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AULA 3

ASSISTÊNCIA PRÉ E
PÓS-CIRURGIA ONCOLÓGICA

Prof. Vitor Mocelin Zacarkim


INTRODUÇÃO

Planejamento cirúrgico e cuidados pré-operatórios na cirurgia oncológica

A crescente complexidade de cuidados e de modalidades terapêuticas no


tratamento do câncer exigem planejamento operatório meticuloso, tendo em vista
que o tratamento oncológico apresenta alta incidência de morbimortalidade,
especialmente nas cirurgias oncológicas radicais de grande porte. Após o
diagnóstico, quando uma intervenção cirúrgica é indicada, a equipe
multiprofissional deve garantir segurança e qualidade de atendimento em todas
as fases do tratamento, englobando cuidados do período pré ao pós-cirúrgico.
Devido a comorbidades prévias, debilidade, idade avançada ou
características relacionadas à doença oncológica, pacientes com câncer
frequentemente podem não estar em boas condições e bem preparados para
procedimentos cirúrgicos radicais. Dessa maneira, o preparo do paciente antes de
procedimentos cirúrgicos se faz necessário para que o se tenha uma boa
tolerância ao tratamento, evitando, assim, complicações inerentes à cirurgia
oncológica.
Nesse âmbito, o planejamento e a definição de risco cirúrgico por meio de
avaliações diagnósticas, físicas e bioquímicas, bem como o tratamento de
comorbidades prévias relacionadas ou não ao câncer torna-se fundamental.
Intercorrências no intraoperatório e no pós-operatório podem ser minimizadas por
intermédio da avaliação, correção e minimização prévia de déficits fisiológicos,
bioquímicos, funcionais, nutricionais e psicossociais pela equipe de saúde.

TEMA 1 – PLANEJAMENTO CIRÚRGICO EM ONCOLOGIA

O planejamento consiste em um processo proativo e deliberativo


fundamental na área cirúrgica. Possui finalidade de reconhecer com antecedência
o que será feito e de que forma, reduzindo o risco de intercorrências e
assegurando o processo de organização na execução dos objetivos previamente
definidos (Gomes; Dutra; Pereira, 2014).
Em cirurgia oncológica, o planejamento deve ser baseado nas condições
clínicas do paciente, objetivos do tratamento, impacto cirúrgico, características
estruturais e na capacidade técnica da equipe. Segundo o Instituto Nacional do
Câncer (2008, citado por Davidson; Routt, 2014, p. 355), na cirurgia oncológica, o

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planejamento cirúrgico deve incluir “todos os cuidados referentes aos princípios
gerais da cirurgia e ao preparo do paciente e de seus familiares sobre as
alterações fisiológicas e mutilações que poderão advir do tratamento”.
Grande parte dos pacientes com câncer serão submetidos a procedimentos
cirúrgicos durante o tratamento da doença e este grupo apresenta características
e comorbidades específicas secundárias à doença ou ao seu tratamento. Sendo
assim, o planejamento cirúrgico nesta população merece atenção especial da
equipe de saúde, pois o preparo cirúrgico neste grupo é complexo e necessita de
atuação multiprofissional e intervenções individualizadas e especializadas
(Ribeiro Junior; Kulcsar, 2013).
Em primeiro lugar, no planejamento terapêutico, é de suma importância que
a instituição de saúde disponha de recursos humanos, físicos e financeiros para
execução de tratamentos cirúrgicos. Conforme a Organização Mundial da Saúde
(2008), a técnica cirúrgica sozinha, sem a disposição de infraestrutura adequada,
equipe técnica e de apoio qualificadas não garante excelentes resultados no
tratamento do câncer (WHO, 2008).
No planejamento do tratamento oncológico, equipes multiprofissionais são
responsáveis pela avaliação do paciente no início do tratamento, orientação e
acompanhamento subsequentes. Recomenda-se que todas as profissões da área
da saúde relevantes devam estar inclusas nesse âmbito, como enfermeiros
oncológicos, cirurgiões, oncologistas e demais profissionais ligados à atenção
psicológica, social, reabilitação e diagnóstico do câncer. Além disso, a elaboração
de protocolos clínicos, mapas cirúrgicos, organogramas, fluxogramas, entre
outros, são de responsabilidade da equipe multiprofissional e podem subsidiar o
planejamento e gestão cirúrgica (Gomes; Dutra; Pereira, 2014; WHO, 2008).
O gerenciamento de recursos como materiais e equipamentos, reserva
sanguínea e reserva de leitos de terapia intensiva também são fatores
fundamentais no planejamento cirúrgico. A estimativa de necessidade de suporte
avançado no período pós-operatório deverá ser prevista previamente de acordo
com fatores subjetivos e com o perfil de pacientes da instituição em particular.
Desta maneira, é possível programar o gerenciamento de leitos em Unidade de
Terapia Intensiva (UTI) em acordo com o procedimento cirúrgico proposto e as
particularidades de cada paciente, subsidiando a produtividade e a gestão da
agenda cirúrgica de maneira adequada (Ribeiro Junior; Kulcsar, 2013; CBC,
2011).

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Medidas como educação continuada, monitoramento de processos,
controle de resultados, tratamentos executados de acordo com protocolos e
diretrizes clínicas, manutenção de padrões de segurança e qualidade, de recursos
como equipamentos e medicamentos, e infraestrutura também são fundamentais
no processo de programação em cirurgia oncológica (WHO, 2008).
Outro fator inerente ao planejamento cirúrgico são os avanços
influenciados pelo desenvolvimento e pelo aprimoramento de exames de imagem,
bem como a fusão de imagens em multimodalidade que auxiliam na orientação
cirúrgica. O conjunto de imagens também subsidiam a impressão de estruturas
anatômicas tridimensionais em tamanho real, contribuindo com a precisão do
planejamento operatório (Wang et al., 2015).

1.1 Planejamento do tratamento focado no paciente

Em oncologia, o atendimento centrado no paciente tem como princípios


respeitar as preferências e as vontades do paciente, garantindo que seus valores
individuais guiem as decisões clínicas referentes ao tratamento. Essa modalidade
permite que o planejamento terapêutico seja guiado por meio da tomada de
decisão compartilhada entre profissionais de saúde, pacientes e familiares
(Balogh et al., 2011).
Segundo Balogh e colaboradores (2011, p. 1.801), o objetivo principal do
planejamento de tratamento centrado no paciente é envolver os pacientes e
familiares no planejamento terapêutico, considerando aspectos sociais, clínicos,
psicológicos e culturais inerentes. Por exemplo, no tratamento cirúrgico da
neoplasia de mama em estágio inicial existem duas opções terapêuticas
equivalentes: a mastectomia ou a retirada do tumor seguido de tratamento
radioterápico. No planejamento do tratamento focado no paciente, as duas opções
terapêuticas devem ser explanadas de acordo com seus riscos, suas vantagens
e desvantagens. A decisão cirúrgica deverá ser tomada de forma compartilhada
pelo médico e paciente de forma individualizada (Balogh et al., 2011).
Dessa maneira, opiniões e considerações do paciente devem ser
solicitadas na definição de cuidados e tratamentos. Todavia, estudos evidenciam
que a decisão centrada no paciente ainda não é adotada por muitos profissionais
(Balogh et al., 2011).

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TEMA 2 – AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA NO PACIENTE ONCOLÓGICO

A avaliação pré-cirúrgica em oncologia tem por objetivo identificar riscos e


morbidades prévias, bem como estabelecer o planejamento perioperatório
individualizado. Intervenções cirúrgicas seguras e eficazes exigem dedicação de
equipes multidisciplinares que garantam a tolerância ao procedimento cirúrgico
com menores riscos de morbimortalidade. O preparo pré-operatório do paciente
por meio de anamnese, avaliação física, exames laboratoriais e de imagem são
definidos de acordo com a patologia apresentada, e são fundamentais para o
sucesso do procedimento cirúrgico (Davidson; Routt, 2014; Frutuoso, 2010).
Frequentes em oncologia, as cirurgias complexas e radicais podem
apresentar alto risco para intercorrências se deficiências e problemas de saúde
não forem minimizados previamente. Dessa maneira, torna-se necessária uma
avaliação global de aspectos físicos, laboratoriais, da doença oncológica e de
outras peculiaridades deste público. Conforme a obra de Ribeiro Junior e Kulcsar
(2013), existem inúmeras diretrizes de avaliação pré-operatória, todavia, nenhuma
traz considerações específicas para pacientes com câncer (Ribeiro Junior;
Kulcsar, 2013).
Nesse contexto, recomenda-se uma avaliação holística global, incluindo a
avaliação de fatores de risco, otimização de comorbidades, determinação do
performance status, elucidação de fatores relacionados ao processo anestésico-
cirúrgico para o paciente e familiares, visando proporcionar condições de saúde
adequadas para o procedimento proposto com manutenção da qualidade de vida.
Além disso, fatores relacionados ao câncer e ao seu tratamento também devem
ser considerados. Tempo de evolução e estadiamento da doença, localização da
lesão, alterações hidroeletrolíticas, uso crônico de corticoides e opioides
consistem em situações em que se deve avaliar o risco-benefício (Ribeiro Junior;
Kulcsar, 2013; Karlil Filho et al., 2011; Davidson; Routt, 2014).

2.1 Exames complementares

De acordo com o Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC, 2011), na


avaliação pré-operatória, a anamnese e o exame clínico devem ser priorizados.
Entretanto, exames complementares podem ser úteis nesse contexto, a depender
do procedimento cirúrgico proposto e da sintomatologia apresentada pelo
paciente. Na perspectiva de cirurgias para diagnóstico e tratamento de neoplasias,

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sintomas relacionados ao câncer e outras comorbidades, uso de medicamentos
contínuos, idade e tratamento oncológico anterior podem acarretar a necessidade
de exames laboratoriais e complementares. Nesse âmbito destacam-se:

1. Hemograma: indicado em todos os pacientes com diagnóstico de


neoplasia, suspeita clínica de anemia ou policitemia, tratamento com
radioterapia ou quimioterapia recente, esplenomegalia, uso de
anticoagulantes, presença de infecções e nos procedimentos cirúrgicos de
grande porte.
2. Contagem de plaquetas e coagulograma: recomenda-se em casos de
sangramentos anormais, neoplasias avançadas, hepatopatias,
esplenomegalias e nas cirurgias vasculares, oftalmológicas e
neurocirurgias.
3. Tipagem sanguínea: indicada nos procedimentos cirúrgicos radicais de
grande porte com alto risco para hemorragia perioperatória. Atentar-se para
reserva sanguínea é fundamental no planejamento cirúrgico.
4. Glicemia: em pacientes acima de 40 anos, uso de hiperglicemiantes,
corticoides, nutrição parenteral, histórico pessoal ou familiar de diabetes.
5. Creatinina: é recomendada a avaliação da função renal pré-operatória em
pacientes acima de 40 anos, histórico de nefropatias, diabetes ou
hipertensão arterial sistêmica.
6. Eletrólitos: pacientes em uso de diuréticos ou corticoides, doença renal,
doença cardiovascular ou hepática associada a edema.
7. Radiografia de tórax: recomendado para pacientes acima de 60 anos, em
casos de doenças cardíacas, pneumopatias, tabagistas, pacientes com
neoplasia e nos procedimentos de cirurgia do tórax ou abdome superior.
8. Eletrocardiograma: em mulheres com mais de 50 anos e em homens com
mais de 40 anos, histórico de uso de droga cardiotóxicas, hipertensos,
cardiopatas (CBC, 2011).

2.2 Avaliação pré-operatória em cardio-oncologia

A avaliação cardiológica pré-operatória em oncologia deve englobar a


anamnese e exame cardiológico completos, considerando fatores de risco
cardiovasculares prévios, comorbidades, e avaliação de possíveis cardiopatias
relacionadas ao tratamento oncológico. Disfunção ventricular esquerda, isquemia
miocárdica, hipertensão arterial sistêmica, pericardites e arritmias estão entre as
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principais intercorrências cardiológicas relacionadas ao câncer, ao seu tratamento
ou a fatores de risco inerentes ao paciente (Karlil Filho et al., 2011).
A detecção prévia de exposição a modalidades de tratamento cardiotóxicas
pode auxiliar na avaliação pré-operatória do paciente oncológico. Conforme
exposto em aulas anteriores, uso de quimioterápicos como antraciclinas,
anticorpos monoclonais e inibidores de tirosina-quinase podem apresentar efeito
tóxico à função cardíaca, bem como o tratamento radioterápico prévio (Karlil Filho
et al., 2011).
A I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia, elaborada em 2011 pela
Sociedade Brasileira de Cardiologia, também recomenda que a avaliação pré-
operatória do paciente oncológico englobe: análise do sistema respiratório, função
pulmonar, de vias aéreas, avaliação da função renal, avaliação hematológica e
risco de tromboembolismo, bem como a influência de efeitos deletérios do
tratamento com quimioterapia e radioterapia nestes aspectos (Karlil Filho et al.,
2011).

TEMA 3 – PREPARO DO PACIENTE E OTIMIZAÇÃO DE RESULTADOS

O preparo do paciente oncológico para procedimentos cirúrgicos é muitas


vezes complexo e desafiador, exigindo uma equipe multidisciplinar na preparação
e manejo pré-operatório. Para o estabelecimento do tratamento curativo ou
impedimento da progressão da doença, a cirurgia no tratamento do câncer
apresenta-se em caráter de urgência (Sahai; Zalpour; Rozner, 2010; Ribeiro
Junior; Kulcsar, 2013).
Dessa forma, o preparo do paciente visa otimizar seu estado de saúde e
reduzir o tempo de espera para o procedimento proposto. Destaca-se que a
população de pacientes, em sua maioria, apresenta debilidades prévias que
devem ser identificadas e minimizadas precocemente, a fim de garantir bons
resultados no tratamento cirúrgico proposto e a redução de risco da
morbimortalidade (Sahai; Zalpour; Rozner, 2010; Ribeiro Junior; Kulcsar, 2013).

3.1 Manejo de comorbidades

O paciente com câncer é clinicamente complexo e pode apresentar


peculiaridades relacionadas a idade, doença oncológica, história pessoal e
características concernentes a efeitos colaterais secundários à radioterapia e à

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quimioterapia. Uma grande parcela dessa população, em muitos casos, é
encaminhada para tratamento cirúrgico com comorbidades negligenciadas
durante a fase inicial do tratamento, com ausência de acompanhamento e
tratamento (Ribeiro Junior; Kulcsar, 2013).
Frequente e de fácil diagnóstico, a hipertensão arterial pode ser prévia ao
câncer ou resultado de efeitos de drogas cardiotóxicas. Por sua vez, o aumento
da glicemia pode ser secundário ao uso de corticoides em protocolos de
tratamento quimioterápico. Nesse contexto, é necessário o controle da
hipertensão, diabetes e outras comorbidades que podem afetar o sucesso
cirúrgico (Ribeiro Junior; Kulcsar, 2013).
O monitoramento glicêmico e da pressão arterial, e do tratamento desses
problemas de saúde pode auxiliar na compensação clínica do paciente
oncológico, reduzindo o tempo de preparo e liberação anestésica para o
procedimento proposto, além de auxiliar na redução de risco de intercorrências
relacionadas ao procedimento anestésico-cirúrgico (Ribeiro Junior; Kulcsar,
2013).

3.2 Preparo e otimização da capacidade funcional

Conforme citado anteriormente, pacientes com câncer apresentam fatores


de risco que podem aumentar significativamente as taxas de complicações
menores e maiores, como o aumento da mortalidade. Fatores agravantes, como
fragilidade, sarcopenia, desnutrição e baixo desempenho podem ser otimizados
por meio de intervenções direcionadas, incluindo reabilitação cardiopulmonar,
controle de diabetes, cessação do tabagismo, suplementação nutricional e outras
medidas adotadas no planejamento pré-cirúrgico (Vermillion et al., 2018).
Exercícios pré-operatórios podem ser eficazes na melhora do desempenho
global do paciente, na diminuição da sarcopenia e no tratamento de fragilidades
causadas pelo câncer ou pelo seu tratamento. As terapias com exercício podem
ser utilizadas em diferentes contextos. Por exemplo, exercícios de fortalecimento
do assoalho pélvico no pré-operatório de prostatectomias e exercícios pré-
operatórios em pacientes com câncer gastrointestinal na melhora da aptidão física
e capacidade funcional basal são eficazes no preparo do paciente nesse âmbito
(Vermillion et al., 2018).
Dentre os benefícios de exercícios nesse período também destacam-se:
diminuição da frequência cardíaca e do consumo de oxigênio, melhora da aptidão

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física e da capacidade funcional, diminuição da fadiga, melhora da função
cardiopulmonar, aumento da densidade mineral óssea, controle do peso e
composição corporal, melhora da função musculoesquelética e controle da
sarcopenia (Vermillion et al., 2018).

3.3 Assistência nutricional pré-operatória

Desnutrição e perda de peso estão relacionadas com a diminuição da


qualidade de vida e de resposta ao tratamento em pacientes oncológicos.
Distúrbios nutricionais como a desnutrição e a perda de peso são frequentes nos
pacientes com câncer, podendo estar presentes em 40% a 80% dos casos. No
contexto da cirurgia oncológica, o trauma cirúrgico associado a déficits nutricionais
está relacionado a intercorrências no período pós-operatório, como fístulas,
infecções, cicatrização inadequada de feridas operatórias, sepse e pneumonia
pós-operatória. Essas intercorrências também acarretam diminuição da qualidade
de vida, prolongamento do tempo de internação e aumento de custos em saúde
(INCA, 2015).
Dada a importância do estado nutricional do paciente oncológico e seu
preparo para procedimentos cirúrgicos, a intervenção nutricional precoce nessa
fase é fundamental. Segundo o Consenso Nacional de Nutrição Oncológica
(2015), a assistência nutricional pré-operatória ao paciente com câncer “deve ser
individualizada, o que compreende a avaliação nutricional, o cálculo das
necessidades nutricionais, a terapia nutricional oral (TNO), enteral (TNE) ou
parenteral (TNP), a alta e o seguimento ambulatorial”.
Estudos e Diretrizes nacionais e internacionais apontam que a dieta
hiperproteica imunomoduladora, iniciada antes da cirurgia de grande porte, pode
prevenir a piora do estado nutricional, melhorar a resposta imunológica e a
cicatrização, reduzir complicações pós-operatórias, diminuir o tempo de
internação, mortalidade e custos hospitalares. Sempre que possível, a via oral é
preferencial na terapia nutricional, devendo ser modificada e adaptada de acordo
com as necessidades e preferencias do paciente (INCA, 2015).

TEMA 4 – CUIDADOS E ORIENTAÇÕES PRÉ-OPERATÓRIAS

Complicações no período pós-operatório podem estar associadas a um


preparo e orientações inadequadas na fase pré-operatória. No período pré-

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cirúrgico é necessário que profissionais de saúde envolvidos nesse processo
estabeleçam vínculo com o paciente e seus familiares, a fim de auxiliá-los na
compreensão de sua condição de saúde atual, procedimentos propostos e
cuidados necessários nesse processo. Sendo assim, cuidados e orientações pré-
operatórias são fundamentais para preparar o paciente para o ato cirúrgico e sua
adaptação a possíveis mudanças causadas pela cirurgia oncológica (Silva et al.,
2017).
Orientações nesse período podem auxiliar na redução do tempo de
internação, na diminuição dos riscos de complicação perioperatória e elevar a
satisfação do paciente quanto ao serviço prestado pelos profissionais. Além disso,
a compreensão do paciente quanto ao procedimento proposto pode auxiliá-lo no
controle da tensão e da ansiedade causadas pelo medo do desconhecido, do
procedimento anestésico-cirúrgico, mutilações e possibilidade de morte,
aumentando assim seu bem-estar psicológico (Silva et al., 2017).
Uma vez estabelecido e obtido o termo de consentimento informado no
âmbito cirúrgico e anestésico, o paciente apto a realizar o procedimento cirúrgico
deve ser esclarecido quanto aos riscos inerentes ao procedimento,
esclarecimento de dúvidas, orientações gerais e cuidados quanto à cirurgia
proposta (Davidson; Routt, 2014; Ribeiro Junior; Kulcsar, 2013).
Dentre as principais orientações e cuidados necessários no período pré-
operatório mediato ou imediato destacam-se:

1. Dieta e jejum: a restrição alimentar é indicada de acordo com o


procedimento proposto e tipo de anestesia. Em geral, para procedimentos
cirúrgicos com uso de anestesia geral, recomenda-se jejum por período
mínimo de oito horas. Cirurgias com uso de anestesias regionais (anestesia
raquidiana e peridural) apresentam menores riscos de complicações
relacionadas ao processo anestésico; todavia, há possibilidade de
conversão destas para anestesia geral. Dessa forma, também se
recomenda período mínimo de jejum de oito horas. Pacientes obesos,
gestantes, portadores de hérnia hiatal e pacientes com grandes tumores
abdominais devem permanecer em jejum por 12 horas. Destaca-se que a
restrição alimentar nesse contexto previne a broncoaspiração, sobretudo
na intubação endotraqueal e indução anestésica. Intervenções cirúrgicas
no trato gastrointestinal podem exigir dietas e preparos diferenciados.

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2. Uso de medicamentos: medicações de uso contínuo devem ser
conhecidas a fim de identificar quais medicamentos devem ser
interrompidos ou continuados. Em geral, deve-se orientar que o paciente
mantenha uso de medicamentos contínuos como betabloqueadores, anti-
hipertensivos, cardiotônicos, broncodilatadores, anticonvulsivantes,
insulina, corticoides, antialérgicos, potássio, e medicamentos psiquiátricos
(exceto inibidores da monoaminoxidase). De acordo com a indicação
médica, a suspensão do uso de alguns fármacos pode ser recomendada,
como hipoglicemiantes orais, diuréticos, anti-inflamatórios não esteroides,
anticoagulantes orais e antiaderentes plaquetários. Destaca-se que é
imprescindível questionar o histórico de alergias medicamentosas no pré-
operatório.
3. Cuidados e preparo da pele: recomenda-se orientar o paciente para uma
boa higiene e banho antes da intervenção cirúrgica, se possível utilizando
degermantes, especialmente na região do campo operatório. A tricotomia
com lâminas é contraindicada pelo aumento de risco de infecção de ferida
operatória. O método mais indicado é aparar parcialmente os fâneros
apenas na área da incisão operatória. O paciente deverá ser vestido com
camisola cirúrgica; recomenda-se ainda a retirada de adornos, próteses
removíveis e roupas íntimas. Na sala cirúrgica a pele deverá ser preparada
com degermantes à base de polivinil-pirrolidona-iodo ou clorexidina e,
posteriormente, pela equipe cirúrgica com os respectivos produtos na
versão alcoólica.
4. Profilaxia antimicrobiana: pacientes com alto risco de infecção do sítio
cirúrgico ou em procedimentos com alta morbidade podem ter benefício
com o uso profilático de antibióticos de acordo com diretrizes ou protocolos
clínicos.
5. Prevenção de tromboembolia: pacientes em alto risco podem se
beneficiar de protocolos de prevenção para tromboembolia. Obesidade,
tabagismo, câncer, doença venosa periférica, imobilidade prolongada,
histórico de trombose, cirurgias abdominais, pélvicas e procedimentos
cirúrgicos extensos estão entre os principais fatores de risco no âmbito do
paciente com câncer. Profilaxia farmacológica, terapias compressivas
extrínsecas e mobilização precoce estão entre as recomendações

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preventivas que podem variar de acordo com o risco individual do paciente
ou do procedimento proposto.
6. Orientações gerais: recomenda-se esclarecer o paciente quanto ao
procedimento proposto, suas possíveis complicações e solucionar dúvidas
e questionamentos. Dessa forma, pode-se contribuir com o preparo para o
procedimento cirúrgico e viabilizar a alta hospitalar (Silva et al., 2017; CBC,
2011; Frutuoso, 2010).

TEMA 5 – PROGRAMAS DE RECUPERAÇÃO APRIMORADA EM CIRURGIA


ONCOLÓGICA

De acordo com o que foi visto em aulas anteriores, o estresse relacionado


a procedimentos cirúrgicos tem a possibilidade de ser prejudicial para o desfecho
cirúrgico do paciente oncológico. Nesse contexto, as vias de recuperação
aprimorada podem promover a minimização da resposta ao estresse operatório,
otimizando a recuperação do paciente e prevenindo efeitos deletérios (Nelson;
Kalogera; Dowdy, 2014; Silva Filho et al., 2018).
A recuperação aprimorada, ou enhanced recovery pathways (ERP),
consiste em uma metodologia de planejamento perioperatório cujo objetivo
principal é melhorar os resultados operatórios por meio de uma abordagem
multiprofissional no gerenciamento de cuidados. Iniciada em 1997 por Kehlet, a
modalidade de assistência tem como base a otimização da assistência cirúrgica,
incluindo orientações pré-operatórias, alívio de sintomas, manejo nutricional,
prevenção de tromboembolia, recuperação precoce da função intestinal,
mobilização física precoce, protocolos de técnica anestésica e de reposição
intravenosa de líquidos (Nelson; Kalogera; Dowdy, 2014; Silva Filho et al., 2018).
Essa modalidade de planejamento cirúrgico tem sido amplamente utilizada
em cirurgias colorretais, gerais, oncológicas, urológicas, ginecológicas, entre
outras. A implantação desse programa por vezes auxilia na redução do tempo de
internação, recuperação acelerada no período pós-operatório, aumento da
segurança e da qualidade dos processos cirúrgicos, redução dos custos em
saúde, aumento da qualidade de vida e do grau de satisfação do paciente,
redução nas taxas de reabordagem cirúrgica e de readmissões (Nelson; Kalogera;
Dowdy, 2014; Silva Filho et al., 2018).

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O programa deve reunir práticas assistenciais aprimoradas, organização de
cuidados e gerenciamento clínico baseado em evidências. Dentre as principais
recomendações dos protocolos de recuperação aprimorada destacam-se:

1. Planejamento e período pré-operatório: recomenda-se a otimização


clínica, a estratificação e a redução de fatores de risco, orientações pré-
operatórias, e optar preferencialmente pelo planejamento de cirurgias
minimamente invasivas, evitar agentes sedativos, eliminação ou
minimização de preparos intestinais (quando viável). Quanto à dieta,
recomenda-se restringir alimentos sólidos na noite anterior ao
procedimento; ingestão de bebida com 100 g de carboidrato na noite
anterior à cirurgia e com 50 g de carboidratos em 2 a 4 horas antes da
cirurgia.
2. Período intraoperatório: é recomendada analgesia imediatamente antes
de ir para sala operatória, infiltração anestésica da incisão cirúrgica,
prevenção farmacológica de náuseas e vômitos, prevenção e controle da
hipotermia intraoperatória e administração balanceada de líquidos
intravenosos (visando equilíbrio entre ganhos e perdas).
3. Período pós-operatório: é preconizado o gerenciamento de náuseas e
vômitos, analgesia poupadora de opioides, retirada precoce de dispositivos
invasivos (exemplo: sonda vesical de demora), estimular a deambulação e
a mobilização física precoce, restrição de transfusões desnecessárias,
introdução de hidratação e dieta via oral precoce e medidas de prevenção
para tromboembolismo, incluindo uso de meias de compressão e
compressão pneumática intermitente (Silva Filho et al., 2018).

Para implantação de uma ERP, destaca-se a necessidade de envolvimento


de todas as equipes multiprofissionais e setores relacionados à assistência
perioperatória, abordando a resolução de problemas e prevenção de
complicações. Recomenda-se que a equipe seja composta por um coordenador
do programa (enfermeiro ou médico) e uma equipe multiprofissional composta por
cirurgiões, anestesistas, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e outros
profissionais envolvidos nos cuidados do paciente cirúrgico (Silva Filho et al.,
2018).

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