e-mail ou plataformas de comunicação interna, em
uma rotina muito diferente das redações da década de 1950. Esse jornalismo que
agora é feito em rede não contempla somente os produtos jornalísticos, mas todos
os processos de interações por trás deles e o próprio comportamento e formação
profissional.
O jornalista de hoje, integrante desses grandes conglomerados de mídia,
tornou-se multitarefa. Ele não é mais responsável somente por escrever para o
jornal impresso, mas precisa abastecer com a mesma notícia outros veículos do
grupo, o portal da Internet, a versão online do veículo de comunicação, os boletins
do rádio e as produções para a televisão, tudo com a rapidez e a urgência que o
jornalismo contemporâneo exige e o leitor espera.

TEMA 3 – PRINCIPAIS MUDANÇAS NO CONSUMO DA NOTÍCIA

Desde que o homem tem consciência de sua existência, ele vem


desenvolvendo ferramentas e instrumentos que melhorem sua vida, lhe tragam
mais conforto e melhor qualidade de vida. Tudo começou com as ferramentas e
armas de caça para suprir a necessidade de sobrevivência. Atualmente, as
demandas são outras. Aplicativos como Waze, Google Maps, Uber, WhatsApp e
plataformas de transações bancárias transformaram a rotina do homem pós-
moderno.
As inovações tecnológicas mudaram nossa forma de se relacionar com as
pessoas e com o mundo, modificaram e moldaram nossa maneira de pensar e
agir. Dispositivos de mobilidade, ferramentas, aplicativos, softwares, programas
de computador e a Internet das Coisas têm permeado cada vez mais nossa vida.
Com todas essas transformações, as relações de consumo também foram se
alterando. Para comprar qualquer coisa, não precisamos mais sair de casa. O
banco está na tela do celular, e o restaurante, também; tudo chega até nós, sem
esforço.
É certo que se tanta coisa mudou com o desenvolvimento de novas
tecnologias, nossa forma de consumir notícias também se modificou. Antigamente
era comum acordar em uma manhã de domingo e ir até a banca comprar o jornal
do final de semana ou buscar o exemplar, horas antes, na caixa de correio; hoje

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nem precisamos sair da cama para ficar a par dos acontecimentos. As notícias
estão em todos os lugares, no celular, no tablet, no notebook ou computador de
mesa, em formato escrito, em áudio, em vídeo ou então em todas as formas de
uma vez só. É lógico que os meios de comunicação mais tradicionais, como jornal
impresso, rádio e televisão, não morreram, mas também tiveram que se
reinventar.
É inegável que todas essas transformações democratizaram o acesso à
informação. Temos uma gama maior de informações e conteúdo. Encontramos na
rede diversas formas de se apresentar uma notícia, tanto no conteúdo quanto no
formato. Pode ser por meio de texto, vídeo, foto, infográfico ou até em 140
caracteres. Essa mudança na forma de se consumir informação fez alterar
também o modo de produção das notícias.
De acordo com Cogo e Brignol (2011, p. 83) a principal consequência dessa
nova forma de consumo das notícias

centra-se na passagem de uma lógica hegemônica de transmissão das


informações de forma massiva e generalizada, de um pequeno grupo
produtor a um coletivo indiscriminado, para a possibilidade de produção
de informação e estabelecimento de comunicação de uma forma mais
descentralizada e distribuída para públicos segmentados.

Essa nova forma de produção, apresentação, distribuição e consumo de


notícias fez com que nós nos tornássemos a geração que mais lê e tem acesso a
informações, se comparada a qualquer outra. Para exemplificar a mudança
nesses hábitos, tomemos como exemplo o estudo de André Lemos (2012) que
tratou de apontar diferenças na forma como que um leitor acessa as notícias de
um jornal impresso ou de um dispositivo digital.

O jornal impresso tem o papel como suporte, onde os caracteres estão


previamente fixados. Ele é um produto acabado, com uma
temporalidade própria (quotidiano em sua maioria) que indica uma
determinada postura corporal (sentado, folheando as páginas) e
momento especial de leitura, mais focado, já que o produto é oferecido
de forma finalizada ao leitor. Ele é barato, portátil e descartável. (Lemos,
2012, p. 120)

O autor contrapôs a experiência de leitura com o material jornalístico


produzido para web, destacando que “o jornal na web é aberto, com conexão entre
links que oferecem possibilidades de leituras mais rápidas e eficientes” (Lemos,
2012, p.120). A experiência é completada informando que

não há um fechamento temporal já que no jornal na web as atualizações


das matérias são constantes e, diferentemente do impresso, há formatos
multimidiáticos e interativos. Esse produto jornalístico oferece ainda a

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possibilidade de acesso a arquivos em bancos de dados, criando uma
gigantesca memória informacional disponível através de alguns cliques.
(Lemos, 2012, p. 120)

A experiência descrita certamente já foi vivida por cada um de nós.


Portanto, é seguro afirmar que nos dispositivos digitais a leitura é mais aberta e
tem caráter multimídia, com links, experiências novas de navegação e seleção de
assuntos, com interatividade, sem falar na adaptação da apresentação das
notícias às telas touch-screen e aos movimentos de rotação dos smartphones e
tablets.
O leitor consome informação surfando entre uma matéria e outra,
selecionando o aquilo que deseja ler. A experiência faz com que muitos naveguem
e pulem de uma notícia para a outra fazendo seus recortes informativos,
selecionando e lendo somente aquilo que lhes interessa.
Ao mostrar o resultado de uma pesquisa que descreveu os hábitos do leitor
de notícias contemporâneo, Knewitz e Jacks (2013, p. 94) afirmaram que “os
leitores costumam fazer amplo uso do hipertexto e dos recursos interativos e
multimídia, sendo que, no que tange à multimodalidade, esta se mostrou a
modalidade de leitura que mais a explora”.
Todas essas mudanças nos hábitos de consumo de notícias, aliadas às
transformações pelas quais passaram as empresas jornalísticas ao longo dos
anos, modificaram a forma de produção das notícias e fizeram o jornalismo e o
jornalista entrarem na era dos dispositivos móveis, como veremos a seguir.

TEMA 4 – O JORNALISMO NA ERA DOS DISPOSITIVOS MÓVEIS

Foram necessários somente 36 anos para que o celular se transformasse


de um tijolo analógico que pesava quase 800 gramas no aparelho eletrônico mais
utilizado no mundo. Quando foi lançado comercialmente em 1984, só realizava
chamadas telefônicas, hoje faz parte do nosso cotidiano e cada vez é mais difícil
imaginar a vida sem ele. Nenhum outro eletrônico passa mais tempo conosco do
que o celular.
A possibilidade de manter o contato com amigos, familiares e colegas de
trabalho, enviar e receber informação em tempo real, ter maior sensação de
segurança, efetuar compras, entretenimento e até pertencimento social se
incluem entre os muitos motivos que nos fazem ter um celular.
A quarta tela promoveu uma verdadeira revolução no mundo e obrigou o
jornalismo e os jornalistas a se adaptarem. Uma das principais transformações na
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forma de produzir e consumir notícias, com a popularização dos smartphones, foi
o que Canavilhas e Fidalgo (2009, p. 112) chamaram de mudança do sistema pull
para o sistema push: “Podemos consultar as notícias por iniciativa própria (pull),
ou podemos recebê-las por iniciativa alheia (push)”. Para os autores, o jornalismo,
em tempos de dispositivos móveis, vai passar de um padrão em que o leitor
procurava pelas notícias para outro, no qual elas lhe serão oferecidas.
Essa conceituação é fácil de ser exemplificada: antigamente erámos nós
que íamos até a banca, ligávamos o rádio ou a televisão na hora do jornal para
tomar conhecimento das notícias; hoje recebemos os alertas diretamente na tela
do celular, nos convidando a lê-las. A lógica se inverteu: em vez de o leitor
procurar a notícia, muitas vezes é ela que o “procura”.
Parece uma constatação simples, mas somente esse detalhe, por si só, já
é responsável por significativas mudanças na forma de se fazer jornalismo, pois,
além de informar, o jornalista precisa “vender” sua matéria, apresentá-la de forma
atraente para conquistar o leitor. Esse fato, aliado a tantas outras particularidades
da produção jornalística para dispositivos móveis, requer que o profissional
expanda e aperfeiçoe seus conhecimentos. “O jornalista necessita compreender
a linguagem, a forma como uma informação será exibida e qual a ação do público
ao visualizar isso” (Mello et al., 2015, p. 87).
Isso fez não apenas que os jornalistas passassem a entender de aspectos
que vão além do saber específico para exercer a profissão como também levou
programadores e designers de web a frequentarem as redações. “É necessário
neste momento um acoplamento por parte do jornalista sobre o processo de
criação de software e de adequação do conteúdo para este tipo de formato” (Mello
et al., 2015, p. 95). Os aplicativos para smartphones e tablets inauguraram uma
nova e complexa fórmula de fazer jornalismo em que é necessário criar
linguagens, formatos e novas possibilidades a fim de oferecer ao leitor um formato
atrativo e diferenciado de consumo de notícias.
A leitura na tela do celular revolucionou a forma de o consumidor se
relacionar com a notícia. “O hipertexto muda os fluxos sequenciais da leitura e
possibilita ao leitor embaralhar e entrecruzar os textos inscritos na memória
eletrônica” (Mello et al., 2015, p. 85).
Assim como nos computadores de mesa e notebooks, a navegação por
meio da hipertextualidade é uma das principais características do jornalismo para
dispositivos móveis. “A possibilidade de ligar blocos de informação através de

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links permite ao utilizador fazer um consumo noticioso personalizado com um
simples toque no monitor do dispositivo” (Canavilhas, 2012, p. 7). Mesmo que a
leitura de textos longos seja um obstáculo para o jornalismo aplicado aos
smartphones, o som, os vídeos, a interação e a navegação compensam as
limitações impostas pelo tamanho dos aparelhos. A notícia voltada para os
dispositivos móveis é variada e rica pela sua incorporação de inúmeros conteúdos
em um único.
Hipertextualidade, personalização, convergência, multimidialidade,
interatividade e atualização contínua são termos que norteiam o jornalismo para
dispositivos móveis. É nesse ambiente que a produção de notícias se insere.
Fazer jornalismo em meio a esse contexto é o maior desafio dos profissionais,
pois deixou de ser uma atividade “de cima para baixo”, se tornou horizontal,
participativo, é isso que veremos no próximo tema.

TEMA 5 – A INTERAÇÃO NO JORNALISMO CONTEMPORÂNEO

Antes da popularização da Internet e das redes sociais digitais,


praticamente inexistia interação no jornalismo feito pelos meios de comunicação
tradicionais. O leitor podia telefonar para a rádio ou para a televisão, mandar uma
carta ao jornal ou à revista, entretanto a resposta era tímida e, em muitos casos,
até nula. Os jornais e revistas reservavam uma página ou coluna para ser o
“espaço do leitor” no qual publicavam pequenos comentários da audiência. Essa
era a interação. No rádio era um pouco diferente, o leitor telefonava, participava
ao vivo da programação, mas esse hábito era quase exclusivo dos programas
músicas. Na TV, essa troca entre produtores de notícias e leitores praticamente
inexistia.
Nesse período, era o jornalista que fazia uma avaliação subjetiva daquilo
que leitores, ouvintes e espectadores mais gostavam, de acordo com os critérios
de noticiabilidade. Mas no fundo era o gatekeeper quem escolhia aquilo que o
público ia consumir de notícia; era ele que tinha o crivo do que interessava ou não
ao leitor. Hoje essa lógica mudou.
Para que a troca de informações entre quem produz e quem consome
notícias passasse a fazer parte do planejamento jornalístico, foi preciso o próprio
jornalismo se sentir ameaçado pelos novos meios de comunicação. Nesse
sentido, o jornalismo digital é, entre as novas mídias, o que tem se mostrado mais

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eficaz em trazer o leitor para próximo das redações. A própria web é abastecida
pelas informações que os leitores mais apreciam.
A nova cultura que colocou notícias como um produto à venda acelerou o
processo de ouvir as preferências dos leitores e convidá-los a interagir.

Produto à venda ou não, a notícia online utiliza muitos recursos criados


com mote comercial para dar ao jornalismo um ar mais participativo. Os
comentários de uma matéria, o ranking de notas, estrelas e posições, e
as conexões com outras páginas permitem ou ao menos simulam a
participação do leitor na produção de conteúdo. (Seligman; Furtado,
2011, p. 394)

Juntamente com os recursos oferecidos por meio das páginas da web e


aplicativos dos próprios veículos de comunicação vieram os perfis e páginas em
redes sociais como Twitter, Instagram e Facebook. Estas também servem como
termômetro dos gostos, preferências e participação dos leitores.
A estrutura do texto para web é outro fator que incentiva o leitor a interagir.
“Dividir a reportagem em blocos maximiza o potencial de leitura. [...] Como
resultado, os leitores irão se sentir atraídos pelas diferentes partes da reportagem
e por diferentes razões” (Ward, 2007, p. 127). Além disso, o que antes
chamávamos de reportagem multimídia – com textos, áudios, imagens e vídeos –
hoje é oferecido em uma só plataforma, com todos os recursos ao alcance
imediato do leitor. Todo o conteúdo está disponível de forma rápida, prática e
acessível aos olhos e ouvidos de cada um, convidando-o a viver as inúmeras
experiências de aquisição de informação em uma única plataforma.
Dessa forma, o gosto do público passou a ser uma preocupação porque ele
é o alvo das informações – daí a importância de saber quais são suas
preferências, com o que se importa e como reage.
Diferentemente dos meios tradicionais, na web não é preciso mais esperar
a próxima edição do jornal ou da revista para medir a avaliação e a interação dos
leitores. A resposta é imediata. Essas ferramentas de interação e feedback são
hoje um fator essencial no jornalismo digital.

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